Javé e Asherah no Sul de Judá: Bíblia e Arqueologia de Tel Arad

June 15, 2017 | Autor: Elcio Mendonça | Categoria: Arqueología, Arqueologia, Biblia, Kuntillet Ajrud, BIBLIA Y TEOLOGIA, Tel Arad
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UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião SEMINÁRIO INTERNO DE PESQUISA Grupo de Pesquisa Arqueologia do Oriente Próximo Élcio Valmiro Sales de Mendonça1 Título: JAVÉ E ASHERAH NO SUL DE JUDÁ: Bíblia e Arqueologia de Tel Arad2 Resumo: Os achados arqueológicos de Tel Arad são um verdadeiro legado para a humanidade, pois nos apresenta um dos poucos sítios arqueológicos da idade do bronze antigo no território de Canaã. Tel Arad foi escavado a partir de 1962 por Aharoni, e posteriormente por Amiran patrocinados pela Universidade Hebraica de Jerusalém e pelo Museu de Israel, respectivamente. O Tel Arad está dividido em dois grandes sítios, o da parte baixa e da parte alta. O da parte alta pertence ao período israelita (séc. IX a.C.) e o da parte baixa, do período pré-israelita (aprox. 3300 – 2300 a.C.). A parte alta, israelita, foi a mais estudada e desperta o interesse do estado israelense. Já a parte baixa, tem sido pouco pesquisada, pois é de uma época pré-israelita, portanto, não interessante para Israel. Esta pesquisa tem por objetivo analisar o sítio arqueológico de Tel Arad, mais especificamente do ambiente do culto. O politeísmo existente na cultura israelita e revelada aos nossos olhos através da arqueologia. O templo do Tel Arad, Javé e Asherah no Santo dos Santos, Javé de Samaria e sua Asherah, dos achados de Kuntillet Ajrud.

Palavras-chave: Tel Arad – Arqueologia – Religião – Culto – Javé – Asherah

O SÍTIO ARQUEOLÓGICO DE TEL ARAD Localização: O sítio arqueológico de Tel Arad (dflrv ‹ l‘t) está localizado no deserto da Judéia, ao sul do antigo território de Judá. Pertence à região da bacia hidrográfica de Beesheba, junto à nascente do Nahal Beersheba. A distância a partir de Tel Aviv, pelas modernas autopistas, é de aprox. 140 km e de Jerusalém 139 km ao sul. Hoje existe na mesma região do tel uma cidade 1

Doutorando em Ciências da Religião, área de Linguagens da Religião, na Universidade Metodista de São Paulo. Orientador: Prof. Dr. José Ademar Kaefer. E-mail: [email protected]. Página do Grupo de Pesquisa Arqueologia do Antigo Oriente: www.metodista.br/arqueologia. 2 Pesquisa apresentada no dia 27/03/2014, no Seminário Interno de Pesquisa, linha de pesquisa Linguagens da Religião, do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião da Universidade Metodista de São Paulo – UMESP, realizado nos dias 26 e 27/03/2014.

