JAIME CORTESÃO, HISTORIADOR DOS DESCOBRIMENTOS: PRIMEIROS PASSOS

June 2, 2017 | Autor: F. Nunes de Carvalho | Categoria: História, Jaime Cortesão
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JAIME CORTESÃO, HISTORIADOR DOS DESCOBRIMENTOS: PRIMEIROS PASSOS


por
Filipe Nunes de Carvalho
Notas prévias
Artigo publicado in Mare Liberum. Revista de História dos Mares,
Número 4, dezembro de 1992 [Lisboa], Comissão Nacional para as Comemorações
dos Descobrimentos Portugueses, pp. 9-25.

Não incluo, nesta versão destinada a partilha on line, o apêndice que
integra a edição tipografada de 1992, constituído por quatro cartas de
Jaime Cortesão a Malheiro Dias, constantes do espólio deste último,
depositado na Biblioteca Nacional de Portugal, por me parecer que
justificam ser divulgadas em conjunto com outra documentação referente à
História da Colonização Portuguesa do Brasil, obra marcante da
historiografia luso-brasileira. No âmbito desse projeto mais amplo,
compilei e transcrevi, há anos, centenas de documentos (parte dos quais
publicados no meu artigo "O Contributo de Malheiro Dias para a História da
Colonização Portuguesa do Brasil. Notas e Observações", in Mare Liberum.
Revista de História dos Mares, Número 17, junho de 1999 [Lisboa], Comissão
Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, pp. 97-148).
Penso que a aproximação das comemorações do duplo centenário da
independência do Brasil e do primeiro da publicação da obra, que, ela
mesma, resultou do empenho em assinalar os cem anos decorridos após aquele
acontecimento, poderá constituir razão suplementar para que se retome uma
edição, agora mais sistemática e completa, dessas fontes, e se prossiga o
seu estudo científico.


No texto agora divulgado introduziram-se ligeiras modificações,
incluindo as decorrentes do Novo Acordo Ortográfico, atualmente em vigor;
no entanto, manteve-se o critério seguido na edição na Mare Liberum, o qual
determinou a atualização da ortografia do início do século XX nos trechos
aqui citados.

Pareceu-me também conveniente, para uma mais fácil consulta ou
leitura na web, proceder à atribuição de um título a cada uma das partes
que compõem este trabalho, o que representa, também, uma novidade
relativamente à edição impressa de 1992.

*
Mais do que possível, seria cómodo considerar as primeiras obras
historiográficas de Jaime Cortesão interpretando-as como uma etapa apenas
no longo percurso que o levaria a afirmar-se como um dos mais notáveis
autores de estudos sobre os descobrimentos portugueses. Adotando tal
perspetiva, a sua estreia como historiador apresentar-se-ia como um degrau
entre outros necessários à ascensão até um ponto que se determinasse
considerar culminante. Desta forma, o interesse concedido aos primeiros
trabalhos de Jaime Cortesão neste domínio não residiria tanto no que eles
representam em si mesmos, mas no seu significado como prenúncio ou
antecipação parcial da invulgar qualidade dos seus escritos mais tardios.
As conclusões extraídas não poderiam satisfazer quem pretendesse
compreender de forma tanto quanto possível profunda a matéria examinada.
Ora, tal limitação parece-me ultrapassável, desde que se opte por um estudo
desses textos de acordo com uma estratégia mais flexível, atenta às
idiossincrasias do autor e às circunstâncias em que foram produzidos.
Concretamente, nas páginas que se seguem procurarei levar em linha de conta
as características mais marcantes da personalidade de Jaime Cortesão, a
vastidão da experiência que acumulara como homem e intelectual e o contexto
em que ocorreu a sua estreia como historiador.

Os primeiríssimos passos
No que respeita à personalidade de Jaime Cortesão, importa acima de
tudo relevar a diversidade dos seus interesses e aptidões. Aliás, essa
característica ressalta imediatamente quando se consideram os frutos do seu
labor de artista e estudioso. Filho de António Augusto da Silva Cortesão,
médico, filólogo e professor, não deixou de beneficiar da sua influência na
devoção pela cultura.[1] Os primeiros anos da biografia intelectual de
Jaime são elucidativos do âmbito extraordinariamente dilatado das
preocupações e centros de interesse que o levaram a estudar e produzir. Em
1907, não completara ainda 23 anos, surge na vida cultural portuguesa como
um dos fundadores, com Leonardo Coimbra, Cláudio Basto e Álvaro Pinto, da
revista Nova Silva, onde assina poemas e desenhos.[2] Associa-se esta
atividade a um conjunto de conceções ideológicas e estéticas que podem ser
caracterizadas como uma conjugação algo sincrética de anarquismo, lirismo e
racionalismo. O primeiro número da revista é elucidativo dos princípios que
norteavam os seus responsáveis. A noção de liberdade desempenhava no seu
discurso um papel essencial. Uma citação de Tolstoi sublinhava a
incompatibilidade entre a existência do Estado e uma verdadeira
liberdade,[3] tese convergente com a defendida por Heliodoro Salgado num
diálogo com fins de pedagogia política que conclui com as palavras
seguintes:
P. E porque é que o pastor governa o rebanho?
R. Porque o pastor é homem e os rebanhos são bestas. Que as
bestas sejam governadas e que os homens sejam livres.
P. Isso é anarquismo puro
R. Eu não tenho horror às palavras, nem fetichismo por elas. É
ou não razoável o que digo?… Isso é o que me interessa. Quanto à
classificação que caiba às minhas ideias, nem nisso penso.[4]


A ligação de Jaime Cortesão a este ideário não obsta, porém, a que,
logo em 1908, adira ao Partido Republicano e desempenhe uma missão de certa
importância para que a estratégia desta organização política se pudesse
concretizar.[5] O facto explica-se pela grande fluidez das fronteiras
ideológicas e políticas que, ao tempo, caracterizavam a ação e o pensamento
da juventude ilustrada portuguesa.
Depois de hesitar no rumo que daria à sua vida experimentara o
estudo do Grego e do Direito, não sem manifestar inclinação pelas Belas-
Artes , conclui em Lisboa, no ano de 1910, a licenciatura em Medicina. A
tese que lhe permitiu a obtenção deste grau académico, intitulada A Arte e
a Medicina. Antero de Quental e Sousa Martins, constitui uma demonstração
da riqueza da sua personalidade e, ao mesmo tempo, das inquietações
intelectuais da geração a que pertenceu. O tema escolhido representa, por
si só, um vivo contraste com as matérias que foram objeto das dissertações
de médicos notáveis licenciados anteriormente.[6]
Todavia, a leitura do trabalho a que Jaime Cortesão deveu a sua
licenciatura em Medicina surpreende acima de tudo pela subversão da própria
ciência em que o autor adquiria o estatuto de especialista. De facto, ao
apreciar a personalidade e a obra de Antero de Quental, a que adere sem
restrições, não se limita a rejeitar a interpretação positivista e
dogmática que delas fizera o médico proeminente que era Sousa Martins. A
perspetiva que adota e as conclusões que extrai implicam a negação à
Medicina da capacidade para explicar as realizações artísticas e para
avaliar adequadamente as pessoas dos seus autores. É sua convicção que "A
psicologia do Poeta é perfeitamente diferente da do vulgar dos homens".[7]
Ora, tal postulado condu-lo, inevitavelmente, a atribuir ao poeta uma
realidade intangível para o cientista. Por outro lado, a sua diligência
interpretativa inscreve-se, expressamente, numa atitude de revolta do
"coração" contra a "inteligência",[8] o que o leva a exprimir-se em termos
inesperados atendendo ao carácter do trabalho que então subscrevia, para
não dizer desajustados em relação a ele. Raul Proença, em recensão
publicada na revista A Águia, não deixaria de assinalar as limitações que,
de acordo com a sua perspetiva, muito mais lógica e racionalista, existiam
na tese de Jaime Cortesão, ditadas pelo nexo afetivo que o ligava ao objeto
das suas considerações.[9] O certo é que, embora o futuro historiador da
expansão portuguesa comece por se afirmar autorizado para rebater as
conclusões de Sousa Martins graças aos progressos das diversas
ciências,[10] o que avulta no conjunto deste seu trabalho é uma atitude
lírica e impressionista que sublinha o que de inefável existe nas criações
e personalidades dos artistas.


O poeta e suas temáticas e interesses
A produção poética de Jaime Cortesão anterior à sua estreia
historiográfica mostra claramente que, para ele, a poesia foi muito mais do
que um interesse efémero, semelhante ao que levava muitos dos seus
contemporâneos a versejar. Aliás, os seus poemas, que não só enriqueceram
as páginas de diversos periódicos coetâneos da Primeira República
portuguesa, e mesmo anteriores à sua implantação, como foram publicados em
vários livros,[11] encontraram eco significativo junto do público.[12] O
apreço que demonstra pela poesia de gosto popular, indissociável do amor
que dedicava à terra que o viu nascer e aos mais humildes dos seus
compatriotas, que caracterizaria depois o seu trabalho de historiador,
auxilia-nos a compreender a atração que sentiu pelo estudo do passado do
povo português.[13] Outra particularidade da sua produção poética,
justamente sublinhada por Fernando Pessoa,[14] é a ênfase posta no
heroísmo, que tendia a aproximá-lo da História como a concebia a ideologia
republicana. Cumpre também assinalar na poesia de Cortesão a coexistência
dos mais elevados e abstratos valores espirituais e de um forte apego às
realidades sensíveis e mesmo eróticas. Outra prova, afinal, do carácter
multifacetado da sua personalidade. O peso específico de cada uma das
tendências referidas, de alguma forma contraditórias, não se apresenta,
aliás, constante. Seria sobretudo com Divina Voluptuosidade, livro dado à
estampa em 1923, já depois de se ter iniciado nas lides historiográficas,
que a sua faceta de poeta da sensualidade se manifestaria de forma
particularmente notória.[15]




