JABUTICABA LIBORAMIMA LÊ MAIS FÁCIL DO QUE JORNALEIRO NORBALENSE: UM ESTUDO DE RASTREAMENTO OCULAR DE PALAVRAS E PSEUDOPALAVRAS MONO E POLIMORFÊMICAS

July 4, 2017 | Autor: Marcus Maia | Categoria: Experimental Psycholinguistics, Morphological Processing in Lexical Access
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JABUTICABA LIBORAMIMA LÊ MAIS FÁCIL DO QUE JORNALEIRO NORBALENSE: UM ESTUDO DE RASTREAMENTO OCULAR DE PALAVRAS E PSEUDOPALAVRAS MONO E POLIMORFÊMICAS1 Marcus Maia (LAPEX/UFRJ e CNPq) Antonio João Carvalho Ribeiro (LAPEX, UEZO e FAPERJ)

1. INTRODUÇÃO A cognição da sintaxe no interior das palavras é uma importante questão que vem sendo intensamente investigada há cerca de 40 anos em Psicolinguística. Diferentes propostas de arquitetura de processamento de palavras têm sido feitas ao longo dessas quatro décadas de pesquisa, podendo-se opor, em grandes linhas, de um lado, os modelos “baseados em regras” aos modelos que, por outro lado, propõem que não haja regras computacionais explícitas, no acesso lexical, mas padrões de ativação “em redes”. Entre esses dois grandes tipos de modelos que, em si mesmos, já apresentam uma gama extremamente diversificada de variações de arquitetura, encontram-se modelos mistos ou duais, que também vêm em diferentes sabores. A literatura discute, portanto, o acesso lexical no reconhecimento de palavra em torno de três tipos fundamentais de modelos: em um dos extremos, os do tipo Full Listing ou Listagem Plena (e.g., Butterworth, 1983), de acesso lexical direto, top-down, em que o significado das palavras é acessado na íntegra, no léxico onde estão armazenadas, sem que se opere qualquer operação prévia de decomposição morfológica; no outro extremo, os modelos estruturais bottom-up ou de Full Parsing

O estudo foi apresentado no The Ohio State University Congress on Hispanic and Lusophone Linguistics, nos EUA, em 27 de abril de 2012 e, também, no Encontro do GT de Psicolinguística, durante o XXVII ENANPOLL, realizado na UFF, entre 11 e 13 de julho de 2012.

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ou computação plena (e.g., o de Affix-Stripping2, de Taft, 1979; Taft & Forster, 1975, 1976; Forster, 1979), que preveem o armazenamento, em separado, de raízes e afixos, implicando a decomposição da palavra no acesso lexical. Finalmente, a meio caminho entre os dois modelos, situam-se as arquiteturas de dupla rota, ou duais, exemplificadas seja pelos modelos que admitem tanto a existência de acesso direto a palavras familiares quanto a via da decomposição de palavras desconhecidas (Caramazza et al., 1988), seja por modelos que optam pela “tendência” à decomposição quando a relação semântica entre afixos e raiz é transparente (Marslen-Wilson et al., 1994); ou, ainda, pela decomposição de formas regulares, por um lado, e acesso direto a formas irregulares da língua, pelo outro (Pinker, 1991). Em português brasileiro, Maia, Lemle & França (2007) reportaram um experimento de rastreamento ocular de palavras e outro baseado no chamado efeito Stroop, realizados para investigar se a decomposição morfológica é uma propriedade fundamental do processamento lexical na leitura de palavras isoladas. Os autores apresentaram evidências de que, durante a leitura, as palavras seriam derivadas morfema a morfema, embora tenham proposto que heurísticas globais da visão também atuariam simultaneamente. Foi feito o rastreamento ocular da leitura de palavras pertencentes a três grupos, a saber: (i) palavras como, por exemplo, malinha ou baleiro, em que os morfemas -inha e -eiro estão concatenados a palavras (mala e bala), havendo transparência semântica entre a palavra complexa e a base da qual ela é derivada; (ii) palavras como vizinha ou madeira, em que há apenas uma coincidência ortográfica com a forma dos morfemas (pseudomorfemas); e (iii) palavras como caninha e copeiro, formadas por concatenação de um morfema a uma raiz, situação em que o significado da palavra é arbitrário e a leitura é dada na enciclopédia, sem transparência semântica. Os resultados indicaram maior atividade ocular (fixações e movimentos sacádicos) na condição com morfemas com leitura composicional do que nas condições com pseudomorfemas e com morfemas que determinam leitura arbitrária. Ao contrário do que se realizou no estudo que se reporta no presente artigo, Maia, Lemle & França (op. cit.) não testaram, no entanto, o processamento de pseudopalavras nem compararam a leitura de palavras mono e polimorfêmicas. França, Lemle, Gesualdi, Cagy & Infantosi (2008), por outro lado, compararam palavras mono e polimorfêmicas em um estudo de acesso lexical estimulado por priming auditivo com aferição de potenciais cerebrais relacionados a eventos (ERP),

