JONAS E O “GRANDE PEIXE” - Uma Abordagem Psicológica

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IGREJA EVANGÉLICA DE CONFISSÃO LUTERANA NO BRASIL


ESCOLA SUPERIOR DE TEOLOGIA


FACULDADE DE TEOLOGIA











JONAS E O "GRANDE PEIXE"
(Uma Abordagem Psicológica)













EVERTON RICARDO BOOTZ


TESE DE CONCLUSÃO












São Leopoldo, outubro de 1990

































Und so lang du das nicht
hast,
Dieses: stirb und werde,
Bist du nur ein trüber
Gast
Auf der dunkeln Erde.


Goethe






















SUMÁRIO


INTRODUÇÃO
............................................................................
........................................................... p. 03

1- RESULTADOS DA PESQUISA E HERMENÊUTICA
..................................................................... p.
05

1.1- RESUMO DA PESQUISA HISTÓRICA
............................................................................
............ p. 05
1.1.1- Autenticidade histórica
............................................................................
....................................... p. 05
1.1.2- Mensagem
............................................................................
........................................................ p. 06
1.1.3- Datação e autoria
............................................................................
................................................. p. 07
1.1.4- Unidade literária
............................................................................
.................................................. p. 08

1.2- ANÁLISE MITOLÓGICA
............................................................................
.................................. p. 09
1.2.1- Padrão mitológico do ciclo diário
............................................................................
..................... p. 10
1.2.1.1- A partida
............................................................................
.......................................................... p. 11
1.2.1.2- A iniciação
............................................................................
..................................................... p. 13
1.2.1.3- O retorno
............................................................................
........................................................ p. 14
1.2.2- Padrão mitológico do ciclo anual
............................................................................
....................... p. 15
1.2.3- Conclusão
............................................................................
.......................................................... p. 16

1.3- HERMENÊUTICA PSICOLÓGICA
............................................................................
.................... p. 16
1.4- CONCLUSÃO
............................................................................
....................................................... p. 19


2- O CHAMADO E A RECUSA (Jn 1.1-16)
............................................................................
............. p. 20
2.1- UMA ESQUIZOFRENIA LATENTE
............................................................................
.................. p. 20
2.2- REGRESSÃO
............................................................................
....................................................... p. 21
2.3- SACRIFÍCIO
............................................................................
....................................................... p. 22
2.4- CONCLUSÃO
............................................................................
..................................................... p. 25


3- O GRANDE PEIXE (Jn 2.1-3.3a)
............................................................................
......................... p. 26
3.1- O PEIXE
............................................................................
............................................................ . p. 26
EXCURSO: O número "três"
............................................................................
.................................... p. 28
3.2- O SALMO
............................................................................
............................................................ p. 31
3.2.1- O clamor de Jonas
............................................................................
............................................ p. 31
3.2.2- A causa do clamor
............................................................................
........................................... p. 32
EXCURSO: O círculo mágico
............................................................................
................................... p. 33
3.2.3- O novo Jonas
............................................................................
..................................................... p. 36
3.3- O RETORNO
............................................................................
........................................................ p. 38
3.4- CONCLUSÃO
............................................................................
..................................................... p. 39

CONCLUSÃO
............................................................................
............................................................. p. 40

NOTAS BIBLIOGRÁFICAS
............................................................................
....................................... p. 45

BIBLIOGRAFIA
............................................................................
......................................................... p. 53

ANEXOS I, II, III
............................................................................
....................................................... p. 55



INTRODUÇÃO


O que nos faz pensar em trabalhar o livro de Jonas é o estudo
desenvolvido em torno da psicologia analítica de Carl Gustav Jung. Temos
lido este autor e recentemente começamos a alimentar a idéia de utilizar
os conhecimentos adquiridos dentro do estudo da teologia. Assim,
direcionaremos nossa atenção para este trabalho veterotestamentário com o
fim de cooptar as duas ciências.

Escolhemos o livro de Jonas pela suspeita de que encontraríamos
elementos mitológicos em sua narrativa. Com algumas leituras preliminares,
percebemos que o símbolo do grande peixe, que engole o profeta Jonas, não
tinha uma definição exata. Os comentaristas parecem um pouco desorientados
quando têm que esclarecer o tema do grande peixe. Deste modo, chegamos a
nossa intenção básica com este trabalho: o de buscar, a partir de uma
hermenêutica psicológica, a possibilidade de um novo sentido por trás do
grande peixe.

Esta intenção se confirma quando percebemos uma incongruência entre a
idéia popular acerca do livro de Jonas e as idéias científicas em torno do
mesmo. A princípio, quando se menciona o nome do profeta "Jonas", todos
lembram logo de que ele foi engolido por uma "baleia", e não tanto dos
outros aspectos do livro (o barco, a cidade de Nínive, o mamoneiro, o
verme). Já os cientistas bíblicos (exegetas e comentaristas) demonstram
parecer que têm pouco o que falar acerca do grande peixe. Parece que, por
não compreenderem qual o sentido deste elemento, sentem-se perdidos ao
analisá-lo. A conseqüência é um silêncio entre eles. Existem algumas
tentativas alegóricas de interpretação, mas estas não conseguem o apoio
geral; ou seja, não há consenso entre os comentaristas e exegetas.

A partir disto, procuramos desenvolver nossas idéias em torno do
livro de Jonas, tendo em mente a pergunta sobre o sentido do grande peixe
neste enredo. O trabalho é assim estruturado:

No primeiro capítulo procuramos resumir as várias interpretações e
comentários acerca do livro de Jonas, com o motivo básico de situar o
trabalho dentro da pesquisa atual. Este é o primeiro passo neste capítulo;
o segundo é uma investigação mitológica acerca do enredo de Jonas. Neste
passo analisamos a possibilidade do livro de Jonas ser considerado ou não
um mito. O terceiro passo é o desenvolvimento da chave hermenêutica que nos
ajudará a interpretar o tema do grande peixe dentro do enredo maior.

No segundo capítulo, desenvolvemos o texto de Jn 1.1-16. Mesmo que
este texto não faça menção direta ao tema do grande peixe, ele é
imprescindível, pois oferece as razões do porquê do aparecimento do
elemento em questão, no texto subseqüente (Jn 2.1-3.3a).

No terceiro capítulo, o texto de Jn 2.1-3.3a é trabalhado. Aqui
analisamos a fundo a função e sentido do grande peixe dentro do relato de
Jn 1.1-3.3a. Pelo fato deste tema não aparecer no restante do texto de
Jonas (Jn 3.3b-4.11) e pelo limite de tempo de que dispomos, nos ateremos
apenas ao contexto menor de Jn 1.1-3.3a.

Na conclusão pretendemos apontar uma possível função deste grande
peixe, o que atrai a atenção de muitos, não obstante haver um espaço vazio
na pesquisa sobre a compreensão do termo. Não pretendemos preencher este
vazio com esta pesquisa, apenas investigar mais uma interpretação dentre as
já existentes, a partir de um foco normalmente não utilizado pelos
teólogos. Assim, cremos estar contribuindo para o universo de
interpretações presentes em nossas escolas teológicas.
Com este pensamento em mente, comecemos!








1 - RESULTADOS DA PESQUISA E HERMENÊUTICA


1.1 - RESUMO DA PESQUISA HISTÓRICA

Apresentaremos este resumo em quatro partes: autenticidade histórica,
mensagem, datação e autoria e unidade literária do livro de Jonas.

1.1.1 - Autenticidade histórica

O livro de Jonas foi, por muitos séculos, considerado uma referência
histórica autêntica dos feitos do profeta Jonas. Sua fuga para Társis (Jn
1.3-16), sua permanência no interior do grande peixe por três dias e três
noites (Jn 2.1-11), sua missão na grande cidade de Nínive (Jn 3.1-10), sua
ira contra seu Deus por ter perdoado os ninivitas (Jn 4.1-5) e a lição
recebida do Senhor (Jn 4.6-11) são creditados como verdadeiros episódios
históricos[1]. Entretanto, há elementos que apontam para outra direção, a
da possibilidade do livro de Jonas ser considerado um texto simbólico, cuja
intenção é transmitir uma lição e não uma biografia da vida de Jonas.

É necessário olharmos mais atentamente o texto para perceber certos
detalhes significativos que reclamam uma interpretação simbólica e não
tanto histórica. Em primeiro lugar, a falta de referência exata sobre o
tempo, pessoas e lugares no texto. O autor coloca em cena apenas dois
personagens com seus devidos nomes: Jonas, filho de Amitai (Jn 1.1) e Javé
(Elohim). Os marinheiros e seu capitão, os ninivitas e seu rei não são
definidos. Não há referência à época em que ocorreu este episódio. Mesmo as
cidades que são referidas como sendo as de Társis e Nínive, podem ser
creditadas mais como sinal de "oposição" (Társis situava-se 180º de Nínive,
quando o profeta foi interpelado a se dirigir contra sua vontade para a
última), sendo Nínive também descrita muitas vezes maior do que o era na
realidade de então[2].

Em segundo lugar, existe uma intenção clara do autor em exagerar os
eventos do enredo. Isto pode ser percebido pelo uso repetitivo de vários
termos, o que obriga o leitor a se admirar constantemente com os
acontecimentos pelos quais passa o profeta[3].

Em terceiro lugar, temos o tom irônico presente no livro de Jonas, o
qual aponta novamente para a intenção de oferecer mais uma mensagem
didática do que uma descrição histórica[4].

Conseqüentemente, existe uma preocupação em torno da interpretação do
texto, já que a pesquisa descarta o relato como histórico. Alguns
interpretam o texto alegoricamente, ou seja, elementos simbólicos no texto
representam certos acontecimentos no plano histórico real. Assim, Jonas
seria interpretado como Israel e Nínive como símbolo do mundo pagão. Ao
negar a missão de ir aos pagãos, Israel sofre o exílio, figurado pelo
grande peixe que engole Jonas por três dias e três noites. Depois do
desterro, se renova a mesma missão (segunda ordem de ir a Nínive - Jn
3.1,2). O mal-estar de Jonas (Jn 4.1-5) é o descrédito do povo de Deus que
não aceita a misericórdia oferecida aos pagãos, se fechando em si mesmo
como Neemias, Esdras e Obadias[5].

A falha desta interpretação é que o peixe não é um instrumento de
punição, mas de salvação[6]. Ou se admitirmos um valor salvífico quanto ao
tempo do exílio, o que significariam os marinheiros? Será que Israel foi
deliberadamente para o exílio como Jonas, ao querer voluntariamente ser
atirado ao mar (Jn 1.12, 15)? Atualmente, a maioria dos comentaristas
considera o livro de Jonas como uma "novela". Não querem fazer paralelos
alegóricos entre o texto e a história, limitando-se a considerar o relato
como uma narração com fins didáticos[7].

1.1.2 - Mensagem

Quais são estes fins, citados no parágrafo acima? Entramos aqui na
segunda parte deste resumo: a mensagem do livro de Jonas. Terence Fretheim
nos aponta um bom começo, em seu comentário[8]: o ponto central no livro de
Jonas está no relacionamento entre Javé e Jonas. Jonas, ao negar sua missão
de clamar contra os ninivitas, comporta-se como Israel se comportaria se
recebesse a mesma incumbência. Os primeiros capítulos de Amós, os escritos
de Joel, Obadias, Naum e Habacuque revelam um alto grau de rivalidade entre
Israel e países estrangeiros. Israel se considera a "nação eleita" e parece
não estar inclinada a compartilhar desta "eleição" com outros povos. O
autor do livro de Jonas intenta caracterizar muito bem seus personagens.
Jonas é um judeu exemplar: ele confessa sua fé, mesmo em situação singular
(Jn 1.9), e revela toda sua cultura religiosa no salmo rezado no interior
do grande peixe (Jn 2.3-10). Nínive é a escolha certa para representar os
povos pagãos, pois ele representa o símbolo máximo do imperialismo e das
mais cruéis agressões contra Israel (Is 10.5-15; Na; Sf. 2.13).

A autor coloca em cena (arena?) estes dois grupos: por um lado, Jonas
como representante de uma teologia judia centrada em si mesma e, por outro
lado, apresenta Nínive, não só representante do mundo pagão como também do
povo opressor. É a estes ninivitas que Jonas deve proclamar a mensagem de
Javé (Jn 3.2). Contudo, o foco continua sendo a teologia do profeta Jonas.
Jonas é o protagonista do início ao fim e não Nínive.

Através de toda a narrativa, o perfil de Jonas é descrito como
imaturo em detrimento dos pagãos que se comportam como fiéis servidores de
Javé. Exemplos deste disparate são as seguintes cenas: Em Jn 1.3, Jonas
foge da presença de Javé, sendo um profeta deste último. Em Jn 1.4, 5, os
marinheiros se preocupam com a sorte do barco, enquanto Jonas dorme. Os
marinheiros (todos pagãos) oram a seus deuses, enquanto Jonas aparentemente
não reza. Jonas proclama sua fé (Jn 1.9), mas procura a morte (Jn 1.12),
enquanto que os marinheiros se negam a jogá-lo no mar, clamando a Javé pela
sorte de Jonas (Jn 1.13, 14). Jonas é jogado ao mar e os marinheiros se
convertem a Javé (Jn 1.15, 16). Jonas prega em Nínive, mas se arrepende de
tê-lo feito posteriormente (Jn 4.1-3). Os ninivitas, por sua vez, se
convertem as Senhor (Jn 3.5-9).

Existe um forte teor irônico nestas cenas. Por exemplo, são os
marinheiros que invocam a Javé clamando por uma solução justa para aquela
situação de desespero (Jn 1.14), atitude esta esperada da parte de Jonas
(um profeta judeu) que faz apenas esperar pelo desenrolar dos
acontecimentos. Este estilo irônico é predominante no texto, assim como a
chave para entendermos a mensagem. O autor ridiculariza a fé exclusivista
dos judeus, ressaltando, em contraposição, a benevolência dos pagãos. O
autor quebra a idéia de que Javé é propriedade única de Israel. É o próprio
Javé quem ordena Jonas (símbolo do nacionalismo israelita no século VIII
a.C.)[9] a pregar a sua mensagem aos opressores ninivitas. Com tal crítica
a mensagem desvela também a falsidade da concepção religiosa dos judeus.
Por exemplo, Jonas, em plena fuga, confessa Javé como um judeu fiel a seu
Deus (Jn 1.9). Entretanto, como ele pode confessar temor (obediência) a seu
Deus e, ao mesmo tempo, mostrar claros sinais de não obediência (fuga)?

Por fim, o autor não quer apenas criticar a teologia falha e
nacionalista de Jonas, como também apontar para uma novidade em Javé: um
Deus de misericórdia sem limites. O último versículo do livro (Jn 4.11) é a
pergunta que ecoa no interior daqueles que só desejam ver a "ira" de Javé e
não sua misericórdia. Jonas é que é o personagem irado (Jn 4.1s), que
parece ter introjetado a teologia de um deus que abençoa os bons e destrói
os maus. Em contraposição a esta atitude, surge a pergunta final por maior
compaixão (Jn 4.11). A medida de justiça está nas mãos de Javé e não com os
israelitas, e esta medida abarca todos sem exceção[10].

Concluindo este tópico, podemos dizer que o texto de Jonas quer
ressaltar, por contraste, as duas teologias em questão: a exclusivista
(Jonas) e a universal (Javé). Durante a narração, a última é exaltada,
enquanto que a primeira é bagatelizada. Onde a salvação é absolutamente
gratuita, nada ou ninguém pode reivindicar um direito qualquer a esta
salvação. Javé salva por sua misericórdia e perdão sem mérito algum por
parte do ser humano.

1.1.3 - Datação e autoria

Para datarmos o livro de Jonas, bastaria lermos o primeiro versículo
do texto: Jn 1.1. Jonas, filho de Amitai, é um profeta do século VIII a.C.,
segundo 2 Rs 14.25, que atua durante o reinado de Jeroboão II. Entretanto,
não é esta a opinião corrente entre os comentaristas[11]. Existem fortes
evidências de que o texto se situa no tempo do pós-exílio[12].

Uma evidência é o vocabulário utilizado pelo autor de Jonas. Existem
muitas palavras só encontradas depois do tempo de Ezequiel[13]. Outra
evidência é a distância entre o século VIII a.C., quando Nínive era
realmente temida e odiada, e o século IV/III a.C., onde a figura de Nínive
já se encontrava um pouco desbotada na memória dos israelitas. No terceiro
e quarto século a.C., Nínive já não mais existia, pois havia sido destruída
em 612 a.C.[14]. Assim, são compreensíveis os erros quanto à proporção
exagerada da cidade de Nínive (Jn 3.3; 4.11). Esta desproporção é
intencionada pelo autor para acentuar o aspecto irônico no texto. A memória
fraca pode aceitar a imagem mítica de uma gigantesca cidade mais facilmente
quando ela não mais existe do que se existisse.

Assim, se este livro foi elaborado por volta do quarto e terceiro
século a.C., podemos concluir que a mensagem presente nele se dirige
basicamente para os nacionalistas da época do pós-exílio, e não para os
nacionalistas do VIII século a.C.. O autor do livro de Jonas, que deixa de
ser o próprio Jonas, viveu por volta do século IV/III a.C. e é
caracterizado por ser um anti-nacionalista, através de seu escrito. Um fato
que corrobora a não autoria de Jonas é a própria teologia diferente do
autor da do protagonista. Enfim, a pesquisa não conseguiu encontrar um
autor definido, apenas um autor anônimo[15].

1.1.4 - Unidade literária

O que nos resta esclarecer agora é a coesão literária interna do
livro de Jonas. Este tema não é fácil, pois há muita controvérsia quanto à
elaboração do texto. Um primeiro problema são os "tropeços" que o texto
apresenta. A pequena frase, em Jn 1.8a, já é reconhecida como uma adição
posterior[16]. Também Jn 4.5 é considerado um versículo retirado do
capítulo três. Sua posição original seria logo após Jn 3.4[17].

Um segundo problema é o uso diferenciado dos termos para a divindade.
Algumas vezes o autor utiliza Javé, outra vezes Elohim e também Javé-
Elohim[18]. Alguns exegetas tentaram, no século passado, defender a tese de
que cada parte provinha de diferentes fontes (javista e eloísta).
Entretanto, a pesquisa revelou um descontentamento generalizado quanto a
esta tese[19].