O dramaturgo e seus objetivos sociais, pedagógicos e políticos
Um outro domínio em que se exerceu a atividade de Jaime Cortesão antes
de se iniciar como historiador foi o da dramaturgia. A produção teatral que
assinou tem dupla relevância para a compreensão do início da sua biografia
de criador. Refiro-me, concretamente, ao significado que assume enquanto
uma das mais evidentes demonstrações de interesse pela história e ao valor
que possui como indício relevante das suas preocupações e conceções
ideológicas. Na sua produção dramática, Jaime Cortesão elegeu o passado
português como matéria de focalização preferencial. As duas primeiras peças
que publicou foram consagradas, respetivamente, ao infante D. Henrique e a
Egas Moniz. Divulgadas originalmente em 1917 e 1918, trata-se de textos
que, embora hoje envelhecidos, não deixam de ser valiosos para o estudo da
primeira metade do percurso intelectual do autor. Verifica-se nestas peças
um esforço para adaptar a linguagem utilizada ao tempo em que decorre a
ação, esforço nem sempre traduzido, aliás, pelos melhores resultados. Por
outro lado, embora Cortesão não deixe de conceder a si próprio uma ampla
liberdade no desenvolvimento da ação, tem o cuidado de adequar os cenários
e os trajes das personagens às realidades coevas, de acordo com os
conhecimentos dos especialistas. São particularmente dignas de registo as
suas preocupações quanto à representação d'O Infante de Sagres, que dedicou
"Aos marinheiros de Portugal". De facto, consultou alguns dos peritos
portugueses mais aptos a informá-lo acerca das realidades quatrocentistas.
Pôde, assim, contar com a colaboração do historiador da Arte Joaquim de
Vasconcelos, na caracterização cénica da época; do professor Luciano
Pereira da Silva, um dos mais importantes historiadores dos descobrimentos
portugueses, na indicação dos instrumentos náuticos do tempo do Infante; do
erudito professor e filólogo António de Vasconcelos, em aspetos da liturgia
e da indumentária eclesiásticas; e de Pedro de Azevedo, conservador da
Torre do Tombo, que pôs a sua experiência de conhecedor do arquivo nacional
e as capacidades que possuía no domínio paleográfico ao serviço da
preparação da peça.[16] Tratava-se de uma aproximação à História tal como a
entendiam os historiadores, embora o seu interesse continuasse centrado na
literatura, neste caso destinada à representação em palco. Como Jaime
Cortesão viria a afirmar no "Prefácio a modo de memórias" que antepôs à
quarta edição, de 1960, desta sua obra, a ideia de a escrever associou-se à
atividade que exerceu na qualidade de professor de História e Literatura
Portuguesa no Liceu Rodrigues de Freitas, do Porto.[17]
Todavia, mais do que o prolongamento de um labor pedagógico em sentido
estrito, a redação d'O Infante de Sagres traduzia o seu comprometimento
cultural e cívico. As preocupações políticas que ao tempo eram as suas
motivaram-no, de facto, a "pregar por meio dum drama épico a participação
heroica do povo português no maior esforço civilizador do seu tempo"
alusão à Primeira Grande Guerra. Por outro lado, a esta sua obra anda
ligado o interesse pelo passado no contexto da adesão do autor ao movimento
cultural "Renascença Portuguesa", de que ele próprio foi, aliás, o
ideador.[18] Na verdade, Cortesão não apenas se destacou na execução do
programa desse movimento como advogou, de forma muito clara, as conceções
de Teixeira de Pascoaes, diretor d'A Águia, seu principal órgão de
imprensa.[19] Partilhou, pois, os ideais saudosistas que, sem desdenharem a
intervenção na vida presente, enfatizavam a necessidade de se conhecer e
preservar os valores da tradição portuguesa, personificados por
determinadas figuras históricas proeminentes. O autor consagrava, aliás,
uma "obsessiva" admiração pelo infante D. Henrique, a quem, pelas suas
qualidades excecionais, atribuía extrema importância na génese dos
descobrimentos portugueses. Assim se explica o excessivo significado que
conferiu a uma obra de cariz historiográfico, hoje esquecida, da autoria de
João da Rocha, dada à estampa em 1915, com o título A Lenda Infantista
(Observações a Um Estudo do Sr. Dr. Teófilo Braga). À semelhança de João da
Rocha, Cortesão desejava uma reabilitação do Infante que permitisse o
reconhecimento de um estatuto e de uma imagem mais positivos a este
personagem histórico.[20]
O interesse de Jaime Cortesão pela figura do Infante D. Henrique
reflete uma interpretação em que se conjugavam, aliás não sem dificuldade,
a atribuição ao povo em geral de um papel decisivo no processo histórico
com o destaque dado a certos protagonistas. A influência destes últimos era
vista, em larga medida, como o resultado de um esforço vitorioso da vontade
do indivíduo para se moldar a si próprio, de acordo com determinados
princípios. As "Cartas à Mocidade", originariamente publicadas na revista
Seara Nova e mais tarde editadas em volume,[21] são esclarecedoras de que
Jaime Cortesão reconhecia a cada ser humano a capacidade para, seguindo um
programa, se tornar uma pessoa capaz de se afirmar na sociedade e servir os
seus concidadãos. Vale a pena recordar que foi ele o tradutor da obra A
Educação da Vontade, do francês Jules Payot, que em Portugal teve um número
invulgar de edições, a primeira das quais em 1911.[22] Ora, este livro,
cujo propósito era desenvolver o poder da inteligência para dominar as
paixões e as inclinações espontâneas, influenciou, notoriamente, o seu
tradutor português. Porém, tal influência de cariz racionalista combina-se,
no pensamento eclético de Cortesão, com uma perspetiva neorromântica que o
leva a atribuir ao infante D. Henrique um misticismo e um visionarismo
essenciais para a sua caracterização psicológica.
A peça Egas Moniz é hoje ainda menos conhecida do que a que assinalou
a estreia de Jaime Cortesão como dramaturgo. Prende-se, declaradamente, com
a intenção de reabilitar as lendas que, segundo o autor, haviam sido
depreciadas desde que Alexandre Herculano fizera sentir a sua influência na
historiografia portuguesa.[23] O recurso à lenda é justificado pela
escassez da documentação respeitante ao período em que a ação decorre.[24]
Tratava-se, afinal, embora Cortesão o não refira, de uma justificação
semelhante à dada pelo próprio Herculano para as suas obras de ficção de
temática medieval. Mostra-o a "Introdução" a Eurico, o Presbítero, em que o
grande historiador do século XIX afirma ter sentido a necessidade de
recorrer à imaginação para suprir as lacunas dos documentos coevos.[25] No
entender de Jaime Cortesão, o que interessava não era, aliás, alcançar,
neste tipo de produção teatral, a exatidão histórica, mas sim representar
os sentimentos que influíram nos factos passados. A sua preocupação é
sobretudo estética e pedagógica. Baseia-se nas lendas do Livro Velho de
Linhagens por reconhecer nelas uma "formosura moral" que torna o seu
conteúdo propício à enunciação da mensagem cívica que pretende difundir
entre os portugueses.[26] A principal razão da escolha de Egas Moniz para
tema da peça resume-a o autor nestes termos: "porque nele fulgem algumas
das mais belas virtudes que foram apanágio da grei, das que mais fundo
desenharam na tela dos tempos o nosso perfil de povo livre, é que
entendemos bem acender diante do seu esquecido e apagado retábulo esta
pequena lâmpada votiva".[27]
Não é já num passado mais ou menos remoto que se desenrola a ação da
peça Adão e Eva, de 1921.[28] A efervescência da situação política e social
portuguesa do tempo suscitou em Jaime Cortesão a ideia de intervir no
domínio da dramaturgia reportando-se de forma direta às realidades próprias
do quotidiano do público a que se dirigia. É possível associar mais
especificamente este texto à vivência lisboeta do autor. A peça refere-se
aos amores contrariados do revolucionário Marcos e da filha de um rico
capitalista. Marcos, possuidor de um carácter incorruptível, paladino de
uma interpretação libertária do cristianismo, dissociada, pois, da religião
católica, é apresentado de forma a gerar a simpatia do público. É uma
personalidade reta, firme, generosa. Bate-se pelos explorados, contra as
injustiças do capitalismo. A discussão sobre matéria religiosa que mantém
com um cónego permite-nos verificar a analogia entre as suas conceções e as
do autor. A associação entre Jaime Cortesão e esta personagem é também
suscitada pela observação de que a verdade da qual Marcos se considera
portador lhe foi revelada durante a Guerra, nas trincheiras da Flandres. De
facto, para o futuro historiador dos descobrimentos a participação na
Primeira Guerra Mundial constituiu uma etapa de extrema importância na
reformulação das suas conceções acerca do mundo e da vida.[29]
Envolvido numa conspiração contra o poder estabelecido, Marcos é
preso. A experiência que assinala este momento essencial da sua vida que,
também ela, pode ser aproximada da que marcou Jaime Cortesão no cárcere,
durante a ditadura de Sidónio Pais, vai corresponder a uma segunda
modificação decisiva no seu pensamento. O revolucionário comprometido numa
ação direta que permitisse transformações políticas e sociais a curto
prazo, embora sem deixar de afirmar a sua opção pelos oprimidos, passa a
descrer dos métodos que preconizara. As palavras seguintes testemunham a
evolução que se operou na personagem: "Esta noite passei-a a meditar. A dor
abriu-me novos horizontes. Continuo a pensar que o mal de origem é usurpar
e oprimir. Mas sei agora que é maior do que eu imaginava e impossível de
curar-se com mudanças exteriores e rápidas. A árvore da vida mergulha as
raízes dentro de nós mesmos. As almas também estão cercadas de muralhas; e
a grande revolução a fazer é mais lenta e tem de realizar-se dentro
delas".[30]
A peça termina com a entrega de Susana, a filha do capitalista, ao
amor de Marcos. Este opta pela espiritualidade, em detrimento da luta
social: "Somos Adão e Eva, pisando a terra virgem. O Paraíso, agora o
sei, está nas nossas almas".[31] Não será descabido vislumbrar na tese
implícita a esta peça o objetivo de influenciar o público citadino de
alguma forma ligado a um movimento operário em que predominavam as
ideologias radicais.[32] A representação de Adão e Eva no teatro do
Gimnásio, em maio de 1921, pode, pois, enquadrar-se na estratégia de uma
elite da esquerda republicana que, poucos meses depois, começaria a
difundir o seu programa e as suas propostas nas páginas da revista Seara
Nova.[33]


