Janyne Sattler - Apresentação do Dossiê Direitos Humanos e Multiculturalismo
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Dossiê Direitos Humanos e Multiculturalismo - Apresentação ________________________________________________________
apesar da manutenção das diferenças culturais, a questão do patriotismo e da
DOSSIÊ
universalidade, e questões de base ligadas às noções de “cidadania”, “humanidade” e “dignidade”.
DIREITOS HUMANOS E MULTICULTURALISMO
Diante da complexidade do tema, estava claro que o traçado de um amplo e exaustivo panorama seria irrealizável. Com o que, alguns pontos da questão seriam priorizados sobre outros, cabendo a cada um investigar um de seus
APRESENTAÇÃO
aspectos em particular, de acordo com uma escolha bastante pessoal – embora sempre justificada.
Os textos que compõem este dossiê foram elaborados durante o segundo
Assim, tomando como ponto de partida uma posição prévia a todo debate
semestre de 2013, no contexto da disciplina Pesquisa Orientada em Filosofia IV do
prático, a nível moral e político, o texto Ensaio sobre a natureza humana: uma
curso de Bacharelado em Filosofia da Universidade Federal de Santa Maria. As
reflexão a partir de Abraham Maslow, de Jonas Muriel Backendorf, propõe uma
características desta disciplina permitem aos alunos desenvolver uma pesquisa
investigação acerca da natureza humana a partir dos estudos psicológicos de
autônoma e aprofundada sob a orientação temática estabelecida pelo professor
Abraham Maslow, em vista de um aprimoramento moral da humanidade que
no início do semestre. Para este momento, no quadro de uma disciplina de
pudesse prescindir, ao fim e ao cabo, de soluções regulamentadas e
caráter prático, foram propostas as questões pertinentes à ética global em suas
institucionalizadas para uma “convivência pacífica entre pessoas e povos”;
possíveis nuances, tomando como pano de fundo as necessidades criadas pela
alcançando uma maturidade psicológica que pudesse coexistir harmoniosamente
contemporaneidade, cujos elementos supõem, entre outras coisas, um intenso
com uma sociedade também mais madura, o indivíduo educado a realizar
intercâmbio cultural, uma globalização cultural, social e econômica, e uma
plenamente os seus potenciais, seus valores e sua integridade é o exemplo por
responsabilização ético-política além-fronteiras. A questão norteadora das
excelência daquilo de que é capaz a natureza humana quando os seus interesses
pesquisas estava inicialmente voltada às propostas cosmopolitas de uma ética
convergem com os interesses de todos – uma leitura contemporânea, mais
global: sua necessidade, possibilidade e efetividade, sendo este o eixo central dos
próxima da psicologia do que propriamente da filosofia, de alguns pressupostos
debates estabelecidos pela necessidade (ou não) de uma “ética global” ela
aristotélicos relativos ao cumprimento racional do caráter excelente, que não o
mesma. Gravitando em torno desta proposta estavam ainda, inevitavelmente, os
pode ser em detrimento de sua função heurística e política. Para além de uma proposta otimista e para além de uma tarefa de base
temas e problemas que aí aparecem concomitante ou concorrentemente: a problemática do multiculturalismo, a necessidade de uma justiça global, a
relativamente
necessidade de uma ética de assistência, as lutas por reconhecimento, o
potencialmente, pela paz, o diagnóstico do conflito é patente e inescapável, em
reconhecimento da igualdade e da diferença, a manutenção dos direitos humanos
todos os níveis. Mariane Gehlen Perin inquieta-se em compreender a gênese das 12
àquilo
que
nos
constituiria
humanamente,
ainda
que
Inquietude, Goiânia, vol. 5, nº 2, ago/dez 2014
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Dossiê Direitos Humanos e Multiculturalismo - Apresentação ________________________________________________________
diferentes posições defendidas contemporaneamente no escopo da própria ética
aborda a conflituosa relação existente entre os direitos humanos universais,
global. Em seu texto A disputa entre cosmopolitismo, patriotismo e nacionalismo:
legalmente reconhecidos e garantidos desde a sua institucionalização, e a
uma introdução geral ao tema trata de compreender estas noções em específico,
diversidade cultural, e o modo como este conflito incide sobre o reconhecimento
