Jardim de Histórias: discussões e experiências em aprendizagem histórica

May 22, 2017 | Autor: André Bueno | Categoria: History, Teaching History, Historia, História
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Referência Bibliográfica BUENO, André; CREMA, Everton; ESTACHESKI, Dulceli; NETO, José Maria [org.] Jardim de Histórias: discussões e experiências em aprendizagem histórica. Rio de Janeiro/União da Vitória: Edição Especial Ebook LAPHIS/Sobre Ontens, 2017. ISBN: 978-85-65996-47-1 Edição Especial Ebook LAPHIS/Sobre Ontens: www.revistasobreontens.blogspot.com.br 2

ANDRÉ BUENO DULCELI ESTACHESKI EVERTON CREMA JOSÉ MARIA NETO

JARDIM DE HISTÓRIAS: DISCUSSÕES E EXPERIÊNCIAS EM APRENDIZAGEM HISTÓRICA

Edição Especial LAPHIS/Sobre Ontens 2017 3

Nota Introdutória É com grande alegria e satisfação que apresentamos este nosso novo livro, Jardim de Histórias. Ele é resultado da terceira edição do Simpósio Eletrônico Internacional de Ensino de História [www.simpohis2017.blogspot.com.br], e traz as comunicações apresentadas nas mesas de Aprendizagens Históricas, Mídias, Tecnologias e Fontes e Religiões e Etnicidade. No momento crucial que o campo da História vem passando em nosso país, as investigações sobre a arte de ensinar história, bem como seu desenvolvimento ao longo dos anos, nos trazem subsídios fundamentais para pensarmos o que erramos, o que acertamos, o que podemos e precisamos melhorar. Tanto a escola quanto a academia estão imersos em um profundo momento de reflexão, buscando resignificar a dimensão de seu trabalho histórico. Nesse sentido, o que pode ser feito? Junto com Canteiro de Histórias e Um Pé de Histórias [outros dois livros dessa série] esse nosso volume visa dar uma pequena contribuição a essas questões.

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Sumário APRENDIZAGENS HISTÓRICAS DIÁLOGOS ENTRE A HISTÓRIA E A GEOGRAFIA NA EDUCAÇÃO BÁSICA: RELATO DE EXPERIÊNCIA NA ESCOLA MUNICIPAL JOSINEIDE TAVARES (MARABÁ-PA)...16 ENSINO DE HISTÓRIA E O PATRIMÔNIO IMATERIAL: O MONGE JOÃO MARIA EM SÃO MATEUS DO SUL/PR – CRUZES, MEMÓRIAS, ÁGUAS SANTAS E CEMITÉRIOS DE ANJOS...................................................................................................................................20 EDUCAÇÃO PATRIMONIAL E MEMÓRIA NA ESCOLA....................................................24 A IMPORTÂNCIA DO USO DE ICONOGRAFIA NO ENSINO DE HISTÓRIA: EXPERIÊNCIAS NO ESTÁGIO SUPERVISIONADO.............................................................28 A HISTÓRIA DA ESTRADA DO COLONO E A HISTÓRIA REGIONAL............................32 ENSINO MULTICULTURAL: CULTURA JAPONESA EM SALADE AULA.......................35 A FORMAÇÃO DO PROFISSIONAL DE HISTÓRIA: DESAFIOS E PERSPECTIVA DO MERCADO DE TRABALHO NO BRASIL – RELATOS DE UM MINICURSO....................38 DE CURANDEIRAS E BENZEDEIRAS PARA BRUXAS: O PAPEL DA MULHER NESSE CONTEXTO NA EUROPA.........................................................................................................42 NO BANCO DOS RÉUS: JULGAMENTOS HISTÓRICOS OU O OUTRO LADO DA MOEDA-A HISTÓRIA VISTA COM NOVOS OLHARES......................................................45 SER CRIANÇA E A INFÂNCIA NO PASSADO AMERÍNDIO: COMO APRENDER COM AS DIFERENÇAS CULTURAIS NO ENSINO DE HISTÓRIA...............................................47 O ENSINO DE HISTÓRIA E AS INTERFACES NACIONAL/LOCAL: SOCIALIZANDO SABERES SOBRE A CASA AZUL...........................................................................................50 NOVAS PERSPECTIVAS SOBRE MARCO VELEIO PATÉRCULO E A SUA HISTÓRIA ROMANA PARA OS ESTUDOS SOBRE A HISTÓRIA ANTIGA DE ROMA......................54 THE THIRD WAVE: A ESCOLA E O RESSURGIMENTO DO FASCISMO.........................59 ENSINO DE HISTÓRIA E AS RELAÇÕES CULTURAIS NA REGIÃO DE FRONTEIRA, POR MEIO DOS CURRÍCULOS ESCOLARES........................................................................62 DISCUTINDO O ENVELHECIMENTO HUMANO NO AMBIENTE ESCOLAR: AS POSSIBILIDADES DO TEATRO...............................................................................................66 ENSINO DE HISTÓRIA POLÍTICA DO MARANHÃO: PROPOSTA DE UM MATERIAL PARADIDÁTICO........................................................................................................................71 O ENSINO DE HISTÓRIA ALÉM DA SALA DE AULA: AS AULAS-VISITAS..................75 RESGATANDO MEMÓRIAS: RELATO DE EXPERIÊNCIA.................................................79 5

A CONSTRUÇÃO HISTÓRICA CAMPO-GRANDENSE POR MEIO DO MUSEU JOSÉ ANTÔNIO PEREIRA..................................................................................................................84 ENSINO DE HISTÓRIA: A “AULA-VISITA” AO MUSEU HISTÓRICO COMO METODOLOGIA.........................................................................................................................89 EDUCAÇÃO HISTÓRICA E A FORMAÇÃO DOS FUTUROS PROFESSORES DE HISTÓRIA...................................................................................................................................93 EDUCAÇÃO PATRIMONIAL NO ARQUIVO PÚBLICO DO RS: MEMÓRIA, JUSTIÇA E ENSINO DE HISTÓRIA.............................................................................................................99 ENCENANDO O PASSADO: A TRAGÉDIA GREGA NA SALA DE AULA......................105 “A TERRA ENTRE OS RIOS: O ENSINO DE HISTÓRIA SOB UM NOVO VIÉS”............109 AS MÚLTIPLAS TRAJETÓRIAS DE UM COLETIVO JUVENIL: TERRITÓRIOS EDUCATIVOS E TESSITURAS EM REDES DE SOCIABILIDADE EM BELO HORIZONTE.............................................................................................................................112 O USO DE IMAGENS NO ENSINO DO EGITO ANTIGO: A RELAÇÃO HOMEM E MEIO AMBIENTE...............................................................................................................................116 O ESTÁGIO SUPERVISIONADO DO CURSO DE HISTÓRIA DA UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO (UEMA) E OS REFLEXOS NA FORMAÇÃO DOS GRADUANDOS........................................................................................................................123 OS CRISTÃOS-NOVOS NA PRODUÇÃO DIDÁTICA: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES.128 A APRENDIZAGEM COOPERATIVA POR MEIO DA MONITORIA ACADÊMICA: RELATOS DE UMA EXPERIÊNCIA......................................................................................132 ENSINO DE HISTÓRIA E SIMBOLOGIA PARA SÉTIMOS ANOS: DO PERÍODO MEDIEVAL AOS DIAS ATUAIS............................................................................................136 REVISITANDO NUREMBERG ATRAVÉS DA ANÁLISE DO DISCURSO: A IMPORTÂNCIA DAS FONTES NA CONSTRUÇÃO DA APRENDIZAGEM HISTÓRICA...............................................................................................................................139 O ENSINO DE HISTÓRIA PRÉ-COLONIAL: ESTUDO DE CASO DOS LIVROS DIDÁTICOS DO 6O ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL..................................................143 ENSINO E HISTÓRIA: UMA ABORDAGEM ATRAVÉS DE MODOS E MODAS EM SÃO LUÍS (1920)................................................................................................................................146 FUTEBOL, RACISMO E ENSINO DE HISTÓRIA: POSSIBILIDADES EM SALA DE AULA.........................................................................................................................................150 O PIBID NO COTIDIANO ESCOLAR - UM RELATO DE EXPERIÊNCIA DA DISCIPLINA DE HISTÓRIA...........................................................................................................................154 GRÉCIA EM CENA: O APRENDER BRINCANDO..............................................................158 6

GÊNERO, SEXUALIDADE E EDUCAÇÃO: UMA ABORDAGEM DO TEMA ATRAVÉS DO ENSINO DE HISTÓRIA DA ROMA ANTIGA.................................................................162 UMA BREVE REFLEXÃO SOBRE QUESTÕES ÉTNICAS NO ANTIGO EGITO.............165 O LÚDICO E O ENSINO DE HISTÓRIA: RELATOS DA AÇÃO DO PIBID NA ESCOLA ESTADUAL GRACILIANO RAMOS......................................................................................168 MUNDO REPRESENTADO E A POLÍTICA DA IMAGEM..................................................171 OS INDÍCIOS DE EURÍPIDES E A HISTÓRIA DE ESPARTA – ALTERNATIVAS DE ENSINO E PESQUISA..............................................................................................................174 O PROJETO PROFESSOR DIRETOR DE TURMA - PPDT E A CONSTRUÇÃO DE IDENTIDADES.........................................................................................................................178 ESPAÇOS URBANOS, PATRIMÔNIO E MEMÓRIA: EM BUSCA DAS SIGNIFICAÇÕES – UM OLHAR SOBRE AS PRÁTICAS DE ENSINO DE HISTÓRIA NO CURSO TÉCNICO DO IFMT....................................................................................................................................182 RELATO DE EXPERIÊNCIA DO PROJETO “NOVAS PERGUNTAS EM CADA RESPOSTA: ENSINO, PESQUISA E INTERDISCIPLINARIDADE NO ENSINO MÉDIO”.....................................................................................................................................185 POR UMA ARQUEOLOGIA PRÉ-COLOMBIANA EM SALA DE AULA..........................189 A VIDA EM PRETO E BRANCO NA CIDADE: EXPERIÊNCIAS DO PIBID COM A HISTÓRIA LOCAL...................................................................................................................193 HISTÓRIA E PRODUÇÃO DE TEXTO: TRABALHO REALIZADO NA ESCOLA ESTADUAL ANTONIO TEODORO DE OLIVEIRA EM CAMPO MOURÃO – PR COM ALUNOS DOS 8º ANOS DO ENSINO FUNDAMENTAL SOBRE O PERÍODO DA ESCRAVIDÃO NO BRASIL....................................................................................................202 HISTÓRIA, ENSINO DE HISTÓRIA E A PRODUÇÃO DO HERÓI: EM GOIÁS, TAMBÉM TEMOS UM...............................................................................................................................205 O QUE É SER BRASILEIRO? A CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE NACIONAL BRASILEIRA NO XIX A PARTIR DE UMA AULA OFICINA.............................................209 O ENSINO DE HISTÓRIA ANTIGA ATRAVÉS DA ANÁLISE DE IMAGENS DO EGITO........................................................................................................................................212 RAÍZES DO REGIME MILITAR NO AMBIENTE ESCOLAR: UM ESTUDO DE CASO.........................................................................................................................................216 NOVAS ABORDAGENS NO ENSINO DE HISTÓRIA DO NAZISMO NA EDUCAÇÃO BÁSICA BRASILEIRA.............................................................................................................220 ENCANTARIA E CULTURA ESCOLAR NO MARANHÃO................................................224 A HISTÓRIA LOCAL DE CAETITÉ ATRAVÉS DO CURANDEIRISMO...........................228 7

O LÚDICO COMO FACILITADOR DA APRENDIZAGEM: GINCANA DO BRASIL COLONIAL................................................................................................................................231 O QUE LEVOU A REVOLUÇÃO EM CUBA? CHE GUEVARA E FIDEL CASTRO SÃO OS ÚNICOS A SEREM LEMBRADOS?........................................................................................235 MÍDIAS, TECNOLOGIAS E FONTES QUADRINHOS NO ENSINO DA HISTÓRIA ANTIGA: GUERRA GÁLICA ATRAVÉS DE ASTÉRIX O PAPIRO DE CÉSAR............................................................................................240 COMPREENDER A HISTÓRIA ATRAVÉS DAS PAISAGENS: O USO DE ICONOGRAFIAS NA SALA DE AULA..................................................................................246 WEBLOG E APREDIZAGEM: O USO DO BLOG “CONSTRUINDO HST” COMO DISPOSITIVO DIALÓGICO DE MEDIAÇÃO NA DISCIPLINA HISTÓRIA DO MARANHÃO – SÉCULO XVII NO CENTRO DE ENSINO LICEU MARANHENSE – SÃO LUIS/MA....................................................................................................................................251 FERRAMENTAS PARA O ENSINO DE HISTÓRIA: COMO EXPLICAR A SEGUNDA GUERRA MUNDIAL................................................................................................................255 OS JOGOS ELETRÔNICOS COMO ALIADOS NAS AULAS DE HISTÓRIA: AGE OF EMPIRES E EUROPA UNIVERSALIS SÃO BONS EXEMPLOS.........................................259 O USO DAS IMAGENS E DA MÚSICA COMO FERRAMENTAS DIDÁTICAS PARA AS AULAS DE HISTÓRIA.............................................................................................................262 IMAGENS E ENSINO DE HISTÓRIA: UM DEBATE NECESSÁRIO PARA OS ATUAIS TEMPOS....................................................................................................................................266 ENSINO DE HISTÓRIA E TECNOLOGIA: NOVOS DESAFIOS PARA A EDUCAÇÃO NO SÉCULO XXI............................................................................................................................270 FOTOGRAFIAS EM LIVROS DIDÁTICOS: OS 18 DOFORTE DE COPACABANA.........275 O CINEMA NA HISTÓRIA E A HISTÓRIA DO CINEMA: O USO DOS FILMES “OUTUBRO” (1928) E “ADEUS, LENIN!” (2013) EM SALA DE AULA............................280 CINEMA E A SHOAH: ANALISES DE NIGHT AND FOG, THE PAWNBROKE E A MEMÓRIA DO MASSACRE...................................................................................................284 A MÚSICA POPULAR BRASILEIRA NO ENSINO DE HISTÓRIA: A REPRESENTAÇÃO DO FEMININO NA MPB..........................................................................................................288 IMAGENS NO ENSINO DE HISTÓRIA: A UTILIZAÇÃO DA FOTOGRAFIA NO PROCESSO DE ENSINO APRENDIZAGEM.........................................................................293 IR AO MUSEU: A POSSIBILIDADE DE SER ATOR E ESPECTADOR SEM ESPERAR RESPOSTAS PRONTAS – ALGUMAS CONSIDERAÇÕES PARA CONTRIBUIR COM AS REFLEXÕES SOBRE ENSINO DE HISTÓRIA.....................................................................298

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CENAS, PERSONAGENS E SEUS CONTEXTOS NAS AULAS DE HISTÓRIA: MEMÓRIA, IMAGEM E FOTOGRAFIA E SUAS RELAÇÕES NO ENSINO DE HISTÓRIA.................301 HISTÓRIA E CINEMA: A UTILIZAÇÃO DE RECURSOS CINEMATOGRÁFICOS NAS AULAS DE HISTÓRIA.............................................................................................................305 ENSINO DE HISTÓRIA E PRODUÇÃO CINEMATOGRÁFICA: UMA EXPERIÊNCIA DIDÁTICA USANDO CELULARES.......................................................................................309 DEVEMOS ENSINAR AS CRIANÇAS E ADOLESCENTES SOBRE OS HIPERTEXTOS DA INTERNET NA AULA DE HISTÓRIA?...........................................................................313 UTILIZAÇÃO DAS TECNOLOGIAS DA INFORMAÇÃO E DA COMUNICAÇÃO NO ENSINO DE HISTÓRIA...........................................................................................................317 O USO DE FILMES EM SALA DE AULA: O EXEMPLO DE “1492 – A CONQUISTA DO PARAÍSO” E AS VÁRIAS NUANCES DA TERRA NO RENASCIMENTO........................321 O USO DO JORNAL DE ÉPOCA COMO PRÁTICA NO ENSINO DE HISTÓRIA: O CASO DO CONTESTADO...................................................................................................................326 NATIVOS DIGITAIS E AULAS DE HISTÓRIA: COMO FAZER DESTA RELAÇÃO UM AMBIENTE PRODUTIVO DE APRENDIZAGEM................................................................330 FOTOGRAFIA E CONHECIMENTO: CAMINHOS PARA O ENSINO DE HISTÓRIA.....336 UNINDO O ÚTIL AO AGRADÁVEL: UMA BREVE ANÁLISE SOBRE AS TEMÁTICAS DOS QUADRINHOS (COMICS E MANGÁS) DIANTE DA PERSPECTIVA DO ENSINO DE HISTÓRIA...........................................................................................................................340 OS USOS DE JORNAIS DE ÉPOCA NO ENSINO DE HISTÓRIA: UMA PERSPECTIVA TEÓRICA, DIDÁTICA E METODOLÓGICA.........................................................................345 MÚSICAS DE RAP: HISTÓRIA E SUBJETIVIDADES.........................................................348 O USO DE IMAGENS NAS AULAS DE HISTÓRIA NO ENSINO MÉDIO.........................351 A PRODUÇÃO FÍLMICA NO ENSINO E NA PESQUISA HISTORIOGRÁFICA...............355 REFLEXÕES SOBRE O ENSINO DE HISTÓRIA NA ERA DA INFORMAÇÃO................359 IDEIAS DE ALUNOS DO SEXTO ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL ACERCA DE FONTES HISTÓRICAS PROPOSTAS NO LIVRO DIDÁTICO............................................362 JOGOS DIGITAIS E ENSINO DE HISTÓRIA: A CULTURA HISTÓRICA EM AGE OF EMPIRES II................................................................................................................................365 O JORNAL COMO FONTE HISTÓRICA: ALGUMAS REFLEXÕES TEÓRICAS PARA A PESQUISA E ENSINO DE HISTÓRIA ATRAVÉS DOS PERIÓDICOS...............................370 O MUSEU EM SALA DE AULA: RELATO DE EXPERIÊNCIA COM MUSEUS VIRTUAIS.................................................................................................................................375 9

IMAGEM EM MOVIMENTO: ASPECTOS SOBRE O CINEMA NO ENSINO DE HISTÓRIA.................................................................................................................................379 OS SUPORTES AUDIOVISUAIS NO ENSINO DE HISTÓRIA............................................382 O USO DA IMPRENSA COMO FONTE HISTÓRICA EM SALA DE AULA......................386 CINEMA E ENSINO DE HISTÓRIA: INTOLERÂNCIA RELIGIOSA E A IGREJA PERSEGUIDORA......................................................................................................................390 O USO DOS JOGOS VIRTUAIS NO PROCESSO ENSINO-APRENDIZAGEM NAS AULAS DE HISTÓRIA...........................................................................................................................394 “DIRETO AO PONTO” - A EDIÇÃO DE VÍDEOS E IMAGENS A SERVIÇO DO DOCENTE.................................................................................................................................397 O USO DAS NOVAS TECNOLOGIAS E O ENSINO DE HISTÓRIA: A LEI DE ANISTIA EM PERSPECTIVA...................................................................................................................402 HISTÓRIA E FOTOGRAFIA: UMA VISÃO DE FOTOGRÁFO, DO HISTORIADOR E DO OBSERVADOR COMUM, AS VÁRIAS INTERPRETAÇÕES ACERCA DA IMAGEM....405 O USO DE REVISTAS COMO RECURSO PEDAGÓGICO NAS AULAS DE HISTÓRIA.................................................................................................................................408 O USO DA IMAGEM COMO POSSIBILIDADES PARA O ENSINO DE HISTÓRIA.........412 LUZ, CÂMERA E AÇÃO: O ALUNO COMO SUJEITO OPERANTE NO PROCESSO DE ENSINO APRENDIZAGEM, PRODUÇÃO DE DOCUMENTÁRIO.....................................415 DOCUMENTOS HISTÓRICOS CONTIDAS NO LIVRO DIDÁTICO E SEU POTENCIAL COMO SUPORTE PARA O ENSINO/APRENDIZAGEM DE HISTÓRIA...........................419 PROPOSTA DIDÁTICA DE ENSINO DE HISTÓRIA DO DESING E DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO NA CIDADE DE MEDELLÍN, COLÔMBIA: USO DAS SELFIES E O FACEBOOK COMO FERRAMENTA DE APROPRIAÇÃO PATRIMONIAL.....................423 IMAGEM E ENSINO DE HISTÓRIA ANTIGA: UMA INTRODUÇÃO...............................426 JOGAR COM A EDUCAÇÃO E O ENSINO DE HISTÓRIA.................................................430 NOTAS SOBRE O USO DE HISTÓRIAS EM QUADRINHOS NO ENSINO DE HISTÓRIA.................................................................................................................................433 IDEIAS DE HISTÓRIA QUE CIRCULAM NO CIBERESPAÇO: APONTAMENTOS INICIAIS....................................................................................................................................437 LUGARES DE MEMÓRIA: REFLEXÕES SOBRE MARCOS TESTEMUNHAIS DE OUTRA ÉPOCA.......................................................................................................................................441 REFLEXÕES SOBRE A UTILIZAÇÃO DE TECNOLOGIAS DE INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO (TIC) NO PROCESSO DE ENSINO-APRENDIZAGEM DE HISTÓRIA NA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA.....................................................................................445 10

EXPERIÊNCIA NO PROJETO TECNOLOGIAS E LINGUAGENS E SUA IMPORTÂNCIA NA FORMAÇÃO PROFISSIONAL DE PESQUISA E EXTENSÃO DE ALUNOS BOLSISTAS...............................................................................................................................449 JORNAIS CATARINENSES E A NOVEMBRADA - MANIFESTAÇÃO CATARINENSE CONTRA A DITADURA..........................................................................................................452 PRÁTICA DE HISTÓRIA E TECNOLOGIAS DE INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO: POSSIBILIDADES PARA O PROCESSO DE ENSINO E PESQUISA ATRAVÉS DA INTERNET.................................................................................................................................457 A LITERATURA NO ENSINO DE HISTÓRIA: O DOCUMENTO, OS CUIDADOS E A PRÁTICA...................................................................................................................................460 HISTÓRIA E MÚSICA: A MÚSICA COMO FERRAMENTA DE ENSINO.........................465 FOTOGRAFIAS ESCOLARES COMO FONTE: UMA BREVE ANÁLISE DA ARQUITETURA DO IEPPEP...................................................................................................468 DISCUTINDO A NOÇÃO DE FATO HISTÓRICO A PARTIR DO ROMANCE O CRIME DE SYLVESTRE BONNARD, MEMBRO DO INSTITUTO..............................................................474 REFLEXÕES SOBRE AS POTENCIALIDADES DO USO DO CINEMA EM SALA DE AULA: RELAÇÕES COM O ENSINO DE HISTÓRIA...........................................................477 A MÚSICA COMO FONTE HISTÓRICA: APRENDIZAGEM NO ENSINO DE HISTÓRIA.................................................................................................................................480 NOTAS ACERCA DA PROPOSTA DE TRATAMENTO TÉCNICO, HIGIENIZAÇÃO E ORGANIZAÇÃO DO ACERVO DA REDE FERROVIÁRIA FEDERAL NO IFPR, CAMPUS UNIÃO DA VITÓRIA...............................................................................................................484 POSSIBILIDADES DO ENSINO DE HISTÓRIA E DOS MOVIMENTOS SOCIAIS CONTEMPORÂNEOS A PARTIR DAS NOVAS TECNOLOGIAS......................................488 O ENSINO TEÓRICO-PRÁTICO DE HISTÓRIA DAS REVOLUÇÕES E MOVIMENTOS SOCIAIS NA CONTEMPORANEIDADE: UMA ÓTICA A PARTIR DO USO DAS MÚSICAS E DA LITERATURA..............................................................................................492 O ENSINO TEÓRICO-PRÁTICO DE HISTÓRIA DAS REVOLUÇÕES E MOVIMENTOS SOCIAIS NA CONTEMPORANEIDADE: UMA ÓTICA A PARTIR DO USO DAS NOVAS TECNOLOGIAS E DO CINEMA.............................................................................................496 RELAÇÕES DE GÊNERO E ETNICIDADES AS ESCOLAS DE ÓBIDOS NA LUTA CONTRA A DISCRIMINAÇÃO E O PRECONCEITO NO ESPAÇO ESCOLAR..............................................................................501 A IMPORTÂNCIA DA LEI 10.639/03 PARA O RECONHECIMENTO DA CULTURA AFRO-BRASILEIRA ATRAVÉS DAS MUDANÇAS CURRICULARES.............................505 UMA REVISÃO BIBLIOGRÁFICA SOBRE A HISTÓRIA DA ÁFRICA NO ENSINO......509 11

A IMPORTÂNCIA E OS LIMITES DOS LIVROS DIDATICOS DO ENSINO FUNDAMENTAL E ENSINO MÉDIO: UMA ANÁLISE DO PIBID SOBRE A LEI 10639/03.....................................................................................................................................512 RELATO DE EXPERIÊNCIA: O RACISMO DEBATIDO EM AULAS DE HISTÓRIA......516 CULTURA AFRICANA NO BRASIL A PARTIR DA LEI 10639/03.....................................520 PRECONCEITO RACIAL NO COTIDIANO ESCOLAR: DESMITIFICAR PARA COMBATER..............................................................................................................................524 RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS, HISTÓRIA E EDUCAÇÃO: DESAFIOS E POTENCIAIS NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES E DE EDUCADORES SOCIAIS..............................528 ENSINO DE HISTÓRIA INDÍGENA NA TRAMA DA NARRATIVA HISTÓRICA DOS POVOS KIRIRI..........................................................................................................................532 A LEI 10.639/03 E O ENSINO DE HISTÓRIA NA EDUCAÇÃO BÁSICA: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES...................................................................................................................537 EDUCAÇÃO E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS: A LEI Nº 10.639/2003.............................541 O BRASIL É DELAS: A HISTÓRIA TUPINIQUIM PELO PRISMA DE SUAS PROTAGONISTAS...................................................................................................................544 ENSINANDO ENTRE TELAS: AS MULHERES NA HISTÓRIA E SUAS POSSIBILIDADES DE ABORDAGEM EM SALA DE AULA ATRAVÉS DO CINEMA....................................547 ENSINO DE HISTÓRIA-ONDE ESTÁ O NEGRO NA HISTÓRIA?.....................................551 O ENSINO DE HISTÓRIA, A LEI 10.639/2003 E AS DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS: ANÁLISE DO PROCESSO DE IMPLEMENTAÇÃO DA HISTÓRIA DA ÁFRICA NO CURRÍCULO DE HISTÓRIA.............................................................................554 CONSCIÊNCIA DE SI, CONSCIÊNCIA DO OUTRO: A HISTÓRIA DOS POVOS INDÍGENAS NA FORMAÇÃO DOCENTE............................................................................558 INSERÇÃO E PARTICIPAÇÃO DAS MULHERES NA HISTÓRIA: COMO O PROFESSOR TRABALHA A QUESTÃO?.....................................................................................................561 EDUCAÇÃO ÉTNICO-RACIAL E SUA PROPOSTA INTERDISCIPLINAR......................565 A CAPOEIRA COMO POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DA LEI 10.639/03...................570 UM HOLOCAUSTO INDÍGENA AINDA INVISÍVEL NO ENSINO DE HISTÓRIA..........573 PRÁTICAS E EXPERIÊNCIAS NO ENSINO DE HISTÓRIA INDÍGENA...........................577 BATALHAS NA TORRE DE MARFIM: O IMPACTO DA INCLUSÃO RACIAL E SOCIAL NO ENSINO DE HISTÓRIA.....................................................................................................581 A MULHER NEGRA NA EJA: POSSIBILIDADES DE EMPODERAMENTO NO ENSINO DE HISTÓRIA...........................................................................................................................585 12

HISTÓRIA INDÍGENA E ENSINO: UM DIÁLOGO A SER ESTREITADO (2008-2016)...588 A EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS NA ESCOLA: (RE)DISCUTINDO O USO DE CONCEITOS NO COTIDIANO DOS ESTUDANTES.............................................592 CONSIDERAÇÕES AO ENSINO DE HISTÓRIA NAS ESCOLAS INDÍGENAS................596 A DOMINAÇÃO APRENDIDA EM BOURDIEU...................................................................601 AS DIFICULDADES EM TRABALHAR A EDUCAÇÃO ÉTNICO- RACIAL NO AMBIENTE ESCOLAR............................................................................................................604 ENSINO DE HISTÓRIA AFRO-BRASILEIRA: TEORIA E PRÁTICA NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS..............................................................................................................609 DISCRIMINAÇÃO DO NEGRO NO BRASIL: UM OBSTÁCULO A SER VENCIDO........613 DO ANONIMATO À NOTABILIDADE: A MULHER AFRODESCENDENTE NO ENSINO BRASILEIRO.............................................................................................................................616 A IMPORTÂNCIA DE UMA ABORDAGEM FEMINISTA NOS CURSOS DE LICENCIATURA EM HISTÓRIA: CONSIDERAÇÕES INICIAIS........................................620 ÁFRICA QUE CHEGA PELA ORALIDADE: REPRESENTAÇÕES HISTÓRICAS E COMBATE AO PRECONCEITO EM SALA DE AULA........................................................624 HISTÓRIA E CULTURA AFRO-BRASILEIRAE AFRICANA NA REDE PÚBLICADE PORTO VELHO – RO...............................................................................................................628 O ENSINO DA HISTÓRIA DA ÁFRICA: POR UMA HISTÓRIA (DES) EUROCÊNTRICA.....................................................................................................................632 MULHERES EM CENA: NARRATIVAS HISTÓRICAS E A INVISIBILIDADE DAS MULHERES NO FILME GERMINAL.....................................................................................637 O NEGRO NA FORMAÇÃO DA CONSCIÊNCIA HISTÓRICA: ENTRE OS DICURSOS MIDIÁTICOS E A CONSTRUÇÃO DE ESTEREÓTIPOS.....................................................642 ALGUMAS REFLEXÕES SOBRE ÁFRICA NO ENSINO DE HISTÓRIA...........................646 CAMÉLIA BRANCA: O PROCESSO DE ABOLIÇÃO DA ESCRAVIDÃO EM SALA DE AULA.........................................................................................................................................650 APRENDIZES DO CONFLITO: O ENSINO DE HISTÓRIA INDÍGENA EM PALMEIRA DOS ÍNDIOS - AL ENTRE DILEMAS....................................................................................654 A HISTÓRIA INDÍGENA NO ESPAÇO ESCOLAR: PONDERAÇÕES A PARTIR DAS AÇÕES DO PIBID DE HISTÓRIA...........................................................................................658 IMAGINÁRIOS SOBRE O TERMO ESCRAVIDÃO: A VISÃO DE ALUNOS RECÉMFORMADOS NO ENSINO MÉDIO, ALGUMAS NOTAS.....................................................662

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JOGOS E BRINCADEIRAS AFRO-BRASILEIRA: UMA AÇÃO DO PIBID NAS TURMAS DO 6°ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL...........................................................................666 A INVISIBILIDADE DA TEMÁTICA INDÍGENA NO CURRÍCULO DE HISTÓRIA: UMA ANÁLISE DA LEI 11.645 DO CURRÍCULO BÁSICO DE HISTÓRIA DO RIO DE JANEIRO...................................................................................................................................670 “CAÇAR, PESCAR E VIVER NAS FLORESTAS”: REPRESENTAÇÕES DE ALUNOS DA REDE BÁSICA EM XINGUARA_PA ACERCA DOS POVOS INDÍGENAS......................674 IDENTIDADES INDÍGENAS, O CINEMA E O ENSINO DE HISTÓRIA: REFLEXÕES NECESSÁRIAS AO SABER HISTORIOGRÁFICO...............................................................679 IDENTIDADE NEGRA E ENSINO DE HISTÓRIA: RELATO DE EXPERIÊNCIAS EM SALA DE AULA.......................................................................................................................683 CURRÍCULO E DIVERSIDADE ÉTNICO-RACIAL NO ENSINO DE HISTÓRIA.............687 VOZES OCULTAS: RELAÇÕES DE GÊNERO E MEMÓRIA NA CONSTITUIÇÃO DE ARQUIVOS PESSOAIS............................................................................................................690 LIVROS DIDÁTICOS PARA O ENSINO DE HISTÓRIA E CULTURA AFROBRASILEIRA E INDÍGENA: INSTRUMENTO NECESSÁRIO PARA A APLICAÇÃO DE LEIS FEDERAIS.................................................................................................................................694 MOVIMENTO NEGRO BRASILEIRO(1889-1937): (IN) VISIBILIDADE NO ENSINO DE HISTÓRIA.................................................................................................................................700 RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS E SISTEMA DE COTAS (COR/ETNIA) NO BRASIL ATUAL......................................................................................................................................704 A EDUCAÇÃO PARA AS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS E O PAPEL DO ENSINO DE HISTÓRIA E CULTURA AFRO-BRASILEIRA E INDÍGENA..............................................708

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DIÁLOGOS ENTRE A HISTÓRIA E A GEOGRAFIA NA EDUCAÇÃO BÁSICA: RELATO DE EXPERIÊNCIA NA ESCOLA MUNICIPAL JOSINEIDE TAVARES (MARABÁ-PA) Ádila Cristiene Alves Vital Diego Armando dos Santos Mota Eliza Correa Santos Introdução Há 14 anos o ensino de história da África tornou-se obrigatório no currículo escolar. Porém, nesse período, pouco se avançou no debate interdisciplinar em sala de aula, deixando a história, muitas vezes, como a única ou principal disciplina encarregada de discutir a história e a cultura afro-brasileira na escola. Boa parte dessa dificuldade está na formação dos professores, que vem se mostrando, ainda incipiente no que se refere a esta temática. De acordo com as “Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico– Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana”: (...) Para obter êxito, a escola e seus professores não podem improvisar. Têm que desfazer mentalidade racista e discriminadora secular, superando o etnocentrismo europeu, reestruturando relações étnico-raciais e sociais, desalienando processos pedagógicos. Isto não pode ficar reduzido a palavras e a raciocínios desvinculados da experiência de ser inferiorizados vivida pelos negros, tampouco das baixas classificações que lhe são atribuídas nas escalas de desigualdades sociais, econômicas, educativas e políticas (...)” Esse relato de experiência fruto do projeto de pesquisa intitulado Programa de Apoio a Projetos de Intervenção Metodológica – PAPIM 2016, coordenado pelo Prof. Me. Janailson Macêdo Luiz (UNIFESSPA), que teve como principal objetivo apresentar ações, estratégias metodológicas voltados para a abordagem das relações étnico-raciais no âmbito da educação básica. Além de fazer um debate entre a história e a geografia dentro da temática das relações étnico-raciais. A escola de ensino fundamental Josineide Tavares, localizada no bairro Liberdade no município de Marabá no Pará foi uma das escolas trabalhadas pelo projeto. Pudemos desenvolver atividades junto as turmas de 6° ao 8° ano nas aulas de Geografia do professor Diego Armando dos Santos Mota, um dos autores do presente artigo, durante os 11 meses de aplicação do projeto. Para além da sala de aula, momentos de discussões e debates eram realizados todas as quintas-feiras na sala do N’umbuntu na Unifesspa com o professor coordenador do projeto, discentes de graduação e outros professores da educação básica. Essas atividades de estudos possibilitaram a organização e discussão 16

do planejamento das ações a serem desenvolvidas em sala de aula com alunos, também eram debatidos textos, filmes e trocas de experiências entre os componentes do grupo.

Metodologia Durante as primeiras aulas de geografia acompanhadas, na turma de 6° ano, o professor regente procurou fazer uma abordagem relacionando as teorias da criação do universo, como o big-bang, com a visão Iorubá de origem africana, sobre a criação do mundo. Tal método além de apresentar e ampliar aos alunos as diversas possibilidades de um início do universo, mostrou também a cosmovisão de religiões de matriz africana, contribuindo para os conhecimentos acerca da cultura afro-brasileira. Em outros momentos, com turmas de 7° ano, optou-se por fazer uma abordagem mais comparativa, trabalhando a geografia física do continente africano e do Brasil, fazendo um comparativo em relação aos biomas, as florestas, os rios, o que aproxima e o que afasta o nosso país de alguns países da África. Pôde-se perceber a grande participação e curiosidade por parte dos alunos no que tange o método comparativo naquilo que muitas vezes os faziam pensar ser o Brasil quando na verdade era um país do continente africano. Uma das ferramentas para se abordar a cultura afro-brasileira de maneira didática foi a apropriação das mídias sociais, como forma de pesquisa e disseminação do que se é trabalhado em aula. Alunos nessa faixa etária estão o tempo todo conectados, já que pertencem a uma geração onde tudo pode ser encontrado de maneira rápida e resumida, num simples clique, o que dificulta trabalhar com textos mais densos e detalhados. Nesse sentido, a constante atualização do professor se faz necessária para buscar métodos práticos e que instigam o interesse dos estudantes. Uma outra forma didática de se trabalhar é utilizando jogos e aplicativos eletrônicos, como o jogo Feitiço de Exú, como proposto por Ribeiro (2015). No debate das relações étnico-raciais, com enfoque na geografia, faz-se necessário um diálogo entre a realidade do aluno e a temática trabalhada. Por exemplo, trabalhar a história do bairro, bairro esse de maioria negra que se localiza numa zona periférica da cidade, relacionando com uma questão mais ampla como a geopolítica espacial. Ou a vinda de africanos escravizados para o Brasil e suas lutas ao longo dos anos. É importante que o professor sempre se atente para fugir dos estereótipos, a imagem do negro apenas como o escravizado acorrentado ou a imagem da África como país de miséria e doenças. Aliado a isso é de extrema importância a formação continuada de professores, a busca por atualizar-se e utilizar de métodos que contribuam para a diminuição das desigualdades e do preconceito a partir da sala de aula. Segundo Munanga (2005, p. 15) na apresentação do livro “Superando o racismo na escola”: Essa falta de preparo, que devemos considerar como reflexo do nosso mito de democracia racial, compromete, sem dúvida, o objetivo fundamental da nossa missão no processo de formação dos futuros cidadãos responsáveis de amanhã. 17

Resultados Após os primeiros momentos de debate sobre o tema em sala de aula, o professor junto aos alunos procurou desenvolver jogos de tabuleiro com a temática voltada a mitologia ioruba como produto final das discussões trabalhadas ao longo da disciplina. O mais interessante foi perceber o envolvimento de toda a turma na confecção do jogo, e com isso colocar em prática os conhecimentos adquiridos em sala de aula. O material foi produzido por eles, desde a narrativa, o cenário e os personagens ao percurso utilizado pelo jogador. Alguns limites foram encontrados no desenvolver dessa atividade como os materiais e ferramentas de impressão, tendo que ser adquiridos a partir de recursos particulares do professor Diego, a falta de espaço adequado para a produção dos jogos foi outro fator que prejudicou o andamento da atividade. A mesma atividade foi aplicada as turmas de 7° ano, um dos materiais didáticos e metodológicos desenvolvidos pelos alunos em sala de aula foi a criação e montagem desses jogos educativos com temática voltada aos assuntos trabalhados em sala, como a história da África, a Geografia física do continente e de seus países, vegetação, entre outros. Jogo da memória, caça-palavras, jogo de tabuleiro e de cartas são alguns exemplos do material desenvolvido pelos estudantes. Cerca de 100 alunos, entre turmas de 6º ao 9º ano foram envolvidos no projeto durante os dez meses de atividades. Os materiais e jogos produzidos ficaram à disposição da escola, na sala da biblioteca, podendo ser utilizados pelas demais turmas em outros momentos, seja durante uma discussão com temática voltada ao continente africano, seja em momentos de interação entre os alunos. O livro é um suplemento didático no que se refere ao ensino de história da África e cultura afro-brasileira

Considerações finais Diante dos resultados observados, podemos inferir acerca da importância do ensino da cultura africana e afro-brasileira de forma interdisciplinar em sala de aula, não só na manutenção da memória e identidade étnico-racial, mas também na luta contra a discriminação e o preconceito, além de assegurar o cumprimento da Lei 10.639/2003, ressaltando a preservação, reflexão e debates acerca da memória e identidade do povo brasileiro. Vale ressaltar a importância de um diálogo com todo o corpo escolar nas práticas educativas realizadas nas escolas. Apesar de alguns entraves, o projeto foi alcançando o resultado esperado, ampliando o debate acerca do tema, bem como desenvolver metodologias e materiais didáticos que sirvam como subsídios para os professores do ensino básico, promovendo também a reflexão e valorização do estudo e ensino da história dá África e cultura afro-brasileira.

Referências BRASIL. Lei 10.639, de 9 de janeiro de 2003. DOU de 10/01/2003. 18

BRANDÃO, A. P. (Coord.). Saberes e fazeres: modos de sentir - Rio de Janeiro: Fundação Roberto Marinho, 2006. (A cor da cultura, V. 2). MUNANGA, Kabengele (Org.). Superando o racismo na escola. Brasília: MEC, 1999. RIBEIRO, Cristhyane. Cayres, Victor; BRITO, Jailson de Brito; Souza, Tatiane Silva. Histórias da Criação - Resgate, Preservação e Disseminação da Cultura AfroBrasileira através de Jogos Eletrônicos. XIV SBGames, Teresina-PI, nov. 2015.

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ENSINO DE HISTÓRIA E O PATRIMÔNIO IMATERIAL: O MONGE JOÃO MARIA EM SÃO MATEUS DO SUL/PR – CRUZES, MEMÓRIAS, ÁGUAS SANTAS E CEMITÉRIOS DE ANJOS Alcimara Aparecida Föetsch Mário Sérgio Deina A História enquanto disciplina escolar é entendida, nesta proposição de reflexão, como instrumento provocador e instigador de profundas análises sociais, notadamente culturais. Neste sentido, o ambiente criado na escola permite um espaço ímpar de diálogo, descoberta, discussão e aprendizagem, onde problematizar o lugar de vivência e de pertencimento serve de motivação e suporte ao desenvolvimento de uma consciência histórica de valorização, respeito e preservação – trata-se do “se sentir parte”, do “ser integrante”. Neste sentido, se a problematização partir dos lugares vividos diariamente, carregados de simbolismo, pode impulsionar a dinâmica ensino/aprendizagem a partir da história local. Esta última é compreendida por Goubert (1992) como aquela que se refere a pequenos espaços, ou seja, “uma área geográfica que não seja maior do que a unidade provincial comum” (p. 70), ou ainda, entendida como uma porção do espaço – espaço, neste caso, dotado de identidade cultural (HALL, 2005). A história local se apresenta, assim, com um novo significado, destacando-se por ser autêntica e fundamentada, onde os espaços são transformados em lugares a partir das experiências vivenciadas, preenchidas de sentimentos, sensações, emoções e memórias individuais ou coletivas que os tornam “um recortado emocionalmente, nas experiências cotidianas” (MELLO, 1990, p.102). A vila, a comunidade, os locais de lazer e peregrinação emergem, dessa forma, como cenários supramateriais carregados de simbolismo e devoção. Ao se trabalhar o contexto local é possível estabelecer relação com acontecimentos mais abrangentes e espaços mais distantes, percebendo as interligações, tendo em vista que as regiões estão igualmente relacionadas com o nacional, o latino-americano e o mundial (SCHMIDT e CAINELLI, 2009, p. 138). No mesmo raciocínio, Barros (2004) destaca que compreender essas porções do espaço torna possível compará-los com outros espaços similares em um universo maior. Sendo assim, história local pode, dentre outros olhares, evidenciar a preocupação com a valorização do patrimônio cultural dos lugares. E é justamente neste sentido que aqui se propõe pensar uma relação entre o Ensino de História e a valorização do patrimônio cultural, neste caso, imaterial, dos lugares. O patrimônio cultural divide-se em bens materiais e imateriais (PELEGRINI e FUNARI, 2009, p. 27). Este último, o patrimônio imaterial, não se trata de um mero objeto e perceber sua significação só é possível de forma fluída, compreendendo-a como processo, como referência a partir de sua espacialidade e temporalidade. São os 20

ditos “bens culturais intangíveis” que, apesar de impossíveis ao toque, se evidenciam nas tradições, expressões, práticas e rituais, dada sua beleza, vitalidade e valoração. Declarações, convenções, recomendações, cartas patrimoniais entre outros documentos, buscam, ao longo do tempo, reconhecer, conceituar, atestar a importância e fornecer instrumentos normativos para salvaguardar o patrimônio da humanidade. No Brasil, a inclusão dos Artigos nº 215 e nº 216 na Constituição Federal é o que, de fato, garante o pleno exercício dos direitos culturais, sendo dever do Estado proteger tais manifestações. Dessa forma, ficou estabelecido que constituem o patrimônio cultural brasileiro tanto os bens de natureza material quanto os bens de natureza imaterial, em especial, as formas de expressão, de viver e os espaços destinados às manifestações culturais (BRASIL, 1988, Art. nº 216). Neste contexto, propõe-se dialogar sobre a forma com que o patrimônio imaterial pode contribuir no Ensino de História e como recorte espacial de análise, utiliza-se o município paranaense de São Mateus do Sul e sua forte relação com o Monge João Maria. Muito se fala e se ouve na região Sul do Brasil sobre esta figura mítica peregrina, os escritos vão desde poemas, músicas, dramatizações, relatos, contos e teorias sobre sua vida, passagens e desaparecimento. Na crença popular são predições, devoções, pregações, memórias e histórias de fé. Na paisagem são cruzes, árvores brotadas, olhos d´água, cemitério de anjos e lugares de peregrinação. Pregador de um catolicismo rústico, o Monge cultuava a natureza e defendia o amor ao próximo. Conhecedor profundo dos poderes da homeopatia, receitava chás e infusões que tratavam a população carente e distante da medicina. Andarilho viajante, levava e trazia informações sobre o mundo distante fortalecendo a crença em suas visões abençoadas. Conhecedor da Bíblia e de Deus, arrebanhava fiéis seguidores crentes em suas palavras de Salvação. E assim, durante décadas em São Mateus do Sul, foi se construindo a crença e fortalecendo a fé em São João Maria, não mais Monge peregrino, agora Santo dos altares. Um Santo que foi visto, ouvido e tocado por avós, pais, familiares e amigos, uma figura do povo ao alcance de todos. Multiplicam-se as histórias contadas que evidenciam a importância desse personagem no município, apesar de muito ter se perdido com o tempo, as memórias ainda estão na lembrança de quem as reconta com um sentimento de devoção único, singular e marcante. Quase é possível ver, através dos olhos de quem conta, a imagem nunca por estes vista, mas que é tão sagrada quanto a fé que a alimenta. Impossível mapear todos os lugares de passagem, pousio, peregrinação e pregação do Monge, muitos já se perderam com o tempo, sobretudo, com o avanço do desmatamento, da agricultura e da urbanização. Somam-se a isso as memórias perdidas que eram vivas somente na recordação dos que já faleceram ou não deram conta de transmiti-las. As marcas no espaço são o patrimônio material, edificado e construído como local de devoção; as memórias são o patrimônio imaterial criado e alimentado para dar suporte à crença. A junção destes, materialidade e imaterialidade, é o que dá alma aos lugares tornandoos espaços de práticas individuais e coletivas carregadas de simbolismo e significado. Fato é que com o tempo os lugares associados ao Monge no município pesquisado foram formando um verdadeiro mapa da cultura popular, uma cartografia mística dos lugares da memória. Essas lembranças, cultos e referências fazem parte do cotidiano do município de São Mateus do Sul e podem se apresentar como uma importante ferramenta no Ensino de História, a partir da história local. Nas palavras de Bittencourt 21

(2004), o professor, ao recorrer a vestígios e fontes históricas nas aulas de História favorecendo o pensamento e desenvolvendo a autonomia intelectual permite que o aluno realize análises críticas da sociedade e de seus lugares de vivência. Muitos desses alunos conhecem as crenças e os lugares associados ao Monge e utilizar dessas referências pode se apresentar como um interessante recurso didático para se problematizar o tempo e o espaço, apontando vários outros elementos, fatos e acontecimentos que contribuíram para a formação sócioespacial do município e da região. Destacando que, neste sentido, o “patrimônio, antes restrito ao excepcional, aproximou-se, cada vez mais, das ações quotidianas, em sua imensa e riquíssima heterogeneidade” (PELEGRINI e FUNARI, 2009, p. 30). Acrescentando que, segundo Brodbeck (2012), conhecer o aluno e suas experiências é fundamental para o bom encaminhamento das aulas, pois permite ao professor viabilizar, socializar e sistematizar esses conhecimentos, em processo de construção coletiva, levando o aluno a elaboração e ao domínio de conceitos que irão se formando, se ampliando e ganhando novos significados, numa relação dinâmica com outros conceitos e processos históricos (p.18). E assim, o Ensino de História pode, partindo dos lugares de vivência da história local, utilizar da mística, do simbolismo e das crenças uma vez que a proteção deste patrimônio “está diretamente vinculada à melhoria da qualidade de vida da população, pois a preservação das memórias e das identidades é uma demanda social tão importante quanto qualquer outra” (PELEGRINI, 2009, p. 32).

Referências Bibliográficas BARROS, J. D'A. O campo da História: especialidades e abordagens. Petrópolis, RJ: Ed Vozes, 2004. BITTENCOURT, M. C. Ensino de história: fundamentos e métodos. São Paulo: Cortez, 2004. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, Senado, 1998. BRODBECK, M. de S. L. Vivenciando a História- Metodologia do Ensino de História. Anos Finais do Ensino Fundamental Regular. Curitiba: Base Editorial, 1ªed, 2012. GOUBERT, P. História Local. In: História e Perspectivas. Uberlândia, nº 6 (p. 45-47), Jan/Jun, 1992. HALL, S. A identidade cultural na pós-modernidade. Trad. Tomaz da Silva, Guacira Lopes Louro. 10 ed. Rio de Janeiro; DP & A, 2005. MELLO, J. B. F. de. Geografia Humanística: A perspectiva da experiência vivida e uma crítica radical ao Positivismo. In: Revista Brasileira de Geografia. Rio de Janeiro, (p. 91-116), 1990.

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PELEGRINI, S. C. A.; FUNARI, P. P. A. O que é patrimônio cultural imaterial. São Paulo: Brasiliense, 2008. (Coleção: Primeiros Passos, nº. 331). PELEGRINI, S. C. A. Patrimônio cultural: consciência e preservação. São Paulo: Brasiliense, 2009. SCHMIDT, M. A.; CAINELLI, M. Ensinar História. Ed Scipione, São Paulo, 2009.

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EDUCAÇÃO PATRIMONIAL E MEMÓRIA NA ESCOLA Alex Juarez Müller A educação patrimonial efetiva “é dialógica, reflexiva e crítica, que contribui para a construção democrática do conhecimento e para a transformação da realidade. Isso implica conceber o patrimônio cultural como um elemento social inserido nos espaços de vida dos sujeitos” (TOLENTINO, 2016, p. 38). O que a educação patrimonial não é? De acordo com Tolentino (2016) a educação patrimonial não é cinco falácias: 1 - educação patrimonial não é um instrumento de alfabetização cultural, pois isso coloca a cultura como superior à outra; 2 - educação patrimonial não surgiu, no Brasil, somente nos anos 1980, pois a relação de educação e patrimônio está presente nos museus desde o século XIX; 3 - educação patrimonial não é conscientizar para preservar, se fosse assim não seriam preservados em sua maioria os bens de herança europeia; 4 - educação patrimonial não é apenas para os bens tutelados pelos Estado, é preciso o compromisso com a diversidade cultural; 5 - educação patrimonial não é apenas conhecer por si só, para garantir a preservação é preciso conhecer o patrimônio de uma forma crítica. A educação patrimonial dialógica, reflexiva e crítica é aquela que atenta para os anseios do presente. Esse tratamento implica em seguir uma ordem sugestionada por Cuesta (2010) que é: problematizar o presente, pensar historicamente, educar o desejo, aprender dialogando e impugnar os códigos pedagógicos e profissionais (p.29). Portanto o ponto de partida na escola não são propriamente bens culturais já consolidados, mas as memórias do presente que necessitam ser problematizadas historicamente, para isso é preciso superar modelos já formatados de organização escolar, inclusive, indo além dos muros escolares e buscar pistas nas comunidades que rodeiam, como já destacamos anteriormente. A escola se transforma no encontro desse processo, onde as memórias são tratadas historicamente e coletivamente, elas são intermediárias entre os indivíduos e as marcas culturais presentes nos lugares. Importante ressaltar que essas memórias passaram por relações de poder através de lutas e classificações que resultaram em fronteiras entre o visível e o não visível (BOURDIEU, 1989), assim o patrimônio não é estável e neutro e logo a educação patrimonial não pode simplesmente conscientizar para preservar, mas problematizar como os bens culturais são apropriados de maneira desigual (TOLENTINO, 2016). A problematização das memórias não é só tarefa de alunos, mas também da comunidade e dos professores, pois o entendimento histórico não deve ser apenas de um grupo, mas todos que fazem parte daquele espaço necessitam estar engajados, fundamentalmente aqueles docentes que permanecem resistentes em romper com o código disciplinar escolar. A alternativa é buscar novos cenários que constituem em novas vozes, novos 24

textos, novas imagens e novas memórias almejando a desescolarização do conhecimento e a desprivatização do público através da introdução da educação dos problemas sociais relevantes que nos preocupam dentro e fora das aulas (CUESTA, 2010). Romper o código escolar é romper com os métodos convencionais que ainda lembram a escola a serviço da construção nacional do período Vargas, é sair da convencionalidade de que conhecimento ocorre somente em sala de aula a partir de profissionais diplomados e hierarquizados em categorias de níveis diversos (VIÑAO, 2002). Longe de querer descontruir o papel social do professor, entretanto é digno que a docência olhe para o presente e proporcione a problematização das diversas realidades que alunos e seu entorno carregam consigo. Abrir um canal direto de diálogo com o público escolar é um bom começo, inclusive já perdi a contagem correta de quantos alunos já mencionaram que sentem falta de professores que tenham paciência, que estejam dispostos a ouvir e conversar e que fujam do convencional “senta e copia”. Usar e abusar da escola como ponto de encontro das diferentes memórias, fazer com que os alunos tragam suas vivências para dentro da aula de forma a serem tratadas através da crítica coletiva, situação que faz com que os próprios colegas se conheçam e possam saber sobre o outro. A partir da memória dos alunos é possível o (re)conhecimento de suas vidas e ampliar a noção de fontes além do tradicional tripé livro, quadro e professor. Fazer com que tragam documentos diversos como fotografias, certidão de nascimento, objetos diversos (roupas, brinquedos, etc.) e relatos orais (pais, avós, etc.) possibilitam a problematização sobre suas realidades. A educação patrimonial pode auxiliar no processo de identificação dos alunos e da comunidade com a escola e vice-versa, auxiliando no entendimento que o patrimônio presente é de todos e que sua manutenção depende da coletividade, superando a falácia que patrimônio é necessariamente um bem cultural tutelado pelo Estado, podendo ser também qualquer equipamento social que esteja disponível aos grupos sociais. Isso acontece quando a comunidade está dentro da escola e a escola dentro da comunidade, onde a educação patrimonial traz para a aula as memórias, problematiza, faz o trabalho de contramemória e retorna para a comunidade escolar. Superar o conjunto de normas e saberes inertes ao longo do tempo por culturas escolares peculiares a cada instituição de ensino (VIÑAO, 2002) exige desprender-se da sala de aula como único espaço de diálogo, assim é importante ensinar os alunos e professores a problematizarem o bairro. Digo problematizar porque ambos já conhecem o espaço que estão, pois transitam por ele para chegar a escola, porém nunca fizeram o serviço de contramemória. A educação patrimonial possibilita realçar os bens patrimoniais materiais e imateriais presentes nos lugares, mas antes disso, constrói significados sociais para grupos esquecidos e permite reconhecer e discutir como é a paisagem que estão inseridos e entrar em temas como saneamento básico, exploração do meio ambiente, quais sãos equipamentos públicos existentes no bairro, o perfil da população, organização do espaço urbano, entre outros. Atos de violência com os lugares e com as pessoas que ali estão deixam de ser praticados quando se descortina o pertencimento escondido dos indivíduos com suas comunidades. 25

A Educação não acontece somente dentro da escola e educação patrimonial não ocorre somente na disciplina de história. A educação pode envolver todas as áreas do saber, a comunidade e outros espaços oficiais e não-oficiais que possibilitam a educação patrimonial dialógica, reflexiva e crítica. Uma educação cidadã que busque a autodeterminação dos sujeitos e que distancie-se de culturas escolares enrijecidas nos seus códigos hierarquizados é bem-vinda. O diálogo amplo, reflexivo e crítico permite a abertura para outros espaços, como museus, centros culturais, diferentes áreas urbanas e rurais. A educação patrimonial não ocorrerá nesse caso de forma dada e muito menos passiva, pois se o trabalho de contramemória for realizado previamente possibilitará a problematização dos espaços visitados. Os novos espaços podem ser inclusive virtuais como a ferramenta Google Art Project, que nos mostra a importância da fotografia como documento como por exemplo, no uso das imagens do Museu Afro Brasil localizado em São Paulo. Por meio das imagens do museu podemos levantar diversas discussões atuais como: a questão das cotas raciais na educação, condição da população afrodescendente no Brasil na atualidade, o trabalho escravo na construção do Brasil, História da África e religiosidade afro-brasileira, herança cultural na música (pagode, samba, hip hop, funk, rock n roll), entre outros. O museu de hoje não deve ser o museu de ontem, ou seja, instituições voltadas unicamente para o ensino das ciências físicas, história natural, do estudo das grandes coleções e da legitimação de elites locais ou da nação (Gil & POSSAMAI 2014, POSSAMAI 2010). Assim, as instituições museológicas necessitam tratar das memórias através de processos educativos, inclusive podemos citar exemplos: as ações educativas do Centro Histórico Cultural Santa Casa que oferece uma oficina através do lixo arqueológico; e o serviço de educação patrimonial oferecido pelo Arquivo Público do Estado Rio Grande do Sul com os documentos da ditadura civil-militar e com a caixa pedagógica contendo documentos da escravidão. Um espaço pertinente é o Instituto Inhotim, localizado em Brumadinho/MG, onde é possível analisar diferentes paisagens. O Inhotim nos permite pensar sobre a arte contemporânea, a fauna e a flora do Brasil. É possível em cada região buscar um espaço de contemplação e análise da paisagem, não sendo necessariamente um parque. Até mesmo os nomes que os lugares carregam são fontes de interpretação e problematização, como por exemplo, Região das Hortênsias, na Serra Gaúcha, que lembra uma planta asiática e Morro Ferrabrás, em Sapiranga/RS, nome de um monstro sarraceno de lendas medievais árabes – europeias. Os museus locais também são excelentes equipamentos culturais para dialogar, refletir e problematizar o presente através da contramemória, pois habitualmente esses espaços reproduzem uma história narrada de forma cronológica com referência a determinados grupos sociais demonstrando o jogo de poder envolto na região. Nesse caso, é pertinente tratar a memória como fonte, como algo a ser problematizado, caso contrário a visita pode se tornar em apenas uma reprodução e perpetuação do que já existe. O bairro da escola também é um museu, mesmo que informal, onde os olhares podem extrais muitas informações que permitem conhecer os ofícios locais, entender a 26

dinâmica econômica através de comércios e indústrias, identificar lugares que sofrem com a violência urbana e discutir para compreender os problemas e agir com soluções possíveis. Os espaços de memória estão presentes em distintos lugares, desde ambientes privados a um indivíduo ou um grupo seleto de pessoas ou a lugares públicos como uma rua ou praça. A educação patrimonial permite problematizar essas fontes que se deparam na escola e no seu entorno, portanto, ela não é um método pronto como uma receita de bolo, cada lugar tem sua dinâmica social e requer a sua crítica própria. Aos docentes, ela proporciona ultrapassar os muros escolares e, aos alunos e comunidade, compreenderem que são sujeitos que possuem o seu patrimônio cultural à espera da sua própria crítica. Em vista disso, a educação patrimonial traz a necessidade da discussão regional e nacional da reorganização dos conteúdos curriculares, já proposta pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC), como forma de reconhecer a importância dos anseios locais e retirar do silenciamento e da invisibilidade as memórias dos grupos sociais, portanto a escola encontra-se no entreposto onde pode ser realizado esse trabalho de contramemória.

Referências Bibliográficas BOURDIEU, Pierre. O Poder Simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1989. CUESTA, Raimundo. Antología de una década: artículos de Raimundo Cuesta (20002010). Memoria, Historia y Didáctica. Salamanca: 2010. Disponível em: < http://www.nebraskaria.es/wp-content/uploads/2016/08/Antolog%C3%ADa-de-unad%C3%A9cada.pdf > Acessado em jan/2017. GIL, Carmem Zeli de Vargas; POSSAMAI, Zita Rosane. Educação patrimonial: percursos, concepções e apropriações. MOUSEION, Canoas, n. 19, dez., 2014, p.13-26. POSSAMAI, Zita Rosane. “Lições de coisas” no museu: o método intuitivo e o museu do Estado do Rio Grande do Sul, Brasil, nas primeiras décadas do século XX. Anais do VIII Congresso Luso-brasileiro de história da educação. São Luís: 2010. TOLENTINO, Átila Bezerra. O que não é educação patrimonial: cinco falácias sobre seu conceito e sua prática. In: TOLENTINO, Átila Bezerra; BRAGA, Emanuel Oliveira (Orgs.). Educação patrimonial: políticas, relações de poder e ações afirmativas. João Pessoa: IPHAN-PB; Casa do Patrimônio da Paraíba, 2016. VIÑAO, Antonio. Sistemas educativos, culturas escolares y reformas: continuidades y câmbios. Madrid: Ediciones Morata: 2002.

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A IMPORTÂNCIA E OS LIMITES DOS LIVROS DIDATICOS DO ENSINO FUNDAMENTAL E ENSINO MÉDIO: UMA ANÁLISE DO PIBID SOBRE A LEI 10639/03 Aline dos Santos Oliveira Luciene Alves Fernandes O presente trabalho consiste em uma pesquisa de análise dos livros didáticos de Alfredo Boulos Júnior, utilizados pelos alunos do Ensino Fundamental II e Ensino Médio, do Colégio Estadual Tereza Borges de Cerqueira, Caetité- BA. A referente pesquisa foi desenvolvida pelos bolsistas de Iniciação à Docência no Subprojeto “A Formação Inicial do Professor de História e sua Atuação na Escola Básica: o ofício do historiador na docência” / PIBID/ Capes. E tem como objetivo compreender como autor trabalha os conteúdos das temáticas africana e afro brasileira nas duas modalidades de ensino acima citada, analisando as interfaces com a constituição das memórias e das representações relacionando-se com a demanda necessária a partir da obrigatoriedade da Lei 10.639/03 para Educação Básica A atuação dos bolsistas de Iniciação à Docência, no Projeto PIBID/CAPES, tem sido uma oportunidade aos acadêmicos dos cursos de licenciaturas em adquirir experiência voltadas para a sala de aula a partir da prática da docência acompanhada. No caso mais específico do PIBID de História vale ressaltar o subprojeto: “A Formação Inicial do Professor e sua Atuação na Escola Básica: O Oficio do Historiador” que propicia aos bolsistas participação, experiências metodológicas por meio da prática de caráter inovador e interdisciplinar identificados no processo de ensino à aprendizagem. Nesse sentido, de identificarmos o processo de ensino aprendizagem, e percebermos a importância do livro didático, partindo da análise de SILVA(2001) e FAGE( 1982) que criticam os conteúdos eurocêntricos e superficiais da História da África nos livros didático, entrelaçamos o estudo que (Lajolo, 1996), faz quanto a importância dos mesmos no que tange aos mecanismo na homogeneização dos conceitos, conteúdos e metodologia educacionais, no entanto, ela também deixa claro, que ainda há lacunas nos livros didáticos, pois estes “apresenta conteúdos fragmentados para tornar acessível à compreensão do aluno”, e percebemos um agravamento maior ao se tratar dos conteúdos referente continente africano. Dessa forma, a reflexão sobre o subprojeto, já citado, tem fomentado nossa inquietação quanto ao papel que devemos desempenhar frente aos mais diversos problemas enfrentados na construção do conhecimento histórico em sala de aula. É nesse pressuposto que parte a nossa ação – analisar como Alfredo Boulos Júnior trabalha a História da África. Nesse cenário, cabe ao nosso olhar de professor/historiador analisar os conteúdos das temáticas africanas e afro brasileira no âmbito do Ensino Fundamental 28

II e do Ensino Médio, verificando qual a importância e os limites desses conteúdos nos livros de História adotados pelo Colégio Estadual Tereza Borges de Cerqueira. Este trabalho foi realizado em parceria com a supervisora Jumara Carla e as bolsistas de iniciação à docência Aline Santos e Luciene Fernandes. Ao se debruçar na análise minuciosa da Lei: 10639, de 09 de janeiro de 2003, “Art. 26 A” que torna obrigatório nos estabelecimentos de Ensino Fundamental e Médio, oficiais e particulares o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira, deixando nítida a obrigatoriedade que o ensino passa a ter com os conteúdos sobre a matriz negra africana na constituição da nossa sociedade no âmbito de todo o currículo escolar. Nesse sentido, vale ressaltar que mesmo com a obrigatoriedade muitos dos professores nas mais diversas disciplinas não exploram conteúdos referentes a essa temática, deixando muitas vezes o conteúdo evadir quando o mesmo se encontra embutido no livro didático. Estes apresentam-se cheios de lacunas, distorções e estereótipos de fome, miséria e doenças reforçado as nas imagens dispostas nos conteúdos. Analisando os livros de história do Ensino Fundamental de autoria de Alfredo Boulos, diagnosticamos que ele aborda várias temáticas do continente africano, no entanto, é muito superficial, não há um aprofundamento e dessa forma deixa algumas lacunas. Como exemplo, o livro do Ensino Fundamental do 6º ano onde ele traz 11 capítulos dentre eles, 3 aborda sobre o continente africano. Já no livro do 7º ano somente um capítulo é destinado a esse conteúdo abordando sobre a África antes dos europeus. No livro do 8º ano uma temática interessante que ele aborda é a relação do presente com o passado, através das máscaras de flanges, comparando a máscara utilizada por uma escrava e atualmente pelos artistas da Banda Didá, no entanto, não explora questionamentos nessa relação. O que pode ser compreendido como uma deixa para que o professor explore outros recursos, utilize de outras metodologias para incitar um debate tão rico ou pode também acontecer o contrário o professor vendo o livro como uma “muleta” deixa passar despercebido essas nuances do continente africano. Outro fato notório é com relação aos livros do 9º ano, onde os mesmos traz pouca referência sobre a temática do continente africano, ilustrando somente a Independência da África nos dezessete capítulos o que fica também evidenciado em apenas um e o que é pior somente a metade desse capítulo é que contempla os conteúdos do continente africano e em uma mísera folha no capítulo dezesseis menciona o levante popular na África e no Oriente Médio, oportunidade esta que terá o professor de História de associar essas realidades com a brasileira, num período de crise que passamos. Quantos aos livros de História do Ensino Médio é perceptível que o autor traz nos três volumes questões extremamente importantes sobre a África, que demandam uma enorme discussão sobre o assunto, quando ele traz a questão da formação política africana, os africanos no Brasil: dominação e resistência e a Independência da África faz uma breve referência, na qual cada conteúdo é explorado em um número muito pequeno de páginas com capítulos extremamente sucintos e o que é pior ainda, que no Ensino Médio os alunos são contemplados com apenas duas aulas semanais. Dessa forma, de um modo geral diagnosticamos nos livros Boulos uma eventual referência da África com temáticas de suma importância e que não eram abordados em volumes anteriores de outros autores, porém é interessante pensar que ele deixa algumas 29

lacunas e temáticas que deveriam ser trabalhadas e exploradas como por exemplo: os sujeitos africanos, o cotidiano, a religiosidade de um povo. Nessa perspectiva, o livro didático não deve ser um fiel escudeiro do professor, onde nele se apoiam e depende única e exclusivamente de o livro didático para poder compreender e repassar o conteúdo para os alunos, pois, a importância atribuída ao livro didático em toda a sociedade faz com que ele acabe determinando conteúdos e condicionando estratégias de ensino, marcando de forma decisiva o que se ensina e como se ensina, o que se ensina (LAJOLO, 1996, p. 4). É nesse sentido, que faz necessário uma tomada de consciência por parte dos professores, ao planejar suas aulas buscar outros recursos para que os alunos possam ver o conteúdo de forma diversificada, mas como também possa inserir no ambiente escolar um debate crítico e coerente do mundo que o cerca. Ao concluirmos o trabalho de análise do livro didático do autor Alfredo Boulos Júnior, percebemos sim, uma preocupação na inserção dos conteúdos africanos, este fato pode estar relacionado as seleções que os livros passam no Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) para ser aprovado e comercializado. Outro fator pode estar relacionado a aprovação das leis: 10.639/03 e 11.645/08 que promove a obrigatoriedade do ensino da História Afro brasileira nas instituições escolares. No entanto, mesmo que de forma muito detalhada e pouco problematizada os conteúdos são dados cabendo aos professores um bom planejamento para ampliar, reforçar, problematizar esses assuntos.

Referência bibliográfica: BARROS, José D’Assunção. A escola dos Annales e a crítica ao positivismo e ao historicismo. In: Revista Territórios e Fronteiras V.3 N.1 – Jan/Jun 2010. BOULOS, Júnior, Alfredo. História sociedade e cidadania- Edição reformulada, (Coleção do Ensino Fundamental II e Médio). – 2.ed.- São Paulo: FTD, 2012. BRASIL. Marcos Legais da Educação Nacional. Brasília, DF: Ministério da Educação, 2007. DIRETRIZES Curriculares Nacionais para a educação das relações étnico-raciais e para o ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana. Brasília, DF: MEC, 2004. FAGE, J. D (1982). “A evolução da historiografia africana”. In J. Ki-Zerbo (org.), História geral da África: metodologia e pré-História da África. vol. I. São Paulo/Paris, Ática/ Unesco, pp. 43-59. LAJOLO, Marisa. Livro didático: um (quase) manual de usuário. Em Aberto, Brasília, n. 69, v. 16, jan./mar. 1996. MEGID NETO, J.; FRACALANZA, H. O livro didático de ciências: problemas e soluções. Ciências e Educação, Bauru – SP, v. 9, n. 2, p. 147-157, 2003 30

SILVA, Maria Aparecida da. Formação de educadores/as para o combate ao racismo: mais uma tarefa essencial. In: CAVALLEIRO, Eliane (Org). Racismo e anti-racismo na educação: repensando nossas escolas. São Paulo, Summus, 2001. SILVÉRIO, Valter Roberto. Síntese da coleção História Geral da África: século XVI ao século XX/ coordenação de Valter Roberto Silvério e autoria de Maria Corina Rocha e Muryatan Santana Barbosa.- Brasília: UNESCO, MEC, UFSCar, 2013.

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A HISTÓRIA DA ESTRADA DO COLONO E A HISTÓRIA REGIONAL Aline Karine Nunes A “estrada do colono” pode ser chamada também de “caminho do colono”, é uma estrada de chão batido e terra vermelha. Sua localização geográfica é conhecida nacionalmente, pois, situa-se dentro do Parque Nacional do Iguaçu no Estado do Paraná. Sua história é contada pelo povo que mora na região de geração em geração e contada por quem teve a oportunidade de realizar a travessia pela estrada dentro do Parque Nacional do Iguaçu. A estrada possui de 8 a 12 metros de largura, e 17 km de extensão, e liga as regiões do Oeste e Sudoeste do Paraná, interligando as cidades de Serranópolis do Iguaçu e Capanema. A estrada do colono tão antiga que em 1533 fez parte do Caminho do Peabiru, utilizada pelos índios Guaranis e padres jesuítas. E durante o período de 1887 até 1903, a estrada do colono foi utilizada para a demarcação da fronteira entre o Brasil e a Argentina. De acordo com o relato do general João Alberto Lins de Barros no seu livro “Memórias de um Revolucionário” diz que em 1925 a Coluna Prestes passou pela estrada do colono. Há relatos em livros de que a estrada do colono foi aberta pela Coluna Prestes na metade da década de 1920 e utilizada na década de 1930, antes mesmo da criação do Parque Nacional do Iguaçu. A partir de 1940, muitos colonos do Rio Grande do Sul utilizaram este caminho para povoar as regiões Oeste e Sudoeste do Paraná. Naquela época, a estrada tinha suas vantagens, pois, os colonos que viviam no Oeste economizavam tempo com suas viagens, traçando um caminho no meio da mata e no meio do Rio Iguaçu para poder chegar ao Sudoeste tendo acesso à cidade de Capanema. Em meados da década de 50, a estrada do colono foi utilizada por colonizadores italianos e alemães. A estrada do colono foi chamada assim, porque quem fazia a travessia eram os colonos e os mesmos utilizavam a estrada no meio do Parque Nacional como um atalho e atravessar de barco o Rio Iguaçu até chegar ao outro lado. Compreende-se assim que a estrada era utilizada na época sem nenhuma lei existente, e quem cuidava da preservação da fauna e da flora eram os colonizadores mais próximos. Sendo assim, com o passar dos anos ocorreu à primeira ordem para o fechamento da estrada do colono, que foi o primeiro Plano de Manejo do Parque, publicado durante o Governo Militar. A estrada funcionou ilegalmente por mais de 40 anos, até o seu fechamento no dia 12 de Setembro de 1986 por uma Liminar de um ambiental onde questionava a questão do asfaltamento da estrada. Com o fechamento da estrada em 1986, foram fechadas todas as guaritas de acesso e até mesmo a de fiscalização. Muitos conflitos ocorreram em maio de 1987, cerca de 1.500 pessoas ocuparam a estrada. No dia 13 de Maio do mesmo ano, reuniram mais de 50 mil pessoas nas duas extremidades da estrada, fazendo em seguida uma caminhada pela 32

estrada. Uma nova Liminar no dia 27 de Maio de 1987, proporcionou a reabertura da estrada pelo período de 23 dias. Esse tempo foi suficiente para conseguir o cascalhamento da estrada e colocá-la em funcionamento novamente em 1997, até outubro de 2001. (DALLO, 1998) Durante a reabertura da estrada, ocorria tudo bem, as cidades de acesso a estrada do colono, tanto Capanema quanto Serranópolis mantinham uma economia em alta. Na cidade de Capanema o comércio estava em destaque, principalmente nas extremidades onde a balsa parava para que os carros de pequeno porte subissem para fazer a travessia do Rio Iguaçu. Neste mesmo período, houve uma ação com mais de 400 Policiais Federais para interditar e conseguiram fechar a estrada em 2001. No dia 03 de outubro de 2003, ocorreu um novo conflito envolvendo a estrada do colono, seria esta mais uma tentativa forçada de reabertura da estrada ilegalmente. No dia 08 de outubro do mesmo ano, a Polícia Federal cumpriu a decisão judicial, e retomou a estrada utilizando apoio e agentes convocados para a operação. O início do conflito dessa vez foi devido a uma balsa que estava sendo soldada em Capanema para viabilizar a travessia dos veículos pelo Rio Iguaçu. E mesmo com a desocupação do Parque, a justiça manteve a exigência de apreensão e destruição da balsa que os manifestantes haviam transportada para a praça central da cidade sobre o argumento de que ela simbolizava o “movimento de resistência” diante do fechamento da estrada do colono. Uma balsa inacabada motivou o confronto entre cerca de 150 policiais e 1.500 moradores de Capanema. No desfecho da desocupação da estrada do colono, oito manifestantes foram hospitalizados e mais cinco ficaram feridos. O conflito entre policiais e moradores que se recusavam a entregar a balsa, começou perto da meia noite. A polícia tentou isolar a área onde estava a embarcação, mas o grupo de moradores reagiu e o tumulto se alastrou. E durante quase uma hora policiais atiraram, e alguns deles de helicóptero atirando com balas de borracha e bombas de efeito moral nos manifestantes com o objetivo de acabar o movimento de resistência. Após o confronto os manifestantes ficaram intimidados e não houve nenhuma reação. No dia seguinte os policiais retiraram a balsa da cidade. Ocorreram ameaças a população por parte dos policiais porque um cidadão capanemense tentou reagir com palavras sobre impostos, e ainda argumentou que nós cidadãos pagamos os impostos, e mesmo não sendo um desacato a autoridade, este cidadão acabou sendo algemado e foi preso por desacato a autoridade. Com o fechamento da estrada em 2001, os municípios de Capanema e de Serranópolis do Iguaçu sofreram grandes impactos econômicos, porque antes lucravam com o comércio. Atualmente quem volta para visitar a cidade e a antigo porto da travessia da estrada tem a impressão de ser um local fantasma, pois, está tudo abandonado e ficou como era desde o fechamento da estrada. Sendo assim, o fechamento da estrada está marcado para sempre na história de Capanema com a explosão da balsa em 2003, finalizando assim a história do caminho do colono.

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Referências Bibliográficas DALLO, L. Caminho do Colono: Vida e Progresso. 2ª ed., Francisco Beltrão: Grafit, 1998. LINS DE BARROS, J. A. Memórias de um Revolucionário. 1.° parte: A Marcha da Coluna. Rio de Janeiro, Ed. Civ. Brasileira, 1953. MARIN, R. De sol e lua, por onde anda: fatos e personagens da história de Medianeira e região. 1ª ed., Santa Maria: Gráfica Palotti, 2003.

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ENSINO MULTICULTURAL: CULTURA JAPONESA EM SALA DE AULA Ana Paula Bührer Gonçalves Este texto tem como objetivo discutir a importância de um ensino de história multicultural tendo como ponto de partida a experiência obtida em estágio realizado no CEEBJA (Centro Estadual de Educação Básica para Jovens e Adultos), no município de União da Vitória, estado do Paraná, tendo como temática a cultura japonesa. O ensino multicultural tem como objetivo integrar diferentes culturas e diferentes grupos sociais, levando em conta tanto a cultura nacional quanto a cultura individual, já que os sujeitos que integram as sociedades serão influenciados e influenciarão aspectos culturais, adequando-se a sua própria maneira, como afirma Schmidt (2011), a cultura é um conjunto ou um produto da experiência humana e é através dela que a humanidade se manifesta como existência. De acordo com Ramos (2007) o multiculturalismo desenvolve-se através da globalização que tem como forma de difusão as relações de poder e as interações culturais, essas relações e interações geram uma supremacia de uma cultura em detrimento da outra, com isso, a globalização presume a negação dx “outrx”, e essx “outrx” é aquele que resiste a essa supremacia cultural e é a partir dessa resistência que o multiculturalismo nasce, para que esse sujeito oprimido e marginalizado socialmente tenha voz, pensar de forma multicultural é pensar que todxs devem ser inseridxs de forma justa e igualitária. Assim, a autora afirma que o multiculturalismo é uma postura ética, sociopolítica que transforma a economia, a política, a cultura e gera a possibilidade de compreender a diversidade, reconstruindo as ordens sociais impostas partindo do ponto de vista dx oprimidx. Para Rüsen (2015) existe uma necessidade de humanismo para que possamos compreender que vivemos em um mundo globalizado, no qual existem as interações sociais e as relações de poder, mas que ainda assim as sociedades conseguem manter suas particularidades, das quais devem ser apreendidas e respeitadas. Sendo assim, o ensino deve integrar diferentes sociedades e diferentes grupos sociais, sejam eles, homossexuais, heterossexuais, mulheres, homens, cis ou trans, pobres, ricos, negros, indígenas e brancos. Dessa forma, o ensino multicultural é pensar na pluralidade de culturas e sujeitos, na tentativa de reconstruir as estruturas sociais a partir da visão dx oprimidx, não apenas aqueles que possuem uma cultura diferente, mas também para xs estudantes que estão inseridos nesse meio, tanto como sujeitos que agem culturalmente como sujeitos que são oprimidos socialmente. Fonseca e Silva (2007) declaram que o ensino multicultural é uma crítica ao sistema tradicional de ensino brasileira que exclui pessoas e que aprofunda as relações dos setores dominantes nas sociedades, o multiculturalismo rejeita a escola excludente 35

defendendo o ensino para todxs, com isso busca criar um sentido, fazendo com que o ensino se torne algo que faça a diferença na vida daquele que aprende, criando possibilidades para o sujeito saiba como agir em relação às diferentes culturas, diferentes sujeitos sem levar em conta estereótipos marcados pelo preconceito, associando a vida prática com a instituição de ensino. E é a partir dessa teoria que o estágio foi realizado. Os CEEBJAs ou EJAs são instituições de ensino que tem como objetivo atender jovens e adultos, que por diversos motivos, não concluíram a sua formação nas escolas regulares, com isso, xs estudantes da turma em questão possuíam a idade entre 15 e 18 anos. O tema, cultura japonesa, foi abordado de forma ampla, mostrando diferentes aspectos da cultura. Pensando em uma melhor forma de desenvolvê-lo, foi dividido em etapas: cultura pop (mangás, animes, filmes e jogos), mulheres na sociedade, honra e suicídio e por fim tatuagens com ênfase na máfia Yakuza, problematizando pontos positivos e negativos a cerca do Japão, aproximando esta com a cultura brasileira, para que xs alunxs pudessem perceber as diferenças e semelhanças entre elas. O objetivo em torno desse tema seria a formação de respeito à diversidade de culturas, sujeitos, vivências e realidades, buscando o debate sobre uma cultura que está distante, porém temos acesso a aspectos dela. A escolha dessa divisão dá-se por conta da aproximação e comparação com a cultura brasileira. Através do tema cultura pop, por exemplo, buscou-se mostrar como o Japão faz uso desses meios de entretenimento para demonstrar aspectos de sua cultura geral em diferentes temporalidades, como por exemplo, lendas, vestuário, alimentação, relação com pós-guerra, comparando com a cultura brasileira, debatendo assim, o uso desses meios para refletir certas características das sociedades. Já no tema suicídio a discussão surgiu a partir da religião, já que no ocidental existe a recriminação do ato, e para os japoneses, por muito tempo, o suicídio era visto como algo honroso, principalmente no que se refere aos samurais. Mas o tema que mais gerou debate foi em relação as tatuagens e a máfia. Primeiramente iniciamos a discussão sobre surgimento da tatuagem no Japão e como ela era usada pelos antigos como distinção e aceitação social. Para que xs estudantes compreendessem essa relação de permanência e aceitação, foi comparada a tatuagem com outras formas de simbologias corporais, como roupas, postura corporal forma de falar e de agir que nos distingue e nos aproximam de certos grupos sociais. Quando o assunto máfia veio à tona as discussões partiram para vários pontos interessantes. Analisamos um documentário que relatava as relações da Yakuza com a criminalidade e com as tatuagens. A Yakuza foi relacionada com a realidade dxs estudantes, ocorreu a comparação entre a violência praticada pela máfia com a violência que sofrem por parte de policiais. Alguns relataram que a violência praticada por policias era pelo fato dessas pessoas freqüentarem o EJA. O histórico escolar dessxs alunxs que chegam ao EJA são envoltos a esse tipo de relação violenta. Parte dessxs estudantes que frequentam essa instituição não conseguem se “adequar” ao ensino regular causada por diversos fatores como: gravidez na adolescência, violência doméstica, reprovações, dentre outros motivos, e é pensando nesses sujeitos que os EJAs foram criados, atender aqueles que não tiveram a oportunidade de concluir seus estudos, mas que agora estão tendo a oportunidade. A 36

violência cometida muitas vezes é motivada justamente por esse histórico de abandono e pela relação que alguns e algumas possuem com as drogas. Esse tipo relato nos faz pensar na necessidade de debatermos mais com nossxs alunxs as estruturas sociais, as relações de poder, as multiplicidades de sujeitos, e a importância de um ensino multicultural, já que, como dito anteriormente a cultura não é apenas nacional, é individual, é familiar, E como debatido também, o ensino multicultural surge para inserir sujeitos, incluindo nossxs alunxs que por vezes têm seus saberes e vivências negados pelo sistema. Necessitamos de uma educação humana e plural.

Referências RAMOS, Márcia Elisa Teté. O Ensino de História e a questão do multiculturalismo depois dos Parâmetros Curriculares Nacionais. In: CERRI, Luiz Fernando (org.). Ensino de História e Educação: olhares em convergência. Ponta Grossa, UEPG, 2007. RÜSEN, Jörn. Humanismo e Didática da História. Editora W. A. Curitiba, 2015. SCHMIDT, Maria Auxiliadora. A Cultura como Referência para Investigação sobre Consciência Histórica: Diálogos entre Paulo Freire e Jörn Rüsen. In: BARCA, Isabel (0rg.). Educação e consciência histórica na era da globalização. Braga: Centro de investigação em educação; Instituto de Educação; Universidade do Minho, 2011. SILVA, Marcos; FONSECA, Selva Guimarães. Tudo é História: o que ensinar no mundo multicultural? In: Ensinar História no Século XXI: em busca do tempo entendido. Papirus Editora – Campinas, São Paulo, 2007.

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A FORMAÇÃO DO PROFISSIONAL DE HISTÓRIA: DESAFIOS E PERSPECTIVA DO MERCADO DE TRABALHO NO BRASIL – RELATOS DE UM MINICURSO André Ricardo Barbosa Duarte Paula Ricelle de Oliveira Essa comunicação tem por objetivo relatar as atividades desenvolvidas no minicurso “A formação do profissional de história: desafios e perspectivas do mercado de trabalho no Brasil” ofertado no V Encontro de Pesquisa em História (EPHIS/2016), que proporcionou importantes debates entre os participantes sobre a profissão do professor (a) de História e do Historiador (a), tendo em vista as demandas e atuação no mercado de trabalho. A ideia de ministrar um minicurso sobre as profissões do historiador (a) no V EPHIS/2016, nasceu dentro do próprio evento que ocorreu no ano anterior. O EPHIS iniciou em 2012 por meio de iniciativas dos discentes do departamento de História da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e tem por objetivo promover o intercâmbio e diálogo entre os pesquisadores de História do país. Por ser um evento organizado por e para estudantes, recebe número expressivo de inscrições de graduandos. Participamos do encontro em 2015 e, ao assistir a apresentação de trabalho desses discentes, percebemos inquietações quanto ao planejamento de sua formação já no inicio do curso, pois ao ingressar na graduação em História os discentes se deparam com a necessidade de definir sua trajetória de formação acadêmica entre optar pelo currículo do bacharelado e/ou licenciatura. Nesse sentido elaboramos o minicurso “A formação do profissional de história: desafios e perspectivas do mercado de trabalho no Brasil” com objetivos de discutir sobre a profissão do professor (a) de História e do Historiador (a) à luz das demandas do mercado de trabalho no Brasil. Ao graduar em História quais são as possibilidades e nichos de mercado para esses novos profissionais? Quais são as demandas e exigências do mercado para ingresso e permanência na profissão? Essas foram às questões que nortearam o nosso minicurso. O minicurso foi ofertado em dois dias totalizando seis horas de duração. Dentro desse espaço foi possível apresentar e discutir a situação atual do mercado para professor (a) de História e Historiador (a), traçando a memória de formação do trabalho docente no Brasil e a trajetória de reconhecimento do historiador como profissão. Logo no inicio nos deparamos com um problema, a falta de referências bibliográfica sobre o tema, pouco são as pesquisas que aceitam o desafio de discutir o mercado de trabalho para o professor (a) de História e o historiador (a). Assim, apoiamos o nosso 38

trabalho nas poucas pesquisas disponíveis e levantamos dados e fontes que nos auxiliaram na construção da proposta. Desta maneira, o percurso formativo da proposta abordou um conjunto de dados obtidos pelo Censo da Educação Básica e do Ensino superior elaborado pelo Instituto de Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) e a Relação Anual de Informações Sociais (RAIS) elaborada pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), bem como recentes pesquisas, tais como Alves e Pinto (2011); Cara (2011); Gatti Barreto (2009) e Gatti (2010; 2011) e Oliveira (2010; 2011) que apontam para a escassez de docentes nas redes públicas e privadas e as condições de trabalho desses profissionais. Também, foi abordada é discutida a trajetória e memória dos projetos de lei tramitados nas instâncias legislativas nacionais, com foco no Projeto de Lei nº 4.699/2012, que tem o objetivo de reconhecer e regulamentar o métier do historiador, logo os espaços de atuação. Para tanto, consultamos a página da Câmara dos Deputados a fim de traçar o percurso do PL, bem como os autores Margarida Maria Dias Oliveira (2004); André Castelo Branco Machado (2010), que contribuíram para o debate a cerca do projeto, além de alguns sites que abordavam o tema. Anthony Grafton; Jim Grossman (2011) e James M. Banner JR. (2012) nos auxiliaram na discussão teórica. Como uma das propostas do minicurso é apresentar as diversas possibilidades de inserção do historiador no mercado de trabalho para além da atividade docente, executamos um levantamento de concursos públicos no Brasil com demandas de vagas para historiador (a). Desta maneira, realizamos buscas no site PCI-Concursos em maio de 2016, com a palavra chave “historiador”. Foram encontrados 37 editais de concursos públicos publicitados no período de 2010 a 2016, com isso foi possível trabalhar dados a respeito de vagas para historiador no mercado de trabalho no Brasil. Com intenções de levantar dados que nos leve a entender quais são os interesses dos participantes em relação ao mercado na área de História, solicitamos que eles respondessem um questionário com cinco perguntas objetivas, sendo três fechadas e duas abertas. As duas primeiras questões tinham o intuito de levantar informações quanto a atual formação do respondente em relação ao curso de História. Já as outras questões buscavam perceber a atuação profissional e suas expectativas em relação ao mercado de trabalho. Foi possível coletar 17 questionários. Entretanto, mesmo não sendo solicitada a identificação, 03 deles não autorizaram o uso das informações, sendo esses excluídos da amostra. Assim, com base nas respostas dos 14 participantes, obtivemos os seguintes dados: 11 estão com o curso em andamento; 03 são formados em História; 11 optaram pela licenciatura; 02 possuem ambas as formações (licenciatura e bacharel); 01 não informou sua opção de formação. Na questão 03 perguntamos aos respondentes se eles atuam no campo da História, 08 afirmaram que sim e os outros 06 assinalaram o não. Na sequência solicitamos, em questão aberta, qual a atuação profissional no momento. As respostas demonstraram que 39

06 participantes lecionam História; 03 são estudantes; 02 se dedicam a iniciação científica; 01 trabalha com teatro; 01 afirmou não estar atuando; e 01 não respondeu. Na questão 05, perguntamos quais são as intenções para atuar no mercado de trabalho na área da História. Optamos por colocar essa questão em aberto, pois consistia em uma das propostas do minicurso discutir sobre as possibilidades de mercado para quem possui o diploma em História. Dessa forma, os respondentes colocaram mais de uma opção, e foi possível obter os seguintes resultados: 08 pretendem exercer a docência na educação básica; 02 no ensino superior; 04 no magistério, sem especificar em qual nível. Em relação ao exercício da pesquisa como atividade profissional, foi a opção de 04 dos informantes. Esses dados levam a várias discussões e suscitam outras questões. A priori, é importante ressaltar que o fato de grande parte dos respondentes estarem com o curso em andamento se deve ao contexto no qual o questionário foi coletado. O EPHIS é um evento que acontece anualmente e recebe um número significativo de inscrições por parte dos graduandos em História. Ademais, vale observar que a opção expressiva pela licenciatura ocorre, pois, na UFMG, ao fazer a matrícula, o aluno é direcionado para a licenciatura. Porém, durante a graduação o estudante pode optar pela troca para o bacharelado, já que no início do curso as disciplinas são as mesmas, ou, ainda, podem ser cursadas como complemento à formação após a obtenção da primeira opção. Então, como o EPHIS acontece dentro da UFMG, consequentemente grande parte dos participantes desse levantamento são dessa instituição. É considerável o número de respondentes que atuam no campo da História, tendo em vista que a grande maioria dos respondentes, 11 no total, declarou estar com a graduação em andamento. Outro fator que nos chama a atenção concentra-se na intenção de atuação desses sujeitos, ao responder a questão 05, que se configura de forma aberta. Foi possível constatar que todos têm pretensão de seguir na carreira docente, independente do nível de ensino. Por outro lado, não foi constatada em nenhum questionário a pretensão de atuar no campo, como o da preservação patrimonial, documental, entre outros, que vão além da docência e pesquisas acadêmicas. Durante toda a apresentação do minicurso optamos por deixa-lo aberto a qualquer interferência dos cursistas, assim foi possível obter uma dinâmica mais interativa e colaborativa. Dessa forma concluímos que a realização do minicurso parece ter cumprido o objetivo inicial apresentado na proposta do evento, ou seja, proporcionado o debate e reflexão sobre a profissão do professor (a) de História e do Historiador (a). O interesse dos cursistas sobre o tema impulsionou a formação de um grupo no Facebook nomeado “Historiadores profissionais” com objetivos de divulgar vagas de estágios, empregos, concursos... entre outros para os portadores de diploma de História. Também buscamos divulgar eventos, palestras, artigos, cursos, exposições... na área de história e ciências humanas. É nosso foco, também, expor e divulgar leis, decretos, normas, resoluções... que giram em torno da nossa profissão. Com as vagas esgotadas, esse ano iremos novamente ofertar o minicurso no EPHIS/2017 com uma nova roupagem e um grande desafio: a reforma do ensino médio. 40

Também iremos apresentar um trabalho para divulgar o tema e a nova coleta de dados que já estamos realizando. A intenção dessa comunicação no 3º Simpósio Eletrônico Internacional de Ensino de História é expor a necessidade de abordar esse tema e ampliar o leque de discussão.

Referências bibliográficas ALVES, Tiago; PINTO, José. M. R. Remuneração e características do trabalho docente no Brasil: um aporte. In. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, v. 41, n. 143, maio/ago. 2011. Disponível em: < http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010015742011000200014> . Acesso em 07 de novembro de 2016. BANNER JR., James M. Being a Historian. An Introduction to the Professional World of History. Nova York: Cambridge University Press, 2012. BRASIL, Câmara dos Deputados. Projeto de lei nº 4.699-c de 2012 do Senado Federal (PLS Nº 368/09 na casa de origem). Dispõe sobre a regulamentação da profissão de Historiador e dá outras providências. CARA, Daniel Tojeira. O custo da qualidade (Educação Básica). Brasília, 2011. Disponível em: < http://www.cartacapital.com.br/educacao/carta-fundamentalarquivo/o-custo-da-qualidade> . Acesso em 07 de novembro de 2016. GATTI, B. A.; BARRETO, Elba. S. S. Professores do Brasil: impasses e desafios. Brasília: UNESCO, 2009. Disponível em < http://unesdoc.unesco.org/images/0018/001846/184682por.pdf> Acesso em 07 de novembro de 2016. GATTI, Bernardete A. Formação de Professores no Brasil: Características e Problemas. In. Educação e Sociedade, Campinas, v. 31, n. 113, p. 1355-1379, out.-dez. 2010. Disponível em < http://www.scielo.br/pdf/es/v31n113/16.pdf>. Acesso em 01 de abril de 2012. GRAFTON, Anthony; GROSSMAN Jim. No more plan B. Perspective on History, 2011. Disponível em < http://www.niu.edu/history/docs/graddocs/NoMorePlanB.pdf> Acesso em maio de 2016. OLIVEIRA, Dalila Andrade. Os trabalhadores da educação e a construção política da profissão no Brasil. In. Educar em Revista, Curitiba, nº especial, p. 17-35, 2010. Editora UFPR. OLIVEIRA, Margarida Maria Dias de. Licenciado em História, bacharel em História, Historiador: desafios e perspectivas em torno de um profissional. Revista História Hoje. São Paulo, n 4, 2004. MACHADO. André Castelo Branco. Contribuições ao debate sobre a regulamentação da profissão de Historiador. Revista Espaço Acadêmico. nº 113. 2010. 41

DE CURANDEIRAS E BENZEDEIRAS PARA BRUXAS: O PAPEL DA MULHER NESSE CONTEXTO NA EUROPA Andréia Sznicer Thaynara Morganna de Souza Lima Visando o ensino de história, pautado em acontecimentos relacionado ao sexo feminino, o assunto em questão será voltado para a participação que muitas mulheres tiveram na vida das pessoas no século XV (dentre outros séculos), de forma mais específica, as curandeiras e benzedeiras da época em questão. As mulheres neste período não tinham uma posição social de igualdade frente aos homens. O ideal de mulher estava atribuído à virgindade, a pureza, a submissão e a maternidade. O poder dos clérigos e dos príncipes era um poder voltado ao sexo masculino, misóginos porque estavam convencidos da impureza e da inferioridade da mulher, e até mesmo de sua “ruindade” (PERROT, 2007, p.88). Vários fatores contribuíram para a naturalização da inferioridade da mulher no discurso dos homens na Idade Média. Especialmente nos países católicos, a escolarização das mulheres fez-se bastante restrita e tardia ainda no século XVI (PERROT, 2008, p.43). O desprezo que os homens tinham pelas mulheres nesta época encontrava-se expresso nos próprios termos designativos dos dois sexos. De acordo com o livro “A Feiticeira” de Michelet, a palavra latina empregada para nomear o sexo masculino vir, lembrava virtus, ou seja retidão. Já mulier, que seria o qualificativo do sexo feminino, lembrava mollitia, ou seja moleza, que tinha relação com fraqueza, flexibilidade (MICHELET, 2002, p.28). Esses homens, independente de sua posição social, como pais ou marido, reservavam-se o direito de castigar a mulher como se castigava uma criança ou mesmo a um escravo (MICHELET, 2002, p.102). A própria mulher neste período, pelo contexto histórico em que se encontrava, acabava por partilhar, em alguns casos, o odioso preconceito sobre si e considerava-se imunda, como Michelet revela, deixando bem clara essa posição da mulher, sendo que em sua leitura defende que ela “quase pedia perdão por existir, viver, realizar as condições de vida”. A medicina da Idade Média ocupava-se unicamente do ser considerado superior e puro, o homem, o único que podia se tornar padre e também que sozinho representava Deus (MICHELET, 2003, p.103). As sociedades europeias seguiam com constantes mudanças, as quais influenciavam também o modo com que concebiam a magia, a feitiçaria e a bruxaria, assim também as magas, curandeiras, benzedeiras e adivinhas, que fizeram parte dessa mudança durante mil anos. 42

O único médico do povo foi à feiticeira (MICHELET, 2003, p.13), mas a Igreja Católica não concordava com a ideia de que a mulher pudesse curar com suas ervas medicinais, pois quem devia praticar a cura nesta época eram os homens formados, e muitas dessas mulheres não tinham uma formação, pois detinham certo conhecimento que fora passado de geração para geração. Muitos desses homens que podiam praticar a cura estavam ligados com a igreja, desta forma também existia um jogo de interesses, de modo que a Igreja Católica seguiu declarando, no século XIV, que se a mulher ousasse praticar a cura, sem ter estudado para tanto, seria considerada feiticeira e teria como punição a sua morte. Desta forma a feiticeira arriscava muito, pois ninguém pensava que aplicados exteriormente, ou tomados em dose muito pequena, os venenos podiam ser utilizados como remédios, assim também como algumas ervas. Michelet defende que “é certo que a planta assusta”. “Trata-se do meimendro, veneno cruel e perigoso, mas poderoso emoliente, suave cataplasma sedativo que resolve, distende e resolve a dor e muitas vezes cura” (MICHELET, 2003, p.100). Essas mulheres passaram a ser vista com maus olhos, sendo algumas acusadas até de bruxaria, em que dentre esse grupo, estavam as que tinham um contato muito grande com as mulheres nesse período, pois nesse tempo a mulher nunca teria admitido um médico homem (MICHELET, 2003, p.97-98). Essas mulheres são então proibidas pela Igreja Católica de professar as suas curas, assim como auxiliar as mulheres em seus partos, de Feiticeiras (sendo mulheres que trabalhavam sozinhas), passam a ser acusadas de bruxas (mulheres que agiam em grupo, tendo ela um certo contato com o demônio). Um documento, que foi escrito por inquisidores, visando a suposta eliminação desse grupo indesejável, tem como função desencadear uma perseguição a essas mulheres acusadas de bruxaria, o Malleus Maleficarum. Esse documento inquisitorial, o Malleus Malificarum, contribuiu para uma construção negativa da imagem da mulher, pois suas páginas seguem tentando persuadir o(a) leitor(a) a acreditar que a figura feminina era inferior. Na tentativa de convencer de que a mulher deveria ser considerada um mal, os autores do Malleus apresentam uma série de fatos históricos voltados à queda de alguns Impérios, que de acordo com o documento, teriam sido derrubados por mulheres. Citam exemplos como o de Tróia, que pelo rapto de uma mulher teria sido destruída, gerando a morte de milhares de gregos. Consideradas inferiores, possuíam também uma memória fraca nesta acepção, julgando assim a sua “indisciplina” como um vício natural, mais amarga que a morte, um inimigo secreto e enganador. Essa concepção de um ser enganador fica evidente em trechos do manual de Heinrich Kramer e James Sprenger: Mentirosas por natureza, o seu discurso a um só tempo nos aguilhoa e nos deleita. Pelo que sua voz é como o canto das Sereias, que com a sua doce melodia seduzem os que se lhes aproximam e os matam. E os matam esvaziando as suas bolsas, consumindo as suas forças e fazendo-os renunciarem a Deus (KRAMER; SPRENGER, 2010, p.120). 43

Desta forma, a mulher era considerada pelos autores perigosa e comparada a uma armadilha, mas não sobre o conceito das armadilhas de caçadores, mas sim a dos demônios, sendo os homens atraídos pelo desejo carnal que sentiam quando avistavam uma mulher. As sociedades europeias seguiam com constantes mudanças, as quais influenciavam também o modo com que concebiam a magia, a feitiçaria e a bruxaria, assim também as magas, curandeiras, benzedeiras e adivinhas, que fizeram parte dessa mudança durante mil anos. Compreendemos então, que a mulher se encontra em muitas passagens da história, mas que na maioria das vezes não é lembrada de tal forma, dentre essas mulheres estavam as curandeiras, que com o seu conhecimento a cerca das ervas medicinais, assim como experiência, auxiliaram muitas pessoas dentre os séculos XV, XVI e XVII. Como o Michelet ressalta em seu livro a Feiticeira, que o médico do povo eram muitas vezes essas mulheres, que não detinham uma formação, mas que conheciam muitas ervas, e também em que cada uma podia ajudar essas pessoas nesse contexto (MICHELET, 2003, p.13). Passaram então a serem vistas como supostas bruxas, sendo esse processo desencadeado, com a ajuda do Malleus, baseado no contexto em que se encontravam e as relações de poder da época.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: MACEDO, José Rivair. A Mulher na Idade Média, revista e ampliada. São Paulo, Editora Companhia das Letras, 2002. MICHELET, Jules. A Feiticeira, tradução: Ana Moura- São Paulo: Aquariana, 2003. PERROT, Michelle. Minha História das Mulheres, tradução: Angela M. S. Corrêa. São Paulo, Editora Contexto (Editora Pinsky Ltda), 2007. STRAUSS, Claude Lévi. Antropologia Estrutural/ Tradução Chain Samuel Katz e Eginardo Pires. Tempo Brasileiro LTDA. Rio de Janeiro. 1967. (cap. Magia e Religião). KRAMER, Heinrich e SPRENGER, James. O Martelo das Feiticeiras: Malleus Maleficarum/tradução de Paulo Froés- 22°=ed. Rosa dos Tempos, Rio de Janeiro, 2010.

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NO BANCO DOS RÉUS: JULGAMENTOS HISTÓRICOS OU O OUTRO LADO DA MOEDA-A HISTÓRIA VISTA COM NOVOS OLHARES Aristides Leo Pardo Pelas presentes linhas iremos discorrer acerca de um projeto que paulatinamente será implantado em minhas aulas, com alunos do Ensino Médio, que visa analisar a História por um outro prisma, fugindo dos livros didático e do lugar comum, fazendo com que uma ampla pesquisa seja realizada em busca das mais diferentes fontes, com o objetivo de realizar um “Julgamento” de personagens históricos escolhidos pela própria turma. Colocado em prática pela primeira vez este ano, a experiência será um laboratório para que tal prática possa ser aprimorada para os anos seguintes, sendo assim, foi colocado no quadro alguns nomes sugeridos pelo professor, como os do “Ditador” Fidel Castro, do “Assassino” Ernesto Che Guevara, do “Demônio” Adolf Hitler, do “Pai dos Pobres” Getúlio Vargas, dos “Heróis Nacionais” Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes e Zumbi dos Palmares, que foi acrescido de indicações do alunado, como Josef Stálin, Mahatma Gandhi, Saddan Hussein, Leon Trotsky, George Bush, Nelson Mandella e “Ditadura Militar Brasileira”, tendo sido o escolhido para ser “julgado” pela turma, o recém falecido líder da Revolução Cubana de 1959, Fidel Castru Ruz (1926-2016). Um personagem citado por um dos alunos, que merece aqui sua citação, pois despertou surpresa e curiosidade deste professor, foi o nome do Papa Francisco, apontado por uma reportagem de Nepomuceno (2013, p. 46-52), como cúmplice (ou ao menos omissão), quando na época em que era, o Cardeal Jorge Mário Bergoglio, de Buenos Aires, acerca das atrocidades da Ditadura Militar de seu país, liderada pelo General Vidella, mostrando o comprometimento do alunado com a atividade proposta. O grupo foi dividido em um “juiz”, cinco “jurados”, advogados de acusação e de defesa, que terão que colher provas contra o “réu”, acusado de ser um terrível ditador e causador da desordem da paz mundial. Após algumas orientações foi indicado algumas obras literárias para que acusação e defesa pudessem dar seu pontapé inicial no caso. O grande objetivo desta ação, é não ficar somente no que nos dizem a grande mídia e o senso comum, buscando diversas fontes para que possamos desfazer algumas ideias prontas e que durante o “julgamento”, cada participante possa dar seu próprio veredito, pautado pelas “provas” apresentadas pela acusação e pela defesa do personagem em questão, pois como nos diz Carvalho (2000, p. 13) que: “O passado serve ao futuro no presente, por quê? Porque todo julgamento infalivelmente depende de comparação. Ora, haverá melhor parâmetro do que o registro das ações, fruto do comportamento humano”.

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E essa comparação, mediante vasta pesquisa será realizada pelo alunado que de maneira individual, ou em duplas, darão seu veredito em forma de texto, que será uma das avaliações deste exercício histórico, como nos fala Veyne (1998, p. 11), ao afirmar que: A história é uma narrativa de eventos. Todo o resto resulta disso. Já que é de fato, uma narrativa, ela não faz reviver esses eventos, assim como tampouco o faz o romance; o vivido, tal como ressai das mãos do historiador, não é o dos atores; é uma narração, o que permite evitar alguns falsos problemas, Como o romance, a história seleciona, simplifica, organiza, faz com que um século caiba numa página. VEYNE, 1998, p. 11). Após algumas indicações literárias por parte do professor, como as obras “Alina” (Alina Fernandez, 1998), “A Ilha” (Fernando Morais, 1976), “Os Meninos do Dolores” (Patrick Symmes, 2009), entre algumas reportagens e documentários, para que o pontapé inicial das pesquisas possam ser efetuados e acompanhados de perto. Dessa maneira, poderemos analisar o personagem “julgado” de todas as formas possíveis, desmistificando o foco único, difundido pelos livros didáticos mais antigos e pela grande mídia, fruto da “Sociedade do Espetáculo” termo cunhado por Debord (1997, p. 11) e seguindo novamente a ideia de Veyne (1998, p. 18), que afirma que: Quando dirigimos nossos olhares para o arcaico não conseguimos trazer a história em sua totalidade, mas apenas seus fragmentos (...), o preenchimento lacunar a partir da construção de nosso interesse e curiosidade sobre os fatos que ora narramos. Como este texto narra uma experiência que está sendo colocada em prática pela primeira vez, por este que vos escreve, não há uma nota conclusiva, que espero divulgar em outra oportunidade, relatando o desenrolar desta atividade, porém, o leque para que esta prática se prolongue ano após ano, sempre estará aberta, pois não são poucas as personalidades que são retratadas de maneira uma e que poderão ser “julgadas” pelos mais diferentes prismas.

Referências CARVALHO, Waldir P. Campos Depois do Centenário, 2. ed. v. 3. Campos dos Goytacazes: Vionetos e Filhas, 2000. DEBORD, Guy. A Sociedade do Espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997. JAPE, Anselm. Guy Debord. Petrópolis: Vozes, 1999. NEPOMUCENO, Eric. Francisco ou Pilatos? Revista Carta na Escola, nº 76, São Paulo: Carta Capital/Confiança, 2013. VEYNE, Paul. Como se Escreve a Historia e Foucault Revoluciona a Historia. 4. ed. Brasília: Universidade de Brasília (UnB), 1998. 46

SER CRIANÇA E A INFÂNCIA NO PASSADO AMERÍNDIO: COMO APRENDER COM AS DIFERENÇAS CULTURAIS NO ENSINO DE HISTÓRIA Avelino Gambim Junior Jelly Juliane Souza de Lima Introdução O tema sobre as crianças foi inaugurado no Brasil com a publicação do livro História das crianças no Brasil de Mary Del Priore (1991). Ao beber da chamada Nova História da década de 1980, os historiadores passam a dar atenção as vozes silenciadas como as das mulheres e crianças vítimas de preconceitos. Afinal, como as diferentes culturas lidam com essa questão e como essas podem ser apresentadas aos alunos na sala de aula e fora destas? A proposta deste estudo é trazer à tona, um tema mais delicado. Onde estão as crianças nos sítios arqueológicos? Quais são os indicativos da presença das mesmas? Assim como na História e Antropologia a Arqueologia passou a lidar com essa temática ao absorver tais discussões. A criança/infância na foz do rio amazonas Uma das formas de compreender o tema das crianças é a partir do registro arqueológico através das práticas funerárias, pois é desta forma que vamos encontra-las e compreender as variações culturais ao longo. Na região amazônica da Foz do Rio Amazonas, desde o século XIX, uma grande variabilidade nas práticas têm sido descritas. Pesquisas recentes feitas na capital Macapá, mostram como alguns sítios arqueológicos pré-coloniais podem contribuir com a temática da criança e da infância, conforme indica a figura 01.

Figura 01: À direita, sepultamentos do sítio Curiaú Mirim I. O círculo na cor vermelha demarca as deposições de sepultamentos de crianças. Fonte: Acervo IEPA. 47

As diferentes ontologias É importante frisar que relatos etnohistóricos dos últimos 500 anos, mostram outras concepções de mundo e diferentes ontologias dos quais decorrem tais práticas culturais das sociedades indígenas amazônicas (CHAUMEIL, 2007; PY-DANIEL, 2015; ROSTAIN, 2011), mostrando uma longa duração e permanência de em alguns elementos das práticas funerárias encontradas na etnografia ameríndia, o que pode ser utilizada como uma boa fonte de inspiração para interpretar o registro arqueológico, além de contribuir com os estudos de História das crianças no Brasil. Na etnologia ameríndia é constatado que para estas sociedades, principalmente amazônicas, o corpo é submetido a transformações conscientes durante todas as etapas da vida, onde a pessoa é submetida a transformações constantes ao longo da vida, como por exemplo, em ritos de passagem, desde o concebimento pelos pais até o nascimento, na amamentação, nas restrições e prescrições corporais, reclusões e exibições, até chegar a maioridade e assumir distintos papeis sociais de acordo com o gênero, amadurecimento, envelhecimento e na morte (SEEGER, DA MATTA, VIVEIROS DE CASTRO, 1979). Dentro de um olhar “amazonificado”, ao falarmos da plasticidade do corpo e de sua materialidade, conforme expomos acima, podemos explorar formas de interpretar os restos humanos contextualizados, onde o corpo, a vida e a morte são elementos tangíveis que podem ser “lidos” no registro arqueológico (SOFAER, 2006, GAMBIM JUNIOR, 2016). Voltando-nos ao campo da arqueologia, a ideia da construção do corpo ao longo da vida, as técnicas corporais aprendidas que moldam o corpo (MAUSS, 2005), e o próprio rito de passagem da vida para a morte manifestada nas práticas/gestos funerários estão intimamente ligados ao modo pelos quais diversas sociedades ameríndias enxergam a corporalidade. Nesse sentido, ao se pensar essas categorias a mesma deve ir na contra mão dos nossos padrões ocidentais do que é ser criança, que enfatiza o desenvolvimento biológico e físico dentro do ciclo de vida, o que os torna, dentro de uma abordagem mais interpretativa invisíveis na arqueologia ou considerados como menos importantes (BAXTER, 2008). Porém, indo de encontro com as referidas etnografias ameríndias e mesma a noção de corporalidade ameríndia, podemos discutir sobre a infância dentro deste olhar “amazonificado” (GAMBIM JUNIOR, 2016). Afinal como eram as crianças ameríndias no passado? O que é ser criança? O que significa a infância e quando a mesma acaba? Considera-se a relevância desta pesquisa devido à escassez de estudos voltados às práticas funerárias na região amazônica, especialmente aquelas com enfoque justamente nos aspectos funerários voltados ao estudo dos remanescentes esqueléticos humanos de crianças e dada a escassez ainda maior de estudos sobre a infância, seja na História, Antropologia e na Arqueologia como um todo, onde se busca ainda hoje quebrar paradigmas e na arqueologia amazônica é uma oportunidade de discutir a infância à luz da etnologia amazônica ameríndia. 48

Considerações finais As concepções sobre a infância destas sociedades antigas da Amazônia eram diametralmente opostas ao que conhecemos hoje em dia pelo menos para a sociedade ocidental judaico cristã. Desta forma os esqueletos humanos lidos como um tipo especial de cultura material, em conjunto com as cerâmicas funerárias e devidamente contextualizados, mostram como os mortos eram em vida e como os mesmos foram simbolizados pelos vivos, mostrando como bebês e crianças foram representados e pensados dentro de uma lógica onde a corporalidade e sua construção era muito presente no cotidiano dessas pessoas.

Referências bibliográficas BAXTER, Jane E. The archaeology of childhood. Annual Review of Anthropology, v. 37, p. 159-175, 2008. CHAUMEIL, Jean P. Bones, flutes, and the dead: memory and funerary treatments in Amazonia. Time and memory in indigenous Amazonia: Anthropological perspectives, p. 243-283, 2007. DEL PRIORE, M. História das crianças no Brasil. Editora Contexto, 2001. GAMBIM JUNIOR, Avelino. Corpo, vida e morte na Foz do rio Amazonas: as estruturas funerárias do sítio Curiaú Mirim I/AP. Dissertação (Mestrado em Arqueologia). Programa de Pós-Graduação em Arqueologia, Museu Nacional, UFRJ. Rio de Janeiro, 2016.

MAUSS, Marcel. As técnicas corporais. In: Marcel Mauss: sociologia e antropologia. Trad. Paulo Neves. São Paulo: Cosac & Naify, 2003. PY-DANIEL, Anne Rapp. Os contextos funerários na arqueologia da calha do rio Amazonas, Tese de doutorado, USP, São Paulo, 2015. ROSTAIN, Stephen. La mort amérindienne en Amazonie. In Les Indiens des Petites Antilles: Des premiers peuplements aux débuts de la colonisation européenne, editado por Bernard Grunberg, pp. 221- 254. Cahiers d’histoire d'amérique coloniel. Numéro 5. L’Harmattan, Paris, 2011. SEEGER, Anthony; DA MATTA, Roberto; VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. A construção da pessoa nas sociedades indígenas brasileiras. In: Oliveira Filho, JP Sociedades indígenas e indigenismo no Brasil. Rio de Janeiro: UFRJ, Marco Zero. 1979. SOFAER, Joanna R. The Body as Material Culture: Osteoarchaeology. Cambridge University Press, New York. 2006. 49

A

Theoretical

O ENSINO DE HISTÓRIA E AS INTERFACES NACIONAL/LOCAL: SOCIALIZANDO SABERES SOBRE A CASA AZUL Janailson Macêdo Luiz Beatriz Francisca de Lima Naurinete Fernandes Inácio Reis Introdução Como está registrado no relatório final da Comissão Nacional da Verdade (CNV), a Casa Azul, atual sede do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT), localizada em Marabá-PA: (...) foi um centro de prisão clandestino utilizado pelo Centro de Informações do Exército (CIE) como um Centro de Informações e Triagem (CIT). No local, estima-se que morreram, em decorrência de tortura ou por execução, mais de 30 guerrilheiros que faziam oposição ao regime militar e que atuavam na Guerrilha do Araguaia. Os principais alvos eram militantes do PCdoB e moradores locais acusados de apoiar a Guerrilha (COMISSÃO NACIONAL DA VERDADE, 2014, p. 793). Este trabalho está vinculado ao Projeto de extensão Guerrilha do Araguaia e direito à Memória: Socialização de fontes históricas e informações sobre a Casa Azul, desenvolvido no âmbito da UNIFEESPA, e que procura produzir conhecimentos relacionados à Guerrilha do Araguaia e, principalmente, sobre a Casa Azul, para contribuir com a socialização das memórias relacionadas aos acontecimentos ocorridos durante a Ditadura Civil-Militar na Região do Araguaia-Tocantins: Norte de Goiás, Sudoeste do Maranhão e Sul e Sudeste do Pará. Visa trabalhar o ensino de História local em suas conexões com a história nacional. Percebemos que em Marabá-PA, num contexto que não difere da realidade educacional de outros espaços da acima citada região do Araguaia-Tocantins, há uma grande lacuna nos temas relacionados com a historia local, especialmente quando tratam de questões que perpassam o tema da ditadura, tendo em vista os silenciamentos e as relações com o esquecimento que tal tema ainda provoca na região. Consideramos, porém, que o silêncio e o esquecimento sobre o passado pode ser um suporte para outras discussões: o que os grupos sociais hegemônicos, como ocorreu com os militares entre 1964-1985, buscam apagar ou inserir da escrita da história? Quais as condições de possibilidade preparam o terreno para que certas questões sejam mantidas submersas, repassada apenas entre sussurros e interditos, ou possam ser trazidas à tona e 50

colocadas abertamente sob análise da sociedade? Quem tem interesse quanto ao apagamento dos rastros sobre determinadas memórias? Essas perguntas se tornam bastante pertinentes no que se refere a abordagem da Casa Azul no ensino de História no âmbito da educação básica, e de outras disciplinas como a Sociologia e a Geografia. Nesse sentido, o artigo visa discutir acerca de possibilidades de abordagem sobre a Casa Azul no Ensino de História, buscando constituir junto aos alunos uma visão mais ampla de seu lugar na sociedade, bem como, sua importância enquanto agente de sua própria História.

(Novos) recursos para o ensino da história local Como destaca Barbosa (2006), abordar temas da História Local torna-se um importante meio de contribuir com a ampliação da consciência histórica por parte dos estudantes, contribuindo para a ampliação de sua inserção crítica junto aos espaços, agentes sociais e instituições a que está relacionado. Abordagem essa da História local que não se restringe apenas, a nosso ver, ao conhecimento histórico, podendo ser apropriada de forma interdisciplinar por intermédio de outras disciplinas relacionadas às Ciências Humanas, a outros saberes que formam o currículo escolar da educação básica e a espaços de educação não formal, como aos organizados pelas associações e movimentos sociais. Para efetuar tais abordagens, como destaca Martins, os docentes devem assumir posicionamentos distintos da visão que coloca o livro didático como a única fonte de conhecimento e assumir-se enquanto professores/pesquisadores: Os professores de História, para levar às salas de aula a História Regional e Local, terão que virar pesquisadores. Ensino e pesquisa, teoria e prática terão que ser definitivamente associados, respeitando-se, é claro, as situações concretas vividas pelos profissionais de História (MARTINS, 2009, 146). A partir dessas compreensões propomos a apropriação, nas aulas de história (podendo ser abordado igualmente em disciplinas como Estudos Amazônicos e Geografia) a nível fundamental e nas disciplinas que compõe o campo das Ciências Humanas a nível do Ensino Médio, de fontes que tratam da Casa Azul, que podem ser utilizadas como recursos didático-pedagógico, em especial: publicações veiculadas pela mídia local ou nacional; relatórios, como o já citado relatório da CNV; trabalhos de campo; produções literárias; fotografias; e relatos orais de memória. Cada recurso deve, evidentemente, ser trabalhado explicando-se as suas características como um gênero textual e como textos passíveis de serem apropriados como fontes históricas por parte dos historiadores e outros pesquisadores que se debruçarem sobre o tema. As especificidades próprias a produção de um artigo jornalístico ou a um relato oral de memória devem ser explicitados, contribuindo também com a ampliação da compreensão por parte dos estudantes quanto as atividades de pesquisa e quanto ao ofício de historiador. 51

Um dos textos sugeridos, a título de exemplo, trata de uma reportagem de 06 de julho de 1996, onde o jornal O Globo publicava que um Militar que participou da repressão às atividades dos militantes do PCdoB rompe o silêncio: Em abril deste ano, Manuel Leal Lima, o Vanu, que trabalhou como guia e coveiro do Exército, e mais seis moradores da região localizaram para O GLOBO oito cemitérios clandestinos onde estariam enterrados os corpos de pelo menos 41 guerrilheiros que participaram dos combates em as Forças Armadas entre 1972 e 1975. No quintal do DNER de Marabá [espaço da Casa Azul], por exemplo, estariam as ossadas de Demeval da Silva Pereira e Divino Ferreira de Souza; na Fazenda Bacabas, em São João do Araguaia, Lúcia Maria de Souza; na Fazenda Brasil Espanha, em São Domingos, Antônio de Pádua, Luis René da Silva e Maria Célia Correia; na Fazenda Vaca Preta, André Grabois (...). Entre as inúmeras possibilidades de abordagem da referida reportagem está a conexão entre os vários locais utilizados à época para ocultação dos corpos dos guerrilheiros e a principal fonte de informação para chegar até eles, num contexto em que até o momento não foram abertos os arquivos dos militares, a saber, os relatos de memória dos sobreviventes da Guerrilha, entre camponeses, guerrilheiros e militares. Algumas dessas memórias são expressas no relatório da CNV, como a do camponês Abel Honorato expressa abaixo, e podem ser trabalhadas junto a uma atividade de pesquisa onde os estudantes entrevistem os seus pais e avós sobre o tema, buscando suas compreensões e memórias a respeito dele: Disseram pra mim: ‘Você vai agora voltar e vai ter que dar conta dos seus companheiros’. Fui obrigado a trabalhar de guia até depois da guerra, sob os olhos de Curió [o Sebastião Alves (sic) [Rodrigues] de Moura. Até em Serra Pelada [garimpo dirigido por Curió na década de 1980], fiz missões para ele. Tem 40 anos dessa guerra, mas pra mim é um desgosto. Fui muito judiado, fui muito acabado. Até hoje eu não sou ninguém. [...] Eu tive de contar até o que não sabia para escapar. Eu tive que dizer, forçado, que fui um amigo do Oswaldão, mas hoje eu posso dizer, de verdade, que fui amigo dele, pois ele foi amigo da região, ajudou muita gente. Também podem ser trabalhadas as conexões entre a Guerrilha e outros temas, como o garimpo em Serra Pelada, aludido acima pelo senhor Abel, e outros conflitos ocorridos na região do Araguaia Tocantins após o fim da Guerrilha. Um breve sobrevoo sobre o tema, porém, mesmo marcado pelo limite de extensão deste artigo, já apresenta como são possíveis inúmeras conexões entre o tema da casa Azul e outros relacionados a história local, amplamente conectados com a história nacional, a exemplo da relação entre a Guerrilha e Ditadura Civil-Militar. Referências BARBOSA, Vilma de Lurdes. Ensino de História local: redescobrindo sentidos. Saeculum, [15]; João Pessoa, jul./dez. 2006. p. 57-85. 52

BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Memória e história local. In: Ensino de história: fundamentos e métodos. São Paulo: Cortez, 2009. BRASIL. COMISSÃO NACIONAL DA VERDADE. Casa Azul. In: Relatório: Volume I. Brasília: CNV, 2014. CORRÊA, Carlos Hugo Studart. A lei da selva: estratégias, imaginário e discurso dos militares sobre a Guerrilha do Araguaia. São Paulo: Geração editorial, 2006. LE GOFF, Jacques. História e Memória. Tradução de Bernardo Leilão. 5. ed. Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 2003. MARTINS, Marcos Lobato. História Regional. In: PINSKY, Carla Bassanezi (Org.). Novos temas nas aulas de História. São Paulo: Contexto, 2009. MACÊDO, Janailson. Crônicas do Araguaia. Marabá: Edição do autor, 2015. MONTEIRO, Ana Maria. Ensino de História: entre história e memória. Revista do Núcleo de Estudos de Currículo do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFRJ, 2012. O GLOBO. 06 de junho de 1996, Matutina, O país, p. 10. Acervo digital do jornal O Globo. POLLAK, Michael. Memória e identidade social. Revista de estudos Históricos. Vol. 5, n. 10. Rio de Janeiro, 1992. REIS, Naurinete Fernandes Inácio. Memória social e Guerrilha do Araguaia. 2013. 172 f. (Dissertação Mestrado em Sociologia) — Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 2013.

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NOVAS PERSPECTIVAS SOBRE MARCO VELEIO PATÉRCULO E A SUA HISTÓRIA ROMANA PARA OS ESTUDOS SOBRE A HISTÓRIA ANTIGA DE ROMA Carlos Eduardo da Costa Campos Parece justo afirmar que, nos últimos trinta anos, tem prevalecido uma abordagem um pouco distinta do modelo tradicional, que imperou sobre os estudos na área da História Antiga, em boa parte do século XX. Os textos históricos são analisados e avaliados com novas perspectivas. A própria disciplina de História passou por uma reavaliação bastante complexa, e tanto filósofos como historiadores começaram a questionar o valor e alegações epistêmicas da narrativa histórica tradicional. Hoje, existe uma consciência que nenhuma História pode ser completa (desde a seleção daquilo que o historiador considera como importante e essencial para a sua apresentação), nem pode ser livre de alguns (culturalmente predeterminados) pontos de vista. O status da História também tem sido questionado em uma direção diferente: sendo considerada a sua forma literária; ou seja, os estudiosos agora enfatizam as afinidades da História narrativa com a ficção e outras formas de prosa discursiva. Nessa perspectiva, eles voltam seus olhares para as inúmeras características que tanto o discurso ''factual'' e o ''fictício'' compartilham entre si. Esta reavaliação da História, em geral, tem influenciado a abordagem adotada por estudiosos do Mundo Antigo, cujas investigações agora tendem a desviar o olhar das questões tradicionais que eram guiadas pela confiabilidade das fontes e tendem a se concentrar no exame dos objetos literários como produtos da arte dos sujeitos, que possuem uma estrutura própria, temas e preocupações. Esta nova geração de estudos, procura descobrir o funcionamento retórico que está subjacente ao texto, mais especificamente, a maneira que o significado e a explicação foram construídos linguisticamente. Nesse sentido, alguns historiadores tendem a enfatizar, em suas análises, a ''construção'' da narrativa, com isso eles abordam o conteúdo da obra como uma versão do passado, ao invés de procurarem uma realidade dos fatos passados, inacessíveis para os estudiosos contemporâneos. No que tange a Antiga Roma, claramente os antigos pensavam que a elaboração de uma narrativa histórica, como a historiografia, era uma área com o seu próprio tema, matéria e método, havendo assim debates sobre a exatidão de seus antecessores e se algo aconteceu desta ou daquela forma. Tal preocupação demonstra que eles conferiam um sentido ao gênero literário e que a sua tarefa não era simplesmente a de apresentar uma plausível narrativa. Assim, a caracterização da historiografia antiga é uma questão que vai muito além da geração de rótulos sobre virtude ou vício, ligados a pessoas em particular pelo narrador. O ato de caracterizar uma personagem também pode ser uma questão de estilo, de inflexão, ou de estrutura (MARINCOLA, 2007, p.1-10). 54

Os historiógrafos do período Augustano, assim como os do Imperial ocupam um lugar considerável na sobrevivência de elementos literários e históricos da época. Certamente, eles recontam parte da história romana, entretanto, também são o espelho dessa Roma que descrevem nos seus relatos. Os historiógrafos de Roma são verdadeiros monumentos humanos do processo de exaltação à glória de Roma e dos seus governantes (MARTIN; GAILLARD, 1990, p.107-108). Vale mencionar que a transição do estilo de escrita histórica da República Romana Tardia para o período de Augusto não é marcado por qualquer fronteira clara, simples e imediata. Afinal, ainda havia uma geração mais velha de historiadores que prestava sua fidelidade, por nascimento e perspectivas, para a República. Essa questão explica o porquê de Salústio ser comumente considerado um autor republicano, embora sua atividade tenha coincidido com os primeiros anos de Augusto, quando Virgílio e Horácio ainda estavam no início de seus trabalhos. Essa historiografia augustana é marcada pelos ecos da Batalha do Ácio e a influência da pax augusta. Logo, os escritores vivenciavam o momento de uma nova ordem social, após o período de caos e desordem política romana. Ao analisarmos os relatos contidos na Historiografia do Alto Império, nota-se que as conquistas desde Augusto ocorreram com menos intensidade do que no período Republicano. Nesse contexto de manutenção da ordem social do império, mais precisamente entre os séculos I - III E.C. temos produções historiográficas em menor montante do que conhecemos na República Tardia. Afinal, os papéis do Senado e dos magistrados republicanos também tinham mudado com a nova ordem do Principado Augustano, lembrando que boa parte dos escritores eram provenientes do seio aristocrático. Contudo, demarcamos que novas frentes de escritores foram formadas no contexto imperial, os quais vinham de outros segmentos sociais, tendo em vista que os líderes militares da guarda pretoriana ampliaram a sua influência junto aos imperadores, por exemplo. Assim, enquanto uma fachada republicana era estampada, surgia, por trás dela, uma burocracia imperial trazendo membros da plebe e de libertos no interior da sua gestão. Ou seja, os perfis das personagens públicas se redesenhavam em Roma. Também, percebemos a amplitude das narrativas historiográficas sobre os imperadores no desenvolvimento da literatura da época, como vimos fortemente no caso da biografia. Para Alain M. Gowing (2007, p.411-18), é essencial efetuarmos releituras sobre as obras clássicas. O autor evidencia que, por muitas vezes, as gerações de estudiosos criam certos estigmas sobre assuntos e autores. Esse foi o caso do cidadão romano Marco Veleio Patérculo e sua obra História Romana. Esta obra foi considerada historicamente superficial, marcada por um forte desejo para agradar o imperador Tibério e, também considerada um veículo para propaganda imperial. Frente a isso o trabalho de Veleio teve pouca atenção acadêmica, se comparada aos trabalhos dos outros historiógrafos romanos. No que diz respeito a essa atitude, consideramo-la um tanto quanto inquietadora, pois diversas foram as obras com um propósito similar. Alain Gowing chama a atenção para como a breve história de Veleio (contida em dois livros que abrangem o período da fundação de Roma até 29 E.C) estabelece pontes e demarca junções para a transição da República ao Principado. Na visão do autor, o valor de Veleio encontra-se em seu lugar social como um dos principais literários que emergiram imediatamente após Augusto e, portanto, um produto do novo sistema, o Principado. 55

Gowing frisa que a sua perspectiva é valiosa, pois fornece aquilo que denominou como um antídoto para o cinismo de Tácito, o qual tinha poucas dúvidas de que o Principado de Augusto gerou a falência da República em Roma. Nesse sentido, os leitores modernos, no entanto, por tenderem a seguir o ponto de vista taciteano, que é reconhecidamente expresso por uma narrativa poderosa e envolvente, até sendo considerado o autor “mais crível”, acabam por descreditar do otimismo de Veleio sobre o período. Ademais, para Gowing (2007, p.411-18), este desdém científico se refletiu na própria escassez de traduções e comentários sobre Veleio, preterido em prol de outros escritores que lhe eram contemporâneos. Um fato que não há como negar é que toda seleção elaborada toma como ponto a proposta de um segmento. Não seria Tácito uma voz complexa para o período por refletir os interesses senatoriais? O que temos em jogo são visões de mundo, que, ao analisarmos em conjunto, podem fornecer interessantes dados para uma pesquisa e a construção de aulas para o primeiro ano do Ensino Médio. Afinal, nos intriga desvelar: Quais as características de sua obra? Marco Veleio Patérculo, 20/19 A.E.C. – (31 E.C.) (Marcus Velleius Paterculus) - seu praenomem considerado como controverso é oriundo da aristocracia municipal romana, de um grupo social que ganhou importância naquele período. Seu avô paterno, C. Veleio, tinha sido praefectus fabrum sob Pompeu, seu pai era praefectus equitum sob Augusto e um cliente de Tibério Claudio Nero, pai biológico do imperador Tibério. Na perspectiva da historiografia, Veleio foi um proeminente cliens de Tibério, assim detendo uma personalidade influente no contexto político de Roma (MORENO, 2011, p.523-27; GOWING, 2007, p.411-18). Seus relatos em Historia Romana, em boa medida, refletem a sua própria vivência política. Veleio serviu como tribuno militar nas legiões da Trácia e Macedônia (II, 2. 101. 3). Em 4 E.C., ele assistiu Otávio Augusto adotar Tibério (II. 103. 3), assim como no período foi elevado a praefectus equitum (II. 104. 3) acompanhando Tibério em uma expedição ao Reno. Posteriormente se tornou quaestor em 6 E.C. sem ser capaz de exercer esse cargo, visto que ele tinha de ajudar Tibério durante um motim na província da Panônia (II. 111. 3). Entre 9 e 11 ele acompanhou Tibério em suas campanhas nas Germânias e testemunhou o seu triunfo em Roma, 12 E.C. (II. 121. 3). Em 15, tornou-se pretor (II. 124. 4). Sabe-se que sua obra foi dedicada a M. Vinicius, que era filho de seu antigo comandante militar. Sua obra é caracterizada pela brevidade. Veleio utilizou-se da ideia de escrever um trabalho que viesse a cobrir pelo menos o período desde o início da guerra civil entre César e Pompeu aos dias dele próprio, o sujeito locutor. Em sua produção, vemos sua própria biografia através dos vestígios legados em sua obra. Desse modo, reconhecemos o tema do novus homo, a devoção de um soldado para Tibério e a sua proximidade com o círculo literário dos Vinicii. Na visão de Alain Gowing e de Isabel Moreno, Veleio voltava-se para a necessidade da edificação moral do Principado de Tibério, não apenas para a figura de Tibério (MORENO, 2011, p.52327; GOWING, 2007, p.411-18). Vale mencionar que Veleio usa os padrões e modelos republicanos passados por Tito Lívio em sua escrita. Assim, convergimos com os autores sobre a perspectiva de que havia uma busca por demonstrar, através de personalidades do passado, todo o conjunto de virtudes que o mais nobre cidadão da República tem de portar ao personificar a liderança de Roma, ou seja, o exemplum para aquele que vai ser o optimus princeps (II.126.5). 56

Seguindo esse viés pontuamos que a História Romana de Veleio narra sim uma gênese, porém não apenas do Principado, mas as dos principes em uma República que estava sendo restaurada. Para servir à sua "república imperial'', ele retoma do passado as qualidades que considera como essencialmente positivas para serem consubstanciadas na mais notável personalidade da época. Desse modo, mesmo que Veleio tenha sido relutante em admitir a modificação do sistema político da República para o novo Principado, seu uso dos exempla, no entanto, revelam como a paisagem política e cultural tinha sido alterada nas últimas décadas do I A.E.C. e I E.C.. A História Romana de Veleio consiste em dois livros. O primeiro está mutilado no início e exibe uma lacuna considerável nos capítulos 8/9. Ele trata o tempo a partir do final da Guerra de Tróia até 146 A.E.C. em 18 capítulos. O segundo livro é constituído de 131 capítulos e discute longamente o período de 146 A.E.C até Veleio, assim terminando com um panegírico para Tibério. Para Isabel Moreno, a obra pode ser caracterizada como um Breviário, que integra o gênero da historiografia romana. O breviário era uma composição pessoal, que detinha uma nítida intencionalidade, com uso próprio, peculiar e específico no manejo das fontes. A autora salienta que é uma obra com uma distinta e complexa originalidade na elaboração retórica do assunto a ser abordado. Além da leitura de historiógrafos anteriores como Tito Lívio e Salústio, da sua experiência pessoal, Veleio também possuía acesso às Atas do Senado e aos demais arquivos imperiais, como base documentais para sua produção, como foi exposto por Isabel Moreno (2011, p.523-27). Em suma, a obra de Veleio Patérculo emerge como uma fonte intrigante sobre o cenário político de Roma. Seus relatos nos possibilitam compreender o processo de adoção de Otávio Augusto por Júlio César até a morte do princeps em 14 E.C., sendo fecundos para obtermos indícios que viessem a complementar os biógrafos de Augusto. Logo, tomamos Veleio Patérculo como uma base de reflexão política dos aristocratas sobre esse momento de gradual modificação política e cultural romana.

Referências Documentais: TACITE. Annales. Tome I. Livres I – III. 1re éd. 3. Texte établi et traduit par Pierre Wuilleumier. Paris: Les Belles Lettres, 2003. _____. Annales.Tome II. Livres IV – VI. 1re éd. 3. Texte établi et traduit par Pierre Wuilleumier. Paris: Les Belles Lettres, 2003. _____. Annales. Tome III. Livres XI – XII. 1re éd. 3. Texte établi et traduit par Pierre Wuilleumier. Paris: Les Belles Lettres, 2003. _____. Annales. Tome IV. Livres XIII – XVI. 1re éd. 5. Texte établi et traduit par Pierre Wuilleumier. Paris: Les Belles Lettres, 2003.