Jornalista e combatente político
Jaime Cortesão manifestou as suas capacidades intelectuais também no
domínio do jornalismo. A atividade que desenvolveu como jornalista é tanto
mais digna de menção quanto é certo que os textos que produziu na qualidade
de diretor do diário portuense O Norte, em 1914, se caracterizam por um
empenhamento político e partidário que alguns adversários consideraram
incompatível com a personalidade de um poeta.[34] Comprometeu, na verdade,
a sua escrita e a sua ação nas batalhas políticas da primeira década
republicana. Não apenas se bateu por Afonso Costa e pelo Partido
Democrático no debate quotidiano,[35] como emprestou a sua capacidade de
argumentar à causa da participação de Portugal na Guerra, ao lado da França
e da Inglaterra, contra a Alemanha. Nos textos em que advoga a intervenção
militar portuguesa não deixam, porém, de sobressair as suas preocupações
culturais e filosóficas.[36] Os aspetos políticos e económicos do conflito,
sem serem subestimados, considera-os ele em função de uma disputa essencial
entre valores civilizacionais e existenciais. Assim, se vê na França e na
Inglaterra as nações em que a liberdade e a tolerância alcançaram um nível
não adquirido alhures, a Alemanha é por ele identificada, ao invés, como o
principal bastião do militarismo e da arrogância cultural. Reconhecendo
embora o que de positivo existia na tradição intelectual alemã, Cortesão
assimila a Alemanha de 1914 a uma cultura essencialmente retrógrada,
incompatível com os ideais democráticos por que se batia.[37] O carácter
militante da sua intervenção condu-lo mesmo a rejeitar parte das
referências filosóficas que o marcaram. São elucidativas as afirmações que
produz acerca de Friedrich Nietzsche, cuja influência é possível detetar,
por exemplo, no seu poema A Morte da Águia. Compreendia, agora, serem as
ideias nietzschianas um importante sustentáculo ideológico do militarismo
alemão e, por este motivo, passou a combatê-las.[38]
Outro aspeto que importa assinalar nos escritos de Jaime Cortesão como
diretor d'O Norte respeita à variedade dos estilos que adota. Se, por um
lado, é possível considerar esta versatilidade como o resultado de uma
tentativa bem-sucedida para se adaptar às diferentes circunstâncias que
presidiram à sua elaboração, por outra parte é possível ver nela um reflexo
da indecisão que continuava a afetar a sua personalidade, como que
hesitante ainda acerca da forma mais adequada de se exprimir. É notória a
oscilação entre um tom agressivo e acutilante e um outro, mais pausado e
solene, mais refletido e elaborado.[39] Revela-se, deste modo, uma invulgar
capacidade para se moldar às situações do dia-a-dia, mas, para além disso,
torna-se evidente que a sua maturidade intelectual, isto é, o encontro da
forma de se expressar de acordo com um estilo próprio, inconfundível,
estava ainda longe de se concretizar. Será como autor de textos de cariz
historiográfico que Jaime Cortesão irá encontrar a forma pessoal de
escrever que tanto contribuiu para fazer dele um dos mais apreciados
autores portugueses do século XX.
Cortesão mostrou-se capaz de desempenhar a contento dos seus
correligionários a missão de que se incumbiu ao aceitar a direção d'O
Norte. Porém, as suas peculiaridades de homem e intelectual tornavam muito
difícil a sua adaptação às circunstâncias. O que lhe desagradava não eram
os aspetos estritamente profissionais que andavam ligados à
responsabilidade máxima por um jornal; eram, sim, a intriga, a calúnia, a
baixeza com que tinha de conviver e de que não podia deixar de ser alvo
enquanto se mantivesse à frente d'O Norte. Jaime Cortesão continuaria a
revelar-se disposto a intervir na vida política. São disso sintomáticos os
textos, destinados a grande difusão entre o as classes populares, que
tinham por objetivo fazer a propaganda da entrada de Portugal na Guerra, de
que posteriormente seria autor. Trata-se de diálogos entre um João
Portugal, que personifica a elite esclarecida, um José-Povinho e seu filho
Manuel Soldado, que terminam, como não podia deixar de ser, atendendo à
finalidade do opúsculo, pela completa adesão dos representantes das classes
populares à participação na Guerra como a melhor forma de honrar os
antepassados e defender os interesses nacionais.[40] Todavia, o tom
desiludido de um texto publicado a 9 de novembro de 1914[41] constituía o
prenúncio do fim da sua atividade como diretor do vespertino do Porto.
Vinte e um dias depois era divulgado o seu último artigo n'O Norte.[42]


A escrita em periódicos e seus móbiles cívicos e didáticos
Nos textos com que Jaime Cortesão enriqueceu as páginas de diversas
publicações periódicas antes de se estrear como historiador é possível
encontrar fortes indícios da importância que depois o estudo do passado
veio a ter na sua biografia e obra. Logo em 1912, n'A Vida Portuguesa, de
que era diretor, assinou o artigo intitulado "O Centenário de 1915", cujo
conteúdo é bem elucidativo.[43] Depois de afirmar que "sem uma larga
renovação dos estudos históricos em Portugal se não renovará também a
consciência nacional",[44] manifesta o seu apoio à celebração do quarto
centenário da tomada de Ceuta e quinto da morte de Afonso de Albuquerque. A
apreciação que faz dos cem anos que mediaram entre os dois acontecimentos é
positiva; considera-os o período áureo da nossa história, "aquele em que na
posse plena das maiores virtudes concebemos e realizamos a dádiva máxima à
Humanidade".[45] Exprime a sua preocupação acerca do caráter das
comemorações a empreender, que deveriam adquirir uma verdadeira dimensão
cívica, em lugar de se quedarem na retórica e no espetáculo, insistindo no
interesse de associar às celebrações um novo surto da investigação
histórica. Não só apoia a intenção manifestada pela Sociedade Portuguesa de
Estudos Históricos de levar a cabo um Congresso Nacional de História e
Literatura como, em nome da "Renascença Portuguesa", oferece aos seus
promotores um possível auxílio. Estava convencido de que um dos resultados
da concretização de tal iniciativa "seria despertar o interesse pelos
estudos históricos na nossa sociedade e aproximá-la da revelação de um novo
ideal a dirigir as volições coletivas".[46] Não conclui o artigo sem
criticar a grande maioria dos políticos portugueses, cujos projetos
evidenciavam um completo desconhecimento do passado nacional.
Pouco tempo antes já o autor tivera ocasião de se manifestar, nas
páginas d'A Águia, o outro órgão da "Renascença Portuguesa", a favor de uma
renovação do ensino da história pátria.[47] Eram diversas as inovações que
defendia. Em primeiro lugar, discordava do ensino da história como uma
sucessão de acontecimentos respeitantes a cada reinado. O exemplo que
apresenta de uma personalidade a quem, no seu entender, não era dado o
destaque merecido o infante D. Henrique é significativo da influência
que lhe atribuía. Por outro lado, não prescinde de insistir na necessidade
de se reconhecer à coletividade em geral, e especialmente aos humildes, o
papel por eles desempenhado.
Uma das limitações da forma como concebia as sociedades residia,
aliás, precisamente, na tendência para não distinguir nelas senão as massas
e as elites, omitindo a existência de solidariedades recorrentes de
condições sociais, económicas e culturais semelhantes. Porém, mais adiante,
Jaime Cortesão, para quem devia ser um imperativo que o ensino fizesse de
cada aluno um cidadão responsável, vem a sublinhar o significado do esforço
individual na evolução histórica. Preocupado com a adequação da pedagogia à
idade dos estudantes, advogava que na escola primária o ensino deveria ser
"narrativo duma forma viva e artística e semeado de rápidas biografias das
individualidades mais representativas do Espírito da Raça".[48] De acordo
com o que preconizava, os alunos do ensino secundário, diferentemente dos
mais novos, deveriam aprender a história de acordo com uma perspetiva em
que as noções de causalidade e encadeamento ocupassem um lugar fundamental.
Importa notar que, já por essa época, o autor concede aos
descobrimentos portugueses um significado excecional na história da
humanidade. O seu interesse por tal temática foi, aliás, compartilhado por
muitos contemporâneos seus. Logo em 1916, nas páginas da revista Atlântida,
reporta-se à renovação decisiva que, após a implantação da República, se
verificou na História dos Descobrimentos.[49] As consequências da mudança
registadas neste domínio do conhecimento são por ele apreciadas
favoravelmente: "Nós, que já éramos tão grandes, como Povo civilizador,
crescemos de súbito aos nossos próprios olhos. Aparece ainda mais clara e
varrida de luz a nossa grande missão. A nítida consciência dum velho
pensamento nacional vem esclarecer agora as nossas grandes
finalidades".[50] Pensava, porventura, que se alcançara já, parcialmente,
aquele que era o seu escopo ao defender, em 1912, no referido artigo d'A
Águia, que o ensino do período dos descobrimentos intentaria levar o aluno
a "respirar a sugestiva atmosfera moral desses séculos em que as qualidades
distintivas da Raça tinham atingido a explosão criadora."[51] De acordo com
a sua perspetiva, não haveria que omitir os aspetos negativos do passado
português; ao contrário, atribuía efeitos benéficos ao conhecimento da
"época da decadência" e da "sua profundíssima miséria íntima".[52]
Acreditava que a verificação do contraste entre um e outro período haveria
de contribuir para formar cidadãos aptos a concorrer uma vez mais "para a
civilização da Humanidade como civilização lusitana".[53]
Não seria difícil encontrar nos textos publicados por Jaime Cortesão
antes de se iniciar como historiador outros indícios do seu interesse pela
disciplina em que se viria a tornar mestre. Para o propósito deste estudo
interessará apenas, porém, apresentar um último exemplo. Reporto-me à
atenção que nele suscitou, no ano de 1916, a obra Quadros da História de
Portugal, na qual colaboraram os pintores Roque Gameiro e Alberto de Sousa
e os professores de História João Soares e Chagas Franco, a quem coube a
compilação, escolha e organização dos materiais. É esclarecedor, a tal
propósito, o artigo, publicado na revista Atlântida, no qual procede a uma
crítica, globalmente positiva, desta publicação.[54] Considera mesmo os
Quadros e o bom acolhimento que o público lhes dispensou "factos que
atestam o ressurgimento nacional".[55]


Intelectual reconhecido, marcado pela guerra, e memorialista
Ao tempo em que Jaime Cortesão se estreou como historiador distinguia-
se ele já como uma das mais destacadas figuras da vida intelectual
portuguesa. Diversos testemunhos permitem concluir, sem margem para
dúvidas, que a sua produção poética era apreciada favoravelmente, não
apenas pelo público em geral como por personalidades conceituadas.[56] As
suas peças de teatro não só foram editadas em livro como mereceram
rapidamente as honras da representação em palco por autores que se contavam
entre os melhores. O acolhimento do público e da crítica aos seus trabalhos
pode ser considerado, em geral, positivo.[57] O futuro autor de Os Fatores
Democráticos na Formação de Portugal destacara-se também por escritos
relativos a temas de educação e cultura divulgados em algumas das mais
notáveis revistas portuguesas do início do século XX. Artigos como os que
publicou na Atlântida, de João de Barros, João do Rio e Graça Aranha,
revista empenhada no estreitamento das relações entre Portugal e o Brasil,
são bem reveladores da preocupação de desenvolver entre os seus
compatriotas uma consciência nacional alicerçada no conhecimento da
história que os impelisse a cometimentos comparáveis aos do período dos
descobrimentos.
A publicação, em 1919, das Memórias da Grande Guerra, resultado da sua
vivência na Flandres, onde fora gaseado e cegara temporariamente, viera
revelar a capacidade que possuía para transmitir pela escrita as
experiências e realidades que o marcaram.[58] Em 1921 iniciara-se também na
literatura de impressões de viagem, com o livro Itália Azul, cujo interesse
reside não apenas na evocação de lugares e obras essenciais da cultura
europeia como na revelação de certas particularidades do pensamento do
autor.[59] Refiram-se, a título de exemplo, as considerações que evidenciam
a oposição da sua religiosidade, misto de paganismo e cristianismo, às
conceções católicas.[60] Cumpre não esquecer, por outro lado, a experiência
jornalística de Jaime Cortesão como diretor d'O Norte, que, embora tenha
resultado, em certa medida, frustrante, não terá deixado de contribuir para
aumentar o seu prestígio junto da ala esquerda do republicanismo. Entre a
população instruída e politicamente ativa dos centros urbanos, o nome de
Jaime Cortesão era, em 1922, aquando da sua estreia como historiador,
conhecido e respeitado. Não menos seguro é o reconhecimento pela
generalidade dos intelectuais portugueses do importantíssimo papel que
conquistara na vida cultural do País.


