Italianos, Alemães e Japoneses: relações de gênero em fluxos migratórios internacionais para o Brasil (séculos XIX e XX)

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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” BACHARELADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS

RODRIGO FESSEL SEGA

ITALIANOS, ALEMÃES E JAPONESES: RELAÇÕES DE GÊNERO EM FLUXOS MIGRATÓRIOS INTERNACIONAIS PARA O BRASIL (SÉCULOS XIX E XX)

MARÍLIA – SP 2011

RODRIGO FESSEL SEGA

ITALIANOS, ALEMÃES E JAPONESES: RELAÇÕES DE GÊNERO EM FLUXOS MIGRATÓRIOS INTERNACIONAIS PARA O BRASIL (SÉCULOS XIX E XX)

Trabalho de Conclusão do Curso de Ciências Sociais apresentado à Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP), sob a orientação do Professor Doutor Fábio Kazuo Ocada para obtenção do título de Bacharel.

MARÍLIA – SP 2011

RODRIGO FESSEL SEGA

ITALIANOS, ALEMÃES E JAPONESES: RELAÇÕES DE GÊNERO EM FLUXOS MIGRATÓRIOS INTERNACIONAIS PARA O BRASIL (SÉCULOS XIX E XX)

Trabalho de Conclusão do Curso de Ciências Sociais apresentado à Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP), sob a orientação do Professor Doutor Fábio Kazuo Ocada para obtenção do título de Bacharel.

BANCA EXAMINADORA

_____________________________________________________________ Orientador: Prof. Dr. Fábio Kazuo Ocada (FFC/UNESP)

_____________________________________________________________ Prof. Dr. Paulo Eduardo Teixeira (FFC/UNESP)

_____________________________________________________________ Profª. Drª. Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (FFC/UNESP)

Marília, ___ de __________ de 2011.

Para a Cida e para o Beto.

IV

AGRADECIMENTOS

Elenco todas as pessoas que me ajudaram a chegar aqui, na finalização deste projeto. Cada uma citada teve um papel fundamental, de forma direta ou não, para que estas páginas tivessem sido escritas. Foi na UNESP de Marília que aprendi a pesquisar e a tomar o gosto pela pesquisa; que amadureci substancialmente e descobri grandes amigos no decorrer de quatro anos. Entretanto, creio que este trabalho tenha começado muito antes de sequer pensar que Ciências Sociais existisse. Por isso, agradeço ao Dudu por me apresentar outra cultura tão distante, mas tão próxima, como a japonesa; ao Otavio, por ser o primeiro a me mostrar outros possíveis, e a Mari, a Tiaki e a Sensei Emília por abrirem suas casas e suas vidas para a nossa amizade. Agradeço ao Roberto Telles pela difícil tarefa de ensinar a um adolescente o que é esperança e que o conhecimento, sem humildade, de nada vale. Agradeço à Fer, à Vivi e ao Justo por me acompanharem no cursinho. Ao Kiko por me apresentar o universo libertador dos filmes e à Tate que se tornou uma grande amiga e uma mulher competente a quem tenho muito respeito. Agradeço ao Dri, por ser um amigo extremamente confiável, mostrando-me que a amizade é maior que as supostas diferenças; à Milene, pela ética e dedicação com que leva a vida e ao Primow pelas discussões acaloradas sobre as pequenas particularidades do cotidiano. Agradeço também aos professores Ulisses, por me ajudar a escolher entre Marília e Assis, ao Bartô, pela criatividade acadêmica e profissional, e a Cimára, pela sutileza de relacionar a arte da escrita com a arte de viver. Já às amizades construídas na UNESP, agradeço ao Ccenzo, pelos anos que moramos juntos; ao Sérgio, o primeiro “veterano” que conversou comigo (e me acalmou); à linda Marina (in memorian), pela alegria e dedicação inconfundíveis, por ir tão cedo mas deixar seu sorriso por todos os cantos, e à Lélia, pelas risadas, conversas sexualizadas sobre sexualidades e pela (des)organização do I Seminário pela Diversidade Sexual. Agradeço à Julia Maria, por Like A Virgin e outras danças, ao Gil, pelo carinho e confiança, assim como ao Mário e à Bruna, pela liberdade e preocupação com que se relacionam com os amigos. Agradeço também ao Gustavão pela prosa e pelos conselhos V

despreocupados, advindos da sinceridade com que enxerga a vida, e à Milena, pela simplicidade e otimismo contagiante. Um grande amigo ao qual devo agradecer é também o Tintão, uma pessoa que me ensinou que a vida pode ser simples, mas jamais deixará de ser difícil. Tenho muito respeito pelo seu caráter e grande admiração pela sua pessoa. Uma pessoa que, embora não seja de Marília, mas é da UNESP, e que sou muito grato é a Aya, que me apoiou e vivenciou comigo grandes conquistas e também momentos de tristeza. Agradeço pelo apoio incondicional, pela compreensão e pela amizade que até hoje temos. Agradeço também a Pró, amiga querida que me mostrou como a vida pode ir além da compreensão humana, assim como a Samis, minha Yemanjá Nipônica, pelas loucuras nos mares de Peruíbe e de Floripa, entre outras, e à Luaninha, minha Smurfete que chegou depois mas conquistou meu coração com sua graça, com seu sorriso e com sua disposição para viver a vida, me ensinando que podemos sempre dar um jeito pra tudo. Agradeço aos colegas da ‘Turma 100 Estruturas’ pelos quatro anos intensos de aulas, festas e viagens. Ao fazer o intercâmbio para a UNICAMP, no 5o ano, encontrei duas pessoas que colaboraram para que não apenas este trabalho tivesse saído, mas para que muitos outros insights tivessem acontecido. Essas duas pessoas são Mário e Mariana, quase uma dupla sertaneja, que me ensinaram com muito profissionalismo sobre o ser sociólogo e a sociologia brasileira. Se não agradeci antes, agradeço agora. Agradeço aos professores da UNESP que me ajudaram nessa trajetória, como a Profª. Lídia, pelas aulas acaloradas sobre História do Brasil; à Profª. Mirian, pelo cuidado e zelo com os alunos; ao Poker, pelas conversas do primeiro ano, e a Profª. Lúcia, que apesar do passado, fez-me ver a vida com as lentes da grandeza. Agradeço também ao Prof. Odair, sempre presente em minha trajetória e tão minucioso nas suas críticas. Pelas minhas primeiras aulas sobre orientalismo, pelas aulas sobre Revoluções, pelas tiradas de chão no primeiro ano, pelas aulas da pós, pelos conselhos sobre o projeto, pelo carinho como amigo e por me receber tão bem em sua casa quando precisei. Agradeço saudosamente à Ethel que, mais do que uma orientadora nesses quatro anos de UNESP, foi minha segunda mãe e grande amiga. Deu-me bronca VI

quando foi preciso e me aconselhou nas horas difíceis. Alguns conselhos sigo até hoje, à risca! Agradeço pelo enorme coração com que me acolheu, perdido no primeiro ano. Agradeço pelas risadas, pela bolsa PIBIC, pela viagem a Bastos, pelas discussões no grupo, pelo evento que fizemos na UNESP, por me apresentar à ANPOCS ainda no segundo ano, pelo carinho e confiança em mim. Este trabalho é fruto de muitas discussões nossas, assim como o caminho que trilho hoje. À Amandita, pelos anos memoráveis que passamos na UNESP. Minha amiga, companheira de festa e de segredos, agradeço pelas risadas, de Ilha Solteira a Campos do Jordão, e conversas regadas a música. Embora não nos vejamos frequentemente, sei que seremos amigos por muito tempo. Ao Chico, o Leão, que tornou minha passagem por Marília muito mais colorida. Pelas conversas no PET, pelos surtos no corredor e pelas graças a qualquer momento. Meu ator favorito, por emocionar-me tantas vezes quando estava no palco. Ao Julian, o Homem de Lata, pelos conselhos noturnos, pelos “G Light´s” da vida, pela sinceridade cortante e por me apresentar a um universo musical tão grande e denso quanto seu espírito. Aos dois, por conseguirmos juntos o cérebro, a coragem e o coração. E à Mi, nossa Menina dos Sapatinhos de Ruby, que com sua graça me conquistou. A primeira que conversei na fila da matrícula, agradeço pela dedicação e paixão intensa que dedica à nossa amizade, pela Revolução Russa, Mars Volta, show de punk, show de funk, choros pela USP e alegrias estridentes diárias. Obrigado por fazerem de Marília um lugar “onde a gente consegue o sonho realizar”. À

Yvonnão,

pelas

cidades

e

identidades

compartilhadas,

pelas

redescobertas “na mesma pessoa”, pelos porres e sacodes, pelas festas e pelos choros, e pelo destino. Agradeço por me fazer ir até o fim e vir junto, mas ensinar que a mobilidade começa dentro de nós. Ao Asher, por chegar na reta final deste trabalho e me ajudar a entregá-lo. Agradeço por ser meu companheiro atencioso e preocupado, mostrando que a vida se encontra nos pequenos detalhes. Agradeço também à Marluza pela sensibilidade e grande receptividade com que me recebeu na sua vida. Agradeço também à minha Tia Wilma e Tio Zé, pelo apoio incondicional e por terem fé no meu caminho. À Nana, pela sua preocupação com a nossa

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família, pelo seu caráter e sua espirituosidade, e à vó Myrthes, que me ensinou a sorrir. Agradeço, acima de todos esses agradecimentos, ao meu pai Roberto e à minha mãe Maria, ou ao Tio Beto e à Tia Cida, ou simplesmente ao Beto e à Cida. Mais que simplesmente pais, são pessoas que me ensinaram a acreditar e a desconfiar dos seres humanos, mas que sempre acreditaram em mim. Costuraram meu figurino, repassaram as falas, abriram as cortinas e correram pro palco para me aplaudir. Ao meu pai, agradeço por ensinar a me divertir, a ter a noção de espaço, a não formular teorias sobre como o mundo é ou deve ser, mas ir lá e ver, cheirar e sentir. Ensinou a deslocar-me, a viajar pelo Brasil e pelo mundo. À minha mãe, agradeço por ensinar-me a viajar pelos livros, a viajar para dentro. Agradeço a veemente dedicação em ensinar-me sobre a vida, mesmo quando não tem a intenção, e a preocupação, e a coragem, em ser justa. Esse trabalho só foi possível pelo apoio de vocês. Eu só sou possível pelo trabalho de vocês. Por fim, agradeço à PIBIC/CNPq pela bolsa de fomento e imensamente ao Profº Ocada, que aceitou a tarefa de me orientar nesse último ano e ao Ptofº Paulo Teixeira e Profª Tânia Brabo, por se disporem prontamente a compor a banca. Cada um citado aqui teve uma contribuição neste trabalho. Deixo aqui meu muito obrigado a todos.

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Encarada sociologicamente, a migração não é apenas um deslocamento geográfico, mas se constitui na transição de indivíduos, ou de grupos, de uma sociedade a outra. Não se deve entender por indivíduos uma unidade física, mas sim alguém que traz consigo toda uma bagagem cultural, social, e experiências de formas de produção diferentes, enfim, uma sociedade determinada. Nesse sentido, o indivíduo não só representa a sociedade de origem, como a manifesta, através de seu conhecimento, valores, e experiências de toda uma ordem, na medida em que estes elementos foram por ele internalizados desde a infância. Se, por um lado, o imigrante vê-se forçado a deixar a sociedade de origem em vista de algum tipo de adequação, por outro lado ele não consegue se desvencilhar das concepções e relações sociais pertinentes ao tipo de sociedade que realmente operou na formação de sua identidade. Desta forma, o grau de integração do imigrante à nova sociedade não se (sic) pode ser medido através de padrões culturais por ele adotados: a língua, a educação, os hábitos de vida, não constituem sinais de integração, mas são instrumentos que os imigrantes utilizam para se integrar à nova sociedade. (ROCHE, 1969, p. 37).

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RESUMO

Este trabalho propõe aproximar os estudos migratórios internacionais à categoria analítica de gênero. A partir da revisão bibliográfica, mapeiam-se e analisam-se, de maneira comparativa, as relações de gênero que orientam normas e valores dos imigrantes italianos, alemães e japoneses que se dirigiram ao Brasil, desde meados do século XIX até a década de 1930 do século XX. O lócus dessas relações está na instituição social da família, redes de sociabilidade, educação e trabalho, analisando-as como experiências que constituem tanto os sujeitos do processo migratório como o tecido social de toda uma época.

Palavras-chave: Imigração internacional. Relações de gênero. Sociedade rural. Trabalho e família.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .......................................................................................................................... 12 CAPÍTULO 1 ANÁLISE DO CONTEXTO HISTÓRICO BRASILEIRO E DOS FLUXOS MIGRATÓRIOS INTERNACIONAIS ....................................................................................... 15 1.1 Panorama Geral .............................................................................................................. 15 1.2 Imigração Alemã ............................................................................................................. 18 1.3 Imigração Italiana ............................................................................................................ 20 1.4 Imigração Japonesa ....................................................................................................... 22 CAPÍTULO 2 APROXIMAÇÕES ENTRE CATEGORIAS DE GÊNERO, MASCULINIDADES E MIGRAÇÃO........................................................................................ 26 2.1 A Historicização da Categoria Gênero e as Pesquisas Migratórias ........................... 26 2.2 Notas sobre as Masculinidades ..................................................................................... 32 CAPÍTULO 3 ANÁLISE DAS RELAÇÕES DE GÊNERO NAS INSTITUIÇÕES SOCIAIS MIGRANTE ................................................................................................................................ 36 3.1 Educação ......................................................................................................................... 36 3.2 Redes de Sociabilidade .................................................................................................. 38 3.3 Família ............................................................................................................................. 39 3.4 Trabalho ........................................................................................................................... 44 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................. 54 REFERÊNCIAS ......................................................................................................................... 58

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INTRODUÇÃO

Como se sabe, os japoneses, como os italianos e alemães radicados no Brasil, foram tratados durantes esse período [- o da Segunda Guerra Mundial -] como inimigos, perdendo assim, uma série de direitos como os de reunião, de uso e ensino da língua do país de origem, além da necessidade de salvocondutos como documentos de identidade. Não foram poucos os que foram encarcerados e perseguidos como perigos potenciais aos destinos do país. Célia Sakurai1

Este trabalho foi fruto da pesquisa que realizei na iniciação científica, por dois anos, no decorrer do curso de Ciências Sociais na Unesp, sob a orientação da Profª. Drª. Ethel V. Kosminsky2. Sob o guarda-chuva teórico da adaptação e mapeamento da carga cultural trazida pelos imigrantes no começo do século ao Brasil, realizei três relatórios onde discuti a situação migrante na virada do século XX. Embora amplo para o campo da historiografia migratória, procurei compreender as configurações históricas das relações de gênero a partir da sociabilidade imigrante, desvelando comportamentos e ações sociais que influenciaram ou foram influenciadas pela divisão social de gênero. A aproximação entre esta categoria e os estudos migratórios tem por objetivo não apenas elencar as diferenças e semelhanças entre performances3 femininas e masculinas, mas, também, verificar a manutenção dessas, tanto no lugar de origem dos imigrantes quanto no país receptor, no caso, o Brasil. A importância de verificar esta manutenção sob uma ótica hermenêutica, mais apurada, a partir da experiência relatada nas obras analisadas, é decifrar não apenas quem as realiza, no dia a dia, mas também, a quem interessa a manutenção dessas performances de gênero. Resgatei neste trabalho as obras que se preocuparam em descrever os pormenores do modo de vida dos imigrantes, cada qual ao seu tempo e escrita por 1