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moderna chamada Arad, com aprox. 25 mil habitantes, e está localizada a 10 km a leste do sítio de Tel Arad. Onde aparece na Bíblia: O vocábulo Arad é mencionado poucas vezes no texto bíblico, no total são cinco; uma vez como nome próprio em 1Cr 8.153, numa extensa lista genealógica dos descendentes de Benjamin e de Saul; e quatro vezes como nome de uma cidade limítrofe no Negueb. Em Nm 21.1-3 é narrado um confronto entre os israelitas e o rei de Arad. Ainda em Nm 33.40, diz que o rei de Arad, que habitava no sul de Canaã, tinha ouvido que os israelitas estavam se aproximando; Em Jz 1.16 diz que os filhos do sogro de Moisés tinham ido habitar ao sul de Arad; e em Js 12.14, Arad aparece numa lista entre os reis derrotados por Israel, na então conquista da terra de Canaã. Todos estes textos se referem ao período pré-monárquico, que narram a chegada do povo israelita no sul de Canaã, rumo à conquista da terra. A Arad do período israelita não aparece explicitamente nos textos bíblicos, mas sabese que ela foi uma importante fortaleza de defesa dos limites do território de Judá. Segundo Ademar Kaefer, “Arad aparece, também, numa inscrição de 925 a.C. (séc. X) da cidade de Karnac, como uma das cidades subjugadas pelo faraó egípcio Sisac”.4 As Escavações: Sobre as escavações arqueológicas no Tel Arad, não se tem muitas informações a respeito. As informações que disponíveis foram encontradas principalmente na obra de Amihai Mazar. De acordo com Mazar, em sua obra Arqueologia nas Terras da Bíblia, dois arqueólogos israelenses trabalharam em escavações no Tel Arad durante o séc. XX: Yohanan Aharoni (1962 a 1966; 1971 a 1980), que escavou a cidade do período do Ferro [que é o período israelita], o qual foi patrocinado pela Universidade Hebraica de Jerusalém. Outro arqueólogo que trabalhou no Tel Arad foi R. Amiran (1964 - ), que escavou a cidade do período do Bronze 3 4

Todas as citações da Bíblia são da Almeida Revista e Atualizada. Barueri: SBB, 1995. KAEFER, 2012, p. 31.

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Antigo [pré-israelita], mas com forte ênfase na cidade do período do ferro. A expedição de Amiran foi patrocinada pelo Museu de Israel5. No Tel Arad foram encontradas as ruínas de duas cidades, uma na parte mais baixa, que corresponde ao período do bronze, e outra na parte alta, que corresponde ao período do ferro. A cidade baixa: período do Bronze Antigo (3050-2300 a.C.) Conforme Kaefer, em sua obra Arqueologia nas Terras da Bíblia, a parte baixa do Tel Arad é o melhor exemplo que se tem de uma típica cidade do período do Bronze Antigo6. Os arqueólogos Aharoni, Mazar e Finkelstein possuem a mesma opinião de Kaefer, afirmando que esta é a cidade que mostra de forma mais completa como eram as cidades do período do bronze7. Esta cidade atingiu seu auge na primeira metade do terceiro milênio (entre 3000–2700 a.C.). As escavações indicam que neste período, a parte mais alta não fazia parte desta cidade. Na cidade do bronze foram encontradas várias construções numa área relativamente grande, de nove hectares. A cidade tinha o formato de concha, como um anfiteatro, nela há uma bela demonstração de como eram organizadas as cidades neste período. As casas eram construções bem simples, e de vários tamanhos, mediam entre 50m2 a 150m2. Basicamente tinham dois ou três cômodos, os quais consistiam numa grande sala rodeada por um degrau de pedras nas quatro paredes,

que

servia

como

bancos,

também

possuíam

outra

área,

possivelmente um armazém e um pátio aberto. Uma pequena estela, rústica, foi encontrada em um dos templos do bronze8. Nela há um desenho estilizado, com poucos traços e poucos detalhes. São traços de duas pessoas, ambas com a cabeça parecida com uma espiga

5

Cf. MAZAR, Amihai. Arqueologia na Terra da Bíblia: 10.000 – 586 a.C. São Paulo: Paulinas, 2003, p. 41, 471. 6 Cf. KAEFER, José Ademar. Arqueologia nas Terras da Bíblia. São Paulo: Paulus, 2012, p. 31. 7 Cf. AHARONI, Yohanan. The Archeology of the Land of Israel. Philadelphia: The Westminster Press, 1978, p.59,60. 8 Cf. SCHWANTES, Milton. Tel Arad. Disponível em: http://www.metodista.br/arqueologia/artigos. Acesso em 01/10/2012.

