Janyne Sattler - Apresentação do Dossiê Direitos Humanos e Multiculturalismo

June 16, 2017 | Autor: Revista Inquietude | Categoria: Multiculturalism, Direitos Humanos
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Dossiê Direitos Humanos e Multiculturalismo - Apresentação ________________________________________________________

apesar da manutenção das diferenças culturais, a questão do patriotismo e da

DOSSIÊ

universalidade, e questões de base ligadas às noções de “cidadania”, “humanidade” e “dignidade”.

DIREITOS HUMANOS E MULTICULTURALISMO

Diante da complexidade do tema, estava claro que o traçado de um amplo e exaustivo panorama seria irrealizável. Com o que, alguns pontos da questão seriam priorizados sobre outros, cabendo a cada um investigar um de seus

APRESENTAÇÃO

aspectos em particular, de acordo com uma escolha bastante pessoal – embora sempre justificada.

Os textos que compõem este dossiê foram elaborados durante o segundo

Assim, tomando como ponto de partida uma posição prévia a todo debate

semestre de 2013, no contexto da disciplina Pesquisa Orientada em Filosofia IV do

prático, a nível moral e político, o texto Ensaio sobre a natureza humana: uma

curso de Bacharelado em Filosofia da Universidade Federal de Santa Maria. As

reflexão a partir de Abraham Maslow, de Jonas Muriel Backendorf, propõe uma

características desta disciplina permitem aos alunos desenvolver uma pesquisa

investigação acerca da natureza humana a partir dos estudos psicológicos de

autônoma e aprofundada sob a orientação temática estabelecida pelo professor

Abraham Maslow, em vista de um aprimoramento moral da humanidade que

no início do semestre. Para este momento, no quadro de uma disciplina de

pudesse prescindir, ao fim e ao cabo, de soluções regulamentadas e

caráter prático, foram propostas as questões pertinentes à ética global em suas

institucionalizadas para uma “convivência pacífica entre pessoas e povos”;

possíveis nuances, tomando como pano de fundo as necessidades criadas pela

alcançando uma maturidade psicológica que pudesse coexistir harmoniosamente

contemporaneidade, cujos elementos supõem, entre outras coisas, um intenso

com uma sociedade também mais madura, o indivíduo educado a realizar

intercâmbio cultural, uma globalização cultural, social e econômica, e uma

plenamente os seus potenciais, seus valores e sua integridade é o exemplo por

responsabilização ético-política além-fronteiras. A questão norteadora das

excelência daquilo de que é capaz a natureza humana quando os seus interesses

pesquisas estava inicialmente voltada às propostas cosmopolitas de uma ética

convergem com os interesses de todos – uma leitura contemporânea, mais

global: sua necessidade, possibilidade e efetividade, sendo este o eixo central dos

próxima da psicologia do que propriamente da filosofia, de alguns pressupostos

debates estabelecidos pela necessidade (ou não) de uma “ética global” ela

aristotélicos relativos ao cumprimento racional do caráter excelente, que não o

mesma. Gravitando em torno desta proposta estavam ainda, inevitavelmente, os

pode ser em detrimento de sua função heurística e política. Para além de uma proposta otimista e para além de uma tarefa de base

temas e problemas que aí aparecem concomitante ou concorrentemente: a problemática do multiculturalismo, a necessidade de uma justiça global, a

relativamente

necessidade de uma ética de assistência, as lutas por reconhecimento, o

potencialmente, pela paz, o diagnóstico do conflito é patente e inescapável, em

reconhecimento da igualdade e da diferença, a manutenção dos direitos humanos

todos os níveis. Mariane Gehlen Perin inquieta-se em compreender a gênese das 12

àquilo

que

nos

constituiria

humanamente,

ainda

que

Inquietude, Goiânia, vol. 5, nº 2, ago/dez 2014

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Dossiê Direitos Humanos e Multiculturalismo - Apresentação ________________________________________________________

diferentes posições defendidas contemporaneamente no escopo da própria ética

aborda a conflituosa relação existente entre os direitos humanos universais,

global. Em seu texto A disputa entre cosmopolitismo, patriotismo e nacionalismo:

