Jesper Malmose: Borgen — amostra de tradução do dinamarquês

May 30, 2017 | Autor: Luciano Dutra | Categoria: Tradução, Tradução literária, Ny dansk litteratur
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JESPER MALMMOSE

ROMANCE BASEADO NO ROTEIRO TELEVISIVO DE ADAM PRICE

AMOSTRA TRADUZIDA DO DINAMARQUÊS MEDIANTE AUTORIZAÇÃO PARA A AGÊNCIA LITERÁRIA VIKINGS OF BRAZIL

[email protected] TEL. +55 11 5051 0230 CEL. +55 11 8174 9944 REPRESENTANTE NO BRASIL DOS DETENTORES DOS DIREITOS AUTORAIS LINDHARDT OG RINGHOF FORLAG/GORLAGET CARLSEN DE COPENHAGUE, DINAMARCA

LUCIANO DUTRA · [email protected] FLORIANÓPOLIS «» SETEMBRO DE M.CM.XII

4 TERÇA-FEIRA, 28 DE SETEMBRO DE 2010

O café solúvel se dissolvia rapidamente na água fervente enquanto Birgitte agitava a caneca em círculos. Ela pegou a caneca de café e foi até junto à mesa da cozinha, e ali ficou observando a escuridão do lado de fora da janela. Era pouco mais de cinco e meia, ainda faltava mais de hora e meia para que o sol nascesse. Era dia de eleição. Um dia muito especial, portanto. Era a “festa da democracia”, como o pai dela costumava dizer. Quando ela era criança, sua família sempre festejava o dia da eleição com sanduíches abertos1 enormes encomendados na sanduicheria que ficava perto da estação ferroviária central. A sanduicheria ainda existia, mas agora seus proprietários eram chineses que serviam estrelas cadentes 2 e lanchinhos de veterinário 3 de segunda a segunda até a meia noite. Me pergunto se alguma vez a família dela chegou a encomendar algum destes clássicos. Sim, a festa da democracia. Apesar de ser um lugar comum, nem todos mundo afora tinham o privilégio de ter uma democracia para festejar, nem todos podiam entrar na cabina eleitoral e fazer um xis sem temer pela própria vida ou integridade física ou por qualquer fraude na apuração dos votos. Ela pensou no discurso que faria para seus correligionários à noite depois que a votação estivesse encerrada e fosse divulgado o resultado das eleições nacionais. O que ela devia falar? Ou melhor: como ela devia falar? Ela já havia fomado uma decisão. Se perdessem um ou dois assentos no parlamento, ela renunciaria à presidência do partido no próximo congresso. Se as baixas fossem maiores, ela renunciaria imediatamente. Fosse como fosse, a derrota do partido precipitaria a sua saída. Quanto mais pensava no asunto, mais ela se convencia de que aquela era a decisão correta. Era a melhor decisão, de fato. Tanto para ela como para sua família. Sim, já era hora de o Phillip retomar sua carreira e seus negócios. Os cinco anos que eles tinham combinado estavam acabando. Sim, talvez eles conseguissem, pela primeira vez, passar as férias de outono juntos – toda a família! Birgitte observava a escuridão que ainda encobria a rua do subúrbio. Uma semana de sol numa ilha grega não lhe faria nada mal neste momento. — Acordou com as galinhas? – Phillip perguntou ao entrar ainda sonolento na cozinha com o jornal Politiken na mão.

1 No original smørrebrød (literalmente: “pão com manteiga”), prato nacional dinamarquês. Consiste de pratos frios feitos

com uma fatia de pão de sanduíche (pão de centeio ou rugbrød) com diversos tipos de cobertura como saladas, frango, atum, frutos do mar, patê de fígado, rodelas de tomate ou carne bovina, entre outros. 2 No original stjerneskud (literamente “estrela cadente”), smørrebrød clássico feito com uma fatia de pão francês coberto com filé de solha frito ou cozido guarnecido com caviar, camarões e limão. 3 No original dyrlægens natmad (literamente “lanchinho da meia noite do veterinário”), smørrebrød clássico feito com uma fatia de pão de centeio untado com manteiga ou banha, seguida de uma camada de patê de fígado e uma fatia de carne frescal e, por fim, aros de cebola.

Ele largou o jornal sobre a mesa e se arrastou até a geladeira, de onde tirou pão de centeio e fiambres para começar a preparar a merenda escolar dos filhos. — Vou até o escritório preparar o discurso de hoje à noite… — Achei que o Kasper… Phillip parou no meio da frase e se apressou em trocar de assunto: — A que horas vamos votar? — Um câmera da TV1 deve vir lá pelas quatro e meia. O Kasper disse… Foi a vez de ela parar no meio da frase. Phillip olhou para ela com simpatia. Birgitte se levantou, passou por ele e colocou a caneca do café na lavadora de louça. — Ele vem fazer umas imagens. Você consegue chegar a tempo? — Vou dar aula até as quatro, se vocês passarem para me pegar… Ele se deu conta de que Birgitte apanhou sua bolsa sobre a mesa e portanto iria sair. — Ué, não vamos tomar café da manhã juntos? Birgitte deu um sorrisinho amarelo: — Eu achei que só as famílias normais faziam isto! Phillipe sorriu atravessado para ela. Birgitte foi até ele e lhe deu um beijo. * * * Ainda estava escuro quando Birgitte estacionou sua bicicleta em frente ao palácio de Christiansborg,4 que já tinha algumas janelas com luzes acesas, apesar de recém ter passado das seis e meia. Tremendo com o frio da manhã, ela se apressou em subir as escadarias. Os corredores estavam incrivelmente silenciosos – nem mesmo os jornalistas haviam aparecido ainda. Ela abriu a porta do seu gabinete e quase trombou com o senhor da limpeza que estava saindo com um aspirador de pó. Ele parecia ser do Ceilão. O senhor da limpeza abriu um enorme sorriso e Birgitte, se desculpando, sorriu de volta para ele. — Eu posso voltar depois… – ela começou, mas foi interrompida pelo senhor da limpeza. 4 Localizado na ilhota de Slotsholmen, no centro de Copenhague, é a sede dos poderes executivo, legislativo e judiciário da

Dinamarca, sendo a única construção do mundo que abriga os três poderes simultaneamente.

— Não, não, está bem. Pronto, pronto! – ele disse e se foi saindo com o aspirador de pó. Ao chegar na porta, ele se virou para Birgitte, abriu o sorriso enorme novamente e disse com um sotaque carregado: — Eu votar no Senhora! Birgitte sorriu, mas antes que ela conseguisse responder, ele se foi. Birgitte desvestiu o casaco e jogou-o no sofá. Depois foi até a mesa e ligou o comutador, sentou-se e olhou à sua frente, pensativa. O computador terminou de inicializar, ela digitou sua senha e abriu um arquivo do editor de texto. E então começou a escrever o descurso que faria para seus correligionários aquela noite. Ela se assustou quando a porta do gabinete foi aberta e Bent Sejrø entrou praticamente correndo, carregado com os jornais matutinos. Atirou-os sobre a mesa, pegou o controle remoto e ligou o televisor. — Veja só! Os desgraçados da liderança do Partido Trabalhista se distanciaram do Laugesen! Birgitte olhou seu relógio, era nove horas e dois minutos: nem percebeu que já tinham passado duas horas. A tela estampava uma fotografia de Hardy Eriksen, atual presidente de honra e ex-presidente do Partido Trabalhista. As notícias matutinas de hoje eram apresentadas por Ulrik Mørch: — O abandono inesperado e dramático, para dizer o mínimo, do debate dos líderes dos partidos realizado aqui na TV1 chocou a militância do Partido Trabalhista. O ex-presidente do partido, Hardy Eriksen, afirmou ao “Jornal da Manhã” da rádio P1 que a atitude de Laugesen durante o debate final dos líderes partidários foi um escândalo terrível. Sou militante do partido há mais de quarenta e cinco anos e jamais presenciei algo parecido. Para mim é impossível apoiar a manutenção de Michael Laugesen na presidênciado partido”, declarou Hardy Eriksen. Bent desligou o televisor e disse para Birgitte: — Estou com o mesmo frio na barriga que tive quando levamos aquela lavada nas eleições de 1973. Aquela sensação estranha de que as cartas estão todas na mesa. Olhou para Birgitte e notou que ela hesitava. Otimista, ele disse antes de sair: — Vai, pede para o Kasper escrever um discurso dos bons para hoje à noite! * * *

