João Augusto Bastos [1901-1965]. O poeta de «A Minha Terra»

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José Abílio Coelho é doutorando em história contemporânea na Universidade do Minho e professor da Universidade Sénior da Póvoa de Lanhoso. É bolseiro da FCT - Fundação para a Ciência e a Tecnologia e autor de mais de uma dezena de livros, capítulos de publicações e de um conjunto de artigos publicados em revistas científicas em Portugal e no estrangeiro. A sua área de investigação foca-se sobretudo na história social e política de Portugal (séculos XIX e XX), nomeadamente a história da assistência e da beneficência, a história da saúde e a história da emigração para o Brasil.

José Abílio Coelho José Abílio Coelho | João Augusto Bastoa: O poeta de A Minha Terra (1901-1965)

João Augusto Bastos (1901-1965) foi, para além de excelente prosador e premiadíssimo poeta, um homem de grande caráter. Oriundo da mais influente família povoense da primeira metade do século XX, nunca se serviu dessa condição para alcançar empregos ou cargos públicos; lutou, antes, usando a arma que melhor manejava — a sua caneta — contra as elites locais, defendendo, sempre com dignidade e elevação, os valores da justiça e da memória. No fim vida, os negócios em que, entretanto, se iniciara começaram a correr-lhe mal, mas ao contrário daquilo que era então (e é ainda hoje) corrente, primeiro, preocupou-se em pagar as suas dívidas... e só depois em receber o muito que os seus clientes lhe deviam. Morreu pobre, mas deixou de si a imagem de um homem honrado e uma obra poética e cronística que merece ser recordada pelas gerações atuais.

JOÃO AUGUSTO BASTOS [1901-1965]

O poeta de «A Minha Terra» Universidade Sénior de Rotary da Póvoa de Lanhoso

João Augusto Bastos [ 1901-1965 ]

O poeta de «A Minha Terra»

JOSÉ ABÍLIO COELHO

João Augusto Bastos [ 1901-1965 ]

O poeta de «A Minha Terra»

Universidade Sénior de Rotary da Póvoa de Lanhoso

| Autor | José Abílio Coelho | Título | João Augusto Bastos [1901-1965]: O poeta de «A Minha Terra» | Edição | Universidade Sénior de Rotary da Póvoa de Lanhoso | Data| 2014 | Grafismo | Tiago Barros Coelho | Impressão e acabamento | Graficamares, Lda. | Depósito Legal | 374443/14 | ISBN | 978-989-20-4641

| E-mail do autor | [email protected]

| Apoio à edição | Farmácia S. José

Índice geral | Agradecimentos | 7 | Poema «A Minha Terra» | 11 | [Introdução] |17 | [Verdes anos] | Nascimento e batizado |37 | A família |39 | A infância |42 | No Brasil |48 | Doença e regresso à terra natal |55 | [Vida adulta] | De regresso à Póvoa de Lanhoso |63 | A Póvoa no primeiro quartel do século XX |65 | A experiência francesa | 68 | A morte do «Tio Lopes» |73 | O casamento |78 | As pazes com o pai |84 | De partida para Lisboa |89 | O poeta e cronista corajoso |90 | «Charadismo» e prémios |95 | Os livros | 100 | Morreu um poeta |102 | Alguns prémios literários e antologia breve | 108 | Notas e bibliografia | 128

6 | João Augusto Bastos

Agradecimentos Uma biografia, por breve que seja, pode não ser só uma biografia. Para além de dar a conhecer o biografado pode ser também a história de uma família ou o desenho, ainda que simplesmente esboçado, de uma cidade, vila ou aldeia. Pode descrever uma época, as formas de viver, as razões de viajar. Ou até, o que não é menos importante num tempo em que a imagem vai ganhando cada vez maior relevância, um dar a conhecer ilustrações de determinado período, através das quais se revivem as modas, os costumes, o traçado das praças e das ruas, os meios de transporte ou a arquitetura dos edifícios. Uma biografia pode ser como que uma espécie de romance em que tudo é verdade: enredo que, tendo numa só pessoa a figura central à volta da qual se constrói a história mostra um ou vários cenários e personagens, descobre ramificações, interesses, segredos, convergências e divergências e, sobretudo, dá a conhecer rostos, olhares, gestos, posicionamentos e formas de pensar e de estar na vida. Não quisemos que esta breve biografia do poeta João Augusto Bastos fosse apenas uma biografia. Pretendemos que fosse, também, fotografia a preto-e-branco de uma terra em determinado tempo, ainda que nem tudo, nela, fique dito, mas apenas esboçado; e tentámos, sobretudo, alicerçá-la num conjunto de imagens, que dizem, cada uma por si, mais que muitas palavras: elas mostram-nos os recantos mais afastados e os locais mais nobres, as pessoas que fizeram história no tempo balizado de poucas décadas numa terra pobre do interior minhoto, a forma como essas pessoas vestiam, como usavam o cabelo, como, porquê e para onde se deslocavam, como

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procuravam viver ou conseguiam, muitas delas, apenas sobreviver, como se relacionavam entre si. Por isso esta breve biografia pretende constituir-se, mais que em história de vida de um homem, em subsídio para a história contemporânea da Póvoa de Lanhoso — a terra onde o poeta que aqui se retrata nasceu e cresceu e à qual esteve sempre intimamente ligado. É certo que fica muito por dizer. Mas quem se afirma capaz de contar, sem erro e na sua inteira plenitude, vidas que não viveu? Com o passar do tempo outra informação surgirá para complementar a que aqui se transmite. Mas não é isso — um processo de construção lento e em permanente mudança — a história? Por isso este trajeto de um homem, de um poeta, e de tudo quanto o rodeou poderá vir, no futuro, a ser alargado com outros dados, complementado com novas fontes. Mas também não é, nunca foi, meu propósito, neste como noutros trabalhos, ser mais que candeia que vai à frente... Outras poderão acender-se para melhor alumiarem os caminhos. Mesmo assim, reunir todo o material que aqui se divulga não foi tarefa fácil. Termos atingido esse objetivo deve-se a um conjunto de amigos que, ao longo de vários anos, nos foram emprestando ou oferecendo documentos: cartas, livros, cadernos, objetos pessoais, fotografias, diplomas... Por esse motivo deixo aqui o maior agradecimento a todas as pessoas que, de objeto em objeto, de documento em documento, de imagem em imagem ajudaram a reunir o acervo que, no seu conjunto, resultou neste trabalho. Desde logo, quero agradecer a D. Anita Bastos Granja, filha do poeta, que ofereceu grande parte do material em que sustentei este trabalho. Sem o seu papel de guardiã das memórias de João Augusto Bastos teria sido bem mais difícil chegar à redação deste texto. Agradeço-lhe, ainda, ter procurado e encontrado os meios financeiros necessários à publicação deste livro pois, sem a sua perseverança, não teria sido possível trazê-lo à luz. Ao seu irmão, coronel João Augusto Fernandes Bastos, agradeço algumas notas sobre o poeta. E à Universidade Sénior de Rotary da Póvoa de Lanhoso e à sua diretora, Drª. Manuela Correia, o ter-se disponibilizado para o chancelar, divulgar e distribuir. 8 | João Augusto Bastos

Agradeço também à Drª. Lucinha Sanson pelas belíssimas imagens da Póvoa de Lanhoso do início do século XX que me deu a conhecer e cuja publicação autorizou, bem como ao Dr. Marcos Barbieux Lopes pelo empréstimo de um conjunto de cartas familiares que permitiram reconstituir a passagem de João Augusto por terras de Vera Cruz. Nascidos e residentes no Rio de Janeiro, Brasil, tiveram estes dois amigos o cuidado de preservar carinhosamente documentos sem os quais a história da Póvoa de Lanhoso seria bastante mais pobre. Merecem, ambos, esta palavra de especial agradecimento, pois papéis idênticos foram sendo destruídos, ao longo de décadas, na terra onde deviam ter sido guardados, e não foram. Uma palavra de agradecimento, ainda, aos amigos António Celestino e D. Teresa Dias, ambos já uma saudade, Dr. Paulo Freitas, João Antunes Pardelho, Dr. Lúcio Pinto e Pe. Manuel Magalhães dos Santos pelo empréstimo de documentos, pela cedência de informação e pela dádiva de conselhos que, no seu conjunto, permitiram fazer algumas ligações e reflexões interessantes. Aos funcionários dos arquivos do município e do registo civil da Póvoa de Lanhoso, distrital de Braga e municipal do Porto, uma palavra de agrado pelo apoio eficiente e simpático com que nos brindaram durante a pesquisa para este trabalho. Por fim, agradeço aos meus familiares de todos os dias os sacrifícios que lhes peço para me poder dedicar inteiramente ao trabalho de investigação. José Abílio Coelho

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 O pequeno João Augusto (em primeiro plano) no Largo de António Lopes e, atrás dele, o irmão Alfredo. Não conseguimos identificar qualquer outra das pessoas presentes na fotografia, que pela certa seriam amigos da família Lopes. Vale a pena olhar cuidadosamente esta imagem como documento para a história dos trajes

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A minha terra1 Por João Augusto Bastos

[A meus pais e a meus irmãos, Alfredo e Mariazinha e à memória de Anita, Toneca e Lindoca].

Na Póvoa2 nasci, Na Póvoa casei, Na Póvoa fui pai. Em toda a província – Província do Minho Não há para mim, mais terno cantinho, mais belo canteiro, mais lindo jardim. Meu Pai é da Vila, a mãe brasileira (Brasil-Portugal à mesma lareira). Parti para longe, pra terras estranhas3. Vi terras bonitas, cidades tamanhas... que nem nos bons sonhos assim as sonhei, mas nada encontrei (nem campos, nem serras, nem altas montanhas, nem grandes cidades, nem vilas — que sei?) que tanto gostasse que tanto eu amasse, assim como aos largos e praças e ruas da vila pequena aonde nasci.

 O coração da vila da Póvoa cerca de 1930

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Que pena, que pena, que o tempo passasse, e a terra mudasse! Ai, Póvoa, de antanho, do velho Castelo4 altivo, gigante, mirando o passado: Lanhoso da História (do livro mais belo escrito com sangue dum povo esforçado). As hostes de Afonso que chegam de Ourique erguendo o pendão dum povo que nasce. El-Rei Fundação, que lança a semente dum reino fecundo. Ai, velho Castelo, Senhor da Montanha, dos olhos que brilham, no cimo, a mirar as terras de Espanha e as ondas do mar5, que são portuguesas, nos cantos do Mundo.

que o bom do meu Pai herdou de seu Pai; e quero as vindimas, e ver raparigas trepadas nas árvores, mostrando-me as pernas, roliças colunas dos templos da vida. Ai, Póvoa saudosa! Ai, Póvoa querida! Eu quero escutar Mamãe a contar aquelas histórias que ouviu no Brasil às negras negrinhas, e quero também ouvir a mamãe falar-me da França, de muitas nações aonde passou, até que chegou ao bom Portugal10.

Eu quero o Natal11 com toda a família. Maria da Fonte6, na lenda do povo, Estamos em férias, fechou o colégio: Alfredo, Toneca, João mais Anita levando na mão (Lindoca e Maria, vieram depois)12 a foice afiada, levando na alma o anseio daqueles, que querem mais pão são quatro traquinas – Parece infinita e um mundo mais justo, mais belo e mais novo. aquela alegria e quem pensaria Ai, Póvoa saudosa dos tempos da infância, que tudo tem fim? de moço e menino, que lembro de cor: — Nenhum de nós quatro, parece-me a mim! da escola primária, Senhor Guimarães7, que bom professor! Eu quero os «formigos» e mais «rabanadas»13, não houve melhor, a luz da lareira em tempo nenhum. e a luz da esperança. Eu quero subir de novo à Portela (O bairro dos pobres). No alto da Bela deitar-me nas lajes e ouvir o batuque dos malhos nas eiras, malhando as espigas8. Eu quero os morangos da Quinta das Bouças9

Quem dera também levar da Mamãe algumas palmadas depois das tolices que fiz em criança. Eu quero o Natal

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com suas novenas a Deus pequenino: no altar principal, um par de pastores, cantando ao Menino. A tuna no coro, os «grandes» da terra, que sabem tocar; as moças e moços fazendo namoro, enquanto as velhotas estão a rezar. Mas todos são simples, não há arrelias — se todos respeitam a ideia de Deus — Não foi com palavras severas e frias que Nosso Senhor falou a seus filhos nos reinos dos céus! Se rufa o tambor, se estronda o zabumba14, no cabo da noite, não há quem se enfade. Vai tudo a novena, pois há quem se afoite ser mais matutino, que o padre Sousinhas15 mais outras vizinhas ali do Amparo? Depois das novenas vão todos ao pão, tostado e moreno daquele padeiro chamado João, João o Pequeno16. Que grandes saudades em tenho da Páscoa (da Páscoa de então) no tempo em que a Póvoa, sem uma excepção abria as cancelas e as portas de casa, de braços abertos, ao Padre Francisco17, que vinha trazer o abraço de amigo, sem medo e sem risco que alguém lhe negasse também um abraço. Em cada folar havia escondido, com fé, com amor,

pro Padre levar, a alma inteirinha de cada cristão, pra Nosso Senhor. Quem dera ir a Braga naquele landós18 do velho Queiroga19 e ver as madamas de grandes bandós20 e coisas da moda. Ouvir «Catarroia» cantar pela feira. Ouvir João Cego21, coitado, berrar: São doidos varridos e não há maneira de ir contra os garotos que querem reinar. Ouvir a corneta22 da tal «Fanfarroa» que vende sardinhas e ouvir o «Planeta»23, jurar p’las alminhas, que um velho cavalo, que tem pra vender, só tem ano e meio e há-de vencer, sem medo ou receio, a grande corrida lá pró S. José24. Que grandes saudades daquele café; (Café do Macedo25) jogar a sueca, com vasas certeiras e o Padre Jaquim26, com seu gabinardo ao ver as asneiras, gritar furioso: seu grande Bernardo! Que grandes saudades — Família Simões de S. João de Rei27. Do velho Solar aonde passei uns dias ditosos que vou recordar: A Dona Idalina contava-me histórias — que lindas histórias de contos de fadas — de reis e soldados, batalhas, vitórias

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Quem lá, do Pilar | os sinos ouvir quem água dos Fornos um dia beber, não pode partir, | não pode deixar as bandas da Póvoa | sem muitas saudades no peito levar e lindas princesas de faces rosadas, com lindos castelos de torres gigantes... Um mundo de sonhos — que dias distantes! que a névoa do tempo já quer apagar. O padre Zé Carlos28 — que bom sacerdote (com padres assim parece-me a mim, seria católico sem nada custar). Os manos doutores: são dois bacharéis que sabem de leis29. Aurora, Virgínia e mais Dona Augusta, que boas senhoras, que grandes amigas; a casa vetusta que tanto eu amei, assim como toda a família Simões. Que grandes saudades dos grandes serões; das tardes de estio, atrás dos pardais; dos campos de milho, de loiras espigas, das minhas batalhas dos sonhos de infante. Ai, como vai longe, que tempo distante, que não volta mais!

Cruzeiro, Arrifana, Simães, Fontar’Arcada, do velho Mosteiro30, e Frades e Calvos, S. Gens de longada, de tulha bem cheias, de farto celeiro Monsul e Verim, Fidalgos do Cávado, do rio suave, S. Bento e Donim31; Senhora do Porto, princesa do Ave32. Vilela dá Pão, Louredo laranjas, centeios e milhos. Galegos das bruxas, do velho Sanfão que é pai de cem filhos. Covelas, Ferreiros, Geráz das cerejas e mais dos melões; Lanhoso das vinhas e campos e leiras, de quintas muradas com velhos brasões; Taíde e Quintela da feira dos quinze33; Friande das urzes, dos longos pinheiros; Cancela Vermelha34, pra lá de Ferreiros e Pena Província35 que espreita o Castelo da velha Nação.

Na Póvoa nasci, Na Póvoa casei Na Póvoa fui Pai. Em toda a província – Província do Minho – não há para mim, mais terno cantinho, mais belo canteiro mais lindo jardim.

Ai, Póvoa querida, do Minho tão belo, que cabe inteirinha no meu coração. Quem lá, do Pilar os sinos ouvir quem água dos Fornos36 um dia beber, não pode partir, não pode deixar

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 A Vila da Póvoa de Lanhoso nos inícios do século XX

as bandas da Póvoa sem muitas saudades no peito levar; não pode esquecer, cem anos que viva, por mundos estranhos, a Póvoa querida, de encantos tamanhos. Na Póvoa nasci, Na Póvoa casei, Na Póvoa fui Pai.

nem grandes cidades, nem vilas – que sei? – que tanto eu gostasse, que tanto eu amasse, assim como os largos, as praças e ruas da vila pequena aonde nasci. Que pena, que pena, Que o tempo passasse e tudo mudasse...

Parti para longe, pra terras estranhas, vi terras bonitas, vaidades tamanhas, mas nada encontrei, nem campos, nem serras, nem altas montanhas,

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[Introdução] João Augusto e o seu tempo Quando João Augusto Bastos, o mais premiado poeta povoense de sempre, nasceu na pequena vila minhota da Póvoa de Lanhoso, estava o século XX a ensaiar os seus primeiros passos. Portugal era ainda uma Monarquia, embora fervilhasse já em muitas terras do país, e principalmente na capital, uma intensa labuta de formiga em favor da República, a qual viria a ser implantada menos de uma década volvida. Reinava pois, nesse ano de 1901 em que João Augusto veio ao mundo, el-rei D. Carlos I. E o regenerador Hintze Ribeiro era primeiro-ministro, ainda em tempo de desgastado rotativismo1. No ano do nascimento do nosso poeta, o ensino primário passou a ser obrigatório e gratuito durante três anos, numa tentativa arrojada do governo para combater o enorme analfabetismo que os Censos de 1900 nos dizem atingir o elevado número de 74% da população nacional, composta, então, por cerca de cinco milhões e meio de indivíduos2. Dos restantes 26%, os considerados alfabetizados, grande parte pouco mais sabia que assinar o próprio nome. Ainda em 1901, o governo introduziu nova reforma nos serviços de saúde pública, com intervenção em campos como a prevenção das epidemias, o combate às doenças infeciosas e a imposição de salubridade de habitações e estabelecimentos de trabalho. Em termos económicos a situação do país era péssima. Ou seja: Portugal encontrava-se mergulhado num acentuado atraso estrutural, com uma população profundamente iletrada e empobrecida, entregue em quase 80% da totalidade à exploração rudimentar da terra e a viver, especialmente fora dos meios urbanos, em condições muito próximas das que herdara do já distante século XVIII3. O poeta d’ “A Minha Terra” | 17

 El-rei D. Carlos I e o primeiro-ministro Ernesto Hintze Ribeiro

João Augusto nasceu e cresceu no seio de uma dessas famílias de brasileiros endinheirados e cultos. Criança ainda, pela mão dos pais, assistiu à inauguração, em 1905, do Theatro Club, uma belíssima sala de espetáculos construída a expensas dos seus tios-avós, Elvira de Pontes Câmara e António Ferreira Lopes Foi, pois, nesse Portugal interior, inculto e pobre, amarrado a dificuldades ancestrais que nos distanciavam enormemente da esmagadora maioria dos restantes países europeus, que João Augusto nasceu e cresceu. Nos anos iniciais da centúria deu os primeiros passos, aprendeu os segredos mais básicos da vida e abriu os olhos para o mundo que o rodeava, numa airosa mas pequena vila do interior minhoto — a Póvoa de Lanhoso — terra de gente agreste dedicada maioritariamente ao trabalho agrícola, alguma ao comércio e muito pouca aos serviços. Indústria, tirando a tradicional moagem do milho e centeio para fazer o pão, a manufatura anual de  Feira de gado na Póvoa

algumas centenas de mantas de farrapos e de grosseiras meias de

de Lanhoso (1903). A agricultura ocupava cerca de 80% da população rural portuguesa

lã-de-ovelha ou a labuta de uns quantos pedreiros e filigraneiros para ganharem a vida talhando, pelos processos mais rudimentares, matérias-primas tão distintas como o granito e o ouro, não existia. Contudo, essa Póvoa a quem D. Dinis havia atribuído Carta de Foral no já distante ano de 12924, era terra onde o eco dos grandes acontecimentos nacionais e internacionais chegava com alguma fluência, quer através dos jornais5, quer fruto da movimentação de algumas pessoas, beneficiada já a região pela melhoria das vias de comunicação, iniciada com o Fontismo, e por novos meios de transporte, incluindo o automóvel que começava a marcar presença na década inaugural do século XX6. Mas essa informação, esses ecos de 18 | João Augusto Bastos

 O Theatro Club, sala de espetáculos com que o brasileiro António Ferreira Lopes dotou a sua terra, em 1904. Em primeiro plano, o carro da mala-posta que fazia a ligação de Braga a Cabeceiras de Basto

longe, chegavam apenas a um pequeno grupo interessado em saber o que ia para além do balcão da mercearia; a uma elite letrada e razoavelmente instalada na vida, composta quase exclusivamente por padres, funcionários públicos, uns poucos comerciantes endinheirados e alguns grandes lavradores mais curiosos, porque, o povo mais humilde, os cerca de oitenta por cento de habitantes do concelho que se dedicavam à agricultura e afins, continuava mais preocupado em saber das condições climatéricas que lhe permitiriam ter melhor ou pior colheita pelo S. Miguel, que em conhecer o que de bom ou de mau se passava para além das fronteiras das respetivas paróquias. O tempo era de fome e, a quem dela padece, as notícias do mundo distante não enchem barriga. A própria imprensa local, cujo primeiro hebdomadário saíra a público em janeiro de 1886 e que no início do século XX contava já com vários títulos em publicação, lutava contra a falta de leitores e com enormes problemas de subsistência, o que levava a que alguns jornais abrissem e fechassem portas após a publicação de apenas umas poucas dúzias de números7. De todo este panorama ressaltava, por fim, um regular número de brasileiros ricos, olhados em geral com grande admiração — e às vezes O poeta d’ “A Minha Terra” | 19

até com alguma inveja — como modelos de cidadãos exemplares; pessoas que, endinheiradas e conhecedoras de outras realidades, deram início, nesse dealbar do século XX, a importantes intervenções ao nível da habitação e da vida social, da melhoria dos espaços públicos e do apoio aos menos favorecidos, as quais levaram a um acentuado crescimento e embelezamento da terra, ao aparecimento de uma vida de receções e saraus nos quais participavam apenas uns tantos eleitos, bem como a um movimento ainda embrionário de filantropia que permitiu a criação de algumas infraestruturas, especialmente edifícios escolares, vias de comunicação terrestre e apoio privado a famílias necessitadas e a doentes pobres8. João Augusto nasceu e cresceu no seio de uma dessas famílias de brasileiros endinheirados e cultos. Criança ainda, pela mão dos pais, assistiu à inauguração, em 1905, do Theatro Club, uma belíssima sala de espetáculos construída a expensas dos seus tios-avós, Elvira de Pontes Câmara e António Ferreira Lopes e, pela mesma altura, à criação de uma corporação de Bombeiros Voluntários, patrocinada pelos mesmos beneméritos e comandada pelo seu avô materno, Emílio António Lopes. Em 1907, já em idade madura e desde há muito acérrimo e as Os jornalistas José da Paixão e Albino Bastos, tios paternos de João Augusto, eram dois dos mais destacados republicanos locais, desde finais da década de 1880

sumido crítico da monarquia, o solicitador e jornalista José da Paixão Bastos (1870-1947), tio paterno de João Augusto, publicou a primeira monografia sobre a Póvoa de Lanhoso, intitulada «No Coração do Minho: a Póvoa de Lanhoso histórica e ilustrada». Por ela sabemos que a população concelhia povoense somava então 16.928 habitantes, distribuídos pelos 4.300 fogos existentes nas 28 freguesias do concelho sendo que, daqueles, 7.498 eram do sexo masculino e 9.430 do sexo feminino. Pela mesma publicação ficamos a saber que já havia escolas do ensino primário em todas as freguesias, a maioria de fundação recentíssima e instaladas em casas arrendadas pela câmara municipal, muito embora existissem 20 | João Augusto Bastos

ainda 4.902 homens e 8. 387 mulheres analfabetos. Sabiam ler 2.596 cidadãos do sexo masculino e 1.043 do sexo feminino9. A partir de 1907, João Augusto, já a frequentar a escola primária, viu a sua vilazinha natal crescer, ser dotada de um conjunto de edifícios e de serviços que tiveram por base, principalmente, os dinheiros que vinham do Brasil, crescimento e melhorias com os quais, alguns anos antes, poucos sonhavam, sequer. Entretanto, em Lisboa, suspenso o rotativismo com o último governo de Hintze Ribeiro, que durara apenas dois meses, João Franco era nomeado, em maio de 1906, para lhe suceder na chefia do ministério. Da governação à inglesa Franco passará para a governação à turca ou seja, mergulhará, com a cobertura do próprio rei, o país numa política ditatorial que virá a causar grandes protestos. Mas nessa altura João

 Praça do município, coração da vila da Póvoa, na primeira década do século XX

Augusto tinha apenas seis anos de idade. Muito jovem, estava longe de se interessar pelos jogos da política que ensombravam a capital, tal como o era para se aperceber da disputa do 1º campeonato de futebol entre clubes de Lisboa e arredores, desporto que dava os passos iniciais no nosso país e que haveria de o apaixonar anos mais tarde, levando-o a ser, no início da década de 1930, presidente O poeta d’ “A Minha Terra” | 21

da direção do Sport Clube Maria da Fonte, a instituição desportiva mais importante da sua terra10. Mais tarde, mantendo-se contudo um apreciador de futebol, virá a ter na pesca o seu hoby desportivo. Da Monarquia para a República Contava o nosso futuro poeta sete anos de idade quando em Lisboa, no Terreiro do Paço, a 1 de fevereiro de 1908, o rei D. Carlos e o príncipe herdeiro D. Luís Filipe tombaram varados a tiro quando, nos bancos estofados de um carro de tração animal aberto, regressavam à capital, vindos de Vila Viçosa11. Apesar da tenra idade, a notícia do regicídio não deve ter passado despercebida ao menino da província, pois por todo o reino se choraram os reais defuntos e se rezaram missas pelas suas almas. O mesmo terá acontecido, aliás, pouco mais de dois anos volvidos, quando, no dia 5 de outubro de 1910, a República12 foi implantada em Lisboa e «transmitida a todo o país via telégrafo». A causa republicana era particularmente querida a muitos dos familiares paternos de João Augusto, os quais viriam a ter, em termos locais e num futuro próximo, papéis de algum relevo, especialmente o tio José da Paixão Bastos, que desde há várias décadas era um  Dário Bastos, primo do escritor, militante comunista, contista e poeta

acirrado crítico da Monarquia13. João Albino de Carvalho Bastos, o pai do poeta, foi também, desde muito cedo, um simpatizante do regime republicano14. Em 1 de fevereiro de 1917 encontrámo-lo sócio, com o nº 3.223, do Centro de Estudos e Recreio António José de Almeida, futuro presidente da República (1919-1923) e amigo pessoal do patriarca familiar António Ferreira Lopes. João Albino viria a ser um dos poucos republicanos da terra que, todos os anos, no dia 5 de outubro, fazia hastear na varanda da sua casa a bandeira verde-rubra15. Sobre este acontecimento marcante da vida portuguesa, João Augusto não nos deixou qualquer apontamento ou memória nos 22 | João Augusto Bastos