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_____.Histoires. Tome I. Livre I. 1ère éd. 2. Texte établi et traduit par Pierre Wuilleumier et Henri Le Bonniec, annoté par Joseph Hellegouarc’h. Paris: Les Belles Lettres, 2002. VELLEIUS PATERCULUS. Compendium of Roman History. Translation: Frederick W. Shipley. London: William Heinemann Ltd., 1961. VELEYO PATERCULO. História Romana. Tradução: Maria Sanchez Manzano. Madrid: Editorial Gredos, 2001.

Referências Bibliográficas: ALBRECHT, Michael von. A History of Roman Literature. Vol. 1. London: E. J. Brill, 1997. CABANES, P. Introdução à História da Antiguidade. Petrópolis: Ed. Vozes, 2009. ESTEVES, Anderson Araújo Martins. Os textos literários antigos e o historiador: desafios e abordagens. Cadernos do LEPAARQ, Vol. XII, n°24, 2015, p.200-210. GOWING, Alain. The Imperial Republic of Velleius Paterculus. In: MARINCOLA, John. A Companion to Greek and Roman Historiography. Vol.:1. Oxford – UK: Blackwell Publishing Ltd, 2007, p.411-418. GUARINELLO, Norberto Luiz. História Antiga. São Paulo: Contexto, 2013. MARINCOLA, John. Introduction. In:_____. A Companion to Greek and Roman Historiography. Vol.:1. Oxford – UK: Blackwell Publishing Ltd, 2007, p.1-10. MARTIN, R.; GAILLARD, J. Les genres littéraires à Rome.Paris: Nathan, 1990, p.107108. MORENO, Isabel. Veleyo Patérculo. In: CODOÑER, Carmen [ed.]. Historia de la Literatura Latina. Madrid: Ed. Cátedra. 2011, p.523-527. PINSKY, Carla (org.). Fontes Históricas. São Paulo: Editora Contexto, 2010.

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THE THIRD WAVE: A ESCOLA E O RESSURGIMENTO DO FASCISMO Caroline de Alencar Barbosa Esta pesquisa analisará uma experiência ocorrida na Cubberley Senior High School, em Palo Alto, Califórnia, em 1976, denominada de The Third Wave (traduzido como A Terceira Onda), desenvolvida e aplicada nas turmas dos segundo, quinto e sexto períodos da disciplina História do Mundo Contemporâneo, ministrada pelo professor Ron Jones. Pretendendo mostrar aos alunos a capacidade de persuasão de um grande líder ao educar as massas para a disciplina, seguimento de uma ideologia e a obediência utilizou como modelo o Partido Nazista, liderado por Adolf Hitler (1889-1945), que conseguiu mobilizar a população durante os anos de governo do Terceiro Reich (19331945). O que deve ser destacado em relação à Terceira Onda é a sua repercussão que pode ser observada através da análise do periódico estudantil The Catamount produzido pelos alunos da escola, onde percebemos o momento em que o experimento saiu do controle quando os alunos tomados pela ideologia e imersos na simulação como algo real passaram a agir de forma violenta. Foram desenvolvidos símbolos para o movimento inspiradas no nazismo como, por exemplo, a insígnia que consistia em uma onda (como a suástica), a saudação que era feita com a mão curvada semelhante à saudação nazista, além da disciplina e atenção enquanto o “Furher” Jones falava (KLINK, 1967, p.3). O conceito norteador para pensar esse tema consiste nos “Fascismos” e a partir de Francisco Carlos Teixeira da Silva (2015) definimos o fascismo como um conjunto em ascensão de movimentos de extrema-direita caracterizados pelo antiliberalismo, antiparlamentarismo e antimarxismo, com apego às tradições nacionais, a um líder de personalidade autoritária, além da adoção de uma teoria de conspiração voltada para um inimigo comum, a exemplo os judeus na Alemanha. O agir político fascista pode ser compreendido como a reprodução de um sentimento de superioridade que promove a construção de identidade nacional comum. Os Fascismos alemão e italiano iniciaram suas ações quase em simultâneo após a crise que se gerou com o fim da Primeira Guerra Mundial (1914-1918). Expressavam repúdio radical da ordem política liberal e parlamentar, assumindo antimaterialismo e buscando novos valores como antissocialismo, valorização das forças irracionais, exaltação do instinto e da violência na vida política. Contemplavam um maciço projeto de reeducação da cultura nacional que envolvia medicina, biologia e ciências sociais, com o objetivo de educar o povo a aceitar o novo sistema de valores e rejeitar as antigas normas culturais (DE GRAND, 2005). Ainda que existam controvérsias em relação à emergência desse fenômeno político em sociedades que não vivenciaram contextos de crise no período entre guerras (19181939), podemos identificar traços fascistas nos movimentos de extrema-direita que 59

emergiram a partir da segunda metade do século XX e primeiros anos do século XXI. Porém, nenhum fascismo será idêntico aos outros, tendo em vista sua capacidade de assumir uma nova roupagem condizente com seu contexto histórico, o inimigo objetivo, além das características que determinam a busca pelo caráter nacional (SILVA, 2015). A partir do que Peter Gay denominou como “outro conveniente” ou “inimigo objetivo”, alguém que é apontado como culpado por problemas que atingem determinada sociedade, portanto, como uma ameaça a ser combatida com violência, compreendemos a afirmação de Paxton (2008) que, a respeito de “um fascismo norte americano”, este seria “autenticamente popular, religioso, antinegros e, a partir do 11 de setembro, também antiislâmico” (P.287). Deste modo, percebemos que a possibilidade da apropriação do fascismo em um contexto totalmente distinto é possível a partir da inclinação das massas em aceitar a ideologia, reforçada pela censura, violência e propaganda. Para estudar o caso é necessária a compreensão de que forma as organizações de massa na Alemanha foram projetadas para inculcar nos jovens os mitos básicos do regime como o culto ao Fürher, sentimentos nacionalistas e raciais, aceitação das guerras e da violência. (DE GRAND, 2005), pois estas foram as bases para a elaboração do projeto A Terceira Onda. Dessa forma, a realização de debates em torno desses movimentos fornece subsídios para os educadores pensarem a discussão em sala de aula em torno de sistemas políticos autoritários e formas de intolerância geradas a partir deles. Esse estudo se justifica ao pensar a escola como um ambiente de conscientização e formação de opinião contra a barbárie e o extremismo político. É “preciso reconhecer os mecanismos que tornam as pessoas capazes de cometer tais atos” (ADORNO, 1995, p.120) tornando a educação um instrumento transformador enquanto auto-reflexão e crítica social. O ensino e a pesquisa nesse sentido devem se auxiliar mutuamente, pois a produção do conhecimento através de fatos e fontes privilegiará a reprodução e discussão nas disciplinas escolares desses conteúdos em sala de aula pelo docente. Para isto, a metodologia desta pesquisa partirá do levantamento das edições do jornal The Catamount, que estão disponíveis para consulta e download em formato PDF no site The Wave (http://www.thewavehome.com/) gerido e supervisionado pelos participantes originais do movimento Terceira Onda. Essas fontes serão coletadas, catalogadas e arquivadas em um banco de dados que facilite o acesso do pesquisador às principais fontes de pesquisa, caso o site seja retirado de circulação. Realizaremos uma investigação das informações referentes à Terceira Onda e ao professor Ron Jones, que deverão ser traduzidas para o português. Durante a análise das fontes devemos entender que uma das preocupações essenciais ao se trabalhar a partir da perspectiva histórica é de não limitar os acontecimentos às ações e esquecer as ideologias e mentalidades motivadoras para tal fato (BLOCH, 2011). Esta pesquisa deve entender quais as motivações dos estudantes americanos que integraram o movimento da Terceira Onda ao tomarem para si a ideologia de cunho fascista em um contexto que não pertencia à Segunda Guerra Mundial. Portanto, a relevância deste trabalho consiste em através do estudo da Terceira Onda tratar da intolerância e dos fascismos, temas relacionados ao ensino de história. A pertinência desta pesquisa se justifica pela ascensão de movimentos de extrema-direita 60

na atualidade, inclusive no Brasil. Os discursos de ódio proferidos por esses grupos e apropriação de posturas de cunho fascista devem ser analisados pela perspectiva da educação com a finalidade de promover um debate significativo entre os profissionais do ensino.

Referências bibliográficas ADORNO, Theodor W. Educação após Auschwitz. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1995, p. 117-138. BLOCH, Marc. Apologia da História ou o Ofício do Historiador. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2001. DE GRAND, Alexander J. Itália fascista e Alemanha nazista/ Alexander J. De Grand; [tradução Carlos David Soares]. – São Paulo: Madras, 2005. PAXTON, Robert O. A anatomia do fascismo. Tradução de Patrícia Zimbes e Paula Zimbes. São Paulo: Paz e Terra, 2007. SILVA, Francisco Carlos Teixeira da. Enciclopédia de guerras e revoluções: vol II: 1919-1945: a época dos fascismos, das ditaduras e da Segunda Guerra Mundial (1939-1945)./ Francisco Silva. 1º Ed.- Rio de Janeiro: Elsevier, 2015.

Fonte KLINK, Bill. ‘Third Wave’ presents inside look into Fascism. The Catamount. Cubberley Senior High School, Pala Ale, vol. 11, nº 14, 21 de Abril de 1967, p. 3. Disponível em: . Acessado em 29 set. 2016.

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IR AO MUSEU: A POSSIBILIDADE DE SER ATOR E ESPECTADOR SEM ESPERAR RESPOSTAS PRONTAS – ALGUMAS CONSIDERAÇÕES PARA CONTRIBUIR COM AS REFLEXÕES SOBRE ENSINO DE HISTÓRIA Cristina Helou Gomide Como professora, sempre que vou ao museu com meus alunos e alunas, espero que eles se lembrem do que lhes disse antes de nossa visita, que se recordem de que todo espaço é histórico e que toda cidade é um grande museu a céu aberto. Comumente, como professores e professoras de história, conduzimos nossos alunos com algumas expectativas, que depois esperamos encontrar nas suas leituras dos espaços visitados. No entanto, como não somos sujeitos estáticos e nem o museu é um espaço fossializado, interpretações diversas aparecem e nem sempre o que esperamos é o que escutamos. Nesse sentido, chamo a atenção, para pensarmos que quando estamos em um museu, podemos ser “atores e espectadores”, e assim interpretarmos o museu com os olhos e movimentos com os quais estamos lidando. Ir ao museu, me parece assim, como ir a um espetáculo. Lembro-me, por exemplo, de ainda muita jovem, ver a Mona Lisa e pensar: Por que ela é tão pequena? Ora, isso não retira a obra da condição de marco no campo da história da arte e do movimento humano, mas meu olhar naquele momento me conduziu a outros questionamentos que não os que formalmente se espera de quem vai a um museu para ver a Mona Lisa. Quando caminhei de um canto para outro e os olhos daquele quadro me seguiram, fiquei extasiada, como uma criança que brinca no tempo, pensando “como Leonardo Da Vince fez isso?” Naquele momento, eu não era a jovem professora, era “ator e espectador” assistindo ao espetáculo de interpretar aquele quadro. Se o fizesse no tempo presente, provavelmente teria outras expectativas sobre a tela, e a leria de forma mais acadêmica. Ir ao museu pode representar a busca pelo conhecimento. Porém, entendo que não necessariamente é o conhecimento, mas a possibilidade crítica dele. Ir ao museu e dialogar com a cultura material exposta é participar de um jogo, uma expedição a um espetáculo onde somos de mão dupla: ator e espectador. Gadamer (1999) explica que o jogo não é um estado de ânimo – nem daquele que o cria nem daquele que joga, mas é o próprio modo de ser da arte. Isso significa que quando você se propõe a jogar, estabelecem-se regras, que não implica no desaparecimento da ludicidade inerente ao jogo, mas apenas na sua suspensão. Nesse sentido, quando estou trabalhando assumo um papel. Quando vou ao cinema, assumo outro. Somos uma mesma pessoa assumindo vários papéis em vários momentos. Visitar um museu pode implicar então, em viver um “momento”, um determinado papel, naquele determinado momento. Esse é o estado que Gadamer denomina diálogo. A discussão do autor não é sobre a subjetividade do jogo, mas do “modo de ser do jogo 298

como tal”. Assim, o autor aborda a obra de arte como uma forma de experiência que só se efetiva quando experimentada. A ludicidade fica suspensa, e o jogo aparece como movimento, vivência, diálogo. Podemos assim refletir sobre os objetos expostos em um museu, sua disposição, os jogos de luzes, sua intenção. O ato de jogar transfigura aquele que o vivencia. Portanto, o “sujeito” do jogo não é aquele que está jogando. O que joga lhe dá apenas representação. É o que podemos experimentar quando vamos a um museu e visualizamos o que está exposto – interpretamos suas imagens. Se essa interpretação não acontece, não experimentamos o jogo – ou o museu -, portanto não dialogamos nem interpretamos o espaço visitado. Assim, se antes da ida a um museu, nosso aluno espera que o museu esteja repleto de “coisas velhas”, como comumente se imagina estar carregado o espaço do museu, é o “velho” que ele irá procurar. Provavelmente verá algo produzido recentemente e ainda assim, poderá remetê-la a um passado distante. Nós, professores e professoras, encontramos desafios parecidos com frequência. Esse jogo de interpretação das coisas possui um movimento constante. A visita a uma cidade chamada histórica (por exemplo), proporciona a vivência de um momento, a criação de um “novo” olhar para aquele espaço já constituído, mas esse “novo” não é totalmente “novo”, porque é uma recriação dentro daquele espaço já existente. A disposição das casas, a proposta turística do lugar, os lazeres, tudo se configura em um jogo de apresentações. A Cidade de Goiás, antiga capital do Estado de Goiás, considerada cidade histórica, reconhecida pela UNESCO como tal desde 2001, é um bom exemplo disso. Logo que a cidade recebeu o título de Patrimônio Histórico e Cultural Mundial, o local sofreu com um acidente terrível, quando as fortes chuvas do mês de dezembro provocaram uma enchente, destruindo monumentos e casas localizados no centro histórico da cidade. À época, trabalhava com uma pesquisa sobre patrimônio e busquei saber de alguns moradores locais sobre o que mais achavam necessário reconstruir. Para minha surpresa, ficaram desolados com a destruição da estátua do bandeirante paulista, símbolo da dominação e escravidão indígena. Por outro lado, muito se ouvia dizer da necessidade de usar a verba para revitalizar a cidade, no sentido de criar novas oportunidades de trabalho, pois a cidade, embora tivesse o título de Patrimônio Mundial, possuía poucas perspectivas econômicas no campo da indústria, ficando muitas vezes vinculada ao campo do turismo. Mas como construir algo novo em um local considerado histórico? Esse é um problema. Há uma expectativa sobre a cidade e o “novo”, mesmo que não destrua o “velho”, pode ameaçar as expectativas criadas para ela. Assim, como faria o visitante para reconhecer o potencial histórico da cidade se nela também esperasse ver o novo? Venho trazendo essas considerações no intuito de lançar reflexões sobre como criamos expectativas em nossos alunos, e muitas vezes em nós mesmos, quando programamos trabalhos de campo, atividades de extensão, e os conduzimos a espaços de visitação com o intuito de produzir conhecimento. Esta reflexão posta aqui, não pode se reduzir a essas poucas colocações, mas visto que devemos ser objetivos, penso que esta é apenas uma primeira questão para pensarmos nas atividades com as quais lidamos fora das salas de aula e com as possibilidades que temos quanto a sermos atores e espectadores nesse jogo que é interpretar o espaço do museu.

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Bibliografia: ARGAN, Giulio Carlo. História da Arte como História da Cidade. São Paulo: Martins Fontes, 1998. GADAMER, Hans-Georg. Verdade e Método – traços fundamentais de uma hermenêutica filosófica. Petrópolis: Vozes, 1999. MERLEAU-PONTY, Maurice. A Prosa do Mundo. São Paulo: Cosac&Naify, 2002. WILLIAMS, Raymond. Marxismo y Literatura. Barcelona: ediciones península, 1980.

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CENAS, PERSONAGENS E SEUS CONTEXTOS NAS AULAS DE HISTÓRIA: MEMÓRIA, IMAGEM E FOTOGRAFIA E SUAS RELAÇÕES NO ENSINO DE HISTÓRIA Daniel Luciano Gevehr Vanuza Mittanck De olho na imagem: texto e contexto da pesquisa Iniciamos nosso estudo sobre o uso da fotografia enquanto fonte histórica e também ferramenta pedagógica para o ensino de história com o pensamento proposto por Peter Burke (2009, p.282) quando afirma que “a câmara nunca mente”. O autor mostra como a fotografia, em seu contexto de invenção no século XIX, era vista como a reprodução digna e fiel da realidade e, portanto, dotada da mais pura verdade. Daquele tempo para cá, o processo de produção da fotografia mudou. Do efeito de pura realidade, passamos ao exercício crítico “da captura da imagem”. É nessa perspectiva crítica, de pensar a fotografia enquanto fonte e possibilidade de trabalho voltada para o ensino de história, que iniciamos a discussão sobre o uso da imagem e do registro fotográfico. Nesse estudo, apresentamos os principais resultados de uma experiência pedagógica, pautada pelo uso da fotografia como instrumento para o ensino de história, no qual alunos do Ensino Médio valeram-se da produção de registros fotográficos para representar determinados aspectos do período histórico estudado nas aulas de história. As cenas produzidas pelos estudantes nessas fotografias procuraram mostrar a riqueza de detalhes do período. Cenas nas quais questões de relações de poder, status quo de época, gêneros, papéis sociais e outros elementos aparecem como “retratos” da sociedade de época e contribuíram, para a compreensão dos fatos estudados nas aulas de história. É indispensável situar os estudos sobre fotografia e história no campo da cultura visual. Essa aproximação entre a história e a fotografia é na opinião de Mauad e Lopes (2012), resultado das transformações da consciência historiográfica, que permitiu a incorporação de novas fontes e documentos ao campo da história. De acordo com os autores [...] “a fotografia pode ser um indício ou documento para se produzir uma história; ou ícone, texto ou monumento para (re)apresentar o passado” (MAUAD; LOPES, 2012, p.263). Outro autor fundamental é Peter Burke (2004, p.13), que ensina que as imagens exercem um papel fundamental na construção dos imaginários sociais, na medida em que apresentam ao público um determinado ponto de vista, uma determinada realidade. 301

Para Burke “as imagens oferecem virtualmente a única evidência de práticas sociais”. Além disso, o autor acrescenta que no caso da fotografia, essa tem um duplo sentido, sendo ela “evidência da história e história” (Ibidem, p.29) ao mesmo tempo. Concordamos, ainda, com Jean-Claude Abric (1998, p.28) ao afirmar que uma representação – como a imagem - não é um simples reflexo da realidade, ela é uma organização significante, ao ter uma relação direta com o contexto físico e social no qual é produzida. Assim, a imagem, como a fotografia, por exemplo, é resultado de escolhas e enquadramentos da memória que se quer “guardar” ou registrar. Para Nora (1993, p.25), a “memória pendura-se em lugares como a história em acontecimentos”, logo os lugares de memória, além de serem socialmente construídos, consistem em mecanismos de perpetuação da memória coletiva. Nesse estudo, buscamos compreender em que medida as imagens contribuem para o ensino de história e como estas imagens contribuem para uma aprendizagem significativa e duradoura.

Enquadrando o foco da pesquisa: as fotografias e a perspectiva do ensino de história As imagens, enquanto representações do passado permitem-nos pensar naquilo que Pollack (1989) denominou de trabalho especializado de enquadramento. Nessa perspectiva, a memória é alvo de manipulações e defesa de interesses pessoais e coletivos. Cabe ao trabalho pedagógico com o ensino de história, interpretar criticamente essas imagens do passado, percebendo nelas idealizações ou até mesmo ausências, propositalmente dispostas nesses enquadramentos da memória. Para Burke (2004, p.175) “imagens têm evidência a oferecer sobre a organização e o cenário de acontecimentos grandes e pequenos: batalhas; cercos; rendições; tratados de paz; greves; revoluções; concílios de igreja; assassinatos; coroações; as entradas de governantes ou embaixadores em cidades; execuções e outras punições públicas e assim por diante”. Para ele, estas imagens revelam detalhes e particularidades que reportagens verbais acabam omitindo, permitindo ao espectador distante no espaço e no tempo o “senso da experiência” (Ibidem, p.189). Além disso, a imagem enquanto representação do passado, precisa ser interpretada a partir de sua intencionalidade, ou seja, “aquilo que se queria mostrar”, de fato. Além disso, Pesavento (2002, p.162), enfatiza a necessidade de considerar as representações como produzidas social e historicamente, não sendo “anacrônicas, deslocadas ou necessariamente falsas, pois traduzem formas de sentir, pensar e ver a realidade.” Sobre isso, Mauad e Lopes (2012, p.279) enfatizam que [...] “podemos conceber experiências históricas nas quais as fotografias – meios – transformam e criam sentidos sociais sobre a realidade mediada, de acordo com a prática social do fotógrafo – mediador”. Daí a necessidade do professor apresentar [...] “as fotografias como práticas sociais e experiências históricas” (Ibidem, p.279).

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Cenários e poses na sala de aula: fotografias, fatos e contextos A proposta curricular para a disciplina de História direcionada aos alunos do terceiro ano do Ensino Médio propõem a análise e discussão sobre as principais características e mudanças que ocorrerem no Brasil nos anos de 1950. Destacando aspectos como a sociedade, arte e cultura dentro deste recorte temporal, buscou-se despertar a curiosidade e interesse dos alunos sobre este assunto, propondo a eles uma atividade diferenciada, através do uso de fotografias. Como afirma Fonseca (2009, p. 173), os professores devem utilizar “diversos meios, materiais, vozes, indícios que contribuem para a produção do conhecimento e aprendizagem histórica”. Tornando a aprendizagem mais atrativa, estimulante e prazerosa. Como fonte principal de pesquisa, o trabalho de conclusão do curso em Licenciatura em História, realizado pela própria professora foi disponibilizado para consulta, por abordar exatamente o assunto proposto. As fotografias foram entregues e foi possível perceber a riqueza de cada detalhe. A preocupação com o cenário, vestuário e até os gestos representados por eles. De fato, a dedicação, as leituras e pesquisas realizadas, pelos alunos foram a base fundamental para um trabalho significativo e com resultados surpreendentes como este. Auxiliando tanto para a aprendizagem do conteúdo em si, como a vivência e aproximação do que aprendem em sala de aula, de maneira significativa e duradoura. Autores como Schmidt e Cainelli (2009, p. 149) nos aconselham a utilizar e explorar outros ambientes para o ensino de História, “ultrapassar os muros da escola significaria dar um passo em direção à realidade, tornando significativo aquilo que se aprende, ao se conseguir relacionar os conteúdos ensinados ao cotidiano vivido”. Foi seguindo este conselho que se realizou esta atividade, proporcionando aos alunos a possibilidade de vivenciar, o que se aprende em sala de aula.

Considerações finais A pesquisa mostra as potencialidades que a fotografia apresenta no contexto do ensino de história, na medida em que permite aos estudantes melhor compreender as diversas questões do cotidiano que marcaram os diferentes capítulos da história – em diferentes escalas, como a mundial, nacional e regional. Através da fotografia pode-se visualizar as imagens de uma época, percebendo-se suas peculiaridades e singularidades, que por sua vez, explicitam aspectos muitas vezes negligenciados pelos livros didáticos mais “tradicionais”, que muitas vezes enfatizam uma história econômica e política, desconsiderando, ou colocando quase que como “anexo” as questões culturais. Através da fotografia, percorremos parte das experiências do fazer pedagógico que permeia o ensino de história, fazendo-nos refletir sobre os reais desafios para o ensino de história, contextualizado nas novas demandas sociais e nas novas inquietações dos estudantes, que não respondem mais passivamente diante das aulas simplesmente expositivas e pautadas pela lista de conteúdos programáticos, que devem ser seguidos à 303

risca pelo professor. Afinal, dessa forma, estaríamos desconsiderando todo um universo de possibilidades e de proposição de espaço de crítica, no qual a fotografia aparece como uma possibilidade inovadora e investigativa para a construção do conhecimento histórico.

Referências ABRIC, Jean-Claude. A abordagem estrutural das representações sociais. In: MOREIRA, Antônia S. P. e OLIVEIRA, Denise C. de. Estudos interdisciplinares de representação social. Goiânia: AB Editora, 1998. p.27-38. BURKE, Pater. O historiador como colunista. Ensaios para a Folha. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2009. ________. Testemunha ocular. História e imagem. Bauru: EDUSC, 2004. FONSECA. Selva Guimarães. Fazer e ensinar História. Belo Horizonte: Dimensão, 2009. MAUAD, Ana Maria; LOPES, Marcos F. de Brum. História e Fotografia. In: CARDOSO, Ciro F.; VAINFAS, Ronaldo (orgs). Novos Domínios da História. Rio de Janeiro: Elsevier, 2012. p.263-282. MONTEIRO, Charles. Porto Alegre e suas escritas. Histórias e memórias (1940 e 1972). São Paulo: 2001. 460p. Tese (Doutorado em História). PUCSP. NORA, Pierre Entre memória e história. A problemática dos lugares. Projeto história. São Paulo, n. 10, dez. 1993. [Revista do Programa de Estudos Pós-graduados em História e do Departamento de História PUCSP].p.07-28. PESAVENTO, Sandra Jatahy. O imaginário da cidade. Visões literárias do urbano. Paris, Rio de Janeiro, Porto Alegre. Porto Alegre: UFRGS, 2002. POLLACK, Michael. Memória, esquecimento, silêncio. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 2. n. 3, 1989. p.03-15. SCHMIDT, Maria Auxiliadora; CAINELLI, Marlene. Ensinar História. São Paulo: Scipione, 2009.

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HISTÓRIA E CINEMA: A UTILIZAÇÃO DE RECURSOS CINEMATOGRÁFICOS NAS AULAS DE HISTÓRIA Débora Dorneles Uchaski Ismael Paiva da Silva Quando relacionamos a História e a educação, temos que compreender que o objetivo desta disciplina escolar é estudar as problemáticas contemporâneas relacionando com as diversas temporalidades, fornecendo estrutura para a reflexão e a tomada de uma consciência crítica, para que o indivíduo diante das situações sociais possa ter autonomia de pensamento e se sinta sujeito desse processo histórico. (BRASIL, 2008, p.20) Cabe às ciências humanas a responsabilidade de formar uma cultura educacional que acompanhe o ritmo acelerado de transformações da sociedade em que vivemos. De acordo com Parâmetros Curriculares Nacionais: O papel das disciplinas que compõem a área de Ciências Humanas, para esse nível de ensino e o momento histórico que se está vivendo, deve ser entendido em sua dimensão mais ampla, envolvendo a formação de uma cultura educacional. Vive-se hoje em uma sociedade marcada pelo domínio do mito do consumo e pelas tecnologias, com ritmos de transformações aparentemente muito acelerados e informações provenientes de vários espaços, embora predominando os meios audiovisuais, e ainda pela fragmentação do conhecimento sobre os indivíduos e a vida social. (BRASIL, 2008, p.20) A pesquisa histórica vem se empenhando em combinar a micro e a macro-história, buscando detalhes dos acontecimentos e as generalizações necessárias para a compreensão do processo histórico. Ou seja, utilizando da História do Estado (documentações oficiais) e também da história da vida cotidiana (história oral e outros recursos). A pesquisa histórica esforça-se atualmente por situar as articulações entre a micro e a macro-história, buscando nas singularidades dos acontecimentos as generalizações necessárias para a compreensão do processo histórico. Na articulação do singular e do geral recuperam-se formas diversas de registros e ações humanas tanto nos espaços considerados tradicionalmente os de poder, como o do Estado e das instituições oficiais, quanto nos espaços privados das fábricas e oficinas, das casas e das ruas, das festas e das sublevações, das guerras entre as nações e dos conflitos diários para sobrevivência, das mentalidades em suas permanências de valores e crenças e das transformações advindas com a modernidade da vida urbana em seu 305

aparato tecnológico. (BRASIL, 2008, p.21) Portanto, passa-se a valorizar outras fontes documentais, além do documento escrito, como a história oral, análise iconográfica e recursos cinematográficos, entre outros. O documento perde o seu caráter de verdade absoluta, devido a sua subjetividade e por ter sido produzido por um indivíduo que viveu em uma sociedade da época em que o documento é criado, onde há ideologias, formas de pensamento variadas, etc. Atualmente, através de diversas metodologias podemos analisar o documento como parte da construção de uma época e de suas articulações. Direcionando-nos, mais para a identificação do indivíduo e que tipo de sociedade estava inserido. Metodologias diversas foram sendo introduzidas, redefinindo o papel da documentação. À objetividade do documento – aquele que fala por si mesmo – se contrapôs sua subjetividade – produto construído e pertencente a uma determinada história. Os documentos deixaram de ser considerados apenas o alicerce da construção histórica, sendo eles mesmos entendidos como parte dessa construção em todos seus momentos e articulações. Passou a existir a preocupação em localizar o lugar de onde falam os autores dos documentos, seus interesses, estratégias, intenções e técnicas. (BRASIL, 2008, p.22)

História e Cinema: utilizando recursos cinematográficos em sala de aula Atualmente quando nós educadores da História queremos alcançar esses objetivos propostos e nos deparamos com a sala de aula, percebemos que o método tradicional tem sido insuficiente para que o discente consiga alcançar o processo de ensinoaprendizagem e de formação identitária. Por isso é necessário a utilização de novos recursos tecnológicos para acompanhar o ritmo acelerado da sociedade em que estamos inseridos. Vivemos em uma sociedade audiovisual, estamos a todos os momentos voltados para uma tela, seja de um smartphone, computador ou televisão. Da mesma forma que a sociedade muda, as instituições também devem se adaptar. Não é raro observar em uma sala de aula, um aluno voltado para o celular enquanto o professor disputa sua atenção utilizando o livro didático. De acordo com Maffesoli (2004) vivemos em um “mundo imaginal”, um mundo perpassado pela imagem, pelo simbólico, em que a imagem se tornou o principal elemento do vinculo social. Assim sendo, o professor, sujeito integrante desta realidade, deve compreender o papel fundamental que as mídias audiovisuais exercem na vida das pessoas, logo, dos educandos e deve pensar maneiras de melhor aproveitá-las em sala de aula. Um recurso riquíssimo, podendo ser utilizado em sala de aula, porém com alguns cuidados, é o cinema. A desordem cultural persistirá enquanto a escola pretender educar as crianças com instrumentos e sistemas que tiveram validade há 50 anos (…). Subsistirão as lições, os braços cruzados, as memorizações, enquanto fora da escola haverá uma avalanche de imagens e de cinema. (BENCINI, 2005, p.03 apud FREINET) 306

A exibição de filmes em sala de aula pode ser um momento de crítica e aprofundamento do tema, para isso é necessário a intervenção do professor para a escolha do filme, analisar se será necessário passar o filme inteiro ou apenas alguns trechos, a elaboração de roteiros, de textos-base sobre o conteúdo à ser trabalhado no filme, o cuidado com cenas desapropriadas para a faixa etária, a ênfase em pontos importantes da película, a explicação para os educandos sobre a utilização do recurso cinematográfico em aula, etc. Para isso é necessário que partimos do argumento de que todo filme é um documento. Marc Ferro ainda nos diz que há uma duplicidade da narrativa cinematográfica, existindo duas vias de leitura e análise do cinema para o historiador: a leitura histórica do filme (corresponde à leitura do filme relacionada ao período em que foi produzido) e a leitura cinematográfica da história (corresponde à leitura de filme históricos no período da narrativa). Em relação a leitura histórica do filme, podemos partir da premissa que o cinema é um testemunho da sociedade que o produziu, aderindo um caráter de fonte documental para a História. Para utilização de tais recursos é necessário cautela e cuidados especiais. Primeiro, porque a análise não será de uma forma direta, o historiador deverá se distanciar da visão mecânica para poder enxergar através das entrelinhas do filme, é necessário também que o historiador se volte para a análise da estética do filme e a linguagem cinematográfica que está ligada a sociedade que a produziu. Ou seja, buscar os elementos da realidade através da ficção. A análise de um filme possui infinitas possibilidades, algumas películas, por exemplo, podem ser muito importantes para reconstrução dos gestos, dos vestuários, do vocabulário, da arquitetura e dos costumes da época. Marc Ferro segundo sua teoria do vísivel e o não-vísivel nos diz: O filme, aqui, não é considerado do ponto de vista semiológico. Não se trata também de estética ou história do cinema. O filme é abordado não como uma obra de arte, porém como um produto, uma imagem-objeto, cujas significações não são somente cinematográficas. Ele vale por aquilo que testemunha. Também a análise não trata necessariamente da obra em sua totalidade; pode apoiar-se em resumos, pesquisar “séries”, compor conjuntos. A crítica não se limita somente ao filme, integra-o no mundo que o rodeia e com o qual se comunica necessariamente. (…). Nessas condições, empreender a análise de filmes, de fragmentos de filme, de planos, de temas, levando em conta, segundo a necessidade, o saber e o modo de abordagem das diferentes ciências humanas, não poderia bastar. É necessário aplicar esses métodos a cada substância do filme (imagens, imagens sonoras, imagens sonorizadas), às relações entre os componentes dessas substâncias; analisar no filme principalmente a narrativa, o cenário, o texto, as relações do filme com o que não é o filme; o autor, a produção o público, a crítica, o regime. Pode-se assim esperar compreender não somente a obra como também a realidade que representa. (FERRO, 1989, p.203) Portanto, os filmes são como documentos ou como toda produção humana, históricos, e contenedores de elementos que lhe são inseridos de maneira consciente ou não. Mas que 307

retratam uma ideologia estando ligada a sociedade que o produziu. Por isto, Marc Ferro defende que devemos fazer uma análise do filme em si, mas também ligarmos a quem os produziu, que tipo de sociedade estão inseridos. Conclusão Concluímos, portanto, que a utilização do recurso cinematográfico em aulas de História, pode ser uma grande experiência tanto para o educador quanto para os educandos. Proporcionando uma aula diferente, com recursos lúdicos, permitindo que o aluno tenha uma outra concepção sobre o estudo da história. Porém, para que seja uma experiência positiva é necessário que o professor realize um planejamento e se prepare em nível teórico e técnico. Conhecimentos básicos sobre a relação cinema-história, sobre as teorias da comunicação e da educação, a linguagem cinematográfica e das técnicas de cinema e vídeo. O professor não deve inibir-se de tentar, mesmo não possuindo todos os requisitos, muito das experiências se dá através da prática.

Referências BENCINI, Roberta. O filme na aula de História. Revista Escola, 2005. BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs). Ensino Médio. Brasília: MEC/SEF, 1998. FERRO, Marc. O filme: uma contra análise da sociedade? LE GOFF, Jacques; NORA, Pierre. História: Novos Objetos. RJ. F. Alves, 1989 MORRETIN, Eduardo. O cinema como fonte histórica na obra de Marc Ferro. CAPELATO, Maria Helena… [et al.]. História e Cinema: dimensões históricas do audiovisual. SP. Alameda, 2011 FERRO, Marc. Cinema e história; tradução Flávia Nascimento. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992. MAFFESOLI, M. Notas sobre a pós-modernidade: o lugar faz o elo. Rio de Janeiro: Atlântica, 2004. MOCELIN, Renato. O cinema e o ensino da história. Curitiba: Nova Didática, 2002.

NOVA, Cristiane. O cinema e o conhecimento da história. Disponível em: http://www.pearltrees.com/wlippold/pratica-ensino-vi/id12162098/item182267384 Acessado em: 11 de novembro de 2016.

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ENSINO DE HISTÓRIA E PRODUÇÃO CINEMATOGRÁFICA: UMA EXPERIÊNCIA DIDÁTICA USANDO CELULARES Deibson Joaquim dos Santos Introdução A utilização das novas tecnologias da informação e comunicação (NTICs) nos ambientes escolares tem motivado muitas querelas entre os educadores (as) nas semanas de planejamento pedagógico. As discussões versam sobre os métodos para a utilização das ferramentas tecnológicas nas salas de aula, como também, a permissividade no ambiente escolar. Sabemos que tais ferramentas estão ocupando cada vez mais espaços nos ambientes educativos, na condição que futuramente a maior parte das atividades realizadas dependerá da utilização das NTICs. Por isso, se torna emergencial a reinvenção das práticas pedagógicas inserindo as NTICs no âmbito das ações que estimulam os processos de ensino/aprendizagem e a construção do saber histórico. Para isso, a experimentação dessas ferramentas nas aulas de história, como também, a divulgação das experiências exitosas são fundamentais neste processo. Uma vez que “ao incorporarmos diferentes linguagens no processo de ensino de História, reconhecemos não só a estreita ligação entre os saberes escolares, as culturas escolares e o universo cultural mais amplo, mas também a necessidade de (re)construirmos nossas concepções pedagógicas” (GUIMARÃES, 2012, p. 259). Em 2015 apresentamos o projeto “‘Curtas’ história de Direitos humanos e Cidadania” ao Programa Mestre da Educação, da Secretaria de Estado da Educação da Paraíba – SEE/PB: cujo objetivo foi à produção de filmes “curta metragens” com temáticas em direitos humanos. O projeto foi executado na Escola Estadual de Ensino Fundamental Gustavo Fernandes de Lima Sobrinho, Bairro do Areal, Mamanguape, Paraíba. Na execução do projeto optamos pela utilização dos celulares como ferramenta didática e a produção cinematográfica na condição de estratégia para o ensino de história. Com o projeto pretendíamos estimular o respeito à diversidade cultural e sensibilizar os educandos a perceberem em seu dia a dia as situações de violação aos direitos humanos. Além disso, cumprirmos umas das principais funções do ensino de História: “desenvolver nos indivíduos uma criticidade voltada aos problemas sócio-econômicos nacionais, destinada à intervenção e à transformação da realidade brasileira” (SILVA; ALEIXO; ARAÚJO, pag. 05).

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O uso dos celulares para o ensino de história Dentre os vários aplicativos e aparelhos oriundos nas NTICs, o celular é motivador de muitas polêmicas, argumenta-se que seu uso na escola dificulta a aprendizagem, pois alguns aplicativos instalados nos aparelhos celulares retiram à atenção das atividades educativas. Assim, a utilização do celular e outros aparelhos eletrônicos não são permitidos em algumas escolas, inclusive, estimulando a criação de leis estaduais ou municipais: a Lei 18.118/2014 do Paraná, por exemplo, “Dispõe sobre a proibição do uso de aparelhos/equipamentos eletrônicos em salas de aula para fins não pedagógicos no Estado do Paraná”. Todavia, “é inegável que o uso dos aparelhos celulares hoje é um recurso riquíssimo de informação e mídia que, se bem utilizados no contexto escolar, tornam-se um grande aliado para desenvolver práticas educativas mais atualizadas” (VIVIAN; DEPRÁ, 2012. p. 04). No caso da produção cinematográfica, há de se dizer que “o cinema detém um enorme poder de produção, de difusão dos valores, ideias, padrões de comportamento e consumo, modos de leitura e compreensão do mundo” (GUIMARÃES, 2012, p. 260). Dessa forma, a produção cinematográfica foi à ferramenta para estimular a pesquisa/aprendizagem em história, como também, mecanismo na aquisição do saber histórico. A execução do projeto “‘Curtas’ História de Direitos Humanos e Cidadania” aconteceu entre os meses de julho e outubro de 2015 cumprindo algumas etapas: divisão dos temas por turmas; aulas sobre história do cinema; pesquisa e elaboração de roteiros cinematográficos; filmagens e edição de vídeos; mostra cinematográfica. No conjunto das temáticas sobre direitos humanos separamos quatro temas, pois são as principais violações aos direitos humanos observadas na escola e no Bairro do Areal: Bullying, violência contra a mulher, racismo e tortura (a tortura policial ainda é muito comum na região). Dessa forma, dividimos as turmas por temática: para o sexto ano, bullying; sétimo ano, violência contra a mulher; oitavo ano, racismo; nono ano, tortura. Nas aulas sobre História do cinema dialogamos sobre o papel do cinema na representação do passado, desconstruindo a concepção que penetra o imaginário dos jovens, que os fatos históricos retratados no cinema são “fatos verdades”, portanto, incontestáveis. Assim, buscamos sensibilizar os jovens quanto à importância dos filmes para a compreensão do passado: Há de se dizer que “a produção fílmica é um recurso para produzir leituras sobre o passado e para construção do saber histórico, desde que se observe que a mesma está sujeita as interferências culturais de uma dada época” (SOUZA; SOARES, 2013, p.03). Além disso, discutimos sobre a origem do cinema e seu papel cultural ao longo da história, inclusive, sobre a utilização com fins ideológicos durante os regimes autoritários. A construção dos roteiros foi fundamental para a aprendizagem em história, uma vez que permitiu aos jovens investigarem as temáticas que resultaria nos curta metragens, possibilitando que eles estabelecessem relações criticas com o ambiente no qual estão inseridos. 310

Na elaboração dos roteiros os estudantes foram auxiliados (as) pelas professoras das Disciplinas de Português e Artes, estimulando a interdisciplinaridade. No desenvolvimento dos roteiros os celulares foram utilizados como ferramenta de pesquisa e comunicação, uma vez que criamos grupos nas redes sociais que facilitou a coordenação das atividades e as pesquisas para a construção dos roteiros. Os roteiros reproduziram cenas do cotidiano dos jovens que interagiram na rememoração do passado. Por exemplo, o sexto ano, com simplicidade e emoção, representou atos violentos em escolas, causados por vitimas de bullying; o sétimo ano demonstrou as condições históricas que motivaram a Lei do Feminicídio; o oitavo ano representou um julgamento de racismo, nos discursos relembraram Zumbi dos Palmares e Martin Luther king; o nono ano inspirou-se na tortura aos presos políticos durante o regime militar e a violência policial para elaborar o roteiro do filme. Os celulares foram às principais ferramentas para as filmagens e edição dos filmes, porque os aplicativos instalados nos aparelhos facilitaram a criação de efeitos comuns às produções cinematográficas e ajudaram no recorte das cenas. Para isso, foi necessário à utilização de aplicativos como Vídeo Editor Andromedia. Além disso, as encenações para a realização dos filmes contou com a participação da professora da Disciplina de Artes, oferecendo os recursos teóricos necessário à linguagem corporal prevista nos filmes, unindo o lúdico aos processos de ensino/aprendizagem. A culminância do projeto aconteceu com uma mostra cinematográfica aberta à comunidade, que assistiu aos curtas produzidos pelos estudantes na escola. O evento facilitou na divulgação de políticas publicas voltada a promoção dos direitos humanos, já que os vídeos divulgaram as redes de proteção, assim como, de denúncias das violações aos direitos humanos. As atividades do projeto permitiram aos jovens relacionarem questões atuais com o passado, fortalecendo o processo cognitivo de pensar historicamente, como também, a promoção do sentido histórico – elemento tão importante para construção da consciência histórica (CERRI, 2011).

Conclusão Apesar das polêmicas que envolvem a utilização de NTICs no ambiente escolar, o uso dessas ferramentas pode favorecer as práticas pedagógicas e a aquisição do conhecimento histórico: como demonstramos nas ações do projeto “‘Curtas’ História de Direitos Humanos e Cidadania”, onde a utilização didática do celular foi primordial na divulgação das políticas de direitos humanos, através de filmes curtas metragens produzido pelos estudantes. Da mesma forma que a produção cinematográfica foi estratégica para o ensino de História, durante a execução do projeto. Dessa forma, é preciso que esses aparelhos/aplicativos sejam introduzidos, de fato, na cultura escolar, desde que, na condição de ferramentas didáticas a serviço das práticas 311

pedagógicas. Pois assim, contribuirão na construção dos processos de ensino/aprendizagem, do saber histórico e na efetivação das consciências históricas.

Referências CERRI, Luis Fernando. Ensino de história e consciência históricas: Implicações didáticas de uma discussão contemporânea. Rio de Janeiro: FGV, 2011. GUIMARÃES, Selva. Didática e Prática de Ensino de História: Experiências reflexões e aprendizagens. 13ª ed. Campinas: Papirus, 2012. PARANÁ. Lei 18.118, de 25 de junho de 2014. SILVA, Wagner Tavares da; ALEIXO, Ramon Alcântara; ARAÚJO, Patrícia Cristina de Aragão. Aspectos da construção da cidadania no ensino de história: um olhar sobre o ensino médio. In. XIII Encontro Estadual de História. ANPUH-PB, Guarabira, 2008. SOUZA, Polyana Jessica do Carmo de; SOARES, Valter Guimarães. Cinema e ensino de História. In: XXVII Simpósio Nacional de História. Natal, 2013. VIVIAN, Caroline Deprá; PAULY, Evaldo Luis. O uso do celular como recurso pedagógico na construção de um documentário intitulado: fala sério! Pelotas: Revista Digital da CVA, 2012.

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DEVEMOS ENSINAR AS CRIANÇAS E ADOLESCENTES SOBRE OS HIPERTEXTOS DA INTERNET NA AULA DE HISTÓRIA? Éder Dias do Nascimento Anita Lucchesi em seu artigo intitulado “História no Ciberespaço: Viagens sem Mapas, sem Referências e sem Paradeiros no Território Incógnito da Web”, oferece um ponto de partida interessante para essa comunicação quando enfatiza a “ausência de critérios que agrupem ou classifiquem de maneira inteligível a enorme e plural oferta de recursos disponibilizados” (2012, p.02). Lembra-nos sobre a condição distinta em que a internet, com seus infinitos usos, dinamizou várias áreas da vida humana, alterando a forma de senti-la e vivê-la. Em decorrência dessa conjuntura, a História passou a não escapar dos processos dinâmicos de transmissão e recepção de conhecimento no mundo virtual, tendo que refletir sobre questões relacionadas à maneira como o público não especializado, interage com a mesma nos dinâmicos suportes tecnológicos. Partindo desse quadro e antes de responder ao questionamento anunciado no título desse trabalho, é importante refletir sobre o hipertexto. Segundo Pierre Levy, na web é disponibilizado diariamente enorme quantidade de escritos, imagens, sons, documentos, gráficos etc. Tais artefatos formam de maneira não linearizada um enorme conjunto de rastros digitais conectados, traduzidos em um verdadeiro emaranhado de informações, cruzando-se constantemente e originando o chamado hipertexto (1993, p. 33). Esse tipo de texto pode ser lido, modificado ou compartilhado de acordo com os parâmetros colocados por seus leitores e as ferramentas utilizadas. Sendo uma síntese de mudanças históricas, sociais e técnicas, principalmente no ramo das comunicações e sua existência, não é atribuível somente às descobertas tecnológicas das últimas décadas. Isso porque a necessidade de comunicar-se sempre foi uma questão para a qual o ser humano encontrou diversas respostas ao longo da história. E na transição dos ritos de cultivo da memória predominantemente pela oralidade, até a aquisição de formas escritas de seu registro, os seres humanos saíram de um sistema que necessitava da interação entre um sujeito transmissor e um receptor, para um sistema no qual a presença do autor de uma narrativa escrita não era necessária para entendê-la (DIAS, 1999, p.269). De mudanças relacionadas às formas de interação com as informações no decorrer de séculos, as práticas de interpretar e transmitir as mesmas, ganharam roupagens distintas, constituindo a hipertextualidade enquanto resultante de uma infinidade de experiências históricas acumuladas. Dados esses contornos, como uma das resultantes dessas transformações, a prensa de Johannes Gutenberg no século XV, deu condições para o aumento da produção de livros. Seguindo esse percurso, as transformações no campo comunicacional foram contínuas e no século XX, várias inovações surgiram, entre elas: o cinema falado, a televisão e o rádio. Porém, todas essas novidades não permitiam a alteração dos conteúdos transmitidos. 313

Tal conjuntura sofreria um grande abalo nos anos 90, nos quais respingava a discussão em curso das décadas anteriores, sobre a implantação de sistemas hipertextuais, dinamizadores de acesso às informações. Esse quadro em muito refletia a empolgação de uma época marcada pela disseminação da internet, agora não mais restrita somente ao uso das universidades e pela criação da linguagem HTML e o protocolo de comunicação HTTP. Avanços responsáveis por dar suporte a escrita e a disseminação de hipertextos no ciberespaço (DIAS, 1999, p.274). Por consequência, a rede mundial de computadores foi ganhando mais fios com o aumento de pessoas conectadas e os novos recursos comunicacionais colocados em cena. Deste gradativo aumento de indivíduos conectados, que perdura até a atualidade, formas peculiares de acessar, compreender e divulgar as informações produzem tramas de sentido que tem como um dos seus recursos, o uso de artefatos hipertextuais. Por exemplo, um adolescente que está lendo uma reportagem sobre a ditadura militar no Brasil na tela do seu celular, pode contar com a opção de acessar os diversos links disponibilizados, com os quais pode ver vários vídeos, entrar em outras páginas, analisar memes e talvez saia admirando os militares por seu papel como guardiões de nossa frágil democracia. Ou pelo contrário, construa um entendimento divergente em relação a essa perspectiva e entenda a intervenção militar como um dos atos mais antidemocráticos da história brasileira. De toda forma, a liberdade de tecer relações e criar sentidos com o hipertexto pode gerar narrativas bastante indigestas para muitos indivíduos, se esperam ver suas idéias recebidas com objetividade na internet. Mesmo com esses argumentos, seria exagerado afirmar que ninguém mais se entende no ciberespaço devido à hipertextualidade virtual, pois a formação de grupos e comunidades pautados em interesses comuns testifica o contrário dessa ideia. Todavia, a perspectiva de que a opinião nos dias de hoje é lapidada pelo rápido acesso as informações e a falta de tempo para maturação das mesmas abre questionamentos sobre a utilização nada reflexiva dos recursos da internet. Processo bem relacionado ao uso em massa de tecnologias, nas quais a execução de comandos repetitivos na tela de computadores, celulares, smartphones etc. não implicam que os seus utilizadores se tornem cidadãos “mais críticos e autocríticos” (DEMO, 2008, p. 07), em relação às informações recebidas ou transmitidas por meio desses dispositivos. Nesse esquadro, a má qualidade de alguns debates entre os usuários do facebook e os demais espaços da internet, sobre temas relacionados à política e economia do nosso país, entre outros, demonstram muito bem essa condição antropológica de muitas sociedades atuais. A possibilidade de deslocamentos sem a necessidade de longas viagens a arquivos históricos e museus, o cruzamento de informações da rede e o acesso às fontes históricas digitalizadas trouxeram mudanças ao perfil do trabalho do historiador e muito mais na forma como o público não especializado tem se relacionado com a história (LUCHESI, 2012, p.29). Sugestivamente, um exemplo pode ajudar a pensar melhor esse ponto específico.

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Figura 1. Postagem sem menção de autoria (Facebook-2016).

A imagem acima foi extraída da rede social já citada, consideremos perdoável confundir Lenin com Karl Marx, num eventual embaraço de memória visual de alguém. De outro ponto de vista, sugerir que ele governou a China, não tem nenhuma coerência histórica. Curiosamente, trata-se de uma informação dentre muitas, demonstrando usos pouco elaborados da história. O que se pretende frisar desse caso é que muitos internautas tratam o saber histórico e o senso comum como medidas equivalentes, não recorrendo a nenhum tipo de evidência ou interpretação científica para construir suas afirmações. Algo observável na sugestão fantasiosa da postagem mostrada, de que Marx matou 11 bilhões de pessoas dentro do regime comunista. De fato, a grande quantidade de material lançado diariamente na internet, sem menção a sua autoria ou as fontes consultadas é um entrave para alavancar usos mais consistentes do conhecimento, principalmente sobre temas históricos. E sobre essa questão, bem lembra Denis Rolland: “o escrito “virtual”, raramente assinado, oferece, amiúde, para os consumidores, sem que o internauta o saiba, uma história sem historiador” (2001, p.02). Tomando como base esse argumento e o desenho brevemente realizado até aqui, pode-se dar a seguinte resposta à questão utilizada como título desse texto. 315

Sim, é fundamental ensinar crianças e adolescentes sobre o hipertexto na aula de história. Pois a finalidade do aprendizado sobre ele (desde os primeiros hipertextos até os dias atuais) tem o objetivo de fazer esses sujeitos entenderem a historicidade das práticas comunicacionais do ser humano. Contexto no qual também podem ser extraídos elementos para compreender a relação entre os suportes de transferência das informações e outros aspectos da nossa sociedade contemporânea. Horizonte propício igualmente para produção de práticas escolares que considerem o relacionamento entre as evidências históricas e os critérios de “verdade” empregados para construir diversos discursos na web, como caminho mais facilitado para compreensão da dinâmica de circulação das informações nesse espaço. Entretanto, não se trata de inserir mais um conteúdo no currículo, mas pontuar uma perspectiva de trabalho relevante para o ensino de história, tendo em vista as problemáticas emergentes no século XXI.

Referências COSTA, Marcella Albaine. Currículo, história e tecnologia: que articulação na formação inicial de professores? Dissertação de Mestrado, UFRJ, 2015, p. 145. Disponível em: < http://www.educacao.ufrj.br/ppge/dissertacoes2015/dmarcellaalbaine.pdf>. Acesso em: 05/12/2016. DIAS, Claudia Augusto. Hipertexto: evolução histórica e efeitos sociais. Ci. Inf., Brasília, v. 28, n. 3, p. 269-277, set./dez. 1999 DEMO, Pedro. Habilidades do Século XXI. B. Téc. Senac: a R. Educ. Prof., Rio de Janeiro, v. 34, n.2, maio/ago. 2008. LÉVY, Pierre. As tecnologias da inteligência. O futuro do pensamento na era da informática. Trad. Carlos Irineu da Costa. Rio de Janeiro: 34, 1993. (Coleção TRANS) LUCHESI. Anita. Histórias no Ciberespaço: Viagens sem Mapas, sem Referências e sem Paradeiros no Território Incógnito da Web. Cadernos do Tempo Presente – ISSN: 2179-2143 Edição n. 06 – 06 de janeiro de 2012. ROLLAND, Denis. Internet e história do tempo presente: estratégias de memória e mitologias políticas 2001. Disponível em: < http://www.historia.uff.br/tempo/artigos_dossie/artg16-4.pdf.>. Acesso em: 05/12/2016.

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UTILIZAÇÃO DAS TECNOLOGIAS DA INFORMAÇÃO E DA COMUNICAÇÃO NO ENSINO DE HISTÓRIA Eduardo da Silva Melo As Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs) contribuem consideravelmente na construção de uma nova realidade ao longo da história da humanidade nos seus diversos âmbitos: histórico, social, político, econômico, cultural, etc. Desde seus primórdios a tecnologia sempre afetou a vida do homem. Mudou hábitos acarretando amplas e profundas mudanças sociais e culturais, em um processo de elaboração e mudanças, o que impõe transformações no que se entende por ensino e aprendizagem (ROMEIRA; ALTOÉ, s/d, s/p). Dessa forma, as tecnologias provocam transformações na coletividade e como consequência, “a transformação geral da sociedade repercute, sim, na educação, nas escolas, no trabalho dos professores” (LIBÂNEO, 2001, p.21 apud MENDES, 2011, p. 14), ou como alerta Santos (s/d): O mundo está mudando e isso está ocorrendo a uma velocidade sem precedentes na evolução histórica da humanidade. A globalização, o surgimento de novas tecnologias, como o avanço das telecomunicações e da informática, contribuem para que ocorra mudanças, também, na Educação. A interação professor - aluno vem se tornando muito mais dinâmica nos últimos anos. O professor tem deixado de ser um mero transmissor de conhecimentos para ser mais um orientador, um estimulador de todos os processos que levam os alunos a construírem seus conceitos, valores, atitudes e habilidades que lhes permitam crescer como pessoas, como cidadãos e futuros trabalhadores, desempenhando uma influência verdadeiramente construtiva (SANTOS, s/d, s/p). As TICs são peças fundamentais no processo de ensino-aprendizagem, pois dinamizam os métodos tradicionais aplicados nas escolas. Assim, na busca por uma educação mais efetiva, lançar mão de propostas pedagógicas atraentes, perpassando pelo uso das tecnologias disponíveis, é de crucial importância para se lograr êxito na sala de aula, principalmente no que concerne ao ensino de História. Considerando o papel da escola na sociedade da informação, podemos tomar como referência o pensamento de Freire (1997), quando diz que ensinar é algo de profundo e dinâmico, não é mera transferência de conhecimentos, mas sim conscientização e testemunho de vida. Portanto, é preciso mudar profundamente nossos métodos de ensinar para reservar ao cérebro humano o que lhe é peculiar: a capacidade de pensar, a dominar as 317

linguagens (inclusive a eletrônica) a pensar criticamente (MENDES, 2011, p. 19). A escola deve abrir-se ao novo contexto sócio-cultural vigente. Este faz uso de novas tecnologias para ter acesso à informação e para empreender a comunicação. Afinal, educação é uma forma de comunicação. Comunicação do conhecimento, das perspectivas sociais, das necessidades da sociedade, dos anseios da comunidade escolar, em fim é comunicar ao outro o seu eu. Cabe frisar que emitir opinião não quer dizer necessariamente comunicar-se. A comunicação exige uma posição formada a partir de leituras diversas e da reflexão sobre elas. Ser opiniático é emitir sua opinião sem muito embasamento. Entre a escola e os novos aportes tecnológicos precisa-se construir uma ponte, um elo forte que possibilite, perenemente, a construção do conhecimento e facilite o processo de aprendizagem, tornando-o cada vez mais atrativo, moderno e lúdico. Cabe ao educador a tarefa de construir a ponte necessária para que haja a construção e troca de saberes. Assim, o professor precisa trabalhar pensando nas possibilidades de convergência de hipertexto, multimídia, realidade virtual e agentes virtuais que têm possibilitado a mudança dos modos de comunicação, entretenimento, trabalho e cognição, consequentemente transformando também os modos de ensino-aprendizagem [...].Pressupõe uma mudança de cultura, a tal ponto de os indivíduos passarem a utilizar as novas tecnologias, de forma criativa e inovadora, para o desempenho melhorado de funções outrora executadas tradicionalmente (SILVA, s/d, s/p). Constitui-se um grande desafio para as instituições de ensino, principalmente as públicas, e para professores e professoras, aderirem a esse novo contexto. Mas “não se pode admitir que justamente a escola, local onde se produz conhecimento, fique à margem da maior fonte de informações disponíveis e, mais, não seja capaz de orientar sua utilização” (FERREIRA, 1997, p. 87, FRANÇA; SIMON, s/d, s/p). No entanto, fazendo uso dos mecanismos certos, utilizando-se de maneira equilibrada, coesa, coerente e “com propriedade” – dos instrumentos tecnológicos disponíveis – o ambiente escolar só tem a ganhar. Quando o professor de história inclui imagens e dinâmicas que trazem acréscimos aos conteúdos tradicionais ele está convidando o aluno a uma possibilidade de compreensão de forma mais maleável e interessante. Além disso, a utilização de pequenos documentários científicos também são bem vindas, uma vez que por serem menores do que um filme maior, conseguem dialogar com o conteúdo da aula de maneira resumida e interativa contribuindo também para a ampliação do conhecimento dos alunos (SANDRE, s/d, s/p). Junto com a internet, os canais de comunicação e informação como o e-mail, os chats, os fóruns, os grupos de WhatsApp, comunidades virtuais do Facebook, os canais no 318

Youtube, os vlogs, os blogs, etc, formam uma verdadeira rede, que revolucionou os relacionamentos humanos. Esses meios digitais de interação virtual possibilitam, de maneira dinâmica, o estreitamento das relações interpessoais, por meio do uso das TICs (Tecnologias da Informação e Comunicação), integrando conteúdos, informação e entretenimento, que convergem para a inserção no processo de ensino-aprendizagem. A sociedade atual vivencia um amplo processo de transformação no que diz respeito à intensificação do acesso à comunicação e informação. Trata-se da sociedade do conhecimento, na qual os saberes são transitórios e há necessidade de estarmos constantemente aprendendo, construindo novos conhecimentos. O espaço educacional, não diferente de outros espaços, mas de um modo particular, tem sido cada vez mais demandado na perspectiva de se experienciar novas formas de construção e difusão do conhecimento (VIEIRA, 2011, p. 65-66). Dos diversos recursos multimídias existentes, muitos já são utilizados com sucesso em algumas escolas, no ensino de história, a exemplo do datashow (usado na exibição de audiovisuais), do aparelho de som (quando o objeto de análise e/ou exposição da aula é um áudio/música), etc. Multimídia é o conjunto dos mais variados meios de comunicação (meios digitais, tais como texto, gráfico, imagem, áudio, animação, vídeo) que visam transmitir de alguma forma as informações. (Schnotz e Bannert, 2003; Akkoyunlu e Yilmaz, 2005; Montazemi, 2006; Rose e Fernlund, 2009). Nas escolas, a utilização de fotos, rádio, televisão, softwares educativos e sites da Internet estão sendo utilizados como meios tecnológicos por alunos e professores para fins educativos (LEE et al,2006). Para Prieto et al. (2005) as atividades digitais multimídia, na sua maioria, possuem grande apelo visual, acabam encantando pelo layout com cores vibrantes, som e movimento e fascinando alunos e professores que se impressionam com a interface colorida, o áudio e os vídeos (OLIVEIRA et al.,2013, p. 02). Nisso, entende-se que o ensino de história, por meio do uso das Tecnologias da Informação e da Comunicação torna o acesso aos conteúdos didáticos aplicados na sala de aula, de maneira mais instantânea, flexível e dinâmica. Assim promove-se e desenvolve-se a pacificação entre tecnologia e educação.

Referências FRANÇA, Cyntia Simioni; SIMON, Cristiano Biazzo. Professores de história: o uso do computador na construção do conhecimento histórico escolar. Disponível em . Acesso em 01.03.2017.

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MENDES, João. Tecnologias da Informação e Comunicação Educativa. Curitiba: UFP, 2011. OLIVEIRA, André Junior de; KLEIN, Luciana; ALMEIDA, Lauro Brito de; SCHERER, Luciano Márcio. Recursos Multimídia no Processo de EnsinoAprendizagem: Mocinho ou Vilão. Disponível em < http://www.anpad.org.br/diversos/trabalhos/EnEPQ/enepq_2013/2013_EnEPQ187.pdf> . Acesso em 05.03.2017. ROMEIRA, Tony Eudes; ALTOÉ, Anair. Tecnologia de informação e comunicação e ensino de história: possibilidades de diálogo. Disponível em . Acesso em 01.03.2017. SANDRE, Lara Patrícia. Novas tecnologias no curso de história: uma didática possível. Disponível em . Acesso em 02.03.2017. SANTOS, Elenir Souza. O Professor como Mediador no Processo Ensino Aprendizagem. Disponível em . Acesso em 03.03.2017. SILVA, Marcos. Ensino de história e novas tecnologias. Disponível em . Acesso em 02.03.2017. VIEIRA, Rosangela Souza. O Papel das tecnologias da informação e comunicação na educação a distância: um estudo sobre a percepção do professor/tutor. Disponível em . Acesso em 04.03.2017.

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O USO DE FILMES EM SALA DE AULA: O EXEMPLO DE “1492 – A CONQUISTA DO PARAÍSO” E AS VÁRIAS NUANCES DA TERRA NO RENASCIMENTO Eduardo Gomes da Silva Filho Lucas Montalvão Rabelo Atualmente, os professores que trabalham com o ensino de História no Brasil enfrentam dificuldades relacionadas à mediação do conhecimento histórico para os estudantes do sistema de ensino. Para facilitar esse processo, muitos docentes utilizam recursos de mídia, como filmes, músicas, documentários, jogos entre outros. Segundo José Manuel Moran: O vídeo parte do concreto, do visível, do imediato, próximo, que toca todos os sentidos. Mexe com o corpo, com a pele - nos toca - e "tocamos" os outros, estão ao nosso alcance através dos recortes visuais, do close, do som estéreo envolvente. Pelo vídeo sentimos, experienciamos sensorialmente o outro, o mundo, nós mesmos. (MORAN, 1995, p. 01). Entretanto, deve-se ter em conta um cuidado para que estes recursos não criem uma compreensão errônea dos processos históricos. Nossa proposta, com este texto é trazer um questionamento do filme “1492 – A Conquista do Paraíso” (“1492 – Conquest of Paradise” no original) que é muito divulgado em sala de aula, no Ensino Médio, ao ser estudada a Expansão Marítima Europeia. O primeiro passo, ao trabalhar com qualquer filme, é tratá-lo também como uma fonte histórica datada. “1492”, como qualquer outra produção cinematográfica, não pode ser compreendido enquanto uma janela de acesso ao século XV, mas sim, uma interpretação visual daqueles acontecimentos por parte dos produtores do filme feito no século XX. Lançado em 9 de Outubro de 1992 nos EUA e três dias depois na França, nos âmbitos de comemoração dos 500 anos de descoberta da América, a produção franco-estadunidense foi escrita pela francesa Roselyne Bosch; produzida pelo francês Alain Goldman juntamente com o famoso produtor inglês Ridley Scott, que também participou como diretor. Conta ainda com o ator francês Gérard Depardieu no papel de Cristóvão Colombo. Este conhecimento sobre aqueles que participaram da criação do filme é importantíssimo para revelar detalhes da forma como os acontecimentos são trabalhados na película. A exposição destes dados deve ser realizada aos alunos antes que assistam ao filme, pois, é importante que o compreendam enquanto uma leitura acerca daquilo que os homens realizaram em um tempo passado. Aliada com esta primeira etapa, faz-se necessário um domínio do enredo do filme por parte do professor (a), para uma compreenção de seu sentido total , mesmo que não seja 321

exposto na íntegra aos estudantes. “1492” retrata vinte anos da vida de Cristóvão Colombo, período em que teria “descoberto” a esfericidade da Terra e teve embates com intelectuais da Universidade de Salamanca que o contestavam; buscou financiamento espanhol para a expedição rumo ao Grande Cã, localizado do outro lado do mundo; chegou às Antilhas e iniciou sua colonização, além de contar com o embate dos nativos com os europeus; e no final da vida, sua condição de líder da colonização foi contestada e enfrentou questionamentos. Optamos, neste texto, por desconstruir a crença demonstrada de que Colombo seria um homem revolucionário que descobriu a forma redonda da Terra. O texto inicial, presente na introdução filme, apresenta o caráter revolucionário do navegador genovês em contraposição ao atraso da Espanha: Há 500 anos, a Espanha era uma nação dominada pelo medo e pela superstição, governada pela Coroa e por uma feroz Inquisição que perseguia os homens que se atrevessem a sonhar. Um homem desafiou este poder. Guiado pela sua percepção do destino, ele atravessou o Mar das Trevas em busca de honra, ouro e da grande gloria divina. (1492..., 1992, introdução). Ao apresentar Colombo, existe uma crítica forte ao império espanhol taxado como “nação dominada pelo medo e superstição” além de ser governado por uma “feroz Inquisição”. Logo na introdução, é vinculada uma desqualificação clara da religião católica provavelmente elaborada para agradar ao público inglês e estadunidense, em sua maioria de religião protestante. Assim, a imagem do navegador genovês é construída, no filme, como sendo oposta ao misticismo católico. Entretanto, o final do texto traz uma contradição inerente com esta condenação ao dizer que Colombo buscava a “glória divina”. Algo que não deixa de ser místico. Além disso, ao conhecer a história deste personagem, sabe-se que afirmou ter encontrado na costa da Venezuela o Paraíso Divino. Isso demonstra “(...) a presença do vínculo entre o pensamento medieval e o pensamento renascentista” (SILVA, 1990/1991, p.30). Uma forte relação deste personagem renascentista com as crenças medievais de uma realidade geográfica dos escritos presentes na Bíblia Sagrada. Acrescenta-se, ainda, que existiam outros navegadores provindos da região itálica como o genovês naturalizado veneziano John Caboto (esteve na Espanha no mesmo período que Colombo e frustrou-se pela escolha do financiamento deste e partiu para a Inglaterra e viajou ao Novo Mundo em 1497), o florentino Américo Vespúcio (viajava com os portugueses, a partir de 1497, e posteriormente tornar-se-ia o primeiro pilotomor de Espanha) e outros. Na sequência da introdução do filme, Colombo, ao explicar ao seu filho Fernando sobre a esfericidade da Terra, mostra um navio desaparecendo no horizonte e explica a sua ocorrência ser devido a Terra possuir uma forma semelhante à laranja. A construção realizada neste momento e em outros induz ao espectador a ideia de que, através de seu raciocínio, Colombo seria o responsável por este pensamento. Entretanto, a esfericidade terrestre não era uma novidade. De acordo com o autor W. G. L. Randles (1990), as justificativas para a forma universal da Terra, vigentes entre os séculos XII ao XV, resumiam-se basicamente em duas 322

sínteses: “[...] o mito bíblico da Terra plana com a ideia grega de uma Terra redonda: plana ao nível da ecúmena habitável, esfericamente e unicamente ao nível da astronomia” (p.11). A partir da ideia de Crates de Malo (c. 160 a. C.), autores como Marciano Capela (século V) e Macróbio (século V) e, posteriormente, Guilherme de Conches, mencionavam uma esfera preenchida na sua maior parte por água onde haveria quatro ilhas separadas por corredores de água. Uma delas estaria povoada pelos cristãos e as outras não seriam habitadas devido à incomunicabilidade de ambas. Assim, o único habitat dos humanos era plano se considerada a imensidão esférica do globo. Por outro lado, o modelo aristotélico, que não se liga diretamente ao Aristóteles clássico, foi defendido por João de Sacrobosco em sua obra Tratado da Esfera (princípios do século XIII). O mundo estaria dividido em duas partes: do éter e dos elementos. Esta última estaria composta por quatro partes: no centro a terra; na sequência a água; depois o ar; e por fim o fogo puro. Cada um desses elementos estaria em uma proporção de 1 para 10. Para garantir a sobrevivência da espécie humana, com base no Gênesis ou no Salmo 103, Deus teria feito no terceiro dia a concentração das águas. Assim, uma pequena parte de terra ficou submersa diante da grande imensidão das águas. Com isso, a Terra habitável estaria plana na pequena parte descoberta, e, esférica se considerada seu todo, com a maior parte coberta de água. (RANDLES, 1990, p.14). Era, portanto, a junção de dois modelos explicativos: o aristotélico e o bíblico (Bíblico-aristotélico). Além deste pensamento, no século XV ocorreu uma maior influência de Ptolomeu, um sábio astrônomo, matemático e geógrafo que nasceu em Ptolemaida Herminou entre os anos de 85 a 100 d.C e viveu em Alexandria durante o governo de Marco Aurélio (161180). Ele compôs a Geographia, uma compilação do conhecimento da Antiguidade sobre o orbe terrestre apresentando o conjunto de cidades e vilas conhecidas e sua localização no espaço através do cruzamento de retas abstratas (paralelos e meridianos). Assim, “Ptolomeu fue el primero en emplear los términos de latitud y longitud para situar los lugares en un mapa. Formó un sistema reticular de paralelos y meridianos distribuidos a intervalos regulares y calibrados em grados y estos divididos en minutos” (PORTO, 1990, p.27). Um sistema de grande influência tanto na localização espacial ao longo do globo, quanto a sua representação em uma superfície plana. Ptolomeu também influenciou os homens da época das Grandes Navegações com seus cálculos da circunferência da Terra, pois, esta seria menor do que realmente devido à medida que Ptolomeu considerou extraindo de Posidonio, 180.000 estádios (33.723 km), no lugar de uma medida mais correta, como de Eratóstenes (250.000 estádios). Esse equívoco influenciou decisivamente o pensamento de Cristóvão Colombo (CONTA, 2004, p.37). Ao tomar por base o sábio alexandrino, treze séculos depois, o navegador genovês organizou sua empreitada saindo da Espanha e rumando através do Mar Oceano para atingir as Índias acreditando atingi-las navegando menos do que o necessário. Assim, ao atingir as Antilhas em 12 de Outubro de 1492, Colombo acreditou ter percorrido o caminho ao continente asiático o que provocou o seu clássico engano. Buscou-se exemplificar neste texto, através de algumas concepções equivocadas do entendimento da Terra no século XV e de uma crítica exagerada ao catolicismo espanhol, que ao se trabalhar em sala de aula com o filme “1492” deve-se sempre 323

transparecer aos alunos a existência e influência da mediação do conhecimento histórico realizada pelas mídias. Assim, ao invés de não aproveitar estes recursos, deve-se sempre realizar uma desconstrução deles compreendendo-os como interpretações realizadas em uma determinada época sobre outra e não como a verdade das ações humanas no passado. Um exercício interessante para realizar isso é mostrar outra mídia que trabalhou com o mesmo tema, mas de forma completamente diferente. Sugerimos aqui o episódio “1992 Ligou”, em que graças a um equívoco vão até 1492, do desenho animado estadunidense “Titio Avô” (Uncle Grandpa). Desta forma, com a exibição de trechos das duas produções, podem ser questionados os objetivos de cada uma delas e as formas de representação utilizadas para mostrar aquele passado histórico.

Referências 1492 – A Conquista do Paraíso. Direção: Ridley Scott. 148 minutos. Título original: 1492 – Conquest of Paradise. Gaumont Film Company et alli, 1992. Disponível em: < https://www.youtube.com/watch?v=fUIm3z1lcL0 > Acesso em: 02 março de 2017. 1992 Ligou - Desenho animado estadunidense “Titio Avô”. Título original: (Uncle Grandpa). Episódio 5, 2016. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=CSkpHR-HHHk. Acesso em: 02 de março de 2017, às 22:00h. A Bíblia Sagrada. Traduzida em Português por João Ferreira de Almeida. Barueri-SP: Sociedade Bíblica do Brasil, 1993. CONTA, Gioia. “La Cartografía Romana” in: Semanas de Estudios Romanos – Vol. XII. Valparaíso, Chile: Pontificia Universidad Católica de Valparaíso, 2004. COLOMBO, Cristóvão. Diários da Descoberta da América. As quatro viagens e o testamento. Porto Alegre: LP&M Editores, 1988. FONSECA, Luís Adão da. “O imaginário dos navegantes portugueses dos séculos15 e 16.” In: Estudos Avançados. 6 (16), 1992. MORAN, Manuel José. O Vídeo na Sala de Aula. Revista Comunicação & Educação. São Paulo, ECA-Ed. Moderna, [2]: 27 a 35, jan./abr. de 1995. Disponível em: http://www.eca.usp.br/prof/moran/vidsal.htm. Acesso em: 2 de março de 2017. PINTO, Otávio. Colombo e o mito da Terra plana. 11 de setembro de 2015. Disponível em: < http://otaviopinto.com/index.php/2015/09/11/colombo-e-o-mito-da-terra-plana/ > Acesso em: 2 de março de 2017. PORTO, Carmem Manso. “La influencia de Ptolomeu en la cartografía de los Descobrimentos” in: Semanas de Estudios Romanos. Volumen XII. Valparaíso, Chile: Pontificia Universidad Católica de Valparaíso, 2004.

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O USO DO JORNAL DE ÉPOCA COMO PRÁTICA NO ENSINO DE HISTÓRIA: O CASO DO CONTESTADO Eloi Giovane Muchalovski Desde o início do século XX a pesquisa em história passou por uma sucessiva cadeia de alterações teóricas e metodológicas, especialmente com o advento da Escola dos Annales, movimento intelectual que propôs novos nortes à disciplina, em alternativa a proposições da escola metódica dita positivista. A partir de então encaminhamentos frutíferos na problematização das fontes se deram. Documentos antes não considerados válidos – por não possuírem uma “verdade” histórica, ou seja, não serem fontes ditas oficiais –, passaram a figurar entre os trabalhos dos historiadores. Destaque para fontes ditas orais, bem como a fotografia e o jornal, este último, apesar de muito questionado quanto sua confiabilidade documental, exigindo em sua análise um necessário cuidado metodológico, mostrou-se consideravelmente dinâmico. Principalmente a partir da década de 1970, os periódicos impressos, materializaram-se de vez como importante instrumento para o desenvolvimento do conhecimento histórico. Apesar de ainda haver uma certa relutância pela utilização da imprensa como fonte histórica, pois pesquisava-se a história da imprensa, mas não a história por meio da imprensa (LUCA, 2008), o uso deste tipo de documento foi verificado em diversas obras, em especial pela renovação metodológica proposta pela história cultural (BURKE, 2005, p. 7). Na mesma medida, as teorias educacionais trilharam um caminho bastante símil na introdução de ideias inovadoras que possibilitaram o uso de materiais externos ao padrão apresentado pelo livro didático, especialmente no ensino de história. As sempre relevantes contribuições de Paulo Freire, trouxeram novos ares e inspirações na elaboração de uma proposta de ensino aprendizagem que fugisse da tradicional “educação bancária”, tão criticada por Freire. Mesmo módica, foi também a partir da década de 1970 que a utilização de documentos históricos na sala de aula apresentou-se como algo perceptível, em especial por obras organizadas pela professora Therezinha de Castro e do próprio MEC, através de professores do CAP da UFRJ, publicando coletâneas de documentos históricos para uso em sala de aula (KNAUSS, 2012, p. 34). Todavia o uso do jornal como fonte nem sempre foi uma realidade, e seu uso, em muitos casos, dera-se de maneira inapropriada, muito pela abordagem literal das notícias em sala de aula. Ao se considerar todo o cuidado necessário para o tratamento analítico deste tipo de fonte, a fim de evitar-se a perpetuação de discursos estereotipados, o uso literal do texto jornalístico, sem a devida problematização por parte do professor, pode enfatizar preconceitos, ao invés de contribuir para o aprimoramento do conhecimento histórico. 326

Hoje – principalmente devido o belo trabalho desenvolvido pela Fundação Biblioteca Nacional, instituição que digitalizou e disponibilizou na internet grande parte de seu acervo documental jornalístico, como também esforço de outras instituições, como por exemplo o trabalho de digitalização e publicação de jornais de época desenvolvido pelo Centro de Ciências Humanas e da Educação (FAED) / IDCH, Instituto de documentação e Investigação em Ciências Humanas da Universidade do Estado de Santa Catarina e a Biblioteca Pública de Santa Catarina e o projeto de pesquisa desenvolvido pela professora Marcia Janete Espig, finalizado em 2013, junto a Universidade Federal de Pelotas, no qual se fez a digitalização e disponibilização em CD de todas a matérias publicadas pelo jornal A Federação sobre a Guerra do Contestado –, o acesso a uma diversificada hemeroteca digital tornou-se algo acessível aos professores de história nos diversos níveis do ensino. Cabendo a estes profissionais, apenas a devida escolha de um tema específico e a realização de uma busca on-line no material documental disponível, via qualquer computador com acesso à web. Obtendo assim, em instantes, um bom conjunto de documentos para utilização em sala ou como material de pesquisa. No que tange a história local e/ou regional, as hemerotecas digitais demonstram serem profícuas para esse expediente. Segundo Tonon e Lima (2016, p. 193), “trabalhar com história local requer por parte do professor certa delimitação das fontes a serem investigadas ou mesmo da forma como elas serão analisadas”. No caso específico do planejamento de aulas de história que tenham como tema o Movimento ou Guerra Sertaneja do Contestado (1912-1916), estes documentos digitalizados podem constituir-se em valiosas ferramentas para o desenvolvimento cognitivo nos mais diversos aspectos, aprimorando competências como a compressão da produção e o papel histórico das instituições sociais, políticas e econômicas, associando-as às práticas dos diferentes grupos e atores sociais, tal como o entendimento da gênese e da transformação das diferentes organizações territoriais e os múltiplos fatores que neles intervêm como produto das relações de poder (BRASIL, 2006). Matérias jornalísticas sobre o Contestado foram publicadas em grande escala por jornais de todo o país desde do ano de 1900 até 1917, destaque para gazetas dos estados do Paraná e Santa Catarina. Neste expediente, os jornais O Dia, República, Gazeta de Joinville, A Republica e Diário da Tarde, entre outros, produziram interessantes matérias sobre o assunto, seja da controversa questão de limites como do próprio desenrolar do conflito a partir de 1912. Durante a abordagem jornalística deste contexto, menções de personalidades conhecidas por alunos da atual região geopolítica do Contestado – conhecimento obtido pela corriqueira homenagem prestada as estas pessoas da elite regional, geralmente coronéis, os quais tiveram seus nomes atribuídos à monumentos públicos, tal como ruas, praças, bibliotecas, escolas e ginásios –, aparecem nestes jornais, possibilitando ao professor trabalhar com a construção mental destes símbolos públicos como algo vivo na memória coletiva, apontando suas origens e possibilitando, por parte do aluno, o desenvolver da compreensão de si próprio enquanto sujeito ativo do processo histórico, associando manifestações políticas, econômicas, sociais, culturais e religiosas do presente ao respectivo contexto histórico de que o educando faz parte. Nada obstante, é sugestível que tal abordagem seja efetivada de modo a não legitimar ainda mais o domínio elitista sob ideário escolar. Pois, a “linguagem, a grafia, a 327

organização editorial e as construções discursivas dos jornais antigos são obstáculos a serem enfrentados pelo professor, mas não motivo para a desistência da utilização de tais fontes documentais (ALVES, 2012, p.3). Mais importante que o trabalho acerca de personalidades que tiveram seus nomes destinados a denominação de monumentos, é desejável que se discuta o cotidiano, a vida e o contexto de toda sociedade da época, temas possíveis de serem abordados por meio dos jornais (CAPELATO, 1988, p. 34). Uma boa forma para isso, seria a contraposição dos discursos presentes nos periódicos com um bom texto historiográfico do tema, o qual possa estabelecer um diálogo que evidencie a diferentes intenções políticas presentes no discurso jornalístico, facilitando para o aluno o entendimento de que aqueles documentos de época estudados não são neutros, da mesma forma que a mídia jornalística de hoje também não é, desenvolvendo assim o senso crítico e a capacidade reflexiva quanto aos diferentes meios de alienação impostos, em diferentes espaços temporais, pela indústria da mídia. Outra perspectiva de uso do jornal para o ensino da história da Guerra Sertaneja Contestado, é a demonstração de como os diferentes interesses estaduais – Paraná e Santa Catarina – aparecem materializados nas matérias anteriores a Batalha do Irani de 1912, marco inicial do conflito. As mídias jornalísticas dos respectivos estados, entre 1900 e 1908, estabeleceram verdadeiras batalhas discursivas para expor ao público leitor, os ideais de cada governo sobre a Questão de Limites. Por inúmeras vezes, intelectuais publicaram textos elucubrados para legitimar o direito de posse do território para cada lado que representavam na disputa judicial. Fazer uso da leitura desses textos, de maneira comparativa, permitirá ao professor expor como as construções ideológicas sobre determinados objetos históricos são efetivadas através dos documentos, possibilitando, desta forma, que os educandos compreendam a complexidade do trabalho do historiador e motivem-se para deterem o domínio das técnicas de pesquisa histórica, tornando as aulas muito mais dinâmicas e participativas. Trabalhar com o ensino de história nessa perspectiva, é de fato entender o processo de aprendizagem como dialogia entre ensino e pesquisa. Muitas das vezes os questionamentos dos alunos não poderão ser respondidos pelo professor de imediato, exigindo deste, assim como do aluno, a execução de pesquisas que solucionem, se possível, os problemas levantados (KNAUSS, 2012, p. 44). No que tange o conhecimento docente sobre o Contestado, mesmo na região em que o conflito foi placo, este demonstra ser deficitário (TONON; LIMA, 2016, p. 200), exigindo do educador uma postura muito mais aberta ao desenvolvimento da pesquisa, a qual, é, quem sabe, o caminho propício ao êxito e a consolidação da educação histórica, enquanto disciplina capaz de dar condições para formação de cidadãos conscientes de seu papel político na sociedade brasileira.

Referências 328

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NATIVOS DIGITAIS E AULAS DE HISTÓRIA: COMO FAZER DESTA RELAÇÃO UM AMBIENTE PRODUTIVO DE APRENDIZAGEM Evelline Soares Correia Introdução Hoje comumente encontramos nas mais diferentes localidades mundiais, jovens de diferentes idades, etnias e classes sociais andando pelas ruas portando fones de ouvido, de cabeça baixa, manuseando seu celular de última geração, se conectando às mais diversas formas de interação online. Em casa provavelmente estarão em frente à um computador realizando ao mesmo tempo diversas tarefas, convivendo e se relacionando com amigos reais e até mesmo virtuais conectados a grande rede denominada Web. Para entendermos melhor esta geração digital, buscamos em Prensky (2001) que há mais de quinze anos, elaborou conceitos observando estudantes que já começavam a mostrar mudanças de comportamento devido à era das novas Tecnologias da Informação e da Comunicação (TICs). Segundo o autor, os nativos digitais são aqueles que nasceram e cresceram cercados pelas novas tecnologias, ou seja, os que já nasceram em um universo digital, em contanto com a Internet computadores e games. São jovens que falam sem “sotaque”, o idioma digital é a sua língua materna. Já os imigrantes, são aquelas pessoas que aprenderam a usar as tecnologias digitais ao longo de sua vida adulta, e ainda manifestam “sotaques” observáveis na forma como manuseiam os recursos digitais em seu cotidiano. (PRENSKY,2001). Os imigrantes são aquelas pessoas que necessitam de apoio para leitura no computador, ou seja, precisam imprimir os textos para fazerem leitura dos mesmos, utilizar papel e caneta para escrever um texto antes de digitá-lo e ainda tendem a buscar informações em livros e outras formas de mídia impressa, situação impensável para o nativo digital. Para o imigrante é necessário a materialidade para haver produção. Já o nativo digital, segundo Prensky (2001) pensam e processam informações de uma forma diferente do imigrante, para esta nova geração é preciso estímulo, complemento e reflexão, as diferentes experiências vividas devido as TICs os levaram a diferentes interesses e formas de ver e entender o mundo. São acostumados a obter informações de forma rápida e recorrerem primeiramente a fonte digital interagindo nas mais diversas mídias ao mesmo tempo. Além disso tem o hábito de ficarem conectados aos seus pares, ou por meio do celular ou computador, conseguem ter familiaridade com imagens, códigos e símbolos de forma não linear. Segundo o Dr. Bruce Perry da Baylor College of Medicine até sua estrutura cerebral pode ser diferente (COUTINHO, 2010). 330

Cabe lembrar que estes dois conceitos não foram divididos pelo autor, relacionando-os por idade, classe social ou econômica e sim por seu contato às novas tecnologias. Entretanto, entende-se que alunos da mesma faixa etária dependendo também de sua posição social, pode ter acesso ou não às novas tecnologias, sendo assim, as diferenças culturais também são fatores influenciáveis. No Brasil, temos jovens imigrantes, nativos e ainda o excluído da era digital, ainda assim, não se pode admitir que todo jovem é um nativo da era digital, mas também não se pode desconsiderar que os jovens cada vez mais usam a tecnologia no seu cotidiano. E é desta forma, que os alunos, nativos digitais, chegam às salas de aula, e se deparam com os professores, os imigrantes digitais, para o estabelecimento de uma relação entre ensino-aprendizagem. Como se sentem os nativos digitais frente a este processo educacional? De que forma as aulas de História se enquadram nesta nova realidade apresentada?

O Ensino de História e a cibercultura No século XXI, com o surgimento da cibercultura, ou seja, uma nova cultura com o uso do computador, redes e suportes tecnológicos, as práticas e conhecimentos ficam ultrapassados em curto espaço de tempo, a linguagem torna-se hipertextual, as comunicações escritas são mais resumidas e cheias de expressões cifradas, de forma que as palavras são lidas como imagens (PAVANATI, 2011). E como a História formal tem sua origem vinculada ao surgimento da escrita, abrem-se questionamentos de como os historiadores, profissionais do texto por excelência (Dantas, 2009), conseguem manter esta relação, de forma a se tornar um desafio educacional contemporâneo. Dentro deste desafio observa-se que os nativos digitais apresentam maior dificuldade na linguagem escrita e matemática, já os imigrantes apresentam dificuldade na mídia digital. Autores já demonstram a necessidade de uma reflexão em relação a metodologia do ensino de História frente aos novos processos tecnológicos. Para Selva Fonseca (2003), há uma necessidade de um estudo aprofundado sobre as diferentes linguagens, pois estas são constitutivas da memória social e coletiva, expressam identidades sociais, relações de trabalho, cultura e religião. Maria Auxiliadora Schimidt (2002) propõe uma nova visão da prática pedagógica do professor de História a partir das renovações teórico-metodológicos. Assim amplia-se a noção de documento e do uso das fontes, sendo possível uma aproximação maior da História que se ensina e a História que se escreve. Cabendo ressaltar segundo Schimidt (2002) que as inovações tecnológicas devem ser encaradas como processo e não como produto, sendo assim a escola precisa tomar o cuidado de não impedi-la mas também de não substitui-la pelo papel do professor. Utiliza-la à seu favor, como ferramenta de apoio ao professor, como recursos de multimídia, computação gráfica, coletas de dados para construção de temas históricos, 331

cabendo ao papel do professor, segundo Ferreira (1999), de orientar e mediar a produção do aluno-autor para um desenvolvimento crítico e criativo. As redes sociais podem também serem aliadas à prática pedagógica do professor, estas são formadas por participantes autônomo que unem os recursos e ideias em torno de interesses comuns, independentemente da posição geográfica, em um espaço de interação e compartilhamento de informações (PIERRE LEVY 1999, apud, SOUZA et BORGES,2009).

Jogos Eletrônicos nas aulas de História Uma das ferramentas possíveis de ser utilizada que contribui para este desenvolvimento, são os jogos eletrônicos. De acordo com Filomena (2007, apud Kasvi,2006) game é um conjunto de atividade que envolve um ou mais jogadores, que estão competindo isolados ou em grupos, seguindo metas, desafios e consequências, por meio dos jogos eletrônicos (CARNIELLO, 2010). Os jogos eletrônicos segundo Huizinga (2001, apud Mattar, 2010) apresentam características específicas que o caracterizam como jogo: é uma atividade sem imposição, livre, voluntária e prazerosa, são um mundo imaginário, criam momentos e situações provenientes às regras, leva a uma interação, colaboração, conectividade e criatividade (CARNIELLO, 2010). Assim, os gamers que segundo Mattar (2010) e Prensky (2007), são as pessoas que fazem uso de jogos eletrônicos, desenvolvem diferentes habilidades, facilidade de trabalhar em grupo, capacidade de aprender de forma rápida, iniciativa, criatividade, resolução de problemas e raciocínio lógico, processamento de informações não linear, aceso amplo de informações, preferência visual ao textual, sentimento positivo em relação ao uso da tecnologia e por fim, o desenvolvimento de atividades simultâneas. Desta forma, o uso de games na prática pedagógica do professor de História, tende a ser uma das possibilidades de suporte do professor-aluno frente a aprendizagem. Dentre eles citamos, Making History (Fazendo História) e World in Conflict (Mundo em Conflito), inspirados em eventos e períodos históricos. World of Warcraft e Prince of Persia também abordam conteúdos aplicáveis em História e Geografia. Spore é um jogo em se se pode desenvolver espécies de animais e observar sua evolução. No Game Maker o jogador é capaz de produzir seu próprio videogame. Frente a tantas habilidades possíveis de serem trabalhadas nos games, há entretanto, que se lembrar que os jogos são produtos comerciais e não pedagógicos, por isso deve-se ter sempre a participação direta do professor. Outra possibilidade é a presença de preconceito e violência subentendidos, por isso Arruda (2009) orienta os docentes a importância de mostrar que os jogos são documentos históricos carregados de ideologias políticas, referências culturais e intenções mercadológicas. Lynn Alves (2004) e Prensky (2010), discordam da visão em relação à influência dos games em comportamentos violentos, segundo Prensky, nos Estados Unidos a 332

incidência de crimes violentos diminuíram paralelo ao período que o uso dos games aumentou extraordinariamente. Alves (2004) reforça este pensamento dizendo que o meio onde a criança ou jovem está inserido é o fator determinante para causa e efeito dos usuários dos jogos. Assim devemos também de ter o cuidado de relacionar os jogos com as disciplinas curriculares, deve haver uma conexão da tecnologia com as atividades propostas em sala de aula.

Considerações finais A partir do que foi apresentado, não podemos dizer que todos os alunos hoje estão imersos na era digital, e que nem todos podem ser considerados nativos digitais, entretanto grande parte deste público está imerso nesta tendência que tende a aumentar cada vez mais no decorrer dos anos. Diante desta realidade, cabe a escola e ao professor uma nova prática pedagógica, e os jogos eletrônicos podem ser uma delas, sem elegê-los como a solução das questões e problemas de aprendizagem hoje vivenciados, a escola precisa admitir que está recebendo alunos diferentes daqueles que nós, professores fomos. E que esta nova forma de pensar, está diretamente relacionada a aprendizagem. Matar (2010) afirma que a escola separa aprendizagem do prazer, como se fosse fenômenos distintos. Os jogos podem ser uma das alternativas prazerosas onde o aluno aprende e reproduz conhecimento de forma natural e até coletivamente. Cabe a História, com base no estudo crítico dos fatos passados, compreender o seu tempo, seu contexto atual e assim também é com o professor de História, em seu desafio de aprimorar sua prática pedagógica de acordo com o seu tempo. É preciso investir mais no aprendizado da cibercultura para que os imigrantes possam transitar pelos caminhos hoje possíveis entre a mediação do saber e a prática pedagógica. Uma ação conjunta entre nativos e imigrantes focada na construção e desenvolvimento de materiais didáticos e acadêmicos, focados na interação, seria uma das ações que levariam o aluno a ser ouvido, ser observado em sua relação com os pares e ainda seria possível aprender com eles novos recursos tecnológicos, possibilitando ao professor uma reflexão de sua prática. Esta relação de parceria entre nativos e imigrantes, alunos e professores, segundo Palfrey e Urs (2008) pode ser um lugar incerto e arriscado, porém é impossível não estar mais inserido neste mundo e como hoje as pessoas se comportam dentro dele. Para que isto aconteça é preciso flexibilidade, certa humildade, disposição para aprender, pois o professor com seu saber pedagógico aliado ao tecnológico, é capaz de produzir tecnologias educacionais e por consequência, materiais didáticos, muito mais atrativos e motivadores dos que hoje disponibilizamos.

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FOTOGRAFIA E CONHECIMENTO: CAMINHOS PARA O ENSINO DE HISTÓRIA Eudes Marciel Barros Guimarães Com a ampliação do campo da História desde os Annales – “a revolução francesa da historiografia”, segundo Peter Burke –, abriu-se a possibilidade de abordar questões e fontes até então colocadas em segundo plano na perspectiva dos metódicos oitocentistas. Mas somente por volta dos anos 1980, com as concepções formuladas no que se chamou de Nova História Cultural, as fontes visuais passaram a ser estudadas mais detidamente por historiadores, o que exigiu métodos específicos de investigação inspirados em áreas como a Antropologia e a História da Arte. Ficou claro para os pesquisadores da “dimensão visual da cultura”, usando os termos de Ulpiano Bezerra de Meneses (2003), que o verbal e o visual constituem linguagens distintas e, portanto, não se pode reduzir uma a outra. Por conseguinte, ao estudar uma imagem, o historiador precisa de um instrumental próprio para interpretar os significados culturais nela impressos, articulando-a à experiência social do período que focaliza. Em vista das especificidades do visual, para além do próprio campo da História, formou-se uma área interdisciplinar denominada Cultura Visual (Visual Culture), com raízes nos Estados Unidos, cujo escopo consiste em investigar os modos de funcionamento das imagens visuais nos mais diferentes circuitos, tendo como principal ponto de interlocução a concepção de que a visualidade não se trata de uma reprodução ou “espelho” do real, mas de expressões culturais que instituem, participam e interagem na experiência social. Um panorama desses esforços pode ser lido na coletânea que reúne artigos e entrevistas dos nomes mais expressivos dessa área, organizada por Margaret Dikovitskaya (2005). Quando nos detemos na história da cultura desde o século XIX, é inegável o papel da fotografia em novas formas de expressões artísticas, comunicação social e representações visuais em geral. No decorrer do século XX, com a popularização de câmeras portáteis, a fotografia passou a fazer parte do cotidiano das pessoas num mundo cada vez mais interligado. Há alguns anos, tenho me dedicado ao estudo das séries produzidas por dois fotógrafos franceses que percorreram o Brasil entre as décadas de 1940 e 1960. Pierre Verger e Marcel Gautherot viveram intensamente o clima cultural parisiense das décadas de 1920 e 1930, período em que se formaram como fotógrafos dentro de um circuito social de amplas dimensões de interesses: da arte à etnografia, da arquitetura à política. Verger e Gautherot são, portanto, profissionais cujo trabalho fotográfico esteve pautado na dimensão documental e na perspectiva etnográfica. Pensando nos avanços dos estudos visuais nas pesquisas acadêmicas, sinto que seria profícuo um diálogo mais estreito com a História ensinada nas escolas. Desse modo, neste 3º Simpósio Eletrônico Internacional de Ensino de História, parece-me oportuno encaminhar uma possibilidade de abordar imagens fotográficas nas aulas de História do ensino básico, mais especificamente no Ensino Médio. Não é o caso, neste momento, de 336

propor qualquer tipo de manual metodológico, tampouco de fazer um estudo exaustivo de uma problemática. Por meio de um tema que escolhi a partir do que pesquiso, o meu objetivo consiste em elaborar caminhos possíveis para uma discussão fecunda em sala de aula, de modo que a fotografia esteja presente não como mera ilustração do conteúdo, mas como partícipe na construção do conhecimento histórico tanto do tema que ela diz respeito quanto na interpretação mais dimensionada desse tema. Ao estudar a representação do sertão brasileiro entre as décadas de 1940 e 1960, dois espaços na geografia nacional ganham um enorme peso simbólico. O primeiro deles é Canudos, lugar de memória de um evento que levou à aniquilação de uma cidade inteira e colocou em xeque a República recém-instaurada. O segundo espaço é Brasília, a capital que estava sendo construída no coração do Brasil, cuja monumentalidade moderna espelhava o futuro grandioso que se projetava para o país. Ocorre que em 1946, Pierre Verger registrou diversas imagens da região de Canudos, no momento em que se completava o cinquentenário da guerra. Suas fotografias foram publicadas na revista O Cruzeiro, acompanhadas de textos de Odorico Tavares. Anos depois, na medida em que avançava a construção de Brasília, Marcel Gautherot foi contratado como fotógrafo oficial da nova capital, em conformidade com as expectativas de Lúcio Costa e Oscar Niemeyer. As fotografias de Gautherot ganharam importância em exposições e revistas nacionais e internacionais. Nessas imagens de Canudos e Brasília – metonímias dos sertões do país –, há uma relação simbólica entre passado e futuro: Canudos representando o passado do sertão como ruínas a serem superadas; Brasília representando o futuro do sertão como um projeto moderno monumental, o ponto de integração de um imenso território. Ironicamente, ambos os lugares reuniram gentes de diversas origens regionais, que tinham como principal objetivo a construção de uma vida possível e menos precária em meio às misérias e perspectivas que caracterizaram cada um desses períodos. Em Canudos, Pierre Verger privilegiou rostos de idosos, lugares e objetos que remetiam à guerra. É interessante, como forma de comparação, propor um diálogo dessas fotografias de 1946 com os registros feitos por Flávio de Barros no calor do conflito. Barros privilegiou a empreitada militar, com ângulos e poses que heroicizam os soldados. A paisagem, nesse sentido, configura o atributo épico da luta da “civilização contra a barbárie”, como se imaginou nos jornais da época. Em Brasília, Marcel Gautherot, por sua vez, privilegiou a dimensão monumental do centro cívico e a composição estética da paisagem urbana moderna por meio das sombras projetadas pelas ferragens, estruturas de concreto, vidros e os corpos de trabalhadores. Por outro lado, não deixou de registrar os candangos que se agrupavam nos arredores da nova capital, cujas fotografias revelam a extrema pobreza de quem estava completamente à margem do poder. Um número significativo dessas imagens fotográficas pode ser facilmente encontrado nos acervos virtuais da Brasiliana Fotográfica, da Fundação Pierre Verger e do Instituto Moreira Salles. Imagino como seria interessante uma aula em que a representação do sertão brasileiro fosse abordado a partir das imagens de Flávio de Barros, Pierre Verger e Marcel Gautherot. Para o embasamento do professor disposto a elaborar tal aula (que pode, evidentemente, se desdobrar em outras aulas), há uma bibliografia recente que se ancora nos estudos da Cultura Visual a que me referi no início deste texto. Uma interpretação 337

mais sistematizada das fotografias de Flávio de Barros foi feita por Natalia Brizuela (2012) que, a partir da ideia de “sertão à margem da história”, toma os registros de Barros e os textos de Euclides da Cunha como documentos que elaboram o imaginário das ruínas como códigos para se pensar a própria história do Brasil. Antonio Fernando de Araújo Sá (2010), por sua vez, assina um artigo intitulado O sertão de Pierre Verger, em que estuda as imagens publicadas na revista O Cruzeiro. No âmbito da documentação visual de Brasília, há o excelente livro de Heloísa Espada (2012), que resultou de sua tese de doutorado sobre a representação do centro cívico por Gautherot. Por fim, para ampliar essas questões e estabelecer um diálogo mais facundo, cabe destacar um texto de Nicolau Sevcenko (2000) em que ele elabora uma relação direta entre Canudos e Brasília para compreender aspectos importantes da história do Brasil republicano. Como afirmei no início deste texto, nos estudos da cultura visual, as imagens, sobretudo a fotografia, não devem ser tomadas como “espelhos” do real, tampouco como meras ilustrações de conteúdos didáticos. Elas criam, instituem, participam e interagem nas experiências das sociedades. Assim, se a pesquisa acadêmica tem avançado na construção de metodologias mais sofisticadas, o ensino básico de História pode se tornar ainda mais fecundo ao levar em conta esses avanços e adaptá-los ao funcionamento das aulas. Há de se aprender a ler e interpretar imagens e seus funcionamentos distintos dos textos verbais. Concluo lembrando o que disse, uma vez, o fotógrafo americano Lewis Hine: “se eu pudesse contar uma história em palavras, não precisaria carregar uma câmera” (apud SONTAG, 2004, p.201).

Referências bibliográficas: BRIZUELA, Natalia. Fotografia e império: paisagens para um Brasil moderno. Trad. Marcos Bagno. São Paulo: Companhia das Letras; IMS, 2012. BURKE, Peter. A Escola dos Annales (1929-1989): a revolução francesa da historiografia. Trad. Nilo Odalia. São Paulo: Ed. da Unesp, 1997. DIKOVITSKAYA, Margaret (org.). Visual Culture: the study of the visual after the Cultural Turn. Massachusetts: MIT Press, 2005. ESPADA, Heloísa. Monumentalidade e sombra: o centro cívico de Brasília por Marcel Gautherot. São Paulo: Annablume, 2016. MENESES, Ulpiano Bezerra de. Fontes visuais, cultura visual, História visual: balanço provisório, propostas cautelares. In: Revista Brasileira de História, v. 23, n. 45, 2003, p. 11-36. SÁ, Antônio Fernando de Araújo. O sertão de Pierre Verger. In: Projeto História, n. 40, jul. 2010, p. 357-391. SEVCENKO, Nicolau. Peregrinations, visions and the city: from canudos to Brasília, the backlands become the city and the city becomes the backlands. In: SCHELLING, 338

Vivian (org.). Through the kaleidoscope: the experience of modernity in Latin America. New York: Verso, 2000, p. 75-107. SONTAG, Susan. Sobre fotografia. Trad. Rubens Figueiredo. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.

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UNINDO O ÚTIL AO AGRADÁVEL: UMA BREVE ANÁLISE SOBRE AS TEMÁTICAS DOS QUADRINHOS (COMICS E MANGÁS) DIANTE DA PERSPECTIVA DO ENSINO DE HISTÓRIA Felipe Adriano Alves de Oliveira Introdução O entretenimento sempre esteve atrelado a um conjunto de atividades com propósito de distrair e divertir, seja um filme, uma música ou uma leitura descontraída. Com o advento da internet as formas de entretenimento tem se pluralizado e se difundido de uma maneira mais eficiente entre a população mundial, tornando o mais acessível. Essa acessibilidade tem atingido diversas esferas do convívio social inclusive na área da educação (LUYTEN, 1985; 2014). Como mencionado anteriormente, as formas de entretenimento são diversas, sendo sua maior parte voltada a produção industrializada. É diante desse processo que surgiu um novo conceito de cultura, denominado “cultura pop”. De acordo com Luyten (2014), e Khumthukthit (2010), a cultura pop se caracteriza pelo conjunto de manifestações culturais voltadas ao entretenimento que se estabelece em produções de filmes, séries, animações, vídeos, programas de TV, músicas e literatura, sendo essa última pautada inclusive pela produção de histórias em quadrinhos (HQs). Pode se considerar portanto, que a cultura pop é uma cultura do entretenimento. Tomando como ponto central as temáticas que as HQs abordam e sua utilidade histórica, é importante ressaltar a sua importância enquanto material de uso histórico, pois com a ampliação do conceito de fonte histórica pela historiografia, mais precisamente durante a 3ª Geração de Annales, diversos materiais sendo estes, parte de uma produção social, foram considerados fontes de pesquisa, pois carregam consigo valores, mentalidades, vivências e construção de um saber social. Diante disso, a vertente historiográfica denominada “História Cultural” passou a fazer o uso dos materiais que fossem parte de produtos culturais como rica fonte de pesquisa. Com isso pode ser citado, por exemplo, o historiador Chartier e sua discussão em torno do conceito de representação e leitura (REIS, 2004; TÉTART, 2000). Alguns historiadores que visam o campo da educação escolar, tal como Fronza (2012), destaca que: Deslocando a discussão das estratégias didáticas para uma concepção de aprendizagem baseada na narrativa histórica dos sujeitos, faz-se possível fundamentar a autoria do relato do estudante e do professor historiador e indicar o sincretismo da História, principalmente pelo aparecimento de 340

múltiplas temporalidades reveladas pelas respostas e narrativas do mesmo. (FRONZA, 2012, p. 06). Fronza (2012) argumenta que as narrativas descritas nas HQs auxiliam a complementar o aprendizado obtido através da leitura de textos, pois suas ilustrações despertam o interesse e auxiliam na cognição histórica. Nesse sentido, o presente artigo se destina a fazer uma breve discussão das temáticas históricas presente nas HQs diante da perspectiva de aprendizagem histórica, unindo dessa forma, o entretenimento e o ensino da disciplina de história. A utilização das histórias em quadrinhos como material auxiliar no ensino de história, exige do professor uma metodologia, para que dessa forma, as aulas sejam produtivas e os alunos possam extrair elementos que induzam o desenvolvimento da análise, interpretação e consciência histórica. A escolha dos quadrinhos como ferramenta para a aprendizagem histórica parte de uma premissa estratégica, já que a tipologia desse entretenimento alcança um público-alvo sendo sua maioria jovens estudantes, tanto em processo de alfabetização quanto alfabetizados (FRONZA, 2012).

Discutindo a relação: As histórias em quadrinhos e os fatos históricos As histórias em quadrinhos carregam consigo elementos variados em sua temática, que apesar de alcançar um público jovem adolescente, e até mesmo adultos, visa a atenção de seus leitores, mesclando muitas vezes elementos e fatos históricos junto a uma narrativa de cunho fictício. Isso tudo é presente tanto nos comics - quadrinhos estadunidenses, sendo a DC Comics e Marvel suas principais editoras -, quanto nos mangás – quadrinhos de origem japonesa, sendo a Kodansha e Shueisha suas maiores editoras (OLIVEIRA, 2016). A lista de quadrinhos que carregam consigo elementos históricos é complexa, mas pode ser citado algumas, como por exemplo: do lado dos comics (X-man, Capitão América, Quarteto Fantástico), (GUERRA, 2011). Fazendo análises nos temas que esses comics abordam em suas histórias, é possível notar as representações históricas inseridas em seu conteúdo. De acordo com Luyten (1985), os quadrinhos são compostos por valores e elementos sociais, sendo eles mesmos veículos ideológicos. Para Guerra (2011), os comics principalmente aqueles produzidos entre os anos de 1960 e 1980, carregam uma temática envolta por conflitos político-sociais. Fazendo a contextualização histórica desses períodos mencionados, os produtores dos comics estavam enfrentando um período de tensões entre os Estados Unidos e União Soviética, marcado dessa forma, pela Guerra Fria. McCloud (1995) se aprofunda nessas características presente entre a temporalidade histórica e seus produtores, e afirma que os quadrinhos são compostos pela mentalidade e vivência dos artistas, seguindo ao mesmo tempo as tendências político-sociais que os inserem. Guerra (2011) cita alguns exemplos de histórias em quadrinhos e seu conteúdo: Os XMen, por exemplo, produzido na década de 60, com uma narrativa sobre a convivência entre mutantes e pessoas comuns, fazem uma alegoria à luta social pela igualdade, 341

sendo esses movimentos, expressivos nesse mesmo período, encabeçados por representantes como Martin Luther King e Malcolm X; O Capitão América criado nos anos 40, traz elementos tanto da 2ª Guerra Mundial e a luta contra inimigos nazistas, quanto da Guerra Fria; Enquanto o Quarteto Fantástico também criado na década de 60, aborda os acontecimentos da corrida armamentista e científica entre os dois países (EUA x URSS). Os mangás já trazem consigo fatos históricos mais voltados para o contexto japonês, exceto alguns como Trinity Blood e Hellssing que dentro de suas histórias fictícias, carregam elementos da luta entre o catolicismo e protestantismo ocorrida no século XVI na Guerra dos Trinta Anos, e alguns pontos conflituosos na Irlanda do Norte que se desenrolaram entre os anos de 1968 e 1998. Os Cavaleiros do Zodíaco (Saint-Seya) faz uma abordagem envolvendo a mitologia grega e nórdica (DUTRA, 2014). Já os de contexto japonês têm-se os mangás Rorouni Kenshin (Samurai X), e Drifters que carregam o contexto do Japão feudal em suas histórias, além dos mangás expoentes sobre os conflitos da Segunda Guerra Mundial e Guerra Fria, sendo respectivamente, Hadashi no Gen, e Akira. (FEIJÓ, 2013; OLIVEIRA, 2016). A relação que se estabelece entre as histórias em quadrinhos e fatos históricos é a da representação, pois a intencionalidade do artista que produz os quadrinhos é fazer a fusão entre sua vivência e a do leitor, ou o contexto em que ambos estão inseridos, além da ficção para dar corpo a sua história, atraindo dessa forma o leitor, que vai estabelecer uma conexão entre o seu conhecimento e o que está sendo lido, ou seja, haverá um processo interpretativo entre o leitor e o modo de leitura (EISNER, 1989). Chartier (2002) coloca de modo sucinto que a representação se relaciona com as imagens, na qual pretende mostrar uma imagem presente no lugar de um objeto ausente, para que possa assim representá-lo, e é justamente nessa “ausência” que se desenvolve o processo da interpretação daquilo que não se encontra presente, surgindo dessa forma, as relações entre leitor/quadrinhos, e quadrinhos/fatos históricos, ou seja, o leitor é o “protagonista” dessa relação, cabe a ele relacionar os elementos históricos e compreendê-los.

História “e” quadrinhos: Uma forma eficiente de aprendizagem sobre análise e interpretação Essa relação entre aluno e quadrinhos é trabalhada com o objetivo de que o aluno passe a desenvolver suas habilidades de interpretação, e isso apenas se dá com o processo da leitura, análise, e identificação do conteúdo, estabelecendo assim, o senso crítico, a compreensão, e associação com os fatos históricos. Esse aspecto de ampliar a percepção histórica dos alunos por meio dos quadrinhos parte de uma premissa destacada por Rüsen (2010), de que os alunos dependendo do contato que estes têm com os fatos históricos, tendem a desenvolver as proto narrativas, ou seja, as ideias prévias de um determinado fato. Com a utilização dos quadrinhos com o objetivo de separar o que é fato e o que é ficção, instiga o processo de investigação dos 342

alunos ao fazer tal análise, desenvolvendo uma percepção maximizada e equilibrada de suas narrativas (BARCA, 2007). Considera-se, portanto, que as histórias em quadrinhos se estabelecem como objeto de análise, essa relação auxilia também na questão da noção dos alunos sobre a disciplina de história enquanto ciência e, com o esse projeto de investigação utilizando quadrinhos com os alunos, auxilia-os na participação enquanto agentes de construção histórica, em outras palavras, quando o professor utiliza os quadrinhos em sala de aula com os alunos para pesquisar determinados elementos inseridos nos quadrinhos e que fazem ligação com uma determinada temática – guerra fria por exemplo – os alunos precisam analisar as narrativas históricas contidas nos quadrinhos, o contexto de sua produção e qual a intenção que as ilustrações desejam causar no leitor. Já o contato dos alunos com os mangás, auxilia na ampliação e no contato com culturas diferentes das do ocidente. Feijó (2013) destaca que além de fazer essa ligação interpretativa entre realidade e ficção presente nas narrativas dos mangás, possibilita a apresentação de uma nova cultura, no caso, a cultura japonesa, enriquecendo as noções entre cultura oriental, e ocidental, ou seja, a percepção e compreensão do outro. Diante disso, essa breve discussão contribui para abordagem sobre novas ferramentas que auxiliam na aprendizagem histórica e que propicia o desenvolvimento da consciência histórica e a aproximação dos alunos como sendo agentes da história, os quadrinhos sendo parte da cultura pop podem sim desempenhar um papel importante enquanto ferramenta de aprendizagem e objeto de pesquisa mesclando o ensino com o entretenimento, sendo “útil” em termos da utilização da disciplina de história, e o “agradável” como os quadrinhos enquanto material cotidiano de entretenimento a gerar significado para a aprendizagem.

Referências bibliográficas BARCA, I. Investigação em Educação Histórica: possibilidades e desafios para aprendizagem histórica. In:_____SCHMIDT, M. A; GARCIA, T. M. F. B. (orgs). Perspectivas de investigação em educação histórica: atas das VI jornadas internacionais de educação histórica. vol. 1. Curitiba: Editora da Universidade Tecnológica Federal do Paraná, 2007, p. 26-42. CHARTIER, R. A História cultural entre práticas e representações. Algés (Portugal): DIFEL, 2002. DUTRA, D. S. A mitologia grega no mangá Saint Seya – Cavaleios do Zodíaco. Monografia (Graduação em História), Lajeado: Centro Universitário Univates. 2014. EISNER, W. Quadrinhos e arte seqüencial. São Paulo: Martins Fontes, 1989. FEIJÓ, L. C. C. Narrativa e Representação nos quadrinhos: A Restauração Meiji (186) nos mangás. (Dissertação), Pelotas: Universidade Federal de Pelotas – (Programa de Pós-Graduação em História), 2013. 343

FRONZA, M. A intersubjetividade e a verdade na aprendizagem histórica de jovens estudantes a partir das histórias em quadrinhos. (tese), Curitiba: Universidade Federal do Paraná, 2012. GUERRA, F. V. Super Heróis Marvel e os conflitos sociais e políticos nos EUA (1961-1981). (Dissertação), Niterói: Universidade Federal Fluminense, 2011. KHUMTHUKTHIT, P. A nova diplomacia do Japão. (Dissertação), Rio de Janeiro: PUC-Rio, 2010. LUYTEN, S. M. B. Mangá e anime: ícones da cultura pop japonesa. São Paulo, 2014, (artigo). Fundação Japão em São Paulo. _____, Histórias em Quadrinhos (leitura crítica). São Paulo: Edições Paulinas, 1985. MCCLOUD, S. Desvendando os quadrinhos. São Paulo: Makron Books, 1995. OLIVEIRA. F. A. A. MANGÁS, ENTRE A REALIDADE E A FICÇÃO: Um olhar histórico-analítico sobre o mangá Akira e sua relação com os “loucos anos 60” do Japão. (monografia), Itararé: Faculdades Integradas de Itararé, 2016. REIS, J. C. Escola de Annales: a inovação em história. São Paulo: Paz e Terra, 2004. RÜSEN. J. Narratividade e objetividade nas ciências históricas. In:____SCHIMIDT, M. A; BARCA. I; MARTINS, E. R. (orgs). Jorn Rüsen e o ensino de História. Curitiba: Ed. UFPR, 2010b. p. 93-103. TÉTART, P. Pequena história dos historiadores. Bauru: EDUSC. 2000.

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OS USOS DE JORNAIS DE ÉPOCA NO ENSINO DE HISTÓRIA: UMA PERSPECTIVA TEÓRICA, DIDÁTICA E METODOLÓGICA Gabriel dos Santos Birkhann Em primeiro lugar, destaca-se que esta comunicação se trata de uma discussão científica, que tem como objeto o uso de jornais de época no ensino de História. O ensino de História suscita, nos dias atuais, alguns questionamentos a respeito de alguns aspectos que ocorrem na sala de aula, nos diferentes níveis e modalidades de ensino. Um desses aspectos refere-se à metodologia adotada e aos recursos didáticos utilizados durante o processo de ensino-aprendizagem, os quais muitas vezes não se encontram em sintonia com as demandas dos diferentes discentes. Sabe-se que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional Nº 9394/96 (também conhecida como “LDB” ou “LDBEN”), em seu artigo segundo reza que “a educação (...) tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”. Neste sentido, faz-se necessário refletir sobre a inclusão de novos recursos e metodologias de ensino no ambiente escolar. Como base da discussão, indica-se o jornal como um recurso didático importante e o debate, mediado pelo professor, como uma metodologia adequada. Pretende-se, portanto, nesta comunicação reconhecer as fontes impressas, especialmente os jornais, como instrumentos necessários à pesquisa e ao ensino de História. Por isso, percebendo o quão notório é o grande desafio que os docentes enfrentam no exercício das atividades inerentes à sua profissão, entendeu-se que promover a reflexão sobre os benefícios que a utilização de jornais no ensino de História pode acarretar seria não só necessário, como urgente. Entende-se que a superação de práticas pedagógicas anacrônicas não é somente indicada, mas viável em termos de ensino e aprendizagem. De modo a se obter embasamento teórico, pode-se recorrer à Libâneo (2014, p.40), que com sua contextualização a respeito das tendências pedagógicas nos mostrou a importância de se levar à sala de aula conteúdos “concretos e, portanto, indissociáveis das realidades sociais” (p.40), tal como a Tendência Crítico-social dos Conteúdos preconiza. Além disso, a professora Souza (2010, p.1), por seu turno, colocou a importância de se evitar a chamada “farsa do planejamento”, na qual o improviso é constante.

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Ou seja, compreende-se também que é necessário que o professor se atenha ao Plano de Ensino da Disciplina que ministra, observando o tempo que dispõe, além das condições e limitações físicas do seu ambiente de trabalho. Isso não implica, é claro, em uma rigidez, mas somente em um cuidado necessário já que o docente deve preparar a turma de modo que ela entenda que os próprios documentos são objetos de transformações históricas. É mister destacar que os “PCNs” para a área de Ciências Humanas e suas Tecnologias destacam justamente isso, colocando que os alunos devem compreender o jornal não como apenas o alicerce da construção histórica, mas também como parte dessa construção em todos seus momentos e articulações (BRASIL, p.22). Destaca-se também o preparo docente, visto que o profissional da educação deve possuir conhecimentos teóricos (conceitos) e didática adequada, de modo a orientar corretamente as atividades discentes. É nítido, portanto, que o professor pode valer-se de metodologias variadas nas situações de ensino-aprendizagem, tais como debates, seminários ou aula expositiva dialogada (quando o conteúdo for o estudo de história local ou conceitos como cultura e tempo, por exemplo). Uma relação dessas atividades encontra-se em “Didática e pratica de ensino de historia: experiências, reflexões e aprendizados”, livro escrito por Selva Guimarães Fonseca. Mas, como indica Rivas (2012, p.8, tradução nossa), permeia todo este processo o cuidado que o professor deve ter para que o aluno compreenda que inexiste neutralidade no documento: (...) Os textos não são neutros nem ingênuos e tão pouco dão conta de verdades absolutas; no máximo entregam interpretações dos fatos, os quais, por sua vez são tratados y hierarquizados de acordo a concepções e motivos muito particulares e subjetivos. Por causa disso, o docente deverá fazer um trabalho profundo, com atenção, desvelando-se os problemas, alinhavando as dúvidas, sempre atento, como colocaria GINZBURG (2012, p.144), aos “pormenores mais negligenciáveis”. Este trabalho do professor deve se desenrolar no sentido do desenvolvimento de competências e habilidades que permitam ao aluno o crescimento rumo a um conhecimento sistematizado e organizado. O docente, ao estabelecer os objetivos de ensino, deverá levar em conta que os próprios documentos são objetos de transformações históricas, vide que em cada época são interpretados de maneiras diferentes por agentes históricos singulares, e deverá transmitir isso aos seus alunos. Assim, o discente analisará que ao longo do tempo diferentes interpretações sobre um determinado fato histórico se tornam dominantes para em seguida caírem em desuso. Podendo “desempenhar um papel importante na configuração da identidade, ao incorporar a reflexão sobre a atuação do indivíduo nas suas relações pessoais” (BRASIL, 2000, p.22), os jornais locais/regionais podem ajudar os alunos a entender as dinâmicas sociais que aconteciam em sua cidade e a compreender a importância do 346

estudo de História Local, visto que é em sua comunidade onde suas relações e empatias são desenvolvidas em primeiro lugar. Os documentos, como coloca BRASIL (2000, p.22) “deixaram de ser considerados apenas o alicerce da construção histórica, sendo eles mesmos entendidos como parte dessa construção em todos seus momentos e articulações”. Neste sentido, após refletir sobre o uso de jornais de época no ensino de História, podese inferir que o aluno estará não somente aprendendo o conteúdo específico da aula, mas irá estar também refletindo sobre a construção do conhecimento histórico, desenvolvendo a consciência a respeito da importância da valorização da memória local e da conservação de documentos históricos e de todo o patrimônio cultural de uma determinada sociedade. Conclui-se, portanto, que os jornais são instrumentos necessários à pesquisa e ao ensino de História, os quais devem ser introduzidos no ambiente escolar.

REFERÊNCIAS: BRASIL. Ministério de Educação e Cultura. LDB - Lei nº 9394/96, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da Educação Nacional. Brasília: MEC, 1996. BRASIL. Secretaria de Educação Média e Tecnológica. Parâmetros curriculares nacionais. Ciências Humanas e suas Tecnologias. Secretaria de Educação Média e Tecnológica. –Brasília: MEC, 2000. Disponível em: < http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/cienciah.pdf>. Acesso em: 4 mai. 2016. FONSECA, Selva Guimarães. Didática e pratica de ensino de historia: experiências, reflexões e aprendizados. São Paulo: Campinas, 2012, 13. e., 443 p. (Coleção Magistério Formação e Trabalho Pedagógico). GINZBURG, Carlo. Sinais: raízes de um paradigma indiciário. In: Mitos, Emblemas e Sinais. São Paulo: Companhia das Letras, 2012, 288 p. LIBÂNEO, José Carlos. Democratização da escola pública: A pedagogia crítico-social dos conteúdos. São Paulo: Edições Loyola, 28ª e., 2014, 160 p. (Coleção Educar). RIVAS, Fernando. La prensa escrita como documento histórico: cuidado, prevenciones y consideraciones. Disponível em: . Acesso em: 10 set.2016. SOUZA, Maria Inês Flôres Marcondes de. A farsa do planejamento. Disponível em: < http://www.institutounipac.com.br/aulas/2010/1/UBEDF02N1/000094/000/afarsadoplan ejamento.doc>. Acesso em: 10 mai. 2016.

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MÚSICAS DE RAP: HISTÓRIA E SUBJETIVIDADES Gabriel Passold Há um senso comum que pressupõe, nas músicas de rap, uma maior importância do texto em detrimento dos seus outros aspectos sonoros. Autores como Oliveira (2011) e Righi (2011), além de vários outros, compartilham desta visão. Isso não significa que o senso comum é apropriado para falar de todo o universo rap, ou seja, que o rap é mais texto (letras) do que melodia (música). Significa apenas que muitos o abordam nessa perspectiva. E mesmo que parte do próprio universo rap compartilhe disso, partimos do pressuposto de que as letras não são obrigatoriamente a tônica das músicas de rap, mas são parte de um tecido histórico e estético mais amplo, composto por outros elementos sonoros não menos importantes que a letra, como por exemplo, o flow proporcionado pelo arranjo das rimas. Nosso debate é sobre uma possibilidade de análise das músicas de rap em contrapartida à ideia de um senso comum que implica numa vanguarda canônica de “representantes” engajados do rap nacional, ou seja: pensá-lo a partir de um senso comunitário. Façamos um breve parêntese para algumas considerações teóricas que contribuem para o debate. Se é possível falar de política numa expressão estética e ela não está ligada um arranjo artístico com determinado conteúdo, como uma espécie de senso comum compreende, mas antes, a um senso comunitário prioritariamente estético, um dos primeiros autores a refletir sobre isso foi Immanuel Kant na Crítica da faculdade do juízo (2012), de 1790, que propôs uma “propedêutica de toda arte bela” não mais abalizada em preceitos da tradição, [...] mas na cultura das faculdades do ânimo através daqueles conhecimentos prévios que se chamam humaniora, presumivelmente porque humanidade significa de um lado o universal sentimento de participação e, de outro, a faculdade de poder comunicar-se íntima e universalmente; estas propriedades coligadas constituem a sociabilidade conveniente à humanidade , pela qual ela se distingue da limitação animal (KANT, 2012, p. 219). Kant contribui para pensar que o sentido comunitário, aplicado ao rap, não se liga necessariamente a territorialização do sentido – com tal discurso ligado a tal lugar e grupo – mas se liga a outra espécie de comunidade, baseada em outros pressupostos, como, por exemplo, da igualdade das inteligências e das capacidades de indivíduos quaisquer em comunicar suas histórias, ou seja, num “universal sentimento de participação”. Nessa perspectiva, não buscamos analisar o rap apenas por um suposto conteúdo discursivo político – pois, antes de tudo, esse conteúdo não é simplesmente pautado tão somente nisso – mas sim, algo que se tece sobre uma humanidade compartilhada 348

universalmente por sentimentos – e não por ideias e conceitos já estabelecidos, como no caso de CONTIER (2005), que aborda as suas letras por um cunho ideológico. Como demonstração deste critério por nós adotado, continuaremos o debate a partir de um exemplo de letra de rap. Vamos ao seguinte trecho da segunda parte da letra da música Hoje Cedo (2013) de Emicida, com a participação da cantora/compositora Pitty: Vagabundo a trilha é um precipício, tenso, ou melhor, quero salvar o mundo, pois, desisti da minha família e numa luta mais difícil a frustração vai ser menor, digno de dó, só o pó, vazio comum, que já é moda no século 21, blacks com voz sagaz gravada, contra vilões que sangra a quebrada, só que raps por nóiz, por paz, mais nada, me pôs nas gerais, numa cela trancada, eu lembrei do Racionais, reflexão, aí, os próprio preto num tá nem aí com isso não, é um clichê romântico, triste, vai perceber, vai ver, se matou e o paraíso não existe, eu ainda sou o Emicida da rinha, lotei casas do sul ao norte, mas esvaziei a minha, e vou, por aí, taleban, vendo os boy beber, dois mês de salário da minha irmã, hennessys, avelãs, camarins, fãs, globais, mano, onde eles tavam há dez anos atrás, showbiz como a regra diz, lek, a sociedade vende Jesus, por que não ia vender rap? O mundo vai se ocupar com seu cifrão dizendo que a miséria é que carecia de atenção (EMICIDA, 2013). Quais os significados da letra desta música? É possível compreendê-la em uma narrativa de “engajamento”? Ou então seria uma crítica a essa ideia? Não temos como responder, pois a música pode, de fato, estimular várias interpretações; logo, não se trata de enquadrá-la num ou noutro lugar de fala, mas essas perguntas mostram uma problemática a ser levantada acerca da relação do pesquisador acadêmico com os signos da expressão artística desse momento estético/político do rap no cenário nacional contemporâneo. A operação que o insere num determinado quadro histórico-social e, a partir daí, extrai as possíveis significações de seus signos discursivos tem, como fundamento a priori, a ideia que a expressão artística – sobretudo aquela da “periferia” – ocuparia, de início, posição de discurso inferior em relação à interpretação acadêmica, por não se enquadrar em um modelo de argumentação racional. Podemos pensar na questão histórico-social, por exemplo, como sugere Rancière: de um social que implica o “desvio das palavras em relação às coisas” ou, mais precisamente, do “desvio das nomeações às classificações” em que “nenhum conjunto de traços distintivos” garante mais as posições desses seres falantes em seus “níveis sociais” (RANCIÈRE, 1994, p. 43-44), pois o “social” surge justamente nessa época democrática “engendrada por uma pura abertura do ilimitado e constituída a partir de lugares de fala que não são localidades designáveis”, mas “que são articulações singulares entre a ordem da fala e a das classificações” (RANCIÈRE, 1994, p. 99-100). Além disso, questionamos a ideia de analisar o rap estritamente pelo “discursivo”, e apontamos para a importância de uma análise de outros elementos, que no caso das letras, pode se ater além do conteúdo significante, como no flow das rimas de Emicida, nos sons de instrumentos como a bateria e piano, no refrão melódico pela voz da Pitty, entre outros aspectos estéticos de músicas como Hoje cedo. 349

As letras, por vezes, podem estar inclusive em segundo plano em relação aos sons, afinal, no rap, ainda se trata de música, e nela podem prevalecer quaisquer outros elementos estéticos sobre a necessidade de significar, pois a música não é necessariamente uma “representação” de algo, mas antes, constitui-se de um tecido estético múltiplo, e um timbre, um ritmo ou uma rima, por exemplo, podem desencadear sentimentos que uma preposição muitas vezes não é capaz de expressar. Ainda que o conteúdo das letras seja de fato, uma parte importante das criações artístico-musicais do rap, quando há uma predominância de um senso comum na história do rap com base quase que exclusivamente nesse aspecto, corre-se o risco de desconsiderar grande parte do processo criativo implicado numa expressão estética como essa. Não podemos esquecer que essas palavras sofrem processos de ressignificações e, portanto, entendê-las a partir de significações objetivas pode inclusive bloquear o seu caráter estético/político/histórico. Ao debatemos outras possibilidades de abordagem com as músicas de rap, que não tão somente baseadas no senso comum que analisa as suas letras numa perspectiva de conteúdo direcionado, mas num senso comunitário onde o que está em jogo são as possibilidades educativas/emancipatórias/subjetivas, nos atemos a historicidade das próprias expressões estéticas, que é a historicidade democrática.

Referências bibliográficas CONTIER, Arnaldo Daraya. O Rap Brasileiro e os Racionais MC’s. In: Anais Simpósio Internacional do Adolescente. São Paulo. 1,. Out. 2005. Disponível em:. Acesso em: 9 mar. 2016. EMICIDA. Hoje cedo. In: EMICIDA. O glorioso retorno de quem nunca esteve aqui. São Paulo: Laboratório Fantasma, 2013. MP3, 192 Kbps. KANT, Immanuel. Crítica da faculdade do juízo. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2012. OLIVEIRA, Roberto Camargos de. Música e Política: Percepções da vida social brasileira no Rap. 2011. 177 fls. Dissertação (Mestrado em História Social) – Universidade Federal de Uberlândia. Uberlândia, MG: 2011. RANCIÈRE, Jacques. Os nomes da História: Ensaio de Poética do Saber. São Paulo: EDUC/Pontes, 1994. RIGHI, Volnei José. RAP: Ritmo e Poesia. Construção identitária do negro no imaginário do RAP brasileiro. 2011. 515 fls. Tese (Doutorado em Literatura e Práticas Sociais) - Universidade de Brasília. Brasília, DF: 2011.

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O USO DE IMAGENS NAS AULAS DE HISTÓRIA NO ENSINO MÉDIO Gabriela Alves Monteiro Introdução Este texto aborda questões pertinentes ao uso de imagens nas aulas de História no Ensino Médio. O objetivo consiste em identificar tendências de usos/abordagens das imagens na prática dos professores de História. Para tanto, foi realizada uma pesquisa de campo na Unidade Escolar Professora Maria de Lourdes Rebelo, escola parceira do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID) da Universidade Federal do Piauí (UFPI). Essa escola estadual se localiza em Teresina, capital do Estado do Piauí, Brasil. Ela funciona desde 1972, oferecendo, primeiramente, o Ensino Fundamental e atualmente o Ensino Médio nos três turnos: manhã, tarde e noite. A instituição também oferece a 856 alunos o Ensino Médio, na modalidade regular e por meio do projeto Jornada Ampliada. Para efeitos deste trabalho, delimitamos nossa observação somente às aulas do 3ª ano do Ensino Médio. De acordo com Selva Guimarães Fonseca (2003), o uso de diferentes linguagens e fontes tem sido um tema muito debatido na área da metodologia do ensino de história nos últimos anos. Além disso, sabemos que o conhecimento não é o único fator responsável pelo processo ensino-aprendizagem. Nesse sentido recorremos ao pensamento da historiadora Áurea Paz Pinheiro, que afirma que: O educador contemporâneo deve desenvolver práticas educativas fundadas em um referencial teórico-metodológico consistente, buscando, através da organização do trabalho pedagógico, a articulação consistente das dimensões técnico-metodológicas, humana e político-social inerentes a qualquer ação educativa, partindo sempre do contexto sociocultural de sua ação, do tipo de sujeito que deseja formar (PINHEIRO, 2007, p.133). Para que essa competência seja atingida com satisfação, o professor, no cotidiano escolar, pode fazer uso de variadas práticas que possibilitem ao aluno contato com novas metodologias de aprendizagem. Nos próprios Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio esse tipo de atuação é instigada: Na transposição do conhecimento histórico para o nível médio, é de fundamental importância o desenvolvimento de competências ligadas à leitura, análise contextualização e interpretação das diversas fontes e testemunhos das épocas passadas – e também do presente. (PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS DO ENSINO MÉDIO, 1999, p. 22). Nesse sentido, o professor deve estar atento aos procedimentos e deve agir para que o aluno compreenda que o texto não é o único a transmitir mensagens. As imagens também refletem inúmeras ideias e conceitos. Portanto, compreendemos que uma 351

imagem não ilustra e nem reproduz a realidade, mas ela a constrói a partir de uma linguagem própria.

Metodologia Esta investigação tem como objetivo analisar o uso de imagens na prática pedagógica do professor de História no Ensino Médio buscando identificar tendências de usos/abordagens. Desse modo, a pesquisa foi realizada com um professor de História na escola anteriormente citada durante dois meses. O professor era supervisor do PIBID e durante a observação das aulas buscamos direcionar o olhar para os recursos didáticos utilizados por ele na sala de aula, com ênfase na utilização de imagens. A abordagem metodológica escolhida para o trabalho foi a de uma pesquisa de campo. Esse tipo de pesquisa procedeu à observação de fatos e fenômenos como ocorrem na sala de aula, à coleta de dados referentes aos mesmos e, finalmente, à análise e interpretação desses dados, com base numa fundamentação teórica, objetivando compreender e explicar o problema pesquisado. Entendemos também que esta investigação se trata de um estudo de caso, uma vez que será explorado aqui um caso específico e único, durante um período de tempo limitado, objetivando esclarecer um problema que é: como o professor de História, no Ensino Médio, utiliza do recurso das imagens em sua prática pedagógica? Na busca de resolver esse problema, primeiramente foi feito um levantamento bibliográfico sobre os principais autores que pesquisam a temática, procurando compreender o atual estado dos trabalhos sobre esse campo, a fim de se construir um embasamento teórico para a pesquisa. Em um segundo momento, realizou-se a observação da prática pedagógica do professor de História durante as aulas, na escola anteriormente citada. O instrumento de coleta de dados que foi utilizado nesta pesquisa foi um diário de campo comum, onde observações das aulas foram anotadas. Depois da fase de observação, foi feito o exame do material coletado com base nas anotações e na análise das imagens utilizadas pelo professor. Por fim, selecionados os dados relevantes para a pesquisa, buscando sempre a melhor compreensão possível do caso. A última parte deste processo foi à interpretação dos dados coletados e as conclusões remetem basicamente à escrita deste trabalho.