SAKURAI, Célia. Romanceiro da imigração japonesa, São Paulo: Sumaré, 1993, p. 83. Após o afastamento da Profª. Ethel, o Prof. Fábio Ocada concordou gentilmente em dar continuidade ao trabalho, que já se encontrava em fase final. 3 Utiliza-se o termo “performance” em menção à Judith Butler (1990), autora que critica a separação ente gênero e sexo. Ela afirma que ambas são construções discursivas e culturais, questionando a ideia de que o gênero decorresse do sexo. Por performance de gênero, faz-se referência ao que é construído, ao discursivo, um comportamento que é imposto no e pelo coletivo, que cria e reitera esse comportamento, assim como normas e valores. 2

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diferentes autoras/es, e busquei relê-las com o viés de gênero4, como descrito acima. Esta releitura é uma via de mão dupla, pois ajuda a entender não apenas como se estruturou a imigração no Brasil, mas também repensarmos nos limites alcançados, ou constrangidos, por estas relações. Utilizando o método comparativo, analiso as instituições familiares, as redes de sociabilidade, o processo educativo e as relações de trabalho desses imigrantes que, a partir da interlocução com a sociedade receptora, desenvolveram, modificaram ou reiteraram seus próprios mecanismos de adaptação. Inicialmente, fez-se a leitura de livros relacionados com cada fluxo migratório, assim como a realização de fichamento desse material bibliográfico com a finalidade de identificar e selecionar as passagens mais relevantes para a presente pesquisa. Então, analisou-se cada transcrição com base na teoria estudada anteriormente, de gênero e de migração, com a finalidade de realizar não apenas a análise vertical (comparando os temas levantados nas obras dentro de um mesmo fluxo imigratório específico), mas, também, a análise horizontal, onde se fez uma comparação entre as diferentes performances de gênero nas diferentes etnias, a fim de mapear e analisar esses padrões nos distintos fluxos migratórios. Existe o que se espera desses sujeitos, o que realmente sentem, suas ações e seus lugares de discurso. A intenção dessa pesquisa, portanto, é descortinar a aparência, desmistificar o discurso e compreender as estratégias de adaptação dos imigrantes. O período analisado neste trabalho correspondente desde a tímida vinda dos imigrantes para o Brasil no inicio do começo do século XIX, com a chegada de poucos alemães, passando pelo final do século XIX com a vinda maciça de italianos até o começo do século XX com a chegada dos japoneses. Na escolha por estes três fluxos específicos foi levada em conta a densidade bibliográfica e a diferença cultural entre imigrantes e população local. Por este motivo é que, embora os imigrantes portugueses tenham vindo em maior número ao Brasil, não foram pesquisados por conta de uma maior afinidade com a cultura brasileira. Durante três séculos já vinham imigrando para cá, onde o fluxo se tornara constante, a língua era muito semelhante da terra natal e muitas redes de sociabilidade já estavam firmadas, tornando a história de Portugal intimamente vinculada à do Brasil. 4

Compreendo que a categoria de gênero deve ser estudada em e ao lado com as categorias de classe e raça/etnia, a fim de compreendermos os fenômenos sociais de maneira mais refinada. Essas três categorias, raça/etnia, classe e gênero, são estruturas de poder (KOSMINSKY, 2004) e são elas, no mínino, que organizam as desigualdades de poder da sociedade (SCOTT, 1990).

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Outro fluxo deixado de lado foi o dos espanhóis, em razão da escassa bibliografia específica sobre a sua imigração. Como muitos vieram analfabetos, pouco foi escrito de cartas e documentos. Mesmo quando algo era escrito, não visava especificamente o imigrante espanhol: “Por outro lado, aqueles que tinham condições de produzir registros, como os articulistas e jornalistas espanhóis, ligados ao movimento operário, estavam mais preocupados com os trabalhadores em geral e não especificamente com os espanhóis” (BASSANEZI, 1996, p. 24). Entretanto, os fluxos de italianos, japoneses e alemães são os que têm maior bibliografia, seja na forma livros – escritos aqui ou nas sociedades de origem –, cartas, relatórios de viajantes ou artigos de jornais e também estão entre os cinco fluxos migratórios de maior densidade populacional, em ordem decrescente. Estes dois últimos fluxos, no entanto, até por serem etnicamente mais distintos que a sociedade de destino, acabaram desenvolvendo núcleos coloniais exclusivos onde a idéia de preservar a cultura de seu país de origem se tornou bastante sólida; e com o início da Segunda Guerra Mundial vista como perigosa pelos dirigentes da nação brasileira. Traços dessa solidez ficam evidentes na delimitação do tempo dessa pesquisa. Embora cada etnia tenha chegado ao Brasil em um período específico, escolhi a data de 1930 como o ano final dessa analise. Como transcrito na epígrafe deste trabalho, Célia Sakurai (1993, p. 83) comenta que esses três grupos étnicos (embora não os únicos) foram “perseguidos como perigos potenciais aos destinos do país” por Getúlio Vargas, baseado em teorias nacionalistas e eugenistas. A imigração internacional para o Brasil, a partir da década de 1930, diminuiu acentuadamente, justificando não apenas os motivos os quais eu encerro minha análise, mas também corrobora na escolha pelo estudo desses três. Por último, é valido delimitar o espaço onde foi concretizado o estudo. No contexto geral, pode-se dizer que dei maior importância ao Estado de São Paulo e à região sul do país com maior referência a imigrantes alemães. Isto porque, enquanto os italianos formavam colônias em todo o Estado de São Paulo, com alguns focos da região sul, os japoneses se fixaram, com o passar dos anos, em maior número na região centro-oeste deste Estado e ao norte da região sul do país, com uma maior frequência no Estado do Paraná.

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CAPÍTULO 1 ANÁLISE DO CONTEXTO HISTÓRICO BRASILEIRO E DOS FLUXOS MIGRATÓRIOS INTERNACIONAIS

1.1 Panorama Geral

O Brasil se caracteriza primeiro por ter sido colônia de Portugal e, depois da sua independência política, por ser um país receptor de imigrantes com a contínua chegada dos portugueses após 1822. Com a instalação da grande lavoura de exportação, ainda no período colonial, esses portugueses que aqui chegaram não conseguiram adaptar os índios ao seu sistema de trabalho intensivo e compulsório 5 e preferiram a imigração forçada de negros africanos cativos devido à lucratividade do comercio negreiro e à sua experiência anterior com essa mão de obra na atividade açucareira que se mostrou rentável nas Ilhas do Atlântico (FAUSTO, 2002, p. 24). Apenas no começo de século XIX é que esse quadro começou a se modificar. Com o intuito de defender e povoar as terras da região sul do Brasil, o governo imperial, comandado pelo Senador Nicolau Campos Vergueiro, começou a incentivar a imigração livre de não portugueses. A idéia de se ter uma pequena propriedade policultora nessa região agradou primeiramente aos alemães, que passavam por extremas dificuldades em seu país de origem. O segundo grupo étnico foram os italianos, e, então, outros imigrantes de diferentes etnias começaram timidamente a seguir rumo ao sul do Brasil. A partir da segunda metade do século XIX, mais especificamente a partir da década de 1870, ocorreu uma intensificação do fluxo populacional, sendo que os imigrantes italianos representavam o maior contingente populacional do fluxo migratório, a partir de 1884 (ver tabela I).

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De fato, John Monteiro mostra como o sistema de escravidão permeou o pensamento cultural e econômico da colônia, associando negro e índios à escravidão: “o fato de os portugueses não conseguiram integrar as sociedades indígenas à esfera colonial sem antes destruí-las resultou na elaboração de formas de organização de trabalho historicamente novas, entre as quais a escravidão indígena e africana veio a mostrar-se a mais satisfatória do ponto de vista colonial. Em última instância, sobretudo no litoral açucareiro, a escravidão negra acabou sendo preferida por motivos morais, legais e comerciais.” (MONTEIRO, 1994, p.66).

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Tabela 1 - Imigração no Brasil, por nacionalidade - períodos decenais 1884-1893 a 19241933 Nacionalidade

Efetivos decenais Total

1884-1893

1894-1903

1904-1913

1914-1923

1924-1933

Alemães

22.778

6.698

33.859

29.339

61.723

154.397

Espanhóis

113.116

102.142

224.672

94.779

52.405

587.114

Italianos

510.533

537.784

196.521

86.320

70.177

1.401.335

Japoneses

-

-

11.868

20.398

110.191

142.457

Portugueses

170.621

155.542

384.672

201.252

233.650

1.145.737

Sírios e turcos

96

7.124

45.803

20.400

20.400

93823

Outros

66.524

42.820

109.222

51.493

164.586

434.645

Total

883.668

852.110

1.006.617

503.981

717.223

3.963.599

Fonte: Brasil: 500 anos de povoamento. Rio de janeiro : IBGE, 2000. Apêndice: Estatísticas de 500 anos de povoamento. p. 226

Entretanto, o que explica esta intensificação do movimento imigratório internacional para o Brasil, a partir da segunda metade do século XIX, tem relação com os contextos sociopolíticos brasileiro e dos países de origem desses imigrantes. Neste capítulo, segui os passos de Maria Silvia Bassanezi em Imigrações internacionais no Brasil: um panorama histórico para debater sobre o contexto sociopolítico geral e de cada país em específico, acrescentando outros autores quando necessário. Para a autora, já em meados do século XIX a mobilidade estava presente com o avanço do capitalismo que expulsava os camponeses do campo, fazendo com que se dirigissem para a cidade. Lembra que estas não possuíam a menor infra-estrutura para abarcar o enorme contingente populacional que chegava. Em outro extremo, pode-se dizer que a sociedade moderna também estimula a mobilidade; num primeiro momento, geográfica, devido à falta de recursos encontrados na região, cidade ou país. Com a construção das fábricas, ferrovias, avanço das cidades, mecanização do campo, o agricultor acaba perdendo sua pequena propriedade e, em muitos casos, vira proletário nas fábricas da cidade. A Revolução Industrial, iniciada em meados do século XVIII e expandida no século XIX, não mudou apenas o modo de se produzir, mas a forma de pensar e de viver. Em um período de grande transição, as instabilidades políticas e sociais também estavam presentes, muitas vezes junto com a fome e a miséria, culminando no período das “grandes imigrações humanas do século passado [XIX] e da primeira

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metade do século XX” (BASSANEZI, 1995, p. 3). Este período caracterizou-se pelas emigrações oceânicas, não só da Europa, mas de vários países do globo. É dentro deste contexto que o Brasil se encaixa como um dos receptores deste contingente populacional migratório. A razão de se receber tantos imigrantes foi devido principalmente ao café. Sobretudo, depois da abolição da escravatura, e com a expansão cafeeira, os grandes cafeicultores brasileiros ansiavam, e muito, por mão de obra livre para trabalhar na lavoura, não poupando esforços para trazer imigrantes para o país. Junta-se a isso a construção de linhas ferroviárias e os processos de industrialização e de urbanização que também necessitavam de um grande contingente populacional para se realizar. Outro fator importante é a escolha da própria mão de obra européia. O privilégio por estes imigrantes e, por certas etnias, tinha, como pano de fundo, fatores ideológicos presentes na nova ordem que o governo brasileiro da época queria instituir. Políticas de embranquecimento deram vantagem aos imigrantes brancos europeus em prejuízo a outro segmento da população já existente – a negra, em especial. Muitos vieram subsidiados de sua terra natal pelo dinheiro do café, acreditando que ao chegar aqui iriam encontrar facilidades. Além de subsídios e políticas imigratórias, outros incentivos por parte do Brasil atraíram muitos europeus e asiáticos. Um deles foi o papel desempenhado pela propaganda. A maioria dos que chegaram ao Brasil, acreditava que faria fortuna, pois o país representava a terra da oportunidade. Muito foi o investimento para que o imigrante tivesse essa idéia. “Tinham vindo parar nessa fazenda infestada de malária, iludidos pela propaganda do intérprete japonês, pensando terem encontrado a ‘terra prometida’” (HANDA, 1987, p. XIX). Assim como este excerto, muitos outros ao longo da leitura foram encontrados, indicando o poder persuasivo adotados pelos governos6. Outro atrativo, além da possibilidade de poupar dinheiro, era a idéia de ter acesso à terra, poder cultivá-la e ser seu próprio dono, situação que nos países de origem dos imigrantes analisados tornava-se cada vez mais impraticável. Foram esses os fatores que atraíram os imigrantes para o Brasil, durante todo o período dos grandes fluxos migratórios. 6

É interessante ressaltar também que não apenas o governo incentivava a imigração mas também alguns cafeicultores ricos do interior do estado de São Paulo, inclusive subsidiando-a. Entretanto, a maioria destes também faziam parte da elite, ocupando lugares de destaque no cenário político e econômico do estado de São Paulo.

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Entretanto, a partir de 1930, a historiografia migratória do Brasil começou a ter outro desfecho. Até então, ainda em seu início, o avanço tecnológico no campo ainda gerava uma necessidade de massa trabalhadora. Já no começo da década de 1930, o nacionalismo passou a ser incentivado, medidas restritivas envolvendo a imigração passaram a vigorar, gerando inúmeras tentativas de assimilação dos imigrantes e seus descendentes. Com o início da Segunda Guerra Mundial, as perseguições se tornaram frequentes em relação aos imigrantes, tanto por parte do governo quanto entre imigrantes de uma mesma etnia. Por esses motivos, o fluxo migratório internacional, em um contexto mais amplo, começou a decair, embora nunca tenha cessado definitivamente. O período aqui analisado se encerra nesta época exatamente por causa dessa mudança em relação ao imigrante, agora tido como uma ameaça. A seguir, analiso o contexto específico de cada fluxo, as suas particularidades e características específicas.

1.2 Imigração Alemã

O começo da imigração alemã para o Brasil é datado desde o início do século XIX, embora em números ainda muito reduzidos. Foi crucial para a vinda destes imigrantes não apenas os incentivos brasileiros como também o momento histórico que a Alemanha enfrentava. Da parte brasileira, a vinda da Família Real para o Brasil acarretou diversas mudanças, e uma delas dizia respeito às políticas imigratórias realizada por D. João VI. Seus vários decretos possibilitaram a significativa entrada desses imigrantes, em 1824 (SEYFERTH, 1999, p.274), no sul do país, embora desde 1808 já existissem indícios da vinda de alguns (SEYFERTH, 1999, p.273). Contudo, não só esses incentivos foram relevantes para o direcionamento do fluxo alemão ao Brasil. No começo do século, a situação na Alemanha era de extrema instabilidade. Crises políticas e sociais abalavam a sociedade alemã, o que provocou aos agricultores a perda de suas terras e intensificou o êxodo rural para as cidades, cujas estruturas ainda eram muito precárias, gerando pequenos Estados pobres por todo o país. Na maioria das vezes, quem não queria virar proletário ou trabalhar com artesanato na cidade, a única saída encontrada era a emigração.

19

Durante todo o período analisado no presente estudo, nota-se uma concentração maior desses imigrantes na região sul do Brasil, seguida do Estado do Espírito Santo e, depois, São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Observa-se que muitos desses imigrantes, usando um conceito atual, caracterizam-se por serem transmigrantes7, pois usaram o Brasil apenas por um momento temporário, dirigindose depois, principalmente, para a Argentina, ou, então, para os Estados Unidos. Outra ressalva importante é o retorno, uma vez que muitos desses acabaram voltando para seu país de origem. Alguns estudos mostram a constância do abandono dos lotes, a insatisfação dos imigrantes com as condições de vida nas colônias e a freqüência das transferências de uma área colonial para outra, da reemigração e do retorno ao país de origem [...] (ROCHE, 1969; SEYFERTH, 1988a, 1996a, WILLEMS, 1946). Na verdade, os dados estatísticos revelam, aproximadamente, quantos alemães entravam no Brasil como imigrantes, mas não existem informações confiáveis sobre quantos realmente permaneceram. (SEYFERTH, 1999, p. 274-5).