A notícia da implantação da República chegou à terra apenas quatro dias depois dos acontecimentos ocorridos na capital ou seja, a 9 de outubro seus escritos futuros, mas a sua experiência não deve ter andado longe daquela que se pode colher nas «Palavras de Abertura» de um livro de seu primo Dário16, três anos mais novo e residente na mesma terra: «Aos sete anos fui para a Escola (…). Poucos dias depois de lá ter entrado, tomei parte numa manifestação patriótica em plena rua. Havia sido proclamada a República e um entusiasmo geral, indescritível, apoderou-se de toda a gente. O professor mostrou-nos os retratos dos principais paladinos do novo regime, e em palavras firmes e concisas, fez-nos uma prelecção. Eu era muito criança, e não entendi bem o que nos disse, mas no entanto fiquei a saber que as coisas tinham mudado para melhor, que se ia fazer justiça (…). Saímos para a rua, e unidos percorremos a vila, empunhando a bandeira verde-rubro e entoando a Portuguesa. Foi um delírio! (…). Os gritos espontâneos, patrióticos, de vivas à Pátria e à República surgiam por todos os lados. Fomos envolvidos por uma massa compacta de povo e as casas ficaram sem ninguém».17 Dário Bastos diz-nos nesta nota que havia entrado recentemente na escola. Sendo três anos mais novo que o primo, é quase certo que este ainda lá andasse, tendo vivido, também ele, todo o ambiente de mudança descrito pelo autor de «Rua». Contudo, se em Lisboa, o impacto das mudanças introduzidas pelo novo regime foi significativo, como se sabe, já localmente as mexidas, em termos práticos, quase não existiram. As palavras de Dário Bastos, que transcrevemos, talvez consubstanciem mais o ambiente vivido na escola que frequentava, ou que a sua memória de criança entusiasmada conseguiu reter, que a realidade a que o concelho assistiu. A notícia da implantação chegou à terra apenas quatro dias depois dos acontecimentos ocorridos na capital do país ou seja, a 9 de O poeta d’ “A Minha Terra” | 23

 Busto da República pertencente ao município da Póvoa de Lanhoso. O original, adquirido em 1910, foi destruído por militares que no edifício da câmara estiveram acantonados durante a Monarquia do Norte, sendo este, no restabelecimento do regime, oferecido pela família do já então falecido Júlio Celestino da Silva

outubro18, através das páginas do hebdomadário «Maria da Fonte» que, de uma pequena e ainda incerta nota de primeira página, saltava para uma página interior com toda a informação que acabara de lhe chegar e na qual condensava os pormenores das movimentações, as palavras de ordem dos líderes do novo regime e, até, a composição integral do novo governo presidido pelo Doutor Teófilo Braga. A encerrar a reportagem, escrevia o cronista local: «Ontem de tarde também foi içada por um popular na câmara municipal deste concelho, a bandeira da República, de maneira que todo o país agora é republicano»19. Nas ruas, e flutuando já ao vento na frontaria dos velhos Paços do Concelho a bandeira da República, realizaram-se, ensaiados pelas crianças da escola primária, os festejos descritos por Dário Bastos. Mas na prática, tirando essas alegrias algo isoladas, muito pouca coisa mudou: tratou-se, na realidade, como que  Jornal Maria da Fonte

de um «baralhar e voltar a dar», com as elites políticas da terra

que anuncia a revolução que levou à implantação da República

a aguentarem-se nos cargos ou, simplesmente, a rodarem de uns para outros, mantendo, contudo, poderes e privilégios. É interessante observar-se, por exemplo, como parte dessas elites que escreviam nos jornais existentes na vila, mudaram estrategicamente de opinião sobre Monarquia e República em espaço de semanas ou, em alguns casos, de dias, apenas. E surgiu até a caricata situação de, tendo o recém-escolhido governador civil de Braga, Dr. Manuel Monteiro, nomeado o médico Abílio Antero Vilela Areias para administrador do concelho («escolha acertada», no dizer do periódico «A Maria da Fonte», que acrescentava «ter sido este nosso preclaro amigo também encarregado de organizar uma comissão municipal que proclame aqui a República e que fique a gerir os negócios do município até nova eleição»), ter o chefe do distrito de substituir o nomeado no curto espaço de umas poucas horas. É que a «escolha acertada» não o fora assim tanto, visto o mesmo governador civil ter verificado, logo de seguida, 24 | João Augusto Bastos

que essa nomeação era incompatível com as funções de facultativo do partido municipal que o Dr. Areias exercia. Para o substituir, foi então nomeado outro médico, o Dr. Adriano Martins, o qual, no dia 11, era finalmente empossado. À cerimónia «assistiram vários cavalheiros desta vila», tendo discursado, para enaltecer as qualidades do novo administrador, o velho escritor e jornalista José da Paixão Bastos, tio de João Augusto e de Dário Bastos. Não obstante, a grande surpresa do ato de posse não foi o facto de Abílio Areias ter sido substituído por Adriano Martins; nem sequer o de, como afirma o citado jornal, «se notar pouco entusiasmo no povo»: a grande surpresa foi o facto de o discurso de afirmação do novo regime, do «despontar de uma nova aurora», ter sido proferido pelo já então ex-administrador do concelho, o monárquico padre Júlio Ferreira Sampaio que, solenemente, afirmaria aos presentes: «Neste momento histórico preciso frisar bem que se ontem combatia com lealdade ao lado da monarquia, que baqueou, hoje, em face do novo regime, diante do qual me curvo respeitosamente, se ele procurar a integridade e bem-estar da pátria e não hostilizar a religião de que sou ministro, não ponho dúvida em exclamar: bem-vindo seja esse regime, viva a república portuguesa!»20 Depois da posse e dos discursos, e quanto no exterior a banda dos bombeiros voluntários tocava «A Portuguesa» perante o já referido pouco entusiasmo do povo, foram nomeados os restantes membros da comissão municipal, hasteada a «bandeira vermelha e verde e proclamada a república». Integravam a comissão municipal os senhores Álvaro Ferreira Guimarães, Inácio Peixoto de Oliveira e Castro, Emílio Geraldo Alves Vieira Lisboa, Alberto Carlos Vieira Alves, Júlio Celestino da Silva e João Alberto de Faria Tinoco21. Para João Augusto, que vivia ali, a dez metros do edifício dos paços do concelho, em pleno coração da vilazinha, a cerimónia deve ter sido uma festa. Não pela queda de um regime e pela ascensão O poeta d’ “A Minha Terra” | 25

 Pe. Júlio Sampaio, Dr. Abílio Areias e Dr. Adriano Martins, três dos protagonistas da implantação da República na Póvoa de Lanhoso

de outro, o que à época pouco lhe devia dizer, nem pelo simbolismo do ato, apesar da alegria sentida pelos seus familiares paternos; mas pelo alegre romper da banda dos voluntários que entoava «A Portuguesa» e pelo bulício que, apesar do pouco entusiasmo do povo, se deve ter gerado na Praça do Município, onde, à época, habitava com seus pais. Mas, regressemos, após esta breve deambulação histórica, um pouco atrás, mais precisamente ao início de 1910. A morte da «santa mãe dos miseráveis» João Augusto não completara ainda 10 anos de idade quando, nos inícios de fevereiro de 1910, assistiu ao choque provocado na terra pela notícia da morte, ocorrida no dia 11, em Lisboa, e chegada na madrugada do dia seguinte via telégrafo, de D. Elvira de Pontes Câmara Lopes. D. Elvira, sua tia-avó, era destacadamente a pessoa mais considerada e amada na terra. Casada com António Ferreira Lopes, com ele formava o casal benemérito que tanta coisa doara nas duas últimas décadas à Póvoa de Lanhoso. E com tamanha dedicação o fazia junto dos pobres e  D. Elvira Câmara Lopes e

das crianças que era por todos chamada «a santa mãe dos miseráveis»22.

seu marido António Ferreira Lopes, brasileiros e tios avós de João Augusto

A sua morte levou a terra a vestir de pesado luto, encerrando por três dias as portas do seu comércio; e, nas semanas que se seguiram ao seu desaparecimento, encheram-se de fiéis, que por ela queriam escutar missa ou rezar particulares orações, as igrejas e capelas de todas as vinte e oito freguesias do concelho. Esta ocorrência deve ter sido outro motivo que marcou a infância de João Augusto, pois Elvira Câmara Lopes não era apenas «a santa mãe» de todos os miseráveis: era também a grande protetora da família. E não podemos deixar de relembrar que os pais de João Augusto eram os sobrinhos preferidos da brasileira das Casas Novas e do marido, António Lopes. 26 | João Augusto Bastos

Em julho de 1910, João Augusto terminava na sua vila natal a instrução primária. Preparadas as malas, partiu em meados de outubro para a vizinha cidade de Guimarães, onde passou a frequentar o colégio de Nossa Senhora da Conceição e onde viria a criar laços de estreita amizade com o Padre José Carlos Veloso de Almeida, natural da freguesia povoense de S. João de Rei e ao tempo professor naquela escola. Sobre este professor e sacerdote, escreveria, anos mais tarde, João Augusto: «O Padre Zé Carlos... Que bom sacerdote/ (com padres assim / parece-me a mim, / seria católico sem nada custar)»23. Era ainda no colégio de Guimarães que se encontrava quando, em 1914, rebentou a I Grande Guerra, ali se mantendo quando Portugal, dois anos volvidos, foi levado a participar ativamente na frente de batalha, em França 24. Aos fins de semana regressava à terra para visitar os seus pais e irmãos, que habitavam, ora na casa dos avós

O poeta d’ “A Minha Terra” | 27

q Praça municipal com o edifício dos Paços do Concelho, ao centro. Na frontaria, hasteada, está a bandeira verde-rubra

 Projeto da escola

maternos, na praça do Município, ora na ala norte do palacete das

primária da vila, mandada fazer no Largo do Amparo, em 1880, pela câmara municipal. Ao lado deste, existia um outro edifício, alguns anos mais antigo, erigido com parte do legado do conde de Ferreira. Aqui concluiu João Augusto a sua escolaridade básica

Casas Novas, para calcorrear os cantos de sua vila da Póvoa ou para refazer o baú de consumos semanais que, fruto da situação de guerra, eram mais caros e mais difíceis de conseguir na cidade. Estudante, emigrante, poeta... Concluído o curso comercial, em 1917, e já com Portugal diretamente envolvido nas batalhas em solo francês, batalhas essas que tantas vítimas viriam a causar no Corpo Expedicionário Português, João Augusto regressou finalmente à Póvoa de Lanhoso. Aí, viveu de perto a inauguração da maior e mais importante de todas as doações de António Ferreira Lopes à sua terra: um hospital, inaugurado a 5 de setembro de 1917 e destinado ao «acolhimento e tratamento de doentes pobres»25. Seu pai foi o primeiro diretor deste hospital, construído em tempo de guerra, de fome e de mortíferas epidemias26. Mas o caminho do futuro poeta, o seu futuro mais próximo, não passaria por permanecer definitivamente na terra natal; não passaria por, à semelhança do que acontecia com outros membros da família, que assim se habituaram a viver, se acomodar à situação de filho, 28 | João Augusto Bastos

João Augusto foi um dos muitos milhares de jovens portugueses que, no início da década de 1920, partiu para o Brasil à procura de riqueza neto ou sobrinho-neto de capitalistas. O seu futuro próximo seria o

q Colégio da Nossa Senhora

tirocínio comercial na cidade do Porto, preparando-se para, pouco

da Conceição, em Guimarães, onde João Augusto estudou e, ao fundo, o padre José Carlos Simões Veloso de Almeida, diretor do colégio e grande amigo do jovem poeta

mais de dois anos volvidos, partir a atravessar o imenso Atlântico à procura de uma vida diferente na chamada terra da promissão. A exemplo do que acontecera na centúria de novecentos, o primeiro quartel do século XX foi tempo de partida de muitos milhares de jovens portugueses para o Brasil27. Procuravam benefícios idênticos aos que, a muitos outros patrícios, a chamada terra da promissão tinha proporcionado nos séculos anteriores, e a alguns continuava ainda a proporcionar, muito embora o número dos que ali enriqueceram fosse muito menor que o daqueles que nunca saíram de uma miséria igual, ou pior, que aquela que os levou a atravessar o «mar oceano». João Augusto foi um desses muitos milhares de jovens portugueses que, no início da década de 1920, partiu para o Brasil onde, apesar do apoio de muitos familiares ali residentes e da proteção que, a partir de Lisboa, recebia do tio-avô António Ferreira Lopes, então comanditário de uma das grandes casas comerciais do Rio de Janeiro — a Castro, Silva & Companhia, sociedade que comercializava e exportava cafés, cereais e couros 28 — a vida lhe não sorriu de todo. Sabe-se que o jovem tinha especial predileção pela cidade do Rio de Janeiro, onde sua mãe nascera e onde se encontrava emigrada grande parte da sua família materna. Não obstante, uma doença à época muito em voga do outro lado do Atlântico — a sífilis — obrigou-o a voltar a Portugal e à sua terra natal, como adiante veremos.

O poeta d’ “A Minha Terra” | 29

A partir desse regresso, seguindo o exemplo de alguns tios e primos que, anos antes, se haviam iniciado nas letras com a publicação de monografias históricas e trabalhos de carácter literário, João Augusto encetou uma carreira similar. Nas décadas de 1920, 1930 e 1940, viria a produzir vasta colaboração para o semanário local «Maria da Fonte», publicando ainda prosa e poesia noutros jornais, portugueses e brasileiros. São brilhantes, na forma e no estilo, e de extrema coragem no conteúdo, quase todos os textos por si assinados que faz publicar em jornais da sua terra, assumindo opinião muito crítica no respeitante à atuação das elites locais, mesmo após a implantação do Estado Novo e da instituição da censura. Sendo João Augusto Lopes Bastos, pelo nascimento, parte integrante dessas elites locais, situação da qual jamais se serviu para colher benefícios de qualquer ordem, as suas posições públicas valeram-lhe, no início,  Largo da Alegria (Póvoa de Lanhoso), nos inícios do século e, em baixo, emigrantes portugueses chegam ao Brasil na década de 1920

alguns amargos de boca; e, mais tarde, fruto de desentendimentos de parte dos seus familiares com figuras emergentes do poder local, onde os cultores da figura de António de Oliveira Salazar secaram tudo à sua volta, ser votado a um completo ostracismo social. Os apoiantes locais do Estado Novo apelidavam-no de reviralhista e de comunista, simpatias que João Augusto nunca confirmou, mas que também jamais desmentiu. No dia 8 de outubro de 1925, o então ainda jovem estudante universitário José Joaquim Teixeira Ribeiro, seu amigo e conterrâneo que, mais tarde, viria a tornar-se professor catedrático, reitor da Universidade de Coimbra e a ocupar o cargo de vice-primeiro ministro de Portugal, enviou-lhe um singelo poema onde se lê: «(…) Desculpa, meu amigo... os versos dum poeta / São lágrimas de sangue e lírios de Titan! / — As lágrimas que esfolham o vento da sarjeta / — O lírio que afemina a aurora de amanhã!» O poema é dedicado a João Augusto, «poeta da Liberdade e da Revolta»29. Cansado de viver num meio pequeno e pobre que lhe limitava os sonhos e lhe regateava qualidades, quis voar mais alto, também, ou 30 | João Augusto Bastos

especialmente, no campo das letras, partiu para Lisboa nos primeiros anos da década de 1930. Aí se instalou, primeiro sozinho e mais tarde com a família, aí desenvolveu atividades comerciais, aí escreveu muitos dos seus poemas, aí publicou os dois livros que daria à estampa em vida, aí conheceu e conviveu com grandes intelectuais da época como Campos Lima, David Mourão-Ferreira, Campos Monteiro, Ferreira de Castro, Rocha Martins, Reinaldo Ferreira (o célebre «Repórter X») ou Martha de Mesquita da Câmara. Apaixonado pelo charadismo, tornou-se figura de proa dos jornais «A Charada» e «O Charadista», diretor de «O Enigma» e um dos principais animadores e dirigentes da «Tertúlia Edípica da Costa do Sol». Mas, mesmo geograficamente distante da sua terra natal, não deixou de manter

 João Augusto fotogrado no Rio de Janeiro com o seu «palhinha»

colaboração regular no semanário «Maria da Fonte», defendendo sempre, mesmo contra o já então afirmado Estado Novo, as suas simpatias democráticas, os seus ideais de liberdade. Sempre que podia, João Augusto regressava à sua terra natal, onde inclusive chegou a possuir uma oficina de reparações de automóveis e venda de acessórios e combustíveis30, mas com a qual apenas conseguiu somar prejuízos. No fim da sua vida, já seriamente incomodado por problemas respiratórios e cardíacos que haviam de o matar, João Augusto escreveu dezenas de cartas a outros tantos clientes da sua já desativada oficina de reparações de automóveis e fornecedora de combustíveis, solicitando-lhes o pagamento de enormes somas que lhe eram devidas por serviços efetuados e não pagos. Grande parte dessas contas, representando, em meados da década de 1960, muitas centenas de contos de réis, nunca foi liquidada pelos devedores. Alguns dos seus empregados e colaboradores também lhe não foram leais e, com o patrão longe, faziam da «Auto Serviço Fontarcada» coisa sua. Quando o poeta morreu, em dezembro de 1965, a sua viúva ficou numa situação económica complicada. Os últimos anos da vida de João Augusto foram tão difíceis na relação com alguns clientes e

O poeta d’ “A Minha Terra” | 31

 João Albino de Carvalho Bastos, pai de João Augusto. A moda dos «palhinha» esteve tão em voga nos anos de 1920 a 1940 que, mesmo quem nunca esteve no Brasil, como João Albino, não deixavam de os usar

 João Augusto (à direita), fotografado no Brasil com um amigo

32 | João Augusto Bastos

sobretudo com um familiar e sócio nos negócios da oficina, que as cartas por ele enviadas a cada um deles são, mais que uma intenção de cobrança, sentidos lamentos. Numa dessas missivas, datada de 17 de maio de 1964 e dirigida a um familiar, depois de se queixar da falta de seriedade que este colocava nos negócios comuns, dizia: «(...) És da Póvoa, e ‘bonda’! Eu também aí nasci, mas foi por engano. Graças a Deus que não vivo aí, nem quero, e tudo farei para que os meus ossos não sejam comidos por essa terra». Este homem, agora mirrado pela doença e amargurado pela injustiça e pelo incumprimento alheio, era o mesmo que, menos de uma década antes, escrevia: «Na Póvoa nasci, / na Póvoa casei, / na Póvoa fui pai. / Em toda a Província / Província do Minho / não há para mim, / mais terno cantinho / mais belo canteiro / mais lindo jardim»31. São assim as relações de amor-ódio — ou de simples desilusão? — quando a terra que amamos nos maltrata. Contudo, apesar de um fim de vida de muita desilusão e sofrimento, João Augusto amou muito a Póvoa de Lanhoso. E não podemos esquecer que foi o seu poeta mais premiado.

O poeta d’ “A Minha Terra” | 33

34 | João Augusto Bastos

 Mais novo sete anos que João Augusto, José Joaquim Teixeira Ribeiro viria a ser um dos seus grandes amigos de juventude. Em baixo, anúncio da Mala Real Inglesa num jornal dos finais do século XIX, cujo agente na Póvoa de Lanhoso era o avô paterno de João Augusto  Pormenor do centro da vila da Póvoa de Lanhoso nos anos 1910 e, na foto inferior, igreja de Fontarcada, onde o futuro poeta foi batizado  Largo do Amparo em dia de feira do gado, cerca de 1900 e, em baixo, avenida da República na década de 1930 O poeta d’ “A Minha Terra” | 35

 O coração da vila da Póvoa nos finais da década de 1930

36 | João Augusto Bastos

[Verdes anos] Nascimento e batizado João Augusto Lopes Bastos nasceu às duas horas da madrugada do dia 26 de agosto de 1901, uma segunda-feira, na metade da vila da Póvoa de Lanhoso então pertencente à freguesia de Fontarcada1, vindo a falecer na Parede, concelho de Cascais, a 8 de dezembro de 1965. Sua mãe, Elvira Maria Lopes Bastos, popularmente tratada pelo diminutivo «Vivi», era a sobrinha predileta do riquíssimo casal de brasileiros Elvira de Pontes Câmara Lopes e António Ferreira Lopes, beneméritos e figuras dominantes na terra. «Vivi» ficou na memória dos povoenses como grande atriz de teatro amador2. O pai, João Albino de Carvalho Bastos, que poucas semanas antes do nascimento deste primeiro filho abrira na vila um estabelecimento onde comercializava «lanifícios, fazendas brancas, miudezas e quinquilharias», o qual batizara como Casa Central3 era, também ele, um homem dedicado às artes, especialmente à música, quer como instrumentista, quer como compositor. Criou mesmo uma pequena orquestra local, e devem-se-lhe alguns dos sa-

 Elvira Maria e João

raus musicais que, na primeira metade do século XX, alegraram as

Albino Bastos, pais de João Augusto

tardes de domingo no Theatro Club, bem como a composição de um conjunto de hinos para algumas instituições da terra. São de sua autoria, entre muitas outras peças musicais, o hino do Clube Povoense e a marcha dos Inseparáveis4. Habitava o jovem casal, ao tempo do nascimento do futuro poeta, no palacete das Casas Novas, residência na terra dos tios brasileiros, O poeta d’ “A Minha Terra” | 37

 Notícia do semanário Maria da Fonte sobre o nascimento de João Augusto e assento paroquial de batismo na igreja de Fontarcada

que sempre protegeram e amaram esta sobrinha como se nela vissem a filha que não tiveram. Elvira Maria e João Albino eram, aliás, uma espécie de fiéis guardiães de toda a enorme residência apalaçada, construída a partir da década de 1890, já que os Elvira e António Lopes residiam em Lisboa durante a maior parte do ano e só ali vinham passar dois ou três meses, na altura das colheitas. Foi, pois, nesse belíssimo palacete a que chamavam das Casas Novas, a mais sumptuosa casa de habitação da vila e o principal local de convívio sociocultural da pequena localidade minhota, que João Augusto veio a este mundo. Era o primeiro dos seis filhos que o casal viria a ter. O seu batizado, no qual marcou presença a melhor sociedade povoense da época, realizou-se na igreja de Fontarcada a 22 de setembro do mesmo ano, em cerimónia presidida pelo padre António Joaquim Barbosa, sendo padrinho do nascituro o avô materno, Emílio António Lopes, e madrinha a avó paterna, Joaquina Rosa Pereira. No final da cerimónia religiosa, que teve direito a reportagem na imprensa local, foi aos convidados servido um jantar na casa do avô e padrinho, «e à noite dançou-se animadamente até altas horas»5. 38 | João Augusto Bastos

A família Elvira Maria Lopes, a mãe de João Augusto, era brasileira por nascimento. Filha de Emílio António Lopes e de sua primeira esposa, a açoriana da Ilha de S. Miguel Maria Augusta de Moniz Lopes, nasceu na paróquia de Nossa Senhora da Glória, na cidade do Rio de Janeiro, cidade onde seus pais se encontravam emigrados, no dia 11 de junho de 18796. O pai, João Albino de Carvalho Bastos, nasceu na vila da Póvoa de Lanhoso no dia 19 de Setembro de 18807, filho do comerciante João António de Carvalho Bastos e de sua esposa, Joaquina Rosa Pereira.

Ainda jovem, Elvira Maria regressou com a família à Póvoa de Lanhoso, estava a última década do século XIX a meio. Seu pai tinha amealhado no Brasil significativo pecúlio, o qual lhe permitiu, ao regressar, levar uma vida bastante acima da média na pequena vila de então, terra em cujo coração adquiriu uma boa propriedade, a Casa do Eirado, e na qual, depois de grandes obras de remodelação passou a residir com os filhos e a esposa8. Ali instalado, Emílio António, para além de administrar os próprios bens9, desempenhava uma missão que lhe dava enorme visibilidade O poeta d’ “A Minha Terra” | 39

 O palacete das Casas Novas e, à direita, a ala norte, onde João Augusto nasceu. Em primeiro plano nesta imagem vê-se a mãe do futuro poeta e, na varanda, seu pai

e proveito: era o procurador do irmão mais velho, António, «opulento capitalista» que, embora residindo em Lisboa a maior parte do ano, tinha na Póvoa de Lanhoso enorme intervenção económica e filantrópica. A Emílio António cabia a responsabilidade de gerir as várias quintas e quintais adquiridos pelo irmão António, bem como a de negociar outras propriedades e conduzir as muitas e grandes obras que o benemérito encetara na sua vila natal. É nessa qualidade, espécie de lugar-tenente, que diversíssimas vezes aparece identificado em escrituras notariais e nas atas da câmara municipal do primeiro quartel do século XX, solicitando licenças de obras, intermediando permutas e doações de terrenos ao município, procedendo a pagamentos e, até, representando o irmão em questões jurídico-administrativas. António Ferreira Lopes era, desde que regressara do Brasil, em 1888, a figura tutelar da Póvoa de Lanhoso. A fortuna que trouxera do Rio de Janeiro permitira-lhe iniciar uma «revolução» na terra, comprando terrenos e construindo prédios, rasgando ruas, alindando espaços públicos, emprestando dinheiro, a juros ou sem eles, ajudando amigos em dificuldades, doando terrenos e significativas verbas ao município e praticando muitos outros atos de benemerência. Parte das grandes festas públicas que se realizavam na terra eram por si integralmente pagas, chegando algumas dessas manifestações festivas a contar com a atuação conjunta de quatro a seis bandas filarmónicas, que atuavam ao despique. Para além disso, poucas obras de vulto se iniciavam sem que a câmara municipal o quisesse ouvir. Era por tudo isso reverenciado por políticos, magistrados, profis João António e Joaquina Rosa, avós paternos de João Augusto

sionais liberais, altos funcionários das repartições do Estado e pelo clero. Quando se encontrava na sua casa da Póvoa de Lanhoso, o casal promovia requintadas receções e banquetes, e, se alguma figura de prestígio visitava a terra, fosse ministro ou bispo, era nas Casas Novas que pernoitava. Quando, pelo fim do verão, em geral depois de mais uma viagem de alguns meses pela Europa, regressava à vila 40 | João Augusto Bastos

natal acompanhado pela esposa e muitas vezes por outros familiares e amigos, era o casal recebido com foguetes, iluminações nas ruas e arraiais populares, enquanto a sua residência se enchia das figuras mais importantes do meio que iam apresentar as boas-vindas, o mesmo acontecendo quando partia10. Mas não eram apenas os mais ricos que encontravam os portões das Casas Novas escancarados. Também ali acorriam, às vezes em magotes de dezenas, crianças de aspeto andrajoso e mães famintas que, quer da parte de António Lopes, quer especialmente da de sua esposa D. Elvira, encontravam sempre a mão amiga que lhes aliviava a fome e o frio. Apesar de ser um homem bastante rico para os padrões da terra, Emílio António estava a muitos milhares de contos de reis de distância do mano mais velho. Porém, residindo este em Lisboa durante a maior parte do ano, era a Emílio António que cabia representá-lo, com a influência que esse estatuto lhe garantia; estatuto que durante décadas se estendeu a quase todos os membros da família Lopes e aparentados. Elvira Maria, a «Vivi» era, por tudo quanto atrás ficou dito, um dos melhores partidos da terra. Por tudo isso e pela sua enorme beleza. E ainda pela excecional formação que seus pais e tios lhe tinham proporcionado: lia e falava fluentemente francês, tinha viajado diversas vezes pelo coração de Europa, tocava piano, tinha maravilhosas histórias para contar e, como se tanto fora ainda pouco, destacava- -se como a mais talentosa atriz amadora que a Póvoa de Lanhoso já vira em palco, sendo o teatro amador apreciadíssimo na terra. «Senhora muito culta, sensível, profunda conhecedora da arte de representar, a sua sensibilidade, a sua presença, a sua voz, as suas interpretações magistrais deixaram marcas profundas e assinalaram toda a história do teatro amador [povoense]», escreveu, sobre ela, o historiador José Bento da Silva11. João Albino de Carvalho Bastos, seu futuro marido, habitava com os pais a cinquenta metros de distância da casa do Eirado. Filho de