Jaime Cortesão e a "Seara Nova"
Se este estatuto se devera, em larga medida, à sua intervenção no
movimento cultural "Renascença Portuguesa", que teve origem numa ideia sua,
a pertença ao grupo "Seara Nova", que deu o nome a uma revista justamente
célebre surgida em 1921, veio robustecer a posição que soubera conquistar.
De facto, embora a "Renascença Portuguesa" não possa ser reduzida a uma
realidade portuense, é igualmente certo que o Norte do País e as tradições
culturais que lhe estavam associadas assumiam nesse grupo um lugar
fundamental que dificultava a expansão da sua influência. Ao transferir-se
para a capital e ao conviver mais assiduamente com intelectuais como Raul
Proença e António Sérgio, cujas conceções e estilo contrastavam vivamente
com o saudosismo de Teixeira de Pascoaes e com as ideias metafísicas da
maioria dos membros do movimento, Jaime Cortesão deu um passo decisivo na
sua evolução. Associada a esta mudança espacial, verifica-se uma mudança
nas suas ideias. Não só se atenuam as características que o ligavam a um
neorromantismo palavroso e exaltado como o seu patriotismo tende a inserir-
se numa perceção universalista da terra e da gente de Portugal, diversa,
embora não radicalmente, da sua anterior postura nacionalista. As próprias
formas que adota na comunicação com o público destinatário dos seus
escritos se modificam. Não será fruto do acaso que entre a publicação de
Divina Voluptuosidade, em 1922, e a do seu imediatamente posterior, e
penúltimo, livro de poesias inéditas, em 1940[61] aliás aparecido sob
pseudónimo , medeie mais de década e meia. É que, no grupo "Seara Nova",
se atribuía à intervenção esclarecida um lugar muito mais significativo do
que ao tipo de exteriorização dos sentimentos que encontra na poesia a
forma privilegiada para comunicar.
Dentro dos limites impostos pela conturbada situação social, política
e cultural portuguesa no início da terceira década do século XX, Jaime
Cortesão podia considerar-se detentor de um estatuto proeminente. Não só
tinha casado, em 1912, como possuía uma situação profissional relativamente
confortável, depois de ter sido nomeado, em 1919, diretor da Biblioteca
Nacional, pelo ministro Leonardo Coimbra, seu companheiro desde os tempos
da Nova Silva.[62] A não se verificarem modificações sensíveis no regime
político, era previsível que a figura de Cortesão tendesse a projetar-se
cada vez mais na vida nacional e que a essa crescente projeção
correspondesse uma situação financeira mais desafogada.
Era certo que a agitação política causara graves divisões nas fileiras
republicanas. Não era menos verdade que, nos domínios da ideologia e da
filosofia, as divergências se revelavam também profundas. Recorde-se que o
positivismo, que encontrara em Teófilo Braga o seu mais aguerrido e
prolífero paladino tinha agora no saudosismo de um Teixeira de Pascoaes,
por um lado, e nas atitudes mais racionalistas de Proença e Sérgio, por
outro, forte oposição à sua influência. Jaime Cortesão demonstrara já,
porém, a capacidade para aliar a ousadia de atitudes frontais, marcadas
pela radicalidade, a um espírito conciliador dos adeptos de ideias muito
distintas.[63] Esta sua particularidade poderia vir a facilitar-lhe uma
trajetória ascendente, independentemente de quais fossem os grupos
dominantes nos diversos contextos culturais e políticos, desde que se
mantivessem no essencial as bases do regime implantado em 5 de outubro de
1910.
A agitação social e política quase se tornara rotineira. O movimento
operário atravessava uma fase de transformação, a que se seguiu um rápido
declínio.[64] A oposição monárquica, por seu turno, revelava-se incapaz de
encontrar os meios para se impor como alternativa ao poder.[65] Não
existiam, por então, sinais evidentes de que a recomposição de forças
sociais e conceções ideológicas que conduziria à instauração do Estado Novo
pudesse ter êxito. A Jaime Cortesão, depois do empenho em múltiplas frentes
que lhe permitira guindar-se a uma posição de destaque pareciam, portanto,
em 1922, abertas as portas de uma carreira brilhante.
No quadro da tendência para uma relativa estabilização, a estreia de
Jaime Cortesão como historiador vinha a constituir um acontecimento
natural. Era-o não só porque na sua atividade e nos seus escritos
anteriores é possível encontrar múltiplos indícios da sua atração pela
História; era-o, também, porque a História se apresentava como via
prometedora para quem, como ele, queria continuar a privilegiar a temática
da identidade e da consciência nacional, agora de uma forma mais
documentada, mais metódica, mais refletida. No seu espírito não podia
deixar de existir a perceção do cansaço de certa retórica republicana,
exaltada e redundante, mais atenta à eficácia da propaganda política do que
interessada no estudo aprofundado dos problemas nacionais. Em certo
sentido, a constituição do grupo "Seara Nova" representa uma tentativa para
responder a esse problema. Visava-se, com efeito, promover o aparecimento
de uma elite influente, não pelo aparato da eloquência, mas pela vastidão,
profundidade e consistência dos seus conhecimentos. No caso particular de
Jaime Cortesão, verifica-se a viragem da história como motivo de peças de
teatro para a História enquanto matéria de estudo rigoroso. Refiram-se,
porém, as influências, inicialmente excessivas, da experiência do autor
como dramaturgo na sua obra historiográfica.


A estreia como historiador
Pode, pois, afirmar-se que o convite do monárquico Carlos Malheiro
Dias que se exilara no Rio de Janeiro após a implantação da república,
mas conquistara alguma benevolência entre os republicanos, mercê do apoio
que prestou à causa da intervenção de Portugal na Guerra , para que Jaime
Cortesão colaborasse na História da Colonização Portuguesa do Brasil
ocorreu em momento propício. Ademais, o tema a tratar a expedição que em
1500 descobriu o Brasil , correspondia às preferências de Cortesão.
Acresce ainda que, no âmbito da estratégia cultural do grupo "Seara Nova",
que tendia a enfatizar o que de positivo haveria em promover as relações
com outros povos, a colaboração de um seu membro proeminente na obra que
tinha em Malheiro Dias o principal responsável "literário" reunia todas as
condições para ser bem aceite. Os componentes do conjunto heterogéneo de
autores que participou na elaboração dos três volumes dessa História
tinham, aliás, a uni-los o interesse em corresponder ao propósito essencial
de Malheiro Dias. Todos eles pretendiam apresentar uma versão do passado do
Brasil que, por ocasião do primeiro centenário da independência deste país,
sublinhasse o papel positivo dos portugueses nos seus primórdios.[66] Quer
pela qualidade, quer pelo teor dos seus textos anteriores, quer ainda pelo
prestígio que alcançara, Jaime Cortesão patenteava-se, obviamente, como um
dos intelectuais portugueses que mais conviria associar ao projeto. Embora
fosse certo que não tivera ainda qualquer experiência como historiador, era-
o, igualmente, que, ao tempo, a literatura e a História tinham limites
muito menos rígidos do que nos nossos dias.
Uma carta de Jaime Cortesão a Malheiro Dias proporciona-nos alguns
esclarecimentos acerca da produção das duas versões do primeiro trabalho
historiográfico do autor.[67] Este afirma que aceitara o convite de
Malheiro Dias persuadido de que dois meses exclusivamente dedicados à
parcela da obra de cuja elaboração se incumbira, seriam suficientes para a
concluir. A verdade, porém, é que teve de consumir nesse labor mais do
dobro do tempo previsto. Sofreu um duplo prejuízo devido ao seu
desconhecimento prévio da morosidade da investigação histórica. Por um
lado, não se pôde consagrar a um trabalho que caracteriza como sendo "um
drama marítimo passado entre poveiros" que tinha em preparação; além disso,
a remuneração do seu texto para a História da Colonização Portuguesa do
Brasil, já muito prejudicada pelo evoluir da inflação, tornou-se irrisória.
Todavia, Cortesão afirma que o principal prémio que pretendia alcançar com
este seu trabalho consistiria no gosto e na honra de colaborar na obra
dirigida por Malheiro Dias. Como este lhe propusesse publicar na História
apenas uma pequena parte do texto, reservando a edição da sua totalidade
para um livro próprio,[68] recebia agora a resposta de que tal ideia era
desalentadora para o esforço, o orgulho e a boa vontade do historiador
estreante. A verdade é que Malheiro Dias pretendia um estudo de âmbito
menos vasto do que Jaime Cortesão dizia ter inferido das suas indicações.
Ao analisar a distribuição dos comandos da armada cabralina, Cortesão
foi levado a extrair conclusões inéditas acerca da conclusão e objetivos da
expedição que considerava "absurdo e pouquidade" deixar de utilizar. O
exame que empreendeu da genealogia das figuras mais destacadas da frota foi
aproveitado, tendo em vista a constituição do capítulo como um "todo
harmónico", isto é, em que as suas partes se conjugassem, mais do que se
justapusessem. As palavras de Roque Gameiro, responsável pela parte
artística da História da Colonização Portuguesa do Brasil haviam convencido
Cortesão de que o número de páginas que escrevera não era excessivo. Roque
Gameiro que, na ausência de Malheiro Dias no Brasil, coordenava os
trabalhos referentes à elaboração e impressão da obra, não nutriria, aliás,
excessiva simpatia pelo autor de Adão e Eva, como se depreende dos termos
em que se lhe refere uma carta ao diretor literário da História.[69] É,
pois, de admitir a hipótese de possa ter contribuído para suscitar esta
desinteligência.
Chegou-se, porém, a um acordo que permitiu que da obra coletiva
dirigida por Malheiro Dias constasse a maioria das secções do trabalho que
Jaime Cortesão escrevera, o qual foi, efetivamente, publicado na íntegra em
livro separado. Neste volume, intitulado A Expedição de Pedro Álvares
Cabral e o Descobrimento do Brasil, datado de 1922,[70] o autor explicava
que não lhe pertencia a iniciativa da sua edição. Reconhecia que, convidado
a colaborar na História da Colonização, realizou um trabalho cujas
proporções "excediam o âmbito marcado".[71] Assinalava também o incitamento
amável de Carlos Malheiro Dias para que este livro fosse impresso.
O plano do volume correspondia ao texto que inicialmente redigira,
seguido dos mais importantes documentos referentes à expedição cabralina.
Obedecia à estrutura seguinte, traduzindo a harmonia que o autor pretendera
imprimir ao seu conjunto e que, a seu ver, não existia nas partes
publicadas na História da Colonização (assinaladas com asterisco):
1)Dedicatória aos portugueses residentes no Brasil e prefácio;
2) Lisboa no ano de 1500*;
3) A população e a vida da cidade*;
4) A influência das primeiras novas do Oriente sobre a nação e o rei*;
5) Exame das fontes e primeiros textos sobre a expedição;
6) Distribuição dos comandos Figuras principais da armada;
7) Genealogia e biografia de Pedro Álvares Cabral*;
8) Dados genealógicos e biográficos sobre os capitães e figuras
principais da armada*;
9) Associados comerciais do rei na expedição - Os Marchioni de
Florença;
10) Duarte Pacheco e as anteriores viagens ao continente americano;
11) Organização e objetivo da expedição*;
12) A partida da armada do Restelo*;
13) Conclusão;
14) Documentos.[72]
O autor não realizava, pois, com este trabalho, uma história completa
da expedição cabralina, o que se devia ao plano que determinara a
repartição dos temas pelos diversos colaboradores da obra dirigida por
Malheiro Dias. Todavia, não deixava de fazer uma promessa indiciadora de
que a História o conquistara: "Algum dia que tenhamos conhecimento mais
direto do Atlântico e da terra brasileira, concluiremos com um segundo
volume este relato".[73] Terá escrito estas palavras pouco tempo antes de,
a convite do governo, partir para o Rio de Janeiro, como membro da missão
de estudo que acompanhava o presidente da República Portuguesa, António
José de Almeida. Na Seara Nova de 1 de outubro de 1922 já os seus
companheiros se regozijavam com este facto e consideravam que: "Pela
celebração do centenário da independência, pela necessidade de estreitar
relações, afetivas e económicas, com o Brasil, e como coroamento da viagem
aérea de Coutinho e Cabral, a embaixada portuguesa tem, neste momento, a
mais transcendente significação política".[74]
Existem diferenças entre o texto do livro e o da História da
Colonização que merecem ser evidenciadas. A obra dirigida por Malheiro Dias
não insere as palavras seguintes, que sem dúvida desagradaram a este
monárquico, mas que o seu autor não prescindiu de divulgar: "E ainda quando
o Rei, para adular a corte de Castela, punha em cena a tragicomédia da
expulsão dos moiros e judeus, aos quais impunha o êxodo e mandava reter do
mesmo passo, o povo procurava com piedosa lástima mitigar junto dos
perseguidos as sevícias do monarca. [Em nota, Jaime Cortesão alude à
«conduta repugnante do rei», que as suas conceções humanistas condenavam].
O flagício monstruoso de arrancar os filhos à criação e amor dos pais foi
recebido com revoltado pasmo pelo povo indulgente e tolerante".[75]
Outra interessante distinção entre as duas edições reside na ausência,
na História da Colonização, do texto referente aos Marchioni, homens de
negócios que contribuíram para a realização da viagem de Cabral.[76] É
muito provável que, por não se tratar de portugueses, mas de italianos,
Malheiro Dias não estivesse interessado em que se chamasse a atenção para o
seu papel. Pelo contrário, Jaime Cortesão esforçou-se por salientar a
ligação destes estrangeiros à expedição cabralina, como mostra o facto de
ter escrito um outro trabalho sobre esta matéria, que não apenas leu em
comunicação à Academia das Ciências como fez publicar na revista Seara
Nova, convencido de que o mesmo justificava algumas das ideias basilares
que presidiam à intervenção do grupo que a editava.[77] Recorde-se que,
logo no primeiro número do mesmo periódico, os seareiros se afirmavam
decididos a "combater todas as formas de nacionalismo, essas doutrinas anti-
humanas que pretendem erguer em volta de cada país um círculo espesso de
muralhas da China".[78] Ao mesmo tempo, exprimiam a sua crença na
necessidade de se formar "acima das Pátrias eternas, uma consciência
internacional capaz de resistir energicamente a novas tentativas
militaristas".[79] O estudo de Cortesão relativo aos Marchioni, cuja
elaboração não pode ser dissociada da investigação que empreendeu para a
História da Colonização Portuguesa do Brasil correspondia, assim, a uma
ilustração das ideias do grupo "Seara Nova", tendente a reforçar, entre os
leitores e ouvintes, a convicção do acerto do programa seareiro. A sua tese
está condensada no trecho fundamental em que converge com as ideias de
António Sérgio quanto à tomada de Ceuta: "Os descobrimentos portugueses
foram realizados por uma elite de pensamento e ação, na consciência do seu
interesse cosmopolita, servida não apenas pela criadora audácia, mas pelas
indispensáveis qualidades de método e organização. Nós julgamos poder ir
mais longe [do que Sérgio]: Para a realização do plano dos descobrimentos,
essa elite conseguiu aliar à independente direção nacional do plano,
vastíssimos auxílios de estrangeiros, com uma política de soberania tão
ciosa, que só hoje começam a conhecer-se em toda a extensão".[80] Tenha-se
presente que os adeptos do Integralismo Lusitano um dos quais, António
Sardinha, muito influenciou Malheiro Dias[81] estavam por essa época a
difundir intensamente as suas ideias, e compreender-se-á, de forma mais
completa, a atualidade destas palavras no Portugal de 1922. Tratava-se,
afinal, de uma outra manifestação do combate à ideologia integralista em
que se destacou mais do que ninguém o seareiro Raul Proença.