Porém, os que permaneceram no Brasil, consideravelmente, transformaram a paisagem social dos Estados e da região à sua volta. Uma das características marcantes da vinda dos imigrantes alemães para o Brasil, principalmente, nos Estados do sul, é quanto ao estabelecimento em áreas pioneiras, a grande homogeneização de suas colônias e o isolamento étnico. Nenhum fluxo imigratório representou tamanho isolamento e colônias tão homogêneas como entre os alemães. A causa disso, além das grandes diferenças culturais como a língua e a religião, em alguns casos, ocorreu devido ao fato da colonização ser dirigida pelo governo e por companhias particulares, com a finalidade de implantar um regime de pequenas propriedades agrícolas. Os imigrantes, então, rumavam diretamente para as áreas pioneiras, onde já estavam delimitados seus lotes. Com o passar dos anos, a população dessas colônias foi aumentando, o que proporcionou uma nova mobilidade populacional a partir da segunda geração. Desse aumento populacional, muitas áreas colonizadas se transformaram em cidades, acarretando na vinda de outras etnias. Porém, esse avanço fez com que os imigrantes alemães quisessem preservar a cultura alemã, sendo, então, criadas escolas de língua, associações culturais e assistenciais, atividades esportivas,

7

Conceito apropriado em SCHILLER, Nina GLICK; BASH, Linda. From immigrant to transmigrant: theorizing transnational migration. In: Migration and Transnational Social Spaces, Aldershoot, Inglaterra, v. 68, p. 48-63, 1995.

20

assistência religiosa e veículos de comunicação como jornais, por exemplo. Com o tempo, esta distinção étnica, surgida a partir da homogeneidade das colônias, começou a chamar a atenção dos nacionalistas. Pretensões assimilacionistas começam a rondar a colônia, desde o império até muito depois da consolidação da República. Questões relativas à pressuposta superioridade racial ariana apenas intensificaram os debates sobre assimilação e conflitos ideológicos no começo de século XX. Já em 1930, a campanha de nacionalização do Estado Novo versus a campanha nazista feita nas colônias culminou no fechamento de escolas étnicas e no surgimento de escolas clandestinas, na apreensão de livros e materiais nazistas; uma nacionalização forçada por parte do governo entre outras medidas radicais. Com o fim da Segunda Guerra Mundial, essas colônias passam por uma época frutífera de desenvolvimento econômico, de expansão territorial e de maior integração à cultura e ao povo brasileiro. Muitas delas, no entanto, sem grandes mudanças culturais devido à reabertura de escolas e associações e, sobretudo, pela preservação de seus fortes laços étnicos.

1.3 Imigração Italiana

O fluxo imigratório italiano é o que não só apresenta maiores informações, tanto de cunho acadêmico quanto literário, como também compreendeu um número de imigrantes altíssimo no período estudado, como explicitado ainda na tabela 1. Embora tenha suas próprias particularidades, alguns fatores de expulsão dos imigrantes italianos foram semelhantes aos vivenciados pelas minorias teutas que chegaram ao Brasil. Alguns destes fatores é a tardia industrialização da Itália, que, neste período, também vivia um momento instável de transição política (unificação do Estado Italiano) e econômica (modo de produção feudal para modo de produção capitalista), o grande crescimento demográfico, a expulsão dos camponeses para as cidades, os avanços tecnológicos e os transportes. Porém, uma característica peculiar deve ser ressaltada. Dentro da própria Itália, já era comum a migração interna, devido às grandes áreas montanhosas e as poucas terras cultiváveis. Esse tipo de mobilidade já representava um fator cultural, e, muitas vezes, não só dentro do próprio país, como também para outras partes da

21

Europa. No período sombrio em que vivia, a emigração para a América se tornou um atrativo. No caso brasileiro, como já citado anteriormente, a necessidade de mão de obra para trabalhar no café (principalmente depois da proibição do tráfego negreiro em 1850), e os ideais de branqueamento da raça (a afinidade pelos europeus por serem mais “civilizados” que os negros) levaram o governo a financiar a passagem de imigrantes. Para os agricultores pobres já acostumados com a migração, atravessar o oceano, e ser pago para isso, com a garantia de trabalho, representou não apenas a única saída, porém, a melhor. Até 1885, com a vinda de inúmeros alemães a fim de estabelecer a pequena propriedade no sul do Brasil, vieram também alguns italianos. As peculiaridades destas colônias são também de isolamento, porém de forma mais tênue que a alemã. Outras características envolveram a implantação da policultura e, com o tempo, o parque industrial destas regiões, formação de pequenas cidades geradas pelas mãos dos imigrantes. A diferença entre os italianos e os teutos, além do isolamento dos primeiros em menor escala, foi a maior fixação dos segundos nas terras sulistas. Pode-se dizer que o grupo italiano padeceu mais do que os alemães que se haviam dirigido para o sul a partir de 1924. Não que as condições dos teutos fossem mais amenas no que diz respeito ao cenário a enfrentar, mas estes contavam com maior apoio por parte de seu país de origem. Além disso, tiveram, desde o inicio, a assistência de pastores protestantes e alguns profissionais liberais, [...] o que lhes facilitou a aproximação com a nova terra. (ALVIM, 1999, p. 390).

Enquanto na região sul as colônias permaneciam mais homogêneas etnicamente, no Estado de São Paulo, isso não acontecia em função de o trabalho na fazenda de café envolver vários grupos étnicos. Com a abolição do trabalho escravo e com o aumento da produção cafeeira, os anos entre 1888 e 1899 foram os que concentraram os maiores contingentes populacionais. Durante este período, de acordo com a tabela 1 – apresentada no presente estudo –, aportaram 830.841 imigrantes, “metade dos italianos introduzidos entre 1872 e 1972”. (BASSANEZI, 1995, p. 22). De acordo com Alvim (1999), a entrada dos imigrantes em São Paulo se deu em dois momentos, e com características distintas. O primeiro, entre 1870 e 1890, foi caracterizado pela entrada de grandes famílias, que na Itália exerciam funções, muitas vezes, de meeiros (lavrador que partilha a colheita com o proprietário das

22

terras), arrendatários e alguns pequenos proprietários. Diferentemente do segundo momento, a partir da década de 1890, quando imigraram pessoas mais pobres e em menores números – os chamados de braccianti (trabalhadores braçais) –, pois o único capital que traziam era a mão de obra. Vale ressaltar também que muitos desses trabalhadores migraram para a Argentina ou mesmo voltaram para a Itália, após a colheita do café. (ALVIM, 1999). Após 1902, com a proibição da vinda dos imigrantes italianos para o Brasil – devido à exagerada exploração – e pelo fato de o mercado estadunidense apresentar-se mais atrativo, observa-se uma queda neste fluxo, principalmente depois da crise de 1929 (que gerou uma tensão no mercado internacional do trabalho e também na situação econômica do país), com a chegada do Estado Novo em 1930, políticas de nacionalização do Brasil e o fascismo na Itália. As políticas de assimilação criadas a partir de 1930 integraram ainda mais os imigrantes italianos à sociedade brasileira, muitas vezes de maneira forçada, sendo maior no Estado de São Paulo que nos Estados da região do sul8. Muitos ingressaram na classe operária e em atividades urbano-industriais, constituindo desde proprietários até trabalhadores braçais. É apenas com o fim da Segunda Guerra Mundial que o governo italiano começa a facilitar novamente a vinda destes imigrantes para o Brasil, a fim de reduzir tensões sociais e problemas econômicos enfrentados no pós-guerra. Porém, a partir desse período, o Brasil não oferece a mesma atratividade de antes, ocorrendo apenas um tímido aumento do fluxo.

1.4 Imigração Japonesa

Já no começo da imigração japonesa, percebe-se um diferencial em relação aos demais fluxos estudados: os primeiros imigrantes chegaram aqui apenas no final da primeira década do século XX, em 1908. Esse retardamento se explica por vários fatores, dentre os quais, considera-se que quarenta anos antes, ou seja, em 1868, foi implantada no Japão a Restauração Meiji, o começo da transição japonesa para a época moderna. Algumas consequências foram idênticas a outros países, como 8

Mesmo em outros países, como Argentina e Estados Unidos, se comparados com o Brasil, a assimilação nesta época foi muito maior dos imigrantes à população local.

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Alemanha e Itália, principalmente na área social (instabilidade política e econômica que gerou desemprego e grande aumento demográfico). Devido ao tardio processo de transição aos moldes capitalistas - por causa do isolamento insular –, o governo japonês, na tentativa de modernizar as pressas, acabou gerando levantes populares por todo o país, cuja única saída foi a emigração. Embora tenha começado já em 1880, esses imigrantes chegaram ao Brasil quase trinta anos depois. Antes se dirigiram a localidades e países como Havaí, Estados Unidos, Peru e México, porém as políticas impostas nestas localidades começaram a restringir a imigração internacional japonesa. Inicialmente, o fluxo japonês não se dirigiu também para o Brasil devido a medidas restritivas de ambos os lados. O governo brasileiro queria mão de obra para trabalhar na cafeicultura, enquanto o governo japonês defendia a vinda de pequenos proprietários. O governo japonês alegava que a distância e a falta de comunicação entre os países representavam uma grande barreira. O acordo mútuo que levou inúmeros japoneses a emigrarem para o Brasil, surgiu por parte do governo japonês, a partir das restrições impostas pelos Estados Unidos e demais países em relação à imigração japonesa e pelo fato do Brasil ser o maior produtor de café do mundo. Do lado brasileiro, a razão concentrou-se na queda do fluxo italiano devido à proibição, em 1902, da Itália à emigração, aumentando a demanda de mão de obra. Portanto, aproximadamente

da

chegada

170mil

em

imigrantes

1908

com

seguiram

781 em

japoneses direção

ao

até

1941,

Brasil.

As

características específicas desse fluxo são as grandes diferenças culturais referentes à população local, fortes organizações comunitárias (semelhantes às encontradas no país de origem), o alto grau de alfabetização com que esses imigrantes chegaram, o forte apoio do governo japonês (proteção dos emigrados, suporte e leis favoráveis) e a sólida ideia de poupar ao máximo (muitas vezes deixando de lado o conforto) para regressar, em pouco tempo, com muito dinheiro. Parte dessa ideia restringiu a permanência desses imigrantes em fazendas de café e incentivou o agrupamento em núcleos coloniais no interior do Estado de São Paulo. De fato, em 1920 já se observa o fenômeno denominado “marcha para o oeste” (BASSANEZI, 1995, p. 28), onde estes imigrantes se dirigem para o interior do Estado de São Paulo e Norte do Paraná a fim de fundarem seus núcleos. Com o passar dos anos, os novos imigrantes que chegavam ao Brasil nem mesmo

24

passavam pelas fazendas cafeeiras, dirigindo-se diretamente para os núcleos já estabelecidos. Observa-se também na tabela 2 uma diferença na vinda dos próprios fluxos. Tabela 2 – Imigração japonesa para o Brasil por período e percentagem Total de Imigrantes

234.636

100,0%

1908-1923

31.414

13,4%

1924-1941

137.572

67,1%

1952-1963

45.650

19,5%

FONTE: apud SAKURAI, 1999, p. 215

A partir da tabela 2, nota-se que o primeiro fluxo de 1908 até 1923 foi o período que representou um menor contingente populacional. A característica marcante deste fluxo é a vinda de imigrantes de origem basicamente rural e subsidiada pelos cafeicultores. A partir de 1923, esses subsídios são cortados e coube então ao governo japonês oferecê-los. Esta iniciativa ocorreu devido às reações negativas por parte dos Estados Unidos e países europeus em relação ao crescimento militar e econômico do Japão, que barraram então seus emigrantes para estes países. O que caracterizou esse segundo fluxo foram algumas medidas favoráveis à emigração para o Brasil dos nipônicos, a intensidade do fluxo, a vinda de imigrantes que se dirigiram para as atividades não-agrícolas ou diretamente para os núcleos coloniais, que estavam crescendo e que já contavam com associações culturais e assistencialistas e com escolas de língua. (SAKURAI, 1999). Um aspecto importante a ser ressaltado é que a ideia de se ter uma terra própria representava um enorme atrativo, ainda que de pequeno porte. No Japão, era difícil de obtê-las, devido às poucas regiões cultiváveis. Ser dono de terras era, portanto, um grande atrativo, tanto para os próprios imigrantes quanto para o seu governo, assim como nos relata Célia Sakurai: [...] O interesse japonês pelo Brasil não se deve apenas à exclusão sofrida em outros países. A abundância de terras inexploradas é o seu grande chamariz. Para um país que sofre com a concentração populacional em suas terras, a relação imaginada entre terra e prosperidade é uma motivação para o empenho do governo japonês em dar continuidade à imigração para o Brasil. (SAKURAI, 1999, p. 217).

25

Com o governo de Getúlio Vargas (e a tentativa de assimilação dos imigrantes e políticas restritivas à imigração estrangeira) e ocorrência da Segunda Guerra

Mundial,

as

colônias

e

as

vidas

desses

imigrantes

foram

significativamente transformadas. Após este impacto, percebe-se a ida de muitos japoneses para a cidade de São Paulo para estudar, assim como o ingresso desses nas faculdades e, a partir de meados dos anos 1960, no meio político. Embora esses imigrantes tenham participado de instituições nacionais e da própria política brasileira, observa-se que ainda guardam fortes laços com as colônias e com a própria cultura nipônica.

26

CAPÍTULO

2

APROXIMAÇÕES

ENTRE

CATEGORIAS

DE

GÊNERO,

MASCULINIDADES E MIGRAÇÃO

2.1 A Historicização da Categoria Gênero e as Pesquisas Migratórias

Uma breve historicização da categoria gênero se faz útil à proposição deste capítulo. A intenção é vincular o desenvolvimento histórico dessa categoria de análise com o contexto das obras analisadas, tentando aproximar o modo de olhar da pesquisa migratória com os debates surgidos dentro dos estudos de gênero. Para isso, o eixo central orientador da análise é a obra de Joana Maria Pedro (2005), sob o título de Traduzindo o debate: o uso da categoria gênero na pesquisa histórica, que mostra como a categoria de análise “gênero” é recente, resultado de construções e questionamentos sobre as categorias “mulher”, “mulheres” e “sexo” feitas pelos movimentos sociais de mulheres, feministas, gays e lésbicas. De fato, a categoria gênero data da década de 1980, quando os movimentos feministas e de mulheres passaram a não empregar mais a palavra “sexo” nas suas discussões. Tinham a intenção de desvincular o comportamento de um indivíduo do biológico e relacionar com “gênero”, ou seja, uma criação cultural. “Mulher” e “Homem” passaram a ser categorias mais plásticas, desvinculadas de um fator “natural”, herdado geneticamente. A identidade sexual, ou a identidade de gênero, deveria ser mais importante que suas características físicas, anatomofisiológicas. Mas, no inicio do movimento feminista da década de 1930, a conjuntura não se assemelhava à década de 1980. O termo utilizado era a palavra “Mulher”, em contraposição do termo “Homem”, no sentido universal. Aquelas feministas questionavam a utilização de Homem no universal, de forma genérica, apontando que questões específicas da “mulher” não eram debatidas, mas sim deixadas de lado (como, por exemplo, o direito de escolha sobre o seu próprio corpo, a manutenção de papéis sociais rígidos, o direito a voto, dentre outras). Enfim, elas reivindicavam sua liberdade, mas tendo com referencial o homem, o masculino. Elas reivindicavam a diferença entre eles (PEDRO, 2005, p. 80). Mas, foi dentro dos debates feministas, principalmente depois da Segunda Guerra Mundial, que começou o questionamento sobre a universalidade do termo “gênero”.