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de trigo com os braços levemente flexionados para cima, seus pés são parecidos com raízes de planta. Uma delas está deitada e outra em pé, cruzando na altura da cintura. A que está deitada, parece dentro de uma caixa, possivelmente seja uma cova. Este desenho pode ser interpretado como a morte e ressurreição de um deus da fertilidade, e deve estar relacionado a algum mito da agricultura, quando as sementes morrem na época do plantio e nascem as espigas para serem colhidas. Para Schwantes, este desenho pode representar uma relação sexual, um rito da fertilidade9. A cidade baixa era protegida por uma grande muralha, com 1200 metros de comprimento (dos quais somente 900 metros estão expostos/escavados) e 2,4 metros de espessura10, e abrigava em torno de três mil habitantes. Esta cidade ficou desabitada por um período de aprox. 1500 anos, e a pergunta que se levanta é: o que levou o povo a abandonar a cidade depois de 2700 a.C.? A resposta a essa pergunta ainda permanece um incógnita. Sabe-se que esse abandono de cidade não aconteceu somente com Arad, mas com outras cidades do mesmo período. Isto pode ter acontecido devido a condições climáticas, como possivelmente, um longo período de estiagem. A cidade alta: período do ferro II (1000-586 a.C.) Depois de permanecer por uns mil e quinhentos anos desabitada, grupos de pessoas voltaram a construir casas em Arad, porém, não mais na parte baixa, mas na parte alta, no alto da colina. Isto parece ter sido uma tendência neste período, fixar morada no alto dos montes, pois trazia certa segurança, é mais difícil os exércitos inimigos atacarem. A cidade alta está mais conservada e ainda hoje há escavações nela. Esta cidade é pequena, possui uma área de 50m x 50m. Esta parte mais alta passou a ser habitada em torno do séc. X a.C.11

9

Cf. SCHWANTES, Milton. Tel Arad. Disponível em: http://www.metodista.br/arqueologia/artigos. Acesso em 01/10/2012. 10 Cf. MFA. Arad. Disponível em: www.mfa.gov.il/arad. Acesso em: 01/10/2012. 11 Mazar, 2003, p. 418-420; FRICK, Frank S. The City in Ancient Israel. Missoule, Montana: Scholar Press, 1977, p. 88-89.

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Conforme Aharoni, Arad, junto com outras fortalezas do deserto do Neguebe, foi destruída no final do séc. X a.C. durante a campanha de Sisac. Talvez esta seja a razão de Arad não aparecer na lista de edificações de Roboão (2Cr 11.6-10). Para Aharoni, Arad foi reedificada no início do séc. IX a.C. no final do reinado de Asa, rei de Judá.12 Segundo Milton Schwantes, além de ter sido destruída pelo faraó Sisac, no séc. X a.C., Arad também foi arrasada pelos assírios, que causaram grandes estragos no final do séc. VIII a.C. Depois disso, a maior ameaça passou a ser dos edomitas, principalmente durante o último século da monarquia judaíta. Um dos óstracos encontrados no Tel Arad nos apresentam a estratégia: “evitar que os edomitas avancem”.13 Arad tem a forma de uma fortaleza, rodeada por fortes muros de casamata e torres. Deve ter sido anexada pela monarquia no séc. X a.C., e que possivelmente passou a ter funções de forte militar, para defender os limites ao sul do território de Judá. A descoberta mais interessante do Tel Arad é seu templo. Há indícios de que este templo tenha sido dedicado a Javé. Segundo Mazar, este templo servia à guarnição da fortaleza, bem como aos habitantes em redor14. O templo era composto por três salas: o hall de entrada, a sala principal e debir, o Santo dos Santos. Havia um pátio mais amplo com a entrada no lado leste, e um altar para os sacrifícios, construído com pedras rústicas, media 2,5m x 2,5m, que era o formato e dimensões exigidas pela lei em Ex 20.24,25. Este altar estava coberto por uma pedra de pederneira grande, deitada sobre o altar. Depois desta sala, havia uma passagem para outra menor e mais estreita, no fundo desta sala estava o lugar Santíssimo, o Santo dos Santos. Este era uma pequena sala, um nicho. O acesso a este nicho era através de degraus, e dentro do nicho havia mais um degrau. Isto dá a ideia de uma h“m“–b. Na entrada 12

Cf. Aharoni, 1978, p. 245-246. SCHWANTES, Milton. Tel Arad. Disponível em www.metodista.br/arqueologia/artigos/israeltel-arad-1. Acesso em 17/09/2012. 14 Cf. Mazar, 2003, p. 471. 13