Papel e decorrências da imaginação no trabalho do historiador
Nas três secções iniciais, bem como na que precede a conclusão do
livro sobre a expedição de Cabral, Jaime Cortesão exibe a sua faceta de
autor de textos literários. A influência de Oliveira Martins é evidente. O
estilo adotado nessas páginas não corresponde, porém, ao contrário do que
sucede nos textos do autor d'Os Filhos de D. João I, a uma forma natural de
exprimir ideias e descrever realidades. Daí o flagrante contraste que as
mesmas representam em relação à escrita, muito menos artificial, das
restantes partes do livro. Se Cortesão pretendeu por esta forma contribuir
para a obtenção de um conjunto harmonioso não alcançou o seu propósito. É
indubitável, porém, que o carácter das suas páginas mais marcadas por um
exibicionismo literário não deixou de agradar a muitos leitores
contemporâneos. Embora Jaime Cortesão se tenha esforçado, aliás com êxito,
por se documentar acerca das matérias de que trata, a imaginação desempenha
nestas páginas um papel excessivo. Mais propriamente: a imaginação é
frequentemente desviada do seu papel de servidora do rigor para permitir ao
autor deter-se em descrições, sem suporte documental, que em nada
contribuem para que se compreenda a época estudada. São impostas ao leitor
as construções da sua fantasia descritiva, o que de nenhum modo facilita a
aceitação das hipóteses de carácter científico que apresenta.[82] Assim, se
Jaime Cortesão evidencia uma notável capacidade para suscitar a evocação
dos espaços, das realidades e dos homens do passado, fá-lo de um modo que
tem de se considerar pouco compatível com o trabalho historiográfico. O seu
espantoso poder de exprimir, pela palavra, sons, cheiros e imagens adequar-
se-ia melhor, sem dúvida, a obras análogas às que Herculano produziu no
domínio da ficção histórica. Palavras como as que a seguir se transcrevem,
referentes à partida da expedição de Cabral, apropriar-se-iam, de uma forma
mais natural, a um texto como o do drama passado entre poveiros que
Cortesão ao tempo projetava escrever: "De quando em quando, do mais espesso
do arraial vinham mulheres chorosas, com a mantilha escura descaída da
testa até aos ombros, tombavam dobradas de aflição à porta da capela, e
encomendavam, arquejando, os filhos e os maridos, à Virgem do Restelo".[83]

Também nas secções intermédias do livro sobre a expedição cabralina,
Jaime Cortesão manifesta invulgar capacidade imaginativa. Aqui, porém, os
esforços da imaginação surgem articulados com o intuito de defender as
interpretações propostas. Verifica-se uma conjugação, que se pode
considerar excecional, atendendo a que se tratava de um historiador
estreante, das palavras com que apresenta as suas teses com aquelas que lhe
servem para aduzir documentos comprovativos. Poderiam ser dados diversos
exemplos de que também nas referidas secções intermédias do livro de Jaime
Cortesão se revela a tendência para dar uma ênfase excessiva às construções
algo fantasiosas, em detrimento da letra dos documentos. Tal tendência, que
teve o mérito de tornar evidentes as limitações dos trabalhos assinados por
certos cultores da erudição, conduziu-o, por vezes, a formular teses hoje
criticadas e não aceites pelos especialistas nos temas de que se ocupou.
Escolho um exemplo incontestável de como o não refrear da ideação o levou a
produzir afirmações inaceitáveis. O seu exame poderá contribuir para o
conhecimento dos processos de trabalho de Jaime Cortesão no domínio da
historiografia.
Consta da missiva de Jaime Cortesão a Carlos Malheiro Dias de 21 de
setembro de 1923 uma passagem em si mesma pouco esclarecedora, mas nem por
isso menos interessante: "Não sei se já lhe comuniquei que a citação de
Capristano [sic] sobre o casamento de Pedro Álvares Cabral está errada.
Nada encontro nessa revista e nessa página. Em regressando continuarei as
minhas investigações nas revistas do género, pois desejo fazer a
retificação, que me aconselha". A que citação de Capistrano de Abreu se
referia Jaime Cortesão? Certamente à que consta das seguintes palavras que
o eminente historiador brasileiro poucos anos antes incluíra nos
"Prolegômenos ao livro I" da História do Brasil de Frei Vicente do
Salvador: "[…] Como acaba de apurar Braamcamp Freire, Rev. de história, 6,
281, Lisboa, 1917, só casou depois de voltar da Índia".[84] A citação
estava, de facto, correta, embora o algarismo 6 representasse a forma
simplificada como Capistrano abreviou a referência ao "Ano VI", constante
da Revista de História, dirigida por Fidelino de Figueiredo, que ao tempo
se publicava em Lisboa. No aludido trabalho, Braamcamp Freire, sob o título
"Um livro da Chancelaria da Rainha D. Maria e o Casamento de Pedro Álvares
Cabral", divulgara, efetivamente, um documento comprovativo de que, no ano
de 1503, a futura mulher do descobridor do Brasil ainda tinha o estatuto de
donzela.[85]
Ora, Jaime Cortesão, que ignorava a data do casamento de Cabral com a
sobrinha de Afonso de Albuquerque, D. Isabel de Castro, concebera uma
sedutora hipótese explicativa da atribuição do comando da segunda armada da
Índia que o levara a escrever, no seu livro, que, já ao tempo em que o rei
lhe concedera essa honrosa missão, se ligara pelo casamento a Noronhas e
Albuquerques. Pensava o autor que "Pedro Álvares Cabral, pela razão de ser
um dos secundogénitos, mau grado os seus primores de cavaleirosa fidalguia,
não emparelhava inteiramente, em prosápia e riqueza, com aquela nata de
famílias nobres e opulentas".[86] Tal desigualdade teria concorrido em
muito para a sua nomeação. Conclui o autor em tom de quem está seguro da
interpretação proposta: "E assim temos por certo que os próprios membros da
família da esposa, ou quiçá dos cunhados, Vila Real e Monsantos, induziram
o rei àquela escolha, já para satisfação das nobres ambições, já para
acrescentamento na honra e na fazenda do parente menos valido e
alevantado".[87] Malheiro Dias tomara conhecimento do trabalho de Braamcamp
Freire que evidenciava o carácter forçado desta interpretação, arguta, mas
ousada. Como só no ano de 1923, que então decorria, seriam publicados os
fascículos da História da Colonização Portuguesa do Brasil correspondentes
ao segundo volume da obra, não era tarde para se evitar a repetição do erro
cometido. Cortesão prometia proceder a buscas mais desenvolvidas, a fim de
fazer a retificação aconselhada por Malheiro Dias.
Todavia, a alteração em causa nunca chegou a ser feita. A
inventividade descomedida bem como, podemos supô-lo, o aferro a uma
conjetura original e aliciante de sua autoria , induziu, assim, Jaime
Cortesão, a produzir palavras menos concordantes com a realidade. Sublinhe-
se, porém, que neste caso concreto, a sua ideia pode continuar a constituir
a base de uma hipótese explicativa da atribuição a Cabral do comando da
armada que descobriu o Brasil. De facto, é possível que o seu matrimónio
tivesse sido acordado em data anterior a 1500 e que a família da futura
esposa se empenhasse para que lhe fosse concedida uma oportunidade de se
promover socialmente, antes da concretização do enlace.[88] Comprova-se,
pois, a fecundidade das teses de Jaime Cortesão, mesmo quando se afasta da
verdade tal como os documentos coevos no-la permitem conhecer.