O poeta d’ “A Minha Terra” | 41

 Emílio António e Maria Augusta Moniz, avós maternos do poeta

 A praça municipal antes

um dos mais fortes comerciantes da praça povoense de então era,

de 1910. Emílio Lopes, avô materno de João Augusto, habitava na primeira casa de cor escura, do lado esquerdo da imagem. Anos depois, mandaria cobrir as paredes de azulejos verdes, exatamente iguais aos do palacete do irmão António

da mesma forma dado às artes, especialmente à música. E tinha também boa figura física. Não é difícil perceber, pois, que apesar de algumas reações negativas da família da moça — apesar de tudo, o estatuto económico que separava ambas as famílias era muito grande — viriam a apaixonar-se, e a casar no dia 2 de dezembro 190012. Deste amor, digno de um romance de Camilo, nasceu, ao nono mês de casamento João Augusto Lopes Bastos, o primeiro dos seis filhos que o casal viria a ter: Anita, Alfredo, António («Toneca»), Arlindo («Lindoca») e Maria Elvira Lopes Bastos. A infância Os primeiros anos de vida passou-os o pequeno João Augusto a brincar nos bonitos jardins e quintais do palacete das Casas Novas, delici42 | João Augusto Bastos

ando-se com a fruta do imenso pomar da propriedade, com o lago artificial que ali havia sido construído, ou, então, sentado aos pés da sua mãe brasileira num dos grandes salões decorados à belle-époque, ouvindo as



histórias que «Vivi» lhe contava, envolvendo «negras negrinhas» ou curiosos episódios vividos em «muitas nações aonde passou», como o próprio recordaria no poema «A Minha Terra»13. Ao pai, escutava-o a interpretar ao violino ou ao piano algumas peças musicais de sua autoria ou a divagar sobre as grandes obras ou os não mais pequenos negócios nos quais o «tio Lopes», aos poucos, o foi introduzindo em substituição do sogro. Pelos seis anos João Augusto Lopes Bastos iniciou, com o professor Freitas Guimarães, a instrução primária na escola da vila, algumas décadas antes construída por doação do Conde de Ferreira. «Ao cimo da vila ficava a escola / (que já não existe, que já não se vê) / aonde, à semana, de bibe e sacola / eu ia contente com meu abecê»14. Terá sido por essa mesma altura que, tal como todo o rapazio da sua idade, aproveitou as muitas saídas à rua para palmilhar os recantos da terra, do bairro pobre da Portela ao monte do Pilar, dos Fornos ao Alto da Bela, de Valdemil a S. Pedro ou aos Moinhos Novos, conhecendo e falando com as figuras populares e ouvindo contar aos mais velhos histórias antigas, que povoaram a sua memória futura e serviram anos depois para redigir

 O pequeno João Augusto

alguns dos seus mais belos textos literários. O Castelo de Lanhoso,

de bibe e, na foto inferior, largo do Amparo na década de 1910. Nas duas pequenas casas brancas, à direita, funcionava a escola da vila

que da vila onde o pequeno morava se via recortado contra o céu azul no altíssimo monólito granítico do Pilar, foi outra das suas fontes de inspiração: «Um velho castelo, relho / de rendas negras de granito / e punhos de veludo muito velho (…) / da tua boca o brado

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 O benemérito António Lopes e os sobrinhos «Vivi» e Américo Lopes. Sentados, João Augusto (ao centro) e seu irmão Alfredo (à direita na imagem). Anos mais tarde, seria Américo Lopes o grande protetor de João Augusto e seus irmãos, na passagem destes pelo Rio de Janeiro  Abaixo: postal de João Augusto à mãe (s/ data), enviado para a Póvoa de Varzim

44 | João Augusto Bastos

/ que havia de ecoar no mundo inteiro. / Foi de lá que partiram / as hostes de Afonso Henriques / os guerreiros que novas terras viram, / tomaram e venceram. /Castelo de Lanhoso, / famoso»15. A consoada minhota, onde «ninguém quer faltar à ceia / pois é farta a boa mesa / Não há vila nem aldeia / onde não haja franqueza / Não faltam as rabanadas / mais loiras que um trigal / e o vinho verde, às canadas / das vinhas de Portugal / (…) / Há mais fogo na lareira / e calor nos corações / Cada aldeia é uma fogueira / a queimar recordações (…)» 16 é outra das mais fortes recordações de infância de João Augusto, a qual canta em dezenas de poemas escritos ao longo da vida. E, quando, na terra natal, não encontrou mais escola onde pudesse alimentar a sua fome de saber, por ter concluído, em julho de 1912, com a classificação de «óptimo», o 1º grau do ensino17, partiu para a cidade vizinha de Guimarães, onde ingressou no Colégio de Nossa Senhora da Conceição, primeiro, passando depois a frequentar o Liceu da cidade onde, em 1914, realizou com aproveitamento o exame de 2º grau18. Deslocou-se depois para o Porto onde, em 1916, concluiu no Colégio Universal o curso de comércio, voltando de seguida aos torrões de origem19. A Europa encontrava-se envolvida na Primeira Grande Guerra, na qual participava já o Corpo Expedicionário Português que tantas baixas sofreu. Também da Póvoa de La-

 Joaquim José de

nhoso haviam partido soldados e regressado cadáveres. Também

Oliveira Freitas Guimarães, professor da escola da vila de finais de século XIX até à segunda década do século XX. A ele se deve a organização dos prémios escolares patrocinados por António Lopes. Na foto inferior, Arlindo, dito «Lindoca», irmão de João Augusto

a Póvoa de Lanhoso sentiu os horrores da «febre espanhola» que acompanhou o fim da Guerra e que tantas vidas ceifou20. Em tempo de espera para outras andanças, João Augusto foi uns meses para o Porto, praticar no escritório de um amigo da família. Era ali, residindo na Rua do Correio, nº 26, que se encontrava em janeiro de 1918, quando, da irmã Anita, recebeu um postalzinho que dizia: «Como tens passado? Recebeste o farnel? Que tal, gostaste? Espero que sim. Eu vou entrar para o Colégio. Tens passeado muito? Da tua irmã muito amiga, Anita Bastos».

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 A mãe, «Vivi», com os filhos «Toneca», Mariazinha e Maria Beatriz (ao colo da mãe)  Carta de João Augusto aos pais, datada do Porto (7 de maio de 1915). Entre finais de 1914 e meados de 1916, frequentou João Augusto o Colégio Universal portuense, onde concuiu o curso comercial  Na página seguinte, um bilhete aos irmãos Anita, Alfredo e Toneca

46 | João Augusto Bastos

 Os irmãos António Lopes Bastos, dito «Toneca», em 1926, e Mariazinha, a mais nova de todos, ainda viva e atualmente com 92 anos de idade

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Da segunda cidade do país, de onde regularmente regressava à terra natal para visitar os pais e os irmãos, assistiu com grande espanto a todas as mudanças que Portugal e o mundo viviam, enquanto fazia um compasso de espera para a grande viagem que, desde há muito, sonhava e preparava: ir conhecer a terra onde a mãe nascera  Em dia de comunhão solene e, à direita, páginas de identificação do primeiro passaporte de João Augusto

e onde a família materna tinha sabido «abanar a árvore das patacas». No Brasil Tinha 18 anos de idade, um metro e 74 de altura, cabelos louros e olhos azuis. São estes os chamados sinais que constam do seu primeiro passaporte, obtido no governo civil de Braga aos oito dias do mês de Março de 1920. O mesmo documento refere expressamente que o destino do requerente era o Rio de Janeiro e que partia «espontaneamente e sem contrato ou subsídio». Tudo fora organizado para acontecer depressa. Com o passaporte 48 | João Augusto Bastos

em mãos, João Augusto partiu da Póvoa de Lanhoso para Lisboa, obteve «visto» no consulado do Brasil a 27 de Março de 1920, e menos de um mês depois, a 23 de Abril, abalava da capital portuguesa a bordo do paquete «Hollandia». Com João Augusto, viajavam outros dois irmãos, Alfredo e «Toneca», e um tio, Armando Lopes, mais novo que ele, nascido do segundo casamento do avô Emílio António com D. Flora Campos Lopes21. A travessia oceânica demorou onze dias, tendo os rapazes sido acolhidos no porto do Rio de Janeiro a 4 de Maio.

Do outro lado do Atlântico havia familiares à sua espera. Encontrámos esses laços numa carta dirigida por um tio, Américo Lopes, a sua irmã Elvira Maria, mãe do jovem, datada de 11 de Março de 1920. «Mana, para começar, toma lá um milhão de abraços! Mas distribui alguns pelo cunhado e sobrinhos, se bem que estes (com excepção de Anita e Lindoca, já se vê), vamos em breve ter a alegria de vê-los aqui entre nós, sendo esperados com muita ansiedade. Calculo como te vai custar a separação! Mas podes ficar tranquila que tudo faremos por eles, na medida das nossas forças»22. Na mesma carta, Américo Lopes vai sugerindo que a família trate de, em Portugal, promover o emprego de que os jovens precisavam: «Não poderiam arranjar aí, com o Cândido Sotto Maior? Uma carta

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 O paquete «Hollandia» e a bilheta da vacinação que, a bordo do navio, era ministrada aos passageiros

de apresentação para a firma Sotto Maior e Cª., conforme já lembrei? Seria ótimo, porque trata-se de uma casa de primeiríssima ordem e talvez o João Augusto ali se empregasse, principalmente ele, tendo alguma prática de escritório; já aqui, é quase impossível colocá-lo na referida casa». Ainda pela mesma missiva, sabe-se que o próprio António Lopes estava empenhado em ajudar os sobrinhos: «O Sr. Heitor Ribeiro já me disse que ficava com um, atendendo de boa vontade ao pedido que o tio Lopes lhe fez por carta». A estada de João Augusto no Brasil (que, como se verá, foi breve), pode seguir-se pelas cartas que, vindas do outro lado do Atlântico chegavam à família, todas enviadas por Américo Lopes. Noutra dessas cartas, datada de 30 de Abril de 1920 e dirigida a António Ferreira Lopes, escrevia Américo: «Meia hora antes da entrega da sua carta, recebi o seu telegrama anunciando a partida do Armando, João Augusto e Alfredo (...). Já lhes preparei, aqui na “Castro Silva”, um quarto, e oxalá que se coloquem breve e ao agrado de todos...  Américo Lopes (foto de 1939), tio e protetor de João Augusto na sua passagem pelo Rio de Janeiro

o que será mais difícil»23. João Augusto, como os irmãos (como, aliás, vários milhares de outros jovens portugueses, residentes especialmente no norte de Portugal e que, naquela altura, partiram em grandes grupos para a chamada terra da promissão) procuravam no Brasil uma situação económica desafogada, a exemplo daquilo que no século anterior acontecera com alguns outros compatriotas, entre os quais tinham como exemplos vivos o avô Emílio António e, muito especialmente, o tio-avô António Ferreira Lopes. Mas não se pense que todos aqueles que partiram para essa aventura em terras brasileiras tiveram sucesso. Na verdade, por cada brasileiro que voltava rico à terra natal, com os dedos carregados de anéis de brilhantes e os cofres a abarrotar de dinheiro, com a caneta e os óculos com aros de ouro de lei a ornamentar-lhes o bolso de peito do terno claro ou o Patek-Philippe preso à botoeira por grossa corrente, e que, regressados ou mandando de lá dinheiro para o efeito a cargo de um familiar de 50 | João Augusto Bastos

confiança, compravam propriedades imensas e construíam bonitos palacetes, eram centenas e centenas os que regressavam tão pobres como partiram, e milhares os que nunca mais voltavam, por se não quererem apresentar à família e aos vizinhos com pouco mais do que a roupa que traziam vestida24. João Augusto não foi um desses emigrantes que por lá ficaram, pobres, quando não indigentes, vivendo e morrendo às escondidas dos patrícios, com o coração despedaçado pela saudade da família e da paisagem natal. Mas também não fez parte do grupo dos que regressaram ricos ou sequer remediados. Instalado na cidade maravilhosa, e apesar da proteção familiar de que dispunha, não conseguiu singrar, mantendo-se como empregado de uma casa comercial que pagava mal e tardiamente. É mais uma vez pela pena de Américo Lopes que conseguimos saber da vida do futuro poeta, enquanto este ali permaneceu: «Entreguei ao João Augusto e ao Alfredo as tuas cartas, achando-se ambos colocados, o que já te mandaram dizer, por certo. O Alfredo25 apresentou-se logo ao Heitor Ribeiro, aonde ficou empregado. Acredito, porém, que faria mais facilmente carreira noutro ramo de negócio: fazendas, por exemplo. Dou-te, está claro, esta minha opinião sob reserva, esperando que me mandes dizer

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 Rio de Janeiro, em 1920. Em baixo, largo e rua de S. Bento, onde a Castro, Silva & Cia tinha escritórios

o que pensas a respeito da carta do tio para o Heitor, isto é, se foi para ele, Alfredo, se colocar mais depressa, embora provisoriamente, ou se o tio é de parecer que o Alfredo ali se conserve. Depende do que me mandares dizer, arranjar-se outra colocação, o que talvez não seja difícil conseguir, dada a boa vontade que o Alexandre tem demonstrado em colocar teus filhos». E Américo Lopes continua esta carta à irmã «Vivi», referindo-se agora expressamente ao futuro do nosso biografado: «Quanto ao João, como sabes, trouxe uma carta para o Sr. Oliveira, de Pinto e Cª, que já me havia prometido colocá-lo na firma Sotto Maior e Cª, escorado numa promessa que o chefe desta firma lhe fizera anteriormente. Infelizmente, nada se conseguiu, mau grado os esforços empregados, e quando já tínhamos outra colocação em vista, quase certa, arranjada por intermédio do Alexandre, os meus chefes chamaramme para dizer que, uma vez que nada se tinha conseguido naquela importante firma, o João Augusto ficava aqui pelo escritório provisoriamente, até que se lhe pudesse dar um lugar definitivo. À vista disso, nada mais tinha a fazer. Eram ordens... Disseram-me mais: que parecia que o filho do Sr. Sousa, que  Rio de Janeiro, 24 de

trabalha na Exportação, ia com o pai para a Europa, indo então o

novembro de 1920: da esquerda para a direita, Armando Lopes, José Lopes Fernandes, um jovem que não identificámos e João Augusto

João Augusto para o seu lugar. Ambos, assim como o Armando, estão dormindo na “Castro & Silva”. Quanto à diferença de génios, notei logo! Mas o essencial é que sejam cumpridores dos seus deveres, porque, quanto ao seu futuro, é o ‘xis’ do problema, restando-nos pedir a Deus que sejam felizes e vítimas, o menos possível, das injustiças dos homens! Eles têm jantado connosco aos domingos e ainda ontem jantamos todos na casa da sogra 26». 52 | João Augusto Bastos

Os meses passavam. João Augusto mantinha-se na «Castro & Silva» e, ao que se lê na correspondência de Américo Lopes, se não estava completamente satisfeito com o emprego e com o ordenado, estava-o pelo menos com o ambiente do Rio de Janeiro, com a vida alegre e arejada que a belíssima cidade lhe proporcionava. Não podemos esquecer-nos que, para um jovem que nascera e crescera numa pequena e pacata vilazinha do interior minhoto, mesmo tendo conhecido de fugida duas das principais cidades do norte de Portugal, a grande metrópole em que se constituía a capital do Brasil, o seu clima quente, as suas praias paradisíacas, toda a sua beleza natural e, porque não dizê-lo, os bonitos rostos femininos com quem convivia, devia ser assombroso! Desde que chegou ao Rio de Janeiro, como se afere pelas cartas trocadas entre familiares, João Augusto nunca deixou de trabalhar na «Castro & Silva», o empório que anteriormente se intitulara «Câmara & Gomes», que comercializava cafés, cereais e couros e fora fundada O poeta d’ “A Minha Terra” | 53

 Família Bastos pouco antes de os filhos mais velhos partirem para o Brasil. Em pé, Toneca, Alfredo e João Augusto. Sentados: João Albino Bastos e a esposa, Elvira Maria. No centro, os filhos mais novos, Arlindo e Mariazinha

pelo sogro do seu tio-avô António Ferreira Lopes, e na qual este era, agora, sócio comanditário, mesmo tendo fixado residência em Portugal. Ali, Américo Lopes, o tio que temos vindo a referir, era, no fundo, aquele que lhe garantia proteção. Empregado com pequeno interesse na casa comercial, funcionava como uma espécie de observador de António Lopes e, nessa qualidade, embora com poderes reduzidos, sempre conseguia ir protegendo os sobrinhos27. Essa proteção encontra-se bem patente nas muitas cartas que continuou a enviar à irmã e ao cunhado, pais do nosso poeta: «O João, como já sabes, ficou mesmo pela Castro & Silva, na secção de exportação. Acho que ele ali aproveita mais do que aqui no escritório, quero dizer, se tiver boa vontade, acaba sabendo alguma coisa proveitosa. Não é como eu aqui entre os livros de contabilidade, em que se perde inúmeros anos e não se passa de correctista-correspondente e, quando muito, guarda-livros! Guarda-livros há-os por aí até de mais! Um empregado de escritório substitui-se com relativa facilidade, agora um vendedor de praça, um conhecedor enfim dum determinado artigo e que lida com a freguesia, esse sim, impõe-se sempre, faz carreira e pode-se estabelecer-se dum dia para o outro, até sem capital próprio, o que não acontece comigo, por exemplo; saindo daqui não presto para mais nada! Fica-se até embrutecido! Não  João Augusto e Alfredo, seu irmão, viajaram juntos para o Brasil. Após o regresso do irmão, Alfredo ficou mais alguns anos no Rio de Janeiro

precisamos ir mais longe: olha o Arlindo, o Alexandre»28. Não obstante as observações feitas por Américo Lopes nesta carta de 24 de agosto, João Augusto não ficaria muito tempo na secção de exportação. Em finais de setembro do mesmo ano de 1920 já o tio informava, desta vez a sua irmã, mãe do jovem, que o filho de um tal Sousa, «que havia saído, depois de experimentar outros empregos, foi readmitido na casa» para ocupar o antigo posto. João Augusto voltou ao escritório, às contas, aos balancetes, à atividade de contabilista que o tio Américo tão amargamente criticava. Todas estas mudanças profissionais e uma vida algo desregrada, como numa carta que adiante se transcreverá, se pode ler, parecem 54 | João Augusto Bastos

ter mexido com a sua saúde, pois é ainda Américo quem informa a irmã, em setembro de 1920, que «o João Augusto tem andado às voltas com os intestinos»29. Doença e regresso à terra natal Na totalidade, João Augusto viria a permanecer no Rio de Janeiro pouco mais de um ano. Nos últimos meses de permanência deixou-se tomar pelo desânimo que, a dada altura, se transformou em doença: as saudades da sua terra «mexiam-lhe com o intestino» e, para piorar a situação, viu-se infetado por sífilis30. Na «Castro & Silva» o seu lugar não era fixo: trabalhou no escritório, semanas depois foi transferido para a secção de exportações, até que, por arranjos dos patrões, regressou ao escritório. O pequeno ordenado mensal de 150$00 fazia-o desejar emprego numa casa de fazendas, área em que se empregaram seus irmãos Alfredo e Toneca, os quais auferiam pela mesma altura, respetivamente, 220$00 e 200$00 . Em janeiro de 1921, João Augusto continuava a 31

ganhar 150$0032, bastante menos que o tio Armando, que partira de Portugal no mesmo barco e que ganhava já, mensalmente, 250$0033. Vista a situação, em agosto de 1920 Américo Lopes volta a interceder pelos sobrinhos: «Pelo cunhado João, o tio [António Lopes] já deve estar informado de que o João Augusto ficou aqui na Casa e que o Alfredo irá para a Amoroso Costa & Cª, à vista de sua aprovação. O Armando está numa casa de fazendas — a Sequeira

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 Avenida Rio Branco, no Rio de Janeiro, onde se situava a sede da firma Castro & Silva

 João Bastos, pai de João Augusto, pertencia às elites locais da Póvoa de Lanhoso. A partir de 1912 foi o encarregado de administrar a construção do hospital António Lopes e, entre 1917 e 1927, seu diretor. Em 1928 seria um dos irmãos fundadores da Misericórdia local

& Leite. Pelo Toneca farei tudo que estiver ao meu alcance, mas se vem consignado ao Alexandre, segundo mandou dizer o João, está bem recomendado»34. E em abril do ano seguinte, dá conta da situação dos sobrinhos ao cunhado João, marido de «Vivi», sua irmã e mãe de João Augusto: «(...) Tratemos agora de teus filhos. O Toneca, como já deves saber, desempregou-se, pois a casa em que trabalhava despediu 14 empregados. Eu e outros amigos estamos cavando novo emprego. Ele agora vai passando bem, não tendo vocês motivo para estarem apreensivos. O médico fez-lhe um exame minucioso e confirmou tudo o que escreveu o Dr. Pinto Bastos: muita e muita sífilis! O que ele precisa é do tratamento específico usual, mas muito rigoroso, e por isso ele tanto pode fazer aqui como aí. É certo que aqui não lhe será tão fácil tratar-se como deve, por ter de sair nas horas de trabalho, poderá mesmo relaxar e mais tarde sofrer as consequências. Portanto, vocês aí resolvam. Digam-me o que querem que se faça e eu providenciarei imediatamente da melhor boa vontade, qualquer

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t 3 de Abril de 1921, «festa

que seja a vossa resolução. Devo acrescentar que o Toneca quer ir, insistiu mesmo para que eu lhes dissesse que era favorável à sua partida... Será vontade de tratar-se? Saudades dos papais? Ou preferirá a vida folgada daí? Não sei. Quanto ao João Augusto, mais ou menos a mesma coisa no que diz respeito a tratar-se aí. Ele não mostra empenho em voltar, diz que se for preciso vai, mas que em ficando bom volta de qualquer maneira, ainda que tenha de comprar a passagem com as economias do trabalho... Dos intestinos continua na mesma - ora com uma prisão de ventre horrível, ora com uma diarreia que não para mais... Agora queixa-se dumas pontadas, dizendo o médico que é uma pleurisia, que para tratar-se não precisa sair daqui, mas que naturalmente só terá a lucrar tratando-se perto da família e com os ares do campo; sendo ele fraco e a dieta uma necessidade imperiosa, poderá ter aí perto de vocês mais perseverança no tratamento, evitando que faça extravagâncias, etc., etc. Ele aqui, o que até certo ponto é natural, deita-se tarde, vai a bailes, conhecendo

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de aniversário do Paulo», filho de Américo Lopes. Esta fotografia foi tirada pouco antes de João Augusto regressar a Portugal. Em carta transcrita no corpo do texto, Américo Lopes faz referência a esta festa, adiantando: «No domingo, aniversário do Paulo, foram todos a Corrêas e pintaram o diabo! O que sei é que os ‘doentes’ não deixaram de pular, correr, dançar, montar a cavalo, comer e beber de tudo». João Augusto, de braços cruzados, é o segundo da direita para a esquerda, dos que estão sentados no chão

vocês melhor do que eu seu génio alegre, estando sempre disposto a tudo que for pagode. E isso só vocês poderão corrigir. Enfim, resolvam como acharem mais prudente. Nada resolvi de pronto, em virtude de nenhum dos casos ser de urgência».

A carta que temos vindo a citar é longa, contudo excelente instrumento de trabalho para o historiador que nela encontra bom e bem descrito pedaço da vida dos jovens emigrantes povoenses. Acompanhemos Américo Lopes, que continua com o ponto da situação: «Como sabes, o bom tio Lopes pagou a Beneficência e as camas dos que vieram primeiro. Para o Toneca nenhuma ordem veio nesse sentido e como ele precisou de internar-se, falei com o Sr. Barão35 para fazê-lo sócio e debitar ao tio a contribuição, com o que ele concordou, certo como estava de que essa seria  Dr. Adelino Pinto Bastos, médico e amigo do pai de João Augusto. Aconselhou os pais a mandarem regressar o jovem emigrante, que padecia de sífilis e pleuresia  Fotografia inferior: Fachada do Hospital da Beneficência Portuguesa no Rio, onde os irmãos de João Augusto estiveram internados

mesmo a vontade do tio. Como o Toneca na ocasião tinha onde dormir, não lhe comprei cama, mesmo porque ele tendo-se empregado logo, disse-me que a compraria a sua custa. Foi infeliz, porque agora precisando da cama desempregou-se e ficou sem dinheiro... Precisando também pagar a pensão de almoço e alguns jantares, importando tudo em 127$000 reis, dei nota para a firma te debitar em conta, certo de tua aprovação. Ao Alfredo parece que não há mal que lhe chegue e que está satisfeito com o emprego. Ainda bem! O Armando esteve um mês e alguns dias na Beneficência, tendo saído há uma semana, bom, mas muito fraco. No domingo, aniversário do Paulo36, foram todos a Corrêas e pintaram o diabo! O que eu sei dizer é que os ‘doentes’ não deixaram de pular, correr, dançar, montar a cavalo, comer e beber de tudo...»37.

A carta que acaba de se transcrever, quase na íntegra, pode parecer fastidiosa ao leitor menos interessado. Mas é um documento 58 | João Augusto Bastos

deveras interessante e indispensável para se conhecer a vida destes jovens emigrantes, acompanhados e, ao mesmo tempo, tão sozinhos, que não seria muito diferente da de tantos outros milhares de jovens portugueses que, na primeira centúria do século XX, partiram para o Brasil à procura de um Eldorado e pouco mais conseguiram que uma provisória sobrevivência. Voltando a João Augusto, pode dizerse que a permanência no Brasil estava a chegar ao fim já que, para se tratar das maleitas que arranjara no Rio de Janeiro, acabou por voltar à Póvoa de Lanhoso no início do verão de 1921. Tinha 21 anos de idade. Sabemos que no dia 4 de agosto desse mesmo ano estava em Braga, em cujo quartel foi inspecionado e apurado para o serviço militar. Anos mais tarde escreveria o poema «Emigrante»38, no qual podemos colher alguma informação desta sua experiência brasileira: Num velho navio, coitado, lá vai um pobre emigrante, saudoso, pensando na terra distante; na casa do pai; nos campos e leiras de pão e de vinho; na igreja d’aldeia, branquinha e serena; naquela morena… que lá se ficara por terras do Minho. Na saca de chita, vazia de bens, o pobre emigrante carrega ilusões, de histórias que falam de muitos milhões, de lojas e rendas, de festas e trens, de contas nos Bancos, de anéis de brilhantes,

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 Recanto da praça municipal, da vila da Póvoa de Lanhoso, onde João Augusto regressou em 1921

do nome importante que vem nos jornais, e bons capitais em libras sonantes. Depois voltaria, risonho e lampeiro, à santa terrinha, aonde a pequena — aquela morena — e mai-la mãezinha, esperam, saudosas, o tal brasileiro, que pode comprar um lindo chalé, com rosas ao pé e lírios a par.  O belíssimo palacete Villa Beatriz, em Santo Emilião, Póvoa de Lanhoso. Edificado, em 1904, pelo brasileiro Francisco Antunes de Oliveira Guimarães, constituia-se, nas primeiras décadas do século XX, pela sua beleza e grandiosidade, modelo de habitação para aqueles que emigravam com o sonho de regressarem ricos às suas terras

Na saca de chita carrega ilusões, o pobre emigrante… Na terra distante, são mudos e tristes os longos serões… nos olhos da mãe há sóis de renúncia perdidos nas sombras que a noite retém no meio das nuvens, de fofas alfombras. e aquela morena de olhos castanhos, que lá se ficara por terras do Minho, semeia saudades no campo e no ninho, lembrando quem pena por mundos estranhos. o campo não gera a semente do pão, e as ervas daninhas pululam na terra, os cardos vicejam na encosta da serra, e nem os moinhos já moem o grão. O barco lá singra, lá vai pelo mar, vencendo a tormenta, bailando nas vagas, enquanto nas fragas, a espuma saltita também a bailar…

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e o pobre emigrante, lá vai navegando no mar da Verdade, remando com penas de amarga saudade, por quem se ficara na terra distante. E o barco chegou a porto seguro, àquele país chamado Futuro. E a vida mudou… Trabalhos dobrados, brutais desenganos… — e nem a fortuna é coisa nenhuma! — E passam os anos. Um dia regressa, cansado, afinal, (aquele que fora outrora emigrante) à terra distante, à terra natal… Mas tudo mudou. Nos campos e leiras de pão e de vinho, na aldeia serena, à já tão velhinha, aquela morena, que lá se quedou por terras do Minho...

