JEAN PAUL-SARTRE E A PERSPECTIVA DO MÉTODO EM GEOGRAFIA

July 28, 2017 | Autor: Emilio Sarde | Categoria: Human Geography, Cultural Geography, Political Philosophy, Filosofía
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Emílio Sarde Neto

JEAN PAUL-SARTRE E A PERSPECTIVA DO MÉTODO EM GEOGRAFIA

RESUMO Pensar em Sartre e sua obra como possibilidade de método em geografia é alternativa pouco explorada no Brasil. O filósofo passou boa parte da sua vida tentando harmonizar sua filosofia baseada na fenomenologia1 de Edmund Husserl2 com o materialismo histórico e dialético de Karl Marx3 e Friedrich Engels4. Os anos 50 para Sartre foram marcados pela tentativa de conciliar a filosofia individualista do seu existencialismo com a visão coletivista do marxismo. O pensamento sartriano ganhou um amalgama filosófico, que une o conhecimento do fenômeno e a prática da sua crítica com o apontamento das possibilidades de ação. A liberdade de escolha e o engajamento na luta tornaram-se mais importantes do que a posse de bens materiais, e ele converteu este pensamento em filosofia. PALAVRAS-CHAVES: Fenomenologia, Marxismo, Existencialismo. Sartre iniciou sua carreira como professor depois escritor e mais tarde filósofo. A obra de Sartre possui mais de 30 volumes. As Palavras obra de 1953 é um trabalho sobre si mesmo que descreve sua infância, suas impressões da vida, seus rompimentos e anseios. Para ele a vida de um escritor é refletida em suas obras. A maior parte dos intelectuais nasceu no seio da burguesia e só conhece essa cultura. Eles são guardiões dessa cultura. Todavia a burguesia sempre desconfiou, e com razão dos intelectuais, vendo-os como “estranhos no ninho”. O magistério durante muito tempo foi encarado como uma profissão que servia para ganhar a vida, pois a paixão do filósofo era escrever. Para ele ser professor em uma cidade provinciana e ter uma vida tradicional voltada para a família (casamento e filhos), e depois morrer, era como estar entregue aos valores pequeno-burgueses que ele duramente atacava. 1

Em Husserl, é o método filosófico que se propõe a uma descrição da experiência vivida da consciência cujas manifestações são expurgadas de suas características reais ou empíricas e consideradas no plano da generalidade essencial. 2 Matemático e filósofo alemão que estabeleceu os alicerces para a fenomenologia. 3 Foi um intelectual e revolucionário alemão fundador da doutrina comunista moderna, atuou como filósofo, economista, historiador, advogado, sociólogo. 4 Teórico revolucionário alemão que junto com Karl Marx fundou o socialismo científico ou marxismo.

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Mais tarde descobriu que muitos professores escreviam livros, foi quando mudou de ideia. Incomodava-se muito com o curso de Magistério, pelo exemplo dos professores que falavam de forma abstrata de situações concretas. Muitas coisas condenáveis não eram percebidas à época. Sartre e seus companheiros associavam a escola convencional a disciplina e a ordem burguesa, por isso não trabalhavam da forma tradicional. As aulas eram participativas com liberdade total. Para o filósofo o envolvimento com a literatura imortaliza e proporciona liberdade, as literaturas dos séculos se contradizem porque são o reflexo das suas épocas. Sartre afirmava ser um produto da Segunda Grande Guerra e da Revolução Russa. Sua personalidade é construída pela infância que levou, pela violência que enfrentou na adolescência e das experiências no Porto de Rochele. Na expressão do seu amigo Nizan5 às vezes certos técnicos do conhecimento acabam por se tornar “cães de guarda” da cultura burguesa. Segundo Sartre alguns outros não deixam de ser elitistas, mesmo quando professam ideias revolucionárias, a eles é permitido contestar, pois falam a língua do burguês, aos poucos é possível fazêlos mudar de lado até que se regenerem totalmente basta que recebam uma cadeira na Academia de Letras ou um Premio Nobel6. No entanto existem intelectuais que como Sartre desde 1968 7 já não queriam mais dialogar com a burguesia. Porém, a coisa não é tão simples. Todo intelectual tem seus próprios interesses. Se for um escritor tem suas obras. Apesar de sempre contestar a burguesia, seus livros se dirigem a ela, na sua língua, sendo possível encontrar nos primeiros livros elementos elitistas. Antes disso Sartre trabalhou durante mais de 15 anos em um livro sobre Gustave Flaubert8 que jamais interessaria a operários. Um livro que liga o filósofo aos leitores burgueses. Sartre menciona outro lado de sua personalidade que recusa seus interesses ideológicos, onde ele se contesta como um intelectual clássico, que na medida em que se recusa a levar a sério o fato de ser um escritor elitista está do lado dos que lutam contra a ditadura da burguesia.