Resultados Teceremos aqui algumas considerações sobre o que foi possível concluir acerca do uso de imagens na prática pedagógica do professor de História no Ensino Médio. Ressaltamos que por se tratar de um estudo de caso, não podemos generalizar os resultados aqui obtidos a todos os professores de História. Contudo, pensamos que a relevância deste trabalho está em contribuir para a compreensão da prática pedagógica relacionada à importância que a análise de imagens tem no ensino de História. 352

Concluída observação, verificamos serem verdadeiras as constatações da literatura pedagógica sobre o uso de imagens no ensino de História. O que pudemos observar é que há muito tempo essa metodologia foi incorporada na prática docente (BITTENCOURT, 2011). Apesar de não se valer dos recursos visuais em todas as aulas observadas, o professor de História observado nesta pesquisa, mostrou-se atento e disposto a incorporar as novas tecnologias/linguagens/fontes no ensino e o fez quando possível. Buscando identificar tendências de uso/abordagem das imagens em sala de aula, durante o período analisado, outra conclusão que chegamos é que dentre o variado universo visual que poderia ser empregado é no registro fotográfico que se apoia predominantemente o professor. As fotografias eram exibidas através do aparelho Datashow ou problematizadas a partir do livro didático. Quanto à metodologia empregada, verificou-se que o professor tem consciência do poder que as imagens têm de nos informar sobre determinado momento histórico. Nesse sentido, podemos pensar que a metodologia empregada por ele faz com que a imagem não se apresente apenas como uma ilustração do assunto, mas como um próprio conteúdo (XAVIER, 2010). Notamos que são nesses momentos, em que o professor instigou os alunos compreenderem o que a imagem está “falando” e principalmente quando ele fez ligações com o contexto da imagem e o presente, que os alunos mais se atentaram a aula. Contatamos também que as imagens utilizadas pelo professor no Datashow não possuíam nenhuma referência de data ou de autor e também não possuíam legendas. O que verificamos na prática do professor observado é que apenas as fotos contidas no livro didático continham essas informações. Porém, nas imagens presentes nos slides esses dados foram ignorados. É preciso estar atento a esses detalhes para que se evite desta maneira, de cair no erro de utilizar o conhecimento de forma equivocada, apenas descrevendo o que está visível e reforçando discursos construídos ideologicamente (COELHO, 2007). Ressaltamos aqui que preferencialmente o trabalho com imagens deve possibilitar discussões acerca das condições de produção da mesma. De fato, parece-nos claro que o uso de imagens requer uma prática adequada, uma vez que sabemos que apenas o conhecimento não é suficiente pra um ensino eficaz. O conhecimento deve ser aliado a uma prática competente, de preferência aquela que instrumentalize o aluno a se compreender como sujeito, tomando consciência de seus atos. A partir dessas constatações concluímos que o uso de imagens no ensino é cada vez mais uma tendência, tanto como pesquisa acadêmica quanto como prática docente. Concluímos também que o uso de imagens no ensino de História é uma tarefa possível e eficaz quando bem utilizada.

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Referências BITTENCOURT, C. Ensino de História: fundamentos e métodos. São Paulo: Cortez, 2011. BRASIL. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E DO DESPORTO. Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio. Brasília: MEC – Secretaria de Educação Média e Tecnológica (SEMTEC), 1999. COELHO, T. S. A Percepção da Sociedade Visual: As Imagens no Ensino de História. In: Anais do III Seminário Educação, Imaginação e as Linguagens Artístico Culturais. Criciúma,2007. FONSECA, S. G. Didática e prática de ensino de história: experiências, reflexões e aprendizados. Campinas-SP: Papirus, 2003. PINHEIRO, A. P. O educador como gestor do processo de ensino-aprendizagem. In: Paisagens educativas: saberes, experiências e práticas educativas. Teresina: Colégio Diocesano, 2007. XAVIER, E. S. Ensino e História: o uso das fontes históricas como ferramentas na produção do conhecimento histórico. In: Anais da XXII Semana de História da Universidade Estadual do Norte do Paraná. Jacarezinho, 2010.

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A PRODUÇÃO FÍLMICA NO ENSINO E NA PESQUISA HISTORIOGRÁFICA Gustavo Batista Gregio O presente trabalho busca realizar uma breve discussão e reflexão sobre a produção fílmica como documento e fonte no ensino e na pesquisa historiográfica. Para tanto, é necessário compreender que a produção cinematográfica no decorrer do século XX adquiriu significativa importância seja como produção cultural ou instrumento de ensino. O cinema antes visto apenas como objeto de diversão e entretenimento popular adquiriu principalmente nas Ciências Humanas novo status, transformando-se em fonte e documento para novas abordagens teóricas, especialmente temáticas cujo enfoque fosse às culturas e as sociedades. Na História, inúmeros estudiosos buscaram analisar e compreender as estratégias, os elementos, as técnicas e os signos empregados na produção fílmica. A atual relação interdisciplinar da História com outras áreas do conhecimento ocorreu inicialmente a partir das teorias elaboradas pela École des Annales, a qual figura na história da historiografia como o movimento que, efetivamente, rompeu com os modelos tradicionais historiográficos do século XIX, instaurando uma nova concepção de se produzir o conhecimento histórico. Na ótica de Le Goff (2003), o principal objetivo dos Annales foi destronar a História política numa tentativa de reformular uma nova História política, no caso, uma história com uma nova concepção do político. As reformulações proposta pelos Annales impulsionou um profundo movimento de transformação na historiografia, criando uma geração de historiadores que passou a questionar a hegemonia da História política e a defender uma nova concepção de História, na qual o social tornar-se-ia fundamental. Os Annales e posteriormente a Nova História, constituíram novas visões para a análise histórica, reformulando paradigmas e assinalando que o conhecimento histórico não poderia jamais se fechar em si mesmo. Deveria apresentar caminhos alternativos para a pesquisa, atingindo sempre novos elementos distintos, unindo áreas do saber, no diálogo para a construção do conhecimento científico. Surgiram novas problemáticas e sentidos para a História, muitas vezes sequer entrelaçados entre si. Essa nova perspectiva historiográfica se caracterizou não somente por trabalhar com um corpo documental diversificado e novos objetos de pesquisa, mas, por buscar nas velhas fontes, novas leituras. A partir da Nova História, surgiu a História Cultural, que teve maior visibilidade a partir das últimas décadas do século XX. Chartier (1990) compreende que a História Cultural é a história da maneira como os indivíduos e a sociedade representam a realidade e de como essas representações orientam suas práticas socioculturais. De forma sucinta, assinalamos as transformações que ocorrerem na construção do conhecimento histórico e que tais problemáticas tornaram a História interdisciplinar, 355

possibilitando novas perspectivas e incorporando novas fontes na pesquisa historiográfica, como a produção audiovisual. Marc Ferro foi um dos pioneiros responsáveis por essa inovação. O autor defendia que a não aceitação da linguagem cinematográfica no fazer histórico ocorreria em função desta ser concebida como parte do imaginário social, que, por sua vez, também não pertencia ao campo de estudo da História. Entretanto, essa nova historiografia ao romper com tais paradigmas, fez com que o historiador buscasse na projeção da ficção a percepção de novas sensibilidades, elencando-as como objeto de questionamento, na tentativa de decifrar práticas socioculturais representadas. Entrementes, a representação fílmica passou a ser maior aprendida a partir dos anos finais do século passado, indo de encontro com o grande desafio da História Cultural, o qual era de atingir um reduto das sensibilidades e de perceber como se dão os processos de reconstrução da realidade. As representações construídas sobre o mundo não só se colocam no lugar deste mundo, como fazem com que os homens percebam a realidade e pautam a sua existência. São matrizes geradoras de condutas e práticas sociais, dotadas de força integradora e coesiva, bem como explicativa do real. Indivíduos e grupos dão sentido ao mundo por meio das representações que constroem sobre a realidade (PESAVENTO, 2004, p. 39). Como apontamos, a História Cultural abriu um novo leque de possibilidade para a pesquisa e o ensino da História, mas, é importante salientar que um estudo ou pesquisa que se paute nas representações audiovisuais e na produção cinematográfica, requer abordagens metodológicas específicas. Pois, a “imagem-movimento” dessas obras, aliadas às múltiplas técnicas de filmagem, montagem, seleção do enredo, de elenco, de locações, de cenários e de figurinos criam um sistema de significações que cabe aos historiadores decifrarem. Esses elementos constroem a “impressão de realidade” que têm o poder de materializar uma narrativa, através de suas representações, “tem valor não apenas teórico, mas histórico (ela caracteriza uma época [...])” (AUMONT; MARIE, 2003, p. 163). A “impressão de realidade” é resultado da riqueza receptiva típica do cinema e de suas técnicas, no qual o som e a imagem são complementos fundamentais nessa construção. Igualmente à presença simultânea da imagem e do som... dando assim a impressão de que o conjunto de dados perspectivos da cena original foi respeitado. A impressão é muito mais forte quando a reprodução sonora tem a mesma “fidelidade fenomenal” que o movimento... ela é mais reforçada pela posição psíquica na qual o espectador se encontra no momento da projeção... definida por dois de seus aspectos. Por um lado, o espectador passa por uma baixa de seu limiar de vigilância; consciente de estar em uma sala de espetáculo, suspende qualquer ação e renuncia parcialmente a qualquer prova de realidade. Por outro lado, o filme bombardeia-o com impressões visuais e sonoras (AUMONT, 1995, p. 150). A “impressão de realidade” tem como função em uma narrativa fílmica representar a realidade como se ela estivesse sendo capturada e apresentada tal como ela é, criando 356

um simulacro tão fiel ao real que o processo de representação se torna imperceptível aos olhos dos espectadores. Assim, a linguagem cinematográfica constrói uma série de signos de uma realidade, traduzindo os significados do real, apresentando-os através da narrativa audiovisual. Santaella (2000) observa que a secularidade dos signos sempre tem a possibilidade do efeito de impressão, o qual está apto a produzir por meio de significados. Contudo, o olhar que o espectador lança sobre esses signos representados não está livre, pois esses elementos são regidos pelas escolhas que o diretor, produtores, entre outros, operaram no momento de roteirização, filmagem e edição da obra. Qualquer coisa de qualquer espécie, imaginada, sonhada, sentida, experimentada, pensada, desejada... pode ser um signo, desde que esta ´coisa´ seja interpretada em função de um fundamento que lhe é próprio, como estando no lugar de qualquer outra coisa. Ser um signo é ser um termo numa relação triádica específica. Essa relação não precisa necessariamente estar armada de maneira prévia para que o signo funcione como tal (SANTAELLA, 2000, p. 90-91). Em suma, essas narrativas fílmicas têm o poder de nos transportar para um novo mundo de significados, capaz de estimular o nosso inconsciente e de ultrapassar as fronteiras do que entendemos por realidade e ficção. Contraditoriamente, para compreendermos esse mundo ficcional criado pelo cinema, é necessário o apreendermos como uma forma de “realidade”. No qual, os códigos e os signos expressos nas fontes audiovisuais representam outra realidade, outra história e outro tempo. Toda representação é relacionada por [...] seus espectadores históricos e sucessivos – a enunciados ideológicos, culturais, em todo caso simbólicos, sem os quais ela não tem sentido. Esses enunciados podem ser totalmente implícitos, jamais formulados: nem por isso são menos formuláveis verbalmente, e, o problema do sentido da imagem é, pois o da relação entre imagens e palavras, entre imagem e linguagem. Ponto bastante estudado, do qual vamos só lembrar que não há imagem ‘pura’, puramente icônica, já que para ser plenamente compreendida uma imagem necessita do domínio da linguagem verbal (AUMONT, 1995, p. 248). Por fim, a produção fílmica transformou o século XX e os anos inicias do século XXI em um gigantesco laboratório de observação, produzindo e reproduzindo imagens e significados dos mais variados possíveis, criando suas próprias representações da História, da cotidianidade e principalmente das relações e das práticas socioculturais. Desse modo, o historiador deve estar ciente das problemáticas que envolvem apreender a narrativa fílmica como objeto de estudo, pois a linguagem audiovisual, como a imagética, não deve ser apreendida como uma mera ilustração da realidade ou fiel a ela, mas como uma representação, construída a partir de um processo técnico, com visões e escolhas preestabelecidas, as quais devem ser problematizadas, para posteriormente se tornarem conhecimento historiográfico.

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Referências bibliográficas AUMONT, Jacques; MARIE, Michel. Dicionário Teórico e Crítico de Cinema. Campinas: Papirus, 2003. AUMONT, Jacques. A imagem. Campinas: Papirus, 1993. ________________. A estética do Filme. Campinas: Papirus, 1995. BURKE, Peter. A escrita da História: novas perspectivas. São Paulo: Editora UNESP. 1992. CHARTIER, Roger. A História cultural: entre práticas e representações. Lisboa: Difel; Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1990. LE GOFF, Jacques. História e memória. Campinas: Editora Unicamp, 2003. ________________. A História Nova. São Paulo: Martins Fontes, 1990. NAPOLITANO, Marcos. A História depois do papel. In. PINSKY, Carla Bassanezi (Org.). Fontes Históricas. São Paulo: Contexto, 2008, p. 235-289. PESAVENTO, Sandra Jatahy. História e História Cultural. Belo Horizonte: Autêntica, 2004. SANTAELLA, Lucia. A teoria geral dos signos: como as linguagens significam as coisas. São Paulo: Pioneira, 2000.

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REFLEXÕES SOBRE O ENSINO DE HISTÓRIA NA ERA DA INFORMAÇÃO Hélia Costa Morais Jessica Gleyce dos Reis Felix A partir do século XX temos passado por inúmeras transformações sociais, culturais e econômicas que repercutiram diretamente na maneira como lidamos e enxergamos a nossa realidade. As transformações trazidas pela era da “revolução da informação” foram tantas que se faz difícil perceber as continuidades no decorrer deste processo, uma vez que as descontinuidades são bem mais visíveis. No entanto, é válido salientar que as mudanças ocorridas nas instituições, nas mentalidades, nas tecnologias e nas práticas não ocorreram de maneira uniforme, isso porque no campo das ideias leva-se mais tempo para se modificar e delinear tais mudanças. Não existe uma sociedade que permaneça estática, em todas há transformações que procuram romper de alguma maneira com a cultura herdada, a fim de recriá-la. A educação surge como fundamental para o processo de socialização cultural, num exercício que permite ao ser humano tornar-se agente na construção histórica e cultural. Assim sendo, a educação não se configura como simples difusão do legado dos antepassados às novas gerações, mas enquanto processo de desenvolvimento da capacidade intelectual e moral do ser humano, que visa sua integração individual e social. No entanto, a educação não pode ser compreendida à margem da história, mas sempre vinculada a um contexto histórico, abrindo espaço para uma reflexão acerca da atuação do indivíduo na construção do seu próprio saber. Le Goff (1992) aponta que a cultura histórica consiste na possibilidade de um diálogo entre a história, o saber e a sociedade, uma vez que consiste na relação entre as mais diversas áreas do conhecimento na construção das práticas e discursos. Neves (2001), por sua vez, atenta para o papel do historiador no processo de mediação do conhecimento histórico, ao afirmar que: [...] mais do que nunca os historiadores têm a responsabilidade de definir o seu próprio, específico e intransferível papel, bem como equacionar a relação entre o conhecimento acadêmico ou cientificamente produzido e as outras formas de produção do saber, na construção da cultura histórica (NEVES, 2001, p. 46). A ciência ocidental moderna deu início a um conhecimento multifacetado, dinâmico, para muitos até democrático, que instiga inúmeras problematizações, discussões e pesquisas no que se refere à elaboração do conhecimento que se tem produzido. Contudo, essas mudanças não se deram de uma hora para outra e, como afirma Peter Burke (2012), o acesso não foi sentido por todos os indivíduos e sociedades da mesma maneira, mas gradativamente. 359

Neste processo transitório acerca do entendimento da própria concepção do conhecimento histórico e sua aplicação na realidade prática, o ensino de história passou a se adequar à realidade do mundo contemporâneo ao buscar desempenhar um papel efetivo e decisivo na formação social dos sujeitos. Para tanto, passou-se a refletir acerca de uma transformação na didática do ensino de história, que deveria se centrar no aprendizado dos alunos e por isso, pensar num espaço de ensino que possibilitasse a participação destes no processo de ensino-aprendizagem. Sendo assim, acreditamos que pensar o ensino de história na contemporaneidade é uma tarefa que envolve múltiplas questões, que perpassam inclusive a disparidade entre a formação docente nas universidades e a prática efetiva em sala de aula. Em consonância, a utilização de novas tecnologias figura entre os principais temas de interesse entre historiadores e pesquisadores em exercício na educação básica em todo o país, que além das dificuldades inerentes ao cotidiano das escolas, vêem-se cada vez mais desafiados a encontrar formas de estimular o interesse pela disciplina, desconstruindo os estereótipos que a circundam e reiterando sua importância na busca pela autonomia e capacidade de questionamento dos indivíduos. Para tanto, fez-se preciso verificar empiricamente como os suportes tecnológicos modernos podem e têm contribuído para os objetivos do ensino-aprendizagem. Uma vez que estes devem oferecer a possibilidade de os alunos se pensarem historicamente, a ponto de esboçar problematizações quanto às suas condições de ser social e da realidade na qual estão inseridos, devendo considerar o que Bezerra (2005) reflete no trecho a seguir, sugerindo que o ensino de história instigue nesses alunos o: [...] respeito às diferenças culturais, étnicas, religiosas, políticas, evitando qualquer tipo de descriminação; busca de soluções possíveis para problemas detectados em sua comunidade de forma individual e coletiva, atuação firme e consciente contra qualquer tipo de injustiça e mentiras sociais; valorização do patrimônio sociocultural, próprio e de outros, incentivando o respeito à diversidade; valorização dos direitos conquistados pela cidadania plena, aí incluídos os correspondentes deveres, sejam dos indivíduos, dos grupos e dos poucos, na busca da consolidação da democracia (BEZERRA, 2005, p. 47-48). O historiador Nicolau Sevcenko (2001), levanta para além da discussão das novas formas de informatização e tecnologização, a importância de uma crítica social acerca dos rumos que a evolução tecnológica tem conduzindo a nossa sociedade, argumentando que a sociedade não deve permanecer-se alheia em meio a esse constante e crescente desenvolvimento, ao contrário, deve desenvolver o poder da crítica ou será obliterada por essa realidade de acontecimentos efêmeros que burlam a compreensão dos fenômenos culturais e sociais em processo. É uma reflexão que certamente cabe e precisa ser pensada no âmbito do ensino de história. Burke (2012) defende que para que haja uma transformação do conhecimento não é suficiente a obtenção de informações, mas sua discussão e problematização. Pois, a discussão causa dúvidas e a constante busca por novas informações, sendo este um dos princípios basilares do ensino de história: o incentivo ao pensamento crítico da realidade. Como alerta Burke, a excessiva carga de informação tem sobrecarregado a 360

sociedade e as pessoas que se alimentam dessa rede desenfreada de conhecimento que pode não representar algo benéfico. Portanto, é primordial incentivar o caráter democrático-participativo, a fim de promover um diálogo entre os diversos sujeitos envolvidos no processo educacional. A escola deve estar sempre em diálogo com os sujeitos que a compõe, buscando com isso, a construção de uma educação calcada em uma visão reflexiva de si mesma. Isabel Alarcão chama atenção para a escola que pensa a si própria, suas ações e metas, como sendo: Uma escola que se assume como instituição educativa que sabe o que quer e para onde vai. Na observação cuidadosa de sua realidade social, descobre os melhores caminhos para desempenhar a função que lhe cabe na sociedade. Aberta a comunidade exterior dialoga com ela. (2001, p. 25). Assim, é importante ter em mente que o foco da ação escolar precisa ser alterado diante dos desafios impostos por esta nova realidade. Portanto, é primordial que a ação pedagógica embora deva dialogar amplamente com a qualificação técnica e cientifica, não esteja voltada exclusivamente a este aspecto, para que haja uma consciência crítica e reflexiva acerca da prática educativa. Por isso, é fundamental que os professores/pesquisadores conduzam a sociedade no exercício de reflexão que vise a tomada de consciência, fazendo com que os sujeitos aprendam a questionar, a problematizar a si próprios, a sociedade, suas produções e os possíveis efeitos de suas escolhas.

Referências BEZERRA, Holien Gonçalves. Ensino de História: conteúdos e conceitos básicos. In: Karnal, Leandro (org). História na sala de aula: conceitos, práticas e propostas. São Paulo: Contexto, 2005. P. 43-4. BURKE, Peter. Cronologia do Conhecimento. In:________. Uma história social do conhecimento II: da Enciclopédia à Wikipedia. Rio de Janeiro: Zahar, 2012. p. 309 – 344. SEVCENKO, Nicolau. A Corrida para o Século XXI: no Loop d Montanha Russa. São Paulo: Companhia das Letras, 2001. LE GOFF, Jacques. História e memória. 2. ed. Campinas: Editora da UNICAMP, 1992. NEVES, Joana. Participação da comunidade, ensino de História e cultura histórica. Sæculum - Revista de História, João Pessoa, DH/UFPB, n. 6/7, dez. 2001, p. 35-47.

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IDEIAS DE ALUNOS DO SEXTO ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL ACERCA DE FONTES HISTÓRICAS PROPOSTAS NO LIVRO DIDÁTICO Heloisa Pires Fazion Marlene Rosa Cainelli O presente texto possui como objetivo apresentar considerações sobre a pesquisa que está sendo desenvolvida no Mestrado em História Social na linha de História e Ensino da Universidade Estadual de Londrina. Inicialmente sublinha-se que esta investigação se insere num campo de estudo denominado Educação Histórica. De acordo com Cainelli e Schmidt (2011) este campo surgiu na Inglaterra por volta da década de 1970 e tem se difundido paulatinamente em diferentes países do mundo. No Brasil um dos centros mais expressivos dessa área está localizado na cidade de Curitiba-PR com a pesquisadora Maria Auxiliadora Schmidt, a qual coordena o Laboratório de Pesquisa em Educação Histórica (LAPEDUH). Destacase que nas investigações realizadas nesta área a escola é, prioritariamente, o campo de pesquisa por excelência. Isto posto, destaca-se que a pesquisa será aplicada num Colégio Estadual da cidade de Londrina, de maneira que a problemática principal é perceber como alunos do sexto ano do Ensino Fundamental utilizam fontes históricas textuais e visuais presentes no livro didático “BOULOS, Alfredo. História, sociedade e cidadania, 6º ano. 3ª edição. São Paulo: FTD, 2005, 448p.” A justificativa para a realização desta pesquisa reside primeiramente na importância de se trabalhar fontes históricas com os alunos, bem como de instigá-los a pensar as fontes não como uma cópia fiel do passado, mas sim como uma produção contextualizada que permite diferentes interpretações. Além disso, está sendo levada em consideração a lacuna que ainda existe nas investigações referentes ao livro didático. Nas palavras de Rüsen (2011, p.111) “quase não existe investigação empírica sobre o uso e o papel que os livros didáticos desempenham verdadeiramente no processo de aprendizagem em sala de aula”. Durante o final do século XIX e início do XX o estudo e o ensino da História limitaramse a abordar os acontecimentos passados de maneira linear, compreendendo o documento histórico como uma verdade inquestionável. O documento era, portanto, entendido como a materialização do passado, e sendo assim, capaz de apesentar os fatos como realmente haviam acontecido. De acordo com Janotti (2005, p.11), “a concepção dominante na historiografia era de que a comparação de documentos permitia reconstruir os acontecimentos passados”. Esse cenário modificou-se a partir do século XX com o advento da chamada “revolução documental”. Esta foi essencialmente idealizada por pesquisadores pertencentes ao movimento dos Annales (1929-1989). De acordo com Burke (2010, p.09) a criação dos 362

Annales possibilitou uma “renovação dos estudos historiográficos”. Burke (2010) aponta que os Annales defendiam três ideias principais. A primeira delas refere-se a mudança de uma história ancorada numa narrativa tradicional dos acontecimentos para uma “história-problema” (BURKE, 2010, p.12), ou seja, “as fontes deveriam ser buscadas e interpretadas segundo as hipóteses que partiam do historiador” (JANOTTI, 2005, p.13); em seguida, a ideia de considerar historicamente não apenas eventos políticos e econômicos, mas sim todas as atividades humanas, envolvendo, portanto, aspectos sociais e culturais. Por fim, a busca pelo diálogo entre as mais variadas disciplinas, procurando demonstrar a importância da interdisciplinaridade para as pesquisas em diferentes áreas do conhecimento. Isto posto, ressalta-se que devido à influência dos Annales o olhar sobre o que poderia ser considerado um documento histórico foi ampliado. Assim, nesse novo cenário, os estudiosos não consideram apenas documentos escritos e oficiais, mas sim toda produção humana, incluindo, no repertório do que pode ser considerado um documento histórico, imagens, músicas, entrevistasse artefatos, por exemplo. Bacellar (2005) aponta questões essenciais no que se refere ao uso das fontes. A primeira delas diz respeito à contextualização. É fundamental que o pesquisador investigue quando e por quem a fonte foi produzida, até porque “documento algum é neutro, e sempre carrega consigo a opinião da pessoa e/ou do órgão que o escreveu” (BACELLAR, 2005, p.63). A necessidade em se entender o contexto no qual o documento histórico foi produzido é de suma importância, pois o significado das palavras pode diferir do que atualmente é. Em seguida, o autor assinala que o olhar crítico sobre a fonte também é imprescindível. Isto deve-se ao fato de que quem produz algo, o produz com alguma intencionalidade, tendo em vista seus interesses. Dessa maneira é necessário ter em mente que as fontes estão carregadas de subjetivismo. Devido a isto, a análise “exige que se desconfie das fontes, das intenções de quem a produziu, somente entendidas com o olhar crítico e a correta contextualização do documento que se tem em mãos” (BACELLAR, 2005, p.64). Outro aspecto refere-se a “perceber a qualidade das informações que ela pode ou não nos fornecer” (BACELLAR, 2005, p.68). Aqui reside a importância em compreender que as fontes são produzidas visando atender as problemáticas de sua época, e que, portanto, apenas respondem as questões que para ela são direcionadas, até porque nenhum documento fala por si só. Já Pereira e Seffner (2008) defendem que a utilização de fontes históricas em sala de aula contribui de forma significativa para que os alunos aprendam História, almejando não os transformar em historiadores, mas sim possibilitar que os mesmos percebam que o conhecimento da história é fundamental para que possam compreender o mundo no qual vivem. Diante disto, os estudiosos destacam que é essencial pensar e elaborar “alternativas pedagógicas que incluam a possibilidade de usar, no cotidiano da sala de aula de história do ensino fundamental e médio, as mesmas fontes com as quais os pesquisadores criam relatos sobre o passado” (PEREIRA; SEFFNER, 2008, p.114). Após todas as considerações acima é importante ressaltar aspectos primordiais desta pesquisa. Inicialmente serão realizadas observações nas turmas de sextos anos, para que posteriormente seja escolhida uma turma. Após a escolha será aplicado um questionário 363

composto por três questões, sendo elas: 1) Se você tivesse que contar a história da sua família, como você contaria? 2) Como nós sabemos o que aconteceu no passado? Por exemplo, como sabemos que Pedro Álvares Cabral chegou ao Brasil? 3) Como o autor do seu livro didático sabe o que aconteceu? Após a aplicação do questionário será escolhido um conteúdo específico do livro didático para que, levando em consideração a dinâmica da turma, seja elaborado um kit de fontes históricas, o qual conterá fontes textuais e visuais. Pretende-se que os alunos interpretem essas fontes e produzam suas narrativas. Por fim, destaca-se que a metodologia utilizada será a Grounded Theory (teoria fundamentada), a qual é frequentemente utilizada pelos pesquisadores da Educação Histórica. Sublinha-se que o grande diferencial dessa teoria reside no fato do estudioso construir suas próprias categorias, referentes ao objeto de estudo, a partir dos dados que são obtidos no decorrer da pesquisa, de maneira que “os dados formam a base da nossa teoria, e a nossa análise desses dados origina os conceitos que construímos” (CHARMAZ, 2009, p.15). Portanto, as narrativas produzidas pelos alunos serão analisadas para que posteriormente possam ser construídas as referentes categorias.

Referências Bibliográficas BACCELAR, Carlos. Uso e mau uso dos arquivos. In: PINSKY, Carla Bassanezi; BACELLAR, Carlos; GRESPAN, Jorge; NAPOLITANO, Marcos; JANOTTI, Maria de Lourdes; FUNARI, Pedro Paulo; LUCA, Tania Regina de; BORGES, Vavy Pacheco; ALBERTI, Verena. Fontes Históricas. São Paulo: Contexto, 2005, 302p. BOULOS, Alfredo. História, sociedade e cidadania, 6º ano. 3ª edição. São Paulo: FTD, 2005, 448p. BURKE, Peter. A Escola dos Annales (1929-1989): A Revolução Francesa da Historiografia. 2.ed. São Paulo: Editora da Unesp, 2010, 172p. CAINELLI, Marlene Rosa; SCHMIDT, Maria Auxiliadora. Percursos das Pesquisas em Educação Histórica: Brasil e Portugal. In: ______. Educação Histórica: teoria e pesquisa. 1.ed. Ijuí: Unijuí, 2011. p.9-17. CHARMAZ, Kathy. Convite à Teoria Fundamentada. In: _____. A Construção da Teoria Fundamentada. Porto Alegre: Artmed, 2009. p.13-28. JANOTTI, Maria de Lourdes. O livro Fontes Históricas como fonte. In: PINSKY, Carla Bassanezi; BACELLAR, Carlos; GRESPAN, Jorge; NAPOLITANO, Marcos; JANOTTI, Maria de Lourdes; FUNARI, Pedro Paulo; LUCA, Tania Regina de; BORGES, Vavy Pacheco; ALBERTI, Verena. Fontes Históricas. São Paulo: Contexto, 2005, 302p. PEREIRA, Nilton Mullet; SEFFNER, Fernando. O que pode o ensino de história? Sobre o uso de fontes na sala de aula. Anos 90, Porto Alegre, v.15, n.28, p.113-128, dez. 2008. RÜSEN, Jörn. Jörn Rüsen e o Ensino de História. In: SCHMIDT, Maria Auxiliadora; BARCA, Isabel; MARTINS, Estevão de Rezende (org.). Curitiba: Ed. UFPR, 2011, 150p. 364

JOGOS DIGITAIS E ENSINO DE HISTÓRIA: A CULTURA HISTÓRICA EM AGE OF EMPIRES II Hezrom Vieira Costa Lima O saber histórico na sala de aula não é restrito ao professor /historiador, pois conforme destacou Ferreira (2012, p.184), “o historiador não possui o monopólio sobre a memória”. Mediante essa percepção, o processo de construção do conhecimento histórico, por parte do alunado, perpassa não apenas o momento da “aula de história”, mas também disputa espaços com elementos fora do âmbito escolar. A mídia de uma maneira geral, em que se destacam a atuação da televisão, cinema, histórias em quadrinhos e, nos últimos anos, os jogos eletrônicos, é a principal articuladora do conhecimento histórico nesse sentido. Dessa forma, os professores, convivem com alunos que “vivenciam, com intensidade, o presente marcado pelos ritmos acelerados das tecnologias” (BITTENCOURT, 2004, p.7). Romera e Ojeda (2015, p.7) chamam a atenção para a capacidade de os videogames terem se transformado em uma forma cotidiana de conhecimento: Lo que en su origen aparecía como una forma de entretenimiento radicada en la dimensión lúdica de cada uno de nosotros como intervinientes reales o potenciales, se ha transformado, dentro del contexto sociocultural contemporáneo, en un artefacto generador de contenidos y capaz de desplazar, desde un punto de vista historiográfico, el propio discurso científico del conocimiento del passado y sus acontecimientos definidores. De acordo com resultados obtidos por estes pesquisadores espanhóis, o potencial dos jogos eletrônicos extrapola o limite do entretenimento. O conhecimento presente nesses jogos pode, inclusive, dialogar e, até mesmo, deslocar, a mentalidade coletiva e o conhecimento historiográfico sobre determinado período histórico ou personalidade histórica, em suma, são capazes de transformar a consciência histórica sobre o passado em si. Dessa maneira os jogos eletrônicos, sobretudo aqueles que tem como objetivo retratar determinado acontecimento histórico, denominados de history games, pois tem como objetivo uma reprodução fidedigna de um período histórico (NEVES, 2011, p.15), são elementos cruciais desse processo. Dessa maneira os history games podem ser compreendidos na definição de cultura histórica proposta por Rüsen (2007) que entende a mesma como a forma de construção do saber histórico além do campo da historiografia. Dessa forma entendemos os history games como produtores de uma cultura histórica.

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Jogos Digitais e Ensino de História: history games em sala de aula As transformações ocorridas nos embates do campo historiográfico são perceptíveis no “fazer histórico”, da mesma forma os resultados dessas implicações devem ser estimulados no campo pedagógico. Sobre a questão implícita de ensinar história, Karnal (2007, p.8-9) destaca que a esta atividade está submetida a duas transformações permanentes “do objeto em si e da ação pedagógica”, Estas mudanças na ação pedagógica, relacionada as modificações dos seus agentes – o professor de história, serão o foco da discussão desenvolvida a seguir. Para suscitar o debate, um questionamento inicial se faz necessário, por que escolher, dentre tantas outras fontes, os history games para auxiliar no ensino de história? Dois aspectos, que trabalham de forma simbiótica, servem como resposta dessa questão. Primeiro, é notória em nossa sociedade, sobretudo a partir da segunda metade do século XX, a dependência “da imagem como linguagem e ferramenta imprescindível de comunicação entre as pessoas” (PAIVA, 2006, p.102), e segundo, e até de certa forma, como consequência da primeira, os professores por estarem inseridos nesse meio social, são também consumidores desses artefatos culturais, dessa forma, o diálogo estabelecido por óticas distintas torna a interpretação desse fenômeno em uma análise mais complexa, permeando a construção e interpretação de sentidos dos alunos sobre os jogos, e também dos professores, pois mediante a recepção por parte dos seu alunado terá uma gama maior de possibilidades para serem trabalhadas. (ALVES, 2008). A utilização dos jogos em sala de aula não se inicia (ou encerra) no momento do jogo em si, ela possui uma gama considerável de funções, que poderão ser utilizados pelo professor. Sobre essa questão, menciona Meinerz (2013, p.108) Especificamente no ato educativo escolar, o jogo pode atender a distintos objetivos, desde uma sondagem ou revisão de conteúdos formais e de saberes informais, até o manuseio mais sofisticado de conceitos, a visualização concreta de processos complexos ou abstratos, e ainda o diagnóstico avaliativo do conhecimento dos alunos. Dessa forma fica evidente que a utilização de jogos eletrônicos em sala de aula pode ocorrer de maneiras distintas, devendo ser uma atividade que favoreça o diálogo com o alunado, permitindo uma visualização mais ampla do conteúdo abordado.

Compreendendo o período feudal através de Age of Empires II Age of Empires II: The Age of Kings é um jogo de estratégia em tempo real, desenvolvido pela Ensemble Studios e publicado pela Microsoft, lançado originalmente em 1999. O contexto do jogo AoE2 se passa no período medieval, e possui 13 civilizações jogáveis, que se distinguem arquitetonicamente em 4 grupos, civilizações da Europa Ocidental – bretões, celtas e francos, da Europa Central – góticos, teutões e vikings, do Oriente Médio – bizantinos, persas, turcos e sarracenos, e do Extremo Oriente – chineses, japoneses e mongóis. 366

Por se tratar de um jogo de estratégia em tempo real que simula um período histórico específico, AoE2 conta com dois modos de jogo, o modo campanha, onde o jogador tem a possibilidade de controlar personagens específicos, como Joana D’arc na França e Saladino durante as Cruzadas, além de personagens que estavam envolvidos naquele período, como soldados, comerciantes, monges e camponeses. O modo campanha, possuí 5 campanhas ao todo, uma de William Wallace, onde os celtas lutam contra os ingleses, uma de Joana d’Arc, onde o jogador controla o exército francês contra os ingleses, na terceira é possível jogar com Saladino, retratando as cruzadas, na quarta pode-se jogar com Genghis Khan e a conquista do império bizantino e por fim, também pode jogar com uma campanha relacionada à Barbarossa. A narrativa apresentada a seguir tem como base os resultados da nossa prática docente na educação básica, com duas turmas do 7º ano do ensino fundamental 2, entre os anos de 2015 e 2016. Tendo como objetivo ampliar o conhecimento sobre o período estudado no primeiro semestre, o período medieval, decidimos em conjunto com a sala, utilizar um jogo, que contemplasse o período estudado, para ampliar o conhecimento sobre o assunto analisado em sala de aula. Como metodologia ficou decidido dividir a turma em grupos. Na primeira turma, no ano de 2015, em um total de 24 alunos, estes foram divididos em 5 grupos, 4 deles com 5 integrantes e outro com 4 alunos. Já na segunda turma, em 2016, 4 grupos com 5 alunos e 1 grupo com 4, apesar de ser sugerido que os grupos fossem mistos, o que privilegia o potencial de contribuição de cada aluno para seu grupo, o critério escolhido pelos alunos foi a afinidade, priorizando o contato desenvolvido ao longo da vida escolar dos mesmos. Terminada a escolha dos grupos, foi passada um CD com uma cópia do jogo Age of Empires II para cada grupo, para que os membros responsáveis instalassem o jogo nos seus respectivos computadores em casa, e, ainda em sala de aula, foi realizada uma espécie de oficina, seguindo a metodologia de Lopes (2016) explicando passo a passo as etapas de extração do arquivo e instalação do jogo. Após essa primeira etapa concluída, foram explicados determinados campos, relacionados as ferramentas, funcionalidade, objetivos, modo campanha e o banco de dados com as informações sobre as civilizações, que estão presentes no menu do jogo. Para ilustrar a explicação, foi selecionado o modo campanha para explicar a movimentação, que é toda realizada com o mouse, tendo apenas algumas teclas de atalho no teclado e as características das unidades principais, como os trabalhadores, que são responsáveis pela obtenção de recursos (madeira, pedra, comida e ouro) e construção das estruturas e unidades militares, responsáveis pela proteção do território controlado pelo jogador. Como objetivo geral, os grupos deveriam reconstruir o universo feudal utilizando o jogo Age of Empires II, de acordo com o que for estudado em sala de aula. A primeira atividade proposta foi de cada grupo construir, dentro do jogo, o ambiente do mundo feudal europeu. Para isso, os alunos utilizaram como base o mapa do mundo feudal, contemplando a Europa ocidental, o norte da África e o atual Oriente Médio, respeitando os limites geográficos e os aspectos físicos de cada região. Em seguida, as equipes foram instruídas a construir um feudo, percebendo as características dessa unidade básica de produção durante o período feudal. Tendo como 367

objetivo perceber os critérios de autossuficiência dos feudos bem como os papéis sociais desempenhados pelos indivíduos, os alunos puderam vivenciar, mesmo que de forma virtual, os aspectos sociais e econômicos que a população do período estudado. Contribuindo para a construção imagética do período medieval para além de castelos, princesas e dragões (SILVA, 2010). Após as instruções os alunos conseguiram construir, de maneira satisfatória, um feudo conforme fora solicitado e conseguiram perceber as nuances características do período feudal, percebendo os papéis sociais desenvolvidos pelos indivíduos bem como obter uma percepção maior do período medieval, avaliação que foi percebida durante a apresentação do produto final, em sala de aula.

Referências - Jogos Eletrônicos AGE OF EMPIRES II: The Age of Kings. Estados Unidos, Ensemble Studios, 1999. - Bibliografia ALVES, Lynn (2008). Relações entre os jogos digitais e aprendizagem: delineando percurso. In: Educação, Formação & Tecnologias. Portugal, vol.1 (2); pp. 3-10, Novembro de 2008, disponível no URL: http://eft.educom.pt. BITTENCOURT, Circe (Org.). O saber histórico na sala de aula. 9.ed. São Paulo: Contexto, 2004 FERREIRA, Marieta de Moraes. História Oral: velhas questões, novos desafios In: CARDOSO, Ciro Flamarion; VAINFAS, Ronaldo (Orgs.). Novos Domínios da História. Rio de Janeiro: Elsevier, 2012. KARNAL, Leandro (Org.). História na sala de aula: conceitos, práticas e propostas. 5.ed. São Paulo: Contexto, 2007. LOPES, Ramon Mulin. O lúdico digital nas aulas de história: aplicação do game Caesar III como material lúdico nas turmas de sexto ano do centro educacional São José (Miracema – RJ). 2º Simpósio Eletrônico Internacional de Ensino de História. Universidade Estadual do Paraná: União da Vitória, 2016. MEINERZ, Carla Beatriz. Jogar com a História na sala de aula. In: GIACOMONI, Marcello Paniz; PEREIRA, Nilton Mullet (Orgs.). Jogos e Ensino de História. Porto Alegre: Evangraf, 2013. MOTTA, Márcia Maria Menendes. História, memória e tempo presente. In: CARDOSO, Ciro Flamarion; VAINFAS, Ronaldo. (Orgs.) Novos Domínios da História. Rio de Janeiro: Elsevier, 2012.

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NEVES, Isa Beatriz da Cruz. Jogos digitais e potencialidades para o Ensino de História: um estudo de caso sobre o history game Tríade – Liberdade, Igualdade e Fraternidade. 2011. 243f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2011. ROMERA, César San Nicolás; OJEDA, Miguel Ángel Nicolás (comps.). Videojuegos y sociedade digital: nuevas realidades de estudio para la percepción del pasado histórico. Mar del Plata: Universidad Nacional de Mar del Plata, 2015. RÜSEN, Jörn. História Viva: Teoria da História III: formas e funções do conhecimento histórico. Tradução Estevão de Rezende Martins. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2007. SILVA, Cristiani Bereta da. Jogos digitais e outras metanarrativas históricas na elaboração do conhecimento histórico por adolescentes. In: Antíteses, Londrina, Programa de Pós-Graduação em História Social, vol. 3, n. 6, jul-dez., 2010.

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O JORNAL COMO FONTE HISTÓRICA: ALGUMAS REFLEXÕES TEÓRICAS PARA A PESQUISA E ENSINO DE HISTÓRIA ATRAVÉS DOS PERIÓDICOS Isaias Holowate O jornal é uma fonte de pesquisa muito agradável de se utilizar. As notícias em suas páginas atraem o leitor. Ler um jornal de hoje nos informa sobre determinadas representações da atualidade (CHARTIER, 1990, p. 21); ler um periódico de cem anos atrás, nos permite dar um passeio pela sociedade daquela época, ou pelo menos nas representações de determinados grupos daquela época (HOLOWATE, 2017, p. 11). Tais possibilidades costumam atrair tanto estudantes da educação básica, pressionados pelas “tarefas de casa” encomendadas pelos seus professores, quanto os estudantes de graduação, muitas vezes sob pressão para a produção de seus TCCs. Porém, muitas vezes tais jovens, ao serem apresentados à fonte jornalística, não possuem ainda o preparo indispensável para a pesquisa no jornal e o resultado, muitas vezes é desastroso. Um exemplo disso, é que em Ponta Grossa, uma das fontes jornalísticas mais importantes – o centenário jornal Diário dos Campos – possui em algumas páginas antigas, rabiscos e anotações de estudantes da Educação Básica, de uma época em que por descuido, ele era liberado para pesquisa sem o devido acompanhamento e orientação. Por isso, busca-se aqui apontar alguns preceitos para a pesquisa no jornal. Obviamente não se pretende esgotar o tema, que por si é riquíssimo. O foco é na análise discursiva do jornal e suas relações entre a escrita e seu público. Ao mesmo tempo objetiva-se que essas reflexões sobre a utilização do jornal como fonte de pesquisa sejam úteis tanto para estudantes da educação básica quanto para estudantes e pesquisadores.

O jornal como uma representação da realidade Hoje em dia, as pessoas leem as notícias em grande quantidade. Sejam nas páginas impressas, sejam nas digitais. As publicações de grandes corporações jornalísticas atingem grande parte da população, influindo nas discussões diárias, nos posicionamentos políticos e sociais da população. As pessoas leem o jornal, com objetivo de saber “o que aconteceu”. Da mesma forma, quando se busca saber “o que aconteceu” no passado, hoje é comum ir atrás dos jornais de época. Tal fato se dá por uma crença social de uma certa objetividade jornalística.

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Essa crença não atinge apenas a população leiga ou os estudantes da educação básica: atinge também muitos estudantes da graduação, de forma com que é bastante comum encontrarmos na leitura de Monografias e artigos, uma proliferação de produções que utilizam o jornal como um relato fiel da realidade, embora muitas vezes, as reproduções sejam involuntárias, já que o estudante culturalmente se acostumou a “confiar” nos jornais. A constante citação literal dos parágrafos presentes na notícia sem a devida crítica aponta para isso. Por isso, o primeiro pressuposto ao encontrar um jornal, é desfazer-se dessa cultura de objetividade: as fontes jornalísticas são subjetivas, e seu estudo, não deve pressupor uma “verdade” presente nas fontes, mas deve-se ter elas como construções da realidade. Pontes e Silva (2012, p. 52) apontam para a presença dessa subjetividade nas páginas de um jornal: Tendo a capacidade de mobilizar ou de garantir a construção subjetiva do “informado” o jornal deve ser visto como um campo de disputas políticas, econômicas e, principalmente, culturais. Os grupos são influenciados pelos jornalistas e também se articulam para exercer influência na mídia noticiosa [...]. A mídia noticiosa possui um próprio modo de afirmar a realidade que retrata/constrói e isso acontece em negociação com os receptores. Portanto, assumindo que os conteúdos dos jornais não são objetivos, mas que possuem uma subjetividade por detrás da escrita das notícias, reportagens, editoriais etc., percebe-se que o periódico pode ser estudado como uma fonte desde que considerados o meio em que foi escrito, os personagens que o escreveram, a forma física que sua produção assume e as relações com o público ao qual atingia.

O jornal como um espaço de relações sociais Quando um estudante ou pesquisador pega em suas mãos um jornal, deve-se levar em conta, é que essa mercadoria foi produzida por alguém com algum objetivo (SARTRE, 1979, p.53), ou mais precisamente, foi produzida por diversos “alguéns” com interesses variados que muitas vezes são internegociados ou impostos, pois o espaço de produção de um jornal é um espaço de relação entre pessoas – os jornalistas – que negociam, organizam-se e produzem o jornal. As relações entre os membros do jornal influenciam decisivamente naquilo que é produzido. As notícias variam de acordo com os interesses dos grupos que participam da produção jornalística. Assim, a hierarquia na produção das notícias e seu posicionamento na página precisam ser analisados como um dado relevante, ao qual o pesquisador precisa levar em conta: geralmente um redator, editor, e chefes de seção possuem mais poder de decisão sobre uma notícia veiculada no jornal do que um jornalista que as escreve. O que não significa que o jornalista primário, que buscou a notícia e que a escreveu não possua influência na escrita – pelo contrário: a base semântica do texto é composta por suas observações 371

sobre o tema e a influência de sua cultura na escrita é também extremamente decisiva para o texto que será veiculado na página.

Os aspectos do jornal: Por que as notícias são como são Observadas essas precondições iniciais na pesquisa em jornalismo, é preciso observar também aspectos físicos do jornal, para compreensão da notícia: o jornal em si, como página impressa ou digital, possui uma série de estruturas que definem seu formato, estatuto e organização. Geralmente na atualidade os jornais constituem-se de dezenas de páginas, com uma página inicial, a capa, onde são publicadas as notícias consideradas pelo corpo jornalístico daquela instituição como as mais relevantes. A capa em si diz muito sobre a estrutura do jornal e a mensagem que ele pretende passar para seu leitor. Através da capa o jornal diz ao leitor o que ele deve ler primeiro, e o que o jornal quer que o leitor enfoque. A estrutura da capa também é importante. A notícia principal, geralmente acompanhada por uma imagem ou infográfico presente na capa apontam para a principal notícia do dia do jornal. Assim, a leitura do jornal e especificamente da capa ajuda a entender os interesses por detrás da escrita do jornal. As páginas seguintes do jornal também podem facilitar a compreensão da imagem que o jornal pretende passar da realidade para seu leitor e a forma com que ele representa a realidade. Ao mesmo tempo a presença de propagandas e o posicionamento delas – seja em uma página reservada no início ou no fim da publicação - também buscam em determinados graus, atrair a atenção do leitor. Assim, o aspecto fisco da escrita busca passar uma série de mensagens ao leitor: da mesma forma, conhecendo esses códigos, o pesquisador pode realizar uma leitura mais atenta e crítica ao produzido no jornal. Outro aspecto importante na leitura do jornal é o conhecimento das hierarquias de informação, que é a forma com que os jornalistas costumam organizar as mensagens em uma página do jornal. A hierarquia pode ser entre várias produções ou dentro de uma mesma notícia. No primeiro caso, pode se notar, como foi dito acima, que as notícias consideradas mais relevantes pelo corpo jornalístico, costumam ficar numa forma de leitura facilitada pela clássica ocidental, ou seja de cima para baixo, da esquerda para direita. Notícias posicionadas na parte mais superior e em maior destaque- títulos maiores, proeminência de imagens são notícias destacadas, para chamar a tenção do leitor.; Da mesma forma, dentro de uma própria noticia também a um posicionamento hierárquico de informações: no estilo de escrita jornalístico clássico, predominantemente os primeiros parágrafos costumam passar as informações consideradas pelo escritor como as mais importantes, e os seguintes, menos, em ordem 372

de escrita. Tal escrita se dá pela necessidade da redação em certos casos, precisar cortar um ou mais parágrafos da escrita do jornalista. Assim, o jornal, longe de ser uma página objetiva por si só envolve uma série de hierarquias, sejam físicas, pelo posicionamento da notícia, sejam, hierárquica pela estrutura das representações apontadas e pelas relações entre os membros do jornal e do jornal com a sociedade. Vale lembrar que esse é o terceiro ponto da produção da notícia: elas são sempre produzidas tendo em vista seu leitor e dialogam com aquele que as lê. O jornal atua de forma a construir uma realidade, dizendo ao seu leitor quais são os fatos relevantes do dia. Contudo, o jornal só poderá vender isso se os fatos estiveram em concordância com o leitor e obtiverem a sua aceitação, pois sendo o jornal uma mercadoria, ele é produzido para ser vendido.

O jornal e seu público: as relações de agendamento e contraagendamento Da mesma forma que um estudante e pesquisador ao ter contato com um jornal não deve assumir que ele se trata de uma representação da realidade de toda a sociedade de um determinado espaço, ele também não deve cometer o equívoco de assumir que o jornal se trata apenas dos jornalistas que o produzem. Pelo contrário, o jornal é construído em sua relação com seu público. Alguns aspectos dessa relação ao qual convém refletir são os conceitos de agendamento e contraagendamento. O jornal através do bombardeio diário de informações com a mesma temática em dias seguidos, utilizando-se das seleções e da forma com que a noticia é publicada para atingir o leitor de determinadas formas, agenda e influencia o modo com que o leitor vai pensa a realidade e os temas que geralmente discutidos naquele dia, naquele período. Essa influência do jornal chama-se agendamento (MC COMBS, 2009), e através da relevância do jornal e seu consumo nos permite inquirir sobre o que a sociedade leitora consumia e pensava se apropriava naquela realidade. Ao mesmo tempo, existe o contraagendamento (SILVA, 2007, p. 84-102), que consiste no fato de que através de determinados mecanismos alguns grupos da sociedade possuem poder suficiente para influenciar na produção jornalística. Por exemplo, nos jornais do início do século XX se pegarmos o caso de Ponta Grossa, a presença de patrocínio das farmácias, que eram naquele momento, naquele espaço cultural, importantes empresas, produzia um contraagendamento que influenciava na produção jornalística de forma a defender s interesses médicos. Vale lembrar que todo agendamento e contraagendamento normalmente é uma relação dual e negociada, ou seja, o jornal e a população cedem espaço a ideias diferentes, mas sem perder seu corpo principal de pensamento. Nos poucos casos em que o contraagendamento envolve grupos e ideias bastante divergentes – Por exemplo os movimentos sociais, os quais ao atingirem grande parte 373

da população acabam, “obrigando” as grandes corporações a tornarem eles notícias – os fatos acabam sendo adaptados de forma a serem publicados no formato de discursos reconstruídos e negociados para serem aceitos na perspectiva do jornal e do seu grupo leitor.

Considerações Finais Obviamente, esse breve ensaio não teve, em momento algum o objetivo de esgotar os princípios teórico metodológicos para a pesquisa histórica em jornais. A quantidade de relações presentes na produção de uma notícia e na sua veiculação, seu relacionamento com a sociedade e sua hierarquização envolvem tantos fatores sociais e econômicos que precisariam de muitíssimas produções e ainda assim faltariam espaço para atingir. Contudo, busca cumprir com seu objetivo de compor algumas reflexões para um aluno ao se deparar com um jornal num museu ou em qualquer local de leitura e pesquisa e a historiador iniciante na carreira a levar em conta as especificidades dessa riquíssima fonte, seja de leitura, seja de pesquisa.

Referências CHARTIER, Roger. A História Cultural: Entre Práticas e Representações. Lisboa: Ed. Difel, 1990. HOLOWATE, Isaias. Representações sobre a eugenia no jornal Diário dos Campos, 1907-1921: representações e ressignificações. Saarbrucken, Alemanha. Novas edições Acadêmicas, 2017. MC COMBS, Maxwell. A teoria da agenda: a mídia e a opinião pública. Petrópolis: Vozes, 2009. PONTES, Felipe Simão; SILVA, Gislene. Mídia noticiosa como material de pesquisa: Recursos para a pesquisa de produtos jornalísticos. In: BOURGUIGNON, Jussara Ayres; OLIVEIRA JUNIOR, Constantino Ribeiro de, (orgs). Pesquisa em Ciências sociais: interfaces, debates e metodologias. Ponta Grossa. Toda palavra, 2012. SARTRE, Jean-paul. Crítica de la razón dialéctica. Libro I. Buenos Aires, Losada, 1979. SILVA, Luis Martins da. Sociedade, esfera pública e agendamento. In: LAGO, C. e BENETTI, M. (orgs). Metodologia de pesquisa em Jornalismo. Petrópolis: Vozes, 2007.

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O MUSEU EM SALA DE AULA: RELATO DE EXPERIÊNCIA COM MUSEUS VIRTUAIS Israel Aquino Neste trabalho, procuramos colocar a questão de que lugar as instituições ligadas à preservação e exposição do patrimônio histórico devem ocupar em uma sociedade que se volta cada vez mais para o cibernético, em um mundo em que as representações virtuais vêm cada vez mais ganhando espaço no cotidiano das pessoas, bem como o papel que o ensino e os educadores tem a cumprir nesse processo. O trabalho se desenvolveu a partir de uma experiência com alunos de ensino médio de uma escola pública de Porto Alegre, nas aulas da disciplina de História, realizada a partir do acesso compartilhado ao site Google Art Project (http://www.googleartproject.com/pt-br/), que disponibiliza o acervo de diversas instituições museológicas na Internet para acesso livre e gratuito de seus usuários.

Relações entre tecnologia e patrimônio: desafios e potencialidades para o ensino Aparentemente, o primeiro desafio encontrado pelos profissionais em salas de aula refere-se a pouca familiaridade ou conhecimento das ferramentas e tecnologias disponíveis dentre o aparato tecnológico contemporâneo. Esse tipo de dificuldade em relação ao uso e domínio das novas tecnologias geralmente contrasta com a atitude das gerações mais novas, que aparentam grande facilidade no domínio destas desde cedo, sendo por vezes chamados de “nativos digitais” (BENNETT et. al., 2008). Esse seria um momento ideal para estabelecer uma dinâmica de troca de conhecimentos, extrapolando a lógica do ensino tradicional, de maneira a possibilitar maior interação entre aluno e professor, mas sabemos que boa parte dos educadores ainda tem grandes dificuldades com este tipo de prática. Por outro lado, percebemos que a apropriação destas tecnologias, quando ocorre, tem sido realizada de maneira a reforçar uma abordagem tradicional do ensino, em propostas que não diferem das práticas tradicionais, e não colaboram para uma reciclagem destas, contribuindo para reforçar posturas de apropriação acríticas (FISS & AQUINO, 2013, p. 204). Assim, ocorre o alento do “caráter tradicional da educação, baseado na transmissão de conhecimentos para que os alunos os assimilem de forma passiva” (FRANÇA & SIMON, 2008). Entende-se, assim, que a superação desse tipo de abordagem passa por uma mudança nas concepções e práticas pedagógicas que norteiam a educação. Ulpiano Menezes (2007) aponta como preocupante a multiplicação de dados na chamada Sociedade da Informação, que muitas vezes implica em uma apreensão rasa e superficial, em detrimento da construção de novos conhecimentos. Esse excesso de conteúdo informacional deixa os indivíduos sem foco, redundando em saturação. Segundo o autor, a hiperinformação gera desinformação (MENEZES, 2007). Ao 375

mencionar os museus virtuais, o autor defende que estes precisam ser desnaturalizados e problematizados, para que através do distanciamento necessário possa haver o discernimento e a apreensão do conhecimento. Assim, Menezes não se opõe estritamente a esta tendência: aceita-a, mas também procura problematizá-la, ressaltando que “é preciso fazer do virtual um território de exploração e não de rendição incondicional ou de sedução consentida” (Idem). Nesse sentido, Dodebei (2011) aponta que a virtualização dessas instituições implica no surgimento de novos processos de subjetivação, apropriação e uso das narrativas, no momento em que o espaço virtual se transforma ele próprio em um lugar de memória, para usar a classificação de Pierre Nora (1984). Por outro lado, Rosali Henriques indica que a Internet possibilita, através das chamadas visitas virtuais, uma maior visibilidade das instituições patrimoniais, podendo atrair um público maior para as exposições presenciais. Ao transformar “átomos em bits”, o mundo virtual permite aproximar a instituição de uma nova geração cada vez mais “virtual”, auxiliado pelo fato de que “o museu na Internet nunca fecha” (Henriques, 2004). Em suma, podemos ver que os autores não negam a potencialidade oferecida pela parceria entre tecnologias e instituições de patrimônio, e as possibilidades que dai surgem para o ensino, porém não as superestimam, buscando sempre chamar a atenção para a necessidade de uma apropriação crítica, que estimule a produção de conhecimento a partir de uma postura analítica e problematizadora. Entendemos que no plano educacional, a superação desses obstáculos se vincula principalmente, a adoção de uma postura crítica e comprometida por parte de educadores e educadoras. A implementação de estratégias pedagógicas que envolvam as TICs requer a adoção de posturas que permitam adaptabilidade e a cooperação. Mas não se trata de colocar em questão a presença dessas tecnologias em sala de aula, mas sim a extensão e o sentido de sua presença. A chave não está, em nosso entendimento, em comparar a utilização destas ferramentas com o ensino tradicional, tentando estabelecer as vantagens e inconvenientes de um e outro. Em vez disso, melhor seria pesquisar como podemos utilizar essas tecnologias para promover a aquisição e o desenvolvimento de novas competências. Portanto, entendemos que no ensino a utilização destes recursos requer a adoção de uma postura crítica e coerente. Acreditamos que as TICs apresentam forte potencial, no sentido de ampliar as possibilidades do ensino e contribuir inclusive para promover transformações nas habituais relações escolares. A mudança de papéis decorrentes das formas de apropriação dessas ferramentas possibilita, também, que educadores e educadoras sejam impelidos à pesquisa e à reflexão, a fim de responder as novas demandas que surgem nos espaços de aprendizado - presenciais ou não.

Considerações Finais A proliferação das TICs trazem para o trabalho com o patrimônio e para a educação patrimonial novas perspectivas, não somente por permitir potencializar o acesso aos museus, mas também por dar oportunidade aos museus de saírem de seus muros, conforme aponta Henriques (2004). Contudo, essas tecnologias não vêm para substituir 376

as instituições existentes, mas para quiçá potencializar uma nova perspectiva de interação com o patrimônio. A experiência realizada mostrou-se bastante proveitosa. Para além da “novidade” com que se deparavam, sempre destacada pelos alunos, foi possível observar que os conteúdos trabalhados e exemplificados através da realização destas visitas “virtuais” aos acervos destas instituições eram sempre os mais lembrados pelos estudantes na avaliação final da disciplina. A ferramenta virtual, utilizada como auxiliar no trabalho de determinados conteúdos e problematizada em sala de aula junto aos estudantes mostrou-se eficaz como complemento ao trabalho do professor, na medida em que se demonstrou que a experiência produziu maior assimilação e interesse entre a turma. Isso nos permite apontar pistas dos caminhos a percorrer. Conforme Magaly Cabral (2004), “devemos buscar metodologias que permitam [...] a ressignificação cultural e a reformulação de discursos pelo museu, pelo professor e pelo público visitante, [...] [buscando assim alcançar] a democratização do museu”. Para tanto, é essencial que o educador e o profissional das instituições de patrimônio encarem as novas tecnologias como ferramentas com grande potencial inovador, mas que ao mesmo tempo procurem manter uma postura crítica e problematizadora frente a elas. Finalmente, entendemos que esse potencial transformador está condicionado pelas apropriações que são feitas e pelas relações conscientes que são estabelecidas nesse processo. Nesse sentido, temos claro que é preciso respeitar o conhecimento alheio, buscar aperfeiçoamento e incentivar a curiosidade. O novo não traz respostas por si: é preciso refletir sobre ele, buscar, pensar, pesquisar. O papel de educadores continua sendo o de construir o conhecimento através de uma postura crítica, coerente e comprometida; o conhecimento continua um produto da ação consciente e da reflexão humana.

Referências AQUINO, Israel. Experiências compartilhadas entre a História, o Ensino e as Novas Tecnologias Digitais. Revista Vernáculo, n. 38, p. 106-126, 2016. Disponível em: . Acesso em 03/02/2017. CABRAL, Magaly. Museus e o patrimônio intangível: o patrimônio intangível como o veículo para a ação educacional e cultural. MUSAS - Revista Brasileira de Museus e Museologia do IPHAN, Rio de Janeiro, v. 1, n. 1, p. 49-59, 2004. Disponível em: . Acesso em 25/11/2016. DELEUZE, Gilles. O atual e o virtual. Em: __________. Filosofia Virtual. São Paulo: Editora 34, 1996. pp. 49-56. DODEBEI, Vera. Memória e patrimônio: perspectivas de acumulação/dissolução no ciberespaço. Aurora - Revista de Arte, Mídia e Política, São Paulo, n. 10, p. 36-50, 2011. Disponível em: . Acesso em 25/11/2016. 377

DODEBEI, Vera; GOUVEIA, Inês. Memórias de pessoas, de coisas e e computadores: museus e seus acervos no ciberespaço. MUSAS - Revista Brasileira de Museus e Museologia do IPHAN, Rio de Janeiro, n. 3, p. 93-100, 2007. Disponível em: . Acesso em 25/11/2016. FRANÇA, C. & SIMON, C. Como conciliar ensino de história e novas tecnologias?. Anais do VII Seminários de Pesquisa em Ciências Humanas. Londrina: Eduel, 2008. Disponível em: . Acesso em 25/11/2016. FISS, Doris; AQUINO, Israel. Tecnologias de informação e comunicação (TIC), autoria colaborativa e produção de conhecimento no ensino superior. Reflexão e Ação, v. 21, n. 2, p. 199-226, 2013. Disponível em: . Acesso em 27/01/2017. HENRIQUES, Rosali. Museus Virtuais e cibermuseus: a Internet e os museus. Disponível em: . Acesso em 25/11/2016. __________. Os museus na era virtual. XVI Seminário Internacional Museus, Ciência e Tecnologia, Rio de Janeiro: MNH, 2007. NORA, Pierre. Les Lieux de memoire. Paris, Gallimard, 1984.

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IMAGEM EM MOVIMENTO: ASPECTOS SOBRE O CINEMA NO ENSINO DE HISTÓRIA Israel de Lima Miranda Introdução Atualmente a sociedade vive um momento em que as mídias visuais tomam cada vez mais espaço nas relações de convivência e de aprendizagem. Podemos destacar como os principais meios de mídias visuais: o cinema, a televisão e, o mais atraente, a internet. Dentre todas estas mídias destacamos o cinema e sua relação com o meio social. Sobretudo, podemos identificar a capacidade que as produções cinematográficas têm de encantar o grande público e atrair, também, os jovens para as salas de cinema. Neste sentido muitos pesquisadores/professores vêm desenvolvendo estudos que buscam ampliar a relação entre o cinema e o ensino de História. Mesmo com o crescimento de pesquisas neste tema Cristiane Nova sinaliza que As relações existentes entre a história e o cinema não são recentes, pois datam do surgimento deste, há um século. No entanto, o seu estudo mais aprofundado remonta há apenas três décadas e ainda se encontra longe de alcançar uma situação de relativo conforto no que concerne à formulação de um arcabouço teórico sólido. (NOVA, s.d.) O cinema enquanto objeto de estudo para a ciência histórica é algo bastante recente. Somente a partir da década de 1970 é que o filme passou a ter o caráter de fonte histórica, ou seja, começou a ser visto como um possível documento para a investigação histórica. Tal fato é consequência da renovação historiográfica, movimento iniciado pela Escola dos Annales, fundada pelos historiadores Lucien Febvre e March Bloch. Neste contexto, alguns historiadores se debruçaram sobre esta temática buscando dar conta da relação Cinema-História. Podemos destacar, atualmente, entre eles o pioneiro e principal teórico historiador Marc Ferro. Revisitando estes teóricos, temos como objetivo contribuir com uma breve reflexão sobre a importância do cinema para o ensino de História.

O cinema e suas possibilidades no ensino de História O início da história do cinema nos remonta ao fim do século XIX, na França, quando os irmãos Lumiére produziram e projetaram dois filmes num café parisiense. Foi projetado o famoso filme L’Arrivée d’um train em gare (“Chegada de um trem à estação), pela primeira vez as pessoas tiveram a possibilidade de ver imagens reais em movimento. Se os franceses foram os pioneiros no cinema industrial e artístico, no final da década de 1910 os EUA já despontavam como o grande pólo de 379

produção cinematográfica mundial, posição mantida ao longo de todo o século XX. (NAPOLITANO, 2009, p.69) Esta posição consolidada na indústria cinematográfica pelos EUA pode explicar sua força e eficácia na ação de expandir seu modelo cultural, modo de vida e comportamento. Conforme Marc Ferro o filme desde que tornou-se arte, começou a intervir na história e a ser usado para doutrinar pessoas e para glorificar lideres e instituições. (1988, p.203) Assim como a introdução de novas fontes se deu na construção do conhecimento histórico também houve mudanças no “ensinar história”. Porém “Ainda existem professores que empregam o cinema como divertimento ou como ilustrador do conteúdo.” (LERA; ROSA, 2013, p. 190). Este é um dos pontos principais sobre as discussões a respeito da função das películas no ensino de história. Para romper com esta prática, antes de tudo, o professor de história deve compreender as diversas características que este tipo de instrumento possui. Dentre estas características destacamos: o papel do filme como fonte documental, ou seja, um objeto de determinado período que carrega significados e valores de sua época, e como uma representação do passado histórico. É importante que o professor compreenda que os filmes de história falam mais do presente e menos do passado. Desta maneira, ao escolher um filme histórico para “ilustrar” o conteúdo, o professor deve levar em consideração que ele é um olhar sobre o passado. (LERA; ROSA, 2013, p. 197) As produções de Hollywood são outro importante ponto a ser ressaltado, tais produções tradicionalmente valorizam a emoção sobre a razão. É importante frisar para os alunos que o cinema apenas representa o passado, e não tem o compromisso com a verdade histórica. O cinema “Como todas as representações, [...] trazem embutidos em si os elementos da narratividade, da ficcionalidade. Falar sobre o real é produzir um discurso que já é, a priori, ficcional, pois é narrativo, é representação.” (ROSSINO, 2008, p. 139) Além disso, o cinema é capaz de fazer com que os alunos compreendam de forma mais significativa diversos conceitos, o que é fundamental para a aprendizagem histórica. Como exemplo temos o clássico filme de Charles Chaplin “Tempos Modernos” (Modern Times, EUA, 1936) em que o personagem principal é um operário do início do século XX, Carlitos. O filme dá ao professor a possibilidade de trabalhar com o conceito de Fordismo, onde o operário trabalha na linha de produção de automóveis, [...] faz uma critica ao sistema de produção, que aliena o operário na fábrica, e ao capitalismo. Indo um pouco além, o filme também proporciona uma reflexão sobre a classe burguesa e o proletariado. (LERA; ROSA, 2013 p. 202) Dependendo da temática que o professor estiver trabalhando em sala de aula os filmes podem nos mostrar mais do que uma história de ficção, não só os filmes históricos são importantes. “Algumas películas, por exemplo, podem ser muito úteis na reconstrução dos gestos, do vestuário, do vocabulário, da arquitetura e dos costumes da sua época, 380

sobretudo aquela em que o enredo é contemporâneo à sua produção. (NOVA, s.d.) Tais aspectos podem ser de grande valor não só para o historiador em suas pesquisas, mas também para o professor refletir com seus alunos e construir juntos novos caminhos de compreensão do passado. Refletir sobre a relação entre Cinema-História é de extrema importância para o momento em que vivemos. Trazer os alunos para esta discussão é apresentar a eles novas possibilidades de aprendizagem e ampliar a relação destes com o mundo e a produção de significados que os cercam. É preciso reforçar que os filmes podem dinamizar o ensino da História e também, trazer novos personagens e novos olhares sobre a cultura de um determinado contexto histórico. Neste sentido, o uso dos filmes se torna um desafio, pois se trata de uma busca de compreender outro campo, o cinematográfico, e dar conta de suas linguagens, suas imagens em movimento, as cores, as escolhas do diretor, etc.

Referências: BARROSO, Vera Lúcia Maciel et al. Ensino de história: desafios contemporâneos. Porto Alegre: EST: Exclamação: ANPUH, 2010. 296 p. BURKE, Peter. Testemunha Ocular: História e Imagem. Bauru: EDUSC, 2004, p. 225. FERRO, Marc. O Filme: uma contra-análise da sociedade? In: LE GOFF, Jaques; NORA, Pierre (Orgs.) História: novos objetos. Rio de Janeiro: Martins Fontes, 1988. LERA, Maria Caparrós; ROSA, Cristina Souza da. O cinema na escola: uma metodologia para o ensino de história. Revista Educação em foco, Juiz de Fora, v.18, n.2, p. 189-2010, jul/out. 2013 NAPOLITANO, Marcos. Como usar o cinema na sala de aula. 4.ed. São Paulo: Contexto, 2009. NOVA, Cristiane. O cinema e o conhecimento de História. Olho da História, n. 3, [s.d.]. PEREIRA, Nilton Mullet; SEFFNER, Fernando. O que pode o ensino de História? Sobre o uso de fontes no ensino de História. Anos 90. Porto Alegre, v. 15, n. 28, p. 113-128, dez. 2008. ROSSINI, Mirian de Souza. O Cinema e a história: ênfase e linguagens. In: PESAVENTO, Sandra Jatahy; SANTOS, Nádia Maria Weber; ROSSINI, Mirian de Souza. (orgs.) Narrativas, imagens e práticas sociais: percursos em história cultural. Porto Alegre: Asterisco, 2008.

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OS SUPORTES AUDIOVISUAIS NO ENSINO DE HISTÓRIA Janaina da Silva A crescente dificuldade por parte dos educadores de conquistar e manter a atenção dos alunos durante suas explicações vem causando uma inquietação na esfera educacional. É preciso encontrar alternativas educacionais que sejam mais atraentes aos estudantes e as novas tecnologias de comunicação podem colaborar com o trabalho do educador quando utilizadas de forma adequada, como um‘suporte educacional’ excedendo as funções de ilustração ou aprofundamento. O presente texto não ambiciona servir de manual, ele apenas sugere o uso cauteloso de histórias em quadrinhos, pequenos filmes, imagens e obras de arte como suportes audiovisuais que contribuem para seduzir os jovens, garantindo uma educação efetiva e prazerosa.

As histórias em quadrinhos no ensino de história Atualmente a eficácia dos quadrinhos em classe é bastante reconhecida entre educadores, inclusive os livros didáticos mais recentes trazem muitas tirinhas e personagens como forma de cativar o publico jovem. A influência que uma obra deste tipo exerce sobre os estudantes é evidente, isso acontece por causa de duas linguagens em ação simultânea, a verbal e a visual, o que lhe confere características dinâmicas e velozes tornando o aprendizado mais prazeroso e significativo. Esse material pode ser produzido pelos alunos, para os alunos, ou ser uma publicação popular sem finalidade educacional. PALHARES (2008, p. 3) comenta sobre sua utilização: As histórias em quadrinhos podem ser utilizadas para introduzir um tema, para aprofundar um conceito já apresentado, para gerar discussão a respeito de um assunto, para ilustrar uma ideia. Não existem regras para sua utilização, porém, uma organização deverá existir para que haja um bom aproveitamento de seu uso no ensino podendo, desta forma, atingir o objetivo da aprendizagem. A organização citada pela autora é fundamental, pois o professor tem a capacidade de conferir caráter educativo a um material não didático desde que o trabalhe corretamente, tenha claro em mente os objetivos de sua aula e mantenha cuidado para não deixar os alunos desprezarem a atividade considerando-a uma maneira do educador ‘matar aula’ ou ‘matar tempo’ como alguns estudantes assim consideram por falta de informação e/ou incapacidade de aceitar novas modalidades de ensino. Quando trabalhados de forma planejada os quadrinhos desenvolvem o senso de compreensão e colaboram na formação critica do aluno como percebemos em PALHARES (2008, p. 11) que nos adverte: “capazes de divulgar valores e questões culturais que não devem ser simplesmente assimilados, mas avaliados e criticados”. 382

Especificamente na disciplina de História podem ser utilizados de duas maneiras, como fontes históricas do contexto em que foram produzidos ou como um recurso de interpretação do passado.

Os pequenos filmes no ensino de história Os filmes podem ser considerados antigos aliados da educação. Quando comparados aos demais materiais didáticos citados neste artigo seu uso é muito mais comum e frequente. Os alunos costumam recebê-lo de forma bastante sociável por isso sua aplicação é relativamente prática. Entretanto para que o mesmo se transforme em um suporte pedagógico significativo é necessária uma série de cuidados muito importantes por se tratar de um material produzido, na maioria das vezes, para o entretenimento e não para a informação. Nesta experiência consideramos por filme educativo o mesmo estabelecido por LITZ (2009) “qualquer gênero cinematográfico pode ser utilizado, seja ele documentário, filme histórico ou ficcional”. O requisito ‘pequeno’ foi empregado para salientar a importância de trabalhar com materiais de curta duração ou recortes de grandes obras conforme o sugerido por SARTORI (2008, p. 72) “o professor assistir ao filme previamente e utilizar trechos, e não o filme todo, pois teria de utilizar várias aulas e nem sempre é pedagogicamente viável”. No caso dos filmes ficcionais o educador deve esclarecer suas características e o objetivo de sua utilização, assim os alunos podem compreender que é uma obra cinematográfica e como tal tende a transformar os acontecimentos em espetáculo, exaltando certos personagens e versões do fato em detrimento dos demais. REZENDE (2008, p. 2) enfatiza que “cabe ao professor apontar e discutir com os alunos como são apresentadas e reconstruídas as versões da História presentes nos filmes.”. Antes da exibição também é necessário considerar a faixa etária e o contexto social dos acadêmicos alvos da apresentação. Assim como nas histórias em quadrinhos os filmes não podem menosprezar nem superestimar os conhecimentos prévios das crianças. Eles podem ser produzidos exclusivamente pra aula ou não, o importante é o professor deixar claro de que maneira ele contribui para o entendimento da temática em questão, elucidando se sua finalidade é a informação, ilustração, provocação ou avaliação.

As imagens no ensino de história As imagens constituem a parte mais complexa e abrangente deste artigo. Elas podem ser de variados tipos, funções e origens. Segundo LITZ (2009): “Atualmente, o uso de imagens [...] é uma das formas mais eficazes utilizadas como recurso pedagógico no ensino de história” isso porque elas incrementam o processo de aprendizagem tornandoo muito mais significativo. A autora completa sua opinião afirmando:

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Trabalhar com a análise de fotos, slides, transparências, filmes, músicas, mapas, imagens que sejam significativos e relacionados aos assuntos que estão sendo estudados, instigam o senso da observação e da percepção. Quando se apresenta uma imagem ao aluno (fotografia, pintura, gravura, etc), ele pode associar a imagem que está vendo às informações que já possui, levando em conta seu conhecimento prévio. Como toda imagem é histórica, o aluno pode perceber a marca e o momento de sua produção. Este trecho evidencia as possibilidades abertas pelo uso deste material no ensino da disciplina de História, assim como nas demais ciências. O primordial entre essa gama de opções é escolher corretamente qual delas ilustra de maneira apropriada o conteúdo trabalhado atingindo os objetivos previamente planejados para a aula. Seja ela uma tabela repleta de estatísticas ou uma simples ilustração comercial, o importante é que esteja bem atrelada ao assunto abordado na classe. Nossos alunos estão imersos em uma sociedade de imagens desde seu nascimento, não importa em que classe social o aluno esteja, ele têm acesso diário a uma série de informações imagéticas. As imagens são de fácil acesso, estão nas ruas em outdoors, placas, letreiros; estão em casa dentro da televisão, do computador, dos livros; e estão também nos espaços públicos nos panfletos, jornais, revistas, etc. Negar sua influência na formação social de nossos alunos seria um grande equívoco, e associá-las a nossa didática pode solucionar vários problemas. Pensando nisto SARTORI (2008, p. 73) alerta: “Trabalhar com imagens, sejam filmes, gravuras, quadros ou representações, possibilita ao aluno visualizar na concretude o que se vem discutindo e pode abrir espaço para novas leituras e interpretações.” Desta forma possibilitamos ao aluno o desenvolvimento crítico de seu olhar, preparando-o para atuar em futuras atividades sociais com conhecimento e responsabilidade.

As obras de arte no ensino de história Das opções de materiais didáticos apresentados neste artigo, as obras de arte são as mais complexas, elas compõem a metodologia menos acessível aos educadores e mais complicada aos olhos dos alunos. A própria designação ‘obra de arte’ é motivo de muitas controvérsias. Afinal é preciso ser belo para ser arte ou qualquer produção humana pode receber esta nomeação. Vejamos o que nos diz SOLTAU (2011, p. 14): Trabalhamos aqui com conceitos abstratos: o que é arte? O que é belo? Imagem e memória, tempo e arte. Conceitos que estão em nosso modo de ver o mundo, mas, nem por isso, de fácil compreensão. Imaginem comigo um aluno nos últimos anos do ensino fundamental: como lida com esses temas? O mais provável é que, ao estimulá-los para tanto, você seja considerado um professor exigente, pois está lidando com exercícios de pensamento e não com mera “decoreba” de conteúdos.

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Logo no início de sua colocação o autor afirma que o conceito de arte está em nosso modo de ver o mundo, logo podemos concluir que a arte não é algo homogêneo, ela depende da subjetividade e opinião de seu observador, sendo assim o que é visto como arte por alguns para outros pode não ter a mesma relevância. Daí deriva a complexidade do trabalho do professor ao levar um material desta natureza para a sala de aula. A arte nas palavras de CARVALHO e SOARES (2006, p. 4) é: “tudo o que rodeia o homem e tenha sido feito pela sua mão – todo o mundo da cultura diferente do mundo da natureza”. Seguindo o pensamento das autoras tudo o que for criado pelo ser humano é arte, assim o professor terá em mãos uma grande quantidade de objetos artísticos que poderá lançar mão durante suas aulas. Rompemos com o conceito clássico de arte e nos lançamos em um mundo de possibilidades onde o professor de história pode trabalhar de duas maneiras bem instigantes: estimular seus alunos a relacionarem o que veem com algum momento histórico, ou trabalhar o momento histórico da produção artística e como ele influenciou na sua produção.

Referências bibliográficas CARVALHO, Carla; SOARES, Maria Luiza Passos. A Formação Estética do Professor: conceitos de artes visuais. 2006. Disponível em: Acesso em: 03 mar. 2017. LITZ, Valesca Giordano. O Uso da Imagem no Ensino de História. 2009. Disponível em: < http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/portals/pde/arquivos/1402-6.pdf> Acesso em: 04 mar. 2017. PALHARES, Marjory Cristiane. História em Quadrinhos: Uma Ferramenta Pedagógica para o Ensino de História. 2008. Disponível em: < http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/portals/pde/arquivos/2262-8.pdf> Acesso em 04 mar. 2017. REZENDE, Luiz Augusto. Historia das Ciências no Ensino de Ciências: contribuições dos recursos audiovisuais. 2008. Disponível em: http://www.cienciaemtela.nutes.ufrj.br/artigos/0208rezende.pdf> Acesso em: 04 mar. 2017. SARTORI, Anderson. Metodologia de Ensino da História. Itajaí: Universidade do Vale do Itajaí, 2008. SOLTAU, André. História da Arte. Itajaí: Universidade do Vale do Itajaí, 2011.

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O USO DA IMPRENSA COMO FONTE HISTÓRICA EM SALA DE AULA João Pedro Basso Pedro Ernesto Miranda Rampazo Introdução O objetivo deste texto é entender de que forma o uso de fontes históricas, mais precisamente a mídia impressa, pode otimizar o ensino de História e contribuir para o aprendizado histórico em sala de aula, se atentando para os cuidados ao tratar com esse tipo de documentação. Muitos são os debates referentes ao ensino de História nas escolas brasileiras. Existem ainda muitas permanências do período militar que contribuem para a desvalorização da História, acentuada com a recente decisão do governo em retirar a obrigatoriedade da disciplina no Ensino Médio. Além disso, em muitas escolas “o professor ‘passa’ a matéria, os alunos escutam, respondem o ‘interrogatório’ do professor para reproduzir o que está no livro didático, praticam o que foi transmitido em exercícios de classe ou tarefas se casa e decoram tudo para a prova” (LIBÂNEO, 2013, p.83). Além disso, a História é apresentada tanto pelo professor, como pelos livros didáticos como uma verdade absoluta, concreta e imutável, assim como factual e linear (positivista). Refletir sobre o estado do conhecimento histórico já era realidade entre alguns autores, sobrando críticas aos currículos fragmentados, formação curta de professores em Licenciaturas e conteúdos dos livros didáticos. Com o tempo, os estudos acerca do ensino e aprendizagem de História no Brasil cresceram, passando a valorizar cada vez mais a cultura escolar, saberes e práticas educativas desenvolvidas por docentes e outros atores do processo educativo, reafirmando que ensinar História não é apenas uma mera reprodução de conhecimentos eruditos, mas existe também uma produção escolar. (SILVA; FONSECA, 2010) Essa produção escolar pode se relacionar ao uso de fontes históricas em sala de aula. As autoras ainda afirmam que produção acadêmica e as publicações sobre ensino de História se ampliaram, assim como muitas problematizações relevantes sobre Ensino e História, por diferentes agentes e instituições, procurando responder a questões emergentes nesse campo de análise.

A importância do uso de fontes em sala de aula A importância das fontes históricas no auxílio ao trabalho do professor de História em sala de aula ultrapassa a mera ilustração de um conteúdo abordado, e os próprios PCN’s (Parâmetros Curriculares Nacionais) apontam para a necessidade de abordar o uso 386

dessas fontes no processo de construção do conhecimento histórico. As fontes históricas são os materiais pelos quais o historiador investiga o passado através da interpretação, seguindo métodos e técnicas variadas a fim de tecer um discurso histórico. Antes elas se limitavam apenas aos documentos oficiais, mas hoje o conceito de fonte histórica se ampliou, porém ainda ocorre a exigência de uma análise crítica e historicizada (XAVIER, 2010). Caimi (2015) afirma que entre as demandas que se apresentam ao trabalho do professor de História está o uso de fontes históricas. Segundo a autora, o estudante deve ter contato com as mais diversas fontes históricas, de origens diferentes, de forma que ele entenda como o saber histórico é construído a partir de interrogações levantadas ao se analisar essas fontes. A necessidade de aproximação do estudante com o ofício do historiador é clara. O uso didático destes documentos possibilita ao professor instigar a curiosidade de seus alunos pelo conhecimento histórico, saindo da rotina dos livros didáticos que reproduzem maciçamente conteúdos pouco flexíveis, tratados quase sempre como verdades inquestionáveis (SILVA, 2014). Dentro deste processo, que deve estar alinhado com objetivos específicos e planejados pelo professor, de forma que a experiência não seja caótica, este assume um papel de mediador, uma vez que o conhecimento histórico não é simplesmente reproduzido. Através das fontes, o aluno entende de forma didática que o saber histórico é feito de vestígios deixados pelos homens do passado e que elas se constituem no material em que o historiador vai se debruçar para entender sociedades das mais remotas localizações ou temporalidades (CAIMI, 2015) (SILVA, 2014) (XAVIER, 2010). A fonte então se torna uma ferramenta psicopedagógica que auxilia a estimular a imaginação do aluno na aprendizagem de História (XAVIER, 2010). Além disso, o uso de fontes históricas em sala de aula promove o desenvolvimento da capacidade de observação crítica, formando assim um futuro cidadão ativo socialmente. Também pode desmistificar a ideia de que apenas grandes monumentos é que podem vir a ser objeto de estudo do passado (SILVA, 2014). A intenção não seria de formar jovens historiadores, mas sim elucidar em sala de aula a ideia de que a História está além dos grandes personagens, e que os alunos são sujeitos históricos inseridos em uma sociedade passível de ser modificada (CAIMI, 2015) (SILVA, 2014) (XAVIER, 2010). Entre as obrigações do professor de História está a “mobilização de metodologias que contemplem o uso de fontes históricas (...)” (CAIMI, 2015, p.117).

O uso da imprensa A mídia impressa ainda nos dias atuais, além de informativa, é um meio importante de comunicação entre esferas sociais. Contudo, no Brasil entre o início do século XIX e a 387

metade do século XX, essa força comunicativa e informativa era mais expressiva, pois era a imprensa uma das formas mais eficientes do governo se comunicar com a população, de ideologias serem apresentadas, comunidades científicas exporem suas pesquisas e debates, eventos serem divulgados, notícias exibidas. No Brasil: a participação dos jornais nos grandes acontecimentos da época, que encapam e lideram, seja a campanha abolicionista, seja a republicana, as vezes até a radicalidade de defender uma revolução. Ou seja, os jornais, estritamente partidários ou não, alinham-se juntos aos principais debates da nacionalidade (HOHFELDT, 2011, p.41). Quanto ao estudo da fonte, há um desequilíbrio, pois existe fartura de materiais veiculados pela mídia impressa, por outro lado, a escassez de documentos que ajudem a entender decisões editoriais de jornais que refletem naquilo que é publicado (SILVEIRA, 2014). É importante saber que os jornais são fontes de discursos ideológicos, uma vez que os jornalistas possuem suas crenças, suas ideias, suas convicções políticas. Isso deve ser motivo de atenção do historiador e também do professor que usa essa fonte em sala de aula. Ao mesmo tempo em que se deve atentar a este fato, o mesmo proporciona a possibilidade de se analisar esses discursos dos jornalistas que escrevem as matérias, buscando entender as várias visões de contemporâneos ao fato estudado (TEIXEIRA, 2008). Entre outros motivos de atenção que deve ser tomada quanto ao estudo dessa fonte, está a taxa de analfabetismo da população, pois estes não eram o público alvo dos jornais. O público alvo também deve ser considerado, pois o apontamento sobre a esfera social em que o jornal age, possivelmente revela intenções e abordagens do periódico, assim como é importante saber quem são seus financiadores, sejam eles de natureza pública ou privada.

Conclusão Em meio às dificuldades no ensino de história, é encontrada na mídia impressa uma fonte a ser trabalhada em sala de aula com o objetivo de levar ao aluno algo que vai além do livro didático, assim como apresentar o ofício do historiador como pesquisador, com todas as dificuldades e cuidados ao realizar tal trabalho. Com o uso de fontes históricas em sala de aula, pode-se ampliar o senso crítico do aluno quanto ao entendimento da complexidade de processos e sociedades. É importante que o professor não faça da atividade de ministrar aulas, algo mecânico, mas sim algo dinâmico, que apresente conhecimento histórico como mutável e complexo.

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Referências SILVEIRA, F. A. A imprensa como objeto de estudo da história: problemas e possibilidades. In: VII ENCONTRO DO CEDAP: Culturas indígenas e identidades, 2014. UNESP – Campus de Assis. Anais VII Encontro do Cedap. Recurso eletrônico. Disponível em: (p. 166-178). CAIMI, F. E. O que precisa saber um professor de História?. História & Ensino, Londrina, v. 21, n. 2, jul.-dez. 2015. Disponível em: . Acesso em: 29. Fev. 2017. HOHFELDT, A. Perspectivas e desafios para compor uma história da imprensa: o que o pesquisador precisa saber e a que se deve dispor. In: LOSNAK, C. J.; VICENTE, M. M. (org.). Imprensa e Sociedade Brasileira. São Paulo: Cultura Acadêmica Editora, 2011, p. 31-44. LIBÂNEO, J.C. O processo de ensino na escola. In: LIBÂNEO, J.C. Didática. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2013, p. 82-95. SILVA, J. M. da. Fontes históricas em sala de aula: instrumentos para a prática da criticidade. Revista Profissão Docente. Uberaba, vol. 14, n. 30, jan.-jun. 2014. Disponível em: . Acesso em: 27. Fev. 2017. SILVA, M. A. da; FONSECA, S. G. Ensino de História hoje: errâncias, conquistas e perdas. Revista Brasileira de História, São Paulo, vol. 31, n. 60, p. 13-33. 2010. XAVIER, E. S. da. O uso das fontes históricas como ferramentas na produção de conhecimento histórico: a canção como mediador. Antíteses, Londrina, vol. 3, n. 6, jul.dez. 2010. Disponível em: . Acesso em: 28 fev. 2017. TEIXEIRA, N. Jornais. In: CAMPELLO, B.; CALDEIRA, P. T. (Org.). Introdução as fontes de informação. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2008, p. 67-88.

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CINEMA E ENSINO DE HISTÓRIA: INTOLERÂNCIA RELIGIOSA E A IGREJA PERSEGUIDORA José Luciano de A. Dias Filho A história das religiões monoteístas está marcada pela intolerância, no momento em que estas exigem a verdade em uma única divindade, um deus único onipotente, se torna inerente a resistência as outras divindades. Mesmo que elas façam discursos sobre amor, caridade e misericórdia, sobrevive uma porção de intolerância ao outro, quando este representa um grupo religioso, a fraternidade ocorre principalmente entre os que compartilham a mesma fé. (SOUSA FILHO, 2014, p.4) Como escreveu Peter Sloterdijk, em seu livro O zelo de Deus: “Assim, já nos escritos do apóstolo dos povos anuncia-se um amor que, caso não seja correspondido, se transforma em maldade com ânsia de extermínio.” (SLOTERDIJK, 2016, p.79) As religiões monoteístas conquistaram os corações de um número altíssimo de pessoas, sendo o cristianismo e o islã as duas grandes potências religiosas atuais. A Igreja conseguiu sua ascensão definitiva no governo de Teodósio I (378- 395 D.C), no qual o cristianismo virou religião oficial do império, tendo fortalecimento no poder político oferecido pelo Estado e endurecendo a legislação no trato de judeus, pagãos e hereges. (GONÇALVES, 2013, p.12) Essa relação entre política e religião cristã se estabeleceu no Império Romano e foi marcada por uma violenta e intensa intolerância religiosa, que resultou na perseguição de pagãos, judeus e até mesmo grupos cristãos heréticos ou cismáticos, que não seguiam as doutrinas da Igreja Católica. A cristianização do mundo pagão, não pode ser lida apenas sob a ótica da evolução, romântica, idealizada no espaço de louvação de novo sistema religioso, na qual a figura do oponente desaparece como um primitivo desgovernado. O processo de cristianização dos homens precisa ser lido, como qualquer outro, na inflexão da violência. (NAGEL, 2006, p.118) A intolerância estava na raiz da sua expansão religiosa, o combate ao outro, aquele que não era cristão católico, passou a ser uma prática cotidiana quando a igreja conseguiu autonomia e poder. Logo, discutir intolerância religiosa na sala de aula se torna uma necessidade dupla, tanto por ser um fenômeno praticado no passado, quanto por continuar existindo na atualidade. A intolerância religiosa pode acontecer de várias formas diferentes, praticadas por vários grupos religiosos distintos, ou um grupo não religioso, porém, o cerne da discussão fica centrado na intolerância religiosa cristã para com outros grupos. Uma ótima forma de levar esse, ou outros debates, para a sala de aula é usando filmes como recurso e ferramenta de ensino, pois é uma mídia em que os alunos estão acostumados e está normalmente associado aos momentos de lazer. A proposta de discussão sobre determinada temática fica mais lúdica e rompe com a monotonia das aulas cotidianas. 390

Para Robert A. Rosenstone é preciso aceitar que o cinema, especialmente longametragens dramáticos, podem transmitir um tipo de História, que referido pelo autor com “H” maiúsculo, seria um conhecimento sério e acadêmico em que as pessoas acreditam encontrar apenas nos livros de história. (ROSENSTONE, 2010, p.15) As obras cinematográficas de representação histórica alcançam públicos gigantescos, basta olhar a bilheteria de filmes como Tróia (2004) ou 300 (2006), que no primeiro caso se apresenta como uma adaptação pouco fiel da Ilíada, e no segundo mistura bizarrices em meio a trama do conflito espartano. Tais obras cinematográficas vão continuar fazendo sucesso com o público, independe se os professores de história irão ou não usar esses filmes para ensinar sobre o passado. O fato é que tais filmes afetam a maneira como as pessoas vêem o passado e compreendem os processos históricos, deixá-los de fora da equação significa ignorar a maneira como um segmento enorme da população passou a entender os acontecimentos. (ROSENSTONE, 2010, p.17) O filme escolhido para conduzir a discussão sobre intolerância religiosa foi Ágora (2009), lançado no Brasil como Alexandria. É um filme espanhol, dirigido por Alejandro Amenábar, que conta a história da filósofa alexandrina Hipátia (Hipácia), que viveu em um período de turbulência religiosa em sua cidade, e no final acabou sendo vítima da violência causada pela intolerância. O filme pode ser dividido em duas partes, tendo a destruição da Biblioteca de Alexandria como um marco divisor. Na primeira parte os cristãos são apresentados como um grupo em ascensão, combatendo as religiões pagãs que eram cultuadas em Alexandria. O filme inicia com uma discussão entre fanáticos da irmandade cristã dos Parabolanos e pagãos que cultuavam as divindades locais, o fervor da discussão é tão intenso, sobre qual religião é a verdadeira, que um líder da irmandade chega a jogar um pagão contra o fogo. Outro momento de forte intolerância demonstrada pelos cristãos, é quando eles se reúnem na Ágora para zombar dos deuses pagãos, essa atitude vai gerar uma reação violenta fazendo com que pagãos armados ataquem os cristãos. No entanto, como o cristianismo já estava bem estabelecido, possuindo fieis na maioria da população da cidade, os pagãos tiveram que fugir, perderam o confronto e tiveram sua biblioteca, símbolo de conhecimento pagão, saqueada e destruída. A destruição da Biblioteca de Alexandria representa a derrota pagã na cidade, logo os cristãos se voltaram contra os judeus, atacando-os violentamente até expulsarem da cidade. A igreja em sua origem não demonstrava uma natureza intolerante com ações violentas, o cristianismo sempre foi uma religião de forte proselitismo, mas não combatia ou reagia aos ataques de outros grupos religiosos com agressividade. “Durante o período de repressão, os cristãos permanecem fiéis à sua postura fundamental de não violência, de passividade extática.” (SLOTERDIJK, 2016, p.75) Porém, após o Édito de Milão (313 D.C), medida que retirava o cristianismo da clandestinidade reconhecendo o princípio de liberdade de crença, o número de cristãos cresce vertiginosamente, pois Constantino vai garantir que a Igreja Católica seja privilegiada de muitas formas pelo governo: “Entende-se muito bem o que historiadores críticos à Igreja querem dizer quando datam o pecado original do cristianismo no momento em que começou a dividir o acampamento com o poder secular.” (SLOTERDIJK, 2016, p.75) No momento em que Igreja começou a se misturar com o Estado, o poder de controle social modificou o cristianismo em uma religião que não aceitava o outro, apenas 391

aqueles que comungavam da mesma fé, o amor que Jesus pregou ao próximo só era válido se o próximo fosse cristão. De acordo com José Mário Gonçalves, a vida em sociedade é uma construção humana, e nessa construção a religião ocupa um espaço mais destacado, pois ela atua em um papel de legitimação da ordem social, relacionando- a com a ordem suprema e sagrada. Por isso a religião é um lugar privilegiado para a prática da intolerância, uma vez que qualquer crença ou prática religiosa vista como desviante poderia ser tida como uma ameaça à estabilidade da vida política social. (GONÇALVEZ, 2013, p.7) A religião cristã, após passar pelo processo de clandestinidade, até a sua ascensão, vai ocupar esse lugar de poder legítimo da ordem social romana, sendo praticamente impossível as suas ações intolerantes e violentas. De acordo com a perspectiva de Paul Veyne, Constantino não colocou o altar a serviço do trono, mas o trono a serviço do altar, ponderou os objetivos e o progresso da Igreja em uma missão essencialmente do Estado. Isso foi uma novidade, é do cristianismo que se origina a entrada sistematizada do sagrado na política e no poder. (VEYNE, 2010, p.110-111) Dessa forma, Igreja se torna intolerante a medida que ganha poder do Estado, tornando-se responsável de barrar qualquer crença ou prática religiosa que ameace a estabilidade da vida política social. Alexandria era a capital da província do Egito, logo se tornou um dos grandes centros nascentes do cristianismo, que era uma religião essencialmente urbana. Sua considerável população cosmopolita fazia dela a segunda cidade mais importante do império, alimentava um clima de liberalismo espiritual e cultural, propício ao desenvolvimento de todas as doutrinas. (PELLISTRANDI, 1976, p.99) Motivo suficiente que levou a Igreja a combater violentamente os grupos pagãos da cidade, para conseguir o controle sócio-político que almejavam. Qualquer grupo religioso que não fosse cristão católico, era visto como um perigo em potencial, pois sobre esses indivíduos a Igreja não tinha controle. A brutalidade da morte da filósofa Hipátia (Hipácia), protagonista do filme, mostra o grau de intolerância religiosa para com aqueles que continuavam resistindo e confrontando a Igreja. Hipátia foi retalhada pelos Alexandrinos e seu corpo foi esquartejado por toda a cidade. (SOUZA NETO, 2016, p.335) A partir dos discursos e representações apresentados pelo filme Ágora (2009), é possível compreender boa parte do aspecto religioso do período, tendo a intolerância religiosa como enfoque do debate, tanto sobre a forma como a religião cristã conduziu sua expansão, sobre como sobreviveram os novos formatos de intolerância religiosa na atualidade. Segundo Ferro, o filme enquanto agente histórico desempenha um papel ativo contribuindo para uma conscientização, no entanto, a obra cinematográfica também é uma contra-análise da sociedade. (FERRO, 2010, p.11) A partir da representação do passado é possível refletir sobre o nosso presente.

Referência bibliográfica FERRO, Marc. Cinema e História. São Paulo: Paz e Terra, 2010.

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GONÇALVES, José Mário. (In)Tolerância religiosa na antiguidade tardia: apontamentos históricos. REFLEXUS- Revista de Teologia e Ciências das religiões, Ano VII, n. 9, 2013/1. NAGEL, Lizia Helena. Na mudança: a violência por parteira. In: MELO, José Joaquim Pereira Melo .(Org).; PIRATELI, Marcos Roberto .(Org). Ensaios sobre o cristianismo na antiguidade: história, filosofia e educação. Maringá: Eduem, 2006. PELLISTRANDI, Stan- Michel. Grandes civilizações desaparecidas: o cristianismo primitivo. Rio de Janeiro: Editions Ferni, 1976. ROSENSTONE, Robert A. A História nos filmes, os filmes na História. Paulo: Editora Paz e Terra, 2010. SLOTERDIJK, Peter. O zelo de deus: sobre a luta dos três monoteísmos. São Paulo: Editora Unesp, 2016. SOUSA FILHO, Vicente Gregório. Religião, gênero e dignidade humana. Protestantismo em Revista: São Leopoldo, v. 35, p. 116-126. Set./Dez. 2014 SOUZA NETO, José Maria; SILVA, Kalina Vanderlei; SCHURSTER, Karl. Pequeno Dicionário de Grandes Personagens Históricos. Alta Books: Rio de Janeiro, 2016. VEYNE, Pual. Quando o nosso mundo se tornou cristão: (312- 394). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010.

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O USO DOS JOGOS VIRTUAIS NO PROCESSO ENSINO-APRENDIZAGEM NAS AULAS DE HISTÓRIA Karoline Margarida Fernandes Januário É de suma importância que a educação busque subsídios para entender a influência que a mídia exerce na escolarização dos jovens. O grande desafio dos profissionais da educação enfrenta é adentrar estas mídias dentro das escolas verdadeiramente, pois negar a sua entrada neste ambiente consiste em negligenciar o “mundo” em que os educandos estão inseridos, a escola é um ambiente mutável e é preciso quebrar os muros que ainda consistem em separar o mundo modernizado ao ambiente escolar que ainda é muito resistente para o novo. Segundo KENSKI (1995, p. 132), não compreende o porquê de não explorar esse interesse dos jovens pelos jogos virtuais, os docentes poderiam se apropriar desde recurso para ligar as regras institucionalizadas nos games para as que são aplicadas na prática, melhorando assim a aceitação das regras pelos discentes. Negar a entrada das imagens e dos sons à sala de aula é negar, portanto, o mundo no qual crianças, jovens e adultos estão imersos. É negar possíveis desdobramentos pedagógicos que podem vir à tona frente às novas circunstâncias que se colocam no cotidiano das escolas. (TAVARES, 2006. P. 46) Neste ponto, a escola poderia se beneficiar em adotar novos modelos didáticos, que além de fortalecer o ambiente escolar traria novas possibilidades de aprendizagem aos jovens, já que os educandos estão emersos estes ambientes. Segundo BRENELLI (1996), o jogo deve ser considerado uma atividade séria para o desenvolvimento do individuo, já que a criança aprende por meio de regras e códigos para executar tarefas. Desta forma pode-se observar que o jogo cumpre um papel muito importante na formação moral e social no desenvolvimento cognitivo das crianças, já que o mesmo aparece como um meio implícito de impor regras e responsabilidades. A inserção dos jogos virtuais no âmbito educacional deve-se a busca de adequar a escola com a modernização da sociedade pensando na educação como transformadora e inovadora, conciliando o novo e o tradicional fazendo assim aproximar ás novas tendências com a sala de aula, não fazendo com que a mesma fique em desvantagem. Em resumo, os jogos de regras são jogos de combinações sensório-motoras (corridas, jogos de bola de gude ou com bolas, etc.), ou intelectuais (cartas, xadrez, etc.), com competição dos indivíduos (sem o que a regra seria inútil) e regulamentados quer por um código transmitido de gerações em gerações, quer por acordos momentâneos. Os jogos além de contribuir para uma melhoria significativa do processo cognitivo auxiliam para a construção de valores humanos como estabelecer regras e respeito mútuo, porém estes recursos entraram em desuso, já que o senso comum acredita que a educação está pautada apenas em meios tradicionais, como ler e escrever. De acordo com MATTAR (2010), a utilização de jogos tanto virtuais como de tabuleiro favorecem o pleno 394

desenvolvimento sensório-motora e intelectual dos educandos, trazendo benefícios que vão além do processo avaliativo que a escola realiza. A priori pode-se imaginar que o ensino de História e os jogos digitais fossem ter um distanciamento imenso, uma vez que para o senso comum o ensinar e produzir História precisaria do passado fornecido por fontes e documentos, todavia é preciso compreender que a utilização dos mesmos será necessária para a percepção histórica e não no “fazer” histórico, o jogo nesse caso seria para aprofundar e aproximar os jogadores/alunos nos conteúdos da própria disciplina. Segundo NADAI (2002), o professor tem papel fundamental neste processo da construção do tempo histórico, estimulando e direcionando o alunado na problematização das permanências e rupturas dos fatos. Integrando o conteúdo ensinado com o conhecimento adquirido durante o processo. A História integrada proposta pela autora nos dá a ideia do desafio imposto ao professor em trabalhar os conteúdos de modo que proporcione aos educandos condições de compreensão e assimilação simultânea e dinâmica para estas ações, se faz com o ensinar a pensar e discutir criticamente e os jogos surgem como recurso didático apropriado para que aconteça este processo, já que o mesmo estimula o raciocínio e a lógica construtivista, analisando o todo antes da ação. Pensar o ensino de História de forma moderna e contextualizada com as inovações tecnológicas é extremamente necessário neste processo histórico em curso já que as crianças e jovens são nativos destes recursos tão indispensáveis como computadores, celulares, smartphone e internet, estes são primordiais para a interação e comunicação dos mesmos. Para KARNAL (2003, p.116), é necessário usar o mundo usar o mundo em sala de aula, explorar o ‘caos criativo’ permitir que a escola se torne atrativa para a construção do conhecimento. Mas necessariamente é indispensável trazê-lo para o ambiente escolar, fornecendo aos mesmos o conteúdo que se faz importante para a formação destes. Os conteúdos que seriam trabalhados são mesmo que se pode encontrar nos livros didáticos fazendo assim um recurso extra para a aprendizagem dos alunos. A Escola deve enfatizar o jogo, as situações-problemas, os desafios e conflitos. Essas práticas devem ser frequentes nas salas de aula, pois, por meio do jogo, a criança sente uma razão intrínseca para exercitar sua inteligência e capacidade. As crianças podem reforçar conteúdos vistos em aula de uma maneira atraente e gratificante. O jogo na perspectiva construtivista constitui-se em um recurso pedagógico de inestimável valor (...) além de propiciar o desenvolvimento cognitivo. (Falkemback, 2012 p. 27) Os jogos devem ser vistos como um excelente recurso didático que além de aprimorar a inteligência fortalece o vinculo afetivo entre os educando tornando o aprender mais prazeroso. Os jogos virtuais ainda sofre muita resistência por parte dos educadores, em algumas disciplinas pode-se notar que é maior do que em outras, no caso de História podemos perceber que seus métodos ainda são bem tradicionalistas e metódicos, fazendo que a disciplina sofra pela falta de interesse e desmotivação por parte dos alunos, em pleno século XXI não se pode deter-se aos métodos que funcionavam no século passado, querendo que os resultados sejam satisfatórios, já que a clientela se modernizou, o ensino também deve acompanhar estas transformações. MATTAR (2009), afirma que os jogos virtuais favorece o desenvolvimento cognitivo e intelectual das crianças, porém ainda existe uma resistência em sua inserção da educação. 395

No caso do âmbito educacional é necessário compreender que as transformações do público atendido sempre acontecerão já que a escola é reflexo do mundo exterior e não ao contrário, a mesma deve traçar caminhos para esta modernização efetiva. Como no passado, maior parte dos pais e professores imigrantes digitais de hoje supõe que ‘as crianças são iguais desde sempre’ e que ‘os mesmos métodos que funcionaram para a educação quando eles eram estudantes vão funcionar para seus alunos agora’. Mas atualmente essas antigas suposições não são mais válidas. Os estudantes de hoje não são mais as pessoas para as quais nosso sistema educacional foi desenvolvido. A maioria dos pais não acredita que as crianças possam aprender enquanto assistem TV ou ouvem música, só porque eles não conseguem. (PRENSKY, 2010 p. 60-61) Modernizar-se vai além do uso de filmes, projetores e aparelhos de som, parte da ideia de integrar o ambiente escolar aos das mídias e dos novos recursos didáticos. O tradicional não deve ser encarado como modelo pedagógico fracassado, mas sim de um modelo que precisa de adequações aos tempos atuais já que os objetivos traçados de aprendizagem não serão os mesmos. Os jogos virtuais no ensino de História podem ser considerados uma estratégia de recurso didático para auxiliar ao docente na assimilação de conteúdos didáticos. Neste universo digital podemos citar alguns nomes de jogos que contém recursos históricos que podem favorecer este conhecimento historiográfico. Jogos que reproduzem desde a idade da pedra até a grande guerra.

Referências BRENELLI, R. P. O jogo como espaço para pensar: a construção de noções lógicas e aritméticas. Campinas: Papirus, 1996. FALKEMBACH, G.A.M. Concepção e desenvolvimento de material educativo digitalRevista Novas Tecnologias na Educação - CINTED - Centro Interdisciplinar de Novas Tecnologias na Educação - Vol. 3 No 1 (março/abril) e Revista Novas Tecnologias na Educação(ISSN 1679-1916). UFRGS, 2012. KARNAL, Leandro (Org.). História na sala de aula: conceitos, práticas e propostas. São Paulo: Contexto, 2003. MATTAR, J. Games em educação: como os nativos digitais aprendem. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2010. NADAI, P. O Ensino de História e a “Pedagogia do Cidadão”. In. PINSKY, J. (Org.) O ensino de História e a criação do fato. 10. ed. São Paulo: Contexto, 2002, p. 23-29. PRENSKY, Mark. Não me atrapalhe, mãe - Eu estou aprendendo. São Paulo: Editora Phorte, 2010. TAVARES, M. T. de S. Jogos Eletrônicos: Educação e mídia. In:Seminário Jogos Eletrônicos, Educação e Comunicação: cons... Disponível em . Acesso em: 22/11/2015 396

“DIRETO AO PONTO” - A EDIÇÃO DE VÍDEOS E IMAGENS A SERVIÇO DO DOCENTE Leonardo de Jesus Tavares O uso didático das Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC´s) No relato de minha experiência, devo dizer que, durante minha formação sempre tive o interesse de utilizar o recurso do audiovisual como apoio para as aulas. Imagens, filmes, músicas, todo esse material serviria de grande recurso para compreensão dos estudantes, se utilizados de maneira objetiva e esquemática dentro de um procedimento de aula previamente pensado. Ao ingressar no trabalho docente – na Secretaria Estadual de Educação do Rio de Janeiro, no ano de 2010 – com turmas cheias e indisciplinadas, tive a intenção de utilizar recursos de mídias que havia produzido durante a licenciatura, para envolver os estudantes nas propostas de aula. Porém percebi que utilizar massiva e constante os recursos de mídia tiram deles o encantamento lúdico necessário para que os estudantes interajam com as aulas. O que as primeiras tentativas me ensinaram foi que o recurso de mídia não exclui, nem diminui a importância da exposição verbal do docente, momento no qual aluno e professor estabelecem um vínculo vital para o processo de aprendizagem. Concordo com a afirmação de MENEZES (2013), segundo a qual “... para o processo de aprendizagem se efetivar é necessário que haja motivação e interação entre professor e aluno ...” , ou seja, o docente deve estar em constante esforço de interação integração com os seus estudantes, estabelecendo e desenvolvendo vínculos, que serão facilitadores para o bom desempenho das propostas educacionais. Sobre a forma como os estudantes vivenciam as aulas, MORAN (2004) possui um estudo que ilustra a percepção dos discentes. De acordo com esse estudo, “... a maior reclamação dos alunos é a forma como os professores ministram suas aulas, falando por horas, expondo o conteúdo, com pouca possibilidade de participação dos discentes, não ocorrendo assim uma interação professor-aluno ...” (in.: MENEZES, pg.: 4). É fato que a geração atual de jovens encontram-se em uma freqüência de velocidade de resposta e uma conseqüente inquietação com longos processos. Destaco aqui, que a vivencia com os estudantes tem me despertado o ímpeto de ser cada vez mais ágil e direto em minhas exposições explicativas dos temas das minhas aulas, aproveitando ao máximo os momentos (curtos) de atenção que os estudantes nos ofertam. Constatar essa inquietude e aceleração dos jovens, nos auxilia, enquanto facilitadores de informações educacionais, à manter o foco na objetividade de nossa fala. O uso de ferramentas tecnológicas como apresentações de Power Point são um considerável apoio para a organização de uma abordagem retilínea de temas educacionais. Especificamente na experiência de trabalho escolar que venho relatar por meio dessa comunicação, a plataforma PowerPoint foi utilizada como recurso 397

expositivo bastante satisfatório. Unindo possibilidades diversas de exposição de áudio, desenhos, mapas, e vídeos, encontrei sempre soluções bastante praticas para as minhas necessidades de expositor. Sendo de uma família de professores, eu dispunha em minha casa, de várias as informações sobre a crise social que causava o desinteresse dos estudantes pela aprendizagem, e das propostas governamentais que imputavam plenamente, os docentes pelo fracasso escolar. Minha preocupação didática era produzir um material que proporcionasse aumento de curiosidade nos estudantes, e a experiência me permitiu perceber que os recortes de vídeo causavam uma curiosidade para o decorrer do filme, porém, no momento da aula o ideal é que a informação áudio-visual seja bastante objetiva, para evitar dispersão da atenção dos estudantes. Sobre esse aspecto do trabalho enfatizarei no subitem referente à Metodologia. Ainda sobre os profissionais de ensino que atuam nas salas de aula na nossa realidade brasileira de 2017, considero válido dizer que; os professores não recebem o devido treinamento e capacitação para introduzir as TIC (Tecnologias de Informação e Comunicação) em suas práticas de sala de aula. Em muitas das vezes, realmente o quadro que temos é de docentes acomodados e reticentes com todos os movimentos de renovação e modernidade. Porém, ainda existe um numero importante de docentes que pretendem realizar trabalhos com significado para seus alunos. A crítica sobre o uso de filmes em sala de aula é bastante forte. Ainda existem até hoje atitudes com as aulas com vídeo, como se elas fossem uma recreação simples, um tipo de aula divertimento, ou uma demonstração pura e simples dos conteúdos da disciplina. Esse fato é enfatizado por CAPARRÓS-LERA & ROSA (2013): (...) identificamos que não são todos os mestres que sabem utilizar a sétima arte dentro do processo de ensino. Ainda existem professores que empregam o cinema como divertimento ou como ilustrador do conteúdo. Para essa atitude temos uma explicação muito simples: o professor não tem conhecimento de como utilizar o cinema nas aulas de História (...) in.: CAPARRÓS-LERA, Josep M. & ROSA, Cristina S. O cinema na escola: uma metodologia para o ensino de História. 2013 pg.: 190 O uso que sempre pretendi fazer dos trechos de filme, nunca foi de “ilustração de conteúdo”, metodologicamente poderia dizer que me aproximo conceitualmente com alguns aspectos da proposta de Jonatas Serrano e Venâncio Filho, autores do livro “Cinema e Educação” (1930). Nesse livro os autores sugerem algo que considero de fundamental importância para que a aprendizagem seja bem sucedida - o auxilio do professor passo-a-passo junto aos estudantes: “... os autores sugeriam o emprego do cinema como auxiliar de ensino, em que as exibições de filmes seriam acompanhadas pelas explicações do professor ...” (in.: CAPARRÓS-LERA & ROSA, pg.: 192). Utilizei a referencia do livro “Cinema e Educação” (VENANCIO FILHO; SERRANO, 1930) como um auxilio sobre alguns aspectos da metodologia da narrativa fílmica em sala de aula; porém, no produto educacional que produzi e relato a experiência didática 398

nessa comunicação, sempre utilizei trechos curtos de cenas de filmes, agilizando e dinamizando o andamento das aulas. Outro item válido em minha avaliação prévia dessa experiência didática, foi a articulação entre a proposta de trabalho e os Parâmetros Curriculares Nacionais, que estimulam “... o desenvolvimento de atividades com diferentes fontes de informação (livros, jornais, revistas, filmes, fotografias, objetos, etc) para confrontar dados e abordagens; e o emprego de documentação variada, como sítios arqueológicos, edificações, mapas, instrumentos de trabalho, objetos cerimoniais e rituais, adornos, meios de comunicação, vestimentas, textos, imagens e filmes.” (BRASIL, 1998, pg.: 77). Em minha experiência de trabalho, identifiquei que o Power Point se configurou como a plataforma mais adequada para a utilização das múltiplas mídias com as quais trabalhei. Os recursos oferecidos pelo software, me possibilitaram fazer incursões em imagens (fotografias, charges, pinturas, etc), músicas e vídeos de forma bastante produtiva. Dessa forma, harmonizo-me com a conclusão de NOGUEIRA sobre o referido software e seu uso educacional: “... o Power Point, como recurso tecnológico, pode facilitar o ensino e a aprendizagem de determinados conteúdos e pode motivar o aluno levando-o a ter interesse pela aula, desde que o professor saiba conduzi-la, promovendo reflexões, debates e abrindo espaço para questionamentos a respeito dos conteúdos abordados ...” (in.: NOGUEIRA, 2013. Pg.: 25).

Metodologia do trabalho Particularmente discordo com um procedimento sugerido por CAPARRÓS-LERA & ROSA sobre cenas de violência e sexo nos filmes: (...) Se o filme tem cenas de sexo ou violência, é interessante falar sobre isso com os alunos, principalmente com os adolescentes, para que as imagens não se tornem motivo de piada, distraindo a turma (...) in.: CAPARRÓSLERA, Josep M. & ROSA, Cristina S. O cinema na escola: uma metodologia para o ensino de História. 2013 pg. 201. Acredito que as cenas “inapropriadas” devem ser utilizadas em circunstancias bem especificas, cercadas de um objeto bem preciso de instrução. Um bom exemplo seria a cena clássica de sexo entre o monge e a camponesa do filme “O nome da Rosa”. Tal cena poderia ser exibida durante o 3º ano do Ensino Médio, em um debate sobre a História da exploração da sexualidade feminina, pois na faixa etária desse ano de escolaridade, os estudantes costumam estar mais abertos ao debate necessário para que o objetivo da cena não se perca com agitações e brincadeiras inadequadas. As apresentações PowerPoint que produzi possuem um foco na agilidade e objetividade. Desenvolverei a partir de agora, uma síntese sobre a apresentação que produzi que causou melhores resultados educacionais, com o tema de Consciência Negra.

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Considerações parciais: Uma síntese sobre a Apresentação PPT Consciência Negra. A apresentação PPT Consciência Negra foi produzida no ano de 2014, para apresentação na escola onde trabalho, a Unidade Escolar CIEP Brizolão 324 – Mahatma Gandhi, como parte das atividades de celebração ao dia da Consciência Negra. A referida apresentação é composta de 35 slides, constituídos por: 4 mapas, 3 fotografias, 18 gifs animados, 1 pintura, 6 sons de música (mp3), e 11 trechos de filme. Os resultados de aprendizagem obtidos com essa apresentação PPT, foram altamente satisfatórios, com um grupo significativo de estudantes realmente impressionados com os processos de violência e desumanização praticados contra a população negra ao longo da História, e que se manifestam até os dias de hoje em forma de ações racistas nos meios de comunicação e internet. Entretanto, devo destacar que esse trabalho foi realizado com grupos de estudantes que já participavam de aulas interativas semelhantes apresentadas bimestralmente comigo, à pelo menos 3 anos, e estavam acostumados a refletir através das emoções despertadas pelas imagens dos trechos de filmes. Ou seja um resultado, a longo prazo, porem visível que demonstra melhoras na compreensão e envolvimento dos estudantes com as praticas educativas. Devo destacar que ainda não realizei uma conclusão final sobre outros aspectos do trabalho pois o mesmo ainda encontra-se em processo de estudos inserido como produto educacional em meu projeto de Dissertação de Mestrado, no PROFHISTÓRIA – UFRRJ.

Referências Bibliográficas: BRASIL, Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: História. Brasília: MEC: SEF, 1998. CAPARRÓS-LERA, Josep M. & ROSA, Cristina S. O cinema na escola: uma metodologia para o ensino de História. Educação em Foco. Juiz de Fora, v. 18 n.2, pg.: 189-210, jul./out. 2013. MAHAR, Steve; YAYLACICEGI, Ulku e JANICKI, Thomas N. Less is more when developing PowerPoint Animations. Proc ISECON, 2008, v. 25 (Phoenix): § 3115 (refereed). MENEZES, S. D. Mídia e educação: O uso das novas tecnologias em sala de aula. Disponível em URL: < http://www.ucpel.tche.br/senale/cd_senale/2013/Textos/trabalhos/122.pdf>. Acesso em fevereiro de 2017. MORAN, J. M. (2004). Os novos espaços de atuação do professor com as tecnologias. In: ROMANOWSKI, J. P. et al. (Org.). Conhecimento local e conhecimento universal: diversidade, mídias e tecnologias na educação. Curitiba: Champagnat. 400

MORAN, J. M., MASETTO, M. T. & BEHRENS, M. A. (2000). Novas tecnologias e mediação pedagógica. Campinas, SP: Papirus. NOGUEIRA, Jorge Bonfim. A utilização de animações em Power Point como ferramenta Didático-Pedagógica para o ensino de Matemática. Dissertação de Mestrado Profissional em Ensino de Matemática, Polo Universidade Estadual da Bahia – UESB. 2013. ROULKOUSKY, Emerson. Tecnologias no ensino de matemática. Curitiba: Ibpex, 2011 – Série Matemática em Sala de Aula. VENÂNCIO FILHO, Francisco; SERRANO, Jonathas. Cinema e Educação. São Paulo: Companhia Melhoramentos, 1930.

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O USO DAS NOVAS TECNOLOGIAS E O ENSINO DE HISTÓRIA: A LEI DE ANISTIA EM PERSPECTIVA Leonardo Leal Chaves Muito se tem discutindo sobre a utilização de novas tecnologias como recurso pedagógico para o ensino de história, especificamente embasada nas premissas dos Parâmetros Curriculares Nacionais ou diretrizes curriculares, e sobre o impacto destas no processo de ensino-aprendizagem dos processos históricos. As TICs (Tecnologias de Informação e Comunicação) podem ser analisadas aqui como capazes de proporcionar um acesso livre à informação, possibilitando o compartilhamento de experiências e a produção/circulação de conhecimento. Sobre a temática aqui explorada, a Lei de Anistia de 1979, ainda predominam em sala de aula, filmes, produção bibliográfica ou nos livros didáticos as leituras do período ditatorial que tem no Centro-sul do país o palco por excelência dos principais acontecimentos históricos. Nesse sentido, são nacionalizadas explicações que dão conta do universo histórico de cidades como Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais, mas que não contemplam as especificidades das demais regiões do Brasil, como por exemplo, o Maranhão. A proposta deste estudo caminha em outra direção. O que está sendo aqui proposto é a recuperação das especificidades do período ditatorial no Maranhão como forma de, não só elaborar um texto meramente acadêmico, mas como e, principalmente, promover algum tipo de intervenção nas práticas pedagógicas vigentes. Nesse sentido, propõe-se aqui a construção de um canal direto, dinâmico e interativo, ou seja, um blog histórico (como parte de um repositório digital) capaz de fornecer ao corpo docente, e quiçá discente, múltiplas ferramentas que possibilitem o repensar e a reelaboração das estratégias pedagógicas no ensino das singularidades maranhenses durante o período ditatorial, nesse estudo, concernentes à Lei de Anistia. No campo da cibercultura (LEVI, 1999, p. 46), mais exatamente na web (ou ciberespaço), encontram-se trabalhos pioneiros e audaciosos, espécies de mecanismos virtuais de memórias e possibilidades de mobilização em torno do tema da anistia, como a impunidade dos agente oficiais do Estado envolvidos em tortura, desaparecimentos forçados e mortes, voltados para as disputas de memória. Não obstante, mesmo nestes blog e repositórios digitais encontram-se ausentes dados, informações, lugares (virtuais) de memórias que enfoque nas pessoas envolvidas nessa luta por uma anistia "ampla, geral e irrestrita", mesmo que a aprovada tenha sido "parcial e recíproca", anistiando aqueles que cometeram crimes políticos e "conexos" a estes, ao estenderem o benefício da anistia aos próprios militares. Esta produção no ciberespaço ocorreram com mais ênfase após a divulgação do relatório final da Comissão Nacional da Verdade ou tentativa de revisão da Lei de Anistia engendrada pela Ordem dos Advogados do Brasil 402

e rejeitada pelo Supremo Tribunal Federal por unanimidade, uma vez mais em nome da pacificação nacional. No entanto, ao pensarmos este panorama, faz-se necessário destacar que, nas palavras de Jayme Pinsky e Carla Pinsky (2005), o elevado grau de transformação nas esferas políticas e econômicas ocorridas no final do século passado e que acentuaram o ceticismo entre professores e estudantes de História em geral em relação ao próprio conhecimento histórico e seu potencial transformador. Nas escolas, este ceticismo desdobrou-se no questionamento acerca do sentido do ensino de história. Paralelo a tal processo, o próprio livro didático, enquanto instrumento ímpar do processo de aprendizagem, também tem sua validade posta em xeque, principalmente diante da explosão de novas tecnologias que passaram a ser vistas como "sepultadoras" do livro impresso. Sepultados seriam, também, tanto a figura do professor como agente de ensino (tidos como comunicadores inábeis e incompetentes) quanto das propostas curriculares ligadas às realidades nacional e local (vistas como inadequadas e ultrapassadas). Assim, procurando acompanhar as mudanças, os novos tempos, muitos professores acabem comprando a ideia de que tudo que não é muito veloz é chato. Na sala de aula, o pensamento analítico é substituído por "achismos", alunos trocam a investigação bibliográfica por informações superficiais dos sites "de pesquisa" pasteurizados, vídeos são usados para substituir (e não complementar) livros. E o passado, visto como algo passado, portanto superado, tem tanto interesse quanto o jornal do dia anterior (PINSKY, Jaime; PINSKY, Carla, 2005, p. 17-18). Em função da longa duração do período ditatorial, será realizado um corte cronológico e temático para que essa proposta se torne viável de realização no período de duração do mestrado. Assim, o blog terá como tema central o processo de transição política da Ditadura rumo à democracia, sendo, portanto, privilegiada aqui a aprovação da Lei de Anistia. Para que as singularidades do Maranhão possam emergir em meio a esse arco de questões aqui anunciadas, esse estudo terá como corpus documental uma multiplicidade de fontes compostas por jornais de circulação local, como O Estado do Maranhão, O Imparcial e O Jornal Pequeno, música compostas por artistas regionais, produção literária, fontes iconográficas, entrevistas como personagens destacados do período e outras possibilidades que poderão vir a ser construídas durante a pesquisa. Deste modo, a criação/utilização de novas ferramentas pedagógicas para o ensino de história se faz urgente em tempos de blogs, webquests, repositórios digitais, redes sociais, armazenamento de arquivos na nuvem, compartilhamento de informações e arquivos e uma miríade de possibilidades que poderiam potencializar o envolvimento dos alunos no fosso que separa a produção acadêmica e cotidianos escolar, mais evidente no que diz respeito à produção de conhecimento histórico. Ao relacionarmos essa possibilidade digital/informatizada em rede com a tentativa de transposição didática mediada pelas TICs, voltamos-nos à Jean-Claude Forquin (apud MONTEIRO, 2003, p. 13) e sua reflexão sobre o saber escolar. Assim, 403

a perspectiva de constituição de um saber escolar tem por base a compreensão de que a educação escolar não se limita a fazer uma seleção entre o que há disponível da cultura num dado momento histórico, mas tem por função tornar os saberes selecionados efetivamente transmissíveis e assimiláveis. Para isso, exige se um trabalho de reorganização, reestruturação ou de transposição didática que dá origem a configurações cognitivas tipicamente escolares, capazes de compor uma cultura escolar sui generis, com marcas que transcendem os limites da escola. A utilização dessas novas tecnologias e sua inserção no cotidiano escolar não estão isentas de fatores que tornam essa manutenção da distância entre professor x aluno, saber acadêmico x saber escolar, teoria x prática, abissais. São frequentemente apontadas como causas do insucesso a dificuldade dos professores na compreensão e manuseios dessas "ferramentas", a quase impossibilidade se sugestão de atividades fora do livro didático ou do esquema quadro/pincel dentro do espaço físico da sala de aula, bem como a exígua (porém exigente) carga horária escolar. Esta proposta aqui germinalmente exposta direciona seus esforços no sentido de possibilitar a preservação da memória e das especificidades concernentes à Lei de Anistia no Maranhão, disponibilizando através da interface da web e das acessíveis linguagens e programas para construção de site e blogs, dados, suporte, relatos, multimeios, abrindo possibilidades exploratórias sobre o tema por parte dos professores de um recurso atual e dinâmico, (relativamente) acessível e de fácil manuseio/manipulação pelos alunos da geração net.

Referências bibliográficas LEMOS, Renato. “Anistia e crise política no Brasil pós-64”. Topoi. Revista de História. Rio de Janeiro: Programa de Pós-Graduação em História Social da UFRJ; 7 Letras, n. 5, setembro de 2002, pp.287-313. LEVI, Pierre. Cibercultura. São Paulo: Editora 34, 1999. p. 21-110. MONTEIRO, Ana Maria. A história ensinada: algumas configurações do saber escolar. História & Ensino. Londrina, v.9. p. 09-36, out. 2003 PINSKY, Jaime; PINSKY, Carla. O que e como ensinar. Por uma história prazerosa e consequente. In: KARNAL, Leandro (org). História na sala de aula: conceitos, práticas e propostas. 3 ed. São Paulo: Contexto, 2005. p.17-36. RODEGHERO, Carla Simone. A anistia de 1979 e seus significados, ontem e hoje. In: REIS, Daniel Aarão; RIDENTI, Marcelo; MOTTA, Rodrigo Patto Sá (orgs.) A ditadura que mudou o Brasil. 50 anos do golpe de 1964. Rio de Janeiro: Zahar, 2014. SAES, Décio. República do Capital. Capitalismo e processo político no Brasil. Rio de Janeiro. Boitempo, 2001 FERNANDES, Sidneia Caetano de Alcântara. As tecnologias de informação e comunicação no ensino e aprendizagem de história: possibilidades no ensino fundamental e médio. Dissertação de mestrado. UNIVERSIDADE CATÓLICA DOM BOSCO. Campo Grande - MS, AGOSTO – 2012 404

HISTÓRIA E FOTOGRAFIA: UMA VISÃO DE FOTÓGRAFO, DO HISTORIADOR E DO OBSERVADOR COMUM, AS VÁRIAS INTERPRETAÇÕES ACERCA DA IMAGEM Lucas Eduardo de Oliveira Pablo Kyoshi Rocha Na programação da Primavera de Museus, os estagiários de História da Associação Parque Histórico de Carambeí (APHC), citados acima, confeccionaram a oficina “Historiografia e Fotografia”. Desenvolvida durante os dias 20 a 23 de setembro de 2016 para alunos entre 10 e 15 anos, a oficina teve como objetivo provocar o público a pensar a respeito das reconstituições de algumas peças do museu e ainda refletindo a respeito da própria História como disciplina, trabalhando com a perspectiva de “como fazer história” do ofício do historiador, prescrito pelo renomado Marc Bloch. Foi considerado que todos os alunos presentes não possuíam nenhum tipo de conhecimento cientifico quanto à fotografia e história, ou uma visão diferente quanto à fotografia e o seu uso cotidiano. Sendo assim, montou-se uma oficina que abordasse ao mesmo tempo, a construção de passado e a construção do presente, e relacionou-se esta concepção à construção das Alas museais do Parque Histórico de Carambeí. Para isso foi necessário uma abordagem minuciosa, juntando os pequenos fragmentos contidos nos próprios alunos, interligando a história disciplinar com a história científica, para que então definir-se coletivamente a história investigativa que acerca o documento imagético, a visão do fotógrafo e a concepção do historiador. Em um primeiro momento os alunos foram recebidos em uma sala para o momento teórico da oficina. Um dos estagiários tinha uma fala acerca da visão do fotógrafo e da fotografia. Também sobre as origens da fotografia e para qual função ela surge. Com o objetivo de “registrar a luz” o ato de fotografar surge para guardar momentos e datas que devem ser lembradas. Com isso a imagem torna-se uma fonte, que mostra muito a respeito de um local, época, povo e demais aspectos. Em seguida, foi apresentada aos alunos que o “ato de fotografar”, até mesmo nos dias atuais, é sim uma forma de construir a história, pois não deixa de ser uma fonte de analise, tais como as imagens de hoje, para compreender nossa realidade. Dando sequência, os alunos foram encaminhados até o local da primeira parada: Casa do Colono. Neste local – em exposição na Vila Histórica do APHC – eles ficaram de frente com a primeira fotografia e também com o espaço físico mostrado na imagem. Neste momento, foi aplicada a primeira comparação e análise de imagem. Eles observaram quais eram as semelhanças e diferenças entres imagem e espaço físico. Foram citados pelos estudantes qual fora o objetivo do fotógrafo no momento em que 405

capturou tal imagem e a partir disso montar sua própria concepção e imersão sobre a história local. A próxima parada foi na Igreja da Vila Histórica. Neste local os estudantes tiveram contatos com as imagens da construção da Igreja e em seguida dela já pronta. Outra foto que também foi apresentada a eles, foi de um casamento nesta igreja. Em seguida, o próximo ponto foi na Escola da Vila Histórica, onde eles conheceram o espaço físico e então analisaram a imagem do acervo, que mostra os alunos da década de 1920 a 1940 da Colônia Holandesa dentro desta sala de aula com sua respectiva professora. A última parada foi na ponte principal do Parque, que dá acesso as alas museais. Neste momento os alunos puderam observar de forma mais apurada a ponte pela qual já tinham atravessado, mas sem muita atenção. Na imagem, era mostrada uma ponte na Holanda, assim, eles puderam observar as semelhanças da ponte do Parque com a da imagem. É importante destacar que todas as imagens eram fotografias originais da época da Colônia Holandesa de Carambehy entre as décadas de 1920 a 1950. Os espaços físicos citados que foram utilizados na oficina foram da Vila Histórica, uma réplica com 60 por cento do tamanho real da vila original. A oficina teve por objetivo, oferecer uma visão diferente do museu e de suas construções. Foram utilizadas fotografias disponíveis no acervo do APHC, como fonte de pesquisa e de estudos, e o ensino retórico para que o público chegasse as suas conclusões e interpretações. Diante de cada cenário ou objeto, os estagiários colocavam a fotografia ao lado e perguntavam o que os alunos conseguiam ver naquela foto; o que acontecia; se haviam pessoas e o que elas faziam; se fosse algum objeto, qual era sua função. Assim, eles (alunos) observaram as fotos e usaram do imaginário para criar alguma cena nas construções da Vila ou para os objetos utilizados. A intenção do projeto era que os alunos observassem as peças e o processo da Vila Histórica como objeto do seu interesse, os quais representam elementos da imigração holandesa e da Colônia Holandesa de Carambehy. Transmitir que uma prática diária simples, o “ato de fotografar”, pode ser tão importante quanto um documento escrito há muitos anos atrás. E alegar a importância do mesmo como um objeto de estudo. Ao final, como atividade prática, os alunos deveriam usar suas máquinas fotográficas (celular, tablet, etc.) e fotografar com “a visão de fotógrafo”um cenário de dentro da Vila Histórica e em seguida deviam apresentar aos colegas e explicar os seguintes itens: de que forma aquela imagem era uma fonte; o que poderia se aproveitar dela; como foi sua visão na hora de capturar a imagem. Fechando o ciclo, tiveram-se então as três interpretações que se tinha como objetivo, do fotografo, do historiador e do observador comum. Foi analisado o que o fotógrafo tinha como intenção transmitir, qual era sua visão ao fotografar tal imagem. Em seguida, os alunos colocaram-se como historiadores e tentaram compreender o que este último 406

observaria, qual seria a visão do historiador sobre as imagens. Por fim, como observadores comuns, os alunos deram suas opiniões sobre o que viam nas fotografias. A oficina contou ao final com 54 alunos, sendo que esta foi uma das várias atividades ocorridas durante a programação do evento.