Um terceiro problema é a presença do salmo presente no texto de Jn
2.3-10. Para a maioria dos comentaristas, é certo que este salmo não fazia
parte da obra original[20]. Primeiro, porque a situação do salmo não se
enquadra no contexto maior: se trata de um hino de ação de graças, enquanto
Jonas ainda está preso no ventre do monstro marinho. Em segundo lugar,
porque a linguagem é distinta da linguagem utilizada no resto do livro: o
adjetivo grande, largamente utilizado pelo autor em todo o livro, não é
mencionado uma única vez. Em terceiro lugar, porque não há aramaísmos,
presentes nos outros capítulos da obra. Em quarto lugar, porque a linguagem
cúltica do templo também não se coaduna com o todo do romance. Outros
comentaristas salientam que o Jonas da narrativa é diferente do Jonas do
salmo: tanto antes como depois, encontramos um Jonas reticente em sua
posição de descontentamento (Jn 1.3-16; 4.1-9), em contraposição ao Jonas
aberto à misericórdia de Javé (Jn 2.9, 10)[21].

Um quarto problema é a relação dos capítulos 1-2 e 3-4. A repetição
da ordem de Javé a Jonas em Jn 1.2 e 3.2 (Dispõe-te e vai a Nínive)
demonstra que a obra está dividida em duas partes. Shökel, em seu
comentário[22], não concorda com a idéia de que blocos distintos foram
juntados, mas aceita a idéia de que elementos folclóricos possam ter sido
utilizados na elaboração redacional do livro de Jonas.

Concluindo este tópico, percebemos que a origem literária do livro de
Jonas é complexa. O autor se utilizou de vários textos preexistentes como,
no caso, das histórias folclóricas do além mar (Jn 1.4-16; 2.1-11), da
história do povo israelita com a nação Assíria (Jn 1.1, 2; 3.1-10; 4.11),
do saltério do templo (Jn 2.3-10) e historietas com fins didáticos como a
do mamoneiro que cresce e morre em um dia (Jn 4.6-11). A pergunta q fazer
é: a elaboração foi feita adequadamente? Ou seja, é possível retirar algum
sentido de todo este emaranhado redacional?

A pesquisa tem demonstrado que sim. A mensagem de que Javé quer
estender sua misericórdia gratuitamente para todos, em detrimento da
teologia judaica exclusivista, é clara. O estilo irônico utilizado pelo
autor vem reforçar o aspecto didático desta mensagem. Os exageros não devem
ser prova da má redação ou compilação, mas da arte do autor. Assim,
percebemos que, mesmo com a agravante de que diversas fontes foram
utilizadas na elaboração do livro, existe uma unidade nele que aponta
sempre para o mesmo ponto: a misericórdia ilimitada de Javé e o fracasso da
teologia de Jonas em absorvê-la.

1.2 - ANÁLISE MITOLÓGICA

Para o trabalho que realizaremos a seguir utilizaremos muitos pontos
levantados pela pesquisa. Aceitaremos a mensagem básica do livro de Jonas
de acordo com a maioria dos comentaristas, que defendem a novidade da
ilimitada misericórdia de Javé em detrimento do pensamento arcaico de
Jonas. Aceitaremos também as conclusões acerca da datação e autoria do
texto narrativo de Jonas, assim como o fato deste texto ter sido elaborado
a partir de diversas fontes[23].

Quanto ao aspecto das interpretações em torno do livro de Jonas,
temos algo a dizer. A pesquisa revelou que a aceitação geral é de
considerar o livro de Jonas como uma parábola, uma narração irônica com
fins didáticos. Não queremos fugir demasiadamente desta interpretação;
entretanto, considerando que o tema do peixe tenha vindo de fontes
folclóricas[24], queremos ser mais cautelosos em nossa opção quanto aos
diversos aspectos desta interpretação, que considera o livro de Jonas uma
parábola com fins didáticos.

1.2.1 - Padrão mitológico do ciclo diário

Uwe Steffen, em seu trabalho "Das Mysterium von Tod und
Auferstehung", defende a idéia de que o tema do peixe provém do universo
mitológico da época em que o livro de Jonas foi redigido. Este tema é um
paralelo ao enredo mitológico do herói que se aventura a entrar no interior
de um monstro marinho para de lá ressurgir vitorioso. Este enredo
mitológico é uma analogia à trajetória do sol, que diariamente nasce e
morre no horizonte do mar. Ao se pôr, o sol inicia sua viagem noturna
debaixo do mar e, como um deus imortal, acaba por renascer pela manhã. Este
mito representa o ciclo diário do dia e da noite[25].

Deste modo, este tema mitológico entende o sol como um herói que é
engolido pelo monstro marinho (analogia ao momento em que o sol se põe no
mar), passando a noite no interior do peixe (analogia ao momento em que o
sol desaparece e a noite vem) para então ressurgir do interior do peixe ao
amanhecer (analogia ao momento em que o sol se levanta no horizonte do
mar). Durante sua estada no interior do peixe, o herói precisa lutar contra







Tragar =>
=>


= >
Viagem pelas profundezas do mar
(movimento oeste - leste)








Leo Frobenius também apresenta uma sistematização dos vários mitos, segundo
uma lenda base, onde explica o esquema acima:

"Um herói é tragado (tragar) por um monstro marinho no oeste. O
animal viaja com ele para o leste (viagem pelas profundezas
do mar). Enquanto isso, ele acende um fogo na barriga do
monstro (acender fogo) e, como sente fome, corta um pedaço do
coração do animal (cortar o coração). Pouco depois percebe
que o peixe desliza para a terra firme (atracar) e começa
imediatamente a cortar o animal por dentro (abrir), depois
sai (sair). No ventre do animal estava tão quente que todos
os seus cabelos caíram (calor, cabelo). Muitas vezes o herói
ainda liberta todos os que haviam sido tragados anteriormente
(tragar geral) e agora também saem (saída geral)." [26]

Um paralelo bíblico muito próximo ao tema mítico do peixe é a viagem
de Noé no dilúvio, em que todos os seres vivos morrem; só Noé e os animais
da arca são levados para uma nova criação (Gn 6-10). Neste texto bíblico o
peixe é substituído pelo elemento simbólico da arca que conserva a vida dos
animais e familiares de Noé em seu bojo, por quarenta dias e quarenta
noites, tempo em que ocorre o dilúvio. A saga da Odisséia também comporta
este padrão mitológico. Num de seus vários episódios, a saga narra a
aventura de Ulisses através de sua viagens pelo mar, onde numa delas vence
a morte em sua visita ao mundo interior[27]. Nesta visita ele precisa
degolar suas vísceras, recolhendo o sangue delas numa cova. Temos aqui a
simbologia do "cortar o coração" do animal, segundo a lenda base de
Frobenius (cf. citação acima).

Joseph Campbell, em seu escrito "The Hero with a Thousand Faces",
também utilizado por Steffen, descreve com mais detalhes todos os momentos
pelos quais passa o herói solar. A partir destes momentos oferecemos
aspectos similares encontrados no enredo de Jonas. Entretanto, os
paralelos, apresentados em cada parágrafo abaixo, não querem defender
analogias diretas, mas apenas reforçar a idéia de que há um enredo
mitológico por trás do trabalho de elaboração redacional do autor do livro
de Jonas. Apresentamos agora três momentos, com suas respectivas fases: o
momento da partida, da iniciação e do retorno.

1.2.1.1 - A partida

No primeiro momento deste padrão mitológico, Campbell descreve as
diferentes fases da partida.

A primeira fase é o chamado a uma aventura[28]. O destino intima o
herói a se retirar da esfera social para uma totalmente desconhecida. Esta
nova esfera pode representar uma terra distante, um mundo subaquático, ou
um profundo estado de dormência. O paralelo aparente se encontra em Jn 1.1,
2, onde Jonas recebe uma ordem de Javé para ir à distante cidade de Nínive
clamar contra ela.

A segunda fase ilustra a recusa do herói em aceitar o chamado[29]. O
herói não dá atenção à intimidação feita pela divindade, seguindo seus
próprios interesses. Tal recusa converte a aventura positiva num processo
negativo, onde o herói torna-se então vítima a ser recuperada. O herói que
recusa realizar a jornada, geralmente morre, petrificando-se. Em Jn 1.3
Jonas se recusa ir para Nínive, fugindo em direção oposta, Társis. Em 1.5
ele vem a descer para o interior do barco, dormindo um sono profundo. Este
estado é comparado ao estado de morte (petrificação) como resultado
conseqüente da recusa em realizar a ordem de Javé (cf. mais adiante, p.
...).

A terceira fase ilustra a ajuda sobrenatural[30]. Pelo fato do herói
ter se transformado em pedra, ou sido morto, uma ajuda é apresentada no
enredo para salvar o desobediente aventureiro. Em Jn 1.6 encontramos o
capitão do barco que acorda Jonas de sua letargia, fazendo-o se levantar.

A quarta fase ilustra a passagem pelo primeiro limiar[31]. Com a
ajuda que o herói recebe, ele prossegue sua aventura até encontrar o
"guardião da passagem" na entrada para a esfera do desconhecido. Para além
desta entrada há escuridão e perigo. As regiões do desconhecido podem ser
um deserto, uma floresta, um mar profundo, uma terra estranha. Para dar o
passo decisivo é necessário coragem e competência. Encontramos o possível
paralelo na passagem em que Jonas é lançado do barco (esfera da realidade)
para as profundezas do mar (esfera do desconhecido): em Jn 1.9, Jonas
demonstra sinais de audácia, ao proclamar sua fé em situação tão adversa
(pois está a fugir da própria divindade que declara temer e obedecer); em
Jn 1.12 é o próprio Jonas que declara desejar passar da esfera do barco
para a esfera do mundo submarino, onde há escuridão e perigo (grande
peixe); finalmente, em Jn 1.15, Jonas é lançado ao mar, atravessando o
limiar das duas esferas.

A quinta fase deste primeiro momento ilustra o tempo em que o herói
permanece no interior do ventre de uma baleia[32]. A passagem mágica pelo
limiar é um momento temporário em que o herói permanece na esfera do
"renascer". Esta fase é simbolizada pela imagem universal do ventre da
baleia. O herói, ao invés de conquistar os poderes encontrados na presente
esfera, é engolido pelo desconhecido e aparenta ter sido morto. O motivo
popular dá ênfase na lição de que esta passagem é uma forma de aniquilação
pessoal. Este desaparecimento dentro da esfera do desconhecido corresponde
à passagem do fiel pelo interior do templo, onde ele é instruído acerca de
sua real natureza, a saber, pó e cinzas, e não um imortal. J. Campbell
continua assim:

"O interior do templo, o ventre da baleia, e a terra celestial
além, acima e abaixo dos confins do mundo são um e o
mesmo. Por isto é que as escadarias e entradas dos templos
são flanqueadas e defendidas por grotescas figuras:
dragões, leões, demônios com espadas a pino, anões irados,
touros alados. Estes são os guardiões da passagem que
afugentam todos os incapazes de encontrarem o silêncio
interior mais nobre. Eles são as corporificações
preliminares do aspecto perigoso da presença,
correspondendo aos 'bichos-papões' que limitam o mundo
convencional ou as duas fileiras de dentes da baleia. Eles
ilustram o fato de que no momento em que o fiel entra no
interior do templo, ele sofre uma metamorfose. Seu caráter
secular permanece fora; ele muda de caráter, assim como a
cobra muda de pele. Uma vez dentro, ele é considerado
morto para o tempo e de volta para o Ventre do Mundo, a
Nave Universal, o Paraíso Terrestre. O mero fato de alguém
poder caminhar fisicamente pelos guardiões do templo não
invalida o significado dos mesmos; pois se o invasor é
incapaz de absolver o sentido do santuário, então ele
efetivamente permaneceu do lado de fora. Qualquer um
incapaz de entender um deus, o vê como um mal e, por
conseguinte, lhe é negado o acesso a esse deus.
Alegoricamente, então, a passagem pelo interior do templo
e o mergulho do herói pelas mandíbulas da baleia são
aventuras idênticas, ambas denotando, em linguagem
figurada, o centro da vida, o ato da renovação da vida."
[33]

O paralelo pode ser encontrado em Jn 2.1. Neste versículo Jonas é
devorado por um grande peixe e permanece três dias e três noites no ventre
do mesmo. Neste tempo, Jonas sofre um processo de renovação (cf. p.*...).
A interpolação de Jn 2.3-10 é uma oração, o que pode sugerir que o interior
do grande peixe esteja representando o interior de um santuário, local de
praxe para orações. Jn 2.5, 8 até menciona o desejo de Jonas poder se
encontrar no Santo Templo de Javé [cf. Anexo I, figura 1].

1.2.1.2 - A iniciação

No segundo momento da jornada mitológica, J. Campbell descreve as
fases da iniciação pela qual o herói deve atravessar.

Na primeira fase deste segundo momento o herói se encontra com a
deusa, já na esfera de desconhecido[34]. Este é o ponto da aventura, quando
todas as barreiras e monstros já foram superados. Esta fase é representada
como um casamento místico entre o triunfante herói e a rainha deusa do
mundo. Este encontro é o teste através do qual o herói ganhará o segredo da
vida, a própria divindade como companheira. Onde está o paralelo desta fase
em Jonas? O monstro marinho, segundo Uwe Steffen[35], é a imagem da "grande
mãe" que devora seu filho, não permitindo-o crescer em maturidade. Assim, o
encontro de Jonas com o grande peixe, em Jn 2.1, pode representar esta fase
onde Jonas entra em contato com a deusa mãe do mundo subaquático.

Este encontro culmina na segunda fase, onde o herói se angustia[36],
pois, ao ter se relacionado com a deusa desse mundo estranho, entra em
crise. Esta crise é resultado da possessão que a natureza temperamental da
divindade feminina inflige sobre a natureza masculina do herói. Em Jn 2.3
Jonas se expressa angustiado, angústia que o faz clamar e gritar pela
assistência de Javé.

A terceira fase ilustra o encontro com a divindade masculina, onde o
herói deve experimentar uma expiação com o pai[37]. O sol no submundo, o
senhor dos mortos, é o outro lado do mesmo rei radiante que rege o dia. O
encontro com este "pai" significa a abertura de sua alma num grau de terror
tão grande que ele amadurecerá no entendimento de que todas as doenças e
tragédias neste louco mundo são completamente válidas segundo a Majestade
do Ser. O herói aqui transcende a vida em sua limitada linha de horizonte
e, por um momento, eleva-se para um vislumbre da fonte. Ele observa a face
do pai, compreende e os dois tornam-se um. Este encontro com o "pai" é
percebido em Jn 2.3, 7b, 8, 10. Javé responde e ouve o clamor de seu
profeta (Jn 2.3), permitindo Jonas entrar no interior do Santo Templo
(corpo da divindade - Jn 2.8). Parece haver uma reconciliação, uma expiação
por parte de Jonas, pois este promete fazer sacrifícios e votos a Javé (Jn
2.10).

A quarta fase é a da apoteose[38]. O herói aprende em seu íntimo duas
grandes lições. Em primeiro lugar, o iniciado aprende que masculino e
feminino são duas metades "de uma mesma moeda". Com isto ele está apto a
aprender a segunda lição: o fim da distinção entre vida e morte. Em outras
palavras, o iniciado é libertado dos poderes do desejo, hostilidade e
desilusão. Ele cessa de estar sendo movido de um lado para outro por seus
desejos. Ele alcança aquela fase de meditação budista do "nirvana"[39].
Neste estado, ele pára de ser assediado pela inconstância da "carne". Este
é um momento de nenhuma dependência. Jonas parece ter alcançado este
momento, pois em Jn 2.10, ele se apresenta disposto a agradecer por todos
os horrores pelos acabou de passar (Jn 2.4-8) e pelos quais continua a
sofrer, pois ainda se encontra no interior do grande peixe. A liberdade de
agradecer em meio à tormenta encontra sentido no estado de quietude quanto
aos seus próprios desejos. Como Paulo assim se expressa: "Logo, já não sou
eu quem vive, mas Cristo vive em mim; e esse viver que agora tenho na
carne, vivo pela fé no Filho de Deus,..." (Gl 2.20).

A última fase é a da derradeira rendição[40]. Esta fase é descrita
pela vitória sobre o monstro marinho. O herói se liberta do elemento que o
anulava. Pelo fato do monstro significar os próprios aspectos negativos do
herói, o aniquilamento do animal significa a própria rendição do herói de
suas dependências passadas. Em Jn 2.11 é Javé quem liberta Jonas do ventre
do grande peixe. Entretanto, tal atitude por parte de Javé só ocorre em
decorrência da vitória de Jonas sobre sua própria obstinação em não clamar
contra Nínive, pois, em Jn 2.10, Jonas já se rendeu ante a aceitação de que
a "salvação pertence a Javé".

1.2.1.3 - O retorno

Após ter sido chamado e executado a jornada, o herói deve retornar
trazendo suas descobertas para o bem comum da sociedade.

Na primeira fase deste terceiro momento, o herói pode se recusar a
retornar[41]. A responsabilidade tem sido freqüentemente rejeitada. Esta é
uma atitude imatura, pois chega a hora em que o retorno precisa ocorrer
para não deixar o herói numa eterna bem-aventurança sem contudo oferecer à
humanidade suas conquistas e achados. Este tema da recusa em compartilhar a
boa nova com os seus acha um paralelo no instante em que Jonas, depois de
ter clamado em Nínive, se arrepende de assim tê-lo feito (Jn 4.1-5).

Entretanto, se tudo correr bem, temos a fase em que o herói retorna
da aventura[42], por uma assistência externa. Em Jn 2.11, Javé ajuda ao
libertar Jonas do interior do grande peixe.

A próxima fase é a descrição da segunda passagem (limiar) entre os
dois mundos[43]. Estes dois mundos, o divino e o humano, pode ser descrito
somente como distintos um do outro - diferentes como vida e morte, como dia
e noite. Contudo, e aqui está a "chave" para entender o mito como símbolo,
os dois reinos são na verdade um só. Segundo Campbell, este reino dos
deuses é aquela dimensão conhecida no passado remoto mas agora já
esquecida. E a exploração daquela dimensão, desejada ou não, é o sentido
básico dos feitos do herói. Assim, com o retorno, o herói traz consigo
novos valores a serem acrescidos ao reino humano. Por isto o retorno torna-
se imprescindível, pois objetiva a conquista de riquezas inalcançáveis para
o bem comum de toda a sociedade. Em Jn 2.10 percebemos que Jonas conquista
uma importante verdade: "Ao Senhor pertence a Salvação". Com esta aquisição
ele retorna quando é vomitado em terra seca [cf. Anexo I, figura 2].

Esta verdade apreendida no ventre do grande peixe é vivida por Jonas
quando clama aos ninivitas em Jn 3.3, 4. Com este clamor os ninivitas se
convertem do mau caminho fazendo com que o próprio Javé se arrependa das
medidas que tomaria em relação à cidade de Nínive (Jn 3.5-10). Com tal
arrependimento por parte de Javé, entendemos que a salvação se estende aos
poderosos ninivitas, o que Jonas temia (Jn 1.3; 4.2).