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 «Tipo passe»

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[Vida adulta] De regresso à Póvoa de Lanhoso Quando, em 1921, João Augusto regressou do Brasil, trazia a ideia de voltar ao Rio de Janeiro tão logo se restabelecesse da doença que o afligia. A este desejo não seria estranha a paixão que o jovem emigrante gerara pela beleza da cidade, pelo seu clima ameno, pela vida social que a grande metrópole lhe mostrara e proporcionara, como se depreende das cartas de Américo Lopes. Mas o sonho de sucesso que nesses derradeiros anos do primeiro quartel do século XX o Brasil continuava a proporcionar a milhares e milhares de portugueses que ali se encontravam ou que, de terras lusas, continuavam a partir com regularidade, também não o devia animar a esquecer defitivamente o regresso. Mesmo por que, em Portugal, onde as doenças, especialmente as do foro pulmonar, matavam aos milhares, a grave crise política, económica e social que se instalara finda a I

 O «tio Lopes» e, atrás

grande guerra, não augurava grande futuro.

dele, João Albino de Carvalho Bastos

Não obstante, e apesar do sonho de rápido regresso a terras brasileiras, a bússola da vida acabou por traçar ao jovem povoense outros caminhos, bem diferentes. Seus pais possuíam agora um pequeno mas elegante chalé, recentemente construído na avenida da República, oferecido ao casal, alguns anos antes, pelo «tio Lopes». Refira-se aqui que o rico «brasileiro» das Casas Novas não tinha por João Albino de Carvalho Bastos, pai de João Augusto, uma especial simpatia. Aceitara-o, contrariado, para marido da sobrinha mais querida, dando-lhe ainda um emprego de destaque na terra, ao nomeá-lo administrador do hospital que ali fundara. Não obstante essa aceitação e o cargo profissional que lhe distribuíra, teve sempre a ideia de que o sobrinho,

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 A vila da Póvoa e a

para além de pouco dado ao trabalho, era exageradamente vaidoso1.

avenida da República. À esquerda, em primeiro plano, o chalé oferecido por António Lopes aos sobrinhos Elvira Maria e João Albino Bastos

A sobrinha, sim, era o seu encanto, a sua protegida, o seu enlevo. E como João Albino e Elvira Maria não tivessem casa própria, nem meios para a construir, António Ferreira Lopes chamou certo dia à sua presença o marido da sobrinha e ordenou-lhe que construísse uma vivenda, nuns terrenos que possuía na avenida da República da Póvoa de Lanhoso, vivenda que ele, António Lopes pretendia, depois de pronta, oferecer a um amigo2. As ordens de António Lopes eram para cumprir com a maior urgência e João Bastos desenvencilhou-se rapidamente da que lhe fora dada: mandou construir, a meio da artéria que do coração da vila seguia em direção ao belo templo do Horto e daí para Braga, um bonito chalé. Bonito, mas pequeno, que nem o tio lhe recomendara luxos desnecessários, nem a fortuna que este possuía, pensava João Albino Bastos, era para esbanjar em doações aos amigos. Por isso, quando, no final do verão do ano seguinte, o rico brasileiro regressou 64 | João Augusto Bastos

de Lisboa à terra natal para uns merecidos meses de repouso e lhe perguntou se a casa que mandara construir estava pronta, o sobrinho respondeu que sim, que estava, e que tinha consigo as chaves para o tio as entregar ao amigo a quem a destinara. Diz-se que o capitalista lhe perguntou se a casa estava a seu gosto e que o sobrinho respondeu que sim, que estava ótima, um verdadeiro palácio. Então, a oferta do tio veio de supetão: «João, podes guardar as chaves. A casa é para ti e para a tua família»3. Era pois neste pequeno chalé que, quando João Augusto regressou do Brasil, em 1921, seus pais e seus irmãos mais novos moravam. E foi também nele que o jovem loiro, esguio, de olhos azuis e alma de poeta, passou também a habitar. A Póvoa de Lanhoso do primeiro quartel do século XX O concelho da Póvoa de Lanhoso, mas muito especialmente a vila que lhe servia de sede4 era, neste início da década de 1920, uma terra muito diferente daquela em que João Augusto nascera, em agosto de 1901. Saíra das sombras que um domínio antigo, quase sempre exercido a partir de fora por senhores que lhe levavam os impostos, mas que a deixavam votada ao abandono, lhe impusera até à institucionalização do Liberalismo; e, depois deste, à influência de dois senhores quase absolutos, que a dominaram até aos inícios do último quartel da centúria de novecentos5. Já as duas últimas décadas do século XIX e as primeiras do seguinte foram tempos de domínio quer dos grandes proprietários agrícolas, quer, muito especialmente, de uma nova burguesia florescente, composta por uma dezena de destacados comerciantes e por outros tantos funcionários públicos, clérigos e letrados. A República, chegada dez anos antes, não alterou a fisionomia do poder local pois, mudado o regime, não mudaram as elites, que se mantiveram no exercício do poder já não como monárquicos assumidos que o foram, mas, na sua esmagadora maioria,

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 Em cima: chalé da avenida da República oferecido a João Bastos por António Lopes. Em baixo: a casa que João Bastos mandou construir, encostada à primeira, depois de receber a herança do «tio Lopes»

como republicanos convictos que agora diziam ser. Os brasileiros, os que cumpriram o sonho de regressar ricos de dinheiros e de «luzes» de além-Atlântico, tiveram, contudo, o mais importante papel no desenvolvimento da terra. Mas, salvo raras exceções, não quiseram envolver-se na política local, mantendo-se à margem, ou mesmo acima, de velhas contendas, embora não deixassem de exercer de fora a sua influência. Dentre estes brasileiros, destacaram-se Manoel Joaquim Barbosa Castro, que no Rio de Janeiro, na segunda metade do século XIX, enriqueceu no ramo do comércio de colchões. De regresso à terra mãe, comprou a Casa da Botica, a mais bonita e imponente que então existia na vila da Póvoa, onde passou a residir a partir da década de 1860. A Barbosa Castro se deve a construção da grande capela da Senhora do Amparo, entre 1874 e 1882, hoje matriz da Póvoa de Lanhoso. Este benfeitor fez ainda várias outras doações ao município para execução de pequenas obras de arranjo de ruas e largos. Foi homenageado, em vida, com a atribuição do seu nome a um desses espaços. Barbosa Castro foi o primeiro de um conjunto de beneméritos vindos do Brasil, ao qual se seguiram, entre outros, a família Pereira Pires, que iniciou a abertura da estrada que ligava o lugar do Pinheiro  Manuel Joaquim Barbosa Castro, o primeiro grande benemérito povoense com dinheiro ganho no Brasil

à vila da Póvoa, por Lanhoso; a de Domingos do Vale, grande benemérito de Sobradelo da Goma; o clã Serzedelo, de Fontarcada; ou Francisco Antunes de Oliveira Guimarães, benemérito da freguesia de Santo Emilião, onde construiu uma escola. Na vila, destacava-se o investimento na construção de vários prédios por João de Almeida, outro brasileiro que foi ainda benemérito da educação. Todos estes homens foram importantes à sua maneira e a todos ficou a terra a dever significativos benefícios no que respeita à educação, ao desenvolvimento arquitetónico e às vias de comunicação. E teriam ficado para a história da Póvoa como Grandes, não fora a imensíssima obra encetada, a partir do início da última década do século XIX 66 | João Augusto Bastos

e pelo século XX adentro, pelo casal António Ferreira Lopes e sua esposa, D. Elvira de Pontes Câmara Lopes6. Contudo, mesmo dado o progresso que a terra registou e o grande investimento na construção de novas casas e ruas, quantitativamente, aquele traduziu-se mais em melhorias que em número de fogos pois o concelho baixou de 4.300 residências, em 1900, para 4.214, em 1920. Para isso terá contribuído a demolição de muitos pequenos casinhotos, como por exemplo os que existiram no largo Serpa Pinto — depois largo António Lopes — e a sua substituição por prédios maiores e mais modernos. Já no respeitante a número de habitantes, registando-se um aumento, este não foi por demais significativo: a população total do concelho era em 1900 de 16.928 e, em 1920, de 17.760. Um crescimento de cerca de 830 habitantes. As freguesias de Lanhoso e Fontarcada, que integravam a vila e eram as mais importantes das 28 que compunham o concelho, tinham, no seu conjunto, 3.176 habitantes (1.353 residentes em Lanhoso e 1.823 em Fontarcada). Em termos de casas comerciais, o desenvolvimento era bastante acentuado. O mesmo acontecendo com a oferta de repartições públicas, que com as novas leis da República se alargaram, empregando bastante mais gente na década de 1920 que no princípio do século. Também a imprensa local continuava a afirmar-se, mantendo-se em publicação não só o semanário «Maria da Fonte», mas vários outros jornais que nasciam e morriam para darem lugar a outros títulos, todos fazendo uso de uma violência verbal que hoje custa a acreditar ter existido. Em termos políticos, vivia-se um período de semianarquia, com as câmaras e as comissões municipais a serem substituídas de poucos em poucos meses, fruto dos jogos e das consequentes mudanças ocorridas em Lisboa. Mas, se a instabilidade que reinava na capital apenas viria a conhecer outros protagonistas e novas e mais rígidas regras a partir de 28 de maio de 1926, com a instituição da ditadura militar, e espe-

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 Domingos do Vale, Francisco Guimarães, João Pereira Pires e João Almeida: quatro dos muitos «brasileiros» que contribuiram para o desenvolvimento do concelho

 À esquerda, quando

cialmente a partir dos inícios da década de 1930 com a implantação

estudava no Porto e à direita, em 1921, assistindo em Braga a um jogo de futebol. Para além de apreciador do «jogo da bola», era um pescador inveterado

do chamado Estado Novo, de Oliveira Salazar, a Póvoa de Lanhoso iria assistir, algo mais cedo, a um enorme sinal de mudança: em 19 de março de 1925, era criada a paróquia de Nossa Senhora do Amparo. Para a curar, foi enviado o padre José António Dias, que nas décadas seguintes iria tornar-se, na terra, o guardião principal das simpatias pelo salazarismo. A influência desde logo conquistada por este homem da igreja e as guerras em que, nas décadas de 1930 a 1960, viria a envolver-se, iriam fazer dele o principal alvo de crítica por parte de João Augusto. A experiência francesa Meio ano antes, em finais de 1924, João Augusto, sempre à procura de novos horizontes, ainda partiu com destino a França, onde pensava vir a trabalhar. Esta sua viagem a França teve, segunda Anita Bastos Granja, filha do poeta, uma razão curiosa: «Meu pai foi de 68 | João Augusto Bastos

comboio para Paris, de propósito para levar uns cães que pertenciam a uma baronesa brasileira amiga de minha avó, residente na cidade luz e que tendo vindo a Portugal veio à Póvoa de Lanhoso visitá-la. Ao regressar a Paris, a baronesa deixou cá os cães, por ser grande incómodo levá-los consigo, propondo-se então pagar a viagem para que meu pai os lá levasse, o que este aceitou. Mas, depois de os entregar na casa da baronesa, este, em vez de regressar preferiu ficar em França, tentando encontrar por lá um trabalho em que se ocupasse». A dona dos canídeos era, de facto, a baronesa de Matos Vieira, familiar, pela parte materna, de D. Elvira Câmara Lopes, a qual, depois de uma estada de alguns meses na Póvoa de Lanhoso, regressou a França na primavera de 1924. Não partiu sozinha: fizeram-lhe companhia na viagem rumo a Paris, a «cidade coração do mundo», as amigas D. Elvira Maria Lopes Bastos, mãe de João Augusto, e D. Alcina Pereira Pires, da casa de Adaúfe, em Lanhoso — que décadas antes estivera também emigrada, com o marido, no Rio de Janeiro7. Desconhecemos se João Augusto as acompanhou ou se viajou sozinho em ocasião diferente. Sabemos, isso sim, é que a experiência francesa, apesar de ali ter sido protegido por várias pessoas influentes, ami-

 A mãe de João Augusto

gas da família, não o cativou. O seu sonho continuava, ainda, a ser

e, à direita na foto, com uma sombrinha nas mãos, a baronesa de Matos Vieira

o regresso ao Brasil. Mas se essa solução se não mostrasse viável, como não mostrou, então preferia voltar à sua terra, ao seu Portugal, a um local onde se falasse a Língua que o apaixonava. Daí o seu regresso à Póvoa de Lanhoso, onde em 15 de julho de 1926, pouco depois da revolução de 28 de maio que levou à imposição da ditadura militar, redigiu um requerimento, pedindo a um amigo

O poeta d’ “A Minha Terra” | 69

bracarense, Augusto Tristão Pimenta, que o assinasse por si e o remetesse ao chefe do serviço de recrutamento do distrito. No documento, pedia que lhe fosse concedida informação sobre a sua situação militar, de forma a poder concorrer a um emprego público, mas escondia encontrar-se em Portugal de modo a não ser chamado à tropa de imediato. O major de infantaria Francisco Feio Vale, subchefe do distrito de recrutamento nº 29, de Braga, emitiu então um certificado, do qual constava que «João Augusto Lopes Bastos, de profissão comerciante, solteiro, residente no Brasil, inspecionado a 4 de agosto de 1921, foi isento condicionalmente e classificado pelos serviços da alínea e) (…), tem o segundo grau [de escolaridade]» e «é soldado das tropas territoriais com o nº 2.878» 8. Em posse do requerimento que o isentava do serviço militar, embora condicionalmente, João Augusto viajou várias vezes para Lisboa, tentando encontrar, com a ajuda dos  Alfredo Bastos, aqui

amigos que a família ali tinha, um emprego compatível com as suas

em foto de outubro de 1930, manteve-se no Rio de Janeiro até meados dessa década. Virá a ser, após o regresso a Portugal, o irmão mais próximo de João Augusto

habilitações. Mas também é certo que o não conseguiu, como é sabido que não chegou a cumprir serviço militar. Em 1925, encontrava-se a trabalhar na casa comercial A. Loureiro & C.a, na cidade do Porto, que desconhecemos o que comercializava9 Em 3 de março de 1927 regressou à Póvoa de Lanhoso, mais uma vez com a intenção de aí ficar apenas por dois meses 10. Mas o verão desse mesmo ano dividiu-o entre a terra natal e Caldelas, onde, com um grupo de amigos, entre os quais se encontravam João Antunes 70 | João Augusto Bastos

 Com parte da família, em 1921. Da esquerda para a direita: Anita com a irmã mariazinha ao colo, «Vivi», avó Joaquina Rosa, tia Amélia (irmã de João Albino Bastos), João Augusto e «Lindoca»  Na foto inferior, dia de carnaval, em Caldelas. João Augusto, ao centro, com amigos num Carnaval em Caldelas

O poeta d’ “A Minha Terra” | 71

 João Augusto, após regressar do Brasil. À esquerda, sua mãe, Elvira Maria Lopes Bastos

72 | João Augusto Bastos

Pardelho11 e irmãos Teixeira Ribeiro, o encontramos a frequentar termas, entre julho e setembro12. A morte do «Tio Lopes» Ao início da tarde do dia 22 de dezembro de 1927 morria no seu palacete da avenida da Liberdade, em Lisboa, António Ferreira Lopes, o benfeitor da família e benemérito da Póvoa de Lanhoso. O disposto nos seus dois testamentos, um para os bens que possuía em Portugal e outro, a que chamou «adicional», para os bens que tinha no Brasil, a todos deixou espantados: era um nunca mais acabar de propriedades, de valiosas mobílias e objetos pessoais, de dinheiro, de joias que haviam sido suas ou pertencido à defunta esposa e

O poeta d’ “A Minha Terra” | 73

 António Lopes, à esquerda na fotografia, foi a figura tutelar da Póvoa de Lanhoso entre o seu regresso do Brasil, na década de 1880, e a sua morte, ocorrida em 22 de dezembro de 1927

 Hospital António Lopes.

de muitos milhares de contos em dinheiro e títulos do tesouro de

Fundado e mantido, durante dez anos, pelo «brasileiro» que lhe deu nome, e que o legou aos pobres da sua terra, viria, em 1928, a ser sede da Misericórdia local, criada para o gerir

vários países. Já viúvo e sem filhos, o «brasileiro» das Casas Novas distribuiu, através dessas disposições finais, a sua imensa fortuna por diversas instituições portuguesas e brasileiras, por empregados e amigos, por jornais, por servidores como o barbeiro ou o chauffeur, por afilhados e familiares; e nem do ex-presidente da República e seu amigo pessoal, António José de Almeida, o velho «tio Lopes» se esqueceu: «Ao excelentíssimo Senhor Doutor António José de Almeida, pela muita consideração que pessoalmente me merece, deixo como lembrança o meu tinteiro de prata, com monograma, que se acha na parte baixa do meu cofre, ainda por estrear». Uma das instituições mais beneficiadas (pois, como afirmava no testamento, queria que continuasse a servir os pobres e necessitados 74 | João Augusto Bastos

da sua terra natal), foi o hospital que em 1917 inaugurara na Póvoa de Lanhoso, que tinha o seu nome e que, ao longo de uma década (1917-1927), sustentara do seu próprio bolso. Ao seu hospital legou quase dois milhares de contos em dinheiro e em títulos de rendimento. Os outros grandes beneficiados por António Ferreira Lopes foram seus irmãos e cunhados e a maioria dos seus sobrinhos. A uns, talvez os que precisavam menos, deixou quantias que iam dos vinte aos cinquenta contos; aos outros, por serem mais próximos ou mais necessitados, para além de valiosas propriedades, deixou valores que chegaram aos 350 mil escudos. Mas António Lopes tinha especial apreço por aqueles que eram dados ao trabalho, e fez questão de deixar em testamento a mensagem de que, a este ou àquele, nada lhes deixava porque «quem não trabalha, é porque não precisa de dinheiro»! Ao pai de João Augusto, por quem, como já se disse, António Lopes não nutria especial simpatia, considerando-o vaidoso e preguiçoso, deixou um simples alfinete de gravata com a irónica recomendação de que o usasse com a «modéstia que lhe é característica». Mas da esposa de João Albino Bastos, a sua querida sobrinha «Vivi», fez uma mulher bastante rica. Essa parte da herança, consubstanciada em rendimentos de títulos da dívida pública de Portugal, do Brasil e da França e em algumas propriedades (entre as quais o palacete que o «brasileiro» possuíra no coração da cidade de Lisboa, e que no início na década de 1930 a sobrinha vendeu por cerca de 300 contos para aí ser instalado o hotel Tivoli), viria a permitir que os pais de João Augusto passassem a ter uma vida ainda mais desafogada. Seria, aliás, com parte do dinheiro apurado na venda do palacete que serviu para a instalação do Tivoli que, anos depois, o casal ajudaria os filhos Alfredo e João Augusto a instalarem-se comercialmente em Lisboa. Mas não avancemos demasiado no tempo. Digamos, apenas, por agora, que os últimos anos da década de 1920 foram vividos pelo nosso

O poeta d’ “A Minha Terra” | 75

poeta na vila da Póvoa de Lanhoso, onde o encontrámos a colaborar ativamente no semanário «Maria da Fonte», de cujo proprietário, o tipógrafo João Carvalho, era íntimo amigo; e que, nesta altura, João Augusto nem sequer precisava já de viver à sombra do pai: é que no seu testamento, António Lopes também se não esqueceu dos filhos da sua sobrinha mais querida. A Alfredo, o mais trabalhador, deixou 30 contos; e a todos os outros, incluindo João Augusto, a quantia de dez contos a cada um13. Ao leitor menos prevenido, pode parecer uma quantia pequena, especialmente se comparada com as centenas de contos que deixou a outros dos sobrinhos mais próximos. Mas dez contos de réis, em 1927, não era assim tão pouco dinheiro. Por apólices de seguro feitas nessa década, ficámos a saber que dez contos era dinheiro suficiente para comprar uma casa de razoável qualidade na vila minhota onde o poeta nasceu. Ou para mobilar principescamente três residências. Quer isto dizer que, embora não tenha voltado ao Brasil para ali enriquecer, como era seu desejo, João Augusto não deixou de colher, ainda que sem ficar rico, algum  O tipógrafo João Carvalho, à época proprietário do jornal «Maria da Fonte»

do dinheiro que outro emigrante povoense dali havia trazido. Remediado com os dez contos que o tio Lopes lhe legara, João Augusto viveu alguns anos de intensa atividade intelectual. Pela manhã, escrevia poesia e, da parte da tarde, apresentava-se na redação do «Maria da Fonte» para apoiar o amigo Carvalho, o «camaradinha», alcunha pelo qual o velho tipógrafo era por toda a gente conhecido. Em 1929, João Augusto continuava a residir no chalé de seus pais. Em 1931, aos trinta anos de idade, seria eleito presidente da direção do Sport Clube Maria da Fonte14. Nesse tempo, os homens mais cultos da terra, entre os quais se encontravam médicos, advogados, farmacêuticos e um conjunto já significativo de funcionários públicos, juntavam-se diariamente para uma boa tertúlia, num ou noutro café da vila. Era um hábito que vinha dos inícios da I República e que se mantinha na década de mil novecentos e trinta, apesar de Portugal estar já enterrado na 76 | João Augusto Bastos

ditadura militar. João Augusto era um dos mais afoitos frequentadores dessas tertúlias, tendo ali feito algumas das amizades como a dos médicos Custódio António da Silva e Adelino Pinto Bastos, os irmãos Teixeira Ribeiro, o notário Lino Rebelo, o advogado José Luís da Silva Júnior, o industrial Adolfo João de Figueiredo ou o próprio tio José da Paixão Bastos. A maior parte destas amizades acompanharam-no por toda a vida; outras, foram-se quebrando ao passo que as políticas do Estado Novo começaram a erguer altas barreiras entre quem era e quem não era apoiante da situação. E João Augusto nunca o foi. Discutiam política, a nacional e a local. Nos inícios da década de 1930, as principais discussões rodavam em torno da chegada da eletricidade ao concelho e da substituição da velha iluminação a carboneto da vila pela grande novidade que se anunciava: a luz elétrica. A câmara, chefiada pelo vice-presidente eleito José Maria de Sousa Cruz, entabulara já negociação para a compra de setenta postes sextavados, estando a base de licitação bali-

O poeta d’ “A Minha Terra” | 77

 João Augusto, ao centro de camisa branca e gravata, encostado à coluna de entrada, dedicou-se ao comércio depois de regressar do Brasil. Aqui, numa loja que vendia acessórios para automóveis

zada entre 116$00 e 146$0015. Mas também se falava muito do legado de António Lopes à câmara municipal, centenas de contos para a construção de um novo edifício dos paços do concelho e tribunal e para que fosse erigida na vila um moderno edifício escolar para ambos os sexos que viesse substituir a já ultrapassada escola do conde de Ferreira, entre outras obras de menor significado; legado que uma longa disputa jurídica viria a atrasar grandemente, o que transformou a discussão à sua volta em assunto ainda mais apaixonante. Das tertúlias de fim de almoço, com os amigos, seguia João Augusto para redação do «Maria da Fonte», onde se empenhava em ajudar no que podia. Foi neste semanário que veio a publicar as primeiras crónicas, e também os poemas de estreia. Para além dele, outros elementos da família Bastos, como o tio José da Paixão e o primo Dário, tinham espaço regular de publicação. O primeiro chegou a ser diretor do jornal16; o segundo foi colaborador assíduo e também ele amigo pessoal até à morte de João Carvalho17, unindo-os, ainda, a militância perseguida no Partido Comunista Português. O jornal «Maria da Fonte», fundado em 1886, assumiu João Augusto na década

-se, desde que no início do século XX, quando João Carvalho para

de 1940

ali veio trabalhar, primeiro como tipógrafo-empregado e depois como tipógrafo-proprietário, como uma voz da esquerda e, a partir da década de 1930, como porta-voz de oposição ao Estado Novo e aos seus servidores e simpatizantes locais. O casamento Naquele início da década de 1930 Portugal experimentava, sob quase generalizado aplauso, o ensaio de uma ditadura militar que, pretendendo liquidar de uma vez por todas o que restara das más práticas dos anos finais da primeira República, permitia a ascensão política de um homem, o Doutor Salazar, que não demoraria a levar o país a uma ditadura ainda mais feroz que a encetada pelos militares18. 78 | João Augusto Bastos

A situação económica portuguesa, a exemplo daquilo que ocorria no resto da Europa em época de «grande recessão», era aflitiva e, no interior do país, vivia-se com enormes dificuldades. Por essa altura, na cidade grande ou na mais pequena aldeia, era rara a casa rica que não tivesse a seu serviço uma ou mais empregadas domésticas internas, as conhecidas «criadas de servir» 19. Situando-se entre as mais distintas da terra, especialmente após a morte de António Lopes e a distribuição da sua herança, a casa de Elvira Maria e de João Albino não era exceção, tendo a família uma serviçal assalariada. Certa manhã, porém, essa empregada, por razões que desconhecemos, resolveu despedir-se, tornando-se necessário contratar outra que a substituísse. Avaliadas as várias possibilidades, já que a oferta era significativa, recaiu a escolha numa jovem chamada Adelina Cândida. Filha de Avelino Joaquim Fernandes, antigo ajudante de escrivão no tribunal da vila e desde 1917 escriturário no hospital António Lopes (do qual João Albino era diretor), e de sua esposa, D. Olímpia das Dores Fernandes20, Adelina Cândida, nascida no dia 7 de março de 1909, era uma belíssima jovem21. E não era, como grande parte das demais empregadas domésticas de então, analfabeta: sabia ler e escrever, e tinha bons modos, o que a tornava uma empregada distinta. Aceitara ir servir na casa de dona Elvira Maria e do senhor Bastos porque, embora filha de pais remediados, vivia, como a maioria da população portuguesa de então, as dificuldades económicas sufocantes do tempo que mediou entre as duas grandes guerras. Qualquer ordenado, por pequeno que fosse, tornava-se uma dádiva dos céus em qualquer orçamento familiar. Na residência de João Albino de Carvalho Bastos, Adelina Cândida era bem tratada, como filha de um amigo que seu pai era; mas a vida é um caminho cujos contornos apenas se vão conhecendo consoante o trajeto se vai realizando. Contornos é como quem diz que, nesse caminho que «se faz andando», encontram-se por vezes barreiras que parecem intransponíveis... sem o serem. O poeta d’ “A Minha Terra” | 79

 A jovem Adelina Cândida Fernandes Bastos

Em casa dos patrões, a jovem Adelina Cândida foi travando simpatia com João Augusto. Simpatia, confiança, atração, que redundaram em amor. Poucos meses volvidos, apaixonado e correspondido, o poeta começou a namorá-la às escondidas dos seus pais. E às escondidas porque, nesse tempo não tão distante cronologicamente do atual mas a anos-luz no que respeita a comportamentos e exigências sociais, o namoro entre uma empregada doméstica e um filho-família era coisa inaceitável. A situação do jovem par viria a tornar-se insustentável quando, em março de 1930, a jovem engravidou. E, logo que a gravidez se tornou conhecida dentro de casa, Adelina Cândida foi despedida pelo patrão. João Augusto não aceitou a decisão do pai. Achou-a injusta: estava apaixonado por Adelina Cândida e, se alguma coisa havia para remediar, ele estava para isso disponível e nem lhe passava pela cabeça deixar a responsabilidade apenas sobre os ombros da jovem. Quando a moça, contas feitas com o dono da casa onde servira com esmero, pegou na mala para se ir embora, sabe Deus carregando sobre os ombros que medos daquilo que pensaria e diria a sociedade moralista da pequena vila, João Augusto saiu consigo.  Avelino Fernandes e