O modelo Affix-stripping será mais tarde revisado por Taft (1994), passando a admitir que as operações de decomposição do modo default possam ser atenuadas pela sua frequência. 2

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analisando a eletrofisiologia do acesso lexical. Os autores testaram 60 pares de prime e alvo com semelhança fonológica, em diferentes tamanhos (e.g., barata, problema, jaguatirica) e 60 com semelhança morfológica, divididos em séries de palavras com diferentes números de camadas morfológicas (e.g., pureza – 2 camadas; armamento – 3 camadas; inicialização – 4 camadas). Como afirmado pelos autores, a principal contribuição do estudo foi terem desenvolvido um design que permitiu comparar palavras de três tamanhos com semelhança fonológica e palavras com duas, três ou quatro camadas morfológicas após a camada de categorização. Os resultados obtidos foram analisados à luz da teoria da Morfologia Distribuída (cf. Marantz & Halle, 1993; Marantz, 1997), indicando que o acesso a palavras pequenas é mais rápido do que a grandes em pares com semelhança fonológica. Já em relação aos grupos categorizados por profundidade morfológica, verificou-se que a diferença do número de camadas não cria uma gradação quando o prime e o alvo compartilham a primeira instância de categorização. Assim, por exemplo, o acesso a pureza depois de puro se daria em janela temporal igual à do acesso a centralização depois de centro. Os autores notam que há uma “invisibilidade das computações composicionais que se estabelecem a partir do ponto da arbitrariedade saussuriana” (p. 47), concluindo que a morfologia é fator de aceleração no reconhecimento de palavras. O estudo de base eletrofisiológica de França, Lemle, Gesualdi, Cagy & Infantosi (2008) contrasta, portanto, com o estudo de rastreamento ocular de Maia, Lemle & França (2007). Ambos reportam achados interessantes relativos ao acesso lexical, porém os tempos de acesso encontrados não são medidas compatíveis: o teste por rastreamento ocular reporta tempos significativamente maiores para as palavras com morfemas, enquanto que os tempos de ativação cortical não diferem significativamente em função do número de camadas morfológicas. Esses resultados discrepantes de curso temporal indicariam que as diferentes técnicas aferem aspectos cognitivos diferentes, sugerindo que se venham a investigar de modo integrado tais aspectos, a fim de revelar interações ainda mal compreendidas entre as microcomputações cerebrais do acesso lexical e do processamento visual na leitura. Um terceiro estudo que analisa o papel da morfologia no processamento de palavras multimorfêmicas do português brasileiro é o de Garcia (2009)3 . Garcia aplicou um experimento de priming encoberto, com decisão lexical, em que testou a relação entre prime e alvo em quatro contextos: (1) prime e alvo relacionados