Este processo mitológico é cíclico, se repetindo várias vezes, como
atestam os mitos em torno do deus sol que morre todo final de tarde para
renascer constantemente na alvorada. Isto significa que o herói perpassa a
aventura muitas vezes, trazendo sempre novos valores[44]. Este processo
repetitivo se apresenta em Jn 4.1-5, quando Jonas volta a seus antigos
pensamentos e valores teológicos. Esta volta requer uma nova aventura, que
é retratada no pequeno enredo mítico da planta que nasce e logo morre, em
Jn 4.6-11.

Esta aventura (Jn 4.6-11) é mais condensada, mas apresenta as mesmas
fases. Um animal subterrâneo (monstro subaquático) mata algo em que Jonas
se apoia confortavelmente (dependência). Sem a planta, Jonas se acha
indefeso ante os raios do sol (calor que queima os cabelos do herói no
interior do peixe, cf. esquema de Frobenius acima, p. 10). Isto o faz
querer morrer, assim como em Jn 1.12 onde pede para ser lançado ao mar. Jn
4.10, 11 é o momento da união com o "pai" através do processo de reflexão.
Entretanto, o texto não apresenta a continuidade do processo. Este fim
abrupto talvez simbolize, não o fim de todo o processo, mas a eternidade
cíclica do mesmo.

Concluímos este tópico, ressaltando novamente que este trabalho
comparativo quer apenas esclarecer melhor o padrão mitológico do ciclo
diário solar, presente em várias culturas, assim como também no interior do
livro de Jonas. As similaridades encontradas acima vêm, pois, apoiar a
idéia de Steffen, de que o redator do livro de Jonas se utilizou de
material mitológico na elaboração do didático manuscrito.

1.2.2 - Padrão mitológico do ciclo anual

O enredo de Jn 4.6-8 apresenta elementos simbólicos provenientes de
mitologias que figuram o processo da mudança das estações anuais. Este
padrão mitológico é encontrado no mundo contemporâneo de Israel através dos
mitos da "descida de 'Ishtar' ao mundo inferior"[45], e nos poemas em torno
de Baal e 'Anath'[46]. Estes mitos simbolizam a morte da natureza no
inverno e seu ressurgimento na primavera, muito ligados à agricultura e ao
plantio. Os cultos cananitas[47] estavam ligados ao ciclo anual também.
Seus deuses morriam e ressurgiam de acordo com as estações. Por o rito
significar uma encenação dos mitos, os sacrifícios, executados durante os
ofícios litúrgicos, simbolizavam a morte do deus durante o inverno,
enquanto que o casamento sagrado do deus e da deusa (representado pelo rei
e pela sacerdotisa) simbolizava a fecundação de uma nova vida: o
ressurgimento do deus na primavera[48].

Assim podemos perceber alguns resquícios deste padrão mítico, como
por exemplo, no nascimento e morte da planta, em Jn 4.6, pois é Javé quem
faz nascer e é Ele quem destroe o mamoneiro. O sol também pode ser
percebido como um resquício do mesmo padrão do ciclo anual, pois é aquele
que rege, quem dá vida e mata: "Melhor me é morrer do que viver" (Jn 4.8).
Este tópico quer somente apontar que todo o livro de Jonas (também Jn 4.6-
8) contém elementos míticos.

1.2.3 - Conclusão

Aceitamos o livro de Jonas como um texto didático, mas, segundo os
tópicos acima, defendemos a presença de elementos e de enredos mitológicos
no mesmo. Assim, interpretaremos este texto, considerando-o rico em
conteúdo mitológico, embora o trabalho de elaboração redacional do autor
tenha imprimido nele um enredo didático em sua composição final.

Queremos também limitar a análise a ser feita do livro de Jonas. Por
intencionarmos esclarecer, basicamente, o elemento mítico do grande peixe,
nos restringiremos apenas as contexto menor de Jn 1.1-3.3a. Seria muito
interessante analisarmos todo o livro, segundo a mesma hermenêutica, mas
pelo limite de tempo de que dispomos para realizar este trabalho, isto não
será possível.

Concluindo, queremos entender o contexto menor de Jn 1.1-3.3a como um
enredo mítico, a fim de estudá-lo segundo uma hermenêutica psicológica.
Assim, procuraremos entender um sentido a mais por trás daquele elemento
tão conhecido, porém pouco compreendido: o grande peixe.

1.3 - HERMENÊUTICA PSICOLÓGICA

Se consideramos o texto de Jn 1.1-3.3a um enredo mitológico, porque
utilizar uma hermenêutica psicológica? Claude Lévi-Strauss é quem nos
fornece a resposta:

"E, se chegarmos a compreender sua estrutura (a do mito), isto
não será nunca no nível empírico em que elas primeiramente
aparecem, mas num nível mais profundo e quase sempre
despercebido: o das categorias inconscientes, que podemos
esperar alcançar, aproximando domínios que, à primeira
vista, pareciam não ter relação entre si." [49]


Segundo Lévi-Strauss, um profundo conhecedor das estruturas de
enredos mitológicos, será no campo psicológico que as estruturas dos mitos
poderão ser melhor compreendidas. Tal campo, entretanto, é de difícil
acesso. Lévi-Strauss tem consciência desta dificuldade quando salienta
acima ter uma esperança de poder alcançar os domínios inconscientes. Esta
esperança também nós compartilhamos, pois precisaremos de uma escola
psicológica que nos ajude nesta empreitada de desvelar conteúdos
psicológicos (inconscientes) da estrutura mítica de Jn 1.1-3.3a.

Uma escola psicológica que vem ao encontro desta empreitada é a
psicologia analítica de C. G. Jung, que defendemos como adequada, dentro de
nossos objetivos e interesses. Queremos, a seguir, respaldar nossa escolha
e esclarecer alguns pontos importantes da psicologia analítica de C. G.
Jung, que serão base necessária para avançarmos na interpretação do
elemento mitológico do peixe em Jonas.

"O conto de fadas e o mito
expressam processos inconscientes e sua narração produz
sempre um revivescimento e uma recordação de seu conteúdo,
operando, conseqüentemente, uma nova ligação entre a
consciência e i inconsciente." [50]

Jung, através desta explicação, parece apoiar a proposta de Lévi-
Strauss de procurarmos compreender as razões míticas "no" inconsciente.
Este é o respaldo que procurávamos. Contudo, é necessário precisar melhor o
campo deste inconsciente a que Jung se refere. Para Jung, o inconsciente é
formado por duas instâncias: um inconsciente pessoal e um coletivo.

No inconsciente pessoal estão localizados todos aqueles conteúdos
adquiridos durante a existência do indivíduo. Não só conteúdos
"reprimidos", mas também conteúdos assimilados de modo subliminar. Assim,
todos os conteúdos do inconsciente pessoal tiveram, uma ou outra vez,
contato com o nível consciente.

Contudo, existem conteúdos presentes no inconsciente cujo teor nem
chega a alcançar o limiar da consciência. Estes surgem de um nível distinto
do inconsciente pessoal. Jung o denomina inconsciente coletivo, pois está
carregado de aspectos universais, não próprios do indivíduo. Este nível do
inconsciente é herdado pelo indivíduo quando este é concebido, e, com isto,
recebe por hereditariedade complexos de imagens cheios de energia psíquica,
os quais são chamados "arquétipos"[51].

O arquétipo ((((( arcaico, princípio, primórdio; ((((( - tipo,
modelo, padrão), ou imagem primordial, é uma figura - seja ela demônio, ser
humano ou processo - que reaparece no decorrer da história sempre que a
imaginação criativa for livremente expressa. É, portanto, em primeiro
lugar, uma figura mitológica. Examinando as imagens mais detalhadamente,
constataremos que elas são, de certo modo, o resultado de inúmeras
experiências típicas de toda uma genealogia. Elas são, por assim dizer, os
resíduos psíquicos de inúmeras vivências do mesmo tipo. Elas descrevem a
média de milhões de experiências individuais, apresentando, dessa maneira,
uma imagem da vida psíquica dividida e projetada nas diversas formas do
pandemônio mitológico[52].

Assim vemos que todos aqueles temas e figuras mitológicas (serpente,
dragão, rei, castelo, mar, peixe, encantamentos, ascensão e retorno, local
dos mortos, morte, caixão de vidro, príncipe, monstros, bruxa, fada,
deusas, animais falantes) são considerados imagens-padrão, ou arquétipos,
as quais atuam diretamente sobre o consciente do indivíduo quando
necessário, oferecendo uma mudança de atitude nesta última instância
(consciência). Diz Jung:

"Toda referência ao arquétipo, seja experimentada ou apenas dita,
é 'perturbadora', isto é, ela atua, pois ela solta em nós
uma voz muito mais poderosa do que a nossa. Quem fala
através de imagens primordiais, fala como se tivesse mil
vozes: comove e subjuga, elevando simultaneamente aquilo
que qualifica de único e efêmero na esfera do contínuo
devir, eleva o destino pessoal ao destino da humanidade e
com isto também solta em nós todas aquelas forças
benéficas que desde sempre possibilitaram a humanidade
salvar-se de todos os perigos e também sobreviver à mais
longa noite." [53]

Talvez aqui possamos compreender um pouco porque a imagem da baleia é
a mais conhecida, no meio popular, quando a estória de Jonas é mencionada.
Ninguém lembra a imagem da grande cidade de Nínive (a missão de Jonas), ou
a dos marinheiros, ou a da árvore e do verme que a seca. Muito menos tem-se
conhecimento da mensagem básica do livro de Jonas, centrada nos últimos
versículos do enredo. A única coisa que vem à mente das pessoas é aquilo
que provavelmente mais tocou fundo: o grande peixe que engoliu Jonas e
depois o libertou. E se perguntássemos pelo porquê desta atração,
provavelmente receberíamos uma resposta silenciosa, muda. O grande peixe,
que engole seres humanos que sobrevivem depois de longa permanência no
estômago do monstro marinho, é um padrão mítico, portanto, arquetípico,
atraindo (inconscientemente) a consciência das pessoas[54].

Assim, o autor de Jonas, provavelmente, se utilizou de temas míticos
(arquetípicos), intuitivamente, para atrair e fazer passar sua mensagem.
Entretanto, estas imagens não servem apenas como 'isca' para atrair a
atenção das pessoas, pois uma vez 'ingeridas', elas têm a capacidade de
engendrar novidades no inconsciente do ouvinte 'atuando', psicologicamente,
no interior do indivíduo, ou povo. Diz Jung novamente:

"Este é o segredo da ação da arte. O processo criativo consiste
(até onde nos é dado segui-lo) numa ativação inconsciente
do arquétipo e numa elaboração e formalização na obra
acabada. De certo modo a formação da imagem primordial é
uma transcrição para a linguagem do presente pelo artista,
dando novamente a cada um a possibilidade de encontrar o
acesso às fontes mais profundas da vida que, de outro
modo, lhe seria negado. É aí que está o significado social
da obra de arte: ela trabalha continuamente na educação do
espírito da época, pois traz à tona aquelas formas das
quais a época mais necessita. Partindo da insatisfação do
presente, a ânsia do artista recua até encontrar no
inconsciente aquela imagem primordial adequada para
compensar de modo mais efetivo a carência e
unilateralidade do espírito da época. Essa ânsia se apossa
daquela imagem e, enquanto a extrai da camada mais
profunda do inconsciente, fazendo com que se aproxime do
consciente, ela modifica sua forma até que esta possa ser
compreendida por seus contemporâneos." [55]


1.4 - CONCLUSÃO

Na primeira parte deste capítulo fizemos um resumo da pesquisa atual
em torno do livro de Jonas. A partir deste resumo, aceitamos alguns pontos
e aprofundamos outros, na segunda parte do capítulo. Comprovamos existir
elementos e até um provável enredo mitológico no livro de Jonas. Tal passo
nos ajuda, pois precisamos de uma legitimação simbólica de alcance mítico
para continuar o estudo de Jonas (em especial, sobre o tema do peixe). A
terceira parte deste capítulo abarcou a hermenêutica que utilizaremos nos
próximos capítulos. Tal hermenêutica pretende esclarecer novos aspectos em
torno do elemento mítico do grande peixe.

Antes de passarmos para o segundo capítulo, é necessário esclarecer
que a hermenêutica psicológica não pode ser unívoca quanto às suas
descobertas, pois os símbolos serão sempre "polissêmicos". Nosso trabalho
será o de dar pistas elucidativas dentro do que a própria estrutura do mito
nos oferece. Assim, repetimos que nossa intenção é de apresentar mais uma
faceta deste maravilhoso livro que encanta tanto o simples leitor como o
mais erudito estudioso da bíblia.














































2 - O CHAMADO E A RECUSA


Para melhor entender nossa análise é imprescindível esclarecer que
interpretaremos o personagem Jonas, a divindade Javé, o barco, os
marinheiros, o capitão do barco, o mar, a tempestade, enfim todos os
elementos presentes no texto de Jn 1.1-3.3a, como concernentes à estrutura
psíquica de um indivíduo[56]. Este indivíduo será reconhecido por nós como
sendo o 'herói', arquétipo mitológico e psicológico de largo alcance[57].

2.1 - UMA ESQUIZOFRENIA LATENTE

Tomemos inicialmente os três primeiros versículos. Em Jn 1.1
encontramos uma divindade (Javé) relacionando-se com seu profeta (Jonas),
através de uma 'Palavra'. Esta relação entre criador e criatura é uma
relação transcendental, e, portanto, não cotidiano no mundo social dos
seres humanos. Entretanto, por ser esta uma análise psicológica
entenderemos esta relação num nível imanente, ou seja, dentro da esfera
psíquica de nosso 'herói'. Assim, a divindade passa a ser entendida como um
complexo psíquico do inconsciente coletivo de nosso 'herói' e o personagem
Jonas passa ser interpretado uma parcela consciente do mesmo[58]. A
'Palavra', por sua vez, é interpretada como a emergência de uma nova idéia
provinda da esfera do inconsciente coletivo que procura se tornar
consciente.

Porém, esta 'Palavra' não alcança seu objetivo, pois em Jn 1.3 nosso
'herói' parece recusar que esta novidade do inconsciente coletivo venha a
incorporar' o corpo consciente do mesmo. Ele foge da presença deste novo
conteúdo "intruso".

Temos que nos perguntar porque tal reação contrária ocorre. Toda fuga
tem seus motivos, também psicologicamente. A explicação teológica da fuga
de Jonas já conhecemos: Jonas, representante de uma teologia nacionalista,
recusa clamar contra Nínive, pois teme que esta venha a se converter de seu
mau caminho. Desta forma, poderia vir a ser aceita pela misericórdia de
Javé, o que Jonas abomina (cf. p.*...). A explicação psicológica, por sua
vez, pode ser percebida a partir de uma análise estrutural, em Jn 1.1.
Neste versículo encontramos uma dualidade: Jonas - Amitai. "Jonas"
significa "pomba", o que, segundo os comentaristas, representa uma natureza
de leviandade e infidelidade. "Amitai"[59], por outro lado, significa "Fiel
ao Senhor"[60].

Estas duas naturezas antagônicas estão presentes dentro da
consciência de nosso 'herói' e, assim, podem representar uma divisão desta
esfera consciente ante momentos de decisão. A consciência de nosso herói
sofre de uma esquizofrenia latente[61]. Sua esfera consciente está dividida
em pólos contrários. Tal situação é denominada de "ambitendência", o que
significa que cada impulso consciente é acompanhado simultaneamente por um
impulso contrário[62].

Assim, a explicação psicológica da fuga pode ser entendida a partir
desta situação de ambitendência. No momento em que a 'Palavra' emerge na
esfera da consciência de nosso herói, parte de sua natureza a aceita
(Amitai), estimulando sua contraparte (Jonas) a combatê-la energicamente.
Nietzsche assim se expressa: "Quando temos que mudar nossa opinião acerca
de uma pessoa, nos atemos com mais força ao aspecto de inconveniência que
ela nos causa"[63]. Fica claro que a fuga de nosso herói se caracteriza
pela oposição de intenções entre estas duas naturezas. Enquanto 'Amitai'
intenciona obedecer a 'palavra', direcionando-as para Nínive, 'Jonas', por
sua natureza contrária, dirige-se para Társis (Jn 1.3).

Társis está em direção oposta a Nínive, e designa mais um lugar
"distante" do que um lugar "específico"[64]. Estas duas direções simbolizam
as duas intenções contrárias das duas naturezas na consciência de nosso
herói. Elas estão em direções opostas. Além desta simbologia espacial
horizontal (oeste - leste), encontramos também outra simbologia que reflete
as mesmas duas intenções contrárias de nosso herói: uma simbologia espacial
vertical (acima - embaixo). Em Jn 1.2, Javé ordena ao personagem Jonas que
se 'levante' (swq) para ir clamar em Nínive. Em Jn 1.3, o personagem Jonas
'desce' para o porto de Jope, para então 'descer' (embarcar - dry) ao barco
e posteriormente, em Jn 1.5, o personagem Jonas 'desce' para o interior do
barco.

Notamos aí uma nítida tomada de posição por parte de nosso herói.
Enquanto a 'Palavra' exige que o personagem 'Jonas' se 'levante', ele
'desce' (acentuado três vezes pelo texto). Tais simbolismos reforçam a
idéia de que nosso herói não quer aceitar o novo conteúdo vindo de seu
inconsciente, rejeitando-o categoricamente.

Devido ao fato da consciência de nosso herói estar dividida em dois
pólos ambivalentes, percebe-se a ausência de um "princípio diretor"[65] que
regule os atos do mesmo sob um único controle. Conseqüentemente, ele acaba
comportando-se de modo apático, ou seja, segundo um automatismo de
comando[66]. Tal situação de apatia é retratada em Jn 1.4-16, a ser
analisada a seguir.