A mesa estava limpa e Kasper estava acomodando os últimos papeis na mochila. Ele nunca gostara de decorar seu gabinete nem com fotos nem com objetos pessoais, portanto, a limpeza se limitou apenas a apagar as mensagens de correio eletrônico e seus arquivos anexos antigos do computador. Estava imerso em seus próprios pensamentos quando subitamente se deu conta que Birgitte estava parada junto à porta, de braços cruzados. Houve um momento de silêncio, até que Kasper disse com um ar tranquilo: — Eu não imaginava que ele fosse chegar a tanto. — Então não sabes nada sobre o Laugesen – disse Birgitte com um semblante sério. Kasper sorriu para tentar desarmá-la. — Achei que podíamos ser uma boa equipe por muito tempo. Birgitte não sorriu de volta. Apenas olhou para ele e disse com firmeza: — Deixe de sentimentalismo, Kasper: sou muito melhor neste terreno do que você. Ele ficou com o semblante de quem acabou de levar uma bofetada. — Você receberá três meses de aviso prévio, conforme consta no seu contrato. Estou lhe demitindo por causa de problemas na minha coalizão. Ninguém do partido vai ficar sabendo do caso, eu própria irei negar que sei qualquer coisa a respeito. Espero que você mantenha a linha com relação a mim e ao Partido Moderado se você for contratado como jornalista ou por outro partido. Dito isto, ela se virou e voltou ao seu gabinete. Pela primeira vez, Kasper teve que reconhecer que aquela era uma briga perdida. Ele sempre costumava cair em pé, não importa o quão desesperadoras fossem as situações em que eles se metia. Mas desta vez estava totalmente aniquilado, sem a mínima chance de voltar à peleja. Ele olhou à sua volta e notou um detalhe a um só tempo estranho e insignificante: que o teto estava precisando de uma pintura. Então, pegou a mochila e deixou o gabinete. Teve o cuidado de evitar a escadaria principal para não topar com ninguém, caso contrário as perguntas seriam inevitáveis. Ao chegar na pista de equitação, parou para fumar um cigarro, tirando a mochila das costas para tirar o maço do bolso. Ao largar a mochila no chão, ele viu as baganas que ele e Laugesen haviam fumado na noite anterior. Por um instante, era como se o mundo de Kaspers parasse e, também pela primeira vez, ele lamentou ter feito o que fez. Depois, chutou aquelas baganas com raiva e andou apressado até o seu carro. * * * Oferta monetária = M1 = mM0 =

MX (D + G + RFX)

Esta era a equação escrita com giz no quadro negro do auditório, que naquela tarde estava estava ocupado pela metade. Uma boa parte dos alunos da Escola Superior de Economia e Administração de Copenhague5 já tinha se encaminhado aos cafés ou ao trabalho, porém, as aulas de Phillip até que tinham uma presença bastante boa, especialmente no que diz respeito às jovens estudantes do sexo feminino. Isto se devia principalmente ao fato de ele ser um ótimo professor que, como seu bom humor e charme conseguia tornar os tópicos muitas vezes áridos da teoria econômica acessíveis aos seus estudantes. Por outro lado, Phillip estava bastante ciente de que os alunos compareciam não apenas para serem iniciados nos mistérios da economia, mas também porque Phillip fazia sucesso entre as alunas, e também entre alguns alunos. Por ele, tudo bem. Mas às vezes, era forçado a explicar, polidamente mas com firmeza, a algumas de suas jovens alunas, que era casado, que tinha uma esposa maravilhosa e era pai de duas crianças lindas, quando elas vinham em busca de explicações personalizadas e se debruçavam um pouco além da conta sobre a escrivaninha dele. Phillip apontou para a equação no quadro negro: — E o que significa este G? Apenas um dos estudantes ergueu a mão: uma jovem aluna de origem iraniana, com seus olhos escuros e um sorriso maroto. — Vamos lá, pessoal! Você poderiam ao menos fazer de conta que leram o livro. Ouviram-se risadinhas pela sala. Então, Phillip olhou para a bela morena na primeira fila: — Está certo. Amina? — G significa governo, ou seja, recursos e créditos públicos. — Isto mesmo! Phillip resumiu, olhando para a equação no quadro negro: — Ou seja, a oferta monetária consiste, portanto, de recursos do setor privado, recursos estatais e recebíveis no estrangeiro. Página 27 do livro Internacional Finance, minhas senhoras e meus senhores: isto é elementar! Foi quando Phillip viu Birgitte e as crianças, que tinham entrado no auditório e estavam em silêncio no fundo da sala. Ele sorriu discretamente para eles. — E com isto encerramos a aula de hoje – Phillip concluiu e começou a reunir seus pertences — Na próxima aula, vamos abordar Friedman, e seria ótimo se todos viessem preparados desta vez. Amina levantou a mão:

5 Em inglês no original: Copenhagen Business School.

— Você poderia contar um pouquinho sobre o Friedman? Phillip olhou para o relógio. — Milton Friedman? Prêmio Nobel em 1976 e assessor econômico direto de Ronald Reagan na década de 1980. Ele deu uma olhada para Birgitte e as crianças e disse então com um sorriso: — Vamos falar tudo sobre Friedman na próxima aula. Novamente, Amina ergueu o braço sofregamente. Phillip riu e sacudiu a cabeça. Então, ele olhou para ela e disse: — Agora basta, Amina. Vai dar uma paquerada. Ou então vai tomar um cafezinho. Irromperam risadas no auditório todo, enquanto os demais estudantes se levantavam para ir embora. Amina deu outro sorriso maroto para o Phillip antes de se levantar. Quando os estudantes começaram a sair, Birgitte e as crianças passavam entre eles para chegar até o Phillip. Todos os olhares se dirigiram para eles, e os estudantes sorriam simpaticamente, apesar de um tanto encabulados, para a possível nova primeira-ministra da Dinamarca. À exceção de Amina, que olhou para Birgitte com um olhar neutro de elevador quando ela passou. Birgitte fez de conta que não percebeu e sorriu com simpatia, mas também comedimento, para a jovem e bela estudante. Ela e as crianças alcançaram Phillip, de quem ganharma os beijos e abraços de costume. — Não acredito que vocês chegaram tão cedo! – exclamou Phillip, sorridente. — Sim, e foi muito oportuno, com certeza – Birgitte respondeu – pelo que vejo, preciso dar mais umas incertas por aqui, pois parece que tenho algumas rivais entre as tuas alunas. Phillip sacudiu a cabeça e beijou-a. Birgitte notou que Amina se virou e olhou para eles um segundo antes de sumir porta afora. * * * — Mãe! Você está na frente! Você está oito por cento na frente! – disse Magnus parado à porta do quarto Vestindo seu jeans e sua camisa xadreza novas, ele parecia durão, e berrava com toda a força de seus pulmões. — Você vai ganhar outro mandato, sua bobinha! – disse Laura, que estava agachada atrás dele, também vestindo roupa nova.