27

Para Adelman (2009), os anos de 1960 do pós-guerra representaram um marco na transformação da sociedade ocidental, produzindo uma nova linguagem para refletir sobre o mundo. Novos movimentos sociais, atores e tendências políticas e culturais surgiram, produzindo também uma nova maneira de compreender a sociedade. O movimento Beat desenvolveu uma crítica ao american way of life que inspirou as lutas das próximas gerações contra os conformismos sociais de toda uma época. Ainda que apresentassem algumas raízes conservadoras, a fusão entre símbolos da cultura negra e de jovens trabalhadores brancos influiu no surgimento, por exemplo, do movimento pelo direito dos negros, que tomou fôlego nos anos de 1960. O surgimento da cultura jovem é também dessa época e sofreu sua influência. Os jovens descontentes com o mundo no pós-guerra se identificaram e acabaram criando toda uma cultura jovem, rebelde e libertária. Outros movimentos também despontaram como, por exemplo, a Nova Esquerda, que tinha interesses distintos dos revolucionários socialistas do início do século; os movimentos terceiromundistas evidenciando a existência de um estilo de vida no terceiro mundo que servia como crítica à sociedade capitalista industrial e as raízes do movimento ambiental moderno. Cada vez mais conservadores e radicais se distanciavam, criando uma tensão política que se traduziu na chamada contracultura. Esta se nutriu da cultura jovem e surgiu mais próxima do anarquismo, de uma rebeldia mais difusa e culturalista que: [...] propunha uma verdadeira ‘revolução’ no cotidiano, que colocava o prazer e a imaginação no lugar da ordem e do progresso [...]. Do consumo de drogas ao movimento de ‘voltar á mãe terra/natureza’ e ao estabelecimento de novas formas de vida comunal e familiar, visava-se [...] formas mais abertas, pacíficas e ‘des-hierarquizadas’ de viver. (ADELMAN, 2009, p. 45).

Foi nesse contexto que retomaram os movimentos feministas, embora com outro foco. Enquanto na década de 1930 as mulheres estavam preocupadas com o direito ao voto, ao sufrágio universal e pela diferenciação com os homens, neste período elas reivindicavam o controle sobre seus corpos e pela diferença entre si. “As mulheres que [...] se tornariam as pioneiras da ‘segunda onda feminista’ surgida no final dos anos 60, começaram seu processo de conscientização e aprendizagem políticas dentro do movimento pelos direitos civis dos negros” (ADELMAN, 2009, p. 35).

28

Nesta nova paisagem social, questões como raça, gênero e classe começam a emergir, tanto nos movimentos sociais quanto nos debates teóricos, incentivando o diálogo entre as diversas formas de agir e pensar. Novos temas passaram a ser analisados mais densamente como as dimensões individuais, prazer, cultura, corpo, criatividade, drogas, experiências subjetividades, vida cotidiana, dentre outros. A teoria feminista parte dessa nova leitura do social, dessa mudança cognitiva na compreensão do mundo e realiza uma crítica epistemológica, ressaltando os limites dos conhecimentos ocidentais. Afirma que o modo de fazer teoria é marcado por discursos masculinos, pelo viés de pensadores homens que, por sua vez, masculiniza o processo de produção do conhecimento e mistifca a mulher. De acordo com Simone de Beauvoir (apud ADELMAN, 2009), a figura da Mulher foi construída para que se reconheça a figura do Homem, a figura do Outro para que se reconheça a figura do Um. [...] no discurso masculino, ela é ora forasteira, ora objeto consumido pelos homens, a fim de satisfazer seus desejos. Para a cultura (masculina), ela é o não essencial, o Outro que só serve para que o Um (o homem) se reconheça”. (ADELMAN, 2009, p. 87). Foi no contexto norte-americano que a categoria “Mulher” sofreu fortes críticas e é neste ponto que se pode começar uma tênue aproximação do gênero com os estudos migratórios. A crítica é que essa categoria era um tanto quanto homogenica, privilegiando um tipo de mulher. Negras, trabalhadoras, pobres, mestiças, imigrantes, muitas não se sentiam contempladas, reivindicando agora a diferença dentro da diferença (PEDRO, 2005, p. 82). Ou seja, a categoria mulher, criada em oposição à categoria homem, não era mais suficiente para abarcar as outras novas vozes que emergiam na História. As antigas exigências, por exemplo, como a oportunidade de trabalhar fora do lar, já não mais agradava, visto que muitas dessas mulheres já realizavam estes serviços. Durante todo o presente estudo percebeu-se que as mulheres imigrantes (e miseráveis) sempre trabalharam fora de casa, e dentro também. As migrantes visavam atender às políticas branqueadoras da nação, ou seja, eram brancas; entretanto, ainda migrantes. A reforma ocorreu em apenas uma ponta do eixo que sai do nó classe, etnia/raça e gênero. A idéia de nó vem de Heleieth Saffioti e é muito útil nesta parte do trabalho pois ajuda a ler “nas entrelinhas” as diversas categorias que corroboram para a desigualdade de poder na sociedade migrante.

29

Para que o leitor se familiarize com esta noção-diretriz, é necessário preveni-lo de que não se trata de um nó apertado. A figura do nó foi usada por mim para mostrar, simultaneamente, a simbiose entre o racismo, o sexismo e as classes sociais, assim como deixar aberta a possibilidade de se puxar uma ou outra ponta dos eixos que o formam, para se realizar um escrutínio mais acurado. Não se trata de separar estas contradições, que operam por meio desta nova realidade de caráter fusional, mas de examinar cada uma delas à luz do nó que formam. O nó não apresenta a frouxidão dos laços que se desfazem ao menor movimento. Tampouco é duro a ponto de tornar irreconhecíveis as contradições que o compõem. E, sobretudo, deixa as pontas dos eixos à vista, dispostas a revelar suas especificidades. (SAFFIOTI, 1999, p. 9).

Estas reivindicações eram, portanto, um esforço a mais e não uma forma de libertação feminina. Passou-se, então, a considerar a categoria “mulheres”, mais ampla e diversa, já que muitas diferentes mulheres estavam envolvidas, e não apenas um tipo específico, assim como diversos tipos de preconceitos, de opressão, de dificuldades vividas, dentre outras temáticas que constituíram pautas de discussões. Em conjunto com toda essa discussão entre “Mulher” e “mulheres”, Pedro (2005) levanta outra grande questão: o porquê, mesmo nas mais diversas sociedades, a mulher era oprimida. Não importava o que a cultura de determinada sociedade definia o que era trabalho de mulheres: ele era sempre desqualificado, em relação a aquilo que é chamado de trabalho masculino, de homem. Foi a partir desta preocupação que as mulheres passaram a percorrer as linhas da História, com a finalidade de responder a estas indagações. Na antiga forma de escrever a História, e aqui o presente estudo remete também às obras analisadas durante todo esse trabalho, observa-se ainda a mentalidade patriarcal de escrevê-la. Um bom exemplo é a passagem transcrita do livro de Telmo Lauro Müller (1980), onde este autor conta toda a história da migração e colonização no Rio Grande do Sul a partir da historia de vida de vários homens importantes e nobres, que fizeram parte da historia daquelas terras. A História positivista focalizava apenas o fluxo masculino de pessoas, pressupondo que as mulheres viessem como dependentes passivas. Até meados dos anos de 1980, a perspectiva de gênero era desconsiderada, fazendo com que estas mulheres migrantes fossem vistas apenas como companhias para seus maridos, para “cuidar do lar”. O patriarcalismo e a História positivista ainda estavam muito arraigados nesses escritores. Durante toda a análise do material coletado no

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presente trabalho, percebeu-se uma grande importância à história dos homens e seu modo de vida, tendo como plano de fundo suas esposas e filhos. Somente então a partir dos estudos étnicos dos anos de 1960 em conjunto com o desenvolvimento dos estudos feministas, vários questionamentos foram levantados e novas problemáticas emergiram. Enquanto os estudos de etnicidade afirmavam que a etnia era visto como uma fonte de solidariedade dentro do grupo migrante, um fator de união e reconhecimento entre iguais, ignorando os estudos de gênero, estes, por vez, ignoravam as diferenças entre as próprias mulheres, como citado acima, priorizando uma mulher universal (branca e pertencente à classe média). Assim, tais estudos, em divergência com os estudos étnicos, relatavam a família como lócus de opressão feminina (GABACIANNIA et al. 1992: apud ASSIS, 2003, p. 36), e não com forma de solidariedade, demonstrando, claramente, que a relação era assimétrica, desigual. A distinção estava feita, bastava agora aprimorar a categoria gênero em conjunto com as categorias de raça e classe, em uma abordagem mais interdisciplinar. À medida que os estudos de migração incorporavam essa nova perspectiva de gênero, – e o próprio modo de fazer história passa a se apropriar de novos métodos e pensadores – nota-se, paulatinamente, uma preocupação em inserir discursos femininos – e outros discursos masculinos – nos estudos migratórios. Não por coincidência, onde se encontrou um material mais denso sobre a temática em análise, sobretudo, foi em livros escritos por mulheres, como os de Célia Sakurai, Zuleka Alvim e Giralda Seyferth9. Não obstante, com a crítica feita a partir da década de 1980 a esse antigo tipo de narrativa, oficial e positivista, novos meios de observar o passado foram inseridos, como a história oral, a busca em relatórios não oficiais, cartas, diários, dentre outros, na tentativa de evidenciar o papel das mulheres no decorrer dos 9

Seria injusto não ressaltar aqui a grande quantidade de material encontrado também em autores como o pesado livro de Tomoo Handa,(1987) e de Jean Roche (1968; 1969). Ambos os autores, através de um trabalho de campo realizado cuidadosamente, descreveram cada particularidade de seus objetos de estudo. Entretanto, ao relatarem sobre as particularidades das mulheres, muitas vezes o fizeram não pelas preocupações dos estudos feministas, mas porque realizaram uma obra densa e minuciosa. Observa-se que, além disso, os dois escrevem depois da Segunda Guerra Mundial, onde os movimentos sociais das minorias, como o feminista, de gays e lésbicas, o movimento negro, etc, estavam trazendo novas questões ao debate teórico. Observa-se ainda que Tomoo Handa escreveu em 1987, onde a História positivista – ou das mentalidades – estava sendo duramente criticada. Entretanto, com exceção desses dois autores, todos os outros lidos (LANDO, 1982; CENNI, 1958; IANNI, 1963) proporcionaram pouco material, ou, às vezes, nenhum sobre relações de gênero, ou mesmo sobre a microestrutura referente à vida dessas pessoas. Geralmente, referem-se, à vida econômica, vez ou outra, descrevem a vida familiar, ou cotidiana.

31

tempos, sem estereótipos. O próprio Romanceiro da Imigração Japonesa de Célia Sakurai (1993), é uma análise de romances japoneses escritos por autoras de mesma etnia. É nesse momento que se começa a garimpar nas entrelinhas dos documentos o papel reservado às mulheres no decorrer da História. A partir da segunda metade da década de 1970, o conceito de gênero tinha se difundido amplamente, mas, no final dos anos de 1980, entretanto, algumas críticas começam a questionar esse conceito. Uma grande contribuição para o debate foi um artigo publicado em 1988, intitulado Gênero: uma categoria útil para de análise histórica, da historiadora norte-americana Joan W. Scott. Nele, a autora faz uma crítica à noção de patriarcado, visto como um sistema universal de subordinação feminina e dominação masculina e afirma, com base em Michel Foucault, que as relações de gênero são relações sociais, e importantes para a pesquisa histórica. Já em Gender and Politics of History, publicada no Brasil pelo Caderno Pagu, em 1994, a supracitada historiadora escreve a famosa definição do conceito de gênero, como sendo “a organização social da diferença sexual. [...] é o saber que estabelece significados para as diferenças corporais” (SCOTT, 1994, p. 12). Assim, História, Sociologia, Antropologia, dentre outras corroboram para a manutenção da diferença sexual, já que não produzem obras de forma neutra. Registram apenas fatos que determinados tipos de homens realizaram, valorizando a organização de determinados papeis sociais no decorrer dos tempos. É a partir desta interpretação que são tecidas considerações, as quais permitem consubstanciar a análise; seguese pela trilha aberta por Scott: “gênero aqui remete não a uma maneira de explicar a desigualdade, mas é apenas uma categoria para se pensar como a hierarquia das diferenças foi construída” (SCOTT, 1994, p. 26). Emploram-se formas como os migrantes vivem, o sentido que dão para suas ações cotidianas, a maneira com experimentam as instituições sociais e se constituem por meio dessas experiências. Porquanto, o fio condutor são as relações de gênero, mas outras desigualdades também aparecem no decorrer da pesquisa, como a classe, raça, etnia, nacionalidade e geração. Por fim, ainda que os limites do conceito de gênero sejam questionados (SCOTT, 1988; STRATHERN, 1988; BUTLER, 1990; HARAWAY, 1991), seja pela fixidez dada à distinção sexo/gênero ou pela universalidade atribuída a esse

32

conceito, como necessário na pesquisa histórica e desvinculado de outras diferenças, é inegável sua importância no campo das Ciências Humanas.

2.2 Notas sobre as Masculinidades

Diferentemente

dos estudos feministas, os estudos

que

pautam a

masculinidades apresentam poucas formulações, principalmente pela defesa de um campo que estava se consolidando e que pretendia dar voz às mulheres, ganhando alguma proporção somente a partir da década de 1970. O ramo do conhecimento que muito se aventurou a pesquisar sobre a construção da masculinidade foi a Psicologia, o primeiro a contestar parte da concepção naturalista (BOTTON, 2007, p. 110) ao tentar explicar a construção psíquica dos papeis masculinos e femininos no seio da família nuclear. Já discutiu-se aqui que é socialmente esperado que as mulheres criem os filhos, construam e cuidem do lar. Em todo o material que foi coletado, essa imagem é fortemente recorrente. O lócus estritamente feminino é a casa, e é neste ambiente que o desenvolvimento da identidade na infância ocorre. É de se esperar, portanto, que a construção dessa identidade seja mais fácil para uma menina do que para um menino. Na menina, a educação da identidade de gênero feminino se configura na relação com uma pessoa do mesmo sexo, uma pessoa que ela se espelha e se identifica – a mãe. Quanto ao menino, o desenvolvimento de sua masculinidade tem que se configurar em oposição ao sexo oposto, “pessoa que ele mantém uma relação simbiótica desde o seu nascimento” (TREVISAN, 1998, p. 48). A crise de ser masculino está posta. Ao contrário da menina, sua identidade de gênero é sentida desde cedo ameaçada pelo diverso, tendo que ser homem negando a identidade feminina e, consequentemente, a própria mãe. A citação de Miriam Grossi (2004) dá a dimensão ritualística e violenta que permeia essa negação, além de fornecer um rol de estudiosos, de diversas áreas, que já discutiram o assunto [...] Elizabeth Badinter, em seu livro ‘X, Y: Sobre a Identidade Masculina’ , desenvolve a tese de que o gênero masculino se constitui universalmente por uma necessidade de separação dos meninos da relação com a mãe, que, por sua vez, representa o mundo feminino. Ela dá vários exemplos de rituais de separação do menino da mãe, ou seja, do mundo das mulheres que muitas vezes é o mundo da casa, pois o menino vai ser separado deste feminino para se constituir como masculino. Os rituais servem para ajudar a sociedade a repassar seus valores. Vários antropólogos, como por exemplo

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Pierre Clastres, Victor Turner, Maurice Godelier, Françoise Héritier e Georges Balandier , têm se dedicado a descrever estes rituais de iniciação, mostrando como é pela violência e pela separação dos iniciados do mundo onde vivem, que se constrói uma identidade grupal de gênero. Estes antropólogos mostraram como há uma diferença radical entre os rituais de iniciação femininos e masculinos, sendo estes últimos marcados pela violência física e pela inculcação nos meninos da crença de que eles são detentores de segredos que não podem ser revelados às mulheres. (GROSSI, 2004, p. 7).