2.2 - REGRESSÃO

Pelo fato de nosso herói recusar a 'Palavra', ele inicia um processo
psicológico chamado de regressão[67]. Lembremos da análise mitológica de J.
Campbell acerca dos diferentes momentos e fases da jornada de um herói.
Quando o herói recusou o 'chamado' à aventura, ele tornou-se a vítima a ser
recuperada, iniciando uma aventura de cunho negativo (cf. p.*...). Jung
classifica tal atitude de recusa como 'infantilidade'. Nosso herói recua
diante de um obstáculo (ida do personagem Jonas à Nínive) e substitui a
ação real por uma ilusão infantil (fuga do personagem Jonas para Társis).
Tal atitude é uma atitude de 'regressão', pois a libido (energia psíquica à
disposição do consciente - aqui simbolizada como a 'Palavra') não é
utilizada segundo a ordem divina, mas sim segundo uma ilusão de nosso
herói, que a leva para o mundo da fantasia infantil[68]. Jung assim ilustra
tal comportamento:

"No fundo, o homem sabe que fisicamente é possível superar o
obstáculo, apenas faltam-lhe as condições morais. Esta
última afirmação ele a descarta a limine devido a seu
caráter desagradável. É tão presunçoso que não admite sua
covardia. Vangloria-se de sua coragem e prefere declarar
impossíveis as coisas ao invés de declarar insuficiente
sua coragem. Este procedimento coloca-o em contradição
consigo mesmo. Por um lado, tem conhecimento exato da
situação; por outro, foge desse conhecimento e se esconde
atrás da ilusão de que é muito corajoso. Reprime o
conhecimento verdadeiro e procura impor à realidade seu
julgamento subjetivo e ilusório. Esta contradição causa a
divisão da libido e as duas metades se confrontam em
campos opostos." [69]

Com a divisão da libido e sua retirada para o mundo da fantasia, ou
seja, o inconsciente (mar)[70], ocorre um esvaziamento do consciente que
será sentido como um estado depressivo, que acarreta em uma 'inércia'. Jn
1.5 relata que o personagem Jonas desceu ao interior do barco, onde dormiu
profundamente. H. W. Wolff interpreta este sono como sono da 'morte'[71].
Esta é a fase de 'petrificação', segundo o trabalho de J. Campbell (cf.
p.*...). Um paralelo bíblico por ser retirado da história da esposa de Ló.
Ela também se 'petrificou', transformando-se em estátua de sal, ao ter
olhado para trás (regressão), segundo Gn 19.17, 23-26[72]. Esther Harding,
em seu livro "Psychic Energy", comenta que muitos heróis permanecem nesta
fase para sempre, pois necessitam de uma ajuda de fora para removê-los do
estado de morte[73].

Assim, pelo fato do personagem Jonas não 'levantar-se' (atitude
positiva à ordem de Javé), mas ter 'descido' para o interior do barco
(atitude de fuga), recusando a intimação da ordem de Javé de ir clamar
contra Nínive, nosso herói encontra a morte em seu estado de estagnação.
Consideramos, por conseguinte, Jn 1.5 como o final da fuga de nosso herói,
a menos, é claro, que algo aconteça e venha tirá-lo deste torpor mortífero.

2.3 - SACRIFÍCIO

Algo acontece: Javé parece estar do lado do personagem Jonas, pois em
Jn 1.6 o capitão do barco vem a ele e o 'acorda', intimando-o a se
'levantar' ({wq) para ajudar os outros contra a tempestade que abate o
barco. Notem que o verbo {wq é o mesmo utilizado em Jn 1.2, quando Javé
ordena que o personagem Jonas se 'levante' para clamar contra Nínive[74].

O panorama de Jn 1.4-16, em que nosso herói se encontra agora, é um
pouco diferente do anterior. A parcela da libido, ao se retirar para o
inconsciente, trouxe para mais perto o elemento consciente 'Jonas' das
forças ameaçadoras da esfera inconsciente. Aqui o mar representa as forças
do inconsciente, enquanto o barco representa a esfera consciente de nosso
herói, que por lhe faltar um 'princípio diretor', navega à deriva, sem
direção[75].

A situação de estar à deriva é resultante da atuação de Javé. É ele
quem promove a tempestade através de seu sopro (axUr), colocando o barco
num caos incontrolável. O destino está nas mãos de Javé, ou se analisarmos
psicologicamente, no fluxo de vida do inconsciente. Isto significa que a
consciência de nosso herói está dependendo das intenções do inconsciente,
que parece estar exigindo algo do mesmo. Mas o quê? O inconsciente está a
exigir um sacrifício.

Este sacrifício faz parte do processo de regressão de nosso herói. O
inconsciente reclama aquele elemento da consciência de nosso herói (Jonas -
pomba) que está impedindo o fluxo da libido (a 'Palavra' - ida à Nínive). O
personagem Jonas é o elemento psíquico da consciência que desafia o
processo de amadurecimento de nosso herói. O personagem Jonas, com sua
teologia retrógrada, rejeita a novidade teológica de Javé. Assim, o
sacrifício é um ato de 'renovação', pois o inconsciente, ao receber aquele
elemento indesejado, acabará por transformá-lo através de um processo de
mutação psíquica que analisaremos no próximo capítulo. Neste processo,
renuncia-se a um desejo primitivo, imaturo, para readquiri-lo de forma
renovada[76].

H. W. Wolff chega perto da idéia de sacrifício quando salienta a
preocupação dos marinheiros em 'atirar' (lw+) ao mar coisas do barco, em
resposta à ação de Javé em ter 'atirado' o vento (lw+) sobre o mar. Existe
uma interrelação entre o ato de Javé e as ações dos marinheiros. Estes
apenas desconhecem o que, ou quem precisa ser atirado ao mar[77]. Por isto,
em Jn 1.7 eles jogam a sorte. Este ato é, em última análise, uma consulta
ao inconsciente[78], ou seja, um ato de sincronicidade[79]. Através deste
jogo, o inconsciente revela o 'responsável' pela tormenta: o elemento
psíquico Jonas.

Conseqüentemente, em Jn 1.8 a tripulação do barco questiona o
personagem Jonas de muitas maneiras, com o objetivo de saberem o porquê
daquela tempestade[80]. Em Jn 1.9 encontramos a resposta do personagem
Jonas. Nela, ele se denomina 'hebreu'. Não mais 'Jonas' ou 'Amitai', mas
'hebreu'. A designação yrb(hebreu) significa: "aquele que é do outro lado",
situando o hebreu perante outros povos a partir de um r io ou fronteira:
aquele do outro lado do Rio Jordão ou aquele além do Eufrates (Js
24.2s)[81].

Mas em que a resposta do personagem Jonas ("Sou hebreu") responde à
pergunta da tripulação aflita do barco? O termo yrb (hebreu) tem como raiz
o verbo rb( (passar além, migrar através, região a ser atravessada ou ser
do outro lado)[82]. Se tomarmos este termo psicologicamente, dentro do
contexto onde o personagem Jonas se encontra, ele se revestirá de uma nova
interpretação. A única fronteira que encontramos é a que divide o
consciente (barco) do inconsciente (mar), logo rb (passar além, migrar por
terra estranha) se refere à passagem entre a esfera do racional e a esfera
do desconhecido (cf. análise de Campbell, p.*...). Conseqüentemente, ao
usar o termo 'hebreu', o personagem Jonas confirma o que a 'sorte' havia
afirmado anteriormente (Jn 1.7), de que ele deve atravessar o limite das
esferas, ser arrojado do barco para as profundezas do mar. Este pensamento
é claramente expresso em Jn 1.12, onde o elemento psíquico Jonas pede para
ser 'atirado' ao mar. Contudo, por mais que o personagem Jonas peça à
tripulação do barco para jogá-lo ao mar, os marinheiros resistem em atirá-
lo. Como entender este dilema?

Ora, os marinheiros fazem parte da estrutura consciente de nosso
herói, pois como vimos antes, enquanto o mar simboliza as forças do
inconsciente, o barco - e tudo o que nele há - simboliza o complexo
consciente[83]. Nesta perspectiva, é justificada a reação dos marinheiros
em negar o pedido do personagem Jonas, tentando ao máximo alcançar a terra
seca. A consciência teme ceder ante as proposições do inconsciente.
Percebemos aqui que a esquizofrenia de nosso herói torna-se pior a cada
instante, chegando perto o tempo em que fatalmente a parcela consciente
(personagem Jonas) mergulhará no 'mar' do inconsciente. Em verdade, em tal
nível de esquizofrenia, nosso herói parece pressentir que algo de terrível
está para acontecer. A atitude dos marinheiros apenas reflete este
pressentimento[84].

Assim, temos o inconsciente cada vez mais furioso[85], por um lado,
exigindo a parte consciente que precisa ser sacrificada (o personagem
Jonas). E o consciente, por outro lado, representado pelo barco que segue
em direção oposta à Nínive e pelos marinheiros que tentam alcançar terra
firme, a fim de salvaguardar a mesma parcela consciente (o personagem
Jonas). Esta última tentativa da parte do consciente de negar o que o
inconsciente já vem exigindo desde Jn 1.4, faz com que este torne-se 'mais'
impetuoso do que já havia sido. A violenta fúria do mar aumenta na exata
proporção do esforço dos marinheiros em remar para terra firme (Jn 1.13b).

Com este último ataque do mar, os marinheiros cedem (Jn 1.14) e
acabam jogando o personagem Jonas ao mar (Jn 1.15). Entretanto, é muito
importante salientar que este sacrifício foi feito contra a vontade do
consciente, pois este - durante todo o tempo - tentou fugir a todo custo
deste momento de entrega. Em Jn 1.1, 2 Javé se apresenta (novidade
psíquica) para o personagem Jonas - em Jn 1.3 ele foge para Társis. Em Jn
1.4 Javé (o inconsciente) se rebela com esta atitude infantil através do
mar bravio - em Jn 1.5 o personagem Jonas procura a fuga no sono. Em Jn
1.11 Javé (o inconsciente) torna-se mais furioso, exigindo o sacrifício do
personagem Jonas - em Jn 1.13a os marinheiros (esfera consciente) se negam
a sacrificar o personagem Jonas. Em Jn 1.13b Javé (o inconsciente) se
arroja mais furiosamente 'contra' o barco (esfera consciente) - em Jn 1.14s
o personagem Jonas (elemento psíquico arcaico) é finalmente entregue por
'desistência'. Talvez agora possamos entender estas palavras de C. G. Jung:

"Uma regressão coerente significa uma reassociação com o mundo
dos instintos naturais, que constitui matéria primordial
também sob o aspecto formal e ideal. Se esta pode ser
captada pelo consciente, ela determinará uma reanimação e
reordenação. Mas se o consciente for incapaz de assimilar
os conteúdos vindos do inconsciente, cria-se uma situação
perigosa na qual os novos conteúdos conservam sua forma
original, caótica e arcaica, e com isto rompem a unidade
do consciente. O distúrbio mental daí resultante chama-se,
por isto, caracteristicamente, esquizofrenia, 'loucura por
cisão' ". [86]

2.4 - CONCLUSÃO

Segundo o enredo de nosso texto, o personagem Jonas personifica o
papel de um herói fraco e não daquele herói 'divino' que enfrenta os
desafios com coragem[87]. Enquanto que o herói divino consegue banhar-se no
sagrado oceano do inconsciente, fortificando-se com este ato, o nosso
personagem Jonas acaba se afogando no mesmo oceano[88]. Este afogamento é
resultante de sua regressão (através da perda esquizofrênica por cisão)
para o reino interior, para o passado inconsciente, para o mundo
embrionário.

Neste primeiro capítulo do livro de Jonas, encontramos o
desenvolvimento de um caso de esquizofrenia. O implicado (nosso herói), não
conseguindo apreender o conteúdo do inconsciente ('Palavra'), despedaça sua
consciência em duas polaridades, indo ao extremo de regredir perigosamente
dentro das profundezas da inconsciência.

Tal nível regressivo revela o fim de nosso herói, pois nenhuma
estrutura psíquica pode agüentar a força esmagadora do inconsciente quando
este entra em contato com aquela estrutura psíquica esquizofrênica. Aqui a
esquizofrenia deixou de ser aparente, tornando-se real. A cisão do
consciente alcança concreticidade, pois o elemento psíquico Jonas é
literalmente entregue às forças inconscientes. A não ser que algo aconteça,
podemos encerrar nossa análise por aqui.



















3 - O GRANDE PEIXE


O tema mítico, encontrado no segundo capítulo de Jonas, é o mesmo
desenvolvido por nós em nosso primeiro capítulo, segundo o estudo de Uwe
Steffen (cf. p.*...). Este mito (padrão mitológico diário) mostra o término
de uma fase (o sol morrendo ao se pôr), sua fase noturna (viagem noturna
debaixo do mar ou terra) e, finalmente, a fase de seu renascimento que
inicia uma nova etapa a ser vencida (o nascer do sol).

3.1 - O PEIXE

O peixe, em Jonas, recebe outras designações em diferentes mitos:
'monstro marinho', 'dragão', 'leviatã', 'baleia', 'dragão-baleia',
'serpente', 'peixe'. Todos estes símbolos personificam o lado sombrio e
perigoso do inconsciente, onde o herói deve penetrar num processo de
regressão, para salvar algo muito valioso guardado pelo monstro. Para a
recuperação deste valor, o herói precisa entrar no interior do 'monstro
marinho', ou lutar contra o 'dragão' em sua caverna, para então regressar
ao mundo da normalidade (social), trazendo consigo aquela energia (valor
adquirido no interior do monstro) que a partir de agora está acessível a
toda a sociedade (consciente)[89]. Por se encontrar no inconsciente (mar),
este grande peixe marinho personifica a morte, pois envolve conteúdos não
acessíveis à consciência[90].

Ao ter sido jogado ao mar, em Jn 1.15, nosso personagem Jonas deveria
ter 'morrido' afogado. Entretanto, algo acontece para evitar este estado de
destruição completa. Javé 'dispõe' um grande peixe para 'devorar' o
personagem Jonas (Jn 2.1). Caminhemos devagar! Primeiro vamos analisar o
termo hnm (dispor). De acordo com Lohfink, a partir de uma análise
estruturalista do livro de Jonas, existe um sentido didático por trás deste
termo. Focalizando o episódio do mamoneiro, em Jn 4.6-11, nossa atenção se
dirige para o repetido uso do verbo hnm (dispor). Em Jn 4.6, "Deus dispõe
que" um mamoneiro cresça para proteger o personagem Jonas do sol. Logo a
seguir, em Jn 4.7, "Deus dispõe que" sopre um vento abrasador (Jn 4.8) e o
personagem Jonas sofre dores de cabeça[91].

Se seguirmos o pensamento de Lohfink, então este verbo é colocado em
Jn 2.1 para induzir o personagem Jonas a um contexto de aprendizagem, assim
como o episódio do mamoneiro resulta na última cena do livro, que é
basicamente didática[92]. Mas como entender esta intenção, positiva, da
parte de Javé, se o grande peixe foi disposto com o fim de destruí-lo
(devorar - (lb)?[93] Como tirar algo de positivo da morte? Queremos
defendemos a morte, neste contexto, como algo renovador e não aniquilador.
Para isto citamos Jung:

"Esta morte não é um inimigo exterior, mas um anseio próprio e
íntimo pelo silêncio e pela profunda paz de um sabido não-
ser, pelo sono clarividente no mar do vir-a-ser e do
desaparecer." [94]

Lidamos, pois, com dois tipos de 'morte'. Um deles é a morte por
estagnação, petrificação, sugerida no texto quando o personagem Jonas
'desce' para o interior do barco a fim de dormir (Jn 1.5). Esta morte é
aquela que tão bem conhecida; a pessoa morre e ponto final. Já o outro tipo
de morte é dinâmica. A pessoa não se petrifica ou permanece estagnada, mas
sofre um profundo processo de transformação. A imagem de 'morte' é
utilizada pelo aniquilamento de alguns elementos no todo do processo: a
morte mata o lado imaturo da consciência a fim de renová-la com novos
elementos. O processo da renovação só é possível se a morte estiver
presente.

No tema dos sonhos (fruto do inconsciente coletivo, assim como os
mitos), esta simbologia em torno da morte é melhor exemplificada. Quando
sonhamos que uma pessoa morre, não significa que ela tenha ou venha a
morrer realmente, apenas que algo 'mudou' em sua forma de ser. Assim, por
exemplo, quando um filho passa da fase infantil para a fase da
adolescência, a mãe pode vir a ter um sonho em que seu filho morre, pois
aquele aspecto "criança" (infantil) que seu filho possuía já não existe
mais. Esta diferença de 'ser' é percebida pelo inconsciente da mãe como uma
mudança significativa e quando traduzida na linguagem dos sonhos é
representada pelo simbolismo da morte. Algo como: "Seu filho 'criança' já
não existe mais"[95].

O tema do morrer pelo ato de ser 'devorado' é, psicologicamente, o
tema da "mãe-dragão" que devora seu filho. Ser devorado, assim, é estar
envolvido num estado indiscriminado, inconsciente. A pessoa volta,
regressivamente, ao mundo nostálgico onde a mãe tudo provê, alimentando e
protegendo o filho de todo o 'mal'. O desenvolvimento de uma pessoa exige
que ela se afaste de seus pais, para que a 'dependência' não 'destrua' o
novo em que se transformará o filho ou a filha[96]. Para isto, a criança
deve enfrentar a mãe, quando esta se tronar o 'dragão' que a tudo a
protege, pois este proteger agora já não mais auxilia a criança em
desenvolvimento, mas sim a sufoca, acabando por destruí-la. Quem vence este
monstro, adquiri nova e eterna juventude. Mas para sito, e apesar de todos
os perigos, é preciso, geralmente, entrar no ventre do monstro-dragão
(viagem ao inferno) e permanecer ali durante algum tempo (prisão noturna no
mar)[97] [cf. Anexo II, fig. 1 e 2].

No enredo bíblico, o personagem Jonas (parte da consciência imatura
do nosso herói) não entra no ventre do grande peixe por iniciativa própria,
mas é engolido pelo mesmo. O personagem Jonas se revela fraco e rebelde,
por isto o aspecto esquizofrênico está presente na personalidade de nosso
herói. Este não é o tipo do herói corajoso que entra no interior do peixe
por iniciativa própria, e sim o tipo que sofre o processo, pois é o peixe
que o faz entrar em suas entranhas. Voltemos novamente para a pergunta
inicial: como, então, entender este ato de ser engolido pela "mãe-dragão"?
No processo da regressão está implícita a volta da pessoa para suas fases
anteriores de vida. A "mãe-dragão" envolve a pessoa esquizofrênica, não
permitindo a esta amadurecer. Assim, apenas neste momento de envolvimento,
no âmago da regressão, é que o esquizofrênico pode resolver o problema, ao
conseguir renunciar a este horizonte tão bom que o cerca, mas ao mesmo
tempo tão negativo. Jung assim diz:

"Para aquele que olha para trás, o mundo se torna novamente a mãe
debruçada sobre ele a envolvê-lo de todos os lados; e da
renúncia a esta imagem e da nostalgia por ela origina-se a
imagem do mundo que corresponde ao reconhecimento
moderno." [98]

Esta imagem da "mãe" já não é mais positiva, mas negativa, por isto
seu lado funesto é descrito simbolicamente por um "monstro marinho"[99]. A
transformação - como característica de morte - só ocorrerá se esta imagem
for renegada. Caso a pessoa permanecer por muito tempo nesta fase
regressiva, ela poderá não mais voltar, petrificando-se. Ela precisa
renunciar. Ela precisa "sacrificar" a nostalgia. Ela precisa romper as
paredes do medo[100], que a inibem de entrar em contato com seu real
problema. Assim como escreve Paul Ricouer acerca dos mitos: "Al abrirnos a
lo irreal, la ficción nos reconduce a lo essencial de lo real "[101].