legalmente reconhecidos e garantidos desde a sua institucionalização, e a

uma introdução geral ao tema trata de compreender estas noções em específico,

diversidade cultural, e o modo como este conflito incide sobre o reconhecimento

num contexto histórico e filosófico, em prol de um entendimento alargado das

da própria individualidade. Para o esclarecimento de tão complexo cenário, o

pretensões de cada perspectiva nos debates de autores contemporâneos tais

autor investiga algumas questões de gênese nos direitos humanos – com

como Habermas, Benhabib, Nussbaum, Rorty e Taylor, entre outros. O

Norberto Bobbio, principalmente – e o estado de coisas de um multiculturalismo

desenvolvimento do conceito de “cosmopolitismo”, desde as suas origens cínicas

enquanto fenômeno e enquanto proposta ético-política. O problema da

e estoicas, parece responder a uma preocupação de ordem moral mais do que

construção identitária perpassa, assim, o reconhecimento da diversidade cultural

política, mas que não deixa de influenciar as propostas teóricas e práticas,

frente à necessidade de universalização deste mesmo direito. Dentro desta

sobretudo para aqueles autores preocupados com o papel da educação na

problemática, o autor sugere como alternativa uma reflexão sobre o elemento

construção do significado de uma “humanidade compartilhada” (Nussbaum,

transcultural presente em todas as sociedades, elemento que talvez nos

principalmente). Como contraponto a esta perspectiva, Mariane traça um

auxiliasse a compreender a alteridade e que, assim, nos permitisse um respeito

detalhado panorama acerca do desenvolvimento dos termos de “patriotismo” e

não-legalista aos direitos humanos para cada indivíduo em sua diferença.

“nacionalismo” e os riscos aí representados pela radicalidade do totalitarismo e

Finalmente, o próprio conceito do “multiculturalismo” é examinado por

do chauvinismo – um panorama que é de extrema relevância quando se trata de

Willian Martini, no texto O multiculturalismo e a diversidade no debate

compreender as dificuldades enfrentadas pelo ensejo de uma “ética global”.

multicultural. Trata-se aqui de investigar as diferentes linhas de discurso e as

O diagnóstico do conflito permeia igualmente o texto de Guilherme Pinto

diferentes propostas morais e políticas que pretendem compreender as

Ravazi, A Sociedade dos povos como solução dos conflitos internacionais. Diante do

dificuldades envolvidas no mundo contemporâneo globalizado. Figuram aqui,

quadro belicoso das relações internacionais e da aparente impossibilidade de paz

como autores de ponta, as análises de Charles Taylor, Will Kymlicka e Peter

efetiva e duradoura, a proposta de uma Sociedade dos Povos – tal como pensada

McLaren,

por John Rawls em O Direito dos povos – é feita a partir de uma perspectiva

“multiculturalismo humanista liberal”, “multiculturalismo liberal de esquerda” e

kantiana. Trata-se, aqui, de investigar o desenvolvimento desta ideia desde o

“multiculturalismo crítico”. Do exposto, o autor percebe no multiculturalismo

conceito de “federação de paz” tal como ele aparece n’A Paz Perpétua de Kant.

crítico proposto por McLaren a abordagem mais positiva a nível político, já que

para

os

enfoques

do

“multiculturalismo

conservador”,

A questão norteadora para José Vicente Batista Wociechoski toca o ponto

voltada a um projeto pedagógico em prol de uma vivência harmoniosa com a

da efetivação e da concretude da justiça social através de uma análise dos direitos

diferença. Caberia a esta educação em vista de novas relações sociais, uma

humanos – sua trajetória, seu alcance, bem como suas recorrentes violações. O

profunda reflexão sobre a maneira como nós nos vemos como “uns” e “outros”.

texto Direitos humanos e a formação da identidade no atual paradigma cultural, www.inquietude.org

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Inquietude, Goiânia, vol. 5, nº 2, ago/dez 2014

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Muitos detalhes poderiam ainda ser acrescentados à apresentação de cada um dos textos que compõe este dossiê, e sobre a temática ela mesma, mas deixarei que falem agora por si mesmos. Para alguns destes autores a temática é já objeto de investigação continuada; para todos, no entanto, foi sem dúvida fundamental que o resultado dos seus textos pudesse figurar em uma publicação conjunta. Como ao longo da disciplina, suas perspectivas dialogam e se complementam. Um diálogo do qual a reflexão filosófica não pode prescindir em absoluto.

Janyne Sattler (UFSM)

www.inquietude.org

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