Referências BORGES, Maria Eliza Linhares. História & fotografia. São Paulo: autêntica, 2003. KOSSOY, Boris. Fotografia & História. São Paulo: Ateliê Editorial. 2014

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O USO DE REVISTAS COMO RECURSO PEDAGÓGICO NAS AULAS DE HISTÓRIA Lucimar Alberti Ao longo dos últimos anos os contínuos progressos na área da comunicação, principalmente no que tange as mídias sociais, tem produzido grandes transformações nas relações que mantemos com os meios de comunicação e com a informação de maneira geral. Esse processo também tem trazido conseqüências ao espaço escolar, reorganizando nossa relação com o saber, bem como as relações entre professores e alunos e, destes últimos com o conhecimento de uma maneira geral. Em nenhum outro momento da trajetória humana produziu-se tanto conteúdo e, também, nunca antes na História tivemos acesso a tanta informação sobre os mais diversos temas. Se por um lado obtivemos vantagens, principalmente no que diz respeito ao acesso à informação por outro lado apresenta-se o desafio de saber localizar, identificar e separar a informação pertinente aos nossos interesses daquela que não auxilia em nosso processo educativo. De acordo com Pinsky e Pinsky (2009), cabe ao professor a tarefa de transformar essa massiva quantidade de informação em conhecimento. Para os autores “a informação chega pela mídia, mas só se transforma em conhecimento quando devidamente organizada [...] porque a informação chega aos borbotões, por todos os sentidos, é que se torna mais importante o papel do bom professor” (PINSKY; PINSKY, 2009, p.22). A partir dessa grande quantidade de material que encontramos a nossa disposição entendo tratar-se de prática fundamental na sala de aula investir tempo na formação da capacidade leitora dos nossos estudantes, assim como colaborar na no desenvolvimento de um senso crítico no que diz respeito à seleção de material que consumimos. Não implica aqui assumir que este ou aquele veículo de comunicação é melhor ou pior. Antes disso, trata-se de construir com os estudantes a compreensão que existem dos modelos e propostas de mundo com a qual cada veículo de comunicação está associado. E, que suas reportagens são publicadas em conformidade com isso, produzindo e articulando maneiras de estar no mundo. Logo o que se pretende é possibilitar que os estudantes construam uma leitura crítica, aprendendo a confrontar versões e selecionar o que se apresenta nos meios de comunicação de uma maneira geral e, de forma mais específica nas revistas semanais. Cabe, no entanto, a partir deste ponto uma pergunta: como a disciplina de História pode contribuir para a melhora na capacidade leitora dos estudantes ao mesmo tempo em que desenvolve uma prática conectada ao programa da sua disciplina? E, de maneira mais específica, como, na disciplina de História, podemos desenvolver essa prática a partir do uso de revistas semanais? O presente artigo pretende apresentar algumas considerações acerca do uso das revistas semanais como material de análise para as aulas da disciplina de História assim como oferecer um exemplo prático das suas possibilidades de utilização. Para tanto é importante deixar claro desde agora que escrevo considerando algumas proposições dos Estudos Culturais, como, por exemplo, a compreensão que os 408

artefatos culturais, neste caso, as revistas, atuam em nossa educação na medida em que informam e transmitem determinadas maneiras de estar no mundo. Utilizo também contribuições da História, principalmente sua metodologia para pesquisas com revistas ao mesmo tempo em que faço uso do conceito de discurso a partir das teorizações de Gilian Rose (2001). Pensando numa prática de sala de aula é importante primeiramente selecionar o material que será utilizado, considerando a possibilidade de estabelecermos uma série longa de exemplares. De acordo com Luca (2006) precisamos “historicizar a fonte” (LUCA, 2006, p. 132), observando suas condições de publicação, ou, a “materialidade de jornais e revistas em diferentes momentos” (LUCA, 2006, p.131). O que significa dizer que é necessário considerar quais eram os recursos tecnológicos do período de quando a revista foi publicada bem como a sua organização interna. Assim, pensando um exemplo prático poderíamos selecionar a Revista Veja enquanto acervo documental para ser trabalhado em sala de aula. Essa escolha justifica-se pelo fácil acesso ao material, que se encontra hospedado em sua totalidade no sítio da própria Revista o que nos asseguraria a possibilidade de estabelecer uma série longa de exemplares. Quanto ao tema poderíamos pensar o uso da Revista Veja para verificar o discurso ufanista do Regime Militar (NAPOLITANO, 2013), observando como este se manifestava de formas variadas, em diversos setores da sociedade ou mesmo se existem contrapontos a esse discurso. Em outras palavras, se o que aparece na fonte que selecionamos reforça ou questiona esse ufanismo característico do período. Assim, a proposta que trago seria identificar alguns elementos dos discursos que se produzia sobre saúde, nas páginas da Revista Veja, durante o Regime Militar Brasileiro, mais especificamente no ano de 1968, quando do lançamento da Revista. Estabelecido nosso recorte temporal e temático é importante deixar claro o que entendo por discurso. Tomando as discussões de Rose (2001) entendo discurso como “um grupo de enunciados que estruturam a maneira de algo ser pensado e a maneira de agirmos com base nesse pensar. [...] um determinado conhecimento sobre o mundo que molda a forma do mundo ser compreendido e das coisas serem feitas nesse mundo” (ROSE, 2001, p. 136). Assim, a partir da concepção de discurso apresentada aqui entendo ser possível analisar que tipo de discurso se manifesta nas reportagens sobre saúde da Revista Veja. Verificando em que medida esse discurso reforça a ideia de um Brasil que avança rumo a um futuro maravilhoso ou se as fontes apresentam elementos que nos permitam pensar de maneira diferente. Outro aspecto importante ao se propor esse tipo de análise consiste em fazer as perguntas adequadas para as fontes selecionadas. Assim, seguindo as indicações de Rose, devemos questionar “como determinado discurso descreve as coisas [...] como constrói a culpa e a responsabilidade [...] como categoriza e particulariza” (ROSE, 2001, p. 150). Para exemplificar o que proponho trago uma reportagem da Revista que trata sobre os transplantes no período selecionado. Na reportagem “Mãos de ouro” (VEJA, 11/09/1968) aborda-se os transplantes sob uma perspectiva extremamente positiva. Como o próprio título já faz referência, valoriza-se muito a ação dos médicos que realizam transplantes. Estes, os médicos, são apresentados como profissionais profundamente envolvidos com sua profissão, talentosos e que constantemente estão em busca de aperfeiçoamento profissional. As condições desfavoráveis para trabalhar até surgem, no entanto, a ênfase está no elogio aos profissionais. De acordo com a Revista, 409

os médicos, “no jogo contra a morte enfrentam simultaneamente vários outros adversários; entre eles as más condições para seu trabalho. Mesmo assim estão acostumados a vencer” (VEJA, 11/09/1968, p.46). Esse posicionamento, aliás, fica ainda mais evidente ainda quando a Revista decreta: “os cirurgiões vencem antes de tudo pelas suas próprias mãos” (VEJA, 11/09/1968, p.46). Mas, independente das condições de trabalho que existem, “a cirurgia brasileira vai ganhando o jogo contra a morte” (VEJA, 11/09/1968, p.49). Apesar da breve apresentação da fonte utilizada aqui, acredito que é possível identificar algumas possibilidades de uso desse tipo de recurso em sala de aula. Ao recrutar uma fonte primária, de fácil acesso como um exemplar da Revista Veja, já encontramos uma considerável variedade de informações que podem ser utilizadas nas aulas de História. Ao adotar esse tipo de prática, por exemplo, podemos, em se tratando do Regime Militar Brasileiro, estabelecer alguns questionamentos acerca de todo esse progresso difundido pela propaganda oficial. Se os avanços foram tão expressivos como nos fazem pensar através do Milagre Econômico, como é possível identificar críticas às condições de trabalho nos hospitais brasileiros? Ou mesmo, atribuir o “sucesso” da medicina no Brasil à capacitação dos nossos médicos, adquirida no exterior, aliás, do que aos investimentos do Governo Brasileiro? Podemos considerar, a partir do exposto que entre a propaganda oficial do Regime Militar e o que de fato acontecia existia um hiato que precisa ser melhor explorado pelos professores de História em sala de aula. Assim, acredito que tomando as reportagens de Veja como material de análise para o período e temas indicados anteriormente, podemos demonstrar aos alunos como essas notícias vão se articulando na construção de um quadro mais amplo acerca do país bem como dos serviços de saúde no Brasil. Além disso, o uso de documentos históricos pode auxiliar para tornar as aulas mais dinâmicas, interessantes e produtivas, satisfazendo assim professor e alunos. Contribuindo, também, para que o saber histórico seja reconstruído em sala de aula e não apenas reproduzido. Finalizando, acredito que através de propostas como essa seja possível articular, na disciplina de História, uma prática educativa preocupado com a melhora da habilidade leitora dos nossos estudantes ao mesmo tempo que colaboramos com a construção da capacidade de leitura crítica, fundamental para um época onde transbordam informações.

Referências Bibliográficas LUCA, Tania Regina de. História dos, nos e por meio dos periódicos. In.: PINSKY, Carla Bassanezi. Fontes Históricas. São Paulo: Editora Contexto, 2006. P.111 – 154. Mãos de Ouro. In.: Veja. Nº1. São Paulo: Editora Abril, 1968. P.46 – 49 NAPOLITANO, Marcos. 1964: História do Regime Militar Brasileiro. São Paulo, Editora Contexto: 2013. PINSKY, Jaime; PINSKY, Carla Bassanezi. O que e como ensinar. In.: KARNAL, Leandro (Org.). História na Sala de aula: conceitos práticas e propostas. São Paulo: Contexto, 2009. P.17-39. 410

ROSE, Gillian.Visual Methodologies: an introduction to the interpretation of visuals materials. Londres: Sage, 2001.

O USO DA IMAGEM COMO POSSIBILIDADES PARA O ENSINO DE HISTÓRIA 411

Maria Conceição da Silva O presente trabalho tem como objetivo mostrar as possibilidades de trabalhar com imagens no espaço da sala de aula. Nesse sentido e importante mostrar outras experiências com outros recursos, o uso de charges, letras de músicas e principalmente o uso de imagens que podem ir além do livro didático. Entendendo a escola como um espaço dinâmico que se vivencia inúmeras práticas do conhecimento, os métodos utilizados para promover a aprendizagem dos alunos e de extrema importância. Ao assumir o compromisso de ser professor do ensino de história percebe-se a necessidade de muitas estratégias além do livro didático para explicar os conteúdos proposto no currículo. Assim o uso de imagem como fonte dentro dos assuntos explicados contribuem para que tanto o aluno como professor tenha um melhor desempenho e entendimento no decorrer da aula. Partindo da análise de Circe Bitencourt que o livro didático e parte integrante de um sistema institucionalizado (p. 23). Também refletido sobre a postura do professor o uso de imagens e interessante na produção de conhecimento histórico para com o aluno, sendo que o conteúdo didático precisa ser desenvolvido de acordo a cultura e a experiência já construída pelo aluno, levando em conta o seu conhecimento prévio sobre determinado assunto. Quando se trabalha com a análise de uma imagem, alguns procedimentos e necessário no processo de ensino e aprendizagem, para que não se perca a intencionalidade. Por isso, qualquer imagem precisa ser bem utilizada e bem explorada, e quando necessário articulada a algum texto, passível de ser interpretada, pois, representa uma determinada época. Dessa forma, se constituirá em uma autêntica fonte de informação, de pesquisa e de conhecimento, a partir da qual o aluno pode perceber diferenças e semelhanças entre épocas e culturas e lugares distintos. Ao pensarmos em um trabalho dessa natureza devemos estar atentos, que é necessário que os alunos aprendam ou que tenham noções básicas do que será trabalhado. É essencial pensar os alunos no momento em que estamos elaborando as atividades como propostas de intervenção na construção do conhecimento histórico. Ao se trabalhar com a parte da icnografia e importante que o professor saiba interpretar as imagens antes de aplica-las para os alunos, e de fundamental importância sabê-las interpreta-las esses signos visuais. O uso de imagens precisa também ser melhor entendida e aproveitada e não ser vista apenas como desenho e figura ilustrativa, mas sim uma fonte privilegiada para a disciplina. Assim ressalta Paiva: A iconografia e tomada agora como registro histórico realizado por meio de ícones, de imagens pintadas, desenhadas, impressas ou imaginadas(...). São registros com os quais os historiadores e os professores de História devem estabelecer um diálogo continuo. E preciso saber indaga-las e deles escutar respostas. (PAIVA, 2006, P. 17)

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Paiva refere-se a capacidade profissional que o historiador e professor tem demonstrado em relação a icnografia, que deixa de ser vista apenas como ilustração para distrair o aluno. Num período em que as imagens estão expostas em todos os lugares fora da sala de aula, sendo que merece toda uma atenção por parte do educador em compreender qualquer ilustração antes de usa-las como recurso didático. O uso de fontes históricas em sala de aula possibilita o aluno a pensar historicamente e assim ele percebe as ações dos sujeitos em um determinado tempo, servindo para introduzir temas diferentes dentro de um mesmo conteúdo. Nessa perspectiva a imagem pode ser considerada como um documento e material didático no ensino de história, sua utilização expressam uma melhor comunicação levando em conta que a mesma tem suas especificidades. Como fonte histórica ela se distingue, algumas são visuais ou audiovisuais, fixas ou em movimento, então deverá o professor ter a preocupação de tratar esse recurso como fonte ou material didático. Nos conteúdo do ensino de história estão repletos de imagens, muitas delas aparece como culto aos heróis e figuras públicas em alguns fatos históricos. Desse modo e de fundamental importância que professores na atualidade use a fonte icnográfica para desmitificar essas imagens que mostra fatos do passado como certeza, através destes trabalhos com as mesmas há possibilidades dos alunos ter sua criticidade a respeito das manifestações passadas de uma certa época da história. Dessa forma independente da imagem apresentada ela permitirá uma capacidade informativa de propor mensagens e significados diferentes. Para a construção do conhecimento em História e interessante também que o professor em sala de aula da ênfase aos assuntos do cotidiano como os fatores políticos, econômicos, sociais, culturais, ideológicos, sempre mostrando relação entre diversos aspectos, mostrando para os alunos que eles podem fazer suas escolhas. A construção da sociedade e resultado das ações e decisões humanas e cada um de nós contribuem de alguma forma nessas mudanças, quanto maior o conhecimento dos alunos em todos esses aspectos mais possibilidades de uma elaboração de um saber crítico. Muitas vezes o professor de História tem apenas nos livros didáticos como fontes para exploração de imagens. Para alguns as imagens são vistas como ilustração e complementos de textos, quando na verdade a interpretação das ilustrações e mais importante do que está escrito. Ao aluno não cabe ver a imagem como fotografia real daquele fato histórico estudado, mas questionar sua função. Para Circe Bitencourt, o uso de livros didáticos é uma alternativa na leitura das imagens quando nas escolas públicas não houver recursos como projetores slides, computadores ou vídeos (2001, p. 86). Atualmente isso não impossibilita o professor levarem imagens impressas em tamanho grande. O objetivo dos professores não deve ser aulas, que tenha o intuito de resumir, reproduzir conhecimentos para apenas memorizar e depois repetir. No entanto o professor deve ser um mediador buscando levar o educando a analisar e sintetizar algum assunto, de forma que ele chegue a um conhecimento mais elaborado, e não fragmentado e baseado apenas no senso comum. Referências bibliográficas 413

BARROS, Ricardo. O uso da imagem nas aulas de história. São Paulo, 2007. BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Livro Didático e Conhecimento Histórico: Uma História do Conhecimento Escolar. São Paulo, 1993. (Tese de Doutorado). BURKE, Peter. Testemunha ocular: história e imagem. Florianópolis: Edusc, 2004. PAIVA, Eduardo França. História & imagens – 2 ed. – Belo Horizonte: Autêntica, 2006. SCHMIDT, Maria Auxiliadora Ensinar História. Ed – São Paulo: Scipione, 2009 (coleção Pensamento e ação na sala de aula)

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LUZ, CÂMERA E AÇÃO: O ALUNO COMO SUJEITO OPERANTE NO PROCESSO DE ENSINO APRENDIZAGEM, PRODUÇÃO DE DOCUMENTÁRIO Maria Geanne Matias Gonçalves A História é a ciência que influência significativamente a formação do indivíduo, oportuniza pensar o espaço no qual nos encontramos inseridos, consequentemente contribui para a formação da consciência crítica do sujeito, auxiliando-os a construírem seus conhecimentos de forma independente sabendo, “absorver” das teorias que lhes chegam conceitos úteis para o dia-a-dia, para sua formação enquanto pessoa, como afirma Selva Guimarães: “A história tem como papel central a formação da consciência histórica dos homens, possibilitando a construção de identidades, a elucidação do vivido, a intervenção social e praxe individual e coletiva”. (FONSECA, 2005, p.89). Pensando assim, recorrer a produções fílmicas torna-se um artifício interessante a ser utilizado, é um recurso que possui a capacidade de fomentar a construção do conhecimento histórico, um instrumento através do qual é possível, levar os discentes a perceberem com outros olhares a História, favorecendo a aquisição de um conhecimento, problematizado visto de diferentes maneiras de forma a levá-los a questionamentos, a proporem problemas, ressignificando os conhecimentos já adquiridos. Uma produção cinematográfica se configura como artefato cultural complexo. Envolve uma ampla gama de processos constitutivos, que perpassam escolhas e possibilidades técnicas, financeiras, culturais e políticas. Esse emaranhado de questões condiciona a produção de uma película, seja industrial ou artesanalmente, e interfere no resultado do trabalho que será observado pelo espectador. (SOUSA, 2012, p. 05). Verifica-se que a disciplina de História em alguns casos ainda é vista por muitos dos alunos, como algo que lhes soa desinteressante, decorativa, sem utilidade na vida prática. Este representa um desafio para docentes de História, tornar a disciplina atrativa, ajudar o discente a descobrir a importância dos estudos históricos e sua influência no tempo presente. Essa posição indica o desconhecimento da importância da História em suas vidas, advém das formas pelas quais o ensino se deu nos últimos anos, onde a História abordada remetia a grandes feitos e heróis que em nada era associada à vida prática e cotidiana do aluno. As imagens nesse momento desempenhavam um papel de confirmação e de diferenciação de classes e importância das pessoas, vejamos como eram tratadas há alguns anos atrás “(...) os organizadores propõem que a imagem visual 415

seja considerada como o lugar de construção e figuração da diferença social”. (MENESES: 2003, p.17). Quando os próprios alunos conjuntamente com os professores definem e produzem sua própria ferramenta didática, os conhecimentos adquiridos vão além de um entendimento somente do assunto em voga, eles se ampliam e passa a entender questões que dificilmente seriam compreendidas apenas com aulas expositivas, tais como: escolhas temáticas, sequências de cenas, seleção de textos e ideias, roteiros, duração. O público envolvido foram duas turmas do segundo ano do ensino médio da escola publica, José Alves de Figueiredo, localizada na Cidade de Crato no Ceará, foi identificado pelos professores uma dificuldade de respeito para com a diversidade religiosa presente na escola, pressupôs-se que aquele preconceito advinha da falta de conhecimento e trabalhar essas questões em forma de documentário que ao final pudesse ser debatido com toda a escola, seria uma excelente ferramenta de combate ao preconceito e a ignorância sobre as diferentes práticas religiosas. Em conversas e planejamentos delimitamos quatro práticas religiosas mais presentes na fala dos alunos e de professores da escola que conhecem bem aquele bairro, sendo elas o Catolicismo, o Protestantismo, Religiões de Matriz Africana (Candomblé e Umbanda) e a Religião do Vale do Amanhecer, que é espiritualista. Elaboramos também oficinas e rodas de conversa com alunos objetivando prepará-los para a execução do projeto além de fazer com que eles se inteirassem mais de todo o processo que permeia a produção de um documentário. Previamente foi pedido aos alunos para identificarem locais e praticantes de cada religião, também foi realizado um roteiro de possíveis perguntas que pudesse melhor encaminhar as entrevistas. Foram divididos quatro grupos, cada grupo ficaria responsável por identificar, entrar em contato com os possíveis entrevistados e realizar as entrevistas de uma determinada religião. Após essa etapa do projeto (o trabalho em campo) nos reunimos para encaminhar e começar o processo de edição do documentário. Nesse ponto do projeto, foram realizados diversos planejamentos e reuniões para escolher e decidir as cenas, as músicas, legendas, sequências e tudo mais que compõe esse processo de produção. Foram delimitadas temáticas centrais para guiar as sequências de entrevistas, a primeira trabalharia a importância da religião na vida dos entrevistados, a segunda trabalharia as especificidades de cada religião, como funcionam, quais os rituais e as práticas, a terceira seria a intolerância religiosa e o respeito e por último a sociedade e a religião. Todos esses tópicos serviram de base para organizar a sequência das entrevistas e a fala dos entrevistados de acordo com a nossa proposta. Depois do documentário finalizado, ele recebeu o título de “Cidadania na Fé”, o que significa que cada um tem a liberdade de exercer qualquer que seja a prática religiosa, isso é um direito supremo do cidadão cabendo a cada um apenas respeitar a diversidade. Foi um trabalho extremamente proveitoso, uma experiência gratificante e enriquecedora, todos tivemos a oportunidade de aprender de uma forma diferente, fugindo um pouco da dinâmica da sala de aula e do ambiente escolar, mas indo a 416

campo, se informando e conhecendo para melhor construir o documentário, além de poderem discutir e refletir conceitos como o de cidadania, identidade, sentirem e refletirem sua ação como sujeitos históricos e atuantes na sociedade. Nos fez refletir também a importância de inserir novas práticas pedagógicas no ensino de História e na educação como um todo, numa sociedade cada vez mais tecnológica, é relevante inserir esses novos meios e adequá-los a sala de aula. O vídeo documentário, quando bem trabalhado na educação básica, pode-se tornar uma prática pedagógica com dinâmica própria, capaz de instigar o exercício do pensamento reflexivo, integrando a arte, a cultura, os valores, propiciando, assim a recuperação da autonomia dos sujeitos e de sua ocupação no mundo de forma significativa. (FERNANDES, 2012, p.10). Para finalizar esse trabalho a escola realizou um pequeno evento para exibir o resultado do trabalho de três meses, foram convidados a se fazerem presentes o corpo gestor da escola juntamente com outros professores e, sobretudo os alunos participantes que puderam dividir com toda a escola o relato dessa experiência em suas vidas e o mais importante ver partir deles o discurso contra a intolerância religiosa, tudo isso nos faz perceber o quanto iniciativas um pouco mais ousadas são importantes para construção do aluno enquanto pessoa e cidadão. Certamente o aprendizado se deu de modo particular para cada um dos mais de cinquenta alunos envolvidos, certamente nem todos os envolvidos mudarão suas atitudes por completo, mas foi plantada em cada um a semente da tolerância e do respeito e as que germinarem será árvores importantes para disseminar um novo modo de ser e perceber o outro em toda a escola. Em nenhum período da história houve uma única religião em todo o mundo, como também nunca foram dominantes as atitudes de tolerância no passado da história das religiões. A associação entre Estado e igreja é uma dessas formas de intolerância, não deixando, por isso mesmo, uma boa lembrança. A imposição de uma fé como oficial e a consequente exclusão das outras (inclusive com perseguições declaradas) deixou seu rastro perverso no passado. No presente, muitos conflitos continuam sendo alimentado a partir de convicções ou bob a justificativa de crença, como vemos no Oriente Médio ou na Irlanda (SILVA, 2004, p. 02). Dessa forma nosso objetivo primordial consistiu em diminuir os preconceitos existentes, ajudar os discentes a cultivarem o respeito para com a crença escolhida pelo colega, sempre enfatizando a igualdades entre as religiões e percebendo-as como um elemento significativo na vida. de muitas pessoas, merecendo ser respeitada. “(...) a religião aparece como elemento estruturador e, ao longo da evolução da humanidade, sempre ocupou papel de destaque, sendo muitas vezes causadora de transformações e de revoluções”. (COSTA, 2010, p.14).

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Referências FONSECA, Selva Guimarães. Didática e Prática de Ensino de História: O Ensino de História e a Construção da cidadania. p. 89à 96 4ª. Ed. São Paulo: Papirus, 2005. SOUZA, Éder Cristiano de. O que o Cinema pode Ensinar sobre a História? Ideias de Jovens Alunos sobre a relação entre Filmes e Aprendizagem Histórica. História e Ensino. Londrina, V.16, n.1, p. 25-39, 2010. FERNANDES, Márcio Regis. Vídeo Documentário: Instrumento do Ensinoaprendizagem de História. Fortaleza, 2012. MENESES, Ulpiano B. Fontes. Fontes Visuais, cultura visual, história visual: Balanço provisório. In: Revista Brasileira de História: O ofício do historiador, nº 45. São Paulo, ANPUH, 2003. SILVA, Eliane Moura da Silva. Religião, Diversidade e valores Culturais: conceitos teóricos e a educação para a Cidadania. Revista de estudos da religião Nº 2/2004/p.114. ISSN 1677-1222. PUC, SP, 2004. COSTA, Flamarion Laba da. Religiões: Algumas Abordagens Teórico Metodológicas. Ed. UNICENTRO. Paraná, 2010.

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DOCUMENTOS HISTÓRICOS CONTIDAS NO LIVRO DIDÁTICO E SEU POTENCIAL COMO SUPORTE PARA O ENSINO/APRENDIZAGEM DE HISTÓRIA Maria Juliana de Freitas Almeida Em 1995, Gabriel, O Pensador, na música Estudo Errado, chamava a atenção para o método de ensino em que privilegiava a memorização, e não o entendimento: “[…] Decoreba: esse é o método de ensino […]”, que segundo o rapper não permitia aos alunos o raciocínio, mas apenas um conhecimento superficial e momentâneo, que após as provas já seria esquecido, e que ainda teria como consequência não permitir a compreensão dos fatos “[…] Desse jeito até história fica chato […]”. Passadas mais de duas décadas, por mais que se preconizem mudanças e transformações na educação e no ensino, quem lida diariamente com a sala de aula percebe que para maioria dos alunos a História ainda é uma disciplina considerada pouco interessante. Os motivos pelos quais isso ainda ocorre são os mais variados, desde questões socioeconômicas, heterogeneidade das turmas, a formação docente, o distanciamento da sala de aula com o dia a dia dos alunos, insuficiência de recursos financeiros e de materiais didáticos, entre outros. Neste texto, não há a pretensão de discutir ou aprofundar cada um destes motivos, mas sim, apontar uma alternativa que pode tornar mais atraente o ensino de História, e mais significativo o conhecimento histórico, ao promover o aprendizado, para além das formulas de memorização, utilizando o material didático mais abundante nas escolas de todo o país: o livro didático de História. Não é objetivo, tampouco, analisar o livro didático, em suas qualidades e deficiências, mas sim, propor a utilização do mesmo de forma a explorar suas potencialidades. A simples menção ao livro didático pode fazer com que muitos torçam o nariz, culpando-o pelo atavismo presente no ensino de História, Muito criticados, muitas vezes considerados os culpados pelas mazelas do ensino de História, os livros didáticos são invariavelmente um tema polêmico. Diversas pesquisas têm revelado que são um instrumento a serviço da ideologia e da perpetuação de um “ensino tradicional”. (BITTENCOURT, 2009, p. 300).

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Mas, graças ao PNLD (Programa Nacional do Livro Didático), este é o material didático mais abundante nas escolas públicas de norte a sul do país, desde as escolas rurais, de pequenas cidades até aquelas localizadas nas periferias dos grandes centros. O que por si só, faz desse material didático uma ferramenta dignade uma análise mais acurada, “é fundamental considerá-lo como um recurso didático que oferece condições ao professor de concretizar os objetivos educacionais propostos” (BERUTTI; MARQUES 2009, p. 97). Diante das críticas recebidas, e da maior demanda por livros didáticos de História, estes vem se transformando, convertendo-se em uma ferramenta “polifônica”, com várias funções, entre elas oferece grande gama de documentos nos mais variados suportes (BITTENCOURT, 2009, p. 307), o que se torna fundamental para o ensino de História, “o trabalho para entender e desvelar o discurso histórico impõe uma atividade incessante e sistemática com o documento em sala de aula” (SCHMIDT; CAINELLI, 2009, p. 111). Se para Febvre (1974, apud. SCHMIDT; CAINELLI, 2009, p. 112) “a história se faz com os documentos escritos, sem dúvida, quando eles existem. Mas ela pode ser feita, ela deve ser feita com tudo o que a engenhosidade do historiador lhe permitir utilizar”. Sendo assim, o ensino de História deve ser viabilizado com todos os recursos possíveis, que a criatividade do professor propor. E neste caso, propõe-se o uso criativo do livro didático, explorando não apenas o texto didático, mas os vários documentos que o compõem. […] os manuais didáticos, de maneira geral, têm-se esmerado na inclusão de documentos. Estes são de natureza diversa, destacando-se excertos de notícias de jornais, de obras literárias, de obras de historiadores e letras de músicas, além de ilustrações, gráficos, mapas e dados estatísticos. […]. (BITTENCOURT, 2009, p. 310). E é o melhor aproveitamento desta verdadeira coleção de documentos que poderá renovar o ensino de História, A utilização de documentos históricos em sala de aula, se bem desenvolvida, pode propiciar momentos de extrema riqueza e soma-se aos esforços de possibilitar ao aluno contato com outras sociedades e temporalidades, por meio de registros textuais, iconográficos ou materiais. Além disso, o trabalho com documentos permite ao professor e ao aluno refletirem juntos sobre o ofício do historiador. (CANO, 2012, p. 19). O trabalho com os documentos históricos permite inserir os alunos no caminho da pesquisa histórica, integrando ensino e pesquisa, claro que, conforme nos lembra os PCN’s (Parâmetros Curriculares Nacionais) sem a pretensão de fazer do aluno um historiador, “[…] é imprescindível que fique evidente para o aluno que o documento expressa um ponto de vista e não a verdade sobre um período histórico ou uma sociedade” (CANO, 2012, p. 21). O uso do documento em sala de aula deve extrapolar a simples ilustração de um período ou povo, ao propor novos questionamentos sobre o passado. 420

Conforme Cano (2012, p. 25) o ideal seria que nas escolas houvesse coleções de objetos e documentos disponíveis para o trabalho didático, mas a ausência de tais coleções o trabalho com documentos não deve ser abandonado, e o livro didático é uma possibilidade para a execução do trabalho, ao se explorar as múltiplas linguagens que o compõem. O trabalho com documentos em sala de aula exige que sejam adotados alguns procedimentos, em três passos, como sugerem Schmidt e Cainelli (2009, p. 118-125): 1) O documento deve ser identificado quanto a origem, natureza, autoria, datação e pontos relevantes do mesmo; 2) Explicação do documento: o contexto e a crítica; 3) comentário do documento: dividida em introdução, desenvolvimento e conclusão. O uso de documentos em sala de aula pode contribuir para ilustrar o tema trabalhado; ser estudado como fonte de informação histórica; empregado como fonte para a construção de um problema ou hipótese histórica; fonte de respostas para hipóteses ou problemas (SCHIMIDT; CAINELLI, 2009, p. 125-127), escolhidos de acordo com os objetivos estabelecidos pelo professor. Os documentos podem ser selecionados individualmente ou em conjunto, com linguagens variadas (escrito, ou iconográfico), além da possibilidade incluir outros documentos como os guardados pelos próprios alunos ou professores, assim como pertencentes a arquivos e acervos particulares, excedendo assim os que são apresentados no livro didático. Com vistas a contribuir sobre os limites e possibilidades do uso de documentos em sala de aula, os debates acerca do livro didático e as dificuldades do ensino de História, é que o subprojeto do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência/PIBID de História da Universidade Estadual de Goiás/UEG, Câmpus Porangatu, juntamente com a professora supervisora, chegaram a esta proposta, que será implantada a partir do primeiro semestre de 2017. Espera-se que com a implantação da proposta o professor possa despertar em seus alunos o interesse pelo conhecimento histórico, estimular o posicionamento crítico dos alunos frente aos mais variados documentos, bem como, incentivar a produção de narrativas orais e escritas, tornando o ensino de História mais dinâmico. Embora ainda se continue utilizando o livro didático, busca-se mais autonomia para professor e aluno frente aos conteúdos e de forma criativa pretende-se driblar uma das maiores mazelas do ensino público que é a falta de investimento em materiais didáticos, ao se utilizar aquele que é o mais abundante, senão o único disponível, em várias escolas brasileiras.

Referências BERUTTI, Flávio; MARQUES, Adhemar. Ensinar e aprender História. Horizonte: RHJ, 2009.

Belo

BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Ensino de História: fundamentos e métodos. 3ª ed. São Paulo: Cortez, 2009.

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CAINELLI, Marlene; SCHIMIDT, Maria Auxiliadora. Ensinar História. São Paulo: Scipione, 2009. CAMPOS, Helena Guimarães; FARIA, Ricardo de Moura. História e Linguagens. São Paulo: FTD, 2009. (Coleção História e Linguagens). CANO, Márcio Rogério de Oliveira (coord.). História. São Paulo: Blucher, 2012. (Coleção A reflexão e a prática de ensino; 6). SECRETARIA DE EDUCAÇÃO FUNDAMENTAL. Parâmetros Curriculares Nacionais: História e Geografia. 2ª ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2000.

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PROPOSTA DIDATICA DE ENSINO DE HISTORIA DO DESING E DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO NA CIDADE DE MEDELLÍN, COLÔMBIA: USO DAS SELFIES E O FACEBOOK COMO FERRAMENTAS DE APROPRIAÇÃO PATRIMONIAL María Isabel Giraldo Vásquez Esta proposta mostra o resultado da aplicação de didáticas de aula para o ensino da história do design, do patrimônio arquitetônico e de valores estéticos populares durante o final do século XIX e início do XX na cidade de Medellín- Colômbia. O estudo de caso inclui a análise de estratégias didáticas de ensino no curso de História do Design oferecido como disciplina obrigatória para os estudantes do programa de graduação em Design Visual da Fundação Universitária Bellas Artes, instituição com uma trajetória de mais de 100 anos na educação em artes visuais e música na cidade de Medellín, Colômbia. Se propõe, apresentar uma ação didática específica, considerada com sucesso. O desenvolvimento do exercício acadêmico começou a partir dos questionamentos como professora de História do Design para encontrar estratégias e ferramentas de ensino que conseguissem gerar empatia, conexões sensíveis e relacionamentos significativos com a vida dos estudantes e cativá-los no exercício da pesquisa, observação e compreensão das dinâmicas populares que constroem e constituem a história e o património material e imaterial de uma cidade (RUSEN, 1994, p 3-26) Esta abordagem metodológica significa conceber o património cultural como uma entidade viva, ativa e crítica em relação ao presente. Uma das principais dificuldades encontradas é a percepção de que os cursos de história correspondem apenas a uma dimensão teórica e narrativa da história, e não ativa e dinâmica em relação ao presente. O problema é agravado ao entender que o perfil do programa de Design Visual da Fundação Universitária Bellas Artes, assim da maioria dos perfil dos programas de graduação relacionados com design da cidade preferem o desenvolvimento de habilidades práticas e técnicas, não críticas, nem de investigação ou teóricas. A proposta do exercício acadêmico, tem como objetivo interligar as novas formas de comunicação dos jovens estudantes, as facilidades que atualmente se têm para a fotografia com o uso de celulares e a massificação das redes sociais como mecanismo de comunicação primário dos alunos com o patrimônio na cidade, utilizando estas facilidades como ferramenta para o reconhecimento da cidade como espaço gerador de memória coletiva. Além disso, pretende-se estabelecer um diálogo entre as aplicações tecnológicas utilizadas pelos alunos (a exemplo do Facebook) e as experiências populares da e na cidade. Foi proposto um jogo visual articulado entre fotografia 423

patrimonial e fotografia contemporânea. O conhecimento da cidade e a concepção do espaço como patrimônio arquitetônico popular fazem entender que, quando se fala do popular neste exercício, pretende-se que os estudantes se assumam como parte da cidade, identifiquem o espaço e se reconheçam dentro dele como agentes que possibilitam trocas, experiências, transformações e mutações. Embora o exercício não trabalhou sob nenhuma corrente pedagógica particular, se poderia dizer que ele é moldado e ligado à metodologia da investigação-açãoparticipação (IAP), proposta pelo sociólogo colombiano Orlando Fals Borda (BORDA,1991), que sugere gerar experiências de ligação com o conhecimento dos contextos sociais por parte dos sujeitos de investigação, de modo tal que sejam eles mesmos a construir um conhecimento de acordo com seus interesses e possibilidades. A metodologia de Fals Borda é pesada sobre “as realidades colombianas, mediante a observação e catalogação metódica dos fatos sociais locais, sim perder de vista a dimensão universal da ciência” (CATAÑO, 1987, p 88). Assim, o pesquisador - e o professor, por analogia -, é basicamente um mediador no conhecimento específico dos contextos culturais do sujeito-objeto de estudo. Borda, na sua metodologia permite não só o conhecimento cientifico exato de dados ou informações, mas também permite a participação e a geração de experiências diretas, trabalhando assim a função social em este exercício: a aprendizagem e o reconhecimento do patrimônio e a cultura popular em Medellín- Colômbia e o estabelecimento de relações entre o passado e o presente para a geração de uma memória coletiva. O trabalho foi realizado assim: através de um desafio se logra conectar aos estudantes com as dinâmicas populares da cidade. Este desafio consiste em publicar semanalmente durante todo o semestre no Facebook uma foto antiga de um espaço medianamente reconhecido da cidade de Medellín, depois, os estudantes tem uma semana para tentar reconhecer o lugar, obter algum tipo de informação sobre ele (antiga e recente) e visitalo, tirar uma “selfie” mostrando o espaço atual e publica-la no Facebook. Na seguinte semana durante a aula, o estudante conta para a sala inteira a sua experiência e as suas averiguações (que incluem usualmente leituras na internet sobre o lugar, informações e histórias transmitidos pelas suas famílias, e as vezes, contos e lendas dos moradores daqueles espaços), e o professor termina de completar a informação trazida pelo aluno e resolve das dúvidas trazidas pelo estudante ou as questões que aparecem durante a explicação na aula. O desafio finaliza com pontos extra para o estudante que completou o desafio primeiro e o reconhecimento público de forma lúdica durante a aula. O exercício não é de obrigatória participação dos alunos da turma e sempre é de caráter optativo, participar ou não e uma escolha do estudante. Como resultado desta experiência ao final do semestre os estudantes mesmos geram as conclusões sob o exercício, eles reconhecem uma aprendizagem e reconhecimento do patrimônio e da cultura popular em Medellín do final do século XIX e início do XX; estabelecem conexões com as aulas teóricas e a vida pratica da cidade, geram pensamento crítico em relação aos eventos populares que permitem o estabelecimento de relações entre passado e presente para acrescentar uma memória coletiva, viva e dinâmicas da sua cidade e participam da construção da memória social e coletiva da cidade que habitam.

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Referências bibliográficas: CATAÑO, Gonzalo. Ciencia y compromiso. En torno a la obra de Orlando Fals Borda. Bogotá, Asociación Colombiana de Sociología, 1987. FALS, Orlando. Acción y conocimiento: rompiendo el monopolio con la IAP. Bogotá: Rahman, 1991. FALS , Orlando. Historia doble de la Costa, 4 Vols. Bogotá, Carlos Valencia Editores, 1979-1986 RÜSEN, Jörn. ¿Qué es la cultura histórica?: Reflexiones sobre una nueva manera de abordar la historia. [Unpublished Spanish version of the German original text in K. Füssmann, H.T. Grütter and J. Rüsen, eds. (1994). Historische Faszination. Geschichtskultur heute. Keulen, Weimar and Wenen: Böhlau, pp. 3-26], 2009. Disponível em: http://www.culturahistorica.es/ruesen/cultura_historica.pdf . Acesso em 19 abr. 2016.

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IMAGEM E ENSINO DE HISTÓRIA ANTIGA: UMA INTRODUÇÃO Márcio Vitor Santos Sobre a problematização que envolve o ensino de História, vários pontos devem ser levados em consideração, visto que uma determinada questão ou problema é construído a partir de diversos fatores. Talvez um que mereça destaque é a “história decorada pelo aluno”. Circe Bittencourt (2011, p. 68-69) nos fala que a metodologia utiliza nos livros escolares do século XIX apelava mais para a memorização das datas e dos grandes nomes da História. A História, portanto, passa a ser um amontoado de informações que simplesmente devem ser memorizadas pelos alunos, que muitas vezes não conseguem entender o assunto abordado ou até mesmo não fazem reflexões sobre o acontecido ou sobre sua vida pessoal. Em suma, é enfatizado que “(...) parece ter prevalecido não exatamente a preocupação com uma memorização ativa, mas simplesmente com a decoração de nomes e datas dos grandes heróis e dos principais acontecimentos (...). Os métodos de ensino baseados na memorização correspondiam a um entendimento de que ‘saber história’ era dominar muitas informações, o que, na prática, significava saber de cor a maior quantidade possível de acontecimentos de uma história nacional. (BITTENCOURT, 2011, p. 69)” Um dos principais propósitos de se estudar História é promover a formação individual, além da tomada de consciência do indivíduo como sujeito do processo histórico. Indagar-se sobre qual o lugar do indivíduo na trama da História é refletir sobre as complexas relações sociais e cotidianas (BEZERRA, 2005, p. 45). Portanto, a História se torna fundamental para a vida do educando. Em outras palavras, “essa área do conhecimento tem muito a contribuir para a formação dos indivíduos, pois ela nos permite compreender as transformações socioeconômicas, políticas e culturais que estamos vivenciando, desenvolver valores e construir identidades. (SERRAZES, 2014, p.1)” Outro ponto deve ser destacado: a precariedade de novos métodos de ensino. Segundo Boris Kossoy (2001, p. 30), a tradição escrita tornou-se o método mais tradicional para a transmissão do saber. Entretanto, há um aprisionamento multissecular a essa tradição, impossibilitando assim o uso de novos métodos para ensinar História. Esse aprisionamento atinge principalmente os professores de História Antiga. No mundo contemporâneo, a Antiguidade torna-se cada vez mais distanciada, principalmente no ponto de vista do educando, que vê a História como algo a ser decorado e que não terá influência significativa em sua concepção de mundo, uma vez que o mundo antigo situa-se em um período remoto. Nesse contexto, há uma necessidade de aproximação entre os mundos. 426

Antiguidade nos deixou um vasto legado cultural, através de suas artes e construções, como os vasos gregos, as pirâmides egípcias e as estátuas romanas, que são exemplos da ampla cultura material produzida nos tempos antigos. Percebe-se, então, que o profissional de História Antiga dispõe de elementos que podem ser úteis para a produção do conhecimento histórico. Contudo, “(...) a construção do conhecimento histórico, bem o sabemos, requer contextualização, e ao professor de História Antiga tal necessidade é, talvez, ainda mais premente, dadas as distâncias espaço temporais que separam seus educandos dos temas abordados. (NETO, 2014, p. 5)” Nessa abordagem, aquilo que Pedro Paulo Funari (2005) chamou de “renovação do ensino da História Antiga” pode ser bem discutido: novas estratégias de ensino, incentivando o aspecto lúdico do aprendizado e da pesquisa, a produção de conhecimento histórico sob a capa da espontaneidade, da brincadeira. Segundo o próprio, “a História, em especial a Antiga, não se faz apenas com documentos escritos, mas também com a cultura material” (FUNARI, 2005, p. 96). Essa cultura material – reproduzida nos vasos gregos, nos grandes monumentos, nas construções das cidades antigas – pode ser apresentada aos professores como novas ferramentas pedagógicas de ensino e, doravante, levando à formulação de novas estratégias para se ensinar História. Dessa maneira, o diálogo entre a Antiguidade e o mundo dos educandos torna-se mais interessante, levando o indivíduo a aguçar sua curiosidade intelectual e, assim, exercitando sua capacidade analítica. Na atualidade, devido aos avanços científicos e tecnológicos, uma gama de conhecimentos e possibilidades de compreensão surge. “As mudanças culturais provocadas pelos meios audiovisuais e pelos computadores são inevitáveis, pois geram sujeitos com novas habilidades e diferentes capacidades de entender o mundo (BITTENCOURT, 2011, p. 108)”. Nessa perspectiva, o profissional de História – que também está inserido nesse contexto de mudanças culturais e avalanches de informações – deve apropriar-se desses meios como ferramenta pedagógica. Um dos meios que mais podem ser proveitosos para o ensino de História são as imagens e fotografias, pois “vivemos em uma sociedade visual com intensas transformações tecnológicas onde uma avalanche de imagens tem atravessado o espaço social e o mundo do espetáculo exerce uma influência considerável nas relações sociais. Por todos os lugares em que andamos, encontramos imagens que formam sentidos e criam significados. Tal situação pode interferir na naturalização das imagens por parte de professores e alunos. Mas o trabalho com imagens em sala de aula pode ainda se constituir em uma experiência riquíssima de aprendizado, servindo para o questionamento das verdades imagéticas e, portanto, para a sua desnaturalização. (SILVA, 2010, p. 177)” A fotografia, por exemplo, “teria papel fundamental enquanto possibilidade inovadora de informação e conhecimento, instrumento de apoio à pesquisa nos diferentes campos da ciência e também como forma de expressão artística” (KOSSOY, 2001, p. 25). 427

Surgida após a Revolução Industrial, essa nova ferramenta emerge como uma nova forma de compreensão do mundo. As imagens registradas pelos aparelhos fotográficos possibilitaram ao indivíduo conhecer novos lugares, sem precisar viajar ou locomoverse por grandes distâncias. Além disso, possibilitou também o conhecimento de micro aspectos até então desconhecidos. A fotografia também pode ser considerada, nas mãos do historiador, como fonte. Diferente do Positivismo, que dava apenas credibilidade aos documentos e registros oficiais, a Escola dos Annales abriu um leque de novos objetos que podem ser considerados como fontes e “foi fundamental para esse novo estatuto das imagens e outros documentos, o que ampliou os objetos de estudo da história” (SILVA, 2010, p. 174). Na sociedade contemporânea, as imagens podem ser interpretadas de diferentes maneiras pelos indivíduos que compõem essa sociedade, ou seja, o olhar do observador modifica o objeto. É o que Kossoy também alerta sobre a “leitura” das imagens: “No esforço de interpretação das imagens fixas, acompanhadas ou não de textos, a leitura das mesmas se abre em leque para diferentes interpretações a partir daquilo que o receptor projeta de si, em função do seu repertório cultural, de sua situação socioeconômica, de seus preconceitos, de sua ideologia, razão por que as imagens sempre permitirão uma leitura plural.” (KOSSOY, 2001, p. 115) Diante disso, as informações textuais são imprescindíveis para o melhor entendimento do que a imagem quer mostrar e quais informações ela pode oferecer. “A transposição em linguagem textual auxilia a decifração visual, intercalando as linguagens visual e verbal, pois a descrição não deixa de ser a mediadora da explicação” (MOLINA, 2008, p. 123). A partir do momento em que o profissional de História apodera-se dos novos métodos de ensino de História, sua prática docente atinge melhores desempenhos e novas perspectivas, levando sempre a repensar sua própria prática. As imagens como ferramenta pedagógica no ensino de História Antiga podem atuar como mediadoras culturais, levando os alunos a construírem suas visões da História Antiga a partir desse contato.

Referências BEZERRA, Holien Gonçalves. Ensino de História: conteúdos e conceitos básicos. In: KARNAL, Leandro (Org.). História na sala de aula: conceitos, práticas e propostas. São Paulo: Contexto, 2005. BITTENCOURT, Circe Maria F. Ensino de História: fundamentos e métodos. 4. ed. São Paulo: Cortez, 2011.

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FUNARI, Pedro Paulo. A renovação da História Antiga. In: KARNAL, Leandro (Org.). História na sala de aula: conceitos, práticas e propostas. São Paulo: Contexto, 2005. KOSSOY, Boris. Fotografia e história. 2. ed. rev. São Paulo: Ateliê Editorial, 2001. MOLINA, Ana Heloisa. Imagens como documentos – Professores, alunos e o ensino e aprendizagem de História: uma relação complexa. Textura, Canoas, n. 17, p. 121134, jan./jun. 2008. NETO, José Maria Gomes de S. O teatro ateniense na formação do historiador. Boletim Historiar, Santa Catarina, n. 4, p. 3-19, jul./ago. 2014. SERRAZES, Karina Elizabeth. Fundamentos e métodos do ensino de História: algumas reflexões sobre a prática. In: XXII ENCONTRO ESTADUAL DE HISTÓRIA, 1., 2014, São Paulo. Anais do XXII Encontro Estadual de História da ANPUH-SP. São Paulo: ANPUH, 2014. SILVA, Edlene Oliveira. Relações entre imagens e textos no ensino de história. Sæculum – Revista de História, João Pessoa, n. 22, p. 173-188, jan./jun. 2010.

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JOGAR COM A EDUCAÇÃO E O ENSINO DE HISTÓRIA Marcello Paniz Giacomoni Não é novidade que os jogos, especialmente os digitais, estão cada vez mais presentes no dia a dia das pessoas. Celulares e outros dispositivos oferecem aplicativos de jogos para todas as idades, consumidos tanto em momentos de folga, viagens de ônibus, intervalos quanto, é claro, durante as nossas aulas. Não acredito que nós professores sejamos ingênuos a ponto de acharmos que as aulas convencionais são mais atrativas que esse conjunto de games, nem por isso desistiremos. Defendo que podemos fazer do uso de jogos uma estratégia que congrega o lúdico ao aprendizado, ressaltando que isso não significa o abandono das aulas expositivas, atividades, leituras, resolução de problemas, etc. Tampouco utilizar os jogos como "iscas, a partir do que nos ensina a professora Tânia Fortuna quando diz que o jogo não deveria ser apenas um recurso para “fisgar” a atenção dos alunos. Defendo que os jogos são estratégias complementares para a construção do conhecimento escolar. A partir deles colocam-se em jogo relações entre objetos, estratégias e conceitos, constituindo narrativas cuja imprevisibilidade do desfecho abre espaço para a intuição e para a imaginação, nem sempre valorizadas, mas absolutamente importantes na construção de qualquer conhecimento. Penso no uso dos jogos em três caminhos (sem negar que existam outros, claro): a construção de jogos pelos professores para seus alunos, a construção de jogos pelos próprios alunos em projetos variados e o uso de dinâmicas que remetem a estéticas ou mecânicas de jogos, sob o conceito de gamificação. Sobre o primeiro caminho possível, cito como exemplos dois jogos produzidos por mim e que visavam determinados aprendizados na disciplina de História, da qual sou professor de formação. O Centralizador, produzido em 2011, tem como superfície um tabuleiro que simula uma paisagem genérica europeia do final da Idade Média. Nele interagem alunos que representam os cinco principais grupos sociais envolvidos no processo de centralização do poder dos reis: o rei, a burguesia, a Igreja, os senhores feudais e os servos / camponeses. Em cada rodada são retiradas cartas-acontecimento que tratam de fatos e processos da centralização do poder nos quatro casos estudados: França, Inglaterra, Espanha e Portugal. A partir de perguntas, respostas e o lançamento de dados, os grupos sociais inserem edifícios no mapa, representando ganhos de poder. O objetivo pedagógico do jogo, em um primeiro momento, foi de revisar conteúdos desenvolvidos em aulas anteriores, mas rapidamente mostrou um potencial para fabular a imprevisibilidade do futuro. O rei poderia centralizar o poder, mas também poderia não centralizar. Dessa possibilidade em aberto nasceu um grande potencial de reflexão conceitual, que em geral exploro em aulas posteriores à aplicação desse jogo. O Nazarenos, produzido em 2016, problematiza o crescimento do cristianismo no contexto do Império Romano. Os jogadores partem da região da Judeia e devem converter as populações pagãs e judaicas preexistentes transformando-as em populações 430

cristãs. Cada jogador é um pregador, e opta por estratégias variadas visando converter novos fieis. Em cada rodada (ou determinado número de rodadas) é retirada uma cartaacontecimento, que articula acontecimentos históricos com alterações na dinâmica do jogo. Por exemplo, durante as perseguições de Nero de 64 d.C., a capacidade de ação dos pregadores é diminuída, ou durante a conversão de Constantino em 312 d.C. (primeiro imperador romano a converter-se ao cristianismo) o custo de construção de igrejas é menor. O objetivo pedagógico do jogo é problematizar a simultaneidade entre os processos históricos do império romano com a dinâmica de crescimento da religião cristã, de uma pequena seita judaica para uma religião universal, processo nem sempre simples de compreender em aulas convencionais. Esses exemplos situam uma possibilidade para o uso dos jogos na educação da qual sou um entusiasta: objetos de aprendizado criados pelos professores visando determinadas escolhas pedagógicas por ele enfatizadas, dentro de temáticas mais amplas. Um professor que conhece sua prática, suas escolhas teóricas e políticas e, especialmente, seus alunos (com seus interesses, dificuldades, potencialidades). Ele toma para si o papel de protagonista da sua prática, criando seus próprios materiais didáticos que darão uma identidade única às suas aulas. Uma segunda estratégia é propor a construção de jogos pelos próprios alunos. Ao longo de 2016 propus um projeto entre os alunos do 8º ano do Ensino Fundamental II do Colégio Israelita Brasileiro em que os mesmos deveriam criar jogos escolhendo livremente temáticas da disciplina de História do ano corrente ou do anterior. No primeiro trimestre foi construído um projeto do jogo, prevendo a temática, a superfície (onde a narrativa aconteceria), os objetivos, as dinâmicas, as regras e o layout. Após as revisões dos projetos, na segunda etapa (que ocorreu no segundo trimestre), foram construídos protótipos dos jogos visando testar o funcionamento das mecânicas. Após a testagem dos protótipos pelos colegas (que emitiram pareceres sobre o processo) passou-se para a terceira etapa. Durante o terceiro trimestre os grupos procederam à construção definitiva dos tabuleiros, seguindo critérios específicos de qualidade estética e jogabilidade. A construção de jogos pelos alunos articula grande quantidade de habilidades cognitivas: é necessário, no caso específico da História, dominar fatos e processos de determinada temática e relacionar com a narrativa estabelecida com o jogo de forma que haja coerência entre ambas. Essas narrativas devem também ser relacionadas com a dinâmica geral do jogo e com as mecânicas específicas. Por fim o aluno deve criar uma estética que dialogue com todo o processo anterior. Trata-se de um amplo processo que demanda pensamento complexo e grande capacidade imaginativa visando conciliar todos os elementos a serem relacionados. Uma terceira estratégia, a chamada gamificação, é fazer uso de dinâmicas, estratégias e objetos de jogos inseridos no cotidiano das aulas, sem se tratarem de jogos propriamente ditos. Por exemplo, em uma atividade envolvendo alunos do curso de licenciatura em História da Uniritter, cuja proposta era efetuar a leitura contextualizada de fontes históricas medievais, propus que os mesmos, a partir de um conjunto de fontes selecionadas, construíssem um personagem fictício. Em uma projeção de slides, eu fornecia desafios em sequência para a constituição do personagem, do tipo "Em que região da Europa ele(a) vive?", "Qual a relação dele(a) com a Igreja?", "Como ele(a) 431

garantia sua subsistência básica?". Os alunos recebiam um número limitado de fontes, que podiam ser trocadas entre os mesmos, visando obterem novas informações. Durante todo o processo os mesmos registravam os detalhes do personagem em um pequeno banner, que devia ser ilustrado com uma representação do mesmo. Ao final da atividade, os grupos apresentavam para toda a turma. Nesse momento eram colocadas em debate desde a interpretação das fontes produzidas pelos alunos até anacronismos e lugares comuns acerca do passado medieval. Tenho pensado nessa dinâmica como um “coringa”, que pode ser adaptada para várias disciplinas e temáticas, mantendo os desafios da leitura, interpretação e imaginação. Enfim, são três formas de utilizar os jogos que possuem, de formas variadas, grandes potenciais pedagógicos. Não apenas negociam distâncias entre alunos cada vez mais nativos de um ambiente gamificado com a escola, como possibilitam aprendizados por outros caminhos, mais próximos da estética, da intuição, da imaginação...

Referências FERMIANO, Maria A. Belintane. O Jogo como um instrumento de trabalho no ensino de História? História Hoje. ANPUH. vol. 3. n 07, julho 2005. Disponível em: http:www.anpuh.uepg.br/históriahoje/voI3n7/maria.htm GIACOMONI, Marcello Paniz; PEREIRA, Nilton Mullet (org.). Jogos e Ensino de História. Porto Alegre: Evangraf, 2013. Disponível em: http://www.ufrgs.br/lhiste/download-jogos-e-ensino-de-historia/ HUIZINGA, ]ohan. Homo ludens – o jogo como elemento de cultura. São Paulo: Perspectiva, 1998. ANDRADE, Débora El-Jaick. O lúdico e o sério: experiências com jogos no ensino de história. História & Ensino. Londrina, v.13, p.91-106, set. 2007.

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NOTAS SOBRE O USO DE HISTÓRIAS EM QUADRINHOS NO ENSINO DE HISTÓRIA Márcio dos Santos Rodrigues Neste texto busca-se estabelecer balizas para a utilização das Histórias em Quadrinhos no Ensino de História. Deste modo, esperamos contribuir para a construção de instrumentais de modo que historiadores licenciados transitem pelo mundo histórico configurado pelos quadrinhos (também denominados HQs). O que considerando como HQs é o gênero de mídia baseado numa sequência narrativa visual, no qual imagens se juntam no interior de quadros, interagindo simultânea e indissociavelmente (McCLOUD, 1995; GROENSTEEN, 1999). A proposta aqui delineada é a de tratar as HQs não apenas como ferramenta que o professor de História teria para tornar suas aulas “mais atrativas”, mas apresentar pressupostos teórico-metodológicos que possibilitem o uso desse objeto cultural em práticas docentes. Dito de outra forma, não se deve usar os quadrinhos como pretexto para facilitar o interesse dos alunos pelo estudo da História, mas salientar que várias questões que interessam aos educandos fazem parte de determinados processos. O caráter deste texto, assim, é um tanto prescritivo. Um dos pontos defendidos é que o educador deve interpretar as HQs como objeto do conhecimento e um ponto de partida para discussões mais aprofundadas acerca de temas históricos. Usar os quadrinhos tão- somente como suporte de informações é limitar bastante seu potencial como prática cultural, construtora de significados, e sua capacidade de interferir no mundo social. Assinalamos que não é nossa intenção apresentar de maneira unívoca como os quadrinhos devem ser empregados em sala de aula. Há inúmeras possibilidades de abordagem das HQs como fonte documental. Tais possibilidades variam conforme a temática a ser trabalhada em sala de aula e com o método pedagógico a ser utilizado e/ou ainda conforme os diferentes níveis de familiaridade e compreensão da linguagem das HQs por parte dos professores e educandos. É importante, como nos indica um dos pioneiros da pesquisa de quadrinhos no Brasil Waldomiro Vergueiro, que o professor lance mão de uma abordagem mais ousada, apresentando e contextualizando as mais diferentes tradições e gêneros de HQs, a fim de que se obtenha resultados mais significativos em torno do seu emprego em sala de aula (VERGUEIRO, 2004). Até pouco tempo não havia debates correntes sobre o uso dos quadrinhos nas aulas de História. Todavia, no contexto atual teses e dissertações têm sido defendidas. Alguns estudos apresentados em livros têm buscado entender como os quadrinhos podem ser mecanismos importantes da construção da História, como, por exemplo, os trabalhos de Marco Túlio Vilela no campo do Ensino de História, por meio de representações, e as investigações de Fronza sobre as possibilidades investigativas da aprendizagem histórica de jovens a partir dos quadrinhos. Grande parte dos trabalhos no campo do ensinar e aprender História, contudo, cai no equívoco de, em nome de uma base conceitual já definida, usar os quadrinhos apenas como suporte de informação. Ao invés 433

de partir de um exame contextual das fontes, confrontando-as com ferramentas conceituais, ignoram que representações construídas nos e pelos quadrinhos dizem mais do contexto em que foram produzidas do que propriamente de uma temporalidade passada. Quadrinhos podem nos apresentar aspectos de uma realidade passada, mas passam longe de nos fornecer uma tradução literal dos acontecimentos que tiveram lugar em uma temporalidade passada. Longe de serem retrovisores, os quadrinhos ao lidar com a história acabam também por reconstruir o passado que não pode ser acessado tal como ele foi ou transcorreu, mesmo porque uma realidade passada é múltipla e, portanto, inapreensível na íntegra. Um reflexo seria fiel, prova de uma realidade. É preciso considerar que quadrinhos interpretam e argumentam muito mais do que refletem. Tentam apresentar e divulgar uma certa interpretação da existência através de sua narrativa visual. Ou seja, não são reflexo, mas argumento. Nessa tentativa de monumentalizar os quadrinhos o professor pode recorrer ao conhecido texto “Documento-monumento”, do historiador francês Jacques Le Goff, para trabalhar nas intenções de autores. A tarefa de lidar com os quadrinhos no âmbito do ensino de História recai também em compreendê-los como práticas culturais e/ou resultados de um terreno de disputa e negociação em torno de questões pertencentes a determinado contexto. Eles devem ser vistos como práticas, formas de se pronunciar, debater, questionar questões políticas, sociais, econômicas da época, do momento de sua produção. O professor pode instrumentalizar os quadrinhos relacionando-os com o conteúdo ensinado e, ao mesmo tempo, interpretá-los como um diálogo com o tempo em que foram concebidos. Assim, reforçamos também a necessidade do docente verificar em um primeiro momento os conteúdos prévios dos alunos acerca dos temas apresentados em determinados quadrinhos. Em seguida, o professor pode juntamente com os educandos construir entendimentos acerca de processos históricos apresentados por meio da ficção dos quadrinhos. Esse gênero de leitura está, em maior ou menor grau, presente em várias situações da vida de alunos das mais variadas faixas etárias, seja por meio do caráter intermidiático dos quadrinhos – traduzido através das adaptações cinematográficas, jogos, brinquedos, roupas e desenhos animados, etc. Portanto, a discussão torna-se oportuna, em virtude de uma suposta cumplicidade de alunos com as HQs. Consideramos que por vezes alunos constroem uma relação íntima com o conhecimento histórico, com a memória e com a história, que eventualmente foge do âmbito de livros e revistas da área. Nessa construção, há a participação de meios/suportes da comunicação de massa e talvez o envolvimento comece pela televisão e pelos filmes. Quadrinhos também se enquadram nesses meios, dentro do conceito de cultura da mídia aos moldes de um autor como Douglas Kellner. Se atentarmos para a importância da cultura da mídia, que tem impactos os mais diversos na sociedade, é bem provável que os quadrinhos integrem seu campo de reflexão. Isso traz desdobramentos no ensino, não implicando que a dimensão da aprendizagem seja algo menor ou subordinada a da pesquisa. É um outro processo. Quadrinhos podem ser consultados em espaços diferenciados e particularmente estranhos àqueles que licenciados ou pesquisadores da História estão habitualmente acostumados. Está interessado em utilizar histórias em quadrinhos como fonte histórica 434

e não sabe muito bem onde encontrá-las? Gibitecas podem ser espaços por onde você, professor, pode ter contato com elas. Além disso, há um repertório imenso de quadrinhos circulando pela rede mundial de computadores, sob diferentes formas. É preciso, além disso, de uma boa dose de “erudição”. Muitas das vezes, a chamada “cultura inútil” pode ser válida para a análise. É importante considerar também que estudar os quadrinhos no campo da aprendizagem histórica tem um aspecto diferente daqueles das fontes textuais. Quadrinhos possuem uma forma de sistematização distinta de objetos da cultura escrita. Além disso, quadrinhos ainda são chamados equivocadamente de literatura. HQs têm uma linguagem própria que necessariamente não carece de textos. Aliás, eles são uma linguagem da cultura visual. A linguagem escrita passa longe de ser o elemento essencial, obrigatório, nos quadrinhos. Há quadrinhos em que os autores optam por não utilizar nenhuma palavra escrita (excetuando o título da obra, que serve tão somente para situar o leitor a respeito do título e acerca do autor da obra). Basta que imagens sejam articuladas em um espaço específico de uma página ou mesmo através da disposição em tiras para oferecerem ao leitor a impressão de que uma história é contada (McCLOUD, 1995). Elementos textuais quando presentes devem ser vistos como indissociados dos imagéticos. Não há motivos para considerá-los como superiores, mais complexos. É exigido uma percepção deles como um todo. Juntos compõem a ideia de um sistema de linguagem. Para estudar os quadrinhos como fonte é preciso conhecer seus aspectos formais. Todavia, isso não basta. HQs não devem ser reduzidas às determinadas características, mesmo porquê certas convenções do gênero estão em permanente mudança ao longo do tempo. Quadrinhos não são, quadrinhos estão sendo configurados Quadrinhos, da mesma forma que as fontes textuais, estão sujeitos aos questionamentos da crítica histórica. Todavia, carecem de um enfoque diferenciado, que considere tanto aspectos formais quanto mediações históricas envolvidas nas produções de tal e qual título. Para usar os quadrinhos como fonte histórica devemos considerar primeiramente que esse gênero de leitura tem uma história, além de sua linguagem própria. É essencial ter além da capacidade de decodificar os quadrinhos, uma predisposição ao novo, se quisermos utilizá-los no contexto escolar.

Bibliografia FRONZA, Marcelo. Ensinar e aprender História: histórias e quadrinhos e canções. Curitiba: Base Editorial, 2009 GROENSTEEN, Thierry. Système de la bande dessinée, Paris: puf, Formes sémiotiques, 1999. KELLNER, Douglas. A cultura da mídia – estudos culturais: identidade e política entre o moderno e o pós-moderno, Bauru, SP, EDUSC, 2001. LE GOFF, Jacques. “Documento/monumento”. In: Enciclopédia Einaudi. Vol. 1 Memória- História. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1984, p. 95-106. 435

McCLOUD, Scott. Desvendando os quadrinhos. M. Books, São Paulo. 1995. RAMA, Angela; VERGUEIRO, Waldomiro (Org.). Como usar as histórias em quadrinhos na sala de aula. São Paulo: Contexto, 2004. VILELA, Marco Túlio Rodrigues. A utilização dos quadrinhos no ensino de História: avanços, desafios e limites. 2012. 322 f. Dissertação (Mestrado em Educação). Faculdade de Humanidades e Direito da Universidade Metodista de São Paulo, São Bernardo do Campo, 2012.

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IDEIAS DE HISTÓRIA QUE CIRCULAM NO CIBERESPAÇO: APONTAMENTOS INICIAIS Matheus Henrique Marques Sussai Nos últimos anos, as redes sociais online como o Facebook, o Twitter, o MySpace, entre outros, ganharam repercussão em assuntos sobre a política contemporânea brasileira. Isso se deu devido a uma quantidade significativa de páginas criadas nessas redes sociais que se destinaram a discutir o contexto histórico contemporâneo brasileiro, tomando as mais diversas posições do âmbito político, desde a extrema esquerda até a extrema direita. A partir das discussões de Dilton Ribeiro do Couto Júnior (2013), vemos como os usuários dessas redes sociais ganharam espaço para produzir informações, e não apenas receber e divulgar as mesmas. Isso é uma das principais características da web 2.0, a internet como a conhecemos hoje, na qual todo usuário pode produzir informações, não havendo o monopólio desta, o que faz com que cada pessoa seja um ator em rede, um web ator (PISANI; PIOTET, 2010, p. 119). Com o surgimento de páginas que se destinaram a discutir política, notamos muitos usuários se formando politicamente e historicamente através dos conteúdos publicados no ambiente virtual, no ciberespaço. Como nos lembra Jörn Rüsen (2007): “[...] os processos de aprendizado histórico não ocorrem apenas no ensino de história, mas nos mais diversos e complexos contextos da vida concreta dos aprendizes [...]” (p. 91). Por que então, não poderíamos considerar a internet, a web 2.0, como um local propício para a elaboração do conhecimento histórico? É o que pretendemos fazer neste estudo, tomar a internet como um acervo para o historiador, na qual muitos jovens e adultos se formam politicamente, levando suas ideias para dentro da sala de aula. Por isso, podemos tomar a internet como uma “[...] nova categoria de fontes documentais para pesquisas históricas” (ALMEIDA, 2011, p. 09), na qual, devido ao seu caráter movediço, o historiador só tem acesso a essa fonte em uma restrita janela temporal. Isso ocorre porque “o texto eletrônico, tal qual o conhecemos, é um texto móvel, maleável, aberto. O leitor pode intervir em seu próprio conteúdo, [...] deslocar, recortar, estender, recompor as unidades textuais das quais se apodera” (CHARTIER, 2002, p. 25). Toda essa breve apresentação se fez necessária para dizer que essas páginas do Facebook, que pretendemos investigar enquanto documentos históricos, difundem opiniões que defendem uma “direita” política, mesmo sendo consideradas por muitos uma opinião de senso comum. E por isso, acabam utilizando ideias de história que não circulam no ambiente acadêmico. Ou seja, é um argumento com referencial histórico (geralmente temas como “ditadura militar”, “regimes totalitários”, “fascismo”, “comunismo”, entre outros), que não foram produzidos dentro do ambiente escolar ou científico. Ainda assim, são noções de história que circulam no ciberespaço, no qual muitas pessoas se informam e se formam a partir delas. Curtindo, compartilhando e 437

debatendo, os usuários dessas páginas do Facebook se interagem em um novo tipo de cultura que é denominada de “cibercultura”, formando opiniões e elaborando versões de história. Pierre Lévy (1999) entende por cibercultura “[...] o conjunto de técnicas (materiais e intelectuais), de práticas, de atitudes, de modos de pensamento e de valores que se desenvolvem juntamente com o crescimento do ciberespaço” (p. 17). Os seres humanos são parte fundamental dessa cultura, afinal, sem eles, ela não existiria. E por isso é possível o estudo das redes sociais online, ou melhor, das informações presentes no ciberespaço, como objeto da História. Afinal, como nos ensina Marc Bloch (2001): “[...] o objeto da história é, por natureza, o homem. Digamos melhor: os homens.” O bom historiador, “onde fareja carne humana, sabe que ali está a sua caça” (p. 54). Diante dessas páginas do Facebook que se denominam como defensoras de uma direita política, nas quais os seus administradores argumentam os mais variados temas da história e da política nacional, surgiu o interesse em investigar essas noções de história a partir da perspectiva da Didática da História, discutida por Klaus Bergmann (1989/1990): A Didática da História é a disciplina científica que investiga sistematicamente os processos de ensino e aprendizagem de História, que são processos de formação de indivíduos, grupos e sociedades. [...] Informações históricas são assimiladas a partir da: a) história vivida e experimentada no seu devir de todos os dias; b) história não experimentada nem vivida imediatamente, ou seja, transmitida, cientificamente ou não; c) história apresentada pela Ciência Histórica como disciplina específica [...]. A partir dessas intenções, a didática se vê obrigada a incluir nos objetos de sua pesquisa empírica também as recepções extra-escolares de História. Dessa forma, ela não apenas tematiza a História regulada e disciplinada pela ciência e pelo ensino mas também abarca a História transmitida no processo de socialização, que não é filtrada por nenhuma disciplina científica. [...] investiga o significado e a importância do mundo do vivido fora das instituições científicas e escolares [...] (p. 30-32). Vemos como a Didática da História também se interessa pelas formas de elaboração da história que se inserem em socializações e ambientes extraescolares, e também não acadêmicos. Por isso, surgiu o interesse de investigar essas noções de História que circulam na História Pública, na qual muitos jovens estão se formando e levando essas ideias para dentro de sala de aula. Por entendermos que a cibercultura, essas redes sociais online, e as comunidades virtuais compõem a cultura histórica do momento, pretendemos investigar quais as ideias de história que mais circulam nessas páginas do Facebook; qual História está sendo mais aprendida; pois, ao sabermos as ideias de história que circulam no ciberespaço, e nas quais os alunos estão imersos e presentes em suas elaborações, pretendemos colaborar com os professores de história a lidar de uma melhor forma em sala de aula. O historiador Jurandir Malerba (2016) nos atenta para a expansão vertiginosa do público consumidor de história nos últimos anos. O autor ainda diz que: “A história não mais [...] se produz somente na academia; muito menos se veicula apenas por meio do 438

livro impresso. As plataformas digitais subverteram as bases da produção e circulação das narrativas sobre o passado.” (MALERBA, 2016, p. 11). Nessas bases digitais, qualquer pessoa pode colaborar na compreensão sobre o passado, e também nos usos deste. Os jovens chegam às salas de aula com ideias que possivelmente possam ter sido elaboradas e discutidas dentro dessas comunidades virtuais, e cabe aos pesquisadores da História se interessar sobre essa nova fonte que se coloca no ciberespaço. Temos um crescimento no campo da História Pública, que ainda tem muito que ser discutida, mas neste campo podemos perceber uma: [...] recente explosão ruidosa de formas populares de apresentação do passado. Esses mesmos fenômenos acontecem em maior ou menor medida no Brasil: constata-se uma sensível demanda social por história nos mais diversos espaços de formação de opinião fora das universidades, novos lugares de exercício da profissão, uma demanda crescente de consumo popular de história [...] (MALERBA, 2014, p. 32). Ao falar de uma demanda social por história, Jurandir Malerba também está discutindo o ofício do historiador, ao dizer que este precisa tomar as plataformas digitais como um local de trabalho, de ensino de História. O que mais nos interessa aqui é a atenção que o autor dá para as plataformas digitais e as elaborações de história nesse ambiente. A academia não é mais o único lugar onde a História é produzida. Claro que sem o rigor científico, mas ainda assim, circulam versões de história que interessaram a nós enquanto pesquisa visando uma colaboração ao campo da História e Ensino.

Referências ALMEIDA, Fábio Chang de. O historiador e as fontes digitais: uma visão acerca da internet como fonte primária para pesquisas históricas. Revista do corpo discente do PPG-História da UFRGS, v. 3, n. 8, janeiro/junho. 2011, p. 09-30. BERGMANN, Klaus. A História na reflexão didática. Revista Brasileira de História. v.9, n.19, set.89/fev.90, p. 29-42. BLOCH, Marc. Apologia da história, ou, O ofício de historiador. – Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2001. CHARTIER, Roger. Os desafios da escrita. Trad. Fúlvia M. L. Moretto. São Paulo: Editora UNESP, 2002. COUTO JUNIOR, Dalton Ribeiro do. Cibercultura, Juventude e Alteridade: aprendendo-ensinando com o outro no Facebook. Jundiaí, Paco Editorial: 2013. LÉVY, Pierre. Cibercultura. Trad. Carlos Irineu da Costa. São Paulo: Ed. 34, 1999. MALERBA, Jurandir. Acadêmicos na berlinda ou como cada um escreve a história: uma reflexão sobre o embate entre historiadores acadêmicos e não acadêmicos no Brasil 439

à luz dos debates sobre a Public History. História da Historiografia, v. 15, p. 27-50, 2014. ______. Os historiadores e seus públicos: Desafios ao conhecimento histórico na era digital. Texto de Divulgação. 2016. Disponível em: . Acesso em 02 de outubro de 2016. PISANI, Francis; PIOTET, Dominique. Como a web transforma o mundo. A alquimia das multidões. Trad. Gian Bruno Grosso. São Paulo: Editora SENAC, 2010. RÜSEN, Jörn. História viva. Teoria da História III: formas e funções do conhecimento histórico. Trad. Estevão de Rezende Martins. Editora Universidade de Brasília: Brasília, 2007.

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LUGARES DE MEMÓRIA: REFLEXÕES SOBRE MARCOS TESTEMUNHAIS DE OUTRA ÉPOCA Matheus M. Cruz Michele Rotta Telles Pierre Nora (1993) nos afirma que museus, objetos, documentos e construções são exemplos de marcos testemunhais de outras épocas, ou seja, são testemunhas que nos contam sobre um passado, vivido por nós ou não. Assim, lugares de memória (NORA, 1993) são marcos testemunhais responsáveis por lembrar-nos do passado que forma a identidade de uma localidade. Entretanto, o mero armazenamento de memórias sem comunicação e circulação do conteúdo das mesmas pode ser compreendido pelo conceito de memória-arquivo (NORA, 1993), uma vez que o esforço de guarda ocorre pelo medo de esquecer em detrimento da referência à memória de sujeitos e lugares. Portanto, o objeto central do presente texto é a problematização teórica e metodológica sobre lugares de memória elaborada para pesquisa histórica com fins de aplicação como oficina didática com alunos do Ensino Médio. A produção culminou em um CadernoRoteiro sobre a Estação Paraná e o Museu Campos Gerais como lugares de memória da cidade de Ponta Grossa, explorando a metodologia do Estudo do Meio em sua potencialidade de propiciar ao educando construção de conhecimento e leitura contextualizada da história e das relações sociais. Desta maneira, tomamos a história local como palco para a metodologia adotada, valorizando-a não apenas pela conexão imediata de proximidade que pode suscitar, mas pela necessidade de articular processos locais e particulares com aqueles de alcance geral e coletivo.

Lugares de Memória: Estação Paraná e Museu Campos Gerais Pierre Nora (1993) entende que lugares de memória são locais reservados à rememoração. Para tanto, é preciso primeiramente identificação do sujeito com o lugar visitado no presente (PINTO, 2013, p. 91). A necessidade da identificação com o sujeito se faz plausível devido a não espontaneidade da memória (NORA, 1993, p. 13). Por sua vez, evocações ao passado fixam traços na identidade da própria cidade, e podem materializar-se em lugares de memória. Pollak (1992, p. 5) confirma o fortalecimento das características e idiossincrasias formadoras do que o próprio município é, e aquilo que seus moradores fazem com que ele seja, por meio do terreno fértil dos lugares de memória. A Estação Paraná, hoje Casa da Memória, foi inaugurada oficialmente em 1894, marcando a inserção de Ponta Grossa como importante cidade no contexto paranaense 441

da virada do século. A chegada da ferrovia, que visava ligar Curitiba ao Porto de Paranaguá, dá o start para o desenvolvimento urbano da cidade de Ponta Grossa, mudando “rápida e radicalmente o panorama do local” (CHAVES, 2011, p. 18). Há ainda uma grande relação com o entendimento do que passou a ser pontagrossense, pois se desenvolveu uma grande ligação com noções que dizem respeito aos conceitos de “urbanidade, modernidade, progresso e civilização” (CHAVES, 2011, p. 19). Já o Museu Campos Gerais foi inaugurado em 28 de março de 1983, e desde então integra a estrutura da UEPG. Na mesma data, o jornal Diário dos Campos ressaltou que o Museu é uma das expressões da “filosofia da instituição, que é a de fomentar a difusão dos fatos culturais à coletividade”. Entretanto, o evento de inauguração contou apenas com “expressivas presenças do mundo cultural, social e político da cidade”, não havendo menção a uma coletividade mais ampla e diversificada. Em fevereiro de 2003 o Museu restringiu visitações pelas más condições do prédio, o qual havia sido sede do Fórum. Em outubro do mesmo ano a instituição se mudou para um prédio provisório, onde permanece até hoje, sem as adequadas condições para abrigar um museu.

Musealização Huyssen (2000) trata sobre a musealização na sociedade pós-moderna, em tempos que as inovações são apresentadas e alteradas rapidamente. Nesse contexto, por vezes tentamos guardar o máximo possível, na ânsia de sobrevivermos às mudanças. Refletir sobre tal movimento ganha vulto ao considerarmos a Estação Paraná e o Museu Campos Gerais, uma vez que são lugares responsáveis por guardar acervos e memórias da cidade. Enquanto a primeira não têm no prédio identificação alguma sobre sua importância histórica, o segundo não tem espaço para organizar exposições, nem mesmo para uma reserva técnica viável. Impõem-se então questionamentos sobre o suporte estrutural, financeiro, de recursos humanos e políticas públicas que deveriam existir e funcionar para fins de guarda e comunicação da memória da cidade nos referidos espaços. Ademais, ao olharmos para fontes históricas que são ou podem ser objetos de guarda nos referidos espaços, podemos pensar o conceito de memória-arquivo de Nora (1993, p. 15), que se refere a: “constituição gigantesca e vertiginosa de estoque material daquilo que nos é impossível lembrar, repertório insondável daquilo que poderíamos ter necessidade de lembrar”. Do que decorre a crítica de Huyssen Huyssen (2000) à musealização da sociedade, como processo de luta para não esquecer de nada. Portanto, é possível ponderar também se os lugares de memória que temos comunicam um passado, ou são apenas lugares separados para a guarda de memória. Notamos que Ponta Grossa segue tirando do seu olhar traços do passado, mas acumulando em seu HD – apelidado de Casa da Memória e Museu Campos Gerais – 442

arquivos-objetos para evitar o esquecimento. O cotidiano corrido e ocupado na busca de progredir não permite lembrar. Segue a ânsia de não esquecer, esquecendo-se.

História Local e Estudo do Meio O ensino de História que utiliza fontes históricas, inclusive do próprio local em que se vive, amplia a percepção de que a história é cotidiana, escrita e construída em lugares e por pessoas como quaisquer outras, e não por entidades superiores à humanidade do próprio educando. Quando se ensina que a história é escrita a partir das perguntas que elaboramos, as quais procuramos responder por meio de fontes históricas, também oportunizamos ao educando a condição de sujeito da construção do conhecimento. Paulo Freire (2002, p. 25) afirma: "ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua produção ou a sua construção". Por sua vez, a história local oferece a oportunidade dos estudantes perceberem de modo mais conexo que “aprender História é ler e compreender o mundo em que vivemos e, no qual outros seres humanos viveram” (GUIMARÃES; SILVA, 2010, p. 24). Ao relacionarmos ensino de História e lugares de memória refletimos sobre a guarda e comunicação didatizada de memórias em seu potencial de formação histórica, servindo para maior compreensão sobre o passado, e possibilitando ler o mundo pela perspectiva do cotidiano e atuação como sujeitos. Para valorizarmos tais confluências, recorremos metodologicamente ao Estudo do Meio, baseado na construção do conhecimento dentro de determinado espaço, aproximando-se da atividade de pesquisa científica que envolve o aluno diretamente com as fontes documentais (MELLO, 2013, p. 14-15).

Roteiro O Caderno-Roteiro instrumentaliza uma oficina didática para o Ensino Médio, reunindo documentos e atividades correlatas à interação com e nos lugares de memória citados. O pano de fundo é a (des)valorização dos lugares, (re)conhecimento das pessoas em relação aos locais, e importância que possuem na (re)construção da identidade da própria cidade. Abordamos a Estação Paraná como antiga estação e não como Casa da Memória, focando na falta de informações públicas sobre sua história. Sobre o Museu Campos Gerais refletimos sobre a adequação das instalações para abrigo do mesmo, e o significado do tratamento despendido ao Museu no contexto de preservação, guarda e comunicação de memórias da cidade. Problematizamos assim as funções que os lugares de memória da cidade têm cumprido, bem como quais narrativas sobre os mesmos são (re)conhecidas pelos estudantes. 443

Durante as visitas e no encerramento propõe-se incentivar aos estudantes que pensem o papel do Museu e dos lugares de memória dentro da sociedade, e inclusive para cada um. O Caderno-Roteiro está disponível, na sua versão integral, no link a seguir: http://matheusmcruz.blogspot.com.br/p/lugares-de-memoria-e-de-guarda-de.html

Referências CHAVES, N. Botequins da belle époque ponta-grossense: Lazer e sociabilidade no interior paranaense do século XX. [S.l.]: Estúdio Texto, 2011. FREIRE, P. Pedagogia da Autonomia: Saberes necessários à prática educativa. 24ª. ed. São Paulo: Paz e Terra (Coleção Leitura), 2002. HUYSSEN, A. Passados Presentes: Mídia, Política, Amnésia. In: _________Seduzidos pela memória: arquitetura, monumentos, mídia. Rio de Janeiro: Aeroplano, 2000. p. 940. MELLO, P. Sistemática para avaliação institucional e educacional do Sistema Municipal de Ensino de São José dos Campos – SP. Secretaria Municipal de Educação de São José dos Campos e a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura – UNESCO. São José dos Campos - SP. 2013. NORA, P. Entre Memória e História: A problemática dos lugares. Proj. História, São Paulo, v. 10, p. 7-28, 1993. PINTO, S. Museu e Arquivo como lugares de memória. Museologia & Interdisciplinaridade, v. 2, n. 3, p. 89-102, 2013. POLLAK, M. Memória e Identidade Social. Estudos Históricos, v. 5, n. 10, p. 200212, 1992. SILVA, M.; FONSECA, S. Ensino de História Hoje: Errâncias, Conquistas e Perdas. Revista Brasileira de História, v. 31, n. 60, p. 13-33, 2010.

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REFLEXÕES SOBRE A UTILIZAÇÃO DE TECNOLOGIAS DE INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO (TIC) NO PROCESSO DE ENSINO-APRENDIZAGEM DE HISTÓRIA NA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA Nícollas Voss Reis Atualmente vivemos em uma sociedade cercada pelo que chamamos de “Tecnologias de Informação e Comunicação”, ou, simplesmente “TIC”. Notebooks, Celulares, Tablets, Smartphones, etc., são inúmeros os aparelhos que nos conectam diariamente com a rede mundial de computadores (internet). Nesse ponto, percebemos algumas dificuldades das instituições públicas de educação básica brasileira em acompanharem a velocidade dessas transformações socio-tecnológicas que ocorrem para além dos portões escolares. Nossos alunos estão imergidos nesse processo de avanços, e, ao que parece, muitos professores ainda tem dificuldade em utilizar as TIC como instrumento facilitador no processo de ensino-aprendizagem. A falta de treinamento oferecida aos profissionais de ensino pelos órgãos gestores torna a tecnologia para a grande maioria dos docentes algo complexo. A valia do estudo apresentado está em delinear caminhos para enfrentarmos as dificuldades encontradas na utilização das TIC em sala de aula. Acreditamos que tal ferramenta tornou-se, durante a ultima década, imprescindível no processo de ensinoaprendizagem pois nossos alunos convivem com as mesmas diariamente. Convenhamos que desde os tempos mais primórdios os seres humanos buscam ferramentas e mecanismos para adaptar o meio ambiente em que vivemos propiciando sucessivas revoluções tecnológicas, que vêm facilitando o cotidiano de nossa espécie. Podemos citar vários exemplos desde da Pré-História, como o domínio do fogo e a invenção da roda, onde os humanos revolucionaram seu modo de viver provocando enormes mudanças nas estruturas sócio-culturais. Outros exemplos podem ser dimensionados como as revoluções agrícolas, industriais e tecnológicas ocorridas em séculos passados que facilitam nosso dia-a-dia, mas, o ponto que nos importa é: como essas tecnologias atuais influenciam em nosso cotidiano? Tal síntese esdrúxula não tem pretensão de equacionar ou minimizar o processo histórico das revoluções tecnológicas, apenas o utilizamos para entender como são importantes tais mudanças, já que, conforme Castells (2005, p. 17) “a sociedade é que dá forma à tecnologia de acordo com suas necessidades, valores e interesses”, ou seja, vivemos hoje em uma sociedade da tecnologia e da informação estratificada em nosso cotidiano.

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Atualmente o conjunto dessas ferramentas tecnológicas (via hardware ou software) são denominados “TIC” e podem ser entendidos como “uma nova forma na organização da economia e da sociedade. Inovam as formas de relações sociais, ampliam nossa memória e garantem novas possibilidades de bem-estar”. (FERNANDES, 2012, p. 24). Sendo assim, a integração das TIC nas escolas se torna “fundamental porque estas técnicas já estão presentes na vida de todas as crianças e adolescentes e funcionam (...) como agentes de socialização, concorrendo com a escola e a família.” (BÉVORT; BELLONI, 2009, p. 1084). Portanto, acreditamos que tais tecnologias são essenciais para compor as ferramentas utilizadas por educadores em todos os níveis de ensino, quebrando alguns paradigmas escolares de décadas passadas, aproximando os alunos das escolas. Não podemos ser alheios as (r)evoluções sócio-tecnológicas, e, a escola não deve se prender em uma doma anacrônica onde os docentes vêem a tecnologia como inimiga, não como aliada. Como dito, estamos vivenciando um processo de revolução tecnológica global “assim, o processo educacional e as mudanças sociais sofrem influências visíveis e tangíveis na construção e evolução da sociedade.” (SANTINELLO, 2013, p. 38). Ou seja, a educação está inerente a todo esse movimento. Neste contexto, nossos alunos estão sendo bombardeados de informações pelas mídias digitais onde passam grande parte do tempo. Portanto, acredita-se que cabe ao professor atualizar-se e interar-se com os novos meios de comunicação, afim de aproximar e orientar os discentes sobre os conteúdos que circulam na rede. Miranda (2007, p. 45) afirma que “se o professor dominar estas novas ferramentas poderá apoiar os alunos a explorar as potencialidades destes novos sistemas”. Contudo, ao que parece, o ensino de História ficou atrelado durante anos a uma prática considerada tradicional. Podemos observar conforme os estudos de Ferreira (1999, p. 140), que até o final da década de 1990, a disciplina de História nas escolas demonstrava-se atrasada quanto à utilização de TIC no processo de ensinoaprendizagem. “O ensino de História ainda é predominantemente factual, trabalhando com tendências narrativas e positivistas, tornando-se dessa forma, para os alunos um ensino desinteressante, confuso, anacrônico, burocratizado e repetitivo.” Nesta conjuntura, Ferreira (1999, p. 146) explana que “neste sentido, é necessário, portanto, que os professores de História passem a compreender que os processos de inovação, derivados do emprego dos recursos tecnológicos, servirão para oxigenar a prática docente.” E é nesse ponto que devemos nos debruçar. Sendo assim, diante de tais desafios apresentados, com quais ferramentas das TIC podemos nos amparar para despertar e aproximar nossos alunos do conteúdo programático de História? Neste ponto, apontaremos brevemente algumas ferramentas que podem ser utilizados no processo de ensino-aprendizagem para enriquecer a interatividade entre professor, aluno e conteúdo. 446

Primeiramente para tornarmos as aulas mais interativas e quebrarmos com a prática do “quadro negro e giz”, faz-se necessário incorporar tais TIC no dia-a-dia escolar, sendo assim, aconselhamos a utilização de dois softwares interessantes para dinamizar os conteúdos, o PowerPoint e o Prezi. O PowerPoint é uma ferramenta encontrada no pacote do Windows Office (Microsoft) e consiste basicamente em apresentações dinâmicas de slides podendo-se utilizar diferentes línguas de comunicação para a aplicação dos conteúdos como: sons, imagens, textos e vídeos que podem ser animados ao seu critério. O Prezi tem sua versão gratuita disponível em www.prezi.com, e da mesma forma que o PowerPoint, disponibiliza de forma dinâmica ferramentas para apresentações de slides. Contudo, o Prezi é mais “moderno” e suas animações e zooms tornam-no mais atrativo aos jovens. Com os conteúdos organizados em apresentações de slides animados precisamos de ferramentas interativas que possibilitem o armazenamento e compartilhamento de nossos arquivos em nuvens que podem ser acessadas de qualquer dispositivo com acesso a internet. Para tal armazenamento em nuvens recomendamos a utilização de duas ferramentas gratuitas, o Dropbox e o Google Drive. O primeiro é uma ferramenta disponível no site www.dropbox.com, que após a criação de uma conta para acesso, em poucos minutos você poderá fazer upload de seus arquivos seguramente em uma nuvem e acessá-la de qualquer dispositivo com internet, deixando seus arquivos de aulas mais sincronizados com dispositivos móveis. O segundo funciona da mesma forma que o Dropbox (em arquivos de upload seguro em nuvens), mas necessita uma conta no Gmail (www.gmail.com). Após criar a conta, de forma bem simples e dinâmica, o Google Drive possibilita compartilhar suas pastas e arquivos com os alunos criando um espaço virtual de acesso aos conteúdos, ou seja, o aluno de seus dispositivo eletrônico, consegue acessar arquivos compartilhados em sua nuvem, como slides, imagens, músicas, filmes, etc. Conforme Ferreira (1999, p. 152) “A informática possibilita hoje (...) uma oportunidade de abrir novos caminhos para além da estrutura física de sala de aula convencional.” Nesse ponto, já imaginou em uma aula de Antiguidade do Egito fazer uma “tour” pelas pirâmides de Gizé sem sair da escola? Pois isso é possível! O Google Earth é uma ferramenta gratuita que necessita de download (disponível em www.google.com/earth), e quebra as barreiras fronteiriças da educação. Sendo assim, professores e alunos podem viajar virtualmente para qualquer lugar do mundo e explorá-lo em 3D. Outras formas de interação professores/alunos podem ser aprimoradas através de paginas da web como as redes sociais (facebook.com, twitter.com, youtube.com, blogs e etc.) que são bem mais populares do que as ferramentas já citadas, e são de fácil utilização e acesso gratuito.

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Referências BÉVORT, Evelyne; BELLONI, Maria Luiza. Mídia-educação: conceitos, histórico e perspectivas. CEDES, vol. 30, no. 109, Campinas: SP, UNICAMP, 2009. p. 10811102. CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. São Paulo: Editora Paz e Terra, 8ª edição, 2005. FERREIRA, Carlos A. L. Ensino de História e a incorporação das novas Tecnologias da Informação e Comunicação: uma reflexão. Revista de História Regional vol. 4 (2), Ponta Grossa: PR, UEPG, 1999. p.139-157. FERNANDES, Sidineia Caetano de Alcântara. As Tecnologias de Informação e Comunicação no ensino aprendizagem de história: possibilidades no ensino fundamental e médio. Dissertação de Mestrado. Universidade Católica Dom Bosco. Campo Grande: MS, 2012. MIRANDA, Guilhermina Lobato. Limites e possibilidades das TIC na educação. Sísifo. Revista de Ciências da Educação, no. 3, 2007. pp. 41-50. SANTINELLO, Jaime. Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC’s) aplicada a formação do gestor escolar. Guarapuava: PR, UNICENTRO, 2013.

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EXPERIÊNCIA NO PROJETO TECNOLOGIAS E LINGUAGENS E SUA IMPORTÂNCIA NA FORMAÇÃO PROFISSIONAL DE PESQUISA E EXTENSÃO DE ALUNOS BOLSISTAS Neidi N. Skakum O projeto Tecnologias e Linguagens para o ensino de história, no qual fui bolsista, sob orientação do professor Everton Crema, buscou trabalhar com a conservação e tratamento de fontes históricas, para seja possibilitado seu uso na prática do ensino, pesquisa e extensão. Essas fontes são em sua maioria processos trabalhistas e de cobrança, que se encontram no Arquivo Histórico da Unespar de União da Vitória. A preservação de um arquivo é muito importe pois nela podemos encontrar a história de um grupo de pessoas ou do passado de uma localidade. É no arquivo que está guardada o resultado da produção humana de uma época, ali podemos encontrar respostas, sob um direcionamento correto, para compreendermos questões do presente. Como no Brasil não temos uma lei que regulamenta de que forma essa preservação deve ser feita, vários arquivos públicos acabam fazendo a conservação de seus documentos de maneira inadequada, acarretando em perdas para a história de um povo ou de uma localidade. Apesar do dever que o poder público tem em conservar a documentação que produz, e disponibilizar o acesso ao público, por falta de interesse em tornar esse material um instrumento de pesquisa, após um determinado período, optam por eliminá-lo ou repassar á instituições acadêmicas. O arquivo histórico da Unespar surgiu do interesse de alguns professores do colegiado do curso de História, em preservar a documentação do Fórum de União da Vitória, mas devido ao período em que não recebeu atenção adequada no arquivo, essa documentação acabou sendo prejudicada. O arquivo histórico da Unespar possui processos da vara civil e da vara família, que foi repassada a instituição para que possibilitasse aos docentes e dissentes um apoio para suas pesquisas no âmbito de história local, sendo que essa documentação possui caráter de fonte primária. Os processos são datados desde meados dos anos de 1930, possuindo temas diversos como Ações de cobrança, depósito, despejo, executiva, de trabalho, Alvará, Anulação, Assento de óbito e testamento, Assistência jurídica, Busca e apreensão, Certidão de partilha, Concurso, nomeação, cargos na prefeitura, Consignação e pagamento, Desapropriação, Desquite e separação, Emancipações, tutela e curatela, Embargos, Indenização, Justificação, Mandado de segurança, Pagamento, Reclamação trabalhista, Reintegração de posse, Rescisão de contrato, Restauração de casamento, nascimentos, entre outros, que envolvem indivíduos e empresas de União da Vitória e região, possibilitando pesquisas de análises das relações de classe, relações trabalhista, e questões de leis trabalhistas e execuções de dívidas, sempre partindo de questões do presente.

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O pesquisador pode explorar diversos aspectos da história local e assim aprimorar sua formação acadêmica, por conseguir ter um contato mais acessível com a fonte. O projeto de extensão realizado dentro do arquivo tornou possível esse contato e conhecimento do conteúdo de uma fonte, criando um elo entre o conteúdo aprendido na licenciatura com a prática. Quando conhecemos uma fonte, como por exemplo, os processos que estão no acervo do arquivo, á partir de uma orientação da maneira de como utiliza-las tanto na pesquisa como no ensino, aperfeiçoa-se assim a formação acadêmica tanto na licenciatura como na pesquisa. Democratizar o acesso á essa documentação aos pesquisadores empenhados em criar um elo entre presente e passado, acaba gerando novas demandas para que esse material seja utilizado, mas que mantenha sua integridade. A digitalização é uma das formas de preservar essa documentação. Quando a fonte está digitalizada, permite-se o acesso á ela por meio do computador, onde o pesquisador tem acesso ao instrumento de pesquisa e ao documento virtual, evitando assim o manuseio excessivo do material físico, que pode acabar acarretando em maiores perdas á sua integridade, que já possuí uma certa fragilidade por conta do tempo. O conteúdo do arquivo de história está disponível para pesquisa acadêmica, mas o ideal seria se todo o acervo estivesse digitalizado para uma melhor preservação, principalmente os processos crimes, por ser uma documentação mais antiga, mas a digitalização está sendo feita á medida que são aprovados projetos voltados para esse trabalho, contribuindo assim para a preservação da história local. Queremos que futuramente, o conteúdo do acervo esteja disponível no meio eletrônico, para que facilite o acesso aos pesquisadores, bem como divulgar a importância dos arquivos históricos e laboratórios de pesquisa para pesquisadores de fora da instituição, que possuem pesquisas voltadas para o âmbito local, ampliando assim sua possibilidade de uso na produção de conhecimento. A primeira tarefa realizada no início do projeto foi a organização das caixas que contêm os processos, recolocação de processos que estavam espalhados pela sala nas referentes caixas, depois foi feito o registro do assunto de cada caixa em uma planilha no Excel juntamente com o numero de caixas, na sequência se deu início a digitalização, o primeiro tema digitalizado foi “executivo fiscal”, utilizando pincel e luvas descartáveis foi feita a higienização de cada página para retirar resquícios de sujeira e pó, depois realizamos pequenos reparos com os materiais disponíveis e então passamos a fotografar página por página de cada processo, após fotografar todo o conteúdo da caixa, passamos as imagens para o computador e editamos as imagens, corrigindo a iluminação, posição de ‘quadro’ e a partir daí foi renomeado cada imagem de acordo com o numero de registro do processo. Cada processo digitalizado foi separado em uma pasta no computador, nesta pasta contem as imagens de cada página do processo e um arquivo do Word em modelo de ‘instrumento de pesquisa’ que trás as principais informações deste processo, como local, data, nome dos envolvidos bem como um pequeno resumo do conteúdo escrito do processo e data da transcrição, após isso, os processos físicos são colocados novamente nas caixas e voltam para a estante. Também foram registrados em planilha os demais documentos que o arquivo possui, como jornais, revistas, fitas de vídeo, CDs, livros, mapas, documentação da instituição, folders, fotografias, entre outros. 450

Com a experiência do projeto, obtivemos uma melhor compreensão da importância de um arquivo histórico e da preservação de seu conteúdo, bem como tivemos o conhecimento da possibilidade de uso para esse material na produção e conhecimento. Através do que é produzido á partir de seu conteúdo é possível preservar, relembrar e compreender a história local, pois á partir de novas abordagens é possível obter novas visões para um determinado fato. Apesar do período do projeto ter sido curto, de alguma forma acabou contribuindo para a preservação da documentação, e também para dar mais visibilidade aos arquivos históricos, e de suas possibilidades.

Referências ALBUQUERQUE, Revista. Fontes históricas: olhares sobre um caminho percorrido e perspectivas sobre os novos tempos. Por: BARROS, José D’assunção, 2010. Disponível em: http://amazonia.fiocruz.br/arquivos/category/22-historia-dasaude?download=429:fontes-historicas-olhares-sobre-um-caminho-percorrido-eperspectivas-sobre-os-novos-tempos acessado em 01/08/2016 BIBLIONLINE, Revista. A importância dos arquivos públicos na construção da memória da sociedade. Por: SILVA, Maria Amélia Teixeira da, CRUZ, Adêmia Silva, CAMPOS, Fabíola Mota, DIAS, Guilherme Ataíde. Biblionline, João Pessoa, 2009. Disponível em: http://www.ies.ufpb.br/ojs/index.php/biblio/article/view/3951/3114 acessado em 28/07/2916 CDHIS, Revista Cadernos De Pesquisa Do. A FONTE HISTÓRICA E SEU LUGAR DE PRODUÇÃO. Por: BARROS, José D'Assunção. Universidade Federal de Uberlândia,2012. Disponível em: http://www.seer.ufu.br/index.php/cdhis/article/view/15209 acessado em: 28/07/2916 SILVA, Felia Lopes da. Cap. 4 Os centros de documentação das universidades: tendências e perspectivas. In. Arquivos, patrimônio e memória: trajetórias e perspectivas. São Paulo. Unesp, 1999. SIQUINELLI, Aldanila Enite Woynarowski. O arquivo e a memória histórica. FAFI, União da Vitória, 2009. V EPEAL, Pesquisa em educação: desenvolvimento, ética e responsabilidade social. Os arquivos históricos na sala de aula: os documentos no processo ensinoaprendizagem. Por VEIGA, Flávio Cavalcante. Alagoas, Ufal, 2009. Disponível em: http://dmd2.webfactional.com/media/anais/OS-ARQUIVOS-HISTORICOS-NASALA-DE-AULA--OS-DOCUMENTOS-NO-PROCESSO-ENSINOAPRENDIZAGEM.pdf Acessado em: 28/07/2016 X ANPED SUL, Revista. Fontes para a história da educação: a importância dos Arquivos. Por: IVASHITA, Simone Burioli. Florianópolis, 2014. Disponível em: http://xanpedsul.faed.udesc.br/arq_pdf/144-0.pdf acessado em: 28/07/2016

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JORNAIS CATARINENSES E A NOVEMBRADA MANIFESTAÇÃO CATARINENSE CONTRA A DITADURA Paola Vieira da Silveira Introdução Florianópolis, 30 de novembro de 1979. Estudantes liderados pelo DCE (Diretório Central do Estudante) da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina) organizam uma passeata até a praça XV. Localizada em frente ao Palácio Cruz e Souza, sede do governo estadual na época e onde se encontrava o então presidente da república, João Figueiredo. O protesto que ficou conhecido como a Novembrada, reivindicava desde a situação social de pobreza da população até os exorbitantes gastos para receber o presidente em Florianópolis, e claro, a Ditadura Militar que se vivia no Brasil. A preocupação por parte dos governos em abafar a manifestação e criar uma ‘verdade’ sobre o episodio, resultou na versão que o protesto na capital catarinense foi realizado por um pequeno grupo de estudantes, quando na verdade - não oficial - o protesto foi apenas iniciado por esse grupo. Posteriormente teve apoio da população e dos taxistas, que protestavam contra o aumento da gasolina, assim a manifestação obteve proporções bem maiores do que se esperava. A presente pesquisa que é resultado de um Trabalho de conclusão de curso para a obtenção do título de bacharel e licenciada em História da Universidade do Extremo Sul Catarinense – UNESC, tem por objetivo fazer a análise de como a Novembrada foi interpretada pela imprensa Catarinense.

Resultados e discussão Nos anos seguintes ao manifesto estudantil, diversos foram os artigos em jornais relembrando o episódio, episódio este, lembrado com orgulho pelos catarinenses. Geralmente é retratado como um fato importante na história catarinense pelos Jornais O Diário Catarinense, O Jornal da Capital, Jornal de Santa Catarina, Jornal do Centro e outros. O Jornal A Notícia ousa mais, dando uma importância nacional ao movimento. Em 1998, por exemplo, publica uma matéria com a manchete, “Catarinenses relembram a Novembrada”, “A manifestação puxada pelos estudantes de Florianópolis, marco do fim da Ditadura, completa amanha 19 anos” (JORNAL A NOTICIA, 1998). Contudo, a revolta liderada pelos estudantes também foi noticiada em diversos jornais na época, sejam os de circulação na capital ou em outras cidades. Os discursos produzidos sobre a Novembrada e o espaço para noticiá-la em cada periódico foi diferente, alguns se propuseram a apenas divulgá-la, enquanto outros fizeram uma 452

cobertura completa, documentando a manifestação e seu desenrolar, até o julgamento dos estudantes presos como lideres do protesto. Compreender o projeto editorial do jornal, seu posicionamento político, é importante, pois implica na forma que a notícia foi problematizada pelo jornalista. Sartori (2008, p. 44) informa que os meios de comunicação em Santa Catarina estão ligados a duas famílias: “a família Ramos representada pelo PSD (Partido Social Democrata) e as famílias Konder – Bornhausen representadas pela UDN (União Democrática Nacional).” Posteriormente estes partidos se unem na ARENA, e após a extinção do bipartidarismo ressurgem como PDS. Logo, OE e o JSC eram comandados por pessoas ligadas ao Partido Democrático Social. Tem-se conhecimento de que muitos jornais foram fechados na Ditadura militar do Brasil. De Luca (2005) coloca que Maria Aparecida de Aquino, a partir de uma perspectiva comparativa, discute a ação e os efeitos da censura imposta pelo regime militar ao semanário Movimento e ao Jornal O Estado de S. Paulo. Devido à censura passaram a apoiar o regime, porém, depois sentindo o peso desse regime autoritário, procuraram fazer denuncias por meio de estratégias criativas. Considerando que em 1979, o Brasil estava em pleno processo de redemocratização, os jornais catarinenses aproveitavam de mais liberdade, mas nunca fazendo críticas explícitas ao governo. Embora tivessem a mesma linha política, ligados ao PDS havia diferença na forma de abordagem dos periódicos OE e JSC. O que ocorria era que o jornalista que cobria a Novembrada pelo OE era um militante de esquerda, dando mais destaque aos estudantes do que JSC, que oferecia “menos voz” a oposição. Geraldo Barbosa em entrevista concedida a Sartori (2008) em 24/11/2003 comenta a cobertura feita pelo Jornal OE. Sobre a imprensa há um aspecto interessante. Quem estava cobrindo para o jornal O Estado a Universidade era um militante de esquerda. Então eles davam uma cobertura favorável a nós. Uma cobertura ampla e democrática. E deram uma cobertura excelente da Novembrada, colocaram tudo no jornal. Destacam-se aqui dois exemplos que evidenciam a diferença entre os jornais na cobertura da novembrada. OE apresentou a fala do senador Jaison Barreto, que defendia os estudantes argumentando que a culpa do acontecido em Florianópolis era da própria situação do estado brasileiro. Esses moços não podem ser responsáveis pelo caldeirão fervente que é o país hoje. [...] Julgados deveriam haver de ser o salário mínimo, o modelo econômico, a dependência externa, o Governo elitista e a farsa política, estes sim os verdadeiros responsáveis pelos acontecimentos. (JORNAL O ESTADO, 4 de dezembro de 1979, p. 3) O JSC menciona a declaração de Jarbas Passarinho, líder do governo do senado em 79. Passarinho diz “que não vincula o incidente de Florianópolis, [...] a uma insatisfação da população causada pela crise econômica que aflige o país e os constantes aumentos de combustíveis, e suas consequências inflacionárias. (JORNAL DE SANTA CATARINA, 2/3 de dezembro de 1979, p.18) E continua afirmando, para ele a manifestação não foi 453

espontânea, e sim organizada por um grupo de provocadores que se aproveitaram da difícil situação do Brasil. OE deu ênfase à prisão dos estudantes, aos atos públicos pedindo suas libertações, e procurou ainda depoimentos de familiares dos presos. Dentre suas matérias ele mostra o posicionamento do MDB, que como oposição procurou tirar proveito da situação ficando do lado do povo. O MDB vai participar do ato público em protesto pelas prisões de estudantes e sua bancada federal não irá comparecer hoje à tarde no gabinete da presidência da Republica para agradecer ao general João Baptista Figueiredo para agradecer a visita e o anuncio de que a Sidersul será a primeira siderúrgica a ser construída em seu Governo. (JORNAL DE SANTA CATARINA, 2 e 3 de dezembro de 1979, p. 18) O jornal também exibiu depoimentos que relatam o protesto como não sendo apenas de uma minoria, um deles foi do deputado arenista João Linhares. Não podemos olhar as manifestações como sendo um ato de minorias, não podemos esconder nossa cabeça na areia ou fugir das responsabilidades minimizando o fato; temos que olhá-los como sinais visíveis da inquietação e da insatisfação de populares que chegam a índices perigosos: façamos como o homem do campo: colemos os ouvidos no chão para ouvir o tropel”, protestou ontem de Brasília o deputado arenista João Linhares, de Santa Catarina, que não entendeu a atitude das autoridades que procuraram “diminuir” os acontecimentos ocorridos quando da visita do presidente Figueiredo. (JORNAL O ESTADO, 6 de dezembro de 1979, p. 2). Destacou ainda o depoimento da mãe de Ligia Giovanella - estudante de medicina e vice-presidente do DCE, que estava presa – em um dos atos públicos em favor dos estudantes. “Porque minha filha sempre me dizia, mama, vai lá com a gente. E como ela não está, eu estou aqui representando. [...] Mais eu prometo pra vocês que se vocês souberem reivindicar os seus direitos, os direitos de cada um, nós vamos ser gente.” (JORNAL O ESTADO, 6/12/1979, p. 2). O pai de Marize Lippel também se manifestou em outro momento, dizendo que: “ Estou preocupado como pai, mas acredito que a polícia não vá cometer excessos.” Da mesma forma, o jornal trazia depoimentos de parentes de Adolfo, Rosangela, e demais universitários presos pela manifestação em Florianópolis. OE procurou mostrar os dois lados da Novembrada, tanto do governo quando dos estudantes, que não tinham espaço nos demais jornais. Desta forma, publicou uma nota do prefeito de Itajaí em solidariedade a Bornahusen e João Figueiredo, e na mesma página uma nota do Diretório Central da Furb, de Blumenau, apoiando os estudantes. O JSC abordou a Novembrada, de forma que beneficiava a imagem do presidente Figueiredo, talvez ainda no intuito da construção da popularização dele. A manchete do periódico no dia seguinte a manifestação dizia: Protestos e tumulto não impedem o apoio de Figueiredo a Sidersul. Em seu conteúdo: 454

No único discurso que fez durante a visita a capital -na churrascaria para seis mil pessoas - o presidente, depois de lamentar o incidente ocorrido no centro, afirmou categoricamente que “a primeira siderúrgica a ser implantada no país, com a cobertura da Siderbrás, será a Sidersul, em Santa Catarina. (JORNAL DE SANTA CATARINA, 1 de dezembro de 1979, p 4) Outra matéria, diz que o presidente amigavelmente cumprimenta populares no momento de sua chegada ao Palácio Cruz e Souza. Porém depois de apontar o dedo a um estudante – referindo-se ao famoso gesto do presidente, que embora negado pelo governo, foi interpretado como um OK, que no Brasil tem sentido malicioso - querendo mostrar que eram poucos os manifestantes, é agredido moralmente, desta forma justificando o fato de Figueiredo voltar-se contra os estudantes. O presidente, como de praxe, quebrou o protocolo e se misturou ao povo. Abraçou e beijou crianças, mulheres e velhos. [...] Mas o clima se agravou com a decisão do presidente. Ele resolveu descer da sacada, imediatamente, o que é normal, foi cercado e bastante cumprimentado. Após, partiu em direção, segundo se explicou, para dialogar franca e abertamente, com os estudantes. (JORNAL DE SANTA CATARINA, 1 de dezembro de 1979, p. 2-5) O JSC dois dias depois da Novembrada publica uma matéria dizendo que para o palácio do planalto a manifestação já estava encerrada, declaração do assessor de imprensa do Palácio, Marcos Kramer. A declaração era na tentativa de minimizar o episódio, e o jornal acabava por ajudar.

Considerações finais A imprensa foi por muito tempo a única fonte na pesquisa sobre a Novembrada, porém, como colocam Cruz e Peixoto (2007), é importante analisar a ideologia da objetividade e da neutralidade da imprensa, pois como é construída historicamente, deve ser confrontada em ser ou não um dado de realidade. No entanto, sabe-se que a “verdade” nas matérias dos periódicos, é somente as suas múltiplas formas de abordagem do assunto. Desta forma, através da análise apresentada neste texto, é notável uma contrariedade ao processo de redemocratização que havia em 1979, pois os jornais não davam espaço para a oposição, com exceção do OE que procurou neutralidade. Investigar a Novembrada tendo como fonte a imprensa nos mostra a mesma não comprometida com a imparcialidade, mas, sim com os interesses políticos.

Referências CRUZ, Heloisa da Faria; PEIXOTO, Maria R. C.. Na oficina do historiador: Conversas sobre historia e imprensa. In. Projeto História, São Paulo, nº 35, p.1 – 413, dezembro, 2007. 455

DE LUCA, Tânia Regina. História dos, nos e por meio dos periódicos. In PINSKY, Carla Bassanezi.(Org.) Fontes Históricas. São Paulo: Contexto, 2005. MIGUEL, Luis Felipe. Revolta em Florianópolis: A novembrada de 1979. Florianópolis: Insular, 1995. PEREIRA, Moacir. Novembrada – Um relato da revolta popular/ Florianopolis: insular, 2 ed. 2005. SARTORI, Juliana. A novembrada nas entrelinhas da imprensa catarinense. Revista História, Santa Catarina, Ano II- numero 9, p. 44 – 47, nov/dez 2008. SROUR, Robert Henry. A política dos anos 70 no Brasil: a lição de Florianópolis. São Paulo: Econômica Editorial, 1982. ARQUIVOS Jornal A Noticia, de novembro de 1998. Jornal de Santa Catarina, 1 de dezembro de 1979. Jornal de Santa Catarina, 2 e 3 de dezembro de 1979. Jornal O Estado, 4 de dezembro de 1979. Jornal O Estado, 6 de dezembro de 1979.

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PRÁTICA DE HISTÓRIA E TECNOLOGIAS DE INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO: POSSIBILIDADES PARA O PROCESSO DE ENSINO E PESQUISA ATRAVÉS DA INTERNET Paulo Henrique de Souza Martins Enquanto professor da disciplina de “Prática IV – Prática de História e Novas Tecnologias”, integrante da matriz curricular do curso de licenciatura em História da Universidade Estadual Vale do Acaraú – UVA, em Sobral-CE, tive a oportunidade de desenvolver vários experimentos de ensino e pesquisa mediados por aplicativos, redes sociais, plataformas, em suma, tendo a internet como espaço de realização. O relato que aqui se faz procura apresentar algumas questões relacionadas a essas experiências. Um primeiro elemento digno de nota é que a maioria dos alunos que ingressam na Universidade Estadual Vale do Acaraú – UVA são residentes em municípios da zona noroeste do Ceará e deslocam-se para Sobral todos os dias em viagens longas e exaustivas. A possibilidade de desenvolver uma disciplina em que as discussões, leituras, atividades individuais e em equipe possam ser realizadas sem a necessária reunião presencial e sincrônica da turma, através da utilização da internet, surge como uma perspectiva não só de inovação cada vez mais premente nos dias atuais. A disciplina é ofertada no 7º semestre da matriz curricular, logo, na reta final do curso de graduação, em que os alunos já passaram por praticamente todas as disciplinas “de conteúdo”. Embora em todas as atividades propostas houvessem temas ligados à história das sociedades brasileira, europeia, americana, os exercícios procuravam mesmo desenvolver-se enquanto aprendizado metodológico, visto que almejávamos simular situações e desafios que os futuros licenciados encontrarão nas turmas de educação básica com crianças e adolescentes. Uma das atividades procurou simular um debate em sala de aula. Para tanto, criamos um grupo fechado no Facebook. Ali postei uma matéria publicada na revista de História da Biblioteca Nacional, e levantei um questionamento/provocação para os alunos debaterem, com o compromisso de todos apresentarem pelo menos uma contribuição original e duas interações com os demais colegas. A atividade durou uma semana e foi um sucesso, visto que da questão original, outras perspectivas foram surgindo à medida em que o debate ia avançando. De forma virtual, conseguimos desenvolver um debate que também poderia ocorrer presencialmente, mas agregamos sugestões de matérias, vídeos no youtube, referências de pesquisas acadêmicas, etc. Outra atividade foi a de produção de um material audiovisual para servir subsídio a aulas de história do ensino médio. As equipes selecionaram seus temas, pesquisaram, produziram o roteiro, filmaram e editaram o material de maneira criativa e descontraída. O resultado foi uma playlist de vídeos que além de exercitar a capacidade de produção 457

autoral em outras linguagens que não a escrita, bem poderiam chegar facilmente aos estudantes do ensino médio e transmitindo mensagens, dicas e incentivos que dinamizariam os estudos na disciplina. Os futuros licenciados poderiam reproduzir experiência com seus alunos no ensino médio ou fundamental, estimulando-os a se apresentarem como sujeitos criadores de conteúdos por meio da pesquisa, do trabalho coletivo e das redes sociais. Outra atividade buscou incorporar os jogos virtuais no processo de aprendizagem. A proposta era que cada equipe pesquisasse jogos virtuais cujo conteúdo tivesse fundamentação histórica e possa ser utilizada numa aula. As equipes descobriram vários jogos, uns mais simples, outros mais complexos, que permitiam discussões sobre a Independência do Brasil, a Primeira Guerra Mundial, a Idade Média europeia, Roma Antiga, etc. Tomando os devidos cuidados com a apresentação do conteúdo e com a condução da aula, os jogos ofereceriam uma sistemática lúdica e atrativa para aproximação com conteúdos históricos tradicionalmente tratados nos livros didáticos. Outro recurso utilizado foi uma atividade de produção textual colaborativa, em rede e com tecnologia de acesso em nuvem. Criei um documento editor de texto para cada uma das equipes existentes em sala na plataforma google drive. Com os convites via email, agreguei todos os membros de cada equipe em seu respectivo documento, sendo eu mesmo integrante de todas as equipes. A proposta é que virtualmente, cada equipe fosse capaz de desenvolver um texto único sobre uma temática ligada à história, dialogando entre si, corrigindo-se mutuamente, numa palavra, interagindo sem as “amarras” de terem que se encontrar no mesmo lugar físico ao mesmo tempo. Cada um, ao seu tempo, apresentaria suas contribuições no processo de construção do texto. Como cada edição feita por qualquer dos integrantes ficava registrada no histórico de modificações, ainda era possível para mim verificar a efetiva participação individual dos membros numa produção que era afinal, coletiva. Pensando na dificuldade logística que seria proporcionar uma visita aos principais museus de história no Brasil, propus uma atividade que basicamente seria levar os museus para sala de aula, através do recurso virtual. Nessa atividade cada equipe pesquisaria na internet museus virtuais, “visitando-os” para compreender seu funcionamento. Após isso, preparariam uma aula expondo para os demais colegas as características do espaço, acervo, histórico da instituição e outras informações que se fizessem necessárias. Desse modo, a turma poderia fazer uma incursão num museu através da internet, de modo que vários assuntos trabalhados em aulas do ensino fundamental e médio poderiam ser planejadas levando em consideração esse recurso. O site eravitual.org se mostrou como uma interessante ferramenta nessa atividade. Sobre o campo da produção do conhecimento historiográfico, realizado por meio das pesquisas acadêmicas, é de conhecimento geral que a internet facilitou bastante o trabalho dos historiadores com a disponibilização de acervos de fontes primárias anteriormente acessíveis somente presencialmente nos locais em que se encontravam depositados. Pensando nessa realidade propomos a realização de uma atividade de pesquisa na internet, cujo escopo basicamente gira em torno de encontrar bancos de dados para pesquisa histórica. Projetos como a hemeroteca digital brasileira da Biblioteca Nacional, Arquivo Nacional Torre do Tombo de Portugal ou a iniciativa Center for Research Libraries nos EUA são apenas três exemplos de uma tendência 458

importante na nossa área de atuação. Uma vez realizada a investigação sobre os bancos de dados, cada equipe deve apresentar os resultados para as demais, destacando as ferramentas encontradas, os recursos, condições, limites e possibilidades. Ainda na perspectiva da pesquisa, mas não somente restrita a essa, pensamos noutra atividade que somente é possível graças à internet: redes de interação entre profissionais de história. Esperamos desenvolver uma atividade que explore recursos abertos pelo site http://www.cafehistoria.com.br/ que reúne professores, historiadores e alunos de todos os níveis interessados na área. Outra rede social interessante é o https://www.academia.edu/ mais voltado para o compartilhamento de papers e estabelecimento de contatos e interações entre profissionais e instituições de todo o mundo. De alguma maneira, o desenvolvimento dessas práticas na graduação se insere num quadro mais amplo do devir profissional do historiador. Muita das vezes a escrita da história por parte de historiadores é realizada para atingir somente aos seus pares e o conhecimento histórico para o grande público é aquele que é produzido por escritores, jornalistas e profissionais das áreas mais distintas. Antes de nos pormos a reclamar de uma suposta “invasão de campo”, é necessário que reconheçamos nossa deficiência em tornar nosso conhecimento receptível ao público não especialista. As searas discursivas abertas pela chamada “história pública” são, no meu entendimento, uma das fronteiras mais dinâmicas que os profissionais de história estão a expandir. Certamente, as redes sociais e as tecnologias de informação e comunicação têm enormes potenciais nessa área. Essa é uma perspectiva que a disciplina de “Prática de História e Novas Tecnologias” que ora ministro pela segunda vez ainda vai desbravar.

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A LITERATURA NO ENSINO DE HISTÓRIA: O DOCUMENTO, OS CUIDADOS E A PRÁTICA Rafael Marcelino Tayar Das elites ao povo: Positivismo e a Nova história Houvera tempos em que o principal objetivo do ensino de história como disciplina, pautava prioritariamente de maneira categórica na não problematização dos fatos, pois estes falam por si. Esta visão, limitava tanto o ofício do historiador, na perspectiva historiográfica; como também na incumbência do ensino, já que tais amarras positivistas de certa maneira engessavam a transmissão do conhecimento em suas diversificadas possibilidades. A respeito desta forma de ensino, Elza Nadai explica: A periodização usada e a abordagem do conteúdo conduzem à uma concepção de história da qual sobressai a grande influência do positivismo. O conceito de fato histórico, a neutralidade e objetividade do historiador/professor ao tratar do social, o papel do herói na construção da Pátria, a utilização do método positivo permearam tanto o ensino quanto a produção histórica. [...] Essa forma de ensino; determinada desde sua origem como disciplina escolar, foi espaço da história oficial na qual os únicos agentes visíveis do movimento social eram o Estado e as elites. [...] (NADAI, 1992, p. 143-162) Através de mudanças graduais, o ensino de história foi atualizando-se para práticas mais abrangentes, assimilando conceitos da Nova história, corrente historiográfica pertencente a terceira geração da Escola dos Annales. Tal corrente tem foco na ampliação diversificada daquilo que pode ser considerado documento histórico, assim como na interdisciplinaridade com outras áreas do conhecimento; logo, intensifica-se a importância das representações coletivas e das estruturas mentais das sociedades. Desta maneira, o documento histórico amplia-se, do mesmo modo que amplifica a voz do povo, que outrora não sentia-se representado pela história, produzida numa perspectiva excludente. A tarefa de dinamizar o ensino de história, utilizando novas possibilidades de ferramentas e materiais, se faz não somente possivel mas necessária, já que ainda temos resquicios de um ensino de história focado na memorização exarcebada, que tem como essência um nítido utilitarismo, já que a principal meta nesses casos refere-se ao sucesso na avaliação e não na construção do conhecimento histórico, com bases no desenvolvimento da criticidade do aluno. Em 1935, Murilo Mendes constatou esta deformidade no ensino de história, situação fácil de ser detectada ainda nos dias atuais: Nossos adolescentes também detestam a história. Votam-lhe ódio entranhado e dela se vingam sempre que podem, ou decorando o mínimo de conhecimento que o “ponto” exige ou se valendo lestamente da “cola” 460

para passar nos exames. Demos ampla absolvição à juventude. A história como lhes é ensinada é, realmente, odiosa... (MENDES, 1935, p.41)

O documento: Literatura no ensino de história. O uso do documento histórico no ensino, contribui não somente na construção de interpretações diversificadas do conteúdo por parte dos alunos, mas também auxilia o mesmo numa jornada de autoconhecimento, conhecendo sua origem, sua relação com a sociedade que o produziu. (SILVA, 2006, p.162) Neste contexto, entre os vários documentos históricos disponíveis e acessíveis, que podem contribuir para o ensino em sala de aula, a literatura carrega consigo um poder precioso para retratar as minucias de determinada sociedade, em sua devida temporalidade, adentrando a vida privada, dando acesso ao clima de uma época, reproduzindo a maneira que as pessoas pensavam o mundo, a si próprias, e quais eram os valores que guiavam sua rotina, quais preconceitos, sonhos e medos consumiam seus pensamentos.(PESAVENTO, 2005, p.82) De todo modo, a literatura contribui dando um acesso privilegiado ao passado, apresentando as representações de uma época; como afirma a Sandra Jatahy Pesavento: A Categoria de “representação” tornou - se central para as análises da nova história cultural, que busca resgatar o modo como, através do tempo, em momentos e lugares diferentes, os homens foram capazes de perceber a si próprios e ao mundo, construindo um sistema de ideias e imagens de representação coletiva e se atribuindo uma identidade. (PESAVENTO,1995, p.116)

Literatura e história: Realidade e ficção, conhecimento histórico Utilizando-se do livro escolar como recurso didático de ensino, juntamente com a literatura, o professor tem a possibilidade de trazer visões diferenciadas sobre o mesmo período; diversa em sua abordagem, pois o livro didático trará uma narrativa mais fechada e objetiva de determinado conhecimento histórico, a literatura poderá contribuir trazendo uma visão mais intimista de determinada sociedade. Para tal, o professor deve ter alguns cuidados essenciais, não somente na escolha literária, mas na contextualização necessária para que o objetivo previamente estipulado seja alcançado. Uma preocupação constante deve-se ao fato de que, ao trabalhar com literatura no ensino de história, o professor pode encontrar dificuldades de delimitar para os alunos as diferenças da narrativa literária e narrativa histórica, a realidade versus a ficção; em casos como estes, Roger Chartier considera que esta distinção entre ficção e história, nos dias atuais, tem se mostrado vacilante, pois já existe uma diferenciação clara e resolvida, já que a primeira “é um discurso que ‘informa’ do real, mas não pretende abonar-se nele”, enquanto a segunda pretende realizar uma representação apropriada do 461

real, ou o mais próximo disso possível. Mas, mesmo esta diferenciação perde força na literatura, sendo refutada pela “evidenciação da força das representações do passado que a mesma produz. (CHARTIER, 2009, p. 24) O conhecimento histórico pode ser definido de diversas maneiras, até mesmo com funcionalismos diferentes. Os marxistas definem que o estudo do passado serve como um instrumento de combate das injustiças e das desigualdades atuais, logo, o historiador cumpre sua função sendo um intelectual orgânico gramsciano. Mas a história não necessariamente precisa ser um instrumento político, assim ela é considerada por outras vertentes como forma específica de conhecimento que busca a compreensão do passado. Independente da definição, o conhecimento histórico colabora para um saber amplo, incentiva o desenvolvimento da criticidade dos alunos, e este saber depende também da valorização da leitura que irá colaborar para interpretação das diversas fontes e vestígios das épocas passadas, e auxiliará no desenvolvimento de cidadãos conscientes, preparados para a vida adulta e a inserção autônoma na sociedade. (BRASIL, 1999, p. 22) Neste sentido, o conhecimento histórico só será assimilado pelos alunos quando: “Estes compreendem que os vestígios do passado como evidência no seu mais profundo sentido, ou seja, como algo que deve ser tratado não como mera informação, mas como algo de onde se possam retirar respostas a questões que nunca se pensou colocar.” (DUARTE, 2005, p. 134).

Na pratica: Conto, Os Mujiques (1897) de Anton Tchekhov É de suma importância que o professor esteja ciente acerca das possíveis reações que os alunos terão no contato com a literatura. Para evitar dificuldades extras, é necessário um contato interdisciplinar com o professor da disciplina específica para saber se o material escolhido é acessível para os alunos; acessível em sua linguagem, mas também a respeito de sua disponibilidade na escola. O professor deve também delimitar com clareza o problema que os alunos irão estudar, e o motivo de uso de fontes literárias; conhecer sua fonte e a recepção crítica da obra, entender o contexto sociocultural contemporâneo à fonte é mais relevante do que esmiuçar a estrutura do texto. Texto e contexto se complementam. Por isso, é indispensável que, antes de partir para o uso da literatura, o professor selecione o conteúdo escolhido e o exponha por meio de um material escrito ou mesmo uma aula expositiva. Desse modo os alunos estarão mais íntimos acerca do conteúdo, e poderão exercer um discurso crítico desenvolvido por si próprio. No 3º ano do ensino médio, em determinado momento o professor de história terá que explorar a revolução russa de 1917, para tal é necessário que o aluno entenda as estruturas sociais, econômicas e políticas que antecedem a revolução, voltar ao império russo, entender a vida do mujiques (camponeses) antes e após o fim da servidão (1861). Deste modo, o texto, Os Mujiques (1987) de Anton Tchekhov, trata-se de um conto que 462

atende tanto as expectativas linguísticas, quanto históricas, pois o mesmo exibe detalhadamente, as condições que os mujiques russos viviam, mesmo após o fim da servidão. Neste texto é possível constatar nas minucias, de maneira intima e aproximada, características como miséria, alimentação, o trabalho árduo, Impostos abusivos, lembrança da servidão, religião, alcoolismo, as doenças, o clima, analfabetismo e a violência doméstica. Todas características que exemplificam as causas que contribuíram para que o povo russo se rebelasse no futuro, contra o governo. São estas características da vida privada, que fazem da literatura uma ferramenta de aprendizagem diferenciada quando comparada aos recursos básicos, como o livro didático, que apresenta ao seu modo, uma história distante, dissociada do meio social do aluno, que por vezes, pode achar a mesma desinteressante. Assim a literatura pode estimular o sentimento de pertencimento, sentindo-se de fato um agente histórico. Penso que de tudo que as escolas podem fazer com as crianças e os jovens, não há nada de importância maior do que o ensino do prazer pela leitura. A leitura é a chave para abrir as avenidas do mundo, sem ela somos seres ilegíveis. (ALVES, 1999, p.61)

Referências Bibliográficas ALVES, Rubem. Entre a Ciência e a Sapiência. O dilema da educação. 4. ed, São Paulo, Edições Loyola, 1999 BRASIL, Ministério da Educação, Secretaria de Educação Média e Tecnológica. Parâmetros Curriculares Nacionais: Ensino Médio. Brasília: Ministério da Educação, 1999. CHARTIER, Roger. A história ou a leitura do tempo. Belo Horizonte: Autêntica, 2009. DUARTE, M. J. F. Representações dos movimentos político-culturais da década de 60 nos jovens do ensino médio. Dissertação de mestrado apresentada a Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, 2005. MENDES, Murilo. A história no curso secundário. São Paulo, Gráfica Paulista, 1935. NADAI, E. O ensino de história no Brasil: trajetória e perspectivas. Revista Brasileira de História, vol. 13, n. 25/26, 1992. PESAVENTO, S. J. Relação entre História e Literatura e Representação das identidades Urbanas no Brasil (século XIX e XX). In: Revista anos 90. Porto Alegre, n. 4, 1995. PESAVENTO, S.J. História e história cultural. Belo Horizonte: Autêntica, 2004.

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SILVA, K. V; SILVA, M. H. Dicionário de conceitos históricos. São Paulo: Contexto, edição n. 2, 2006. TCHEKHOV, A. O assassinato e outras histórias. 3. ed. São Paulo: Cosac Naify, 2011.

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HISTÓRIA E MÚSICA: A MÚSICA COMO FERRAMENTA DE ENSINO Ramon Gustavo Becker Tendo em vista que a musica é muito presente no cotidiano brasileiro, trabalhar música em sala de aula possibilita articular uma ponte entre as matérias da sala de aula e o diaa-dia do aluno, pois este é um problema enfrentado no âmbito da educação atual. Esta contextualização permite uma melhor assimilação por parte do aluno temas estudada, dando um norte ao processo educacional. Nesse contexto podemos incorporar a música como ferramenta de contextualização, como por exemplo, o hip hop e o samba, que acaba sendo uma forma de resistência, em primeiro momento, negra contra o homem branco, e na atualidade contra a desigualdade social, herança do regime escravista. A origem do hip hop remete a uma combinação entre os ritmos africanos, que foram trazidos pelos escravos e mantidos durante o cativeiro, o blues, que surge no início do século XX, como forma de protesto contra a opressão e que, além disso, ia contra os padrões musicais da época, pois sua construção musical era extremamente simples e muitas vezes ia contra os padrões e regras da musica erudita, o spiritual, é a vertente musical que reproduz e faz releituras dos cânticos que os escravos usavam para falar e código entre eles e reafirmar sua religiosidade, o soul, que emerge nos anos 60, como outra manifestação musical negra, com base no blues e no spiritual, porém se diferencia pelo uso de recursos vocais, como os shouts, característicos deste estilo, o reggae, este estilo de musica representa o espirito de luta e cotidiano jamaicano e ao chegar nos Estados Unidos junto com os imigrantes que buscavam melhores condições de vida, porém devido a falta de oportunidades, acabavam por se concentrar nos ghettos, onde entraram em contato com outras expressões já citadas, e o funk, que utiliza um ritmo mais lento, e na dança utilizava passos mais soltos e sexy. Já no Brasil podemos encontrar como exemplo de música dos negros, o samba, que foi concebido no recôncavo baiano, e se concretizou como tal no Rio de Janeiro, a musica é construída a partir dos ritmos africanos, acompanhado pelo cavaquinho e o violão, e assim como os ritmos estadunidenses, tinham suas letras baseadas na vida cotidiana. Com a abolição da escravidão os recém libertos ex-escravos se deslocaram para as áreas urbanas. O Rio de Janeiro na época por ser uma cidade importante para a administração federal era um local que proporcionava mais possibilidades de sobrevivência. Os mestiços e os negros, formavam na época, uma classe social marginalizada, sendo assim, sua cultura também era tratada como inferior, como descreve Guimarães (1999, pg 29). Criam-se núcleos de negros em partes específicas da cidade, como na região conhecida como “Pequena África”, e será nesses núcleos urbanos que o samba terá o espaço necessário para se desenvolver. As práticas religiosas e culturais se apresentam como formas de resistência de uma identidade negra que a escravidão logrou extinguir e tem nesses redutos a 465

possibilidade de se manterem e difundirem. Assim, no Rio de Janeiro, os negros e mulatos poderiam desenvolver uma dupla identidade, a de “sambista e trabalhador”. Fato esse que tornava o samba em meados dos anos 20 uma forma de baderna e atividade de vagabundos e era fortemente repreendido pelas forças da lei. O primeiro samba a chegar ao mercado fonográfico foi a música pelo telefone, devido ao seu grande sucesso, com o passar do tempo houve uma expansão do gênero musical o que fez com que no início dos anos 30 quase todas as estações de rádio estivessem tocando o estilo. Além disso a revolução de 1930 ajudou a tornar o samba mais popular nas décadas subsequentes e também foi colocado um símbolo da cultura nacional, como ressalta Diniz (2006, pg 16). O estado implantado no Brasil após a Revolução de 1930 soube aproveitar a “pegada” popular do samba e, com incentivos ao carnaval das escolas e a utilização da recém-inaugurada radiodifusão, ajudou a expandir o gênero nacionalmente. Na década de 1940, samba passa a ser sinônimo de brasileiro e ganha fama internacional, de forma que hoje o mundo inteiro vê o Brasil como berço do carnaval e do samba. Com essa discussão torna-se possível abordar aspectos da realidade dos educandos em sala de aula, por exemplo, o rap. O rap foi criado como parte da cultura hip hop, que era um movimento que englobava o grafite, arte de fazer pinturas em muros e locais públicos, geralmente abordando temas sociais, o break e o rap que é um estilo musical onde não se há a utilização de instrumentos, dando mais foco nas letras que geralmente remetem ao estilo de vida das regiões urbanas mais pobres, como colocado por Guimarães(1999, pg 154-155) . Surgido no final dos anos 70 no bairro do Bronx em Nova York, o rap aparece como um relato da vida dos negros e de outros grupos discriminados, como os latinos, da periferia das grande cidades americanas. Sua forma discursiva remete à tradição africana de relato orais e não são poucos os estudiosos que do rap que localizam na África a gênese desse estilo musical. Quando o rap chega ao Brasil através da influência do break nos bailes black nas periferias da cidade de São Paulo logo ganha cunho social e passa problematizar o cotidiano dos moradores das favelas e periferias, abordando questões como a ação violenta da polícia nesses meios, a falta de oportunidades que levava ao crime e aos vícios em drogas. Partindo deste principio, a proposta procura aplicar a musica como base para as discussões em sala de aula, tornando as aulas mais interativas entre alunos e professor. Acredita-se que ao abordar temas tão presentes na vida dos educandos têmse a possibilidade de fazer com o que os mesmos compreendam como se dão os processos históricos e consigam perceber a importância do estudo da História, já que através da ciência histórica pode-se problematizar o passado para compreender o presente e se ter a possibilidade de perspectivar o futuro.

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Durante as aulas tornou-se possível perceber como tratar de assuntos os quais os educandos já obtêm um conhecimento prévio quebra o cotidiano tradicional de uma sala de aula, onde se tem uma participação mais efetiva por parte dos mesmos e se tem aulas mais lúdicas sem perder o foco da discussão, pode-se usar como exemplo a discussão que se teve em sala de aula com educandos do sétimo ano do Colégio Estadual Astolpho Macedo Souza no qual os acadêmicos do PIBID de História – África na Escola da Universidade Estadual do Paraná – Campus União da Vitória/FAFIUV atuam, discussões na qual os alunos conseguiram se posicionar de variadas formas sobre as ações da polícia no meio em que vivem, entendendo o processo histórico da construção do comportamento dos policiais e principalmente a resistência do negro perante a opressão da sociedade.

Referências CHANG, K. O’Brien. CHEN, Wayne. Reggae Routes: The Story of Jamaican Music, Philadelphia: Temple University Press, 1998. DINIZ, André. Almanaque do samba: a história do samba, o que ouvir, o que ler, onde curtir. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor,2006. GUIMARÃES, Maria E. A. Do Samba ao Rap: a música negra no Brasil. 1999. 271 f. Tese (Doutorado em Sociologia). Universidade Estadual de Campinas. Campinas,1999. GURALNICK, Peter. Sweet Soul Music: Rhythm And Blues And The Southern Dream Of Freedom. Londres: MOJO Book, 2002. SODRÉ, Muniz. Samba, o dono do corpo. Rio de Janeiro: MAUAD Editora. 1998.