A cruz do personagem Jonas é sua fraqueza teológica em não admitir um
novo aspecto na natureza de sua divindade: a misericórdia a todos. Neste
contexto, o personagem Jonas é o elemento que precisa ser transformado, e a
baleia, o grande peixe, o local onde a transformação ocorrerá[102].

Este processo é similar ao do batismo. O personagem Jonas representa
a pessoa que deve "nascer de novo". O monstro marinho, tanto pode
significar a segunda mãe[103], que gesta o feto por três dias e três noites
(Jn 2.1), como a nave da igreja, a pia batismal (banheira) onde o neófito
será mergulhado de todo. Com este mergulho ele mata sua velha natureza,
assim como as cobras descartam a velha casca, e com isto ressurge em
novidade de espírito. O mar que envolve o monstro, por sua vez, pode
significar tanto o líquido uterino, quanto a água batismal[104].

A pergunta que devemos fazer agora é: como se processa esta
transformação? Para que tenhamos melhores condições de responder a esta
pergunta, torna-se importante analisarmos o tema dos 'três dias e três
noites', em Jn 2.1, com mais atenção através de um excurso.

EXCURSO: O numeral "três"

O tema da transformação, da morte e renascimento, que é um
acontecimento dinâmico, está associado com o numeral "três". Três dias
e três noites é a duração simbólica da viagem noturna sob o mar. Por
exemplo, Cristo permanece três dias na tumba, antes de ressurgir. Ao
ser crucificado, aparece entre dois ladrões, o implica numa
crucificação tripla. Similarmente, Mitra era normalmente representado
entre duas lamparinas, uma acima e outra abaixo. O tema do 'caminho',
no qual a terceira parte emerge de forças opostas e dialéticas (o "1"
e o "2"), é outra expressão do simbolismo ternário. Lembremos para
isto do dito de Lao Tse: "O caminho gera o um; o um gera o dois; o
dois gera o três; o três gera todas as coisas." [105]

Nos contos de fada encontramos uma riqueza em simbolismos
ternários. Importantes ações que levam a uma transformação ou atingem
um alvo, precisam ser repetidas três vezes. Em muitas estórias fica
claro que a ação número um é baseada num dos lados de um par de
opostos; a ação número dois é baseada no outro lado do par de opostos;
e a ação número três é a síntese ou a conciliação do par de
opostos[106].

O três está também sempre em função do quatro. Embora o três
elabore o caminho para um alvo, ele não representa a realização final,
apenas o processo pelo qual o alvo será atingido. O momento final de
realização total é simbolizado pelo numeral quatro. Assim, o três e o
quatro representam dois aspectos distintos da vida. O quatro é o
resultado final, algo estático e eterno. O três, por sua vez,
representa a totalidade do ciclo de crescimento e mudança dinâmica -
conflito e resolução, recomeço de novo conflito. Deste modo, o três
(numeral ímpar) sempre quebra o estado estático e eterno do quatro
(numeral par), sujeitando-o a eventos de desenvolvimento, envolvendo-o
num fluxo de conflitos e resoluções, de acordo com a fórmula tese,
antítese, síntese[107].

Desde que este processo psíquico de amadurecimento nunca seja
verdadeiramente completo, cada estado temporário de totalização
precisa ser submetido sempre de novo sob a dialética da trindade, de
modo que a vida continue seu fluxo evolutivo normal. Este processo de
passar de um estado a outro está presente também na seqüência dos
numerais, pois os numerais ímpares sempre seguirão os numerais pares,
para então resultarem em um novo numeral par[108].

A partir deste excurso, podemos responder em parte nossa última
pergunta. Sabemos que os "três dias e três noites" simbolizam o momento da
transformação que o elemento sofreu no interior do grande peixe. A passagem
de dias e noites não representa uma indicação temporal, pois no interior do
peixe só existe uma longa noite[109], mas representa, isto sim, dois lados
opostos que se repetem dialeticamente, um após o outro, até o processo
chegar a seu momento final. Deste modo, a noite e o dia significam esta
alternância entre as duas naturezas opostas de nosso herói. Elas permanecem
neste ciclo rotativo até encontrarem a síntese, o sentido básico de estarem
passando por tal processo. Este momento representa aquele tempo disponível
ao nosso herói de unicamente pesar os "prós" e "contras" de sua atitude
anterior. O sentido da regressão é o de abstrair a pessoa dos afazeres
cotidianos e fazê-la prestar atenção ao conflito psicológico pelo qual está
passando.

Nosso herói então sofre um processo no ventre do grande peixe,
simbolizado pelos "três dias e três noites". E se o numeral três (processo
dinâmico) sempre objetiva um numeral quatro (alvo final), onde está o
quatro? Jung sempre de novo retorna, em seus escritos, a esta questão
alquímica: "O três está aqui, e onde está o quatro?" [110]

Queremos, a princípio, considerar o salmo rezado no interior do
grande peixe como o momento do numeral quatro (Jn 2.2-10), já que este
acontece depois dos "três dias e três noites" (Jn 2.1), ou seja, logo após
o terceiro dia dentro do ventre do monstro marinho[111]. Não significa
dizermos que o salmo foi rezado no "quarto dia", mas sim num momento
posterior ao terceiro dia e terceira noite. Este momento denominamos de
"numeral quatro", ou "quarto momento". Neste momento se realizará a fase
final na qual o herói responderá ao enigma proposto pelo processo dialético
durante os últimos "três dias e três noites". Se ele responder ao enigma do
monstro, como Édipo frente à Esfinge[112], no mito de Sófocles, receberá
como recompensa a liberdade; caso contrário morrerá petrificado. Caminhemos
devagar. Sabemos que nosso herói sofre um processo de transformação, mas
não sabemos como isto ocorre exatamente. Para tanto, precisamos continuar a
análise do enredo mitológico. A partir de onde paramos, ou seja, a partir
do momento em que ele se encontra no interior do grande peixe.

Nos mitos em que o herói é engolido por um monstro marinho, ele acaba
cortando o coração ou algo importante do interior do animal. Outras vezes
ele acende uma fogueira, o que acarreta na destruição do animal. Contudo,
em nosso enredo parece que nada disso acontece. Nosso herói nem corta coisa
alguma, nem acende fogo algum. A única coisa que ele realiza é rezar um
salmo (Jn 2.3-10). Todavia, se compararmos atentamente estes elementos
simbólicos, notaremos que tanto o fogo (ou coração), quanto o salmo apontam
para um mesmo denominador: visão interior, discernimento espiritual[113].

Procuremos analisar outros paralelos existentes entre estes dois
elementos. Tanto o fogo quanto o salmo tendem a subir, a ascender às
alturas. Muitas celebrações litúrgicas se utilizam do incenso como símbolo
de purificação "no momento da oração". O canto (salmo) e o fogo desempenham
um mesmo papel: espantam as trevas. A luz afasta as trevas, assim como o
canto, pois segundo o dito popular: "Quem canta seus males espanta". O
importante é ter em mente que nos contos populares, a ação de acender um
fogo ou cortar o coração denota a reação do herói frente a sua situação
desesperadora. Ele como que acorda, tentando reverter o destino imposto à
ele. É a ação de luta. E o salmo é um momento de luta, pois o personagem
Jonas se vê, depois de "três dias e três noites", perdido. Sua reação é
similar à reação de qualquer personagem dos contos de fadas e mitos, que
acabam queimando algo ou cortando uma importante parte do animal. Nosso
personagem, por seu turno, faz o que sabe fazer: reza um salmo.

Deste modo, queremos ler e interpretar o salmo à luz da psicologia
analítica até aqui em uso. Retomemos um pouco o que vimos. O personagem
Jonas personifica um aspecto de regressão psicológica, por nós classificada
de esquizofrenia, e que vem a desaparecer no fundo do mar do inconsciente,
sendo "devorado" pelo arquétipo da "grande mãe". Este último ato parece
indicar que o elemento psicótico não sofreu uma crise esquizofrênica
completa, pois parece estar sendo preservado dentro de um ventre
protetor[114]. Só que este ventre protetor, ao mesmo tempo que protege o
personagem Jonas de um aniquilamento total vindo de fora, acaba por
transformá-lo de alguma maneira. Como entender este duplo aspecto do grande
peixe?

3.2 - O SALMO

Dividiremos o salmo em três etapas, para melhor entender o
prosseguimento psicótico até aqui desenvolvido: o clamor de Jonas, a causa
do clamor e o novo Jonas.

3.2.1 - O clamor de Jonas

Em Jn 2.3, o personagem Jonas clama ao Senhor. Este clamor é melhor
esclarecido em Jn 2.5, quando descreve as razões que o fazem clamar. Na
verdade, em Jn 2.5 é o próprio clamor referido dois versículos antes. Nele
(Jn 2.5) constatamos dois motivos que fazem o personagem Jonas gritar. O
primeiro é o sentimento de ausência e abandono que o profeta sofre, por não
mais ter comunhão com seu Deus (Jn 2.5a). O segundo é o desejo não
satisfeito de poder participar dos eventos religiosos realizados no Templo
(Jn 2.5b). Os dois motivos declaram que o profeta foi abandonado por sua
divindade. Os dois versículos mantêm entre si uma forte interrelação:
porque foi afastado da imagem de sua divindade (Jn 2.5a), o personagem
Jonas não pode mais voltar ao local de aconchego, ao local de proteção (Jn
2.5b).

A interpretação teológica pode ser refletida assim. O profeta Jonas
tem uma teologia arcaica, a qual objetiva a imagem de um deus nacionalista.
Esta imagem tão querida precisa ser sacrificada, mas é exatamente esta
mesma imagem que Jonas busca em seu clamor. Portanto, é lógico que ele não
mais a encontre. No processo que sofre no ventre do grande peixe, o profeta
se vê frente a frente com a realidade de sua teologia (algo fútil) e, por
isto, se desespera ("na minha angústia clamei ao Senhor", Jn 2.3a). A
angústia que o assalta é resultado de uma nova consciência que começa a
emergir, a de que se a teologia defendida como "verdade última" é falsa,
tal negação representaria a própria negação da divindade de Javé. Este
pensamento o angustia até a morte, pois não vê saída sem a ajuda desta
divindade tão conhecida, mas agora tão distante (Jn 2.5a).

Assim, o clamor do personagem Jonas é o clamor daquele profeta que
não mais baseia sua fé numa tradição segura (arquétipo da 'mãe'), mas é um
clamor que nasce do desespero de estar irremediavelmente perdido. Seu
clamor não encontra apoio, nem respaldo teológico. Seu clamor nasce de uma
convicção muito mais profunda: de que existe uma divindade muito mais além
daquela imagem que se projeta nas paredes dos templos. O clamor é o momento
em que o profeta cede ante sua convicção num deus unilateral, abrindo seu
íntimo para aquilo que há muito queria entrar: o novo de Deus (ou, a
"Palavra de Javé", Jn 1.1,2).

Psicologicamente, esta confrontação, entre o elemento consciente e
estruturado e o elemento do inconsciente que desestrutura, é necessária. O
fato de nosso herói clamar significa que a esquizofrenia começa a ser
trabalhada. Nosso herói parece ceder em sua obstinação de querer manter o
seu lado infantil, abrindo-se ao desconhecido e dando aquele "passo" às
cegas. Contudo, se o personagem Jonas clama num dado momento da
transformação ocorrida logo após os "três dias e três noites", é por que
algo acontece para levá-lo a tal clamor.

3.2.2 - A causa do clamor

Analisamos anteriormente que houve um reconhecimento, por parte do
personagem Jonas, de sua finitude teológica. Este reconhecimento é que o
faz clamar. A pergunta que fazemos agora é: o que aconteceu para que
houvesse esse reconhecimento? Se ele se manteve fiel à sua vã teologia até
agora, não se convertendo ante a fúria do mar em Jn 1.4, ou ante a ameaça
do sacrifício em Jn 1.12, por que se converter agora? O que houve no
interior do ventre do grande peixe antes do momento do clamor, fazendo-o
abrir seus olhos para a realidade absurda de sua fuga? Qual a causa do
clamor?

O texto narrativo parece indicar que a resposta se encontra nos
versículos 4, 6 e 7 do segundo capítulo. O que nos faz pensar assim é a
partícula 'w' no início do versículo quatro, que parece introduzir a
explicação do motivo da angústia no versículo precedente. E pelo fato das
figuras de linguagem dos versículos 6 e 7 serem semelhantes às do versículo
quatro, tomaremos estes três versículos como homólogos, e, portanto,
portadores de um mesmo sentido: a explicação da causa que levou o
personagem Jonas a clamar.

Comecemos com o versículo quatro. O personagem Jonas é "lançado" no
coração dos mares. Este ato de 'ser lançado" está em paralelo direto com a
ação dos marinheiros, em Jn 1.15, ao terem "lançado" Jonas ao mar. Através
deste paralelismo, percebemos que o momento inicial, que levou Jonas à sua
angústia clamorosa, coincide com a fase dos "três dias e três noites", pois
logo que o personagem Jonas é "lançado" ao mar, Javé dispõe o grande peixe
para devorá-lo.

O personagem Jonas é lançado no "coração" dos mares ({yiMaybabl), e a
corrente das águas o cerca. Por "coração" queremos entender aquele local
central, vital, importante do submundo aquático. Neste versículo, as
figuras de linguagem apontam para a destruição completa do personagem
Jonas, segundo H. W. Wolff[115]. Se seguirmos para o versículo seis,
encontraremos a mesma imagem do versículo quatro: Jonas é cercado por águas
e algas que o arrastam até aos fundamentos dos montes (Jn 2.7a). O termo
vp) (cercar) é encontrado somente nos salmos (18.4; 40.12; 116.3; 2 Sm
22.5). Com este mesmo fraseado ("elas me cercaram") o verbo, nos salmos
18.4 e 116.3, tem como sentido: "cordas da morte" (tew fm-yilibex) e em 2
Sm 22.5: "ondas de morte" (twfm-yiriB$im)[116].

O personagem Jonas é cercado até a "alma" ($epen ), simbolizando o
aspecto de totalidade, ou seja, ele é circundado por inteiro, nada sendo
deixado do lado de fora deste "círculo mortífero". O termo bbs (circundar),
empregado tanto em Jn 2.4 como em Jn 2.6, indica um formato circular desta
imagem que aos poucos começa a se mostrar para nós. Dentro encontramos o
"coração" e fora do mesmo encontramos o abismo (Jn 2.6). {OhiT (abismo)
significa "tumulto", "confusão", "distúrbio", "tribulação", "pânico", e,
utilizado como verbo, pode indicar um momento de "loucura"[117].

Encontramos, assim, nosso herói no interior de um círculo, rodeado
pelo abismo, pelo perigo de um distúrbio, que poderia torná-lo louco,
irracional.

Temos ainda o termo vUs (algas) que "enrolam-se" ao redor da cabeça
do personagem Jonas, em Jn 2.6b, desempenhando também o papel de "cordões
de morte" (Sl 18.4s). Wolff considera estas algas como gigantescas algas no
fundo do mar, pois {yrh ybcq são, segundo ele, provavelmente os
"ancoradouros" dos montes, firmados e apoiados pelas gigantescas algas, as
quais permitem assim que os montes situem-se acima das águas dos mares (Sl
24.2)[118]. As algas correspondem ao que Dt 32.22 chama de "os
fundamentos" dos montes e Jó 28.9 de suas raízes ($ero$).

Temos assim, a imagem do personagem Jonas no "coração" dos mares (Jn
2.4), circundado por poderosíssimos cordões de "algas" e rodeado pelo
abismo (Jn 2.6): forças destrutivas, desestruturantes. Esta imagem
circular, tendo no interior um ponto central, delimitando espaços
interiores e exteriores encontra um paralelo muito forte no símbolo do
"mandala"[119] [cf. Anexo III, fig. 01]. Por ser este simbolismo de suma
importância para o nosso trabalho, é imprescindível uma melhor compreensão
do mesmo. A partir deste símbolo poderemos entender, psicologicamente, o
processo de transformação que o personagem Jonas teve que sofrer no
interior do grande peixe, e que ocasionou seu clamor.

EXCURSO: O círculo mágico

A palavra mandala significa "círculo" e é usada especialmente
para denotar um círculo mágico. No mundo religioso, o mandala "... é
um diagrama geométrico e simbólico no interior do qual divindades são
invocadas"[120]. Quando esta figura é desenhada (ou dançada) num
cerimonial, tem-se dois objetivos: primeiro, delimitação do espaço
onde o fiel estará a salvo de influências externas. Segundo, a cura de
sua doença, seja da alma ou do corpo físico, através da identificação
com a suprema divindade que ali aparece, simbolicamente, no centro. O
sentido psicológico, em Jung, é que o mandala é usado para isolar a
psique da pessoa de más influências (exorcizando elementos
desestruturantes), e para unir as diversas partes da psique
desestruturada sob o domínio de um novo centro[121] [cf. Anexo III,
fig. 2 e 3].

A forma mandalística é universal, podendo ser encontrada em
muitas culturas e em diferentes épocas[122]. Sua estrutura básica é um
círculo dividido em quatro partes, contendo um ponto central. Por ser
universal, Jung o considera um complexo psíquico de alcance universal.
Jung vê no mandala o símbolo do "self", que significa aquele elemento
psíquico que conjuga ambos os aspectos da psique humana: o consciente
e o inconsciente. Este encontro entre os dois pólos da psique é
imprescindível se a pessoa almeja amadurecer. Por isto Jung coloca
tanta importância no estudo do inconsciente coletivo e pessoal, pois
acredita ser esta área, normalmente bagatelizada, de suma importância
na estruturação madura de uma personalidade em desenvolvimento[123]. O
mandala simboliza, então, aquele processo onde elementos, originários
de ambas as partes da psique, se confluem num só local, para daí
unirem-se. De tal união, o novo surge.

Mas para que a transformação ocorra, é necessário isolar o
local contra influências exteriores que podem perturbar o processo,
assim que o mandala é circundado por uma parede que o envolve por
inteiro. Esta parede geralmente é de fogo[124], pois ao mesmo tempo
que ela protege o interior das influências externas, o fogo queima os
elementos interiores como que purificando-os. Esta parede é muito
importante exatamente por estes dois aspectos[125].