Na violenta busca pela própria identidade de homem, o menino é socialmente educado a se espelhar, então, no pai. Entretanto, diferente da mãe, este se encontra na maioria das vezes ausente, tendo que manter quase que uma áurea divina, inatingível, de respeito e obediência. Suas regras não podem ser quebradas e o respeito à sua pessoa deve ser acatado sempre, já que é ele quem sai de casa para, representativamente, sustentar a família, o encarregado pela sua sobrevivência (mesmo que ele não seja o único). No processo migratório e no decorrer do processo de adaptação dos imigrantes no Brasil, questões como violência e honra são temas recorrentes. Um exemplo peculiar relaciona-se às brutalidades causadas pela Shindo Renmei 10. No centro-oeste paulista, interior do Estado, um grupo japonês terrorista acreditava que o Japão não havia perdido a guerra, que era propaganda negativa feita pelo governo brasileiro. Então, esse grupo de imigrantes, a esmagadora maioria homens, saia matando outros imigrantes que aceitavam o fato de o Japão ter perdido a Segunda Guerra Mundial. Assim, quem duvidava da divindade do imperador era morto. Este evento destaca a construção rígida e violenta da masculinidade naqueles homens, que se espelham cegamente no seu pai, o imperador divino e inatingível, e que simplesmente não aceitam, da maneira mais irracional, a perda da Segunda Guerra Mundial pelo Japão. Na realidade, a dificuldade em aceitar esta perda se deve ao fato de a imagem imaculada do imperador estar substancialmente vinculada com a imagem de homem, sendo a figura imperial o maior referencial de masculinidade para aqueles imigrantes japoneses. A identificação é construída de maneira tão sólida que, ao final da Segunda Guerra com a renúncia da divindade do imperador, não apenas este deixa de ser divino, mas os próprios imigrantes perdem sua condição de divinos, detentores desse poder sagrado. Aqueles imigrantes

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Para uma análise mais detalhada, ver MORAIS, Fernando. Corações sujos. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.

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perderam, então, junto com a guerra e com o imperador, sua condição de homens. Perdem a sua identidade. Nota-se que a relação com o pai se estabelece de maneira fria e distante, forçando o menino/homem a procurar fora de casa sua identidade, seu referencial de masculinidade. A figura paterna fantasma não representa uma imagem positiva, tornando a própria casa um ambiente hostil para a construção de sua identidade. Carente de autoimagem, o homem sai inevitavelmente em busca de seus iguais, construindo, então, sua identidade no espaço público, e passando a dominar melhor este ambiente, já que é nele que consegue se afirmar. Começa então uma saga, relacional, por tudo que represente o campo do masculino. Diversos pesquisadores têm questionado como esses sujeitos masculinos são produzidos através da reprodução de valores como a honra que implica na necessidade de manter o status de homem honrado, principalmente frente a outros homens. Um dos fatores que manteriam o homem na posição de honrado estava diretamente ligado à sua não relação a nada que pudesse remeter às esferas do feminino. (SILVA, 2008, p. 2).

Dominar o espaço público parece ser a finalidade máxima: quanto mais domínio se tem sobre o espaço público, mais consigo afirmar minha identidade de homem. Parece-me ser neste ponto que a migração, ainda mais a internacional, parece fazer sentido para esses migrantes. Durante todo o decorrer do final do século XIX e começo do século XX, a Alemanha, Itália e Japão passavam por enormes dificuldades econômicas. Esses países enfrentavam crises políticas e sociais devido à situação de extrema instabilidade que essas sociedades passavam: a instauração do capitalismo. O Japão, com a Restauração Meiji, a Alemanha, com o intenso êxodo rural para as precárias cidades, e a Itália, com Unificação do Estado Italiano, viveram momentos de crise principalmente no setor público. Cada país, com sua particularidade e seu tempo, expropriou as pequenas propriedades de seus agricultores, nesse período de transição, gerando, muitas vezes, a fome e a miséria. Nessas sociedades – patriarcalistas – não é de se esperar que o pai, homem, não conseguisse emprego ou meios de sustentar a casa. Aprofundando ao nível psicológico, o domínio do publico estava ameaçado. Acostumados durante toda uma vida (ou vidas, já que o trabalho na lavoura era passado de geração para geração, por herança de seus pais, e avôs, etc.) ao meio de produção feudal, ao campo. Agora a ordem econômico-social era outra.

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Pode-se supor que o café do Brasil representou mais que um sustento para a família, mais que uma oportunidade de emprego; uma esperança de ter esse domínio de volta. Atravessar o oceano também tem uma representação escondida: é o ser ativo, é o “sair de casa”, é buscar, nem que seja no país mais distante (caso do Japão, por exemplo), a sua identidade. É vencer a crise do masculino e cumprir de fato seu papel social. Porém, essa representação se fez mais forte até meados do século XX, não por acaso na década de 1960. Como já visto acima, essa década foi responsável por uma

mudança substancial na sociedade ocidental, alterando, também, a

representação da identidade masculina. Para o homem do campo, sua identidade deve ser rígida, firme e sólida, vinculada ao ideal medieval de honra. Já na cidade, com as influências das revoluções sociais dos anos de 1960 e com o processo de urbanização, essa identidade passou a ser um pouco mais plástica e dinâmica, surgindo outras representações. A mais emblemática desta época é a figura norteamericana do playboy, homem branco da classe alta, asseado e vinculado ao consumo (tanto de carros, coberturas em prédios, quanto de mulheres). Entretanto, o contexto de interesse do presente estudo é o contexto rural da produção de identidade masculina, quais experiências constituem essas identidades e quando são reafirmadas ou renegadas.

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CAPÍTULO 3 ANÁLISE DAS RELAÇÕES DE GÊNERO NAS INSTITUIÇÕES SOCIAIS MIGRANTE

3.1 Educação

Pouco material foi encontrado sobre a educação dos imigrantes e as relações de gênero. A passagem transcrita abaixo se relaciona com os japoneses onde era esperado das meninas que aprendessem corte e costura, enquanto aos meninos que frequentassem o ginásio. Vê-se, então, como era feita esta divisão. No inicio os internos eram basicamente rapazes, mas, com o tempo, [pós Segunda Guerra Mundial], pouco a pouco começaram a aparecer moças. As que não freqüentavam o ginásio iam para a escola de corte e costura, na cidade. Havia, inclusive, algumas dessas escolas com esquema de internato. Ali se ensinava prioritariamente corte e costura, mas, nas horas vagas, também português e japonês. Ministravam-se, ainda, algumas vezes por semana, aulas de culinária. [...] Uma ressalva: essas escolas de corte e costura começaram a surgir na cidade do interior somente depois do termino da segunda guerra mundial. Antes da guerra, mesmo as moças eram mão-de-obra importante na lavoura, não se permitindo que elas, folgadamente, ficassem na cidade aprendendo corte e costura. Também com relação aos rapazes podia-se dizer a mesma coisa: só se mandava um filho estudar no internato da cidade se em casa houvesse mão-de-obra suficiente para a lavoura. [...] Hoje em dia, não. Será difícil não encontrar, por menor que seja a cidade, desde que haja predominância de japoneses, um curso de corte e costura. Normalmente, os brasileiros consideram corte e costura como algo profissionalizante. Os japoneses, no entanto, consideram-no como uma prenda, indispensável para as mulheres que, um dia, vão-se tornar donas-de-casa. É por isso que as escolas de corte e costura eram comumente chamadas de escolas de formação de noivas. Talvez fosse assim por força da tradição japonesa. Desde há muito tempo, ensinava-se no Japão corte e costura às mocinhas casadoiras. (HANDA, 1987, p. 504-6)

Embora pequeno, este trecho mostra a adaptação, clivada pelo sexo, dos japoneses no Brasil. A pratica do corte e costura da sociedade de origem deixou vestígios étnico nas cidades em que esses imigrantes tiveram influência. O que chama a atenção é o surgimento dessas escolas depois da Segunda Guerra Mundial, quando os imigrantes deixaram de ser perseguidos. Embora brasileiras e japonesas interpretassem diferentemente a utilidade dessas escolas, ainda assim possuíam significado semelhante para ambas, como um lócus de aperfeiçoamento da educação feminina. No caso dos meninos, o mesmo acontecia, mas eram, de acordo com o trecho, mandados ao internato de rapazes, também na cidade.

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Ângelo Trento, em Do outro lado do Atlântico, é responsável por uma das poucas observações encontradas sobre os italianos neste assunto. Um fenômeno a ser evidenciado é a alta percentagem de meninas entre os alunos matriculados (de 1908 a 1930 nunca baixou para menos de 23%, com um índice máximo de 42% em 1924), sobretudo no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina, onde abundavam as escolas religiosas dos núcleos coloniais. De fato o clero teve peso notável na estrutura escolar do Brasil, mesmo se limitando quase que exclusivamente aos dois estados mencionados e ao de São Paulo. (TRENTO 1989:181).

A alta porcentagem de meninas vai ao encontro com o que se analisou anteriormente, onde a boa moça deve ser, sobretudo, “bem educada”. Pode-se relacionar também com a fala de Zuleika Alvim, quando aponta que se deve ao fato de pertencer à mulher a educação religiosa dos seus filhos, havendo a preocupação de envolvê-las nesse meio desde pequenas. “Mesmo reconhecendo que ‘grande parte dos trabalhos no campo eram feitos por mulheres (...)’, os missionários não admitem que as mulheres deixassem de cumprir os seus deveres quanto aos princípios religiosos” (ALVIM 1986, p.164-5). Isso explica também o porquê da abundância das escolas religiosas, já que “[...] curioso é [...] o fato de se reprovar as mães por não instruírem os filhos, já que elas mesmas forçosamente se viam afastadas do – ainda que escasso – convívio religioso. Raramente havia uma igreja”.11 (ALVIM, 1986, p.164-5). Pode-se supor que um dos motivos da criação dessa escolas foi a dificuldade que as mães enfrentavam para educar seus filhos religiosamente, com maior atenção às filhas, e a coerção que os missionários faziam para que elas os educassem. Essa coerção é fruto da educação italiana, fortemente influenciada pelo caráter não-laico do Estado italiano. O que corrobora essa hipótese é a alta porcentagem de meninas matriculadas, já sendo preparadas para, no futuro, ensinar seus filhos segundo os ensinamentos aprendidos. Além de cobrar das mulheres o ensino desta prática, elas também aceitavam esta cobrança e pediam mais igrejas, padres ou alguém que ajudasse neste ensino, que acabou propiciando ao “clero (…) peso notável na estrutura escolar do Brasil”. (TRENTO, 1989, p.181). De fato, uma herança dos italianos ao Brasil foi o ensino religioso. Interessante notar que, ao serem cobradas por não ensinarem suas/seus filhas/os, 11

Esta constatação foi feita em 1882, na Fazenda Veridiana, que não possuía uma igreja, mas sim “uma espécie de barracão com um altar que servia provisoriamente de oratório, mas o padre estava longe e só vinha uma vez por semana e às vezes nem isso”. (ALVIM, 1986, p.164)

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muitas vezes as mulheres utilizavam o discurso de desqualificação da terra, uma saída rápida frente a tantas preocupações. “[...] quando se reprova às mães que se esqueciam de instruir normalmente seus filhos nos preceitos religiosos [...] elas nos respondiam que se encontravam numa terra de loucos”. (ALVIM, 1986, p. 164-5).

3.2 Redes de Sociabilidade

Quanto às redes de sociabilidade também foi encontrado pouco material. Mas, na pesquisa sobre os alemães há um espaço bastante interessante para solidificar a discussão sobre masculinidade. Verifica-se que os homens e as mulheres se relacionam entre si de maneiras diferentes. Enquanto homens por não poder demonstrar nenhum afeto, ainda mais por outro homem, e, muito menos em público, a válvula de escape eram os encontros no bar, permeados pelo álcool. Já, as mulheres se encontravam “na venda”, quando iam comprar coisas para o lar. Nota-se que esses espaços são visivelmente ditados pelas divisões de gênero. [...] Mas é geralmente no sábado, após o almoço, que o chefe de família vai efetuá-las e, na oportunidade, entornar um copo com alguns conhecidos, informando-se das novidades ou dos preços. A mulher o acompanha, de tempos em tempos, para as compras de sua competência e é então, na venda, que a maior parte dentre elas se põe em dia com as “novidades”, como dizem. O resto do domingo será consagrado ao descanso, um descanso tão roceiro, tão pesado que parece penoso; um pouco de repouso, um vai-vem em torno da casa, de uma construção a outra, sem objetivo aparente, até que cheguem os parentes ou se faça uma visitinha, a menos que os homens saiam pra caçar. (ROCHE, 1968, p. 266).

O papel de ativo está posto nas ultimas linhas do recorte. “O resto do domingo será consagrado ao descanso [...] a menos que os homens saiam pra caçar”. Observa-se claramente a definição de homem, de correr o risco, de desenvolver as habilidades da competição no lazer com outros homens, e, na maioria das vezes, permeado pelo álcool. Já das redes de sociabilidade italianas, transcreveu-se um parágrafo curioso. Embora não trate diretamente do tema, aponta para a criação de um grupo esportivo:“Foi dos mais moços que partiu a ideia de organizar um grupo esportivo cuja atividade principal fosse incentivar o esporte do remo e a canoagem. (...) Fundadores: Enrico Gallina, Pietro Lazzaroni, Luigi Torre, Emilio Tallone, Angelo Quaranta, Fulvio Costanzo e Ercole Ervene”. (CENNI, 1958, p. 241).

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Nessa passagem constata-se a manutenção de alguns padrões de gênero cultuados como masculinos que o imigrante mantém aqui no país de chegada, como a prática de esporte, a competição, a espécie de um dever com o público. Uma associação serve também para a finalidade de reunir pessoas, manter contatos, conhecer outras pessoas da comunidade – no exemplo citado, a criação de uma associação esportiva onde todos os fundadores são homens mostra a necessidade e a preocupação destes em manter-se em contato e de ter uma imagem pública, que no caso feminino não era tão aceitável assim. Infelizmente, foram essas as poucas passagens encontradas sobre as redes de sociabilidade. Em contrapartida, um material denso e rico foi analisado quando se trata da família e do trabalho, como descrito nos próximos parágrafos do presente estudo.

3.3 Família

Quanto à família, Jean Roche (1968), ao analisar a imigração alemã no Espírito Santo, formulou várias tabelas e constatou que os homens casavam mais velhos que as mulheres. Diferente dos homens nativos, os imigrantes de origem alemã demoram a se casar devido à procura por uma pretendente, e não se casam com a primeira mulher. Uma das explicações é o ideal de responsabilidade impregnado no homem de sustentar a casa, de ser ele o provedor, quando na realidade não acontece assim. Continuam estes, entretanto, a se casar um pouco mais tarde que o conjunto dos capixabas de outras origens, sem duvida sob influência da estrutura social: ‘quando se tem mulher, tem que se ter de comer’, o que quer dizer que o teuto-capixaba só se casa quando pode sustentar mulher e família; mas graças à experiência do desmatamento e às facilidades econômicas adquiridas de uma geração para outra, é possível aos colonos estabelecer mais cedo os filhos podendo estes, portanto, casar mais cedo. Desse jeito aparecem nitidamente as características do grupo germânico. (ROCHE, 1968, p. 268-75).