— Podem parar com isso agora mesmo, vocês dois! Não digam isso nem de brincadeira! – disse Birgitte, visivelmente estressada. Laura desceu apressada para a sala, levando Magnus consigo. — As perspectivas são bastante boas. A pesquisa do instituto Ritzau confirma isto – disse Phillip, entrando no quarto com o celular na mão. Ele trajava aquele terno Armani cinza que lhe caía tão bem. — Acho que você deve levar o discurso bom e o ruim… – ele sorriu. Birgitte se deteve para olhar para o seu belo e bem vestido marido. Então, suspirou com resignação e continuou a busca desesperada no seu guarda-roupas, quase rezando: — Eu sei que está por aqui, eu sei que está por aqui… Enquanto ela estava de costas, Phillipe passou por ela e pegou uma caixa enorme debaixo da cama: — Querida, eu… — Agora não, Phillip. Estou toda enrolada! – disse Birgitte, conformada, sem se virar. Phillip não retrucou. Simplesmente colocou a caixa em cima da cama e ficou tamborilando nelas com as pontas dos dedos, chamando a atenção de Birgitte, que se virou. Phillip deu sorriu meio de lado e empurrou o embrulho na direção dela. Birgitte olhou para ele surpresa, hesitou por um instante, depois foi até o pé da cama e abriu o embrulho. Mal podia crer no que via: dentro da caixa, havia um conjunto novo em folha idêntico ao que ela tinha, apenas um número maior. — Tive que exigir que a lavanderia a seco comprasse um conjunto novo no tamanho correto, pois eles deixaram o antigo encolhido. Birgitte lutou para conter as lágrimas e então disse para Phillip: — Eu te amo! Então, beijou-o. * * * Os flashes espocaram e a escadaria do Palácio de Christiansborg resplandeceu com a iluminação intensa especial para as câmeras de televisão quando o táxi que trazia Birgitte, Phillip e seus filhos entrou no largo que fica diante do palácio. De olhos bem abertos, Laura olhava tudo o que acontecia com interesse e ansiedade, enquanto Magnus estava totalmente concentrado no jogo de computador portátil. E mesmo que Birgitte tentasse dissimulá-lo, não havia dúvida que ela estava um tanto nervosa com a aglome-

ração de jornalistas e outras pessoas que se formara em frente ao palácio. Ela olhou para Phillip, que respondeu com um sorriso e acenando com a cabeça. Quando iam descer do táxi, Birgitte viu Laugesen dando uma entrevista na escadaria. Ela hesitou um instante: — Acho melhor a gente esperar um pouquinho… – ela disse. Sorrindo, Phillip concordou. Tratava-se, é claro, de obter o máximo de atenção para sua chegada. Então, Laugesen se dirigiu para a entrada. — Podemos ir agora – disse Birgitte. Então, os quatro desceram do táxi. Entretanto, Lars Hesselboe e a esposa encontravam-se bem à frente da aglomeração de repórteres e fotógrafos, então, eles tiveram que esperar mais um pouquinho. Finalmente, o caminho estava livre para eles: Birgitte abriu um sorriso enorme e, de mãos dadas com Phillip e Laura ao lado dela, começou a subir os degraus. Todas as câmeras e toda a atenção se voltavam agora para a família. Uma jornalista atrevida de um jornal gratuito perguntou aos berros: — Por que você não veio de bicicleta, Birgitte? Todos riram da pergunta. Katrine abriu caminho até Birgitte e colocou o microfone à frente dela. — Birgitte Nyborg, as últimas pesquisas de intenção de voto mais recentes indicam um grande avanço do Partido Moderado. Quantos assentos você acha que o partido irá conquistar nestas eleições? — Eu me abstenho de fazer qualquer especulação quanto a isto neste momento. Vamos saber quando todos os votos tiveram sido apurados – Birgitte respondeu, contida. Depois, continuaram subindo a escadaria e, um pouco antes de adentrarem pela porta imensa, Phillip pegou Birgitte pelo braço e fez ela se virar. Ele se curvou na direção dela, sorriu para ela, apertou a mão dela com carinho e sussurou: — Guarde isto na tua memória. * * * A concentração do Partido Moderado vibrava de tanta alegria e expectiva. Toda a bancada parlamentar estava presente, além de outros membros do partido e, é claro, uma grande quantidade de enérgicos integrantes da Juventude Moderada. Também havia representantes dos militantes que haviam colado cartazes e distribuído santinhos nas praças e nas ruas, voluntários que trabalharam dia e noite para divulgar para os eleitores a plataforma dos moderados. Eles circulavam contentes e se congratulavam pelo salão, espiando os telões de vez em quando para ver os últimos resultados da apuração, e tagarelavam

uns com os outros cheios de entusiasmo cada novo assento parlamentar conquistado, confirmando o avanço eleitoral do partido. Neste momento, os telões mostravam que sessenta e oito porcento dos votos já tinham sido apurados. Bent e Birgitte seguravam cada qual uma taça de champagne e observavam, incrédulos, as projeções de votos. — Isto é uma loucura completa! Vamos conquistar mais dez assentos! – exclamou Bent. Ele não conseguia conter a sua agitação e andava para lá e para cá na frente de Birgitte. — Mas que diabos! Será que isto vai adiantar, já que o Hesselboe também está se saindo bem? – pergunta Birgitte com ceticismo. Com esta pergunta, Bent pára de ir de um lado para o outro e olha para ela com um olhar compenetrado: — Ele está perdendo doze deputados. Isto o forçará a renunciar. Tudo pode acontecer, entendeu? Phillip consegue abrir caminho em meio à turba e chegar onde Birgitte se encontra, acompanhado de Magnus e Laura, que parecem exaustos. — Acho que já vamos indo… Birgitte olhou para Phillip e sorriu se desculpando: — Querido, sinto muito por ter andando um pouco… ausente. — Não importa. Você parece uma estadista esta noite. Vai lá e acaba com eles! Ele se curvou e deu um beijo na bochecha dela. — Vou com vocês até a saída – disse Birgitte, acompanhando a família. Depois de se despedir deles com carinho e estava de volta, Bent veio correndo até ela e parecia possuído. — A apuração terminou no país inteiro. Quinze assentos, Birgitte! QUINZE! Os analistas dizem que se trata de uma vitória esmagadora sem precedentes na Dinamarca, e que nos fomos os grandes vitoriosos. Dito isto, ele dá um abraço apertado em Birgitte, que parecia petrificada, ouvindo as ovações dos militantes do partido no salão onde ocorria a concentração do Partido Moderado. — Quinze? – ela perguntou, sem acreditar – Quinze? Não seria cinco?

Contente, Bent fez que não com a cabeça e abriu um sorriso enorme. — Quinze? Você tem certeza? Ele assentiu com a cabeça, nervosamente. — Isto era algo impossível… você entende o que quero dizer? Caramba, você descobriu uma brecha no tempo. Isto é algo novo, é um recomeço. Você entende o que quero dizer, Birgitte? Birgitte assentiu com a cabeça, lentamente, como se só agora começasse a acreditar que aquilo tinha mesmo acontecido. Bent acompanhou-a até a escadaria do salão de festas. — É hora de agradecer a todos. Depois, você irá liderá-los… pois eles mostraram com todas as letras que desejam a sua liderança! Na metade da escadaria, eles podiam ouvir que o salão inteiro agora gritava: — BIR -GIT- TE, BIR -GIT- TE, BIR -GIT- TE…! Birgitte olhou em pânico para Bent e disse: — Mas e seu eu não souber como fazer isto, Bent? Ele olhou sério para ela e respondeu: — Então você vai ter que aprender fazendo! Depois, foi empurrando Birgitte até o salão lotado, que naquele momento quase explodia de tanto júbilo, com os militantes batendo palmas e pulando de satisfação. Birgitte parou e observou aqueles rostos eufóricos. Depois, foi abrindo caminho em meio à massa até chegar até o centro do salão. Bent vinha logo atrás dela, sorrindo de alegria e orgulho. Birgitte se virou e viu quando ele pegou o envelope que ela tinha lhe entregado, tirou um papel e rasgou no meio. Ela lhe devolveu um sorriso cordial, antes de vários braços fortes lhe ajudarem a se erguer em meio da multidão e ficar de pé numa mesa. Ela tentou começar o discurso, mas as salvas de palmas e os gritos não paravam. Por fim, ela conseguiu fazer com que a multidão ficasse em silêncio e ouvir. Todos a olhavam cheios de expectativa quando ela, com a voz embargada, começou a discursar: — Há três ou quatro dias atrás, quando sentei para começar a escrever o discurso que faria esta noite, tratava-se de um discurso de despedida… porém, meus amigos, EU SIGO EM FRENTE! Então houve uma explosão de júbilo. * * *