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Romancista, ensaísta, jornalista e filósofo francês. Sartre recusou receber o Prêmio Nobel de Literatura, dizendo estar horrorizado pela ideia de ter sido cooptado pelo establishment. Achava-se politicamente engajado e a instituição burguesa queria encobrir seus “erros do passado”, desmoralizando-o perante seus companheiros. 7 Greves de Maio de 1968, na França. 8 Escritor francês que marcou a literatura francesa pela profundidade de suas análises psicológicas. 6

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Sartre achava que como membro e solidário desses grupos, deveria ser castigado também. O que deve ser compreendido pelos governantes é que a contradição que existe no filósofo é simplesmente da situação em que se encontrava. Sartre ajudou como pôde até mesmo grupos guerrilheiros que atuavam na França. O filósofo mostra ter os mesmos interesses dos trabalhadores, afirma possuir uma contradição em si, pois escreve livros para burguesia, mas é solidário aos trabalhadores que querem derrubá-la, e assustavam a burguesia em 1968. Em Flaubert há um rompimento bem nítido entre O Ser e o Nada e a Crítica da Razão Dialética com um corte de vinte anos. O Ser e o Nada é uma síntese brilhante e original das ideias de Heidegger9, e se torna o coração do seu existencialismo. No seu núcleo está o conceito de autenticidade, com a ideia de que os indivíduos podem escolher suas ações mesmo em situações como a da escravidão. Para Sartre existem escolhas até mesmo nas situações mais dramáticas. Nas situações trágicas há sempre a possibilidade de cruzarmos os braços e deixar as coisas acontecerem. Sempre temos uma escolha, não importa se pequena, mesmo em face do inevitável. Em A Náusea e O Ser e o Nada o filósofo trata da alienação fazendo analogia à beleza, onde o corpo é algo contingente10 e dessacralizado com o qual temos uma relação brutal. A relação com o corpo está definida na relação dos juízos de valores que determinam os padrões de certo e errado, belo e feio. O que seria ser feio, o que seria ser bonito. Para Sartre, existem pessoas que se acham bonitas sem nenhuma razão, demonstrando profunda alienação. Alguém se achar belo e cultuar o corpo como algo sagrado e tem necessidade de ser reconhecido e admirado pelos outros mostra estar alienado, pois a beleza está nos olhos de quem vê. Sartre como a maioria das crianças foi indicado na religião católica dominante na França, as contradições presenciadas no lar, fizeram com o filósofo perdesse a fé, criando uma consciência da não existência do Deus concebido pelas religiões. Para ele, as glórias e honras que sobrevivem à morte representam um equivalente mundano da imortalidade. Seria o equivalente de “Deus nos chamando”. Sartre tenta reconstruir a ideia de liberdade tomando-a em uma cultura cristã para poder entender o poder de Deus na vida humana. Chega à conclusão de que se Deus existe, então o homem não é livre, e se o ser humano não é livre, então Deus não 9

Martin Heidegger, filósofo alemão que recolocou o problema do ser e pela refundação da Ontologia Diz-se daquilo que pode ou não ocorrer, incerto.