Dentre os irmãos e irmãs, é curioso o destino dado à herança pelos imigrantes germânicos. Nunca se dá terras às filhas. O corolário é que não se dá terra às filhas.‘Não é costume’, nos foi dito e repetido do sul ao norte. Que recebem elas ao casar-se? Uma mula e uma sela, uma vaca que já terá parido, uma cama, um enxoval, uma mala ou um baú, uma máquina de costura e se, a família é remediada, um armário. É claro que um bom partido recebe um belo enxoval, uma bela mobília de

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quarto. (...) O marido contribui com a terra, a mulher com o que é preciso para organizar a casa, o lar e o quintal, de onde ocorre um outro costume pelo qual o gado e as aves lhe pertencem. (ROCHE, 1968, p. 274-5). [...] Nosso declarante nº 49 (Laranja da Terra), meeiro, 70 anos, vivendo com sua mulher, comprou num ano 6 metros de tecido de algodão (sua mulher, numa máquina de costura trazida como dote, costura suas camisas e suas roupas). (ROCHE, 1968, p. 216-7).

Outra característica é a herança da casa e do lote paterno pelo filho mais novo. Mais importante que ser o mais novo, é que seja o filho. Esta regra social é tão forte que mesmo quando uma família tem apenas filhas, o lote e a casa vão para o genro. O importante é o filho homem cuidar dos pais – ou no caso o genro. O filho mais novo receberá, quando casar, o lote paterno e a casa. Constitui esta a única vantagem de que se beneficia com relação a seus irmãos, tendo porém que garantir os últimos dias dos pais. [...] É verdade que ela recebeu alguns retoques. Primeiro porque certos pais só têm filhas, sendo forçados, pois, a transmitir o lote e a casa a um genro. [...] Tais exceções não fazem mais que confirmar a regra. (ROCHE, 1968, p. 274-5).

A questão da herança aos decendentes teutos-capixabas é uma preocupação que permeia a constituição do patrimônio da família. Vê-se essa preocupação nos recortes das obras de Jean Roche (1968) e Giralda Seyferth (1974), a seguir transcritos. [...] Se não possui disponibilidades, o colono pai de família só compra terra para o primeiro, e depois para o segundo dos filhos, quando ele casa; os filhos partem, portanto, um por ano, até o penúltimo inclusive, uma vez que o mais moço permanecerá no lote paterno. (ROCHE, 1968, p. 247). Na maior parte dos casos, a propriedade dos pais ficava com um dos filhos (geralmente o mais moço) que tinha a obrigação de cuidar dos pais quando estes atingissem idade mais avançada. Essa alternativa – chamada Minorat – manteve a estrutura familiar do camponês alemão. Também essa alternativa de herança fazia com que toda a poupança dos pais revertesse em compra de novas terras, a fim de garantir uma propriedade agrícola para os demais filhos. (SEYFERTH, 1974, p. 81-2).

Sobre a família vêneta também foi encontrada referências ao dote, que o pai da noiva concede ao casal logo que casam. Por serem muito pobres, os homens italianos, que ainda escolhiam com quem iriam casar, levam em conta o porte físico de sua futura esposa, e não o quanto de dinheiro possuía, já que era de se esperar que ali todos estivessem na mesma condição de miséria. [...] Normalmente, os homens assumiam o compromisso de casamento antes de partirem para o exército e cumpriam-no assim que voltavam. Na escolha da mulher, movia-os, antes de tudo, a qualificação física, pois não

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podiam esperar grande coisa como dote. Aliás, o que esperavam era o braço a mais para o trabalho [...]. (ALVIM, 1986, p. 30).

O importante nessas passagens é perceber a manutenção de certos papéis que definem o homem enquanto provedor do lar e do sustento da família. Tudo remete para ele, mas a mão de obra, quem realmente ganha dinheiro para o sustento da família são ambos, a mulher e o homem. Entretanto, o prestigio ou as criticas recaem sobre ele, a representação quase grega do homem forte que enfrentou os riscos para que a família sobrevivesse. As passagens analisadas referentes aos imigrantes japoneses mostram claramente os lugares e as situações que o homem ocupava, assim como a valorização quase mística de sua presença. Deixava-se a mesa no centro ou junto à janela da cozinha. O chefe da família naturalmente12 mostrava sua autoridade sentando-se no lado do fundo. (HANDA, 1987, p. 129). Os imigrantes do período inicial, que vieram para o Brasil com o intuito de retornar o mais cedo possível à terra natal, assim que conseguissem fazer fortuna, às vezes constituíam família só por formalidade (para estarem de acordo com os trâmites legais que facilitavam a emigração), centrada na figura masculina, cuja força de trabalho se fazia imprescindível. Não se cogitava de trazer moças solteiras, com as quais, - do modo de vista de mão de obra, - não se podia contar a longo prazo. [...] Para evitar o tédio de encarar a cara enrugada da mulher, iam matar o tempo e bater papo na casa de algum colono recém-chegado do Japão, cuja mulher fosse uma jovenzinha.(HANDA, 1987, p. 493). O fato de um filho homem ser mais bem-vindo que uma menina talvez fosse natural entre os japoneses, que prezavam o sistema familiar. (HANDA, 1987, p. 483). A autoridade paterna é o obstáculo que faz muitos dos personagens deterem seus sonhos de auto-realização. (...) São filhos que deixam de estudar para se dedicar ao trabalho familiar; são filhas aceitando casamentos através do miai, deixando a critério do pai o rumo de suas vidas. (SAKURAI, 1993, p. 91). Quando se trata de moça que se une a elemento não japonês, freqüentemente a mesma não mais é considerada como participante dessa comunidade ficando implicitamente expulsa. Porém quando se trata de homem que se casa com mulher não-japonêsa, o caso é diferente. Geralmente a comunidade confere ao casal status de seu membro, não se aplicando sanção negativa, a não ser de caráter satírico. Como se vê, as normas morais, que dão origem a tais sanções, têm base na família patriarcal, de moldes tradicionais, mas que não mais prevalecem no Japão hodierno. (SAITO, 1961, p. 218).

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Grifo meu.

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Entretanto, essa aura mística que ronda o masculino, a autoridade paterna, também estava ameaçada, principalmente quando ele era subjugado por outros homens. O ponto de toque entre os patrões e esses pais de família era a masculinidade. Ambos se consideravam homens, detentores de estruturas de poder. E só, as aproximações acabam aqui. Uma passagem interessante encontrada sobre os imigrantes italianos é a pouca autoridade que possuíam os pais em famílias mais pobres. “Nas famílias pequenas, a autoridade do pai era menor, já que não tinha propriedade e os recursos eram extremamente precários”.(ALVIM, 1986, p. 39). Pressupõe-se que, devido ao caráter patriarcal imposto pela sociedade, o pai de família pobre, que não consegue sustentá-la, perde o direito de comandá-la, assim como sua autoridade, já que sua figura representa o fracasso da própria família. ”O pai era a autoridade máxima e o grupo se mantinha unido enquanto a propriedade fornecia recursos necessários à manutenção. Quando o pai não podia mais manter o controle, era substituído pelo filho mais velho”. (ALVIM, 1986, p. 30). Além de representarem a figura do fracassado, muitas vezes nada podiam fazer contra o abuso de suas mulheres. Se eles ainda possuíam algo em comum com os proprietários, elas não tinham nada que as igualassem, representando a total falta de autoridade. De donos de fazendas e capatazes até policiais corruptos, a relação desses com os colonos, principalmente com as mulheres, não era de forma alguma respeitosa, salvo algumas exceções. Os maus tratos sofridos pelos imigrantes italianos na relação desses com os brasileiros podem ser observados no trecho a seguir. [...] Normalmente, quando as mulheres resistiam às propostas desonestas de patrões, de seus filhos ou capatazes, toda a família sofria represálias. [...] Casos de estupro de meninas também eram freqüentes, não suscitando nenhuma punição. [...] A mulher negra era um objeto de que fazendeiros, seus filhos e capatazes dispunham como bem entendiam. É exatamente nessa promiscuidade à qual a escrava, por sua própria condição, pouca resistência podia oferecer, que a mulher imigrante é atirada sofrendo seus resquícios ainda por muito tempo. (ALVIM, 1986, p. 1105-7).

Neste caso, é válido o comentário feito acima pela autora comparando a história das mulheres negras à historia das imigrantes. Aqui percebe-se nitidamente o nó, um pouco mais apertado, de Heleieth Saffioti (1999). Scott (1990) também, como já discutido no presente estudo se exemplifica nestas passagens, já que para

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a autora, as desigualdades de poder estão organizadas segundo, no mínimo, em três eixos: classe, raça e gênero. Contudo, não é de se espantar que as imigrantes sejam vistas, relativamente, como que no lugar que no passado foi das mulheres negras, o de oprimidas e subjugadas economicamente, etnicamente e sexualmente. E essa opressão também respingava em seus maridos e filhos. Embora homens, ainda, ocupavam dois ângulos do triangulo da desigualdade: eram empregados e imigrantes. Essas passagens são algumas das muitas citadas onde se observam histórias pessoais de homens sendo agredidos porque suas mulheres não aceitavam as indecentes propostas dos fazendeiros. Outras duas citações interessantes retiradas também de Brava gente! Os italianos em São Paulo (1870-1920), escrito por Alvim (1986), corrobora com as declarações anteriores sobre os maus tratos sofridos pelas mulheres imgrantes. Entre os motivos válidos para o colono romper o contrato e abandonar a fazenda estava o ‘atentado à honra da mulher, filhas e outras pessoas da família por parte do proprietário da fazenda ou pessoas ligadas à direção e administração da mesma’. O que demonstra que se contava com isso. (ALVIM, 1986, p. 107-8). Vejam o que diz E. Bonardelli, em 1915, já quase no fim do grande período imigratório italiano13: ‘as preocupações do patronato limitam-se às poucas cláusulas que dizem respeito somente ao cuidado com as plantas de café e os salários: todas as outras condições de vida e de trabalho dos colonos nas fazendas (...) eram reguladas pelos costumes’ e estes continuavam, nessa data, idênticos aos que regeram todo o período imigratório: eram os costumes do grupo dominante, das famílias da classe detentora do poder, mas não os das famílias trabalhadoras. Nesse período, entretanto, quando ocorriam atentados às famílias ou às mulheres, o método mais fácil era expulsar a família ou a mulher atingida pela violência irrestrita dos patrões. Desse modo procuravam abafar as manifestações de solidariedade dos companheiros. [...] Referindo-se a uma viagem por várias fazendas em São Paulo o comentarista da revista Itálica Gens relata em 1915: ‘soube que (o fazendeiro) era o terror dos colonos, não só dos que trabalhavam em suas propriedades, mas também os da redondeza; me foi dito ainda que havia desonrado uma desgraçada jovem colocando-a depois fora de casa e inculpando-a. (ALVIM, 1986, p. 108).

Entretanto, ainda cabe uma ressalva. Não é apenas por fazendeiros que algumas mulheres eram molestadas. Muitas vezes dentro de suas próprias casas acontece tal prática. O numero de cômodos de uma casa é variável, mas sempre muito inferior às necessidades da família (...) daí a coabitação forçada (...). As moças

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Grifos meus.

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dormem com os pais ou com alguma velha da casa, ou mesmo com um irmão menor, donde não são raros os incestos. (ALVIM, 1986, p. 32).

Por fim, a perversão desse sistema acaba sempre na exploração do mais fraco, da minoria, dos mais degenerados socialmente, ou seja, os imigrantes. Fazendeiros e comerciante de café – homens e brasileiros, nativos – reinam e desfrutam desigualmente das relações pessoais. Quem sai perdendo é o oposto assimetralmente (ou o oposto culturalmente construído), ou seja, a mulher imigrante. Estes grandes comerciantes são, senão os tiranetes locais, pelo menos os verdadeiros senhores da vida econômica e social de sua zona de influência imediata ou mediata. E podemos empregar estas palavras, pois são os príncipes que governam os colonos: constituem verdadeiras dinastias. Não somente se beneficiam da hereditariedade profissional e do ‘nome’, como da transmissão de um título, mas multiplicam as ramificações de suas casas de uma geração a outra, entrecruzando-as a outras, reforçando-se com a política matrimonial. (ROCHE, 1968, p. 236).

Partindo da classe mais pobre, e mais mal paga, é preciso arrolar a doméstica, a criada, cuja condição como que se acha agravada pelo sexo. Se é hospedada e alimentada pela família, que a emprega, recebe um salário muito baixo, tão baixo, sem dúvida, que nenhum de nossos declarantes o revelou. O único estabelecimento que recebemos foi em Vila Isabel, onde um rico proprietário empregou uma parente afastada ‘cujo pai tinha necessidade de dinheiro para tratar dos dentes’. Imagina-se, facilmente, o que isso significa, pois o pagamento, bastante medíocre, será recebido pela família e não pela mocinha que foi ‘colocada’. O acaso fez com que nenhuma das famílias interrogadas, por mais pobre que fosse, tivesse filhas empregadas entre os colonos (...). O tom com que os colonos falam das suas criadas (...) revela a grande humildade desta condição, reservada às mais jovens das moças de famílias numerosas e pobres, temida justamente, em razão do desprezo a que está ligada. Quanto ao salário, podemos pensar que não atinge a metade, nem mesmo um terço do salário do homem mais mal remunerado. (ROCHE, 1968, p. 212-3)

3.4 Trabalho

Independente do fluxo e da obra analisada, um tema sempre recorrente é o trabalho. Tanto as mulheres quanto os homens trabalham muito. Aliás, a família inteira trabalha, enquanto consegue. Quando não existe […] um sistema de previdência social que assegure uma pensão para a velhice, não resta outra alternativa senão ter muitos filhos, de preferência machos, e esperar que alguns deles tenham sorte para sustentar os pais nos anos improdutivos do fim da vida. (IANNI, 1963, p. 50).

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A exploração está sempre presente nos relatos dos imigrantes de qualquer etnia. Os três recortes a seguir são de imigrantes alemães. O trabalho na propriedade agrícola do colono alemão era exercido apenas pelos componentes da família: todos os seus membros, com exceção das crianças muito pequenas ou de pessoas muito idosas, tinham sua parcela de trabalho, agrícola ou não. O maior ou menor desenvolvimento da produção agrícola numa propriedade dependia diretamente do tamanho e composição da família. O período crítico de exploração da propriedade colonial era aquele em que a família se compunha apenas do marido, mulher e filhos pequenos. Não podendo contar com auxílio de fora (...), o marido se via na contingência de, sozinho, fazer a derrubada, construir a casa e os ranchos e preparar a roça, auxiliado apenas por sua esposa. Na medida em que as crianças crescem e podem fazer determinadas tarefas, a produtividade agrícola aumenta, atingindo o máximo quando os filhos forem adultos. Um outro fator importante é o tamanho da família: quanto maior o número de filhos, maior será a força de trabalho disponível. (SEYFERTH, 1974, p. 75-6). Também nessa atividade havia influência do tamanho e composição da família: possuíam serrarias os proprietários cujas famílias se compunham de um certo número de filhos adultos que possibilitassem o funcionamento das mesmas. Isto foi constatado em várias entrevistas onde os depoimentos se limitavam mais ou menos ao seguinte: ‘Éramos 11 irmãos e por isso podíamos ter engenho de fubá e serraria’; ‘nosso pai era puxador de madeira, e podia fazer isto porque possuíamos alguns bois e cavalos e porque enquanto ele ia para a floresta nós e nossa mãe trabalhávamos na roça e no engenho de açúcar’; ‘Eu e meu pai trabalhávamos no engenho de serra e a madeira era trazida por nós; enquanto isso meus outros irmãos e minha mãe trabalhavam na roça’. ( SEYFERTH, 1974, p. 72-3). Como todos os habitantes das zonas intertropicais os colonos se levantam cedo, entre 5 e 6 horas, homens, mulheres e crianças, porque já é dia claro e porque fará calor cedo. As crianças em idade escolar partem depressa para a escola, os trabalhadores para as roças, assim que tomaram o café da manhã. Entre 6 e 7 horas começam os trabalhos, que interrompem às 11 horas, retornando-os depois do almoço até o cair da noite: jantam às 18 ou 19 horas entretendo-se depois em pequenas tarefas. Deita-se cedo, entre 20 e 21 horas. Isso para os homens. As mulheres trabalham também nos campos – e o que espanta ainda a maior parte dos velho-brasileiros – pelo menos de terça a sexta-feira inclusive, se a dona de casa é sozinha (pois na segunda ela lava roupa, no sábado limpa a casa) preparando e servindo a comida no entretempo; não é de surpreender que pareça envelhecida prematuramente14. Na medida de suas forças, as crianças e os avós trabalham também. Não é, portanto, raro, ver toda a família fora e a casa abandonada, devendo ainda a mulher tratar das aves, ordenhar e cuidar das vacas, preparar a comida dos porcos que há muito tempo devoraram a erva e revolveram com seus focinhos toda a terra do seu cercado. (ROCHE, 1968, p. 266).