Acompanhou-a à casa de Avelino e Olímpia, na rua de D. Elvira

Olímpia das Dores, sogros de João Augusto

Câmara Lopes, certificou-se de que era bem recebida pelos pais e de que ficava bem e, no dia seguinte, partiu para a cidade do Porto: tentaria encontrar emprego com o qual pudesse sustentar uma família. À jovem Adelina, deixou a promessa de voltar logo que pudesse, para a levar consigo. Nessa altura, o seu irmão Alfredo Miguel, que pouco tempo antes regressara do Brasil e foi abençoado com trinta contos na herança de António Ferreira Lopes, abriu no Porto um estabelecimento onde comercializava artigos elétricos. Foi ali que João Augusto encontrou o que fazer. Com a experiência que havia trazido do Brasil encarregou-se do escritório. Mas a sua vida era agora um vai e vem constante entre a segunda cidade do país e a sua vila natal, onde 80 | João Augusto Bastos

a mulher esperava um filho. As viagens semanais entre ambas as localidades eram feitas de autocarro, através de uma das empresas que estabeleciam a ligação, cujo trajeto chegava a durar várias horas para cada lado. Vinha, sempre que podia, ver a mulher, grávida, e às escondidas do pai encontrava-se com sua mãe, Elvira Maria, que o ajudava com o que podia, especialmente com palavras de esperança: «Quando o teu filho nascer, vais ver que o teu pai se dobra. Ninguém resiste aos encantos de uma criança…». Adelina Cândida, grávida, continuou a residir na casa dos seus

O poeta d’ “A Minha Terra” | 81

 Registo de casamento civil com Adelina Cândida e, à direita, Avelino José Fernandes, à época escriturário no Hospital António Lopes

pais até que, no dia 13 de novembro de 1930 deu à luz, no hospital António Lopes, o primeiro filho do casal: o pequeno recebeu o nome de João Augusto Fernandes Bastos22. Com a chegada da eletricidade à vila da Póvoa de Lanhoso e dados os vastos conhecimentos pessoais que ali possuía, Alfredo Lopes Bastos trouxe do Porto os necessários materiais e os indispensáveis técnicos e, logo em outubro de 1931, «procedeu aos trabalhos de instalação eléctrica em várias casas da vila» 23. Os jornais da terra voltavam, entretanto, a anunciar que «agora com melhor tempo, continuam a ser levantados os postes para a iluminação da vila, contando que será brevemente inaugurada a fábrica que fornecerá a energia». Para além de Alfredo Lopes Bastos, outras empresas dedicavam-se na vila à preparação das casas que pretendiam aderir à nova fonte de iluminação. Anunciava-se nos jornais a firma Olímpio Rebelo & Filho como mais uma empresa formada por povoenses e habilitada para fazer o serviço, avisando «que tem pessoal bem preparado, tecnicamente, para proceder a todo o tipo de reparações». Em 1931, cansado do vai e vem para a cidade do Porto, longe da mulher e do pequeno filho de ambos, João Augusto pensou em se estabelecer em Braga, no ramo comercial. Regressou então à Póvoa de Lanhoso onde, em pouco tempo, deu as voltas necessárias para constituir, com um primo, Reinaldo Bastos, uma sociedade comercial. Tinha a empresa sede na rua Justino Cruz da cidade capital do distrito, onde ambos passaram a trabalhar. A sociedade adotou o nome de Lopes Bastos & Primo, dedicando-se à venda de gasolinas, petróleos e óleos, com representações das marcas de combustíveis «Sol», de pneus «Englebert» e «Dunlop», de óleos «Castrol», de candeeiros elétricos da fábrica Ângelo & Guimarães, do Porto, e de gabardines e trincheiras da «Casa das Gabardines», da mesma cidade24. Uma polivalência na representação de marcas e produtos muito comum nas décadas de trinta a setenta do século XX. Pouco tempo depois de aberta, a empresa Lopes Bastos & Primo era já 82 | João Augusto Bastos

 O casal João Augusto e Adelina Cândida, em fotografias distintas, com os filhos Anita e João Augusto. O automóvel pertencia à família Lopes

representante em Braga de uma outra novidade: os extintores «Sper Lar» que, em dezembro de 1931, eram apresentados numa sessão pública promovida na Póvoa de Lanhoso perante uma assistência formada por bombeiros, autoridades locais, provedor do hospital e pelo inspetor geral dos incêndios25. Apesar do grande investimento, o estabelecimento não obteve o sucesso pretendido e viria a encerrar escassos meses volvidos. Mas, com os conhecimentos técnicos e pessoais adquiridos, João Augusto garantiu com relativa facilidade novo afazer, agora por conta de outrem: era agora supervisor de vendas de uma fábrica de acessórios para automóveis, a Empresa Sarotos, também com sede na cidade dos arcebispos. Neste emprego viria a manter-se durante vários anos, pois ainda ali o encontrámos ainda em novembro de 193526. De Braga, era-lhe agora mais fácil regressar diariamente à Póvoa de Lanhoso, habitando com a mulher na casa dos sogros. Após o nascimento do primeiro filho, as saudades da família aumentaram e O poeta d’ “A Minha Terra” | 83

o poeta quis regularizar a situação: casar, mas apenas pelo civil. Foi isso que combinou com Adelina Cândida e foi isso que aconteceu: casaram no dia 7 de abril de 1931, mas para que a sua família só soubesse do casamento depois deste realizado, decidiu casar por procuração27. O casamento teve lugar pelas 15 horas na repartição do registo civil da Póvoa de Lanhoso, estando presentes a noiva e, em representação do noivo, José Baptista Rodrigues de Faria. Um casamento muito ousado para mentalidade da época, especialmente numa terra pequena como a Póvoa de Lanhoso. Em novembro desse mesmo ano, João Carvalho redige e publica em «A Maria da Fonte» uma notícia breve: «Anteontem, dia 13, completou o seu 1º ano de existência o meigo e interessante Joãozinho, dileto filho do nosso prestante amigo João Augusto Lopes Bastos. Loira e formosa, a todos fascina tão encantadora criança. Em honra do homenageado o avô materno, sr. Avelino Fernandes, que vê no querido netinho o seu maior tesouro, ofereceu em sua casa a vários amigos, na noite daquele dia, um delicioso copo de água. Muito en Os filhos, Anita e João

tusiasmo e franca alegria, restando agora: as nossas felicitações»28. Sobre a família Bastos, nem uma palavra. Após o casamento, a esposa e o filho pequeno foram viver com o marido e pai para Braga. «Vivi», às escondidas do marido, ajudava-o a pagar a renda da residência, e conseguiu até arranjar-lhe, por empréstimo do irmão Américo, alguma da mobília que estava arrumada no sótão do palacete das Casas Novas. A «Sarotos» continuou a ser o seu local de trabalho durante alguns anos. A vila da Póvoa o local onde regressava semanalmente. As pazes com o pai Foi numa dessas visitas de fim de semana à sua terra natal, quando o filho tinha cerca de dois anos de idade, que João Augusto acabou por encerrar o diferendo com seu pai. 84 | João Augusto Bastos

t João Augusto e a esposa Adelina Cândida, com os filhos, Anita e João

Conhecendo o coração mole do marido, «Vivi», aproveitando a estada do neto na vila, mandou recado ao filho para que o levassem lá a casa. João Albino Bastos, que comemorava nesse dia o seu aniversário natalício, estava na sala, a ler o jornal. Quando o neto chegou, «Vivi» encheu-se de coragem, pegou-o pela mão e levou-o à presença do marido. «Querido, dê um beijinho em vovô», ordenou D. Elvira Maria com o seu sotaque abrasileirado, encaminhando o menino para junto do marido. Como que por encanto, o avô zangado, ferido até ali no seu orgulho de homem respeitado na terra, não conseguiu esquivar-se à simpatia do rapazinho. Abraçaram-se. E nesse abraço entre avô e neto, milagre que só as crianças conseguem realizar, selou-se definitivamente a paz entre o filho e seu pai, e entre este e toda a família de João Augusto. No início de 1932 Adelina Cândida voltou a engravidar. O tempo de gestação passou-o na cidade capital do distrito, cuidando do marido e do filho pequeno, bem como da criança que trazia dentro de si. No palacete das Casas Novas havia um «velho» automóvel, da marca Berliet, que pertencera a António Lopes e que desde a sua morte era utilizado pelos sobrinhos para umas quantas deslocações a Braga ou para uns passeios pelas freguesias do concelho. João Augusto habitava em Braga, mas queria que a criança que estava O poeta d’ “A Minha Terra” | 85

 Centro da vila da Póvoa

para nascer viesse à luz na Póvoa de Lanhoso, sua terra, terra da

nos finais da década de 1930

sua mulher e dos seus avoengos. Por isso, aproximando-se o dia do parto, obteve autorização familiar e levou para Braga o automóvel, por forma a poder deslocar-se para a sua terra logo que a criança desse sinal de querer nascer. E foi assim que, quando, no dia 12 de outubro de 1932, a esposa sentiu os primeiros sinais de que «a hora» se aproximava, o nosso poeta se meteu no Berliet com a mulher e o filho João e partiu a toda a pressa para a Póvoa. Não sabemos se chegou a tempo de a criança nascer no hospital fundado pelo seu tio-avô, António Lopes. Anita Adelina Fernandes Bastos29, a criança que protagonizou esta história, contava-nos há tempos: «Fui realmente registada como tendo nascido na Póvoa de Lanhoso, mas,

86 | João Augusto Bastos

na família, disseram-me muitas vezes que tinha nascido em Braga e que meu pai me trouxe para a Póvoa para aqui me registar. Por brincadeira, havia até quem me dissesse que nasci no carro». João Augusto continuou a trabalhar na «Sarotos», em Braga30. Passava parte do seu tempo livre na Póvoa de Lanhoso onde, em 19 de janeiro de 1936, assistiu ao lançamento do livro «Mistérios de uma Donzela», do povoense Custódio José da Costa31. No mesmo mês e ano, recebeu nesta vila um grupo de amigos do Porto, entre eles Raúl Augusto de Castro, «valioso componente do grupo de honra do Foot-ball Club do Porto»32 e, no dia 7 de março de 1936, Adelina Cândida Fernandes Bastos completou mais um aniversário, motivo de uma pequena notícia no semanário «A Maria da Fonte»33. No mês de abril do mesmo ano, o irmão Alfredo abriu uma loja comercial na vila da Póvoa34, e Reinaldo Bastos, seu primo e ex-sócio numa loja da cidade dos arcebispos, empregava-se como escrivão de direito no tribunal da capital do distrito35. Entretanto, provavelmente tratando de negócios, os pais de João Augusto, João Albino de Carvalho Bastos e sua esposa D. Elvira Maria Lopes Bastos encontravam-se desde há alguns meses a residir em Lisboa, de onde regressam a 3 de maio de 1936 para, de novo, fixarem residência na Póvoa de Lanhoso36.

O poeta d’ “A Minha Terra” | 87

 Em cima, em Lisboa integrado num grupo de charadistas e, em baixo, no Cais da Rocha (9.11.1956) com João Carvalho, a filha Anita e o amigo J. Albino Pinto.

88 | João Augusto Bastos

De partida para Lisboa Nos meados da década de 1930, o mercado das peças para reparações de automóveis estava em franco crescimento. E João Augusto, que desde há vários anos trabalhava no setor, especialmente como representante da empresa bracarense «Sarotos», quis tentar de novo a sua sorte nos negócios. À morte de António Ferreira Lopes, em 1927, a mãe de João Augusto, Elvira Maria, a quem quase toda a Póvoa de Lanhoso tratava respeitosamente por “Vivi”, havia herdado significativa soma em dinheiro e títulos. O valioso palacete que o tio possuíra em Lisboa, na avenida da Liberdade, fora-lhe também parar às mãos. Em 1934, o casal Elvira Maria e João Albino de Carvalho Bastos venderam esse palacete a um empresário lisboeta que ali fundou o hotel Tivoli. Quando, em 1935, chegou a hora de receber o produto do negócio, a elevada quantia de 350 contos, o casal foi a Lisboa e, com algum do dinheiro recebido, comprou um apartamento no coração da capital, e, ao mesmo tempo, uma empresa de ferragens, ferramentas, peças e acessórios para automóveis, que já existia com a designação de

 Com a esposa, Adelina

«PGL — Palha Gonçalves & Lobos, Lda», com sede nos números

Cândida

28 a 34 da central avenida da Liberdade, a qual foi rebatizada com

t Na pagina anterior:

a designação de «J. Bastos & Filhos»37. Curiosamente, a designação inicial era tão forte que a empresa nunca conseguir libertar-se do nome «PGL». A loja, embora adquirida pelos pais, destinava-se a ser explorada pelos filhos Alfredo e João. João Augusto partiu para Lisboa a 6 de setembro de 1936, para trabalhar nessa empresa38, onde já se encontrava o irmão Alfredo, constituído sócio-gerente39. Em 2 de novembro desse mesmo ano, João Augusto regressou uma vez mais à Póvoa de Lanhoso, para levar consigo a esposa e os dois filhos40. Mas, no Natal, regressou à terra de nascimento, à qual o coração se encontrava profundamente unido — o que se repetiria todos os natais, até ao fim da sua vida.

O poeta d’ “A Minha Terra” | 89

Após se ter estabelecido em Lisboa, continou a representar a fábrica Sarotos, de Braga, onde trabalhara em jovem

Em 1937, «Vivi», não sendo já uma menina mas mantendo um profundo amor pela arte de Talma, voltava a subir ao palco do Theatro Club, onde participou na peça «A Virgem Nova». Do elenco faziam ainda parte António Belarmino Teixeira Ribeiro, José da Paixão Bastos e Manuel Bernardino Lopes Macedo. Para além da peça de teatro, teve lugar um ato de variedades, no qual «Vivi» e António Ribeiro disseram poemas inéditos de João Augusto: ela declamou «A Avozinha» e ele «O Bom Pastor». João Albino de Carvalho Bastos foi, uma vez mais, o regente da orquestra. As receitas destinavam-se ao recém-fundado Asilo de S. José41. Poeta e cronista corajoso Logo após o seu regresso do Brasil, contando pouco mais de vinte e um anos de idade, João Augusto iniciou uma estreita colaboração com o semanário «A Maria da Fonte», colaboração que viria a  Cartão de visita e jardim António Lopes cerca de 1940. Em baixo, poesia publicada no Maria da Fonte em 10 de agosto de 1941

manter-se até à sua morte, ocorrida em 1965. Enquanto residiu na Póvoa de Lanhoso, o poeta era presença constante na redação, um dos principais colaboradores do semanário do largo de António Lopes. Tinham a marca seca e direta de toda a sua prosa a maior parte das notícias que o pequeno hebdomadário publicou ao longo de décadas. Notícias limpas, curtas, objetivas, denotando um conhecimento raro de como chegar direto ao gosto 90 | João Augusto Bastos

e ao interesse do leitor, e um interesse superior pelas coisas e causas da sua terra. Para além das notícias, assinava regularmente artigos de fundo e textos literários, bem como muita da poesia que o semanário publicava. O seu estilo nada tinha de rebuscado, de demasiado difícil, não utilizava mais que as palavras absolutamente essenciais para expor as suas ideias, clarificando sem confundir. Mas não deixando, nunca, de opinar em liberdade, de dizer o que lhe ia na alma, sem medo ou escondido atrás de pseudónimos, como era moda na época. Assinou sempre os seus textos com o nome de batismo: João Augusto ou com as suas iniciais: JAB. A partir de meados da década de 1930, quando passou a trabalhar e residir em Lisboa, manteve essa colaboração de forma contínua e empenhada. As suas prosas tinham quase sempre lugar na primeira página do semanário, e nunca deixou de falar dos problemas da terra como se cá vivesse, defendendo o que entendia dever defender, condenando o que achava dever ser condenado. E apesar de se viver num período em que a Censura limitava a liberdade de opinião, João Augusto encontrava sempre forma de, com inteligência e clareza, dizer o que entendia dever ser dito. Em 1945, publicou uma série de artigos sobre o «lastimável estado em que o Hospital António Lopes se encontra», sem temer afrontar as elites locais. «Numa casa de caridade, só uma política se admite: Fraternidade. E num hospital só uma política se consente: Assistência. Não nos movem – nem jamais nos moveram – quaisquer instintos políticos ou reservados intentos, ao levantar a campanha de defesa dos interesses do nosso hospital. (…). Da nossa tribuna, levantamos o protesto contra aqueles que não têm sabido ocupar, devidamente, o seu lugar dentro do Hospital António Lopes. E quando acusamos o Provedor desse estabelecimento hospitalar, abrangemos nessa acusação toda a mesa, absolutamente responsável de tudo o que se tem passado, de mau, nesse lar dos pobres, quase em ruínas (…)». Recorde-se que a mesa da Misericórdia era ocupada pela elite político-social da terra, e que era preciso ter uma coragem fora do

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 Notícias do semanário Maria da Fonte (de 12 e 19.09.1948) sobre a publicação do livro «Sol»

u Adelina e João Augusto com os netos João Ernesto e Ivone Helena u Na página seguinte: noite de passagem de ano de 1957/58 em família: João Augusto (filho) e Judite, João Augusto, Adelina Cândida, o casal Irene e Alfredo Bastos, Alfredo Júnior e namorada, João Albino Bastos, Elvira Maria Bastos e Anita, filha de João Augusto

comum para, em plena vigência do Estado Novo, escrever assim sobre os representantes locais do regime. Ainda em 1945, temo-lo de novo a defender as suas ideias, num texto de primeira página, no qual acusava o Estado Novo de se apropriar do nome de António Lopes e da herança por este deixada. «A verdade é que, embora o Estado tivesse comparticipado nas obras de tão elegante edifício, obras que estão por concluir e parecem eternizar-se, os Paços do Concelho da Póvoa de Lanhoso, que tanto deslumbraram os ilustríssimos visitantes, devem-se ao legado do saudoso benemérito desta terra, António Ferreira Lopes, a quem se deve, aliás, o magnífico Hospital, as novas Escolas, a Corporação dos Bombeiros, o Teatro, o formosíssimo jardim, a estrada para o Pilar e quase tudo aquilo que a vila possui de bom»42. As guerras com a Misericórdia e com a câmara da Póvoa de Lanhoso foram apenas algumas das muitas que João Augusto «comprou» e que levou até ao fim, dando sempre a cara em cada artigo por si escrito, ao contrário de muitos daqueles que passaram a ser seus detratores e que na maioria das vezes se escondiam por detrás de habilidosos pseudónimos. Torna-se necessário, aliás, dizer aqui que, estranhamente, pertencendo João Augusto a uma das famílias mais 92 | João Augusto Bastos

influentes da terra em termos sociais e financeiros, nunca o seu nome apareceu associado a qualquer tipo de cargo público ou político. Podia tê-los desempenhado, teve para isso condições e formação escolar e uma família suficientemente influente para o ter encaminhado. Mas é igualmente justo que se diga que isso não aconteceu só com o poeta de «A Minha Terra», repetindo-se, aliás, com quase todos os membros das famílias Lopes e Bastos: valiam pelo que eram e não pelo que tinham; pelo que podiam ser, dado o valor individual e não pelo que a influência familiar podia granjear-lhes. João Augusto foi apenas um exemplo — a forma como sempre defendeu a sua terra, o modo desassombrado como escrevia e expunha e o seu não-alinhamento com a situação, transformaram-no num homem que tinha um lugar muito particular no coração dos conterrâneos: os homens do regime temiam-no; os seus amigos admiravam-no, a

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ninguém era indiferente. Porque a sua capacidade de escrever era superior e a sua independência incomum. Mas a independência, a isenção e a frontalidade, em terras pequenas como a Póvoa de Lanhoso pagam-se caro. E João Augusto sentiu muitas vezes a indiferença, o ódio e a maledicência por parte dos seus conterrâneos, não dos mais humildes, mas das elites. Um dos seus muitos amigos contava que o poeta respirava de alívio quando, de regresso a Lisboa, chegado à «cancela vermelha», onde o concelho da Póvoa de Lanhoso terminava e começava o de Braga, se virava para trás para dizer: «Até à próxima, terra que eu amo, mas cujas classes dirigentes não prestam…» A ideia que tinha da sua terra ficou bem expressa numa carta, dirigida a seu primo Dário quando este publicou  Manuscrito do poema «Liberdade»: «Possui El-rei em todo o seu império / tesouros de valor incanculável; / a côrte mais soberba e mais notável / de todas as nações desse hemisfério. / Mas há qualquer razão, qualquer mistério, / na alma desse rei impenetrável. / Existe qualquer coisa indecifrável / naquele rosto frio e sempre sério. / Recorda até estátua de granito / com os seus olhos postos no infinito / como quem quer olhar a eternidade... / É porque El-rei, que tudo tem no mundo / só não possui o sol do vagabundo / e que se chama, apenas, liberdade». Parede, janeiro de 1954

o livro «Humildade e Presunção» e dada a público no semanário «Maria da Fonte» (e que integra a antologia breve que encerra este livro): «Bem sabes que esta boa gente da nossa encantadora Póvoa é pouco dada às letras, a não ser as comerciais ou de favor! Talvez, se tivesses enveredado por uma literatura mais utilitária e tivesses editado um Manual do Dominó ou um Tratado de Corte… de Casacas, o mercado livreiro povoense conseguisse esgotar a edição! Por outro lado, meu caro, deves saber, tão bem como eu, que a condição fundamental, concreta e absoluta para se triunfar na Póvoa de Lanhoso… é não ser da Póvoa de Lanhoso. Para o forasteiro, o arrivista, o salta-pocinhas, abrem-se todas as portas, estendem-se os braços, espalmam-se as mãos, ondulam-se as espinhas, beija-se-lhes as biqueiras. A ti,

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que és povoense, que nasceste nessa edénica Póvoa de Lanhoso,

 João Augusto com a

ninguém te liga. (...).

esposa, em agosto de 1954 t Cartão de sócio da Sociedade Portuguesa de Escritores

E quanto à nossa Póvoa, deixa lá. É que para nós, meu caríssimo Dário, existe a grande consolação de sabermos que os nossos netos não se deverão perder nessa terra que nos é madrasta»43.

Na verdade, João Augusto percecionava o futuro. Nem ele, nem o primo Dário, viram os seus netos crescer ou habitar a Póvoa de Lanhoso. «Charadismo» e prémios Ao longo da sua vida literária João Augusto foi poeta muitas vezes premiado. Entre as inúmeras distinções recebidas, contam-se os prémios de poesia organizados pela Emissora Nacional, pelo Ateneu Comercial de Lisboa, pela Casa do Ribatejo, pelo Grupo Desportivo da CUF, pelo Ginásio Vila-franquense, pelo Ateneu Setubalense, pelo O poeta d’ “A Minha Terra” | 95

Clube Atlético ou pelo Lusitano de Évora, bem como dos jogos florais das cidades de Sintra, Figueira da Foz, Beja, Évora, Cadaval, Costa do Sol, Praia da Rocha, Quarteira ou Faro, entre muitos outros de maior ou menor destaque. De entre os prémios mais importantes que recebeu, merecem referência a «Caravela de Ouro», no 1º Centenário da Cidade de Viana do Castelo, o «Prémio Embaixador do Brasil», nos jogos florais de Sintra, o «Prémio Embaixador de Espanha e do Ayuntamiento de Badajoz», nos jogos florais Luso-Galaicos e o «1º Prémio de Poesia Lírica», do Grupo Desportivo da Cuf. Nas décadas de 1940 até à sua morte, em 1965, foi um dos mais produtivos poetas portugueses a participar em prémios literários ou em jogos florais, tendo também participado e vencido em inúmeros certames na modalidade de conto. Era ainda figura destacada de várias associações culturais e literárias da capital, entre as quais se destacava Tábua Raza, na qual João Augusto foi recebido como uma estrela após ter  Dedicatória de Ferreira de Castro, em agosto de 1961 e, em baixo, anúncio da Auto Serviço de Fontarcada (1962) u Na página seguinte, duas imagens de uma festa de charadistas. João Augusto é o terceiro da esquerda para a direita, em ambas as fotografias

conquistado, numa só edição dos Jogos Florais de Alenquer, o 1º prémio para poesia lírica, o 1º prémio e uma menção honrosa para poesia filosófica, uma menção honrosa especial para conto, uma menção honrosa para soneto, duas menções honrosas para quadra humorística e uma menção honrosa especial para quadra sobre Alenquer. O discurso de boas-vindas no jantar de recepção como membro da Tábua Raza, foi proferido pela professora Cândida Florinda Ferreira, conhecida pedagoga e escritora44. Foi eleito Príncipe dos Poetas por duas vezes, tendo recebido também o título de Príncipe dos Poetas da Emissora Nacional onde, no programa de Igrejas Caeiro, fez grande sucesso. Textos seus, poemas e contos, foram, contudo, ditos ou sonoplasticizados em diversos outros programas da estação nacional de rádio, chegando num deles a ser declamado por João Villaret. Como charadista, e apesar de ter falecido há já perto de meio século, 96 | João Augusto Bastos

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João Augusto continua a ser relembrado com grande admiração por alguns dos seus pares, quer pela quantidade, quer, sobretudo, pela qualidade da sua produção, tendo sido, aliás, nas décadas de 1940 a 1960 um dos mais premiados praticantes portugueses da modalidade45. Utilizando especialmente os pseudónimos Rocambole e Ana Nikolevna, e às vezes assinando mesmo o próprio nome, foi autor de centenas de artigos, pensamentos, charadas e poemas nos diversos órgãos do charadismo nacional. Iniciou-se no charadismo ainda muito jovem, já que, em 1920 e com apenas 19 anos de idade, encontrámo-lo já colaborador da revista Esfinge, que tinha sede no Porto. Foi também colaborador de O Enigma, revista charadística da qual foi inclusive diretor. Desde que na década de 1930 passou a residir em Lisboa, tornou-se um dos mais assíduos colaboradores de O Charadista46,  Poeta maduro

órgão da Tertúlia Edípica. No seu número de janeiro-fevereiro de 1966 esta revista fez-lhe uma homenagem póstuma onde se lia: «Poeta primoroso, na verdadeira acepção do termo, deixou espalhado por várias publicações, especialmente charadísticas, muito do seu talento de filho das musas e dois interessantes e bem organizados livros de poesia (…). Foi um dos poetas mais laureados dos últimos anos, em torneios de poesia onde, ainda recentemente, obtivera os primeiros lugares nos Jogos Florais do Algarve e de Leiria, este, dias antes da sua morte, somando à vasta galeria dos galardões recebidos o que obtivera há anos atrás, nos Jogos Florais da Emissora Nacional, conseguindo o seu prémio máximo, sendo considerado o príncipe dos poetas da Emissora Nacional»47. Foi ainda colaborador regular do jornal A Charada, com sede em Lisboa, o qual, em maio-agosto de 1966 brindou também a sua memória com um texto póstumo onde se lê: «Poeta primoroso, os trabalhos de João Augusto tinham sempre um cunho de intensidade e dramatização poéticas que enleavam todos os que se extasiavam com as suas rimas, em estrofes cantantes e sonoras, onde o ritmo e a harmonia se se conjugavam num perfeito equilíbrio de métrica e de tema»48. 98 | João Augusto Bastos

t Polémica: Entre 26 de setembro e 17 de outubro de 1943, João Augusto publicou no semanário Maria da Fonte um texto em que critica Hugo Rocha, à época uma espécie de «vaca sagrada» do jornalismo nortenho, por causa da exposição a que este sujeitara cidadãos da freguesia povoense de Monsul, transformados em personagens do seu romance «Gentio Branco». Hugo Rocha responder-lheia no mesmo hebdomadário, em artigos dados a público entre 21 de novembro e 5 de dezembro do mesmo ano

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Os livros Em 1948, com chancela das Oficinas Augusto Costa, de Braga, João Augusto publicou o seu primeiro livro de poemas, intitulado Sol. Nele reúne seis dezenas de trabalhos em verso, muitos deles colhidos de entre a sua produção dispersa por jornais e revistas, mas contendo também um significativo número de inéditos. Muito bem recebido pelos seus pares, Sol, um livro que tem muito de auto-biográfico e onde o amor, as coisas simples do dia-a-dia e as geografias físicas e humanas da vida do poeta marcam forte presença, animou-o a repetir a experiência e, dez anos volvidos, em 1958, saiu a público, com chancela da Tertúlia Edípica, outro livro de poesia a que deu título de Terras Que Deus Abençoou. Este segundo livro de João Augusto, onde o poeta utiliza, uma vez mais, os contornos do observado para produzir obra apreciada, mereceu os maiores elogios da crítica da época, que o descreveu como «um livro de sentimento e exaltação patriótica a par de um delicado sentido lírico muito ao jeito português»49. O jornal O Século, na sua secção literária, faz um outro retrato desta obra de João Augusto, ao escrever:  Capas dos livros Sol e Terras Que Deus Abençoou

«Nesta época incerta da poesia vã e balofa ou com pretensiosos postiços de ideias frágeis tidas como rasgos de génio e de talento modernista, nem tudo felizmente se perdeu na arte delicada de fazer versos (…). Poeta fluente e inspirado, cantando o amor e a Natureza, o Sol, o luar, a água corrente dos rios e a beleza brutal das penedias e das rochas à beira-mar, João Augusto Bastos sabe, com simplicidade, traduzir em versos tudo quanto impressiona a sua alma de artista»50.