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existe. Todos têm direito à liberdade, o direito de ir para onde quiser e de pensar, o direito de fazer. A liberdade seria extremamente assustadora, pois tudo é possível, Deus estaria “morto”, o que chamamos moralidade tradicional é a moralidade burguesa, e ela desaparece completamente. Parte das obras de Jean Paul-Sartre foi influenciada pela amizade com o filósofo Paul Nizan. Sartre atribui a este convívio o aprendizado da literatura moderna, sendo os populares e a literatura burguesa, necessárias para suas obras. Apesar da influencia de Nizan, Sartre seguiu a linha clássica (mítica e convencional). Segundo ele nunca perdeu seu lado violento e bárbaro de garoto do interior, criando histórias ligadas com a violência. Isso veio da cultura clássica do colégio, da literatura que o conduziu ao símbolo e ao mito. Para Sartre, quando se é criado em uma família sem conflitos, tratado como um ser indispensável e como um presente, é possível sentir-se livre. Na escola é onde se aprende a exercer a violência, e ela está de acordo com uma moral ou com uma política. No período entre Guerras Husserl e Hegel11 não faziam parte da cultura francesa, o surrealismo12 era importante, mas estava longe de Sartre e seu grupo. Sartre se sentia atrasado em relação a muitos dos seus colegas, pois ainda estava em Claude Farrére13 e não conhecia filósofos importantes como Karl Marx, Engels, Fróide14 e o surrealismo. Sartre pensava em termos de imagem, e achava que sensação não era o mesmo que imagem. Isto está ligado à liberdade de consciência, pois quando a consciência a imagina se desloca do real para procurar algo que não está lá, ou nem existe. A passagem pelo imaginário trouxe a compreensão para procurar algo que não está lá, ou que nem existe. Essa passagem ao imaginário proporcionou a compreensão da liberdade. O determinismo não pode explicar a força da imaginação. Raimond Aron15 um dos companheiros de Sartre sempre colocava ser possível filosofar sobre qualquer coisa. Filosofar é pensar no concreto, na essência das coisas, sem as definições que a ciência faz da matéria. As melhores discussões filosóficas de Sartre foram com Aron, considerado por ele como um grande dialético, com tudo os 11

Movimento artístico e literário lançado em 1924, pelo escritor francês André Breton (1896-1966), que se caracterizava pela expressão espontânea e automática do pensamento (ditada apenas pelo inconsciente) e, deliberadamente incoerente, proclamava a prevalência absoluta do sonho, do inconsciente, do instinto e do desejo e pregava a renovação de todos os valores, inclusive os morais, políticos, científicos e filosóficos. 12 George Wilhelm Friedrich Hegel, filósofo e um dos criadores do idealismo alemão. 13 Escritor francês. 14 Sigmund Scholomo Freud, médico neurologista e criador da psicanálise. 15 Filósofo, sociólogo, historiador e comentarista político francês.

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debates nunca deram em nada, porque o idealismo clássico tentava iludir quem ainda não sabia bem o que pensava. Este período não era do Ser e o Nada. O inicio da filosofia sartriana é devida a Bergson16 em seus Ensaios Imediatos da Consciência, proporcionando a consciência de durar. Mais tarde Sartre estudou com Husserl e achava que sua filosofia não era nem materialista, nem idealista, mas realista. Em A Lenda da Verdade, uma tentativa de estabelecer uma relação entre as duas coisas, a filosofia após este momento passou a aparecer de forma literária nos livros de se exprimir literalmente. Para ele a filosofia não pode se exprimir literalmente e tornouse a unidade de tudo o que fazia e escrevia. Antes de estudar com Edmund Husserl, a intuição e a intencionalidade eram ignoradas, foi quando surgiu A Transcendência do Ego como resultado da influência do filósofo alemão. No início Sartre parece estar contra a filosofia husserliana, mas concordou com ela em vários aspectos. Sartre não se achava muito inteligente e não aceitava nada sem antes contestar e desmembrar, segundo ele “demorava a digerir as coisas”. Quando iniciou a escrever A Náusea Adolf Hitler17 estava no poder e a ocupação nazista18modificou a vida privada de Sartre, mas ele não quis teorizar sobre isso. Via na França uma quase ditadura à época de Doumergue19, achava que era impossível escrever sobre aqueles assuntos. Para o filósofo, sua consciência política à época de Hitler não era tão desenvolvida. Considerava-se anarquista, era contra a burguesia e o nazismo porque podia ser atacado por eles e isso o impediria de continuar escrevendo. Simpatizava com os comunistas, mas não pensava em filiar-se ao Partido Comunista – PC. Para Sartre, seu melhor amigo Paul Nizan passou a considerá-lo alienado20 após filiar-se ao PC em 1930. Antes da guerra21o PC era o partido mais atrativo para aqueles que queriam questionar o sistema e suas contradições. Nizan foi para Rússia com o objetivo de entender se após a Revolução Russa22as pessoas tinham perdido o medo da 16

