It Girl: O problema lolicon no videoclipe de Mr. para Pharrell Williams

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Boa tarde a todos,
A minha apresentação será sobre o videoclipe realizado pelo artista japonês Mr. para o single "It Girl" de Pharrell Williams, que, como saberão, é actualmente uma das estrelas de maior sucesso na música pop norte-americana.
Esta canção pertence ao seu mais recente álbum, G I R L, concebido segundo declarações do próprio, como tributo ao sexo feminino e ao papel das mulheres na sociedade.
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Porém, as boas intenções ficaram aquém dos resultados, e o "tributo" de Pharrell é essencialmente ancorado num lirismo pleno em objectificação sexual e estereótipos de género pouco ou nada emancipatórios.
O videoclipe de "It Girl" foi particularmente controverso, gerando reacções por parte do público e dos media que oscilam entre o elogio e a repugnância expressa em palavras como "sinistro" e "perturbador".
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No centro da polémica encontra-se Mr., nome artístico de Masakatsu Iwamoto, artista visual que realizou o vídeo em conjunto com o designer têxtil Fantasista Utamaro.
Mr., que começou a carreira como protégé de Takashi Murakami, há muito conquistou o seu próprio lugar entre os representantes mais proeminentes

do movimento de arte contemporânea japonesa conhecido por Superflat.
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A explicação das suas pinturas e esculturas é normalmente acompanhada pelas palavras "lolicon" e "moé".
A primeira tem as suas raízes nos anos 70, indicando a subcultura organizada em torno de manga e anime com representações eróticas ou pornográficas de raparigas pubescentes ou pré-pubescentes.
A segunda, refere-se à reencarnação dessexualizada do lolicon popularizada nos anos 2000, cujo foco é a ternura inspirada por personagens tipo "irmãzinha".

Apesar das variações estilísticas, ambos os géneros têm como figura central raparigas-criança representadas segundo o cânone da estética manga-anime, e são dirigidos a um público masculino adulto.
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É neste contexto que os versos titilantes cantados por Pharrell como os que vemos no ecrã –, que, à partida, passariam despercebidos em qualquer canção na MTV, se tornam então problemáticos.
Nomeadamente, quando o objecto sexual se desloca das expectáveis bailarinas voluptuosas que encontramos noutros videoclipes do mesmo álbum, para aquilo que parece ser uma menina de 10 anos tirada de uma série de animação japonesa em "It Girl".
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Aí, a questão ultrapassa a do sexismo prevalente na cultura mainstream para ganhar contornos patológicos, especialmente considerando as raízes lolicon que subjazem à estética de Mr..
Vou agora passar o videoclipe, e depois farei uma breve discussão dos conteúdos.

VIDEO "IT GIRL"

