JICTAC 2015 - O Conde de Óbidos e a Conspiração contra seu Vice-Reinado

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O Conde de Óbidos e a Conspiração contra seu Vice-Reinado
Luis Henrique Souza dos Santos
Instituto de História
[email protected]

Orientador: Doutor Carlos Ziller Camenietzki
Instituto de História
[email protected]


Palavras-chave:
Brasil - Século XVII - Vice-Reinado- Bahia.


Introdução
É corrente em seguidas obras historiográficas sobre o Brasil,
reproduzir certas visões sobre o passado que linearizam o entendimento
sobre o mesmo. Para a corrente investigação, proponho uma abordagem
diferenciada, mesmo que não se encontre solitária, sobre um olhar para o
Brasil do século XVII que se despoje primeiramente do regime de
periodização que atualmente se utiliza. Tal terminologia — Colônia —
encontra-se descolada da realidade seiscentista, e não será aqui usada, uma
vez que o esforço atual está em tentar compreender a lógica que regia as
ações humanas neste período, distante em aproximadamente 350 anos.
Para melhor compreensão desta abordagem não usual, é imperativo
lembrar que este espaço, o território conhecido como Brasil, não era
restrito à agricultura, nem mesmo circunscrito ao regime da fazenda, e sim
possuía portos, fortalezas, ruas, repartições; ou seja, zona urbana, a qual
abordaremos especialmente uma, a cidade de Salvador, principal espaço de
afluxo no Estado do Brasil no século XVII.
O que para os portugueses pode ser chamado como Colônia — possessões
em terra inimiga ou o simples arar a terra — não tem espaço de aplicação
para o território tratado, uma vez que não se restringia à ação agrícola,
era espaço de trocas comerciais oriundas de produtos tanto rurais como
manufaturados. Era ambiente também para o comércio e usufruto de mão de
obra (recordando que o mercado escravista encontra-se em franca expansão
nos primeiros séculos do ultramar português), e ao que mais interessa-nos,
espaço também de conflitos de interesses.

Desenvolvimento
Estando fora do território por nós objetivado, o Conselho Ultramarino
é de extrema importância, pois a partir dele conseguimos ter os resquícios
pretéritos dos eventos que trataremos. A documentação usada, alocada na
Torre do Tombo em Lisboa, está disponível, entretanto, em consulta na
internet através do Projeto Resgate, o qual digitalizou todos os documentos
de temática brasileira presentes no Arquivo Histórico Ultramarino, desde
seus remanescentes do início do século XVII até o século XIX quando da
independência do já então país. Este Conselho foi órgão criado para
aconselhar o rei em suas decisões acerca de temas relacionados ao ultramar,
sendo responsável por receber processos vindos das terras portuguesas em
outros continentes e de enviar consultas e pareceres para as mesmas terras.
Nosso trabalho se concentra em um processo que tem tempo de duração de
um pouco mais de um ano, mas foca seus esforços atuais na análise da
primeira carta enviada pelo 2º Vice-Rei do Brasil, 1º Conde de Óbidos, D.
Vasco de Mascarenhas, ao Rei D. Afonso VI — entendendo obviamente que a
mesma carta seria recebida e o processo transcorreria o caminhar
burocrático no Conselho Ultramarino — dando notícia de conjuração contra
seu governo no Brasil e o envio de presos a Lisboa.
Antes de qualquer coisa, para tal análise é necessário conhecer nossos
atores específicos. O já referido Conde de Óbidos foi nobre de grande
influência no processo de Restauração Portuguesa — que será tratada mais
adiante —, e nomeado como 2º Vice-Rei do Estado do Brasil, trazendo consigo
responsabilidades de fortalecimento da monarquia portuguesa como seu
representante. Para além destas curtas informações, podemos observar D.
Vasco de Mascarenhas como importante militar nas Índias no reinado de D.
João IV durante o mesmo processo de Restauração que se findará em 1668.
Dos presos enviados por D. Vasco de Mascarenhas, decidimos por
selecionar o Chanceler do Tribunal da Relação da Bahia e Provedor-Mor da
Fazenda Lourenço de Brito Correia. Tal cargo, responsável por questões
monetárias do Estado do Brasil, estava inserido no âmbito maior do Tribunal
da Relação, o qual era responsável pela administração da justiça no
território por nós objetivado. Em uma hierarquia na escala de tribunais
portugueses, seus recursos poderiam ser direcionados somente ao Tribunal da
Relação do Porto, e em última instância à Casa da Suplicação.
O Chanceler que contava com seus 70 anos quando da prisão, tem longo
histórico de ações no Brasil. Dentro destas, destaca-se sua atuação nos
anos de 1640, quando já membro do Tribunal da Relação e agente importante
na deposição do 1º Vice-Rei do Brasil Marquês de Montalvão. Tal fato é
utilizado como objeto de argumentação do histórico conspiratório de
Lourenço pelo Conde de Óbidos.
[...] assim como eu entrei neste governo, pretendeu logo
seguir o mesmo ditame: valendo-se da prudência com que se
lhe dissimularam aqueles excessos, para os cometer maiores
na segurança da minha natural brandura e benevolência
[...] (Projeto Resgate. Arquivo Histórico Ultramarino.
Caixa 18, Documento 2100. L.F.)
Esta temporalidade a qual D. Vasco de Mascarenhas se refere, resume-se
por ocorrências entre 1640 e 1641, onde Lourenço já era Provedor-Mor e
deflagra-se o movimento de nobres lusos em direção à restauração do trono
português a um fidalgo natural do reino, uma vez que desde 1580 era ocupado
por reis castelhanos.
Quando tal notícia chega ao Brasil, se faz necessária a aclamação do
novo rei, D. João IV, na cidade mais importante do Estado do Brasil,
Salvador. O Vice-Rei em exercício, Marquês de Montalvão o faz com cuidados
para não despertar animosidades entre castelhanos presentes e portugueses.
Mas devido à distância de Lisboa e Salvador, D. João IV envia carta
exigindo a destituição de Montalvão e a formação de uma junta trina, na
qual Lourenço de Brito Correia estava presente. Os caminhos que levaram a
tal ação tanto por parte de Lourenço como pelos outros dois ocupantes da
junta, são para nós ainda desconhecidos, pois para apurar tais fatos,
pesquisas mais prolongadas seriam necessárias; contudo, o uso discursivo
desta ação por parte de Conde de Óbidos nos é cara.
Fato é que o Chanceler e Provedor consegue depois de anos seu retorno
à Salvador e é novamente ator de disputas locais; se opondo agora a D.
Vasco de Mascarenhas que, como mencionado, é enviado como Vice-Rei à Bahia
como forma de fortalecer a monarquia portuguesa, sob o mando de D. Afonso
VI. Dentro deste processo, podemos observar o episódio estudado mais
especificamente neste trabalho como parte de um cenário maior, de mudanças
políticas de diversos lados, ligados aos eventos da Restauração: seja pelas
iniciativas do Conde de Óbidos quanto aos cargos providos pela coroa na
Bahia, ou mesmo pelas iniciativas de outros atores sociais na cidade, como
por exemplo, os avanços mercantis rumo ao centro das capitanias, em busca
de outras fontes de riquezas.
É neste contexto que ocorrem as prisões realizadas por D. Vasco de
Mascarenhas:
Estando já entregues as vias e a frota pronta para dar à
vela, tive notícia da conjuração que o Chanceler da
Relação deste Estado, Lourenço de Britto Correia, Lourenço
de Britto de Figueiredo, seu filho, com os Capitães
Antônio de Queirós Cerqueira, Francisco Telles de Menezes
e Paulo de Azevedo Coutinho, haviam secretamente feito
contra minha pessoa (Projeto Resgate. Arquivo Histórico
Ultramarino. Caixa 18, Documento 2100. L.F.)