— Você não vem? O Torben perguntou por você. Ele já vai começar a fazer o discurso dele – disse Pia. Tinha ido até o guarda-roupas ver se Katrine tinha terminado de trocar o seu figurino de jornalista profissional por algo mais pessoal e descontraído. — Sim, sim, já estou indo. Katrine pegou seu casaco e sorriu para Pia, que logo voltou a sumir. Depois, vestiu o casaco, se olhou no espelho e ajeitou a gola. No reflexo do espelho, viu que havia algo no bolso esquerdo do casaco. Enfiou a mão no bolso e tirou dele a jóia com o símbolo de yin e yang que Ole Dahl lhe dera de presente na noite em que morreu. Katrine ficou um instante como que petrificada, admirando o colar enquanto acariciava-o com o polegar. Então, despencou no chão aos soluços, enquanto as lágrimas escorriam. Não conseguia controlar o choro que a dominava. No mesmo instante, ouviu a voz de Torben no corredor: — Você tem que vir agora! Vou te cobrir de elogios! Torben abriu a porta com um sorriso meio oblíquo que imediatamente se desfez quando ele viu Katrine no chão chorando. Ficou olhando para ela paralisado, até que se ajoelhou ao lado dela e, assustado, tentou consolá-la. Porém, Katrine chorava tanto que não conseguia parar. * * * A merenda escolar. O grande desafio das famílias com filhos. Era pouco mais de seis da manhã e Phillip estava junto à mesa da cozinha ainda de pijama e com o cabelo desgrenhado, manobrando fatias de pão de centeio e fiambres, maçãs e cenouras. Porém, a não ser pelo cedo da hora, ele não tinha de fato do que se queixar pois, mesmo àquela hora, preparar a merenda escolar das crianças era uma tarefa singela. Magnus estava na sua fase de cavalinha em molho de tomate e se recusava a comer qualquer outra coisa. Já Laura, que de repente começara a se preocupar bastante com a saúde, adotara a regra de, a cada domingo, elaborar um cardápio bem detalhado dos ingredientes para as suas merendas da semana, que deixava pendurado no quadro de recados. Phillip olhou pela janela ao ouvir o barulho de uma porta de automóvel sendo fechada e viu Birgitte pagando o taxista. Sorriu consigo mesmo quando Birgitte se afastou do táxi com um par de sapatos de salto numa das mãos e a bolsa na outra. Então, ouviu quando ela fechou a porta e se virou quando Birgitte, com os sapatos ainda na mão, entrou na cozinha, puxou uma cadeira e se sentou. Então, ela disse, quase que casualmente: — Dizem que vou ser a primeira ministra…

5 SEXTA-FEIRA, 3 DE OUTUBRO DE 2010

Os jornais do dia estavam espalhados pela escrivaninha de Birgitte. Ela segurava uma caneca de café e folheava os jornais. Não era nenhuma surpresa que as capais dos jornais estampassam fotografias dela. “A Dinamarca terá finalmente uma primeira-ministra mulher?”, lia-se na capa do Berlingske.6 Birgitte começou a ler o artigo: Ontem, Birgitte Nyborg deu o primeiro passo para ser escolhida por Sua Majestade, a Rainha, para liderar a formação de um novo governo. Foi dada a partida no processo político em que o poder na Dinamarca está em jogo. Sim, o jogo do poder tinha começado. E paulatinamente, depois de seus muito anos na política, Birgitte conhecia de cor as regras daquele jogo. Em havendo a possibilidade de se formar um novo governo, as lideranças dos partidos se dirigiam à rainha para sugerir um nome dentre eles para comandar o processo, ou seja, a pessoa que os partidos acreditavam ser capaz de reunir o apoio da maioria parlamentar. Ou, na pior das hipóteses, a pessoa que não iria motivar a formação de uma maioria contrária ao seu nome. Poucos haviam apostado que ela pudesse ser esta pessoa. Nem ela mesma apostara. Há apenas alguns dias, a tendência era que Hesselboe fosse indicado pela rainha para liderar a formação de um governo. Ou Laugesen. Porém, a situação dos partidos que formavam a atual coalizão tinha mudado completamente. E agora ambos eram carta fora do baralho, depois do que se poderia chamar de catástrofe eleitoral, na qual o Partido Trabalhista e o Partido Liberal perderam mais de um quinto de seu eleitorado. Por um lado, os eleitores de Hesselboe não acreditavam que Laugesen seria capaz de tirar um coelho da cartola. E mesmo que – e Birgitte concordava com isto – estivessem, sem dúvida, cometendo um equívoco, Hesselboe e o Partido Liberal foram punidos por isto pelos eleitores. Por outro lado – e isto era muito interessante – a tentativa de Laugesen de derrubar Hesselboe acabou causando a queda do próprio Laugesen. Birgitte não tinha nenhuma dúvida de que ele lutava neste momento pela sua sobrevivência política, depois de uma grande parte de sua base de apoio ter se distanciado dele e dos métodos grosseiros que ele usara na campanha eleitoral. — Você já praticou fazer mesuras diante da rainha? A voz de Bent trouxe Birgitte de volta à realidade. Ela se virou e o viu parado à porta. Ele vestia terno e calça escuros, camisa branca e gravata, roupas que Birgitte não via ele usar há muito, mas muito tempo mesmo. Ele parecia não se sentir nenhum pouco à vontade naquele traje formal. Birgitte olhou para ele com um sorriso irônico:

6 Conhecido até 2011 como Berlingske Tidende, é o jornal mais antigo da Dinamarca e um dos mais antigos do mundo ainda

em circulação, fundado em 1749 em Copenhague pelo impressor régio Ernst Henrich Berling.

— Pelo que vejo, você ainda entra no seu traje de primeira comunhão… Bent abriu um sorriso cansado. — As reuniões já começaram? – Birgitte perguntou, começando a colocar seus pertences na bolsa. — Quase – respondeu Bent – Vamos começar com a Frente Solidária, depois o Partido Verde. Na decorrer da tarde, vamos conversar com o Partido da Nova Direita, o Partido Liberal, Partido Libertário… — E quanto a Laugesen e o Partido Trabalhista? — Ainda não fechamos um horário. Aposto que eles vão aparecer por aqui logo logo, assim que a gente voltar de Amalienborg.7 Bent deu uma olhada no relógio e depois acrescentou: — Bem, não vamos deixar Sua Majestade esperando, não é mesmo? * * * — Frente Solidária, seis deputados… mais os do Partido Verde, dezessete… mais trinta e cinco do Partido Trabalhista… mais trinta e um do nosso partido… por fim, dois das regiões autônomas…8 Já temos noventa e um? Birgitte descobrira que o seu celular tinha uma calculadora e a usa para somar nervosamente assentos parlamentares. Perto da janela da sala de espera do gabinete da rainha, Bent segurava uma xícara de café e observava a esplanada em frente ao palácio de Amalienborg, onde um grupo de turistas japoneses se revezavam tirando fotografias uns dos outros ao lado de um dos guardas do palácio, imóvel, como que congelado, preso à cantaria de sua guarita de sentinela. — Você já tem os deputados de que precisa – Bent respondeu sem se virar. — Você acha que alguém vai dar para trás? Birgitte andava em torno da mesa branca e amarela em estilo rococó em cujo centro havia um jarro de flores enorme numa bandeja de prata. — Você já tem os deputados de que precisa – Bent repetiu e tomou mais um gole de café sem se virar. Birgitte pegou sua xícara de café na mesa e foi até onde ele estava. 7 Complexo palaciano composto de quatro edifícios simétricos em estilo rococó que é a residência oficial da família real di-

namarquesa, sendo uma das principais atrações turísticas da capital da Dinamarca. 8 Referência aos deputados eleitos pela Groenlândia e pelas ilhas Feroé, antigas colônias e atualmente regiões autônomas do Reino da Dinamarca.