Quando morreu, em dezembro de 1965, João Augusto tinha em preparação mais quatro livros: um de quadras populares, a que iria 100 | João Augusto Bastos

chamar Sete Sílabas; outro, cujo título escolhido seria Sonetos; um

 Almoço oferecido ao

terceiro de poesia, intitulado Poemas mais que incompletos e, por fim,

charadista Leiria Dias, em 03-04-1955. À cabeceira da mesa Jorge Rebelo, seguindo-se-lhe, no sentido dos ponteiro do relógio, senhora Rebelo, senhora Leiria Dias, Polinário, Abel Rezende, Capitão Izidro Ganzo, João Augusto, Fernando Pesca, (não identificado), comandante Cais e Leiria Dias

um livro de contos e novelas, a que queria chamar Espantalhos51. A sua morte prematura levou, contudo, a que nenhum destes projetados livros viesse a ser publicado. Uma pequena parte dos poemas do seu espólio serviram para uma publicação póstuma, intitulada Fado Corrido (1966), organizada pelos seus filhos, enquanto alguns outros poemas foram inseridos na publicação Inéditos, dada a público em 1996, organizada e prefaciada por José Abílio Coelho. Existem, no entanto, alguns outros poemas, encontrados entre os seus papéis já depois da publicação deste último título, que continuam inéditos, alguns dos quais são publicados agora numa breve recolha que enO poeta d’ “A Minha Terra” | 101

cerra este trabalho. Dos contos e novelas que estariam prontos para o livro Espantalhos, vários dos quais haviam sido premiados em concursos literários ou lidos aos microfones da Emissora Nacional, é que ninguém sabe, infelizmente. «Morreu um poeta» Nos últimos anos de vida, já praticamente desligado dos negócios, mas, ainda assim, com muitas centenas de contos que eram suas  Diploma relativo ao 1º prémio nos jogos florais de Viana do Castelo

espalhadas por mãos alheias, João Augusto habitou num primeiro andar, alugado, na rua de Miguel Bombarda, número 27, na freguesia da Parede do concelho de Cascais. Com ele viviam a esposa e a filha Anita, já que o filho, João Augusto como o pai, um jovem oficial do exército, havia casado e morava em casa própria. Para além da sua situação económica não ser a melhor, a asma de que há muitos anos sofria foi-lhe atrapalhando os dias e mais ainda as noites. À asma vieram juntar-se graves problemas cardíacos. A partida do filho para uma segunda comissão de serviço na guerra colonial que Portugal travava então nas chamadas províncias ultramarinas, terá agravado ainda mais o seu já periclitante estado de saúde. João Augusto viria a morrer na sua residência, na Parede, no dia 8 de dezembro de 196552. Segundo a vontade várias vezes manifestada, incluindo na carta a Dário Bastos que publicou no semanário Maria da Fonte e que atrás transcrevemos, decidiu a família sepultá-lo no cemitério do Lumiar, em Lisboa, onde descansa o sono eterno. *

*

*

Pouco mais de duas semanas após o seu falecimento, a família foi informada de que a comissão organizadora dos Jogos Florais de Leiria lhe tinha atribuído o seu galardão maior: o título de «Príncipe dos Poetas». A sua morte foi noticiada por jornais do país inteiro. 102 | João Augusto Bastos

 Uma das últimas reuniões de charadistas em que João Augusto participou  Página de «O Charadista», nº 342, de janeiro-fevereiro de 1966, homenagem póstuma t A homenagem do semanário Maria da Fonte

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O semanário povoense Maria da Fonte, do qual João Augusto fora, durante décadas, dedicado e desassombrado cronista, deu à sua morte destaque de primeira página na edição de 9 de janeiro de 1966. Da matéria publicada, destacamos a seguinte frase: «Com o desaparecimento de João Augusto, fica mais um lugar  Capa dos livros póstumos

Fado Corrido e Inéditos e, à direita, centro da vila da Póvoa em 1965

vago no seio dos Bons Povoenses sendo, pelo que foi e pelo que fez, depois de Gonçalo Sampaio, a figura povoense mais relevante no meio cultural, pois através das suas obras elevou e propagandeou o bom nome da Póvoa de Lanhoso. João Augusto merece, por isso, esta singela homenagem e a enorme e eterna saudade de todos os bons povoenses. Morreu um Poeta! Morreu um Homem! Morreu um Povoense! Morreu João Augusto!»

No ano de 1966, a título de homenagem póstuma ao poeta, os seus filhos editaram o terceiro livro de João Augusto, ao qual foi dado o título de Fado Corrido. A partir daí, aos poucos, e ao contrário 104 | João Augusto Bastos

daquilo que vaticinara o semanário da sua terra, João Augusto foi sendo esquecido, fruto do comportamento de uma comunidade que raramente guarda memória dos que são verdadeiramente grandes. João Augusto não foi o único, nem será o último. Em 17 de maio de 1995, fruto sobretudo de uma dedicação extrema da sua filha Anita na divulgação a obra e da memória de seu pai, o município povoense, num gesto de homenagem ao poeta que tão bem cantou a sua terra natal e repondo a justiça que qualquer comunidade deve aos seus filhos mais distintos, atribuiu o seu nome a uma rua da freguesia sede do concelho. *

*

*

João Augusto Lopes Bastos, o poeta nascido nas Terras de Lanhoso mais premiado de sempre, o cidadão empenhado, o amante da liberdade, o marido, pai e avô carinhoso, o homem que gostava tanto da sua terra que sempre se sentiu magoado pela indiferença a que

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 Momentos distintos do mesmo poeta q Nas páginas seguintes: peças

em prata e filigrana que atestam alguns dos muitos prémios que o poeta ganhou em concursos literários e jogos florais, a sua caneta, o emblema de ouro da EN, e o autógrafo do autor de A Minha Terra

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esta votava os seus filhos mais apaixonados desapareceu há muito perto de cinco décadas. Morreu o homem, é verdade. Mas terá morrido o poeta, o cronista? Acreditamos que não; que, esse, pelo menos para os que amam a literatura e valorizam a memória, para os que olham atentamente o passado tentando aproveitar o que de melhor ele teve para ser aplicado no presente e para ajudar a preparar o futuro, se mantém vivo. E a melhor prova de que João Augusto vive ainda nos textos que escreveu e no exemplo que deixou, é que, quase meio século depois do seu desaparecimento físico, continuamos a lê-lo com agrado e a apreciar a forma como soube ser um cidadão exemplar e honrado.

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[Alguns prémios literários e breve antologia] João Augusto Bastos foi galardoado, ao longo da sua vida literária, com várias dezenas de prémios, muitos deles primeiros prémios, em concursos literários, jogos florais e campeonatos de charadismo. Dado parte significativa do seu espólio se ter perdido (um drama sempre presente na vida de todo o investigador...), não nos foi possível apurar nem a totalidade nem as datas em que venceu grande parte desses prémios. Descaminho levaram também muitos dos seus trabalhos, como os contos que deveriam compor o seu livro «Espantalhos» o qual, embora anunciado como no prelo, nunca foi dado à estampa. Apesar disso, mesmo sabendo que a listagem que se publica peca pela omissão de muitos dos prémios que ganhou, não quisemos deixar de aqui trazer uma indicação daqueles que foi possível apurar, com toda a certeza. Quanto à breve antologia que se publica a encerrar este capítulo, não se trata de trabalhos escolhidos entre os melhores, ou os mais premiados de João Augusto. Serve apenas para situar o leitor que nunca tomou contacto com a obra do poeta de A Minha Terra, tendo os textos editados sido colhidos em parte do seu espólio manuscrito e outros em jornais onde foram publicados, consoante as referências. Também não houve interesse em dá-los a público por ordem cronológica, pois constatámos que muitos não têm data e outros saíram nos jornais em tempo diferente daquele em que foram escritos. Por fim, fica a nota de que foram adaptados ao acordo ortográfico em vigor. Porque sendo textos entre os quais correram duas ou três dezenas de anos, estavam publicados com grafias diferentes, precisando por isso ser uniformizados. [Prémios] 1946 - Jogos Florais da Linha de Sintra/Diário de Lisboa e Club Atlético de Queluz. 1º Prémio em Poesia Lírica «Prémio Embaixador do Brasil» (Maria da Fonte, de 1 de setembro de 1946)

1946 - Jogos Florais de Alenquer: 1º Prémio – Poesia Lírica 1º Prémio Poesia Filosófica (+ menção honrosa) Menção Honrosa Especial (conto) Menção honrosa (soneto)

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Menção honrosa especial (quadra a Alenquer). (Maria da Fonte, de 7 de julho de 1946.)

1946 - Jogos Florais da Emissora Nacional 1º prémio. (Maria da Fonte, de 22 de setembro de 1946) 1946 - Conto transmitido na Emissora Nacional No dia 14 de setembro, a Emissora Nacional transmitiu um conto sonoplasticizado de João Agusto, intitulado «O Boisinho Malandrão» (Maria da Fonte, de 12 janeiro de 1947) 1947 - Jogos Florais «Ecos de Belém» 1º Prémio com a poesia «Pescadores» (Maria da Fonte, de 22 de setembro de 1946) 1947 - Jogos Florais da Emissora Nacional 1º prémio com a poesia «Castelo de Lanhoso»* 2º prémio na modalidade «Poesia Heróica»* (Os trabalhos assinalados com são aqueles em que, em posse da família, existem diplomas dos prémios)

1947 - Jogos Florais de Santarém 1º Prémio com a poesia «Manhã», recebendo ainda uma menção honrosa pela poseia «Denúncia» (Maria da Fonte, de 13 de julho de 1947) 1948 - Jogos Florais do Ateneu Comercial de Lisboa 1º prémio, na modalidade de poesia Lírica* 1948 - Jogos Florais do 1º Centenário de Viana do Castelo 1º prémio na modalidade Poesia Lírica Príncipe dos Poetas dos Jogos* 1950 - Jogos Florais da Curia Prémio do Júri* 1951 - Jogos Florais «Linhas de Elvas» Menção honrosa, com o poema «Venho de Longe»* 1953 - Jogos Florais Luso-Espanhóis «Cortes de Amor» Princípe dos Poetas pelo poema «Sinfonia da Terra e do Tempo»*

 «Príncipe dos Poetas» nos 10º Jogos Florais Luso-Espanhóis (1953)

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 «Príncipe dos Poetas» q Em baixo, a máquina de

1953 - Jogos Florais da Cidade de Beja Menção Honrosa na modalidade Poesia Heróica 1956 - Grande Concurso Literário «A Voz de Sintra» Prémio de Honra, com o poema «Eu tenho saudades» Prémio de Honra com o conto «O Espantalho» Prémio de Honra com o conto «O Pai Fora um Assassino» Prémio de Honra com o conto «A Mulher que não tinha Alma»* 1957 - Jogos Florais da Vila das Aves 1º Prémio na modalidade de Poesia Lírica com o poema «Vila das Aves»* 1960 - Jorgos Florais Galaico-Portugueses da Emissora Nacional 2º Classificado na modalidade Prémio Mensagem* 1961 - Jogos Florais da Costa do Sol (Cascais) 3º Prémio na modalidade de Poesia Lírica*

escrever que pertenceu a João Augusto Bastos

110 | João Augusto Bastos

[Antologia Breve] [Orgulho] Brutal na dor cruel que me enlouquece, Esmago contra o peito o coração, Para matar o mal duma paixão Que a pouco e pouco, o rosto de envelhece. Mas um amor ardente não fenece. Não morre tão depressa uma ilusão, É luz que não se apaga, é um clarão, Dum sonho bom que o peito nos aquece. Mas entretanto eu quero dominar, Esse tormento mais voraz que o mar, Que faz de mim um naufrago perdido. E se, de todo em todo, me perder, Prefiro bracejar até morrer, A abandonar-me a Ela por vencido. in Maria da Fonte, de 17 de agosto de 1924, p. 2 (Assinado com o pseudónimo de Rocambole, que João Augusto voltaria a utilizar anos mais tarde como charadista)

[O pior soneto] Não tenho chave d’oiro nem de prata e nem sequer a graça duma rima para compor os versos dum soneto na excelsa perfeição da poesia

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Não tenho a musa antiga dos poetas nem tenho a luz divina duma ideia. Sou pobre como é pobre a tela branca aonde falta a cor do próprio sol. Mas apesar de tudo me faltar eu tenho duas quadras mal medidas e logo, a par e par, os dois tercetos. E nem preciso e nem desejo mais, para compor, sem rimas nem medidas, o mais abominável dos sonetos.

[Sem título] O tempo não pára, nem param as horas e os lestos ponteiros, pautando segundos, sem logas demoras encurtam a vida, na rota do Nada e rodam e rolam as rodas dos mundos na eterna jornada dos céus infinitos. E bailam estrelas nos palcos etéreos na senda da luz enquanto na terra, os homens contritos carregam a cruz. E nos cemitérios há nomes nas campas que já ninguém lê; Há nuvens que passam de sul para norte; há santos nos nichos nos quais ninguém crê; há almas penadas nos braços da morte na bruma do tempo, nas rotas sem fim que vem do princípio da infância do mundo. 112 | João Augusto Bastos

E murcham as rosas no estéril jardim; e secam os rios nas minas sem fundo. Ao longo do vale que seguem os longevos caminhos da serra, sem os afiados espinhos dos tojos, há pão nas searas, há húmus na terra há erva nos fojos. Nas asas do vento as folhas ‘marelas de mais um outono, parecem as velas de barcas perdidas, sem leme e sem dono. E as sombras que passam de passos incertos nas pedras pisadas dos velhos caminhos, que parecem estepes, parecem desertos, sem rosas vermelhas, sangrando os espinhos. E os gritos de angústia das bocas amargas, são notas agudas nas cordas das harpas, são beijos do vento nas velas mais largas, são ondas que bailam trepando as escarpas. E passam soldados que vão para a guerra, ao ombro espingardas no peito saudades. E passam aos bandos, proscritos da terra as moças e moços que vão prás cidades. É tudo que passa na rota das horas são sombras de loiros de heróis esquecidos. Apenas não passa, nas longas demoras a eterna saudade dos entes queridos.

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[Sem título] A saudade que senti quando o barco de emigrante em que parti se fazia ao largo e as derradeiras nesgas de terra das praias do meu país se confundiam já, com o mar sem fim. (A saudade que os emigrantes de todo o mundo sentem quando os barcos se fazem ao largo e as nesgas de terra das praias dos seus países se perdem no mar sem fim.)

[Sem título] Uma guitarra, um fado... um português cheiinho de saudades e ternura Alguém que parte, em busca de aventura Alguém que fica e chora a viuvez O mar que na maré vem outra vez beijar a praia apaixonada e pura O vento que sibila de amargura do mal que sem querer, um dia fez. O sol que abraça a terra com fervor, a lua que nos fala dó de amor e alguém que já amou sem ser amado. 114 | João Augusto Bastos

Um chaile negro, um homem de samarra, gemidos langorosos da guitarra... Silêncio que se vai cantar o fado.

[Barca do destino] Remei contra a maré no frágil barco que as vagas destroçaram num repente. As ondas são farrapos, na torrente, e as fragas embandeiram sempre em arco. Cativo do destino eu só embarco na velha caravela sempre ausente do sonho, que de amor foi sempre parco ventura que se torna sol presente. Nem sei quem vai ao leme! E que tormento, se vejo as velas soltas pelo vento e sinto a minha nau singrar sem norte! Mas para que remar contra a maré, se Deus, em quem eu creio e tenho fé, há muito que traçou a minha sorte!

[Subiu mais alto] (À memória do aviador Melo Rodrigues) Dia de S. João — ardem fogueiras as últimas fogeiras da noitada. O povo canta. A vida é um quási nada, que se traduz, numa canção que finda.

O poeta d’ “A Minha Terra” | 115

Além é o céu, a região infinda aonde o sonho paira. A alma alada dum aviador que busca a bem-amada: uma glória imortal. A Pátria é linda... E sobre as nuvens brancas e revoltas aonde já não chegam as aves soltas ele tombou, como se fosse um salto A morte, a doida, foi brutal: colheu-o. — E o sonho — sonho dum herói — venceu-o? — Não! Ele não tombou... subiu mais alto. Braga, 24 de junho de 1934

[Viana tens um lugar (...)] Viana tens um lugar no mais bonito canteiro que Deus fez à beira-mar, onde a lua vem bailar e onde o sol é jardineiro. Viana das vianesas santinhas por devoção tão lindas, tão portuguesas... Todas elas são princesas dentro do meu coração. in, Obras Poéticas Premiadas nos Jogos Florais do Centerário da Cidade de Viana do Castelo, 1948

116 | João Augusto Bastos

[Bonecos de trapos] — Poesia premiada nos Jogos Florais Acelistas de 1942, in Maria da Fonte, de 9 de agosto de 1942 Caminham, saltando vielas e ruas — ai, pobres de Cristo! As loiras crianças, famintas e nuas... E chamam a isto a Terra de todos! — Ai pobre pobreza... Escárneo do mundo! Não há uma força que venha em defesa do tal vagabundo boneco de trapos, boião por abrir, que vai por caminhos, vielas e ruas, de mãos estendidas e sempre a pedir? — Ai pobres crianças, famintas e nuas! Que enorme feitiço, Permite que exista no mesmo jardim As rosas tão frescas e os lírios sem viço E cravos vermelhos ao pé dum jasmim? A terra que gera a semente do pão Não pode e nem deve tornar-se madrasta Dos pobres de Cristo, dizendo que não Às bocas famintas, vergando-se à casta Dos ricos, que embora, com tanta riqueza E seus pergaminhos de reis e de nobres Não podem comprar-lhes, com grande tristeza, A santa alegria, fartura dos pobres... Talvez que Jesus, Um dia, sem custo, Descendo da Cruz Consiga ofertar-nos um mundo mais justo!

O poeta d’ “A Minha Terra” | 117

[Estou doente] Vou ao médico. Estou doente. Mas hoje não há doentes. Há festa na capital Vai passar o presidente Há foguetes e balões. Ninguém quer o presidente mas há bandeiras e colchas nas janelas e varandas. São assim as multidões Crianças eternamente Nunca sabem o que querem Querem tudo, nada querem... e se tornam a querer mudam logo de repente. Há festa na capital vai passar o presidente com foguetes e balões. O povo não tem tristezas São assim as multidões. Vou ao médico. Estou doente. Cascais (no consultório do Dr. Victor), 09/08/58

[Só tu, coração] Num cacho de coisas — de coisas passadas — saudosas saudades do tempo de infância, só tu coração, coitado, repoisas nas lages do tempo, nos ferros das grades da tua prisão. 118 | João Augusto Bastos

Nem tens uma história, traçada num traço de tinta vermelha, da tinta que é sangue, que marca o Destino, que é nó e que é laço, que é luz e centelha, romeiros da vida, do sol peregrino. És alma caída do agudo rochedo, num mar de tormentas, nas noites sem sonhos, nas nuvens sem céus nas sombras do medo, nas horas do tédio, nas tardes cinzentas, nas vidas sem Deus. Num molho de coisas, de versos sem rimas, de penas sem ais, só tu, coração, coitado reparas e mesmo liberto, tolhido não sais, das portas abertas da tua prisão. Talvez, porque gostes beber gota-a-gota o fel d’amarguras num copo sem fundo e a alma que é louca, que é ébria e que é rota lá segue insegura aos tombos, no mundo. Num mundo de coisas — de coisas passadas no longo passado coitado, repoisas só tu coração, que a história não passa dum tudo frustrado das cordas partidas do meu violão.

O poeta d’ “A Minha Terra” | 119

[Sem título] Cegueira que não quer ver o que as almas têm no fundo, é como o sol a nascer em nevoeiro profundo. Sei que vês de olhos fechados o que vai dentro de mim, é que os meus olhos, coitados, só sabem dizer que sim. Com os teus lábios selei contratos do coração, e ainda hoje não sei porque sim e porque não. O teu coração não finge, não me engana o teu olhar? Tu és pra mim uma esfinge que tento em vão decifrar. Uma verdade é mais dura, do que mais dura mentira. A ilusão dá a ventura, que uma verdade nos tira. Se gosto não fosse gosto, que seria do amarelo! Porque gosto do teu rosto e digo sempre que é belo?

120 | João Augusto Bastos

[A meta final] — conto, [1º Prémio – Flor em ouro, nos Jogos Florais Acelistas, de Lisboa], in Maria da Fonte, de 31 de agosto de 1941. João Alberto era uma figura das mais populares entre a rapaziada do atletismo. Corredor de fundo, o seu busto miudo, mas enérgico, aparecia em todas as provas da modalidade. Nunca fora um campeão, mas sempre se distinguira pelo seu espírito combativo e de excelente camaradagem. A malta às vezes espicaçava-o: — Ó João, quando chegarás um dia à meta em primeiro lugar? O rapaz sempre bem humorado, respondia invariavelmente: — Um dia serei o primeiro, vocês verão! Poucos sabiam compreender o belo espírito do João Alberto, aquele espírito de «equipe», infelizmente, tão pouco comum entre a nossa massa desportiva. Todos os clubes têm os seus consagrados, os seus campeões, que, com certas faculdades e preparação, ocupam a primeira linha nas pugnas com os adversários mais próximos. O João compreendia isso muito bem e portanto, embora com a justificada aspiração de vencer, não tinha pretenções irrisórias e quando alinhava ao lado dos seus camaradas, uma só preocupação se arreigava no seu espírito: ajudar os seus camaradas a vencer e portanto o seu clube a triunfar. E quando corria ora «puxava» os companheiros de equipa, ora «estoirava» tacitamente o adversário, mas sempre com a maior lealdade. E avançando muito nas primeiras voltas, dispensando energias a rodos, quantas vezes era o último a chegar à meta. Não o preocupava tal classificação, absolutamente satisfeito consigo próprio, pelo dever cumprido e por ter contribuído para a vitória dos seus camaradas e pelo triunfo do seu clube. — Um dia serei o primeiro, vocês verão! – clamava ele em resposta aos seus amigos. Uma vez o campeão do seu clube, fraquejando, estava sendo vencido, por um desportista adversário. João conseguiu colar-se ao seu companheiro de equipa, encorajando-o e levando-o finalmente à vitória. E desta vez, com a maior facilidade, teria sido se assim o quisesse, o primeiro, o vencedor. A rapaziada que não soube compreender o gesto nobre de João, vá de retorquir-lhe: — Eh! Pá, hoje foi por pouco! O nosso herói sorriu e retorquiu-lhes: — Um dia será, um dia será. * * * * * *

O poeta d’ “A Minha Terra” | 121

Veio a guerra e João, como a maior parte dos seus companheiros, fora mobilizado. No espaço acanhado e lugubre das trincheiras, as horas corriam monótonas para a “malta» habituada à liberdade dos campos, à larguesa da pista e aos beijos do sol. Não era o fantasma da morte, não era o matraquear das metralhadoras e nem o troar do canhão que entristecia a rapaziada. Era aquela prisão forçada, que lhes tolhia os movimentos e lhes imobilizava as pernas ansiosas por galgarem o espaço. Um dia porém, pela calada da noite, a soldadesca teve ordem de avançar. Esta ordem foi recebida com inequívoca satisfação, principalmente pelos atletas de sempre e quando pela madrugada, aos primeiros raios de sol, o comandante ordenou uma carga à baioneta, a rapaziada, ligeira como gazelas, carregada com bravura em busca dos seus adversários do momento. O João Alberto corria à frente de todos, passos lestos e firmes e olhando sempre em frente, como quem procura alcançar ávidamente a meta final. De repente, o inimigo que se encontrava embuscado, despeja sobre os heroicos soldados, uma chuva de ferro e de fogo. O João Alberto fora o primeiro a tombar, mortalmente ferido. Alguns companheiros tentaram socorrê-lo, mas o pobre João que agonizava apenas teve tempo para apontar o céu e murmurar: — Eu não vos dizia, meus amigos, que um dia seria o primeiro! E a alma desprendendo-se do corpo sem vida, atingiu finalmente a meta do infinito!»

[O nosso jornal… outra vez] — crónica, in Maria da Fonte, de 9 de agosto de 1942 «É sempre com profundo contentamento que aceito o agradável encargo de dirigir dois ou três números de o «Maria da Fonte». Este acontecimento é festejado uma vez por ano e represente uma trégua de trezentos e tantos dias de luta quotidiana. Para mim, as férias; para o camaradinha Carvalho, o veraneio; para os colaboradores habituais do nosso semanário uns dias de repouso. E até os leitores do «Maria» descansam neste período, com o jejum forçado, pela falta de artigos suculentos que eu não possuo para ofertar-lhes. Não há palavras com que se possa manifestar a satisfação de uns dias de férias na terra que nos foi berço e junto àqueles que nos são queridos. 122 | João Augusto Bastos

São alegrias tão íntimas que não devem ir além das fronteiras do coração. Mas o que vos posso dizer, porque esse sentimento pertence ao meu querido público, é que sinto uma infinita alegria, quando entro nos umbrais da redacção do nosso jornal, onde durante algum tempo batalhei, ao vosso lado, como vosso amigo e camarada. Aqui me encontro outra vez, não para batalhar, pois em contraste com o mundo, vivemos agora em boa paz, mas para cavaquearmos um pouco, à sombra da nossa tranquilidade. Conversaremos como bons amigos numa íntima troca de impressões.»

[A Misericórdia] — crónica, in Maria da Fonte, de 30 de setembro de 1945 «A melhor homenagem que se pode prestar à memória de António Ferreira Lopes é respeitar a sua obra, acarinhando-a e engrandecendo-a. Não é apenas com sessões solenes comemorativas, onde se fala muito no seu nome para salientar o nome dos outros, que melhor se honra a sua memória. Não é, tão pouco, com projectos mais ou menos grandiosos, que repousam ao canto dum cofre forte, nem com promessas feiticeiras atiradas ao vento que a sua obra poderá ser engrandecida. Menos palavras e mais factos! Já não seria mau, que em vez dos projectos e das promessas feiticeiras se olhasse devidamente pelo que o grande benemérito nos legou e fosse, ao menos, conservado esse património. Tal não se dá. O Hospital, o nosso Hospital, parece quasi abandonado, e, não exageramos, ao afirmar que está em princípio de ruína. António Ferreira Lopes, no dia em que se ergueu essa extraordinária obra, que é o Hospital, que ele mandou construir para os pobres, deixou de pertencer à sua família para pertencer à família de todos. É portanto a opinião pública que sobe à tribuna para acusar aqueles que não têm sabido cumprir o seu dever. Não nos importam nomes, não nos importa a política de grupelhos, não nos importa A ou B. Olhamos ao cargo e não ao homem. Olhamos à confraria e não ao grupo.