Podemos propor um olhar sobre a iniciativa do Vice-Rei de lançar mão
de seu poder e prender os conjurados como uma atitude temerária, uma vez
que as culpas não estão configuradas; não houve julgamento para serem estes
enviados a Lisboa; havia tribunal com alçada suficiente para tal em
Salvador.
Dessa forma, a atitude do Vice-Rei pode ser considerada no mínimo
estranha. Para o caso em questão, a ação comum seria de prender os
suspeitos e mantê-los em cárcere até o julgamento no Tribunal da Relação da
própria cidade. A iniciativa de enviar para Lisboa consistia possivelmente,
em demarcar posição bruta quanto a qualquer relutância a suas mudanças nos
destinos do Estado do Brasil.
Considerações parciais
Ao tomarmos somente a ação discursiva do Conde de Óbidos, podemos de
alguma maneira deixar de questionar o porquê de tais iniciativas de
conjuração de atores sociais importantes no convívio social da Cidade, e
consequentemente, tomar a atitude do Vice-Rei como uma simples ação
autoritária e não como uma ação legitimadora de um projeto de governo
diferenciado. Entretanto, as ações dos homens neste cenário, não podem ser
isoladas, uma vez que todos nossos personagens ocupavam importantes lugares
na camada dirigente do cotidiano na Cidade de Salvador e, especificamente
D. Vasco de Mascarenhas era responsável por uma série de mudanças que
infligiam às práticas corriqueiras da cidade.
Sendo assim, esperamos ter contribuído positivamente para um
entendimento mais abrangente acerca das possíveis abordagens políticas e
sociais no cenário da Cidade de Salvador, contrariando expectativas outras
que não consideram essas dinâmicas próprias da urbanidade até os nossos
dias para o Brasil do século XVII.





Referências
CAMENIETZKI, Carlos Ziller. Incômoda História. Colônia e Passado no Brasil.
Rio de Janeiro. Terceira Margem, 2008. Número 18. p. 71–83.

SCHWARTZ, Stuart B. Burocracia e sociedade no Brasil colonial. São Paulo:
Perspectiva, 1979.

CAETANO, Marcello. O Conselho Ultramarino. Rio de Janeiro: Sá Cavalcante,
1969.

SANTANA, Ricardo Jorge Souza. Lourenço de Brito Correa: o sujeito mais
perverso e escandaloso. Conflitos e suspeitas de motim no segundo vice-
reinado do Conde de Óbidos. (Bahia 1663-1667). 2012. Dissertação (Mestrado
em História) – Programa de Pós Graduação em História, Universidade Estadual
de Feira de Santana, Feira de Santana, 2012. Disponível em:
http://www2.uefs.br/pgh/docs/Disserta%C3%A7%C3%B5es/DISSERTA%C3%87%C3%83ORic
ardo.pdf. Acesso em: 2015-10-15

COSTA, Afonso. A Restauração de Portugal e o Marquês de Montalvão. Revista
Instituto Geográfico e Histórico da Bahia, Salvador: IGHB, v.67, p. 185-
191, 1941.
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