Assim, podemos voltar à nossa análise psicológica do texto, a partir
deste excurso e do estudo exegético dos versículos 4, 6, 7a do segundo
capítulo de Jonas. O "ser lançado no profundo" (Jn 2.4a) está em paralelo à
regressão da libido sofrida por nosso herói desde Jn 1.3ss até seu completo
desaparecimento no mar, em Jn 1.15, o que então ocasionou sua angústia. A
esquizofrenia de nosso herói o fez regredir demasiadamente em seu próprio
interior psíquico. Tal situação é dramática, pois ser envolvido pelo mar do
inconsciente, seu pequeno e já frágil complexo consciente poderia se
desmantelar, se dissolver totalmente. Entretanto, ao ser levado ao
"coração" dos mares, ele é rodeado por uma corrente de águas e por "fortes
cordões de algas" que simbolicamente interpretamos como o momento em que
nosso herói se encontra no interior de um mandala.

As paredes do mandala, que geralmente são de fogo, são aqui
substituídas por "correntes de águas" e "fortes cordões de algas".
Entretanto, tanto uma quanto a outra continuam mantendo as suas duas
características básicas: a de proteger e a de aniquilar. O aspecto
protetivo é ilustrado em Jn 2.6, onde o abismo rodeia o personagem Jonas,
mas não o atinge diretamente. Aqui os elementos desestruturantes da psique
permanecem de fora, não podendo influenciar o processo de transformação. Já
o aspecto aniquilador, tão forte segundo Wolff em seu comentário, significa
aquela função de matar a natureza inconstante do personagem Jonas, no
interior do círculo, a ponto deste poder assimilar os novos conteúdos
oferecidos neste processo de mutação psíquica.

O movimento rotatório experimentado por nosso herói é igualado ao
processo de transformação nos exercícios meditativos dos monges tibetanos
[cf. Anexo III, fig. 1], chineses e hindus, para os quais este movimento de
circulação é indispensável para uma boa transformação:

"Como o simbolismo do mandala ensina, quando o fogo dos desejos
são frustrados, o indivíduo é jogado de volta para si
mesmo, e seus pensamentos começam a rodar e rodar.
Enquanto esta atividade circulatória tem como objetivo
apenas a procura por meios de fuga, como o movimento do
esquilo numa gaiola, nenhuma transformação ocorrerá. Mas
quando os pensamentos são direcionados por um esforço
consciente para explorar um sentido neste experiência, o
movimento circular começa a descer em espiral para as
raízes do inconsciente que ocasionaram o distúrbio." [126]

Assim, temos novamente a experiência da fase rotativa, já encontrada
em Jn 2.1, na simbologia dos "três dias e três noites". Aqui, em Jn 2.6,
entretanto, ela é ilustrada com mais detalhes. Não só a rotação circular da
corrente das águas lembra o processo de assimilação pela troca sucessiva
das posições superior, inferior, esquerda, direita [cf. Anexo III, fig. 4],
mas através do centro, representado pelo "coração", a idéia do oscilar
entre dois pólos é reforçada. Jung comenta o seguinte:

"O hesitar entre os opostos ou o ser jogado de um lado para o
outro significa o estar contido nos opostos. Os opostos se
tornam um vaso (útero), no qual aquele ser que antes ora
era um, ora era outro, suspenso entre os opostos
lentamente se transforma em uma atividade bilateral do
centro. Este motivo não é raro nos mandalas desenhados por
pacientes nos quais o centro é representado por uma ave
esvoaçante, ou por um cisto pulsante ou um coração
palpitante. Também aqui pertence a formação de ondas
concêntricas ou ainda a corrente de ondas que circunda o
centro." [127]

Jung esclarece também que este símbolo, ou experiência, do
mandala aparece, com freqüência, nos "...momentos de desorientação mental e
constituem um fator ordenador de compensação."[128] É compreensível,
portanto, encontrarmos tal símbolo descrito poeticamente através de um
salmo, já que nosso herói sofreu desequilíbrio psicótico, necessitando
daquele espaço numinoso para estruturar os elementos dispersos pela
esquizofrenia. Este local o protege contra a "massa esmagadora" do
inconsciente (abismo) através dos fortes "cordões de algas" (Jn 2.6) que
resguardam o interior do mandala de elementos negativos.

Este desequilíbrio psicótico levou nosso herói "até aos fundamentos
dos montes" (Jn 2.7a). Estes fundamentos são as "raízes do inconsciente"
responsáveis pela esquizofrenia, assim como Jung se expressou na penúltima
citação acima (nota de roda-pé: nº 127). Segundo esta citação, a própria
descida atesta que nosso herói conseguiu direcionar seus pensamentos para
explorar o sentido de sua doença psicótica, pois do contrário ele teria
continuado na atividade circulatória entre os opostos (Jonas - Amitai;
infidelidade - fidelidade). Esta descida revela, então, um aspecto
positivo: nosso herói cedeu ante sua inconstância, abrindo-se para a
veracidade de suas próprias raízes, de seu mais profundo "eu". Nesta
abertura, ele reconhece as raízes que ocasionaram todo o processo
esquizofrênico: a arrogância de sua teologia em proclamar salvação para uns
e perdição para outros.

Se nosso herói já se encontrava em angústia, esta nova visão
significou um aumento maior de sua angústia, pois ela lhe revelou que a
base teológica onda firmava seus pés era falha e irreal. Sem esse apoio
"máximo", nosso herói clama em sua angústia mais íntima, clamor que evoca a
ajuda de uma divindade transcendente àquela imagem teológica fixa. Este
clamor não é mais legitimado por uma tradição nacionalista, mas livre deste
respaldo. E aqui voltamos ao ponto 3.2.1, de que o leitos já está ciente.
Antes de concluir este ponto, queremos complementar que Jn 2.7b (Desci até
à terra…) parece abordar o mesmo tema do processo de transformação
psíquica, mas a partir de outra fonte mitológica: a dos ritos de incubação
realizados ao deus Asclépio, nas antiga Grécia[129].

Concluindo este tópico, podemos responder que a causa do clamor de
nosso herói, em Jn 2.3, é resultado de um processo de transformação no
interior do grande peixe. Este processo é ilustrado segundo a imagem de um
mandala, o que sugere que o próprio peixe está em paralelo direto com este
símbolo religioso. Primeiro, que todo o processo descrito no salmo
(portanto, também os versículos 4, 6, 7a) é uma reportagem do que havia
acontecido no ventre do peixe. Segundo, que a própria figura do peixe acaba
se adequando às funções do mandala: proteger o elemento Jonas do afogamento
inevitável, resguardando-o em seu interior (h(m - ventre), como também
destruir sua natureza infantil, segundo a interpretação de Wolff em torno
do termo (lb (devorar) (cf. p.*...).

Por ser polissêmico, o símbolo do grande peixe não se restringe só a
representar o mandala como um todo, mas também representa o seu centro.
Como arquétipo da 'mãe voraz', o peixe é o problema central, pois
representa aquele desejo infantil e imaturo de nosso herói em basear sua fé
numa tradição materna e segura, mas não mais apropriada para sua época. O
processo do mandala permite, reconhecer o que inibe a pessoa de tomar o
passo maduro exigido pela evolução psíquica [cf. Anexo III, fig. 5]. Com
esta descida, o complexo ego faz acordar o grande peixe, fazendo-o
participar do processo de amadurecimento, onde os dois componentes de
esferas psíquicas distintas acabam se unindo. De tal união, surge um novo
horizonte. Mas antes é necessário instigar a força instintiva letárgica que
inibe todo o andamento psíquico que há de fazer o personagem Jonas clamar,
em Jn 2.3. Deste clamor surge o novo Jonas.

3.2.3 - O novo Jonas

Continuando a análise do texto do salmo, Jn 2.8 parece descrever um
resumo do que até aqui vem sendo descrito. O versículo parece indicar que o
personagem Jonas só lembra do seu Senhor quando está por desfalecer.
Somente quando nosso herói chega ao fundo de sua jornada (o encontro com a
"mãe-dragão"), ou segundo as palavras do texto, quando sofre o processo de
morte (v+(), é que ele muda seu modo de pensar, lembrando-se de Javé (rk z
)[130]. Esta primeira parte do versículo (Jn 2.8a) parece ser a conditio
sine qua non para a segunda parte (Jn 2.8b). O fato da oração ter tido
acesso ao Espírito Santo, demonstra que a relação entre criador e criatura
já difere da relação em Jn 2.5, onde Jonas sentia não ter acesso a este
mesmo Templo (e$idfqlakyih, v.5, 8).

Este Santo Templo significa aquele local de conforto. Assim, pelo
fato da oração ter sido aceita neste Santo Lugar, isto significa que a
própria divindade a aceitou. Por conseqüência, entendemos que o conforto
veio como resposta à mudança do personagem Jonas, em Jn 2.8 (rk z). E esta
mudança é resultado dele ter sofrido a morte. Podemos lembrar o versículo
neotestamentário de Jo 3.5 que diz algo similar: "Em verdade, em verdade
vos digo: quem não nascer da água e do espírito, não pode entrar no Reino
de Deus."

Assim, Jn 2.8 indica aquele processo de vida pela morte (processo já
analisado por nós no ponto anterior - 3.2.2), processo pelo qual sua
entrada no Santo Templo é legitimada (Jn 2.8b). Talvez possamos entender
também a "resposta" de Javé, em Jn 2.3. Isto quer parecer que a resposta de
Javé só surge no momento em que o personagem Jonas clama (2.3a) ou grita
(Jn 2.3b), assim como sua oração só alcança espaço no Santo Templo quando
perpassa o processo do morrer e renascer (Jn 2.8). O que queremos dizer é
que a resposta de Javé (2.3a), o ouvir consolador de Javé (2.3b) e o
conforto pelo fato da súplica ter alcançado o Santo Templo (2.8b) revela
que uma nova natureza em Jonas surgiu, a qual o reassegura de sua condição
de ser aceito pela divindade. O sentimento que lhe advém por ter passado
com êxito pelo processo de transformação no interior do grande peixe firma
sua posição de assegurado por Javé. Como este sentimento só surge em
decorrência do clamor (Jn 2.3a), grito (Jn 2.3b), ou mudança do pensar (Jn
2.8a), o personagem Jonas o percebe (o sentimento) como sinal redentor da
parte de sua divindade.

Mas em que consiste esta mudança do pensar? Esther Harding nos indica
o caminho:

"Assim que o ser humano tiver vencido o dragão e assimilado seu
poder através do sangue tomado ou do coração digerido, ele
vem por se tornar um super-homem. Ele transcende a
consciência e, portanto, os poderes de seus
contemporâneos, por que ele tem transpassado o
inconsciente, cuja função atuava fora da psique humana
(consciente). Através desta exploração, contudo, um área
maior de vida psíquica é trazida para dentro do campo
humano (consciente), aumentando assim a esfera do controle
consciente da pessoa." [131]

Em Jn 2.9 temos sinais deste aumento na esfera consciente de nosso
herói, pois depois de sua experiência ele se torna um "orador", um
professor para seus contemporâneos. Wolff argumenta que o discurso do
personagem Jonas, em Jn 2.9, se dirige para os judeus e não para os pagãos.
Percebemos que o personagem discursa, então, para os próprios judeus. São
estes que, teologicamente, adoram algo distinto do que Javé, o
misericordioso[132]. Entretanto, Jonas só pode falar a partir do que viu e
viveu no interior do peixe, ou seja, a partir da novidade de um Deus
'misericordioso', que é novo até para ele mesmo. Tal novidade lhe sai da
boca como um alerta para os judeus, grupo religioso do qual Jonas pertencia
e que parece não mais compactuar.

A novidade em Jonas é que ele aceita aquela "Palavra" antes
insustentável (Jn 1.3ss), mas agora maravilhosa (Jn 2.10). Nosso herói
promete oferecer sacrifícios (Jn 2.10a), pois reconhece o valor deste ato:
o de sempre renegar aqueles elementos que aparentemente nos sustentam, mas
que revelam-se no momento necessário serem apenas fumaça levada ao sabor
dos ventos, assim como o barco foi levado pelo poder dos ventos, em Jn 1.4-
16.

Tal experiência compromete o iniciado. Ninguém, ao receber os
talentos do Senhor, pode escondê-los, mas deve isto sim, trabalhá-los e
multiplicá-los (Mt 25.14-30). Jonas descobriu algo no interior do peixe e
isto lhe vale como um talento a ser compartilhado com a sociedade. Tal
compromisso é expresso pelo 'voto' consciente do personagem Jonas (Jn
2.10b), que promete pagá-lo posteriormente. Mas a que voto ele está se
referindo? Respondemos que o voto aqui se refere ao compromisso que o
profeta havia recebido de Javé em Jn 1.1,2: "...ir a Nínive e clamar contra
ela". Tal compromisso, voto de fidelidade profética, ainda não havia sido
realizado, já que o personagem Jonas temia que os ninivitas se convertessem
pelo seu clamor, sendo salvos assim por Javé. Mas tal atitude teológica
agora é ultrapassada. Depois de sua transformação no interior do grande
peixe, ele renova o seu 'voto' de prestar assistência à cidade de Nínive,
por agora conhecer esta nova teologia: "Ao Senhor pertence a salvação" (Jn
2.10c). Tal atitude é descrita a partir do terceiro capítulo do livro de
Jonas, logo após ser devolvido à terra seca, em Jn 2.11.

Neste último versículo, e somente agora, nosso herói é libertado,
quando, ainda preso no interior do grande peixe, confessa ter assimilado a
natureza nova de sua divindade: a de que Javé pode salvar tanto os
nacionalistas judeus tão bem quanto aos mais cruéis e hediondos povos, como
os ninivitas. Assim, é Javé quem ordena ao grande peixe libertá-lo em terra
seca, ou seja, devolver o elemento mutante ao reino da consciência (Jn
2.11).

Concluindo este tópico, vemos que o personagem Jonas é ilustrado em
novidade, em Jn 2.9, 10. Neles observamos que a consciência de nosso herói
foi alargada (Jn 2.9), mas só em detrimento de ter morrido e renascido (Jn
2.8). Este processo o compromete de alguma maneira, e agora precisa pagar o
prometido (voto, em Jn 2.10b). É necessário um retorno da parte de nosso
herói.

3.3 - O RETORNO

Joseph Campbell explica que, segundo os mitos, quando o herói tem
realizado a jornada pelo mundo do sobrenatural, ele deve voltar com a
sabedoria angariada nesta aventura para o reino da humanidade, onde então
esta sabedoria deve surtir seu efeito, renovando a comunidade, nação,
planeta ou os dez mil mundos[133]. Psicologicamente, esta volta é descrita
por Jung deste modo:

"O tesouro que o herói traz da caverna escura é a vida, é ele
mesmo, renascido da escura cavidade materna do
inconsciente, de dentro da qual a introversão o relegara."
[134]

O tesouro que nosso herói trouxe do interior do grande peixe é a
'máxima' de que "Ao Senhor pertence a Salvação" (Jn 2.10c), e isto implica,
como profeta, 'serviço'. Joseph Campbell novamente comenta acerca deste
momento:

"O objetivo último da jornada, se se quiser retornar, não é nem
o êxtase nem a liberdade, mas a sabedoria e o poder de
servir a outros." [135]

Nosso herói está ciente disso, pois recebe pela segunda vez a
"Palavra" de Javé de "...ir a Nínive e clamar contra seu caminho" (Jn
3.1,2). Sua ciência acerca de Javé é nova, mais ampliada e desta vez, ao
invés de fugir, ele aceita e paga o 'voto' feito no interior do grande
peixe. Ele levanta-se e vai a Nínive, segundo a "Palavra" de Javé (Jn
3.3a). O personagem Jonas serve, assim, não só a seu Deus, mas também
àqueles que tanto odeia e menospreza, pois: "O importante é que o homem
fale, não se ele concorda com isto ou não"[136]. Isto parece contradizer a
conversão do personagem de Jonas, mas aquilo que mais é odiado por alguém
certamente representa um aspecto de seu próprio destino.

3.4 - CONCLUSÃO

Percebemos que a esquizofrenia de nosso herói se revelou positiva,
pois como diz Campbell: "Não é da jornada que precisamos nos curar, mas ela
é, em si mesma, o caminho natural da cura de nosso pálido estado de
alienação chamado normalidade."[137] Assim, vemos que a esquizofrenia
resultante do ato imaturo de nosso herói, representado pela atitude de fuga
do personagem Jonas, tornou-se a própria cura para a sua fuga alienada, que
imaginava poder decidir quem podia ou não receber a oportunidade de
salvação.

















CONCLUSÃO



O objetivo deste estudo é o de analisar o sentido do elemento gd no
livro de Jonas. Assim, utilizando uma hermenêutica psicológica, segundo a
escola de C. G. Jung, interpretamos o enredo de Jn 1.1-3.3a com o fim de
entender melhor a presença de grande peixe, envolto por vários aspectos
mitológicos. A análise psicológica do texto de Jn 1.1-3.3a chega a estas
conclusões:

1. O enredo analisado descreve um processo psicológico de uma pessoa,
ou de uma nação, já que os elementos mitológicos encontrados no texto
originam-se, provavelmente, do inconsciente 'coletivo', presente em toda a
humanidade, povos, assim como em indivíduos.

2. Este processo psicológico apresenta características de uma crise
psicótica denominada "esquizofrenia", onde a esfera consciente da pessoa
sofre uma cisão. Esta cisão divide, a princípio, a consciência em duas
naturezas antagônicas (Jonas - Amitai). Posteriormente, esta
desestruturação psicótica aumenta (autonomia dos marinheiros) levando a
pessoa à sua fase mais crítica, que submerge a pessoa por inteira no reino
da inconsciência (Jonas ao mar).

3. A causa desta crise psicótica se encontra na emergência de um novo
conteúdo (a "palavra"), elemento de grande numinosidade do inconsciente no
âmbito da consciência. Esta esfera consciente se revela muito pequena para
receber este novo "conteúdo", sendo aos poucos desestruturada em sua forma.
Esta desestruturação leva a pessoa a regredir em si mesma, de acordo com o
processo esquizofrênico descrito no parágrafo anterior.

4. A regressão, como parte do processo esquizofrênico, objetiva a
integração final dos conteúdos numinosos (a "Palavra") dentro da
consciência da pessoa, que, portanto, precisa ser alargada. Esta integração
é possível quando o "ego" da consciência (Jonas) se dirige para a esfera do
inconsciente (mar), se rendendo a este último (sacrifício).