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deste nicho, estavam dois altares de incenso, um maior à esquerda e um menor à direita. O altar maior media 51cm e o menor 40cm. Estes altares eram côncavos no alto e estavam cobertos por uma camada orgânica, possivelmente incenso ou gordura animal.15 No fundo do nicho, do Santo dos Santos, havia duas estelas, tÙbFc ‘ m — , uma maior, à esquerda, imediatamente atrás do altar maior, e outra menor, à direita, logo atrás do altar menor (a estela menor não foi encontrada quando o templo foi escavado). A estela maior tinha o formato fálico e havia resquícios de tinta vermelha, evidenciando um culto à fertilidade, a menor estava do lado direito. Isto indica duas divindades, uma masculina e outra feminina. Poderia ser Javé e Asherah? Possivelmente sim16. Isto é uma forte indicação de politeísmo na sociedade israelita. E isto não era exclusividade de Tel Arad, esta prática pode ser vista durante todo o período da monarquia, inclusive dentro do Templo de Jerusalém. Esta prática pode ser comprovada em 1Rs 14.22-24, período de Acaz: “Fez Judá o que era mau perante o SENHOR; e, com os pecados que cometeu, o provocou a zelo, mais do que fizeram os seus pais. Porque também os de Judá edificaram altos, estátuas, colunas e postes-ídolos [Asherah] no alto de todos os elevados outeiros e debaixo de todas as árvores verdes. Havia também na terra prostitutos-cultuais; fizeram segundo todas as coisas abomináveis das nações que o SENHOR expulsara de diante dos filhos de Israel.” Também no período de Manassés, 1Rs 21.3: Pois tornou a edificar os altos que Ezequias, seu pai, havia destruído, e levantou altares a Baal, e fez um poste-ídolo como o que fizera Acabe, rei de Israel, e se prostrou diante de todo o exército dos céus, e o serviu. E ainda no período de Josias, 2Rs 23.4: Então, o rei ordenou ao sumo sacerdote Hilquias, e aos sacerdotes da segunda ordem, e aos guardas da porta que tirassem do templo 15

Cf. THOMPSON, John A. A Bíblia e a Arqueologia: quando a ciência descobre a fé. São Paulo: Vida Cristã, 2007, p.201. 16 Cf. AHARONI, Yohanan. The Archaeology of the Land of Israel. Philadelphia: The Westminster Press, 1982, p. 227-232.

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do SENHOR todos os utensílios que se tinham feitos para Baal, e para o poste-ídolo, e para todo o exército dos céus, e os queimou fora de Jerusalém, nos campos de Cedrom, e levou as cinzas deles para Betel. Esse tipo de prática religiosa parece ter sido realizada em todo o território ocupado por Israel e Judá. Isto por causa do grande número de estatuetas de deusas nuas da fertilidade entre outras figuras divinas. Segundo Finkelstein, A evidência arqueológica mais clara e definitiva da popularidade desse tipo de prática religiosa, em todo o reino, é a descoberta de centenas de figuras de barro de deusas da fertilidade nuas em todos os sítios da antiga monarquia em Judá. Ainda mais sugestivas são as inscrições encontradas no antigo sítio do século VIII de Kuntillet Ajrud, no nordeste do Sinai, sítio que mostra laços culturais com o reino do norte.17

O sítio de Kuntillet Ajrud, mencionado por Finkelstein, foi escavado entre 1975 e 1976 pela equipe do arqueólogo Ze’ev Meshel, do Instituto de Arqueologia da Universidade de Tel Aviv. Em Kuntillet Ajrud foi encontrado, entre outros artefatos importantes, fragmentos de potes de cerâmica com desenhos e uma inscrição em paleohebraico (HTrfaLw nrmf HwHYl): “para Javé de Samaria e para [sua] Asherah”. Tal pote é datado entre final séc. XIX e início do séc. VIII a.C. Esta inscrição confirmaria a extensão do domínio de Israel Norte e a influencia que o javismo teve do baalismo e do culto da fertilidade.18 Este desenho pode ser interpretado como a morte e ressurreição de um deus da fertilidade, e deve estar relacionado a algum mito da agricultura, quando as sementes morrem na época do plantio e nascem as espigas para serem colhidas. Para Schwantes, este desenho pode representar uma relação sexual, um rito da fertilidade19. No Tel Arad foram encontrados também inúmeros fragmentos de cerâmica. Muitos deles com inscrições e listas de nomes de famílias de sacerdotes, como Pasur e Meremote. Também foi encontrada em uma destas 17