— Mas e o Partido Trabalhista? – ela perguntou, nervosa. — Laugesen foi nocauteado. Você está nervosa? – Bent perguntou, virando-se para ela. — E eu lá tenho algum motivo para ficar nervosa? – ela perguntou, sarcástica. Bent, que não entendeu o sarcasmo da pergunta, respondeu com franqueza: — Que diabos, claro que tem, pois detrás daquela porta está sentada Vossa Majestade e… — Não fale tão alto! – Birgite sussurou interrompendo-o e se virando para ele. Bent continuou tentando sussurrar, mas apesar disto ainda falava muito alto. — … esperando para lhe outorgar um mandato para formar o novo governo, no qual você será a primeira mulher a se tornar primeira ministra da Dinamarca! — Ora, convenhamos, não foi a população quem me outorgou um mandato? – Birgitte perguntou em voz baixa. — Você está querendo agradar aos republicanos? – perguntou Bent, com um sorriso provocativo no olhar. — Você adora isto aqui – constatou Birgitte, ajeitando o cabelo em frente do espelho enorme pendurado sobre o aparador junto à porta de folha dupla. Bent se virou para ela: — Mas qual é o problema? A indicação régia é uma boa e velha tradição. Quem for capaz de formar um novo governo precisa se dirigir a Sua Majestade e dizer: “Olá, a bola agora está comigo”. Sim, é o mínimo que podemos fazer, depois que entregaram o poder povo em 1849… Birgitte sentou numa cadeira estilo rococó e respondeu: — Já estamos esperando há mais de vinte minutos. Achei que a rainha era um pouco mais pontual! — Talvez ela tenho descido para fumar um cigarro! Bent riu da própria piada. No mesmo instante, a porta de folha dupla se abriu e Birgitte saltou da cadeira e endireitou o conjunto preto, enquanto Bent ficou ereto com os braços ao longo dos flancos. O camareiro que entrara na sala de espera hesitou por um instante e então disse a que veio. — Eu só queria saber se vocês não gostariam de tomar mais um café enquanto aguardam? Sua Majestade estará pronta em alguns instantes – disse ele educadamente. — Não, obrigado, estamos… – gaguejou Birgitte.

O camareiro assentiu com a cabeça e voltou a sair. Birgitte retomou o seu bordejo nervoso em volta da mesa com o jarro de flores. — O que está acontecendo é loucura! Você não percebe? Estão ganhando tempo. A bola já não está mais comigo, antes mesmo de começarmos! Bent caminhou determinado até ela e fez ela se aquietar segurando-a pelo braço. — Basta disto! Diabos! Estão todos implorando para que você conduza as negociações! Só agora, quando Bent chegou tão perto dela, Birgitte percebeu que ele estivera o tempo todo com o seu mãos-livres sem fio. Ela começou a rir, apontando para a cabeça dele. Bent olhava para ela surpreso e sem entender aquele gesto dela. — Tire esta coisa da cabeça, Bent! – ela exclamou, rindo. Por fim, Bent entendeu o que ela queria dizer e se apressou em tirar o mãos-livres da cabeça, enfiando-o no bolso. — Ah, por todos os diabos… — Você é quem está nervoso – disse Birgitte, ainda tentando conter o riso – você sempre pragueja a torto e a direito quando está descontrolado. — Que inferno! Eu não estou… Bent parou no meio da frase e não conseguiu deixar de sorrir. Então, pôs uma mão paternalmente no ombro dela e disse: — O difícil não é isto aqui, Birgitte. Você ainda não se tornou a primeira ministra. Difícil será administrar o processo nos próximos dias e a final apresentar o novo governo. Lembre-se disto. A tentativa de Bent de acalmá-la teve o efeito exatamente contrário. De repente, Birgitte voltou a ter certeza da enrascada em que havia se metido. Em poucos instantes, ela iria entrar no gabinete da rainha para receber um mandato para formar o novo governo – na condição de primeira mulher a se tornar primeira ministra da Dinamarca! Ela voltou a olhar o relógio, nervosa: — O que é que está havendo ali dentro? Sim, nos já temos noventa e um deputados. Será que esta senhora não sabe contar? No mesmo instante, a porta do salão de audiências se abriu e o camareiro apareceu outra vez diante deles. Birgitte e Bent tentavam parecer descontraídos. Então, o camareiro olhou para eles e disse: — Sua Majestade está pronta para lhes receber…

* * * — Birgitte! Meus parabéns! Isto é fantástico! Birgitte estava se dirigindo para uma reunião no gabinete da bancada do Partido Moderado quando foi abordada por Amir Diwan, do Partido Verde, que lhe deu um beijo no rosto. Birgitte agradeceu e continuou caminhando com a mesma determinação para o gabinente da bancada, só que agora acompanhada de Amir, que estava de fato bastante entusiasmado: — Temos uma oportunidade histórica de colocar a Dinamarca de volta aos trilhos – disse Amir, colocando a mão no ombro de Birgitte para detê-la – Tenho umas novas sugestões para o ministério – ele prosseguiu com os olhos brilhando. Birgitte olhou para ele com um olhar um pouco cansado e então disse: — Amir, eu Acho que vou conversar primeiro com o Partido Trabalhista. Ela continuou andando pelo corredor, enquanto Amir, ligeiramente constrangido, ficou parado olhando para ela: — Este é um grande dia para a democracia – ela ouviu ele gritar antes de entrar no gabinete da bancada. Ali, no gabinete da bancada do Partido Moderado, tudo estava pronto para as reuniões do dia. No quadro branco, lia-se os nomes dos partidos, a sequência e o horário em que iriam se reunir com cada um deles. A enorme mesa de reuniões estava coberta de xícaras para o café e copos para a água e Sanne tinha acabado de colocar no centro da mesa uma cesta grande cheia de daneses.9 — Não tínhamos decidido oferecer frutas nas reuniões? Sanne pareceu não entender a pergunta de Birgitte. — Estou exausta – Birgitte explicou, conseguindo tirar um sorriso mais ou menos compassivo da secretária. — Laugesen e o Partido Trabalhista só querem conversar amanhã mesmo – disse Bent, entrando porta adentro com o celular na mão e parecendo irritado – Talvez à tarde. É pura tática! — O partido dele está se esfacelando. Vamos prosseguir conforme o planejado e vamos chamar outros para conversar.

9 No original wienerbrød (literalmente: “pão de Viena”), folheado doce tradicional na Dinamarca e demais países nórdicos,

feito com farinha, fermento, leite, ovos e bastante manteiga, envolvendo-se uma porção de massa em manteiga e dobrando-a várias vezes numa série de camadas.