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FOTOGRAFIAS ESCOLARES COMO FONTE: UMA BREVE ANÁLISE DA ARQUITETURA DO IEPPEP Thiago Rafael de Souza Fotografias escolares como fonte As fotografias carregam em si um elemento de rememoração capaz de produzir debates acerca de suas representações imagéticas, onde para interpretá-las é preciso um olhar crítico, considerando vários elementos, como por exemplo, a intenção do fotografo, o contexto de produção, o objetivo do registo e a tecnologia empregada na sua produção (SOUZA, 2001, p. 78). Os estudos e reflexões sobre os usos da fotografia como fonte colaboram para o conhecimento da memória social e para a compreensão das formas de representação do imaginário coletivo, pois produzem conteúdo vivencial e passível de investigação e identificação. Sendo assim, fontes imagéticas possuem um discurso e apresenta-se como uma fonte privilegiada que permite a leitura de um fragmento do tempo histórico, e que se utilizada com o auxilio de outras fontes históricas permitem ampla reflexão (OLIVEIRA; BITTENCOURT JR, 2012, p. 04). Em particular, Historiadores da educação preocupam-se na salvaguarda e na preservação de acervos escolares, e novas reflexões possibilitaram um interesse maior com relação à pesquisa das instituições educacionais, permitindo olhar para o seu interior, e ainda possibilitaram aos pesquisadores da educação uma reflexão conceitual e metodológica ampla e diversa, desenvolvendo assim um interesse maior com relação à pesquisa das instituições educacionais e seu “funcionamento interno” (CHARTIER, 1990). Tomada como instrumento de memória, a fotografia serve como fonte ao historiador e possibilita a construção do conhecimento histórico e de múltiplas atividades e práticas sociais. Como fonte discursiva, inscrevem-se no tempo e ainda representam acontecimentos significativos na memória coletiva institucional. Como a proposta do texto é analisar as imagens da arquitetura escolar do Instituto de Educação do Paraná, podemos observar a composição arquitetônica do prédio centenário do IEPPEP, como um espaço de representação de uma cultura institucional (SOUZA, 2001, p. 87) e um lugar de memória. Por lugares de memória, entendemos a partir do conceito de Pierre Nora, que são lugar que têm ou adquiriram a função de manter viva a memória, são lugares simbólicos, onde a memória coletiva se expressa e se revela. São espaços que carregam características de cada conceito, são um vestígio da memória, e uma possibilidade de construção da história. Lugares híbridos, mistos e mutantes (BREFE, 1996, p. 120) e servem para a valorização da tradição e como solução para o problema da perda de identidade dos grupos sociais. 468

Considerando o IEPPEP um lugar de memória, as fotografias escolares produzidas pela instituição são expressões e representação de uma cultural institucional carregando consigo uma variedade de significados que procuramos compreender através dessa análise.

Breve histórico do Instituto de Educação do Paraná Conhecido como uma referência no ensino do Estado do Paraná, a instituição foi criada em 12 de abril de 1876 com dois cursos: Escola Normal e Ginásio pelo então Presidente da Província Adolpho Lamenha Lins. Só em 1922, a Escola Normal teve suas próprias instalações, quando na comemoração do Centenário da Independência do Brasil, o Governador do Estado, Dr. Caetano Munhoz da Rocha, entregou à Escola Normal o Palácio da Instrução, na Rua Aquidaban (Hoje, Rua Emiliano Perneta). Em 1923, o Instituto de Educação do Paraná, até então denominado Escola Normal Secundária, é separado do Ginásio Paranaense. A Escola Normal passa a oferecer dois cursos, o Fundamental ou Geral e o Profissional. O curso Geral da Escola Normal em 1936 foi transformado em curso ginasial, e em 1938, esse curso foi fundido ao Ginásio Paranaense. Os alunos foram separados, no Ginásio Paranaense passaram a estudar somente rapazes, e na antiga Escola Normal, agora denominada Secção Feminina do Ginásio Paranaense, somente as moças. Em 1946, a Escola de Professores passou a ter a denominação de Instituto de Educação do Paraná e pela Lei 5692/71 novas alterações à estrutura do Instituto de Educação aconteceram, através da Proposta Organizacional de Complexos de Ensino. Em 1992, o Instituto de Educação a ser denominado Instituto de Educação Professor Erasmo Pilotto. Fica apenas um ano com essa denominação e no ano seguinte passa a se chamar Instituto de Educação do Paraná Professor Erasmo Pilotto – IEPPEP.

Arquitetura Escolar do IEPPEP O Instituto de Educação é uma edificação grande e imponente, uma construção de estilo eclético, fase da arquitetura brasileira pré-moderna, que mistura vários estilos e Neoclássica é a que mais se sobressai na construção referida. Grande parte das características originais, do prédio construído para comemoração do centenário da independência ainda são mantidas.

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Imagem do Instituto de Educação do Paraná na década de 1920 ou 1930. Fonte: Acervo digital do Instituto de Educação do Paraná. O prédio tem como características colunas grandes e janelas imensas com arcos em cima, salas grandes, pé direito alto, uma escadaria grandiosa na entrada sendo destaque da imensa fachada, levando a um saguão digno de um palacete e que reproduz a imponência da sua arquitetura. Há também um vitral ao qual pode ser observado pelo interior do saguão do colégio, um salão nobre, também conservado de maneira original, com uma imagem do governador Dr. Munhoz da Rocha, cadeira com grandes encostos e em ornadas, com muitos detalhes. Nota-se também um grande portão de ferro, cercado por grades, proporcionando a vista da edificação. Realmente uma fachada imponente, uma construção de grande porte para a década de 1920.

Imagem da escadaria central do saguão – ao fundo observa-se o vitral. Fonte: Acervo digital do Instituto de Educação do Paraná. Como construção das primeiras décadas da República, os grupos escolares tornaram-se símbolo do progresso sociocultural urbano, pois informavam à sociedade os valores sociais, culturais e morais, onde “O edifício escolar torna-se portador de uma 470

identificação arquitetônica que o diferenciava dos demais edifícios públicos e civis ao mesmo tempo em que o identificava como um espaço próprio” (SOUZA, 1998, p. 123).

Imagem da Fachada do Prédio do IEPPEP – 2006. Fonte: Acervo digital do Instituto de Educação do Paraná. A estrutura do Instituto de Educação são três pavimentos em forma quadrangular, ambos os andares com as portas das salas de aula voltadas para os corredores proporcionando uma interligação entre as salas e uma vista de todo o pátio de grande parte dos corredores – visão panóptica. Corredores com as grandes colunas já citadas anteriormente e voltadas para o interior da escola.

Imagem do Instituto de Educação do Paraná na década de 50. Fonte: Acervo digital do Instituto de Educação do Paraná. No saguão central é possível se ver nas paredes placas que contam a história da instituição, muitas delas são homenagens recebidas. Nota-se também a riqueza de detalhes nos acabamentos no teto, nas grandes portas e janelas e no corrimão logo na 471

entrada, com alguns entales. Observa-se uma riqueza nesses pequenos detalhes nos acabamentos da construção, e toda essa composição revelam significados múltiplos que envolvem essas instituições de ensino (SOUZA, 2001 p. 81).

Imagem do saguão central do IEP – 2006. Acervo digital do Instituto de Educação do Paraná.

Considerações Finais Como a função não mudou ao longo da história, ficaram estabelecidos os atributos básicos que caracterizam a edificação escolar: uma sala retangular, com assentos para os alunos e um quadro para o professor; uma parede com janelas, para receber a iluminação e a ventilação externas; um corredor de comunicação entre as classes; um espaço aberto de convívio e relaxamento. Através das fotografias escolares, que se relevam traços dessa arquitetura voltada para um espaço específico para as atividades de ensino, que são produzidas com diferentes e diversas finalidades, revelando significados múltiplos que envolvem essas instituições de ensino.

Referencias bibliográficas BORGES, Maria Eliza Linhares. História & Fotografia. 3 ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2011. BREFE, Ana Claudia Fonseca. Pierre Nora: da história do presente aos lugares de memória. História: Questões & Debates, Curitiba, vol. 13, nº 24, jul./dez. 1996, p. 105125.

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CHARTIER, Roger. A História Hoje: dúvidas, desafios, propostas. In: Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol. 7, n. 13, 1994, p. 97-113. _____. A história cultural entre práticas e representações. Lisboa: Difel/Rio de Janeiro: Bertrand do Brasil, 1990. LE GOFF, Jacques. Memória. In. História e Memória. Leitão, Bernardo...[et. al.] trad. 4ª ed. Campinas, SP. UNICAMP. 1996. OLIVEIRA, Rosangela Silva; BITTENCOURT JR., Nilton Ferreira. A FOTOGRAFIA COMO FONTE DE PESQUISA EM HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO: Usos, dimensão visual e material, níveis e técnicas de análise. I ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISAS E PRATICAS EM EDUCAÇÃO. 2012 SOUZA, Rosa Fátima de. Fotografias escolares: A leitura de imagens na história da escola primária. Educar, Curitiba, n.18, 2001, pp.75-101.

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DISCUTINDO A NOÇÃO DE FATO HISTÓRICO A PARTIR DO ROMANCE O CRIME DE SYLVESTRE BONNARD, MEMBRO DO INSTITUTO Rodrigo Conçole Lage Marc Bloch e Lucien Febvre irão dar origem ao movimento historiográfico chamado Escola dos Annales, que o historiador Peter Burke (1991) classifica como sendo a revolução francesa da historiografia. Os historiadores ligados a esse movimento foi construído em cima de uma crítica a historiografia tradicional. Dentre as muitas mudanças promovidas por esses historiadores temos a ampliação da noção de fonte histórica: “A nouvelle histoire francesa fez uso de novas fontes de modo a responder às novas questões que seus praticantes colocavam para o passado” (BURKE, 1997, p. 4). Os historiadores passaram a utilizar não só os documentos oficiais, mas tudo o que pudesse fornecer alguma informação sobre o passado (imagens, fontes orais, literatura, etc.). Adotando essa ideia, decidimos desenvolver a ideia de se discutir com o aluno a noção de “fato histórico” a partir do romance Le Crime de Sylvestre Bonnard, membre de l’Institut, do escritor francês Anatole France, prêmio Nobel de Literatura de 1921 é um modo de levá-lo a olhar de forma crítica a história que lhes é ensinada. O romance é o diário do historiador e filólogo Sylvestre, que teria sido escrito entre os dias 24 de dezembro de 1861 e 21 de agosto de 1882, cobrindo um período de quase 21 anos. Como os alunos veem o que é registrado nos livros de História? Aceitam passivamente o que é ensinado pele professor ou questionam o que está nos livros? Como o professor vê o conteúdo a ser ensinado? Vê nele a verdade a ser transmitida e memorizada ou apenas uma visão dos fatos, passível de ser problematizada. Ele deve se limitar a reproduzir o que está nos livros ou deve analisar criticamente seu conteúdo e assim ensiná-lo de modo a formar alunos críticos? Para que o professor, e os próprios alunos, possam questionar o conteúdo da matéria e ter uma visão de como a História é construída pelos que a escrevem é preciso primeiro entender a natureza do fato histórico, que é o objeto de conhecimento do historiador, do professor e, consequentemente, do próprio aluno. A definição mais simples desse conceito é a de que se trata de um acontecimento do passado, que pode ser conhecido por meio dos documentos, dai o surgimento e o desenvolvimento “da crítica textual como pedra angular do positivismo historiográfico” (FUNARI; SILVA, 2008, p. 30). Com o passar do tempo, podemos ver que essa noção se ampliou e passou a envolver não só os acontecimentos, mas também as instituições (como a inquisição), as ideias (como a noção de morte), objetos (como o livro), etc. Essa noção de fato histórico é muito útil, pois, por meio dela, o professor pode discutir com os alunos o porquê de alguns assuntos não serem tratados pela História. É um forma de levar os alunos a verem a história “como um processo social, no qual sujeitos produzem o mundo por meio da mediação cultural” (CARDOSO; VAINFAS, 2012, p. 474

279). E que, sendo construída por sujeitos, a exclusão desses sujeitos da História não é aleatória, mas tem um sentido. Discutir a exclusão da atuação da mulher ou dos indígenas, por exemplo, é de fundamental importância. No romance, Gélis discorda de Bonnard, que defende a ideia de que a História é uma ciência, o que o leva a discutir a própria noção de fato histórico. O professor poderia dar o trecho do romance para ser lido e depois discutido, antes mesmo do ensino da história propriamente dita. Isso permitiria aos alunos ver o conteúdo do livro didático não como uma mera reprodução do que aconteceu no passado, mas como algo construído pelos que o escreveram e passível de crítica. O trecho a ser trabalhado diz: – Antes de mais nada, que é a História? A representação escrita dos acontecimentos do passado. E que é um acontecimento? É um fato qualquer? Não, dirá o senhor, é um fato notável. Pois bem, como o historiador julgará se um fato é notável ou não é? O julgamento dele será arbitrário. Segundo o seu gôsto (sic) e o seu capricho, como imagina – enfim: julgamento de artista! Porque os fatos não se dividem pela própria natureza em fatos históricos e em fatos não históricos. Aliás, um fato é uma coisa extremamente complexa. O historiador conseguirá ver os fatos na sua complexidade? Não, não lhe é possível. Êle (sic) os representará sem a maior parte das particularidades que os constituem; por conseqüência (sic), truncados, mutilados, diferentes do que foram. Quanto à relação dos fatos entre êles (sic), o melhor é não falar. Se um fato histórico é produzido, o que é possível por um ou diversos fatores não históricos, e, como tais, desconhecidos, o meio para o historiador, desculpe perguntar-lhe, é assinalar a relação dos fatos entre êles (sic)? E em tudo o que lhe digo, Sr. Bonnard, suponho que o historiador tenha sobre os olhos provas certas; em realidade, êle (sic) só confia em tal ou tal testemunha por motivos de sentimento. (FRANCE, 1971, p. 222) O primeiro ponto a ser discutido é como, ao longo do tempo, muitos acontecimentos não foram tratados pelos historiadores por não serem considerados dignos de atenção. A exclusão das mulheres ou dos indígenas, como foi dito anteriormente, pode ser tema de debate. O questionamento a cerca da possibilidade de se abordar um fato histórico em toda a sua complexidade é outro ponto de extrema importância. Até que ponto o que é ensinado corresponde exatamente ao que aconteceu? Até que ponto o que o professor, ou o historiador, apresenta é um ponto de vista passível de ser interpretado com um sentido diferente, dependendo das fontes utilizadas e da forma como foi interpretado, porque não existe nenhuma prova que invalidade determinada interpretação? Esse questionamento não serve só para o aluno, mas como uma forma de reavaliar a própria prática pedagógica e o modo como o professor vê a História. Se o professor não se vê como um mero transmissor de fatos esses questionamentos não podem estar ausentes de sua prática pedagógica. Ao mesmo tempo, a questão das relações entre os diferentes fatos, dos pontos de conexão entre eles, de como fatos, que podemos chamar de não históricos, estão entrelaçados aos que os historiadores consideram históricos também pode levar a discussões interessantes.

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Por fim, o último ponto a ser abordado é a questão da veracidade do que é ensinado. Uma matéria de jornal pode ser utilizada para o ensino da história? De que forma o aluno vê uma notícia de jornal. Como uma descrição fidedigna dos acontecimentos? Ou a lê de forma crítica? Até que ponto uma fonte ou um relato histórico tem todo o valor e toda a autenticidade que o professor ou o historiador lhe confere? Trabalhar com diferentes textos sobre o mesmo assunto é uma forma de o professor levar o aluno a ver que nem tudo o que ele lê é necessariamente verdade O ponto mais importante, levantado pelos questionamentos apresentados no romance, é o da necessidade das discussões teóricas para a pesquisa e o ensino da história. Do contrários, teremos uma visão muito ingênua do que ela é. Assim, por tudo o que foi dito, podemos dizer que a utilização da literatura como fonte para discussões relativas ao ensino da história, assim como a prática do historiador, pode nos permitir lançar um novo olhar sobre as questões levantadas e sobre a própria prática pedagógica e o ofício do historiador.

Referências: FRANCE, Anatole. O crime de Sylvestre Bonnard. Rio de Janeiro: Editôra Opera Mundi, 1971. BURKE, Peter. A escola dos Annales 1929-1989: a revolução francesa da historiografia. 3. ed. São Paulo: UNESP, 1991. ________. Gilberto Freyre e a nova história. Tempo Social, São Paulo, v. 9, n. 2, p.112, 1997. Disponível em: . CARDOSO, Ciro Flamarion; VAINFAS, Ronaldo (Org.). Novos Domínios da História. Rio de Janeiro: Elsevier, 2012. FUNARI, Pedro Paulo A.; SILVA, Glaydson José da. Teoria da História. São Paulo: Brasiliense, 2008.

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REFLEXÕES SOBRE AS POTENCIALIDADES DO USO DO CINEMA EM SALA DE AULA: RELAÇÕES COM O ENSINO DE HISTÓRIA Rodrigo Luis dos Santos O objetivo deste texto é fomentar, sobretudo, uma reflexão sobre as fontes e instrumentos utilizados pelos pesquisadores e professores de História em sua atuação profissional, com atenção especial para o segundo grupo. Para isso, optamos por privilegiar um produto cultural que, embora seja muitas vezes utilizado e objeto de análises, ainda ocupa um lugar secundário no espaço historiográfico: o cinema e as produções fílmicas. A análise histórica e a construção historiográfica do meio social passaram por significativas mudanças, advindas sobretudo após as formulações da Escola dos Annales,no início do século XX, e o crescimento vertiginoso da chamada Nova História Cultural a partir da década de 1980. Nesta perspectiva, não apenas no campo teórico ou de pesquisa empírica, mas também na área do ensino de História, novas fontes e recursos passaram a ser considerados como qualificados. Um destes elementos é o cinema. No campo da História Cultural, é de grande difusão o conceito de representação, principalmente a concepção de Roger Chartier. Para este pesquisador, as representações são construções que a sociedade faz de si mesma, tanto no que se refere aos tempos passados como ao presente, elegendo determinados aspectos, códigos, signos e recortes, ao mesmo tempo em que refuta e ignora outros. Deste modo, a representação se dá de forma consciente. Evidentemente, ela não é algo heterogêneo e imutável, pois estas também são frutos de determinados contextos e conjecturas estruturais da sociedade. Em consonância com essa assertiva, acreditamos que as construções cinematográficas são importantes fontes e instrumentos para análise das construções socioculturais e das representações que são constituídas no e sobre o meio social. Por outro lado, a educação tradicional, seja por conta de suas limitações curriculares, das diretrizes que muitas vezes busquem apenas a formação para o mercado de trabalho ou até mesmo a falta de formação dos docentes diante das novas possibilidadesde aperfeiçoamento dos instrumentos de ensino, ainda vê o cinema como mero mecanismo de entretenimento. Por isso, ainda encontramos o uso de filmes como um recurso complementar, seja para evidenciar algum aspecto abordado em sala de aula, seja para ocupar algum espaço ocioso. No campo do ensino de História, muito se tem falado em despertar o senso crítico e a capacidade investigativa e de questionamento dos alunos. Por conta disso, se vislumbram o uso de recursos variados para esse objetivo, como o uso de fontes primárias, entrevistas, saídas e viagens de estudo. Na esteira deste processo, o cinema pode assumir um papel de destaque, deixando seu papel simplório e meramente ilustrativo. 477

Tendo em vista as competências e habilidades que o ensino de História deve buscar cada vez mais despertar nos alunos (embora estejamos vivendo um tempo de incertezas quanto ao papel da História e de outras disciplinas na Educação Básica brasileira), a análise fílmica, se bem orientada e conduzida, tende a colaborar significativamente para uma melhor compreensão histórica e de mundo social na atualidade. Segundo Kátia Abud, pode-se afirmar que o filme promove o uso da percepção, uma atividade cognitiva que desenvolve estratégias de exploração, busca de informação e estabelece relações. Ela é orientada por operações intelectuais, como observar, identificar, extrair, comparar, articular, estabelecer relações, sucessões e causalidade, entre outras. Por esses motivos, a análise de um documento fílmico, qualquer que seja seu tema, produz efeitos na aprendizagem de História, sem contar que tais operações são também imprescindíveis para a inteligibilidade do próprio filme (ABUD, 2003, p. 191). O estabelecimento de diferentes fontes de pesquisa e análise histórica são imprescindíveis não apenas para os historiadores que se dedicam ao campo investigativo, mas também para aqueles que se dedicam ao campo da docência. Isso se faz necessário justamente para possibilitar maior interação dos historiadores e professores de História na dinâmica social, estreitando formas de se valorizar e compreender a importância da História para o entendimento das múltiplas formas de relações existentes na complexidade das sociedades atuais. Muitas vezes, tanto pesquisadores quanto professores, tendem a se isolar não apenas em torno de seu ofício, mas também ao diálogo com novas tendências e novas tecnologias de interação social. Esse isolamento, de certa forma, colabora para uma visão errônea do que é História. Tendo ciente as urgentes questões que envolvem o fazer historiográfico e o ensino de História, mesmo tendo em vistas os desafios inerentes ao futuro, é preciso continuar atento para as mudanças sociais, em seus múltiplos sentidos, sobretudo no campo cultural. Outrossim, os filmes e o cinema, por serem produtos de um meio sociocultural, são possíveis de serem analisados criticamente, levando, neste caso, os alunos a compreenderem em maior profundidade não apenas os códigos visíveis na produção fílmica, mas o processo de construção de sentidos e visões de mundo, de representações sociais, de argumentos e discursos sobre o passado, o presente e o futuro. A partir desta compreensão e de uma nova percepção sobre a capacidade de uso dos filmes, tanto no campo da pesquisa como do ensino, outras fronteiras passam a ser desbravadas e resultados significativos podem ser obtidos, especialmente no campo da educação, nos seus diferentes níveis, da Educação Básica ao Ensino Superior.

Referências ABUD, Kátia Maria. A construção de uma Didática da História: algumas ideias sobre a utilização de filmes no ensino. História, São Paulo, 22(1); 2003.

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ALVES, Giovanni; MACEDO, Felipe. Cineclube, Cinema& Educação. Londrina: Práxis, Bauru: Canal 6, 2010. BARROS, José D’Assunção. O campo da História: especialidades e abordagens. 6. Ed., Petrópolis: Vozes, 2009. _______________. O projeto de pesquisa em História: da escolha do tema ao quadro teórico.Petrópolis: Vozes, 2009. BURKE, Peter. A Revolução Francesa da Historiografia: A Escola dos Annales(1929-1989). São Paulo: Editora Universidade Estadual Paulista, 1991. CAPELATO, Maria Helena, MORETTIN, Eduardo, NAPOLITANO, Marcos, SALIBA, Elias Thomé. História e cinema: dimensões históricas do audiovisual. São Paulo: Alameda, 2007. CARDOSO, Ciro Flamarion. VAINFAS, Ronaldo. Domínios da História: ensaios de teoria e metodologia. Rio de Janeiro: Elsevier, 1997. CHARTIER, Roger. A História Cultural: entre práticas e representações. Lisboa: Difel, Rio de Janeiro: Bertrand, 1990. FERRO, Marc. A manipulação da história no ensino e nos meios de comunicação. São Paulo: Ibrasa, 1983. ____________. Cinema e História. São Paulo: Paz e Terra, 1992.

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A MÚSICA COMO FONTE HISTÓRICA: APRENDIZAGEM NO ENSINO DE HISTÓRIA Ronilson Oliveira Paulino Introdução Privilegiar a música no ensino de história significa construção de conhecimento por meio de um recurso de grande prazer e motivação. Esse artigo tem como objetivo levantar questões e apresentar sugestões acerca do uso da música como recurso didático-pedagógico nas aulas de História. Pois os elementos da música como o som, ritmo, melodia, acabam por contribuir e até mesmo facilitar o processo de ensino aprendizagem, na comunicação, interação entre alunos e professor. Devido a esse contato dos jovens com a música, pode acabar favorecendo a entrada para um caminho de aproximação dos alunos com o trabalho envolvendo canções. A música pode possibilitar ao aluno, com as orientações do professor, conhecer certos períodos históricos onde o aluno possa sentir-se sujeito histórico, possibilitando o estudante conhecer uma determinada realidade. Por este motivo lembramos e queremos aqui destacar que como outra atividade, o uso da música deve ser planejado antecipadamente, o aluno precisa antes de tudo, compreender a matéria ensinada para poder fazer ligações da mesma com a música trabalhada.

Desenvolvimento A música nem sempre foi considerada como um documento histórico, uma vez que a história do século XIX era voltada para uma escala positivista, onde os autores só descreviam os fatos, sem fazer interpretação destes. Segundo Reis (2004, p.16), “a função do historiador seria a de recuperar os eventos, suas interconexões e suas tendências através da documentação e fazer-lhes a narrativa”. No entanto a história dita positivista estava apenas limitada a documentos oficiais, baseada em relatórios governamentais, ou seja, era uma história a favor da política. No entanto no final da década de 1920, surge um grupo de historiadores franceses, destacando-se Lucien Febvre e Marc Bloc, dando início a uma renovação historiográfica com a criação da revista Annales (1929) e da nova corrente historiográfica, a “Escola dos Annales”. Onde os mesmos procuraram dinamizar o campo historiográfico, defendendo uma história crítica, comparativa, etc. (SANTOS; PEREIRA, 2012) 480

Desta maneira novos assuntos foram introduzidos na história, como cinema, festas, musica, o cotidiano as mentalidades, etc. Como ressalta Napolitano (2005): “a canção ocupa um lugar especial na produção cultural, em seus diversos matizes, ela tem o termômetro, caleidoscópio e espelho não só das mudanças sociais, mas, sobretudo das nossas sensibilidades coletivas mais profundas”. O que nos leva a crer que a música nos leva a compreender melhor determinado tempo histórico. Com utilização de diferentes linguagens e fontes no ensino de história as mesmas acabam possibilitando o reconhecimento da escola como espaço social, onde o saber escolar reelabora o conhecimento produzido pelo historiador e, nesse processo, integra um conjunto de “representações sociais” do mundo e da história, praticados por professores e alunos, frutos da experiência de ambos e provenientes de diversas fontes de comunicação. Buscando desta forma despertar o senso crítico do aluno, permitindo que ele compreenda a sua realidade em uma dimensão histórica, identificando mudanças, resistências e permanências, da qual o indivíduo possa situar-se. Como função cultural, o exercício da música possibilita vivenciar sentimentos pretéritos e presentes de uma época, pela percepção de como o compositor diz o que diz. Como código musical envolve a ideologia e a “maneira de ser” de determinada época, sua vivência estimula formas de pensamento distintas do rotineiro, o que significa dizer que a música possibilita ao educando atentar para seus sentimentos, alimentando-os com experiências vivenciadas e ressignificadas em novas relações. E se a obra musical aponta determinada direção aos sentimentos do educando (ouvir música é ouvir direções), ela também descortina novas possibilidades de que ele se sinta e se conheça, pois a maneira de vivenciá-la é exclusivamente pessoal, é exclusivamente função do receptor. Expressando sentidos irredutíveis a palavras, a música cria um espaço em que os sentimentos dos educandos acabam por encontrar novas e múltiplas possibilidades de ser (Sekeff, 2007: 133). A incorporação da linguagem musical ao ensino de História reclama do professor e do aluno uma percepção mais consciente da canção popular. Trata-se de uma fonte de pesquisa, onde a forma e o conteúdo integram-se como força de expressão, como referencial de manifestação e comunicação. Sem sombra de dúvida, ela nunca esteve tão presente no cotidiano de crianças e adolescentes. Imagens e sons acessados pela internet, canais de TV paga exclusivos de música, diversos programas de TV em canais abertos, aparelhos eletrônicos minúsculos, telefones celulares com os mais variados recursos, diferentes fones de ouvidos usados como se fossem um adereço obrigatório, tudo isso permite um extenso contato do jovem de hoje com os mais variados estilos musicais. (DUQUE, 2012, p.3) 481

A linguagem musical é de extrema importância, pois o aluno se interage as aulas e a musica acaba por descrever uma realidade social, onde a escola procura discutir esta realidade. A canção popular ajudar a repensar a historia e a sociedade. Durante a ditadura militar a musica ganhou grande repercussão no Brasil, de artistas que através da letra das músicas, denunciavam e emergiam o que estava acontecendo naquele período, as escolas procuram sempre trabalhar com músicas quando se trata de ditadura militar, pois, muitos foram os artistas que engajaram na luta contra esta fase turbulenta na história brasileira. Após o Ato Institucional nº5, instrumento legal promulgado em fins de 1968 que aprofundou o caráter repressivo do Regime Militar brasileiro implantado quatro anos antes, houve um corte abrupto das experiências musicais ocorridas no Brasil ao longo dos anos 60. Na medida em que boa parte da vida musical brasileira, naquela década, estava lastreada num intenso debate político-ideológico, o recrudescimento da repressão e a censura prévia interferiram de maneira dramática e decisiva na produção e no consumo de canções. A partir de então, os movimentos, artistas e eventos musicais e culturais situados entre os ‘marcos da Bossa Nova (1959) e do Tropicalismo (1968) foram idealizados e percebidos como a balizas de um ciclo de renovação musical radical que, ao que tudo indicava, havia se encerrado. (NAPOLITANO, 2002, p.1) É interessante fazermos interrogação enquanto a música do autor, ou seja, no que sustenta a sua imagem, seu significado e como ela foi concebida, etc. Segundo David (2010?, p.106) Uma técnica que vem apresentando bons resultados consiste no desdobramento do trabalho em três momentos básicos: audição sem a letra, audição com a letra e canto. Pode ser desenvolvida da seguinte forma: Audição e análise da música (sem que a letra tenha sido entregue para os alunos), quantas vezes se fizer necessário, para que os mesmos se manifestem em relação ao que ouvem: melodia, ritmo, instrumentos, cantor, tema da música e em seguida anotem as palavras que consigam perceber. Audição e análise da música com a letra, implicando em uma prática que se inicia com considerações sobre o título, apresentação do compositor, trabalho com o vocabulário e, a partir do domínio do mesmo, reflexões acerca do conteúdo; hora de interrogar o texto. Momento de cantar, cuja dinâmica deve percorrer os passos do canto em conjunto ao individual. O professor ao utilizar a música como um documento em sala o professor, estará mostrando aos alunos que não só o livro didático é detentor de todo conhecimento, a música acaba por contribuir para um amplo conhecimento.

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Considerações finais Contudo, é importante frisarmos que a música tem um grande papel na vida das pessoas. Visto que agregadas aos temas esclarecidos e explicados pelo professor, se torna uma importante ferramenta de complementação e dinamismo nas aulas de quaisquer áreas. Sabemos que nem todos os alunos tem a mesma facilidade para aprendizado que outros, no entanto o que o aluno não compreendeu na aula ou até mesmo o assunto abordado não lhes interessou, quando o professor complementa com a música , a história realmente muda de figura. O que se nota é que em sua maioria os alunos já tem acesso a qualquer estilo de música, é quando dinamizado pelo professor é muito bem aceita pelos alunos. O que os professores devem fazer é tentar dinamizar as aulas, principalmente de história, para não se tornar aulas maçantes, quer seja com músicas, teatros, danças, vídeos, entre outros. Para que assim sejam passados os conteúdos com mais leveza para que realmente eles possam aprender e apreender os conteúdos ministrados pelo professor.

Referências DUQUE, Luís Guilherme Ritta. A canção brasileira na sala de aula: possibilidades didático-pedagógicas. Aedos n. 11, vol. 4 - Set. 2012 DAVID, Célia Maria. Musica e ensino de história: uma proposta. São Paulo: Unesp, 2002 SANTOS, Geilza da Silva; PEREIRA, Auricélia Lopes. A música como instrumento didático: novas formas de ensino-aprendizagem em história, 2012. NAPOLITANO, Marcos. A música popular brasileira (MPB) dos anos 70: resistência política e consumo cultural. Iv congresso de la rama latino-americana, abril, 2002. REIS, José Carlos. A história entre filosofia e a ciência. Belo horizonte: autêntica, 2004. SEKEFF, Maria de Lourdes. Da música seus usos e recursos. 2ª Ed. São Paulo: UNESP, 2007.

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NOTAS ACERCA DA PROPOSTA DE TRATAMENTO TÉCNICO, HIGIENIZAÇÃO E ORGANIZAÇÃO DO ACERVO DA REDE FERROVIÁRIA FEDERAL NO IFPR, CAMPUS UNIÃO DA VITÓRIA Vitor Marcos Gregório Elisângela Mota Pires Ana Vitória Kozan Kiedes Julien de Paula Mariana Hirsch Leandro O historiador francês Jacques Le Goff lembra, em sua obra “História e memória”, que são dois os tipos de materiais aos quais se aplica a memória coletiva e a história, sua forma científica: os documentos e os monumentos. De acordo com sua definição, os monumentos – heranças ou sinais do passado – nada mais são do que “tudo aquilo que pode evocar o passado, perpetuar a recordação”. Neste sentido, uma de suas características centrais seria a capacidade de vincular-se ao poder de conservação, voluntária ou não, da memória das sociedades históricas (LE GOFF, 1990, p. 535-536). Por seu turno o documento, fruto direto de uma escolha consciente do historiador (responsável por elegê-lo enquanto mediador entre seus próprios questionamentos e o passado no qual elege buscar respostas), tem como característica atuar como uma espécie de testemunho inconsciente (ou consciente) dos fatos passados, permitindo seguir passos que não mais podem ser contemplados na areia do tempo sempre corrente e fugidio, reconstruir realidades que, não fossem por estes vestígios buscados incessantemente pelos cientistas do tempo idos, não mais poderiam ser conhecidas ou, sequer, vislumbradas (IDEM, p. 537). Tratam-se, claro está, de definições que colocam no sujeito que indaga o papel de protagonista do processo de reconstrução histórica, que colocam como necessário fator determinante das respostas aferidas os questionamentos formulados pelo observador e seu direcionamento aos elementos que medeiam entre ele, ser concreto filho de seu tempo e dotado de capacidade reflexiva e o passado, realidade apenas intuída que se manifesta concretamente apenas nos vestígios que de si legou àqueles que vieram posteriormente. Neste sentido, como bem defenderam os fundadores da revista “Annales d’Histoire économique et sociale”, precursora da famosa “Escola dos Annales”, nem monumentos e tampouco documentos precisam se constituir, necessariamente, apenas de materiais escritos, uma vez que é da capacidade de análise do historiador que resultará as respostas que oferecerão com relação ao passado que representam. Segundo Lucien Febvre, “a história faz-se com documentos escritos, sem dúvida. Quando estes existem. Mas pode fazer-se, deve fazer-se, sem documentos 484

escritos, quando não existem. Com tudo que a habilidade do historiador lhe permita utilizar para fabricar o seu mel, na falta das flores habituais. Logo, com palavras. Signos. Paisagens e telhas. Com as formas do campo e as ervas daninhas. Com os eclipses da Lua e a atrelagem dos cavalos de tiro. Com os exames de pedras feitos pelos geólogos e com as análises de metais feitas pelos químicos. Numa palavra, como tudo o que, pertencendo ao homem, depende do homem, serve o homem, exprime o homem, demonstra a presença, a atividade, os gostos e as maneiras de ser do homem.” (FEBVRE, 1949, p. 428). Não há história, portanto, sem a capacidade reflexiva do observador. Mas não há, do mesmo modo, história sem a existência de vestígios monumentais que possam ser transformados – pelo questionamento realizado – em documentos. Sendo a história apenas a forma científica da memória coletiva, aquela que mantém em si as informações que nos permitem compreender o ponto de partida, as causas e o modo pelo qual se construiu a trajetória que nos trouxe até o presente configurando, deste modo, uma determinada forma identitária única e irrepetível, fica clara a importância da preservação destes vestígios para a conservação desta mesma memória. Transmutam-se estes vestígios, definidores de uma determinada identidade grupal (que pode ser local, regional, nacional ou supranacional) em patrimônios culturais, “conjunto de bens, materiais e imateriais, que são considerados de interesse coletivo, suficientemente relevantes para a perpetuação no tempo” [RODRIGUES, s/d, p. 48], expressões únicas das vivências históricas de todo um povo e, portanto, instrumentos únicos para compreensão deste mesmo povo. O acervo da Rede Ferroviária Federal S/A – RFFSA constitui, pode-se dizer, um valioso patrimônio histórico e cultural. Formado por um vasto conjunto de itens escritos e não escritos das mais diversas épocas do século XX, permite reconstruir uma infinidade de trajetórias históricas de indivíduos e grupos as quais, unidas, configuram um dos capítulos mais importantes da história não apenas do Paraná e de Santa Catarina, mas de todo o Brasil. Dentro deste conjunto mais amplo de incontáveis itens uma considerável porção foi destacada e cedida ao campus União da Vitória do Instituto Federal do Paraná, através de contrato de concessão negociado juntamente ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN, Superintendência Paraná. A escolha de nossas dependências para depósito deste material não foi aleatória. A região na qual estamos inseridos deve muito de sua história aos trilhos da antiga Estrada de Ferro São Paulo – Rio Grande, posteriormente Rede de Viação Paraná – Santa Catarina e, finalmente, Rede Ferroviária Federal S/A. A Guerra do Contestado, que convulsionou todo este território no início do século XX provocando mortes, destruição, e uma divisão de ordem política que se mantém até hoje, teve na construção desta ferrovia um de seus mais fortes motivadores. Do mesmo modo, foi através das locomotivas que por aqui transitaram que chegou grande parte da riqueza responsável pela manutenção de sua população durante décadas, e grande parte das construções oriundas do apogeu deste meio de transporte ainda existem e servem, em boa medida, aos moradores das duas margens do rio Iguaçu. Muitas das famílias aqui residentes possuíram um ou mais membros trabalhando na estação e em seu entorno, e vários daqueles que outrora garantiam a preservação da linha e o bom funcionamento das composições ainda se encontram vivos para contar histórias daqueles tempos idos. 485

De fato, não foram poucas as oportunidades nas quais pudemos tomar contato com o desejo de que medidas concretas para a valorização da história ferroviária de nossas cidades fossem adotadas. Neste sentido a locomotiva Lima 1913, carinhosamente apelidada “Maria Fumaça”, como outras tantas locomotivas a vapor ainda existentes Brasil afora e atualmente desativada, foi sempre lembrada como um patrimônio histórico de inestimável valor para toda a comunidade. Do mesmo modo, a ausência de acervos e locais nos quais sua trajetória pudesse ser estudada com frequência surgiu como a causa de sentidas lamentações por parte de nossos interlocutores. Estas conversas, conjugadas à tomada de conhecimento da existência deste acervo (até então votado ao estado de abandono nas dependências do prédio Teixeira Soares, antiga sede da Rede de Viação Paraná – Santa Catarina, em Curitiba), levaram ao início de negociações que duraram cerca de sete meses e culminaram com a concessão acima mencionada. Uma vez conquistada, era chegada a hora de pensar nos meios necessários para disponibilizar esta importante documentação a toda a comunidade. Devido às suas dimensões, ficou logo patente que tal objetivo não poderia ser alcançado através do trabalho solitário de um docente (ao menos não sem requerer anos de trabalho do mesmo, em paralelo com as suas atividades ordinárias realizadas no campus). Surgiu daí a ideia de contar com a participação dos estudantes na empreitada a qual proporcionará, além da diminuição do tempo necessário para a conclusão dos trabalhos de organização e catalogação necessários para disponibilização do acervo para acesso controlado de toda a comunidade, uma oportunidade única para realização de atividades voltadas para a apropriação de conhecimentos úteis para a formação integral de nossos jovens. Isto porque este projeto tem como pressuposto o reconhecimento de que não é possível formar um cidadão plenamente consciente se não lhe forem apresentados os processos centrais que definiram sua trajetória histórica, incentivando ao mesmo tempo a reflexão crítica sobre essa mesma trajetória e sobre os modos de transformá-la decisivamente, no sentido de tornar objetivamente melhores as condições de vida do indivíduo e da sociedade na qual está inserido. Ao mesmo tempo, os trabalhos técnicos relativos à higienização, organização e catalogação deste importante material propiciarão maior integração entre o campus e o restante da sociedade, através da realização de eventos periódicos de divulgação das atividades realizadas e, finalmente, da recepção de todos aqueles interessados na história da ferrovia e desta grande região em suas dependências, quando as atividades programadas estiverem concluídas. Constitui ponto nodal da definição do conceito de patrimônio, tal qual explicitada brevemente acima, o reconhecimento de sua importância para a garantia da perpetuação no tempo da trajetória humana, o que o torna instrumento de imensurável valor para a compreensão desta mesma trajetória e do grupo que a realizou. Neste sentido, a concessão do acervo da Rede Ferroviária Federal pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN ao nosso campus representa uma feliz ocasião na qual os princípios norteadores do Instituto Federal do Paraná, enquanto instituição, e do campus União da Vitória, enquanto agente de atuação direta na localidade, se coadunam perfeitamente com as políticas definidoras daquela organização votada à preservação patrimonial, tal qual definido no próprio contrato de concessão deste importante acervo. Afinal, como muito bem definido neste documento, a melhor forma de conservar um 486

patrimônio é colocando-o a serviço da comunidade, e é exatamente isso que a proposta aqui apresentada objetiva realizar. Com a presença destes documentos em nosso campus ganharão os estudantes, que terão a oportunidade de manter contato com um acervo riquíssimo repleto de itens únicos, muitos dos quais não disponíveis em nenhum outro lugar do país. Ganharão os moradores de toda a região de Porto União da Vitória, que terão a oportunidade de compreender sua própria trajetória através da consulta direta a um material que, se estivesse em outra cidade, dificilmente poderia ser acessada. Ganhará o poder público municipal, que passará a contar com um importante instrumento pedagógico e de pesquisa disponível também para os estudantes das demais escolas públicas e privadas, além das faculdades. E ganhará, em última instância, todo o Brasil, que poderá contar com a preservação de um importante acervo que, de outra forma, muito provavelmente seria irremediavelmente perdido como vítima do descaso e do abandono que já vitimaram tantos outros insubstituíveis patrimônios históricos e culturais nos mais diversos recantos do país.

Bibliografia ABREU, Regina & CHAGAS, Mário (orgs). Memória e patrimônio: ensaios contemporâneos. Rio de Janeiro. DP&A. 2003; CAMPUS UNIÃO DA VITÓRIA. Projeto Político Pedagógico – Versão preliminar. União da Vitória. 2014. FEBVRE, Lucien. Vers âne autre histoire. In: Revue de métaphysique et de morale, número LVIII. 1949, pp. 419-438; IFPR. Plano de Desenvolvimento Institucional 2014-2018. Curitiba. Dezembro de 2014; LE GOFF, Jacques. História e memória. Campinas. Editora da Unicamp, 1990; ROCHA, Thaíse Sá Freire. Refletindo sobre memória, identidade e patrimônio: as contribuições do programa de Educação Patrimonial do MAEA-UFJF. In: Anais do XVII Encontro Regional (ANPUH-MG). Mariana. 2012. Disponível em: http://www.encontro2012.mg.anpuh.org/resources/anais/24/1340766055_ARQUIVO_A rtigo-Anpuh.pdf. Acesso em 8 de fevereiro de 2017; RODRIGUES, Donizete. Patrimônio cultural, memória social e identidade: uma abordagem antropológica. In: Revista Online do Museu de Lanifícios da Universidade da Beira Interior, número 1. s/d, pp. 45-52;

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POSSIBILIDADES DO ENSINO DE HISTÓRIA E DOS MOVIMENTOS SOCIAIS CONTEMPORÂNEOS A PARTIR DAS NOVAS TECNOLOGIAS Valdenira Silva de Melo As novas discussões historiográficas voltadas para os métodos de ensino têm levado estudiosos a refletir sobre tais práticas. A questão metodológica no ensino de História é tema de reflexões e debates na tentativa de encontrar ou criar estratégias didáticas, de como melhorar a prática docente. Para tanto, esta produção apresenta possibilidades de como podemos trabalhar com os movimentos sociais no ensino de História utilizando as linguagens de ensino das novas tecnologias. Em relação ao ensino de História tendo como foco as novas tecnologias, Maria Vandete Almeida (2016, p.81) discute vários conceitos sobre as redes sociais, porém, destacamos o seguinte: Mas é sob o ponto de vista tecnológico que a noção de rede ou o termo em si assume maior conotação e torna-se tema de acirrados e extensos debates dentre estudiosos das diversas áreas do conhecimento que apresentam e defendem amplas perspectivas de estudos e de análise em torno de suas características, possibilidades e potencialidades observadas a partir do avanço e propagação das tecnologias de informação e comunicação, uso de computadores e ambientes virtuais propiciados por redes eletrônicas de informações que originaram novas formas de interação e sociabilidade humanas, independentes de distâncias e de laços sociais, e que decorreram na formação de uma “cultura global” afirmada no impacto dos espaços virtuais abertos pelas conexões das redes informatizadas. É nesse sentido, definido por Almeida, que as Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC’s) ganham maior proporção e revolucionam a Contemporaneidade, influenciando mudanças significativas também, no contexto educacional. De acordo com Lapa; Beloni (2010, p.15): Então, neste contexto de mudança, a inovação tecnológica é responsabilizada pela quebra de paradigmas. Essa leitura dos acontecimentos contemporâneos serve bem à construção de uma abordagem tecnológica na qual os teóricos que a defendem pregam a inevitabilidade de uma vida digital.

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Desta forma, podemos dizer que trabalhar com as novas tecnologias no ensino de História, é um grande desafio, visto que muitos docentes não sabem utilizar as ferramentas multimídias. Destacamos também que assim como tem alunos que tem acesso a internet e domina o mundo virtual, tem aqueles que não se enquadram nesse padrão. A partir da década de 90, segundo Almeida (2016), há uma intensificação das TIC’s e com ela a redução da distância entre as pessoas e as nações, consagrando naquilo que denominou-se de virtual. Essa rede de articulação virtual ganhou enormes proporções que permitiu principalmente, a interligação entre os sujeitos sociais. Um exemplo de como trabalhar com os movimentos sociais utilizando as tecnologias, é partindo dos conceitos. Os movimentos sociais são “redes de articulações” que precisam ser entendidas nos seus diversos aspectos levando em consideração a conjuntura política em que essas manifestações são evidenciadas. Assim considera Gohn (2011, p.335, 336): Na ação concreta, essas formas adotam diferentes estratégias que variam da simples denúncia, passando pela pressão direta (mobilizações, marchas, concentrações, passeatas, distúrbios à ordem constituída, atos de desobediência civil, negociações etc.) até as pressões indiretas. Na atualidade, os principais movimentos sociais atuam por meio de redes sociais, locais, regionais, nacionais e internacionais ou transnacionais, e utilizam-se muito dos novos meios de comunicação e informação, como a internet. Essas estratégias de mobilização através das redes sociais permite uma linguagem de ensino que busque analisar a História e os sujeitos sociais envolvidos nesse contexto de forma crítica. Dessa forma, para trabalhar com os movimentos sociais contemporâneos, é necessário evidenciar os interesses que estão implícitos nas informações veiculadas pelas TIC’s, principalmente as mídias de massa (televisão e rádio). Analisar a conjuntura política, econômica e social do país e relacioná-las as ações coletivas são primordiais para compreender a atuação dos movimentos sociais. Uma possibilidade do ensino de História, voltado para os movimentos sociais contemporâneos é a atual conjuntura política do Brasil, dando ênfase aos movimentos de 2015, que culminou com o golpe em maio de 2016. As redes sociais utilizadas para divulgar o movimento “Vem pra rua”, possibilitou a articulação entre as pessoas que culminou com as manifestações materializadas nas regiões do Brasil. A veiculação das manifestações sociais, principalmente, por emissoras de televisão interessadas na destituição do poder democrático, foi fator decisivo na construção da opinião pública e do apoio ao movimento golpista, situações evidenciadas pela força das TIC’s e sua influência no âmbito social. Sobre as manifestações que antecederam o golpe: É, porém, importante sublinhar que isso se trata do movimento que os meios fazem em seu benefício, o que não significa que não encontrem contestação ou resistência. É assim que, quando no dia 15 de março de 489

2015, a manifestação que contou com a decisiva participação deles em sua arquitetura e convocação nas páginas dos seus jornais, telas de TV e aparelhos de rádio, o que foi depois por eles insistentemente apresentado como “movimento espontâneo organizado pelas redes sociais”, se caracterizou como um espécie de espelho dos grupos dominantes. Tirando as faixas e cartazes de grupos organizados mais radicais que pregavam a subversão das instituições ou se apresentavam com slogans sexistas, de baixo calão, preconceituosos e etc., na maioria das vezes beirando o, senão comendo, crime, os meios se esforçaram em mostrar atos carnavalizados, coloridos, bem-humorados, sem violência, quase ascéticos, moralmente impolutos. Transformaram a política em espetáculo de boulevard, tanto no sentido de que levada às ruas, quanto no sentido de elitista, para as famílias, no claro sentido de tornar o governo cada vez mais refém da sua agenda. (GRIJÓ, 2015, p.10) Trabalhar no ensino de História essa possiblidade tecnológica, permite analisar os sujeitos envolvidos nos movimentos sociais e seus reais interesses, ao mesmo tempo que promove maior participação do aluno na discussão visto estar utilizando uma ferramenta que domina e lhe interessa, quando se refere a internet. Por outro lado, permite construir conceitos e perceber que ao longo da história a mídia de massa, se faz presente e manipula a opinião pública em prol de seus interesses. Cabe analisar se os movimentos de 2015 foram de fato “movimentos espontâneos” ou movimentos induzidos, intencionais partindo de um discurso manobrista de oligopólios midiáticos que induziram a opinião pública. Partindo de tais questionamentos, o ensino de História deve possibilitar ao aluno emitir o seu ponto de vista e ao longo de leituras e discussões construir sua autonomia intelectual e crítica. Portanto, cabe ao docente historiador se valer dessa ferramenta e fazer uma reflexão em sala de aula quanto a informação enquanto produto de um grupo social e político construída para atender aos interesses do poder e do capital, e dessa forma poder contribuir com uma aprendizagem significativa visto que o aluno parte dos acontecimentos de seu tempo para a compreensão das estruturas políticas e sociais que permanecem na vicissitude do poder.

Referências bibliográficas ALMEIDA, Maria Vandete (Negavan) Revoluções Tecnológicas, Redes Sociais e Movimentos Contemporâneos. In: BRUNELO, Leandro (Organizador). Ensino de História e Movimentos Sociais: Problematizações, Métodos e Linguagens. Editora UEM/PGH/História, Maringá, 2016. p.75-96 GOHN, Maria da Glória. Movimentos sociais na contemporaneidade. In: Revista Brasileira de Educação v. 16 n. 47 maio-ago. 2011. Universidade Estadual de Campinas. Universidade Nove de Julho.

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GRIJÓ, Luiz Alberto. Mídia e poder no Brasil Contemporâneo: a democracia sequestrada. In: XXVIII Simpósio Nacional de História. Lugares dos Historiadores: Velhos e Novos Desafios. Florianópolis, 2015. LAPA, Andrea Brandão; BELLONI, Maria Luiza. Introdução à educação a distância. Florianópolis: UFSC/CED/NUP, 2010.

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O ENSINO TEÓRICO-PRÁTICO DE HISTÓRIA DAS REVOLUÇÕES E MOVIMENTOS SOCIAIS NA CONTEMPORANEIDADE: UMA ÓTICA A PARTIR DO USO DAS MÚSICAS E DA LITERATURA Wilverson Rodrigo Silva de Melo Introdução O Ensino de História tem se apresentado cada vez mais como um grande desafio na contemporaneidade. Estreitar laços entre a História enquanto Ciência e a História enquanto Disciplina, convenciona-se como um grande cisma historiográfico, o qual se esbarra na bifurcação dos aspectos teóricos bem específicos da historiografia e os aspectos práticos do cotidiano escolar. Dialogar teoria e prática com vistas ao ensino tem sido o grande dilema dos historiadores, haja vista que entre o “querer” e o “fazer” História existe um grande distanciamento. “Dito isto, convém entendermos que ‘o fazer história e o ensinar história’ não são campos distintos do saber histórico, ambos encontram-se imbricados e não devem se dissociar” (MELO, 2016, p.4). A história enquanto área de conhecimento e disciplina escolar possui uma grande responsabilidade na efetivação desses objetivos, sobretudo no desenvolvimento do espírito crítico e autônomo. a real materialização da tríade “educar, ensinar e formar” no que concerne ao ensino de História diz respeito a construção do educando enquanto sujeito histórico dentro da sala de aula. “O sujeito histórico, que se configura na interrelação complexa, duradoura e contraditória entre as identidades sociais e as pessoais, é o verdadeiro construtor da História”. (BEZZERRA, 2010, p. 45). Apenas este sujeito histórico ético, capaz de estabelecer as conexões entre presente e passado pode de fato vivenciar uma experiência cidadã.

Trabalhando os conceitos de “revolução” e “movimentos sociais” em sala de aula: um campo de possibilidades Neste arcabouço epistemológico faz-se necessário discutir em sala de aula a História das Revoluções e dos Movimentos Sociais a partir de uma perspectiva etmológica e da história dos conceitos proposta por Reinhart Koselleck (2001; 2013), até porque para Paul Veyne, fazer história é conceituar. Então como trabalhar com conceitos de Revoluções e Movimentos Sociais? Revolução é sinônimo de Revolta, de Motim, de Insurreição? Movimentos Sociais são ações humanas do viver em sociedade, ou tem em si outras conotações? 492

Todo conceito se prende a uma palavra, mas nem toda palavra é um conceito social e político. Conceitos sociais e políticos contêm uma exigência concreta de generalização, ao mesmo tempo em que são sempre polissêmicos. Segundo Koselleck (2001), o significado e o significante de uma palavra podem ser pensados separadamente. No conceito, significado e significante coincidem na mesma medida em que a multiplicidade da realidade e da experiência histórica se agrega à capacidade de plurissignificação de uma palavra, de forma que seu significado só possa ser conservado e compreendido por meio dessa mesma palavra. Uma palavra contém possibilidades de significado, um conceito reúne em si diferentes totalidades de sentido. Um conceito pode ser claro, mas deve ser polissêmico. "Todos os conceitos nos quais se concentra o desenrolar de um processo de estabelecimento de sentido escapam às definições. Só é passível de definição aquilo que não tem história" (NIETZSCHE). O conceito reúne em si a diversidade da experiência histórica assim como a soma das características objetivas teóricas e práticas em uma única circunstância, a qual só pode ser dada como tal e realmente experimentada por meio desse mesmo conceito. De acordo com as canções analisadas por Ipólito (2016), fica explicito dois momentos distintos, com enfoques diferentes denominadas como "canções dos anos de chumbo" e "canções de abertura", tais músicas nos permitem entender o contexto político e econômico mencionados em suas letras. A análise dessas canções, permiti-nos também um olhar crítico quanto aos sujeitos sociais envolvidos nesse processo, e nos remete a importância do entendimento e utilidade dessas linguagens de ensino em sala de aula. É importante salientar, que dependendo do cenário e temporalidade histórica envolvendo a produção e veiculação das músicas de protesto, deve-se atentar para as metáforas e entrelinhas por onde as canções tentavam expressar suas angústias, ironias e críticas as ações humanas governamentais ou não, no sentido de relações de poder. “Revolução, música e história são palavras que se aglutinam e camuflam, muitas vezes, espaços culturais de manifestação e resistência. Analisar como a questão da ‘revolução’ é abordada na música significa tentar compreender as denúncias e contradições de um determinado contexto social” (IPÓLITO, 2016, p. 16). Um exemplo de música com metáforas é “Cálice” de Chico Buarque, o qual a produziu durante os anos de Ditadura Civil-Militar no Brasil e, mesmo com a censura na imagem e propaganda, conseguiu ludibriar os órgãos de fiscalização e assim passou sua mensagem de insatisfação, incitando a sociedade a inconformação sócio-política. Mas como analisar o conceito de revolução evidenciada nas músicas de protesto? Segundo Ipólito (2016, p.17) “historicamente, as definições conceituais para o termo ‘revolução’ são múltiplas e variadas. Os significados oscilam desde movimentos sangrentos, como golpes políticos e sociais ou deposições forçadas, até inovações científicas”. Desta forma cabe-nos a incitar em sala de aula, a reflexão da conjuntura histórica do tema e fazer uma relação e/ou anacronismo com o passado a fim de colocar em questão para análise as querelas sócio-políticas, pois o conceito de Revolução pode ser ampliado, na perspectiva de revolução silenciosa (resistências culturais), revolução 493

parcimoniosa (como a de Mahatma Gandhi), e outros tipos de revolução sob uma ótica antropológica e/ou jurídica. Quanto as linguagens no ensino de História podemos trabalhar o conceito de movimentos sociais e revoluções a partir da literatura. “É certo que a conceituação dessa arte, do modo como a conhecemos, é um produto dos processos históricos ocorridos no Ocidente a partir da sua matriz europeia” (FERREIRA, 2012, p.65). No entanto, cabe ao docente historiador, evidenciar o passado narrado nos contos literários e em específico no caso africano, explicitando a tendência da escrita a partir do olhar do colonizador. No entanto há de se considerar as relações de poder mesmo que em uma capilaridade a qual traz visibilidade dos atores sociais, em outras palavras, mesmo com a visibilidade do discurso hegemônico de vitorioso do colonizador, só existe vitória, só existe discurso hegemônico porque também se faz presente a invisibilidade do subserviente, as ações minoritárias dos colonizados, ou seja, é essa relação dicotômica que ora anuvia e ora evidencia as minorias marginais no campo literário, em especial na literatura africana. Feito isto, há de se considerar a necessidade da análise crítica, partindo também das narrativas, das memórias do colonizado, contribuindo assim, para desconstrução de um discurso “ocidentocêntrico” pautado nas ideologias racistas e na invenção da perspectiva oligocêntrica do Ocidente (em especial a Europa) em detrimento do Oriente. Na celeuma inerente a essas vertentes epistêmicas, destaca-se como possibilidade de trabalho literário quanto aos conceitos de revolução e movimentos sociais, a perspectiva Pós Colonial e Decolonial, ou seja, observar os conceitos na literatura, a partir de uma desconstrução de colonialidade de saberes, ressignificando termos e categorias classificatórias a partir da realidade, signos e saberes do “outro”, o mesmo “outro” que outrora foi marginalizado e contemporaneamente introduz uma visão decolonial de si mesmo e sua cultura, desconstruindo arquétipos imbricados de poder que os rotularam historicamente.

Considerações Finais Nesse sentido, o Ensino dos conceitos de História das Revoluções e Movimentos Sociais dentro do campo historiográfico, procura analisar as vozes do tempo dos acontecimentos, questionando a sua neutralidade e, com isso, buscando definir os pensamentos, as imagens, as representações, os temas, as observações, as obsessões “que se ocultam ou se manifestam nos discursos e também os próprios discursos, enquanto práticas que obedecem as regras” (FOUCAULT, 2008, p. 157, grifo nosso). Como proposto por Foucault, temos que trilhar o campo das possibilidades e não sustentar as determinações. O resgate do momento histórico deve ser feito, analisado os mais diversos sentidos e versões que estão ao alcance do historiador. Mais do que a análise de documentos textuais, é importante que se estabeleça um diálogo entre o profissional da História e o conjunto de valores, tradições, discursos, estereótipos e ideologias presentes no contexto em estudo.

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Referências BEZERRA, Holien G. Estudo de história: conteúdos e conceitos básicos. In: KARNAL, Leandro. (Org.) História na sala de aula: conceitos, práticas e propostas. 6. ed. São Paulo: Editora Contexto, 2010. p. 37-48. FOUCALT, Michel. A arqueologia do saber. 7 ed.. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008. IPÓLITO, Verônica Karina. Música e revolução: notas sobre a resistência cultural na MPB, o regime militar no Brasil e o ensino de História. In: BRUNELO, Leandro (Org.). Ensino de história e movimentos sociais: problematizações, métodos e linguagens. Maringá, UEM-PGH-História. 2016. p. 16-46. KOSELLECK, Reinhart. Los estratos del tempo: estúdios sobre la Historia. Barcelona: Ediciones Paidós Ibérica, 2001. ____________________; et. al. O Conceito de História. Tradução de René E. Gertz. Belo Horizonte: Autêntica editora. (Coleção História e Historiografia). 2013. MELO, Wilverson Rodrigo Silva de. O ensino de história da Amazônia: algumas reflexões sobre ensino de estudos amazônicos e da produção e uso dos livros didáticos em sala de aula. Revista sobre ontens: RJ. 2016.

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O ENSINO TEÓRICO-PRÁTICO DE HISTÓRIA DAS REVOLUÇÕES E MOVIMENTOS SOCIAIS NA CONTEMPORANEIDADE: UMA ÓTICA A PARTIR DO USO DAS NOVAS TECNOLOGIAS E DO CINEMA Wilverson Rodrigo Silva de Melo Introdução Segundo os postulados teóricos da Historiografia, inferimos que as disciplinas escolares são construções históricas que se relacionam diretamente com o contexto e a organização da produção científica. As disciplinas escolares em seus diversos âmagos constitutivos respondem, ou correspondem às perspectivas e aos paradigmas da produção científica em determinada temporalidade histórica. É na sala de aula que a História como disciplina se materializa a partir da reflexão acerca dos diversos discursos políticos, econômicos, sociais e culturais. Também neste mesmo espaço que os conceitos são historiografados, no momento que são entendidos e suas especificidades e temporalidades históricas. Os discursos, os conceitos, as ações tornam-se representações sociais das mais diversas e variadas matizes culturais, rompendo não só com o sofisma de uma história totalizante, mas, também, pluralizada e pulverizada no que tange à dinâmica do próprio fazer humano em sua coletividade.

O Ensino da temática das Revoluções e Movimentos Sociais em sala de aula: o uso das TIC’s e cinema como aportes didáticos Em relação ao ensino de História tendo como foco as novas tecnologias, podemos dizer que trabalhar com as novas tecnologias no ensino de História, é um grande desafio, visto que muitos docentes não sabem utilizar as ferramentas multimídias. Destacamos também que assim como tem alunos que tem acesso a internet e domina o mundo virtual, tem aqueles que não se enquadram nesse padrão. A partir da década de 90, segundo Almeida (2016), há uma intensificação das TIC’s e com ela a redução da distância entre as pessoas e as nações, consagrando aquilo que denominou-se de virtual. Essa rede de articulação virtual ganhou proporções que permitiu principalmente, a interligação entre os sujeitos sociais. Conforme Melo (2013) as reflexões e diálogos teóricos devem partir da premissa de historicizar a aplicabilidade do construtivismo e uso das “Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC’s)” em sala de aula como elementos auxiliadores – quiçá reeducadores – na construção do respeito as diferenças e as questões relacionadas ao 496

“outro”, sobretudo na promoção dos direitos humanos e no combate as intolerâncias sócio-culturais que muitos grupos sociais sofrem seja no âmbito de gênero, raça, classe, religiosidade, orientação sexual, acessibilidade, etc. O uso das TIC’s além de diminuir as barreiras geográficas, quebra as disparidades sociais de acesso a informação, leva o alunado a sair do mundo da simples leitura para uma leitura de mundo, ajuda aqueles que sofrem de timidez, assim como passa a funcionar como modificador de comportamentos e conhecimentos (MELO, 2013, p. 139). Isto implica dizer, que ação de colocar os indivíduos numa teia de relações, metaforicamente a rede mundial de comunicação, além de diminuir as distâncias geográficas, estimula as organizações dos movimentos sociais contestatórios e de reivindicações sócio-políticas produzindo atos e manifestações de massa, a exemplo dos movimentos de Primavera Árabe, Primavera Egípcia e do “Vem pra Rua” no Brasil (2013), que semelhantes a Revolução Mexicana de Francisco Madero, passaram a ter dia e horários marcados para começar – atos possíveis mediante o uso das TIC’s como ferramenta e fonte dos movimentos sociais. Quanto ao uso do cinema no ensino de História, inferimos que trabalhar o conceito de movimentos sociais, segundo Brunelo (2016, p.99) significa entender que “as formas de organização coletiva se vinculam não apenas às demandas de ordem socioeconômicas, mas se relacionam às reivindicações de caráter político e cultural”. Dessa forma, trabalhar o cinema em sala de aula requer certos cuidados metodológicos, como o compromisso de o professor assistir antes, seja filmes, documentários, reportagens, etc. e a partir daí fazer conexões com o tema em estudo. Há também a possibilidade do trabalho interdisciplinar, conforme afirma Brunelo (2016, 104): O trabalho didático-pedagógico que envolve a apresentação de filmes também pode recorrer à interdisciplinaridade, pois os docentes das diversas áreas do conhecimento podem se unir e elaborar um roteiro de trabalho que contemple os seus respectivos domínios do saber e relacionálos à linguagem fílmica. Partindo do pressuposto de que um filme não retrata fidedignamente uma dada realidade tal como ela é ou foi, porque nada mais é do que uma representação, o filme pode ser considerado uma importante fonte de pesquisa, uma espécie de produto cultural que traz junto de si signos, entretenimento e emoções que precisam ser decodificados para serem percebidos em sua essência (BRUNELO, 2016, p. 99-100). Amiúde, isto implica dizer que é salutar analisar a perspectiva de produção de ideologias e verdades sofisticas a partir das produções fílmicas. Ver a indústria cinematográfica como propagandizadora de uma ideologia que pretende reforçar o colonialismo e uma visão tradicional da História. É possível descontruir esses estereótipos ideológicos por meio da operação historiográfica, ao se questionar sobre quem produziu? Quando produziu? Qual a ideologia de quem produziu? Para qual finalidade produziu? Quais os fins esperados no agente passivo que recebe as informações contidas no filme? 497

Produzir essas problematizações e indagações acerca da produção e veiculação do cinema é pertinente para se pensar noções de revolução e movimentos sócias a partir de porções de historicidade no tempo presente. É ainda mais perspicaz introduzir em sala de aula a relação entre ficção e história narrativa, mostrar como ambas produzem um discurso, o qual pode ser visto por vários prismas. Se o cinema retrata traços fictícios de uma revolução e/ou atuação de movimentos sociais, não devemos desconsiderá-los, pelo contrário, devemos compreender e fazer com que o aluno assimile que tal produção fílmica é uma centelha do acontecimento histórico passado sendo reproduzido em uma tela do tempo que se apresenta ao telespectador. E nesse sentido, tanto o cinema ao retratar sobre revolução e movimentos sociais, como as narrativas produzidas pelo historiador se assemelham, pois ambas não externam o real, não são pedaços completos congelados do passado e que agora se apresentam no tempo presente, antes são representações, os quais não restituem o real tal qual ele foi, mas apresentam, representam possibilidades de traços do que um dia foi, ou seja, uma ótica da História em meio a tantos caleidoscópios.

Considerações finais O uso das TIC’s e do Cinema na perspectiva do Ensino de História das Revoluções e Movimentos sociais em sala de aula, longe de apenas serem vistos como ferramentas pedagógicas ou auxílio para professores ministrarem tais temáticas com mais ludicidade, as Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC’s) e o Cinema devem ser vistos como fontes historiográficas que ajudam a melhor entender os conceitos e temporalidades das temáticas no Campo da História. Nesse aspecto, as imagens comunicam mensagens, narram histórias a partir de um lugar, provocando reações diversas e impactando emoções, promovendo sentidos e organizando significados em resposta ao olhar devolvido por aquelas imagens. Lembremos, também, que a linguagem visual não é universal. Seus significados obedecem a um sistema de representações que se orientam por convenções educacionais, sociais, culturais, políticas, econômicas, ou seja, históricas, que implicam no exercício estruturado de interpretação e (re)significação, pois “entre a imagem e o que se representa, existe uma série de mediações, que não restituem o real, mas, reconstroem, voluntária ou involuntariamente a apreensão do real”, como diz Leite (1998, p. 41). Partindo deste pressuposto, precisamos sem dúvida orientar nossos alunos, das diversas possibilidades ao analisar as fontes (TIC’s e Cinema), pois os escritos são frutos da construção do autor a partir de sua época e de suas experiências, práticas e suposições, e cabe a nós professores, conforme nos diz Veyne (1998, p. 18), “simplificar, organizar e fazer com que um século caiba numa página” e, de igual modo desenvolver o sentido crítico e consciência histórica dos alunos quanto a temática da História das Revoluções e Movimentos Sociais, a partir da conceituação, contexto social e desdobramentos historiográficos. 498

Referências ALMEIDA, Maria Vandete. Revoluções Tecnológicas, Redes Sociais e Movimentos Contemporâneos. In: BRUNELO, Leandro (Org.). Ensino de história e movimentos sociais: problematizações, métodos e linguagens. Maringá, UEM-PGH-História. 2016. p. 75-96. BRUNELO, Leandro. Movimentos sociais contemporâneos e cinema: uma interface com o ensino de história. In: BRUNELO, Leandro (Org.). Ensino de história e movimentos sociais: problematizações, métodos e linguagens. Maringá, UEM-PGHHistória. 2016. p. 97-121. LEITE, Miriam M. Texto visual e texto verbal. In: BIANCO, Bela; LEITE, Miriam M. (Orgs.). Desafios da Imagem. Campinas: Papirus, 1998. MELO, Wilverson Rodrigo Silva de. O Construtivismo e o uso das TIC’s: práticas para a descolonização dos Currículos Escolares e incentivo à educação no contexto dos direitos humanos e das relações étnico-raciais. In: VIII Congresso de Ciência e Tecnologia da Amazônia e XIII Salão de Pesquisa e Iniciação Científica do CEULS/ULBRA, 2013, Santarém. Pesquisa, Educação e Inovação. Santarém: Editora do CEULS/ULBRA, 2013. p. 137-141. VEYNE, Paul. Como se Escreve a Historia e Foucault Revoluciona a Historia. 4. ed. Brasília: Universidade de Brasília (UnB), 1998.

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AS ESCOLAS DE ÓBIDOS NA LUTA CONTRA A DISCRIMINAÇÃO E O PRECONCEITO NO ESPAÇO ESCOLAR Adenilson dos Santos Lucas de Vasconcelos Soares Wilverson Rodrigo Silva de Melo

Introdução No dia a dia, muitas são as pessoas vítimas de discriminação e preconceito na sociedade por serem consideradas diferentes. Seja por estar inserida em outra cultura, por classe social inferior, por sua opção sexual, por seu credo religioso, entre outros, a sociedade acaba rotulando essas pessoas de forma negativa, resultando na marginalização dessas diferenças. Sabe-se que é nos laços familiares que ocorre a primeira educação e certamente, é onde a criança recebe as primeiras informações sobre essas diferenças, repassando-se em alguns casos, informações rotuladas e preconceituosas. Porém, a escola precisa trabalhar essas diferenças com o objetivo de conscientizar os alunos e seus familiares para que tais práticas sejam superadas. Nesse sentido, sabemos que a educação deve atender a todos os indivíduos e isso não é uma exceção, mas sim um direito conquistado e garantido perante a lei. Assim, não devemos esquecer que a educação é um direito de todos, tornando-se dever do estado e da família proporciona-la e deve ser apoiada pela sociedade. “A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho” (CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988, Art. 205). Com base nos documentos legais, direcionamos nosso olhar para a realidade escolar do município de Óbidos para verificar se o direito a educação e o respeito às diferenças estão sendo assegurados em nossas escolas. O estudo pretende mostrar através da observação direta e das entrevistas realizadas como as escolas estão se organizando para o enfrentamento de atos que atentem contra a dignidade dos alunos e dessa forma, como estão contribuindo para a construção de um ambiente mais digno e igualitário, onde cada criança seja respeitada e aprenda a respeitar o seu semelhante.

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A atual realidade das escolas do município de Óbidos: o cenário passa por grandes mudanças Nas entrevistas realizadas, constatamos que os atos discriminatórios ocorrem com frequência no espaço escolar, sendo a intimidação sistemática (bullying) a prática mais frequente. Segundo os profissionais da educação, já se tornou comum entre os alunos o uso de apelidos discriminatórios referentes à cor, a classe social e ao aspecto físico de cada indivíduo. Durante as nossas observações no espaço escolar, percebemos que alguns desses profissionais que atuam diretamente com esses alunos, apesar de seu longo tempo de atuação na área, não receberam capacitação adequada para lidar com situações dessa natureza no dia a dia. Como consequência desse problema, podemos tomar como exemplo, a postura do professor que ao presenciar atos de desrespeito ocorrendo entre os alunos, acaba se omitindo diante da situação, contribuindo para que a discriminação ganhe força e se perpetue cada vez mais na sala de aula. Nesse sentido, sabemos que a escola não atua apenas sobre o processo de ensinoaprendizagem de conhecimentos necessários para a sobrevivência na sociedade, mas também como suporte para que o aluno possa construir sua identidade e, assim, compete a ela um papel importante de combater essas discriminações e transformar o ambiente em um espaço de convivência pacífica das diferenças. “A escola enquanto ambiente sócio-histórico-cultural de promoção e reprodução sistemática e organizada da aprendizagem dos conhecimentos humanos acumulados historicamente, além de contribuir para a apropriação destes saberes, também promove a socialização e a interação entre os sujeitos, propiciando assim a construção do sentido de humanidade pelos mesmos”. (BOCK, 2001) No entanto, para nossa surpresa, comprovamos que em todas as escolas analisadas, o tema “diversidade” é uma realidade e vem sendo trabalhado constantemente, visto que hoje se torna uma obrigatoriedade para os profissionais incorporarem em suas práticas educativas, já que a escola atual é vista como o palco das diferenças e nela encontramos não só diversidade de raça ou classe social, mas sim inúmeras outras diferenças que surgem a cada momento. “A escola é o lugar não só de acolhimento das diferenças humanas e sociais encarnadas na diversidade de sua clientela, mas fundamentalmente o lugar a partir do qual se engendram novas diferenças, se instauram novas demandas, se criam novas apreensões acerca do mundo já conhecido” (AQUINO, 1998, p.138) Um ponto marcante nesse processo foi à criação da lei Nº 13.185 que estabelece medidas de prevenção e combate à prática de intimidação sistemática (bullying). A nova legislação estabelece que as instituições de ensino promovam medidas de conscientização, prevenção e combate a todos os tipos de violência, com destaque às práticas de bullying ou constrangimento físico e psicológico, sejam elas cometidas por alunos, professores ou outros profissionais da comunidade escolar. Assim, as escolas 502

são obrigadas a trabalhar essa temática na sua realidade e a partir desse compromisso com a lei, novas ações e projetos voltados para a inclusão e o respeito às diferenças estão surgindo nas escolas de Óbidos. Essas ações foram desenvolvidas com base na realidade de cada escola, visando à superação de práticas discriminatórias e contribuindo para o pleno desenvolvimento de seus alunos, enquanto seres humanos. São iniciativas voltadas para temáticas que norteiam discussões sobre as diferenças existentes entre os indivíduos e que promovem no aluno uma reflexão de suas atitudes e de seu posicionamento diante de tais diferenças, o que acaba reduzindo bastante o número de ocorrências de desrespeito entre os mesmos e, assim, abolindo a presença de apelidos e insultos corriqueiros na realidade escolar obidense. Outra forma de conscientização frequente nessas escolas são as palestras que ocorrem ao longo do ano e contam com participação de entidades públicas, como o conselho tutelar, polícia, grupos religiosos, profissionais da saúde e outros. Nessas palestras são trabalhados temas essenciais e presentes na realidade dos alunos, que vão desde a violência até a orientação do respeito sobre as diferenças. No geral, fazendo uma análise dos resultados obtidos, nota-se um grande avanço no sentido de mudança, já que constatamos o empenho das escolas em se organizar na busca por mecanismos e estratégias para adequarem a sua realidade e, assim, transformarem em ferramentas que possam ser utilizadas no combate a discriminação e o preconceito no espaço escolar. No entanto, para que as mudanças ocorram de forma positiva, à escola precisa organizar-se conscientemente em colaboração com todos os envolvidos para que juntos alcancem os seus objetivos. “A escola, como parte integrante dessa sociedade que se sabe preconceituosa e discriminadora, mas que reconhece que é hora de mudar, está comprometida com essa necessidade de mudança e precisa ser um espaço de aprendizagem onde as transformações devem começar a ocorrer de modo planejado e realizado coletivamente por todos os envolvidos, de modo consciente.” (Lopes, 2001. apud MUNANGA, 2005, p. 189) Entretanto, vale ressaltar que as práticas discriminatórias ainda não foram totalmente superadas, porém, as escolas estão caminhando rumo à concretização desse objetivo. Nesse sentido, muito já se fez visando mudar a realidade, mas ainda sim é preciso ir além, pois somente quando todos compreenderem que somos diferentes e que essas diferenças precisam ser respeitadas será quando conseguiremos viver em harmonia como seres humanos, deixando a discriminação e o preconceito na história e fixando em nossa realidade o respeito e a paz.

Considerações finais No que concerne à formação desses profissionais da educação, não é preciso apenas receber a capacitação, mas sim deve haver um esforço para acabar com conceitos preconceituosos que estão impregnados em nossa mente. Pois, se mudarmos o nosso 503

modo de pensar e de ver as diferenças, mudamos o nosso modo de agir em relação a elas. Finalizamos esse trabalho, satisfeitos com os resultados obtidos, já que percebemos um grande avanço das escolas em relação aos anos anteriores no que diz respeito à superação de atos discriminatórios. Através dessa pesquisa, queremos contribuir com as escolas no fortalecimento de ações que visem desenvolver no ambiente educacional, laços de aceitação e respeito entre todos os indivíduos envolvidos no processo educativo.

Referências BRASIL. Constituição Federal, 1988. Disponível em: . Acesso em: 26 dez. 2016. BOCK, M. B. (2001) A psicologia sócio-histórica: uma perspectiva crítica em psicologia. São Paulo: Cortez. AQUINO, J. G. (1998). Ética na escola: a diferença que faz diferença. Em J. G. Aquino (Coord.), Diferenças e preconceito na escola: alternativas teóricas e práticas (pp. 135-151). São Paulo: Summus. LOPES, Vera Neusa. Racismo, Preconceito e Discriminação. In: MUNANGA, Kabengele (org.). Superando o racismo na escola. 2. Ed. Brasília – DF. Ministério da Educação, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade, 2005.

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A IMPORTÂNCIA DA LEI 10.639/03 PARA O RECONHECIMENTO DA CULTURA AFROBRASILEIRA ATRAVÉS DAS MUDANÇAS CURRICULARES Aldaiane Correa Barbosa Gracinete Mousinho da Silva Wilverson Rodrigo S. de Melo

Introdução Os negros africanos contrários a sua vontade eram afastados de seus familiares e trazidos para o Brasil, deixando para trás os costumes e valores que os identificavam, para serem escravizado sem nenhum tipo de lucratividade. Mesmo sem perspectiva de vida e com suas fragilidades causadas pelos sofrimentos que viviam, conseguiram se livrar da dominação dos escravocratas. Acredita-se que a reestruturação curricular é a maneira mais assertiva de tornar a sociedade mais justa. Para continuar avançando a essa conscientização, torna-se necessária à reformulação na formação de professores, tornando-os parceiros na criação de estratégias que ajudem nessa mudança de concepção. Este estudo demonstra que a Lei 10.639 veio fortalecer a importância da cultura africana, que tem se tornado um tema bastante discutido.

O negro dentro das políticas de afirmação de sua cultura Antes que qualquer legislação de apoio ao negro africano, ele era tão somente considerado como mero colaborador, fornecedor de mão-de-obra barata e submetidos a fortes castigos. Foi um processo longo e de muitas lutas para que conseguissem manter seus valores, conquistassem sua liberdade e alguns pouco direitos, e essa luta persiste até os dias atuais. É a busca de um povo pelo seu reconhecimento na sociedade brasileira, vemos a participação do negro com suas influencias culturais por todos os lados que olhamos. O Brasil é um país culturalmente diversificado, e a grandeza das contribuições que isso proporciona à sociedade precisa ser conhecida e valorizada. A escola é o espaço responsável pela formação do ser humano e constituição de suas bases, e por haver diferenças multiculturais que são desafio a serem vencidos nas relações étnicos sociais, os movimentos negros acharam necessário que houvesse a modificação nas diretrizes escolares, sendo incluso os estudos referentes á cultura afrodescendente dentro das escolas, para isso foi instituída a Lei 10.369, que obriga a inclusão dos estudos de História e Cultura afro-brasileira no currículo escolar nos ensinos fundamental e médio, tanto na rede pública como na privada. A escola nesse 505

cenário é vista como um território de conflitos, onde se propicia trocas de experiências, local necessário para fazer discussões sobre a cultura afro-descendentes e suas colaborações. Vejamos o diz o parecer CNE/CP n. 003/2004: A demanda da comunidade afro-brasileira por reconhecimento, valorização e afirmação de direitos, no que diz respeito à educação, passou a ser particularmente apoiada com a promulgação da Lei 10639/2003, que alterou a Lei 9394/1996, estabelecendo a obrigatoriedade do ensino de história e cultura afro-brasileiras e africanas (BRASIL, 2004, p. 3). A lei 10.639, surge com o intuito de trazer reconhecimento a historia de um povo que tanto influenciou na construção da história étnico brasileira, bem como por fim ao preconceito, tornando-se assim, uma sociedade democrática. As práticas escolares são vistas como instrumento para combater a desigualdade racial e social, através das modificações de suas matrizes curriculares: A lei 10.639, de 9de janeiro de 2003 é um marco histórico. Ela simboliza, simultaneamente, um ponto de chegada das lutas antirracistas no Brasil e um ponto de partida para a renovação da qualidade social da educação brasileira. Ciente desses desafios, o Conselho Nacional de Educação, já em 2004, dedicou-se ao tema e, em diálogo com reivindicações históricas dos movimentos sociais, em especial do movimento negro, elaborou parecer e exarou resolução, homologada pelo Ministério da Educação, no sentido de orientar os sistemas de ensino e as instituições dedicadas à educação, para que dediquem cuidadosa atenção à incorporação da diversidade étnico racial da sociedade brasileira nas práticas escolares. Brasil (2009, p. 9 apud SILVEIRA; TELES, 2004, p.283). Nos princípios existentes na lei 10.639, há um conjunto de praticas educacionais pedagógicas a serem trabalhadas nos contextos do ensino fundamental e médio e ensino superior. Em se tratando do ensino fundamental e médio, deve-se usar politicas curriculares voltadas para valorização do negro como estratégia para combater a desigualdade étnica racial, e exaltando a importância da diversidade. No que tange ao ensino superior, se faz necessário formar professores capacitados para trabalhar o que está sendo proposto pela lei. [...] inclusão de discussão da questão racial, como parte integrante da matriz curricular, tanto dos cursos de licenciatura para a Educação Infantil, aos anos iniciais e finais da Educação Fundamental, Educação Média, Educação de Jovens e Adultos, como de processos de formação continuada de professores, inclusive de docentes no Ensino Superior (SILVA, apud, MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 2004, p. 23). Com o exposto acima é possível analisar que a responsabilidade maior passar a ser do professor, sendo que a educação é o caminho para construção de uma sociedade justa e sem descriminação. Isso se evidencia na seguinte citação de Chervel (1990) citado por (MELO, 2013, p.2) que defende que “uma lei por si só não seria o suficiente para mudar 506

ou inserir uma nova prática escolar, sendo necessário algo mais. É importante, mais que isso necessário, que ela atenda a alguma finalidade real do universo escolar”. No artigo de Melo (2013), em que faz uma Análise dos 10 anos de implementação e aplicabilidade da Lei nº 10.639/03: conquistas, desafios e perspectivas na formação de professores, o autor afirma que: [...] “devemos atentar e repensar os percalços e dificuldades enfrentadas pelos professores, assim como pela escola básica e o universo acadêmico quanto à formação educacional dos discentes no que tange a História e Cultura Africana e Afro-brasileira, assim como a História e Cultura indígena”. É de grande importância que a formação continuada dos professores seja eficaz, para que não venha induzir o aluno a se tornar um mero repetidor de conteúdos préestabelecidos, é necessário que professor se liberte do modo convencional de repassar conhecimento, e passe a ver o seu alunado como seres capazes de produzir saberes, como infere Krishnamurti (1994, p.15), citado por Melo (2013, p. 3) "o homem ignorante não é o sem instrução, mas aquele que não conhece a si mesmo; e insensato é o homem intelectualmente culto ao crer que os livros, o saber e a autoridade lhes podem dar compreensão".

Considerações finais Com esse estudo é possível observar que a lei 10.639 foi de fundamental importância para a conquista de espaço pelo movimento negro nas relações sociais. Apesar dos percalços enfrentados sua implantação serviu para valorizar a história de etnias marginalizadas, e não há como negar, tudo que hoje o povo negro conseguiu alcançar já é um grande avanço, se comparado a tudo que eles passaram a décadas sem voz, considerados apenas como uma mão de obra servil, daí a importância de se modificar o currículo escolar, bem como formar cidadãos que sinta essa influência, tornando-se herdeiro de um povo que tem orgulho de sua cultura. Embora haja uma lei que valorize o conhecimento da historia da África, se no professor não haver o desejo de instigar o aluno a ver essa diversidade como parte pertencente de sua vida social, de nada valerá o esforço feito, é necessário que o docente esteja engajado junto com a escola em combater o preconceito existente na sociedade.

Referências SILVA, Mauricio Pedro. Novas diretrizes curriculares para o estudo da História e da Cultura afro- brasileira e africana: a Lei 10.639/ 03. EccoS, São Pulo, v. 9, n. i, p. 3952, jan./ju. MELO, Wilverson Rodrigo Silva. Análise dos 10 anos de implementação e aplicabilidade da Lei nº 10.639/03: conquistas, desafios e perspectivas na formação de 507

professores. VI Congresso Internacional de História, p. 01-13, 25- 27 de Setembro de 2013. SILVEIRA, Cristiane; TELES, Luciano Everton Costa. Educação e relações étnicoraciais: o movimento negro no brasil e a Emergência da lei 10.639/03. P o i é s i s – revista do programa de pós-graduação em educação – mestrado – Universidade do Sul de Santa Catarina. Unisul, Tubarão, v.8, n.13, p. 276 - 287, Jan/Jun. 2014. BRASIL, Ministério da Educação. Parecer do Conselho Nacional de Educação n.3, de 2004: Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações ÉtnicoRaciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. Brasília, DF. 2004. Disponível em: . Acesso em: 15 de jan. 2017.

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UMA REVISÃO BIBLIOGRÁFICA SOBRE A HISTÓRIA DA ÁFRICA NO ENSINO Aline Cândida de Araújo De acordo com Lúcia Helena Oliveira Silva, o ensino da História e Cultura AfroBrasileira é fruto das distintas reivindicações de grupos militantes, que a partir do ano de 2004, passaram a contar com as Diretrizes das Relações Étnico-Raciais e o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira, que segundo análises, é apontado como a primeira grande política pública no país a trabalhar as relações étnico-raciais no ambiente escolar. Assim, é permitido ao professor a partir desse momento, apresentar novos conteúdos dentro da sala de aula, que até então não valorizavam determinados grupos sociais. Nesse sentido, o objetivo seria alcançar em todos os níveis de ensino uma problematização, que por consequência, despertasse o conhecimento acerca da realidade da diversidade cultural do nosso país. Segundo Lúcia Helena Oliveira Silva, o Brasil é um país com uma grande diversidade étnico-racial, resultado da formação socioeconômica que o colonizou. Segundo ela, a divisão étnica coincidiu com as divisões sociais, estabelecendo binômios entre brancos e livres versus negros e escravos. Nesse sentido, conclui-se que as diferenças culturais, bem como as físicas, foram utilizadas como parâmetros de explicações para as dominações criadas ao longo dos séculos. “Temos de estudar o continente africano não como um capítulo à parte, um gueto. A história da África está incorporada à história do mundo, porque ela foi parte e é parte da história do mundo. Que a história do negro no Brasil não seja isolada, como se o negro tivesse sido um marginal. O negro foi essencial na formação do Brasil”. De acordo com Alberto Costa e Silva, os historiadores brasileiros sempre viam a história das relações Brasil-África como a África figurando-se apenas como fornecedora de mão de obra escrava para o Brasil; como se o africano que era trazido à força nascesse num navio negreiro. Era como se o negro surgisse no Brasil, como se fosse carente de história, e nenhum povo é carente de história. E a história da África é uma história extremamente rica e que teve grande importância na história do Brasil, da mesma maneira que a europeia. A exemplo, podemos discutir a respeito das sociedades iorubás, que por sua vez, tratase de vários povos que vivendo no que é hoje o sudoeste da Nigéria, falavam variantes do mesmo idioma, adoravam os mesmos deuses e tinham culturas semelhantes. Essas sociedades desenvolvem sua religião em lugares sagrados, reservados para o culto de determinado orixá. Xangô, por exemplo, é o orixá do trovão e o governador da justiça. Odudua é o criador da Terra, ancestral dos iorubás. É através do mito, na sociedade tradicional dos iorubás, que se alcança o passado e se explica a origem de tudo. É pelo 509

mito que se interpreta o presente se prediz o futuro, nesta e na outra vida. Como os iorubás não conheciam a escrita, seu corpo mítico era transmitido oralmente. Ao lecionarmos sobre a história da África, é importante destacar que não existiu império em iorubá. O que existiu foi a presença de aldeias-estados que pouco a pouco, transformavam-se em cidades-estados. A junção de diversos povoados numa unidade que se reconhecia como tal, seria a crença em um antepassado comum. Assim sendo, existe toda uma narrativa acerca da criação das dinastias iorubá baseadas no mito de Odudua. Mas qual a importância de se estudar a história da África além das perspectivas tradicionais, e abranger outras categorias, como o ensino sobre a cultura iorubá, por exemplo? Tal estudo possibilita o entendimento acerca de um grupo étnico-linguístico que irradiou sua cultura não apenas no território africano, pelo contrário, milhares de iorubás foram escravizados e desembarcaram no Brasil, possibilitando assim a disseminação de sua cultura e história no nosso país. Como educadores, se nos propusermos a analisarmos a produção editorial voltada para o ensino de história africana, vamos perceber que ao longo dos tempos, o mercado tem se voltado para ampliar, ainda que de maneira significativa, sua produção referente a história africana. Vamos tomar como exemplo a obra em quadrinhos “Sundiata: O leão do Mali”. Essa é uma produção adaptada da história tradicional africana e que foi transmitida verbalmente ao longo das gerações desde o século XIII. Se passarmos a analisar a obra, podemos perceber que ela apresenta muitas das ideias que norteiam a fundação do Mali, região da África Ocidental. Outro trabalho que merece destaque é a obra também em quadrinhos: “Aya de Youpougon”. Este trabalho aborda questões cotidianas de jovens que vivem na Costa do Marfim, na década de 70, e apresenta uma África destituída de clichês, onde possibilita ao leitor mergulhar em uma história africana diferente de tudo que já foi lido. São obras como essas que possibilitam ao docente a inclusão de novas perspectivas para o ensino de história africana, possibilitando ao mesmo desenvolver novas orientações que privilegiam a valorização da história de uma sociedade que por vezes é ignorada. A ideia do ensino de história africana tem por suas bases promover o desenvolvimento de ações que gerem debates, e por consequência, promovam a inclusão. A escola por sua vez, vai desempenhar o papel de mediadora dos conflitos sociais, sendo ela, o espaço para a valorização de todos os grupos sociais. Nesse sentido, o ensino da história poderá contribuir com o desenvolvimento das múltiplas análises críticas acerca da diversidade.

Referências ABOUNET Marguerite. OUBRERIE, Clément. Prefácio de Anna Gavalda. Tradução de Julia da Rosa Simões. Aya de Youpoung. Vol.1. L&PM Editoras, 2009.

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EINSER, Will. Sundiata, o leão do Mali: uma lenda africana/ recontada por Will Einser; ilustrações do autor; tradução Antônio de Macedo Soares. – São Paulo: Companhia das Letras, 2004. HERNANDEZ, Leila Leite. A África na sala de aula. Visita à história contemporânea. São Paulo: Selo Negro, 2005. RÜSEN, Jörn. História viva. Teoria da História III: Formas e funções do conhecimento histórico. Editora UnB. SILVA, Alberto da Costa e. A enxada e a lança. A África antes dos portugueses. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1996, 2 ed. ______‘DESCENDENTES PRECISAM SABER QUE HISTÓRIA DA ÁFRICA É TÃO BONITA QUANTO A DA GRÉCIA'. RIO DE JANEIRO. 20.11.15. BBC BRASIL. ENTREVISTA CONCEDIDA A FERNANDA DA ESCÓCIA. DISPONÍVEL EM: HTTP://G1.GLOBO.COM/MUNDO/NOTICIA/2015/11/DESCENDENTES-PRECISAM-SABER-QUEHISTORIA-DA-AFRICA-E-TAO-BONITA-QUANTO-A-DAGRECIA.HTML?UTM_SOURCE=FACEBOOK&UTM_MEDIUM= SHARE-BARDESKTOP&UTM_CAMPAIGN= SHARE-BAR. SILVA, Lúcia Helena Oliveira. Por uma história e cultura afro-brasileira e africana. IN: CERRI, Luís Fernando. (Org.). Ensino de História e Educação. Olhares em convergência. Ponta Grossa: UEPG, 2007.

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A IMPORTÂNCIA E OS LIMITES DOS LIVROS DIDATICOS DO ENSINO FUNDAMENTAL E ENSINO MÉDIO: UMA ANÁLISE DO PIBID SOBRE A LEI 10639/03 Aline dos Santos Oliveira Luciene Alves Fernandes O presente trabalho consiste em uma pesquisa de análise dos livros didáticos de Alfredo Boulos Júnior, utilizados pelos alunos do Ensino Fundamental II e Ensino Médio, do Colégio Estadual Tereza Borges de Cerqueira, Caetité- BA. A referente pesquisa foi desenvolvida pelos bolsistas de Iniciação à Docência no Subprojeto “A Formação Inicial do Professor de História e sua Atuação na Escola Básica: o ofício do historiador na docência” / PIBID/ Capes. E tem como objetivo compreender como autor trabalha os conteúdos das temáticas africana e afro brasileira nas duas modalidades de ensino acima citada, analisando as interfaces com a constituição das memórias e das representações relacionando-se com a demanda necessária a partir da obrigatoriedade da Lei 10.639/03 para Educação Básica A atuação dos bolsistas de Iniciação à Docência, no Projeto PIBID/CAPES, tem sido uma oportunidade aos acadêmicos dos cursos de licenciaturas em adquirir experiência voltadas para a sala de aula a partir da prática da docência acompanhada. No caso mais específico do PIBID de História vale ressaltar o subprojeto: “A Formação Inicial do Professor e sua Atuação na Escola Básica: O Oficio do Historiador” que propicia aos bolsistas participação, experiências metodológicas por meio da prática de caráter inovador e interdisciplinar identificados no processo de ensino à aprendizagem. Nesse sentido, de identificarmos o processo de ensino aprendizagem, e percebermos a importância do livro didático, partindo da análise de SILVA(2001) e FAGE( 1982) que criticam os conteúdos eurocêntricos e superficiais da História da África nos livros didático, entrelaçamos o estudo que (Lajolo, 1996), faz quanto a importância dos mesmos no que tange aos mecanismo na homogeneização dos conceitos, conteúdos e metodologia educacionais, no entanto, ela também deixa claro, que ainda há lacunas nos livros didáticos, pois estes “apresenta conteúdos fragmentados para tornar acessível à compreensão do aluno”, e percebemos um agravamento maior ao se tratar dos conteúdos referente continente africano. Dessa forma, a reflexão sobre o subprojeto, já citado, tem fomentado nossa inquietação quanto ao papel que devemos desempenhar frente aos mais diversos problemas enfrentados na construção do conhecimento histórico em sala de aula. É nesse pressuposto que parte a nossa ação – analisar como Alfredo Boulos Júnior trabalha a História da África. Nesse cenário, cabe ao nosso olhar de professor/historiador analisar os conteúdos das temáticas africanas e afro brasileira no âmbito do Ensino Fundamental II e do Ensino Médio, verificando qual a importância e os limites desses conteúdos nos 512

livros de História adotados pelo Colégio Estadual Tereza Borges de Cerqueira. Este trabalho foi realizado em parceria com a supervisora Jumara Carla e as bolsistas de iniciação à docência Aline Santos e Luciene Fernandes. Ao se debruçar na análise minuciosa da Lei: 10639, de 09 de janeiro de 2003, “Art. 26 A” que torna obrigatório nos estabelecimentos de Ensino Fundamental e Médio, oficiais e particulares o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira, deixando nítida a obrigatoriedade que o ensino passa a ter com os conteúdos sobre a matriz negra africana na constituição da nossa sociedade no âmbito de todo o currículo escolar. Nesse sentido, vale ressaltar que mesmo com a obrigatoriedade muitos dos professores nas mais diversas disciplinas não exploram conteúdos referentes a essa temática, deixando muitas vezes o conteúdo evadir quando o mesmo se encontra embutido no livro didático. Estes apresentam-se cheios de lacunas, distorções e estereótipos de fome, miséria e doenças reforçado as nas imagens dispostas nos conteúdos. Analisando os livros de história do Ensino Fundamental de autoria de Alfredo Boulos, diagnosticamos que ele aborda várias temáticas do continente africano, no entanto, é muito superficial, não há um aprofundamento e dessa forma deixa algumas lacunas. Como exemplo, o livro do Ensino Fundamental do 6º ano onde ele traz 11 capítulos dentre eles, 3 aborda sobre o continente africano. Já no livro do 7º ano somente um capítulo é destinado a esse conteúdo abordando sobre a África antes dos europeus. No livro do 8º ano uma temática interessante que ele aborda é a relação do presente com o passado, através das máscaras de flanges, comparando a máscara utilizada por uma escrava e atualmente pelos artistas da Banda Didá, no entanto, não explora questionamentos nessa relação. O que pode ser compreendido como uma deixa para que o professor explore outros recursos, utilize de outras metodologias para incitar um debate tão rico ou pode também acontecer o contrário o professor vendo o livro como uma “muleta” deixa passar despercebido essas nuances do continente africano. Outro fato notório é com relação aos livros do 9º ano, onde os mesmos traz pouca referência sobre a temática do continente africano, ilustrando somente a Independência da África nos dezessete capítulos o que fica também evidenciado em apenas um e o que é pior somente a metade desse capítulo é que contempla os conteúdos do continente africano e em uma mísera folha no capítulo dezesseis menciona o levante popular na África e no Oriente Médio, oportunidade esta que terá o professor de História de associar essas realidades com a brasileira, num período de crise que passamos. Quantos aos livros de História do Ensino Médio é perceptível que o autor traz nos três volumes questões extremamente importantes sobre a África, que demandam uma enorme discussão sobre o assunto, quando ele traz a questão da formação política africana, os africanos no Brasil: dominação e resistência e a Independência da África faz uma breve referência, na qual cada conteúdo é explorado em um número muito pequeno de páginas com capítulos extremamente sucintos e o que é pior ainda, que no Ensino Médio os alunos são contemplados com apenas duas aulas semanais. Dessa forma, de um modo geral diagnosticamos nos livros Boulos uma eventual referência da África com temáticas de suma importância e que não eram abordados em volumes anteriores de outros autores, porém é interessante pensar que ele deixa algumas 513

lacunas e temáticas que deveriam ser trabalhadas e exploradas como por exemplo: os sujeitos africanos, o cotidiano, a religiosidade de um povo. Nessa perspectiva, o livro didático não deve ser um fiel escudeiro do professor, onde nele se apoiam e depende única e exclusivamente de o livro didático para poder compreender e repassar o conteúdo para os alunos, pois, a importância atribuída ao livro didático em toda a sociedade faz com que ele acabe determinando conteúdos e condicionando estratégias de ensino, marcando de forma decisiva o que se ensina e como se ensina, o que se ensina (LAJOLO, 1996, p. 4). É nesse sentido, que faz necessário uma tomada de consciência por parte dos professores, ao planejar suas aulas buscar outros recursos para que os alunos possam ver o conteúdo de forma diversificada, mas como também possa inserir no ambiente escolar um debate crítico e coerente do mundo que o cerca. Ao concluirmos o trabalho de análise do livro didático do autor Alfredo Boulos Júnior, percebemos sim, uma preocupação na inserção dos conteúdos africanos, este fato pode estar relacionado as seleções que os livros passam no Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) para ser aprovado e comercializado. Outro fator pode estar relacionado a aprovação das leis: 10.639/03 e 11.645/08 que promove a obrigatoriedade do ensino da História Afro brasileira nas instituições escolares. No entanto, mesmo que de forma muito detalhada e pouco problematizada os conteúdos são dados cabendo aos professores um bom planejamento para ampliar, reforçar, problematizar esses assuntos.

Referência bibliográfica: BARROS, José D’Assunção. A escola dos Annales e a crítica ao positivismo e ao historicismo. In: Revista Territórios e Fronteiras V.3 N.1 – Jan/Jun 2010. BOULOS, Júnior, Alfredo. História sociedade e cidadania- Edição reformulada, (Coleção do Ensino Fundamental II e Médio). – 2.ed.- São Paulo: FTD, 2012. BRASIL. Marcos Legais da Educação Nacional. Brasília, DF: Ministério da Educação, 2007. DIRETRIZES Curriculares Nacionais para a educação das relações étnico-raciais e para o ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana. Brasília, DF: MEC, 2004. FAGE, J. D (1982). “A evolução da historiografia africana”. In J. Ki-Zerbo (org.), História geral da África: metodologia e pré-História da África. vol. I. São Paulo/Paris, Ática/ Unesco, pp. 43-59. LAJOLO, Marisa. Livro didático: um (quase) manual de usuário. Em Aberto, Brasília, n. 69, v. 16, jan./mar. 1996. MEGID NETO, J.; FRACALANZA, H. O livro didático de ciências: problemas e soluções. Ciências e Educação, Bauru – SP, v. 9, n. 2, p. 147-157, 2003 514

SILVA, Maria Aparecida da. Formação de educadores/as para o combate ao racismo: mais uma tarefa essencial. In: CAVALLEIRO, Eliane (Org). Racismo e anti-racismo na educação: repensando nossas escolas. São Paulo, Summus, 2001. SILVÉRIO, Valter Roberto. Síntese da coleção História Geral da África: século XVI ao século XX/ coordenação de Valter Roberto Silvério e autoria de Maria Corina Rocha e Muryatan Santana Barbosa.- Brasília: UNESCO, MEC, UFSCar, 2013.

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RELATO DE EXPERIÊNCIA: O RACISMO DEBATIDO EM AULAS DE HISTÓRIA Aline Ferreira Antunes Este resumo expandido é um relato de experiência docente, que retrata uma atividade desenvolvida com estudantes do 8º ano do Ensino Fundamental da rede pública estadual de Minas Gerais no ano de 2016, procurando atrelar a prática docente de história com as teorias discutidas ao longo da disciplina de mestrado “Estudos alternativos em História e Cultura”, vinculada ao Programa de Pós-graduação em História pela Universidade Federal de Uberlândia (PPGHIS/UFU). Optou-se por manter o anonimato da escola e também dos/das estudantes envolvido/as no trabalho realizado, neste sentido, serão abreviados os nomes. De acordo com os documentos jurídicos (PCN’S – Parâmetros Curriculares Nacionais e CBC-MG – Currículo Básico Comum) para os 8ºs anos é necessário uma abordagem em torno do tema “Africanos no Brasil: dominação e resistência” procurando destacar se havia escravidão na África antes da colonização dos europeus, como se deu a guerra, escravidão e o tráfico Atlântico, e, a resistência africana já no novo mundo, pensando o trabalho escravo e o tráfico negreiro, para por fim, chegar à abolição da escravidão. Diante disto, trabalhou-se o tema II Reinado no Brasil, desde o Golpe da Maioridade (1840) que marca o início do reinado de D. Pedro II, passando pelas características políticas de luta entre partidos como o Saquarema e os Luzias, econômicas (expansão do café, da malha ferroviária), sociais e culturais, para posteriormente, tratar do tema do processo de abolição da escravidão: as leis (Bill Aberdeen, Saraiva-Cotegipe, do Ventre Livre, Áurea 1888), a situação dos negros no país à época e a atuação dos grupos que participaram do processo de abolição, bem como as teorias científicas que sustentaram o escravismo no país. Para encerrar o conteúdo foi desenvolvido um trabalho em grupo cujo tema era “A relação passado presente através de documentos históricos –os negros no/do Brasil”. Os objetivos do trabalho proposto eram: de ser realizado em equipe, comparar diferentes culturas e reconhecerem-se como sujeitos históricos a partir da formação do estado nacional brasileiro no século XIX, por meio de um posicionamento crítico sobre o sistema escravista, procurando valorizar as formas de resistência (quilombos, sincretismo religioso), o papel dos africanos e seus descendentes como sujeitos históricos que imprimiram marcas próprias à cultura brasileira, bem como as situações diversas de racismo e preconceito presentes no Brasil atual, resultado do escravismo e das relações étnicas estabelecidas desde o século XVIII/XIX. Para Sidiney Chalhoub (2012), a escravidão no Brasil do século XIX foi enraizada na cultura o que a naturalizou e normatizou. Com isto a liberdade se tornou algo duvidoso, suspeito. Precisou-se construir uma engrenagem para tornar invisível essa ilegalidade da 516

escravidão e, portanto os próprios escravos. Enquanto o Estado era conivente com a classe senhorial e os tráficos ilegais. A escravidão produziu uma maneira de distinção racial: negros eram escravos; e também uma classificação concomitantemente racial, social e econômica. Com exescravos não reconhecidos como livres, não incorporados à sociedade brasileira, há uma base para as causas do preconceito, ou a distinção pejorativa dos negros no Brasil do século XX e consequentemente do XXI, pois não foi com o ato político (assinatura da lei Áurea) que se encerrou uma mentalidade de mais de um século. A atividade proposta consistia em dividir as turmas em grupos e cada um deles deveria se empenhar em analisar determinado documento escolhido pela professora, quais sejam: músicas: Boa esperança (Emicida, 2015), Todo camburão tem um pouco de navio negreiro (O Rappa, 1994), O Haiti é aqui (Caetano Veloso e Gilberto Gil, 1993, disco Tropicália 2) e por último, Negro Drama (Racionais, 2002); o poema Navio Negreiro (Castro Alves, 1868); o filme Doze anos de escravidão (Steve Mcqueen, 2013) e por fim imagens racistas (fotografias, propagandas e reportagens sobre elas) no Brasil atual. As perguntas para cada grupo eram as mesmas, porém com algumas variações para se adequar ao documento selecionado para análise. Os grupos deveriam abordar: uma análise do documento histórico escolhido: quem produziu? Quando? Por quê? Para quê? Qual a crítica social presente no documento? Qual a relação passado-presente que podemos destacar? O que o grupo pode ter como “lição para a vida” a partir da música e do clip? Avaliando o desenvolvimento do trabalho, percebe-se que, em geral os grupos fizeram apresentações com participação de todos os integrantes, sem direcionamento da professora, foram criativos e tomaram cuidado de abordarem as questões colocadas nas orientações. De maneira ampla e generalista as turmas tiveram resultados quantitativos de 90 a 100% da nota, no entanto, qualitativamente avaliando os parâmetros são outros. O trabalho escrito que era para ser feito em grupo foi resultado de uma mescla de ações: discutiram conjuntamente, tiveram ideias nos grupos, conversaram com a professora, contaram com orientação, no entanto, por questões de tempo, preferiram montar cada integrante do grupo uma parte do trabalho e agrupá-las para ser entregue. O resultado foi uma mescla de ideias jogadas e desconexas e repetitivas, muitos grupos ainda consideram a wikipedia a melhor fonte de informações e fazem cópias ipsis literis do texto contido no verbete pesquisado, mesmo que o mesmo não responda à questão feita pela professora. Por outro lado, houve a participação efetiva de estudantes que raramente fazem suas atividades em sala de aula ou que participam das discussões da disciplina. Também foi possível trazer à tona discussões sobre racismo, preconceito enquanto resultados de uma política racial do século XIX que é o período estudado em questão no 8º ano, e como isto marca a formação da identidade nacional brasileira; como podemos perceber essas marcas em situações atuais cotidianas, inclusive dentro da escola ou em outros espaços sociais que os/as estudantes frequentam. 517

A maior parte dos grupos percebe que a relação entre o passado e o presente através dos documentos históricos que analisaram é que naquele, os negros eram escravizados e neste, temos o resultado dessa escravização: preconceitos, ataques diretos, segregação, violência (moral ou física). Para o aluno B, [...] a música traz uma grande crítica social e ao mesmo tempo uma grande lição de vida para as pessoas que leem a letra e escutam a música: os negros podem estar livres, mas ainda são vistos como escravos, mostrando uma alta taxa de racismo e preconceito por essa raça que são só seres humanos como os brancos e todos os outros. [...] Uma parte da letra me chamou atenção que é a “vá representar uma ameaça à democratização” mostra exatamente a realidade do país que é o Brasil, onde a maioria vence a minoria, onde a maioria são os brancos quase sempre racista e a minoria os negros isolados do governo, sem voz e direito, onde sempre será a mesma coisa se não mudar. Já para a estudante AJ, [o documento] não deu lição de vida nenhuma porque apesar de falar do passado, na minha opinião nada fez com que eu achasse que foi uma lição. [...] Agora, para as outras do meu grupo elas acharam que deu uma lição de vida sim, pelo simples fato deles [os cantores] não aceitar [sic] o racismo e o preconceito. Sua redação cobra mais dos cantores, espera mais além da música, da escrita, espera atitudes, ações, medidas mais objetivas com relação ao racismo e ao preconceito existentes no país. Esta foi a única redação destoante e também a mais crítica pois, em sua opinião a música é importante, mas não é o suficiente. Percebe-se com este trabalho, ser possível utilizar as teorias acadêmicas para enriquecer o conteúdo, as explicações e as argumentações com os estudantes da educação básica, sobretudo por se tratar de temas tão delicados, que parecem distante temporalmente, mas que ao mesmo tempo são atuais. Falar sobre o tema é um primeiro passo para despertar críticas, análises, indignação das turmas e compreender que a formação da identidade nacional no século XIX esteve pautada nas questões raciais, de nação e que geraram consequências até hoje não superadas, tais como o racismo ou a violência estatística contra negros e jovens no país.

Referências bibliográficas: BERBEL, Márcia; MARQUESE, Rafael; PARRON, Tâmis. Escravidão e política: Brasil e Cuba, 1790-1850. São Paulo: Hucitec/Fapesp, 2010.

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BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional: lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. 5. ed. Brasília: Câmara dos Deputados, Coordenação Edições Câmara, 2010. BRASIL. Ministério da Educação. Parâmetros Curriculares Nacionais: História. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Fundamental, 1998. CHALHOUB, Sidney. A força da escravidão: ilegalidade e costume no Brasil Oitocentista. São Paulo: Companhia das Letras, 2012. SECRETARIA ESTADUAL DE EDUCAÇÃO. Proposta curricular de História: ensino fundamental. CBC de História.Belo Horizonte, 2015.

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CULTURA AFRICANA NO BRASIL A PARTIR DA LEI 10639/03 Amábilis Cristina Talita Mesquita No Brasil é aceita a ideia de que somos um país formado por três raças: índios, brancos e negros. Contudo, quando a história do Brasil é ensinada na escola, o estudante se depara com fatos que narram apenas a trajetória dos europeus na América. Pouco se sabe sobre os outros povos que ajudaram a formar a identidade do povo brasileiro. Impulsionado pela Lei 10.639 de 2003, se tornou obrigatória a presença de conteúdo relacionado à cultura africana em todas as instituições de ensino, e fixou a permanência da comemoração do Dia Nacional da Consciência Negra no calendário escolar. Importante salientar que a lei 11.645 de 2008 além de incluir o estudo da história e cultura dos povos indígenas, reforçou ainda mais a história da cultura africana. Assim, a legislação passou a exigir a inclusão no currículo oficial da rede de ensino, a obrigatoriedade do estudo de tais culturas. Necessário se faz o conhecimento desta lei e o aprofundamento nas táticas que podem ser aplicadas em sala de aula e até mesmo fora dela, para não só o ensino dos estudantes, mas também no desenvolvimento dos mesmos, enquanto cidadãos. Na sociedade brasileira é inegável a supervalorização da cultura europeia e inferiorização das demais culturas, principalmente, as de matrizes africanas. O eurocentrismo, por muitos anos, predominou e esteve presente no textos clássicos que fundaram a historiografia moderna no Iluminismo, distorcendo a visão dos europeus acerca dos demais povos do mundo. Teorias do século XIX, como o evolucionismo e o positivismo, podem ser considerados casos extremos deste provincialismo europeu, autodeclarado como universalista. Esta visão eurocêntrica de mundo condiciona o nascimento disciplinar da História. Pouco se escreveu e analisou, até o início do século XX, sobre a história de outros povos e civilizações. No decorrer do tempo, nos deparamos com diversas historiografias em que evidenciavam recortes específicos na história. A história tradicional foi rompida a partir dos anos 1930, com as contribuições da Escola do Annales, que segundo Peter Burke (1991) se evidenciava em três pontos principais, sendo eles: a interdisciplinaridade, a perspectiva totalizante e história problematizada.

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Enquanto expressão da historiografia contemporânea, pós 2ª guerra, a História da África é resultante de dois fatores – a renovação crítica das Ciências Sociais, em especial, na historiografia; o crescente relativismo europeu diante de seus próprios valores. Concomitantemente à historiografia contemporânea, uma nova historiografia surgiu nos anos 1950 sobre a África, realizada pelos próprios africanos. Trata-se de uma literatura que fazia eco com as primeiras lutas de libertação nacional na África. Desta forma, tratava-se de construir uma História que pudesse servir como instrumento de luta ideológica e política contra o inimigo colonialista. O ensino da História e cultura afro-brasileira e africana no Brasil, sempre foi propagado de forma errônea e incompleta. Um dos temas mais abordados era sobre tráfico negreiro, e os estereótipos bem definidos, abrangendo apenas um foco – o negro sofredor, a escravidão. Com a nova lei, em que tornou obrigatório o ensino da história e cultura afro-brasileira e africana em todas as escolas, públicas e particulares, do ensino fundamental até o ensino médio e com o auxilio da nova historiografia (conforme falado acima), vemos este cenário mudando um pouco. A Lei 10.639/03 propõe novas diretrizes curriculares para o estudo da história e cultura afro-brasileira e africana. Por exemplo, os professores devem ressaltar em sala de aula a cultura afro-brasileira como constituinte e formadora da sociedade brasileira, na qual os negros são considerados como sujeitos históricos, valorizando-se, portanto, o pensamento e as ideias de importantes intelectuais negros brasileiros, a cultura (música, culinária, dança) e as religiões de matrizes africanas. Com esta lei, também foi instituído o dia Nacional da Consciência Negra (20 de novembro). Os livros didáticos (obrigatórios pelo PNLD) já estão quase todos adaptados com o conteúdo da Lei, mas, como as ferramentas que os professores podem utilizar em sala de aula são múltiplas, podemos recorrer às iconografias (imagens), como pinturas, fotografias e produções cinematográficas. A lei versa sobre importantes perspectivas que devem ser trabalhadas em sala de aula, tais como, aspectos da história e da cultura que caracterizam a formação da população brasileira, a luta dos negros no Brasil, cultura negra e o negro na formação da sociedade nacional e resgatar as contribuições nas áreas social, econômica e política, pertinentes a história do Brasil. Entretanto, ao passo deste grande avanço, vemos o ensino ainda caminhando em marcha lenta. Ainda se faz necessário conhecermos a cultura a fundo para entendermos nossa própria história. Segundo Nascimento (2008,p.5), “a imagem distorcida da África, ou sua omissão, nos currículos escolares brasileiros legitima e ajuda a erguer como verdades noções elaboradas para reforçar o supremacismo branco e a dominação racial.” A escola por ser este espaço onde há diversidade étnico-racial e cultural, tem a responsabilidade na propagação confiável, na contribuição e no resgate da valorização da cultura africana e afro-brasileira, tendo a obrigação de referenciar e tornar visíveis a diversidade de sujeitos e de culturas que se fazem presentes em seu ambiente. Um viés 521

importantíssimo que deve ser tratado também é o racismo, preconceito e discriminação, já muito conhecido na sociedade. A discriminação racial e cultural no Brasil está enraizada em nosso intelecto ha séculos, posto que tende-se a apreciar a cultura dos países europeus e menosprezar a cultura de outros povos, como os africanos, os indígenas e os asiáticos, tão importantes para a formação da nossa identidade cultural. Parte deste preconceito é claramente observado quando, grande parcela da população tem em mente que no continente africano só existe negros e que há a predominância da fome, da miséria e de doenças. Essa visão deve-se a propagação desta imagem negativa transmitida pela televisão, através de filmes e documentários, que ainda se cercando de uma visão eurocêntrica, tende a mostrar somente uma parte da verdade. Infelizmente, ao analisarmos o ensino na sala de aula, vemos a deficiência nessa parte da história e a falta de preparo dos educadores. São diversos empecilhos que dificultam colocar em prática a educação das relações étnicoraciais. Romper com tais obstáculos não é um trabalho fácil, porém, não impossível. Isto posto, enfatiza Gomes (2003,p.74), “avançar na construção de práticas educativas que contemple o uno e o múltiplo significa romper com a ideia de homogeneidade e unificação que ainda impera no campo educacional”. Hoje, faz-se necessário a valorização da contribuição africana na formação do provo brasileiro e em sua identidade. “Conhecer a história do continente africano é buscar nossas raízes históricas e culturais, já que os africanos e seus descendentes construíram de forma significativa, nosso país, em termos materiais e culturais” (Amâncio, 2008, p.39) Os africanos deixaram suas marcas e contribuíram para nossa formação sociocultural mais evidentes nas manifestações da cultura material, construções edificadas, fabricação de objetos como esculturas, artesanato, adornos, instrumentos musicais, ritmos, entre outros. Ao apresentarmos a cultura, desmistificando saberes sobre a religião, enfatizando a riqueza deixada por eles, tornamos visível, a importância de nos orgulharmos de nossas origens étnico-raciais e culturais. A não percepção na historiografia e história do seu povo e seus aspectos culturais, os indivíduos tendem a negar-se perante o outro, principalmente pela ausência da sua cultura no currículo escolar e nos materiais didáticos. “A invisibilidade se efetiva quando, dentre um vasto e diverso campo de conhecimento e significados, são selecionados apenas os conhecimentos de uma determinada cultura, considerada mais ampla e esses conhecimentos e significados são legitimados como “tradição”, o “passado significativo”, enquanto os demais são ocultados ou apresentados 522

de forma conveniente, de forma a não gerar conflitos com o saber legitimado” (Silva, 1996, p.121)

Referências AMÂNCIO, Iris Maria da Costa. África-Brasil-África matrizes, heranças e diálogos contemporâneos. Editora PucMinas, 2008 GOMES, N. L. Educação e diversidade étnico-cultural. In: RAMOS, M.N; ADÃO, J.M.; BARROS, G.M.N. (Coords.). Diversidade na educação: reflexões e experiências. Brasília: Secretaria de Educação Média e Tecnológica, 2003. NASCIMENTO, E. L. (Org.). Cultura em Movimento: matrizes africanas e ativismo negro no Brasil. São Paulo: Selo Negro, 2008.

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PRECONCEITO RACIAL NO COTIDIANO ESCOLAR: DESMITIFICAR PARA COMBATER Ana Carla Matos de Oliveira Márcia Coêlho Nogueira Wilverson Rodrigo S. de Melo Introdução No Brasil o racismo foi encoberto por muito tempo em virtude de sua homogeneidade racial, sobre a qual propaga-se o discurso de uma possível situação de equidade entre negros e brancos. Esse ideário reforça o mito da “democracia racial” e nega as reais condições sociais as quais os afrodescendentes são submetidos, inclusive constrói barreiras que dificultam a afirmação de sua identidade. A diversidade étnica que caracteriza a população brasileira não impede que certos grupos sejam discriminados socialmente. Os processos da escravidão ainda estão enraizados em nossa sociedade, fazendo com que a população negra seja marcada pela exclusão, discriminação, dominação e exploração por grupos que se consideram de uma etnia superior. Cria-se uma relação de explorados e exploradores. Práticas educativas que ressaltem a real história do povo africano devem se tornar corriqueiras na sala de aulas e não somente em eventos comemorativos. Faz-se necessário desfazer a visão errônea de que os negros são descendentes de escravos, pois do contrário ocorre uma naturalização da história do negro relacionada somente à escravidão, ressaltando a superioridade da raça branca. A metodologia desta produção é de caráter crítico-informativa, com levantamento bibliográfico através de artigos, periódicos e anais. Estas pesquisas nos possibilitaram um embasamento teórico para fundamentar reflexões acerca do preconceito racial no ambiente escolar e vislumbrar práticas assertivas que as escolas deveriam trabalhar para combater ou amenizar este fenômeno, principalmente no que diz respeito ao reconhecimento das contribuições que o povo africano proporcionou para o enriquecimento cultural de nosso país.

As práticas pedagógicas como um elemento formador da identidade de um indivíduo As primeiras relações sociais são vivenciadas no convívio familiar, mas é na escola que as ampliamos em virtude da grande diversidade de grupos que convivem neste espaço, portanto é de fundamental importância para a construção da identidade de um indivíduo. “Infelizmente, é também um dos lugares em que o preconceito e a discriminação são 524

também desenvolvidos e alimentados, pois reflete os processos sociais da sociedade em que o indivíduo está inserido” (FERREIRA; CARMARGO, 2011, p.378). Diante disso, os educadores se defrontam com o desafio de incorporar de forma contextualizada e consistentes práticas que promovam o respeito e a tolerância, num país multicultural e desigual, através da articulação do processo de ensino-aprendizagem entre as diversas áreas do conhecimento, a fim de promover o fortalecimento de bases sólidas que constituirão em mudanças sociais necessárias para uma sociedade mais justa equânime. (ZEBRAL, 2012, p.5) As conquistas obtidas pelos afrodescendentes são frutos de reivindicações constantes. Um exemplo a ser citado foi à promulgação da Lei 10.639/2003 que garantiu a obrigatoriedade do ensino de História da África e da Cultura Afro-brasileira no sistema educacional brasileiro. A partir desta lei as escolas devem promover ações que evidenciem a diversidade étnico-racial em busca de uma mudança de mentalidade e práticas que anulem qualquer ato preconceituoso, pois a lei em si não garante a eliminação do preconceito, é preciso atuar na formação do indivíduo. Uma das grandes dificuldades vivenciadas pelos docentes é a questão de como incluir este tema em suas aulas de forma interdisciplinar. Diante desta problemática a escola deve fornecer subsídios a esses profissionais através da formação continuada, pois discutir tal temática, [...] requer estratégias pedagógicas, mudança nos discursos, posturas, formas de tratar as pessoas, reconhecimento dos processos históricos de resistência negra desencadeados pelos africanos escravizados no Brasil e por seus descendentes na contemporaneidade, desconstrução do mito da democracia racial e envolvimento de todos na construção de um projeto de escola, de educação voltada para um trabalho coletivo de articulação entre os processos educativos escolares, políticas públicas e movimentos sociais. (ZEBRAL, 2012, p.13) Ao adentrar uma sala de aula, o professor traz consigo seus valores, portanto durante a abordagem de qualquer conteúdo, suas falas sempre serão impregnadas de conceitos pessoais. Então para se discutir o preconceito racial na escola, é preciso fornecer subsídios teóricos a esses profissionais a fim de promover uma mudança de postura e de ideias. O primeiro desafio para uma educação antirracista deve ser iniciado na 1ª etapa da vida escolar, a Educação Infantil. É nessa fase que a criança inicia a construção de sua identidade, portanto, se uma criança negra sofre algum tipo de discriminação pode carregar isso para o resto de sua vida como um trauma, inclusive pode levá-la a negar suas raízes. Desta forma, assim como a família, o professor também tem o papel de conhecer a real história do povo africano, dissociando-o da escravidão, para incentivar a criança negra a se reconhecer como negro e despertar nela um sentimento de pertencimento à sua cultura. É preciso ter orgulho de ser negro. 525

Portanto, as salas de aula de Educação Infantil devem ser de fato um ambiente prazeroso, onde são oferecidos estudos, trabalhados e todos os tipos de materiais para que, através da observação, comparação, classificação e reflexão, os estudantes possam descobrir a importância da cultura, das manifestações artísticas, das crenças, rituais afro-brasileiras, procurando se apropriar delas, e assim, construir conhecimentos históricos importantes para a própria luta social já nas séries iniciais, percebe-se que esta fase da escolaridade é fundamental para se dar início a valorização dos valores humanos. (DUDA; COSTA, 2010, p.8) O docente precisa criar um ambiente propício de aprendizagem, para que a criança aprenda a conviver em grupo e a respeitar a diversidade que a cerca, pois à medida que conhecemos vamos construindo conceitos e valores que irão nortear nossas ações perante a sociedade. É comum nas salas de aulas os docentes cometerem erros ao abordarem a cultura negra, tais como: contar a história do negro a partir da escravidão, criar estereótipos referente ao continente africano ligando-o à miséria, animais selvagens e doenças, tratar a questão do racismo como um fenômeno exclusivo da disciplina História e não como um tema interdisciplinar. Essas práticas pedagógicas depreciam a história do povo negro e precisam ser substituídas por metodologias mais assertivas. É importante abordar a história da África antes da escravidão, ressaltando suas contribuições para enriquecimento cultural de nosso país. Além disso, devem-se enfatizar as “personalidades” que contribuíram nas lutas pelo reconhecimento dos direitos dos negros em busca de uma sociedade mais justa e acima de tudo reconhecer que o racismo é um fenômeno que ocorre dentro do ambiente escolar, portanto precisa de ações efetivas para combatê-lo.

Considerações finais Ao longo da história, os negros sempre lutaram para que o direito de igualdade fosse posto em prática e com todas as transformações do mundo em virtude da globalização, certo espaço foi conquistado, porém, ainda vivenciamos cotidianamente ações racistas nos mais variados ambientes. Algumas políticas públicas implantadas proporcionaram uma ligeira redução nos índices de desigualdades sociais, das quais podemos destacar a Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial criada pela Medida Provisória n° 111, de 21 de março de 2003, convertida na Lei nº 10.678 e consequentemente o sistema de cotas raciais para ingresso nas universidades. Segundo Ferreira & Camargo, 2011, p. 388, “a educação formal deve enfatizar nossas raízes e a história do processo de formação do povo brasileiro nos currículos, além de preparar os professores para poder enfrentar as situações de discriminação, comuns nas relações entre alunos e professores”. 526

Portanto, manifestações discriminatórias no âmbito do espaço escolar provocam agressões tanto físico como simbólica e traz como consequência a desvalorização das características individuais. É fundamental que a escola resgate a autoestima e a autoconfiança da criança negra através de práticas pedagógicas que visem reafirmar sua identidade cultural e neguem veementemente a busca por um modelo socialmente ideal, aceito por todos.

Referências DUDA, Manoelle N. Fernandes; COSTA, Rita de Cássia F. da. Relações Raciais e Educação Infantil: um estudo de caso sobre o preconceito na Escola Municipal Dr. Emerson Tenório. In: EPEAL - Pesquisa em educação: desenvolvimento, ética e responsabilidade social da UFAL, 5, 2010, Alagoas. Anais eletrônicos Alagoas: UFAL, 2010. Disponível em http://dmd2.webfactional.com/media/anais/RELACOESRACIAIS-E-EDUCACAO-INFANTIL-UM-ESTUDO-DE-CASO-SOBRE-OPRECONCEITO-NA-ESCOLA- MUNICIPAL -DR.pdf>. Acessado em 05 de janeiro de 2017. FERREIRA, Ricardo Frankllin e CAMARGO, Amilton Carlos. As relações cotidianas e a construção da identidade negra. Psicologia Ciência e Profissão, Brasília/DF, vol. 31, n.2, 2011, p.374-389. ZEBRAL, Deliane Fernandes. Rompendo barreiras do preconceito racial no ambiente escolar. Universidade Federal de Ouro Preto, 2012.

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RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS, HISTÓRIA E EDUCAÇÃO: DESAFIOS E POTENCIAIS NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES E DE EDUCADORES SOCIAIS Andréa Giordanna Araujo da Silva Introdução O trabalho apresenta a trajetória do Curso de Aperfeiçoamento em Educação para as Relações Etnico-Raciais (ERER), realizado no período de 2013-2014, na modalidade à distância, pelo Centro de Educação da Universidade Federal de Alagoas (UFAL), mediante o convênio com a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão, a Coordenadoria Institucional de Educação à Distância – CIED e a Pro-Reitoria de Extensão/UFAL. A ação pedagógica teve como sujeitos partícipes professores e profissionais de diversas instituições sociais e educacionais do estado de Alagoas. O curso permitiu aos profissionais, graduados ou com formação de nível médio e/ou cursando graduação, participarem das atividades formativas que, usualmente, são reservadas exclusivamente aos professores licenciados. A ação de extensão possibilitou a uma parcela significativa de pessoas que atuam em movimentos sociais e que tem pouco acesso aos cursos formais, de longa duração, de significativa qualidade teórica e elaborados pela universidade, expressarem os conhecimentos produzidos e vividos nas práticas de resistência às várias formas de preconceito e discriminação racial existentes no Brasil. Foi possível aos protagonistas das instituições e movimentos sociais alagoanos presentarem as demandas formativas essenciais às escolas e aos movimentos sociais e que devem ser consideradas nas produções acadêmicas. A ação de extensão e pesquisa, desenvolvida com professores e profissionais de instituições sociais, que têm a temática Relações Étnico-raciais como fundamento de trabalho e atuação política, objetivou analisar as questões históricas, políticas, econômicas e culturais constitutivas do cenário étnico-racial nacional e subsidiar os professores e os educadores sociais para discutir e criar novas práticas pedagógicas nas instituições educacionais e culturais de Alagoas. Para o desenvolvimento desta reflexão, selecionamos como documentos de análise: os questionários, inicial e final, respondidos pelos cursistas, nos anos de 2013 e 2014, respectivamente, os depoimentos coletados durante o desenvolvimento dos encontros presenciais, com uso de diário de campo, as produções escritas e discussões postadas pelos cursistas no AVA e os relatórios de tutoria.

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ERER: passos de uma luta histórica, necessária e permanente A experiência de extensão e pesquisa foi realiza com a participação de 52 profissionais atuantes em escolas e instituições sociais e culturais do Estado de Alagoas. A ação formativa teve como objetivo central qualificar os professores e os educadores sociais para atender às Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações ÉtnicoRaciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana (2004) e foi desenvolvida com o auxílio de duas ferramentas pedagógicas: 11 encontros presenciais e a participação nas discussões do Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA). Os instrumentos pedagógicos serviram para a identificação dos interesses e das necessidades formativas dos cursistas e para a interpretação e a análise dos acontecimentos históricos, políticos, econômicos, sociais e culturais constitutivos da diversidade étnico-racial do Brasil. Esses recursos também foram utilizados como meios para identificar os principais problemas relacionados à questão étnico-racial apresentados pelos sujeitos de múltiplos lugares institucionais, pensar os conteúdos a serem desenvolvidos nas aulas e provocar discussões dialógicas entre os cursistas. Ainda, para verificar se as demandas formativas dos cursistas foram atendidas e/ou ampliadas ao longo do curso, aplicamos dois questionários, um no início e outro no final do curso, e realizamos o acompanhamento do trabalho dos quatro tutores por meio da elaboração e análise de relatórios bimestrais. Por conseguinte, considerando a necessidade de uma abordagem mais aproximada do cenário étnico-racial alagoano, alguns professores foram convidados a produzir um conjunto de materiais didáticos, quatro cadernos temáticos (2013): “A ESTÉTICA CULTURAL AFROBRASILEIRA E SUA DIMENSÃO POLÍTICA, “CAPOEIRA! QUE JOGO É ESSE?, “TESSITURAS PARA A DANÇA AFRO”, “AS RELIGIÕES AFRO-BRASILEIRAS ENTRE INTERPRETAÇÕES E SIGNIFICADOS”, para servir de subsidio teórico aos estudos e a interpretação das questões locais. O estudo teórico, em associação com os encontros presenciais, possibilitou vivências sociais singulares aos cursistas: Ao entrar na cena como protagonista do movimento do ritmo Afro, sensações nunca antes sentidas foram manifestadas, pois os movimentos corporais viabilizam a desintoxicação das emoções diante das atribuições desenvolvidas pedagogicamente que requerem compromisso, responsabilidade e enfrentamento das idas e vindas territoriais, bem como da organização pedagógica propriamente dita do Curso de Aperfeiçoamento em Educação Para as Relações Etnicorraciais. Momentos de pura aprendizagem interação e conhecimento. (MELO, Relatório de Atividades Desenvolvidas e Aprendizagens, 2014, p. 9). Diversas experiências e aprendizagens teórico-práticas foram desenvolvidas ao longo dos cinco módulos constitutivos do curso: 1) Conceitual EAD e Ferramenta Moodle, 2) História da África, 3) História e Cultura Afro-Brasileira, 4) Educação e Relações Étnico-Raciais e 5) Avaliação). Também a produção de um Blog pretendeu criar um vínculo permanente da universidade com as instituições escolares e culturais que desenvolvem práticas formativas relacionadas à temática do curso e colaboram para a preservação e difusão do patrimônio material e imaterial das culturas afrodescendentes e indígenas. Esses últimos são atores sociais que podem trazer novos e importantes 529

questionamentos sobre a produção dos conhecimentos científicos e escolares, apresentando, portanto, novos e significativos objetos de pesquisa para cursos de pósgraduação (especialização, mestrado e doutorado) do Centro de Educação da UFAL. Por conseguinte, no AVA, por meio das discussões nos fóruns, foi possível captar as principais problemáticas de caráter étnico-racial que permeiam as relações humanas e institucionais no cenário alagoano. Nele, assim como no questionário final, os cursistas descreveram situações vividas e significados e sentidos produzidos como estratégias de resistência e de transformação das ações de preconceito e de discriminação. Infelizmente, devido à escassez de recursos financeiros, não nos foi possível atender algumas das demandas dos cursistas, como a proposta de experienciação de visita técnica em instituições e comunidades em que a questão do direito a etnia e a racialidade é objeto de luta cotidiana. Também a manutenção do Blog foi interrompida em 2015, quando foi decidido que a UFAL não ofereceria mais o curso na modalidade de ensino a distância e em nível de aperfeiçoamento. Ao termino do ERER, os cursistas apresentaram relatos das ações desenvolvidas como resultado de suas aprendizagens: projetos escolares, práticas desenvolvidas em âmbito comunitário, resultados de pesquisa acadêmica e ou sócio-histórica e cultual. A multiplicidade de linguagens utilizadas para abordagem das temáticas “História da África” e “História e Cultura Afro-Brasileira”, nos espaços institucionais e socioculturais diversos: escolas públicas e privadas e comunidades periféricas, possibilitou perceber que as questões e os saberes já inventariados sobre a temática étnico-racial no Brasil, a exemplo da Capoeira, das danças e dos ritmos de matriz ou influenciados pelas culturas africanas e indígenas e da produção cinematográfica e literária, podem ser objeto de discussão em qualquer cenário sociocultural. O que falta são espaços institucionais ininterruptos de formação social e discussão política, pois a maioria dos exercícios de reflexão partilhada sobre a história e a diversidade étnicoracial no Brasil se materializa em cursos sazonais e de curta duração. Desse modo, os encontros presenciais e virtuais caracterizaram-se como espaços democráticos e dialógicos, promotores da interlocução, da socialização e da produção de saberes entre pesquisadores-professores atuantes no ensino superior, professorespesquisadores da Educação Básica, alunos de graduação e agentes dos movimentos sociais e de instituições culturais do cenário alagoano. No campo específico da formação sócio-política: [...] o ERER trouxe, para a vida de todos aqueles que dele fez parte, a perspectiva de que é possível descontruir os estigmas introjetados na escola e na sociedade, por meio de uma árdua luta de cientização do direito a diferença. Esse aprendizado nos fez recuperar o sentido de nossas origens e retomar as possibilidades da autoafirmação étnica, se reconhecendo na luta do movimento negro e indígena do Brasil. (PEREIRA, RELATÓRIO DE TUTORIA, 2014, p. 11).

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Referências Bibliográficas BELO, Rafael Alexandre Belo. A estética cultural afrobrasileira e sua dimensão política. Livro 1. Maceió: MEC/SISUAB, 2013. BRASIL. CNE. Parecer nº. 03 de 10 de março de 2004. Dispõe sobre as diretrizes curriculares nacionais para a educação das relações étnico-raciais e para o ensino de história e cultura afrobrasileira e africana. Ministério da Educação. Brasília, julho de 2004. GOMES, Gustavo Manoel; MELO, Gian Carlo de. As religiões afro-brasileiras entre interpretações e significados. Livro 4. Maceió: MEC/SISUAB, 2013. MACHADO , Tatiane Trindade. Relato de experiência tutora à distância. Maceió: ERER/UFAL, 2014. MELO, Maria Aparecida Vieira de. Relatório de atividades desenvolvidas e aprendizagens: tutoria como ferramenta metodológica do curso de aperfeiçoamento em educação para as relações etnicorraciais. Maceió: ERER/UFAL, 2014. OLIVEIRA, Nadir Nóbrega. Tessituras para a dança afro. Livro 3. Maceió: MEC/SISUAB, 2013. PEREIRA, Jéssika Danielle dos Santos. Relatório de tutoria. Maceió: ERER/UFAL, 2014. QUEIROZ. Sandra Bomfim de. Capoeira! que jogo é esse?. Livro 2. Maceió: MEC/SISUAB, 2013.