Henri Bergson filósofo e diplomata francês. Militar e líder político do Partido Socialista dos Trabalhadores Alemães – Nazista. 18 Abreviação de Nationalsozialistische. 19 Pierre Paul Henri Gaston Doumergue foi um Político francês que ocupou por duas vezes o cargo de Presidente do Conselho de Ministros da França e foi presidente da República Francesa de 1924 a 1931. 20 Que ou aquele que sofre de alienação, que vive sem conhecer ou compreender os fatores sociais políticos e culturais que o condicionam. 21 Segunda Grande Guerra 1939 a 1945. 22 Revolução Russa de 1917 foram conflitos que derrubaram a autocracia russa e levou ao poder o Partido Bolchevique de Vladimir Lênin. 17

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morte e se ela havia se tornada secundária. Nizan achava que o homem que se encontrava no meio das massas fazendo algo estava servindo a todos os outros e a morte teria outro significado. Contudo, viu que os russos encaravam a morte como todas as outras pessoas e voltou decepcionado e nada mudou. O uso da mescalina23marcou a passagem da adolescência para a vida adulta. Suas primeiras experiências foram junto ao amigo Daniel Lagach 24 à época em que esteve acometido de psicose alucinatória crônica. Para Sartre na passagem para vida adulta são impostas determinadas responsabilidades sociais ligadas à burguesia que causam a alienação. Na época em que esteve doente escreveu o livro O Imaginário, livro que fala da consciência, como sendo consciente de que ela própria é uma imagem causadora de neurose. A passagem para a vida adulta proporcionou a consciência de si próprio. A existência não era mais uma categoria abstrata e inofensiva, era a própria substância e a raiz das coisas. A individualidade das coisas era apenas aparência. A Náusea, obra que descreve uma experiência existencial narrada de forma romanceada, mas não foi exatamente a que viveu Sartre, um dos personagens do livro tem um tipo de intenção quase patológica. Ele se da conta do Ser, do que são as criaturas ao seu redor, era uma concepção de mundo, não uma intuição particular. Quando as pessoas se coisificam, isso também é uma náusea, a relação com o Ser, não com o objeto. Nauseado, a neurose se manifesta pelo mal humor. A obra de arte é imaginário, um fato real e metafísico. No livro sobre Flaubert, a linguagem, cada palavra usada na sua elaboração remete ao essencial da linguagem. Falar da linguagem é postular o futuro, o progresso da humanidade na humanidade, sendo o silêncio reacionário pela recusa em se comunicar, é o desejo em ser de pedra, de ser em si-para-si, como uma estátua que não pode responder porque é o silêncio em si, compacto e de pedra, pois um homem de pedra não responde. É como um pai, que não responde aos filhos, que se coloca como pai e não têm que expressar vontades desejos, ordens. Ao contrário a comunicação implica necessariamente verdade e progresso, é natural confiar na linguagem, cada pessoa é em si mesma um ingênuo.

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Alcalóide alucinógeno encontrado no cacto mexicano chamado mescal, é usado em pesquisa médica e bioquímica. 24 Psiquiatra e psicanalista francês.