num contexto histórico e filosófico, em prol de um entendimento alargado das
da própria individualidade. Para o esclarecimento de tão complexo cenário, o
pretensões de cada perspectiva nos debates de autores contemporâneos tais
autor investiga algumas questões de gênese nos direitos humanos – com
como Habermas, Benhabib, Nussbaum, Rorty e Taylor, entre outros. O
Norberto Bobbio, principalmente – e o estado de coisas de um multiculturalismo
desenvolvimento do conceito de “cosmopolitismo”, desde as suas origens cínicas
enquanto fenômeno e enquanto proposta ético-política. O problema da
e estoicas, parece responder a uma preocupação de ordem moral mais do que
construção identitária perpassa, assim, o reconhecimento da diversidade cultural
política, mas que não deixa de influenciar as propostas teóricas e práticas,
frente à necessidade de universalização deste mesmo direito. Dentro desta
sobretudo para aqueles autores preocupados com o papel da educação na
problemática, o autor sugere como alternativa uma reflexão sobre o elemento
construção do significado de uma “humanidade compartilhada” (Nussbaum,
transcultural presente em todas as sociedades, elemento que talvez nos
principalmente). Como contraponto a esta perspectiva, Mariane traça um
auxiliasse a compreender a alteridade e que, assim, nos permitisse um respeito
detalhado panorama acerca do desenvolvimento dos termos de “patriotismo” e
não-legalista aos direitos humanos para cada indivíduo em sua diferença.
“nacionalismo” e os riscos aí representados pela radicalidade do totalitarismo e
Finalmente, o próprio conceito do “multiculturalismo” é examinado por
do chauvinismo – um panorama que é de extrema relevância quando se trata de
Willian Martini, no texto O multiculturalismo e a diversidade no debate
compreender as dificuldades enfrentadas pelo ensejo de uma “ética global”.
multicultural. Trata-se aqui de investigar as diferentes linhas de discurso e as
O diagnóstico do conflito permeia igualmente o texto de Guilherme Pinto
diferentes propostas morais e políticas que pretendem compreender as
Ravazi, A Sociedade dos povos como solução dos conflitos internacionais. Diante do
dificuldades envolvidas no mundo contemporâneo globalizado. Figuram aqui,
quadro belicoso das relações internacionais e da aparente impossibilidade de paz
como autores de ponta, as análises de Charles Taylor, Will Kymlicka e Peter
efetiva e duradoura, a proposta de uma Sociedade dos Povos – tal como pensada
McLaren,
por John Rawls em O Direito dos povos – é feita a partir de uma perspectiva
“multiculturalismo humanista liberal”, “multiculturalismo liberal de esquerda” e
kantiana. Trata-se, aqui, de investigar o desenvolvimento desta ideia desde o
“multiculturalismo crítico”. Do exposto, o autor percebe no multiculturalismo
conceito de “federação de paz” tal como ele aparece n’A Paz Perpétua de Kant.
crítico proposto por McLaren a abordagem mais positiva a nível político, já que
para
os
enfoques
do
“multiculturalismo
conservador”,
A questão norteadora para José Vicente Batista Wociechoski toca o ponto
voltada a um projeto pedagógico em prol de uma vivência harmoniosa com a
da efetivação e da concretude da justiça social através de uma análise dos direitos
diferença. Caberia a esta educação em vista de novas relações sociais, uma
humanos – sua trajetória, seu alcance, bem como suas recorrentes violações. O
profunda reflexão sobre a maneira como nós nos vemos como “uns” e “outros”.
texto Direitos humanos e a formação da identidade no atual paradigma cultural, www.inquietude.org
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Inquietude, Goiânia, vol. 5, nº 2, ago/dez 2014
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Muitos detalhes poderiam ainda ser acrescentados à apresentação de cada um dos textos que compõe este dossiê, e sobre a temática ela mesma, mas deixarei que falem agora por si mesmos. Para alguns destes autores a temática é já objeto de investigação continuada; para todos, no entanto, foi sem dúvida fundamental que o resultado dos seus textos pudesse figurar em uma publicação conjunta. Como ao longo da disciplina, suas perspectivas dialogam e se complementam. Um diálogo do qual a reflexão filosófica não pode prescindir em absoluto.
Janyne Sattler (UFSM)
www.inquietude.org
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