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ENSINO DE HISTÓRIA INDÍGENA NA TRAMA DA NARRATIVA HISTÓRICA DOS POVOS KIRIRI Ane Luíse Silva Mecenas Santos Esse trabalho apresenta a proposta de valorizar a experiência histórica do povo Kiriri, por meio da construção de instrumentos de preservação e divulgação das narrativas históricas em suporte digital. Isso se torna relevante para o povo, que terá a sua disposição mais instrumentos que podem ser utilizados nas escolas e na própria comunidade como alicerce para o fortalecimento de sua identidade cultural, como também para promover a visibilidade de seu olhar acerca do passado. Com base nas de impressionantes histórias narradas pelos índios da aldeia de Mirandela, no município baiano de Ribeira do Pombal. Liderados pelo cacique Cristiano, os Kiriri buscam narrar o seu passado como estratégia de reafirmação identitária e, certamente, constitui uma instigante leitura da história na sua perspectiva inversa, como bem salientou Edward Thompson, “a história vista por baixo”. Tudo começou em um dia de caça. Nos caminhos do sertão, um índio saiu para o mato, empunhando seu arco e sua flecha. Ele era um índio Kiriri e naquele tempo, os índios moravam no lugar distante, chamado “Igreja velha”. Sem encontrar a caça, o índio andou pelas bandas do riacho da serra, até que viu outro índio acocorado, com as duas mãos estendidas. Pensando se tratar de uma caça, o Kiriri atirou-lhe uma flecha, que acertou uma das mãos. Mas o nativo continuou acocorado, vivo, inabalável. O guerreiro Kiriri então atirou-lhe outra flecha, que por sua vez acertou a outra mão. Com as duas mãos ensanguentadas, o índio acocorado revelou-se como o deus Tupã. Ao perceber que se tratava da presença de Tupã, o índio o levou para a igreja velha, para que pudesse existir o culto dos demais nativos. Eles então construíram um tenda para abrigar o deus Tupã e tornar possível o culto. Mas, para surpresa de todos, no dia seguinte, Tupã não estava na tenda. Todos saíram a sua procura e o encontraram nas imediações do riacho da serra, onde estava anteriormente. Os kiriri o levaram novamente para a igreja velha, mas a cena se repetiu durante alguns dias. Diante do impasse, o povo Kiriri decidiu seguir a vontade de Tupã e mudaram a sua aldeia para as bandas do riacho. Um dia, apareceram os jesuítas na aldeia. Eles logo fizeram amizade com os índios e viram a imagem viva de Tupã. Impressionados, os jesuítas pegaram Tupã vivo e levaram para o Vaticano, onde está até hoje. No lugar, trouxeram uma imagem de barro, parecida com Tupã, mas não era viva. Essa é a imagem de Jesus Ressuscitado, deixado na igreja nova de Sacos dos Morcegos. E Tupã está no Vaticano!

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Essa é a síntese de uma das impressionantes histórias narradas pelos índios da aldeia de Mirandela, no município baiano de Ribeira do Pombal. Liderados pelo cacique Cristiano, os Kiriri buscam narrar o seu passado como estratégia de reafirmação identitária e, certamente, constitui uma instigante leitura da história na sua perspectiva inversa, como bem salientou Edward Thompson, “a história vista por baixo” (THOMPSON, 2001. p.265.). A memória coletiva do povo coletivo do povo Kiriri registra elementos da conquista e do cotidiano deles, que não se faz presente na documentação, nas conhecidas narrativas dos conquistador. Muito menos nos conquistadores do conhecimento que durante os séculos seguintes continuaram a reforçar a história do povoamento da América portuguesa com o silênciamento do índio como um sujeito histórico, apenas como um elemento inserido na mundialização dos tempos modernos. (GRUZINSKI, 2014) Em algumas passagens das memórias, os Kiriri integram os fatos históricos e a um discurso temporal é fluído e inconstante, impossibilitando a compreensão dos processo histórico (POLLAK, 1989, p. 3). Eles justificam, por exemplo, que em decorrência do “abandono” dos jesuítas muitos seguiram Antônio Conselheiro em busca dos rios de leite no arraial de Canudos. (COMUNIDADE KIRIRI, 2002, p.6) Integram o século XVIII e XIX, com uma linearidade temporal, como se o fato de um século anterior fosse consequência direta do fato do século seguinte, algo muitas vezes incompreendido e não permitido nas interpretações acadêmicas. Mas a presença marcante nos discursos é o jesuíta. Evidenciada na própria narrativa do que para a historiografia consiste na expulsão dos membros da Ordem e para eles reflete o abandono, a traição. De acordo com os Kiriri, num dia os padres avisaram que iriam se ausentar, mas que retornariam em breve. E assim partiram os padres. Contundo, pela noite enquanto os índios estavam reunidos em Canabrava, chegaram um grupo de brancos que os deram bebidas. Um tempo depois um clarão toma conta das matas no entorno da aldeia. E o calor intenso se aproxima das casas. Chamas tomaram conta de tudo e muitos não conseguiram sobreviver. Os poucos que escaparam buscaram abrigo na aldeia de Saco dos Morcegos. Sem a divisão temporal dos acontecimentos os índios narram o que não se encontra presente no alvará de elevação das aldeias a vilas que marca o fim da administração desses espaços pelos padres da Companhia de Jesus. Os índios do sertão eram conhecidos por sua língua travada e de difícil compreensão e, especialmente, pela sua barbárie e ausência de disciplina. No crepúsculo do século XVII, a ação jesuítica se intensificou no sertão da América portuguesa e as cartas produzidas pelos missionários seguiam refletindo suas preocupações em relação à efetiva conversão e às expressões de fé e religiosidade dos indígenas. Na segunda metade do século XVII, foram instaladas a aldeia de Nossa Senhora da Conceição de Natuba (1666), Santa Tereza dos Quiriris, em Canabrava (1667), Nossa Senhora do Socorro do Geru (1683) e Ascensão do Saco dos Morcegos (1691) (LEITE, 2004, p. 209). Os jesuítas atuaram nas missões do sertão - entre o Rio Real e o Rio São Francisco - até a publicação do Alvará de 8 de maio de 1758, que ordenou que o Ouvidor Miguel de Ares Lobo de Carvalho se encarregasse da elevação dos aldeamentos à condição de vilas.

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Essa narrativa histórica se apresenta sob o ângulo inverso da historiografia tradicional: o Kiriri conta a história do seu modo, com sua perspectiva de tempo e de espaço, dentro de sua lógica de pensamento. Para a escrita desse trabalho não foi pensando o cotejo entre a oralidade indígena e os relatos dos escritos. Esses discursos não são fonte para o presente trabalho, apenas nos evidencia a multiplicidades de histórias acerca da conquista e do cotidiano das aldeias. Geralmente, a historiografia brasileira tem propiciado significativas revisões na interpretação do passado nacional no tocante ao processo de catequese e conversão dos povos indígenas. Todavia, esse olhar revisionista, apesar de ter superado em grande medida as leituras enviesadas respaldadas nas dicotomias índio x jesuíta, catequese x escravidão, aculturação x etnocídio, construindo novos olhares com ênfase para os encontros de povos e culturas diferentes e na mediação ou tradução cultural, ainda existe uma problemática lacuna nos estudos elaborados no país: a pouca ou inexistência de ênfase para o olhar do índio acerca da história. Essa dissonância interpretativa é corroborada pelo uso de fontes históricas tradicionais, especialmente os textos escritos produzidos pelo colonizador (membros da Ordem, representantes do governo lusitano, viajantes e cronistas) e diante da quase inexistência de documentação produzida pelos povos indígenas do Brasil. Como pensar em uma metodologia de pesquisa que extrapole o âmbito acadêmico e atenda, criteriosamente, aos elementos fundantes de uma cultura tão próxima e ao mesmo tão distante da nossa? Essa questão é de grande relevância para se pensar as memórias e a construção identitária dos Kiriri, mas de igual modo, é também de grande complexidade. Desse modo, a proposta a qual apresentamos tem caráter preliminar, pois se trata de um olhar gestado no âmbito acadêmico e que necessitará ainda passar pelo crivo dos pesquisadores bolsistas indígenas, para assim se constituir uma proposta adequada visualmente e metodologicamente às características inerentes ao povo Kiriri. Inicialmente, propomos uma pesquisa de cunho respaldado na oralidade. A tradição oral do povo Kiriri e suas práticas culturais com os fazeres e saberes serão o eixo norteador da pesquisa. A partir da seleção dos bolsistas entre os índios, realizaremos reuniões para se pensar nas estratégias de registro de suas narrativas históricas. Nesse sentido, serão realizadas entrevistas no sentido que valorizem tanto a experiência social individual dos Kiriri, como também as memórias coletivas e diferentes apropriações do passado. Todas essas ações deverão ser registradas em fotografias e vídeos, visando a elaboração do documentário e do catálogo. Geralmente, a historiografia brasileira tem propiciado significativas revisões na interpretação do passado nacional no tocante ao processo de catequese e conversão dos povos indígenas. Todavia, esse olhar revisionista, apesar de ter superado em grande medida as leituras enviesadas respaldadas nas dicotomias índio x jesuíta, catequese x escravidão, aculturação x etnocídio, construindo novos olhares com ênfase para os encontros de povos e culturas diferentes e na mediação ou tradução cultural, ainda 534

existe uma problemática lacunar nos estudos elaborados no país: a pouca ou inexistência de ênfase para o olhar do índio acerca da história. Essa dissonância interpretativa é corroborada pelo uso de fontes históricas tradicionais, especialmente os textos escritos produzidos pelo colonizador (membros da Ordem, representantes do governo lusitano, viajantes e cronistas) e diante da quase inexistência de documentação produzida pelos povos indígenas do Brasil. Esse trabalho tem como cerne reestruturar essa cadeia de pensamento, pois busca construir e ou dar visibilidade a tradicional narrativa histórica da catequese pelo olhar do índio, valorizando-se as experiências sociais do povo Kiriri da aldeia de Mirandela. Esse trabalho se insere no campo da história pública, pois valoriza os atores históricos Kiriri no processo de construção mnemônica e nas suas habilidades de expressar as narrativas históricas de seu povo. Com isso, o foco central é permitir a elaboração de recursos que tenham como cerne a própria lógica de pensamento dos Kiriri, no sentido de possibilitar o seu uso em instituições educacionais presentes na tribo, bem como no fortalecimento de vínculos sociais da comunidade.

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POLLAK, Michael. Memória, esquecimento, silêncio. In: Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol. 2, n. 3, 1989, p. 3-15. POMPA, Cristina. Religião como tradução: missionários, Tupi e “Tapuia” no Brasil colonial. Bauru: EDUSC, 2003. THOMPSON, E. P. As peculiaridades dos ingleses e outros artigos. Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 2001.

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A LEI 10.639/03 E O ENSINO DE HISTÓRIA NA EDUCAÇÃO BÁSICA: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES Antonio Alves Bezerra O texto discute e problematiza os aspectos legais que fundamenta a obrigatoriedade do ensino de história e da cultura afro-brasileira nas redes regulares de ensino da educação básica e do ensino superior. Assim, apropriamo-nos de alguns referenciais teóricos no sentido de trazermos à luz reflexões que indiquem como se deu e/ou se dá a implementação do que prevê a legislação que aborda as questões étnico-raciais e indígenas nas instituições escolares e as práticas racistas e preconceituosas que têm se nutrido no seio da sociedade por negligenciar a questão em tela. Dialoga-se com as orientações norteadas pelo Parecer nº 3/2003 do Conselho Nacional de Educação (CNE) que determina “a elaboração das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana”, bem como o que está previsto na Resolução nº 1/2004 e, em particular, com as questões apresentadas na Lei nº 10.639/03, que busca atender o que foi previsto pelo Parecer em questão. Destaque-se a importância de outros documentos oficiais que antecederam a elaboração da documentação até então explicitada, com destaque para a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDBEN): Lei nº 9394/1996, artigo 26 A, que explicita que “o ensino da História do Brasil levará em conta as contribuições das diferentes culturas e etnias para a formação do povo brasileiro, especialmente das matrizes indígena, africana e europeia”. Assim O conteúdo programático a que se refere o caput 1º deste artigo incluirá o estudo de História da África, a cultura dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política pertinente à História do Brasil (ROSEMBERG, 2003, p.142). Face aos (PCNs) para o Ensino de História e seus desdobramentos no currículo escolar, nota-se que a história deve focar os temas correlacionados aos quatro continentes: Europa, América, Ásia e África, buscando contextualizar a cultura e as experiências de lutas do povo africano e dos afrodescendentes. Assim, tem-se a expectativa de que, a partir de então, os professores da educação básica sejam capazes de perceber a importância de trabalhar junto aos estudantes da educação básica no sentido de constituirmos um discurso de valorização da cultura dos afrodescendentes, inviabilizando qualquer prática de preconceito ou racismo. 537

É urgente a necessidade de se trabalhar com os estudantes temas que viabilize o ensino do Continente Africano como possibilidade de quebrarmos preconceitos eurocêntricos até então cristalizados em nossa sociedade, em que se excluiu da história nacional as contribuições dos povos africanos e indígenas na constituição de nossa formação. Segundo Oliva (2011, p.185), “o estudo do Continente Africano aparece, quase sempre, como palco das ações europeias e portuguesa, ou seja, como objeto histórico sem autonomia”. Os conteúdos referentes à História e Cultura Afro-Brasileira deverão ser ministrados no âmbito de todo o currículo escolar mas, em especial, “nas áreas de Educação Artística, de Literatura e de História do Brasil” aponta a (LDB, 1996). Mesmo assim, acrescentase que antes de discutirmos os propósitos da Lei nº 10.639/2003 e sua importância para a sociedade brasileira, é salutar assinalar a presença dos PCNs e compreendermos este documento como possibilidade de abertura para a inserção do tema “Ensino de História da África e dos africanos nos currículos escolares”, porém cientes de que tal proposta é fruto das conquistas sociais dos movimentos negros e não unicamente de uma política direta do Estado brasileiro. Pautando-nos pelo Artigo 26 da Lei nº 9394/96, ao determinar que a abordagem dos conteúdos de história do Brasil nas escolas deve “levar em consideração as contribuições das diferentes culturas e etnias para a formação do povo brasileiro”, entendida nos termos empregados pela Lei como as “matrizes indígenas, africanas e europeias”, os PCNs de história destacam os compromissos e as atitudes de sujeitos, de grupos e de povos na construção e na reconstrução das sociedades, propondo estudos das questões locais, regionais, nacionais e mundiais, das diferenças e semelhanças entre culturas...” (BRASIL, PCNs, 1997). Mattos (2009, p.127) destaca os PCNs de história como um terreno fértil para se disseminar ações que inviabilizem práticas preconceituosas e racistas no seio da sociedade. Segundo esta, dada a relevância dos temas transversais nas práticas de ensino na educação brasileira, com ênfase na “pluralidade cultural”, indica esses espaços como ferramenta importante na luta de combate à discriminação racial e preconceitos étnicos. Neto (2010, p.62) destaca que não basta ensinar o que foi a escravidão nas séries da educação básica, é preciso atribuir sentido para este episódio. O autor explicita que é preciso que o professor vá além da apresentação das condições históricas sobre o sistema de escravismo no Brasil, sendo necessário que o docente de história aproxime a temática à realidade social de seus alunos de hoje. Defende-se a ideia de que, ao desenvolver no estudante a capacidade de refletir sobre o período histórico em que houve a escravidão, deve-se proporcionar também a análise sobre a questão racial e a desigualdade social no Brasil. Mattos (2009), indica que há necessidade urgente de se redimensionar as questões teóricas acerca do ensino da História da África. Pois, se antes existia uma tendência de olhar o negro no Brasil apenas pelo clivo da história econômica, sendo este observado como mão-de-obra para as lavouras cafeeiras e canavieiras, a proposta da autora, nesse texto, aponta para outra direção, não mais a de só se observar o negro, mas a África em sua totalidade, os africanos, a identidade negra do país dentro de um contexto histórico mais abrangente, ou seja, “o mundo atlântico”. 538

Tomando como referência para essa discussão a Resolução no1 de 17 de junho de 2004 do Conselho Nacional de Educação/CP/DF, artigo 2, incisos 1 e 2, quando estes abordam a obrigatoriedade do ensino de história e cultura africana e afro-brasileira nas redes regulares de ensino da educação básica nota-se que: §1º A educação das relações étnico-raciais tem por objetivo a divulgação e produção de conhecimentos, bem como de atitudes, posturas e valores que eduquem cidadãos quanto à pluralidade étnico-racial, tornando-os capazes de interagir e de negociar objetivos comuns que garantam, a todos, respeito aos direitos legais e valorização de identidade, na busca da consolidação da democracia brasileira [...]. No sentido de fortalecer as práticas de ensino de história, trazendo novas abordagens para o ensino de História da África e da cultura afro-brasileira em sala de aula, o Parecer do CNE de no 03/04, que norteia a legislação acima, indica com precisão as ações educativas que deverão ser desenvolvidas na perspectiva de combatermos o racismo e as discriminações raciais, não apenas nas salas de aula, mas no seio da sociedade de um modo geral. Entende-se que o espaço da sala de aula figura como lócus de possibilidades para se alcançar as mudanças necessárias para uma educação étnico-racial satisfatória, pois nesta se observa algumas interfaces dos preconceitos, racismos e desigualdades que afetam parte da comunidade negra em todo o país, podendo, a partir da formação dos estudantes e professores sobre essa África silenciada, alcançarmos a redução de parte das mazelas sociais que minimizam as potencialidades humanas, notadamente, ao negarmos uma história africana carregada de significados para nossa sociedade, que apresentava, em 1993, segundo Fernandes (1996, p.157, p.160), “cerca de mais de 44% da população denominada negro”. O Parecer do CNE/CP nº 3/2003 determina que, para conduzir suas ações, os sistemas de ensino, os estabelecimentos educacionais e os professores terão como principal referência, as bases filosóficas e pedagógicas no que concerne à consciência política e histórica acerca da diversidade cultural, destacando dentre outras questões, “à igualdade básica da pessoa humana como sujeito de direito; à compreensão de que a sociedade é formada por pessoas que pertencem a grupos étnico-raciais distintos, que possuem cultura e história próprias... [...]”. (Parecer CNE no 3/2004). Quanto às ações educativas de combate ao racismo e à discriminação, o Parecer salienta que é preciso relacionar, dentre outros itens “a conexão dos objetivos, estratégias de ensino e atividades com a experiência de vida dos alunos e professores, valorizando aprendizagens vinculadas às suas relações com pessoas negras, brancas, mestiças [...]”. (Parecer CNE no 3/2004, pp.504-505). Concluindo, apesar da complexidade da temática ora apresentada, os documentos oficiais citados foram bastante lúcidos ao assinalar que se trabalhe “o ensino de história e cultura afro-brasileira e africana nas salas de aula no sentido de evitarmos distorções envolvendo a articulação entre passado, presente e futuro no âmbito das experiências, construções e pensamentos” que marcam a história dos negros na formação da Nação brasileira. 539

Em face disso, concordo com a obrigatoriedade do ensino de História e cultura africana e do negro no Brasil, uma vez que não é possível entender a história do nosso país sem nos determos nas contribuições dos povos africanos. Mas, antes das leis, torna-se necessário compreender que os professores de todos os níveis de ensino deveriam selecionar temas que evidenciassem pontos necessários à compreensão da realidade sociocultural dos estudantes da educação básica e do entorno de sua unidade educacional, uma vez que a maioria dos estudantes que frequentam as escolas públicas brasileiras é de origem africana.

Referências BRASIL. Lei 9.394/2006. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. ______. Parâmetros Curriculares Nacionais: temas transversais. Brasília: MEC/SEF, 1998. ______. Parecer CNE/CP 3/2004. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Ético-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. ______. CNE/CP - Resolução 1/2004. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Ético-Raciais e para o Ensino de História e Cultura AfroBrasileira e Africana. (DOU. Brasília, DF, 22/06/2004, Seção 1, p.11). ______. Lei 10.639/2003. Altera a Lei 9394/96, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática ‘História e Cultura Afro-Brasileira, e dá outras providencias. (DOU. Brasília, DF, 09/01/2003). FERNANDES, Ricardo Oriá. O negro na historiografia didática: imagens, identidades e representações. Textos de História. Brasília, UNB, v. 4, no 2, 1996, pp.154-165. MATTOS, Hebe M. de. O Ensino de História e a Luta Contra a Discriminação Racial no Brasil. In: ABREU, M.; SOIHET, R. (Orgs). Ensino de História: conceitos, temáticas e metodologia. RJ, Casa da Palavra, 2003. NETO, José Alves de F. A transversalidade e a Renovação no Ensino de História. In: KARNAL, Leandro (Org.). História na Sala de Aula. Campinas, SP, Contexto, 2010. OLIVA, Anderson. O ensino de história da África no mundo transatlântico: a presença dos estudos africanos na legislação escolar em Portugal. In: Perspectivas do Ensino de História: ensino, cidadania e consciência histórica. Fonseca, S.; Gatti, D. (Orgs.). Uberlândia, EDUFU, 2011. ROSEMBERG, Fúlvia. Racismo em livros didáticos brasileiros e seu combate: uma revisão da literatura. Educação e Pesquisa - Revista da FE-USP, 2003.

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EDUCAÇÃO E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS: A LEI Nº 10.639/2003 Antonio José de Souza Jane Adriana Vasconcelos Pacheco Rios No que se refere às relações étnico-raciais, a história e a educação sempre estiveram interligadas ao processo de negação e afirmação construídas para e pelos negros. Estes não fazendo parte do universo letrado não se resignaram com a exclusão que lhes foi imposta, organizando movimentos de resistência ao longo da história. Os negros conquistaram o direito ao trabalho livre, ao livre culto de suas religiões, de constituir família, de viver fora de tutelas. A luta, contudo, assentou-se pelo viés da autoafirmação e da honra de ser negro/a. Durante o século XX, o Movimento Negro esteve à frente de significativas empreitadas que tiveram o propósito de tornar a sociedade brasileira mais justa. Foram várias ações que desembocaram na fundação, em outubro de 1931, da Frente Negra Brasileira (FNB), primeiro movimento social de massa, no período pós-abolicionista, que pretendia combater o racismo no Brasil, promovendo dignidade para a população negra. Outra experiência relevante, que empreendeu esforços por uma educação de qualidade para os negros, foi o Teatro Experimental do Negro (TEN), que surgiu em 1944, no Rio de Janeiro, fundado e dirigido por Abdias do Nascimento. Nesse percurso, despontou, em 7 de julho de 1978, contrapondo-se à violência racial a qual eram expostos, o Movimento Negro Unificado Contra a Discriminação Racial (MNU). O MNU e outras tantas experiências foram importantes para as lutas por uma educação que funcionasse como instrumento de promoção da dignidade humana, atentos às demandas da população negra e ao combate às desigualdades sociais e raciais, no decorrer do século XX. Nesse momento em que a cultura de direitos se ampliava para uma Cultura de Direitos Humanos, o Movimento Negro reclamava pela igualdade básica de pessoa humana, como sujeito de direitos, a partir da compreensão de que a sociedade é formada por pessoas que pertencem a grupos étnico-raciais distintos, possuidores de cultura e história próprias, igualmente dignas e que, em conjunto, construíram a nação Brasil. Por isso merecem a valorização da memória identitária dos seus povos, na composição histórica e cultural brasileira, superando a desqualificação com que as classes populares às quais os negros, no geral, pertencem, são comumente tratadas. Sendo assim, a educação formal estabelecia-se como um marco no panorama das reivindicações do Movimento Negro, constando na pauta de suas lutas os esforços em denunciar a carência de diretrizes que objetivassem a formulação de projetos comprometidos com a valorização da história e cultura dos afro-brasileiros e dos africanos, como também propusessem o envolvimento com as práticas pedagógicas, a partir das relações étnico-raciais positivas a que tais conteúdos deveriam encaminhar. 541

Coerentemente com o protagonismo negro no cenário político e em suas estratégias de promover uma educação antirracista, o Estado brasileiro vem formulando ações, no sentido de valorizar a cultura dos negros, assinalando um quadro de intenções que visa a erradicação do racismo e da discriminação. Por isso, com a publicação da Lei nº 10.639/2003 (BRASIL, 2003), se reconhece a necessidade de inserir ações afirmativas no currículo oficial da rede de ensino, estabelecendo a obrigatoriedade do ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana na Educação Básica. Assim, deve-se levar em conta que, conforme sinalizam os Parâmetros Curriculares Nacionais (1997, p. 41) embora tenha sido demasiadamente ressaltado “o papel de reprodutora de mecanismos de dominação e exclusão, atribuídos historicamente à escola, cabe lembrar que potencializar suas possibilidades de resistência [...] depende também, [...] dos educadores”. Compreendemos que a educação, como um direito que garante acesso a outros direitos, tem a missão de disseminar a promoção da equidade humana, em resposta à lei que nos garante a igualdade, repudiando a distinção de qualquer natureza e assegurando a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade – Art. 5º, do capítulo 1º, dos direitos e deveres individuais e coletivos – Constituição da República Federativa do Brasil (BRASIL, 1988). Sendo obrigação do Estado proteger as manifestações culturais afro-brasileiras e dos demais agrupamentos inseridos no processo civilizatório nacional – Art. 215, seção II da cultura, inciso primeiro da atual Constituição da República Federativa do Brasil (BRASIL, 1988). Com relação à Lei nº 10.639/2003, é importante esclarecer que já se passaram mais de dez anos da sua promulgação, tempo suficiente para se reconhecer que muito vem sendo desenvolvido e recriado por diversas pessoas, em distintos lugares do Brasil, avançando no sentido da promoção de reais transformações nas relações sociais em prol da igualdade racial. Com vistas a tornar as disposições legais prescritas pela referida lei, foram desenvolvidas ações e experiências inovadoras, efetivadas por professores/as, gestores/as, estudantes e familiares, comprometidos com a melhoria da qualidade da educação, e, para tal, foram enfrentadas as inúmeras dificuldades tão presentes no processo da educação brasileira. Sendo assim, é preciso continuar adotando iniciativas que visem, em especial, a formação continuada dos/as docentes da educação básica, para que possam superar os desafios impostos às suas práticas pedagógicas a partir da Lei 10.639/2003. De acordo com Paula e Guimarães (2014, p. 437), “essas iniciativas nem sempre são acompanhadas de uma reflexão acerca das suas implicações potencializadoras de uma produção de natureza teórico-científica sobre a formação continuada dos professores com foco nesse tema específico”. Os autores basearam-se em um estudo que objetivava analisar, em artigos publicados em revistas especializadas na área de educação, como as questões étnico-raciais apareciam na formação de professores/as. As análises demonstraram que raramente os estudos relativos ao tema incorporavam, em suas reflexões, as categorias de raça, etnia, preconceito e discriminação. Desse modo, os autores evidenciaram que as questões em torno das relações étnico-raciais eram marginalizadas ou invisibilizadas, na educação, especificamente na formação continuada dos/as docentes, isso antes da aprovação da Lei federal nº 10.639/2003. 542

Por isso, a formação de professores/as deve ser encarada como uma das principais metas das políticas públicas governamentais, bem como das ações empreendidas por instituições de fomento à educação. Afinal, a omissão concernente ao estudo da cultura afro-brasileira, ganha longevidade quando se instalar também no presente das salas de aula de professores/as que não conseguem fazer de suas práticas pedagógicas, exímias oportunidades para o desencadeamento de processos afirmativos das identidades e da historicidade negada e distorcida do povo negro. Portanto, nós, educadores/as brasileiros/as, necessitamos contemplar no interior das escolas a discussão acerca das relações raciais, bem como de nossa diversidade racial. Definitivamente, ainda é preciso investir maior esforço para que seja possível realizar um significativo salto, no intuito de minorar o fosso histórico, responsável, entre tantas coisas, pela ausência de qualidade na educação dos/as negros/as no Brasil, pois, quando se analisa o povo negro, no campo educacional, sua desvantagem também é destacada, o que condiciona seu estatuto de cidadania como de “segunda classe”. Esse déficit educacional entre negros/as e brancos/as nos revela um índice elevado de cidadãos/ãs negros/as que, na contemporaneidade, têm dificuldades de acesso e permanência na escola, assumindo o caráter de excluídos/as. Logo, o que pretende a Lei nº 10.639/2003 é devolver o direito dos/as negros/as de se reconhecerem partícipes da cultura nacional, expressando livremente suas próprias concepções de mundo, e manifestando com autêntica autonomia seus pensamentos. Isto é, os/as descendentes de diferentes povos e culturas precisam encontrar na escola condições de ter suas histórias e identidades reconhecidas e valorizadas. Nesta perspectiva, a escola deve ser produtora de conhecimentos e divulgadora de atitudes, posturas e valores, que se proponham a integrar todos e todas, igualmente, respeitandose o direito à alteridade e rompendo com uma prática que, muitas vezes, insiste na negação do “outro” como ser humano. Isso exigirá condições materiais das escolas e formação adequada dos/as professores/as, portanto, aspectos indispensáveis a uma educação de qualidade.

Referências BRASIL, Ministério da Educação e do Desporto. Parâmetros Curriculares Nacionais – pluralidade cultural e orientações sexuais. Temas transversais, Brasília, v. 10, p. 1-126, 1997. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988. BRASIL. Lei 10.639/2003, de 9 de janeiro de 2003. Altera a Lei nº 9. 394, de 20 de dezembro de 1996. Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília. PAULA, B. X. de,; GUIMARÃES, S. 10 anos da lei federal nº 10.639/2003 e a formação de professores: uma leitura de pesquisas científicas. Educ. Pesqui., São Paulo, v. 40, n. 2, p. 435-448, abr./jun. 2014. 543

O BRASIL É DELAS: A HISTÓRIA TUPINIQUIM PELO PRISMA DE SUAS PROTAGONISTAS Aristides Leo Pardo Introdução O texto a seguir relata uma experiência que começou a ser posta em prática no fim do ano de 2016, com alunos do Ensino Médio, partindo do seguinte questionamento feito aos mesmos: “Quantas referências femininas vocês tem na História do Brasil?” e a resposta não saiu do lugar-comum, Princesa Isabel, Anita Garibaldi, Carlota Joaquina, Zilda Arns, Dilma Roussef, entre poucos outros nomes lembrados, por um ou outro aluno, porém, pouco se sabia sobre a história dessas mulheres e foi ai que surgiu a ideia de partir das histórias de mulheres que ajudaram a contar a história de nossa nação para chegar a assuntos já badalados nos livros escolares, para que assim, essas personagens importantes, não continuem a ficar no esquecimento (ou desconhecimento?), ou apenas como mera notas de rodapé, quando na verdade são protagonistas da História.

Questões de gênero e as mulheres na história do Brasil Não existe um momento sequer na história em que a mulher não estivessem presente e aos poucos, seus papeis vão sendo revelados pelos historiadores, pois não se trata de tarefa simples, haja vista que as documentações oficiais, escritas pelas elites e para as elites, recheada de “heróis”, sobretudo homens, militares ou políticox, geralmente alinhados ao governo vigente, raramente mencionavam a figura feminina, assim como, escravos, camponeses, crianças, que quando citados esses agentes sociais, na quase totalidade dos casos era para ter sua imagem ligada à infidelidade, prostituição, roubos, entre outras acusações, legando-os sempre ao segundo plano, ou “escondidos” da história. Esse fato dos “excluídos” não constarem de maneira efetiva nos documentos oficiais, como relatórios de governo, documentação do exército, arquivos eclesiásticos, entre outros, foi chamado pela historiadora norte americana, Joan Scott (1995, p. 38) como “o problema da invisibilidade”, já que esses agentes sociais eram parte efetiva dos acontecimentos, mas raramente citados, quando se fazia algum registro do ocorrido, pois somente a partir da década de 1970, que a história dos excluídos começou a emergir e revelar sua importância para a reconstrução dos sujeitos históricos, e completa: No entanto, os historiadores que buscam no passado testemunhos sobre as mulheres tem tropeçado uma e outra vez com o fenômeno da invisibilidade da mulher. As investigações recentes têm mostrado não que as mulheres fossem inativas ou estivessem ausentes dos acontecimentos históricos, mas 544

que foram sistematicamente omitidas dos registros oficiais. (SCOTT, 1995, p.38). Portanto, o resgate de nomes de mulheres importantes para nossa história, muitos deles completamente desconhecidos do grande público, torna-se uma interessante ferramenta para o ensino da História do Brasil sob outro prisma, como no caso da princesa Leopoldina Josefa Carolina Francisca Fernanda Beatriz de Habsburgo­Lorena, primeira esposa de D. Pedro I, que de maneira interina foi nomeada pelo marido, Regente do Brasil, durante uma ausência sua, e ao receber notícias que Portugal estava preparando uma ação contra o Brasil e sem tempo para aguardar o retorno de D. Pedro, usou seus atributos de chefe de governo, e ao se reunir, com o Conselho de Estado, preparou o terreno para a declaração da Independência. Falando em independência do Brasil, não podemos esquecer de Domitla de Castro Canto e Melo, a Marquesa de Santos, a mais famosa das amantes de D. Pedro I e esposa de grande cafeicultor paulista, que ajudou a dar o aval dos barões do café, à separação do Brasil de Portugal. Por falar em amantes, outro nome de destaque é o de Luísa Margarida de Barros Portugal, a Condessa de Barral, personagem, que Del Priore (2008) nos traz à luz da história e que com seus ideais abolicionistas, foi uma das responsáveis pela criação da pequena imperatriz Isabel Cristina Leopoldina, futura Princesa Isabel, que por três vezes assumiu a regência do império Brasileiro, durante viagens de seu pai e responsável, anos mais tarde pela assinatura da Lei Áurea, que findou definitivamente a escravidão no Brasil. Outro caso interessante é o de Maria Felipa de Oliveira, negra e pobre, que liderou um grupo de mulheres que combateu tropas portuguesas na Bahia pouco depois da independência, pois (erroneamente) acreditava que com o Brasil livre da metrópole, a escravidão teria seu fim rapidamente, o que sabemos, não aconteceu, Maria morreu sem ver seu país livre do cativeiro, mas deixou seu nome na história, que agora volta à tona. São tantas as mulheres que podem nos ajudar a contar a história da escravidão no Brasil, como o nome da escrava baiana, Luíza Mahin, de prática religiosa muçulmana, que participou da “Revolta dos Malês” (1835) e mãe do poeta e jornalista abolicionista, Luiz Gama. Luiza teria chegado ao Rio de Janeiro e bem provavelmente vivido na “Pequena África”, porém, nada mais sabemos de sua vida. Outro nome interessante da história (e da escravidão) brasileira, é o de Chica da Silva, escrava que conquistou sua liberdade (e o coração) de uma das pessoas mais importantes do país em sua época, o contratador de diamantes, João Fernandes de Oliveira, com quem teve 13 filhos no Arraial de Tijuco, atual cidade de Diamantina, na região das Minas Gerais. Tereza de Benguela, rainha africana que assume um quilombo em Mato Grosso, após a queda do companheiro e governava com o auxílio de uma espécie de parlamento, ou ainda, as “Tias Negras” da “Pequena África”, na região portuária do Rio de Janeiro, da virada do século XIX para o XX, descendentes diretas de escravos, líderes de um agrupamento que difundiu práticas como o candomblé, a capoeira e que formaria as primeiras escolas de samba, são outros nomes para ilustrar a história da escravidão e da passagem do século XIX para o XX.

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Ao falar de Tia Ciata e suas companheiras, podemos mostrar também uma modificação de mentalidade e urbana do Rio de Janeiro, que recebe as reformas de Pereira Passos, que finda a era dos cortiços e inaugura a favelização no Brasil e a chegada da Revolução Industrial e da “modernidade” ao Brasil, e com ela, os serviços de transporte, luz elétrica, gás, entre outros. No campo militar, Jovita Feitosa, Maria Quitéria, Ana Néri, as combatentes de Canudos e Contestado, Anita Garibaldi, Dina e as demais Guerrilheiras do Araguaia, que tombaram sonhando em livrar o Brasil da Ditadura Militar (1964-1985), entre tantas outras, podem nos ajudar a contar a história do nosso exército, sem o glamour da história oficial. Ainda de forma embrionária, mas visivelmente eficaz, tendo em vista o interesse do alunado que já participaram de aulas utilizando este método, a história das mulheres, outrora, desconhecidas passa a despertar o interesse para temáticas curriculares do ensino de História. Seria impossível listar todas as mulheres e as possibilidades do ensino da história através delas, pois são infinitas temáticas e nomes que devem ser selecionados pelos professores, pois além dos nomes de vulto nacional, cada localidade também tem suas “heroínas” particulares para contar a história local e/ou regional, partindo do micro para o macro e assim construindo cada vez mais uma história DELAS.

Referências BENEDITO, Mouzar. Luiz Gama: O libertador e sua mãe libertária, Luiza Mahin. São Paulo: Expresão Popular, 2006. DEL PRIORE, Mary. Condessa de Barral: a Paixão do Imperador. Rio de Janeiro: Objetiva, 2008. NICHOLSON, Linda. Interpretando o Gênero. In: Estudos Feministas, ano 08. 2º semestres, 2000. SCOTT, J. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação Realidade, Porto Alegre, v. 20, n. 2, p. 54-73, 1995.

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ENSINANDO ENTRE TELAS: AS MULHERES NA HISTÓRIA E SUAS POSSIBILIDADES DE ABORDAGEM EM SALA DE AULA ATRAVÉS DO CINEMA Ary Albuquerque Cavalcanti Junior Ítalo Nelli Borges Nos últimos anos, a História vem passando por inúmeras problematizações e renovações metodológicas no Brasil e no mundo. Em nosso país, ainda que a disciplina esteja sendo deixada de lado dentro do currículo fundamental e opção de escolha no médio, tal fato não nos desanima enquanto professores/pesquisadores que se debruçam sobre o par ensino/história, o qual pretendemos discuti-los nesse breve texto a partir do cinema e das representações de gênero. De antemão, é importante ressaltarmos os excelentes estudos apresentados por Circe Bittencourt, Marcos Napolitano, Kátia Abud, Leandro Brunelo etc, que trouxeram discussões acerca do saber histórico na sala de aula, nos influenciando diretamente, sendo nossos principais aportes teóricos. Assim, a utilização da literatura, da televisão, da música, do cinema dentre outros, passaram a ser observadas de diferentes maneiras e inovadoras possibilidades de aplicabilidade em sala de aula (BRUNELO, 2016). No âmbito da historiografia, assim como o ensino, a história passou por um longo e importante debate na academia entorno da participação e da importância da mulher na história. Nessa perspectiva, ressaltamos estudos como os de Natalie Zemom Davis e Michelle Perrot como importantes contribuições não apenas no trato dos acontecidos históricos, mas na própria construção e criação de mitos em torno da justificativa da onipresença feminina, sendo considerados por nós como autoras de suma significância para aqueles que se interessam pela temática. Assim, ao propormos discutir a presença da mulher na história devemos estar cientes que: Incorporar a história das mulheres na produção do conhecimento histórico é um empreendimento relativamente novo e revelador de uma profunda transformação: está vinculado estreitamente à concepção de que as mulheres têm uma história e não são apenas destinadas à reprodução, que elas são agentes históricos e possuem uma historicidade das relações entre os sexos, relativa às ações cotidianas (LOSANDRO TEDESCHI, 2012, p. 107). Dessa forma, entendemos que a inserção do filme como ferramenta para análise histórica, além de sua representação passou a ganhar espaço nos debates acadêmicos, principalmente contemporâneos, sendo observados por nós como excelente ferramenta de discussão em sala por parte do professor (CARLA PINSKY, 2006). 547

Nessa conjuntura, ao relacionar obras cinematográficas e a representação da mulher, podemos perceber o crescimento de produções que passaram a trazer o sexo feminino como ente ativo. Em 2015, por exemplo, sob a direção de Sara Gravhon e roteiro de Abi Morgan, além da presença da atriz Merlin Strip foi lançado o filme “As sufragistas”, que traz uma representação do movimento feminino inglês. Importante ressaltar que esta obra cinematográfica teve pouquíssimo apelo midiático em comparação a outros títulos, inviabilizando o conhecimento de seu lançamento por parte de muitas pessoas (CAVALCANTI JUNIOR & BORGES, 2016). De toda forma, o professor pode utilizar tal obra, onde possui apenas mulheres como protagonistas, com o intuito de atentar aos discentes a Inglaterra de outrora, observando as mulheres como ativas no processo de discussões de direito trabalhista e desconstruindo ações estritamente domésticas. Vale ressaltar que as discussões de gênero apresentadas por Joan Scott (1990), Judith Butler (2003), Andréa Gonçalves (2015), Tedeschi & Colling (2015) além das excelentes reflexões apresentadas por Michel Foucault (1992), são de grande importância no intuito de dar um norte teórico sobre as discussões de gênero e o “lugar” da mulher na sociedade. Assim, aqui entendemos gênero não como algo específico à mulher, como há muito tempo se pensou, mas como aquele conceito que especificamente "rejeita a validade interpretativa da ideia das esferas separadas e defende que estudar as mulheres de forma separada perpetua o mito de que uma esfera, a experiência de um sexo, tem muito pouco ou nada a ver com o outro sexo" (SCOTT, 1995, p. 7). Logo, sua utilização neste breve ensaio reverbera a relação entre os sexos. Outra possibilidade de utilização em sala de aula no âmbito do Brasil é a obra cinematográfica Zuzu Angel. Perpassada no período ditatorial brasileiro, a personagem luta para saber noticias e encontrar o paradeiro do seu filho Stuart Angel Jones envolvido diretamente com ações contrárias ao Estado. Durante a obra, a imagem da mulher traz uma representação de forte e aguerrida, contudo, ainda ligada à questão maternal e as diferenciações e subjetivações que as diminuíam nos debates políticos, e que o autor traz uma excelente amostra (CAVALCANTI JUNIOR & BORGES, 2016). Por outro lado, o professor precisa compreender que o cinema é mais que o filme. O cinema é produto sociocultural advindo da complexidade da sociedade, pois reúne em si elementos econômicos, artísticos, simbólicos, políticos, etc. Isto faz com que seja necessária uma abordagem do contexto de produção do filme a ser exibido em sala de aula; sua corrente estética, bilheteria, crítica, se gerou produtos a serem consumidos a parte de si como é muito comum em filmes da Disney e franquias de super-heróis, por exemplo. Toda esta miscelânea dá historicidade a obra fazendo com que o estudante tenha um olhar mais amplificado em relação a ela. Outra abordagem, a nosso ver, essencial é o prévio conhecimento da linguagem cinematográfica por parte do docente. Este tipo de conhecimento contribui fortemente para a eficácia da atividade uma vez que qualquer análise fílmica competente estará atenta a elementos da linguagem tais como questões audiovisuais, narrativas e de estrutura fílmicas. Esta, porém, não é uma abordagem de fácil acesso aos professores de História visto que não têm em sua formação, via de regra, um currículo voltado para estes tipos de conhecimento. Isto faz com que incialmente a exibição de filmes em sala de aula não seja uma atividade cômoda, entretanto, uma vez que o professor conheça basicamente a linguagem fílmica, estará em um interessante caminho metodológico para 548

usar o filme como recurso pedagógico. Alguns autores que escrevem sobre cinema e imagem podem ajudar nesta questão como Jacques Aumont (1995), Gerardo Yoel (2015), Ismail Xavier (2014), Gilles Deleuze (1990). Cada um, a seu modo e com suas peculiaridades, destinará um modo de pensar às imagens. A pluralidade intelectual deste tema garantirá ao professor a amplitude necessária de conhecimento sobre como é composta a imagem fílmica. Dessa forma e, preferencialmente, utilizando fragmentos fílmicos em decorrência do comumente insuficiente tempo de aula para exibir o filme inteiro, o docente terá um leque de possibilidade maior de utilização do cinema em sala de aula. Tendo, como afirmamos acima, amplitude de conhecimento tanto do cinema como fenômeno sociocultural quanto da linguagem do filme, a estratégia de trazer o filme para a sala de aula terá plenas condições de consistir numa atividade profícua para a produção e análise de conhecimento histórico. Assim, é preciso que o professor ao realizar uma abordagem temática, como gênero, utilizando do cinema como principal mediador, fique atento as linguagens que específicas da cinematografia, além, de um domínio prévio do que se pretende discutir. Logo, o crescimento metodológico de ensino histórico vem contribuindo de forma sistemática para o alcance do senso crítico dos estudantes.

Referências AUMONT, Jacques. et al. A Estética do Filme. São Paulo. Papirus. 1995 BUTLER, Judith. Problemas de gênero: Feminismo subversão da identidade. Trad: Renato Aguiar. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003 BITTENCOURT, Circe Maria (Org). O saber histórico na sala de aula. 11ª ed. São Paulo: Contexto, 2008 BLOCH, Marc. Apologia da História ou o Ofício do Historiador. Prefácio, Jacques Le Goff; Apresentação à edição brasileira, Lilia Moritz Schwarcz; tradução, André Telles – Rio de Janeiro: Zahar, 2001 COLLING, Ana Maria. Tempos diferentes, discursos iguais: a construção do corpo feminino na história. Dourados, MS: Ed. UFGD, 2014 CAVALCANTI JUNIOR, Ary Albuquerque. BORGES, Ítalo Nelli. “Quem é essa mulher?”: a ditadura civil-militar brasileira através do filme Zuzu Angel (2006) – reflexões de gênero e militância. Revista Hominum. Edição nº 19, Outubro/ 2016. DELEUZE. Gillies. A Imagem Tempo. São Paulo. Brasiliense. 1990. GONÇALVES, Andréa. História e gênero. História e Reflexões. Ed. Autentica, Belo Horizonte, 2015

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MATOS, Maria Izilda S.de. Por uma história da mulher. Bauru, São Paulo: EDUSC, 2000 PERROT, Michelle. As mulheres ou os silêncios da história. Trad: Viviane Ribeiro. Bauru, São Paulo: EDUSC, 2005 SILVA, Juliana. Ensino de história e questões de gênero nos livros didáticos. Anais eletrônicos do VI encontro estadual de história, ANPUH/BA, 2013 SOIHET, Rachel; PEDRO, Joana. A emergência da pesquisa da história das mulheres e das relações de gênero. Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 27, nº 54, p. 281300 – 2007 SCOTT, Joan. Gênero; uma categoria útil para análise histórica. Trad. Christine Rufino Dabat e Maria Betânia Ávila. Do original Gender: An useful category of hystorical analyses. Recife: S.O.S. Corpo, 1991. PINSKY, Carla (orgs.). Fontes Históricas. São Paulo: Contexto, 2006 TEDESCHI, Losandro Antônio. As mulheres e a história: uma introdução teórico metodológica. Dourados, MS: Ed. UFGD, 2012. p. 107 XAVIER, Ismail. O Discurso Cinematográfico: opacidade e transparência. 6ª Edição. São Paulo. Paz e Terra. 2014. YOEL. Gerardo. (org.) Pensar o Cinema: imagem, ética e filosofia. São Paulo. Cosac Naify. 2015.

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ENSINO DE HISTÓRIA-ONDE ESTÁ O NEGRO NA HISTÓRIA? Atila Silva Sena Guimarães Existe uma lacuna histórica que deve ser preenchida referente à participação do negro na História. No ensino de História e em seus compêndios didáticos pouco se percebe o protagonismo negro afro-brasileiro perpassando a ideia incoerente de que estes são passivos como agentes históricos. Em contrapartida ainda se reservas capítulos falando da escravidão e como esta foi cruel para os negros evidenciando uma suposta fragilidade e impotência dessa etnia diante das mazelas sofridas. Nas melhores das hipóteses traz uma abordagem cultural. No que tange ao restante dos conteúdos selecionados com ênfase em aspectos políticos, econômicos e sociais os afro-brasileiros são esquecidos ou invisibilizados. Nesse interim, meu projeto de pesquisa tem como intuito principal dar visibilidades aos afros brasileiros em distintos momentos históricos fazendo uma releitura das suas trajetórias de vida enfatizando como estes agiram em determinado contextos históricos. Além de dar protagonismo ao negro, este tem a intenção de auxiliar na identidade e empoderamento dos estudantes da escola básicas onde possam encontrar algo ou alguém que possa servir como representante positivo. As consequências da escravidão como o racismo e a falta de planejamento para mobilidade econômica do povo negro nesse país ainda são latentes e são refletidas principalmente na escola. Logo, torna-se necessário uma abordagem educativa que seja mais significativa para os estudantes e que parta da realidade deste. Mesmo com o fim da escravidão negra as dificuldades são sentidas e o ensino de História tem esse papel de formar cidadão consciente que possam agir no mundo a fim de ratificar ou transformar sua realidade. Conforme salienta Monteiro: ...aprender História é aprender sobre nós mesmos. É aprender sobre a diversidade das experiências humanas através dos tempos e nos diferentes lugares. É aprender que o homem é o conjunto de suas práticas como sujeito, protagonista, e ao mesmo tempo sujeito à sua circunstância, no fazer da cultura.( 2005, p. 448) “É comum ouvir a expressão “a história se repete”, entretanto, observa-se entre os diferentes historiadores que a história faz parte de um processo, como defende Ricouer 1997, e que por isso os acontecimentos do passado tendem a reaparecer pois eles não foram resolvidos em sua totalidade e fluem no presente como problemáticas persistentes. Com isso, emerge a necessidade de perscrutar um ensino de História que abarque as demandas do presente e que este façam sentido para os alunos. Esta é uma tendência atual da historiografia e da epistemologia do Ensino de História. Carmen Anhorn 2010, aponta a necessidade que o professor de História tem em “dar sentido ao mundo em que vivemos, ou seja, selecionar conteúdos que sejam 551

significativos ao aluno e que a condicionam a processos de ensino-aprendizagem que levem em conta a ‘realidade dos alunos’”. Ela aponta como solução para isso a ideia ancorada em Ricouer de pensar uma história em sua totalidade temporal partindo do presente, conforme especifica quando diz: a possibilidade de pensar o passado está intimamente relacionada à possibilidade de pensar o futuro pela mediação do presente. Passado e presente só podem ser compreendidos na sua plenitude se inseridos numa extensão temporal que englobe igualmente o futuro, a noção de projeto ou, como afirma Ricoeur, a noção de “história por fazer” (Ricoeur apud Anhorn,1997,p.360). A autora percebe o tempo como algo contínuo ou processual onde o passado sempre está no presente. Essa noção deve permear a escolha dos conteúdos ou os temas de sua sequencia didática: Em relação aos critérios de seleção, a reelaboração didática da estrutura temporal do conhecimento histórico, a perspectiva aqui privilegiada exigiria que fossem formuladas questões que levassem em conta as demandas de cada presente onde essa história estivesse sendo ensinada, bem como as suas condições de produção. (Anhorn,2010,p.205) Outra contribuição da autora foi a trazer a ideia defendida por Ricoeur de que o passado não está morto e acabado ele pode ser revisitado trazendo novas perspectivas novas possibilidades de releituras. “É preciso reabrir o passado, nele reviver potencialidades não realizadas, contrárias ou até massacradas” (1997, p.372). Isso é importante para o meu trabalho de pesquisa, pois historicamente o negro sempre esteve alijado como protagonista históricos. Vários autores defendem a ideia do pressentimos de trabalhar a História partindo das demandas do presente como Koselleck e Hartog e Rüsen. Destaco o que diz Rüsen, quando fala sobre a Educação Histórica como método de ensino de historia e o objetivo a ser alcançado dentro desta perspectiva que ele designa como praxis: “Quero tratar da ‘práxis’ como função específica e exclusiva do saber histórico da vida humana. Isso se dá quando, em sua vida em sociedade, os sujeitos têm de se orientar historicamente têm que formar sua identidade para viver – melhor: para poder agir intencionalmente. Orientação histórica para dentro (identidade) e para fora (práxis) – afinal é esse o interesse de qualquer pensamento histórico”. (RÜSEN, 2007, p. 87). Esse projeto traz a possibilidade de trabalhar com diferentes temporalidades e sujeitos históricos resinificando suas trajetórias de vida de acordo com a necessidade do presente. Nesse aspecto Hartog faz essa proposta de a articulação de diferentes temporalidades: “Eu entendo por regimes de historicidade os diferentes modos de articulação das categorias de presente, passado e do futuro. Conforme a ênfase seja colocada sobre o passado, o futuro ou o presente, a ordem do tempo, com 552

efeito, não é a mesma. O regime de historicidade não é uma realidade acabada, mas um instrumento heurístico".(2007,p.16) Keith Jenkins em seu livro a História repensada, 2001, nos traz importante contribuição teórica ao dirimir sobre o papel da história no construto das identidades. Importante para o afro brasileiro colocar em cena a imagem de um negro empoderado para minimizar essa identidade forjada de subalternidade na história. Enfim, o negro está onde ele deseja estar e o ensino de história deve contribuir para isso traçando novas estratégias pedagógicas.

Referências HATORG, François. Tempos do Mundo, História, Escrita da História. In: GUIMARÃES, Manoel Luiz Salgado. (Org.) Estudos sobre a Escrita da História. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2007. p.16. JENKINS, Keith. A História repensada. Tradução de Mario Vilela. Revisão Técnica de Margareth Rago. São Paulo, Contexto, 2001. KOSELLECK, Reinhart. Futuro passado: contribuição à semântica dos tempos históricos. Tradução de Wilma Patrícia Maas e Carlos Almeida Pereira. Rio de Janeiro, Contraponto/Ed. PUC-Rio, 2006. (Capítulo 2: Historia Magistra Vitae: sobre a dissolução do topos na história moderna em movimento). MONTEIRO, Ana Maria F. C. Ensino de História e história cultural: diálogos possíveis. In: Culturas políticas: ensaios de história cultural, história política e ensino de história. Organizadoras Rachel Soihet, Maria Fernand B. Bicalho e Maria de Fátima S. Gouvêa. Rio de Janeiro, Mauad 2005. RÜSEN, Jörn. História viva: teoria da história: formas e funções do conhecimento histórico. Tradução de Estevão de Rezende Martins. Brasília, editora da UnB, 2007.

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O ENSINO DE HISTÓRIA, A LEI 10.639/2003 E AS DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS: ANÁLISE DO PROCESSO DE IMPLEMENTAÇÃO DA HISTÓRIA DA ÁFRICA NO CURRÍCULO DE HISTÓRIA Bruno Sergio Scarpa Monteiro Guedes Este artigo visa abordar as consequências e o impacto da implantação da lei 10.639/2003 – lei a qual torna obrigatório o estudo sobre a cultura e história afrobrasileira e africana, nas instituições públicas e privadas de ensino – e sua contribuição para as questões étnico-raciais e para o ensino de História. Portanto, o esforço será de analisar a lei 10.639/2003, dando ênfase à questão da discriminação racial na escola e à possibilidade da valorização da cultura africana no ensino de História, após a implantação da referida lei. Para isso, direcionarei os olhares para os relatos dos professores de História da instituição de ensino pesquisada, no período de 2014-2016, e que as entrevistas concedidas contribuam para elucidar nossas dúvidas e indagações sobre a implementação da lei 10.639/2003 neste espaço social. O Conselho Nacional da Educação (CNE), visando à propagação em nível nacional de um documento que orientasse os sistemas de ensino e que proporcionassem aos educadores um arcabouço para a construção de um currículo que procure a promoção de um ensino de qualidade e de responsabilidade social, institui as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) e organiza os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) para o Ensino Médio (Brasil, 1999). O sentido adotado neste Parecer para diretrizes está formulado na Resolução CNE/CEB nº 2/98, que as delimita como conjunto de definições doutrinárias sobre princípios, fundamentos e procedimentos na Educação Básica (…) que orientarão as escolas brasileiras dos sistemas de ensino, na organização, na articulação, no desenvolvimento e na avaliação de suas propostas pedagógicas. (Diretrizes Curriculares Nacionais, 2013, p.7) Essa reformulação do ensino nacional é fruto de uma política educacional baseada nos princípios da Lei de Diretrizes e Bases do Ensino Nacional (LDB), promulgada em 1996, instituindo que a educação precisa acompanhar as mudanças e transformações sociais, econômicas e culturais ocasionadas pelo progresso da sociedade. A questão desafiadora das DCN incide na reavaliação de suas orientações periodicamente, para abarcar as transformações ocorridas em curso de nossa sociedade. Essas modificações e observações realizadas ao longo do tempo serão necessárias para 554

uma educação de qualidade a todos, permitindo acesso e permanência aos educandos durante sua trajetória escolar. O debate sobre a atualização das Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio deve, portanto, considerar importantes temáticas, como o financiamento e a qualidade da Educação Básica, a formação e o perfil dos docentes para o Ensino Médio e a relação com a Educação Profissional, de forma a reconhecer diferentes caminhos de atendimento aos variados anseios das “juventudes” e da sociedade. (Diretrizes Curriculares Nacionais, 2013, p.147) Abordando especificamente o item 2.1 (educação com qualidade social), explicitamente citado nas DCN, verifica-se a preocupação em relação à superação de possíveis desigualdades e injustiças disseminadas no seio da sociedade e alastradas para dentro das escolas. E para essa superação e na consequente tentativa de reorganizar a qualidade do sistema educacional, preconiza-se uma reformulação pedagógica visando abarcar a multiplicidade de contextos vivenciados pelos alunos no âmbito de nossa sociedade. Portanto: Outro conceito de qualidade passa, entretanto, a ser gestado por movimentos de renovação pedagógica, movimentos sociais, de profissionais e por grupos políticos: o da qualidade social da educação. Ela está associada às mobilizações pelo direito à educação, à exigência de participação e de democratização e comprometida com a superação das desigualdades e injustiças... Para além da eficácia e da eficiência, advoga que a educação de qualidade, como um direito fundamental, deve ser antes de tudo relevante, pertinente e equitativa. A relevância reporta-se à promoção de aprendizagens significativas do ponto de vista das exigências sociais e de desenvolvimento pessoal. A pertinência refere-se à possibilidade de atender às necessidades e às características dos estudantes de diversos contextos sociais e culturais e com diferentes capacidades e interesses. (Diretrizes Curriculares Nacionais, 2013, p. 151). Ao tratarmos da reformulação pedagógica prevista pelas Diretrizes Curriculares Nacionais e referindo-se explicitamente ao papel do educador em sala de aula, inevitavelmente nos confrontaremos com situações desafiadoras e inquietantes no desempenho de nossas respectivas funções. Quando me refiro a “situações desafiadoras”, retomo a questão das relações étnico-raciais no âmbito escolar e de suas conduções e problematizações perante aos educandos. As DCN, na tentativa de auxiliar as ações dos educadores no ambiente escolar, recomendam, em suas orientações aos docentes, uma formação que vá além de suas respectivas trajetórias acadêmicas. Observa-se a emergência dos professores em saber lidar com as relações étnico-raciais e em conduzir as aulas com reflexões e direcionamento adequado sempre que a temática for abordada. Para tanto, verifica-se: “... há necessidade, como já vimos, de professores qualificados para o ensino das diferentes áreas de conhecimentos e, além disso, sensíveis e capazes de direcionar positivamente as relações entre pessoas de diferentes 555

pertencimento étnico-racial, no sentido do respeito e da correção de posturas, atitudes, palavras preconceituosas. Daí a necessidade de se insistir e investir para que os professores, além de sólida formação na área específica de atuação, recebam formação que os capacite não só a compreender a importância das questões relacionadas à diversidade étnicoracial, mas a lidar positivamente com elas e sobretudo criar estratégias pedagógicas que possam auxiliar a reeducá-las.” (Diretrizes Curriculares Nacionais, 2013,p.502) Segundo as DCN, faz-se necessária uma série de procedimentos acadêmicos e pedagógicos direcionados aos professores, com vistas a auxiliar e conduzir os mesmos a desenvolverem com plenitude o exercício do ensinar/educar. Essa formação necessária exigida contemplará as modificações oriundas dos documentos legais da educação que agora propiciam a formação integral do educando, abrangendo as esferas sociais, políticas e culturais. Sendo assim, exige-se dos docentes: I – sólida formação teórica nos conteúdos específicos a serem ensinados na Educação Básica, bem como nos conteúdos especificamente pedagógicos; II – ampla formação cultural; III – atividade docente como foco formativo; IV – contato com realidade escolar desde o início até o final do curso, integrando a teoria à prática pedagógica; V – pesquisa como princípio formativo; VI – domínio das novas tecnologias de comunicação e da informação e capacidade para integrá-las à prática do magistério; VII – análise dos temas atuais da sociedade, da cultura e da economia; VIII – inclusão das questões de gênero e da etnia nos programas de formação; IX – trabalho coletivo interdisciplinar; X – vivência, durante o curso, de formas de gestão democrática do ensino; XI – desenvolvimento do compromisso social e político do magistério; XII – conhecimento e aplicação das Diretrizes Curriculares Nacionais dos níveis e modalidades da Educação Básica. (Diretrizes Curriculares Nacionais, 2013, p.172) Não podemos ignorar ou negar o mal estar vivido pelos negros diante dos brancos. Invariavelmente, boa parte deste desconforto é motivada por reproduções e interpretações intencionalmente distorcidas da história de vida da comunidade negra. Estigmatizam sua cultura, sua cor, seus costumes e religião, enfim, excluem dos padrões 556

aceitáveis de uma sociedade dita civilizada suas origens e peculiaridades. Constantemente, o discurso pronunciado parte da comunidade branca hegemônica e, à medida em que a sociedade assimila tais discursos como verdades irrefutáveis, principalmente pela produção de materiais pedagógicos excludentes e do trabalho de divulgação por intermédio dos meios de comunicação social, criam-se graus de hierarquização entre as comunidades envolvidas no processo de socialização.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ______. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, Brasília, MEC, 2004. ______. Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais da Educação Básica / Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Diretoria de Currículos e Educação Integral, 2013. ______. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei nº 9.394, 20 de novembro de 1996. Diário Oficial da União, Brasília, 1996. ______. Lei nº10.639. Inclui a obrigatoriedade da temática “História e Cultura AfroBrasileira” no currículo oficial da rede de ensino. Diário Oficial da União, Brasília, 2003. BRASIL, Conselho Nacional de Educação (CNE). Parecer 03/2004 de 10 de marco do Conselho Pleno do CNE. Brasília: MEC/SEPPIR, 2004. FREYRE, Gilberto (1992). Casa Grande & Senzala. Rio de Janeiro, Record. GOMES, Nilma Lino. Educação e relações raciais: discutindo algumas estratégias de atuação. In: MUNANGA, Kabengele (Org.) Superando o racismo na escola. Brasília: MEC, 2005. GOMES, Nilma Lino. Relações ético-raciais, educação e descolonização dos currículos. Currículo sem fronteiras, v.12, 2012. LIMA, Mônica. Revista do Programa de Educação sobre o negro na sociedade brasileira. História da África: Temas e questões para a sala de aula. Cadernos Penesb, Rio de Janeiro, volume 7, 2006. MUNANGA, Kabengele (org) Superando MEC/SECAD, 2005.

o racismo na

escola.

VALENTE, A. L. E. F. Ser negro no Brasil hoje. SP: Ed. Moderna, 1994.

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Brasília:

CONSCIÊNCIA DE SI, CONSCIÊNCIA DO OUTRO: A HISTÓRIA DOS POVOS INDÍGENAS NA FORMAÇÃO DOCENTE Cláudia Cristina do Lago Borges Vânia Cristina da Silva A História do Brasil, tal como a conhecemos, começou a ser oficialmente “escrita” em 1838, quando o então imperador D. Pedro II criou o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB). Formado por uma elite intelectual, o objetivo do Instituto era de construir a história e a identidade de uma nação ora crescente. Como produção documental ao referir-se aos povos indígenas, os textos sobre a História do Brasil tratavam [...] de uma ‘técnica’ na qual as fontes sobre os índios eram recolhidas das crônicas do período colonial, dos relatos de viajantes, dos antigos documentos acerca das aldeias e dos mais recentes relatórios de presidente de província e de dirigentes de aldeias. (KODOMA, 2009, p. 15). Assim, a representação que se tinha dos índios partia da visão do outro, ou seja, dos colonos e dos viajantes europeus que viam essa terra e sua gente dentro de uma perspectiva da excentricidade, do paganismo e da barbárie. Outros trabalhos apresentados pelo Instituto seguiram a mesma lógica, mas foi a obra de Francisco Adolfo Varnhagen, publicada entre 1854 e 1857 que norteou a percepção sobre os povos indígenas. Entre os raros discursos sobre a legitimidade dos índios como verdadeiros donos das terras e origem da sociedade brasileira realizados já nesta época, Varnhagen destrói esse pensamento afirmando que esses são poderiam ser considerados como cidadão, pois não tinham capacidades de adequarem aos padrões sociais, e nem poderiam ser os legítimos donos das terras, pois não permaneciam nela (VARNHAGEN, 1850). O discurso de Varnhagen, bem como de outros historiadores e literatos, será representado como norteador para a produção dos manuais didáticos entre os séculos XIX e XX. Na melhor medida, a literatura apresentará a figura do índio como um herói romantizado ou como aparato do folclore brasileiro. Ao longo do século XX, os trabalhos acadêmicos no campo das ciências humanas divulgaram inúmeras pesquisas sobre os povos indígenas, mas, o que vemos nos livros didáticos e nos meios de comunicação é a quase total ausência dos povos indígenas no cotidiano das populações, ou, quando apresentados, surgem como elementos coadjuvantes, viventes de áreas ermas, ou sob a personificação de agentes malfeitores da ordem social, que interrompem rodovias e atrapalham a vida da população trabalhadora (ALMEIDA, 2003. REBELO, 2010). 558

O que cabe então nesse contexto é a pergunta: por que não falamos dos povos indígenas? Segundo Giovani Silva (2015), a construção de estereótipos sobre os indígenas esta pautada na cristalização da imagem destes povos no passado, como se, depois do período colonial, os índios fossem totalmente extintos. Observando os livros didáticos, podemos relacionar que o processo de construção da imagem do índio é, ainda, um reflexo do modelo criado pelo IHGB no século XIX. Nesse processo, o que temos ao longo dos anos são os “esquecimentos” e prerrogativa de que os povos indígenas são elementos de um passado distante da História do Brasil. Com isso, tanto as escolas, os livros didáticos e os cursos de formação docente mantiveram essa lógica, relegando o índio apenas ao enfoque folclórico, e, portanto, parafraseando Giovani Silva (2015, p. 23), “prestando um desserviço à educação de crianças, adolescentes e jovens”. Segundo Aldo Rebelo (2010, p. 39), “O índio que resplandece no imaginário nacional é, naturalmente, um ser genérico, como no estereótipo que distingue qualquer aglomerado humano, sobretudo as nacionalidades”. Assim não é difícil relacionar quais representações temos dos povos indígenas ao vermos os telejornais, os romances novelescos ou as produções cinematográficas. Como tentativa de minimizar os efeitos históricos quanto ao desconhecimento sobre os povos indígenas, em 2008 foi promulgada a Lei 11.645, que determinou a inclusão da história e culturas afro-brasileiras e indígenas nos currículos escolares da Educação Básica. Apesar do avanço, na prática parece haver pouca mudança na concepção dos conceitos e percepções atribuídas aos povos indígenas. Em outubro de 2015, o Ministério da Educação disponibilizou em caráter público para consulta e sugestões a proposta de implantação da Base Nacional Curricular Comum (BNCC), cujo documento tem por objetivo implementar uma nova estrutura curricular para o ensino básico. No que se refere ao componente de História, percebe-se uma grande mudança quanto a proposta de conteúdos, cujo eixo principal é a saída do foco eurocêntrico para voltar-se mais para o estudo das populações indígenas e africanas. O processo seguinte à implantação da BNCC, serão as mudanças nos cursos de formação docentes, já apontadas pelo Parecer n. 02/2015 do Conselho Nacional de Educação, que, dentre outras medidas, aumenta a carga horária dos cursos de licenciatura e sugere uma adequação curricular em consonância com a BNCC. Nessa conjuntura, o que temos adiante é a necessidade de uma implementação curricular mais reflexiva e dinâmica nos cursos de formação docente, em que o aluno seja familiarizado, entre outras coisas, com o uso de novas tecnologias e metodologias, como também nas questões de conteúdo, cujas abordagens historiográficas e teóricas deverão fazer parte do cotidiano da sala de aula. O que nos cabe, enquanto espaço acadêmico de estudo, pesquisa e ações educacionais, é a promoção de diálogos e reflexões que busquem soluções que minimizem os efeitos e concepções históricas que edificaram os conceitos que a sociedade atual tem dos povos indígenas e que os povos indígenas perderam de si próprio.

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Referências ALMEIDA, Maria R. C. “Identidades étnicas e culturais: novas perspectivas para a história Indígena. Abreu, Martha; Soihet, Raquel. Ensino de História, Rio de Janeiro: Casa das Palavras, 2003, pp. 27-38. CUNHA, Manuela Carneiro da. (Org) História dos Índios no Brasil. São Paulo: Fapesp/Cia das Letras, 1992. GRUPIONI, Luís Donisete Benzi (org.). Índios no Brasil. São Paulo: Global Editora, 2005. KODOMA, Kaori. Os índios no Império do Brasil. A etnografia do IHGB entre as décadas de 1840 e 1860. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; São Paulo: Edusp, 2009. REBELO, Aldo. “O índio no imaginário nacional”. Raposa-Serra do Sol: o índio e a questão nacional. Brasilia: Thesaurus, 2010. SILVA, Edson. Povos indígenas: história, culturas e o ensino a partir da lei 11.645. In: Revista Historien UPE/Petrolina, v. 7, p. 39-49, 2012. SILVA, Giovani José da. Ensino de História Indígena. WITTMANN, Luisa Tombini (org.). Ensino de História Indígena. Belo Horizonte: Autêntica, 2015. VARNHAGEN, Francisco Adolfo de. Quem são os donos da terra? [1850]. In. ALMEIDA, Manuel Antônio. Obra Dispersa. Introdução, seleção e notas. Rio de Janeiro: Graphia, 1991.

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INSERÇÃO E PARTICIPAÇÃO DAS MULHERES NA HISTÓRIA: COMO O PROFESSOR TRABALHA A QUESTÃO? Daniel Rodrigues de Lima O objetivo que se pretende alcança nesta pesquisa é: Identificar como os professores trabalham em sala de aula a inserção e participação do feminino no componente curricular de História. História das mulheres e relações de gênero: fundamentação teórica e representação do feminino no processo histórico Entre as obras que são de grande relevância em nossa fundamentação teórica temos o artigo “História e relações de gênero” de Cristiane Manique Barreto, onde a autora busca de forma sintética conceituar a categoria de gênero enquanto análise histórica. Pois de acordo com a autora temos a seguinte conceituação sobre gênero: Quando falo em gênero, estou falando de relações. Não de mulheres, nem de homens, mas de como historicamente e socialmente foram construídas as relações entre homens e mulheres. Portanto, a categoria de análise-gêneroremete a cultura e não ao biológico. (BARRETO, 2009, p.146) Sendo assim, ser homem ou mulher é uma construção social e cultural, e a partir disto uma relação de poder que envolve a sexualidade como construção social e cultural com seus ritos, linguagens, representações e símbolos. A autora Rachel Soihet em seu artigo “História das Mulheres” salienta ainda que não devemos trabalhar com a história da mulher, mas com história das mulheres, pois estas possuem as mais variadas diferenças, de classe, religião, étnica e entre outras, onde se busca entender que: “[...] as mulheres são alçadas à condição de objeto e sujeito da história” (SOIHET, 1997, p. 399). O artigo “História das Mulheres: As Vozes do Silêncio” de Mary Del Priore é outro ensaio historiográfico de extrema importância na compreensão e entendimento da abordagem História das mulheres e relações de gênero, em que segundo a autora: [...] Sua função maior deve ser a de enfocá-las através da submissão, da negociação, das tensões e contradições que se estabeleceram, em diferentes épocas, entre elas e seu tempo; entre elas e a sociedade nas quais estavam inseridas. [...] Mas história da qual não estejam ausentes os pequenos gestos, as práticas miúdas e repetitivas do cotidiano, as furtivas formas de consentimento e interiorização das pressões, simbólicas ou concretas, exercidas contra as mulheres. (PRIORE, 1998, p. 235)

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Diante do exposto pela autora entendemos que a história das mulheres deve privilegiar não a mulher singular, mas as diversas mulheres enfocando seus processos de viver em sua prática social que produzem as formas de submissão, da negociação, das tensões e contradições existentes em seu universo social, onde devemos observar e compreender os pequenos gestos e suas práticas miúdas mais íntimas no viver cotidiano, e com isso, fazê-las existir, falar, viver e ser. Como o professor em sua ação didático pedagógica trata a participação e inserção do feminino na história em suas aulas Em nosso questionário as perguntas cinco, seis, sete e oito tratam de questões relacionadas à história das mulheres e relações de gêneros, desenvolveremos as discussões com as respostas que obtivemos e descreveremos. Na pergunta número cinco de nosso questionário perguntamos aos professores o seguinte: o livro didático utilizado nas aulas de história, visualiza sim ou não as mulheres como sujeitos ativos no processo histórico?, obtivemos as seguintes respostas: Professor 1- Não. E praticamente pouco cita as mulheres e suas participações nos processos históricos aos quais estão vinculadas na sua vivencia em sociedade. Professora 2- O livro didático tenta quando possível mostrar mulheres atuantes no processo histórico. O que fica claro é que as produções dos livros didáticos são totalmente comprometidas com a história oficial, que privilegia os grandes heróis nacionais, marginalizando os demais segmentos sociais, entre os quais as mulheres. Na sexta pergunta questionamos: o que você entende acerca da história das mulheres e das relações de gênero?, e as respostas que nos foram fornecidas têm-se: Professor 1- Apesar de não ser voltado para as questões de gênero, acredito que as mulheres devem ser mostradas sim, enquanto sujeitos que produzem e vivenciam a história, pois é nas relações entre homens e mulheres que a história é produzida, onde um exemplo clássico é a Revolução Francesa em que as mulheres saem às ruas em defesa da comuna, [...]. Professora 2- Com a ascensão das mulheres em vários aspectos da sociedade. Acredito que já não mais existe essa divisão de gêneros. Em nossa sociedade já não cabe esse tipo de discriminação. Os dois professores vão de acordo com os teóricos que estudamos, pois acreditam em uma história das mulheres e ralações de gênero que busca uma forma de acabar com todos os tipos de estereótipos e preconceitos e alçar as mulheres à condição de sujeitos e objetos da História. Onde sobre essa questão corrobora com as afirmações dos professores as análises de Rachel Soihet, que propõe: 562

A escassez de vestígios acerca do passado das mulheres, produzidos por elas próprias, constitui-se num dos grandes problemas enfrentados pelos historiadores. [...] Daí a maior ênfase na realização de análise visando a captar o imaginário sobre as mulheres, as normas que lhes são prescritas e até a apreensão de cenas do seu cotidiano, embora à luz da visão masculina. Nos arquivos públicos sua presença é reduzida [...]. (1997, p. 428) Como pergunta de número sete temos: os alunos conseguem visualizar a invisibilidade do feminino na história que é contada pelo livro didático?, as respostas que obtivemos: Professor 1- Não. Pelo menos em minha experiência ainda não encontrei alunos que questionassem tal estado de coisas, mas o professor pode e deve fazer esta crítica com o intuito de alertar aos alunos essa condição, e com isso, estes entenderem o porquê dos preconceitos em relação às mulheres, pois o caminho para trazer esses sujeitos históricos que são na maior parte das vezes negligenciados pelos livros e matérias didáticos é a crítica que o profissional pode fazer, e em cada assunto tentar mostrar como essas classes marginalizadas da história estão em determinado contexto. Professora 2- Não, sem o auxílio do professor. Acreditamos e concordamos com as afirmações dos professores, onde se os alunos não conseguem fazer essa visualização, da falta das mulheres na história contada pelos livros cabe ao professor com sua criatividade fomentar a dúvida aos alunos. Como oitavo e último questionamento têm-se a seguinte questão: como você faz para mostrar que a história é uma construção de homens e mulheres, e não só dos primeiros como é muito comum na história tradicional? E como fazer para inserir as mulheres na história evidenciando sua participação no processo histórico?, como respostas: Professor 1-Partindo do princípio de que todos que estão inseridos em sociedade, homens e mulheres fazem a história, pois este conceito vem das teorias de Marx e Engels, que acreditam nos homens e mulheres, como sujeitos e objetos da história, pois influenciam e são influenciados pelas suas relações sociais de produção, e assim, sob está ótica que procuro mostrar que as mulheres, assim como os homens, são agentes ativos no processo histórico, transformando e sendo transformadas pelos ventos da História. Em relação à segunda pergunta, o professor deve trabalhar essa temática junto aos fatos históricos, onde este pode lançar mão de uma pesquisa, onde podem trabalhar com os alunos em sala alguns textos, vídeos, livros para que com isso possa dar vozes a esses segmentos que há muito tempo são marginalizados da história. Professora 2- Mostrando que a história é formada por homens e mulheres atuantes em suas épocas. Que a história não é feita só por pessoas atreladas ao poder, pois existe uma gama de pessoas determinadas a mudar a direção da sua História. 563

Assim é que devemos fazer a inserção e indicar a participação das mulheres na história, indicando que todos os sujeitos que compõe a sociedade são agentes históricos, produzindo e sendo produtos da história e a história das mulheres e relações de gênero contribuem com este enfoque historiográfico.

Considerações finais O principal objetivo do artigo era de entender como os professores trabalham em sala de aula a inserção e participação do feminino na História, onde as entrevistas com os professores e a nossa fundamentação teórica nos permitiram compreender que é preciso mostrar aos alunos o que todos são. Diante disso, buscou-se demonstrar que as mulheres são produtoras e fazem a História assim como os homens, pois são partícipes ativas no processo de construção social.

Referências BARRETO, Cristiane Manique. História e Relações de gênero. In: MORGA, Antônio Emilio; BARRETO, Cristiane Manique (orgs.). Gênero, sociabilidade e afetividade. Itajaí: Casa Aberta Editora, 2009. DEL PRIORE, Mary. História das Mulheres: as vozes do silêncio. In: FREITAS, Marcos Cezar de (org.). Historiografia Brasileira em Perspectiva. São Paulo: Contexto, 1998. SOIHET, Rachel. História das Mulheres. In: CARDOSO, Ciro Flamarion, VAINFAS, Ronaldo (Orgs). Domínios da História: Ensaios de teoria e metodologia. Rio de Janeiro. Elsevier, 1997. Fontes Entrevista concedida pelo professor 1 da Escola Estadual Rosina Ferreira da Silva, onde leciona do 7° ao 9° nos turnos matutino e vespertino, em 21.08.2012. Entrevista concedida pela professora 2, que leciona no ensino fundamental e médio na Escola Estadual Maria Rodrigues Tapajós, em 21/09/2012.

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EDUCAÇÃO ÉTNICO-RACIAL E SUA PROPOSTA INTERDISCIPLINAR Darlã de Alves Daniel Luciano Gevehr Um assunto que vem promovendo inúmeros debates e reflexões é o que se refere à educação étnico-racial. Inserida no currículo escolar por meio da lei 10639/2003, traz a perspectiva de uma educação para equidade racial, através da obrigatoriedade do ensino de história e cultura afro-brasileira e africana na educação básica. A aprovação desta normativa tem provocado uma reflexão sobre o currículo instituído em nossas escolas, que, historicamente, tem negado as diferenças culturais e valores civilizatórios africanos e afrodescendentes em nossa sociedade Moreira e Santana (2013). Trazendo ao ensino da diversidade diversas experiências culturais e conhecimentos às ancestralidades antes não contempladas. Exigindo do professor preparo para a mediação deste conteúdo. Buscou-se responder, com este estudo, a seguinte questão problema: O ensino de história e cultura afro-brasileira e africana nas escolas está sendo realizado de forma interdisciplinar? Ou apenas abordado pelas disciplinas de história e ou literatura? Pode-se perceber que o tema pode ser abordado de forma interdisciplinar, também em práticas pedagógicas específicas de cada disciplina. Traz-se um exemplo de um projeto pedagógico realizado em uma escola da rede municipal da cidade de Campo Bom/RS. Também apoiando-se em publicações produzidas no Brasil nos 12 primeiros anos em que a Lei 10639/2003 se encontrou em vigor. A justificativa para esta pesquisa é de que a alteração da LDB feita pela lei 10639/2003 dá início a uma nova abordagem de diversidade cultural no ambiente escolar. Anteriormente a esta determinação, o currículo de história abordava a cultura afrobrasileira e africana na figura do negro escravo submisso ao senhor de engenho. O que hoje ainda é facilmente identificado em diversos currículos escolares e materiais didáticos. A história do negro no Brasil não se detém a escravidão. Este sim foi um grande episódio. Porém, limitar a identidade do negro afro-brasileiro e africano apenas a este acontecimento é ignorar toda sua matriz cultural que contribuiu para a formação da cultura do nosso país e do ser brasileiro. Acredita-se na educação étnico-racial, como forma de conhecimento e valorização da cultura de todos brasileiros, buscando a equidade racial e eliminação do preconceito. A escola escolhida para a prática contempla alunos de 9 bairros da cidade. Possuindo alunos de todas as esferas sociais, seja de vulnerabilidade social à média alta. Consequentemente, este público de alunos se destaca em diversidade étnica cultural.

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Quanto aos procedimentos metodológicos, esta pesquisa pode ser classificada como um estudo de caso. Para selecionar os artigos científicos utilizados nesta pesquisa fez-se uso das palavras-chave “Educação étnico-racial. Ensino. Cultura afro-brasileira. Cultura africana.” entre o período de 2003 a 2015. Entre os 37 selecionados apenas 19 artigos abordavam alguma ferramenta de ensino, e a partir desses artigos desenvolveu-se um estudo detalhado. Os artigos que compõem este estudo foram selecionados na base de dados Scielo e Capes. A escola onde foi realizada a prática está situada no município de Campo Bom/RS. É pertencente à rede municipal de ensino e possui turmas apenas dos anos iniciais do ensino fundamental do 1º ao 5º anos. É importante ressaltar que a escola é um ambiente privilegiado para a promoção de relações étnico-raciais positivas em virtude da marcante diversidade em seu interior. Porém, não é a única instituição responsável pela educação das relações étnico-raciais, uma vez que o processo de se educar ocorre também na família, nos grupos culturais, nas comunidades, no convívio social proporcionado pelos meios de comunicação, entre outros (VERRANGIA E SILVA, 2010). Fernandes (2005) ressalta a importância da abordagem em caráter interdisciplinar, onde o tema perpasse as disciplinas de forma a interligar os conhecimentos gerados através de suas práticas pedagógicas. Um trabalho árduo quando nos deparamos com currículos tradicionais de ensino. O pensamento construtivista de Piaget nos traz um conceito claro sobre a interdisciplinaridade: “Uma colaboração entre disciplinas diversas ou entre setores heterogêneos de uma mesma ciência que conduz a interações propriamente ditas, isto é, a certa reciprocidade nas trocas, de tal modo que haja um total enriquecimento mútuo” (PIAGET, 1973, p. 142). No Brasil, um órgão muito respeitado, a CAPES¹, também dialoga referindo um conceito sobre a interdisciplinaridade, visto que no âmbito em que opera, já realizou algumas mudanças para a definição correta das atividades e conceitos, sendo compreendida como: “A convergência de duas ou mais áreas do conhecimento, não pertencentes à mesma classe, que contribua para o avanço das fronteiras da ciência e tecnologia, transfira métodos de uma para outra, gerando novos conhecimentos ou disciplinas, e faça surgir um novo profissional com um perfil distinto dos existentes, com formação básica sólida e integradora”. (BRASIL/CAPES, 2013 p.12). Partindo deste conceito onde a interdisciplinaridade constrói conhecimento dos mais diversos saberes frutos da complementação de duas ou mais ciências que de forma conjunta abordem determinado tema foi criado o projeto “A AFRICANIDADE NO CONTEXTO ESCOLAR: DA LUDICIDADE ÀS RELAÇÕES PESSOAIS”. Pensado pela coordenação pedagógica como forma de atender a normativa federal da lei 10639/2003, foi proposta a interação das disciplinas na construção das práticas pedagógicas a serem desenvolvidas. 566

Com o objetivo de abordar, discutir e refletir sobre a questão da diversidade cultural, num processo de identificação com as identidades culturais, as diferentes disciplinas que compõem o currículo dos anos iniciais do ensino fundamental na escola municipal de ensino fundamental Genuíno Sampaio, são elas língua portuguesa, língua inglesa, literatura brasileira, ciências físicas e biológicas, educação artística, educação física, música, matemática, história, geografia, e informática, reuniram-se para organizar, as atividades conjuntas sobre a temática de ensino de história e cultura afro-brasileira e africana. Assim estruturou-se o projeto. Em sua metodologia foram realizados três encontros para a discussão das atividades a serem propostas. Em suas ações foram realizadas cinco atividades integradas, sendo organizadas por duas ou três disciplinas de forma conjunta. O projeto teve início no dia 13 de maio de 2015. Data escolhida pela assinatura da Lei Áurea. A abordagem da temática através das atividades integradas realizou-se da seguinte forma: Atividade 1 – GRIÔT Disciplinas de Língua Portuguesa, Ciências Biológicas e Literatura. Nesta atividade os alunos são contextualizados em relação à cultura africana. Fauna e flora africanas e a chegada dos africanos ao Brasil. A Griôt (figura da comunidade) relata aos alunos como foi a chegada dos afrobrasileiros na cidade e na comunidade. Atividade 2 – RITOS E MITOS Disciplinas de História, Ensino Religioso e Língua Inglesa. Nesta atividade os alunos são contextualizados sobre o papel dos africanos na construção da cultura brasileira. Religiões de matriz africana. Atividade 3 - MANIFESTAÇÕES CULTURAIS Disciplinas Ed. Física, Música e Ed. Artística. Nesta atividade os alunos são contextualizados sobre as manifestações culturais brasileiras e tiveram origem através da cultura africana. Músicas; Danças; Máscaras africanas. Atividade 4 – RAÍZ “QUADRÁFRICA” Disciplinas de Matemática e Informática. Nesta atividade os alunos são contextualizados em relação aos jogos de raciocínio de origem africana, assim como algoritmos africanos. Atividade 5 – OCAS MALOCAS E QUILOMBOS. 567

Disciplinas de Geografia e Ed. Artística. Nesta atividade os alunos são contextualizados sobre os territórios negros, no estado do RS e na comunidade, e suas representações. O papel do negro nas demais culturas, ítalo, germânica, entre outras. A última atividade diretamente ligada ao projeto foi a Semana da Diversidade. Onde em novembro, junto a semana da consciência negra, foi realizada a exposição de trabalhos realizados nas atividades integradas. A avaliação deste projeto foi realizada de forma qualitativa observando a participação dos alunos, o interesse na realização e envolvimento nas tarefas. E as considerações finais evidenciaram as limitações de se realizar um projeto de forma interdisciplinar dentro de um currículo mantido tradicional. Os docentes participantes destacaram o desafio de realizar atividades integradas interligando as disciplinas. Também evidenciaram o grande envolvimento por parte dos alunos e comunidade escolar. Esta pesquisa identificou que a partir da criação da principal política pública brasileira para a educação étnico-racial, a Lei 10639/2003, os currículos escolares passaram a abordar de forma mais específica à temática do ensino de História e Cultura AfroBrasileira e Africana. Através de práticas pedagógicas integradas, interdisciplinares, assim como específico em cada disciplina.

Referências ARAÚJO, P. L.; YOSHIDA, S. M. P. F. Professor: Desafios da prática pedagógica na atualidade. Disponível em:http://www.ice.edu.br/TNX/storage/webdisco/2009/11/03/outros/608f3503025bdeb 70200a86b2b89185a.pdfAcesso em 20/06/2016. BRASIL. História e Cultura Afro-Brasileira. Lei Federal n°10.639/2003. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2003/L10.639.htm. Acesso em 14/05/2016. ______. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnicoraciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. Conselho Nacional de Educação, 2004. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/res012004.pdf. Acesso em 14/05/2016. FERNANDES, J. R. O. Ensino de história e diversidade cultural: desafios possibilidades. Cad. Cedes, Campinas, v. 25, n. 67, set./dez. 2005, p. 378-388. MOREIRA, M. A.; SANTANA, J. V. J. Formação docente frente ao ensino de história e cultura afro-brasileira: reflexões a partir do município de Itambé/BA. V FIPED Fórum Internacional de Pedagogia 2013. 568

PIAGET, J. Para onde vai a educação? Rio de Janeiro: Livraria José Olympo Editora/Unesco, 1973. VERRANGIA, D.; SILVA, P. B. G. Cidadania, relações étnico-raciais e educação: desafios e potencialidades do ensino de Ciências. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 36, n.3, set./dez. 2010, p. 705-718.

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A CAPOEIRA COMO POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DA LEI 10.639/03 Denis Henrique Fiuza Segundo o parecer 003/2004, a demanda da comunidade afro-brasileira por reconhecimento, valorização e afirmação de direitos, no que diz respeito à educação, passou a ser particularmente apoiada com a promulgação da Lei 10639/2003, que alterou a Lei 9394/1996, estabelecendo a obrigatoriedade do ensino de história e cultura afro-brasileiras e africanas. Nesse sentido, propomos a utilização da capoeira, nos estabelecimentos de ensino, como proposta de aplicação da Lei 10.639/03, que tornou obrigatório o ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana na Educação Básica. O parecer 003/2004 aponta para a “necessidade de diretrizes que orientem a formulação de projetos empenhados na valorização da história e cultura dos afro-brasileiros e dos africanos”, pois, qualquer lei precisa de instrumentos que favoreçam a sua prática e que estimulem bons resultados. Nesse sentido, propomos a prática da capoeira como elemento essencial para que essa lei seja popularizada e colocada em prática. A capoeira nasceu no Brasil através dos negros trazidos do continente africano para serem escravizados, e era usada como forma de defesa contra opressão política, econômica e social, imposta pelo regime político. Ao longo dos séculos ela foi se transformando e se constituindo como um elemento genuíno da cultura afro-brasileira, expressão clara da reconstrução histórica da identidade africana no país. Diferentes estudos demonstram que ela é um elemento identitário com conteúdos educativos, socioculturais e de promoção da saúde física e psicomotora. Levar a capoeira para a sala de aula é uma forma de apresentar diferentes perspectivas culturais e étnicas, abordando aspectos da cultura africana e afro-brasileira. Segundo o mestre Valmir, “estamos falando da nossa cultura, da nossa realidade, da nossa ancestralidade. E muitas vezes isso nos foi tirado dentro da própria sala de aula ou material didático”, nesse sentido, a utilização da capoeira instiga a reflexão como um elemento de resistência utilizado frente à escravidão e demais características da atuação dos negros na história do Brasil (ALMEIDA, PIMENTA E CYPRIANO, 2009, p. 65). Sendo assim, destacamos essas duas premissas, a prática da capoeira enquanto proposição para pensar a aprendizagem e o ensino de história e da cultura afrobrasileira. Uma das características da capoeira é o ensino, principalmente a partir da relação mestre e aprendiz, sendo que ela chega aos dias de hoje como o resultado do trabalho de ensinar de vários mestres, que além de propagá-la, buscaram ensiná-la a partir da vivência de seus princípios, espiritualidade e ética. A prática da capoeira envolve diferentes elementos de criação e invenção, além disso, é unanime entre os pesquisadores da área que sua prática contribui para o desenvolvimento dos seres humanos, a partir do aperfeiçoamento do movimento, do 570

intelecto e do afeto. Segundo Alvez (2011, p. 21), “a utilização da capoeira na educação, enfatiza a história, a música, a arte e o jogo, como elementos que proporcionam o desenvolvimento emocional, afetivo e motor, trazendo uma efetiva possibilidade educacional”. Entretanto, a utilização da capoeira na educação deve ir além da concepção de um uso simplista “como elemento folclórico”, como algo exótico, mas, deve favorecer a reflexão das estruturas tradicionais que muitas vezes não contribuem para o desenvolvimento das habilidades e potencialidades dos estudantes, trazendo elementos como a diferente concepção de tempo da capoeira expressos pela “vadiação” e pelo tempo da “brincadeira e da malandragem”, pela “reelaboração” de sí mesmo, pois essa prática inspira o sujeito a “inventar a si mesmo” (ALVES, 2011, p. 28). A noção de temporalidade, nesse sentido, vai além daquela cronológica adotada tradicionalmente nos sistemas educacionais, e estimula os capoeiristas a “mergulhar de cabeça” nessa prática. A prática da “vadiagem”, embora tenha recebido uma conotação negativa, faz referência a uma dedicação de tempo e de vontade aos rituais e práticas da capoeira. Nesse sentido, a valorização de outras temporalidades na educação, na execução de projetos científicos e culturais demanda tempo para que haja dedicação na realização e em especial, o diálogo, as trocas de experiências, a reflexão com profundidade. Outro elemento importante na capoeira é a música. A utilização de instrumentos musicais é essencial nessa prática, eles colaboram para que os indivíduos entrem no clima da roda, para a eficácia da meditação e contemplação dos movimentos e para a comunhão entre os participantes. A música funciona como estimulo, mas principalmente como um elemento que “atenua a monitoria consciente” que resulta numa percepção mais aguçada, como destaca Alves (2011, p. 186), levando os participantes a uma atuação consciente de suas potencialidades, instalando essa temporalidade da “vadiação” de dedicação ao que estão fazendo. Destacamos também na prática da capoeira, a relação mestre x aprendiz, ela os apresenta como aliados na construção de um processo, como indivíduos que aprendem junto, “que constroem juntos o conhecimento” da capoeira. O papel educacional da capoeira está também relacionado com o significado da identificação, quer dizer, identificar as características afro-brasileiras e africanas e seus elementos ritualizados e refletir sobre os mesmos na escola, da mesma forma como se aborda a contribuição de outras etnias. Ainda mais, ela tem a missão de educar as pessoas sobre a importância de conhecer e assumir sua verdadeira identidade étnica e desconstruir o preconceito racial intrínseco na sociedade. Sendo assim, apresentamos alguns traços da trajetória histórica da capoeira, sua força de resistência contra a escravidão e como uma expressão da várias que constituem as identidades étnicas de origem africana. Além disso, demonstramos que a utilização da mesma na educação possibilita um avanço na inclusão e a valorização da contribuição dos negros na construção do país. Ademais, propomos a utilização da capoeira como instrumento para desenvolver o ensino e a aprendizagem dos estudantes. A capoeira com sua técnica, seus elementos rituais, a música, o tempo da vadiação, e outros aspectos, coloca o indivíduo em perpetuo estado de desenvolvimento psicomotor. 571

Referências Bibliográficas ALMEIDA, Rodrigo de; CYPRIANO, André; PIMENTA, Leticia. Capoeira: luta, dança e jogo da liberdade. São Paulo: AORI, 2009. ALVES, Flávio Soares. O Corpo em Movimento na Capoeira. 2011. 194 f. Tese (doutorado) – Escola de Educação Física e Esportes, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2011. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Lei 10.639/03. Inclui no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura AfroBrasileira”. Diário Oficial da União, Poder Executivo. Brasília, DF, em 10 de mar.2003. Disponível em BRASIL. Parecer técnico nº: CNE/CP 003/2004 Colegiado: Conselho Pleno aprovado em: 03/10/2004. Conselho Nacional de Educação. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Racionais e para o Ensino de História e Cultura AfroBrasileira e Africana. Disponível em

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UM HOLOCAUSTO INDÍGENA AINDA INVISÍVEL NO ENSINO DE HISTÓRIA Dhiogo Rezende Gomes Mudanças significativas ocorreram nas ciências humanas, nas disciplinas e conhecimentos de História e Antropologia, no que tange os povos indígenas em suas histórias e culturas como objetos de estudo e de ensino nos espaços acadêmicos e escolares, destacando-se a lei 11.645 de 2008, alterando a Lei de Diretrizes e Bases da nossa educação. Contudo, certas permanências consistem ao ponto de reaproximar ou realinhar os indígenas aos paradigmas que os colocam como seres em face de integração ou assimilação a uma cultura tida como maior e dominante. Um dos exemplos ainda se faz, quando de forma fragmentada, parcial, para mero atendimento de uma legislação atual que “obriga” a inserção de conteúdos de história e cultura indígenas no ensino básico. Pois encontramos certos equívocos, noções preconceituosas, idealizadas ou desprendidas das diversas realidades históricas e socioculturais das centenas de etnias que habitam o país. Composições de forma ainda genérica, como “índios” em imagens que trazem tais povos como presos ou congelados no período da colonização. Notadamente como vítimas e sem agencias nos livros didáticos que são os principais vetores dessas informações podendo ou não, virar conhecimentos no trabalho e na relação entre professores e estudantes (FERENANDES, 2009; SILVA, 2012). São permanências que ainda sofrem influências do paradigma que encontrou numa ideia de aculturação, no sentido de perda de uma cultura pelo recebimento (forçado ou passivo) de outra, um olhar para condição indígena como temporária, frágil e passiva de ingresso na esteira da “civilização”. Mesmo no entendimento de estudiosos do porte de Darcy Ribeiro (1996), por mais críticas elaboradas na defesa da questão indígena pela via das políticas indigenistas que tivesse, aventava-se um processo onde nos contatos com a sociedade nacional, os povos indígenas estariam expostos a uma “transfiguração étnica”. Qualquer avanço nas questões indígenas, seja no âmbito político ou acadêmico, passava inevitavelmente por mudanças de paradigma, visando uma constituição dos povos indígenas como sujeitos históricos, resistentes, agentes de suas sobrevivências. Indo além de sobreviventes, como negociadores e importantes em suas presenças, em processos históricos que contribuíram com a formação do Brasil, indígenas como essenciais nas conquistas e manutenção de territórios, como aliados ou inimigos dos colonizadores (OLIVEIRA; FREIRE, 2006). Assim, a condenação desses povos ao desaparecimento físico ou cultural foi uma constante até a emergência de mudanças paradigmáticas nesse horizonte. Houve então a transição de um paradigma impregnado por evolucionismos e concepções biológicas de raça para outro que se apoiou na perspectiva dos indígenas pelo prisma cultural após a 573

2ª Guerra Mundial (CUNHA, 2009). O critério da cultura devendo romper com determinismos culturais e universais, sendo tal conceito entendido como dinâmico, destacando a autodeterminação de um grupo no seu reconhecimento enquanto etnia. São mudanças consideráveis no entendimento, no estudo e no ensino da questão e da temática indígena a partir dessa base, que inicia com a percepção de que os povos indígenas são seres históricos, dinâmicos em suas culturas no tempo e no espaço. Um processo que contou com ampla intervenção dos próprios povos indígenas a partir da década de 1970 (CUNHA, 2012), época em que as ideias de aculturação, assimilação e integração desses povos a sociedade nacional ou ocidental, ganharam críticas de teorias como a de Fredrik Barth (2011). Com uma abordagem de fronteiras entre os grupos étnicos, propondo que povos em suas culturas diferentes e em contatos, fazem suas manutenções culturais e de identidades não pela distância ou pelo isolamento, mas pelas trocas humanas, simbólicas e também materiais na ressignificação de elementos em oposições, em objetos, produtos de uma cultura frente a(s) outra(s). Neste contexto de transição de paradigmas na questão indígena/indigenista que no Brasil ocorre na década de 1970, o Brasil passa pela Ditadura Civil-Militar (19641985). Manuela Carneiro da Cunha (2012, p.22), sobre a transição, afirma que No fim da década de 1970 multiplicam-se as organizações não governamentais de apoio aos índios, e no início da década de 1980, pela primeira vez, se organiza um movimento indígena de âmbito nacional. Essa mobilização explica as grandes novidades obtidas na Constituição de 1988, que abandona as metas e o jargão assimilacionistas e reconhece os direitos originários dos índios, seus direitos históricos, à posse da terra de que foram os primeiros senhores. Cunha nos leva a um paradoxo, o mesmo período que significa aos indígenas um momento histórico de ascensão, esconde fatos que atingem os direitos humanos dessas populações. Por baixo de êxitos indígenas em suas lutas, o modelo de desenvolvimento econômico e regional, principalmente no centro e norte do país, em face do Plano de Integração Nacional, foram o motor de políticas de extermínio de povos indígenas postos ou entendidos como entraves ou empecilhos a estes processos e projetos (DAVIS, 1978). A Comissão Nacional da Verdade (2012-2014) criada pelo Governo Federal para apurar violações dos direitos humanos entre os anos de 1946 e 1988, afirmou que ao menos 8.350 indígenas tiveram suas vidas ceifadas pelo Estado, por força direta de ações governamentais ou por omissões dos agentes e instituições que teriam outras prerrogativas, a exemplo do Serviço de Proteção ao índio (SPI) e sua substituta a partir de 1967, a Fundação Nacional do Índio (FUNAI). O relatório da CNV (COMISSÃO Nacional da Verdade, 2014, p.199) define que “O número real de indígenas mortos no período deve ser exponencialmente maior, uma vez que apenas uma parcela muito restrita dos povos indígenas afetados foi analisada [...]”. Temos disponíveis na internet documentos como o manifesto do CIMI que denunciou em pleno período ditatorial crimes do Estado contra os povos indígenas (HECK; SILVA; FEITOSA, 2012) e o “Relatório Figueiredo” que como descrito em entrevista 574

do antropólogo Bessa Freire, dispõe de vasta pesquisa realizada por um procurador da República no final da década de 60, apontando graves violações aos direitos humanos indígenas (FACHIN, 2015). Fontes que trazem à tona o “holocausto indígena” que permanece oculto, em memórias que ainda não se tornaram propriamente história. Holocausto restrito em artigos, dissertações e teses desenvolvidas por um grupo seleto de profissionais e pesquisadores interessados. Custando chegar nos livros didáticos por motivos que vão da alegada ausência de fontes, apesar do aumento do interesse de pesquisas, a questões de mercado editorial na adaptação didática e relação entre cultura acadêmica e escolar. Mesmo depois da Lei 11.645/2008 e com mudanças significativas que tiraram os indígenas da condição de vítimas e objetos para inseri-los como sujeitos e agentes históricos, há limitações visto que entre os livros didáticos reside a “[...] permanência de uma visão de história distanciada do conhecimento histórico produzido nas últimas décadas” (COELHO, 2009, p.271). Percebemos então que é mais comum que nossos livros de história destaquem o holocausto judeu pelo nazismo na 2ª Guerra Mundial que o holocausto indígena nos anos de abrangência da investigação da Comissão Nacional da Verdade (1946-1988), destacando os 21 anos do Regime Civil-Militar. Uma demonstração do que Ricoeur (2007) fala sobre abuso de memória e abuso de esquecimento. Além de uma mídia que pouco se interessa por este passado, temos uma cultura histórica e escolar que soterra na invisibilidade fatos e eventos como: 1) A criação da Guarda Rural Indígena em 1969, onde o governo formou jovens indígenas de etnias diferentes com treinamento militar consistindo em técnicas de tiro, defesa pessoal e até de tortura, como forma de apoiar o estabelecimento da ordem e do ideário da segurança nacional nas áreas rurais onde regressavam os guardas indígenas (FREITAS, 2011). 2) A nebulosa participação dos Aikewára ou Suruí na Guerrilha do Araguaia, com inúmeras denúncias de maus tratos, terror físico e psicológico, obrigando os Suruís do Pará a colaborarem com a caça aos subversivos do regime na selva (NEVES; CORRÊA, 2011). 3) A existência de uma espécie de campo de concentração para indígenas subversivos, o reformatório Krenak em Minas Gerais (CAMPOS, 2012). 4) Bombardeios de aldeias inteiras do povo Waimiri-Atroari do Amazonas, tidos como ameaças ao sucesso de empreendimentos miliares como uma rodovia e uma hidrelétrica (EGYDIO SCHWADE, 2012). Referências BARTH, Fredrik. Grupos étnicos e suas fronteiras. In: POUTIGNAT, Philippe; STREIFF-FENART, Jocelyne. Teorias da etnicidade: seguido de grupos étnicos e suas fronteiras de Fredrik Barth. São Paulo: Editora Unesp, 2011. p. 187-227. Tradução de: Elcio Fernandes. CAMPOS, André. Comissão da Verdade Krenak: o presídio indígena da ditadura. Porantim: em defesa da causa indígena, Brasília, v. 35, n. 347, p.8-9, ago. 2012. COELHO, Mauro Cesar. A história, o índio e o livro didático: apontamentos para uma reflexão sobre o saber histórico. In: MAGALHÃES, Marcelo; REZNIK, Luís; ROCHA, Helenice (Org.). A história na escola. Rio de Janeiro: Fgv, 2009. Cap. 12. p. 263-281. 575

CUNHA, Manuela Carneiro da. Introdução a uma história indígena. In: CUNHA, Manuela Carneiro da. Índios no Brasil: história, direitos e cidadania. São Paulo: Claro Enigma, 2012. p. 08-25. _______. Por uma história indígena e do indigenismo. In: Cultura com aspas e outros ensaios. São Paulo: Cosac Naify, 2009. p. 125-132. DAVIS, Shelton. Vítimas do Milagre: o desenvolvimento e os índios do Brasil. Rio de Janeiro. Zahar, 1978. EGYDIO SCHWADE (Manaus) (Org.). 1º Relatório do Comitê Estadual da Verdade. Manaus: Cimi/comitê da Verdade, Memória e Justiça do Amazonas, 2012. 92 p. FACHIN, Patricia. Relatório Figueiredo: mais de sete mil páginas sobre a violência contra indígenas no Brasil. Entrevista especial com José Ribamar Bessa Freire. Revista IHU, São Leopoldo, 2015. FERNANDES, Eunice. Ainda na selva?: A maioria dos livros didáticos retrata os índios ligados apenas ao passado colonial brasileiro. Revista de História da Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro, v. 10, n. 49, p.1-3, out. 2009. Mensal. FREITAS, Edinaldo Bezerra de. A Guarda Rural Indígena – GRIN: Aspectos da Militarização da Política Indigenista no Brasil. In: SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA DA ANPUH, 26., 2011, São Paulo. Anais... . São Paulo: Anpuh, 2011. p. 1 - 26. HECK, Egon Dionísio; SILVA, Renato Santana da; FEITOSA, Saulo Ferreira (Org.). Povos indígenas: aqueles que devem viver - Manifesto contra os decretos de extermínio. Brasília: Cimi-conselho Indigenista Missionário, 2012. 192 p. NEVES, Ivânia dos Santos; CORRÊA, Maurício Neves. O povo indígena Aikewára e a guerrilha do Araguaia: mediação, apropriação e resistência nas fronteiras de identidades. In: I SEMINÁRIO REGIONAL DA ALAIC - BACIA AMAZÔNICA, 1., 2011, Belém. Anais... . Belém: Unama, 2011. p. 1 - 13. OLIVEIRA, João Pacheco de; FREIRE, Carlos Augusto da Rocha. A presença indígena na formação do Brasil. Brasília: Laced/museu Nacional, 2006. 264 p. RIBEIRO, Darcy. Os índios e a civilização: a integração dos indígenas no Brasil moderno. Rio de Janeiro: Companhia das Letras, 1996. RICOEUR, Paul. A memória, a história, o esquecimento. Campinas: Unicamp, 2007. SILVA, Maria de Fátima Barbosa da. Livro didático de História: representações do ‘índio’ e contribuições para a alteridade. História Hoje, [são Paulo], v. 2, n. 1, p.151168, dez. 2012. Dossiê Ensino de História Indígena, organizado por Circe Bittencourt e Maria Aparecida Bergamaschi. Comissão Nacional da Verdade. Relatório: textos temáticos. Brasília: Cnv, 2014. 576

PRÁTICAS E EXPERIÊNCIAS NO ENSINO DE HISTÓRIA INDÍGENA Edilson Ribeiro da Silva Considerações Iniciais Ao abordarmos o ensino de história nos dias atuais, temos que ter a consciência de o quão será difícil, principalmente no Brasil, por ter em sua sociedade várias culturas no mesmo território. O que ensinar? Como ensinar? Por qual razão ensinar? São perguntas que, enquanto professores de história, seremos obrigados a não só descobrir as respostas, como também, por essas respostas em prática, no exercício de nossas docências. O professor irá ter em sala de aula um público diverso, composto por diferentes gêneros, cores, etnias, posicionamentos ideológico, religiões diferentes, entre outros, por isso o viés no qual ele pensa muitas vezes refletem em ações inconvenientes para os alunos, assim como escreve Bauman, “ A modernidade é líquida” desse modo, o professor precisa deixar essa solidez de lado, e ser líquido como a água que se altera conforme o recipiente.

Lutas com o estado, Mudanças na educação O Brasil é palco de inúmeras mudanças pelas quais a ordem política se reconfigura, conforme cada etapa da história. Fomos colônia, império e hoje somos republica; mutilados por toneladas de informação, muitas vezes, repletas de Análises ou interpretações distorcidas, tal como as “verdades” de Hans Starden que modificam a história, vertendo-a para um viés etnocêntrico, desprezando as minorias e dando vez e voz aos poderosos, enfatizando o heroísmo do branco e invisibilizando o protagonismo das comunidades tradicionais, não apenas na construção da sociedade brasileira, mas também em todos os elementos constitutivos da ideia de nação brasileira. Com efeito, diante do exposto nos perguntamos, qual seria o lugar do índio em nossa sociedade? Até meados do século XX o índio não tinha atuação no meio social, muitas vezes era tido como massa de manobra usada como instrumento manipulável, que foi reduzido em um processo de autonegação, de forma que, quem se afirmasse índio, estaria à mercê de inúmeras formas de violência; tomemos como exemplo Alagoas, em especial Palmeira dos índios, onde a invisibilidade dos Xucuru-Kariri foi a estratégia adotada para se esquivarem da perseguição da sociedade não indígena, ao tempo que foi tática de resistência contra os ataques dos posseiros que se apropriaram de suas terras. A Constituição de 1988, é uma das principais aliadas na ressurgência étnica, por reconhecer, aos índios, os direitos a organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, garante o usufruto das terras onde fora comprovada a existência de seus 577

antepassados, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens, pelo menos em teoria. Com a consolidação dos movimentos indígenas e a visibilidade que ganharam a partir desses movimentos, começam a transformar e contribuir para o novo cenário da educação brasileira, regras começaram a ser quebradas, hierarquias se desorganizaram, o que era homogêneo começou a transcorrer dentro da heterogeneidade, a cultura escolar foi aos poucos se diluindo. Transformações que só foram possíveis com a Lei 11.645, por obrigar que as escolas públicas e privadas acrescentem em seu currículo o ensino da história e cultura indígena em todo o currículo escolar, quebrando a ideia de tratar a temática apenas no dia 19 de abril, além de fazer com que não se construa uma seletividade de escola, uma vez que, uma grande quantidade de filhos dos latifundiários que ocupam terras indígenas situadas na área a ser demarcada provém de escolas privadas, que também devem obedecer a Lei. Cabe também destacar a importância do § 2o que traz em seu texto a ideia de que não apenas história, artes e literatura teria que abordar a temática, como também as matéria exatas, física química, biologia entre outras.

Deficiências na formação resultam na incompreensão dos alunos Como estão sendo ministrados os conteúdos que envolvem a questão indígena? As escolas obedecem a referida lei? Os professores são qualificados para tratarem de assuntos como estes? Tais perguntas podem ser respondidas ao analisarmos o que os alunos sabem sobre a temática, uma vez que estão em contato direto com escola e professores. Em pesquisas de campo feitas em uma escola do município de Paulo Jacinto foi possível coletar dados de estimável importância para esclarecimentos das dúvidas postas acima. A entrevista acontece em uma sala de terceiro ano do ensino médio, de uma escola pública localizada no município de Paulo Jacinto, logo após algumas explicações, se questionou sobre como seria o índio e sua cultura? E em folhas de caderno os alunos escreveram suas respostas. Os entrevistados deram as respostas descritas abaixo. Como a entrevista envolve menores, estes serão referenciados como informante, um, dois, três e assim sucessivamente, pois além de preservar suas identidades, não expõe nenhum dos envolvidos no processo escolar na instituição pesquisada. “Os índios eram muito trabalhadores, eles eram politeístas, matavam animais para sua sobrevivência e sua filha era obrigada, quando completasse uma idade, já tinha que ser mulher com 12 anos, gostava muito dos seus rituais principalmente a capoeira”. (INFORMANTE 1) Observem que na fala do entrevistado ao tratar de índio refere-se ao ser do passado; a expressão “eram” é repetida mais de duas vezes em sua pequena explanação, outro ponto importante para analisarmos é a confusão que o entrevistado comete ao afirmar que a capoeira seria um ritual indígena. Vejamos também que a generalização do índio se encontra presente em sua fala ao afirmar que com 12 anos as índias seriam obrigadas a perder a virgindade, afirmação essa que conseguiu, segundo ela, com o comercial do ABC da Amazônia, fazendo com que a televisão, tal como a escola transforme-se em 578

dispositivo de multiplicação de conhecimentos equivocados, pois como tal, insere-se no que, Chamarei literalmente de dispositivo qualquer coisa que tenha de algum modo a capacidade de capturar, orientar, determinar, interceptar, modelar, controlar e assegurar, os gestos, as condutas, as opiniões e os discursos dos seres vivente. (AGAMBEN, 2009, p. 41) Conforme explica Agamben, a televisão e a escola seriam dispositivos manipuladores, pois ela modela os gestos e as condutas, as opiniões e os discursos dos discentes, generaliza o índio, quando não mostra que os povos indígenas são diferentes entre si, folcloriza o índio na medida em que no dia 19 de abril faz com que os discentes do primeiro ciclo do ensino fundamental dancem em círculos, se enfeitem com adereços que se aproximam do índio americano ou dos desfiles carnavalescos que se tem na Sapucaí, o que acaba acarretando práticas sociais e culturais equivocadas.

Considerações finais Tendo em vista todos os problemas citados acima, cabe aos profissionais se atualizarem diante da Lei 11,645/8, com o intuito de se preparar e contribuir para a construção de uma sociedade plural e igualitária, Diante disso, esta pesquisa é relevante por contribuir para a lucidez e clareza de situações frequentes nas escolas, práticas que consiste em mascarar, cobrir e resguardar irregularidades a respeito do ensino da temática indígena, propiciando o surgimento de um aparelho reprodutor, de imagens criadas por jesuítas, viajantes, colonos ou literatos, que propagou-se até os dias de hoje e que é adquiridos por muitos professores como algo verídico, por ser encontrados nos manuais didáticos. Existe a necessidade de vistorias para ver como tais leis estão sendo aplicadas na prática docente. Pessoas preparadas são necessárias para assumir tal tarefa e serão responsáveis por desconstruir o pensamento obscurecido pela escola ao longo do tempo com suas limitações e despreparo. É mister que em complemento ao livro didático sejam utilizadas metodologias de aprendizagem cujo embasamento esteja em textos de autores engajados com a causa indígena ou produzidos pelos próprios índios, entre outros pressupostos que possam contribuir para que os alunos aprendam e entendam como este Brasil se formou.

Referências AGAMBEN, Giorgio. Crítica do contemporâneo. Agamben. Marramo. Rancière. Sloterdijk. Política. Conferências Internacionais Serralves: 2007. BITTENCOURT, Circe. Ensino de História: fundamentos e métodos. 4 ed. São Paulo: Cortez, 2011.

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BRASIL. LEI n. 11.645, de 10 de março de 2008. Brasília, março de 2008. http://www.jusbrasil.com.br/topicos/10643688/artigo-231-da-constituicao-federal-de1988 acessado em 29/09/2015. CANCLINI, Néstor García. Culturas Híbridas - estratégias para entrar e sair da modernidade. Educação e diversidades: um diálogo necessário na educação básica/Gilberto Geraldo Ferreira, Edson Hely Silva, José Ivamilson Silva Barbalho, (orgs). – Maceió: EDUFAL, 2015. LUCIANO, Gersem dos Santos. Educação escolar indígena no Brasil: avanços, limites e novas perspectivas. Goiânia-GO, 2013.

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BATALHAS NA TORRE DE MARFIM: O IMPACTO DA INCLUSÃO RACIAL E SOCIAL NO ENSINO DE HISTÓRIA Elaine P. Rocha Em 1999, Gene Veith editor da área de cultura da revista World, escreveu que para a maioria dos americanos as universidades são torres de marfim nas acadêmicos se concentram em estudos elevados, numa postura de sublime indiferença quanto às vidas ordinárias que as rodeiam (Veith:1999). Em seu argumento, ele salienta o fato de que os achados da academia raramente afetam a cultura do povo. Ainda que se possa encontrar elementos verídicos nesta afirmação, é preciso reconhecer que ainda que o ensino universitário no Brasil tenha suas origens na educação para a elite, concentrando sua produção intelectual e debate entre as pardes dessa “torre de marfim”, eventos e processos sociais, políticos e culturais Têm afetado não apenas o produto acadêmico mas a própria composição dessa torre. O ensino de história no Brasil tem sido palco de dolorosas batalhas, seja para a sua manutenção enquanto disciplina, lembrando as reformas pedagógicas que instituíram a disciplina de estudos socais em substituição ao ensino de história, seja no conteúdo dos currículos acadêmicos, afetados por medidas políticas como a ditadura militar e as pressões sociais e políticas que levaram à inclusão de estudos sobre a África, ou mesmo na constituição dos quadros docentes alterados com a entrada de “estudantes trabalhadores”, com a abertura de cursos noturnos. Esta última alteração no maio acadêmico, trouxe para as universidades estudantes vindos de camadas mais pobres, muitos deles afrodescendentes. Desta forma, consideramos que o cenário acadêmico brasileiro tem sido alterado continuamente desde o final da Primeira República e que a disciplina de história, devido ao seu intrínseco valor político, tem sido alvo de disputas no âmbito educacional (currículo) e no âmbito dos conteúdos que alteram potenciais referências historiográficas, políticas e filosóficas ao mesmo tempo em que impõem novos problemas, novos objetos e novas abordagens, parafraseando o historiador Jacques LeGoff. A proposta deste texto é apresentar uma reflexão sobre o impacto da chegada de novos agentes na academia, seja como estudantes seja como historiadores e professores, na direção que o estudo e o ensino de história tomou desde o último quartel do século XX. Para entender a presença destes novos agentes, é preciso compreender elementos estruturais que possibilitaram este evento e as disputas ocorridas dentro da academia e da sociedade na definição de disciplinas, conteúdos e abordagens na história do Brasil.

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A evolução do sistema educacional no Brasil acontece de forma lenta, a partir de pressões políticas e econômicas, passando a acomodar posteriormente as pressões sociais e mesmo culturais. Conforme indicado pro Afrânio Garcia e Moacir Palmeira (2001), as transformações sociais brasileiras durante o século XX sofrem ainda grande influência das oligarquias rurais, e neste sentido a desigualdade social e racial tendem a persistir apesar de alterações econômicas. Beatriz Boclin Santos (2009) argumenta que o ensino de história do Brasil (no Brasil) tem início ainda na primeira metade do século XIX, tendo como primeiro palco o Colégio Pedro Segundo, criado em 1838 como parte da construção da nação e para atender aos filhos da elite. Desde os primeiros anos da República, verificava-se uma preocupação com a expansão do ensino público no Brasil e em especial nas grandes cidades, influência dos ideais positivistas de ordem e progresso e também uma exigência econômica e social dentro do plano modernizador vigente na época. O panorama social do período, contudo, não permitia uma ampla participação da população jovem no ensino secundário, uma vez que a maioria da população brasileira concentrava-se em áreas rurais meados do século XX e apenas com grande dificuldade poderiam enviar seus filhos para estudar nos grandes centros. A isto adiciona-se o fato de que grande parte da população jovem brasileira estava engajada no mercado como força produtiva desde muito jovem, por volta dos dez anos de idade, o que não lhes permitia frequentar a escola por um longo período. As mudanças neste cenário se deram a partir do governo Vargas, que utiliza a educação como ferramenta para a integração e desenvolvimento nacional, ainda ali, o ensino secundário se concentraria nas cidades e era profundamente excludente. Para as camadas mais baixas da população, na qual se incluíam os afrodescendentes e grande parte da população que chegava aos centros urbanos em busca de trabalho, a realidade ainda era a do pós-abolição, com a integração precoce dos jovens ao mercado de trabalho para suprir as necessidades da família. Dessa forma, a história narrativa, contada sob o ponto de vista das elites se reproduzia, pois dentro de uma sociedade excludente, apenas membros da elite chegariam ao ensino superior e ao seguir a trajetória acadêmica contribuir para a produção histórica. Em sua maior parte, os livros listavam fatos e eventos históricos generalizados e muitas vezes dissociados da realidade regional e local. Se as reformas trabalhistas de Vargas ofereceram certa segurança ao trabalhador, levando a uma pequena ampliação na participação das classes trabalhadoras na educação secundária. A ampliação da rede escolar ocorrida no período militar, também como elemento de um novo surto modernizador, coloca o trabalhador mais próximo da escola, fosse pelo aumento de escolas públicas ou pela abertura de cursos noturnos nas escolas secundárias. Em contrapartida, o regime militar criou a censura ideológica que proibiu livros e temas utilizados nos currículos; a ampliação do mercado de trabalho com a chegada das companhias multinacionais produziu um pequeno crescimento na renda familiar que permitiu o acesso à educação, enquanto que a abertura de faculdades privadas – ainda que criticadas pela elite preocupada com a qualidade do ensino superior – ofereceu 582

maiores oportunidades de acesso à educação superior àqueles que não conseguiam por algum motivo ingressar nas universidades públicas, ainda muito limitadas. O outro lado do desenvolvimento econômico foi a criação de novas demandas na área de trabalho e uma emigração da área de ciências humanas e sociais para as áreas mais técnicas, isso baixou a commpetição por vagas na educação superior em cursos dedicados à educação, como era o caso de história. Da mesma forma, a desvalorização dos salários de professores criou uma evasão profissional que abriu caminhos para novos agentes. Dessa forma a profissão do magistério na área de história nas novas escolas, muitas vezes depreciadas, aparece como uma alternativa aos estudantes oriundos de classes mais baixas, aos quais a profissão de professor, ainda que desvalorizada, trazia um valor social e um aumento na renda em relação aos outros trabalhos que estavam disponíveis a estes agentes. Temas como a redemocratização e as lutas dos trabalhadores são particularmente próximos à realidade desses profesores, e seriam eles os agentes da mudança quando das mudanças curriculares que incluíram o ensino de história da África e da diáspora africana. O mundo acadêmico sofre ainda maior transformação com a ampliação do sistema de educação universitária pública e a adoção das cotas, que definitivamente trouxe mais alunos das camadas mais baixas para dentro da sala de aula. Desta forma, altera-se a relação, alteram-se os agentes nos dois lados, as pressões para que a mudança atinja a produção de livros passa a obter efeitos, as teses e dissertações passam a apresentar temas mais relacionados à realidade regional, local de classe. No ambiente intelectual acadêmico, o professor proveniente de classes menos privilegiados levanta questões e propõe temas e hipóteses que desafiam interpretações tradicionais. Isto aconteceu nos anos 60 e 70 quando filhos de imigrantes italianos, espanhóis e alemães passaram a contribuir fortemente para os estudos da classe operária e das frentes de colonização, ampliando a visibilidade daqueles imigrantes nas cidades e na zona rural. Nos anos 80 e 90 a chegada dos afrodescendentes contribui para o questionamento das representações dos negros na história do Brasil e, com o avanço das lutas por igualdade racial e social, aliado ao crescente diálogo intercontinental e entre o Brasil e a África, passam a questionar o mito da originalidade do país em relação à sua constituição e identidade nacional. Da mesma forma, a presença de alunnos provenientes das mesmas raízes, trazem outras indagações e vivências para a sala de aula que não podem ser ignoradas pelos professores de história e pelo sistema em geral. Obviamente não podemos esquecer o impacto da lei 10639/03, que institui a obrigatoriedade do ensino de história e cultura afrobrasileira, abrindo uma demanda para a educação nesta área (para os professores) e para a publicação de material didático. As batalhas se intensificam, assim como os diálogos e mesmo as linguagens de acesso. Aos poucos torres de marfim se desmoronam, porém entre os escombros novas batalhas, agora pela manutencão do ensino de história. 583

Bibliografia: Araujo, Gilda C.. “Estado, política educacional e direito à educação no Brasil. ‘O problema maior é o de estudar’”. Educar em Revista, Curitiba, Brasil, n. 39, p. 279-292, jan./abr. 2011 Editora UFPR. Barreto, A. e Filgueiras,C. . (2007). Origens da Universidade Brasileira. Quim.Nova, 30(7), pp. 1780-1790. Dias, Tatiana. (2016). Sistema de cotas raciais: inclusão em meio à controvérsia. June 17, 2016, de Nexo Jornal Sitio web: https://www.nexojornal.com.br/explicado/2016/02/24/Sistema-de-cotas-raciaisinclusão-em-meio-à-controvérsia. Garcia, Afranio e Palmeira, Moacir. Rastros de casas-grandes e de senzalas: transformações sociais no mundo rural brasileiro. In Sachs, Willheim e Pinheiro (org.) Brasil: um século de transformações. São Paulo, Companhia das Letras, 2001, p. 38-77. Oliveira, Jorge, Bittar, Mariluce e Lemos, J. “Ensino superior noturno no Brasil: democratização do acesso, da permanência e da qualidade”. Revista de Educação Pública, Cuiabá, v. 19, n. 40, p. 247-268, maio/ago. 2010.. “Ensino superior noturno no Brasil: democratização do acesso, da permanência e da qualidade. Paixao, Marcelo e Carvano, L.. (2008). Relatorio Anual das desigualdades raciais no Brasil 2007-2008. Rio de Janeiro: Garamound. Santos, Beatriz Boclin dos. O currículo da disciplina escolar história no Colégio Pedro II – A Década de 70 entre a tradição acadêmica e a tradição pedagógica: a História e os Estudos Sociais. Tese de doutorado, 2009. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Siss, Ahyas. Afrobrasileiros cotas e ações afirmativas: razões históricas. Quartet; PENESB, 2003. Veith, Gene. Can we recapture the Ivory Tower? http://www.leaderu.com/humanities/veith-ivory.html, 1999. Acesso em 18 de dezembro de 2016.

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A MULHER NEGRA NA EJA: POSSIBILIDADES DE EMPODERAMENTO NO ENSINO DE HISTÓRIA Eline de Oliveira Santos A busca por inserção social pontuou a trajetória de um grande número de mulheres que buscaram demarcar o seu lugar na sociedade, através de lutas que visavam anunciar que havia vida para além do ambiente doméstico. A identidade que a sociedade lhe impôs era a de mãe, todas as outras estavam sublimadas por séculos de submissão. Por outro lado, é na tomada da consciência que a mulher passa a ter de si e de suas necessidades que emergem outras identidades já existentes. Faz-se necessário compreender este universo simbólico em que a mulher está inserida e a partir de suas vivências, analisar a sua crescente participação nas diversas atividades e esferas da sociedade. Uma dessas esferas é a educação que, tem atravessado profundas mudanças nas últimas décadas e abarca neste contexto grupos marginalizados socialmente entre eles a mulher se destaca. Para enquadrar a mulher dentro destas perspectivas traçadas havia o reforço ideológico que vinham de todas as direções: a família, a igreja, as autoridades médicas que, ratificavam o papel da mulher como matriz da sociedade e como tal,deveria desempenhar o seu papel da melhor forma possível, aceitando o destino que a natureza lhe deu. Sob a autoridade do pai enquanto criança/adolescente (e na falta deste, o irmão mais velho) e mais tarde, na idade adulta sob o jugo do marido, a mulher via o seu destino passar muitas vezes alheio aos seus anseios e objetivos. Forçada a pautar sua existência nas relações (desiguais) de gênero, o homem representando o centro de tudo e ela o outro, o ser submisso. Seguir as regras e convenções era mais cômodo que transgredi-las. O ciclo se repetia- namoro, noivado, casamento, filhos, vista grossa para as “indiscrições” do marido, subserviência e cumprimento estrito das regras para preservar a sagrada instituição da família. As relações de parentesco são importantes no processo de construção do gênero mas não únicas pois “o gênero é construído através do parentesco mas não exclusivamente, ele é construído igualmente na economia e na organização política que pelo menos na nossa sociedade operam de maneira amplamente independente do parentesco, (SCOTT,1990 p.37). No entanto é necessário refletir acerca de algumas questões pertinentes a esta nova realidade: as conquistas obtidas graças ao movimento feminista abarcou a todas as mulheres? Quem é esta mulher que gradativamente foi inserida na sociedade e teve seus direitos assegurados? As mulheres negras também foram abarcadas pelos benefícios provenientes das lutas feministas? É possível identificar a beneficiária de todas estas conquistas - a mulher branca. E as negras, não tinham suas demandas específicas dentro das já citadas? De algum modo foram abarcadas por elas? A resposta é negativa, isto porque as mulheres negras sofriam duplamente com o racismo e sexismo, uma vez que 585

as demandas das mulheres brancas não eram as mesmas que as suas e as questões raciais estavam implícitas no interior do movimento de luta por direitos. No decorrer do século XX, houve uma progressiva escolarização da mulher . A mulher negra por seu turno, não teve as mesmas condições de acesso à escola pois, para complementar a renda familiar, necessitava ir desde cedo trabalhar e a escolarização ficava em segundo plano. A escolarização para a mulher negra tornava-se portanto uma quimera a qual ela não podia lançar-se sem comprometer sua renda familiar. Se porventura desejava frequentar a escola as condições materiais precárias impediam-na de ingressar no sistema formal de ensino. Qual a saída para atender a esta demanda por escolarização das mulheres negras de classes desfavorecidas? Como se escolarizar e continuar sendo, em muitos casos, chefe de família? Vale destacar que a alfabetização de jovens e adultos foi defendida e realizada de modo eficaz por intelectuais como Paulo Freire na década de 60 que inclusive, esteve a frente de experiências exitosas com a alfabetização de jovens e adultos, tornando-se uma referência nacional nesta modalidade de educação. O grande diferencial na proposta de Paulo Freire está no fato de que parte do princípio que a educação pode e deve ultrapassar a mera aquisição de conhecimentos para servir como instrumento de libertação, assumindo um papel crítico, reflexivo e libertador no processo da luta por direitos,na sua ótica não é possível lutar pelos direitos sem que sejam garantidos o direito à voz, à participação, à reinvenção do mundo, num regime que negue a liberdade de comer, de falar, de criticar, de ler, de discordar, de ir e vir, a liberdade de ser. (FREIRE, 1996, p.193) Nesta perspectiva a educação de fato permite o empoderamento do educando de modo global estando aí incluída a mulher de diversas etnias e também a mulher negra. À medida que possibilita que ela transforme sua realidade e assuma as rédeas da sua vida, não deixando que os determinismos sociais que historicamente a segregaram determinem o seu fazer e o seu pensar. Protagonizar mudanças e assegurar um lugar para si na sociedade não é tarefa das mais simples, e se o sujeito pertencer ao gênero feminino as coisas tendem a ser mais complexas. Para a mulher, romper com estereótipos cristalizados a seu respeito que perpassaram gerações se constitui em tarefa que exige esforço tenaz mas cujos efeitos só podem ser sentidos de forma gradativa. A educação, nesta perspectiva, permite transcender as limitações socialmente consolidadas que buscam reduzir o universo feminino à esfera doméstica e a mulher negra a condição de subalternidade e ignorância. Graças ao conhecimento gerado pela educação, mulheres negras que ocupavam historicamente lugares marginalizados da sociedade já podem vislumbrar um futuro mais promissor e requerer para si um melhor papel na sociedade. A EJA neste aspecto, tem sido um importante veículo condutor dessas mudanças a partir do momento em que abarcam estas mulheres e lhes dá a possibilidade de transformar sua realidade através da educação. Este empoderamento tem crescido e 586

produzido frutos que são as mulheres negras ocupando os mais distintos espaços de poder e demarcando o seu lugar nos diversos níveis sociais. O conhecimento produz efeitos libertadores pois, permite que o sujeito adquira consciência de sua realidade e o impele a ir em busca de suas possibilidades. As estudantes da EJA subvertem a ordem a partir do momento em que vislumbram outras alternativas de vida e saem da condição de sujeito passivo e ampliam seus horizontes e suas perspectivas de vida.

Referências CALIXTO,Thayanne Guilherme Calixto, FRANÇA,Marlene Helena de Oliveira Mulheres negras na Eja: Reflexões sobre gênero e empoderamento. In: XII CONAGE Colóquio Nacional: Representações de gênero e sexualidades. 2016, Paraíba. Anais Eletrônicos. Paraíba, UFPB. Disponível em http://www.editorarealize.com.br/revistas/conages/trabalhos/TRABALHO_EV053_MD 4_SA4_ID686_02052016225946.pdf. Acesso em Dezembro 2016. FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e terra, 1996 FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005, 42.ªed. FREIRE, Ana Maria Araújo. A voz da esposa: A trajetória de Paulo Freire. In: GADOTTI, Moacir. Paulo Freire: uma biobibliografia. São Paulo. Cortez: instituto Paulo Freire 1996, p.69-115. HALL, Stuart. A identidade na pós-modernidade. Trad. Tomaz Tadeu da Silva; Guacira Lopes Louro. 9ª ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2004 HOOKS, Bell, Não sou eu uma mulher? Plataforma Gueto, 2014 NIECONTHER, Rosane. A Eja em minha vida: Trajetórias de sociais de egressos/as da educação de jovens e adultos no município de Palhoça (SC).2012,90 f. Dissertação (Mestrado em Educação), Centro de Ciências Humanas e da Educação. Universidade do Estado de Santa Catarina. Santa Catarina. PRIORE,Mary Del. Histórias e conversas de mulher. São Paulo: Planeta do Brasil, 2013. SCOTT, Joan.Wallach, “Gênero: uma categoria útil de análise histórica”. Educação & Realidade. Porto Alegre, vol. 20, nº 2,jul./dez. 1990, pp. 71-99. Trad. Guacira Lopes Louro. SILVA, Tomás Tadeu da. Alienígenas na sala de aula.Petrópolis:Vozes,1995.

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HISTÓRIA INDÍGENA E ENSINO: UM DIÁLOGO A SER ESTREITADO (2008-2016) Edilene Pereira Vale Este trabalho trata da História indígena e o ensino nas escolas públicas de São Luís do Maranhão, entre os anos de 2008 a 2016. Para tanto, propõe-se a observar como o índio é representado nos livros didáticos utilizados nas principais escolas estaduais da cidade de São Luís, a partir de conceitos e sob quais condições as abordagens presentes nestes manuais lhes conferem um lugar histórico. O recorte temporal refere-se às edições dos livros analisados no trabalho, publicados após a regulamentação da lei 11.645/2008, que dá obrigatoriedade ao ensino da história dos povos indígenas no ensino básico. No currículo escolar de História a abordagem dada às populações indígenas geralmente é restrita basicamente à “Colonização da América pelos portugueses”, especificamente quando se trata do escambo com os portugueses, catequização e escravidão. Na maioria dos casos, não se dá ênfase aos movimentos de resistência protagonizados pelos índios, nem as alianças que faziam com os europeus, as atividades desenvolvidas por eles nos serviços públicos e particulares, sem falar nos aspectos da formação cultural. A história no âmbito acadêmico e escolar ainda precisa ser explorada, analisada e difundida. O silêncio e a falta de problematização sobre o tema nas escolas do Maranhão, promovida seja pela escassez de pesquisas ou mesmo pela ausência de uma formação continuada dos professores resultam num “permanente estado de desconhecimento, na manutenção de preconceitos, equívocos, desinformações, estereótipos e intolerância generalizadas em relação aos índios, inclusive entre os educadores” (SILVA, 2012, p. 5). Um novo olhar sobre o indígena é de suma importância para um ensino qualitativo, seja no meio acadêmico ou escolar, não só pela promoção de uma atualização acerca dos debates que norteiam o tema no âmbito dos estudos especializados, mas também porque potencializa os discentes da universidade e rede escolar a perceber o indígena como sujeito protagonista de sua História e da formação sociocultural e territorial do Brasil. Esses dois saberes, história acadêmica e história escolar, apesar de suas especificidades buscam promover uma visão de mundo crítica. Para tanto é preciso construir leituras sobre o mundo e sobre si capazes de favorecer o sentimento de identidade e, ao mesmo tempo, a capacidade crítica para reconhecer e lidar com as diferenças e situá-las no tempo (ROCHA, MAGALHÃES; GONTIJO, 2009, p. 16). Por muito tempo, na historiografia clássica, o indígena foi apresentado como sujeito de cultura “pura”, com características “originais” que, a partir do contato com o europeu, passou por um processo de assimilação cultural com a progressiva perda de seus costumes. Nessa história, os nativos foram apresentados como vítimas, passivos ou até mesmo irrelevantes no processo de colonização, sem quaisquer sinais de resistência. 588

Entretanto, a partir do final do século XX, essa visão historiográfica sofreu profundas mudanças. O indígena passou a ser visto como agente histórico, adquirindo uma participação ativa no processo de colonização. Essa nova interpretação se deu graças aos autores revisionistas da historiografia indígena. Refiro-me, especialmente, a John Monteiro (1994), Maria Regina Celestino de Almeida (2000) e Almir Diniz de Carvalho Júnior (2005). Ao invés de vítimas passivas de um processo de perdas culturais sucessivas que os conduzia inevitavelmente à extinção étnica e cultural, os índios inseridos no império colonial português e, mais tarde, no império brasileiro, podem ser vistos como agentes sociais ativos neste processo (ALMEIDA, 2017). Deste modo, a forma de olhar o indígena passou por profundas mudanças, graças ao interesse de alguns autores em investigar, revisionar, problematizar e elaborar uma nova história sobre a atuação histórica desses sujeitos. Se antes eram vistos como figurantes, agora são compreendidos como atores e agentes históricos. Todavia, cabe questionar se este conhecimento acadêmico chega ao ensino básico, seja nos materiais utilizados ou através dos professores. De fato, “o ensino seria melhor na medida em que mais semelhante, coerente e atualizado fosse em relação à produção científica contemporânea” (MONTEIRO , 2003, p. 10). Por muito tempo a história indígena não recebeu um grande destaque na sala de aula, porém nos últimos anos, graças à luta por mais espaços em todos os âmbitos da sociedade de vários grupos sociais e pela necessidade de estudar a contribuição de vários povos para nossa história, houve a precisão de se buscar formas para discutir e valorizar a história cultura dos mesmos. E um dos espaços elencados para ter esse maior conhecimento são as escolas. Com isso os currículos escolares tiveram algumas mudanças através, sobretudo, da Lei 11.645 de março de 2008, que tornou obrigatório a inclusão da história e cultura indígena. A referida lei: Altera a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, modificada pela Lei no 10.639, de 9 de janeiro de 2003, na qual estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena”. (BRASIL, 2008) Como consequência da criação da lei, estes conteúdos devem aparecer nos livros didáticos, visto que ainda é um dos instrumentos mais utilizados por professores e alunos nas escolas. “O livro didático continua sendo material didático referencial dos professores, pois pais e alunos, apesar do preço, consideram-no referencial básico para estudo” (BITTENCOURT, 2002, p.71). Nesse sentido, para investigar como esse assunto, a história e cultura dos povos indígenas, é passado nas escolas, será feita uma breve análise de três livros didáticos de história destinados ao 2º ano do ensino médio, cuja seleção baseou-se na escolha e utilização dos materiais pelas escolas estaduais de São Luís, são eles: Novo Olhar 589

História da editora FTD (2010), Conexões com a História da editora Moderna (2013) e Ser Protagonista da editora SM (2010). O primeiro livro Novo Olhar História trata dos índios no capítulo “Conquista e colonização portuguesa na América”, os nativos são citados somente em uma página durante a explicação sobre a exploração do pau-brasil através do escambo com os portugueses; nas relações entre europeus e índios; formas de resistência; e catequização dos índios. O livro Conexões com a História da editora Moderna, apesar de ser o mais recente dos três, é o que menos aborda a participação do índio na história do Brasil. São destinados somente pequenos espaços quando se trata do “Império colonial português”, vale ressaltar que são espaços separados e sem nenhuma ligação com o corpo do texto, há um texto extra e dois boxes. Dos três manuais didáticos, o que mais se destaca é o Ser Protagonista da Editora SM, nele é destinado um capítulo somente para falar dos povos indígenas do Brasil. Nesse capítulo é apresentada a grande diversidade de povos indígenas e as várias famílias linguísticas existentes no século XVI. Além disso, é abordado a família dos TupisGuarani e os vários aspectos da cultura indígena, como a espiritualidade, arte, adornos usados, utensílios do cotidiano, pintura corporal, entre outros. Portanto, é perceptível que dos três livros o que mais contempla a história indígena é o terceiro livro, tanto do ponto de vista dos textos, imagens e atividades que são apresentadas e também pelo maior espaço que é dado, pois os mesmos ainda aparecem quando se trata da colonização da América portuguesa, apresentando as suas relações com os colonizadores, principalmente as formas de resistência e as dificuldades encontradas na catequização. Em geral, a história dos povos indígenas aparece somente nos livros do segundo ano do ensino médio, que abordam a história do Brasil desde a colonização até o período imperial. E frequentemente os índios aparecem de forma breve somente no período colonial, após isso, não encontramos mais nada referente aos índios em outros momentos da nossa História. “O peso de conhecimentos que se tornaram obrigatórios por força da tradição escolar vem, dessa forma, anulando as possibilidades de inovação ao ensino de História” (ABUD, 2011, p 170), com isso, muitos temas vêm sendo deixados de lado, como é o caso da história indígena, o que dificulta uma renovação no ensino.