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O Muro foi escrito à época da Segunda Grande Guerra quando um ex-aluno e amigo de Sartre foi para as frentes de batalha na Espanha, percebendo a proximidade da morte do seu companheiro surge a obra literária. O livro A Idade da Razão foi escrito na época em que muitos iam para guerra e se engajavam, todos acreditavam que a Guerra25 havia terminado em 1918, mas em 1939 os conflitos reiniciaram dando origem a sua segunda versão. As pessoas ligadas a Sartre eram elitistas, mas ele era antielitista, a guerra e o cativeiro foram experiências incrivelmente novas, foi possível trocar contatos com pessoas que de outra forma jamais poderia. Os padres representam uma elite burguesa, e tinham influência até sobre os descrentes no campo de concentração. Sartre era ligado aos clérigos, inclusive com inúmeros amigos padres, e nos campos de concentração foi colocado na enfermaria onde não fazia nada e dormia junto aos artistas na barraca destinada a distração nos domingos, os prisioneiros conviviam juntos foi quando desapareceu o sentimento elitista, o idealismo desapareceu. Ao voltar do cativeiro do campo de concentração, Sartre possuía uma rigidez moral muito grande, tinha voltado com a intenção de moralizar, achava que poderia criar com várias pessoas a resistência aos nazistas. O resultado da leitura de Heidegger foi à elaboração de O Ser e o Nada, resultado das explicações sobre Heidegger que ele dava aos padres e também de pensamentos que no fundo eram a continuação de A Psiquê, sua nova compreensão, mais as anotações do seu diário agora tinha a influência do próprio Heidegger. Sartre acredita que o povo francês nunca fora tão livre em seu território quanto à época da ocupação alemã. Tempo em que foram tolhidos vários direitos, em especial o de expressão, eram insultados, obrigados ao silêncio. Trabalhadores, judeus, prisioneiros políticos eram deportados em massa. Como o nazismo tinha se infiltrado em todos os matizes do povo francês, todo ato ou palavra contrários à repressão nazista era encarado como uma declaração de princípios, um engajamento. Em O ser e o Nada a contingência era atemporal, imediata. Agora a contingência é mais histórica, envolve o peso do passado. Assim, a liberdade não pode se dar imediatamente. No período da ocupação alemã, Sartre acreditava que a única garantia indutiva da liberdade não seria a liberdade em si, porque a verdadeira liberdade seria indefinível, como uma espécie de fuga que só poderia existir em certas condições

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Primeira Guerra Mundial 1914 a 1918.

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históricas. A própria formação da pessoa estaria relacionada à liberdade de pensamento e a maneira como contestam. Sartre foi acima de tudo o escritor da contestação radical, dedicando-se a literatura política. Fato interessante é os comunistas acreditarem que o filósofo estivesse a serviço dos Estados Unidos, ao mesmo tempo em que os Norte Americanos acreditavam que ele estaria a serviço da KGB.26 Enquanto os dois lados da Guerra Fria ofereciam a salvação da humanidade baseada em seus sistemas Paul-Sartre dizia ser inexistente. Ele achava que um intelectual pode ser engajado na luta política sem ser filiado. Acreditava que todo o escrito é político, prevalecia resistindo constantemente de fugir a ideia de que a literatura não é política. Na opinião de Sartre, houve escritores que se filiaram ao partido quando viram que não fariam revolução, assim ficariam em paz e justificariam sua literatura reacionária sem elementos políticos, consideravam-se políticos por pertencerem a um partido, mas não faziam nada, pois o engajamento e a contestação que uma obra faz da sua aceitação, pouco importava. Achava que os críticos estavam relacionados à clientela dos seus livros, mas na verdade eram escritores que desejavam que seus livros fossem lidos como os de Sartre. Segundo ele tentaram destruir O Ser e o Nada, pensavam ser a representação da Terceira Via27, com quais os socialistas sempre sonharam, para ele era necessário mostrar que a Terceira Via não era possível. Em Genet obra de 1957, o pensador procurou indicar os limites da interpretação psicanalítica e da explicação marxista, onde somente a liberdade pode tornar inteligível uma pessoa em sua totalidade e mostrar essa liberdade em luta com destino, primeiro esmagada por suas fatalidades, depois voltando-se para elas, digerindo-as pouco a pouco, provar que o gênio não é um dom, mas a saída que se inventa nos casos desesperados, descobrir a escolha que um escritor faz de si mesmo, da sua vida e do sentido do universo, até nas características formais do seu estilo e da sua composição, até na estrutura das suas imagens e na particularidade dos seus gostos, traçando detalhadamente a história de uma libertação. 26

É o acrônimo em russo para Komitet gosudartvennoi bezopasnosti em português Comitê de Segurança do Estado. 27 Terceira Via é uma corrente que tenta conciliar a direita e a esquerda através de uma política econômica ortodoxa e de uma política social progressista. Os defensores da Terceira Via veem-na como algo além do capitalismo de livre mercado e do socialismo democrático.