O poeta d’ “A Minha Terra” | 123

Visitámos há dias o Hospital. É desolador observar o estado a que chegou essa Casa, que foi amparada com tanto carinho pelo seu fundador, essa obra grandioso de que todos os povoenses tanto se orgulharam, essa misericórdia onde os pobres vão mitigar um bálsamo para as suas dores. Causa pena ver aquele belo átrio de pavimento a cair, sobre um balneário em completa ruína! Faz dó entrar no belíssimo e nobre salão onde se encontram os retratos de António Lopes e sua excelsa Esposa, que parecem olhar com lágrimas de sangue as chagas podres daquelas paredes. Mas há mais, muito mais… E tudo isto é do conhecimento da maioria dos povoenses. O nosso protesto aqui fica, como povoenses que somos.»

[Carta sem franquia] — crónica, in Maria da Fonte, de 30 de dezembro de 1962 «Meu caro Dário: Quando, há tempo nos encontramos e me disseste, como grande novidade, que tinhas vendido, a contado, um exemplar do teu livro, cheguei a pensar que era uma das tuas inocentes e ocasionais patranhas. Porém, repetiste e afirmaste tão categoricamente o teu sucesso, que não duvidei nem mais um momento. Pois, caro Dário, podes ter a certeza de que cometeste feito de vulto! Bem sabes que esta boa gente da nossa encantadora Póvoa é pouco dada às letras, a não ser as comerciais ou de favor! Das outras, das de forma, raramente vai além do [Primeiro de] Janeiro ou do Comércio do Porto. Talvez, se tivesses enveredado por uma literatura mais utilitária e tivesses editado um Manual do Dominó ou um Tratado de Corte… de Casacas, o mercado livreiro povoense conseguisse esgotar a edição! Por outro lado, meu caro, deves saber, tão bem como eu, que a condição fundamental, concreta e absoluta para se triunfar na Póvoa de Lanhoso… é não ser da Póvoa de Lanhoso. Para o forasteiro, o arrivista, o salta-pocinhas, abrem-se todas as portas, estendem-se 124 | João Augusto Bastos

os braços, espalmam-se as mãos, ondulam-se as espinhas, beija-se-lhes as biqueiras. A ti, que és povoense, que nasceste nessa edénica Póvoa de Lanhoso, ninguém te liga. Os teus livros de versos e de prosa, ninguém tos compra. E mesmo, como caixeiro-viajante, julgo que nem te dá para a despesa! Tenho a certeza que tens mais amigos e fazes mais negócio lá para Faro ou Vila Real de Santo António, a mais de seiscentos quilómetros, que na tua terra. E, meu amigo Dário, o remédio é aceitar os factos e pagar-lhes na mesma moeda. Continua a deambular por esse Portugal fora, quer como caixeiro-viajante, a oferecer os teus artigos, quer como poeta, para subires às alturas e rogar ao Sol que tenha pena daqueles vermes que rastejam nas sarjetas. E entre a Humildade e Presunção encontrarás de novo o João das Malas, junto às serranias transmontanas, o Preto Piedades no buliçoso Algarve, o Aniceto Mendonça no polícromo Ribatejo, a Maria de Fátima talvez a esmo nos ermos caminhos do Alentejo, e o Barnabé e o Rebordão e tantos outros a quem estendeste a mão para os trazer à vida e a quem terás que abrir a alma, para que todas as letras de seu sentir não fiquem eternamente por soletrar. És um caminheiro muito veloz, terás que demorar um pouco mais, com os teus amigos, mesmo para aqueles que se besuntam todos de presunção. E quanto à nossa Póvoa, meu caro, deixa lá. É que para nós, meu caríssimo Dário, existe a grande consolação de sabermos que os nossos netos não se deverão perder nessa terra que nos é madrasta».

[O senhor que se segue], crónica, in Maria da Fonte, de 17 de novembro de 1963 «Sempre que regressamos ao aconchego da terra natal, mesmo que a ausência não seja longa, somos dolorosamente supreendidos com a cruz negra, em folha tarjada, pregada na porta, a anunciar a morte. Porém, não vemos ninguém de luto, nem deparamos com faces inquietadas, nem tão pouco descobrimos olhos marejados de lágrimas! Tudo calmo, na tranquilidade de uma vida regalada, sem pesares e sem qualquer nota aguda que nos fale de tragédia. Nem ao menos um olhar velado e ausente, que nos lembre uma saudade pungente…

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É, pois, com cuidado e certo receio que timidamente perguntamos por quem os sinos dobram! — Pois não sabe, foi a Música? (dizem-nos desplicentemente). — A Música? — retorquimos, com os olhos esbogalhados de espanto. — Sim, foi a Banda dos Bombeiros Voluntários que deu a alma ao criador! (responder descontraidamente). Já não estávamos espantos. É a crua realidade! Mas como não hão-de morrer as velhas tradições se, na Póvoa, hoje, o que menos há são povoenses? De entre a gente que agora, quem se lembrará daquela afamada banda, que se batia com os de Revelhe, que aparelhava com a famosa Banda dos Moleiros, de S. Tiago de Riba Ul, e tantas outras, de grande nomeada? Quem se recordará, ainda, de regentes e músicos, que foram dos melhores do País: do Custódio Pardelho, do Delfim, do Magalhães e dessa grande figura nacional que foi o maestro Sousa Morais? E se numa pequena e rápida invocação lembrassemos nomes, como por exemplo o Padre Francisco, o Faustino, o José Cândido, o Melro, o Américo Castilho e outros tantos, que a morte levou, e ainda de alguns que, felizmente, ainda hoje são vivos, mas que ninguém os reconheceria dentro de uma farda de músico, e que citaremos ao acaso, como o Zé Pinto, o Jesuíno, os irmãos Abreu Dias, o Luís Pinto, o António Santos — sei lá — e outros tantos que são para a grande maioria outras tantas folhas caídas nas sargetas do ostracismo! Podemos dizer que as gerações de hoje não apreciam os sons harmoniosos e cadenciados de uma sinfonia e que andam no circo da vida com as cabeças estonteadas pela loucura do futebol, a febre que abrasa a imaginação dos homens de hoje! Mas não, na Póvoa nem «futebóis» resistem! Não está, ainda, a cruz negra na porta, mas consta que o velho Sport Clube Maria da Fonte já entrou em franca agonia. Não tardará que os sinos dobrem! E é já, assustados, que perguntamos ao Destino da Póvoa: — Quem é o senhor que se segue?»

126 | João Augusto Bastos

[Algumas charadas de João Augusto] «Homem sem tento é como nau sem vento». in O Charadista, nº 226/227, p. 10. «O Mundo é um moinho onde uns são a farinha e os outros as moendas». in O Charadista, nº 226/227, p. 12 «No mercado da vida o elogio-mútuo é moeda corrente em muito negócio». in O Charadista, nº 228/229, p. 17 «Virtude é ser-se santo onde há pecado, porque no céu é fácil viver-se sem mácula». in O Charadista, 281/282, p. 42 «A vida é um rápido minuto de bonança para longas horas de tormenta». in O Charadista, nº 307, p. 32 [Algumas charadas sob pseudónimo de Ana Nikolevna] «Quem fala muito e pouca trabalha, não vai muito além da migalha». in O Charadista, nº 286/287, p. 24 «Moinho sem farinha e trabalho sem proveito, ou falta de grão ou falta de jeito». in O Charadista, nº 306, p. 33. «A esperança é uma rosa que até nos espinhos tem perfume». in O Charadista, nº 323, p. 31

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[Notas e bibliografia]

128 | João Augusto Bastos

Notas do poema A Minha Terra,

pp. 11-16

Bastos, João Augusto, «A Minha Terra», in Terras Que Deus Abençoou, Lisboa, Tertúlia Edípica, 1958, pp. 22-31. 2 Refere-se à Póvoa de Lanhoso, no coração do Minho. 3 João Augusto esteve emigrado no Brasil e, para além disso, viajou pelo menos para França. 4 Refere-se ao castelo de Lanhoso. 5 A alta montanha é o monte do Pilar, no cimo do qual se encontra edificado o castelo. Diz-se que em dias limpos, se avistam daquele lugar vários concelho, terras de Espanha e, até, o mar. 6 Maria da Fonte é o nome dado a uma revolta popular, cujo epicentro foi o concelho da Póvoa de Lanhoso, no ano de 1846. Para um melhor conhecimento deste tema pode ler-se, entre outros, Capela, José V.; Borralheiro, Rogério, A Maria da Fonte na Póvoa de Lanhoso. Novos documentos para a sua História, Póvoa de Lanhoso, Câmara Municipal da Póvoa de Lanhoso, 1996. 7 Refere-se ao mestre de primeiras letras José Joaquim de Freitas Guimarães, que ensinou na escola da vila durante várias décadas. Morreu no hospital António Lopes, em 1919. 8 Portela é um dos lugares da vila da Póvoa. Situado sobre imensa mole granítica a que chamam «Laje da Bela», era local de secagem de milhos no tempo das colheitas. Ali se situavam muitos cobertos de sequeiro, alguns dos quais ainda hoje existem, abandonados ou transformados em casas de residência. 9 Quinta ou casa das Bouças, sita na avenida da República, era propriedade dos pais do poeta. Ao contrário daquilo que consta deste poema, a Casa das Bouças não foi herdada pelo seu pai, mas por ele construída com dinheiro, esse sim, herdado, mas do tio António Ferreira Lopes. 10 Tendo nascido no Brasil, filha de portugueses, Elvira Maria viajou, quando jovem, acompanhada pelos pais e por outros familiares, por quase toda a Europa. 11 O Natal e a consoada são dois dos temas mais tratados na obra poética de João Augusto Bastos. 12 Alfredo, Toneca e Anita, bem como Lindoca e Maria, eram seus irmãos. 13 Formigos e rabanadas são doces típicos da consoada minhota. 14 Bombo. 15 Refere-se ao padre Joaquim de Sousa, que habitava no largo de Barbosa Castro. Não tinha paróquia, mas dizia regularmente missa na igreja do Amparo, que servia a vila. 16 Refere-se a João António Soares da Silva, com padaria na vila da Póvoa. 17 Refere-se ao padre Francisco Dias, de Fontarcada. 18 Landó era uma carruagem de transporte de pessoas, coberta e puxada em geral por dois cavalos ou mulas. Era um dos veículos que, no primeiro quartel do século XX, fazia transporte de pessoas da Póvoa de Lanhoso a Braga, e vice-versa. 19 Refere-se a António Queiroga, um comerciante da terra que, entre outros negócios, se dedicou aos transportes entre a Póvoa de Lanhoso e Braga. 20 Cada uma das duas porções de cabelo que, na cabeça, se apartam, por meio de risca, e se enrolam ou assentam sobre os temporais. 21 João Cego era um mendigo que nos inícios do século XX viveu na vila da Póvoa. Sofrendo de doença mental, era constante altercador do sossego público. Não confundir com João de Almeida, nascido na Póvoa no último quartel do século XIX, que enriqueceu enquanto emigrante no Brasil. Já adulto, cegou, sendo também conhecido no meio povoense pela alcunha de «João Cego». Construiu duas das mais bonitas casas da vila da Póvoa. Diz-se que era de difícil trato sendo por isso muitas vezes confundido com o outro João Cego, citado por João Augusto. 22 As «sardinheiras» costumavam correr as ruas da vila com as canastras do peixe à cabeça, que vários dias por semana era trazido de Matosinhos. Para avisarem os fregueses da sua aproximação, traziam uma corneta que tocavam, chamando à rua quem pretendesse comprar o produto. 23 Manuel José Pereira, dito o Necas Planeta, habitava no bairro da Portela e era magarefe. Também comprava e vendia gado bovino e cavalar. Faleceu no hospital António Lopes, aos 82 anos de idade, em fevereiro de 1969. 1

O poeta d’ “A Minha Terra” | 129

São José, a 19 de Março, era (e ainda é) o dia feriado do município, realizando-se uma grande feira-franca famosa em toda a região. Hoje, para além da feira, constitui-se também como festa religiosa. 25 Café de Arlindo Macedo, que se situou no largo de António Lopes. 26 Refere-se de novo ao padre Joaquim de Sousa (ver nota 16). 27 Uma das mais importantes famílias do concelho, até meados do século XX. Vivia em São João de Rei, onde era proprietária da casa do Ribeiro e de um conjunto enorme de propriedades agrícolas, espalhadas por várias freguesias. Dali emergiram vários poetas povoeses, entre os quais se destacam João Veloso de Almeida e sua irmã Vírgínia Pedrosa, e o filho desta, António Celestino. 28 O padre José Carlos Simões Veloso de Almeida foi, após a morte dos seus pais, o senhor da casa do Ribeiro. Foi professor e diretor de um colégio em Guimarães, frequentado por João Augusto. 29 Refere-se aos doutores João e Adriano Carlos Simões Veloso de Almeida, irmãos das invocadas senhoras e do padre José Carlos. Eram ambos advogados. As biografias de parte das pessoas referidas por João Augusto Bastos neste poema, bem como as de outras pessoas que se citam ao longo deste trabalho, podem ser consultadas no blogue: http://dicionariodepovoenses.blogspot.pt/ 30 Cruzeiro e Arrifana são lugares da freguesia de Fontarcada, onde se situa o templo medieval que restou do cenóbio beneditino que lhe deu nome. 31 Frades, S. Gens de Calvos, Monsul, Verim, S. Bento e Donim (Stº Emilião), Vilela, tal como Louredo, Galegos, Covelas, Ferreiros, Geráz, Lanhoso, Taíde, Friande e Ferreiros são algumas da 29 freguesia de concelho da Póvoa de Lanhoso. 32 Nossa Senhora de Porto d’Ave venera-se no santuário do mesmo nome, sito na freguesia de Taíde, onde todos os anos, no primeiro domingo de setembro, se realiza uma das grandes romarias do baixo minho. Cf. Araújo, Maria Marta Lobo de, A Confaria de Nossa Senhora do Porto de Ave. Um itinerário sobre a religiosidade popular do Baixo Minho, Taíde-Póvoa de Lanhoso, Confraria de Nossa Senhora do Porto de Ave, 2006 33 Quintela é um lugar da freguesia de Taíde, onde, todos os anos, se realiza, a 25 de março, a chamada feira dos 25. Deve ter sido engano de João Augusto chamar-lhe a «feira dos quinze». 34 Cancela Vermelha é o local onde se dá a divisão entre os concelhos de Póvoa de Lanhoso e Braga. Era assim designado por ali existir, à face da estrada nacional, uma grande cancela em madeira pintada de cor vermelha. Nos finais século XIX e até à década de 1970, era um lugar muito conhecido por ser ali que as elites locais iam esperar e se iam despedir das altas individualidades que visitavam o concelho. 35 Monte alto, existente na freguesia de Lanhoso. Teve ocupação durante a romanização, facto pelo qual, durante muitos séculos, surgia muitas vezes como espécie de irmão gémeo do monte do Pilar. 36 O conjunto sacro existente no monte do Pilar, às margens da vila da Póvoa, possui um campanário com três sinos. O seu toque, elegante e bastante distinto de todos os outros que se conhecem nas redondezas, fazia os encantos dos habitantes da vila e freguesias vizinhas, que o escutavam. Era um sino muito utilizado para assinalar o cumprimento de promessas pois, na maioria das vezes, tocava quando ali iam romeiros ou outros devotos e faziam ofertas à igreja. Os «brasileiros» das vizinhanças eram presença assídua quando regressavam ao torrão natal, deixando boa esmolas e ex-votos. Quanto à Fonte dos Fornos era uma bica de água fresca e cristalina que existia no lugar do mesmo nome, na área da vila. Ainda hoje se repete que, que «beber água dos Fornos não sai mais da Póvoa». Há poucos meses, após algumas decadas ocultada por uma parede construída no local, foi posta de novo a funcionar, e à vista, pela junta de freguesia da Póvoa de Lanhoso. 24

130 | João Augusto Bastos

Notas do capítulo Introdução,

pp. 17-36

Para melhor se compreender este período, consultar, entre outros, Sardica, José Miguel, O Século XX Português, Lisboa, Texto Editores, Lda., 2011. 2 Censos da População do Reino de Portugal no 1º de Dezembro de 1900, Fogos – População de Residência Habitual e População de Facto, distinguindo sexo, naturalidade, estado civil e instrução elementar, vol. 1, Lisboa, Imprensa Nacional, 1905. 3 Cf. Marques, A. H. de Oliveira; Rodrigues, Luís Nuno, «A Sociedade e as Instituições Sociais», in Serrão, Joel; A. H. de Oliveira Marques (dir.), Portugal, da Monarquia para a República. Nova História de Portugal, (vol. XI), Lisboa, Editorial Presença, 1991, pp. 187-189. 4 Para um melhor conhecimento deste tema pode ler-se Freitas, Paulo Alexandre Ribeiro, Mea Popula de Lanyoso. Forais de Lanhoso, Póvoa de Lanhoso, Câmara Municipal da Póvoa de Lanhoso, 1992. 5 A evolução da imprensa povoense pode conhecer-se através de Coelho, José Abílio, Rascunhos da História: Subsídios para a história da imprensa nas Terras de Lanhoso, Póvoa de Lanhoso, ed. do Autor, 1994. 6 Para um melhor conhecimento do Portugal da primeira década do século XX, leia-se Bonifácio, Maria de Fátima, A Monarquia Constitucional (1807-1910), Lisboa, Texto Editores Lda., 2010, e muito especialmente as páginas 113-185; Para o tema transportes, conferir Machado, Rita Silveira, «Estradas», in Dicionário Enciclopédico da História de Portugal, (vol. 1), Lisboa, Publicações Alfa, 1991, pp. 224-225. 7 Cf. Coelho, José Abílio, Rascunhos da História: Subsídios para a história da imprensa nas Terras de Lanhoso..., pp. 19-24. 8 Para um melhor conhecimento desta matéria, ler, entre outros Pereira, Miriam Halpern, A política portuguesa de emigração. 1850-1930, Lisboa, A Regra do Jogo, 1981; Cruz, Maria Antonieta, «Agruras dos Emigrantes Portugueses no Brasil. Contribuição para o estudo da emigração portuguesa na segunda metade do século XIX», in Revista de História do Instituto Nacional de Investigação Científica, Porto, Centro de História da Universidade do Porto, vol. 7, 1986-1987, p. 7-134; Monteiro, Miguel, Migrantes, Emigrantes e Brasileiros (1834-1926), Fafe, ed. Autor, 2000; Alves, Jorge Fernandes, «Terra de Esperanças – O Brasil e a Emigração Portuguesa», in Portugal e Brasil – Encontros, desencontros, reencontros, Cascais, Câmara Municipal, 2001, pp. 113-128; Jorge Fernandes, «O ‘brasileiro’ oitocentista: representação de um tipo social», in Vieira, Benedicta Maria Duque (org.), Grupos sociais e estratificação em Portugal no Século XIX, Lisboa, ISCTE, 2004, pp. 193-199; Alves, Jorge Fernandes, «Atalhos batidos. A emigração nortenha para o Brasil», in Atalaia. Revista do CICTSUL, Centro Interdisciplinar de Ciência, Tecnologia e Sociedada da Universidade de Lisboa. (Disponível em: http://www.triplov.com/atalaia/alves.html - consulta em 22 de Maio de 2012); Pereira, Maria da Conceição Meireles, Santos, Paula Marques dos, «Legislação sobre a emigração para o Brasil na I República», in Sousa, Fernando, Martins, Isménia, Matos, Izilda (coord.), Nas Duas Margens. Os Portugueses no Brasil, Porto, CEPESE, 2009, pp. 307-327. 9 Cf. Bastos, Paixão, No Coração do Minho: A Póvoa de Lanhoso Histórica e Ilustrada, Braga, Tipografia Henriquina a Vapor, 1907, pp. 95-97. 10 Silva, José Bento da, Sport Clube Maria da Fonte. Uma história com Amor, Póvoa de Lanhoso, ed. do Autor, 2001, pp. 75-78. 11 Sobre este tema pode ler-se Ramos, Rui, D. Carlos, Lisboa, Círculo de Leitores, 2006. 12 Para um melhor conhecimento da temática, conferir Marques, A. H. de Oliveira, A Primeira República Portuguesa. Para uma visão estrutural, Lisboa, Livros Horizonte, 1970; Magalhães, Joaquim Romero de, Vem aí a República! 1906-1910, Coimbra, Almedina, 2009. 13 Para aprofundar este assunto cf. Coelho, José Abílio, Paixão Bastos (1870-1947): Vida e Obra de um Escritor de Província, Póvoa de Lanhoso, Jornal Terras de Lanhoso, 2007. 14 João Albino de Carvalho Bastos, pai do poeta foi sócio, com o nº 3.223, do CER — Centro de 1

O poeta d’ “A Minha Terra” | 131

Estudos e Recreio António José de Almeida, cidadão que viria a tornar-se presidente da República (1919-1923) e que cultivou relações de amizade pessoal com o patriarca da família, António Ferreira Lopes. Era ainda um dos poucos povoenses que, todos os anos, no dia 5 de Outubro, fazia hastear na varanda da sua casa a bandeira verde-rubra. Cf. Coelho, José Abílio, António Ferreira Lopes, Comendador da Ordem de Cristo, Póvoa de Lanhoso, Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários da Póvoa de Lanhoso, 1910, pp. 16-22. 15 Para além de João Albino de Carvalho Bastos, a bandeira nacional era hasteada no 5 de outubro na estação de Correios e Telégrafos, nos Bombeiros e na sede do Sport Clube Maria da Fonte. A câmara costumava festejar a data com a atuação de uma filarmónica e com uma sessão de morteiros na alvorada. Cf. jornal Maria da Fonte, nº 40, de 11 de Outubro de 1931. 16 Filho de um irmão de seu pai, o também poeta e jornalista Albino Osório de Carvalho Bastos, Dário Bastos nasceu na Póvoa de Lanhoso a 1 de Março de 1903. Cf. Silva, Fátima, Castro, Olga, Dário Bastos. O poeta e o democrata, Baguim do Monte, Junta de Freguesia de Baguim do Monte, 2009, p. 5. 17 Bastos, Dário, Rua, Porto, Imprensa Social, 1968, Pág. 13-14. 18 Apesar de «comunicada a todo o país via telégrafo», a notícia da implantação da República tardará a chegar à província. Até no Porto, a segunda cidade do país, «existia um grande desconhecimento sobre o que tinha ocorrido na capital» e «a principal razão residia no facto das comunicações telegráficas e telefónicas entre Porto e Lisboa terem sido cortadas, e a ligação ferroviária entre as duas cidades se encontrar também interrompida em virtude da linha do Norte ter sido levantada em três pontos (…)». Cf. Cordeiro, José Manuel Lopes, Desafios à República. Cidade inconformada e rebelde, in «História do Porto», nº 13, Porto, QuidNovi, 2010, p. 9. 19 Cf. Maria da Fonte, de 9 de Outubro de 1910, p. 2 20 Cf. Maria da Fonte, de 16 de Outubro de 1910, p. 3 21 Cf. Maria da Fonte, de 16 de Outubro de 1910, p. 3. Uma semana depois da posse, Júlio Celestino da Silva desempenhava já os cargos de presidente da câmara e de administrador do concelho substituto. 22 Cf. Coelho, José Abílio, «D. Elvira de Pontes Câmara Lopes (1856-1910): No centenário da sua morte», in Lanyoso, nº3, Póvoa de Lanhoso, CMPL, 2010, pp. 103-108. 23 Bastos, João Augusto, «A Minha Terra», in Terras que Deus Abençoou, Lisboa, Tertúlia Edípica, 1958, p. 28. 24 Para um melhor conhecimento do tema pode ler-se, entre outros, Marques, A. H. de Oliveira, «A Guerra», in História de Portugal (Vol. II), Lisboa, Palas Editores, 1977, pp. 269-281; Berstein, Serge, Milza, Pierre, História da Europa. Do século XIX ao século XXI, Lisboa, Plátano Editora, 2007; Quétel, Claud, História da Segunda Gerra Mundial, Lisboa, Texto & Grafia, Lda., (2ª ed.), 2011. 25 Para um melhor conhecimento da beneficência dos brasileiros de torna-viagem, ler: Araújo, Maria Marta Lobo de, «Os brasileiros nas Misericórdias do Minho (séculos XVII-XVIII)», in Araújo, Maria Marta Lobo de (org.), As Misericórdias das duas margens do Atlântico: Portugal e Brasil (séculos XVXX)..., pp. pp. 229-260; Araújo, Maria Marta Lobo de, et all (coord.), Os ‘Brasileiros’ enquanto agentes de mudança: poder e assistência, Braga/Rio de Janeiro, CITCEM/Fundação Getúlio Vargas, 2013. 26 Para um melhor conhecimento da devastação provocada pela pneumónica na Póvoa de Lanhoso, pode ler-se Coelho, José Abílio, «Júlio Celestino da Silva (1883-1919): um homem da Primeira República na Póvoa de Lanhoso», in Lanyoso, nº 3, 2010, Póvoa de Lanhoso, Câmara Municipal da Póvoa de Lanhoso, pp. 69-101. 27 Para um melhor conhecimento desta matéria, cf. Miriam Halpern Pereira, A Política portuguesa de emigração (1850-1930), Lisboa, A Regra do Jogo, 1981. 28 Cf. «Castro, Silva & Comp.», in O Brasil (Vol. I), Rio de Janeiro, Sté. De Publicite Sud-Americaine — Monte Domecq’ & Cie, 1919, pp. 51-56. Esta casa foi fundada algumas décadas antes com a designação de Câmara & Gomes. 29 Este poema encontra-se entre o espólio de João Augusto, na posse do autor deste trabalho. 30 ADB, Fundo Notarial da Póvoa de Lanhoso, Livro A-4, fls. 85-88. A sociedade que titulou esta oficina, destinada a reparação de automóveis e a vendas de combustíveis e lubrificantes, foi criada por ato notarial em 18 de agosto de 1961. O capital realizado era de 50 contos de réis; 40 contos do sócio João Augusto, e cinco contos de cada um dos outros dois sócios, Caetano Álvaro Nunes 132 | João Augusto Bastos

da Silva Campos e Joaquim José de Araújo Ferreira. A sociedade foi extinta em 6 de abril de 1964. No entanto, esta sociedade devia existir antes da escritura notarial anteriormente citada, pois da acta da câmara da Póvoa de Lanhoso de 1 de outubro de 1951, consta a transcrição de uma carta de Alfredo Miguel Lopes Bastos e de seu irmão João Augusto Lopes Bastos a pedir autorização para adaptação de um prédio a oficina de reparação de automóveis, garagem e estação de serviço, prédio da propriedade dos mesmos sito em Ponte Pereiros, vila, à margem da estrada nacional. Cf. AMPL, Livro de actas da câmara, (1.10.1951 a 4.5.1953), nº 39, fl. 147. 31 Bastos, João Augusto, in Terras que Deus Abençoou..., p. 22.