Referências ABUD, Katia Maria. A guardiã das tradições: a História e o seu código curricular. Educar em Revista, Curitiba, Brasil, n. 42, p. 163- 171, out./ dez. 2011: Editora UFPR. ALMEIDA, Maria Regina Celestino de. Disponível em: . Acesso em 15 de janeiro de 2017. 590

ALVES, Alexandre; OLIVEIRA, Letícia Fagundes de. Conexões com a História. São Paulo: Moderna, 2013. BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Livro didáticos entre textos e imagens. In: BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes (org.). O saber histórico na sala de aula. São Paulo: Contexto, 2002. BRASIL. Lei n. 11.645, de 3 de maio de 10 de março de 2008. CAPELLARI, Marcos Alexandre; NOGUEIRA, Fausto Henrique Gomes (orgs). Ser Protagonista. São Paulo: editora SM, 2010. DIAS, Adrian Machado; GRINBERG, Keila; PELLEGRINE, Marco Cesar. Novo Olhar História. São Paulo: FTD, 2010. MONTEIRO, Ana Maria F. C.. A história ensinada: algumas configurações do saber escolar. História & Ensino, Londrina, v.9, p. 37-62, out. 2003. ROCHA, Helenice; MAGALHÃES, Marcelo; GONTIJO, Rebeca. A Escrita da História Escolar: memória e historiografia. Rio de Janeiro: FGV, 2009. SILVA, Edson. Povos indígenas: história, cultura e o ensino a partir da Lei 11.645. Revista Historien UPE/Petrolina, v. 7, 2012. .

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A EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS NA ESCOLA: (RE)DISCUTINDO O USO DE CONCEITOS NO COTIDIANO DOS ESTUDANTES Eduardo Nunes da Silva Marcos Antônio Silva dos Santos Juliana Barbosa Sindeaux Janailson Macêdo Luiz Problematizações A escola se constituiu como um dos mais importantes ambientes de socialização a que temos contato em nossa formação sociocultural. Através das interações que possibilita por intermédio do que é proposto explicitamente em sua organização curricular ou durante a efetivação do chamado currículo oculto (SILVA, 2001), ela influencia diretamente as negociações travadas pelos sujeitos e pelos grupos no que concerne à formação de suas identidades pessoais e coletivas. Essas negociações identitárias em torno das fronteiras interétnicas (BARTH, 2000), no entanto, se estabelecem no cerne de uma estrutura social ainda marcada pela manutenção e reprodução do racismo; reprodução essa que ocorre mesmo em espaços caracterizados pela diversidade étnica de sua população, a exemplo das escolas situadas em bairros periféricos das cidades de médio e grande porte da Região Amazônica. Sobre esse tema, um estudo recente realizado junto a estudantes de escolas públicas do bairro do Guamá, periferia de Belém-PA, concluiu que: O preconceito racial basicamente ainda existe no cotidiano escolar, e sobrevive sob as rédeas de justificativas às quais os próprios estudantes apontaram: a chacota, os apelidos, o bullying, a violência simbólica, envoltos em uma atmosfera refletora de um espaço externo, que é a sociedade na qual vivemos e tentamos estabelecer relações de sociabilidades que reflitam nossa esperança de formar cidadãos menos preconceituosos e mais tolerantes (COELHO et al., 2015, p. 357). Partindo do contato com realidades – e esperanças – não muito distintas das apresentadas acima por Coelho et al., propusemos a realização de atividades junto a uma escolas pública que atende a alunos de bairros periféricos do município de MarabáPA. O artigo trata, nesse sentido, de experiências relacionadas a oficinas sobre a questão étnico-racial realizadas junto a estudantes das séries finais do Ensino Fundamental (2015) e do terceiro ano do Ensino Médio (2016) da Escola Municipal Pequeno Príncipe, situado no Bairro Nova Marabá, em Marabá-PA.

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As duas versões das oficinas estiveram centradas em conceitos como de Raça, Etnia, Racismo, Estereótipo, entre outros; discutidos com base nos conhecimentos prévios dos estudantes e no diálogo com as compreensões e realidades vivenciadas por eles nos espaços internos e externos à escola. Na segunda versão, foram ainda trabalhadas questões do Exame Nacional do Ensino Médio, pertinentes a temática, de modo a dialogar com as expectativas dos estudantes com relação ao tratamento do tema no “vestibular”, sem prejuízo para a busca de uma abordagem crítica sobre o tema abordado. As oficinas foram realizadas a partir de ações de extensão mais amplas desenvolvidas desde o final do ano de 2015 na referida escola, em especial junto as disciplinas História e Ensino Religioso, pelo Núcleo de Estudos, Pesquisa e Extensão em Relações ÉtnicoRaciais, Movimentos Sociais e Educação – N’UMBUNTU (PROEXT/MEC) e articuladas com o projeto Educação das relações Étnico-raciais: A História da África e a História e Cultura Afro-Brasileira em sala de aula, desenvolvido junto ao edital 2016 do Programa – PAPIM/UNIFESSPA.

Debatendo os conceitos em sala de aula Brandão (2006), apresenta que algumas questões são indispensáveis no trabalho em sala de aula, sobretudo no diz respeito à educação das relações étnico-raciais, que deve estar centrada na busca por uma educação escolar mais plural e que valorize a diversidade étnica e cultural do Brasil. Para esse autor, o professor deve ir além do senso comum, sempre problematizando as piadas ou comentários que surgirem durante a aula e não deve assumir uma postura intransigente, buscando, inversamente, saber ouvir os estudantes, fator importante para uma discussão saudável e que valorize a multiplicidade de opiniões, sem silenciar nenhum grupo ou sujeito. No mesmo sentido, a partir da leitura de autores/as como Gomes (2005) e Sant’ana (1999) compreendemos que aprofundar o debate em torno dos conceitos é de suma importância para melhor compreensão das relações étnico-raciais no Brasil. Para tanto, é imprescindível levar em consideração a origem, a pluralidade de significados e a historicidade de certas palavras. Com base em conceitos como Discriminação, Preconceito, Estereótipo, Racismo, Injúria racial e Raça, debatidos pelos autores acima citados, construímos durante as oficinas a discussão em torno dos saberes e história de vida dos estudantes, em sua boa parte afrodescendentes, centrando a discussão em casos de racismo ou outras formas de discriminação vivenciados por eles. Em cada oficina pudemos realizar ações dialógicas voltadas para as compressões apresentadas pelos estudantes em seu cotidiano. É mister pontuar que durante todo o ano foram realizadas outras atividades junto as turmas e a escola, também voltadas para a desconstrução sistemática dos estereótipos e construção de olhares positivos para a história e cultura afro-brasileira. Esse trabalho sistemático mostrou-se fundamental, dada a ampliação das possibilidades de diálogo com os saberes já debatidos em sala pelos estudantes. 593

É importante frisar que o objetivo das oficinas não era taxar os alunos ou sujeitos por eles aludidos como racistas ou realizar uma “caça às bruxas” em relação aos atos racistas narrados, mas possibilitar a compreensão de como o racismo se reproduz no cotidiano dos estudantes, muitas vezes veiculado através da reprodução acrítica de certas visões do senso comum. Foi buscado fomentar problematizações acerca da necessidade de criar outras práticas e representações (CHARTIER, 1988) que lhes possibilitassem quebrar os estereótipos e agir de modo consciente no seu dia-a-dia contra a reprodução do racismo e das mais variadas formas de discriminação. Os conceitos foram introduzidos como forma de contraposição ao Mito da Democracia racial, que apregoa a inexistência de situações conflitivas no que tange às relações raciais no Brasil. A princípio, perguntamos a compreensão tida pelos alunos acerca de cada conceito, possibilitando dialogar com suas visões de mundo e experiências. A partir dos exemplos apresentados por eles, buscamos chamar a atenção para a necessidade de desnaturalização de certas compreensões, como, por exemplo, as que fundamentam algumas expressões rememoradas durante o debate, a saber: “preto é feio”; “preto correndo é ladrão e parado é suspeito”. Buscamos apresentar como, através de preconceitos manifestados de forma sutil através de piadas e comentários, as crianças negras são levadas desde a infância a rejeitarem seu próprio corpo: alvo e principal motivo dos ataques. E as crianças brancas acabam sendo, no mesmo sentido, ensinadas a virem a si próprias como superiores, possibilitando a manutenção do status quo das hierarquias raciais, herança que ainda guardamos do período escravista. Por consequência, como pudemos constatar no diálogo junto aos estudantes, esses estereótipos contribuem para que os afrodescendentes passem muitas vezes a rejeitar a identidade negra e assumir uma outra identidade, mais próxima do padrão que elege como sujeito o homem branco, heterossexual e de classe média. A escola deve, portanto, construir espaços onde possam ser fomentados debates sobre como os estereótipos se reproduzem, levando em consideração as visões apresentadas pelos estudantes, de modo a poder de fato dialogar com as suas visões de mundo e possibilitar mudanças efetivas na realidade que eles vivenciam e ajudam a constituir.

Considerações finais Por fim, é importante ressaltar que o fazer pedagógico deve valorizar o conhecimento que cada aluno já traz consigo, reconhecendo deste modo as vivencias, traumas e memorias de cada um, se atendo aos momentos em que os alunos revivem suas memorias fortes ou traumáticas. O mesmo vale para opiniões divergentes das do professor. O cuidado para tratar com a situação sem que haja desrespeito é essencial, procurando saber buscar elementos que tornem possível a desmistificação de temas enraizados nos indivíduos e que surjam em aula sem causar atritos ou desconfortos.

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Referências bibliográficas BARTH, Fredrik. O guru, o iniciador e outras variações antropológicas. Tradução de John Cunha Comerford. Rio de Janeiro: Contra Capa Livraria, 2000. BRANDÃO, A. P. (Coord.). Saberes e fazeres: modos de sentir - Rio de Janeiro: Fundação Roberto Marinho, 2006. (A cor da cultura, V. 2). CHARTIER, Roger. A história cultural entre práticas e representações. Trad. de Maria Manuela Galhardo. Lisboa: Difusão Editora, 1988. GOMES, Nilma Lino. Alguns termos e conceitos presentes no debate sobre relações raciais no Brasil: uma breve discussão. In: BRASIL. Educação Anti-racista: caminhos abertos pela Lei federal nº 10.639/03. Brasília, MEC, Secretaria de educação continuada e alfabetização e diversidade, 2005. P. 39 - 62. SANT’ANA, A. O. de. História e conceitos básicos sobre o racismo e seus derivados. In: Superando o Racismo na escola. 2ª edição revisada / Kabengele Munanga, organizador. – [Brasília]: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade, 2005. 204p.: il. SILVA, Tomaz Tadeu. Documentos de identidade: uma introdução às teorias do currículo. 3. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2011. COELHO, Wilma Nazaré Baía et al. Sociabilidades adolescentes: cor e hierarquias no ambiente escolar – notas introdutórias. In: Educação, História e Relações Raciais: debates em perspectiva. São Paulo: Editora Livraria da Física, 2015. p. 345-362.

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CONSIDERAÇÕES AO ENSINO DE HISTÓRIA NAS ESCOLAS INDÍGENAS Fernando Roque Fernandes Problemáticas O ensino de História Indígena têm se destacado como problemática importante às reflexões de diferentes autores que analisam o desenvolvimento de metodologias educacionais que consideram a diversidade cultural de nossa sociedade. Os estudos recentes têm sido motivados por diferentes situações que dizem respeito aos processos educacionais relacionados à diversidade étnica. Historiadores, antropólogos e pedagogos têm refletido sobre metodologias de ensino que concorrem para a evidenciação da pluralidade étnica na sociedade a partir do ambiente escolar. O resultado dessas análises tem refletido em diferentes situações que incluem a criação de legislações como as leis 10.639 e 11.645 que operam na inclusão do tema diversidade. Se na educação escolar da comunidade envolvente observamos dificuldades na revisão do lugar dos povos indígenas na História, nas escolas indígenas tais questões operam em outra lógica. Cada vez mais, os sujeitos indígenas têm apresentado propostas diferenciadas ao ensino de História em suas aldeias. Torna-se, também, legítimo e útil evidenciar como esses processos vêm ocorrendo e qual o sentido das propostas diferenciadas dos sujeitos indígenas para a educação escolar.

O ensino de História Indígena nas escolas da comunidade envolvente Há um debate sempre atual sobre a inclusão da temática da história indígena nos currículos escolares. Muito se tem debatido sobre a aplicação da lei Nº 11.645 e demais indicações presentes nos Parâmetros Curriculares. Aracy Lopes já apontava, na década de 1980, para a necessidade de se desenvolver uma proposta que melhor considerasse a representação dos povos indígenas nos livros didáticos (Silva, 1987). Frei Betto argumentava que “quase toda a historiografia oficial, da qual os livros didáticos são meros resumos de divulgação, é a história contada pela ótica do branco opressor [...] se os índios tivessem escrito livros de história, saberíamos o que aconteceu pela ótica do oprimido” (Betto, 1987). Críticas e propostas surgiram em larga escala e muito se refletiu sobre metodologias e narrativas históricas que relegassem um lugar melhor aos povos indígenas na narrativa escolar. Um ponto que deve ser observado com atenção é que os povos indígenas sempre estiveram presentes na História Oficial e apareceram juntamente com negros e brancos nos livros didáticos. Portanto, os índios nunca estiveram ausentes das narrativas veiculadas em sala de aula. O problema evidente está na forma como esses índios foram e ainda são representados nesses livros. Luis Donizete Benzi Grupioni observou que tais representações perpetuam concepções equivocadas sobre o papel das sociedades 596

indígenas na História do Brasil (Grupioni, 2012). Apesar de todos os esforços e críticas lançadas, discursos e práticas continuam a produzir uma visão pejorativa sobre as populações indígenas. Historiadores, antropólogos e pedagogos, identificaram representações preconceituosas que refletem a clara desinformação de muitos autores acerca da temática indígena. Dentre essas visões, destacou, pelo menos oito, a saber:

1. Índios e negros são quase sempre enfocados no passado e de forma secundária: o índio aparece em função do colonizador; 2. A história é estanque, marcada por eventos significativos de uma historiografia basicamente europeia; 3. Os livros didáticos ignoram o processo histórico que teve curso no continente; 4. Os povos indígenas são apresentados pela negação de traços culturais significativos (falta de escrita, falta de governo; falta de tecnologia para lidar com metais etc.); 5. Omissão, redução e simplificação do papel indígena na história; 6. Operam com a noção de índio genérico, ignorando a diversidade que sempre existiu entre esses povos; 7. Generalizam traços culturais próprios de um povo para todos os povos indígenas; 8. Trabalham com a dicotomia índios puros, vivendo na Amazônia versus índios já contaminados pela civilização, onde a aculturação é um caminho sem volta (Grupioni, 2012).

A partir destas considerações, podemos inferir que os livros didáticos disponibilizados às escolas não indígenas ainda precisam passar por importantes reformulações em seus conteúdos. Uma necessidade urgente é a atualização desses livros com pesquisas recentes que tratam do que John Manoel Monteiro denominou de Novo Indigenismo (Monteiro, 1995). Uma revisão sobre tais representações é importante porque o processo de transformação da forma pela qual a sociedade envolvente lida e representa os povos indígenas passa, necessariamente, pelo processo educacional que veicula suas representações. Lidar com a temática da diversidade é essencial ao desenvolvimento de uma sociedade consciente de seu processo histórico.

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O ensino de História nas escolas das comunidades indígenas De acordo com Bittencourt (1994), apresentar o problema do ensino de História nas escolas indígenas é um desafio de grandes proporções. Nestas, as metodologias de ensino devem operar em outros termos, fundamentalmente em termos indígenas. É importante observar que, nos últimos anos, as escolas indígenas têm se beneficiado de recursos humanos de origem indígena. Os movimentos de professores indígenas espalhados por todo o país têm dado saltos significativos na luta por uma educação diferenciada que considere as especificidades de cada povo (Grupioni, 2008). No entanto, ainda há escolas em que o ensino é feito por professores não indígenas alocados para desempenhar tal função nas escolas indígenas. Infelizmente, muitos não estão preparados para lidar com as especificidades dessas populações indígenas e acabam por reproduzir a versão histórica veiculada nos livros didáticos das escolas não indígenas (Melo & Melo, 2016). Assim, surge-nos uma questão: como amenizar tal problema? A instituição escolar têm sido apropriada pelos sujeitos indígenas como uma estratégia importante na ampliação das formas de comunicação desses povos com a comunidade envolvente. A escola indígena atua, também, como possibilidade de valorização do universo cultural e político dos povos indígenas, servindo como ferramenta importante nos processos de protagonismo e resistência. A princípio, deve-se considerar que as propostas educacionais para essas escolas, devem evidenciar as diferenças culturais e históricas de cada povo. Nesse sentido, a base inicial de um diálogo deve ocorrer a partir de uma troca de conhecimentos mútuos. As metodologias pedagógicas da comunidade envolvente são importantes ao desenvolvimento do processo de ensino/aprendizagem. No entanto, os conhecimentos a serem apresentados nessas escolas devem ter significado para os sujeitos indígenas. Se a educação escolar têm a finalidade de fortalecer e valorizar os aspectos identitários dessas populações, os conteúdos educacionais devem operar no sentido de possibilitar a manutenção social, cultural e étnica desses povos. Bittencourt (1994) observou que os Professores Indígenas da etnia Krahô, ao questionarem sobre o ensino de História nas escolas indígenas, afirmaram que “a escola deve ensinar a historia dos brancos para que a aldeia possa estar mais informada sobre o mundo da cidade e possa estabelecer trocas em todos os níveis, em uma situação de maior igualdade”. Os mesmos professores salientaram a importância de temas como história da escrita, história do dinheiro, história das doenças etc. A finalidade de tais temas seria, em certo sentido, conhecer a história da comunidade envolvente relativa a problemas vivenciados pelo grupo e como possibilidade de aprofundar o conhecimento sobre a comunidade envolvente. Já os Munduruku, estabelecidos no Pará, observaram que seria importante que se incluísse a história dos diferentes grupos indígenas nos currículos escolares, assim como a possibilidade de os próprios índios escreverem sua história se utilizando de documentos feitos pela comunidade envolvente. A proposta seria “destacar as representações do mundo civilizado sobre eles, mas ainda utilizar, como fonte básica para esta reconstrução, os seus mitos”. Assim, poderiam construir uma narrativa histórica (com a utilização de fontes não indígenas) que pudesse ser capaz de levá-los ao conhecimento de suas origens e das transformações sofridas por esse povo a partir do contato com os europeus. 598

Parece-nos importante observar que a construção de propostas de ensino de História Indígenas nessas escolas devem considerar, pelo menos, quatro aspectos, a saber: 1. a história local do grupo; 2. a história do conjunto dos grupos indígenas; 3. a história da comunidade envolvente; 4. a história do contato e das relações desenvolvidas entre índios e brancos, sejam elas pacíficas ou conflituosas. Aliados ao fundamento básico de constituição dos currículos escolares indígenas a partir do diálogo entre os professores indígenas e não indígenas, e considerando as noções de tempo, espaço, identidade e diferença, esses aspectos têm grandes chances de alcançar pontos positivos (Bittencourt, 1994). Cabe a observação de que longe de simplificar o ensino de História nas escolas indígenas, o que queremos demonstrar, ao contrário, é o grande desafio de desenvolver tais conteúdos em ambientes plurais. Outra observação importante é que, nos últimos anos, muito material tem sido produzido por sujeitos indígenas. Até agora, reflexões sobre o significado dessas produções têm sido parcamente debatidas. O reconhecimento daquilo que podemos denominar de uma “versão indígena da história indígena” resulta dessas produções. Para tanto, é fundamental que se reconheça que as produções indígenas são legítimas demonstrações do protagonismo desses povos e que, atualmente, o número de produções científicas e de publicações tem crescido substancialmente. Etnias indígenas de diferentes estados do país têm desenvolvido livros didáticos e paradidáticos no sentido de atender as demandas das escolas indígenas com material que lhes possibilite trabalhar os conhecimentos científicos baseando-se em suas próprias versões do que seja a história indígena. Tais produções representam as iniciativas indígenas no sentido de tomar o controle sobre o que se tem produzido sobre seus processos históricos. Verifica-se, nesse sentido, que os povos indígenas estão cada vez mais inclinados a rejeitar narrativas que pouco ou em nada se relacionam com suas trajetórias históricas. Mas, sobre os livros didáticos indígenas e o ensino de História, ficará para uma próxima ocasião...

Referências Bibliográficas BETTO, F. Tanta mentira que parece verdade. In: A. L. Silva, A questão indígena na sala de aula (pp. 7-10). São Paulo: Brasiliense, 1987. BITTENCOURT, C. M. O ensino de História para populações indígenas. In: I. N. INEP, Em aberto - Educação Escolar Indígena (pp. 105-116). Brasília/DF: MEC, 1994. GRUPIONI, L. D.. Olhar longe, porque o futuro é longe: Cultura, escola e professores indígenas no Brasil. São Paulo/SP: Universidade de São Paulo, 2008. GRUPIONI, L. D.. Estudos para a regulamentação da Lei 11.645. Brasília: Conselho Nacional de Educação, 2012. MELO, D. S., & Melo, E. S.. Formação Continuada para Professores não indígenas para uma educação escolar intercultural em escolas indígenas. Belém/PA, 2016. 599

MONTEIRO, J. M.. O desafio da História Indígena no Brasil. In: A. L. Silva, & L. B. Grupioni, A temática Indígena na escola (pp. 221-228). Brasília: Unesco, 1995. SILVA, A. L.. A questão indígena na sala de aula. São Paulo: Brasiliense, 1987.

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A DOMINAÇÃO APRENDIDA EM BOURDIEU Gabriela Soares Balestero Bourdieu defende a ideia de que o homem aprende a lógica da dominação masculina e a mulher absorve essa relação inconscientemente. A repetição então é entendida como inerente ao ser humano. Aprendemos através de exemplos. Assim, muitas vezes, nós repetimos sem perceber. Nesse sentido, a sociedade, naturalizando comportamentos, legitima essa concepção através das repetições. Bourdieu define o poder simbólico como este poder invisível no qual só pode ser exercido com a cumplicidade daqueles que não querem saber que lhe estão sujeitos ou mesmo que o exercem. (Bourdieu 1989: 6-16). Nessa linha, a violência simbólica, segundo o autor se traduz como uma violência suave, insensível pelas vias puramente simbólicas da comunicação e do conhecimento ou reconhecimento. (Bourdieu 2003) Segundo o autor, na lógica da dominação o dominado reconhece o poder exercido pelo dominante. As instituições tais como Estado, família e escola colaboram como agentes de perpetuação dessa relação de dominação, pois elaboram e impõe princípios de dominação que são exercidos no campo mais fértil que pode haver em uma sociedade: a vida privada. Essas instituições determinam comportamentos, impõe regras, valores que são absorvidos pelas instituições familiares, de forma que através da comunicação é aprendido instintivamente por meio de esquemas inconscientes da ordem masculina. A dominação masculina é munida de todos os instrumentos necessários para seu funcionamento. O termo simbólico, no caso da dominação masculina, procura demonstrar que esta é tanto ofensiva e perigosa quanto a violência física, pois é tão forte que não necessita de justificação ou coação, ela já se encontra inserida como uma predisposição natural do indivíduo. O poder simbólico é construído, por isso não existe culpabilização da vítima, já que devido a essa construção estrutural a mulher acaba se comportando de forma que ratifica sua submissão, ainda que seja não intencional a partir de concepções aprendidas do que é amável, admirável, ela se sensibiliza com essas manifestações e procura se enquadrar nesse perfil. (Bourdieu 2003) Se houve um trabalho de historicização de eternizar conceitos, para sair desse elemento opressor, seria necessário um trabalho de reconstrução da história ou a recriação da história e das estruturas que mantém a dominação masculina. O Estado a igreja e a escola foram e são as instituições mais importantes responsáveis pela construção dos papéis desempenhados pelos gêneros. A família é o berço da representação da dominação masculina, onde se inicia a primeira noção de divisão de tarefas baseadas no gênero. A igreja, sendo historicamente antifeminista perpetua através de séculos a noção moralista patriarcal de inferioridade feminina, condenando qualquer tipo de prática considerada subversiva aos costumes, como roupas ou determinados comportamentos. (Bourdieu 2003) Assim, a escola contribuiu transmitindo ideias arcaicas de modelos pré-concebidos tipicamente masculinos e femininos, de profissões e comportamentos. O Estado adquire uma figura paternalista em alguns países, onde faz da família patriarcal o 601

núcleo duro da sociedade, atribuindo excesso de importância ao homem em detrimento da mulher. Há fatores que podem contribuir para uma mudança e questionamento da dominação masculina, são os fatores de mudança descritos pelo autor. O movimento feminista contribuiu em algumas áreas para desmistificação de certos comportamentos, rompendo-os. Podemos citar a área que abrange o acesso da mulher ao mercado de trabalho e seu papel, houve nesse sentido distanciamento das tarefas domésticas. O mais importante está relacionado ao âmbito escolar, onde o acesso feminino garantiu mais independência feminina econômica no seio familiar, além de contribuir para mudar a estrutura familiar, aumentando o número de divórcios. (Bourdieu 2003) O aumento da escolaridade e o acesso feminino as profissões intelectuais e nos meios de difusão de vendas de serviços simbólicos merecem destaque, pois são posições que anteriormente não eram ocupadas por mulheres. Infelizmente isso não significa que as posições ocupadas sejam posições de destaque, pois embora as condições tenham melhorado contribuindo para maior ascensão e independência da mulher, os postos onde se detém muito poder está quase que exclusivamente restrito aos homens, salvo raras exceções. (Bourdieu 2003). Assim, a violência de gênero se expressa e se reproduz culturalmente através de comportamentos irrefletidos, aprendidos histórica e socialmente. Em resumo, Bourdieu defende a ideia de que a dominação masculina é aprendida pelo homem e absorvida pela mulher inconscientemente e como tal podemos concluir e entender que a violência é um problema social e como tal deve ser atacado não somente nos resultados.

Bibliografia BEAUVOIR, Simone de. O segundo sexo. 2. A experiência vivida. Trad. de Sérgio Milliet. 1.ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2009. BOURDIEU, Pierre. A dominação masculina. Trad. de Maria Helena Kühner. 2.ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002. BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Coleção Memória e sociedade. Trad. Fernando Tomaz. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1989. BUONICORE, Augusto César. Engels e as origens da opressão da mulher. Revista Espaço Acadêmico. Março. n. 70. Março. Ano IV, 2007. Disponível em: . Acesso em: 22 out. 2014. CUNHA, Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo Batista. Violência Doméstica: Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006) comentada artigo por artigo. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. ENGELS, Friedrich. A origem da família, da propriedade privada e do Estado. Trad. Ruth M. Klaus. 2.ed. São Paulo: Centauro, 2004. 602

BONACCHI, Gabriella. (Org.) O Dilema da cidadania. Direitos e deveres das mulheres. São Paulo: Unesp, 1995. HASSAN, Rasha Mohammad. Clouds in Egypt’s Sky. Sexual Harassment: from verbal Harassment to Rape. (A Sociological Study). The Egyptian Center for Women’s Rights. 2010. Disponível em: < http://egypt.unfpa. org/Images/Publication/2010_03/6eeeb05a3040-42d2-9e1c-2bd2e1ac- 8cac.pdf>. Acesso em 10 de out. de 2014. MARX, Karl. Manuscritos econômico-filosóficos. Trad. Alex Marins. São Paulo: Martin Claret, 2001. MATOS, Marlise; CORTÊS, Iáris Ramalho. Mais Mulheres no Poder: Contribuição à Formação Política das Mulheres. Brasília: Presidência da República, Secretaria de Políticas para as Mulheres, 2010. PAUTASSI, Laura C. Há igualdade na desigualdade? Abrangência e limites das ações afirmativas. Revista Internacional de Direitos Humanos, ano 4, n. 6, 2007. PIOVESAN, Flávia. Temas de Direitos Humanos. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

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AS DIFICULDADES EM TRABALHAR A EDUCAÇÃO ÉTNICO-RACIAL NO AMBIENTE ESCOLAR Geanice Pinheiro dos Santos Terlen Lana Vasconcelos de Sena Wilverson Rodrigo Silva de Melo Introdução Em um país onde as leis nem sempre são cumpridas faz-se necessário uma breve análise bibliográfica sobre como é trabalhada a questão da discriminação e preconceito racial no contexto escolar. O objetivo do presente estudo é perceber os obstáculos encontrados pelas instituições de ensino na execução da Lei nº 10.639/2003, e como essa lei após treze anos de sua implantação, ainda se encontra pouco conhecida e divulgada nos ambientes escolares, em seguida faremos um esbouço sobre as consequências e efeitos causados pela discriminação racial e o mal que isso acarreta na vida da criança discriminada, como o professor pode interferir e intervir nos casos de discriminação e preconceito racial. A metodologia adotada neste estudo foi um levantamento bibliográfico, com leituras de livros e artigos, fichamentos de textos que abordam o assunto em destaque, com intuito de melhor analisarmos as dificuldades que o docente enfrenta em trabalhar a discriminação racial e o preconceito no cotidiano das escolas. Portanto, este trabalho pretende refletir sobre os possíveis motivos que inviabilizam o processo de implementação da Lei n.º 10.639/03 e suas Diretrizes Curriculares e ainda mostrar que, apesar de existirem dificuldades na execução da Lei, há também sutis avanços no sentido de haver uma visão mais sensível para a diversidade de etnias raciais encontradas no ambiente escolar.

Reflexões acerca da educação étnico-racial e suas consequências O olhar atento quanto a questão de discussões sobre a temática da diversidade étnicoracial nas escolas e quanto a sua prática no dia a dia em sala de aula, ainda é pouco percebido, e os agentes envolvidos no processo ensino-aprendizagem enfrentam certos empecilhos em contribuir para o alcance dos objetivos da referida discussão. No que concerne aos efeitos da discriminação e preconceito racial no ambiente escolar, são muitas sequelas deixadas por esse ato, a criança que sofre esse tipo de violência se sente desvalorizada, humilhada e em uma posição de inferioridade, isso pode acarretar diversos transtornos em sua vida escolar, social e na própria família. Tais consequências 604

deixam a criança em desvantagens em seu desenvolvimento cognitivo, dificulta o aprendizado e sua relação com os demais colegas “ditos” brancos. Apesar da grande parcela da população ser de origem negra, cuja eficácia não se pode negar no contexto histórico de nosso país, não é raro encontrarmos cada vez mais pessoa de cor sendo vítimas do preconceito racial, além das agressões, usam frases que ridicularizam os negros conhecidas por ditos populares. Entre as diversas piadas que circulam em nosso meio, pode-se dizer que a grande maioria recupera determinados valores em torno do negro que envolve os seguintes aspectos: submissão, sujeira, limitação intelectual, feiúra, animal, inútil, safado, mal, entre outros. As frases como “negão” e piadas de “preto”, fazem parte do nosso cotidiano e são vistas como algo “comum” nas expressões do coletivo brasileiro, são elas: “Só pode ser negro”, “negro de alma branca”, “negro é a sujeira do mundo”. (NASCIMENTO, 2010, p. 4). Esse ato de preconceito e discriminação nem sempre se encontra explícito na escola, ou seja, ele pode estar camuflado em palavras carinhosas, mas que exprimem um sentimento de inferioridade em relação ao outro, coloca o “branco" em uma situação de superioridade. Por ser a fase onde a criança está em processo de busca e descoberta de sua identidade, muitas vezes ela nega sua própria origem, para que seja aceita e colocada em igualdade em relação aos demais colegas. Neste sentido, cabe ao professor ter um olhar mais sensível e ser conhecedor da história e das lutas dos negros, para com isso perceber não só as diferenças étnico-raciais existentes na escola, mas também como lidar e como transmitir esses valores às crianças, pois é conhecendo as diferenças que se aprende a respeitar o outro com suas peculiaridades. Segundo Gomes (2012, p. 29): Isso requer mudança nos discursos, nos raciocínios, nas lógicas, nos gestos, nas posturas, no modo de tratar as pessoas negras. Requer também que se conheça a sua história e sua cultura apresentadas, explicadas, buscando-se especificamente desconstruir o mito da democracia racial na sociedade brasileira. Portanto, é importante que os professores capacitados trabalharem essa situação desnaturalizando o discurso preconceituoso enraizado em nossas mentes e promover o respeito à diversidade étnico-racial e cultural da sociedade brasileira. Porém, a escola não está devidamente preparada para atender ao que é posto na legislação, apesar de o ambiente escolar ser o responsável pela construção do conhecimento sistematizado, pela socialização dos estudantes, talvez a implementação da Lei 10.639/03 seja de certa forma prejudicada, pois a escola, nesse contexto, faz vistas grossas às ocorrências de atitudes racistas. Sendo a maior parte da população brasileira composta por negros, os quais na maioria das vezes sofrem discriminação racial, por serem de “cor”, e por terem poucas 605

oportunidades, acabam sendo vítimas de atitudes discriminatórias e consequentemente sua capacidade é levada à inferiorização. Do mesmo modo acontece na escola, a criança recebe um apelido “carinhoso”, mas esta muitas vezes está sofrendo uma prática racista. Diversos estudos comprovam que, no ambiente escolar, tanto em escolas públicas quanto em particulares, a temática racial tende a parecer como um elemento para a inferiorização daquele/a aluno/a identificado/a como negro/a. Codinomes pejorativos, algumas vezes escamoteados de carinhosos ou jocosos, que identificam alunos(as) negros(as), sinalizam que, também na vida escolar, as crianças negras estão ainda sob o jugo de práticas racistas e discriminatórias. (CAVALLEIRO, 2006, p. 22)

Implementação da lei 10.639/2003 Muito se fala em leis, porém pouco se cumpri ou se executa na íntegra, às vezes pelas dificuldades de aplicação e as diferentes percepções, acabam prejudicando o seu cumprimento. Não seria diferente com a Lei nº 10.639/2003, que obriga às instituições de ensino de todos os níveis à implementarem nas Diretrizes Curriculares Nacionais a Educação das Relações Étnico-Raciais e o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. Atualmente observa-se o que antes era invisível pela falta de informação ou de conhecimento, hoje apesar de ainda ser tratada com menos ênfase, está sendo mais divulgada e trabalhada, em busca de promover o respeito e a igualdade entre todas as etnias raciais e/ou classes sociais, pois o objetivo principal do Plano Nacional é garantir esses direitos: O presente Plano Nacional tem como objetivo central colaborar para que todos os sistemas de ensino cumpram as determinações legais com vistas a enfrentar as diferentes formas de preconceito racial, racismo e discriminação racial para garantir o direito de aprender a equidade educacional a fim de promover uma sociedade justa e solidária. (SECADI, 2013, p. 19) No entanto, para Gomes (2012, p. 24), Todos esses dispositivos legais entram em confronto direto com o imaginário e as práticas de racismo e com o mito da democracia racial extremamente arraigados no bojo do processo de escolarização e no imaginário de profissionais da educação em todos os níveis da educação brasileira. Porém, não podemos deixar de observar os avanços e melhorias que a Lei 10.639/2003 trouxe para o interior das escolas e na sociedade em geral. O que antes era totalmente despercebido, hoje já se pode notar projetos que destacam essa temática, mesmo que ocorram esporadicamente e somente em datas específicas como, por exemplo, o dia 20 de novembro, onde se comemora “o dia da consciência negra”. 606

Nesse contexto, torna-se muito oportuna a inclusão da temática no Projeto Político Pedagógico das escolas, visto que a ação para a elaboração do projeto é realizada através de construção coletiva o que viabilizaria para a implementação da Lei 10.639/03, pois esta estaria mais próxima da realidade, podendo ser inserida no cotidiano escolar. De acordo com Gomes (2012, p. 27): Refere-se à capacidade de o trabalho desenvolvido na escola na perspectiva da Lei n.º 10.639/03 e das suas Diretrizes Curriculares Nacionais se tornar parte do cotidiano escolar, ou seja, da organização, da estrutura, do Projeto Político-Pedagógico, dos projetos interdisciplinares, da formação continuada e em serviço dos profissionais, independentemente da atuação específica de um(a) professor(a) ou de algum membro da gestão e coordenação pedagógica. Trata-se de a educação das relações étnico-raciais se tornar um dos eixos norteadores da proposta político-pedagógica desenvolvida pelo coletivo dos profissionais da educação que atuam na instituição escolar.

Considerações finais Após verificação dos dados observados, chegou-se ao entendimento de que é extremamente necessário que haja um esforço coletivo para que leis como a 10.639/03 surta o efeito objetivado com sua implantação. É importante salientar que a responsabilidade na execução da lei, precisa ter uma participação não somente do poder público, mas também devem unir forças a estes, as instituições de ensino, as entidades não governamentais, comunidade escolar e a família. Portanto, a escola como um elo de ligação entre as instâncias governamentais e a comunidade a qual está inserida, deve propiciar essa aproximação e o envolvimento, através de palestras, oficinas, discussões para que todos tanto os funcionários da própria escola quanto a família atentem para a questão da discriminação e preconceito presentes no cotidiano escolar e valorizem a importância que se reveste a Educação Étnica-Racial e a Cultura Afro-Brasileira e Africana.

Referências . Acesso em: 26 dez. 2016. . Acesso em: 21 dez. 2016. CAVALLEIRO, Eliane. Valores Civilizatórios dimensões históricas para uma educação anti-racista. In: Ministério da Educação / Secretaria da Educação Continuada, 607

Alfabetização e Diversidade. Orientações e Ações para Educação das Relações Étnico Raciais. Brasília: SECAD, 2006. 262 pg. Ministério da Educação, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão. / Plano Nacional de Implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. Brasília: MEC, SECADI, 2013. p. 104. Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (SECADI), Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO). Práticas pedagógicas de trabalho com relações étnico-raciais na escola na perspectiva da Lei nº 10.639/03 / Nilma Lino Gomes (org.). 1. ed. -- Brasília : MEC ; Unesco, 2012. 421 p.

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ENSINO DE HISTÓRIA AFRO-BRASILEIRA: TEORIA E PRÁTICA NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS Giovana Maria Carvalho Martins A experiência e discussões aqui relatadas são resultados do Estágio Curricular Supervisionado realizado no curso de História da Universidade Estadual de Londrina (UEL) em 2016, com a orientação da Prof. Dra. Ana Heloísa Molina. Este estágio foi realizado com uma turma de Educação de Jovens e Alunos (EJA) no Colégio Estadual José de Anchieta, em Londrina-Paraná. A temática foi o ensino de História da África e afro-brasileira, e nosso grupo optou por abordar a história dos quilombos e sua presença em território paranaense hoje. Para a realização do trabalho, foi necessária a reflexão de textos relacionados ao ensino de História e à temática. Pensamos a modalidade de ensino em que realizamos nossas atividades, a EJA, que caracterizou-se, tanto no passado quanto no presente, como um denso campo de práticas e reflexões (REIS, 2009). Ela é destinada para aqueles “[...] que não tiveram oportunidades educacionais em idade que lhes era de direito ou que as tiveram de forma insuficiente”. Porém, Sônia Reis (2009, p. 124) salienta que a EJA no Brasil passou por uma série de percalços e que ela é “muito mais produto de esforço e mobilização individual do que de iniciativa do sistema educacional”, já que este coloca uma série de barreiras, desde as condições limitadas de acesso à escola até o espaço físico inadequado, bem como currículos, métodos e materiais de ensino problemáticos. Pensamos também alguns aspectos do ofício do professor e a importância dos estágios durante a graduação, entendendo que são indispensáveis e enriquecem a formação docente. O estágio na EJA teve o diferencial de proporcionar o contato com uma realidade de ensino diferente, levando em consideração que a turma era composta por jovens de até 25 anos, mas a referência para as atividades era o ensino fundamental. Foi uma experiência enriquecedora na medida em que foi distinta, já que a EJA raramente figura entre as possibilidades de estágio docente em História na UEL. Cabe pontuar que o ambiente da sala de aula permanece o mesmo, com dinâmicas e cotidiano próprios aos quais o professor deve se adaptar para um bom andamento da aula em todas as modalidades de ensino. Em nossa experiência, foi necessário adequar a linguagem das atividades para que fossem acessíveis, bem como moldá-las para o número reduzido de sete estudantes na turma, o que impossibilitava o desenvolvimento de determinadas propostas – mas favorecia outras, pois foram bastante participativos. Foram necessárias aulas que se relacionassem com a vida dos alunos para que estes se interessassem e levassem experiências positivas de nossa docência. Então, abrimos espaço para expressarem opiniões e relatos pessoais, o que enriqueceu as aulas. Outro aspecto considerado foi o cotidiano da sala de aula. O autor José Rodrigues (2002) aponta que “a sala de aula, como espaço social, representa um campo plural e 609

permanente de construção de saberes a partir de interações e representações que constituem as estruturas de produção de saberes” (RODRIGUES, 2002, p. 01). Isto se dá pois, apesar de o cotidiano escolar estar limitado pelas normas institucionais e sociais, sua principal característica é a espontaneidade. Assim, a história dos sujeitos, as características geográficas do local onde moram e onde está a escola têm reflexos nas condições sócio-econômicas, em seus modos de ser e agir, e nas percepções sobre escola, trabalho e vida tanto de professores quanto de alunos (RODRIGUES, 2002). Considerando estas reflexões, desenvolvemos a temática escolhida buscando mostrar aos alunos a importância da memória e também a multiperspectividade da História. Pensamos, então, na presença de escravos no Paraná, menor do que em locais. Em parte, isto ocorreu porque o estado não fazia parte do eixo das economias agro-exportadoras ou extrativistas de grande porte (SILVA, 2008). Mas isto não quer dizer que foi insignificante, e a quantidade de quilombos remanescentes mostra como esta presença é expressiva. O autor Angelo Priori (2012, p. 48) coloca que a forma mais comum de resistência à escravidão eram fugas. Os escravos se escondiam em locais de difícil acesso, desenvolvendo comunidades e praticando agricultura, artesanato, comércio. Tais locais receberam nomes como “mocambo” e “quilombo”, palavras africanas que significam lugar de pouso ou acampamento, e eram locais de resgate e afirmação da identidade étnica e cultural, em que os quilombolas podiam praticar suas religiões e manter sua cultura. Atualmente, os quilombos permanecem como comunidades pequenas com economia de subsistência baseada no cooperativismo, e as produções incluem mandioca, cana-de-açúcar, arroz, feijão, milho, frutas e legumes. Há ainda a criação de animais, como porcos, galinhas, patos, gado, cavalos (cf. PRIORI et al, 2012, pp. 5455). Petrônio Domingues e Flávio Gomes (2013, p. 06) colocam que a temática quilombola envolve debates, e desde as últimas décadas do século XX, as questões da reforma agrária se articulam com as questões raciais. Atualmente, diversas comunidades quilombolas lutam por territórios, e os conflitos existem graças à falta de documentação que comprove a posse de terra (PRIORI, 2012, p. 56). Muitas estão localizadas em áreas de produção agropecuária, outras têm seu território cobiçado por cooperativas. De acordo com a Fundação Cultural Palmares (Ministério da Cultura), existem, no Brasil, 3.524 dessas comunidades. Esta disputa de terras ocorreu no quilombo Paiol de Telha, em Guarapuava (Paraná). Foi o primeiro território quilombola reconhecido pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária no Paraná. Nos anos 1970, 300 famílias foram expulsas por imigrantes alemães, fundadores da Cooperativa Agrária Agroindustrial Entre Rios, grande produtora de grãos. Estas famílias eram quilombolas que habitavam a região desde 1860 quando a proprietária da terra a deixou como herança para 11 de seus trabalhadores libertos. O processo de titulação do território foi aberto em 2005, reconhecido como quilombola em 2014, após décadas de disputas judiciais e de muitas famílias vivendo em situação precária (cf. Terra de Direitos, 2014). A autora Lúcia Silva (2008) salienta que a vida dos escravos após sua libertação, especialmente no Paraná, é pouco retratada nos documentos. Desta maneira, 610

apresentamos aos alunos uma forma de estudar História que pode contribuir para pesquisar esta população: a História Oral. Trata-se de “uma metodologia de pesquisa que consiste em realizar entrevistas gravadas com pessoas que podem testemunhar sobre acontecimentos, conjunturas, instituições, modos de vida ou outros aspectos da história contemporânea” (CPDOC, 2015). Através da História Oral, é possível verificar quais as memórias preservadas pelos quilombolas, bem como costumes e culturas. Para isto, utilizamos como fonte a entrevista com João Paulino, lavrador neto de ex-escravos que conta sua história e sua relação com a escravidão no Brasil. João Paulino mora em Desterro do Melo, Minas Gerais, e seu avô, que não conheceu, foi trazido da África no século XIX e escravizado nas terras da região. Seu pai contava histórias sobre a vida na senzala e os castigos sofridos pelos escravos, dizendo que Paulino nasceu livre graças a “uma senhora bondosa chamada princesa Isabel”, e, desde 2012, ele viaja todo 13 de maio a Petrópolis, levando rosas ao túmulo da princesa. Paulino também escreve poemas dedicados a ela (BRANDALISE, 2015). A partir da história de Paulino, levantamos discussões variadas e ricas com os alunos, como a importância da História Oral para o estudo e pesquisa em História, especialmente quando considerada a ausência de documentos em muitas circunstâncias, como a história quilombola. Problematizamos ainda sobre a visão que o lavrador tem da princesa. O objetivo foi mostrar que os personagens históricos, por mais que tenham títulos da nobreza, fazem parte da construção da História tanto quanto os cidadãos comuns, que participam da História em seus cotidianos – ou seja, os alunos fazem parte da História e a vivenciam no dia-a-dia. Além disto, pontuamos o que a historiografia coloca: a princesa foi a responsável por assinar a Lei Áurea que libertou os escravos, mas isto foi motivado por uma série de circunstâncias e pelo contexto histórico em que ela estava inserida. Ou seja, ela não o fez simplesmente por ser “benevolente”. Foi essencial mostrar aos alunos que a História é feita de visões distintas e opiniões diferentes, e que sua multiperspectividade está presente mesmo em situações particulares como a de Paulino. Sobre isto, concordamos com Isabel Barca (2001, p. 29): atualmente, se reconhece que a existência de uma multiplicidade de propostas explicativas compõe a natureza do conhecimento histórico, dando-lhe um caráter de provisoriedade, pois “a relação histórica entre factos pode ser enriquecida se se trabalhar com mais do que uma perspectiva”, de maneira que “a História dá respostas provisórias porque pode haver pontos de vista diferentes [...]” e porque descobrimos novas relações sobre o passado (BARCA, 2001, p. 39). Foi neste sentido que desenvolvemos as discussões em sala de aula, e os resultados foram satisfatórios, visto que os alunos exprimiram suas opiniões e participaram da aula. Em suma, o trabalho com a EJA foi uma experiência gratificante, e as discussões apresentadas pelos textos selecionados foram de suma importância para um bom desenvolvimento e reflexão da prática docente no estágio. O mais satisfatório foi ver os alunos, independentemente do foco ou temática das aulas, participarem e expressarem suas opiniões, entendendo-se como sujeitos históricos atuantes e partes da História. 611

Referências BARCA, I. Concepções de adolescentes sobre múltiplas explicações em história. In: _____. (Org.). Perspectivas em educação histórica. Actas das Primeiras Jornadas Internacionais de Educação Histórica. Universidade do Minho, 2001. p. 29-44. DOMINGUES, P; GOMES, F. Histórias dos quilombos e memórias dos quilombolas no Brasil: revisitando um diálogo ausente na lei 10.639/03. In: Revista da ABPN, v.5, n.11, jul.-out./2013. pp. 05-28. O que é História Oral. Disponível em: , 2015. PRIORI, A., et al. Comunidades quilombolas no Paraná. In: ______. História do Paraná: séculos XIX e XX [online]. Maringá: Eduem, 2012. pp. 47-58. REIS, Sônia Maria Alves de Oliveira. A inserção dos egressos da educação popular na escola pública: tensão entre regulação e emancipação. 2009. 199 f. Dissertação UFMG/FaE. Belo Horizonte, 2009. Disponível em: < http://www.bibliotecadigital.ufmg.br/dspace/bitstream/handle/1843/FAEC85LMWZ/disserta__o_sonia_fae_ufmg.pdf?sequence=1>. Acesso: 09 fev. 2017. RODRIGUES, José Ribamar Tôrres. A sala de aula e o processo de construção do conhecimento. Trabalho apresentado no II Encontro de Pesquisa da UFPI. 2002. SILVA, Lúcia Helena Oliveira. Escravos e Libertos no Paraná. In: ALEGRO et al. Temas e Questões para o ensino de História do Paraná. EDUEL: Universidade Estadual de Londrina, 2008. TERRA de direitos. Paiol de Telha é o primeiro território quilombola reconhecido pelo Incra no Paraná. Disponível em: . Acesso: 10 fev. 2017.

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DISCRIMINAÇÃO DO NEGRO NO BRASIL: UM OBSTÁCULO A SER VENCIDO Geise Batista Damasceno Kédna Pinheiro Vieira Wilverson Rodrigo Silva de Melo Introdução O presente artigo objetiva mostrar a triste realidade discriminatória do negro no país desde o período Colonial até os dias atuais discutindo acerca do desrespeito e da desvalorização de pessoas por conta de sua cor, abordando marcos históricos que fizeram dos negros autores de sua própria história, e ainda como o preconceito racial impera nos dias modernos. O Brasil é um país com uma rica diversidade cultural onde o negro é um dos principais responsáveis, porém é afetado por uma longa história de preconceito de raça e de cor. Marcos históricos demonstram como o negro era inferiorizado e hostilizado pela sua condição de escravo e mesmo após a abolição da escravatura esse tratamento não mudou e o que é pior a ciência se valeu de seu poder para fortalecer o racismo e deixá-los cada vez mais na condição de subalternos e de subserviência diante do branco.

História do negro no Brasil: entre discriminações e perspectivas A História dos negros no Brasil é tão complexa e conturbada quanto o descobrimento do próprio país, seus absurdos, injustiças, discriminação e antagonismos, permanecem por toda parte até os dias atuais, o que nos leva a curiosidade de entender o porquê de tanta discriminação, desvalorização e preconceito racial e de como os brasileiros classificavam as pessoas pela sua cor, mas acima de tudo mostrar como eles ganharam o merecido espaço na sociedade. Desde a sua chegada em terras brasileiras os negros foram tratados pelos brancos como se fossem coisas, sem alma, eram submetidos a situações desumanas, viviam para trabalhar indignamente. Com o fim da escravidão os negros sem oportunidades, viam-se a margem da sociedade, nasce então à desigualdade de classes. A palavra discriminação segundo Ferreira (2001: 238) significa “[...] Tratamento preconceituoso dado a certas categorias sociais, raciais, etc.[...]” ou injusto dado a uma pessoa ou grupo, com base em preconceitos de alguma ordem, notadamente sexual, religioso, étnico etc.” O negro sofria por ser de cor diferente como nos relata Guimarães (2012, p.11): O preconceito de cor e de raça tem geralmente como alvo o “negro”, o “preto” [...], dificilmente o “branco”. Por quê? Alguns responderiam que a dualidade primária é branco/preto, claro/escuro, dia/noite; que em toda 613

parte, em todos os tempos, o branco simbolizou as virtudes e o bem, enquanto o negro significou o seu contrário – o sinistro, o mal, os defeitos. Após o fim da escravização no Brasil surgiu o mito da democracia racial onde supostamente não havia distinção entre branco e negro, que logo foi distorcido por estudiosos que mostraram que a discriminação sempre existiu na sociedade brasileira, e que o mito era apenas uma camuflagem como vemos na obra Emilia Viotti: [...] O mito da democracia racial aparecia então como uma tentativa de acomodar as idéias (sic) racistas européias (sic) – que se tornaram preponderantes na Europa da segunda metade do século XIX – à realidade brasileira. As teorias que realçaram a superioridade da população branca e a inferioridade dos mestiços negros, a elite brasileira – uma minoria de brancos, alguns dos quais não estavam seguros da “pureza” de seu sangue, cercados por uma maioria de mestiços – não descobriu a melhor solução do que colocar suas esperanças no processo de “branqueamento”. O Brasil superaria seus problemas raciais, sua inferioridade, através da miscigenação [...]. (COSTA, 1987:253). O racismo surgiu no cenário político brasileiro como doutrina científica, buscando explicar o racismo através da ciência, com estudos que faziam da raça negra a inferior e portadora de deficiências mentais e físicas, a teoria do branqueamento surge então como “solução” , acreditando que com o passar das gerações nasceriam cidadãos mais claros, começam então programas para a imigração europeia, que tinham como objetivo não apenas mão de obra, como a priori se acreditava, como conclui Guimarães: Tais doutrinas subsidiaram desde as políticas de imigração, que pretendiam a substituição pura e simples da mão de obra negra por imigrantes europeus, até as teorias de miscigenação, que pregavam a lenta, mas contínua fixação pela população brasileira de caracteres mentais somáticos, psicológicos e culturais da raça branca[...] (GUIMARÃES, 2012: 66) Vale ressaltar que o predito mais importante do preconceito racial e de comportamentos racistas seria o autoritarismo desencadeado pelo ensinamento rígido e áspero vivido na primeira infância. A partir do século XX começa então a modificasse o modo de combate ao preconceito racial como cita Guimarães (2012: 94). “[...] até pouco depois da Segunda Grande Guerra, a palavra “racismo” era utilizada quase que exclusivamente para referir os preconceitos encarados, as discriminações, segregações e genocídios justificados por doutrinas raciais [...]”. O cenário da discriminação racial no Brasil continua em constante transformação de luta contra o preconceito, através de ações afirmativas visando maior igualdade de direitos e oportunidades de vida para a população negra e as principais vertentes que contribuíram para que houvesse essa mudança foram a acadêmica e a ativista, que abriram espaço para a inserção do negro nas universidades através de cotas e aparatos judiciais. 614

Considerações finais A questão da discriminação do negro no nosso país é bastante presente, eles ainda têm o pior trabalho e não têm as mesmas regalias que o branco. Já se foi conquistado um grande espaço na sociedade, leis que os amparam, mas não é o bastante. Nosso país ainda vive com o mito de que não é racista, mas isso podemos comprovar no dia a dia que é uma grande utopia. Sonhamos com o dia em que a questão racial no Brasil seja apenas uma lembrança ruim afinal somos todos humanos e como tal, temos corpo e alma, a cor da pele é apenas uma particularidade.

Referências COSTA, Emília Viotti. Da Monarquia à República: momentos decisivos. São Paulo. Editora Brasiliense, 1987. FERREIRA, A, B, H. Aurélio século XXI: o minidicionário da língua portuguesa. 4. Ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001. FANON, Frantz. Pele negra, máscaras brancas. Salvador, BA: EDUFBA, 2008. GUIMARÃES, Antônio Sergio Alfredo. Preconceito racial: modos, temas e tempos. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2012.

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DO ANONIMATO À NOTABILIDADE: A MULHER AFRODESCENDENTE NO ENSINO BRASILEIRO Ivanize Santana Sousa Nascimento Quem hoje tem trinta, quarenta anos de idade bem deve lembrar-se dos métodos de ensino nas aulas de História: a memorização dos fatos e a argüição oral daquilo que era lecionado pelo detentor do saber: o professor. Material didático? Formas de avaliação? Coisa muito difícil de ver, porque os materiais eram escassos, havia poucos livros didáticos com atividades-questionários e a fala do professor estava acima de tudo. Em suma, o ensino da História resumia-se na repetição de lições dadas sem contestação. O Brasil, assim, copiou as abordagens europeias, principalmente o modelo francês, a História Universal. Apesar de usar nas entrelinhas a História Sagrada, facultar as aulas da História nacional, contudo, elevar os “feitos heróicos” de quem construiu a nação brasileira. E, apesar da República ter sido proclamada no final do século XIX(1889), o foco de ensino era o continente europeu. No século XX, o que aconteceu com a historiografia do recém-país? Nada de novidade, até porque o governo da República estava com o pensamento voltado para os lucros da “política do café com leite”. E mesmo que alguns grupos de pensadores (historiadores) como os anarquistas, quisessem propor a criação de escolas públicas, com currículos e métodos apropriados, suas ideias eram descartadas. Inegavelmente, vale salientar que a Semana de Arte Moderna (1929) em São Paulo, foi o apogeu de grandiosas discussões culturais e artísticas que acabaram inspirando o mundo político, econômico, social e educacional. O que as obras “Operários e Abaporu” de Tarsila do Amaral, representaram? Decerto, o cotidiano brasileiro composto de suas matrizes formadas por índios, negros e povos vindos de outros continentes. Eis aí o que estava em questão: a busca pela identidade nacional, a revelação da diversidade étnico-racial e a colaboração destes no crescimento econômico do Brasil industrial e urbano que despontava nos anos 30. Por isso, conforme os PCNS (2001, p.24): “Nos programas e livros didáticos, a História ensinada incorporou a tese da democracia racial, da ausência de preconceitos raciais e étnicos [...], o povo brasileiro era formado por mestiços, compondo um conjunto harmônico de convivência dentro de uma sociedade multirracial e sem conflito.” Neste momento, o país evoluía e a educação estagnava!? Contava mesmo era recitar, memorizar e comemorar as festas cívicas na escola. Isto posto, fazendo um breve recorte histórico da sociedade brasileira, quantas e quais são as mulheres negras ou afrodescendentes que ajudaram a fazer a História do Brasil até os dias de hoje? Quem são as heroínas comemoradas nas festividades cívicas? Os livros didáticos reportam esse contexto nos temas históricos de grande relevância?Aqui se salientam nomes poucos mencionados ou desconhecidos totalmente, alguns referenciados no guia (Orientações e Ações para a Educação das Relações ÉtnicoRaciais, 2006, p.245): Francisca da Silva Oliveira, mais conhecida como Chica da Silva, escrava do contratador João Fernandes, o qual lhe alforriou. Como negra, livre, abastada, soube impôs-se aos preconceitos daquele período e desfrutou de muitas atividades reservadas às mulheres “brancas. Antonieta Barros, catarinense, nasceu em 616

1901. Formou-se em Magistério e tornou-se a primeira deputada estadual negra do país e a primeira deputada mulher de Santa Catarina. Carolina Maria de Jesus nasceu no começo da Primeira Guerra Mundial (1914). Mineira de Sacramento teve uma infância muito pobre, era catadora de lixo, sendo que foi nessa atividade, o seu encontro com uma velha caderneta. Ali, ela passou a registrar momentos de sua vida. Chegou a ser uma das únicas mulheres brasileiras incluídas na Antologia de Escritores Negros, publicada em dicionários mundiais de Nova Iorque e Lisboa. Eugênia Ana dos Santos, cognominada de Mãe Aninha, nasceu em 1869 na cidade de Salvador (BA). Descendente direta de africanos, lutou pela liberdade de culto no Brasil. O presidente Getúlio Vargas, através do Decreto nº 1202, estabeleceu o fim da proibição ao culto afro em 1934. Francisca Edwiges Neves Gonzaga, Chiquinha Gonzaga, filha de pai branco e mãe negra, desde a infância, foi excluída por ser uma “bastarda”e na vida adulta, foi considerada “devassa” e “irreverente”. Considera-se nessa contemporaneidade, a precursora da MPB, que escolheu para si uma profissão masculina. Além de compositora era regente (primeira maestrina). Na política, lutou como abolicionista pelo término da escravidão ao lado dos companheiros, Antonio Callado e Joaquim Nabuco. Se tratando de combate ao racismo à mulher, Lélia Almeida Gonzalez, nascida em 1935, foi uma mineira de destaque à causa negra na década de 40. Militou em prol da mulher e do negro no Brasil. Incentivou debates sobre o racismo nas universidades do país, ajudou a fundar o Movimento Negro Unificado (MNU), o Instituto de Pesquisas das Culturas Negras (PCN/RJ), o Nzinga Coletivo de Mulheres Negras no Rio de Janeiro e o Olodum na Bahia. A famosa Revolta dos Malês, 1835, foi de “escravos muçulmanos”. Não poderíamos dizer também, de escravas cativas e libertas que deram muito de si pelo fim da escravidão na Bahia,a exemplo de Luísa Mahin? Seria o correto, porém, não há muito tempo que a historiografia brasileira começou a dar seus pequenos passos para esta realidade de reflexão e crítica. No cerne de duas ditaduras (Vargas e a Militar),viveu-se o nacionalismo carregado de xenofobia e conservadorismo. Ai daquele(a) que contestasse os regimes citados,um professor lecionasse fora do currículo proposto e não mostrasse a grandiosidade dos dirigentes políticos, comparando-os aos “feitos heróicos” de certos vultos a exemplo de Tiradentes e não das negras baianas Ana Romana e Domingas Maria do Nascimento da Inconfidência Baiana.No ápice do Regime Militar,a História foi recantada e mesclada nos Estudos Sociais,para dar notoriedade ao ufanismo dos presidentes ditadores e ao ensino voltado para o tempo cronológico(linear).Felizmente,são os anos 60,através das lutas universitárias, que vêm trazer uma nova roupagem metodológica à História.Graças aos movimentos revolucionários europeus dessa época,o clima bom veio gestado e concebido dos protestos e manifestos dos homens e mulheres contra uma sociedade puramente capitalista,exploradora que submetia uma grande massa ao “conformismo sócio-econômico,cultural e educacional”. Moraes Ferreira e Renato Franco (2013,p.61) enfatiza que “Na esteira dos movimentos afirmativos das minorias,a escrita da História começou também a redimensionar o papel das mulheres,crianças,homossexuais e pobres[...],fazendo emergir uma História vista baixo.”O mesmo ocorreu no Brasil,permitindo que história tradicional,o currículo oculto e formal fosse revisto,os livros reelaborados e as aulas de história incorporassem o currículo invisível,àquele que traz os valores vividos de maneira informal pelo educando e acaba por constituir e colaborar na formação da sua identidade e seu sentimento de pertença a uma etnia e comunidade. Lembrando que “novos temas também podem e devem ser utilizados. 617

Assim, em um mundo em que as mulheres têm cada vez mais atuação na vida social posta em evidência, a apresentação das mulheres e das relações de gênero apresenta interesse evidente. ”(Funari, 2012, p.100). Desse modo, dentre as conquistas dos afrodescendentes, a Lei da História e Cultura Afro-Brasileira (10.639/2003), complementada pela Lei 11.645/2008 que trata da causa negra e indígena, salienta quão é necessário não negar na sala de aula os atos torpes e desumanos vivenciados no Brasil por mais de trezentos anos. Todavia, mostrar a atuação de vários negros e negras de destaque ontem e hoje, situações positivas que “desnaturalizem” o tempo histórico, desconstruam estereótipos, preconceitos, posturas etnocêntricas como a ideologia do branqueamento que nas entrelinhas ainda se abastece da inferioridade e da superioridade da cor e tem plantado nas redes sociais manifestações racistas e excludentes contra muitas mulheres julgadas pela sua aparência e não pela competência e capacidade intelectual, moral e ética. Sérgio Buarque de Holanda, citado por Circe Bittencourt (2012,p.185) bendiz que: Para estudar o passado de um povo, de uma instituição, de uma classe, não basta aceitar ao pé da letra tudo quanto nos deixou a simples tradição escrita. É preciso fazer falar a multidão imensa dos figurantes mudos que enchem o panorama da história e são muitas vezes mais interessantes e mais importantes do que os outros, os que apenas escrevem a história.”

Considerações Finais O II Congresso de Pesquisadores Negros que aconteceu em São Paulo (2002), dando continuidade ao I Congresso (2000) ocorrido em Recife, corrobora que “é na resistência dentro e fora das universidades, que o afrodescendente, negro ou afro-brasieliro, tem buscado rever, recriar, ressignificar sua participação na história passada e presente do Brasil. É hora de estar se refletindo para onde caminha o ensino da História? Qual o papel do educador? Que livro didático deve ser adotado? E quem são os “artistas” que continuam a encenar com luta e labuta a história brasileira? Quais as contribuições femininas do mundo afro para a quebra das barreiras entre negros e brancos?

Referências BARBOSA, L.M de. Assunção. Et al. De preto a afro-descendente: trajetos de pesquisa sobre o negro, cultura negra e relações étnico- raciais no Brasil São Carlos: EdUFSCar, 2010. BITTENCOURT, Circe. História na sala de aula: conceitos, práticas e propostasIdentidade nacional e ensino de História do Brasil. 6. ed. São Paulo: Contexto, 2012. ______. Lei nº 10.639, de 9 de janeiro de 2003. Diário Oficial, Brasília – DF. ______. Lei nº 11.645, de 10 de março de 2008. Diário Oficial, Brasília – DF. 618

______. Orientações e ações para a educação das relações étnico-raciais. Diário Oficial, Brasília – DF: SECAD, 2006. ______. Parâmetros Curriculares Nacionais: História e Geografia/Ministério da Educação. Secretaria de Educação Fundamental. -3. ed.-Brasília,2001. FERREIRA, M. de Moraes; FRANCO, R. Aprendendo História: reflexões e ensino. 2. ed.-Rio de Janeiro : Editora FGV,2013. FUNARI, P. Paulo. História na sala de aula: conceitos, práticas e propostas- A Renovação da História Antiga. 6. ed. São Paulo: Contexto, 2012.

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A IMPORTÂNCIA DE UMA ABORDAGEM FEMINISTA NOS CURSOS DE LICENCIATURA EM HISTÓRIA: CONSIDERAÇÕES INICIAIS Jeane Carla Oliveira de Melo De início, a seguinte indagação: devemos incluir perspectivas feministas na formação inicial e continuada de professores e professoras de História? Esse questionamento ganha centralidade à medida que nos situamos no contexto contemporâneo das políticas educacionais marcadas pelo confronto de interesses advindos das demandas de grupos conservadores/cristãos/empresários da educação que integram a classe política brasileira. Nesse ponto, o ensino de História atualmente encontra-se sob ataques. A famigerada Reforma do Ensino Médio instituída por meio de Medida Provisória (MP 746/16) impõe o fim da obrigatoriedade da disciplina História do currículo nesta modalidade de ensino. Assim, a História será “remanejada” para o Itinerário Formativo das Ciências Humanas, restrita em termos de abrangência (reservada apenas para os grupos que optarem por esse Itinerário Formativo) e tempo de ensino (de três anos anteriores, ela será lecionada em apenas dois). Paralelo a isto, temos assistido (passivamente?) a exclusão do termo gênero do Plano Nacional de Educação, que abriu precedentes para que os planos estaduais e municipais também eximissem o referido termo de seus textos normativos. Mencionamos também o Projeto de Lei 7180/14 da Escola Sem Partido (ainda em trâmite), que se revela profundamente inconstitucional por atingir em cheio a liberdade de cátedra pertencente ao ofício de ensinar, ou seja, um golpe na autonomia docente com maiores ressonâncias aos grupos minoritários e acentuadamente excluídos da história como mulheres, negros e negras, população LGBT, indígenas, dentre outros. Todos esses elementos possuem um inegável impacto na construção de uma história mais democrática das mulheres enquanto sujeitos históricos. Retomando a primeira questão, acerca da presença dos estudos feministas nos cursos de Licenciatura, sabemos que o tema é candente e provoca inúmeros questionamentos. Nesse curto texto tentarei esboçar, de modo preliminar, algumas inquietações sobre a importância política de abarcarmos não somente mulheres como sujeitos históricos, mas de construirmos uma história (em termos de ensino e pesquisa) não-patriarcal, comprometida, conscientemente não-neutra e militante nos espaços tanto acadêmicos quanto escolares. A historiografia, tomada aqui como um amplo sistema de pensamento e narrativas históricas no tempo, (sobretudo no que se refere aos livros didáticos), mesmo já bastante repensada e “desnaturalizada” (CERTEAU, 2002), ainda traz perspectivas de uma escritura histórica pautada no ponto de vista do sujeito universal masculino, branco, europeu e da elite. O contraponto disto, isto é, a chamada “história vista de baixo” (SHARPE, 1992) tem se revelado comumente um desafio para a pesquisa, sobretudo no diálogo com a história ensinada. Desta forma, temos o duplo desafio de ensinar história comprometida com a cidadania e a criticidade (termos estes que devem ser 620

problematizados), sem perder de vista os procedimentos da pesquisa histórica, ou seja, o rigor científico e analítico com métodos, técnicas e fontes. Todavia, pensar o lugar da mulher na história exige fazer importantes deslocamentos. Requer desafiar tradições historiográficas e desnaturalizar visões canônicas bastante arraigadas em nossa cultura acadêmica, dominada por relações de poder, discursos e práticas masculinas. O primeiro deles é submeter à reflexão as possibilidades do fazer histórico com esses sujeitos. Sobre isto, Michelle Perrot (2005) questionava se existiria uma maneira feminina de fazer/escrever a história diferente da masculina e se existiria uma memória especificamente feminina. Entre o sim e o não, Perrot (2005) destacava por meio das diferenças culturais, modos próprios de funcionamento e registro da memória feminina, o que poderia causar implicações específicas nas formas com as quais mulheres abordavam o passado. Considerações importantes à medida que várias historiadoras em diálogo com o Movimento Feminista da década 1970, buscaram introduzir as experiências femininas nos relatos históricos, seja para perceber a gênese e a evolução da dominação masculina e expressar os pontos de autonomia feminina, seja para suprir uma lacuna incômoda que a ausência das mulheres deixava na narrativa histórica (LUCENA, 2008, p. 01). Percebida como “excluída” da história, Perrot inaugurou o campo de investigações conhecido como História das Mulheres, domínio que dialogou com a antropologia, a sociologia e a psicanálise e legitimou a validade dos estudos históricos tendo a mulher como principal categoria de análise. Deste modo, Rago (1998) pontua que o estudo sobre História das Mulheres despertou incômodos no meio acadêmico, sentido por alguns historiadores como Roger Chartier, que questionava uma possível “fragilidade” teórica e metodológica do campo ainda em fundação. Bem, se é lícito supor que as mulheres constituem a metade da população mundial, por que nós ainda permanecemos ainda em posição subalterna nas pesquisas históricas produzidas? Se o silenciamento/apagamento de mulheres não é suficiente para incomodar os historiadores, então percebemos que, de fato, não existe neutralidade na pesquisa científica e que possuímos subjetividades e posicionamentos políticos dos mais variados. Em virtude disto, Rago (1998) chama atenção para a importância da produção de uma Epistemologia Feminista, capaz de criticar a tradição científica impregnada por valores masculinos e que possa elaborar um contradiscurso fundado na busca de uma nova linguagem que dê conta das experiências históricas diferenciadas de homens e mulheres, uma vez que as sociedades impõem aos sexos modos distintos de socialização. Em outros termos, a historiadora, ao denunciar o caráter ideológico, racista e sexista do conhecimento, apela em favor de um novo modelo de ciência feminista constituída como um saber alternativo com um conteúdo potencialmente emancipador. Na prática, torna-se necessário romper dicotomias e esquemas de análise que hierarquizem o público sobre o privado, o masculino sobre o feminino, o âmbito político sobre o âmbito doméstico. Entusiasmada com a fecundidade desse terreno epistemológico e político, Rago (1998, p.17) assinala que

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As possibilidades abertas para os estudos históricos pelas teorias feministas são inúmeras e profundamente instigantes: da desconstrução dos temas e interpretações masculinos às novas propostas de se falar femininamente das experiências do cotidiano, da micro-história, dos detalhes, do mundo privado, rompendo com as antigas oposições binárias e de dentro, buscando respaldo na Antropologia e na Psicanálise, incorporando a dimensão subjetiva do narrador. No campo do ensino de História, também se articulam pesquisas que denunciam a arbitrariedade e a particularidade do conhecimento histórico, sobretudo nas narrativas veiculadas em livros didáticos (BITTERNCOURT, 2008). Nestes impressos, a despeito do diálogo com novas formas de se fazer/pensar a história e com os critérios postos pelo Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), pesquisadoras como Mistura & Caimi (2015) apontam que as mulheres estão representadas de modo ainda muito tímido nos LD´s de História. Elas surgem, portanto, ou como um silêncio ou como um sujeito coadjuvante, mas quase nunca atuando como protagonista da trama histórica. A referência da ação histórica propriamente dita e seu desenrolar permanecem sendo essencialmente masculinos; entretanto, isso não tem sido suficientemente problematizado de modo que seja possível perceber as fissuras ideológicas dessas narrativas. Nesses termos, para os e as docentes é particularmente árduo construir uma história mais aberta, quando o próprio currículo/livro didático e seu discurso autorizado para ensinar, reforçam estereótipos de gênero discriminatórios e põem a ação feminina em segundo plano. Para concluir, aponto alguns desafios relacionados a pesquisa e ao ensino de História a partir de uma perspectiva feminista. Urge problematizar a diversidade abrangida pelo termo mulher, forjada em classe, raça, etnia e gênero para não tomarmos também a mulher como um sujeito universal, homogeneizando conflitos e contradições. Carecemos de mais estudos que investiguem a condição de mulheres professoras e de como as docentes vêm se relacionando com os saberes históricos lecionados, uma vez que esse próprio saber está eivado de silêncios e exclusões acerca da atuação das mulheres na história (MELO, 2012). De uma maior aproximação analítica entre a historiografia com a agenda contemporânea dos movimentos sociais de mulheres, que são múltiplos e vêm sendo fomentados/reforçados pelas redes sociais. Destacamos a importância de fortalecer ações pedagógicas promotoras de uma sensibilização/reflexão no público escolar, capaz de produzir tensões e resistências no campo educativo atualmente atravessado por práticas conservadoras e discursos fundamentalistas/fascistas. O desafio, portanto, está em curso.

Referências bibliográficas BITTENCOURT, Circe. Livro didático e saber escolar (1810-1910). Belo Horizonte: Autêntica, 2008. CERTEAU, Michel de. A escrita da História. RJ: Forense Universitária, 2002.

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LUCENA, Paola. Rompendo silêncios e descobrindo as mulheres: uma análise da obra de Michelle Perrot no contexto da história das mulheres. In: Caderno de Resumos & Anais do 2ª Seminário Nacional de História da Historiografia. Ouro Preto, EDUFOP, 2008. MELO, Jeane C. O. de. Lembranças de mulheres professoras: memórias, histórias de vida e ensino de História nas séries iniciais. Dissertação [Mestrado em Cultura e Sociedade]. Universidade Federal do Maranhão: São Luís, 2012. MISTURA, Letícia & CAIMI. Flávia. O (não) lugar da mulher no livro didático de história: um estudo longitudinal sobre relações de gênero e livros escolares (19102010). In: Aedos, Porto Alegre, v. 7, n. 16, Julho 2015. PERROT, Michelle. As mulheres ou os silêncios da história. Bauru: EDUSC, 2005. RAGO, Margareth. Epistemologia Feminista, Gênero e História. In: PEDRO, Joana & GROSSI, Miriam (orgs.) - Masculino, Feminino, Plural. Florianópolis: Mulheres,1998. SHARPE, Jim. A história vista de baixo. In: BURKE, Peter. (Org.). A escrita da história: novas perspectivas. São Paulo: UNESP, 1992.

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ÁFRICA QUE CHEGA PELA ORALIDADE: REPRESENTAÇÕES HISTÓRICAS E COMBATE AO PRECONCEITO EM SALA DE AULA João Pedro Pereira Rocha As representações acerca do continente africano nos últimos tempos têm sofrido modificações consideráveis, de modo a tornar o conhecimento sobre a História da África cada vez mais desapegado de estereótipos e preconceitos. Entretanto, o curso dessas transformações ocorre de forma gradual, por meio de alguns elementos importantes, a exemplo da Lei 10.639/03, que torna o ensino da História e Cultura Afrobrasileira e Africana obrigatório na Educação Básica. Nesse contexto é importante pensar os caminhos pelos quais a disciplina história pode trilhar, de modo a contribuir no combate a visões estereotipadas e preconceituosas sobre a África. As visões construídas acerca do continente africano, comumente, são oriundas de posicionamentos teóricos e científicos advindos do saber ocidental, que constrói modelos “imperialistas” de pensar as sociedades (HERNANDEZ, 2005). Essas visões criaram raízes profundas nas ciências humanas, disseminando conceitos universais e hegemônicos sobre a história e cultura africana. A historiografia seja americana, europeia ou mesmo africana, segundo Alfredo Margarido (2000), empenhou-se em distorcer a importância dos valores africanos, fruto direto dessa questão são os diversos sintomas de preconceitos registrados nos espaços sociais, a exemplo das escolas brasileiras. O objetivo dessa proposta é apresentar algumas reflexões em torno do combate a representações estereotipadas e socialmente difundidas acerca da África. As discussões situam o campo do ensino de história como lócus objetivo dessas representações, tomando a oralidade e as experiências pessoais/individuas como documento para problematizar e refletir a África em sala de aula. O preconceito, que durante muito tempo serviu projetos político, econômicos e culturais, faz com que, nos dias atuais, alguns equívocos e outros problemas, como o racismo, perdurem quando temáticas relacionadas à África surgem. A escola em seu dever perante a contribuição com projetos de formação para cidadania e a justiça social coloca-se perante a necessidade de luta pela desconstrução de visões estereotipadas. Um documento possível de uso reflexivo, por professores, é a palestra proferida pela escritora Chimamanda Adichie, intitulada: “O perigo da história única”. É pela análise dessa palestra que o trabalho fará reflexões sobre a luta contra o preconceito nas aulas de história. Chimamanda Adichie é uma escritora nigeriana e seus escritos compreendem questões étnicas de gênero e identidade. No vídeo, produzido durante evento da Tecnology Entertainment and Design (TED), é apresentado algo que a escritora denomina “o perigo de uma história única”. Chimamanda Adichie apresenta narrativas de suas 624

experiências infantis e de sua trajetória de vida, procurando demonstrar o modo como às histórias influenciam na formação das identidades e na compreensão de mundo e do outro. Nesse contexto, alguns trechos de sua fala são passiveis de análise mais aproximada. Caso o professor de história utilize o vídeo apenas como documento para enriquecimento de sua formação profissional e reflexão da prática docente, em relação ao ensino sobre África, ou opte por usá-lo em sala de aula; os dois caminhos são possíveis, mas sempre em consonância com as especificidades da(s) turma(s). Dos fragmentos dispostos na narrativa de Chimamanda Adichie o primeiro, que achamos conveniente à proposta dessa discussão, diz sobre sua formação infantil: “Então, fui uma leitora precoce. E o que eu lia eram livros infantis britânicos e americanos. Eu fui também uma escritora precoce e quando comecei a escrever por volta dos sete anos [...] eu escrevi exatamente os tipos de histórias que eu lia. Todos os meus personagens eram brancos de olhos azuis, eles brincavam na neve e comiam maçãs, eles falavam muito sobre o tempo e como era maravilhoso o sol ter aparecido. Agora, apesar do fato que eu morava na Nigéria, eu nunca havia estado fora da Nigéria [...] Minhas personagens bebiam muita cerveja de gengibre, porque os personagens britânicos que eu lia bebiam cerveja de gengibre. Não importava que eu não soubesse o que era cerveja de gengibre.” A fala da escritora remete a um ponto importante e muito relevante, se pensarmos posturas e ações em prol do combate ao preconceito que é alimentado por visões estereotipadas em relação à história e a cultura africana: a formação infantil. Tradicionalmente o sistema escolar brasileiro pauta-se em modelos quase hegemônicos de educação ocidental, ainda muito carregada de valores eurocêntricos. Não raro ainda nos deparamos com índices de livros didáticos pelos quais a história é maciçamente apresentada sob uma ótica europeizada. Nesse sentido, muito facilmente posturas equivocadas ou que não produzam efeitos em relação à desconstrução de mitos tradicionais, aptos a subjugar a trajetória das sociedades africanas a simplificações, persistem. Na medida em que profissionais do ensino buscam outros caminhos, que não os tradicionais, as possibilidades são inúmeras e as contribuições positivas, tanto para um ensino de história pautado na valorização das experiências humanas no passado, rompendo com o preconceito, como no uso de documentos diversos em sala de aula. Em outro trecho, de sua narrativa, Chimamanda Adichie, comenta algo que caminha nesse sentido: “As coisas mudaram quando eu descobri os livros africanos [...] Tive uma virada na minha percepção sobre literatura. Percebi que pessoas como eu, meninas com pele de cor de chocolate, cujo cabelo crespo não dava pra fazer rabo-de-cavalo, também poderiam existir na literatura. (...) Descobrir escritores africanos resultou numa coisa: me salvar de ter uma única história sobre o que os livros são.”

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Nesse ponto a fala da escritora serve a um propósito importante: a abordagem da África em sala. Em artigo publicado pela Revista Ágora (2007) os autores questionam, entre outras, sobre a aplicabilidade da Lei 10.639, que torna obrigatório o ensino da História e Cultura Afro-brasileira e Africana, em sala de aula. Especificamente, é questionado sobre de qual forma esse conteúdo será oferecido aos estudantes? Nesse sentido, o trecho aponta direção interessante ao questionamento feito. O recorte em questão diz sobre a presença de personagens negros na literatura. Fazer uso da literatura no ensino de história é uma opção já discutida por pesquisadores do campo do Ensino de História e que demonstra retornos positivos para os objetivos da disciplina história. Assim, a literatura poderá ser evocada para apresentar aos estudantes escritores e personagens africanos, de modo a problematizar as experiências históricas das sociedades africanas ao longo do tempo. Em certo momento de sua fala Chimamanda Adichie deixa-nos evidente a importância do contato com personagens por meio dos livros, das histórias. Nesse ponto, uma peculiaridade interessa a representação da África, que chega por meio do povo negro, via livro didático. Como é apontado pela pesquisadora Ana Célia da Silva (2011) as representações sociais dadas a brancos e negros, mesmo com a promulgação da Lei 10.639, carecem de melhores abordagens, de modo a “equilibrar” as representações e os papeis sociais destinados aos personagens. Quando Chimamanda Adichie relata sobre seu contato com “outras histórias”, que não “a única que os livros são” demonstrar seu enriquecimento cultural mediante o contato com outras experiências culturais, algo que fomenta no sujeito envolvido com o processo de ensino aprendizagem a possibilidade do respeito às diferenças. Sobre preconceitos e estereótipos Chimamanda Adichie relata: “Se eu não tivesse crescido na Nigéria e tudo o que eu soubesse sobre África viesse das imagens populares publicadas, eu também pensaria que a África era um lugar de paisagens bonitas, animais bonitos e pessoas incompreensíveis, disputando guerras insensatas, morrendo de pobreza e AIDS, incapazes de falar por si mesmas. Esperando para serem salvas pelo estrangeiro branco e gentil.” “Eles transformam uma história na única história (...). A consequência da história única é a seguinte: rouba-se a dignidade das pessoas. Dificulta o reconhecimento da nossa humanidade compartilhada. Enfatiza o quão diferentes somos em detrimento de quão iguais somos.” São frases passiveis de uso em sala de aula, uma vez que os trechos transmitem informações que podem dialogar com as experiências dos próprios estudantes. Como afirma o historiador cultural Roger Chartier (2002), o controle e o condicionamento são usados por quem detêm o poder da palavra e dos gestos. Nesse contexto, é importante sublinhar que a formação da consciência história, ponte para o respeito às diferentes experiências históricas (CERRI, 2011), ocorre no contato que os sujeitos têm com as diversas formas de emissão de ideologias, a exemplo das mídias diversas. Com isso, e pensado a disciplina história e seu papel formativo, o conjunto da narrativa feita por Chimamanda Adichie, apresenta a todos os sujeitos envolvidos com o processo de 626

formação escolar a capacidade de refletir sobre a pluralidade cultural, o respeito às diferenças e ações em prol da fragmentação de representatividades preconceituosas acerca da África em sala de aula.

Referências Bibliográficas CERRI, Luis Fernando. Ensino de história e consciência histórica: implicações didáticas de uma discussão contemporânea. Rio de Janeiro: FGV, 2011. CHARTIER, Roger. A história cultural: entre práticas e representações. 2ª Ed. Portugal: Difel, 2002. HERNANDEZ, Leila Maria Gonçalves Leite. O olhar imperial e a invenção da África. A África na sala de aula: visita contemporânea. São Paulo: Selo Negro, 2005, p. 1744. MARGARIDO, Alfredo. Algumas formas de hegemonia africana nas relações com os europeus. In: A África e a instalação do sistema colonial (c.1885-c. 1930). III Reunião Internacional de Historia de África; dir. de Maria Emília Madeira Santos [ed. lit.]. Instituto de Investigação Cientifica Tropical. Lisboa: Cento de Estudos de História e Cartografia Antiga, 2000, p. 395-402. MEDEIROS, Angela Cordeiro; ALMEIDA, Eduardo Ribeiro de. História e cultura afrobrasileira: possibilidades e impossibilidades na aplicação da lei 10.639/2003. Revista Ágora, Vitória, n. 5, 2007, p. 1-12. SILVA, Ana Célia da. A representação social do negro no livro didático: o que mudou? Por que mudou? Salvador: EDUFBA, 2011. Fonte do vídeo ADICHIE, Chimamanda. O perigo de uma história única. Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=qDovHZVdyVQ&spfreload=10. Acesso: 08 fev. 2017.

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HISTÓRIA E CULTURA AFRO-BRASILEIRA E AFRICANA NA REDE PÚBLICA DE PORTO VELHO – RO Joel Balduino da Silva Junior Esse trabalho tem por objetivo investigar duas escolas públicas de Porto Velho, identificando como a História e Cultura afro-brasileiras e africanas são ministradas e recebidas pelos professores e alunos. Ouviremos, portanto, alunos, supervisores, diretores e professores das áreas de história, artes e literatura sobre o ensino de história e cultura afro-brasileiras conforme a Lei:10.639Esta dissertação tem por objetivo investigar duas escolas públicas de Porto Velho, identificando como a História e Cultura afro-brasileiras e africanas são ministradas e recebidas pelos professores e alunos. Ouviremos, portanto, alunos, supervisores, diretores e professores das áreas de história, artes e literatura sobre o ensino de história e cultura afro-brasileiras conforme a Lei:10.639/03, a LDBN (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional). Essa lei institui obrigatoriamente o ensino da história e cultura afro-brasileiras e africana no currículo escolar do ensino fundamental e médio. Este é um trabalho de campo em escolas públicas e optamos por utilizar os seguintes métodos: Grupos Focais, baseados na História Oral Temática defendida por Meihy (1996), Thompson (1992) e Simson (1997). As entrevistas, análises documentais e questionários abertos, as fontes bibliográficas, documentais, audiovisuais e orais fornecem dados para nosso trabalho. Nosso suporte teórico está em autores que discutem resistência à opressão, racismo e discriminação, hibridização de culturas, como Frantz Fanon (1968), Stuart Hall (2002), Petronilha (2004), Munanga (2005), Sodré (1988), Hampâté Bá (1975). Esses teóricos abordam questões relevantes para nossa discussão e propõem diálogos com os estudos culturais. Pretendemos por meio desta pesquisa promover meios de reconstruir a contribuição dos negros nos aspectos históricos e culturais para a sociedade brasileira. Argumentamos que, assim, poderemos enriquecer a percepção de nós mesmos, bem como da diversidade cultural afrobrasileira em Porto Velho. Os resultados da pesquisa revelam que há muito a ser feito nas escolas no sentido de refletir criticamente sobre o patrimônio histórico e cultural dos africanos e afro-brasileiros. A compreensão do patrimônio afro-amazônico em suas dimensões de história e cultura precisa ser inserida em nossas salas de aula. Nossas escolas precisam valorizar o contexto cultural afro-brasileiro e prover os alunos com a conscientização e luta contra o racismo, a intolerância religiosa e a discriminação, que ainda existem no meio escolar. As questões que me trouxeram à realização desta pesquisa estão relacionadas a uma série de fatores que emergiram ao longo da minha trajetória profissional na educação, seja como aluno, seja como professor e, sobretudo, na atuação no movimento negro e nos contatos com as pesquisas nas comunidades de religiões de matrizes africanas. Devo citar também as intensas e complexas discussões e relatos dos participantes do 628

(GEPIAA) Grupo de Estudos e Pesquisas Interdisciplinares Afro-Amazônicos da UNIR, envolvidos no trabalho desenvolvido sobre o Patrimônio histórico e cultural, a discriminação racial, a intolerância religiosa e o racismo; passando, além disso, pela minha trajetória acadêmica e profissional como professor na rede Estadual e Municipal de ensino em Porto Velho. Dessa forma as questões relacionadas à condição dos negros na sociedade e sua presença na escola sempre receberam minha atenção. Ao longo da minha prática docente presenciei muitos conflitos no interior das escolas e na sala de aula relacionados as questões étnico - racial e ao preconceito. Diante dessas situações sempre procurei desenvolver trabalhos e ações que promovessem a reflexão e a mudança de postura entre os alunos e entre os professores. Apesar da minha intervenção, percebia a dificuldade da escola e de outros colegas professores em lidar com a questão étnico-raciais. Nesse sentido, a presente dissertação visa ampliar os estudos e debates nas Escolas públicas sobre a história e cultura afrobrasileira, com base na Lei Federal 10.639/03, de acordo com a L.D.B.E.N. Sua relevância está em trabalhar com os nossos educandos e com o corpo docente o contexto cultural de história e cultura afrodescendentes na região amazônica, levamos outras percepções e concepções distintas da lógica do racismo e da invisibilidade social aos alunos e professores no combate ao racismo, intolerância religiosa e discriminação existentes no ambiente escolar. A discussão em sala de aula e também na sala dos professores sempre foi muito polêmica e conflituosa quando se trata das questões afrobrasileiras. Observa-se que quando tocamos no tema das crenças, sobretudo das religiões de matrizes africanas, causa-se certo incômodo. Esse fato foi observado in loco na sala de aula durante muitos anos. Por isso, faz-se necessário trabalhar em sala de aula com os alunos desde o ensino fundamental, juntamente com os professores das áreas de história, literatura e arte, conforme a Lei 10.639/03,a temática, história e acultura afrobrasileira, sobretudo as manifestações culturais religiosas na Amazônia, pois é nessa região que os alunos e professores vivem e convivem. O trabalho cumpriu algumas etapas e foi pautado nos métodos adotados. A primeira etapa foi desenvolvida na busca de informações sobre a Lei 10.639/03 nas escolas e sua aplicabilidade e importância através das entrevistas semiestruturais, utilizando-se da história oral, com os alunos e os professores de duas escolas da Rede Estadual de Ensino. Na segunda, foi realizada uma análise documental junto ao corpo técnico, supervisores e gestores escolares dentro do estabelecimento de ensino público em Porto Velho. A terceira etapa, por sua vez, consistiu na aplicação de questionários semiestruturados com perguntas fechadas sobre a temática: Reflexão crítica sobre a história e a cultura afro-brasileira, aos alunos, professores e corpo técnico do estabelecimento de ensino público de Porto Velho. Na quarta etapa, foram realizadas rodas de conversas nos grupos focais com os alunos em sala de aula. Na quinta e última etapa, foram realizadas diversas atividades, utilizamos as mídias e vídeos como instrumentos para aguçara memória dos alunos e dos professores sobre as questões da cultura afro-brasileira, com o objetivo de provocar discussões interdisciplinares na escola. Esta dissertação tem como objetivo fundamental apresentar dados de uma pesquisa de campo realizada em duas escolas públicas de Porto Velho, sobre a história e cultura afro - brasileira, ampliando, assim, os estudos sobre a Lei 10.639/03. A pesquisa foi realizada na Escola Estadual de Ensino Médio Anísio Teixeira (zona Norte – Centro), situada na Rua Irmã Capeli, nº 66 , e na Escola Estadual de Ensino 629

Fundamental e Médio São Luiz (zona Leste – periferia), situada na Rua Mario Andreazza, nº 8.186 - JK II, tendo como foco principal a opinião dos alunos, supervisores, diretores e professores das áreas de história, artes e literatura sobre o ensino de história e cultura afro-brasileira e africana. A escolha das localizações das escolas se deu com o objetivo de realizarmos um estudo comparativo, sociocultural das informações colhidas na pesquisa de campo, nas duas zonas, Norte e Leste de Porto Velho. A escolha das séries e faixas etárias se deu pensando na maturidade dos educandos, fator essencial para o bom desempenho dos trabalhos nos depoimentos e na produção de dados. Além dos elementos citados, a intensa busca pelas origens do patrimônio histórico afrodescendente e os desdobramentos sociais mais amplos que aqui estão sendo apresentados, pude entrar em contato com a temática em questão quando realizei, em pesquisa de pós-graduação em história Regional de Rondônia entre os anos de 2006 a 2008, um estudo sobre as diferenças existentes entre os rituais e o simbolismo das festas das religiões de matrizes africanas na Umbanda e no Candomblé, em Porto Velho. Vale ressaltar que foi através desses fatos e da experiência pessoal com a pesquisa in loco com os cultos afro-brasileiros, no Latu Sensu, que nasceu o interesse, pela pesquisa no campo da etnicidade e culturalidade afro-brasileiras.

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O ENSINO DA HISTÓRIA DA ÁFRICA: POR UMA HISTÓRIA (DES) EUROCÊNTRICA José Ribamar Santos de Almeida “A África tem uma História” Joseph Ki- Zerbo “O que sabemos sobre a África?” É com esta pergunta inquietante e profunda que Oliva (2004), nos interroga no seu artigo a História da África nos bancos Escolares. Estudamos a história ainda em uma perspectiva linear e eurocêntrica onde primeiro vem a Idade antiga, Idade Média, Idade Moderna e a Idade Contemporânea sempre privilegiando as marcas ou representações da Europa como modelo “Quantos tiveram a disciplina História da África nos cursos de História? Quantos livros, ou textos, lemos sobre a questão? Tirando as breves incursões pelos programas do National Geographic ou Discovery Channel, ou ainda pelas imagens chocantes de um mundo africano em agonia, da AIDS que se alastra, da fome que esmaga, das etnias que se enfrentam com grande violência ou dos safáris e animais exóticos, o que sabemos sobre a África? (OLIVA.2003, p.429). O que ainda hoje encontramos sobre a África são representações construídas historicamente e de forma estruturada ao longo dos tempos, a partir de lentes europeias. Aqueles que se sentaram em bancos escolares até o fim da ditadura militar tinham que se contentar, ou aturar, uma História de influência positivista recheada por memorizações de datas, nomes de heróis, listas intermináveis de presidentes e personagens. Sem contar a extrema valorização da abordagem política pouco atraente, do eurocentrismo na História Geral e da exaltação da nação e de seus governantes na História do Brasil. Todos esses conteúdos eram apresentados com pouco ou nenhum perfil crítico e não existiam brechas para a participação das pessoas comuns nos fatos tratados. O ruir da traumática aventura dos militares ao poder se fez acompanhar de um esforço de historiadores, professores e técnicos na tentativa de modificar o ensino da história. (OLIVA,2003, p 425). A imagem dos africanos construída pelo Europeu são “movimentos imagéticos”, construídos deste da Antiguidade Clássica com variações ao longo do tempo como coloca OLIVA, em “Lições sobre a África”. Pelo “espelho” europeu na Antiguidade Clássica os africanos eram “o Outro/Estranho/Negro” e a África era vista nesta perspectiva como, “ausente de civilização e de desenvolvimento” esta visão foi fortalecida pelos relatos dos viajantes que influenciaram muito as concepções do mundo ocidental, os africanos teriam “formas animalescas, status demoníacos, praticas antropofágicas”. Ao longo do período do ‘trafico de almas, corpos e culturas”, os africanos são vistos como escravos, primitivos, selvagens, inferiores, tribais “, imagem fortalecida pela literatura e pelas produções cinematográficas e muito recorrente nos livros didáticos. 632

Estas construções pensadas historicamente nos influenciam até o momento atual, o que coloca como muito importante esta obra sobre a História da África como um as ferramentas fundamentais para os professores preparem suas aulas como coloca, LIMA; “O fato de trazer uma história da África escrita em sua maior parte por autores africanos, numa obra de alcance internacional, também contribui para que se construa um olhar mais respeitoso sobre a produção de conhecimento no continente O ensino de história no Brasil cientificamente teve início no século XIX, com característica fundamentalmente positivista, o privilégio de heróis e datas condizia com os interesses de formação de “História-nação”. Esse quadro sofre algumas mudanças como coloca Oliva(2003),” os anos 1950, o marxismo pareceu ser a alternativa óbvia para referenciar as modificações dos currículos e reescrever os livros didáticos.”, outro momento que apontava para uma mudança ou melhor para o estudo do continente Africano ocorre segundo oliva (2003) “anos 1980, é a partir de 1995 que encontramos uma presença mais marcante dos referenciais da História Nova nos livros didáticos e nas salas de aula, chamada aí de História temática. “. No entanto o que o autor conseguir perceber foi, ” Silêncio, desconhecimento e representações eurocêntricas. Poderíamos assim definir o entendimento e a utilização da História da África nas coleções didáticas de História no Brasil. Das vinte coleções compulsadas pela pesquisa, apenas cinco possuíam capítulos específicos sobre a História da África. (Oliva,2003, p429.) é o que tem prevalecido ainda na maioria dos livros didáticos conclui Oliva “Reproduzimos em nossas ideias as notícias que circulam pela mídia, e que revelam um Continente marcado pelas misérias, guerras étnicas, instabilidade política, AIDS, fome e falência econômica. Às imagens e informações que dominam os meios de comunicação, os livros didáticos incorporam a tradição racista e preconceituosa de estudos sobre o Continente e a discriminação à qual são submetidos os afrodescendentes aqui dentro.”. A desconstrução deste olhar sobre a África e os africanos não é tarefa simples pois como coloca Oliva (2003, p433). Seria plausível afirmar que os olhares sobre o Outro estariam impregnados do “estranhamento”, da dificuldade de emprestar significados e aceitar as diferenças O psiquiatra negro Frantz Fanon,ao investigar os impactos psicológicos do processo de dominação europeia na África, afirmava que “o negro nunca foi tão negro quando a partir do momento em que foi dominado pelos brancos” (Fanon, 1983:212). O filósofo africano Kwame Appiah confirma a ideia de que “a própria categoria do negro é, no fundo, um produto europeu, pois os ‘brancos’ inventaram os negros a fim de dominálos” (Appiah, 1997:96). A manutenção dessas concepções ou estranhamento não foram construídas no século XIX, elas datam de longas datas e construídas historicamente, Oliva lembra que: “Heródoto, em sua História, deixou registrada sua impressão acerca dos africanos, em um misto de estranhamento, admiração e desqualificação. Em sua lógica descritiva ele afirmava que “os homens daquelas regiões são negros por causa do calor” e os “etíopes da Líbia são entre todos os homens os de cabelos mais crespos” (Heródoto, 1988: 95, 361). E continua aponta que “Ainda na Antiguidade, o geógrafo alexandrino Cláudio Ptolomeu, baseando-se em estudos anteriores, conseguia “com sua 633

Geografia a evolução máxima dos conhecimentos relativos aos contornos da África” (Djait, 1982: 119). A África não passaria da região do Equador e o clima abaixo dele seria insuportável. Sua cartografia serviria de base para os teólogos e geógrafos medievais. O paraíso terrestre aparecia sempre ao Norte, no topo, distante dos homens, e Jerusalém, local da ascensão do filho de Deus aos céus, no centro. A Europa, cuja população descendia de Jafet, primogênito de Noé, ficava à esquerda (do observador) de Jerusalém e a Ásia, local dos filhos de sem netos de Noé, à direita. Ao Sul aparece “o continente negro e monstruoso, a África. Suas gentes eram descendentes de Cam, o mais moreno dos filhos de Noé” (Noronha, 2000: 681-689). Neste caso, mais uma vez o desprestígio recobria a África. Segundo os textos bíblicos, Cam foi punido por flagrar seu pai nu e embriagado. Seus descendentes deveriam se tornar escravos dos descendentes de seus irmãos e habitar parte do território da Arábia, do Egito e da Etiópia. Com as Grandes Navegações e os contatos mais intensos com a África, abaixo do Saara, os estranhamentos e os olhares preconceituosos continuam. No século XV, duas encíclicas papais— a Dum Diversas e a Romanus Pontifex—“deram direito aos Reis de Portugal de despojar e escravizar eternamente os Maometanos, pagãos e povos pretos em geral” (Lopes, 1995: 22). Além disso, o imaginário dos navegantes iria sobreviver, de forma diversa, nos séculos seguintes. A história do continente africano é fundamental para entendermos a própria história do Brasil pois como apontam vários autores a participação dos africanos foi fundamenta para a formação da cultura brasileira ou as culturas brasileiras como coloca Fernandes (2005, p.379) O mais correto seria falarmos em “culturas brasileiras”, ao invés de “cultura brasileira”, dada a pluralidade étnica que contribuiu para sua formação. Apesar da influência marcante da cultura de matriz europeia por força da colonização ibérica em nosso país, a cultura tida como dominante não conseguiu, de todo, apagar as culturas indígena e africana. Muito pelo contrário, o colonizador europeu deixou-se influenciar pela riqueza da pluralidade cultural de índios e negros. No entanto, o modelo de organização implantado pelos portugueses também se fez presente no campo da educação e da cultura. A escola diante desse quadro precisa aprender a conviver com a diversidade cultural pois o conhecimento sobre a suas raízes históricas pode contribuir com a formação de jovens mais consciente e confiantes do seu papel na História por outro lado do contrário o número de evasão pode ser cada vez mais como coloca Fernandes (2005, p381); Pesquisas já realizadas pela Fundação Carlos Chagas, têm demonstrado o quanto nossa escola ainda não aprendeu a conviver com a diversidade cultural e a lidar com crianças e adolescentes dos setores subalternos da sociedade. Os dados revelam que a criança negra apresenta índices de evasão e repetência maiores do que os apresentados pelas brancas. A razão disso tudo, segundo a pesquisa, era devido aos seguintes fatores: conteúdo eurocêntrico do currículo escolar e dos livros didáticos e programas educativos, aliados ao comportamento diferenciado do corpo docente das escolas diante de crianças negras e brancas. 634

As mudanças no ensino de História são necessárias mais gradual pois como coloca Flores (2006), que as estruturas curriculares dos cursos de graduação em História, no Brasil, ficaram, por muito tempo, presas ao foco eurocêntrico dos conteúdos historiográficos. Esta cultura escolar viria a ser enfrentada somente depois da Constituição de 1988, que tornou possível a criminalização do racismo no Brasil. O próprio Flores reconhece a necessidade de rompermos com o eurocentrismo e a visão quadripartite da historia E lembra que Braudel como o mais influente das Escola dos Annales apresentou uma proposta nessa direção; Entretanto, faça-se justiça aos historiadores franceses, pois Fernand Braudel (19021985), o mais influente deles, iria propor um ensino de História mais pluralista e menos etnocêntrico. Em vez de idades cronológicas, pensou-se em durações, economias, cultura material, povos, capitalismo triangular. Tendo sido residente e pesquisador na África mediterrânica e observador atento do processo de descolonização da África, na década de 1960, Braudel escreveu um livro para jovens estudantes, inserindo nas suas análises “o continente negro” e explicando as tendências do tempo presente na “África Negra de hoje[1963] e amanhã”. Suas observações sobre as diásporas africanas estimulam a pesquisa e o ensino de temas africanistas: “é de notar-se o fato, importante para o mundo negro atual, de que existem Áfricas vivas no Novo Mundo (Flores, 2006, p.69).

Considerações finais Como apresentamos o estudo do continente africano e muito importante para o conhecimento da própria História do Brasil para além de representações de cunho somente europeu, pois somos um pais de composição racial, ” ... Brasil tenha o maior contingente de afrodescendentes do mundo"(Zamporoni,2007), Os estudos que antes se referiam a questão racial produziu um paradoxo segundo Zamboni (2007),” tínhamos negros e até mesmo africanos, mas nada da África. ...no ensino brasileiro no qual, com raras exceções, a presença negra estava restrita a algumas lamúrias nas poucas páginas dedicadas à escravatura e a África e os africanos – mas também a Ásia – apareciam não como possuidores de historicidade própria, mas como meros apêndices na história da expansão europeia”.

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MULHERES EM CENA: NARRATIVAS HISTÓRICAS E A INVISIBILIDADE DAS MULHERES NO FILME GERMINAL Jorge Luiz Zaluski Maycon André Zanin Pode-se afirmar que nos últimos anos existiu o crescimento da utilização do cinema como suporte pedagógico. No Brasil, por exemplo, a lei 13.0006/2014, acrescenta no parágrafo 6º ao artigo 26 da Lei nº9394, de 20 de dezembro de 1996, a obrigatoriedade da exibição e discussão de ao menos duas horas mensais de filmes nacionais. (BRASIL, 2014) Para Edileuza Penha de Souza, “[...] tem-se intensificado o número de programas educativos e formativos em que o cinema é utilizado como um dos aparatos tecnológicos da educação.” (SOUZA, 2006, p, 09) Vive-se em um contexto em que diferentes mídias são produzidas e reproduzidas. Utilizar o cinema como suporte pedagógico permite a problematização dos temas abordados, narrativa, dentre outros elementos que compõem a produção cinematográfica. Logo, tais investigações possibilitam que os/as estudantes possam compreender sobre diferentes produções visuais dos mais diversos contextos. Diante disso, Marcos Napolitano nos informa que, “[...] os filmes têm sempre alguma possibilidade para o trabalho escolar. O importante é o professor que queira trabalhar sistematicamente com o cinema se perguntar: qual o uso possível deste filme?” (NAPOLITANO, 2008, p, 12) Para tanto, com o objetivo de apresentar contribuições de caráter multidisciplinar, será feita uma breve análise do filme Germinal, pautando-se preferencialmente na narrativa sobre as mulheres apresentadas em algumas cenas. Buscamos problematizar as desigualdades de gênero reproduzidas no filme, pois essa produção é constantemente indicada em livros didáticos de história e sociologia para ser utilizada em abordagens sobre a Revolução Industrial. Nossa escolha por esse filme consiste na problematização de que mesmo apontada nos manuais, ela carece da investigação para orientar os/as profissionais que optarem pela obra. O filme Germinal, sobre a direção de Claude Berri (França,1993), ganhador do Prémio César (1993) e com várias indicações ao Oscar, adaptado da obra de mesmo título, do escritor Émile Zola, que trata sobre a França no contexto da assim chamada Revolução Industrial. Permite estabelecer relações entre características da sociedade da época junto às teorias e análises sobre alguns dos mais relevantes autores que trabalham sobre o tema. A trama apresentada versa sobre a história de uma família composta pelos personagens, Maheude (mãe), Toussaint Maheu (pai), Vincent Maheu – Boa morte (avó), e pelos/as filhos/as, Catherine, Estelle, Zacharie, Lénore, Henri, Alzire e Jeanlin, que vivem de 637

aluguel nos cortiços da empresa Vourex. Mineradora em que trabalham os homens, filhos e Catherine. Tanto no trabalho quanto em casa, vivem em situações precárias de saúde, vestimenta, alimentação, dentre outras condições que informam que as condições salariais favoreciam a miséria que levavam. Ainda no filme, Étienne, viajante desempregado que buscava por melhores condições de vida. Como protagonista, durante a história narrada é apresentado de duas maneiras. Na primeira, como um observador de todas as dificuldades e problemas enfrentados pela família Maheu e os/as demais trabalhadores/as. Segundo, por ser um dos poucos letrados, e com influências de leituras marxistas, trajando seu casaco vermelho, é apresentado como um fervoroso manifestante em prol da situação daquelas pessoas. Ao desencadear uma greve, são realizados alguns conflitos, e como o próprio nome diz, o germinar da manifestação e a luta por direitos. O filme não informa se as manifestações trouxeram contribuições para os/as participantes, acaba deixando a dúvida se os/as trabalhadores continuaram lutando por melhorias. Conforme Eric Hobsbawn, a descrição do cenário deste período histórico era de “catastrofe social”. Os trabalhadores caíram em total desmoralização. O aumento da pobreza e exploração, misturava-se as condições precárias de sobrevivência nas vilas industriais. Que segundo o autor, “[...] destituídos das tradicionais instituições de padrões de comportamento, como poderiam muitos deles deixar de cair no abismo dos recursos de sobrevivência, em que as famílias penhoravam a cada semana seus cobertores até o dia do pagamento.” (HOBSBAWN, 2011, p, 323). Desta maneira, ao relacionar a trama com algumas das principais obras que investigam sobre o tema, podese perceber que o filme busca apresentar uma reflexão sobre a condição de vida das pessoas. Ao utilizar filmes em sala, principalmente na disciplina de História, deve-se problematizar também que ele fornece uma narrativa sobre o passado. Deste modo, é o olhar e o interesse de quem o produziu sobre determinado evento e contexto. Cabendo questionar ainda o momento em que foi produzido, pois, “[...] como qualquer documento, eles fornecem uma interpretação do passado e, ao fazerem isso, muitas vezes estão fazendo alusão ao presente, porque a forma como a História é abordada pode estar de acordo com a visão que seus produtores e expectadores têm no presente. (CAMPOS, & FARIA, 2009, p, 54) Ou seja, em Germinal, Berri traçou uma comparação de seu presente com o passado narrado na trama. Longe de ser uma verdade absoluta, é uma narrativa, uma interpretação dada a um passado não vivenciado. Deste modo, qualquer produção não deve ser utilizada como uma ilustração do passado tal como foi, mas sim, estar aberta para discussões e interpretações sobre a trama. Para tanto, diante também do espaço reduzido para essa discussão, refinamos nossa análise sobre as narrativas apresentadas em Germinal sobre as mulheres durante a Revolução Industrial. Essa observação é fundamental, ao ser um filme de grande repercussão e bastante indicado para utilização em sala, a não problematização de algumas cenas pode contribuir para o reforço da naturalização de diferenças de gênero. De um modo geral Berri não realizou grandes atribuições às mulheres. Ao partir a narrativa sobre um problema familiar como exemplo dos demais. A família, como um conjunto de mudanças, demonstra as movimentações em busca da sobrevivência. 638

Todavia, as cenas reforçam diferenças de gênero instituídas socialmente. Predominando aos homens o trabalho fora de casa, e as mulheres sob a responsabilidade de gerir a pobreza, devem buscar alternativas para satisfazer a necessidades do lar. Maheude é a mulher escolhida para apresentar essa situação. Realizando junto aos filhos as atividades de casa, e ainda, em meio à pobreza, a busca de alternativas para sobreviver, como pedir esmolas, ou até mesmo sujeitar-se a prostituição em troca de alimento. No fim do filme, após a morte de seu marido, vai trabalhar na mineradora por obrigação em assumir o cargo do marido, não por sua competência e atuação. A produção expõe muito bem as diferenças salariais e exploração do trabalho infantil. Dialogando sobre as diferenças de renda para homens, mulheres e crianças. Todavia, sobre as mulheres na mineradora, ora são apontadas como rudes, de que são fortes como homens para estarem ali, ora são frágeis e não suportam o esforço, como na cena em que Catherine desmaia enquanto empurrava um carrinho cheio de carvão. Esse olhar é possível na medida em que utilizamos o gênero como categoria de análise. Compreende-se, tal como Joan Scott que “[...] o gênero é um elemento constitutivo de relações sociais baseado nas diferenças percebidas entre os sexos.” O filme reforça essas diferenças, pois inviabiliza a atuação das mulheres reduzindo-as ao protagonismo dos homens. De que as diferenças corporais contribuem para a atuação diferenciada dos sujeitos em espaços que existe a aceitação ou a negação conforme o gênero. Em meio às cenas de greve, onde muitas vezes aparecem apenas como companheiras, dois momentos exploram a atuação das mulheres. Na primeira, insatisfeitas pelas condições precárias, um grupo de mulheres se reúne e deslocam-se até a venda impor uma negociação com o comerciante. Diante de humilhações, buscam renegociar suas dívidas e ampliar e manter o crédito para não morrerem de fome por estarem sem salário. Na segunda, na mesma venda durante uma manifestação de grevistas pela cidade, as mulheres vão em busca do comerciante, esse ao fugir, cai, bate a cabeça e morre. Como símbolo de insatisfação pelas constantes humilhações, entre elas a prostituição realizada em troca de alimento, uma das mulheres corta a genitália do homem morto. Onde acaba expondo ao restante da cidade o que as incomodava quando elas deveriam buscar a venda para saciar a fome. Eduard Thompson, historiador que dedicou grande parte de suas obras para a investigação sobre esse contexto, recebeu várias críticas ao afirmar que estava integrando as mulheres na história. Para Carla Pinsky, ao tratar sobre as mulheres na história e ao debater sobre os estudos de Thompson, afirma que, “[...] a questão da mulher não está nele representada (e se estivesse, a coerência da narrativa seria desafiada, já que o texto, apesar de falar sobre mulheres, não trata de seus papéis históricos.”(PINSKY, 2009, p, 173) Logo, ao traçarmos uma comparação dos estudos sobre o período e a narrativa proposta por Berri, evidenciamos que ambas as abordagens possuem aproximações. Pois como nos informa Carla Pinsky, “[...] na luta dos trabalhadores ingleses, descrita pelo historiador, as mulheres são retratadas mais como companheiras leais que como militantes convictas.” (PINSKY, 2009. P, 173)

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A breve discussão aqui apresentada não diminui a importância da utilização desse filme como suporte metodológico. Feito uma comparação entre a produção cinematográfica e algumas obras que investigam sobre o tema, evidenciamos da necessidade de problematizar a atuação das mulheres na história. Esse filme permite isso, todavia necessita que o/a professor/a busque desnaturalizar as diferenças de gênero reproduzidas nas cenas que narra o passado.

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SOUZA, Edileuza Penha de. (Org.) Negritude, cinema e educação: caminhos para a implantação da lei 10.639/2003. Belo Horizonte: Mazza edições, 2006 THOMPSON, Eduard Paul. Costumes em comum: estudos sobre a cultura popular e tradicional. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.

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O NEGRO NA FORMAÇÃO DA CONSCIÊNCIA HISTÓRICA: ENTRE OS DISCURSOS MIDIÁTICOS E A CONSTRUÇÃO DE ESTEREÓTIPOS Jessica Caroline de Oliveira Não é novidade os debates e embates acerca do preconceito e racismo, o que tem gerado tensões entre as diferentes opiniões, as quais, pautadas no princípio de liberdade de expressão, utilizam as mídias e redes sociais para tornar pública as suas interpretações e perspectivas sobre as realidades sociais, políticas, econômicas e sociais. Estas práticas podem ser entendidas como um problema, no momento em que se utilizam único e exclusivamente do seu senso comum, este, por sua vez, vinculado a simplificações rasteiras e preguiçosas, que pouco avaliam os processos históricos associados as suas ‘opiniões’. Portanto, essa tal liberdade de expressão abre caminho para afirmações preconceituosas, estereotipadas e racistas, conteúdo que será consumido pelos seguidores em diferentes redes socais. Neste sentido, mais do que uma mera opinião, quando nos referimos a estes materiais, estamos falando em formação de opinião, pois, as pessoas que ainda não produziram um determinado saber acerca de um assunto, ao ler ou ouvir um sujeito que consideram a sua ‘referência’ (por razões que lhes são particulares) intelectual, artística, política ou social, em alguns casos, tomam esse discurso enquanto verdade e passam a reproduzi-lo. Quando se fala em discurso, aqui é pensando pelo viés de Paul Ricouer (1989, p. 112), o qual salienta que “o discurso é sempre discurso a respeito de algo: refere-se a um mundo que pretende descrever, exprimir ou representar [...] só o discurso possui, não somente um mundo, mas o outro, outra pessoa, um interlocutor ao qual se dirige”. Partindo das informações acima apresentadas, este ensaio tem por objetivo observar os discursos produzidos sobre questões étnico-raciais de dois sujeitos conhecidos e mencionados em sala durante um debate na aula inicial deste ano letivo. Esta atividade foi realizada nas turmas de 8º ano 1, 2 e 3, do Núcleo Educacional João Fernando Sobral, localizado no município de Porto União (Santa Catarina), em 2017. A discussão em si, estava vinculada aos usos de argumentos religiosos na tomada de decisões legislativas em relação ao aborto, homossexualidade, feminismo, enfim, se tratava de aula inaugural e alguns pontos do planejamento semestral foram arrolados à guisa de introdução. A metodologia empregada foi a aula expositiva dialógica, utilizando-se assim, da autora Osima Lopes (1991) para orientar os percursos da aula, fazendo uso do diálogo e dos saberes prévios dxs discentes para fomentar os pontos pertinentes a aula, a fim de elaborar e reelaborar o conhecimento histórico. Nesta acepção, quando o assunto se trata de religião e discriminação, não é de se surpreender que o nome do Deputado Marcos Feliciano seja uma indicação apresentada pelxs alunxs. Isso se deve por algumas publicações realizadas em sua rede social, em que declara que os africanos descendem de um ancestral amaldiçoado por Noé, 642

utilizando assim, um argumento religioso para legitimar a sua opinião e visão acerca do continente africano. Noutra publicação, este senhor escreve que: “sobre o continente africano repousa a maldição do paganismo, ocultismo, misérias, doenças oriundas de lá: ebola, AIDS. Fome...". Em linhas gerais, segundo ele, a “fome” e a “AIDS”, por exemplo, seriam fruto dessa do “paganismo” e do “ocultismo”, deixando de lado todo o processo histórico que desencadeou estas questões, além de generalizar e estigmatizar regiões específicas em que há maior ou menor incidência de doenças, ou desigualdades sociais. Noutras palavras, a África, em seus 54 países e toda a sua diversidade cultural, étnica, política e econômica, é sintetizada como “uma coisa só”, em que se leva em conta um discurso mitológico produzido a aproximadamente dois mil anos e se esquece toda a bagagem intelectual produzida e saberes populares que, de geração a outra, mantem viva a chama da ancestralidade africana e, por assim dizer, revela o que o senhor Deputado não é e não foi capaz de perceber: a verdadeira riqueza cultural, étnica e econômica africana. Outro sujeito mencionado em sala de aula, embora não seja um político, ganhou destaque entre 2016 e início de 2017 (ainda que se tenha tentado abafar o caso), me refiro a um youtuber chamado Lucas Marques, do canal Você Sabia?. Assim como o senhor mencionado anteriormente, utilizou de sua rede social para manifestar sua liberdade de expressão, isto é, insultar mulheres, negros, nordestinos e homossexuais. No que diz respeito as questões etnicorraciais, antes da exclusão de suas postagens, publicou: “procurando quem me roubou numa multidão de pretos”. Não vou me ater a discutir em demasia a imbecilidade desta publicação, a qual, segundo apresentado pelxs alunxs, era uma piada, assim como tantas outras que fazem parte do cotidiano brasileiro. O elemento que aqui me fez citar este sujeito é a associação do afro-brasileiro à criminalidade, o que não é raro encontrarmos referenciais semelhantes em outros discursos, sobretudo, aqueles exibidos em novelas, onde o negro é o empregado, favelado ou criminoso. E mais uma vez reafirmo: opiniões como estas são consumidas diariamente pelas pessoas, o que deixa a seguinte inquietação: de que forma esta produção de discurso atinge ou influência na formação da consciência histórica dxs nossxs alunxs? Para buscar entender os saberes produzidos pelas turmas selecionadas para este ensaio, solicitei que, após uma breve discussão sobre os eixos de ensino apresentados na aula, xs mesmxs escrevessem em uma folha o que sabiam, entendiam ou gostariam de entender melhor daquilo que foi exposto no debate, tomando como exemplo o racismo, a homofobia, feminismo, desigualdade social, enfim, a pergunta foi demasiadamente ampla, buscando assim, dar liberdade às respostas e, por assim dizer, a liberdade de expressão de cada discente. Ou pensando em termos mais conceituais, procurando conhecer a consciência histórica discente, em que segundo Jörn Rüsen (2007), se trata da soma de todos os saberes adquiridos, seja na escola, em casa ou com as demais fontes de informação que, em conjunto, tecem significados, interpretações e orientações na vida prática. Em síntese, podemos apontar alguns aspectos que delinearam as atividades (que ainda estão em processo de análise e irão compor um artigo), entre eles, ficou evidente a associação do negro ao trabalho escravizados, os castigos sofridos, a tristeza e a saudade da sua terra de origem – em parte, acredito que se deve a exibição da minissérie Raízes em uma emissora de TV, ou a novela Escrava Mãe, demonstrando, deste modo, que as 643

mídias fomentam a formação da consciência histórica. Podemos observar este fato através do seguinte trecho extraído de um dos textos entregues: “Eles vieram trazidos pelo trafico negreiro, mesmo a gente generalizando eles como africanos, a vinda deles trouxe diferentes culturas. O negro hoje não é respeitado como os “brancos”, eles não tem o mesmo respeito. Todas ou quase todas as pessoas pensam numa pessoa negra como um escravo.” Neste mesmo rol de redações foi descrita, ou melhor, criticada as constantes humilhações de uma personagem negra numa novela, em que é chamada de “retirante”, “morta de fome”, “nordestina”, “faxineira”, entre diversos insultos que estereotipam não só sujeito negro enquanto faxineiro ou subalterno, como também, a sua questão social ou regional, neste caso, o Nordeste. Partindo destas colocações, uma aluna escreve que: “eu não sou negra, não tenho parentes negros e aqui na cidade a maioria é branca mas não é por isso que eu acho que sou melhor, acho que brancos e negros devem ser tratados iguais. Me sinto mau em ver a Joana ser esculachada pela Barbara, minha mãe nem gosta que eu fique assistindo e por não gostar de ver esses xingamentos eu prefiro ver outra coisa.” Preciso fazer um pequeno adendo quanto a produção dos textos individuais após o debate coletivo na sala de aula, pois solicitei que fizessem pequenos grupos e voltassem a conversar sobre os elementos apresentados para a disciplina e, a partir desse diálogo, escrever cada qual a sua redação, por isso, é possível verificar que em cada grupo um determinado caractere se destacou, como a escravidão, personagem em novelas, redes sociais, violência e criminalidade, bem como, as letras de músicas no funk e no rap. Para não me estender demais, apontarei apenas um último comentário realizado sobre as letras de músicas que, segundo xs alunxs, quando afirmam gostar destes gêneros músicas, são rotulados enquanto “faveladxs”, “maconheirxs” e “putxs”, ou então, apenas dizem que é “música de preto”, seja pela família, colegas de escola e do bairro, ou mesmo professorxs. Quando li, em três textos, que professorxs reforçam estes estigmas, considerei a possibilidade de estar numa sala de aula em que a criticidade é deixada de lado, ou seja, o ambiente escolar se torna um espaço formador de bonecos reprodutores de discriminação, preconceitos e sem qualquer senso crítico. Anderson Oliva (2006) argumenta que a falta de formação e estudos publicados sobre a história africana e afrobrasileira, leva a uma insegurança em ministrar aulas sobre o tema, deixando-o passar, fazendo uso do material didático que nem sempre faz um debate articulado com o compromisso e a responsabilidade de produzir um conhecimento crítico, capaz de compreender e dialogar os processos históricos entre passado e presente e, por assim dizer, não resumi-lo a uma história medíocre, desatenta e incapaz de apresentar os diferentes sujeitos históricos em suas múltiplas culturas e temporalidades, portando, demonstrando o sujeito histórico africano e afro-brasileiro para além destes estereótipos que só gritam a desigualdade, injustiça e impunidade em nosso país. Referências LOPES, A. O. Aula expositiva: superando o tradicional. In: VEIGA, Ilma Passos Alencastro (Org.) Técnicas de ensino: Por que não?. Campinas, SP: Papirus, 1991. 644

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ALGUMAS REFLEXÕES SOBRE ÁFRICA NO ENSINO DE HISTÓRIA Lara Jéssica Nóbrega Macêdo No Brasil, o interesse pelas temáticas referentes à História e cultura africana e afrobrasileira vem ganhando força durante as últimas décadas (ZAMPARONI, 2011). O currículo prático de sala de aula no que se refere ao ensino de História se forma pela estruturação de culturas e simbologias que se organizam pela confluência de conflitos e contradições, configurando as instancia de um currículo formal, real e oculto, (MONTEIRO, 2003, p. 10). Estas confirmações apontadas por Ana Maria Monteiro (2003) nos trazem para o cerne de discussões em que se evidenciam os fenômenos práticos de ensino tais como as incertezas, instabilidades, especificidades e crise de valores. Assim, as relações entre Docente e discente no campo escolar devem ser pensadas na perspectiva das interações com vistas à multiplicidade de interpretações e apropriações. Gislene Santos (2002) nos fala de uma produção de conhecimentos que caracterizam o continente africano pelo exotismo, sendo povos estranhos, horríveis e a-históricos, luz e sombra: opostos. “Se o branco representa a razão, o belo, o bom, o justo... a humanidade, ou seja, simboliza os valores desejáveis, o negro, por sua vez, pode representar a desrazão, a loucura, o feio, o injusto, a animalidade,” (SANTOS, 2002, p.280). Como bem afirma Frantz Fanon (2008) em sua clássica obra Pele Negra, Máscaras Brancas da década de 1950, o branco construiu formas complexas que estão imbuídas nos códigos, normas e valores sociais, que vem, por longos processos históricos, causando a inferiorização do negro, devido a uma suposta superioridade natural dos indivíduos brancos. Os intelectuais africanos e africanistas vem realizando profundas reflexões sobre a universalização da condição existencial do ser negro, que não corresponde à ideia que os povos africanos possuem de si mesmo, causando estranhamento tal pensamento. A circunscrição sobre o ser negro não permite a que se criem outras possibilidades de existência, sobretudo, construindo formas que vão para além da ideia de raça e compreensão da diferença, (MBEMBE, 2014). Deve-se considerar que existe uma epistemologia construída pelos ocidentais que marginaliza e empobrece o continente africano. Com isso, a África é imersa em profundo desconhecimento que ocorre de forma consciente e inconsciente pela Europa, (MUDIMBE, 2013). “Ou seja, Mudimbe (2013) oferece uma vívida descrição de uma situação acadêmica, ressaltando que a África tem sido frequentemente uma vitima do etnocentrismo epistemológico europeu“, (LIMA, 2015, p. 24). A epistemologia eurocêntrica pode ser entendida como uma estrutura ideológica que fornece uma visão deturpada sobre o europeu e os povos africanos, percebendo os europeus como raças superiores e os africanos inferiores na medida em que seus reinos possuíssem características culturais diferentes das sociedades europeias E um dos 646

principais mecanismos para perceber e enfatizar estas diferenças seria a cor da pele, (BARBOSA, 2008). O pensamento eurocêntrico tem nas suas bases a crença de que a Europa ocidental seria um desejável modelo a ser seguido por todos os povos existentes, e isto foi corroborando para a construção de representações negativas sobre as sociedades africanas. Estas por sua vez, foram homogeneizadas, rotuladas como bárbaras, demoníacas e inferiores à cultura europeia, devido a uma suposta ordem natural de progresso no qual todos os povos estavam inseridos (FEIRMAN, 1993). No entanto, as culturas do continente africano não correspondem aos estereótipos e arquétipos construídos historicamente pelo mundo europeu. As representações sobre o africano revelam muito mais a posição de quem fala (europeus) do que sobre quem se fala (africanos). A historiografia do continente africano referente à escravidão, por exemplo, constrói representações diferentes sobre os sujeitos africanos (MBEMBE, 2001). Nos últimos anos as produções historiográficas tem contribuído com pesquisas e reflexões, sobre a estrutura da escravidão no continente africano e como ela se redimensiona com a abertura do Atlântico. Estes pesquisadores deram a possibilidade de enxergar que o continente africano, por ser habitado por diferentes povos, possui estruturas escravistas diferentes e que estão interconectadas. Desse modo, as relações estabelecidas entre os povos africanos com os europeus são percebidas por múltiplas dimensões, contribuindo para superação da perceptiva bipolarizada e extremista caracterizado entre dominador e dominado. De acordo com Anderson Oliva (2003, 2004), pensar África está diretamente ligado ao conjunto de imagens que formam nossa identidade brasileira enquanto sujeitos negros, que lutam diariamente por espaços nesta sociedade historicamente excludente, para terem seus direitos respeitados e, também, para terem sua ancestralidade reconhecida e valorizada em todos os segmentos que constitui uma sociedade multicultural. A Consciência que forma a individualidade se constitui em um processo de inter-relação com a História enquanto disciplina que se configura no plano prático das relações sociais, então, como bem afirma Estevão C. de Rezende Martins (2011), a História forma os sujeitos na mesma medida em que é construída por estes. Deste modo, cada agente se constrói pela interação entre os valores culturais e conhecimentos da sociedade na qual está inserido com seu posicionamento singular sobre as práticas e mecanismos que formam tais símbolos e significante social (MARTINS, 2011, p.11). Stuart Hall (2005), ao refletir sobre a formação das identidades modernas, percebe que estas se encontram em crise, pois suas bases de construção estão situadas nas contradições, fragmentações, multiplicidade, e constantes mudanças (HALL, 2005). Em meio ao processo de ebulição e fragmentação das identidades estas se formam pelos mecanismos de interação, diferenciação e afirmação (HALL, 2005, p.9). Pierre Nora (1981) nos explica que a História enquanto uma forma de memória se apresenta nos livros didáticos com conteúdos que estão imbuídos por mecanismos que influenciam na formação e marginalização de certas identidades em detrimentos de outras, (NORA, 1981). 647

Hebe Maria Mattos (2009) nos proporciona pensar que uma educação voltada à formação de cidadão e que aborde os temas transversais adotados no ensino básico pode se tornar um grande meio de luta contra as formas de discriminação racial no Brasil, educando, deste modo, com vistas ao respeito e tolerância às diferenças étnico-raciais, culturais, religiosas e de tradições (MATTOS, 2009). Deste modo, é com as memórias da escravidão moderna, e as experiências de racismo que as identidades de homens negros e mulheres negras vêm sendo forjadas em sala de aula. A forma como os livros didáticos vêm trabalhando os conteúdos relacionados a História e cultura dos povos africanos ainda é marcada por simplificações que caem na reprodução de estereótipos que reduzem e inferiorizam certas culturas, hierarquizando as identidades e com elas os seus sujeitos, (MATTOS, 2009).

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MONTEIRO, Ana Maria F.C. A História ensinada algumas configurações do saber escolar. Rio de Janeiro: UFRJ, 2003. OLIVA, Anderson Ribeiro. A história da África em perspectiva. Revista Múltipla, Brasília, ano 9, v.10, n.16, jun. 2004. p. 9-40. ______. A História da África nos bancos escolares. Representações e imprecisões na literatura didática. Estudos Afro-asiáticos, 2003, v.25, n.3, p.421-461. SANTOS, Gislene Aparecida dos. Selvagens, exóticos, demoníacos: ideias e imagens sobre uma gente de cor preta. Estudos Afro-Asiáticos, Rio de Janeiro, v.24, n. 2, 2002. ZAMPARONI, Valdemir. A África e os estudos africanos no Brasil: passado e futuro. Disponível em: Acesso em 20 nov. 2011.