Auspícios futurosos de obra frutuosa
Há no livro com que Jaime Cortesão se estreou como historiador alguns
pensamentos essenciais e estruturantes que merecem ser referidos. Era sua
convicção que, no Portugal de 1500, em regra, a religião se conjugava com a
tolerância e a piedade sincera.[89] A prosperidade então existente é
explicada pelo longo período de paz que o país viveu.[90] Tratou-se de uma
época de apogeu que em breve se desvaneceria. Na sua explicação, aliás
pouco original, a decadência que se aproximava associou-se aos "fumos da
Índia" que não tardariam a "entontecer as almas".[91] A opinião que
manifesta acerca do rei D. Manuel não é favorável; considera-o fraco, cheio
de caprichos, muito vaidoso.[92] Pouco mais teria feito, no seu entender,
do que colher os louros do "esforço prodigioso da nação anteriormente
planeado".[93] Pelo contrário, D. João II foi, segundo o autor, o
verdadeiro responsável pelo "vastíssimo e secreto plano dos
descobrimentos".[94] Este plano, sem ter deixado de se revestir de um
vincado carácter nacional incluiu a ampla colaboração de estrangeiros, com
destaque para os florentinos.[95] O patriotismo de Jaime Cortesão articula-
se, assim, com uma visão cosmopolita da realidade, perfeitamente enquadrada
no ideário seareiro. Por outro lado, defende a presença na frota de Cabral
de Duarte Pacheco Pereira, o famoso Aquiles Lusitano, que, já em 1498,
teria viajado até ao Brasil.[96] A ausência de informações acerca desta
navegação dever-se-ia a "uma política de sigilo severíssimo"[97] ideia
que posteriormente veio a desenvolver em termos que ainda nos nossos dias
continuam a suscitar grande controvérsia.[98]
As investigações que Jaime Cortesão empreendeu conduziram-no à
seguinte conclusão, que constitui como que o ponto de partida das suas
pesquisas posteriores: "Os materiais para a história dos descobrimentos
portugueses são atualmente tantos e tais que é necessário reescrevê-la por
inteiro. A glória de Colombo empalidece dia a dia".[99] De facto, na sua
opinião, os portugueses já deviam conhecer o continente americano vinte
anos antes de o navegador atingir as Antilhas ao serviço da monarquia
espanhola.[100] Quanto a Cabral, estava-lhe reservado o papel de proceder
ao descobrimento oficial do Brasil, que o Tratado de Tordesilhas,
habilmente negociado, permitira reservar para a soberania da coroa
portuguesa.[101]
É sobretudo a conclusão do livro que revela a capacidade teorizadora
do seu autor.[102] Nessas páginas, Jaime Cortesão como que esboça e
sintetiza parte significativa das ideias que iriam presidir à sua obra
historiográfica futura. Aos descobrimentos portugueses é atribuída a
realização de um anelo multissecular da Europa, indissociável dos seus
objetivos comerciais. A forma como o historiador busca um ponto intermédio
entre as conceções marxistas e idealistas é bem esclarecedora acerca da sua
mundividência e personalidade: "Pensamos, à maneira de tantos, que as duas
conceções se podem e devem conciliar. Se a organização económica da
sociedade influi poderosamente na sua conceção moral e direção geral da sua
vida, não é menos verdade que os sentimentos e as ideias generosas são
igualmente fatores da história humana".[103] A pertença comum ao grupo
"Seara Nova" traduz-se por referências favoráveis à tese de António Sérgio
com quem anos antes polemizara acesamente nas páginas d'A Águia[104]
acerca da tomada de Ceuta. As motivações científicas e espirituais dos
descobrimentos portugueses são assinaladas por Cortesão. Merece destaque a
menção que faz à influência do franciscanismo, que servirá posteriormente à
formulação de uma das suas teses mais originais e também das mais
discutíveis.[105]
Jaime Cortesão estreava-se, desta forma, como estudioso do passado
português. As suas invulgares qualidades não se afiguram bastantes para
justificar a atribuição do estatuto de obra-prima ao seu primeiro livro de
História. Todavia, eram já evidentes as características de historiador
laborioso e apaixonado, sem as quis a sua produção posterior jamais
atingiria o alto nível de qualidade que lhe é reconhecido. Graças à
iniciativa e ao convite de Malheiro Dias, estavam lançados os dados para o
aparecimento de uma das mais significativas obras historiográficas
portuguesas do século XX. Em setembro de 1923, escrevia Cortesão ao
responsável literário da História da Colonização Portuguesa do Brasil:
"Nesta altura trabalho afincadamente na história dos descobrimentos
portugueses, desde as origens até à viagem de Colombo. Disponho atualmente
dalgumas centenas de documentos inéditos, que permitem em muitos pontos
refazer aquela história. E cada vez mais me convenço que Colombo foi um mau
divulgador da oculta ciência portuguesa. Devo ao meu Amigo a grande fortuna
de me inclinar definitivamente para este género de estudos".[106] Não
apenas Jaime Cortesão dera os primeiros passos como historiador como se
preparava para uma longa e produtiva caminhada, a qual decorreria em
circunstâncias que então mal poderia, sequer, imaginar.