Dissertação de mestrado, defendida no Programa de Pós-graduação em Linguística da UFRJ, em 2009, sob a orientação de Marcus Maia e co-orientação de Aniela I. França. 3

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morfologicamente (FILA/fileira); (2) prime e alvo com relação apenas semântica (ORDEM/fileira); (3) prime e alvo com relação apenas fonológica (FILÉ/fileira); e (4) prime e alvo sem nenhuma das relações anteriores (MATO/fileira). A hipótese de Garcia era a de que haveria maior facilitação significativa na condição em que as palavras tivessem relação morfológica, devido à identidade de raízes, o que foi confirmado pelos resultados. Essa facilitação expressiva de palavras morfologicamente relacionadas é discutida pela autora como favorecendo os modelos de processamento de decomposição plena e interpretada a partir da proposta não lexicalista ou construcionista da Morfologia Distribuída. Pederneira (2010)4 também encontrou evidências empíricas a partir de experimento de priming com decisão lexical, em favor da Morfologia Distribuída. Ao contrário de Garcia (2009), que usou a técnica de priming encoberto, com decisão lexical, para testar a realidade psicológica de sufixos, Pederneira utilizou, em um de seus experimentos, a técnica de priming aberto, com decisão lexical, para investigar o papel da morfologia na leitura de vocábulos isolados, em três condições contendo pares de palavras “prime/target” em que a palavra target, ou alvo, continha prefixos. Um grupo apresentava pares de palavras com prefixos de morfologia e semântica regulares (anular/nulo; predizer/dizer); outra condição apresentava pares de palavras com prefixos de semântica irregular (arrumar/rumo; denegrir/negro), enquanto um terceiro grupo apresentava palavras sem morfologia ativadora, em pares com relação etimológica remota (e.g., degradar/grau; comentar/mente). Embora os índices de decisão lexical não tenham apresentado resultados relevantes, com taxas altas de acerto nas três condições, os tempos médios de decisão lexical permitiram observar diferenças significativas entre as condições. Os prefixos com morfologia e semântica regular facilitaram significativamente os tempos de decisão sobre os alvos, quando comparados tanto aos pares com semântica irregular, quanto aos pares com relação etimológica, que não diferiram entre si. Os resultados confirmaram a hipótese de que a morfologia acelera o reconhecimento de palavras, conforme previsto em modelos construcionistas, como a Morfologia Distribuída. Ao contrário de um modelo lexicalista, como o Programa Minimalista (Chomsky, 1995), em que os itens vocabulares podem ser considerados como “listemas”, átomos sintáticos representados de modo indivisível no léxico, a Teoria da Morfologia Distribuída (Halle & Marantz, 1993; Marantz, 1997) propõe a existência de três listas

Dissertação de mestrado, defendida no Programa de Pós-graduação em Linguística da UFRJ, em 2010, sob a orientação de Miriam Lemle, com co-orientação de Marcus Maia. 4

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através das quais as palavras são computadas. A Lista 1 é formada pelas unidades sobre as quais a sintaxe opera no nível sublexical, a saber, traços morfossintáticos e previsões para a inserção de raízes. A Lista 2 é o vocabulário, onde se fornecem as formas fonológicas para os nós terminais da sintaxe/morfologia e se apresentam as conexões entre os traços fonológicos e sintáticos. A Lista 3, conhecida com Enciclopédia, é responsável pela listagem das raízes específicas em um dado domínio sintático. Trata-se, portanto, de um modelo que propõe um mecanismo gerativo único – a mesma sintaxe supralexical atua no nível sublexical. Nesse sentido, estudos como os quatro trabalhos sobre o português brasileiro, resenhados acima, que apresentam diferentes tipos de evidências experimentais (rastreamento ocular, EEG, priming encoberto, priming aberto), demonstrando o papel significativo da morfologia no reconhecimento de palavras, têm encontrado, no modelo da Morfologia Distribuída, um quadro teórico adequado para explicar os seus achados. No presente estudo, dá-se mais um passo, no lado comportamental desse programa de pesquisa, registrando-se tempos de fixação e movimentação sacádica na leitura de palavras isoladas, distribuídas em quatro grupos: palavras e pseudopalavras mono e polimorfêmicas, em experimento de rastreamento ocular com tarefa de decisão lexical.