FINKELSTEIN, 2003, p. 327,328. HEIMER, 2009, p. 48; FINKELSTEIN, 2003, p. 327,328; MAZAR, 2003, p. 425-428,490. 19 Cf. SCHWANTES, Milton. Tel Arad. Disponível em: http://www.metodista.br/arqueologia/artigos. Acesso em 01/10/2012. 18

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listas a expressão “filhos de Qorah”,20 um grupo de levitas que também aparece nos títulos de 11 salmos21. Uma das inscrições traz outra expressão “casa de Javé”, o que pode indicar que a população de Arad considerava este templo como um legítimo lugar de adoração a Javé22. A desativação do templo de Arad deve ter acontecido antes mesmo da sua destruição final, que deve ter acontecido, possivelmente, durante a época da reforma de Josias (2Rs 23), séc. VII a.C. A arqueologia e suas implicações para o estudo da Bíblia A arqueologia é o estudo da cultura material, e seu objeto de estudos, segundo Funari, “é um indicativo das relações sociais nas quais essa cultura material foi produzida e apropriada”.23 Para

Finkelstein,

a

arqueologia

tem

produzido

um

formidável

conhecimento sobre as línguas, as sociedades e o desenvolvimento histórico do período onde as tradições do antigo Israel se cristalizaram, transpondo cerca de seiscentos anos. Mas isto não significa que a arqueologia provou ser verdadeira a narrativa bíblica, em todos os seus detalhes. Longe disso: agora é evidente que muitos eventos da história bíblica não aconteceram numa determinada era ou da maneira como foram descritos. Alguns dos eventos famosos da Bíblia jamais aconteceram inteiramente. (...) A arqueologia ajudou-nos a reconstruir a história oculta da Bíblia, tanto no plano dos grandes reis e reinos como nos modos e hábitos da vida diária.24

A arqueologia nos ajudou a entender como a história dos israelitas foi se desenvolvendo, principalmente, no desenvolvimento de sua história religiosa. Até o final do séc. XX, acreditou-se que Israel tinha sido monoteísta desde suas origens, ou pelo menos desde o período pré-estatal. Esta tese foi defendida por muitos biblistas e exegetas, Gerhard Von Rad, Albrecht Alt, Norman Gottwald, etc.

20

Cf. AHARONI, 1978, p. 229. Os Salmos dos filhos de Qorah são: Sl 42-49; 84-85; 87-88. 22 Cf. THOMPSON, 2007, p. 202. 23 FUNARI, 2010, p. 15,32-33. 24 FINKELSTEIN, 2003, p. 15-16. 21

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Segundo a obra Inefável e sem forma: estudos sobre o monoteísmo hebraico (2009), de Haroldo Reimer, Israel não foi monoteísta desde suas origens, pelo contrário, era politeísta. O monoteísmo foi uma construção. Reimer cita a obra Um Deus somente? A adoração a YHWH e o monoteísmo bíblico no contexto da história da religião de Israel e do antigo Oriente, organizada por Walter Dietrich e Martin Klopfenstein, YHWH, na origem, era provavelmente um deus da montanha da região desértica do sul da Palestina, avançando para a função de deus pessoal de famílias israelitas; para o posto de deus nacional de Israel; para a função de deus da fertilidade da terra cultivável; para o deus dos céus provedor do cosmo e dirigente da história; para o senhor sobre a morte e, por fim, para a função de juiz universal.25