5. A redenção é apenas o outro lado do sacrifício. No sacrifício a
pessoa renega sua pequenez para readquirir, dentro da perspectiva da
redenção, uma nova maturidade consciente. Entretanto, a redenção só
acontece quando o processo ocorre em lugar seguro, protegido contra as
forças destrutivas do inconsciente.

6. Este local é simbolizado pelo grande peixe. Psicologicamente, o
peixe é uma representação do mandala, símbolo sagrado onde as divindades
têm comunhão com seus fiéis. Neste círculo mágico, o conteúdo numinoso do
inconsciente (a "Palavra"), a princípio compatível com a estrutura primária
do consciente, acaba por se amalgamar num processo de integração com o
"ego", que está temporariamente deslocado para o interior do inconsciente.

7. Este processo de integração tem suas faces. Num primeiro momento,
o complexo do "ego" (o personagem Jonas) fica a girar juntamente com o novo
conteúdo a ser integrado (a "Palavra"), num interminável ciclo repetitivo
(três dias e três noites). Num segundo momento, o complexo "ego" dá sinal
(clamor do personagem Jonas) de ter abandonado sua antiga forma, abrindo-se
para o novo que o cerca (a novidade de Javé). Num terceiro momento, o
complexo "ego" revela ter assimilado a novidade numinosa (pregação do
personagem Jonas, em Jn 2.9, e sua submissão à Javé, em Jn 2.10).

8. Assim, neste processo de integração, a pessoa morre para alguns
"preconceitos" (antiga teologia) e renasce para novos conceitos (a
'misericórdia' de Javé, a "Palavra"), os quais abrangem a fusão entre
elementos conscientes e inconscientes. Quando esta fusão ocorre, a
regressão conclui sua função, permitindo o complexo "ego" voltar ao seu
ambiente de consciência.

9. Tal volta (o personagem Jonas é vomitado pelo grande peixe) traz à
esfera consciente um "ego" estruturado de maneira diferente da anterior.
Ocorre, então, um alargamento dos limites da consciência, que agora está
apta a assimilar aqueles conteúdos do inconsciente outrora rejeitados.

10. A partir de então a pessoa rege sua vida psíquica de acordo com a
nova estrutura consciente (assimilada), o que a faz obedecer aos novos
impulsos sem contestação (o personagem Jonas dirige-se prontamente para
Nínive e clama contra ela).

Estes pontos são uma sistematização e resumo da interpretação
psicológica feita do texto de Jn 1.1-3.3.a. O que nos cabe agora é
averiguar qual o sentido do grande peixe (gd) neste enredo psicológico,
para depois precisarmos seu sentido teológico dentro do livro de Jonas.

Psicologicamente, a figura mitológica do grande peixe situa-se no
âmago de todo o processo pelo qual passa o personagem Jonas. A regressão
psíquica, representada no capítulo um de Jonas como sendo uma fuga, só tem
seu sentido quando encontra o símbolo mandalístico no "coração" do
inconsciente. Aqui, a regressão transformará a antiga natureza do complexo
"ego", em uma nova estrutura capaz de assimilar o novo conteúdo, vindo do
inconsciente. É no interior do grande peixe que o processo psicológico
básico e primordial se realiza: processo de regeneração sacrificial de uma
dependência anormal para o crescimento contínuo do indivíduo e processo de
assimilação regenerativa que interrompe a dependência negativa, tornando o
indivíduo independente para aceitar novos horizontes de valores,
pensamentos, idéias, teologias.

Numa análise crítica dos comentaristas, o grande peixe não pode ser
interpretado nem temporalmente, nem espacialmente, pois como elemento
simbólico do inconsciente estes dois referenciais tornam-se ineficazes. O
inconsciente é, por natureza, atemporal e a espacial, segundo o trabalho de
Jung sobre "Sincronicidade"[138]. O grande peixe não pode ser considerado
meramente um "meio de transporte", o qual tem a única função de pegar o
personagem Jonas do ponto onde foi atirado ao mar, levando-o de volta para
a terra firme[139]. Como vimos, acontecem muitas coisas no interior do
peixe para considerá-lo um simples "meio de transporte". Não se dedica um
capítulo inteiro para este episódio do grande peixe quando se tem um enredo
de apenas quatro capítulos, se se o autor não o considerasse como um
aspecto muito importante para o todo do processo. Caso contrário poderíamos
imaginar uma citação rápida sobre como um monstro marinho engoliu o profeta
Jonas devolvendo-o em terra firme para forçá-lo a executar uma missão de
que não estava afim de fazer.

Esta é uma visão espacial da qual o próprio texto não tem
conhecimento. Primeiro porque o personagem Jonas não retorna ao ponto de
origem. Ele é vomitado em algum lugar, sem especificação alguma
(especificação geográfica). Segundo, porque o texto não menciona nada
acerca de como o personagem Jonas chegou até Nínive, informação necessária
se a preocupação em torno do grande peixe fosse apenas em fazer o
personagem Jonas retornar ao seu objetivo primeiro. Quanto à temporalidade
temos a referência dos "três dias e três noites", período em que o
personagem Jonas permanece no interior do grande peixe. Mas como vimos,
esta referência é simbólica, apontando unicamente para o aspecto da
transformação.

Esta transformação, que ocorre no interior do grande peixe, é
imprescindível se queremos ver o personagem Jonas ir até Nínive. Portanto,
psicologicamente, o elemento mitológico do grande peixe, reveste-se de
importância máxima dentro de nosso escopo, por ser o agente responsável
pela plena realização do plano divino.

Teologicamente, estas reflexões se desdobram em seus sentidos
básicos, quando vislumbramos o processo esquizofrênico de nosso herói.,
fraco e inconstante, como um processo nacional dentro da cultura dos dogmas
religiosa do povo judaico. A "Palavra" de Javé não encontra espaço dentro
dos dogmas e reflexões teológicas da época do pós-exílio, que era
basicamente nacionalista. A "Palavra" exige uma mudança nas estruturas
teológicas, pois estas estão por demais amarradas pelo forte nacionalismo
que descarta qualquer intenção benevolente (por parte de Javé) aos povos
pagãos.

A religiosidade judaica havia introjetado a imagem de sua própria
divindade, a ponto de se comportar como tal. É esta atitude arrogante que
faz o povo judeu não reconhecer mais a autoridade da "Palavra" de Javé.
Assim, é esta atitude que precisa ser derrubada para em seu lugar ser
construída uma nova moralidade teológica, onde será Javé quem terá a
primazia.

Mas como entender o grande peixe dentro deste prisma teológico? Não
queremos entender o livro de Jonas como um enredo alegórico, que descreve
acontecimentos passados de forma encoberta, mas sim, queremos seguir a
opinião geral e considerar o livro de Jonas como um enredo didático, ou
seja, um enredo que descreve acontecimentos "desejados", mas não presentes,
de forma encoberta (simbólica).

Assim, também entendemos a intenção do autor de Jonas. Ele quer
descrever o que "desejaria" que estivesse acontecendo: por isto escreve um
livro. Mas não um livro dissertativo sobre questões teológicas
inflacionadas por um nacionalismo arrogante, mas um simples e curto conto,
onde ele simboliza sua crítica aos seus contemporâneos. Mas por que um
"conto"? Psicologicamente, os símbolos utilizados num enredo mitológico ou
numa simples estória de conto-de-fada, têm o poder de atrair complexos
psíquicos do inconsciente, fazendo com que o corpo psíquico do leitor venha
a, literalmente, identificar-se com o enredo lido[140].

E esta é a magia que atrai as pessoas para as estórias narradas. Os
mitos contêm em seus próprios enredos estruturas de comportamento da vida
psíquica, assim que ao ouvir um conto sendo narrado, o ouvinte é levado a
participar "inconscientemente" dos acontecimentos narrados. Tal
participação chega a ser tão concreta que acaba transformando
verdadeiramente alguns complexos psíquicos, que por sua vez, acabam
influenciando, transformando o próprio comportamento cotidiano da pessoa.

Com isto queremos concluir que, teologicamente, a mudança desejada
pelo autor do livro de Jonas perpassa o momento psicológico. Através do
enredo de Jn 1.1-3.3a, o leitor acaba se reconhecendo na figura do
personagem Jonas, sofrendo as mesmas vicissitudes através de toda a
narrativa, acabando assim, por mudar inconscientemente seus antigos
pressupostos. Isto, é óbvio, não ocorre numa única leitura, mas através do
processo repetitivo (dos "três dias e três noites"), quando então, as
estruturas rígidas do indivíduo ou nação começam a ser minadas, até que o
"clamor" irrompa (o surgimento de Jesus Cristo poderia ser este momento,
mas aí precisaríamos de outros capítulos).

O arquétipo do grande peixe, portanto, é de muita importância, pois é
ali que o leitor sofrerá o processo de assimilação, juntamente com o
personagem Jonas. Este momento é imprescindível para se chegar à fase final
de amadurecimento. Não queremos imaginar somente um leitor judeu da época
do pós-exílio, mas abrir o leque dos aspectos abrangentes que este "conto"
pode alcançar, já que sua estrutura simbólica é universal e polissêmica,
servindo-se para qualquer motivo de transformação, em qualquer época e em
qualquer pessoa.

Finalizando, gostaríamos de abrir um espaço para a hermenêutica
poética de Toquinho e Vinícius, que parecem ter percebido a importância do
momento de parada no interior do grande peixe, ao cantarem esta canção:
(podemos até imaginar Jonas no ventre do peixe, pensando consigo mesmo as
idéias desta canção)


SEI LÁ, A VIDA TEM SEMPRE RAZÃO


Tem dias que eu fico pensando na vida
e sinceramente não vejo saída
como é por exemplo que dá pra entender
a gente mal nasce e começa a morrer
depois da chegada vem sempre a partida
porque não há nada sem separação

Sei lá, sei lá, só sei que é preciso paixão
Sei lá, sei lá, a vida tem sempre razão

A gente nem sabe que males se apronta
fazendo de conta, fingindo esquecer
que nada renasce antes que se acabe
e o sol que desponta tem que adormecer
de nada adianta ficar-se de fora
a hora do "sim" é o descuido do "não"

Sei lá, sei lá, só sei que é preciso paixão
Sei lá, sei lá, a vida tem sempre razão