Nota-se que a mulher cumpria mais que seus papéis estabelecidos: “as mulheres trabalham também nos campos – e o que espanta ainda a maior parte dos velho-brasileiros” (ROCHE, 1968, p. 266). O patriarcalismo na sociedade local fica mais evidente aos olhares da categoria de gênero, pois quem se espanta são os 14

Grifo meu.

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velho-brasileiros, ou seja, os homens. As esposas dos imigrantes, por força da precarização do trabalho, são obrigadas a ajudarem de todas as maneiras que corrobore para melhorar a situação financeira da família, levando os homens locais ao espanto de vê-las na roça, exercendo a mesma função que seus maridos. Embora na mente desses imigrantes o trabalho, assim como toda a vida, estivesse separado pelo gênero, não lhes restava escolha: na época da colheita, esses papéis e lócus pré-estabelecidos de trabalho são anulados.

Parece, portanto, haver salários mais elevados em zona pioneira, onde os homens da família não são bastante numerosos para desmatar a floresta e “fazer” a plantação de cafeeiros ou assegurar a colheita”. (ROCHE, 1968, p. 213). [...] descreve a atividade do Maisrebler - debulhador de milho – como uma das mais constantes nos pátios da colônia e envolvendo todos os membros do grupo doméstico: ‘a debulha do milho se faz ainda com as mãos. É um trabalho para mãos duras e muito penoso, requerendo muita paciência, encontrando-se os Maisrebler em qualquer pátio da colônia. Praticamente todos os membros da família, com exceção dos homens adultos, se dedicam a essa atividade. (SEYFERTH 1974:76-7).

Das citações já analisadas observa-se claramente a distinção de “trabalho de homem” e “trabalho de mulher”. O caracterizado “de homem” é aquele que sai de casa, que é expansivo, ativo. É aquele vinculado com o risco, com o novo, com o desconhecido, e, também, com o trabalho dito “forte”. Quanto ao “trabalho de mulher”, é aquele que se relaciona com o lar, com o quintal e arredores da casa, os filhos. É ela quem administra a família e o lar, e também “ajuda” o marido na colheita. É o trabalho “penoso”. O trabalho na roça ocupava praticamente todo o ano, embora em certos meses diminuísse o suficiente para permitir que o chefe da família ou um dos filhos adultos deixassem a propriedade em busca do trabalho acessório, principalmente na abertura de estradas e picadas, trabalho este que era pago em dinheiro pela administração e, por isso mesmo, muito procurado pelos colonos. (...) Há uma intensificação do trabalho na roça nos meses de junho a setembro, tanto no que diz respeito aos plantios como às colheitas. (...) com exceção dos quatro produtos principais – milho, mandioca, cana de açúcar e tabaco – os demais eram cultivados em pequena escala e apenas para consumo domestico. A horta era preparada e cuidada exclusivamente pela mulher e esta e os filhos menores se encarregavam também da capina de roças.( SEYFERTH, 1974, p. 64-5).

Percebe-se uma maior rigidez na construção e assimilação de identidades masculinas do que femininas. A mulher, mesmo com o espanto dos homens, também realiza “trabalho de homem”, porém o inverso não acontece. A instauração

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do novo sistema de produção capitalista, onde a racionalização do lucro se sobrepõe a vida tradicional (WEBER, 2006), levou a mulher explorada a “invadir” o lócus de atuação masculina. Já os homens, não se deslocaram para dentro do lar. Não se notou uma fala sequer de algum homem que cuidasse dos filhos ou da casa. Entretanto, isso não era uma exclusividade dos solos brasileiros. Zuleika Alvim realiza um grande estudo da separação sexual entre italianos na sua terra de origem, demonstrando que a exploração e a divisão sexual do trabalho não é condição exclusiva do migrante, mas sim uma condição do trabalhador do campo. Na lavoura Itáliana havia a preferência pelos filhos “machos” cujo papel social esperado era o de sustentar a família. Porém, nas famílias mais pobres, embora essa concepção de gênero também existisse, não era ele o único a sustentar a casa, pois a mulher também trabalhava. Toma-se alguns exemplos de trabalhos realizados na região do Vêneto, separados pelo gênero, conforme a tabela 2, a seguir. Tabela 3 – Trabalhos realizados por gênero em Veneto, Itália Homens Preparam o campo para o linho, o arroz, o milho, o trigo; preparam as valas para escoamento das águas; fazem a revisão dos diques; aram a terra para os grãos; cortam o feno; revolvem a terra; transportam e armazenam os grãos.

Mulheres A fiação do linho, do cânhamo e da lã; ocupam-se das hortas e dos animais pequenos; tiram ervas daninhas e parasitas dos cereais; limpam os cereais (milho, arroz.); preparam as folhas de amora para o bicho da seda; maceram o linho.

Todos fazem: arrancam o linho, ceifam o feno, colhem o milho, colhem a vinha 15

FONTE: (ALVIM, 1986, p. 83-7)

Desses exemplos se percebe que trabalhos mais árduos e difíceis pertencem aos homens, assim como apenas eles trabalham exclusivamente com a terra e com o cuidado das plantações. Já as mulheres ficam encarregadas dos trabalhos mais extenuantes, mais fatigantes, como, por exemplo, da respigas na lavoura. 15

Tabela feita por mim a partir de fragmentos aleatórios retirados da tabela referente à ALVIM, Zuleika M. F. Brava gente! Os italianos em São Paulo (1870-1920). São Paulo, Brasiliense, 1986, pg 83-7.

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[...] que […] consistia em recolher as espigas abandonadas no solo depois da ceifa. No caso do milho era um trabalho que cabia às mulheres e que, pela tradição em alguns lugares, e, por obrigação em outros, era depois dividido com a dona da propriedade ou com a mulher mais importante da família do proprietário. (ALVIM 1986 p. 83-7).

A exceção é quando chegam as grandes colheitas. Por mais duras que elas sejam, todos são convocados a trabalhar. Neste período não há a separação por gênero, devido à grande quantidade de grãos a serem colhidos e a falta de mão de obra suficiente. Era acima de tudo uma tortura para os camponeses. Selecionei o linho como exemplo, mas a colheita do arroz, do trigo ou de qualquer outro produto não era muito diferente. Na realidade, o período de colheita no campo era quase um martírio. Dada a sobrecarga de trabalhos, os camponeses dormiam, em media, cinco horas por noite, trabalhando todo o resto do período. E não havia como fugir disso, pois para muitos diaristas as colheitas eram o único trabalho disponível.[...] Logo muitas mulheres e jovens são obrigados a se ajoelhar para prosseguirem e os mais fracos são obrigados a se retirar do campo. Os mais robustos, retomando o fôlego, fincam os pés no solo, curvam o tronco (...) e abrindo as mãos para poder segurar a maior quantidade de hastes possível [...] continuam arrancando [...] do terreno o usadíssimo linho’. Existiam, portanto, razões para que odiassem esse produto: além da colheita executada em condições infames, restavam ainda os trabalhos posteriores. E o mais fatigante era a maceração. Esta tarefa cabia às mulheres, que deviam permanecer durante longas horas mergulhadas na água até quase a altura do ventre, molhando o linho para extrair os fios. (ALVIM 1986:38-9).

Percebe-se que mesmo havendo uma distinta separação por gênero após a colheita, durante esse evento, embora, todos sejam obrigados a trabalhar, também ocorre essa separação, porém mais sutilmente. Espera-se que a mulher, assim como os mais fracos, não suporte e se ajoelhe, enquanto os mais robustos continuam. Cabe, então, a elas a tarefa de recolher os restos – respiga – do que sobrou da colheita. Alias, trabalhando na plantação em solo italiano ou com as folhas de amora para o bicho de seda no Brasil, a mulher não pode deixar de exercer seus outros deveres, como os deveres do lar, dos filhos. “[...] as mulheres: uma encarregava-se da cozinha, outra da lavagem da roupa e todas ficavam sob as ordens daquela que comandava a família, normalmente a mais velha. Era a ‘patroa’”. (ALVIM, 1986, p. 83-7). Isso ocorria porque “a tarefa de dirigir a família e mantê-la alimentada e vestida cabia à mulher”. (ALVIM, 1986, p. 90), ou ainda trabalhando em uma pequena oficina. Assim, “[...] depois de ter auxiliado por algum tempo o pai no cultivo da terra, Abramo resolveu ajudar a mãe nos trabalhos da oficina que, aparentemente, não apresentava perspectivas muito animadoras”. (CENNI, 1958, p.129).

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Os recortes a seguir reforçam a ideia sobre a importância do trabalho de todos os membros da família para a subsistência dos imigrantes. Muitos eram obrigados a trabalhar nessas condições em outras propriedades ou meeiros que não tinham filhos trabalhando como bracianti nas grandes fazendas, ou filhas operárias nas minúsculas indústrias artesanais da vizinhança. (ALVIM, 1986, p. 33). [...] sua família era livre para ocupar-se em outros trabalhos. Podiam empregar-se em outras atividades menos especializadas nas fazendas, ou ainda dedicar-se à pequena indústria doméstica, como a tecelagem. (ALVIM, 1986, p. 87-8).

É importante entender aqui que o trabalho da família é o fator fundamental de sua sobrevivência, não só o trabalhado do pai camponês, mas de todos os agregados. Dessa forma, tanto na pequena propriedade familiar como fora dela, esperava-se que todos os membros da família trabalhassem, pois a parca remuneração com que as mulheres, crianças e velhos contribuíam não significava uma complementação do trabalho masculino, mas a simples possibilidade de sobrevivência: ‘significava a diferença entre a subsistência e a miséria próxima.’ (ALVIM, 1986, p. 90).

Ambos os trabalhos, tanto o do homem quanto o da mulher, são importantes. É apenas do esforço, do salário, mesmo que mal pago, dos dois que a família sobrevive. Porém, o chefe da família é a figura paterna. É deste que é cobrado o sustento da família e imposto o dever de chefiá-la. Mesmo quando a mulher desempenha papel semelhante ao do homem, exercer com autoridade a chefia da família, ajuda no orçamento, se esforçando na educação dos filhos, o sucesso ou o fracasso da família é julgado através do desempenho do homem, do marido, mesmo quando as mulheres faziam a maior parte do trabalho, como no exemplo abaixo: No inverno, as atividades diminuíam muito. Era quando se faziam reparos na propriedade, época do debulho do milho, da matança de porcos e preparo da charcuteria. Nesse período também se dedicavam às pequenas indústrias domesticas como a fiação rústica de tecidos e os trabalhos em palha. O trabalho feminino ganhava novamente primazia: eram as mulheres, com a fiação do cânhamo, linho e lã, que praticamente mantinham a família nesse tempo, porque o trabalho masculino, além de raramente requisitado, era mal remunerado. (ALVIM, 1986, p. 83-7).

Entretanto, uma diferença entre o trabalho nas terras italianas e japonesas foi detectada a partir de um fragmento, pequeno e despreocupado, de Sakurai. CM descreve a atitude de Mitsuko, a moça com quem Nyzo se casou para poder emigrar: [...] ‘Mitsuko estava suportando heroicamente tudo [...] nunca reclamava, mas pensando bem, Nyzo não via nada de mais nisso. Mulher

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tem mesmo obrigações de suportar tudo calada. Mesmo assim, algumas vezes ele tinha a impressão de que ela acabaria dizendo já estar arrependida e cansada, ela que, na casa do pai, tinha criadas e fartura, ela que sabia cantar e tocar o shamisem’. (SAKURAI, 1993, p. 94-5).

Vê-se, porém, que a diferença aqui é de classe social. Mitsuko só não trabalha, pois não precisa, “tem criada e fartura”. No Japão, assim como também na Itália, independente de serem homens ou mulheres, se esses fossem miseráveis, estariam trabalhando. A descrição meticulosa de Sakurai (1993) serve de bom exemplo para ilustrar que a mentalidade patriarcalista não foi inventada no Brasil. Esses imigrantes já chegaram aqui trazendo seus respectivos padrões culturais, ou, pelo menos, padrões semelhantes, embora a adaptação deles na sociedade que os recebeu teve de ser ajustada pela etnia diferente da local, colocando-os em situação desigual de poder com relação aos brasileiros. Ao chegaram ao Brasil trazendo tais padrões de gênero enraizados em suas experiências de vida, percebe-se uma tentativa natural de reproduzi-los. Logo que desembarcam em terras brasileiras são encaminhados para as fazendas de café. Os homens, nessas propriedades, cuidavam de mais pés de café que as mulheres, porém estas continuavam realizando “trabalhos extras”, como cuidar da casa, dos filhos, da horta e muitos outros. Nos excertos abaixo, percebe-se o preconceito referente ao trabalho feminino, sendo chamados de “secundários”, ou “trabalhos de casa”, embora as imigrantes italianas trabalhassem tanto quanto os homens, inclusive na lavoura. Como a cultura dos cereais era feita entre as fileiras do cafezal, os colonos cuidavam dela ao mesmo tempo em que cuidavam do café. Quando em terrenos separados, só podiam ocupar-se dela nas tardes de sábado e aos domingos. Nesse caso ainda, e quando não estavam diretamente ligadas à cultura do café, as mulheres e as crianças responsabilizavam-se pelos cereais. Este era também um dos motivos por que se considerava ideal a imigração de famílias inteiras, ‘podendo as mulheres e crianças, ainda não adaptadas aos grandes trabalhos, se dedicarem às culturas subsidiárias que, se bem cuidadas, representavam uma fonte de renda nada desprezível’. Ao lado do café e do cereal, os colonos tinham mais uma fonte de renda – os animais, cujos cuidados cabiam quase que exclusivamente às mulheres. A mulher: sua casa era quase sempre qualificada como “trabalhos de casa”, embora houvesse também aquelas que iam para a lavoura. Em geral as casas entregues aos colonos eram rodeadas por um terreno onde se podia cultivar uma horta e criar animais. Aqui também se repetia o modelo vivido na terra natal: “como nas cidadezinhas italianas, cada casinha é rodeada por uma pequena horta onde normalmente os colonos também constroem abrigos para os animais”. Eram galinheiros, chiqueiros ou mesmo um pequeno estábulo. (ALVIM, 1986, p. 97).