De acordo com a obra de Reimer, o monoteísmo se desenvolveu em cinco fases: 1) Sincretismo pacífico entre El e YHWH; 2) Conflitos com Baal; 3) Ênfase maior na adoração exclusiva a YHWH; 4) Reforma de Josias e o monoteísmo nacionalista e 5) Monoteísmo absoluto ou clássico. É nesta última fase que o monoteísmo absoluto, excludente ou clássico se firma em Israel de maneira mais contundente. É no pós-exílio que acontecem as formulações decisivas das tradições e literaturas religiosas do povo judeu.26 É possível perceber e ver através da arqueologia que os israelitas não foram monoteístas desde sua origem, mas que na antiguidade cultuavam outras divindades assim como os povos vizinhos. Os achados arqueológicos de Tel Arad e de Kuntillet Ajrud lançam luz sobre o assunto. O culto da fertilidade estava presente na sociedade israelita, tanto no coletivo como no individual. A infinidade de estatuetas de deusas encontradas em todo o território de Israel e Judá nos dão uma certeza disso. Também o templo de Tel Arad com seus dois altares e suas duas estelas no Santo dos Santos, bem como a indicação de que representariam Javé e Asherah juntos, indicam que Javé também passou a representar a fertilidade ao lado de Asherah.

25 26

HEIMER Apud DIETRICHT-KLOPFENSTEIN, 2009, p. 39. HEIMER, 2009, p. 40-52.

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De igual forma, as inscrições encontradas nas cerâmicas de Kuntillet Ajrud, que sugerem que Javé tinha uma consorte, fortalece a ideia de politeísmo e cultos de fertilidade. Também a expressão “Javé de Samaria”, indica a forte influencia do Norte, Israel, sobre Judá, ao sul, durante o séc. VIII a.C., época dos omridas. Finalizando... a arqueologia não existe para comprovar a Bíblia, como se pensava até meados do séc. XX “a Bíblia numa mão e a pá na outra”, mas para analisar e interpretar os vestígios da cultura material de um determinado povo. É necessário cautela para não se tomar uma posição demasiadamente positivista da arqueologia com relação a Bíblia. A Bíblia pode ser beneficiada com determinados achados arqueológicos, mas a arqueologia também pode mostrar que a história nem sempre é da maneira como chegou a nós e como nós a entendemos hoje. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AHARONI, Yohanan. The Archaeology of the Land of Israel. Philadelphia: The Westminster Press, 1982. BINGER, Tilde. Asherah: Goddess in Ugarit, Israel and the Old Testament. Journal for the Study of the Old Testament. Supplement Series 232. Copenhagen International Seminar 2. Sheffield: Sheffield Academic Press, 1997. BONANNO, Anthony (ed.). Archaeology and Fertility Cult in the Ancient Mediterranean. Papers presented at the First International Conference on Archaeology of the Ancient Mediterranean. University of Malta (2-5 September 1985). Amsterdan: B.R. Grüner, 1985. CAZELLES, Henri. História Política de Israel: Desde as Origens até Alexandre Magno. São Paulo: Paulus, 1986. CLINES, David J. A. (Ed.). The Concise Dictionary of Classical Hebrew. Sheffield: Sheffield Phoenix Press, 2009. CORDEIRO, Ana Luísa Alves. Onde Estão as Deusas? Asherah, a Deusa proibida, nas linhas e entrelinhas da Bíblia. São Leopoldo: CEBI, 2011. CROATTO, José Severino. As Linguagens da Experiência Religiosa: Uma introdução à fenomenologia da religião. 2.ed. São Paulo: Paulinas, 2004. CROSS, Frank Moore. From Epic to Canon: history and literature in ancient Israel. Baltimore / London: The Johns Hopkins University Press, 1998. DONNER, Herbert. História de Israel e dos Povos Vizinhos. Vol.1. Da época da divisão do Reino até Alexandre Magno. São Leopoldo: Sinodal, 1997. ______. História de Israel e dos Povos Vizinhos. Vol.2. Da época da divisão do Reino até Alexandre Magno. São Leopoldo: Sinodal, 2004.

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