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Sartre foi considerado o primeiro inimigo dos escritores soviéticos, pois não queria nem a América nem a União Soviética. Procurou tratar genericamente da existência do homem, sempre acreditou que a moral existia, mas só pode existir em situações concretas. Ele supõe o homem realmente engajado no mundo livre gerando A Crítica da Razão Dialética que seria a continuação de O Ser e o Nada onde a moral só pode vir depois. Nesta crítica Sartre trás os fundamentos teóricos que preconizam a democracia revolucionária de massas. Rejeita qualquer ação, aparelho de controle ou direção como sendo recaídas de uma liberação coletiva que se configura em formas inertes, institucionalizadas, que se voltará contra os agentes da práxis coletiva. Na mais profunda pesquisa teórica o livro saiu para muitos como uma obra profética. Esta visão ficou clara quando Sartre visitou Cuba em 1960, onde o movimento popular nunca conseguiu se auto organizar de fato, e sua estrutura era administrada de cima para baixo por um chefe carismático onde tudo acabaria voltando para as mãos dos dirigentes da revolução. Sartre disse a eles que enfrentariam muitas dificuldades e que “o terror os esperava”. Os líderes revolucionários solicitaram que não os apresentassem como socialistas, mas como democratas. Não tinham a concepção socialista ou comunista da economia do seu país. Contudo, como faria em qualquer burocracia, também seria contra, pois para ele a situação de um intelectual se resume em duas coisas: fidelidade e crítica. Falar do marxismo sempre foi muito difícil, onde a compreensão de Marx é entender a Luta de Classes, e para Sartre tal compreensão veio após 1945. Considera sua filosofia prática, pois tudo tem uma moral e está relacionado com demonstrações, como o exemplo L Humanité. Os existencialistas sempre foram atraídos pela ideia de moralidade, quando se faz política não se pode compreender que a moral é uma mera superestrutura, estando no mesmo nível daquilo que se chama infraestrutura. O trabalho supõe internamente uma moral. O fato de pegar um objeto implica uma visão de mundo e consequentemente uma moral desde o início. Sartre menciona que após a morte de Stalin28as pessoas tentaram moralizar o marxismo, mas não conseguiam, pois não tinham uma direção moral. A ação de massas não existiria sem um sentido político e também um sentido moral. Em O Ser e o Nada Sartre desmistifica

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Josef Vissarionovich Stalin era secretário-geral do partido comunista da União Soviética.

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a moral como superestrutura. Em Humano Demasiado Humano, a liberdade é extremamente assustadora, tudo é possível, entretanto como acomodar a liberdade individual em uma sociedade livre. Ele descobriu entre 1958 e 1968 que a palavra liberdade que era espantosamente importante, que era central para tudo o que dissera e escrevera desapareceu completamente dos seus escritos. Ele se tornou muito menos interessado na pessoa individual, no em mim, no eu, em pessoas em luta. A única liberdade que ele viveu nestes dez anos era liberdade coletiva que ainda poderia ser quando o individuo fosse livre novamente junto com toda a humanidade. Juntou se ao chamado pela subversão. Ele desistiu do seu marxismo em 1968 e encontrou seu próprio caminho, que segundo ele era uma espécie de anarquismo. Em uma conferencia O Existencialismo é um Humanismo Sartre expôs as ideias morais da filosofia existencialista e seu caráter humanista. Para o filósofo quando uma revolução se desvia se degrada e começa a decair deve ser denunciada aos chefes essa decadência. Quanto mais ele viveu mais claro se tornou a ideia de que a liberdade individual não existe, que mesmo após a revolução em alguns países as mudanças trouxeram novos problemas, por isso propõe um tipo de revolta permanente defendendo a violência social. Era a violência que se opunha a violência do Governo, argumentando que o terrorismo e a bomba atômica eram a pobreza. O intelectual da consciência infeliz de Hegel se encontra diante de uma contradição que não pode resolver, esse é o intelectual clássico, ele não se questiona, é feito por uma contradição que cria uma consciência infeliz, mas pensa que isso lhe permite ficar ao lado dos oprimidos, da multidão, dar-lhes conselhos e revelando a verdade. Ele as revela, pois mesmo sendo particular se sente incomodado pela universalidade, ou sendo universal se sente incomodado pelo particular. Para Sartre, estar consciente de algo é ter relação com alguma coisa no mundo de modo que relacione esta coisa com uma representação mental. Ele pensou a autoconsciência como uma representação que temos no mundo, a ideia que temos do Eu, como um caráter essencialmente como de fato é. Ele pretendeu fazer as pessoas desistirem das coisas confortantes, da confiança em certos conhecimentos das respostas interiores que dizem quem somos. Argumenta que não há caráter predeterminado que faz com que as pessoas sejam como elas são. No entanto, o indivíduo é aquilo que está tentando fazer.