-----------------------
[1] Cf. Ricardo Saraiva [pseudónimo de David Ferreira], Jaime
Cortesão. Subsídios para a sua Biografia, Lisboa, Seara Nova, 1973, pp. 9-
10. Trata-se de uma obra que continua a ser útil para o conhecimento do
percurso biográfico de Jaime Cortesão. Grande interesse, também, é o dos
testemunhos recolhidos por Óscar Lopes (coordenação de), Jaime Cortesão, "A
Obra e o Homem", n.º 9, Lisboa, Editora Arcádia, s/d. [Após a primeira
publicação deste meu trabalho saiu uma obra biográfica mais desenvolvida e
ambiciosa: Alfredo Ribeiro dos Santos, Jaime Cortesão Um dos Grandes de
Portugal, Prefácio do Doutor Mário Soares, [Porto], Fundação Eng.º António
de Almeida [1993].]
[2] Nova Silva. Revista Ilustrada, sob a direção de Leonardo Coimbra,
Jaime Cortesão, Cláudio Basto e Álvaro Pinto série 1, n.º 1, [Porto], 2 de
fevereiro de 1907.
[3] Ibidem, p. 5.
[4] Ibidem, pp. 14-15.
[5] Foi incumbido da ligação entre os republicanos do Norte e do Sul
do País.
[6] Os títulos das teses assinadas por duas outras figuras notáveis da
vida cultural portuguesa " o mesmo Sousa Martins a cujas ideias Cortesão se
opõe, e Sousa Viterbo " são bem elucidativas a este respeito. José uguesa
o mesmo Sousa Martins a cujas ideias Cortesão se opõe, e Sousa Viterbo
são bem elucidativas a este respeito. José Tomás de Sousa Martins, nascido
em 1843, formou-se com o trabalho O Pneumogástrico Preside à Tonicidade da
Fibra Muscular do Coração. Quanto a Francisco Marques de Sousa Viterbo, que
depois se tornaria infatigável e eruditíssimo historiador e que como tal é
hoje recordado, assinou a tese, de título menos categórico, mas igualmente
significativo no que toca ao tema que sintetiza Da Irritabilidade
Ligeiras Considerações sobre esta Propriedade da Matéria Viva, publicada em
Lisboa, no ano de 1876.
[7] Jaime Cortesão, A Arte e a Medecina. Antero de Quental e Sousa
Martinz, Coimbra, Tipografia França Amado, 1910, p. 28. Jaime Cortesão
manter-se-ia fiel a esta sua conceção uma vez alcançada a plena maturidade
intelectual. (Cf. Eça de Queiroz e a Questão Social, reedição, "Obras
Completas de Jaime Cortesão", XIX, "Ensaio e Crítica Literária", volume
III, Lisboa, Portugália Editora [1970], p. 32. A primeira edição deste
livro, dada à estampa pela Seara Nova, saiu em Lisboa em 1949. Na sua maior
parte é constituído por artigos publicados em 1947 no jornal A Manhã, do
Rio de Janeiro, no Estado de São Paulo, de São Paulo, e na Seara Nova, de
Lisboa).
[8] Jaime Cortesão, A Arte e a Medecina […], p. 177.
[9] Raul Proença, "Bibliografia. Jayme Cortesão A arte e a medicina
Anthero de Quental e Sousa Martins. Ligeiras considerações", in A Águia.
Revista quinzenal ilustrada de literatura e crítica, Diretor e proprietário
Álvaro Pinto, n.º 5, Porto, 1 de fevereiro de 1911, p. 15.
[10] Jaime Cortesão, A Arte e a Medecina […], p. 4.
[11] Cf. Neves Águas, Bibliografia de Jaime Cortesão, Edição
Comemorativa do Nascimento de Jaime Cortesão, "Série Bibliográfica",
Lisboa, Biblioteca Nacional, 1985.
[12] Em carta a Jaime Cortesão datada de Lisboa, aos 22 de janeiro de
1913, Fernando Pessoa reconhecia o lugar de primeiro plano alcançado pelo
futuro historiador dos descobrimentos portugueses no domínio da poesia.
(Cf. Jaime Cortesão, Poesias Escolhidas. Com uma carta inédita de Fernando
Pessoa, Prefácio e seleção de David Mourão-Ferreira, s/ l., Editora
Arcádia, 1960, no início, não paginado). Poderiam multiplicar-se as
referências convergentes.
[13] Vejam-se as palavras introdutórias ("Às crianças") de Jaime
Cortesão no livro Cantigas do Povo para as Escolas, por ele próprio
selecionadas, "Biblioteca Popular e Infantil", 1.ª série, Edição da
Renascença Portuguesa, Porto, 1914, pp. 9-11. (Leiam-se também versos seus
como os de "O Cavadôr", in Glória Humilde, Porto, Edições da Renascença
Portuguesa, 1914, p. 75 e de "Os Emigrantes", ibidem, pp. 77-78).
[14] Na carta citada na nota 12 (cf. supra).
[15] Merece referência especial a "Balada do amor, ao longe…",
constante do mencionado livro de Cortesão. Este poema constitui como que
uma interpretação lírica de Portugal como o resultado do encontro da Europa
do Norte com a civilização muçulmana, personificadas por um homem e uma
mulher que se enamoram. (Cf. Jaime Cortesão, Divina Voluptuosidade. Poemas
em redondilhas, Paris Lisboa, Livrarias Aillaud e Bertrand, 1923,
sobretudo pp. 36 e 44).
[16] Jaime Cortesão, O Infante de Sagres. Drama épico em IV actos, com
duas composições musicais de Óscar Silva, representado pela primeira vez no
"República" de Lisboa, em dezembro de 1916, 2.ª edição, Porto, Edição da
"Renascença Portuguesa", p. 115.
[17] O "Prefácio a modo de memórias" à 4.ª edição de O Infante de
Sagres, Porto, Edições Marânus, 1960, não está paginado, o que me impede de
fazer remissões específicas.
[18] Cf. a carta de Jaime Cortesão a Raul Proença, datada de S. João
do Campo, 26 de julho de 1911, publicada por António Braz Oliveira e
posteriormente divulgada, uma vez mais, por Alfredo Ribeiro dos Santos, A
Renascença Portuguesa. Um Movimento Cultural Portuense, com prefácio de
José Augusto Seabra [Porto], Fundação Eng. António de Almeida, 1990, pp. 77-
80.
[19] Sobre a admiração de Cortesão por Pascoaes neste período são
esclarecedores os textos intitulados "O Poeta Teixeira de Pascoais",
publicados na 1.ª série d'A Águia, revista quinzenal ilustrada de
literatura e crítica, diretor e proprietário Álvaro Pinto, n.os 8 e 9,
respetivamente, pp. 8-11 e 1-2. Posteriormente, como mostra o "Prefácio
[…]" referido na nota 17 (cf. supra), Cortesão tenderia a minimizar a sua
ligação ao pensamento saudosista e a sublinhar a proximidade em relação a
Sérgio e Proença, que só anos depois se tornou decisiva para o conteúdo do
seu discurso.
[20] Jaime Cortesão, "Afirmações da Consciência Nacional. VI.
Civilização Portuguesa", in Atlantida, diretores: no Brasil, João do Rio;
em Portugal, João de Barros, n.º 13, Lisboa, 15 de novembro de 1916, p. 68.
[21] Jaime Cortesão, Cartas à Mocidade, Lisboa, Seara Nova, 1940
(reúne cartas inicialmente publicadas em 1921, 1922, 1925 e 1940).
[22] Recorri à 4.ª edição portuguesa, Lisboa, Livraria Editora
Guimarães & C.ª, 1935.
[23] Jaime Cortesão, "Prefácio" a Egas Moniz Drama em IV actos,
representado pela primeira vez em dezembro de 1918 no "S. Luiz", de Lisboa,
Porto, Edição da Renascença Portuguesa, p. XII.
[24] Idem, ibidem.
[25] Cf. Alexandre Herculano, no prefácio a O Monasticon, tomo I,
Eurico, o Presbítero, "Obras Completas de Alexandre Herculano", introdução
e revisão de Vitorino Nemésio, notas de Maria Helena Lucas, verificação do
texto de António C. Lucas, Amadora, Livraria Bertrand, 1980 (1.ª ed.,
1844), pp. 4-5.
[26] Jaime Cortesão, "Prefácio" a Egas Moniz […], p. XIII.
[27] Idem, ibidem, p. XIV.
[28] Jaime Cortesão, Adão e Eva. Peça em 3 Actos, representada pela
primeira vez no Teatro do Gimnásio, em maio de 1921, Lisboa, Empreza de
Publicidade "Seara Nova", acabado de compor e imprimir aos 21 de maio de
1921.
[29] Cf. Joaquim Romero de Magalhães, "No Trilho de uma Ambição: O
Poeta-Historiador Jaime Cortesão (1910-1927)", in Cidadania e História Em
Homenagem a Jaime Cortesão, "Cadernos da Revista de História Económica e
Social", n.os 6-7, Lisboa, Livraria Sá da Costa, 1985, p. 35. Considero
interessante relacionar esta mudança na vida e no pensamento de Jaime
Cortesão com as que conheceram outros intelectuais europeus. Exemplo a ter
presente é o do francês Henri Wallon, também licenciado em Medicina, mas
que se distinguiu no domínio da Psicologia Infantil. Depois da Guerra, em
que participou como médico de batalhão, abandona o manuscrito em que
trabalhava para proceder a uma redação inteiramente nova. O seu discípulo e
continuador René Zazzo resume assim a mudança qualitativa então verificada:
"É o exame de adultos, feridos de guerra, que vai fornecer a Wallon a sua
perspetiva de psicologia genética. É a constatação de perturbações
profundas e duradouras, devidas unicamente à emoção, sem qualquer lesão do
sistema nervoso, que vai levá-lo a ultrapassar a concepção estritamente
psicológica da emoção e a resolver por essa mesma via as contradições das
doutrinas clássicas." Cf. Henri Wallon. Psicologia e Marxismo, tradução
portuguesa de Carlos Trindade, Posfácio de Jean Piaget, "Perfis", Lisboa,
Editorial Vega, 1987 [a edição original, francesa, data de 1975], pp. 154-
155.
[30] Jaime Cortesão, Adão e Eva […], p. 118.
[31] Idem, ibidem, p. 133.
[32] Cumpre recordar o grande peso das tendências anarquista e
sindicalista, bem como a influência que a versão leninista do marxismo
adquirira já, traduzida pelo aparecimento da Federação Maximalista
Portuguesa, dirigida por Manuel Ribeiro, em 1919, e do Partido Comunista,
em março de 1921. Sobre esta matéria veja-se César Oliveira, O Primeiro
Congresso do Partido Comunista Português, "Colecção Seara Nova", n.º 18,
Lisboa, Seara Nova, 1975, "Prefácio", pp. 11-37.
[33] O primeiro número da Seara Nova. Revista quinzenal de doutrina e
crítica data de 15 de outubro de 1921. Faziam então parte do seu corpo
diretivo Aquilino Ribeiro, Augusto Casimiro, Faria de Vasconcelos, Ferreira
de Macedo, Francisco António Correia, Jaime Cortesão, José de Azeredo
Perdigão, Câmara Reys, Raul Brandão e Raul Proença. Note-se que a peça Adão
e Eva teve acolhimento muito favorável nos meios operários. Os textos
publicados n'A Batalha, Diário da Manhã Porta-Voz da Organização Operária
Portuguesa, em maio e junho de 1921 mostram a minimização da tese implícita
ao final da peça. É evidente, nestes escritos, o reconhecimento pela
atitude de simpatia de um intelectual notável, era como Jaime Cortesão,
para com os que combatiam o capitalismo. Julião Quintinha chegou a incluir
Cortesão ao lado de Araújo Pereira e Manuel Ribeiro no "movimento
intelectual que virá dar diretriz e determinação às diversas correntes
sociais revolucionárias". ("A arte e os artistas ante a Revolução", in A
Batalha, n.º 777, 5 de junho de 1921. As críticas desfavoráveis à peça
partiram sobretudo dos sectores mais tradicionalistas e retrógrados.
Empenhou-se na sua refutação o seareiro Câmara Reys, de quem a colónia
portuguesa em New Bedford, nos Estados Unidos da América, fez publicar a
Conferencia sobre a peça Adão e Eva do Dr. Jaime Cortesão, Realizada […] na
Sala da Universidade Livre de Lisboa em junho de 1921, New Bedford, s/ d.
Registe-se que o produto da venda desta edição revertia a favor da Seara
Nova e d'A Batalha.
[34] Houve mesmo quem tentasse ridicularizar Cortesão apodando-o de
"criador de águias de capoeira" alusão sarcástica ao seu livro de poemas
A Morte da Águia, Lisboa, 1910 (cf. "Palhaços", in O Norte Diário
democrático da tarde, diretor Jaime Cortesão, Porto, n.º 9, 10 de julho de
1914).
[35] A título de exemplo das suas prosas militantes veja-se Jaime
Cortesão, "Dois Palhaços", in ibidem, n.º 7, 8 de julho de 1914, em que
António José de Almeida é atacado em termos muito vigorosos.
[36] É notória, nestes seus escritos, a convergência com o pensamento
que Raul Proença, pela mesma época, exprimia em artigos sobre a matéria.
[37] Jaime Cortesão, "A guerra", in O Norte, n.º 31, 5 de agosto de
1914; "Por honra da Pátria", ibidem, n.º 58, 5 de setembro de 1914.
[38] "O Homem de Bem", ibidem, n.º 20, 23 de julho de 1914; "Teatro da
Guerra – VI Guyau e Nietsche"[sic], ibidem, n.º 119, 17 de novembro de
1914.
[39] Como exemplos contrastantes, cf. supra o artigo citado na nota 35
e "O que a Pátria diz", in ibidem, n.º 17, 20 de julho de 1914.