O poeta d’ “A Minha Terra” | 133

Notas do capítulo Verdes anos,

pp. 37-62

A Vila da Póvoa pertenceu, até 1930, a duas freguesias distintas: a norte do ribeiro Pontido, que a atravessa, era Lanhoso; a sul, Fontarcada. Em 1930 foi criada a freguesia da Póvoa de Lanhoso que, para além de outros terrenos pertencentes a estas duas freguesias, integrou toda a vila. 2 Elvira Maria Lopes Bastos, ou simplesmente «Vivi», foi actriz amadora de grandes méritos. Cf. Silva, José Bento da, Em Cena: Theatro-Club (1904-2004), Póvoa de Lanhoso, Câmara Municipal da Póvoa de Lanhoso, 2005, pp. 164-165. 3 Cf. Jornal Maria da Fonte, de 1 de setembro de 1901, p. 2. 4 Cf. Santos, Manuel Magalhães dos, Monografia da Póvoa de Lanhoso. Nossa Senhora do Amparo, Póvoa de Lanhoso, ed. do Autor, 1990, pp. 144-145. 5 Cf. Jornal Maria da Fonte, de 29 de setembro de 1901, p. 3. 6 Faleceu na Póvoa de Lanhoso a 16 de março de 1968. 7 Onde faleceu, aos 82 anos, no dia 20 de junho de 1963. 8 Maria Augusta Lopes faleceu na casa do Eirado, na vila da Póvoa de Lanhoso no dia 27 de março de 1898, com a idade de 38 anos. Natural da ilha açoreana de São Miguel, era filha legítima de Manuel Borges Souto e de Joana Augusta, ambos naturais da mesma ilha. Segundo a imprensa da época, «a infeliz senhora sucumbiu quase repentinamente, victima d’uma lesão cardíaca». «Senhora distincta na boa sociedade povoense, a cujo grupo dramático pertenceu, possuia um coração franco e cheio de bondade, cativando a todos pela afabilidade do seu tracto». Cf. Jornal Maria da Fonte, de 27 de março de 1898, p. 3. Emílio Lopes, viúvo, casar-se-ia, em segundas núpcias com Flora Campos, em janeiro de 1901, na cidade de Braga. A sua segunda esposa era sobrinha do escrivão de direito da comarca da Póvoa de Lanhoso, Francisco de Sousa Caravana. Cf. Jornal Maria da Fonte, de 20 de janeiro de 1901, p. 3. Com esta senhora, Emílio António Lopes viria a ter mais dois filhos: Armando e Óscar. A relação não foi muito bem aceite pelos filhos do primeiro casamento que sobre ela se manifestam em cartas trocadas entre eles, muito especialmente após o falecimento do pai, onde se pronunciavam sobre os bens a ela legados. Emílio António Lopes possuía nos inícios do século XX, para além da referida propiedade do Eirado, uma série de outras casas que trazia arrendadas, como se pode constatar num livro de registo de seguros da Companhia Tagus — Agência da Póvoa de Lanhoso, a que tivemos acesso por gentileza do Dr. Lúcio Pinto. Também tinha bens, entre os quais algumas casas, no Rio de Janeiro. 9 Num anúncio publicado no semanário Maria da Fonte, de 21 de fevereiro de 1897, p. 4, e que teve continuação nos números seguintes, pode ler-se: «O proprietário deste novo estabelecimento participa aos seus ex.mos amigos e ao público, que acaba de abrir, anexa à sua já conhecida padaria, uma bem sortida mercearia e papelaria onde encontrarão, além de géneros de primeira qualidade, uma modicidade de preços que não têm concorrência. Além da sua mercearia e padaria tem também grande depósito de vinhos da Real Companhia Vinícola do Norte de Portugal (…)». Segue-se a tabela de preços de 91 produtos vinícolas. A loja situava-se na praça Municipal da Póvoa de Lanhoso. A partir de setembro de 1898, o estabelecimento, com os mesmos produtos e na mesma sede, passou a ser explorado por José Cândido Antunes & C.ª. Cf. Jornal Maria da Fonte, de 4 de setembro de 1898. 10 Ainda que em nota de rodapé, vale a pena ler-se esta breve notícia, inserida no jornal Maria da Fonte, de 21 de novembro de 1909: «Como tínhamos noticiado retiraram para Lisboa, na passada segunda-feira [o jornal publicava-se ao domingo], o Sr. António Ferreira Lopes e Exma. esposa D. Elvira Câmara Lopes. O nosso ilustre conterrâneo e grande benemérito e sua virtuosíssima esposa tiveram uma despedida afectuosíssima. No palco do seu palacete, no momento da partida, vimos os Srs. Dr. João Lisboa, Dr. Lino Vieira, Dr. Alfredo Ribeiro, Álvaro Ferreira Guimarães, Cyrillo Ferreira, Henrique Rocha, Cândido Miranda, Albino Veloso, Domingos Gonçalves da Cruz e as Exmas. senhoras D. Elvira Areias Ribeiro, D. Maria Luísa Peixoto e D. Maria A. Simões Veloso de Almeida, além da família. Fora, era grande o número de pessoas que se juntaram para dar o 1

134 | João Augusto Bastos

adeus de despedida aos ilustres benfeitores. Eram três horas da tarde quando os nobres viajantes se retiraram no seu magnífico automóvel entre os respeitos e as saudações de todos e as lágrimas de muitos». 11 Cf. Silva, José Bento, Em Cena: Theatro-Club (1904-2004)..., p. 164. 12 Registo Civil da Póvoa de Lanhoso, Livro de registo de casamentos, registo nº. 3802, casamento nº 9, ano de 1900, fl. 5. 13 Bastos, João Augusto, «A Minha Terra» in Terras que Deus Abençoou, Lisboa, Tertúlia Edípica, 1958, p. 25 14 Bastos, João Augusto, «Eu tenho saudades» in Terras que Deus Abençoou..., p. 15 15 Bastos, João Augusto, «O Castelo de Lanhoso» in Terras que Deus Abençoou..., pp. 36-37. 16 Bastos, João Augusto, «Consoada Minhota» in Terras que Deus Abençoou..., pp. 34-35. 17 Cf. Maria da Fonte, de 28 de Julho de 1912, p. 2. 18 Cf. Maria da Fonte, de 23 de Agosto de 1914, p. 2. 19 Cf. Maria da Fonte, de 6 de Fevereio de 1916, p. 2. 20 Cf. Coelho, José Abílio, Júlio Celestino da Silva (1883-1919): um homem da Primeira República na Póvoa de Lanhoso..., pp. 69-101. 21 Do segundo casamento com D. Flora Campos Lopes, Emílio António Lopes teve dois filhos, o já referido Armando, que em 1910 já era nascido, e um outro, de nome Óscar, que nasceu depois de 1910. Armando Lopes viria a falecer no dia 21 de outubro de 1931, na sua residência à Rua Almirante Leote do Rego, nº 18, no Porto, vitimado pela tuberculose. Foi sepultado no dia seguinte no cemitério municipal da Póvoa de Lanhoso. No cortejo que, do Porto, acompanhou o cadáver até Póvoa de Lanhoso, integraram-se João Albino de Carvalho Bastos, Alfredo Lopes Bastos, Francisco Hermida Martins, tenente António de Pinho Valente, Jaime Nunes, António Lapa e João Augusto Bastos. Cf. Maria da Fonte, de 25 de Outubro de 1931, p. 2. 22 Agradeço ao Dr. Marcos Barbieux Lopes, residente no Rio de Janeiro e neto de Américo Lopes, a cedência das cartas enviadas por seu avô quer à irmã Maria Elvira, quer a António Ferreira Lopes. Marcos Barbieux Lopes é um dos muitos descendentes da família Lopes que nasceu e reside no Brasil, onde, todos os anos, na cidade do Rio de Janeiro, se reúnem num almoço-convívio que junta muito perto de cem pessoas, sinal da enorme descendência que os Lopes deixaram em terras brasileiras. 23 «Castro, Silva & Comp.ª» era a empresa comercial onde Américo Lopes trabalhava, e onde o tio, António Ferreira Lopes, era sócio comanditário. Começou com a designação de «Câmara & Gomes», em 1864, foi sucedida pela «Fonseca, Silva & Comp.ª» depois da morte de Pontes Câmara, tendo, em 1904 adoptado a designação de «Castro, Silva & Comp.ª». 24 Para melhor se conhecer este fenómeno, deve ler-se, entre outros: Pereira, Miriam Halpern, A Política Portuguesa de Emigração: 1850-1930, Lisboa, A Regra do Jogo, 1981; Trindade, Maria Beatriz Rocha, Caeiro, Domingos, Portugal-Brasil 1850-1930, Lisboa, Edições Inapa, 2000; Monteiro, Miguel, Fafe dos Brasileiros (1860-1930), Fafe, ed. do Autor, 1991. 25 Irmão de João Augusto, Alfredo Lopes Bastos manteve-se no Brasil cerca de vinte anos. 26 Carta de Américo Lopes a João Bastos, datada de 14 de Junho de 1920. 27 Américo Lopes foi o único filho de Emílio António Lopes nascido em Portugal, onde cresceu e concluiu a instrução básica. Terminada esta, foi mandado para Lisboa, onde o tio Lopes morava. Aí frequentou o curso comercial e fez o tirocínio como empregado comercial. Mais tarde, viria a ser enviado para o Rio de Janeiro, onde assumiria o papel de «olheiro fiel» de seu tio António. Foi recompensado pelo sacrifício: após a morte do tio, em 1927, tornou-se um dos seus principais herdeiros. Não tendo filhos, o benemérito povoense legou parte da sua fortuna a instituições várias, na Póvoa de Lanhoso, em Portugal e no Brasil. Contudo, parte substancial dos seus muitos bens legou-os aos sobrinhos mais queridos, quer aos de sangue, quer aos de sua esposa D. Elvira. Américo Lopes herdou, entre outras coisas, o palacete das Casas Novas da Póvoa de Lanhoso o qual, anos depois, venderia ao irmão Arlindo António Lopes. O palacete serviu de residência a Arlindo Lopes e família e, à morte deste, ficou por herança com uma das filhas, Anita Lopes. Na década de 1960 foi comprado pela Santa Casa da Misericórdia da Póvoa de Lanhoso, que aí

O poeta d’ “A Minha Terra” | 135

instalou o Lar de S. José, destinado a acolher idosos pobres. Américo Lopes, depois de quinze anos de permanência consecutiva no Brasil, como homem de confiança do tio António, regressou à Póvoa de Lanhoso, já casado com América Lopes e pai de um menino, Paulo, em 1928, para rever amigos e tratar de negócios. Regressou ao Brasil pouco mais de um mês volvido. Cf. Maria da Fonte, de 5 de agosto de 1928, p. 2. 28 Carta de Américo Lopes a João Bastos, datada do Rio de Janeiro a 24 agosto de 1920. 29 Carta a «Vivi», datada de 28 setembro 1920. 30 A sífilis, doença sexualmente transmissível, era, no primeiro quartel do século XX, no Brasil, um mal que segundo especialistas médicos da época, atingia a maioria da população masculina. Para um melhor conhecimento desta matéria, cf. http://www.docstoc.com/docs/10572547/AIincid%C3%AAncia-da-S%C3%ADfilis-no-Brasil [acesso em 10/10/2009]. 31 Carta de Américo a seu tio António Ferreira Lopes, datada de 20 de outubro de 1920 32 No ano de 1920, o salário médio de um operário em Portugal era de 2$52 diários, o que resultava num salário médio mensal, contabilizando-se 30 dias, 75$60, ou de 60$48 se contabilizarmos apenas 6 dias de trabalho por semana. Uma base salarial bastante acima do salário médio de 1$00 diário que era pago em 1916. Em 1926 o salário médio diário subira aos 13$20. Segundo Oliveira Marques, «estes números foram acompanhando (…) os do custo de vida». Ainda segundo este historiador o período em que o trabalhador esteve mais mal pago em Portugal foi o compreendido entre 1920-1923. Outro termo de comparação entre o que ganhavam estes emigrantes no Brasil (entre 150$00 e os 250$00 mensais), pode ser estabelecido entre o que, em 1920, ganhava mensalmente um director-geral (250$00) e um general do exército (275$00). Cf. Marques, A. H. de Oliveira, A Sociedade e as Instituições Sociais, in «Nova História de Portugal» (vol. XI), Lisboa, Editorial Presença, 1991, pp.187-239. 33 Carta a António Ferreira Lopes, datada de 28 de janeiro de 1921 34 Carta a António Ferreira Lopes, datada de 27 agosto 1920 35 Refere-se ao Barão de Oliveira Castro, cunhado de António Ferreira Lopes e seu sócio na casa «Castro & Silva». 36 Paulo era o pequeno filho de Américo Lopes. 37 Carta de Américo Lopes a João Bastos, datada de 21 de abril 1921. 38 Bastos, João Augusto, Sol, ed. do Autor, 1948, pp. 79-81.

136 | João Augusto Bastos

Notas do capítulo Vida adulta,

pp. 63-105

No seu testamento, António Lopes usa a ironia para chamar vaidoso a João Bastos, ao afirmar: «A meu sobrinho João Bastos, marido daquela minha sobrinha [Elvira Maria] deixo especialmente o meu alfinete com pérola e chuveiro de brilhantes, para gravata, a fim de que o use com a modéstia que todos lhe conhecem...» Cf. ASCMPL, Testamento de António Ferreira Lopes, documentos avulso, sem paginação. 2 Não se estranhe o facto de António Lopes querer oferecer uma vivenda a um amigo. Ao longo dos anos fê-lo por mais de uma vez. Na primeira década do século XX contruiu uma dezena de casas para albergar, com rendas baixíssimas, operários da Póvoa de Lanhoso. Também cedeu gratuitamente, em algumas das várias casas que possuia, sede a alguns serviços públicos: correios e estação do telégrafo estiveram instalados quase duas décadas nos fundos de uma das suas casas do jardim de António Lopes, sem pagarem renda. Também os bombeiros tiveram quartel no rés-dochão do Theatro Club sem nunca pagarem renda. Após a sua morte, fez de um vasto conjunto de amigos e instituições herdeiros de parte significativa da sua fortuna, por eles repartindo dinheiro e propriedades. Sobre este tema, deve ler-se Coelho, José Abílio, «António Ferreira Lopes: o legado de um ‘brasileiro’ imbuído de ideais republicanos», in Araújo, Maria Marta Lobo de, et all (coord.), Os Brasileiros enquanto agentes de mudança: poder e assistência, Braga/Rio de Janeiro, CITCEM/Fundação Getúlio Vargas, 2013, pp. 153-170. 3 No enorme terreno de quintal que rodeava este chalé, chamado a quinta das Bouças, mandou João Bastos construir, depois da morte do tio Lopes e com parte do dinheiro da sua herança, uma outra vivenda, muito maior e mais bonita: trata-se da ainda hoje existente casa das Bouças. Esta história manteve-se na tradição oral familiar e é confirmada por algumas pessoas que ainda conheceram João Bastos e lha ouviam contar frequentemente. 4 Vila da Póvoa era uma designação medieval, já referida no Foral de D. Dinis (1292), assim se mantendo até 1930. A pequena vila espalhava-se por terrenos de duas freguesias, Lanhoso, a norte do ribeiro Pontido, e Fontarcada, a sul. Em 1925 foi criada a paróquia de Nossa Senhora do Amparo e, em 1930, a freguesia da Póvoa de Lanhoso, com uma área de cerca de 5,6 km2, retirados às duas freguesias citadas e correspondendo à paróquia criada cinco anos antes. 5 Para um melhor conhecimento desta matéria, conferir Freitas, Paulo Alexandre Ribeiro, O Liberalismo na Póvoa de Lanhoso. O administrador do concelho na Revolução da Maria da Fonte, Braga, Universidade do Minho, 2010, dis. de mestrado em história, pp. 31-116. 6 Para melhor se conhecer a vida e as importantes doações à Póvoa de Lanhoso de Elvira e António Lopes, pode ler-se série de artigos de José Abílio Coelho, publicados no jornal Terras de Lanhoso entre 2 de agosto de 2006 e 19 de dezembro de 2007. 7 Cf. Maria da Fonte, de 4 de janeiro de 1924, p. 2. «Além da ex.ma sra. D. Elvira Lopes Bastos, também segue brevemente para Paris com a ilustríssima baroneza de Mattos Vieira e queridos filhos Pierre e Ive, a ex.ma sra. D. Alcina Pereira Pires, da casa de Adaúde, em Lanhoso». 8 Requerimento ao chefe do serviço de recrutameto, nº 29, colecção documental do autor. 9 Cf. Maria da Fonte, de 22 de março de 1925, p. 1 10 Cf. Maria da Fonte, de 4 de março de 1927, p.1. 11 Cf. Maria da Fonte, de 22 de julho de 1927, p. 2. 12 Cf. Maria da Fonte, de 22 de setembro de 1927, p.2. 13 Cf. ASCMPL, Testamento de António Ferreira Lopes, documentos avulso, sem paginação. 14 Cf. Maria da Fonte, de 11 outubro 1931, p. 2. 15 Cf. Maria da Fonte, de 4 outubro 1931, p.2. 16 Para conhecer a vida deste escritor e jornalista ler Coelho, José Abílio, Paixão Bastos (1870-1947): Vida e Obra de um Escritor de Província, Póvoa de Lanhoso, Jornal Terras de Lanhoso, 2007. 17 Sobre o autor de «Humildade e presunção», cf. Silva, Fátima, Castro, Olga, Dário Bastos. O Poeta. 1

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O Democrata. 1903-2001..., 2009. Cf. Oliveira, César, «A Evolução Política», in Serrão, Joel, Marques, A. H. de Oliveira (dir.), Nova História de Portugal, vol. XII, Lisboa, Editorial Presença, 1992, pp. 21-85; Torre Gómez, Hipólito de la, O Estado Novo de Salazar, Lisboa, Texto, 2010. 19 Cf. Mónica, Maria Filomena, Os Costumes em Portugal, Lisboa, Cadernos do Público, 1996. Embora este trabalho se debruce sobre os costumes sociais em Portugal entre 1961 e 1991, a realidade vivida entre a década a que nos referimos (1930) e a década de 1960, tratada por Filomena Mónica, não mudou significativamente, no interior do país, dados os condicionamentos no desenvolvimento impostos pelos quarenta anos de Estado Novo (1933-1974). 20 Olímpia das Dores Fernandes faleceu na Póvoa de Lanhoso a 24 de março de 1947, aos 70 anos de idade, já viúva de Avelino Fernandes. Para além de Adelina Cândida, o casal tivera outros filhos: Adelaide, Umbelina da Luz, Leontina, Benjamim (emigrante no Brasil), e António Fernandes, o “Nicha”. Cf Jornal Maria da Fonte, de 30 de março de 1947, p. 2. 21 Adelina Cândida Fernandes viria a falecer na vila da Póvoa de Lanhoso, já viúva, no dia 18 de setembro de 1971. 21 João Augusto Fernandes Bastos partiu para Lisboa com os pais, onde a família se fixou, em novembro de 1936. Em 3 de novembro de 1950, ingressou na escola do exército (atual academia militar), ali frequentando o curso geral preparatório e dois anos do curso de artilharia. Em 1953 ingressou na escola prática de artilharia (Vendas Novas), no posto de aspirante a oficial. A partir de 1954 e até 1961, foi colocado, sucessivamente, no regimento de AL nº2 (Coimbra) e no regimento de AL nº 1 (Lisboa), onde desempenhou várias funções tendo, entretanto sido promovido, sucessivamente, aos postos de alferes, tenente e capitão. De 1961 a 1963 cumpriu uma primeira comissão de serviço em Angola. Em 1964 desempenhou funções no secretariado-geral de defesa nacional, em Lisboa. De 1965 a 1967 cumpriu nova comissão de serviço, ainda em Angola, tendo, entretanto, sido promovido a major. Em 1968 desempenhou funções no estado-maior do exército, em Lisboa, De 1969 a 1971 cumpriu a terceira comissão de serviço, também em Angola. Em 1972 voltou a desempenhar funções de estado-maior, em Lisboa. De 1973 a 1974 cumpriu a última comissão de serviço, desta vez na Guiné, já com o posto de tenente-coronel, no desempenho das funções de chefe de estado-maior do comando operacional N.º 1. Com o «25 de Abril» regressou a Lisboa. Em 1974 foi colocado no regimento de artilharia da Serra do Pilar, no Porto, onde ascendeu ao posto de coronel. Seguiram-se uma colocação na zona militar da Madeira, nas funções de chefe do estado-maior, durante cerca de 3 anos, após o que foi colocado na direção do serviço de educação física do exército, desempenhando as funções de inspetor, de onde passou à situação de reserva. Casou com Judite Ivone Pereira Vela Bastos, em 10 de março de 1957. O casal teve dois filhos: João Ernesto Vela Bastos, nascido em 7 de março de 1958. Engenheiro do serviço de material do exército, ascendeu ao posto de major-general e é professor na Universidade Autónoma de Lisboa. É casado com Maria da Conceição de Castro Rebelo, tendo o casal cinco filhos: Joana Rebelo de Vela Bastos (n. 13.07.1988); Inês Rebelo de Vela Bastos (n. 25.11.1989); João Rodrigo Rebelo de Vela Bastos (n. 02.02.1993); Gonçalo Rebelo de Vela Bastos (n. 14.03.1996; e Carolina Rebelo de Vela Bastos (n.15.04.1997); e Ivone Helena de Vela Bastos, nascida em 16 de fevereiro de 1960. É professora do ensino secundário; casada com José António Bastos Marques, tem este casal um filho: José António Vela Marques Bastos, (n. 20.09.1998). 23 Cf. Maria da Fonte, de 11 novembro de 1931, p. 1. 24 Cf. Maria da Fonte, de 13 dezembro 1931, p. 2. 25 Cf. Maria da Fonte, de 27 dezembro de 1931, p. 2. 26 Cf. Maria da Fonte, 24 novembro de 1935, p. 2. 27 ARCPL, Livro de registo de casamentos, nº 26, fl. 26. Era conservador o Dr. Alfredo António Teixeira Ribeiro. 28 Cf. Maria da Fonte, de 15 novembro de 1931, p. 2. 29 Anita Adelina Fernandes Bastos Granja viveu na Póvoa de Lanhoso até aos quatro anos de idade, quando, com os pais, partiu e se instalou em Lisboa, onde viveu até 1966. Nesse mesmo ano emigrou para a República do Congo, onde, em Kinshasa, viveu alguns anos com o seu marido, o 18

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jornalista José António Granja. O casal regressou a Portugal pouco antes do 25 de abril de 1974, onde viveu a «Revolução dos Cravos». Em 1974 ou 1975 partiu o casal de novo, desta vez para a África do Sul, onde viveram durante cerca de 20 anos. Foi casada com José António Granja (n. 17.04.1933 - f. 16.02.2008), com quem, após o regresso da África, decidiu residir na Póvoa de Lanhoso. Não tiveram filhos. 30 Cf. Maria da Fonte, de 17 de novembro de 1935, p.2. 31 Cf. Maria da Fonte, de 19 de janeiro de 1936, p. 1. 32 Cf. Maria da Fonte, de 2 de fevereiro de1936, p. 2. 33 Cf. Maria da Fonte, de 8 de março de 1936, p. 1. 34 Cf. Maria da Fonte, de 19 de abril de 1936, 2. 35 Cf. Maria da Fonte, de 19 de abril de 1936, p. 2. 36 Cf. Maria da Fonte, de 3 de maio de 1936, p. 2. 37 Cf. Maria da Fonte, de 1 de novembro de 1936, p. 2. Apesar da nova designação oficial, a empresa, para o exterior, manteve a designação de «PGL». 38 Cf. Maria da Fonte, de 6 de setembro de 1936, p 2. 39 Cf. Maria da Fonte, de 30 de abril de 1937, p. 2. 40 Cf. Maria da Fonte, de 1 de novembro de 1936, 2. Em carta ao autor, datada de fevereiro de 2010, o coronel João Augusto Fernandes Bastos relembra: «À chegada a Lisboa ficamos a viver, juntamente com o tio Alfredo, numa casa velha, em que abundavam as baratas e até alguns ratos, casa com poucas condições para meus pais criarem os filhos pequenos. Teríamos, eu, 6 anos, e minha irmã, 4. Esta casa estava situada na, então, rua Alves Correia, hoje rua das Portas de Santo Antão. Em 1937 mudámos para uma casa mais moderna, oferecendo muito melhores condições de habitabilidade, sem baratas nem ratos, situada na Estrada de Benfica. Em 1938 nova mudança, para uma casa que estava perto de uma Escola Primária, essencial para o prosseguimento dos estudos dos filhos. Esta casa estava situada na Rua António Feijó, nº 58 – r/c Dtº. Em 1939 mais uma mudança, desta vez para muito mais perto, para uma vivenda acabada de construir, na mesma rua, no número 53, isto é, para a casa mesmo em frente da anterior. Em data que eu não posso precisar, porque nessa altura já eu estava fora, nas minhas andanças de jovem oficial do Exército pelas diferentes unidades de Artilharia, verificou-se nova mudança, desta vez para a Linha de Cascais, que, pelos seus ares, junto ao mar, parecia oferecer condições mais saudáveis para quem, como meu pai, tinha muitos problemas respiratórios e ósseos. Esta casa estava situada na Rua Miguel Bombarda, n.º 27 – 1º e foi a última morada de meu pai. Em 8 de dezembro de 1965 meu pai veio a falecer, vítima desses problemas respiratórios, quando eu estava ausente, em Angola, na minha segunda comissão de serviço no Ultramar. Só uns dias depois fiquei a saber do falecimento, o acontecimento mais triste e doloroso da minha vida, que me deixou marcas muito profundas, uma ferida incurável». 41 Cf. Maria da Fonte, de 14 de março de 1937, p. 2 42 Cf. Maria da Fonte, de 28 de maio de 1945, p. 1. 43 Cf. Maria da Fonte, de 30 de dezembro de 1962, p. 1. 44 Cf. Maria da Fonte, de 7 de julho de 1946, p. 2. 45 O charadismo, actividade que consiste na composição e decifração de charadas, em prosa ou verso, cujos enunciados contêm duas ou três palavras-chave (duas chaves ou duas parciais e um conceito, conforme a espécie charadística) através das quais se chega à solução do problema, é considerado «uma fonte de cultura sem paralelo, no qual, utilizando as palavras, muitas vezes manuseando dicionários, enciclopédias e obras das mais diversas especialidades ou fontes de saber, se adquire elevado grau de conhecimentos. Segundo estudiosos da matéria as suas origens vêm da Antiguidade, a começar pelos enígmas existentes na própria Bíblia, sustentando-se também na mitologia, quando se aponta o exemplo de Édipo como decifrador do «enigma da Esfinge». Para um conhecimento mais abrangente sobre charadismo, pode ler-se, entre outros, Rosado, César, O Homem e a palavra, Águeda, Grafilarte, 1998. 46 A revista O Charadista, órgão oficial da Tertúlia Edípica, continua a publicar-se, estando no seu 91º ano de existência, número 521 referente aos meses maio a agosto de 2013. Foi fundada em 5 de janeiro de 1922 por João Francisco Lopes e Guilherme Pereira, tendo sede em Lisboa. São O poeta d’ “A Minha Terra” | 139

atualmente responsáveis pela edição Emanuel Magno Correia e António Bernardino Silva, diretor e diretor-adjunto, respetivamente, e António Leite Monteiro, de Braga, como diretor administrativo. 47 Charadista (O), nº 342, janeiro-fevereiro de 1966, p.8. 48 Charada (A), nº 162, de maio-agosto de 1966, p. 1. 49 Cf. Jornal República, de 3 de fevereiro de 1959, p. 10 50 Cf. Jornal O Século, de 5 de março de 1959, p. 14. 51 Numa das páginas iniciais de Terras que Deus Abeçoou, em que são inumeradas as obras do autor, é feita referência a três obras a publicar: Versos Fora de Moda (poemas), Sete sílabas (quadras) e O Espantalho (contos). Nenhum destes livros viria a ser publicado. Alguns dos poemas inéditos ficaram no espólio do escritor. Dos contos, alguns dos quais premiados em jogos florais, não se sabe que caminho levaram. 52 Poucos meses após a morte de João Augusto, a viúva regressou à Póvoa de Lanhoso. Habitou durante alguns meses no Largo António Lopes, tendo posteriormente alugado uma casa no bairro Lidinha, lugar de S. Pedro, onde residiu até à morte. Foi sepultada no cemitério municipal da Póvoa de Lanhoso.

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[Fontes e bibliografia]

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