2. O EXPERIMENTO DE RASTREAMENTO OCULAR Hipótese: No reconhecimento de palavra, ou seja, na “busca” para decidir se se trata ou não de palavra, serão maiores a Duração Total da Fixação (TFD) e o número de movimentos sacádicos sobre palavras e pseudopalavras com sufixos do que sobre palavras e pseudopalavras monomorfêmicas, de acordo com Taft & Forster (1975) e Taft (1979; 1994), em virtude da inspeção da estrutura interna dos vocábulos, prévia ao acesso lexical dos polimorfêmicos, sejam palavras ou pseudopalavras. Participantes: N = 32, de ambos os sexos, selecionados(as), ao acaso, entre alunos(as) dos cursos de formação de tecnólogos e de graduação plena da UEZO, todos naïves em relação ao objeto de estudo. Materiais: 32 vocábulos (de 9 a 10 letras e 4 a 5 sílabas), distribuídos em 4 condições; PP, palavras com sufixos, PM, palavras monomorfêmicas, NP, pseudopalavras com sufixos, e NM, pseudopalavras monomorfêmicas, cada uma delas abrigando 8 itens, exemplificadas a seguir: As 4 condições e exemplos: [PP] = palavras com sufixos, p.ex.: “jornaleiro” (8) [PM] = palavras monomorfêmicas, p.ex.: “jabuticaba” (8) [NP] = pseudopalavras com sufixos, p.ex.: “norbalense” (8) [NM] = pseudopalavras monomorfêmicas p.ex.: “liboramima” (8)

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Procedimentos: Após consentir formalmente em participar do experimento, os sujeitos foram instruídos a realizar uma tarefa de Decisão Lexical, consistindo no seguinte: clicando o mouse, um vocábulo aparecia na tela e a tarefa era decidir, rapidamente, se se tratava, ou não, de uma palavra da língua portuguesa, dizendo, em voz alta, SIM ou NÃO, ao experimentador, que anotava a resposta em um formulário de papel. Em seguida, o sujeito deveria clicar o mouse para ler o vocábulo seguinte, procedendo do mesmo modo até o fim do teste. Os vocábulos foram apresentados, randomicamente, no display de 17” de um Tobii 120 Hz Eyetracker, centralizados na tela, em fonte do tipo Calibri (Corpo), tamanho 36, ficando o sujeito a 60 cm da tela do monitor. Resultados: Confirmando a hipótese testada, a Duração Total da Fixação, ou TFD sobre os vocábulos com sufixos, foi significativamente maior do que, em média, sobre os seus correspondentes monomorfêmicos (na ANOVA por sujeitos, o fator MONO/POLI apresentou efeito principal significativo (F1(1, 124) = 25,6; p = 0,0001); assim como, também, o fator PALAVRA/PSEUDO apresentou efeito principal significativo (F1(1, 124) = 15,9; p = 0,0001). Não houve, entretanto, interação entre os fatores (F1(1, 124) = 0,01; p = 0,93), conforme ilustra o Gráfico 1, abaixo.

Duração Total da Fixação (TFD em ms.) 3.000 2.500

2.600

2.000 1.500

2.150

2.030 MONO

1.600

POLI

1.000 500 0 PALAVRA

PSEUDO

Gráfico 1: TFD médias sobre os vocábulos com sufixo, superiores às observadas sobre os monomorfêmicos.