— Já fiz isto. Birgitte olhou para Sanne, surpresa, que parecia muito eficiente. — Podemos nos reunir com o Partido Libertário agora mesmo. E aguardamos a resposta da Frente Solidária sobre se eles podem vir mais tarde. — Ótimo. E diga ao Laugesen que é de vital importância nos reunirmos ainda hoje, não importa a hora. Sanne assentiu com a cabeça e ia sair. Bent a deteve: — Não. Diga ao Laugesen que vamos formar o governo sem o Partido Trabalhista! Sanne parecia confusa, então olhou interrogativa para Birgitte, que sacudiu a cabeça. — Por todos os demônios, Bent… Sanne respirou aliviado e saiu. Bent continuava irritado: — Laugesen faria o mesmo. — Esta é a diferença entre mim e Laugesen. Eu sigo as regras do jogo. — Você precisa concluir as negociações ainda hoje! — Isto não é realista. Estamos falando de um novo governo. Birgitte ficou quieta e suspirou. Então, perdeu-se nos próprios pensamentos e, num gesto automático, pegou uma danese. Depois, olhou para a lista que tinha nas mãos e prosseguiu: — Vamos fazer as coisas do jeito certo. Eu tenho uma pauta para conversar com cada um dos partidos. Inclusive o Partido Libertário. — Não perca tempo com eles – disse Bent rispidamente. — Eles representam um sexto do eleitorado. Sou uma democrata, Bent. Birgitte mordeu um bom pedaço do seu danese no mesmo instante em que bateram à porta e a figura enorme de Svend Åge Saltum apareceu diante deles. — Ah! Cheguei bem na hora do café da tarde, pelo que vejo. Birgitte, com a boca cheia de danese, não conseguiu dizer nada. Teve que se contentar em dar um sorriso amarelo enquanto seguia mastigando. Saltum foi até a mesa de reuniões e se serviu de uma xícara de café.

— Parabéns pelo ótimo resultado nas eleições – ele disse, enquanto pegava uma danese redonda da cesta. — Obrigado, parabéns igualmente, Svend Åge. Vocês continuam progredindo – disse Bent, tentando soar amigável, apesar de ficar evidente que o fazia com dificuldade. Birgitte finalmente tinha conseguido mastigar tudo. Subitamente, ela parecia nervosa com a forma como Saltum entrou na sala. — Bem, agora que você chegou, vamos nos sentar – ela disse, apontando para a mesa. Ele se sentou no centro de um dos lados da mesa. Ela planejara se sentar num das pontas da mesa, mas desistiu da ideia quando percebeu que seria estranho deixar três ou quatro lugares vazios entre eles. Em vez disso, ela se sentou do outro lado da mesa, de frente para Saltum. Ele se manteve na expectativa, olhando-a com o seu sorriso costumeiro indecifrável. Birgitte tentou se organizar e olhou sua papelada. Neste ínterim, Bent havia se sentado ao lado dela. — Bem… quero começar lhe agradecendo por ter vindo. A voz de Birgitte estava um pouco trêmula, então, ela pigarreou antes de prosseguir: — Nós divergimos um pouco na maioria dos temas, portanto, me parece, por isso mesmo, importante buscarmos meios termos nos quais possamos convergir… — Você está sofrendo de choque de poder, Birgitte? – perguntou Saltum, inclinando um pouco a cabeça enquanto olhava para Birgitte. Birgitte ficou visivelmente perturbada com aquela pergunta, porém, preferiu fazer de conta que não ouviu. Bent também não disse nada, porém, era evidente que ele tampouco tinha engolido aquilo bem. — Vamos começar pela política tributária. Vejo que o projeto de lei mais recente do seu partido… – Birgitte tentou prosseguir, porém, ao notar o olhar indulgente de Saltum recair sobre si, ela parou e ficou olhando para ele. Saltum levou um bom tempo até se apoiar na mesa e começar a falar: — Veja bem. Eu me aliei com Glistrup já em 1971. O Partido Conservador não quis apoiá-lo. Então, ele fundou o Partido Progressista e, um ano e meio depois, ele estava de volta ao parlamento com uma bancada de vinte e oito deputados. Era um vencedor. Já a bancada do teu partido praticamente dobrou nesta eleição. Por que você não fala como uma vencedora? Birgitte sentia a adrenalina começar a correr pelo corpo depois daquela provocação mal disfarçada de Saltum. Ela olhou firme para ele e respondeu: — Glistrup foi parar na cadeia. Eu jogo conforme as regras.

— Birgitte, nós divergimos quanto às políticas de imigração, econômica, tributária, cultural e ambiental. Eu luto para atrapalhar tudo aquilo que você defende. No teu mundinho cultural radical, eu represento a maldade encarnada. Portanto, você simplesmente não pode se dar ao luxo de estar aqui sentada conversando e tomando café comigo. Saltum se levantou com a xícara de café na mão. — Queres uma dica, Birgitte? Você devia se sentar na ponta da mesa, pois é você quem está conduzindo estas negociações – ele disse sorrindo e olhou para a sua xícara de café – Posso levar está xícara, não? Passar bem. Saltum disse isto e depois saiu. * * * — Eu não digo que eu cederia. Só digo que muita gente cederia de bom grado a porcaria do cargo de primeiro ministro para Nyborg. Ulrik se recostou na cadeira com as pernas abertas e os braços atrás da nuca, com um sorriso adolescente na boca. Simon sacudiu a cabeça. — Você está totalmente equivocado. Além disso, acho que nunca ouvi a expressão “porcaria do cargo de primeiro ministro” antes… — Bem, é verdade que a Nyborg é uma gata… Ulrik parou no meio da frase quando Katrine entrou na redação. No mesmo instante, Dan entrou e foi se sentar no seu lugar. Pia entrou logo depois dele, com uma xícara de chá herbal na mão. Ao passar por Katrine, colocou a mão no braço dela e deu-lhe um sorriso amistoso antes de se sentar à mesa. Agora, só havia um lugar vazio no fundo, ao lado do lugar de Torben na ponta da mesa, onde o computador, o bloco de anotações e a caixa de chicletes de nicotina dele se alinhavam. Katrine olhou, hesitante, o lugar vazio ao lado de Pia, mas não fez menção de se sentar ali. — Hanne Holm ligou para lhe dar os parabéns pelo debate dos líderes partidários? Ulrik sorriu com arrogância para Katrine antes de olhar de soslaio para Simon em buscan de aprovação. Katrine olhou para Ulrik com cara de poucos amigos. Ulrik e Simon riram entre si. — Você não vai se sentar? – Ulrik perguntou a Katrine, provocativo. — Este é o lugar do Hannes – Katrine respondeu e continuou em pé.

— Qual é o problema? Ulrik olhou para os demais, que pareciam concordar com a pergunta dele. Katrine não se sentia nada à vontade com aquela situação. Então, Torben Friis entrou na salad de forma bastante chamativa. Agarrou a caixa de chiclete de nicotina e constatou, irritado, que ela estava vazia. — Bem, senhoras e senhores, o tempo urge! Ele parecia um tanto irritado com katrine, que continuava em pé. Ulrik conteve o riso, enquanto os demais baixavam o olhar. Torben Friis olhou à sua volta, desorientado, e então disse: — Por que você insiste em continuar aí de pé, Katrine? Sente-se! Katrine se moveu com hesitação e por fim se sentou no lugar de Hanne Holms. — Antes de começarmos, vamos falar rapidamente sobre o próximo domingo, quando será o sepultamento do falecido assessor de imprensa de Hesselboe, Ole Dahl. Katrine tentou com todas as suas continuar calmamente sentada e aparentar neutralidade. — Ele conhecia todo mundo no palácio de Christiansborg, então, acho que muita gente vai comparecer. Simon, você se animaria a ir até lá e colher alguns depoimentos? Simon assentiu com a cabeça. — Ótimo. E Pia conseguiu um furo… – ele disse, sorrindo com cumplicidade para Pia. — Sim – Pia disse, orgulhosa – Hesselboe e a esposa dele concordaram em participar do programa “Em Foco” de amanhã à noite. Vão repercutir a morte trágica de Ole Dahl, mas antes de mais nada, vão falar sobre a grande derrota nas eleições, e sobre o casamento deles… Torben Friis a interrompeu: — Katrine, acho que você se encaixaria bem nesta matéria. Você tem muita sensibilidade. Katrine tentou manter as aparências: — Acho que não consigo me preparar a tempo. Eu… quero dizer… eu estava planejando comparecer ao funeral… — Você conhecia Ole Dahl? – Torben Friis perguntou, olhando para ela. — Não, não! Nós… eu mantinha contato com ele em função de algumas entrevistas com Hasselboe e coisas deste tipo…