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CAMÉLIA BRANCA: O PROCESSO DE ABOLIÇÃO DA ESCRAVIDÃO EM SALA DE AULA Livia Claro Pires A presente sequência didática foi desenvolvida junto a alunos e alunas do 7º ano do segundo segmento do Ensino Fundamental, na disciplina de História, em colégio particular da Zona Norte do Rio de Janeiro, no ano de 2015. Nasceu de uma inquietação da professora ao perceber que os estudantes sempre representavam a população negra que vivia no Brasil no século XIX como escravizados. Por ser um colégio de pequeno porte, oferece apenas o Ensino Fundamental, possuindo poucas turmas com número reduzido de estudantes. A escola localiza-se em Engenho da Rainha, próximo às comunidades da Pedreira e do Complexo do Alemão, atendendo a famílias de classe média baixa residentes no entorno. O reconhecimento que esses estudantes detinham de seu pertencimento étnico esbarrava na negação em ser negro. Percebia-se, com clareza, essa negação. Quando perguntados, em ocasiões diversas, sobre como se autodeclaravam, poucos afirmavam serem negros ou negras. Declaravam-se como brancos ou morenos. Os colegas que eram identificados socialmente como brancos, por sua vez, reforçavam essa negação. Apesar de já terem sido introduzidos em discussões sobre racismo, na sala de aula, percebiam este como um problema individual, uma falha de caráter, um desvio moral. Não compreendiam o racismo como um problema social endógeno. Tal entendimento refletia-se, muitas vezes, na maneira como entendiam o conteúdo ministrado na disciplina. Negros e negras na história brasileira eram vistos por esses alunos e alunas apenas como mão de obra escravizada. Ao serem apresentados ao Segundo Reinado, era como “escravos” que se referiam à população afrodescendente da época. Não percebiam outras formas de existência social desses grupos para além da escravização, e, dessa forma, naturalizavam a desigualdade contra negros e negras nessa sociedade, no passado e no presente, e, sobretudo, entendiam esses indivíduos como agentes passivos. Desta percepção, o plano de aula sobre o processo de abolição da escravidão no país foi pensado para desconstruir esse entendimento. A primeira etapa consistiu em apresentar outra interpretação acerca do papel dessa parcela população na sociedade. Para isso, foi apresentado o poema “Sou Negro”, de Solano Trindade. Após introdução a respeito do autor, sua biografia e contexto políticosocial, a turma foi instada a discutir os versos, a partir de algumas indagações feitas pela docente: qual o período da história do Brasil retratado pelo poeta? Qual a visão acerca do homem e da mulher negra: positiva ou negativa? Eles tinham um papel ativo ou passivo naquela sociedade? Aceitavam passivamente a escravização ou reagiam a ela? Apesar de não ser um texto contemporâneo ao período de estudo, houve uma primeira contestação, de outra fonte de saber que não a professora, a respeito das opiniões acerca 650

do negro na sociedade do Segundo Reinado. Era o início da quebra dos antigos paradigmas trazidos pelos alunos, uma vez percebida outras narrativas acerca da história afrodescendente no Brasil. O passo seguinte foi a análise do livro didático utilizado pela turma. Foi feita uma leitura coletiva do único capítulo dedicado a quase exclusivamente tratar da população negra no século XIX – intitulado “Do trabalho escravo ao trabalho livre”. Solicitou-se aos estudantes o destaque da forma como a população negra, sua participação social e no processo de abolição da escravidão no país eram representadas. Houve consenso entre os estudantes nessa etapa: o texto remetia-se exclusivamente ao negro enquanto mão de obra escravizada, destacando o sofrimento de seu dia a dia. Apesar de afirmar, em uma única frase, sua resistência à escravização, apenas os quilombos foram brevemente mencionados como forma de luta. Quando abordando o processo de abolição, a turma notou haver pouco espaço dedicado à participação de negros e negras nos movimentos abolicionistas. Para alimentar a discussão suscitada, foi feita a seguinte pergunta à turma: “Quem aboliu a escravidão no Brasil?”. As primeiras respostas replicaram aquilo que escutavam desde os primeiros anos do Ensino Fundamental, ou seja, a Princesa Isabel. Novamente, foram surpreendidos quando a professora afirmou ter sido a herdeira de D. Pedro II a representante do Estado que assinou a lei que extinguia a escravidão. A abolição foi explicada, assim, como um longo processo iniciado pelos principais interessados em vê-la concretizada: os negros e negras que aqui viviam, organizados de diversas formas, e não apenas como escravizados rebelados ou quilombolas. Destacouse, dessa maneira, a atuação desses indivíduos junto a organizações da imprensa e da política, em ações afirmativas contra a permanência da escravidão nos centros urbanos das principais capitais da época. De posse dessas informações, a turma deveria construir as biografias de personalidades negras da época, participantes, de diversas formas, das campanhas abolicionistas. Essa fase do projeto consistia na pesquisa e apresentação das trajetórias das seguintes figuras históricas, selecionadas pela professora: André Rebouças, José do Patrocínio, Luís Gama, Maria Firmina dos Reis, Francisco José do Nascimento e Chiquinha Gonzaga; homens e mulheres negras, cujas vivências eram desconhecidas em sua totalidade pelos alunos e alunas. Divididos em grupos, os estudantes escolheram livremente entre esses nomes, pesquisaram a respeito, confeccionaram cartazes e expuseram suas conclusões à turma. Mais uma vez, mostraram-se surpreendidos não apenas pelas trajetórias marcantes de algumas dessas personalidades, cheias de reviravoltas dignas de uma trama ficcional, como também pela atuação como escritoras, compositoras, jornalistas, advogados, engenheiros. Ou, ainda, pelo enfrentamento a um sistema que os subalternizava. Na aula consecutiva, destacou-se a Lei Áurea, assinado em 13 de março de 1888. Colocado em um papel 40kg, o texto da lei foi pendurado na parede da sala de aula, e lido em conjunto. Os olhares foram direcionados para os únicos dois artigos existentes, questionando-se se essas poucas letras eram suficientes para suprir as necessidades da população negra. Naquele instante, o objetivo do plano de aula expandia-se para além do reconhecimento dos diferentes espaços ocupados e funções exercidas pelos negros e 651

negras na sociedade brasileira do século XIX. Fazer cada um dos discentes refletir acerca da historicidade do racismo e o papel do poder público na sua preservação foram horizontes construídos à medida que o projeto foi sendo aplicado, criando-se assim novas atividades. Com essa intenção, propôs-se a leitura de uma reportagem publicada no dia 13 de maio de 2015, no site do Jornal do Brasil. O texto, intitulado “13 de maio: 127 após o fim da escravidão, racismo divide a sociedade”, expunha relatos de casos de racismo sofridos por estudantes e moradores de comunidades, em situações cotidianas ou em abordagens policiais. Novamente, os alunos foram questionados e estimulados a comentar a respeito do que haviam lido em sala de aula. Da conversa tida, algumas falas surgiram. Ao lerem sobre a violência verbal cometida por um policial negro contra uma das entrevistadas, um dos alunos questionou por que uma pessoa negra agia dessa maneira com outra. Outra aluna, negra, de forma espontânea, relatou à turma ser seguida por seguranças quando vai com a família a um shopping em bairro da zona sul da cidade. Houve, ainda, a pergunta de outro aluno, que perguntou à professora se poderia ser considerado negro. Vivências e reflexões que podem ser tidas como evidências da internalização do conteúdo trabalhado, e da sua ligação com o cotidiano atual dos estudantes, em suas relações pessoais e sociais. Na última parte do projeto, a turma foi convidada a refletir sobre quais outros artigos deveriam ser adicionados à Lei Áurea para que o racismo visto nos dias atuais fosse combatido com mais eficácia. No mesmo papel 40kg exposto na sala de aula, cada aluno e aluna escreveu seus complementos ao texto original. Abaixo, alguns dos novos artigos criados:     

“Dar casas e terras pros ex-escravos”; “Pagar indenizações aos negros”; “Prender os donos de escravos”; “Construir escolas e cotas para que eles arranjassem emprego”; “Pena de morte para os racistas”.

Após a aplicação do projeto, percebeu-se que os alunos tornaram-se mais sensíveis e reflexivos em relação às questões raciais que permeavam o seu cotidiano escolar e social, bem como aos conteúdos da disciplina. Tornaram-se mais frequentes os relatos de casos de racismo, tanto os que eram veiculados nas grandes mídias quanto os presenciados em seu dia a dia. Uma das alunas, reproduzindo fala vista em programa de televisão, disse que poderia comer biscoito a partir daquela data, pois havia um casal famoso de atores negros fazendo propaganda de um produto na televisão. A naturalização de relações desiguais foi sendo paulatinamente problematizada por alguns daqueles estudantes.

Referências Bibliográficas “13 de maio: 127 anos após o fim da escravidão, racismo divide o Brasil.” Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 13. Mai. 2015. < 652

http://www.jb.com.br/pais/noticias/2015/05/13/13-de-maio-127-anos-apos-o-fim-daescravidao-racismo-divide-a-sociedade/> AZEVEDO, Celia Maria Marinho de. Onda Negra, Medo Branco: o negro no imaginário das elites no século XIX. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1987. GONÇALVES, Maria Alice Rezende; RIBEIRO, Ana Paula Alves. “A questão étnicoracial e o sistema de ensino brasileiro.” In GONÇALVES, Maria Alice Rezende; RIBEIRO, Ana Paula Alves (org.). História e a cultura africana e afro-brasileira na escola. Rio de Janeiro, Outras Letras, 2014, p. 11-23. MUNANGA, Kabengele. “Educação e diversidade cultural”. Cadernos PENESB, Rio de Janeiro, n. 10, jan.jul. 2008/2010, p. 10.

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APRENDIZES DO CONFLITO: O ENSINO DE HISTÓRIA INDÍGENA EM PALMEIRA DOS ÍNDIOS - AL ENTRE DILEMAS Luan Moraes dos Santos Considerações iniciais Cidade da região agreste do Estado de Alagoas, Palmeira dos Índios é terra proveniente de missão indígena. Localizada a 135 km de Maceió, foi fundada em 1835, emancipouse politicamente de Anadia em 1889. Atualmente, com 127 anos, tem economia baseada na agropecuária, com predominância do latifúndio. Ao longo de sua história foi um grande produtor de algodão e um dos mais importantes centros comerciais de Alagoas. Além disso, em Palmeira dos Índios vive o povo Xukuru-Kariri, que habita a região serrana e entornos da cidade. Eles têm suas origens em dois outros grupos indígenas do Nordeste; os Xukuru da antiga vila de Cimbres, atual município de Pesqueira-PE e os Kariri, povo que habitou a bacia do Rio São Francisco e cuja principal área de fixação foi o território que hoje corresponde a Porto Real do Colégio em Alagoas. Ambos os povos chegaram ao vale que deu origem a Palmeira dos Índios em meados do século XVII e aqui construíram sua história, permeada por conflitos territoriais e pela ressignificação de sua identidade frente aos diversos processos históricos vivenciados em sua luta pela terra e contra a exclusão social (BEZERRA, 2011). A cidade foi erguida sobre seus antigos aldeamentos, seus mortos foram desenterrados e suas feridas expostas e sua identidade cultural, fora desrespeitada. Atualmente, os Xukuru-Kariri, resultado da união cultural entre os povos que habitavam a região, são mencionados na história de Palmeira dos Índios como seres edênicos e propagandísticos, pois vários comerciantes usaram os índios como atrativo para seus estabelecimentos se aproveitando da associação do nome do município com os índios, como atrativo, na mesma medida em que os comerciantes negam a existência desses indígenas quando da exigência de demarcação, algo que é explicado por Margateh Rago como “[...] discurso assertivo, repetitivo, é uma fala arrogante, uma linguagem que leva à estabilidade acrítica, é fruto de uma voz segura e autossuficiente que se arroga o direito de dizer o que é o outro em poucas palavras” (RAGO, 1999, p. 20). Esta discussão está ancorada nos conceitos de “etnogênese” (BANIWA, 2006) e “mistura” (OLIVEIRA, 1993; 1998), entendendo que comunidades indígenas vêm reafirmando seus laços culturais e tentando resolver os problemas de sua época. A “ressurgência” (AMORIM, 2003) desses povos acentua a disputa pela memória (POLLAK, 1989), na medida em que se apropriam do conhecimento gerado nas universidades. Assim, temos a materialização da relação entre o campo acadêmico e as diversas realidades antes relegadas ao esquecimento que influem no ensino-aprendizado na região. 654

É importante ainda, embasado por Foucault, compreender que o território não é definido apenas fisicamente, mas em suas capilaridades, uma vez que é uma extensão do poder que se faz presente como redes e complexos de fios emaranhados, por onde fluem conflitos e convergências (FOUCAULT, 1979). Assim, questionar o tecido histórico da disputa territorial evidenciando a construção da memória dos Xukuru-Kariri (PEIXOTO, 2013) é também uma forma de dar sentido ao espaço, tornando-o uma territorialidade palpável, formando com ele um estratagema existencial. Nesse sentido, podemos argumentar que o sistema educacional do município de Palmeira dos Índios (a exemplo do estado e do país), é um território onde a memória entra em disputa. Um lugar de luta, onde a cultura indígena é oprimida, dando lugar a estereótipos que reforçam o sistema dominante e, consequentemente, desprestigiam os índios por não se encaixarem nos padrões perpetuados.

A lei 11645/08: um estudo de caso Em 2008, o governo federal aprovou a lei 11645 que regulamenta e torna obrigatório o ensino de história dos povos indígenas nas escolas desde os anos iniciais. O intuito, era de que isso revolucionasse o aprendizado, porém nem todos os rincões do Brasil tiveram resultados realmente significativos. Palmeira dos Índios não difere em nada do contexto nacional. A maior escola da região é a Escola Estadual Humberto Mendes, conhecida nas imediações por oferecer Ensino Médio e pela sua estrutura de grande porte, contanto com um total de 27 salas de aulas, diversos laboratórios, quadra esportiva, piscina e campo de futebol. Os alunos matriculados na instituição são, em sua maioria, oriundos da zona rural e urbana, com renda per capta de até dois salários mínimos. Entre esses alunos encontramos jovens Xukuru-Kariri que cursam o ensino médio regular na escola. Surgiram então, os problemas que nos levaram a fomentar essa discussão. Mesmo vivendo e estudando em um município cujo nome carrega sua origem indígena e que conta com a existência de 8 (oito) aldeias, esses jovens não se sentem à vontade para se afirmarem como indígenas, deixando-se passar despercebidos entre os demais alunos, pois a disputa territorial e a eminência de embates permeiam seu cotidiano. O professor Edson Silva enfatiza que: O pouco conhecimento generalizado sobre os povos indígenas está associado basicamente à imagem do índio que é tradicionalmente veiculada pela mídia: um índio genérico, com um biótipo formado por características correspondentes aos indivíduos de povos habitantes na Região Amazônica e no Xingu, com cabelos lisos, pinturas corporais e abundantes adereços de penas, nus, moradores das florestas, de culturas exóticas, etc. (SILVA, 2012, p. 41) Destarte, o silêncio dos jovens Xukuru-Kariri é um resultado da imagem errônea difundida pela mídia local e, consequentemente reproduzida pelos educadores; “[...] se vê claramente a impotência da escola para tornar iguais aqueles que a realidade social e 655

econômica tornou distintos.” (NIDELCOFF, 1978, p. 13) Omitem sua identidade, porque a história dos indígenas que é ensinada nas escolas é limitada ao período colonial, fazendo entender que os índios desapareceram com a conquista dos seus territórios por não índios, invasores louvados pela colonização. (MONTEIRO, 2001)

Considerações finais: aprendendo com o conflito batalhando pelo futuro Vimos até agora, que o município alagoano de Palmeira dos Índios é o palco de um conflito físico, material e ideológico travado há gerações. Nesse campo de guerra, a tomada de controle da memória tem sido uma constante, bem como a sua forma de transmissão mais rápida: a educação. Intuímos que, os conteúdos das aulas de história são estrategicamente direcionados para o ocultamento da presença indígena nos discursos oficiais. Mesmo com a lei 11645/08, os desafios permanecem grandes e, sem os arranjos necessários, os professores encaram sua aplicação como tarefa exclusiva de um único dia no ano. O professor não pode se sentir obrigado a trabalhar a temática indígena, antes ele precisa entender a importância desses povos no curso da história do Brasil, possibilitando não só a compreensão da realidade de seus alunos, mas das comunidades indígenas existentes no hoje. Um dos caminhos que auxiliam na construção desse currículo multiétnico é a formação dos professores; importa trabalhar a diversidade fazendo um contraponto às vozes da elite local. Tendo a presença de 8 (oito) aldeias, Palmeira dos Índios é uma cidade privilegiada como campo de pesquisa. Trabalhar história indígena de uma forma eficiente, implica, necessariamente, entrar em contato com os índios dessas aldeias. Então, aulas de campo podem ser momentos de aprendizado prático. Alunos e professores podem comprovar como vivem os índios atualmente aprendendo que não é inteligente criticar os índios como eles são no hoje, mas entender como chegaram a ser assim.

Referências Bibliográficas AMORIM, Siloé Soares de. Índios Ressurgidos: a construção da auto-imagem. Os Tumbalalá, os Kalankó,os Karuazu, os Catokinn e os Koiupanká.. Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado em Multimeios do Instituto de Artes da UNICAMP Campinas-SP, 2003. BANIWA, Gersem dos Santos Luciano. O Índio Brasileiro: o que você precisa saber sobre os povos indígenas no Brasil de hoje. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade; LACED/Museu Nacional, 2006. BEZERRA, Antonio Alves. O jornal dos trabalhadores rurais sem terra e seus temas 1981-2001. Tese de Doutorado em História. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, PUC/SP: 2011. 656

FOUCAULT, Michel. Sobre a Geografia. In: Microfísica do poder. Organização e Tradução de Roberto Machado. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1979. MONTEIRO, John. Tupis, Tapuas e Historiadores: estudos de história indígena e do indigenismo. Campinas: Tese apresentada para o concurso de Livre Docência Área de Etnologia, subárea História indígena e do Indigenismo. Antropologia. UNICAMP, 2001. NIDELCOFF, María Teresa. Uma Escola Para o Povo. 1ª edição, 17ª edição. São Paulo: Editora Brasiliense, 1978. OLIVEIRA, João Pacheco de. “A viagem da Volta”: reelaboração cultural e horizonte político dos povos indígenas no nordeste In: Atlas das Terras Indígenas do Nordeste: projeto de estudo sobre terras indígenas no Brasil. Rio de Janeiro: PETI/Museu Nacional, 1993. ______ Uma etnologia dos "índios misturados"? Situação colonial, territorialização e fluxos culturais. In: Mana, Abr 1998, vol.4, no. 1, p.47-77. PEIXOTO, José Adelson Lopes. Memórias e imagens em confronto: os XucuruKariri nos acervos de Luiz Torres e Lenoir Tibiriçá. Dissertação de mestrado em Antropologia Social. João Pessoa: UFPB, 2013. POLLAK, Michael. Memória, Esquecimento, Silêncio. In: Estudos Históricos. Rio de Janeiro, vol. 2, n. 3, 1989, p. 3-15. RAGO, Margareth. Prefácio. In: ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz de. A invenção do Nordeste e outras artes. Prefácio de Margareth Rago. Recife: FJN, Ed Massangana; São Paulo, Cortez, 1999.

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A HISTÓRIA INDÍGENA NO ESPAÇO ESCOLAR: PONDERAÇÕES A PARTIR DAS AÇÕES DO PIBID DE HISTÓRIA Lucivaine Melo Maria Geralda de A. Moreira A presença indígena no espaço educacional tem se apresentado de forma fragmentada, oscilando entre silêncios acerca de sua presença na história e na sociedade brasileiras, e, representações carregadas de estereótipos provenientes do imaginário construído no século XVI. Tão ruinoso quanto o silêncio, essas abordagens que pressupõe o índio como indivíduos possuidores de uma cultura estável “(...) espécies de fósseis vivos da humanidade, portadores de culturas autênticas e puras” (ALMEIDA, 2010, p. 17). Taís estas desconsideram os índios da atualidade e as suas estratégias para resistir ao violento processo de expansão do capital sobre seus territórios tradicionais. Refletir acerca da temática indígena na escola é necessariamente pensar sobre sujeitos, seres humanos, culturas e saberes que necessariamente adéquam às novas realidades espaciais e sociais. É preciso. compreender que os grupos indígenas e suas culturas “[...] longe de estarem congelados, transforma-se através da dinâmica de suas relações sociais, em processos históricos que não necessariamente os conduzem ao desaparecimento [...]” (ALMEIDA, 2010, p. 23). É condição sine qua non para a mudança de abordagem da história indígena ensinada na educação básica, entender que a identidade indígena não pode ser reduzida ao uso de pena, do cocar, da pintura e de outros elementos elencados pelos não indígenas como demarcadores da identidade desse povo. É preciso pensar além da perspectiva que compreende os indígenas como culturalmente homogêneos, observando a diversidade que se apresenta em cada etnia. Quando falamos de “índios” falamos pouco sobre os Waimiri-Atroari de Roraima; os Kren-Akarore do Mato Grosso e Pará; os Kaigang de São Paulo, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná; os grupos indígenas do Oiapoque como: Karipuna, Palikur, Galibi Marworno e Galibi Kali ´na; ou mesmo os grupos indígenas do Alto e Médio Rio Negro dentre os quais cito os Tukano e Desana; e assim, também, ocorre com os indígenas do Acre. Como exemplos das diversas etnias desse Estado inserimos a Ashaninka/Kampa. Nesse sentido precisamos indagar: será que os indígenas do Oiapoque, do Amazonas, do Acre que vivem em outro espaço geográfico - muitos deles em regiões de fronteiras - outra fauna e flora vivenciam as mesmas experiências, constroem e compartilham as mesmas estratégias de solidariedade que os Karajá ou Avá-Canoeiro que habitam regiões de cerrado no Estado de Goiás? Certamente todos possuem alguns elementos que os fazem identificar como índios, porém, na atualidade, o debate inovador precisa ocorrer no sentido de perceber as 658

diferenças, estas sim, são essenciais para compreendermos a identidade de cada grupo, a começar pelas estratégias de resistências; as diferenças linguísticas; cultura material e imaterial e a concepção de mundo, não dos índios, mas, dos Karajá, dos Kaxarari, dos Ye´kuana, dos Kadiwéu, etc., contribuindo, assim para construir representações positivas acerca da identidade assumida por essa minoria étnica. Compreendemos que o processo de construção de significados sobre o outro ocorre em vários espaços sociais e não somente na escola ou nas aulas de História, mas este é um momento privilegiado. É na escola que o processo de ensino e aprendizado acontece de forma sistematizada e constante, portanto, é local de transformação da consciência histórica. Se a criação de uma consciência histórica não é função da escola e do ensino de História, a sua ampliação sim, pois compete ao trabalho da história na escola “[...] possibilitar o debate, a negociação e a abertura para a ampliação e complexificação de forma a atribuir sentido ao tempo que os alunos trazem com eles” (CERRI, 2011, p. 116). A construção de sentido ocorre a partir do aprendizado histórico e é influenciada pelas condições sociais (comunidade, valores, vivências) e se expressa nas representações e ações cotidianas dos sujeitos. Assim, o não conhecimento da questão indígena, a não “aquisição de história”, conforme propõe Rüsen (2010), leva a construção de narrativas simplificadas sobre o outro, nesse caso, o indígena. A Lei 11.645/2008 é um avanço no contexto legal, mas é preciso ir além da legalidade, fazendo a diferença nas abordagens que proporcione o reconhecimento destes povos na contemporaneidade. A história indígena a ser abordada nas escolas precisa equalizar as enormes perdas em termos culturais e de etnias com a resistência e as singulares formas de reinventar a identidade redefinindo suas histórias, só assim, construiremos uma educação para a diversidade cultural nas nossas escolas. Pensando como Lima (2011) no leque de possibilidade que a inserção da temática indígena proporciona aos envolvidos, na emergência da inserção dos debates acerca da História Indígena na formação de professores e ao mesmo tempo buscando contribuir com a escola na implementação da lei, anteriormente mencionada, propusemos trabalhar a temática por meio do Subprojeto do PIBID - Educação para a diversidade da formação de professores a sala de aula. O ensino de história indígena foi realizado pelos bolsistas do PIBID (Programa Institucional de Incentivo à Docência), com os alunos do Ensino Fundamental da Escola Campo - Colégio Estadual de Tempo Integral de Aplicação -, com a finalidade de compreender a diversidade cultural dos povos indígenas do Brasil. As atividades executadas em sala de aula são possibilidades de desconstrução de uma história forjada no decorrer do processo de colonização e perpetuada se até a atualidade, que pouco ou nada dizem sobre os indígenas. Os projetos realizados ao longo dos anos de 2014 a 2016 contemplaram diversas etnias e empregaram distintas fontes e linguagens na sua execução. O projeto Karajá e suas lendas e a Lenda da Mandioca, permitiram uma grande interação dos alunos ao abordar o conteúdo através de atividades lúdicas e práticas como a confecção de bonecos de argila; bolo de mandioca; contação de história com uso de fantoches; roda da oralidade e confecção de desenhos, frases e pequenos textos pelos próprios alunos como forma de reconto. 659

O Cantinho da Leitura foi um espaço interdisciplinar com a finalidade de proporcionar aos alunos, um momento de reflexão e reconstrução do imaginário acerca dos indígenas através da leitura de obras literárias que abordam a temática étnico-racial como: Nina África: contos de uma África menina de Lenice Gomes: Kabá Darebu, Histórias de Índios, Meu Avó Apolinário e O Diário de Kaxi: um curumim descobre o Brasil, ambos de Daniel Munduruku. As narrativas fazem parte da cultura e ações como essa, além de contribuir para ampliar os conhecimentos, colabora para o desenvolvimento de futuros leitores. A ação oportuniza, ainda, aos estudantes uma revisão dos conteúdos presente nos livros didáticos. Visando conhecer as diferentes manifestações culturais das 305 etnias indígenas existentes atualmente no Brasil, foram realizadas duas oficinas: Grafismo e Moradia Indígena. A oficina sobre Grafismo abordou a especificidade da Pintura Corporal - uma pintura mais livre e de uso diário - e do Grafismo, uma pintura mais elaborada, que faz uso de símbolos e traços geométricos com significados de pertencimento aquele grupo. Ambas utilizam-se do corpo como suporte para a arte, embora, o grafismo possa ser usando, ainda, em objetos da cultura material. A oficina abordou esses aspectos das etnias Assurini, Karajá e Pataxó. A oficina Moradia Indígena, por sua vez, fez uma exposição dos diferentes tipos de casas e seus formatos, desfazendo assim o conceito de “oca”, como moradia única de todos os indígenas, por meio da apresentação dos vários formatos das casas e sua disposição na aldeia. A arquitetura indígena foi abordada a partir das etnias: Tukâno, Ye’Kuana e Kamaiurá. As atividades desenvolvidas objetivam ampliar o conhecimento dos alunos e refletir acerca da historiografia desse povo presente nos livros didáticos, construída com o olhar europeu, que os colocou a margem e classificou como “selvagens” e valorizar a luta e a resistência, apresentando-os como sujeitos históricos na diversidade cultural brasileira. As ações têm focado a formação dos bolsistas e futuros professores em reuniões, grupos de estudos e em atividades desenvolvidas na escola, proporcionado uma reflexão acerca de seus conhecimentos iniciais sobre os indígenas, possibilitando o rompimento de ideias estereotipadas e contribuindo para o reconhecimento da identidade assumida pelos indígenas na atualidade.

Referências ALMEIDA, Maria R. C. Os índios na História do Brasil. Rio de Janeiro: FGV, 2010. CERRI, Luiz Fernando. Ensino de História e Consciência Histórica. Rio de Janeiro: FGV, 2011. LIMA, Pablo L. de Oliveira. Memórias Indígenas e Ensino de História. Trabalho apresentado no Simpósio Temático “Os Índios e o Atlântico”, XXVI Simpósio Nacional de História da ANPUH, São Paulo, 17 a 22 de julho de 2011. 660

SCHMIDT; M. Auxiliadora; BARCA, Isabel, MARTINS, Estevão (ORGS.). Jörn Rusen e o ensino de História. Curitiba: UFPR; Universidade do Minho, 2010. TERRA, Antônia. Uma nova ótica sobre a história indígena no ensino de História. Disponível em: https://novaescola.org.br/conteudo/572/uma-nova-otica-sobre-ahistoria-indigena-no-ensino-de-historia. Acesso em: 05.03.17.

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IMAGINÁRIOS SOBRE O TERMO ESCRAVIDÃO: A VISÃO DE ALUNOS RECÉM-FORMADOS NO ENSINO MÉDIO, ALGUMAS NOTAS Luiza Hooper Moretti Este texto é fruto do Trabalho de Conclusão de Curso de Especialização apresentado ao final do curso Especialização em Educação em e para os Direitos Humanos, no contexto da Diversidade Cultural da Universidade de Brasília, em 2015. O foco da pesquisa era mostrar o imaginário de alguns alunos recém-formados no Ensino Médio sobre a Escravidão Negra Moderna. Visto que existiram situações de subjugação de uma população ou um grupo de pessoas, fizemos um recorte mais preciso, nos referindo aos negros africanos escravizados ainda em seu continente a partir do século XVI, traficados por portugueses e outras nações europeias, trazidos para as Américas para trabalhar em grandes plantações ou minas, ou até mesmo em trabalhos domésticos e citadinos. É dessa época a ideia de uma “raça” negra, utilizada para “criar um esquema mundial de classificação” (NASCIMENTO & DELMONDEZ, 2014) de pessoas. Esse esquema foi fundante da mentalidade de nossos políticos e se estende até hoje em dia, podendo ser visto em diversas situações, incluindo situações segregacionistas, com negros sempre abaixo de outros grupos – como no caso das favelas, estudado por Nopes (2012). E também é visível no mito da democracia racial que perpassa nossa sociedade e é muitas vezes usado para invisibilizar a luta dos negros por espaços e reconhecimento. Como afirma Da Matta (1986), “quando acreditamos que o Brasil foi feito de negros, brancos e índios, estamos aceitando sem muita crítica a ideia de que esses contingentes humanos se encontraram de modo espontâneo, numa espécie de carnaval social e biológico.” (DA MATTA, 1986, p. 31). Dentre os objetivos de nossa pesquisa final, apresentamos aqui o primeiro: (1) Identificar os elementos constitutivos do imaginário dos alunos sobre o termo escravidão em vários momentos da história, e especificamente a escravidão moderna. A pesquisa foi estruturada em oficinas, que nos possibilitaram um conteúdo mais dinâmico, completo e complexo sobre as diversas dimensões da cultura e história dos negros em nossa sociedade. Foram 4 encontros, onde discutimos o que o tema e a palavra escravidão remetiam, em forma de desenho (encontro 1), os pontos positivos e negativos da escravidão, com uma conversa informal e livre entre os participantes (encontro 2), uma discussão que trazia esses pontos positivos e negativos mais a fundo e para a sociedade atual, com questões como preconceito (que estava nos pontos negativos) e diversidade cultural (que estava nos pontos positivos) (encontro 3) e, por fim, uma tentativa de imersão nessa realidade, onde os alunos foram convidados a escrever uma carta sobre a escravidão negra 662

moderna. Os resultados foram muito variados e apresentaremos a seguir algumas conclusões, que nos interessam nesse texto.

Resultados da Oficina Com relação às representações do termo escravidão, foi possível percebermos que, ademais as diferenças de pensamento de cada um, quando pedimos que os alunos representem figurativamente o que está em suas mentes sobre o tema, em sua maioria eles lembram e colocam no papel várias situações muitas vezes disconexas entre si (mesmo que todas tenham fundo verossímil). Um dos alunos representou apenas a escravidão negra moderna, e ao fazer isso, cada elemento que desenhou tinha uma conexão com o seguinte e com o anterior. Os outros tentaram retratar a escravidão de forma genérica, passando por vários momentos da história, mas acabaram deixando os desenhos soltos, sem conexão entre si. Constatamos que os elementos clássicos da escravidão moderna, que é a que mais afetou o Brasil, estão presentes inclusive quando eles tentam representar a escravidão em outros momentos. A historiadora Isabel Castro-Henriques (2006) faz um bom resumo das diversas pesquisas e teorias, encabeçadas por Claude Meillasoux, sobre o termo escravidão: ele se torna “vulgar” por ser utilizado para vários momentos históricos específicos que, na realidade, são caracterizados por práticas diversas e não análogas. Ao pedir que os alunos separassem as “coisas boas” e “coisas ruins” da escravidão, eles já conseguiram delimitar o espaço-tempo do qual falavam: eles se referiam às positividades e negatividades da escravidão negra moderna. Podemos tirar disso duas conclusões. A primeira se refere ao espaço-mundo em que vivem tais alunos, que por estarem mais próximos dos acontecimentos desse modelo de escravidão, possuem mais elementos e segurança para tratar disso do que para tratar a escravidão de forma mais genérica, percebendo sua existência para além desse recorte espaço-temporal. Uma [outra] conclusão que se segue é que o tema escravidão é ainda pouco trabalhado dentro dos ambientes educacionais de forma a especificar sua existência no curso da história. Mesmo se adaptando melhor à análise da escravidão negra moderna, encaixando-a dentro das categorias “bom” e “ruim”, os alunos não a fazem de forma mais profunda, apresentando justificativa para o fato de os pontos escolhidos serem bons ou ruins. Faltando aprofundamento nessa análise dos porquês, os alunos acabam por repetir, por vezes, ditos populares superficiais e ideologicamente direcionados, como o fato de a escravidão ter sido boa por causa das técnicas agrícolas que foram desenvolvidas ou do crescimento econômico proporcionado. Tal análise aprofundada, que percebemos que os alunos não fazem a priori, foi trabalhada no terceiro encontro. Não questionamos a capacidade dos alunos de pensar autonomamente tais justificativas, mas sim o fato de que eles não possuem o costume de fazer esta análise naturalmente, e precisam ser incitados a fazê-la, papel que deveria ser do professor e da escola e que possivelmente não foi na experiência escolar desses jovens. 663

Compreendemos os alunos como indivíduos que tem sua experiência socio-cultural e histórica como formativa dos conhecimentos prévios que eles trazem para nossa oficina. O período escravista do Brasil se insere claramente nessa perspectiva. Nossa ideia foi mostrar caminhos novos para se pensar a escravidão. O nosso terceiro encontro foi exemplo disso. Trabalhamos os elementos bons e ruins do encontro anterior sob a perspectiva de “para quem” eles foram/são bons ou ruins. Trabalhamos também quais as consequências deles nos dias atuais em nossa sociedade. Com isso, pudemos elevar o conhecimento crítico dos alunos mostrando que falar de escravidão não se resume a uma palavra ou uma situação histórica passada inquestionável. Trata-se de falar de uma situação passada que tem características próprias e que deve ser analisada em todas as suas camadas. Elementos para se pensar a história da escravidão sob perspectiva humana e não econômica foram chave para a compreensão dos participantes. Os alunos colocaram, por exemplo, a diversidade cultural como ponto positivo, mas não viam isso como uma característica fundamental da dinâmica da escravidão no Brasil. Foi apresentado que a música trazida da África, tocada por grupos escravos nas senzalas, era muitas vezes usada como código para dizer aos que fugiam se os capatazes os estavam procurando. Assim, mostramos que elementos que contituem a identidade dos homens e a sua vida em sociedade devem passar pelos seres humanos que as formam e dão sentido, e não pela máquina de organização da produção e economia. Assim, elementos como enriquecimento do senhor ou novas tecnicas agrícolas passam pela exploração da mão de obra, que envolve grande violência e desumanização. Falamos também, como exemplo da dimensão humana da escravidão, da questão da raça. Raça foi um elemento tão chave para a organização das sociedades ocidentais coloniais, e principalmente dos Estados Unidos da América (colônias do sul) e do Brasil, que na Europa vários estudiosos e escolas científicas buscaram comprovar a relação entre cor da pele e capacidades humanas, cognitivas e/ou físicas, a fim de justificar o rebaixamento de uns perante outros. A escravidão foi, então, uma situação histórica movida por interesses econômicos, mas que buscou justificativas biológicas e políticas para se validar. Falar de raça é abrir espaço automático para se falar de racismo. A relação entre racismo e escravidão foi feita pelos alunos de forma direta e sem maiores obstáculos. Porém, apesar de ninguém ter professado ideias do tipo “não existe racismo no Brasil”, os alunos externalizaram dificuldades de compreender o racismo como experiência cotidiana no Brasil hoje, pois “há negros no poder”. Utilizamos matérias de jornais e revistas sobre vários momentos de preconceito ocorridos em nossa sociedade e que apresentavam dados sobre a população negra no Brasil como recurso didático. Com isso, os alunos puderam ter exemplos concretos da existência ainda atual do preconceito, e que, apesar da representatividade ser importante (um negro em cargo de poder, por exemplo, ou uma mulher negra influente), ela não diminui o racismo direcionado diariamente aos negros.

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Para concluir, ficamos felizes em conseguir atingir nosso objetivo de compreender como os alunos pensam a escravidão após sair da escola básica. Pudemos perceber algumas dificuldades que eles têm em relacionar vários pontos diferentes constitutivos do período e termo histórico trabalhado. Tivemos espaço para fazer uma ponte entre as diversas características da escravidão, relacionando-as entre si e com a realidade em que vivemos hoje. Assim os alunos puderam formar uma imagem mais complexa desse momento histórico, conectando elementos que antes eles viam em esferas disconexas. Por fim, percebemos ainda que o conteúdo que os alunos trazem das aprendizagens do Ensino Médio é ainda bem raso e desconexo com a realidade, não sendo impossível conectá-los, mas não tendo, também, sido feito nos momentos oportunos anteriores de sala de aula e de estudo.

Referências Bibliográficas CASTRO-HENRIQUES, Isabel. Reflexões sobre o “escravo” Africano. In: O pássaro de mel: estudos de história africana. Lisboa: Colibri, 2006. DAMATTA, Roberto. O que faz o brasil, Brasil?. Rio de Janeiro: Rocco, 1986. MORETTI, Luiza H. Imaginários dobre a escravidão negra moderna: a visão de alunos recém-formados no Ensino Médio. Monografia de especialização. Universidade de Brasília, Instituto de Psicologia, 2015. NASCIMENTO, Wanderson Flor do. DELMONDEZ, Polianne. Sujeitos da diversidade e suas vulnerabilidades. In: Curso de Pós-Graduação em Educação em e para os Direitos Humanos no Contexto da Diversidade Cultural. (Módulo II). Brasília: UnB/SECADI/MEC, 2014. NOPES, Adriane. Os “outros” por baixo dos “outros”: o caso das “favelas” no Brasil. Oficina nº 393 do Centro de Estudos Sociais, Universidade de Coimbra, Coimbra, Portugal. Novembro de 2012.

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JOGOS E BRINCADEIRAS AFRO-BRASILEIRA: UMA AÇÃO DO PIBID NAS TURMAS DO 6°ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL Maxuel Soares de Oliveira Patrícia Azeredo Jumara Carla Azevedo Ramos Carvalho Introdução O Brasil tem uma grande parcela de população de origem africana. Os negros que aqui chegaram muitos sofreram durante o período da escravidão. Mesmo com a Abolição dos Escravos eles continuaram a viver nesta terra formando suas famílias, suas histórias e lutando pelo reconhecimento de sua cidadania burlada pela lei e por seus “irmãos brancos”. Como o passar de mais de 200 anos de liberdade, ainda é visível em suas atividades cotidianas pessoas que deparam com diversas situações que provocam intimidação ao ser coagido com os insultos raciais, apelidos e piadinhas racistas maquiadas com a justificativa de ser apenas uma simples “brincadeira”. Conformando-se com essas condições de racismo e preconceito, muitas vezes o negro sente-se humilhado e vítima de uma situação que remete ainda ao período da escravidão, outros já lutam pelos seus direitos de igual para igual não deixando que essas ofensas cresçam sem uma devida punição. Esses atos preconceituosos podem ser encontrados em vários ambientes e um desses espaços é a escola que ao mesmo tempo que proporciona a aprendizagem torna-se também um ambiente de exclusão e proliferação do bullying, pois nos espaços livres ou até mesmo na sala de aula situações de preconceito e racismo acontecem com muita frequência. Neste sentido, Érica Garrutti et. All (2004, p. 5) salienta que: A escola possui a função de integrar o educando à sociedade, auxiliando-o na construção da identidade pessoal, em detrimento de ser mecanismo de alienação. O relacionamento flexível com a comunidade favorece a compreensão de fatores sociais e culturais que se expressam na escola. Nesse sentido, a escola deve abordar, fundamentalmente, questões que interferem na vida dos alunos e com as quais se confrontam cotidianamente. As problemáticas sociais como: ética, saúde, meio ambiente, pluralidade cultural e sexualidade, são conteúdos essenciais nas diversas disciplinas, independentes da área da disciplina.

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Partindo do pressuposto que a escola é um dos principais lugares onde as crianças e jovens possam aprender a conviver com a diversidade cultural, o respeito mútuo e a valorização do ser humano é que se pensou em desenvolver com os alunos do 6º ano do Ensino Fundamental, do Colégio Tereza Borges de Cerqueira a prática de jogos de origem africana com o objetivo de trazer para o ambiente escolar ações que possam desmistificar alguns conceitos e ampliar a compreensão sobre a cultura afro-brasileira proporcionada a partir de uma aprendizagem lúdica.

Importância da cultura africana Durante escravidão a população negra foi tratada no Brasil de forma desumana, eram definidos como um produto comercial, sem qualquer importância para sociedade, pois não eram considerados cidadãos e deles só queriam a força braçal como forma de mover a economia. Mas eles lutaram muito, obtiveram várias forma de resistência sejam elas das mais sutis até as mais violentas e esperaram bastante até que as leis se arrastassem para um desfecho final e no dia 13 de maio de 1888 foi declarado o “fim da escravidão” sem que nenhum de seus direitos fossem pagos ou a eles dada a condição de sobreviver dignamente. Porém, infelizmente, a população recém liberta ainda sofreram muito diante dos preconceitos (aos quais ainda são vitimas até nossos dias) e a eles foram designados os mais baixos trabalhos, as piores moradias e excluídos ficaram a margem da sociedade. Jogados a própria sorte, criaram meios de sobrevivência e lutaram por dias melhores, expandiram sua cultura e fizeram valer o seu grito de liberdade, infelizmente ainda pouco reconhecido devido ao estigma da escravidão, mancha que ainda os persegue os negros são desvalorizados em sua cultura e sua religião. Como forma de valorizar essa cultura e sua religião que o trabalho foi pensado e desenvolvido para que os alunos em contato com os jogos e brincadeiras tradicionais possam trazer benefícios para o corpo e a mente, além do mais pode-se mencionar o convívio com o outro no ato de brincar que estabelece inúmeras relações sociais com o propósito de amenizar os conflitos e criar um espaço onde eles possam respeitar a diversidade e ao mesmo tempo de forma harmoniosamente aprender com a ajuda do outros a solucionar desafios e enfrentar os problemas. Pois como cita, PIAGET (1967, p. 25) “o jogo não pode ser visto apenas como divertimento ou brincadeira para desgastar energia, pois ele favorece o desenvolvimento físico, cognitivo, afetivo e moral”. Nota-se ainda, que o contato do educando com jogos e brincadeiras de interação com o outro além de proporcionar momentos de entretenimentos, proporciona incentivos a sua imaginação intelectual, a sua afetividade, ajuda mútua e a troca de experiência são elementos essenciais para atingir o campo da aprendizagem. Pois para Vygotschy (1984, p.109) “da mesma forma que uma situação imaginária tem que conter regras de comportamento, todo jogo com regras contém uma situação imaginária”, este talvez seja o grande sentido do brincar sendo que, tanto a brincadeira como o jogo no espaço escolar é de suma importância para o desenvolvimento do imaginário e sua transposição 667

para uma situação real onde as regras do jogo tem que estar em conformidade com o vivido para que de fato eles se efetivem. É no planejamento diário de cada disciplina que o professor tem a possibilidade de inserir em sua prática pedagógica atividades lúdicas que proporcionam a aprendizagem “brincando” uma forma mais “divertida” e “prazerosa” de mediar o conhecimento. Diante dessa possibilidade eis a disciplina de Educação Física repleta de jogos e brincadeiras que proporcionam o desenvolvimento físico, motor e social com atividades bem planejadas o professor pode mudar a sua prática pedagógica através de um bom planejamento contextualizado e de acordo com cada série. Pois segundo Sílvia Finck: A Educação Física proporciona às crianças competências e conhecimentos que lhe permitam chegar a ser autônomos e aprender de forma independente. Aliada ao esporte, oferece a cada criança a oportunidade de escolher, de formar valores e aptidões que favorecem a aprendizagem de forma independente, desenvolvendo a autodisciplina. (FINCK, 2011, p.79) Ao utilizar das aulas de Educação Física como medida isolada para se trabalhar as diretrizes curriculares corre o risco de desenvolver micro-ações como salienta AGUIAR: “É importante ressaltar que mesmo com a presença de materiais de apoio e as diretrizes curriculares que orientam a sua prática pedagógica, ainda encontramos a atuação de professores de forma isolada, sem o comprometimento da escola como um todo” (AGUIAR, 2010, p. 97) É nesse não envolvimento da escola como um todo que perde a oportunidade de trabalhar a interdisciplinaridade e a multidisciplinaridade como forma de fortalecer e transmitir conhecimentos referentes a cultura africana, indígena e até mesmo a história do lugar em que vive o que também cai no esquecimento. Estar atento a essas possibilidades é oportunizar aos alunos um trabalho em conjunto, um diálogo constante e um debate acirrado, pois cada professor em sua área de atuação trarão novos elementos. A partir dessa premissa, pensou na inserção dos jogos e brincadeiras africanas para as turmas do 6º ano A, (vespertino) do Colégio Estadual Tereza Borges de Cerqueira no intuito de trazer para a sala de aula o universo africano e o entrelaçamento das culturas respeitando cada indivíduo em particular e incentivando os alunos a conviverem com isso, desfazendo assim antigos estereótipos que se arrastam há anos. Através dessas práticas lúdicas pode-se desenvolver o conhecimento do continente africano trazendo para o palco da sala de aula elementos da cultura, da religiosidade, da economia, da sociedade de um povo que nos livros didáticos ainda são vistos como submissos. Contudo, convém lembrar, que a inserção dos temas da África tornou-se obrigatório nos currículos escolares com a lei 10.639 no ano de 2003 e que agora com uma nova proposta de reformulação do Ensino Médio desfaz toda essa obrigatoriedade sobre a Cultura Africana, bem como as disciplinas de Sociologia e Filosofia. 668

Dessa forma, temos que procurar alternativas e estratégias de manter esse ensino da História da Cultura Afro Brasileira com a intenção de expandir os conhecimentos no ambiente escolar independente de disciplina e ao mesmo tempo extrapolar os muros das instituições para que nosso alunos descobrir e aprender cada vez mais sobre a diversidade cultural que o cerca.

Referências bibliográficas AGUIAR, Janaina C. Teixeira; AGUIAR, Fernando J. Ferreira. Uma reflexão sobre o ensino de história e cultura afro-brasileira e africana e a formação de professores em Sergipe. Revista Fórum, Itabaina, v.7, jan-jun 2010. Disponível http://200.17.141.110/periodicos/revista_forum_identidades/revistas/ARQ_FORUM_IN D_7/ FORUM_V7_06.pdf>. Acesso em 25 out. 2016. BRASIL. Marcos Legais da Educação Nacional. Brasília, DF: Ministério da Educação, 2007. DIRETRIZES Curriculares Nacionais para a educação das relações étnico-raciais e para o ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana. Brasília, DF: MEC, 2004 FINCK, Silvia Christina Madrid. A Educação Física e o esporte na escola, cotidiano, saberes e formação. 2.ed. Curitiba: Ibpex, 2011. GARRUTTI, Érica Aparecida; SANTOS, Simone Regina dos. A interdisciplinaridade como forma de superar a fragmentação do conhecimento. Revista de Iniciação Científica da FFC, v. 4, n. 2, 2004. PIAGET, Jean. A psicologia da criança. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1998. VYGOTSKY, L.S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1984.

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A INVISIBILIDADE DA TEMÁTICA INDÍGENA NO CURRÍCULO DE HISTÓRIA: UMA ANÁLISE DA LEI 11.645 DO CURRÍCULO BÁSICO DE HISTÓRIA DO RIO DE JANEIRO Rafaela Albergaria Mello A Secretaria de educação do estado do Rio de Janeiro – SEEDUC possui um documento denominado Currículo básico, o qual todas as escolas estaduais devem seguir. Nele há os conteúdos curriculares e as competências que o professor deve inserir para a construção do aprendizado dos estudantes. Esse currículo mínimo é dividido por disciplinas escolares e está de acordo com os Parâmetros Nacionais de Educação PCNs. Cada disciplina possui o currículo básico para usar como referência dos conteúdos que devem ser compreendidos pelos estudantes. O Currículo Mínimo, denominação antiga do Currículo Básico de História foi elaborado em 2012 com a participação de alguns professores regentes. O documento ressalta que sua elaboração não procura dar conta de todos os conteúdos e que buscou apenas fazer uma seleção de competências e habilidades essenciais para o ensino de história: "Elegemos estes pontos para que a sala de aula e a escola tornem-se um lugar de produção de conhecimento histórico, não como um ponto distante no tempo, estático, mas como um lugar de produção, de reflexão e de construção do conhecimento que refletirá a realidade e as necessidades da região em que a escola está inserida. Esperamos, assim, que o nosso educando, ao fim do processo escolar, participe ativamente da sociedade como cidadão, seja a partir de sua inserção no mundo do trabalho, seja na continuidade dos seus estudos ou em quaisquer outras experiências" (Secretaria de Educação do Estado do Rio de Janeiro, 2012, p. 3). Percebemos que o documento procura ressaltar a reflexão e a construção do conhecimento, procurando a participação do estudante como sujeito histórico e crítico de seu tempo. O texto desse documento sugere que o estudante terá noções importantes de sua sociedade com o currículo que é produzido pela SEEDUC e utilizado pelos professores da rede estadual. Entretanto, ao analisar os conteúdos curriculares dos 1°, 2° e 3° anos do Ensino Médio na área de História do currículo básico, praticamente inexistem as denominações "índio", "povos indígenas", "autóctones", etc. Aqui vale uma observação: no 1° ano do Ensino Médio em relação ao 3° bimestre, há um item que sugere a discussão acerca da temática indígena. Assim, as competências e 670

habilidades a serem desenvolvidas são observadas nos três objetivos do conteúdo. No item "América": 

Analisar as principais organizações sociopolíticas na América Pré-Colonial;



Comparar os conflitos culturais, sociais, políticos e econômicos dos períodos pré-colonial e contemporâneo;



Desenvolver comportamentos de respeito à diversidade cultural.

Diante disso, algumas questões podem ser formuladas. Quais são os conflitos culturais, sociais, políticos e econômicos a que o currículo se refere? Quais são as interpretações que os professores podem fazem dessas competências e habilidades? Quais são os assuntos que os professores devem priorizar ao construir o ensino e a aprendizagem? Provavelmente, o tratamento dado a temática poderia ser melhor direcionado e explicado. O documento segue: "Optamos por manter um currículo com os conteúdos que consideramos essenciais para a rede. Acreditamos que deva ser estabelecido um novo entendimento sobre o cotidiano das escolas como locais de representações que transformam o dia a dia a partir do conhecimento e das múltiplas relações estabelecidas" (Secretaria de Educação do Estado do Rio de Janeiro, 2012, p. 3). Observamos que os conteúdos presentes nos currículos básicos são os considerados essenciais para o ensino e aprendizagem nas escolas públicas estaduais do Rio de Janeiro. Ocorre que, para a produção e construção de conhecimento no Ensino Médio na disciplina de História, destina apenas um item em um único bimestre com diferentes questões. Aprender sobre os povos indígenas, respeitar os primeiros povos brasileiros, conhecer a história de seu país, mostrar a história do Brasil consiste em discussão que tem pouco tempo para ser desenvolvida. O 3° bimestre é bastante ambicioso: três itens são apresentados como conteúdos a serem desenvolvidos. O primeiro, denominado "Expansão Marítima", o segundo, identificado como "África" e, por fim, um denominado "América". Nesse último item, os conteúdos englobam a história dos povos indígenas brasileiros e a história dos primeiros povos da América Latina. O currículo prioriza a visão etnocêntrica do processo de colonização do continente americano, pois não denomina a história dos primeiros povos da América Latina, como mencionei anteriormente. O documento oficial do estado do Rio de Janeiro sobre o currículo escolar denomina as principais organizações sociopolíticas na América PréColonial, identificadas como baixo e alto impérios, sendo esses últimos os Maias, Incas e Astecas, como também aparecem nos conteúdos dos livros didáticos. Assim, uma importante parte da história do Brasil não é prioridade, prevalecendo a visão etnocêntrica dos aspectos relacionados a hierarquias culturais, como também uma perspectiva eurocêntrica e preconceituosa em relação aos povos indígenas do Brasil (SOUZA LIMA, 1995) 671

A ausência dos povos indígenas brasileiros nos conteúdos curriculares tem uma intencionalidade da elite brasileira no século XIX, para a qual a historiografia brasileira seria a continuação da história de Portugal. Porém, essas escolhas permaneceram por décadas e persiste a exclusão, afastando os povos indígenas da história do Brasil. Analisando os conteúdos também do currículo mínimo, podemos acreditar inclusive na inexistência dos povos indígenas, pois estes desaparecem dos conteúdos, como se não fizessem parte da história, ou na ideia de que todos foram pacificados, assimilados e incorporados à sociedade ou ainda, extintos. Infelizmente, essas minhas constatações fazem parte do senso comum do brasileiro, visão essa construída dentro da escola. Esse cenário precisa ser revisto. A celebração do dia do índio, em 19 de abril, precisa mudar o foco do índio como pertencente apenas à floresta, a comunidades caçadoras e coletoras e que tem o hábito cultural de andar nu. Os povos indígenas não estão presos ao passado, não foram congelados no tempo; eles fazem parte da atual sociedade, frequentam universidades, utilizam tecnologia e continuam lutando por suas terras. É preciso que a figura dos povos autóctones seja refletida no ensino de História e na escola. É lá que se tem a possibilidade de construir o respeito, o conhecimento, a tolerância e o reconhecimento de que os povos indígenas têm lugar legítimo na história do Brasil. Em março de 2008, a lei 11.645 foi promulgada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, passando a reconhecer a temática da história indígena como importante matriz da sociedade brasileira e representando um avanço nesta discussão. Assim, o exercício dessa promulgação deve ser incorporado tanto na prática cotidiana da sala de aula como nas discussões acadêmicas, que são determinantes na formação dos professores de história. Como Giovani José da Silva afirma, “a lei 11.645/2008, que prevê a inserção do ensino de história e culturas indígenas na educação básica, representa um passo enorme em direção ao reconhecimento de uma sociedade historicamente formada por diversas culturas e etnias, dentre elas as indígenas. Afinal, o Brasil é um país de rica diversidade pluricultural e multiétnica [...].” (SILVA, 2015, p. 21.) A reflexão acerca da promulgação dessa lei é um desafio para todos que atuam na educação. Entretanto, admitimos que há um despreparo dos professores sobre a temática, paralelamente à abordagem ainda tímida dessa temática nas diferentes universidades, contribuindo assim para a lacuna sobre o ensino de história indígena com os licenciandos que, no futuro, atuarão como professores de educação básica. Na América portuguesa, a palavra "índio" servia para designar as mais diversas etnias, grupos e culturas nativas existentes no território. Posteriormente, se criaram as denominações de "tupi" e "tapuia". Segundo o historiador John Monteiro (1995), tupis eram os povos do litoral de Santa Catarina ao Maranhão. Tapuias, diferenciados 672

socialmente do padrão tupi, eram pouco conhecidos dos europeus e se encontravam nos sertões do território. Dessa maneira, o próprio historiador afirma que os europeus do século XVI procuraram reduzir o vasto panorama etnográfico em duas categorias: tupi e tapuia. Nesse cenário, a lei 11. 645 é de extrema importância, pois mesmo em sua vigência, a inserção sobre os povos indígenas é mínima no programa curricular do conteúdo de História do estado do Rio de Janeiro direcionado ao Ensino Médio.

Referências bibliográficas BRASIL. Presidência da República/Subchefia para Assuntos Jurídicos. Lei 11.645, de 10 de março de 2008. LIMA, Antonio Carlos de Souza. "Um olhar sobre a presença das populações nativas na invenção do Brasil". In: SILVA, Aracy Lopez da Silva; GRUPIONI, Luiz Donisetti Benzi, (Orgs.). A temática indígena na sala de aula. Novos subsídios para professores de 1º e 2º graus. Brasília: MEC, 1995, pp. 407-419. MONTEIRO, John. "O Desafio da História Indígena no Brasil". IN: SILVA, Aracy Lopez da Silva; GRUPIONI Luiz Donisetti Benzi, (Orgs.). A temática indígena na sala de aula. Novos subsídios para professores de 1º e 2º graus. Brasília: MEC, 1995, pp. 221-228. SACRISTÁN, J. Gimeno. Currículo: uma reflexão sobre a prática. Porto Alegre: Artmed, 2000. Secretaria de Educação do estado do Rio de Janeiro. Currículo Mínimo de História, Rio de Janeiro, 2012. SILVA, Giovani José da. “Ensino de História indígena”. In: WITTMANN, Luisa Tombini (org.) Ensino d(e) História indígena. Belo Horizonte: Autêntica, 2015.

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“CAÇAR, PESCAR E VIVER NAS FLORESTAS”: REPRESENTAÇÕES DE ALUNOS DA REDE BÁSICA EM XINGUARA-PA ACERCA DOS POVOS INDÍGENAS Rafael Rogério Nascimento dos Santos Heraldo Márcio Galvão Júnior Iolanda de Araújo Mendes Esse trabalho é fruto de pesquisa em andamento a qual tem por objetivo analisar as representações que os alunos da rede básica de ensino constroem acerca dos povos indígenas no Brasil. Temos pensado em como está sendo produzido o conhecimento histórico escolar acerca da temática indígena após nove anos da implementação da lei 11.645/08, que tornou obrigatório o estudo da história e cultura afro-brasileira e indígena nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio das escolas públicas e privadas de todo país. O projeto conta com apoio da Pró-Reitoria de Extensão e Assuntos Estudantis-PROEX da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará e está sendo desenvolvido em duas escolas da rede pública de ensino do município de Xingura_PA, sudeste paraense: Escola de Ensino Fundamental Henrique Francisco Ramos e Escola de Ensino Médio Dom Luiz de Moura Palha. A Lei 11.645/08 fará no próximo dia 10 de março nove anos de existência, entretanto, como apontam Giovani Silva (2015), Luisa Wittmann (2015), Maria Aparecida Bergamaschi (2011), Marta Troquez e Ana Paula Mancini (2009), Edson Silva (2002), entre outros, os povos indígenas ainda são representados por meio de estereótipos, desprovidos de dinamicidade e pluralidade cultural. A ideia geral é de que os povos indígenas são e devem ser exclusivamente compostos por homens e mulheres nus, que pintam seus corpos e moram no interior da selva. Segundo Márcio Couto Henrique existem crenças estereotipadas que agregam aos povos indígenas imagens negativas acerca da inteligência, caráter e que “... fundamentam a discriminação na medida em que sustentam atitudes de hostilidade, desprezo e temor com relação a povos que tradicionalmente tem sido definido como inferiores”(HENRIQUE, 2010,p.81). Mesmo não sendo fruto de reflexão recente (LOPES, 1987; GRUPIONI, 1995) a temática indígena no Ensino de História ainda enfrenta grandes problemas. Para Bergamaschi (2011) tanto a produção historiográfica quanto o ensino de história vigentes até o momento contribuem para a constituição de práticas discriminatórias acerca dos indígenas. Dessa forma, temos um quadro geral já destacado pela bibliografia sobre o tema: há um padrão que legitima e oficializa esse tipo de conhecimento acerca da temática indígena na escola, ainda existe uma mentalidade sobre os povos indígenas que os representa por meio de estereótipos, imagens ligadas apenas ao passado colonial; os índios são tidos 674

como sujeitos que não fazem parte da sociedade nacional; desprovidos de sua pluralidade cultural, como se todos os índios do Brasil fossem um só, iguais; os povos indígenas são exóticos, excêntricos e, não raro, comparados até com animais. Ao pensarmos nesse quadro geral e também na região do sudeste paraense, mais precisamente no município de Xinguara (onde se encontram as escolas lócus da pesquisa) constatamos que esse padrão está sendo (re)construído nas representações feitas pelos alunos. Durante a etapa inicial da pesquisa foram coletados 835 materiais, entre textos e imagens, produzidos por alunos do 6º ano do ensino fundamental até o 3º ano do ensino médio. Nesses materiais os alunos desenharam ou escreveram o que eles pensavam acerca dos seguintes termos: “povos indígenas” e “índios”.

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Logo abaixo segue algumas transcrições das narrativas construídas pelos alunos. (Foram realizadas algumas correções gramaticas, entretanto, o sentido original não foi alterado.)



“Os índios são pessoas que vivem em aldeias, nos filmes eles são valentes não sei em vida real, os índios não usam roupa eles vivem de fruta do mato, coisas de comer do mato, no mato que eles arranjam comida, eles pescam e vivem do peixe também” (E.E.F. Henrique Francisco Ramos, 6º ano E, 2016).



“Os índios são povos que vivem na floresta sua cultura, eles trabalham de caçar, pescar, buscam sua comida na floresta, antigamente era assim. Viviam mais suas culturas naquele tempo. Hoje em dia os índios só sabem “luxar”, anda igual o povo da cidade, carro bom e roupa boa e cordão de ouro, mas eles esqueceram que a cultura deles é bonita. Não se pintam mais, a maioria deles não mora nas aldeias, mas sim nas cidades. Fui a Redenção Pará, lá vi índios completamente diferentes, uma parte mostrando sua cultura verdadeira, outros no luxo. Sim tem que “luxar”, mas não esquecer da sua cultura, mas mostrar mais ela. Hoje em dia tudo é fácil para eles, dou valor aos que cultivam sua cultura, sua raça” (E.E.F. Henrique Francisco Ramos, 7º ano C, 2016).



“Para mim a vida dos povos indígenas parece ser muito divertida, eles vivem despreocupados, a vida na cidade é muito movimentada. E eles não se preocupam com roupas e também é muito interessante o jeito de falar diferente. É isso o que eu acho” (E.E.F. Henrique Francisco Ramos, 8º ano B, 2016).



“Povos indígenas, eu acho que eles são um grupo de pessoas que vivem na floresta ou em outros lugares e eles estão aqui no Brasil há muito tempo. Índios, eu acho que é uma pessoa que gosta de viver na floresta entre outros e que essas pessoas não gostam muito de viver entre muitas pessoas como na cidade e que eles não são muito chegados à tecnologia” (E.E.M. Dom Luiz de M. Palha, 1º ano B, 2016).

Os documentos coletados estão sendo analisados e, até o momento, podemos perceber que o padrão supracitado, lamentavelmente, se legitima e perpetua nas escolas pesquisadas. Os indígenas nos documentos são tidos como sujeitos que não fazem parte da realidade dos alunos, contribuindo para exclusão dos indígenas na sociedade local. Os povos indígenas são desprovidos de suas pluralidades culturais para serem sintetizados em termos pejorativos: são preguiçosos, selvagens, pertencem somente a floresta, vivem no ócio, não fazem uso da tecnologia e quando não são enquadrados nessas generalizações deixam de ser “verdadeiros índios” pois estão deixando sua cultura de lado. 676

As narrativas construídas pelos alunos não são resultado somente das suas experiências nas escolas, mas também do senso comum, das suas vivências cotidianas na sociedade, nos meios de comunicação, etc, o que amplia a discussão que inicialmente nos propomos a fazer na pesquisa. Entretanto, focando no Ensino de História e no papel da escola, algumas estratégias para superar tal quadro são fartamente apontadas pela bibliografia, como por exemplo, a revisão em práticas pedagógicas que insistem em mostrar um índio genérico, e também nos próprios livros didáticos (COELHO, 2010). Diante desse preocupante quadro os esforços devem se concentrar principalmente no sentido de fazer com que os alunos percebam os povos indígenas em sua pluralidade, sua dinamicidade, sua diversidade, a partir de uma prática comprometida eticamente com a temática indígena (MANCINI, TROQUEZ, 2009). No âmbito do lócus da pesquisa, ao pensarmos em uma contribuição para a temática desenvolvida, o projeto que atualmente está analisando e problematizando as representações construídas pelos alunos, a partir de uma leitura sócio-antropológica e histórica, visa em seus próximos passos a elaboração de um material didático voltado para os alunos das escolas pesquisadas, inclusive pretende contar com a participação dos indígenas Mebêngôkre-Kayapó da aldeia Las Casas (situada próxima ao munício de Xingurada) a qual tivemos a oportunidade de conhecer em novembro de 2016. Além disso, iremos propor seminários e oficinais aos professores da educação básica com o intuito de auxiliar na formação continuada dos mesmos no que corresponde a temática indígena na escola.

Referência Bibliográfica BERGAMASCHI, Maria Aparecida. A temática indígena no Ensino de História: possibilidades para diálogos interculturais? In: FONSECA, Selva Guimarães; GATTI JÚNIOR, Décio (Orgs.), Perspectivas do Ensino de História: Ensino, Cidadania e Consciência Histórica. Uberlândia, 2011: Edufu, p. 295-304. COELHO, Mauro Cezar. As populações indígenas no livro didático ou a construção de um agente histórico ausente. In: COELHO, Wilma de Nazaré Baía; MAGALHÃES, Ana Del Tabor (Orgs.). Educação para a diversidade: olhares sobre a educação para as relações étnico-raciais. Belo Horizonte: Mazza Edições, 2010. GRUPIONI, Luís Donisete Benzi; SILVA, Aracy Lopes da (Orgs.). A Temática Indígena na Escola: Novos Subsídios para Professores de 1º E 2º Graus. Brasília/MEC/MARI/UNESCO, 1995. HENRIQUE, Márcio Couto. Conceitos e preconceitos em História Indígena. In: Wilma de Nazaré Baía Coelho; Ana Del Tabor Vasconcelos Magalhães. (Org.). Educação para a diversidade: olhares sobre a educação para as relações étnico-raciais. 1ª ed.Belo Horizonte: Mazza Edições, 2010, v. 1, p. 79-95. LOPES DA SILVA, Aracy (org.). A questão indígena na sala de aula - Subsídios para professores de 1º e 2º graus. São Paulo, Brasiliense, 1987. 677

MANCINI, Ana Paula Gomes. TROQUEZ, Marta Coelho Castro. Desconstruindo estereótipos: apontamentos em prol de uma prática educativa comprometida eticamente com a temática indígena. Campo Grande - MS: Tellus, 2009. SILVA, Edson. Povos Indígenas e Ensino de História: Subsídios para a abordagem da Temática Indígena em sala de aula. Londrina: História & Ensino, 2002; SILVA, Giovani José da. Ensino se História Indígena. In: Luisa Tombini Wittmann. (Org.). Ensino (d).e História Indígena. 1 ed. Belo Horizonte: Autêntica, v. 1, p. 21-46, 2015. WITTMANN, Luisa Tombini (Org.). Ensino (d)e História Indígena. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2015.

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IDENTIDADES INDÍGENAS, O CINEMA E O ENSINO DE HISTÓRIA: REFLEXÕES NECESSÁRIAS AO SABER HISTORIOGRÁFICO Renata Carvalho Silva O presente texto é parte da proposta de pesquisa que nasce fruto das inquietações gestadas durante a ministração da disciplina Educação Indígena para os alunos do Ensino Superior dos Cursos de História, Letras e Pedagogia acerca das dificuldades de se implementarem, na prática, os estudos e leituras propostas no sentido de repensar a aplicação do ensino da História e Cultura Indígena no ensino básico. As leituras sobre diversidade, multiculturalidade e etnicidade quase sempre esbarravam em uma indagação comum a grande maioria dos alunos: como aplicar na prática, um ensino que privilegiasse a perspectiva dos diferentes grupos indígenas acerca das suas próprias história e cultura sem cair na velha prática da exaltação ao “dia do índio”? Sendo assim, uma das principais motivações em apresentar tal perspectiva de análise reside no desejo de se propor uma sugestão de aplicação de uma metodologia de ensino que fuja dessa armadilha eivada de dogmas e estereótipos. A Lei nº 10.693, de 9 de janeiro de 2003, que estabelece as diretrizes de base da educação nacional, incluindo no currículo oficial da rede ensino a obrigatoriedade da temática "História e Cultura Afro-Brasileira", foi complementada em 10 março de 2008 com a Lei Nº 11.645 que além de buscar valorizar os traços e elementos afro-brasileiros constituintes de nossa formação cultural, também almeja sanar dívida semelhante relativa aos povos comumente denominados indígenas. Esta lei abre espaço para a discussão a respeito das diversas populações indígenas, ponto importante na formação da história e cultura de nosso país, mas que durante um longo espaço de tempo esteve relegada, sendo sempre estudada pela ótica dos chamados vencedores da história, ou seja, entrando de maneira subalterna na escrita da história. Manuela Carneiro da Cunha, antropóloga que busca estudar o elemento indígena por uma ótica diferente, afirma que “a História do Brasil, a canônica, começa invariavelmente pelo ‘descobrimento’. São os ‘descobridores’ que a inauguram e conferem aos gentios uma entrada – de serviço – no grande curso da História” (CUNHA, 2008, p. 08). Estuda-se, assim, desde então, a trajetória das populações nativas sempre pós 1492, como se antes estes povos não possuíssem história ou qualquer tipo de produção cultural de maior importância de demarcação e memória. Um ponto mais grave é que a representação que encontramos das comunidades indígenas nos livros didáticos e nas escolas é de povos estáticos, que não possuem uma cultura dinâmica, sendo representados por estereótipos e generalizações sempre iguais: cabelos lisos, abundantes adereços de natureza como penas e ossos, moradores das florestas, de culturas exóticas, os corpos nus e pintados, portadores de instrumentos de caça como arco e flecha, ou 679

seja, toda uma construção simbólica tal como se a cultura indígena não tivesse sofrido nenhuma modificação no processo histórico. Outra representação preocupante que se faz do “índio” na história é como mera vítima do processo de colonização, não se nega a extrema violência a que esses povos foram submetidos no processo e colonização. Violências físicas, como combates diretos e desiguais, doenças, escravidão e etc; e violência simbólica, como mudança no regime de trabalho, estrutura social e religiosa. Essas modificações forçaram uma reconfiguração na cultura indígena, mas isto não implica que estes povos tenham desaparecido, ou não possuam uma reformulação. Janice Theodoro afirma perceber que as culturas indígenas são “viventes” e não “sobreviventes” no processo histórico (1992). Busca-se através deste projeto analisar o uso das ferramentas metodológicas audiovisuais, em especial as produções cinematográficas, documentárias ou ficcionais, a implementação do ensino da história e cultura indígena, circunscrita à determinação da Lei 11.645/2008, buscando dessa forma fomentar a abordagem da perspectiva intercultural e humanística de valorização da diversidade e da pluralidade cultural e étnica da qual é fruto nossa própria sociedade. Edson Silva afirma em artigo recente que atualmente estamos inseridos num contexto em que diversos grupos sociais buscam afirmar identidades, conquistar e ocupar espaços sociopolíticos no Brasil. Diferentes expressões socioculturais passaram a ser reconhecidas e respeitadas, o que vem exigindo discussões, formulações e implementação de politicas públicas que respondam as demandas de direitos sociais específicos. Assim “A Lei 11.645/2008, que determinou a inclusão da história e culturas indígenas nos currículos escolares, possibilitará o respeito aos povos indígenas e o reconhecimento das sociodiversidades no Brasil”. (SILVA, 2005, p.32) Além de nos levar a repensar o papel das populações indígenas na história do Brasil, a Lei 11.645/2008 vem nos possibilitar repensar a constituição social e política do país. Segundo Silva (2012) a ideia de uma identidade e cultura nacional esconde inúmeras diferenças sejam de classes sociais, gênero, étnicas e etc. ao buscar uniformizá-las. Negando não só os processos históricos marcados pelas violências de grupos politicamente hegemônicos bem como ainda as violências sobre grupos a exemplo dos povos indígenas e os oriundos da África que foram submetidos a viverem em ambientes coloniais. Dessa forma, a presente proposta de análise visa discutir a forma como as produções fílmicas vêm, ao longo dos anos construindo diferentes leituras acerca do indivíduo nativo, nas diferentes épocas e sobre diferentes prismas e contextos sócio históricos. Buscamos contribuir com o debate, junto à comunidade escolar, para que se dê base aos professores para uma discussão séria e profunda acerca da reconstrução necessária a respeito dos povos indígenas como agentes sociais do processo histórico, possibilitando o respeito e o reconhecimento das comunidades indígenas, assim como inserir e possibilitar uma visão mais ampla e diversificada sobre questões relativas a construção identitária, gênero, territorialidades e sociabilidades em contextos sócio culturais diferenciados tão caros à uma formação não só acadêmica e profissional, como principalmente cidadã. 680

A proposta em se utilizar o uso do cinema como fonte e ferramenta para o ensino de História, ao contrário do que se possa pensar, não se resume à construção de um mero guia de como o professor deva ou não utilizar um determinado filme histórico em sala de aula, uma vez que, como nos alerta Marc Ferro (1988), “os filmes de tipo histórico não são mais que uma representação do passado” que em grande medida falam mais sobre o presente que sobre esse mesmo passado. Nesse sentido é necessário que se leve me consideração a premissa de que este é apenas um dos inúmeros olhares que se possa lançar sobre o passado e o professor deve, então, nesse caso, conscientizar-se sobre as múltiplas significações implícitas a determinada produção cinematográfica quando da sua escolha para que assim possa lhe ser claro o emprego do passado em tal produção. Nesse sentido, enquanto metodologia de análise para o desenvolvimento do presente trabalho lançaremos mão de categorias de análise como as referentes à semiótica enquanto área de apreciação de toda e qualquer linguagem construída e que busca examinar o contexto de produção dos signos enquanto pertencentes a uma série de códigos em constante transformação procurando desvendar assim os sentidos dos múltiplos tipos de linguagem. Faz-se assim necessário compreender como diferentes signos são construídos no sentido de expressar uma determinada mensagem aplicável a todo e qualquer elemento de uma mensagem (palavra, desenho, som, filme, etc) (PEIRCE, 1995; METZ, 2010). Ainda enquanto caminho metodológico se fará uso de uma pesquisa bibliográfica qualitativa não só da relação construída entre o Cinema e a constituição da História enquanto disciplina, mas igualmente das mesmas e o processo de ensino aprendizagem tomando como premissa a preparação do professor a lidar com as particularidades da linguagem cinematográfica enquanto objeto reflexivo da própria construção humana ao longo do tempo, ou como afirma a professora Selva Guimarães Fonseca (2009): O filme pode oferecer pistas, referências do modo de viver, dos valores e costumes de uma determinada época e lugar. É uma fonte que auxilia o desvendar das realidades construídas, as mudanças menos perceptíveis, os detalhes sobre lugares e paisagens, costumes, o cotidiano, as mudanças naturais e os modos de o homem relacionar-se com a natureza em diferentes épocas. [...] Porém, devemos estar atentos à linguagem própria da cinematografia, que não tem compromisso com a historiografia, com a didática da história. Logo, exige de nós uma postura crítica e problematizadora, como em relação às demais fontes históricas. (p. 156157) Partindo do pressuposto igualmente escolhemos como objetos e fontes principais da análise que se busca aqui construir, as recentes produções cinematográficas denominadas As Hipermulheres, produção documental de 2011 com roteiro e direção multiétnica assinada por Carlos Fausto, Leonardo Sette e Takumã Kuikuro buscando entrelaçar análises acerca das questões de gênero e sociabilidades na construção das imagens dos povos tradicionais indígenas e o filme O Abraço da Serpente, produção ficcional de 2015 do colombiano Ciro Guerra explorando uma análise acerca da questão da construção das identidades em contato, territorialidades e perspectivismo metafísico na linha das análises de Eduardo Viveiro de Castor, buscando sempre empreender uma 681

contraposição às produções clássicas que tomam o elemento nativo restrito às tradicionais representações binárias do bárbaro primitivo ou do herói idílico nacional.

Referências CUNHA, Manuela Carneiro da. História dos Índios no Brasil. São Paulo: CIA das Letras, 1998. FERRO, Marc. O filme, uma contra-análise da sociedade? In: LE GOFF, Jacques e NORA, Pierre. História: novos objetos. Rio de Janeiro: Francisco A1vcs, 1988. FONSECA, Selva Guimarães. Cinema e Ensino de História. In: Revista do Arquivo Público Mineiro. Belo Horizonte, 2009. METZ, Christian. A Significância no Cinema. São Paulo: Perspectiva, 2010. PEIRCE, Charles Sanders. Semiótica. 2ª ed., São Paulo: Perspectiva, 1995. SILVA, Edson. Povos Indígenas no Nordeste: contribuição à reflexão histórica sobre o processo de emergência étnica. In: MNEME – Revista de Humanidades, v.7, nº. 18, out./nov. de 2005. _____________. Os Povos Indígenas e o ensino: reconhecendo as sociodiversidades nos currículos com a Lei 11.645. In: ROSA, A. BARROS, N. (orgs.). Ensino e Pesquisa na Educação Básica: abordagens teóricas e metodológicas. Recife: EDUFPE, 2012. THEODORO, Janice. América Barroca: Tema e Variações. São Paulo: Editora da. Universidade de Sao Paulo/Editora Nova Fronteira, 1992.

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IDENTIDADE NEGRA E ENSINO DE HISTÓRIA: RELATO DE EXPERIÊNCIAS EM SALA DE AULA Rivaldo Amador de Sousa Esta nossa discussão é resultado de um projeto desenvolvido em sala de aula durante o ano de 2015 com alunos da última série do ensino fundamental. A proposta nasceu, como é óbvio, de uma demanda da própria comunidade escolar do município de Lucena – PB, onde, de acordo com o diagnóstico feito pela própria escola, observou-se dois problemas: primeiro, as práticas de violência física e psicológica a maioria de crianças e adolescentes apresentavam sentimentos de inferioridades em relação a sua cor de pela escura. Era perceptível, nessa avaliação geral, uma autonegação, de parte desses educandos, a sua descendência afro. O diagnóstico, realizado no ano anterior ao período em que se desenvolveu o projeto, se deu por meio de observações, vivências e diálogos em sala de aula e nos recintos da escola. Foram avaliadas diversas práticas e atitudes destes no ambiente interno da escola, especialmente aquelas relacionadas ao preconceito racial e discutido junto à coordenação pedagógicas os problemas sociais das famílias dos educandos fazendo uso do quadro social da realidade das comunidades em que residem essas famílias. Alguns problemas foram se apresentando ao longo dessas experiências que tivemos com os/as educandos/as, apontando para uma necessidade de renovação urgente na nossa prática docente. Nesse ínterim, algumas questões iniciais se colocaram, constituindo-se numa problemática que demandava resoluções efetivas no campo metodológico. Como seria possível desenvolver um projeto e/ou práticas educativas que ao longo do tempo inferisse nas práticas comportamentais e relacionais dos educandos no espaço escolar, no que concerne as relações etnicorraciais? Que metodologia adotar para incluir nos conteúdos trabalhados em sala de aula o cotidiano dos/as educandos/as, convergindo para uma discussão em torno das questões étnicorraciais? Além dessas, outro questionamento, ainda mais amplo, se apresentou. Então, como trabalhar as questões etnicorraciais no ensino de História, no sentido de que essa prática docente inferisse na construção da identidade afrobrasileira no espaço escolar por parte dos/as discentes? Esses questionamentos, na verdade, foram os norteadores do trabalho que nos permitiram, de princípio, dialogar com teóricos sobre as questões metodológicas e de ensino de história e aquelas que tratam dos estudos etnicorraciais. Após todo um estudo que envolveu os entraves, as dificuldades e as possibilidades de realização do trabalho, definimos as turmas e o tempo a serem desenvolvidas as atividades. Selecionamos, portanto, duas turmas do 9º ano. Os materiais didáticos pedagógicos selecionados contemplaram textos escritos (FLORES, 2011; BENJAMIN, 2006; SOUZA, 2006; MUNANGA e GOMES, 2006; CAMPOS, VILHENA e CARNEIRO, 2007), imagens, músicas, filmes e objetos de uso cotidiano (utensílios domésticos). A realização dessa seleção respeitou alguns critérios importantes e 683

elaborados no sentido de permitir trabalhar as questões etnicorraciais no cotidiano dos discentes, consentindo-lhes e possibilitando-lhes o uso das leituras, discussões e reflexões nas suas práticas cotidianas. Compreendendo e considerando a formação e os saberes conceituais e práticos já adquiridos pelas crianças e adolescentes, foram, de início, trabalhados em sala de aula diferentes conceitos que tratam das relações etnicorraciais tais como: preconceito, ser negro, negritude, violência, identidade, liberdade, democracia, igualdade, equidade, diferença, beleza, ser pessoa, etc. A partir das diferentes leituras realizadas, individual e coletivamente, - principalmente nas leituras audiovisuais e de imagens - os educandos iam produzindo uma ressignificação desses conceitos na inferência de seu cotidiano, na medida em que traziam para a sala de aula narrativas de suas experiências com o mundo vivido. Muitos desses educandos narraram episódios que denunciavam forte carga de preconceito racial vividas por eles. O estudo de tais conceitos permitiram aos educandos perceberem que o conjunto de estereótipos constituídos historicamente como a representação do homem e da mulher negra e suas relações hierárquicas poderiam ser valorizados, reafirmados, negados, desconstruídos, ressignificados, por eles mesmos enquanto práticas sociais significativas no mundo social e relacional. A constituição de uma consciência crítica em relação ao mundo da diversidade perpassa não apenas pela compreensão da necessidade do direito de ser respeitado, mas, primeiramente, pelo dever de respeitar o outro e o seu espaço. Trata-se de uma enorme complexidade que envolve limites, sensibilidades, experiências etc. Tal ação também perpassa pela ideia de identidade (SILVA, 2000). Essa discussão também se envereda pelo referencial teórico dos estudos que discutem a educação em e para os direitos humanos (CALISSI, 2014). Partindo das leituras e discussões já realizadas, propusemos aos alunos e alunas uma atividade de pesquisa que consistia numa entrevista com pessoas de pele escura e que habitasse a comunidade local. Para o desenvolvimento dessa atividade foram necessários estudos de técnicas de entrevistas, de gravação e edição de um pequeno vídeo tratando sobre o preconceito racial. Foram apresentadas etapas a serem seguidas rigorosamente para que o trabalho se efetivasse sem maiores dificuldades. Tais etapas consistia em entrar em contato om pessoas descendente da cor negra e, num segundo momento, tratar da entrevista; em seguida desenvolver um roteiro que norteasse a entrevista; realização da entrevista; edição da entrevista; apresentação de um relatório impresso sobre a experiência, erros e acertos; socialização das entrevistas pelas educandos/as na sala de aula com os colegas; apresentação e exibição das entrevistas à comunidade escolar. Durante o processo de realização de cada etapa os/as alunos/as faziam aparecer os seus potenciais e seus saberes que consistia, entre acertos e erros, em um processo de ensino aprendizagem onde havia uma troca mutua desses saberes. As dificuldades não foram poucas, como encontrar a pessoa que concedesse a entrevista e/ou que realizou, mas, por meio de nossa avaliação juntamente com os realizadores, não fora selecionada, e substituída por uma segunda entrevista. 684

Foram realizadas 11 entrevistas com homens e mulheres negras que, em suas falas, consentiram discutir sobre as dificuldades de “ser negro no Brasil”, lembrando, por meio de suas vivências, a importância da luta contra o racismo. Na maioria dos vídeos produzidos pelos educandos/as, os entrevistados narram experiências que tratam de preconceito racial por que passaram na comunidade local. Foi na discussão em torno das técnicas de gravação e edição do vídeo, que deveria ser produzido, que esses educandos/as demonstraram a importância do domínio e da socialização de saberes. Essa experiência nos permitiu compreender a importância da prática na construção de saberes.

Referências BRASIL. Secretaria de Educação. Parâmetros Curriculares Nacionais - Volume 8. Apresentação dos Temas Transversais- MEC, 1997. BENJAMIN, Roberto. A áfrica está em nós: história e cultura afro- brasileira, Volume 1, 2, 3 e 4. João Pessoa: Editora Grafset, 2006 BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Ensino de História: fundamentos e métodos. São Paulo, Cortez, 2004. BRASIL. Diretrizes Curriculares Nacionais para a educação das relações étnico-raciais e para o Ensino de História e cultura Afro-Brasileira e Africana. MEC: Brasília, 2005. CAMPOS, Carmen Lucia. A cor do preconceito. São Paulo: Ática, 2007. CUNHA JR. Henrique. Identidades negras e educação. Revista CCHLA/João Pessoa, ano 3 N. Especial, nov. 1995. FLORES, Elio Chaves (Coord) et al. A África está em nós: história e cultura afrobrasileira: africanidades paraibanas. João Pessoa: Grafset, 2011. FONSECA, Selva Guimarães. Caminhos da História ensinada. Campinas, SP: Papirus, 1993 (Coleção Magistério, Formação e trabalho pedagógico). MUNANGA, Kabengele e GOMES, Nilma Lino. Para entender o Negro no Brasil de hoje: história, realidades, problemas e caminhos. São Paulo: Global, Ação Educativa, 2004. _____.Identidade, cidadania e democracia: algumas reflexões sobre os discursos antiracistas no Brasil. In: SPINK, Mary Jane Paris (Org.) A cidadania em construção: uma reflexão transdisciplinar. São Paulo: Cortez, 1994, p.177-187.

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NETO FREITAS, José Alves de. A transversalidade e a renovação no ensino de história. In: KARNAL, Leandro. História na sala de aula: conceitos, práticas e propostas. São Paulo: Contexto, 2003. ROCHA, Solange Pereira da. Gente Negra na Paraíba Oitocentista: população, família e parentesco espiritual. São Paulo: UNESP, 2009. SILVA, Tomaz (org.) Identidade e diferença – a perspectiva dos estudos culturais. Petrópolis Vozes, 2000. SOUZA, Marina de Mello e. África e Brasil africano. 2ª Ed. São Paulo: Ática, 2007.

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CURRÍCULO E DIVERSIDADE ÉTNICO-RACIAL NO ENSINO DE HISTÓRIA Rosemary de Jesus Santos A visão pejorativa atribuída à cultura afro-brasileiros foi construída historicamente com a intenção de associá-la as coisas ditas ruins, ao inferno cristão. Este conjunto de saberes que tem uma matriz não ocidental são constantemente depreciados, relacionados com superstições, saberes de povos mental e intelectualmente atrasados. Contudo, a riqueza de ritos e mitos permitiu uma atualização criativa, das instituições negroafricanos, em terras brasileiras. Partindo desse contexto sócio histórico repleto de singularidade, dotado de diferentes formas de saber, ver e crer, buscamos novos prismas para repensar as relações comunidade/escola/ensino de História. Pensando o ensino de História enquanto lugar de fronteiras, de memórias questiono como fortalecemos estereótipos em sala de aula? Diferentes experiências são referendadas? Saberes e memórias da comunidade são referendados nas aulas de História? Quais memórias nós professoras/professores estamos ajudando a construir a partir das seleções de conteúdos? Para iniciar a reflexão sobre estas questões, é preciso analisar as teorias pós-críticas do Currículo, a identidade, a diferença. Desfazendo narrativas eurocêntricas e apresentando um ponto de vista a partir da subalternidade, deste “não lugar”. Nas escolas públicas que atuo como professora de História: Colégio Municipal de Araçás, na Bahia e nas Escola Estadual Coelho Campos, e no Maria Berenice Alves Barreto ambas em Capela e no Colégio Estadual Matos Teles, em Japaratuba ambos em Sergipe; muitos alunos dizem que não gostam da disciplina História, pois “é só passado, é ultrapassada”. Contudo a escrita da História é contemporânea, orientada pelo presente, sustentamos posições com base nas visões que temos da relação entre o passado e suas pistas e na maneira como extraímos significado dessas pistas. A forma como construímos o conhecimento sobre o passado afeta a natureza do significado que lhe impomos. Segundo a consciência desconstrutiva, o passado nunca é fixo, o passado é como um texto a ser examinado em suas possibilidades de significados. A História tem o passado como objeto de conhecimento, e o tempo que passou difere do que nós fazemos com o passado quando nos apropriamos dele. O historiador sabe mais que o passado, pois ele precisa atribuir significados ao passado, em termos epistemológicos. O historiador conhece as perspectivas conjecturais das experiências no tempo. Ao pensar a estrutura teórica da História a serviço do ensino devemos diferenciar evidências de fatos. A depender da utilização, as evidências podem mudar nosso discurso, o passado não muda, mudam os significados que atribuímos a ele. Para a mesma evidência podem ser atribuídos vários significados a depender do lugar ideológico do historiador que vai inquerir as evidências. Isto mostra que a História ensinada nas escolas, as verdades dos manuais didáticos constitui-se apenas em um dos 687

muitos discursos possíveis. Muitos grupos sociais grupos disputam o direito de estar nas salas de aula, faz-se necessário portanto a contrução de uma “outra” história, abarcando novas memórias, resignificando o passado que implica reconhecimento e respeito aos pertencimentos da comunidade escolar. Não há um único estilo de aprender, apreender e de significar o mundo. A História do Brasil enquanto construção de uma nação deve incluir todos os povos que a constitui. E a escola deve permitir a esta diversidade de brasileiros, conhecerem suas histórias, saberem quem são, auxiliando-os na construção de identidades que respeitem as diferenças numa perspectiva anti-racista, onde a branquidade que é tão visível para nós negros, ela que delineia nossa representação enquanto oprimidos e sofredores, invisibilizando os privilégios raciais proporcionados pela branquidade. Pensando a educação escolar enquanto lugar de fronteira, onde vários saberes são circularizados, contudo as memórias familiares que explicam o mundo e seu devir, ou seja, os saberes individuais dos alunos são muitas vezes silenciado, quando literalmente “aplicamos” o saber acadêmico e não dialogamos com estes outros saberes. A escola, enquanto representação da sociedade, reproduz entre seus muros e corredores diversos tipos de realidades que compõe a nossa sociedade. As salas de aula, são lugares de fronteiras, de relações de poderes, de disputas por memórias. Ao reforçar a dicotomia entre os saberes escolares e o saberes de experiências negamos aos alunos e a nós professores o direito à cidadania contantemente nós deparamos em sala de aula com os discursos: “isto não é conhecimento científico; a escola só discute ciência e não memórias, ou senso comum”. Para Spivak (2014), não se pode falar pelo subalterno, mas pode-se trabalhar “contra” a subalternidade, criando espaços nos quais os subalternos podem se articular e possam ser ouvidos. Podemos contar, estudar, escrever nossas próprias histórias. Trabalhando a consciência histórica na escola, amplia-se o conceito de dimensão temporal fazendo do passado (experiência) significante para o presente e para o futuro.Nesta perspectiva a disciplina fica mais próxima da realidade dos alunos e professores, passa a fazer sentido, pois parte das necessidades do presente, possibilitando novas e/ou diversas intyerpretações do passado. O currículo pode ser entendido como tecnologia de governo, pois seu saber específico é o conhecimento sobre os nexos entre conhecimentos e indivíduos. Ele produz sujeitos particulares e a teoria do currículo está envolvida na melhor forma de produzí-los. Ao aceitar esta abordagem, não nos perguntamos o que os indivíduos fazem com os materias recebidos; de que forma os resignificam o que lhe é proposto ou imposto. O currículo faz o indivíduo e o indivíduo também faz o currículo. Segundo Boaventura de Souza Santos (2015), pode-se produzir um “epistemicídio” que é o extermínio de formas “subordinados” de conhecer. O currículo não é apenas um regime de representação, mas segundo Schostak constitui-se em um campo de luta pela representação. Ele está vinculado à produção de identidades sociais, assim o nexo entre representação e poder se efetiva. Entendendo representação como um processo de produção de significados através de diferentes discursos, sendo estes significados não são fixos e estáveis mais flutuantes e estáveis. 688

O conhecimento inscrito no currículo não pode ser separado das regras de regulação e controle que definem suas formas de transmissão. Ao abordar o bio poder do currículo, Tomaz Tadeu da Silva (2014) afirma que seus efeitos são duradouros e permanentes. Identidades hegemônicas são fixadas, formadas, moduladas questionadas e disputadas. Ele é constituído por múltiplas narrativas que podem ser desconstruídas. Segundo Ernest e Mouffe no campo do discurso são fixados limites entre os múltiplos “nós” que produzem múltiplos “outros” por meio das lógicas da equivalência e da diferença. O currículo é entendido como um sistema discursivo onde se travam lutas identitárias, onde são produzidos sentidos aos conhecimentos históricos, legitimando-os, validando-os ou não como objetos de ensino. Constrói-se num espaço de entre cruzamento de políticas da diferença e de conhecimentos onde se manifestam as demandas do presente. Portanto ao pensar a diversidade cultural no Brasil e focar na diversidade étnico-racial é primar pela diferença ao invés do conteudismo. Os fluxos identitários que hoje perpassam o conhecimento histórico permitem a socialização de sentidos do passado possibilitando a subversão de relações hegemônicas.

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DAS

RELAÇÕES

SANTOS, Boaventura de Sousa; MENEZES, Maria Paula.(Orgs.) Epistemologias do Sul. São Paulo; Editora Cortez. 2010. p. 73-94. SILVA, Tomaz Tadeu. Documentos de Identidade: uma introdução às teorias do currículo. Belo Horizonte, MG: Ed. Autêntico, 2004.

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VOZES OCULTAS: RELAÇÕES DE GÊNERO E MEMÓRIA NA CONSTITUIÇÃO DE ARQUIVOS PESSOAIS Talita Gonçalves Medeiros Relações entre memória e gênero: arquivos e seus condicionamentos sociais No teatro da memória, as mulheres são sombras tênues, a frase que inicia o texto de Michele Perrot (1989), nos revela a faceta de exclusão, restrição e domesticação de uma memória. Restrita ao lar, as mulheres e sua memória voltavam-se ao ambiente privado e suas ações nele: redigir cartas aos familiares em busca de informações sobre saúde, nascimento e morte; escritas de diários como forma de deixar rastros ou vestígios de vivências e experiências que encontram eloqüência em suas memórias trajadas; cadernos ou blocos de anotações com receitas passadas de geração em geração; cartões endereçados e recebidos de parentes e amigas/os devido a festividade de aniversários ou casamento; constituição de álbuns familiares; coleção e manutenção dos mil nadas, possuem “uma certa relação consigo mesma, com sua própria vida, com sua própria memória [...]” (PERROT, 2013, p. 30), Da mesma forma, se no teatro da memória, as mulheres são uma leve sombra na disposição de arquivos públicos também. Esse silenciamento da voz feminina na elaboração e na disposição de arquivos públicos ocorre por dois motivos principais segundo Michelle Perrot (2013): em primeiro lugar o fato de que seu habitat se revelava cotidianamente como espaço íntimo, doméstico e familiar. Suas práticas e memórias eram, em sua maioria, voltadas para seu lar, filhos/as e familiares. Os arquivos pessoais assim se constituíam porque, a presença de mulheres nesses arquivos se dá em função que fazem da escrita: é uma escrita privada, e mesmo íntima, ligada a família, praticada à noite, no silêncio do quarto, para responder às cartas recebidas, manter um diário e, mais excepcionalmente contar sua vida. Correspondência, diário íntimo, autobiografia não são gêneros especificamente femininos, mas se tornam mais adequados às mulheres justamente por seu caráter privado [...]. (PERROT, 2013, p. 28). Em segundo lugar, a falta de espaço em arquivos públicos. A escrita masculina é redigida quando voltada para a resolução de negócios, de produção profissional, posições de poder, burocrática e/ou ligação com o público. Portanto, sua presença na esfera pública se encontrava em consonância com seu arquivamento em espaço público. Além disso, o conhecido processo de autodestruição das memórias femininas auxilia na pouca visibilidade e constituição de arquivos no âmbito público,

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esse ato de autodestruição é também uma forma de adesão ao silêncio que a sociedade impõe às mulheres[...] um sentimento de negação de si que está no centro da educação feminina, religiosa, laica, e que a escrita-assim como a leitura contradizem. Queimar seus papéis é uma purificação pelo fogo desta atenção a si mesma que confina ao sacrilégio (PERROT, 2005, p. 37). Essa ação atua diretamente nas fontes de pesquisas e estudos, privilegiadas por historiadoras e historiadores. Relacionadas com o tempo e com a memória, os arquivos pessoais, passam pelo crivo da escolha e, portanto, da seleção do que se deseja perpetuar sobre sua memória. Estas escolhas, claramente não neutras, também transpassam pelo viés do gênero e assim buscam esculpir relações e valores mediados por aquilo que a eternidade deve registrar. Desta forma, as memórias escolhidas para o futuro transcorrem em ações de subjetividade, poder e identificação.

As memórias de mulheres: a importância do ensino de História a partir das fontes A virada lingüística, a partir dos anos 1960, procurou justamente problematizar essas escolhas e esses silenciamentos. Investindo nas análises dos “novos sujeitos do novo passado” (SARLO, 2007, p. 16) essa metodologia de análise que passou a considerar as subjetividades das/nas ações humanas, voltou seus olhos para a valorização dos detalhes, “as originalidades, a exceção à regra, as curiosidades que já não se encontram no presente”, (SARLO, 2007, p. 17) ou seja, privilegiar as sujeitas marginais que estavam fora do cenário de estudo, mas não fora do cenário de “discursividades de memória” (SARLO, 2007, p. 17) . Fala-se muito sobre mulheres, escreve-se muito sobre estas, mas, na maioria dos casos, a partir de uma voz e de uma escrita masculina. Representações, idealizações e perfomatizações que por muitas vezes não apenas alcançam a produção do discurso sobre as mulheres e os seus silenciamentos na “produção e na condição culturais e políticas” (SARLO, 2007, p. 21) mas que tornam o discurso masculino inteligível, próprio e único no coletivo. Deste modo, a importância de estudos nas fontes de arquivos pessoais de mulheres se faz necessário, da mesma forma que a descontinuação de discursos sobre as mulheres feitas por pessoas que naturalizam e generalizam aquilo que deve ser tratado como complexidades. As fontes de arquivos pessoais, assim como as demais, encontram seus pontos de saturação, críticas e contrapontos. O presente texto não busca uma defesa ingênua a respeito dessas fontes, mas busca refletir sobre a importância de suas análises e contrapontos sobre uma História sempre escrita no singular e no masculino. Deste modo, a oportunidade de contato com essas memórias, com essas linguagens e códigos sociais e com essas diversas visões de mundo, ainda que retratadas através de uma escrita cotidiana, se destacam e se fortalecem na possibilidade de refletir sobre as diversas narrativas que “nos oferecem um tempo múltiplo, que se superposicionam, diferenciando-se dos marcos gerais da história oficial, com novos marcos plenos de significados, capazes de reconstruir uma outra história [...]”(STADNIKI, 2005, p. 345). Desta forma, a escrita tida como “ordinária”, é uma importante e destacável forma de 691

elucidar um passado e um presente, visto que “há outras cronologias, para além das oficiais, edificadas em decorrência da significação de eventos e compartilhadas pelos grupos de vivência” (STADNIKI, 2005, p. 345). Portanto, a busca e o incentivo de análises, estudos e pesquisas em arquivos pessoais de mulheres possui como base a intenção de demonstrar que as experiências particulares quando em contraste com a teia social de atrizes e atores nesse jogo complexo da dinâmica do tecido social - podem ser reelaboradas, dinamizadas e questionadas. Ou seja, cabe a nós pesquisadores e pesquisadoras, ouvir essas vozes ou perceber o que está retratado de suas memórias, seu esquecimento e seu silencio, estar sensível para perceber no silenciamento o que elas desejam falar. Deste modo, destacamos a importância de outras análises, interseções e elaborações históricas. Para isto, os arquivos pessoais das mulheres são importantes e permite que outras vozes sejam ouvidas. Pesquisar em arquivos pessoais de mulheres relacionando e compreendendo as relações de gênero perpassadas pela História nos instiga a questionar a História nacional e a escrita de/a partir de sujeito universal.

Considerações finais Como nos afirma Jelin (2002, p.56), “siempre habrá otras histórias, otras memórias e interpretaciones alternativas, em la resistência, em el mundo privado, em las ‘catacumbas’”, deste modo, valorizar arquivos pessoais de mulheres como fontes de pesquisas é possibilitar o conhecimento de um universo singular que se cruza no plano da experiência. Testemunhar por outros olhares é observar que “não há testemunho sem experiência, mas tampouco há experiência sem narração: a linguagem liberta o aspecto mudo da experiência, resume-se a de seu imediatismo ou de seu esquecimento e a transforma no comunicável” (SARLO, 2007, p. 24). Desta forma, à guisa de conclusão, entendemos que História, gênero e arquivos pessoais se entrelaçam na busca por práticas sociais que pretendem evidenciar como as relações sociais são produzidas de forma desigual e distinta na elaboração de arquivos pessoais. Ou seja, compreender que a História, “é uma narrativa sobre o sexo masculino e constitui o gênero ao definir que somente, ou principalmente, os homens fazem história” (PEDRO, 2011, p. 273), nos cabe inquirir e reafirmar a necessidade de compreender como o gênero age na elaboração e constituição desses arquivos. Isto é reafirmamos a necessidade de um olhar mais atento para as fontes de arquivos pessoais das mulheres e a sua importância para a elaboração de um social mais dinâmico, fluido e coerente na exploração das Histórias ao invés de uma oficial e abrangente.

Referências JELIN, Elisabeth. Los trabajos de la memoria. Buenos Aires: Siglo XXI Editora Iberoamericana; Nueva York: Social ScienceResearchCouncil, 2002. pp. 1- 78. 692

PEDRO, Joana. Relações de Gênero como categoria transversal na historiografia contemporânea. Topoi, v. 12, n.22, jan-jun. 2011, p. 270 -283. PERROT, Michele. Práticas da memória feminina. In: As mulheres ou os silêncios da história. Bauru, SP: EDUSC, 2005, p. 33-43. PERROT, Michele, Minha História das Mulheres. – 2º Ed., 1ª .reimpressão – São Paulo: Contexto, 2013. PERROT, Michele, Introdução. In: História da vida privada: Da revolução Francesa a Primeira Guerra. São Paulo: Companhia das letras, 1993, p. 1-13. SARLO, Beatriz. Tempo passado: cultura da memória e guinada subjetiva. São Paulo: Companhia das Letras; Belo Horizonte: UFMG, 2007. STADNIKY, Hilda Pivaro. Sob a égide da intimidade: a textualização do tempo vivido. In: PERARO, Maria Adenir e BORGES, Fernando Tadeu de Miranda (Orgs.). Mulheres e famílias no Brasil. Cuiabá, MT: Carlini&Caniato, 2005. p. 339-364.

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LIVROS DIDÁTICOS PARA O ENSINO DE HISTÓRIA E CULTURA AFROBRASILEIRA E INDÍGENA: INSTRUMENTO NECESSÁRIO PARA A APLICAÇÃO DE LEIS FEDERAIS Ubiraci Gonçalves dos Santos Introdução As Leis 10.639/03, 11.645/08 e 12.288/10, são simbolicamente uma correção do estado brasileiro pelo débito histórico em políticas públicas em especiais para a população negra e indígena. Neste contexto, a publicação de livros didáticos pertinentes a História da África, Cultura Afrobrasileira e indígena, para o Ensino Fundamental I, torna-se uma alternativa eficaz para o ensino-aprendizagem nas escolas públicas e particulares sobre o ensino das relações étnicos e raciais. Visto que a docência tem questionado em órgãos públicos sobre a carência de livros didáticos para a efetivação das leis supracitadas. Portanto, este artigo traz uma experiência inédita no Estado da Bahia sobre a elaboração de livros didáticos que tratam da História da África, Cultura Afrobrasileira e Indígena. Com objetivo de colaborar com o estabelecido na Constituição Federal nos seus Art. 5º, I, Art. 210, Art. 206, I, § 1° do Art. 242, Art. 215 e Art. 216, bem como nos Art. 26, 26 A e 79 B na Lei 9.394/96 de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDB. Aspectos históricos, educação, cultura e cidadania Para entender a história da educação brasileira, o ponto de partida foi à chegada dos portugueses ao Brasil, onde se evidenciou a imposição da educação europeia em nosso país. Inicialmente as práticas educacionais das populações indígenas foram ignoradas e posteriormente dos africanos, sendo estes sequestrados e trazidos à força para o Brasil. Mas com o passar do tempo, inúmeras mobilizações por parte de representações dos movimentos negros e demais seguimentos da sociedade empenhada na implantação de ações afirmativas para atingir de fato a igualdade de direitos para todos, dessa forma Figueiredo (2007, p.117) lembra que: Durante o século XX intensificam-se as reivindicações e as demandas por educação pelos afro-brasileiros, através de suas organizações e representações políticas, intelectuais e culturais. Um dos grandes apelos à educação dos negros no Brasil veio a Frente Brasileira, a mais importante entidade negra da época, por sua duração, ações concretas realizadas e pela presença em diferentes estados brasileiros. [...]. Diante do exposto, o marco do século XXI sobre o avanço da política educacional brasileira, foi à realização do ato público do então presidente da Republica Federativa do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva em sancionar a lei 10.639/03 e depois a lei 694

complementar, 11.645/08, ambas tratam da inserção na educação brasileira da história dos verdadeiros protagonistas dela. Mas não devemos esquecer de que: [...] a promulgação da lei 10.639/03 altera a LDB, incluindo o artigo 26-A, o qual torna obrigatória a temática história e cultura afro-brasileira no currículo oficial da rede de ensino, e, ainda, o artigo 79-B, que estabelece para o calendário escolar o dia 20 de novembro como o Dia Nacional da Consciência Negra. (SOUZA e CROSO, 2007, p.20). Para inicio de conversa, as leis referem-se a diversas temáticas para serem aplicadas nas disciplinas de Educação Artística, Literatura e História Brasileira, dentre outras. Ou seja, às Leis 10.639/03 e a 11.645/08 são representadas por temáticas, onde a utilização dos livros didáticos que trata este artigo necessita serem trabalhados em sala de aula pelo educador/a nas inúmeras disciplinas definidas pela Lei Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB). Dessas temáticas podem ser destacadas, a História da África e dos Africanos, a luta dos negros e dos índios no Brasil, a culinária, as datas comemorativas do calendário afrobrasileiro, a dança, a capoeira dentre outros aspectos. Neste contexto, segundo Pereira, (2008, p.8) comenta que: “[...] a inclusão dos valores culturais afro-brasileiros nos currículos escolares representa o reconhecimento de uma dívida da sociedade para com os africanos e seus descendentes [...]”. Assim sendo, Pereira (2008, p.8) nos alerta: “[...] os educadores se deparam com um grande desafio que decorre da necessidade de se desfazer os equívocos que deturpam as culturas de origem africana nas áreas onde desenvolveram relações de trabalho escravo [...]”. Neste sentido, vale ressaltar que esta questão é notória. Deste modo, Silva (2004, p.25) através de sua pesquisa sobre a presença do negro em livros didáticos, sendo a maioria das vezes de forma pejorativa, ela comenta que: O primeiro desses trabalhos analisou seis livros didáticos, investigando o ideal de realidade que autores pretendem incutir nos seus leitores. Nesses livros, Esmeralda V. Negrão identificou a representação do negro em situação social inferior a do branco, personagens negros tratados com desprezo, bem como a representação da raça branca como sendo a mais bela e a mais inteligente. Nesta perspectiva, frente a esta situação Gomes (1996, p. 88) explica que o processo de construção da identidade "[...] é um dos fatores determinantes da visão de mundo, da representação de si mesmo e do outro". Neste contexto, dois ativistas do movimento negro brasileiro trazem informações abaixo do ser negro, índio e branco no Brasil, visto que ainda fica evidente a confusão entre as pessoas para a definição dessas três etnias que de certa forma contribuíram para a construção do legado histórico do Brasil. Os negros brasileiros de hoje são descendentes de africanos que foram trazidos para o Brasil pelo tráfico negreiro. Muitos deles são mestiços resultantes da miscigenação entre negros e brancos, negros e índios. No censo brasileiro, os mestiços são classificados como pardos, mas alguns 695

deles, por decisão política ou ideológica se consideram negros ou afrodescendentes. (MUNANGA e GOMES, 2004, p.18) Então, dando continuidade a linha de raciocínio, pertinente à contextualização da formação da sociedade brasileira no que tange aos aspectos desempenhados pela população negra como processo de resistência. Nas Diretrizes Curriculares de Inclusão da Educação Étnico-Raciais de Salvador, (2005, p.24) afirma que: Os diferentes grupos africanos escravizados no Brasil, no período colonial, assumiram formas de lutas diversificadas, que foram herdadas por sucessivas gerações até a queda do escravismo. O quilombismo, as revoltas, a reinvenção de religiões de matriz africana foram expressões da ação política e da busca de re-humanização dos povos negros. É importante salientar que a maior parte desses acontecimentos históricos ocorreu na Bahia, pelo fato da cidade do Salvador ter sido a primeira capital do Brasil. Mas na Carta Magna da Bahia (1989, p.114-115) no Art. 288 e Parágrafo 3º do Art. 291, respectivamente, tratam no Estado sobre ações afirmativas para a educação do povo negro e indígenas. Informa-nos que: “A rede estadual de ensino e os cursos de formação e aperfeiçoamento do servidor publico civil e militar incluirão em seus programas disciplina que valorize a participação do negro na formação histórica da sociedade brasileira”. [...] Será incluído no currículo das escolas públicas e privadas, de 1º e 2º graus, o estudo da cultura e história do Índio”. Aliás, em uma publicação recente da professora Ana Célia Silva, ela chama atenção que nos últimos anos houve uma evolução no que diz respeito à inclusão da temática étnico e racial em publicações de livros didáticos e paradidáticos, e consequentemente eliminando a ideia de subalternidade que o negro e indígena apareciam em quase cem por cento das publicações de editoras tradicionais. Eles apresentaram transformações da representação social do negro tanto nos seus textos quanto em suas ilustrações. Neles, os personagens aparecem, ilustrados com status econômico de classe média, com constelação familiar, crianças praticando atividades de lazer, em interação com crianças de outras raças/etnias, com nome próprio, sem aspecto caricatural e frequentando a escola; adultos negros exercendo funções e papéis diversificados, descritos como cidadãos, interagindo com pessoas de outras raças/etnias sem subalternidade, entre outras transformações. (SILVA, 2011, p.1). A mesma autora atribui a mudança de paradigma as diversas leis que foram implementadas em nosso País sobre a questão étnico e racial. Em consonância com a política de controle social adotada e exercida pelos movimentos negros e demais seguimentos sociais. Dessa maneira vale ressaltar que: As leis e as normas que instituem a discriminação racial como crime, tal como o Art.º 5º da Constituição Federal de 1988, a criação dos Parâmetros Curriculares Nacionais pelo Ministério da Educação e do Desporto e 696

Secretaria de Ensino Fundamental, em 1998, assim como as recomendações de algumas editoras, tal como a FTD, no sentido de não veicular estereótipos em relação às diferenças étnico-culturais entre outras, nos textos e ilustrações dos livros didáticos, constituíram-se em fator determinante de transformação da representação social do negro. (SILVA, 2011, p.1). É preciso lembrar que no ensino da História da África, Cultura Afrobrasileira e Indígena além dos livros didáticos e paradidáticos, existem também os livros de Educação de Jovens e Adultos – EJA e a modalidade de ensino chamada de transdidáticos. O que caracteriza livro didático: é um livro de caráter pedagógico que tratam de diversos assuntos, contém obrigatoriamente exercícios e a cada capítulo possui uma culminância e apresentam gravuras de acordo a sua faixa etária. Já os livros paradidáticos tratam geralmente de uma temática; sem obrigação de possuir exercício, e tem como objetivo de complementar os livros didáticos. Enquanto, o EJA é voltado para a alfabetização e educação de adultos. E por fim o transdidáticos é aquele que a criança participa da criação da história. As palestras, oficinas, visitas guiadas aos terreiros de candomblés, monumentos históricos, museus, aos blocos afros, afoxés, espaços quilombolas, indígenas, ribeirinhas, de capoeira, reservas ambientais e outros também são considerados praticas transdidáticos de ensino-aprendizado. Diante da carência de publicações em nosso país de livros didáticos de História e Cultura Afrobrasileira e Indígena, uma editora baiana acatou a ideia em suprir essa demanda ao apresentar a coleção História e Cultura Afrobrasileira, para as Instituições de Ensino do país. Esta coleção está alicerçada em temas transversais como: Ética, Cidadania, Identidade Étnico e racial, Família, Valores, Equidade de Gênero, Meio Ambiente, Acessibilidade, além do Calendário Afro-Indígena, no intuito de instrumentalizar os estudantes enquanto seres culturais, históricos e, acima de tudo, cidadãos conscientes do seu papel na sociedade. A responsabilidade da coordenação pedagógica é analisar cuidadosamente o material didático e emitir parecer técnico de acordo com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, e as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações ÉtnicoRaciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, isto porque a política de produção de livros didáticos no Brasil advém de editoras tradicionais onde nem sempre atendem aos asseios e necessidades das populações negras e indígenas respectivamente.

Referências AGENTES DE PASTORAL NEGRAS DE SALVADOR. “Outras Palavras”: Formação de professoras/es de Escolas Comunitárias para Implementação da Lei 10.639/03: subsídio pedagógico. Salvador: UNEB, 2007. 20p.

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MOVIMENTO NEGRO BRASILEIRO (18891937): (In) VISIBILIDADE NO ENSINO DE HISTÓRIA Valdenira Silva de Melo Falar da História do Brasil dando ênfase a trajetória política negra é tarefa de poucos docentes. A tendência é reproduzir um discurso “ocidentocêntrico” arraigado nas velhas mentalidades e na tradicional formação acadêmica de professores e de professoras. Romper com essa estrutura dominante, não é tarefa fácil, visto que requer do próprio docente o despojar-se dos velhos conceitos e contribuir na sala de aula com uma história menos excludente. Nos dizeres de Nilma Lino Gomes (2012), é necessário descolonizar os currículos. Dessa forma, este texto propõe uma reflexão sobre a atuação do Movimento Negro Brasileiro (1889-1937), evidenciando sua organização de luta e suas estratégias de inclusão social frente ao racismo pós-Abolição da escravidão no Brasil. Tema que merece destaque nas aulas de História. Para além dos Movimentos Sociais já conhecidos na Primeira República como a Guerra de Canudos, a Guerra do Contestado, o Cangaço, a Revolta da Vacina, a Revolta da Chibata, dentre outros que compõem o currículo escolar e são explícitos nos livros didáticos, convém enfatizar a organização social e política do Movimento Negro nos períodos de 1889-1937 na História do Brasil. Contudo, como definir Movimento social? Segundo Gohn (2008, p. 131). Consideramos um movimento social como a expressão máxima de um Sujeito coletivo em ação. Os Sujeitos individuais têm seus pertencimentos, suas experiências vivenciadas e seus projetos – que não são de ordem pessoal no sentido intimista, de sua personalidade. São requerimentos de sua existência como ser humano – gênero, raça, língua, nação, religião, valores e tradições herdadas e adquiridas etc. Quando confrontados uns com outros e quando relacionados por redes solidárias ou de pertencimento cultural, estes sujeitos individuais constroem o sujeito coletivo. Percebemos que a conceituação da expressão perpassa por anseios coletivos, pela construção da própria identidade do grupo, apesar de estar envolvidos identidades múltiplas, há de se considerar as ações coletivas pelas lutas em prol do todo ou da maioria. Nesse contexto, como então definir Movimento Negro? Conforme Domingues (2007, p. 101): 700

Movimento negro é a luta dos negros na perspectiva de resolver seus problemas na sociedade abrangente, em particular os provenientes dos preconceitos e das discriminações raciais, que os marginalizam no mercado de trabalho, no sistema educacional, político, social e cultural [...]”. Diante do exposto percebemos que as ações coletivas do Movimento Negro explicitam como tema central a questão racial e suas lutas pela igualdade social, e precisa ser analisado a partir de sua conjuntura histórica. Na tentativa de articular uma mudança coletiva da população negra no pós-Abolição da escravatura, vários “associações” foram criadas no sentido de rever a situação marginal da população negra nesse período. Para revelar a mobilização da população negra mostrando sua luta frente ao descaso governamental, Domingues (2007, p. 103), enumera uma série de “clubes ou associações” constituídas ao longo do período histórico pretendido para esse texto. São elas: Em São Paulo, apareceram o Club 13 de Maio dos Homens Pretos (1902), o Centro Literário dos Homens de Cor (1903), a Sociedade Propugnadora 13 de Maio (1906), o Centro Cultural Henrique Dias (1908), a Sociedade União Cívica dos Homens de Cor (1915), a Associação Protetora dos Brasileiros Pretos(1917); no Rio de Janeiro, o Centro da Federação dos Homens de Cor; em Pelotas/ RG, a Sociedade Progresso da Raça Africana (1891); em Lages/SC, o Centro Cívico Cruz e Souza (1918). Em São Paulo, a agremiação negra mais antiga desse período foi o Clube 28 de Setembro, constituído em 1897. As maiores delas foram o Grupo Dramático e Recreativo Kosmos e o Centro Cívico Palmares, fundados em 1908 e 1926, respectivamente Essas informações referentes a trajetória de resistência do Movimento Negro precisam romper os acervos acadêmicos e se fazerem presentes nas aulas de História como forma de destacar essa articulação política dos negros contra o racismo e suas mobilizações de protesto pela inclusão e reconhecimento desse grupo étnico na sociedade brasileira. Ainda de acordo com o Domingues (2007), essas “associações negras” tinham características “assistencialista, recreativa e/ou cultural”, porém ainda no decorrer do período Republicano essas mobilizações vão se consolidando e tornando-se cada vez mais politizadas. Cabe destacar também, como os “homens de cor”, denominação utilizada na época para referir-se aos negros, organizaram-se e criaram a “imprensa negra” para veicular informações por eles elaboradas no sentido de divulgar seus ideias e seus interesses. Como exemplos dessa “impressa alternativa” Domingues (2007, p. 104), destaca: Em São Paulo, o primeiro desses jornais foi A Pátria, de 1899, tendo como subtítulo Orgão dos Homens de Cor. Outros títulos também foram publicados nessa cidade: O Combate, em 1912; O Menelick, em 1915; O Bandeirante, em 1918; O Alfinete, em 1918; A Liberdade, em 1918; e A Sentinela, em 1920. No município de Campinas, O Baluarte, em 1903, e O 701

Getulino, em 1923. Um dos principais jornais desse período foi o Clarim da Alvorada, lançado em 1924, sob a direção de José Correia Leite e Jayme Aguiar. Até 1930, contabiliza-se a existência de, pelo menos, 31 desses jornais circulando em São Paulo. De acordo com a descrição de Domingues, podemos perceber a trajetória e o amadurecimento político do Movimento e sua ousadia no sentido de resistir ao regime excludente e ditatorial do período. Esse veículo de comunicação foi muito usado para divulgar os descasos do governo e as mazelas da população negra e se tornou um forte meio propagador dos ideais dos “homens de cor”. No entanto, essa organização social e política do Movimento Negro Brasileiro não é contemplado nos livros didáticos e nem os professores discutem no ambiente de sala de aula essas articulações negras, no sentido de desmistificar a passividade negra enraizada na mentalidade dos brasileiros. Embora tenham surgido várias denominações negras, a que mais se destacou nesse período foi a Frente Negra Brasileira (FNB), que se constitui como partido político em 1936. Porém influenciada pela conjuntura política internacional, não durou muito tempo devido sua postura ideológica, conforme enfatiza Domingues (2007, p. 107): [...] Sua principal liderança, Arlindo Veiga dos Santos, elogiava publicamente o governo de Benedito Mussolini, na Itália, e Adolfo Hitler, na Alemanha. O subtítulo do jornal A Voz da Raça também era sintomático: “Deus, Pátria, Raça e Família”, diferenciando-se do principal lema integralista (movimento de extrema direita brasileiro) apenas no termo “Raça”. A FNB mantinha, inclusive, uma milícia, estruturada nos moldes dos boinas verdes do fascismo italiano. [...] Com a instauração da ditadura do “Estado Novo”, em 1937, a Frente Negra Brasileira, assim como todas as demais organizações políticas, foi extinta. O movimento negro, no bojo dos demais movimentos sociais, foi então esvaziado. [...] Como podemos observar as produções acadêmicas sobre o Movimento Negro Brasileiro enfatizam sua trajetória, suas articulações políticas e sociais e mostram uma história de resistência que marca a primeira fase desse Movimento. Essas informações precisam chegar a sala de aula e o docente historiador dar voz a esses sujeitos sociais que forjam um novo cenário na História do Brasil Republicano. Espera-se, portanto, que esta produção possa contribuir no sentido de fazer da invisibilidade histórica um campo visível e possível para as novas discussões no Ensino de História acerca dessa temática.

Referências bibliográficas ALMEIDA, Maria Vandete (Negavan) Revoluções Tecnológicas, Redes Sociais e Movimentos Contemporâneos. In: BRUNELO, Leandro (Organizador). Ensino de História e Movimentos Sociais: Problematizações, Métodos e Linguagens. Editora UEM/PGH/História, Maringá, 2016. p.75-96 702

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RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS E SISTEMA DE COTAS (COR/ETNIA) NO BRASIL ATUAL Wilverson Rodrigo Silva de Melo Introdução O Art. 2º, inciso IV, § 3º da Orientação Normativa nº 3 de 1º de Agosto de 2016 da Secretaria de Gestão de Pessoas e Relações do Trabalho no Serviço Público do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG), o qual delibera a eliminação de candidatos pardos/pretos quando constatado a declaração de informações falsas. Isto suscita muitos questionamentos, no sentido de aferir o que nos faz reconhecer o “outro” como negro? Que traços e características podemos atribuir ao indivíduo de cor parda/preto, pertencente a etnia negra? Seriam os aspectos fenotípicos?

Adentrando a discussão... No Brasil de hoje, as características fenotípicas (tipos de cabelos, nariz, cor da pele, lábios grossos, etc), ascendência familiar, pertencimento cultural e auto reconhecimento parecem já não serem suficientes para a auto afirmação de identidade negra, como também o reconhecimento disso entre os pares. A Normativa do MPOG de Agosto de 2016, ao deliberar a etapa de Banca de aferição de cor/etnia, desconstrói todas as noções de auto afirmação de identidade, deixando o processo classificatório sob a tutela dos pares, os quais por meio de critérios subjetivos podem reconhecer e eleger quem é mais negro/pardo e/ou negro/preto do que o outro. O que demonstra um grande retrocesso e ataque aos direitos conquistados pelas pessoas negras no Brasil – quase que uma nova forma de segregação racial entre negros. No tocante a isto, é que o Art. 2º da Lei 12.990/2014 (Lei de Cotas em Concursos Públicos) estabelece que “poderão concorrer às vagas reservadas a candidatos negros aqueles que se autodeclararem pretos ou pardos no ato da inscrição do Concurso Público (e aqui também se compreende como concursos públicos, os processos de seleção de estudantes no nível superior – grifo meu), conforme o quesito cor ou raça utilizado pelo IBGE”. Com efeito, temos o seguinte silogismo: se a análise da possibilidade de os candidatos concorrerem às vagas reservadas aos negros se rege pelos quesitos cor e/ou raça, utilizados pelo IBGE e, se o IBGE utiliza apenas o sistema autodeclaratório, sequer poderia existir procedimento de verificação da condição cor/etnia do candidato. Ademais, o Estatuto da Igualdade Racial (2010) para evitar exclusões detrimentosas, previu expressamente no Art. 1º, parágrafo único, inciso IV, que “[...] para efeito deste 704

Estatuto, considera-se população negra: o conjunto de pessoas que se autodeclaram pretas e pardas, conforme o quesito cor ou raça usado pelo IBGE ou que adotam autodefinição análoga”. O racismo e a ideia de raça, no sentido biológico, também foram considerados inaceitáveis [...] A intenção era enfatizar que os grupos humanos não eram marcados por características biológicas herdadas de seus ancestrais mas, sim, por processos históricos e culturais. Dessa forma, etnia é o outro termo ou conceito usado para se referir ao pertencimento ancestral e étnico/racial dos negros e outros grupos em nossa sociedade (GOMES, 2005, p. 50). Partindo de tais pressupostos e à luz das Ciências Jurídica, Histórica e Antropológica, inferimos que os aspectos fenotípicos estão ligados diretamente a forma como o indivíduo se vê, se auto declara e se auto reconhece. Ademais, como se já não bastasse o processo de negação de identidade vivenciado e externalizado por muitos indivíduos, agora têm-se o processo de negação de identidade externado pelos “outros” com base em critérios subjetivos dos pares em Bancas de Aferição. Segundo o Ministro Dias Toffoli do Supremo Tribunal Federal ao pronunciar-se sobre a exclusão de candidata afro-descendente da condição de cotista em concurso público, o mesmo afirma: Contudo, o que se exige do candidato é a condição de afrodescendente e não a vivência anterior de situações que possam caracterizar racismo. Portanto, entendo que a decisão administrativa carece de fundamentação, pois não está baseada em qualquer critério objetivo [...] Considero que o fato de alguém 'se sentir' ou não discriminado em função de sua raça é critério de caráter muito subjetivo, que depende da experiência de toda uma vida e até de características próprias da personalidade de cada um, bem como do meio social em que vive. Por isso, não reconheço tal aspecto como elemento apto a comprovar a raça de qualquer pessoa (DIAS TOFFOLI, 2013). A partir de tais premissas, defendemos que sem adequado respaldo em fundamentação lógica e razoável, as verificações fenotípicas unilaterais das Bancas Examinadoras de Aferição de Cor/Etnia em Concursos Públicos (e também em processos de seleção estudantil), ao invés de proporcionar a devida inclusão social, causarão discriminação e verdadeira subversão do sistema de cotas no Brasil, como também dos Direitos Fundamentais assistidos àqueles que são negros, se autodeclaram como tais e, tem pertencimento cultural e ascendência familiar negra. Nesse sentido, afirmamos que o povo brasileiro é advindo de um grande e longo processo de miscigenação cultural e étnico, tendo a diversidade cultural e fenotípica, como aspecto visível. Logo, entendemos que a melhor forma de definir etnia/cor é por meio da autodeclaração e autoreconhecimento fenotípico e étnico, pois grande é a diversidade de etnias que formam a população brasileira e, nesse ínterim, não tem como diferenciar ou distinguir quem é mais negro (pardo e preto) do que o outro, uma vez que é por meio do processo de reelaboração cultural e reafirmação de identidade que: 705

[...] grupos sociais étnicos com tradições, cultura, língua e símbolos comuns constroem sua subjetividade permitindo uma autoidentificação, bem como serem identificados por outros grupos étnicos, independentemente de uma consanguinidade, conforme Weber (1982) e Siss (2003). É inconcebível e retrógrado rotular e reconhecer os indivíduos como “pardos-pardos”, “pardos-preto”, “preto-preto”, soa como um retorno as políticas e teorias raciais do século XX que classificava os indivíduos com base no tamanho da caixa craniana, dimensão da mandíbula, tipos de cabelos, características antropométricas e etc.

Considerações Finais Em certo sentido, tais políticas do MPOG atendendo a ala mais radical do Movimento Negro no Brasil, retroagem no processo de reconhecimento de cor e etnia, revisitando nomenclaturas antigas de “moreno claro”, “moreno escuro”, “cafuzo”, ao assemelhar-se as atuais de “pardos-pardos”, “pardos-preto”, “preto-preto”, causando instabilidade e discriminação jurídica e identitária no seio da população brasileira. (...) a diferença entre pretos e pardos no que diz respeito à obtenção de vantagens sociais e outros importantes bens e benefícios (ou mesmo em termos de exclusão dos seus direitos legais e legítimos é tão insignificante estatisticamente que podemos agregá-los numa única categoria a de negros, uma vez que o racismo no Brasil não faz distinção significativa entre pretos e pardos, como se imagina no senso comum. (SANTOS, 2002, p. 13) A guisa de conclusão, se as discussões entorno do “mito da democracia racial” proposto por Gilberto Freire no início do século XX tem tido ao longo dos anos grandes atenções por pesquisadores e militantes das questões étnico-raciais no Brasil, agora estamos vivenciando uma nova forma de “antidemocracial racial”, o que poderíamos alcunhar como “Neo antidemocracia racial”, gestada dentro do Movimento Negro no Brasil, estabelecendo discriminação e diferenciação fenotípica e identitária entre os indivíduos pertencentes a etnia negra. Que pese isto, a política “Neo antidemocracia racial” por meio das Bancas de Aferição de cor/etnia nos Concursos públicos e processos seletivos de ingresso estudantil, propõe que os indivíduos provem que são negros mediante marcadores de “pretura”, mostrar que são mais pretos e negros que os demais candidatos, lançando por terra os avanços históricos de autoafirmação, autodeclaração e autoreconhecimento mediante o pertencimento cultural, o que mostra um grande retrocesso cultural e educacional, trazendo perturbação mental e segregação étnico-racial dentro da etnia negra, em se tratando do sistema de cotas para acesso ao nível superior, seja como estudante ou trabalhador.

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Referências GOMES, Nilma Lino. In: Educação anti-racista: caminhos abertos pela Lei Federal 10.639/03. Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade – Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade, 2005. (Coleção Educação para Todos) MINISTÉRIO DO PLANEJAMENTO, DESENVOLVIMENTO E GESTÃO (MPOG) - SECRETARIA DE GESTÃO DE PESSOAS E RELAÇÕES DO TRABALHO NO SERVIÇO PÚBLICO. ORIENTAÇÃO NORMATIVA Nº 3, DE 1º DE AGOSTO DE 2016 In: DOU de 02/08/2016 (nº 147, Seção 1, pág. 54). 2016. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA - Casa Civil - Subchefia para Assuntos Jurídicos. Lei nº 12.990, de 9 de junho de 2014 In: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2014/Lei/L12990.htm. 2014. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA - Casa Civil - Subchefia para Assuntos Jurídicos. Lei nº 12.288, de 20 de julho de 2010. In: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2010/lei/l12288.htm. 2010. SANTOS, Sales Augusto dos. Ação Afirmativa ou a Utopia Possível: O Perfil dos Professores e dos Pós-Graduandos e a Opinião destes sobre Ações Afirmativas para os Negros Ingressarem nos Cursos de Graduação da UnB. Relatório Final de Pesquisa. Brasília: ANPEd/ 2° Concurso Negro e Educação, mimeo, 2002. SISS, Ahyas. Afro-brasileiros, Cotas e Ação Afirmativa: razões históricas. Rio de Janeiro: Quartet, 2003. STF - ARE: 729611 RS, Relator: Min. DIAS TOFFOLI. Julgamento de Exclusão de candidata afrodescendente em Banca de Aferição em Concurso Público. (Data de Julgamento: 02/09/2013, DIVULG 06/09/2013 PUBLIC 09/09/2013). WEBER, Max. Ensaios de sociologia. 5ª ed. Rio de Janeiro: LTC Ed., 1982.

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A EDUCAÇÃO PARA AS RELAÇÕES ÉTNICO RACIAIS E O PAPEL DO ENSINO DE HISTÓRIA E CULTURA AFRO-BRASILEIRA E INDÍGENA Zilfran Varela Fontenele Como resultado da Lei 10.639/2003, em 2004 foi aprovado pelo Conselho Nacional de Educação – CNE as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro Brasileira e Africana - ERER (BRASIL, 2013). Vale ressaltar, que, mesmo sendo resultado das conquistas alcançadas com a Lei 10.639/2003 e enfatizar as questões ligadas à História e Cultura Africana, o texto aborda questões indígenas e por analogia, estas diretrizes se aplicam a todas as etnias. Apesar de a Lei 11.645/2008 ser posterior, estas orientações se aplicam à suas demandas. O documento traz orientações para a promoção de um ensino de História que possibilite a garantia da inclusão afirmativa da História e Cultura Afro Brasileira e Indígena nos currículos escolares. Estas conquistas resultaram da mobilização e resistência de movimentos sociais de negros e indígenas, mas também de mulheres e outros, que ganharam respaldo na Constituição de 1988 e na Lei de Diretrizes e Bases da Educação – Lei 9394/1996. As Diretrizes para a ERER (BRASIL, 2013) são destinadas aos diversos segmentos que compõem os sistemas de ensino, públicos e privados, com a pretensão de dialogar sobre: [...] às relações étnico-raciais, ao reconhecimento e valorização da história e cultura dos afro-brasileiros, à diversidade da nação brasileira, ao igual direito à educação de qualidade, isto é, não apenas direito ao estudo, mas também à formação para a cidadania responsável pela construção de uma sociedade justa e democrática. (BRASIL, 2013, p. 497) As Diretrizes para a ERER (BRASIL, 2013) têm como meta a garantia de que todos os cidadãos, independentemente de sua ascendência étnica, tenham acesso à educação em todos os níveis de ensino, em escolas com instalações adequadas e professores qualificados para lidar com e evitar situações de racismo e discriminação, capazes de conduzir, segundo estas diretrizes, a uma reeducação e reconstrução das relações entre os diferentes grupos étnico-raciais que compõem a sociedade brasileira. O parecer procura oferecer uma resposta, na área da educação, à demanda da população afrodescendente, no sentido de políticas de ações afirmativas, isto é, de políticas de reparações, e de reconhecimento e valorização de sua história, cultura, identidade. Trata, de política curricular, fundada em dimensões históricas, sociais, antropológicas oriundas da realidade 708

brasileira, e busca combater o racismo e as discriminações que atingem particularmente os negros. Nesta perspectiva, propõe a divulgação e produção de conhecimentos, a formação de atitudes, posturas e valores que eduquem cidadãos orgulhosos de seu pertencimento étnico-racial – descendentes de africanos, povos indígenas, descendentes de europeus, de asiáticos – para interagirem na construção de uma nação democrática, em que todos, igualmente, tenham seus direitos garantidos e sua identidade valorizada. (BRASIL, 2013, p. 498) A demanda é por um ensino de História voltada para a interação de diferentes matrizes culturais, fortalecendo as relações inter étnicas a partir do reconhecimento, incentivo ao sentimento de pertença, diálogo, respeito e integração, necessários ao convívio harmônico de cidadãos iguais que se respeitam em um ambiente democrático. Ainda segundo as Diretrizes (BRASIL, 2013), existe uma demanda para que Estado e sociedade ofereçam reparações aos danos psicológicos, econômicos, políticos, educacionais e sociais sofridos por afro descendentes e indígenas, vítimas do sistema escravista que funcionou no Brasil entre os períodos colonial e imperial e que mantém sequelas em nossa sociedade. Estes danos foram causados também por políticas públicas de incentivo ao “branqueamento” da população voltada a um suposto desenvolvimento nacional, atribuindo atrasos econômicos e sociais no país à grande quantidade de negros, indígenas e mestiços, impondo ainda a noção de que beleza, inteligência, desenvolvimento e até mesmo de higiene, estavam associados aos brancos. As sequelas mais graves destas construções históricas estão presentes no racismo enraizado em concepções aparentemente naturais, como padrões de beleza associados a cabelos lisos e claros, propagandas que colocam brancos com uma intensidade maior que negros, ou brinquedos e bonecas que raramente não têm a cor clara. Diante do exposto, observamos a necessidade de um ensino de História com o olhar voltado para a diversidade e a inclusão, que supere temas tradicionais como diferenças de classes motivadas por fatores étnicos, capacidades cognitivas diferenciadas ou deficiências físicas e intelectuais relacionadas a questões de etnia. Faz-se mister levar para a sala de aula um ensino de História que incentive a inclusão das diversidades inerentes à realidade brasileira, não só no âmbito da etnicidade, mas em questões de gênero, ideologias e religião. Desta forma, especialmente através da LDB (Lei 9394/1996) e da Lei 11.645/2008, busca-se um ensino que valoriza a diversidade presente na sociedade brasileira, pois segundo Certeau (1994), o tempo presente demanda a necessidade de pensar uma “cultura no plural”, considerando diferentes perspectivas, modos de vida e compreensões diversas da realidade, por parâmetros muitas vezes opostos aos dominantes e culturalmente enraizados. Esta realidade requer ainda um ensino de História pautado na desconstrução do mito de uma democracia racial presente em obras clássicas, como Casa Grande e Senzala (FREYRE, 2003), que, além de fomentar uma concepção de miscigenação como instrumento de integração cultural, leva a uma aparente aceitação da dominação associada a uma relação pacífica entre os grupos sociais. 709

Atingir estes objetivos requer uma integração de diferentes setores da educação, com destaque para a adoção de Projetos Político Pedagógicos – PPP que reflitam o compromisso da escola com estas demandas, associado a um ensino de História que possibilite aos alunos momentos de reflexão que permitam reconhecer a importância dos diversos segmentos sociais na construção histórica e social do Brasil. A construção de novas propostas pedagógicas para o ensino de história deve, a nosso ver, fundamentar-se nessa concepção de escola como instituição social, um lugar plural, onde se estabelecem relações sociais e políticas, espaço social de transmissão e produção de saberes e valores culturais. É o lugar onde se educa para a vida, onde se formam as novas gerações para o exercício da cidadania. Por isso, fundamentalmente, é um lugar de produção e socialização de saberes. (FONSECA, 2003, p. 101) Este reconhecimento seria baseado na adoção de políticas educacionais e estratégias pedagógicas direcionadas a um ensino de História que promova a valorização da diversidade nos diferentes níveis de ensino; no questionamento, conforme Munanga (2009, 2005), de relações étnicas baseadas em preconceitos que desqualificam negros, indígenas e mestiços, através de estereótipos, palavras ou atitudes violentas e depreciativas que evidenciem desigualdades na sociedade; valorização e divulgação de processos de resistência desde a época colonial até a atualidade; compreensão dos valores e lutas através da sensibilização ao sofrimento destes grupos e suas descendências, resultados da escravidão, exclusão e preconceitos a que estiveram historicamente submetidos; e a criação de condições para que negros, indígenas e mestiços, possam frequentar os sistemas escolares e não sejam submetidos a rejeição ou exclusão, não sendo desestimulados a prosseguir com seus projetos e sonhos, garantido o direito de ver registradas e abordadas de maneira equânime as contribuições históricas e culturais de seus antepassados. Esta socialização de saberes deve ser caracterizada pelo diálogo entre as diversas contribuições históricas ou de memórias, conforme Rocha (2014); e incentivo ao respeito pelas diferenças, reconhecimento da igualdade em meio à pluralidade, em um ambiente em que o professor atua como facilitador, incentivando a reflexão dos jovens, e não mais como portador das verdades absolutas. Desfazer esta mentalidade racista passa pelo reconhecimento de sua existência na sociedade, na escola e nos próprios professores, superando o que Fernandes (2007) define como “preconceito de ter preconceito”. Problematizar o racismo permite que tais práticas sejam identificadas e evitadas. O ensino de História não deve negar aos estudantes o conhecimento e a oportunidade de criticidade de práticas discriminatórias. Cabe especialmente aos professores de História, reconhecer a dinâmica das mudanças sociais no tempo e no espaço, se reconhecendo como parte integrante de um processo dinâmico que exige que suas concepções sejam constantemente revistas e repensadas, afim de evitar que suas práticas docentes se tornem reféns de ideologias, concepções e práticas que se tornaram ineficazes na realidade em que estão inseridos, e que tem mudado mais rapidamente e com mais intensidade nesta era da informação em que as fronteiras do conhecimento são cada vez menores. 710

Um importante desafio neste sentido é a aproximação das universidades com a as escolas, reduzindo os espaços entre a teoria e as práticas docentes, além da participação cada vez mais efetiva dos professores na construção de currículos que “evidenciem as contradições e conflitos existentes na escola e no mundo acadêmico, questiona e desconstrói saberes históricos eurocêntricos que ainda hoje funcionam como orientação estereotipada do negro e do índio”. (FERRAZ, 2011, p. 29) Por fim, vale ressaltar que estas diretrizes possuem dimensões normativas e orientadoras que visam oferecer referências e critérios para a implantação de ações positivas, sem, contudo, estar fechadas em si, permitindo que estas orientações sejam referências ou pontos de partida, mas que estão abertas a reformulações em caso de necessidade, para um melhor cumprimento de seus fins. Além disto, segundo estas diretrizes, o cumprimento da Lei não é atributo exclusivo do professor em sala de aula, “devendo haver também o comprometimento solidário dos vários elos do sistema de ensino brasileiro”. (BRASIL, 2013, p. 510)

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