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Em Cohen-Solal (2010) Sartre acredita que devemos pensar contra tudo o que nos foi inculcado pela educação, tendo que criticar tudo o que foi dado. Passou sua vida testando limites do pensamento tradicional. Propõe um modelo intelectual que deve ditar certas linhas de conduta e revelar verdades cada vez mais universais. Participando e mostrando-se na prática, observando a diferença política entre o pensamento e a conduta política universal e a conduta e o pensamento político particular de um governo burguês. Sendo obrigatório denunciar o pensamento e a política particular burguesa em nome do universal. Tal é a concepção clássica do intelectual que fica feliz por ter uma consciência infeliz. Ele continuamente examinou e criticou os valores aceitos, porque ele queria encontrar uma justificação filosófica para a liberdade. Ele teve sucesso ao demonstrar pelo modo como conduziu sua vida, que a liberdade não é um fim em si mesmo nem é um motor que movimenta, é uma ação. O importante não está na liberdade, mas no caminho que se percorre para chegar até ela. O outro intelectual é o professor, o detentor do saber que a sociedade burguesa lhe deu que é uma parte universal e particular. Enquanto detentor desse saber tem um poder encarregado pela sociedade burguesa de um poder burguês de seleção. Se os professores quisessem se ligar aos estudantes e permanecerem fiéis a sua tendência ao universalismo teriam que se contestar enquanto selecionadores. Contudo, o que faz dele um intelectual nesta sociedade, em uma sociedade socialista ideal não haveria intelectual porque esta contradição não existiria. Sartre achava que um mundo existencialista em que tomamos decisões por nós mesmos seria um mundo socialista em que todos nos trataríamos como iguais. Entretanto, é difícil prever se esse não seria um mundo de maníacos tratando-se da mesma maneira. Para Sartre os intelectuais que compreendem este pensamento estão com as massas, quando a situação exige colocam-se a serviço das massas, pois no universo concreto sua tendência à universalidade é adquirida no estudo. Ainda é possível que um intelectual sirva as massas dando-lhes o que elas pedirem e o que ele tiver. Um intelectual que faz isso não é só um homem que denúncia por palavras, que trabalha com palavras é, sobretudo um agente de modificação social. Esse seria o princípio do novo intelectual, (QUINTILIANO, 2005) aqueles que desejam o mesmo que as massas, que talvez tenham mais meios de explicar e dizer exatamente o que a massa quer, seguindo, compreendendo suas contradições e seus 11

desejos. Os intelectuais que estão a favor da massa são considerados traidores pela sociedade burguesa.

REFERÊNCIAS COHEN-SOLAL, Annie. Sartre uma biografia. 2º ed. Porto Alegre, RS: L&PM, 2008. COX, Gary. Compreender Sartre. 3ed. Petrópolis: RJ: Vozes, 2011. QUINTILIANO, Deise. Sartre: fhilía e autobiografia. Rio de Janeiro: DP&A, 2005. SARTRE, Jean-Paul. Saint Genet ator e mártir. Petrópolis, RJ: Vozes, 2002. __________O Ser e o Nada. Ensaio de ontologia fenomenológica. 21ed. Petrópolis: RJ: Vozes, 2012. __________A Transcendência do Ego: esboço de uma descrição fenomenológica. Petrópolis: RJ: Vozes, 2013. __________O Existencialismo é um humanismo. 2ed. Petrópolis, 2013. __________Humano Demasiado Humano. BB-News, 1967. __________A Imaginação. Porto Alegre, RS: L&PM, 2008.

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