[40] São esclarecedoras as seguintes palavras de Manuel Soldado:
"Conheço já o meu dever. Antes eu morra cem vezes na guerra que os meus e a
minha Pátria fiquem para sempre enxovalhados e miseráveis". (Pela Pátria.
Cartilha do Povo, 1.º Encontro Portugal e a Guerra, Porto, Edição da
"Renascença Portuguesa", junho de 1916, p. 28. Registe-se que o Ministério
da Guerra adquiriu cem mil exemplares deste folheto).
[41] "Et nunc et semper…", in O Norte, n.º 112, 9 de novembro de 1914.
[42] "Quos que tandem…", in ibidem, n.º 130, 31 de novembro de 1914.
Note-se, porém, que o nome de Jaime Cortesão figura como diretor do jornal
até ao seu último número, de 4 de março de 1915.
[43] Jaime Cortesão, "O Centenário de 1915", in A Vida Portuguesa.
Quinzenário de inquérito à vida nacional, diretor Jaime Cortesão,
Propriedade da Renascença Portuguesa, n.º 2, Porto, 15 de novembro de 1912,
pp. 9-10.
[44] Idem, ibidem, p. 9.
[45] Idem, ibidem.
[46] Idem, ibidem, p. 10.
[47] Jaime Cortesão, "A Renascença Portuguesa e o ensino da História
Pátria", in A Águia, órgão da Renascença Portuguesa, Revista Mensal de
Literatura, Arte, Ciência, Filosofia e Crítica Social, Diretores: Teixeira
de Pascoaes e António Carneiro, n.º 9, 2.ª série, Porto, setembro de 1912,
pp. 73-78.
[48] Idem, ibidem, p. 76.
[49] Refiro-me ao artigo citado na nota 20 (cf. supra).
[50] Ibidem, p. 68.
[51] Artigo citado na nota 47 (cf. supra).
[52] Ibidem.
[53] Ibidem, p. 79.
[54] Jaime Cortesão, "Afirmações da Consciência Nacional. V. Os
Quadros da história de Portugal", in Atlantida, n.º 11, Lisboa, 5 de
setembro de 1916, pp. 1069-1072.
[55] Idem, ibidem, p. 1069.
[56] Por exemplo, Raul Proença, no artigo citado na nota 9 (cf.
supra), p. 16, expressa a sua admiração pelas qualidades de Cortesão como
poeta, ao mesmo tempo que põe reservas à sua obra ensaística.
[57] As opiniões discordantes partiram, em regra, de adversários
políticos. Cf. Avelino de Almeida, na rubrica "Teatros", in Atlantida, n.º
15, Lisboa, 15 de janeiro de 1917, pp. 164-171, em crítica a O Infante de
Sagres.
[58] Jaime Cortesão, Memórias da Grande Guerra, "Obras Completas de
Jaime Cortesão", XVII, "Memórias", volume I, Lisboa, Portugália Editora
[1969]. A primeira edição desta obra saiu no Porto, em 1919.
[59] Idem, Itália Azul, Rio de Janeiro e Porto, Annuario do Brasil e
Renascença Portuguesa, 1922.
[60] Cf. idem, ibidem, pp. 113-114.
[61] Antonio [sic] Froes [aliás, Jaime Cortesão], Missa da Meia Noite
e Outros Poemas, Lisboa, Seara Nova, 1940.
[62] Mostra a relevância do trabalho de Jaime Cortesão como diretor
desta instituição o seu Relatório do Director da Biblioteca Nacional,
Lisboa, Tipografia da Biblioteca Nacional, 1920.
[63] O seu espírito conciliador fora particularmente importante para
tornar possível que os distintos grupos e tendências que confluíram no
movimento "Renascença Portuguesa" pudessem coexistir e cooperar a partir da
aspiração comum de um ressurgimento nacional.
[64] Aquando da mudança política verificada em 26 de maio de 1926, era
notório o declínio da vida sindical portuguesa em relação ao que sucedia
poucos anos antes, no seu período de apogeu. Sobre esta decadência veja-se
Maria Filomena Mónica, O Movimento Socialista em Portugal (1875-1934),
prefácio de Francisco Salgado Zenha [Lisboa], Imprensa Nacional Casa da
Moeda, Instituto de Estudos para o Desenvolvimento [1985].
[65] Refira-se, todavia, a ameaça que a chamada Monarquia do Norte
constituíra em 1919 para o poder republicano.
[66] Carlos Malheiro Dias expõe os objetivos que presidiram a esta
obra em História da Colonização Portuguesa do Brasil, conferência realizada
[…] no Gabinete Portuguez de Leitura, Rio de Janeiro, Companhia
Litographica Ferreira Pinto, aos 22 de setembro de 1923. Refere-se à
História como sendo não só "uma homenagem aos antepassados," mas,
igualmente, "uma obra de nobre e fecunda política". Pensava ser "necessário
à nossa dignidade histórica […] que o Brasil se aproxime de nós com
respeito e gratidão e nunca com a insolência protetora ou a piedade
humilhante de uma nação nova-rica". (Documento publicado por Óscar Lopes,
op. cit., na nota 1 (cf. supra), pp. 129-130).
[67] A mencionada carta consta do espólio de Malheiro Dias, depositado
no Arquivo de Cultura Portuguesa Contemporânea da Biblioteca Nacional, a
cujas funcionárias agradeço as facilidades concedidas à minha investigação.
Publiquei-a no apêndice que acompanha a publicação deste trabalho, in Mare
Liberum. Revista de História dos Mares [Lisboa], Comissão Nacional para as
Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, Número 4, dezembro de 1992,
documento 1, pp. 20-21.
[68] Malheiro Dias insistiria nesta sua ideia em carta constante do
espólio de Jaime Cortesão, mencionada no livro Jaime Cortesão. Raul
Proença. Catálogo da Exposição Comemorativa do Primeiro Centenário (1884-
1984), Lisboa, Ministério da Cultura, Biblioteca Nacional, p. 146, n.º 332.
A carta referida data do Porto, aos 7 de outubro de 1922. [A referida carta
foi por mim divulgada, após a edição tipografada do presente artigo, como
documento 46 do apêndice a "O Contributo de Malheiro Dias para a História
da Colonização Portuguesa do Brasil. Notas e Observações", in Mare Liberum.
Revista de História dos Mares [Lisboa], Comissão Nacional para as
Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, Número 17, junho de 1999, pp.
97-194 (cf. pp. 194-196)].
[69] Carta de Roque Gameiro a Carlos Malheiro Dias, Amadora, 30 de
julho de 1921, Biblioteca Nacional de Portugal, Espólio Malheiro Dias. As
cartas de Roque Gameiro são essenciais para o estudo da preparação da
História da Colonização Portuguesa do Brasil.
[70] Jaime Cortesão, A Expedição de Pedro Álvares Cabral e o
Descobrimento do Brasil, Paris e Lisboa, Livrarias Aillaud e Bertrand,
1922. As remissões que faço reportam-se à segunda edição deste livro,
"Obras Completas de Jaime Cortesão", XII, "História", volume 8, Lisboa,
Portugália Editora [1967]. Confronte-se este texto com o publicado na obra
dirigida por Carlos Malheiro Dias, História da Colonização Portuguesa do
Brasil, vol. II, Porto, 1923, pp. 1-39, sob o título "A Expedição de Cabral
(1500)".
[71] Idem, ibidem, p. 9.
[72] Os documentos constantes do livro são os seguintes: "Carta da
capitania de Pedro Álvares de Gouveia"; "Fragmentos de instruções a Pedro
Álvares Cabral"; "Carta de Pêro Vaz de Caminha"; "Carta de Américo
Vespúcio"; "Carta de La Faitada"; "Carta de Pisani à Senhoria de Veneza";
"Carta de D. Manuel aos Reis Católicos".
[73] Jaime Cortesão, A Expedição […], p. 10.
[74] "A Missão ao Brasil", in Seara Nova, n.º 17, Lisboa, 1 de outubro
de 1922, p. 73.
[75] Jaime Cortesão […], pp. 20-21. Cumpre sublinhar a
incompatibilidade absoluta destas ideias com as que Carlos Malheiro Dias
defenderia, poucos anos mais tarde, no seu livro dedicado "À Memória de
António Sardinha", O "Piedoso" e o "Desejado", Lisboa, Portugal-Brasil,
Sociedade Editora, Arthur Brandão & C.ª, 1925, pp. 33-36.
[76] Jaime Cortesão teve, no entanto, o cuidado de remeter os leitores
da História da Colonização para o estudo sobre os Marchioni a que procede
no livro. Uma das suas cartas a Malheiro Dias revela-nos o seu empenho a
tal respeito.
[77] Jaime Cortesão, "Lisboa e Florença. A Expedição de Pedro Álvares
Cabral e a família dos Marchioni", in Seara Nova, n.º 8, Lisboa, 15 de
fevereiro de 1922, p. 208. Note-se que, meses depois, o autor faria
publicar, na mesma revista, n.º 16, 1 de agosto de 1922, pp. 49-51, a
secção do seu livro intitulada "A partida da armada do Restelo". Outra
parte da mesma obra, "Lisboa no ano de 1500", viria a ser divulgada no
Diário de Lisboa de 7 de setembro desse ano.
[78] Texto, sem título, em que a redação apresenta os propósitos do
grupo, in Seara Nova, n.º 1, Lisboa, 14 de outubro de 1921, p. 3.
[79] Ibidem.
[80] Jaime Cortesão, primeiro artigo citado na nota 77(cf. supra), p.
213.
[81] Cf. Joaquim Paço d'Arcos, Carlos Malheiro Dias Escritor Luso-
Brasileiro, Comunicação ao IV Colóquio Internacional de Estudos Luso-
Brasileiros, na Universidade da Baía, em 1959, Separata da Revista
Ocidente, vol. LX, Lisboa, 1961, pp. 44-45.
[82] Como nota Joaquim Romero de Magalhães, "Jaime Cortesão: Da Poesia
à História", in Nova Renascença Revista Trimestral de Cultura,
Propriedade da Associação Cultural "Nova Renascença", vol. V, Inverno de
1985, janeiro / março, p. 26: "Cortesão deixa-se embalar pelo seu talento e
cai na descrição minuciosa, arrebicada e que tudo pretende visualizar, nada
deixando para o leitor".
[83] Jaime Cortesão, A Expedição […], p. 164.
[84] Cf. Frei Vicente do Salvador, História do Brasil. 1500-1627, 7.ª
edição, "Coleção Reconquista do Brasil" (Nova Série), vol. 49, revisão de
Capistrano de Abreu, Rodolfo Garcia e Frei Venâncio Wílleke, O. F. M., Belo
Horizonte e São Paulo, Editora Itatiaia Limitada e Editora da Universidade
de São Paulo, 1982, p. 51.
[85] Braamcamp Freire, "Um livro da chancelaria da Rainha D. Maria e o
casamento de Pedro Álvares Cabral", in Revista de Historia, Sociedade de
Estudos Históricos, Lisboa, Livraria Clássica Editora, ano VI, 1917, pp.
280-281.
[86] Jaime Cortesão, A Expedição […], p. 73.
[87] Idem, ibidem.
[88] Filipe Nunes de Carvalho "A Expedição Cabralina e a Revelação do
Brasil à Europa", primeiro capítulo do vol. VI da Nova História da Expansão
Portuguesa, dirigida por Joel Serrão e A. H. de Oliveira Marques, O Império
Luso-Brasileiro. 1500-1620, coordenação de Harold Johnson e Maria Beatriz
Nizza da Silva, Lisboa, Editorial Estampa, 1992, pp. 45-46, nota 55.
[89] Jaime Cortesão, A Expedição […], p. 11 e 20.
[90] Idem, ibidem, p. 71.
[91] Idem, ibidem, p. 22.
[92] Idem, ibidem, p. 27.
[93] Idem, ibidem, p. 32.
[94] Idem, ibidem, p. 110.
[95] Idem, ibidem, pp. 103-123.
[96] Idem, ibidem, pp.124-147.
[97] Idem, ibidem, p. 134.
[98] O Professor Luís de Albuquerque, em diversos escritos e
palestras, destacou-se na oposição à tese de Jaime Cortesão acerca do
sigilo.
[99] Jaime Cortesão, A Expedição […], p. 135.
[100] Idem, ibidem, p. 139.
[101] Todavia, Cortesão sublinha a grande importância de Cabral no
plano português dos descobrimentos (cf. sobretudo ibidem, p. 149).
[102] Idem, ibidem, pp. 170-177.
[103] Idem, ibidem, pp. 171-172.
[104] Vejam-se os textos reunidos por Paulo Samuel, A Renascença
Portuguesa. Um Perfil Documental [Porto], Fundação Eng.º António de
Almeida, 1990, pp. 102-181.
[105] Elucidativos do pensamento de Jaime Cortesão quanto à influência
do franciscanismo na expansão portuguesa são os capítulos "O
Franciscanismo, Mística dos Descobrimentos" e "O Franciscanismo e a
Expansão Geográfica", in Os Descobrimentos Portugueses I, 4.ª edição,
"Obras Completas de Jaime Cortesão", XXI, "História", vol. 13, Lisboa,
Livros Horizonte, 1984 (1.ª ed., s / d.), pp. 101-114. No início da década
de 1930, Jaime Cortesão concedeu especial interesse a esta temática, como
testemunha o seu trabalho "O Franciscanismo e a Mística dos
Descobrimentos", publicado posteriormente no livro A Expansão dos
Portugueses no Período Henriquino, "Obras Completas de Jaime Cortesão", V,
"História", volume 4, Lisboa, Livros Horizonte [1975], pp. 91-114.
[106] Veja-se a carta de Jaime Cortesão a Malheiro Dias de 21 de
setembro de 1923, que divulguei no apêndice que acompanha a primeira edição
deste estudo como documento número 4, in Mare Liberum, número 4, dezembro
de 1992, p. 22.
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