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Trechos analisados dos imigrantes japoneses no Brasil também evidenciam esse comportamento. As japonesas não deixavam o transporte do lanche para depois, quando podiam fazê-lo sem pressa. Faziam os preparativos já à noite, levantavamse de madrugada e preparavam as comidas para poderem sair para a roça juntamente com os homens”. (HANDA, 1987, p. 87-8). Na época da capinação as mulheres retornavam à casa cerca de uma hora antes, ao entardecer, para preparar a janta. (HANDA, 1987, p. 92)

E na cidade acontece de maneira semelhante. Tomoo Handa (1987) discorre sobre o importante papel das pensões que acolhiam imigrantes, onde o seu dono auxiliava os hóspedes no que fosse preciso, criando até uma relação mais íntima, amigável, sendo chamado de “papai”, termo obviamente patriarcal. A função do ‘papai’ era basicamente a de bebericar com os hóspedes e visitas (como pinga fosse barata, era servida à vontade) e de servir como parceiro nos jogos de shôgi ou go. Mas, se necessário, ele prontamente se dispunha a levar o doente ao médico. Ou a informar os horários do trem aos viajantes. Conforme o caso, carregava-lhes a bagagem e os levava até a estação, ou comprava-lhes os bilhetes. Se pedissem, levava os interessados até o banco e – por que não? – à zona. Procurava professores para a escolinha e atuava como padrinho, arranjando casamento entre jovens. Era a pessoa certa para ser o consultor dos lavradores, mais bem informado sobre o mundo e melhor relacionado que qualquer pessoa dos núcleos de colonização. (HANDA, 1987, p. 501-2).

Entretanto, quem acabava realmente cuidando da pensão era a mulher. “Obviamente, com todos esses encargos, principalmente o de cuidar do pessoal, não lhe sobrava tempo nenhum para tocar a pensão, que ficava, então, nas mãos da ‘mamãe’”. (HANDA, 1987, p. 501-2). A mulher acaba sendo fundamental para manter os negócios e a família. O problema é, por ela estar sempre como pano de fundo, seja lavando pratos na cozinha, colocando as crianças na cama ou exercendo outra função longe do social, a sua figura aparece – quando aparece! – em segundo plano. Dentre os italianos, Zuleika Alvim faz uma conta interessante. [...] a emigração para as fazendas pode convir só quando o camponês tem uma família numerosa, isto é, quando pode dispor de muitos braços e 3 ou 4 crianças que o ajudem na colheita, mas sobretudo quando tem uma mulher ativa e inteligente que saiba usufruir das vantagens que a fazenda lhe oferece: a horta, a lenha dos bosques, o pasto, que saiba fazer o sabão, a charcuteria, criar porcos e galinhas; que saiba ainda, sozinha educar, vestir e lavar a pequena família [...] ”. (ALVIM, 1986, p. 99-100). Finalmente, como os produtos e os animais que excediam o necessário ao consumo da família eram vendidos, os “trabalhos de casa” executados pelas mulheres acabavam também colaborando no orçamento doméstico. (ALVIM,1986, p. 97).

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[...] as plantações e cuidados com o café ocupavam homens e mulheres indistintamente. Um homem podia cuidar por volta de 2.500 pés, enquanto a mulher adulta ou um rapaz ocupava-se de mil pés cada um. Assim, na divisão do salário, o homem ficava com 2/3 enquanto à mulher ou o rapaz cabia o 1/3 restante”. (ALVIM, 1986, p. 96). As casas ‘bem sortidas’ tinham em seu cardápio ‘toucinhos e lingüiças que pendiam do teto da cozinha, legumes, milho e frutas secas amontoadas num pequeno depósito situado no fundo da casa’. Muitas vezes, esses produtos eram preparados pelas mulheres mais velhas da casa quando as moças estavam ocupadas nas plantações. ‘Uma velhinha me levou a uma espécie de quintal para mostrar como aprendeu a fabricar sabão, fundindo água com gordura e a preparar a carne defumando-a e salgando’. (...) A importância da figura da mulher mais velha aparece registrada no balanço de uma família grande e em como é capaz de economizar: a família é composta por ‘uma mulher velha, um homem adulto, uma mulher adulta, uma mocinha de 16 anos, um rapaz de 14 anos e duas crianças de 9 e 5 anos (...) que cuidam de 9 mil pés de café’. Daí pode-se concluir que, em algumas famílias, parte da receita capaz de se transformar em poupança provinha em 2/3 do trabalho feminino e em 1/3 do trabalho masculino. (ALVIM, 1986, p. 98). Enfim, numa família típica de colonos e empreiteiros italianos, a mulher ajudada pelas crianças com menos de doze anos, acabava contribuindo com praticamente a metade do dinheiro recebido durante o ano. Isso porque garantia 1/3 do trabalho no café e 2/3 nas culturas auxiliares: como o café representava, segundo testemunhos da época, cerca de 2/3 das receitas, a mulher respondia por 4/9 do ingresso bruto e o homem, por 5/9. (ALVIM, 1986, p. 99-100).

Ou seja, a mulher realizava uma jornada dupla de trabalho, sendo uma não paga, pois remete aos cuidados do lar e da família, e tem uma parcela de 4/9 da renda bruta da família. Já, o homem tem uma única jornada, na terra, além de fazer a ligação da família colona com o dono da terra, e tem uma parcela de 5/9 da renda bruta. A família e a casa são cuidados diários, já a ligação com o ambiente público, a negociação com os vizinhos e patrão é esporádica. Entretanto, esta era a situação diária e esperada da vida na fazenda. Contudo, havia outro período, quando faltava emprego/trabalho, como na época entre colheitas, que os homens saiam de casa em busca de renda complementar, como explica Seyferth (1974) em referência à vida dos imigrantes alemães. Embora penosos e muito cansativos, parecia ser a única solução para esses homens imigrantes. Havia três tipos mais comuns de trabalho acessório para o colono: na construção de picadas e estradas; nas serrarias como “puxadores” de madeira; e o trabalho artesanal (carpintaria e ferraria, principalmente). [...] E nas serrarias o colono encontrava outro tipo de trabalho acessório: o de “puxador” de madeira (...). Uma das antigas moradoras da localidade que hoje se chama Sternthal (...) descreveu a situação de sua família logo após a instalação no lote colonial, destacando a atividade do pai como “puxador”: 16 (...) A família ficava na propriedade enquanto o pai se ausentava para 16

Grifo meu.

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buscar madeira. (...) O trabalho do ‘puxador’ de madeira era realmente muito penoso, pois tinha de transportá-la até as serrarias. Os troncos derrubados eram arrastados por juntas de bois ou em zorras (carroça de madeira muito baixa), muitas vezes puxadas por pessoas por não haver animais, através de uma picada aberta na mata especialmente para isto, até o local onde se instalava a serraria (...). Como a maioria dos “puxadores” era composta de proprietários de lotes agrícolas, faziam o trabalho nos períodos em que a lavoura não necessitava tantos cuidados. (SEYFERTH, 1974, p. 78-9).

A rígida identidade masculina, construída pelo trabalho virilizante, relacionada às concepções de ativo, forte, causou várias implicações negativas aos sujeitos estudados: abuso de poder, anulação de seu “oposto” (o feminino), convivência com seus “iguais” mediada pelo álcool, dentro outras. Da mesma forma com a mulher: dupla jornada de trabalho, não reconhecimento de sua autoridade, o desprezo pelos seus serviços, além de continuar no papel de dominada. Os maridos até percebiam a importância dessas mulheres, porém assumiam uma posição passiva, muitas vezes admitindo estarem apenas “fazendo o seu papel”. As passagens abaixo, recortadas de Handa (1987) e Sakurai (1993) sobre os imigrantes japoneses, evidenciam o caráter relacional das construções de gênero, cujos constrangimentos geraram diferentes respostas dentro de um mesmo grupo étnico em especial, no que se refere à sua reprodução e adaptação social. Mesmo com suas próprias mulheres, os maridos não podiam simplesmente ser uns tiranos, como talvez quisessem, uma vez que elas tinham sido parceiras de luta durante umas boas dezenas de anos; não, não tinham esse direito. E se elas simplesmente rebatessem, dizendo: ‘Será que você ganhou sozinho o dinheiro que temos hoje? Quem foi que trabalhou dia e noite, sem domingo e sem feriado? ’ Os maridos, no mínimo, tinham que calar. (HANDA, 1987, p. 492). Depois disso, [o casamento,] as mulheres recém-casadas se igualam às outras, pois todas têm as mesmas obrigações e, sobretudo, as mesmas atitudes de obediência integral ao marido. Pouco aparece da vontade individual, dos sonhos de cada uma. Aparece apenas a fidelidade e a dedicação à família. [...] ‘A educação que recebera lhe ensinava que a mulher tem de acompanhar o marido, em tudo, e até hoje ela (Sueno) vivera conforme este princípio. Isso também não significava que não tivesse vontade própria: Yamada sentira em várias ocasiões o pulso forte da esposa. Ela tinha seus pontos de vista, e os dois sabiam disso. Mas Yamada nunca os tentara conhecer, nem ela se esforçara para demonstrálos’(FT: 15). (SAKURAI, 1993, p. 94).

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Gostaria de concluir tecendo um paralelo entre todos os fluxos analisados no decorrer do presente trabalho. A dificuldade encontrada em todos os fichamentos foi, sobretudo, a falta de informação acerca da educação escolar dos filhos desses imigrantes e, também, em relação à rede de sociabilidade. Entretanto, muito material foi encontrado quando se tratou de assuntos como família e trabalho. Acredita-se que essa dificuldade se estabelece desta maneira devido à preocupação dos autores em retratar uma época cujos métodos e olhares se voltavam a estudos relativos a lugar específico na História, no contexto em que escreveram, e que, portanto, acabavam focalizando as relações familiares e o trabalho como elementos fundamentalmente constitutivos dos sujeitos migrantes e do tecido social de toda uma época. Outra justificativa pautável é a importância dessas instituições sociais para os próprios migrantes, pois eram elas que, de forma mais ampla e integral, regiam suas vidas. Há que se pensar, em concordância, que Sem dúvida, é a estrutura social da família que determina a divisão do trabalho numa sociedade camponesa. ‘A família é o grupo de produção da fazenda e a posição na família determina os deveres, funções e direitos atribuídos. O ritmo da fazenda designa o ritmo da vida familiar [...] (SEYFERTH 1974:75-6)

Quanto à manutenção da família, observou-se em todos os fluxos como sendo a função da mãe ou das filhas mais velhas que não tinham idade suficiente para ajudar na lavoura e eram obrigadas a ficar em casa. A ideia do pai dentro de casa, cuidando dos filhos, não foi citada sequer uma única vez. Quanto ao trabalho na lavoura, era obrigação do pai, porém não só a mãe, mas como toda a família também trabalhava. Nota-se então uma maior plasticidade no papel feminino. Ambos – homens e mulheres – têm muito bem delimitados suas funções nestas instituições sociais; função de homem e função de mulher. Porém, a mulher permeia tanto seu campo de atuação social como o campo de atuação social do homem; suas funções são também rígidas, mas suas ações são extremamente plásticas. Pareceu que quem se importa mais por elas não estarem cumprindo estritamente apenas as suas funções delimitadas pelo gênero, em um primeiro momento, são os próprios homens. São estes que não desbravam outras

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performances, outros comportamentos e normas sociais que não seja o seu por herança cultural; que ora ficam espantados com tal plasticidade feminina, e, ora são obrigados a serem maleáveis com a figura feminina, já que a mulher trabalhava além de suas obrigações sociais. No fluxo japonês verificou-se uma atitude dos maridos, pouco “tirana”17, como exemplifica Tomoo Handa, já que a questão da honra é muito forte para este grupo étnico, podendo eles assumirem a culpa por elas terem que se deslocar para além do lócus feminino de atuação social, e ocupar também parte do lócus masculino. Quanto aos imigrantes italianos, já era esperado no trabalho a atuação da mulher, principalmente entre as mais miseráveis. Na própria Itália, antes mesmo de migrarem para o Brasil, a mulher pobre já lidava com o público, o “sair de casa”, porém, era lhe atribuído um trabalho mais extenuante e cansativo do que árduo ou difícil. Portanto, esta plasticidade na ação da mulher imigrante italiana já era observada também nas suas funções. No fluxo alemão, a mulher e os filhos se encarregavam da roça, seguindo a mesma linha de raciocínio dos italianos. Contudo, observou-se a existência de mais relatos sobre o casamento do imigrante teuto ser mais tardio, ou seja, uma preocupação masculina de estar financeiramente estabelecido, de poder prover a família, para só, então, constituí-la. Em comum a todos, o patriarcalismo, nas suas mais diversas formas e faces. A maleabilidade da identidade e do comportamento feminino ocorreu no surgimento do modo de produção capitalista, onde também a identidade masculina se solidificou. A função do homem já era sair de casa, trabalhar fora do lar, conseguir as condições físicas para a criação da família, enquanto à mulher cabia proporcionar as condições emocionais para que toda a sua prole se desenvolvesse de forma saudável. Tem-se, então, relações de gênero claramente estabelecidas. Com a consolidação do sistema capitalista, o advento da urbanização e da industrialização, o objetivo primordial é acumular capital; a racionalização do lucro através do trabalho legítimo. Com o avanço desse modo de produção em detrimento da vida tradicional e rural, a família só sobrevive se conseguir lucro, dinheiro para se 17

“Mesmo com suas próprias mulheres, os maridos não podiam simplesmente ser uns tiranos, como talvez quisessem, uma vez que elas tinham sido parceiras de luta durante umas boas dezenas de anos; não, não tinham esse direito. “E se elas simplesmente rebatessem, dizendo: ‘Será que você ganhou sozinho o dinheiro que temos hoje? Quem foi que trabalhou dia e noite, sem domingo e sem feriado?’ Os maridos, no mínimo, tinham que calar”. (HANDA, 1987, p. 492). Grifo meu.

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sustentar. E, nesse caso, somente o homem não dá conta da demanda familiar, como demonstrado. A mulher, principalmente a imigrante, miserável, precisou se inserir em um lócus que anteriormente pertencia, fortemente, ao mundo masculino. Consequentemente, os homens necessitaram aprimorar suas técnicas, refinar seus conhecimentos acerca do mundo público, arriscar mais para conseguir os melhores meios de subsistência, nem que fosse em um país distante; além mar. Talvez esteja ai o embrião de toda a imigração internacional que começou no final do século XIX e se estendeu até meados do século XX para o Brasil, lugar da América que ainda representava um país onde as velhas estruturas (patriarcalismo, grandes latifúndios, vida rural, dentre outras) estavam presentes, quando comparada à rápida proletarização da Alemanha, Itália e Japão. O Brasil representava o lugar onde o camponês se sentia familiarizado; um campo de atuação no qual ele se identificava e sabia lidar. Entretanto, esses imigrantes, ao chegar ao país de destino, encontraram-se em situação de miséria e descaso, às vezes maior do que se estivessem em seus países de origem, afinal a ponta do eixo “racismo” não estaria tão retesada. Foi a partir desta situação radical que as relações de gênero começaram a rumar para outras direções. Ficou mais evidente a dicotomia maleabilidade identitária feminina versus solidificação identitária masculina, ambiguidade essa presente em todos os fluxos analisados. As mulheres passaram a exercer mais funções, em lugares e tarefas anteriormente pertencente ao mundo masculino. Talvez seja nesse começo de século XX que o embrião da crise da masculinidade tenha se fecundado e começado a germinar só mais tarde. Por tanto, pretendeu-se mostrar aqui como a categoria analítica de gênero pode contribuir significativamente para desvendar comportamentos, normas e valores da sociedade migrantes da virada do século XIX no Brasil. Ações que parecem “naturais”, vinculadas ao corpo, ao sexo masculino ou feminino, passam a ser entendidas como discursos, como performances assimiladas, interpretadas, modificadas ou constrangidas pelos sujeitos migrantes. As normas e condutas sociais, adotadas ou constrangidas, passam a ser vistas como estratégias, táticas e técnicas experimentadas que, no decorrer do tempo, vão constituir os sujeitos. Mostrou-se a constituição identitária desses imigrantes não a partir de um julgamento moral, mas como as articulações entre gênero e sexualidade, raça,

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etnicidade/nacionalidade e classe, modificam as identidades no contexto de prática articulatória.

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