De acordo, ainda, com as predições da hipótese testada, os vocábulos com sufixos, p.ex.: “habitação” (PP) e “hironável” (NP), receberam, em média, TFD superior à dos seus correspondentes monomorfêmicos, p.ex.: “jabuticaba” (PM) e “esvateque” (NM) (na ANOVA por itens, o fator MONO/POLI (F2(1, 28) = 17,7; p = 0,0001) apresentou efeito principal, assim como o fator PALAVRA/PSEUDO (F2(1, 28) = 17,7; p = 0,0002). Não houve interação entre os fatores (F2(1, 28) = 0,03; p = 0,86)), conforme o Gráfico 2, abaixo.

marcus maia | antonio joão carvalho ribeiro

Duração Total da Fixação (TFD em ms.) 3.000 2.500

2.620

2.000 1.500

2.140

2.070 MONO

1.640

POLI 1.000 500 0 PALAVRA

PSEUDO

Gráfico 2: TFD médias sobre os vocábulos com sufixo, superiores às observadas sobre os monomorfêmicos.

Observando-se o número de movimentos sacádicos (FC), vocábulos com sufixo receberam, em média, significativamente mais sacadas do que os monomorfêmicos (na ANOVA por sujeitos, o fator MONO/POLI apresentou efeito principal significativo (F1(1, 124) = 5,9; p = 0,01); como também o fator PALAVRA/PSEUDO apresentou efeito principal significativo (F1(1,124) = 28,05; p = 0,0001). Não houve interação entre os fatores (F1(1,124) = 2,64; p = 0,10), conforme os valores no Gráfico 3, abaixo.

Número de Fixações (FC) 6 5,68

5 4,68

4 3

3,77

3,98 MONO POLI

2 1 0 PALAVRA

PSEUDO

Gráfico 3: FC médias sobre os vocábulos com sufixo, superiores às observadas sobre os monomorfêmicos.

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Ainda quanto ao número de movimentos sacádicos (FC), vocábulos com sufixo, p.ex.: “bebedouro” (PP) e “norbalense” (NP), receberam, em média, significativamente mais sacadas do que os monomorfêmicos, p.ex.: “almanaque” (PM) e “chelonabe” (NM) (na ANOVA por itens, mostrou-se efeito principal do fator MONO/POLI (F2(1,28) = 10,12; p = 0,0036); como, também, efeito principal do fator PALAVRA/ PSEUDO (F2(1,28) = 43,4; p = 0,0001). Não há interação entre os fatores (F2(1,28) = 3,12; p = 0,08), conforme ilustra o Gráfico 4, abaixo.

Número de Fixações (FC) 7 6 5,73

5 4,77

4 3

3,84

MONO

4,11

POLI

2 1 0 PALAVRA

PSEUDO

Gráfico 4: FC médias sobre os vocábulos com sufixo, superiores às observadas sobre os monomorfêmicos.

E, de modo geral, como os Gráficos 1 a 4 informam, palavras foram acessadas mais rapidamente do que pseudopalavras, confirmando o que se sabe que ocorre quando essas últimas não ferem a fonotática da língua. Na página seguinte, a Tabela Geral de TFD (ms.), FC (ambos com os valores típicos em destaque nas cores das Condições que representam) e da Decisão Lexical, permite identificar os valores da Duração Total da Fixação, Número de Movimentos Sacádicos e percentuais de SIM e NÃO na Decisão Lexical, que subsidiaram todos os gráficos do Relatório. Finalmente, os Mapas de Calor (heatmaps) 1 e 2 ilustram, incomparavelmente, essas diferenças, que confirmam a hipótese de parsing prévio ao acesso lexical de vocábulos com sufixos. As fixações múltiplas sobre palavra e pseudopalavra com sufixo, “jornaleiro” no Mapa 1, e “litonagem” no Mapa 2, aparentemente as decompõem durante a tarefa de reconhecimento; e uma fixação no vocábulo monomorfêmico, seja palavra ou pseudopalavra, os trata como impenetráveis.

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Tabela Geral: TFD (ms.), FC (fixações) e Decisão Lexical (S/N), por palavra.