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Como acabámos de ver, Mr. situa a acção de "It Girl" numa estância balnear paradisíaca, onde um grupo de raparigas realiza actividades veraneantes ao longo do dia e noite.
A narrativa, centrada numa menina com o nome quase-impronunciável de Yoshiっ(ch)!!, cobre todas solicitações de um "beach episode".
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Este termo refere-se a um episódio em que o elenco de uma série tira um dia de folga para ir à praia, e é regra geral um filler, ou seja, um episódio sem relevância para a continuidade da história, com mero o objectivo de proporcionar fan service, isto é, situações ou elementos gratuitos, normalmente de carácter erótico, que visam agradar aos fãs.
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Porém, contrariamente aos restantes videoclipes do álbum, "It Girl" coloca Pharrell na posição de um voyeur, cujo contacto com as raparigas é sempre mediado e nunca directo.
Seja através de binóculos ou da interface de um dating sim, o male gaze perpassa o vídeo mas permanece sempre de alguma forma desassociado do objecto de desejo.
No mundo de "It Girl", como do moé em geral, a presença masculina é quase erradicada, restando-lhe posições destituídas de autoridade como "o falhado" ou "o depravado".
Assim, não só a apropriação da linguagem do filler e do fan service equipara "It Girl" a um extra no fundo da cadeia industrial de reificação, como a ficção de Pharrell como pop star e homem de sucesso que sempre consegue a rapariga é recolocada como delirante, narcisista e desligada da realidade.
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Este paradoxo reflecte a natureza pantanosa e complexa das próprias subculturas lolicon e moé.
Apesar do seu desinteresse por mulheres adultas e reais ser comumente atribuído à incapacidade destes homens e rapazes lidarem com novos padrões de feminilidade no pós-guerra, os dados históricos e padrões de consumo parecem substanciar que o lolicon não pode ser compreendido apenas como fantasia de poder masculina, mas como acção combinada entre objectificação e identificação, ressentimento e desejo, resultante de uma experiência de auto-abjecção em que circulam sentimentos de medo, vergonha, inutilidade e desespero dirigidos ao próprio.
Na obra plástica de Mr., este aspecto está presente num apego ao caos bem visível em trabalhos recentes como a instalação Metamorphosis; Give Me Your Wings (à esquerda), ou as pinturas sobre tela queimada (à direita)…
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…Mas também nas suas raparigas-criança, que sempre retribuem o gaze com olhos que tudo absorvem e reflectem, turvando a distinção entre a experiência intra e extracorporal.
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Tal como sugerem diversos autores, mais do que a idade das personagens per se, são estas "linhas turvas" que tornam o lolicon verdadeiramente perturbador.
O transtorno por ele causado na ordem moral e social está, aliás, bem reflectido na sua tumultuosa história legal no Japão e além-fronteiras,
incluindo as controversas "lei dos menores inexistentes" e "lei 156", que aqueceram os ânimos no parlamento e praça pública japoneses,
ou o recente apelo da O.N.U. para que o Japão reforce as suas leis contra o abuso sexual de crianças e pornografia infantil proibindo ou censurando banda desenhada com conteúdos considerados pedófilos – equiparando, desta forma, os produtores e consumidores de lolicon a agressores sexuais em potência.
Dado que não existem indícios de que os conteúdos lolicon tornem o seu público mais propício ao abuso sexual ou consumo de pornografia com crianças reais do que qualquer outro grupo, estes casos são exemplificativos de como a sua aceitação implica romper com uma das acepções mais enraizadas sobre as fantasias sexuais: de que estas são, essencialmente, compensatórias.
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Pelo contrário, a evolução histórica do lolicon mostra um declínio do realismo em favor do chamado "complexo bidimensional", isto é, um reforço gradual da preferência dos consumidores por personagens 2D.
O psicanalista Tamaki Saitō sugere que estes consumidores "percebem que o objecto desejado é ficcional, e desejam-no precisamente porque é ficcional", algo que contraria o nosso entendimento normativo da sexualidade, que insiste que deve ter um objecto no mundo real.
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É neste sentido que, como afirma Matt Alt, "o aspecto mais difícil do vídeo (…) talvez seja a ideia de que a it girl para um dos cantores mais populares da América possa ser uma criança dos desenhos animados", uma obscenidade que seria normalmente descartada como obsessão doentia de um Outro minoritário.
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O próprio Takashi Murakami tem trabalhado esta questão, colocando ícones pop ocidentais em contextos subculturais japoneses, por exemplo, fotografando Britney Spears em fato de banho, mala escolar e vestido de noiva numa homenagem ao manga lolicon Oku-sama wa Shougakusei , que foi um dos alvos da "lei dos menores inexistentes".
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Concluindo, o videoclip de "It Girl" insere-se numa estratégia mais vasta do movimento Superflat para subverter os códigos da cultura mainstream, "minando-os" com uma fenomenologia da experiência abjecta alusiva àquilo que é percepcionado, no Ocidente, como perversões exóticas da subcultura japonesa.
E se é verdade que o álbum de Pharrell Williams falha como o manifesto feminista, podemos afirmar que videoclipe realizado por Mr. para "It Girl" reenquadra este single numa discussão actual em torno da "juridificação da imaginação", e as fronteiras que separam o "nós" de um Outro obsceno e marginal.
FIM!

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