— Bem, eu posso cuidar disto? Vocês não acham? – disse Ulrik, se empertigando na cadeira – Em troca, Katrine pode me cobrir no noticiário das seis – continuou, olhando primeiro para Torben Friis e depois para Katrine, inquisitivo – Está bem para você, Katrine? Katrine estava perdida nos próprios pensamentos e não respondeu. — Diga-me uma coisa: você está acompanhando? – perguntou Torben Friis a Katrine, irritado, fazendo-a voltar à realidade. — Sim, sim. Está ótimo. Por mim, tudo bem. * * * A sombra de Phillip se projetava longe quando ele chegou pedalando com o sol às suas costas para buscar Magnus no centro de atividades de tempo livre. O sol estava baixo no céu outonal e não aquecia muito. Phillip tremia naquela tarde fria e, ao descer da bicicleta, espirrou uma ou duas vezes. Então, enfiou a mão no bolso para procurar o pacote de guardanapos descartáveis que quase sempre trazia quando vinha buscar as crianças, porém, não o encontrou no bolso desta vez. Em lugar disso, encontrou o cartão de visita que recebera de Thomas Lundgren naquele dia no rinque de patinação em Rødovre.10 Olhou o cartão de visita por um instante, depois amassou-o com convicção e jogou-o fora. — Diabos! – exclamou com seus botões. Então, respirou fundo, recompôs o seu sorriso adulto e profissional e adentrou pelo portão do centro de atividades. E seu sorriso ganhou sinceridade e cordialidade quando Magnus veio correndo porta afora em sua direção e gritou, radiante: — Oi, pai! * * * A reunião com o Partido Verde, que fora transferida do gabinete da bancada para o gabinete de Birgitte, tinha terminado e não dera em nada. Amin Diwan bateu pé, exigindo o posto de ministro de meio ambiente e outras cinco ou seis das dezesseis pastas do gabinete ministerial. Isto apesar de os assentos parlamentars conquistados pelo Partido Verde lhes dar direito a apenas quatro pastas ministeriais. Além disto, exigiam indicar na menos que dois dos sete integrantes do conselho governamental,11 o que Birgitte deixou Birgitte chocada e se remoendo por dentro. Birgitte sacudiu a cabeça quando ouviu a exi10 Município da região metropolitana de Copenhague, com população de cerca de 30 mil habitantes. 11 No original, Koordinationsudvalget, conselho formado integrado pelos seis ministros mais importantes (economia/interior,

relações exteriores, finanças, justiça, ciência/tecnologia e fazenda) e presidido pelo primeiro ministro, responsável pelas principais iniciativas e políticas governamentais, sendo, por tanto, uma estrutura decisiva na condução dos assuntos de Estado e na proposição de projetos de lei por parte do governo.

gência, mas entendia, é claro, a tentativa deles de vender seu peixe o mais caro possível. Birgitte se despediu de Amir Diwan e sua colega do sexo feminino com a promessa de voltariam a entrar em contato. Agora, Bent e Birgitte aguardavam a próxima delegação, encabeçada por Hesselboe. Ouviu-se baterem à porta e Sanne fez entrar uma senhora de meia idade um pouco tímida. Era Inger Hansen, do Partido Liberal. Bent e Birgitte se entreolharam, mas não fizeram nenhum comentário de imediato. Birgitte foi até Inger Hansen e estendeu a mão para ela. — Seja bem vinda. Lars também vem, não é mesmo? — Na verdade não. Ele sente muito mas infelizmente não poderá vir desta vez. Ingen Hansen parecia estar fazendo um enorme pedido de desculpas em seu próprio nome, mas era evidente que tinha grandes dificuldades para fazer aquela mentirinha soar nem que fosse um pouquinho verossímil. Birgitte parecia ter ficado irritada com ela. — Nós temos acordo claramente firmado. Além disso, eu conversei com ele no corredor há meia hora. — Ele enviou você para negociar em nome do Partido Liberal? Bent tinha dificuldade para dissimular o desprezo sentia por Inger Hansen, uma das deputadas mais medíocres do parlamento dinamarquês.12 — Sim – respondeu Inger Hanser, parada na ponta dos pés – pelo menos nas negociações preliminares. Furioso, Bent se virou e foi até a janela, onde ficou de costas. Birgitte olhou para Inger Hansen. Então, tomou uma decisão: — Mande meus cumprimentos ao Hesselboe e diga a ele que não se trata de negociações preliminares. Vamos prosseguir sem o Partido Liberal. Inger Hansen se levantou, parecendo derrotada. — Não é nada pessoal, Inger – prosseguiu Birgitte, levantando-se para acompanhar Inger Hanser até a porta. Ao voltar, totalmente transtornada, deixou a porta da antesala do gabinete aberta e olhou para Bent com resignação:

12 No original, Folketinget (literalmente “Assembleia do Povo”) é o parlamento nacional unicameral do Reino da Dinamarca,

formado por em 179 deputados, sendo 175 representantes das províncias dinamarquesas e dois representantes das regiões autônomas da Groenlândia e das ilhas Feroé, realizando suas sessões no palácio de Christiansborg.

— Que diabos está acontecendo aqui, Bent? — Desrespeitando as negociações que você está conduzindo, a direita está tentando lhe desestabilizar. Aposto o que você quiser que Saltum teve uma conversinha com Hesselboe logo depois que nos reunimos com ele. Birgitte afundou numa cadeira. — Veja bem, você só precisa do Partido Trabalhista para poder concluir as negociações. Laugesen vai chegar em meia hora, então… — Acho que vocês não devem contar com isto – ouviram Sanne gritar da ante-sala. Bent e Birgitte se entreolharam. Tinham esquecido que a porta estava aberta. — Liguem a televisão na TV1 – completou Sanne, que tinha vindo até a porta. Bent levantou-se e ligou a televisão, que mostrava Simon em frente à escadaria principal do palácio de Christiansborg. No fundo, via-se Michael Laugesen descendo a escadaria. — … o resultado das negociações de hoje ainda não é claro – Simon reportava, e então viu Laugesen – Esta saíndo neste exato Michael Laugegsen, do Partido Trabalhista. Me diga, Michael Laugesen: você apoia a indicação de Birgitte Nyborg como primeira ministra? — Infelizmente, ainda não tive a oportunidade de conversar com Birgitte Nyborg. Agora à noite, tenho um compromisso com a minha base de apoio em Middelfart, portanto… – declarou Laugesen, sorrindo como se estivesse gostando da situação. — Você conseguirá se manter na liderança do Partido Trabalhista? – Simon perguntou. Laugesen não respondeu e continuou caminhando determinado até o automóvel que o aguardava. Agitado, Bent desligou a televisão. — Ele que cale a boca! Quanta arrogância! Há meia hora tínhamos entrado num acordo! — Mas que diabos está acontecendo? – disse Birgitte com raiva e ao mesmo tempo medo em sua voz. Ela pegou seu celular e começou a teclar um número. Bent a deteve: — Não – ele disse – não ligue para ele agora. Não dê este gostinho a ele. Birgitte olhou para Bent e então largou o celular:

— Mas não tenho como prosseguir sem o apoio do Partido Trabalhista. Por todos os demônios! É impossível formar um governo apenas com a Frente Solidária e com o Partido Verde. Ela começou a andar de um lado para o outro sem dizer nada. Então, ela se virou na direção de Bent, com lágrimas nos olhos: — Estamos perdendo… estamos perdendo, droga! Bent foi até ela e a abraçou: — Calma. Você deveria ir para casa ver sua família. Ela queria se soltar, mas Bent continuava abraçando-a forte, e disse em seu ouvido: — Ouviu? A batalha de hoje está perdida. Mas você vai dar a volta por cima amanhã! * * * — Você tem que comer a cenoura também, Magnus – disse Phillip, apontando com a faca para o prato do filho, onde este havia empilhado as rodelas de cenoura. Phillip e as crianças estavam à mesa jantando frango com legumes e salada quando Birgitte entrou na cozinha e largou a bolsa numa cadeira. — Oi, mãe! – disse Magnus, tentando se livrar de comer os legumes. Ele se levantou rapidamente da cadeira e correu até Birgitte para abraçá-la. Phillip e Laura sorriram para ela. — Vejam só se não é a primeira ministra da Dinamarca que aparece de repente na nossa cozinha! – exclamou Phillip, levantando-se para beijar Birgitte – Outra vez tão cedo? Vocês realmente não têm muito o que fazer la no palácio de Christiansborg, não é mesmo? Phillip pegou uma garrafa de vinho tinto do armário e abriu. Então, buscou duas taças. Birgitte tirou o casaco, foi até Laura e deu-lhe um beijo na testa. — Laugesen e Hesselboe nos enrolaram hoje. Só vamos conseguir nos reunir com eles amanhã. Laura olhou para a mãe com curiosidade: — E a rainha, como ela é? Birgitte sentou-se à mesa, suspirou e encolheu os ombros: — Ah… ela é bastante simpática. Bem, de uma forma um pouco… majestática!

— O palácio é como aparece no discurso de ano novo? – continuou Laura, ainda curiosa. Birgitte assentiu com a cabeça. — Você se curvou diante dela? – perguntou Laura. — Sim, é o ritual – respondeu Birgitte, espichando a mão para pegar uma coxa de galinha, que começou a roer. — Merda, já é tarde! – Laura disse, e depois ficou encabulada. Phillip alcançou uma taça de vinho para Birgitte. — Obrigado pelo jantar – disse Laura, se levantou e foi até a sala ver televisão com o Magnus. Birgitte gritou para ela: — Ei, o teu prato! Laura revirou os olhos e foi relutante pegar o prato para colocar na lavadora de louça. Depois, afundou no sofá, pegou o celular e começou a trocar mensagens de texto. — Eles vão aparecer – disse Phillip, colocando sua mão sobre a de Birgitte e acariciando-a com a ponta dos dedos. Birgitte suspirou: — Se eu não conseguir o apoio do Partido Trabalhista, será o meu fim. Eles têm a maior bancada. Por que deveriam aceitar que um partido menor indique o primeiro ministro? — Por que eles levaram um puxão de orelha dos eleitores. Sim, continuam sendo o partido com mais deputados. Mas a bancada deles encolheu, eles ficaram com o menor número de assentos de sua história. Mas se você quiser o cargo, terá que lutar por isto… — Cargo… – Birgitte interrompeu-o, virando-se para observar os filhos no sofá – — Pare com isto, Magnus! – ela disse, ao ver o filho tentando pegar o celular de Laura. — Com quem você está trocando mensagens, hein? Com quem? – Magnus gritou. — Você vai ter que blefar. Você já pensou quanta gente teve que blefar para chegar ao topo? O currículo não vale nada – disse Phillip para a esposa, insistente. — Pára de me encher, Magnus! – exclamou Laura irritada com o irmão mais novo. Birgitte parecia farta deles, mas não disse nada. Concentrado na conversa com Birgitte, Phillip também não fez nada:

— Veja bem, todo mundo mente metade do tempo durante as entrevistas de emprego. As mulheres são duas vezes piores em dizer coisas desnecessárias sobre o que elas não sabem fazer, por via das dúvidas. Por que você acha que tão poucas mulheres jogam pôquer? Porque elas não sabem blefar. Você tem que se sentar na ponta da mesa e brilhar. Se você mostrar a eles que é você quem lidera, você se torna o líder. — Você está falando como um autor de livros de auto-ajuda há dez minutos, sabia? Eu acho que posso me sentar na ponta da mesa fácil, fácil! — Ótimo. Então, vai dar tudo certo. — É, vai dar tudo certo. No sofá, Laura e Magnus estavam quase trocando tapas, e os dois gritavam tão alto que Birgitte e Phillip mal conseguiam ouvir um ao outro. — Crianças – disse Birgitte, olhando para eles – eu e o pai de vocês estamos tentando ter uma convera aqui – continuou, sem obter nenhuma reação dos filhos, que continuavam brigando no sofá – Laura… deixe ele em paz… – ela continuou tentando. — Mas foi ele que começou! – Laura gritou, correndo atrás do irmão menor que gritava e corria pela sala. — Será que vocês não podem se aquietar… – continuou repreendendo-os sem muita convicção, tanto que eles não pararam de brigar. Phillip olhou para ela e sorriu. Então, levou dois dedos à boca e assoviou bem alto. Magnus e Laura pararam no mesmo instante» — PAREM COM ISTO VOCÊS DOIS! – Phillip gritou – Se vocês querem continuar se matando a pau, façam o favor de ir para o quarto. Eu e a mãe de vocês queremos continuar conversando. Então, eles se acalmaram. Phillip sorriu triunfante para Birgitte e disse quase sussurrando: — Na ponta da mesa, Birgitte! Na ponta da mesa… Birgitte desviou o olhar, mas não conseguiu deixar de soltar uma gargalhada. * * * — Precisamos conversar com as crianças. De verdade… – disse Birgitte, deslizando na cama ao lado de Phillip, que estava deitado apoiando-se nos cotovelos e segurando o queixo com uma das mãos. — Sim, sim – ele respondeu, acariciando os ombros dela.

Então, ele se curvou sobre ela e deu-lhe um beijo ardente no pescoço. Depois, acariciou os seios dela, cheio de desejo. — Se eu me tornar primeira ministra… Phillip beijou o colo dos seios de Birgitte, dizendo com carinho enquanto a beijava: — Nada de “se”! Quando você se tornar primeira ministra… Lembre-se: seja positiva. Birgitte se desvencilou e olhou séria para ele: — O que eu quero dizer… é que tudo vai ser diferente. O tempo que vou ter para mim. Tudo. — Isso eu já sei – Phillip disse, suspirando. Eles já tinham tido aquela conversa outras vezes. — Eu já conversei um pouco com eles a respeito. É claro que eles fazem perguntas. Sobre… sobre várias coisas… – ele disse, puxando-a para beijá-la outra vez. Birgitte correspondeu ao beijo dele, mas depois se deteve. — Nós também temos que conversar. Phillip olhou para ela, resignado. — Phillip, nós tínhamos chegado a um acordo… Uma sombra se abateu sobre o semblante de Phllip. Não gostou nada de ser relembrado sobre o acordo: — Isto é totalmente diferente. E não estava incluído no acordo. Isto está fora de questão. Birgitte olhou para ele: — Fora de questão por quê? Phillip se sentou na beira da cama e olhou sério para Birgitte: — Por que eu não quero ser o sujeito que diz para a sua esposa que ela não pode ser primeira ministra… – ele disse, e depois se calou. Birgitte olhou séria para ele. De repente, o clima entre eles ficou bastante grave. Então, Phillip quebrou o gelo, dizendo com uma risadinha: — Além disso, seria uma coisa estranha de se dizer para a esposa!

Birgitte também começou a rir. Então, ela levantou o cobertor, sentou no colo de Phillip e pegou na mão dele, apertando seus braços. Phillip tentou se desvencilhar, mas Birgitte continuou segurando apertado. — O que é que você está fazendo? – ele perguntou sorrindo. Birgitte sorriu meio de lado: — Estou sentando na ponta da mesa… – disse ela, se abaixando para beijá-lo.

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