Stimuli Eye tracking Listas TFD (ms.)

PM

PP

Decisão Lexical (%)

FC

S

N

Stimuli Eye tracking Listas TFD (ms.)

FC

S

Decisão Lexical (%) N

Alcachofra

2.030

4,6

29

3

Chelonabe

1.830

4,6

7

25

Alfândega

1.490

3,38

31

1

Cirbanila

2.130

4,48

5

27

Almanaque

1.510

3,87

30

2

Erbêntira

2.050

4,19

5

27

Chocolate

1.420

3,35

28

4

Esbalhifre

2.460

6,07

8

24

Esmeralda

1.390

3,5

31

1

Esvateque

2.090

5

5

27

Jabuticaba

1.520

3,45

32

0

Iscalembo

1.870

4,16

4

28

Margarida

1.490

4,03

31

1

Liboramima

2.120

5,09

3

29

Tartaruga

2.270

4,53

30

2

Torlepida

2.040

4,59

1

31

Md:

1.640

3,84

Md:

2.074

4,77

14,84

85,16

Bebedouro

1.930

4,07

31

1

Arelicismo

2.430

5,28

15

17

Bebezinho

3.180

4,9

32

0

Hironável

2.630

5,94

21

11

Casamento

1.950

3,69

32

0

Lacorência

2.680

5,59

13

19

Economista

2.230

4,66

32

0

Latoresco

2.450

5,26

17

15

Habitação

2.070

3,44

32

0

Litonagem

2.440

5,37

16

16

Jornaleiro

1.880

3,31

32

0

Norbalense

2.490

5,77

12

20 24

NM

94,53 5,47

NP

Laranjada

1.920

4,4

31

1

Serantura

2.860

6

8

Rebocador

2.000

4,43

30

2

Tamurelho

2.950

6,62

8

24

Md:

2.145

4,11

98,44

1,56

Md:

2.616

5,73

42,97

57,03

Heatmap 1: palavra monomorfêmica vs. palavra com sufixo.

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Heatmap 2: pseudopalavra monomorfêmica vs. palavra com sufixo.

Os números reunidos na tabela “Decisão Lexical”, abaixo, associados à decisão dos sujeitos sobre o status dos vocábulos que leram, também podem ser considerados informativos a respeito de como se dá o acesso lexical no reconhecimento de palavra. DECISÃO LEXICAL

SIM (%)

NÃO (%)

PM

94,53

5,47

PP

98,44

1,56

NM

14,84

85,16

NP

42,97

57,03

Decisão Lexical: respostas off-line no reconhecimento dos vocábulos.

A possibilidade de decompor o vocábulo, que reduz, a quase zero, a possibilidade de não reconhecer palavras da língua (NÃO diante de PP = 1,56%) parece que também aumenta a chance de aceitar pseudopalavras, que, quando são indecomponíveis, são muito facilmente rejeitadas.

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3. CONCLUSÕES Em síntese, os resultados do experimento não se explicam com base em modelos de acesso exclusivamente top-down, face aos diferentes padrões de fixação do olhar sobre vocábulos monomorfêmicos e com sufixos. Entretanto, não se controlaram variáveis que possibilitariam afastar a hipótese do acesso por dupla rota, como frequência e familiaridade. É lícito concluir, a partir desses mesmos resultados, que, quando a estrutura interna do vocábulo permite, o reconhecimento dá-se bottom-up e que a possibilidade de parsing prévio das condições polimorfêmicas – indicada pelas fixações mais longas e em maior número do que nas condições monomorfêmicas – interfere na decisão sobre o status do item, tanto na redução da rejeição de palavras da língua quanto no aumento da aceitação de pseudoplavras. Finalmente, no que diz respeito à teoria gramatical, os resultados obtidos no presente estudo aduzem novas evidências em favor de modelos construcionistas da gramática, tal como o modelo da Morfologia Distribuída, que propõe que haja computação sintática operando por fases no nível sublexical.

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