Toquinho e Vinícius


















BIBLIOGRAFIA


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[1]Cf. C. F. KEIL & F. DELITZSCH, Biblical Commentary on the old Testament,
p. 379-389. Keil defende a interpretação fundamentalista, relativizando as
críticas atuais quanto a historicidade do livro de Jonas. Suas apologias
são boas, mas não o suficiente para responder todos os problemas
concernentes à esta questão. Outro comentarista da mesma linha: cf. W. J.
DEANE, The Pulpit Commentary, p. viii, 31v.
[2]Cf. H. W. WOLFF, Obadiah and Jonah, p. 148. O comentarista esclarece que
o tamanho descomunal apresentado no texto tem como objetivo uma leitura
simbólica (saga), onde até "Deus" é superado pela grandeza da cidade. O
tamanho conhecido da cidade de Nínive é de três milhas, enquanto que o
texto apresenta a mesma com cerca de quarenta a cinqüenta milhas. Também
cf. Terence E. FREYTHEIM, The message of Jonah, p. 64s.
[3]O termo lwdg (grande) é usado quatorze vezes num texto relativamente
curto (Jn 1.2, 4a, 4b, 10, 12, 16; 2.1; 3.2, 3, 5, 7; 4.1, 6, 11). Outros
termos também são utilizados com a mesma intenção: h(l (mal - dez vezes -
Jn 1.1, 7, 8; 3.8, 10a, 10b; 4.1a, 2, 6). lr+ (lançar - quatro vezes - Jn
1.4, 5, 12, 15). hbm (dispor - quatro vezes - Jn 2.1; 4.6, 7, 8). )rq
(proclamar - nove vezes - Jn 1.2, 6, 14; 2.3; 3.2a, 2b, 4, 5, 8). )ry (mêdo
- seis vezes - Jn 1.5, 9, 10, 16). B} $ (arrepender-se - cinco vezes - Jn
3.8, 9, 10; 4.2). dry (descer - quatro vezes - Jn 1.3a, 3b, 5; 2.7). db)
(perecer - quatro vezes - Jn 1.6, 14; 3.9; 4.10). twm (morrer - quatro
vezes - Jn 4.3, 8b, 8c, 9). Esta intenção de ressaltar pontos de uma
narrativa é mais freqüente em parábolas do que em textos históricos.
[4]Cf. H. W. WOLFF, op. cit., p. 84s, 146.
[5]Cf. James D. NEWSOME, The Hebrew Prophets, p. 199.
[6]Cf. Leslie C. ALLEN, The New International Commentary on the Old
Testament, Jonah v, p. 180s. O autor aponta várias falhas quanto as
interpretações alegóricas, sendo uma delas a visão de que o peixe é mais um
instrumento de salvação do que de punição, como regularmente se interpreta.
[7]Cf. H. W. Wolff, op. cit., p. 80-85. Wolff ressalta o caráter de novela
e a forte característica irônica do autor de Jonas como parte integrante da
forma narrativa do livro. Também cf. Vincent MORA, Jonás, 36v, p. 47-50.
[8]Cf. T. E. FRETHEIM, op. cit., p. 13-27.
[9]Cf. V. MORA, op. cit., p. 27s. Também cf. J. BRIGHT, História de Israel,
p. 386-400. O leitor poderá ter uma visão mais concreta do contexto de
rebeldia contra a opressão assíria sobre Israel, com a conseqüente
emergência de uma atitude nacionalista e i apoio da mensagem profética
quanto a esta atitude.
[10]Cf. H. W. WOLFF, op. cit., p. 177. Wolff acena para uma conexão com o
NT. Ele lembra a parábola da vinhaa (Mt 20.1-16), que seria uma precisa
recapitulação do problema de Jonas. Também cf. V. MORA, op. cit., p. 41,
42, 51-56. Mora trabalha mais a fundo esta ponte teológica entre Jonas e a
boa nova dos evangelhos no NT. O livro de Jonas torna-se um pré-anúncio da
teologia do NT: perdão universal a todos que se arrependem (Lc 4.18s).
Jesus não se dirige aos justos, mas aos pecadores (Mc 2.17s).
[11]Com exceção de KEIL e DEANE, que defendem ser Jonas um livro histórico
e verdadeiro: cf. C. F. KEIL, op. cit., p. 379; e W. J. DEANE, op. cit., p.
viis. Estes datam Jonas no século VIII a.C., durante o reinado de jeroboão
II.
[12]Cf. L. A. SCHÖKEL & J. L. SICRE DIAZ, Profetas, Iiv, p. 1011. Também
cf. J. D. NEWSOME, op. cit., p. 196. Também cf. T. E. FRETHEIM, op. cit.,
p. 34-37. Também cf. H. W. WOLFF, op. cit., p. 76-78.
[13]Cf. H. W. WOLFF, op. cit., p. 76s. Como exemplo temos a cláusula
relativa com ee$ (Jn 1.7, 12; 4.10); palavras típicas no livro de Jonas
como xfLam (marinheiros - Jn 1.5) e lbox (Jn 1.6), siyamf#oahyhole) (Deus
do céu - Jn 1.9), termos que não são utilizados em nenhum outro lugar na
Bíblia: hfnyips (navio - Jn 1.5), t$( (pensar - Jn 1.6), {(+ (beber - Jn
3.7).
[14]Cf. J. BRIGHT, op. cit., p. 421-425.
[15]Com exceção dos comentaristas Keil e Deane, que defendem a autoria do
livro de Jonas pelo próprio profeta Jonas, cf. C. F. KEIL, op. cit., p.
388; e W. J. DEANE, op. cit., p. vs.
[16]Cf. H. W. WOLFF, op. cit., p. 78ss.
[17]Idem, op. cit., p. 78ss.
[18]Em Jn 1.1-3.3a só encontramos o termo Javé. Em Jn 3.5-10 já está
presente o termo Elohim e ha'Elohim. Em Jn 4.1-5, Javé reaparece. Em Jn
4.6, Elohim. Em Jn 4.6, Javé-Elohim. Em Jn 4.7, ha'Elohim. Em Jn 4.8, 9
Elohim e, por fim, em Jn 4.10, 11 Javé.
[19]Cf. L. A. SCHÖKEL, op. cit., p. 1009. Também cf. H. W. WOLFF, op. cit.,
p. 79, 163s.
[20]Cf. L. A. SCHÖKEL, op. cit., p. 1009.
[21]Cf. V. MORA., op. cit., p. 43-46. Mora defende a idéia de que o salmo
foi colocado no texto para suavizar a crítica do livro de Jonas, podendo
ser este aceito no Cânon como legítima literatura judia pela presença de
elementos litúrgicos em consonância com a teologia tradicional.
[22]Cf. L. A. SHÖKEL, op. cit., p. 1010. Também cf. H. W. WOLFF, op. cit.,
p. 100s. Wolff aponta para o provável local de origem dos temas
folclóricos: Porto de Jope.
[23]Queremos esclarecer que aceitamos o salmo (Jn 2.3-10) como uma
interpolação posterior. Entretanto, consideramos esta parte como integrante
do texto de Jonas a ser trabalhado por nós mais adiante.
[24]Cf. H. W. WOLFF, op. cit., p. 100-103, 132-133. Wolff suspeita que o
autor de Jonas tenha retirado os temas folclóricos do porto de Jope, onde
estórias sobre o mar são contadas em profusão.
[25]Cf. Uwe STEFFEN, Das Mysterium von Tod und Auferstehung, p. 36-43.
[26]Cf. Leo FROBENIUS, Das Zeitalter des Sonnengottes, p. 421, in: Uwe
STEFFEN, op. cit., p. 33.
[27]Cf. Leo FROBENIUS, op. cit., in: C. G. JUNG, Símbolo da Transformação,
5v, ( 310.
[28]Cf. HOMERO, Odisséia, capítulo XI.
[29]Cf. Joseph CAMPBELL, The Hero with a Thousand Faces, p. 49-58.
[30]Idem, p. 59-68.
[31]Idem, p. 69-77.
[32]Idem, p. 77-89.
[33]Idem, p. 90-95.
[34]Idem, p. 92.
[35]Idem, p. 109-120.
[36]Cf. U. STEFFEN, op. cit., p. 66-81.
[37]Cf. J. CAMPBELL,, op. cit., p. 120-126.
[38]Idem, p. 126-149.
[39]Idem, p. 149-171.
[40]Idem, p. 163 (nota de roda-pé: 120). A palavra nirväna (sanskrit)
significa, literalmente, 'apagar', assim como quando o fogo cessa de
queimar. Desprovido de combustível, o fogo da vida é 'pacificado', isto é,
acalmado, como se a mente fosse refreada. Quando isto acontece a pessoa
alcança a 'paz do nirvana'. É parando de alimentar as chamas em nós
(desejos) que a paz é alcançada. nir = "fora, longe, adiante"; väna =
"sopro". Nirväna = "parada do sopro".
[41]Idem, p. 172-192.
[42]Idem, p. 193-196.
[43]Idem, p. 196-207.
[44]Idem, p. 217-228.
[45]Idem, p. 245-251.
[46]Cf. Isaac MENDELSOHN, Religions of the Anciente Near East, p. 119ss.
[47]Idem, p. 224ss.
[48]Cf. John L. McKENZIE, Myths and Realities: studies in biblical
theology, p. 107ss.
[49]Cf. Ros. Radford RUETHER, Women-Church, p. 99ss. Ruether relata que os
cultos no Oriente Próximo eram uma ritualização di ciclo das estações do
ano. Através destes ritos, os povos tentavam trabalhar as vicissitudes do
tempo que ora ameaçavam, ora agraciavam a vida social das tribos. Ruether
afirma que a religião judaica se utilizou em grande parte destes mitos em
torno do ciclo anual, para formar suas celebrações religiosas.
[50]CF. Claude LÉVI-STRAUSS, Anthropologie Structurale Deux, p. 100; in:
Regina ZILBERMAN, Do Mito Ao Romance, p. 27.
[51]Cf. C. G. JUNG, AION estudo sobre o simbolismo do Si-mesmo, 9/2º v, (
280.
[52]Cf. C. G. JUNG, O Eu e o Inconsciente, 7/2v, p. 3-13.
[53]Cf. C. G. JUNG, O Espírito na Arte e na Ciência, 15v, ( 127. Também cf.
C. G. JUNG, Tipos Psicológicos, 6v, p. 513-519.
[54]Cf. C. G. JUNG, op. cit., 15v , ( 129.
[55]É muito interessante constatar que entre os comentaristas bíblicos e
exegetas esta atração é negada. O peixe em Jonas é desqualificado em
importância e até se perguntam qual é a razão das pessoas levarem em tão
alto valor a figura do peixe (cf. V. MORA, op. cit., p. 6, 13s; também cf.
H. W. WOLFF, op. cit., p. 132s - Wolff interpreta a figura do grande peixe
apenas como um 'fantástico veículo'; também cf. T. E. FRETHEIM, op. cit.,
p. 95-97 - onde confessa não entender o peixe, apontando-o como
'incongruente' e talvez uma 'veículo' - assim como Wolff - para conduzir
Jonas à terra). Não queremos exigir dos exegetas um trabalho mitológico,
apenas ressaltar que eles são movidospela razão (consciente), enquanto o
povo se achega ao texto movido pelo inconsciente, pelo que 'atrai', sem o
esforço de analisar racionalmente o valor lógico daquilo que o 'co'-move.
[56]Cf. C. G. JUNG, op. cit., 15v, ( 130.
[57]Cf. Marie-Louize von FRANZ, A Individuação nos Contos de Fada, p. 273s.
Franz defende que, pelos mitos traçarem traços típicos coincidentes que se
repetem e que se assemelham ao processo psicológico de desenvolvimento de
um indivíduo, tais mitos (ou contos) acabam refletindo também fases típicas
deste mesmo processo individual.
[58]Cf. Edward F. EDINGER, Ego and Archetype, p. 129s.
[59]Cf. C. G. JUNG, Psicologia e Religião, 11/1v, ( 137, 142. Jung não
considera Deus apenas como um complexo psíquico, mas acredita que nos mitos
as divindades são projeções de complexos psíquicos poderosos do
inconsciente coletivo, percebidos pela mente primitiva como forças divinas
(cf. especialmente ( 102).
[60]Cf. H. W. WOLFF, op. cit., p. 98s. Também cf. T. E. FRETHEIM, op. cit.,
p. 43.
[61]Idem.
[62]Esquizofrenia significa "mente dividida": esquizo = divisão; frenia =
mente.
[63]Cf. C. G. JUNG, Psicogênese das Doenças Mentais, 3v, ( 425. A análise
da "ambitendência" foi desenvolvida por E. Bleuler e retrabalhada por Jung.
[64]Cf. Friedrich NIETZSCH, Beyond Good and Evil, p. 87, artigo nº 125.
[65]Cf. H W. WOLFF, op. cit., p. 100.
[66]Cf. C. G. JUNG, op. cit., 3v, ( 20, 22, 30.
[67]Idem. "Automatismo de comando" significa aquele automatismo de reações
psíquicas, quando o nível crítico da consciência é abaixada a um grau
mínimo, não permitindo este último tomar decisão alguma. Conseqüentemente,
o que acaba movendo a pessoa são aqueles impulsos habituais que agora estão
livres para direcionar aleatoriamente a estrutura psíquica da pessoa.
[68]O processo da regressão é bem descrito numa imagem usada por Freud: "A
libido é semelhante a um rio que, ao encontrar uma barreira, reflui e causa
inundação. Se o rio cavou, anteriormente, em suas cabeceiras, outros canais
de escoamento, estes vão agora ser enchidos devido ao represamento, de
forma a parecerem verdadeiros leitos de rios, mas são de existência
transitória. Não que o rio tenha escolhido definitivamente o antigo
trajeto, só o fez enquanto dura a obstrução em seu leito principal." Cf. C.
G. JUNG, Freud e a Psicanálise, 4v, ( 367.
[69]Idem, ( 382s.
[70]Idem, ( 381.
[71]Cf. C. G. JUNG, op. cit., 9/2v, ( 219.
[72]Cf. H. W. WOLFF, op. cit., p. 112s.
[73]Outros mitos e estórias que apresentam este mesmo padrão simbólico da
petrificação: A Bela 'Adormecida', onde tudo se estagna durante seu sono de
cem anos; A Branca de Neve e os Sete Anões, no momento em que a princesa se
encontra no caixão de vidro. Tanto neste como naquele conto é necessária a
interferência de um 'príncipe' para despertar a pessoa adormecida do sono
de morte. Para maiores detalhes cf. Joseph Campbell, op. cit., p. 59-68,
onde o herói, a partir da recusa em obedecer o chamado à aventura,
petrifica-se.
[74]Cf. M. Esther HARDING, Psychic Energy, p. 246, 247.
[75]SCHÖKEL defende a idéia de que este verbo ({U q) tem uma função básica
no contexto maior do livro de Jonas, função denominada de "Leit-motiv", cf.
L. A. SCHÖKEL, op. cit., p. 1016.
[76]Marie-Louise von Franz comenta que esta situação de estar à deriva em
alto amr, é como estar entregue ao destino - a pessoa pode ser levada para
qualquer lugar, arrebatada e destruída ou arrebatada e salva. A pessoa fica
como que entregue ao fluxo da vida; cf. Marie-Louise von FRANZ, op. cit.,
p. 34.
[77]Cf. C. G. JUNG, op. cit., 5v, ( 671.
[78]Cf. H. W. WOLFF, op. cit., p. 112.
[79]Cf. M. Esther HARDING, op. cit., p. 280.
[80]Cf. C. G. JUNG, Sincronicidade, 8/3v, ( 818-843. Este tema é complexo e
descrevê-lo aqui, em poucas linhas, é uma tarefa difícil. O consciente é
movido por relações de causa e efeito. Assim, todo ato racional
(consciente) precisa ser lógico. Já no inconsciente existe uma outra lei, a
da acausalidade. Muito embora esta lei tenha uma natureza "acausal", ela
segue uma "lógica" própria só dela, que está além da compreensão racional.
Isto porque o consciente pressupõe o mundo dentro de categorias lógicas,
que seguem a lei de causa e efeito. Assim, é um absurdo para a razão
encontrar sentido num jogo de 'sorte' (o atirar aleatório de moedas ou
búzios, ou a escolha aleatória das cartas de tarô) esperando retirar deste
jogo uma resposta a uma situação específica do cotidiano. Contudo, é neste
jogo aleatório de cartas e moedas ou dados que o inconsciente encontra
espaço, pois a caída das moedas é essencialmente acausal. Para um exemplo
mais prático e concreto, cf. Richard WILHEM, I CHING, o livro das mutações,
p. 15-26. Este trecho é o prefácio de C. G. JUNG, onde expõe o tema da
sincronicidade com ênfase no jogo das moedas ou varetas nos que este
oráculo (I Ching) se baseia.
[81]As perguntas em Jn 1.8 se referem mais à procedência e ocupação de
Jonas. Entretanto, não estaria aí a mesma intenção de saberem o porquê da
tempestade e a relação entre os dois (Jonas - tempestade)? Em Gn 4, Caim
mata seu irmão Abel, e isto lhe vale maldições (Gn 4.11-13), tornando-se
fugidio (Gn 4.14) e recebendo um 'sinal' a fim de que, ao ser identificado,
ninguém viesse a matá-lo (Gn 4.15). Em Gn 5, Caim não aparece como
descendente de Adão, seu pai. Contudo, ele teve sua própria descendência
que se espalhou por muitasregiões e levou com ela o mesmo sangue (por
exemplo: Lameque, descendente de Caim, volta a matar - Gn 4.23s). Vemos aí
que a cultura hebraica acredita que povos podem carregar maldições,
enquantos outros carregam bençãos (Gn 12.1ss). Esta pequena análise de
Gênesis (estória de Caim especificamente), corrobora a idéia de que se algo
acontece de mal a culpa pode ser encontrada na ascendência da pessoa, ou
seja, no povo de onde ela se origina. A partir do momento em que se sabe a
procedência, o enigma se resolve, e medidas podem ser tomadas
adequadamente.
[82]Cf. Francis BROWN, A Hebrew and English Lexicon of the Old Testament,
p. 720 (termo: yrbi( ).
[83]Idem, p. 716ss.
[84]Cf. H. W. WOLFF, op. cit., p. 118. Wolff discute o problema de como
interpretar o termo yn), em Jn 1.12. Ele coloca três alternativas: a) uma
"frota de navios"; b) um "navio individual", sem levar em consideração a
tripulação; c) o pronome "eu", como a maioria das interpretações assim
optam. Não queremos decidir nem por uma nem por outra, apenas salientar que
por estarmos utilizando uma hermenêutica psicológica, lembrar que o símbolo
pode abarcar uma, duas ou mais significações ao mesmo tempo; assim,
teríamos aqui um apoio exegético, ao interpretarmos o 'barco' como o "eu"
(ego, elemento psicológico) de nosso herói.
[85]Podemos entender os marinheiros a partir da reflexão anterior de que
não há mais um fator diretor, um 'princípio diretor' na consciência de
nosso herói. Assim sendo, os marinheiros acabam por representar aquela
multiplicidade de reações habituais que atuam automaticamente a partir do
momento em que não há mais um fator diretivo por parte da consciência. Na
verdade, poderíamos nos perguntar por que o personagem Jonas não se jogou
do barco se realmente acreditava ser esta a única saída? Por que ele pede
para ser jogado? Será que lhe faltam as condições necessárias para se jogar
sozinho? Psicologicamente, podemos responder que sim. O esquizofrênico está
desestruturado em sua esfera consciente, assim como o barco contém diversos
elementos (marinheiros) que atuam independente do que o personagem Jonas (o
suposto 'princípio diretor') lhes ordena. A esquizofrenia de nosso herói
está a ponto de regredir drasticamente, com o sacrifício do personagem
Jonas. Também cf. Joseph Campbell, Myths to live by, p. 225. O autor
analisa a esquizofrenia em dois momentos: primeiro a pessoa sente uma
quebra em seu interior psíquico; segundo existe uma terrível caída mais
profunda, onde a pessoa regride para o passado, como um feto na barriga da
mãe.
[86]Cf. H. W. WOLFF, op. cit., p. 118ss. Wolff ressalta como o mar vai se
tornando cada vez mais furioso, à medida que a narração prossegue.
[87]Cf. C. G. JUNG, op. cit., 5v, ( 652.
[88]Cf. M. Esther HARDING, op. cit., p. 250.
[89]Cf. Joseph CAMPBELL, Myths to live by, p. 226.
[90]Cf. C. G. JUNG, op. cit., 5v, ( 538.
[91]Cf. C. G. JUNG, op. cit., 5v, ( 371. Aqui o termo "mar" é caracterizado
como morte, através de um estudo comparativo morfológico. No ( 369, é o
'peixe voraz' que é caracterizado como a "morte", e que devora não só
pessoas, mas animais, plantas e até um país inteiro.
[92]Cf. Gerhard LOHFINK, Agora Entendo a Bíblia, p. 73-75.
[93]Idem, p. 75. Cf. também p.*... , de nosso trabalho.
[94]Cf. H. W. WOLFF, op. cit., p. 132. Segundo uma análise vetero-
testamentária, Wolff interpreta o termo (lb como "aniquilação" (Jr 51.34;
Sl 21.9; 35.25; 69.15; 106.17; 124.3; Lm 2.2, 5, 8, 16), salientando que
neste ponto da narrativa o pensamento de interpretar o peixe como
instrumento de salvamento não tem sentido.
[95]Cf. C. G. JUNG, op. cit., 5v, ( 553.
[96]Cf. James A. HALL, Jung e a interpretação dos sonhos, p. 65.
[97]Cf. C. G. JUNG, op. cit., 5v, ( 374.
[98]Cf. Uwe STEFFEN, op. cit., p. 66-82. O autor desenvolve o tema da 'mãe
voraz' (Die Verschingende Mutter) e, em sua interpretação psicológica,
utiliza Freud, Jung e principalmente Erich Neumann, um autor junguiano
especializado nas primeiras fases do desenvolvimento da criança em âmbito
psíquico.
[99]Cf. C. G. JUNG, op. cit., 5v, ( 646.
[100]Na cultura brasileira existe uma expressão popular que expressa esta
dependência desnecessária à mãe: "Agarrado à saia da mãe".
[101]Cf. Joseph CAMPBELL, Myths to live by, p. 29. Citação: "O salvador, o
herói, o redentor é aquele que aprendeu a penetrar as paredes protetivas
dos medos internos, as quais nos excluem, geralmente, em nossa vida
cotidiana e até nos sonhos, de toda a experiência de viver por nós mesmos e
de viver o mundo divino dentro de nós."
[102]Cf. Paul RICOUER, in: Vicent MORA, Jonas, p. 26.
[103]Cf. C. G. JUNG, op. cit., 5v, ( 536. Citação: "O herói é um homem
extraordinário no qual habita um daimwn, e é este que o transforma em
herói."
[104]Cf. C. G. JUNG, op. cit., 5v, ( 496. Citação: "Quem descende de duas
mães é um herói: o primeiro nascimento o transforma num ser humano, o
segundo num semi-deus imortal."
[105]Cf. Joseph CAMPBELL, The Hero With a Thousand Faces, p. 90-95.
[106]Cf. Lao TZU, Tao Te Ching, p. 103, nº XLII.
[107]Cf. Edward F. EDINGER, op. cit., 188-191.
[108]Idem, p. 188ss.
[109]Idem, p. 193.
[110]Cf. H. W. WOLFF, op. cit., p. 126. A versão latina, do 5º século, e a
versão "Sahidic", do Egito Superior, não traduzem a expressão "três dias e
três noites", pois no ventre do 'peixe' só pode haver uma longa noite.
[111]Cf. E. F. EDINGER, op. cit., p. 189.
[112]O salmo é cantado após os "três dias e três noites", de onde poderemos
presumir que ele representa aquela quarta fase exigida pelo processo
ternário, em Jn 2.1. Existem dois motivos para pensarmos assim. O primeiro
é a presença da partícula 'w' (um conjuntivo: "então"), em Jn 2.2, que
parece indicar que a oração de Jonas só ocorre após a fase ternária
anterior (Jn 2.1). O segundo é acerca das conjugações verbais encontradas
no salmo (Jn 2.3-10). Os verbos são ora conjugados no 'passado perfeito'
ora no 'imperfeito': por exemplo - no v.3 temos, nana(aY (imperfeito);
yit)rq (Qal, passado perfeito); yiT(U$ (Pi, passado perfeito); fT(amf$
(Qal, passado perfeito); no v.4 temos, fTikyil$aT (Hi, imperfeito); yinbbs
(Po, imperfeito, com suf.); Urfbf( (Qal, perfeito); no v.5 temos, yiTramf)
(Qal, perfeito); no v.6 temos, yinbbs (Po, imperfeito, com suf.); etc...
(com exceção dos versículos 9 e 10). Sendo a interpolação uma citação do
momento em que o profeta Jonas clama à sua divindade, as conjugações
verbais só podem se referir aos momentos anteriores ao da oração. Jonas
parece, assim, estar se referindo a todo momento a situações pelas quais
passou em período prévio. Este momento prévio é exatamente o tempo de
transformação ocorrido nos "três dias e três noites", em Jn 2.1.
Consequentemente, o salmo descreve o processo ocorrido durante a fase
ternária, em Jn 2.1. Se esta afirmação é correta, então o texto do salmo se
reveste de extrema importância, pois poderemos encontrar pistas mais exatas
de como a transfomação se processa.
[113]Cf. SÓFOCLES, Édipo Rei, p. 16. A Esfinge era um monstro com rosto de
mulher e corpo de leão alado. Estava no monte de Citero e perguntava aos
viandantes qual era o animal que tinha quatro pés de manhã, dois à tarde e
três à noite; quem não decifrava o enigma era devorado pela Esfinge. Édipo
adivinhou que se tratava do homem, na infância, na idade viril e na
velhice: o monstro, desesperado, matou-se.
[114]Psicologicamente, nos mitos de heróid e dragões, a "luz" simboliza
aquele momento de "visão interior", de discernimento quanto aos elementos
morais e espirituais; cf. E. HARDING, op. cit., p. 282. Este tema da "luz"
encontrada na escuridão é conhecida também na teologia bíblica com o
sentido de "resgate": "O povo que jazia em trevas viu grande luz, e aos que
viviam na região e sombra da morte, resplandeceu-lhes a luz" (Is 9.2 e Mt
4.16). Outros textos: Is 45.7; 59.10; Jó 12.22; Sl 18.28; 112,4; 139.12; Jo
1.5; I Co 4.5,6.
[115]Cf. M. E. HARDING, op. cit., p. 282-293. Esther comenta que muitos
esquizofrênicos permanecem no nível infantil, não mais voltando para a
realidade. Outros, por terem mais condições psicológicas para absorverem o
processo da regressão, conseguem retornar, trazendo a resposta para a
própria cura. A diferença, então, é se a pessoa tem ou não uma estrutura
psicológica que a ajude quando estiver no fundo da regressão. A "baleia"
representa este elemento que preserva o paciente da permanência eterna na
fase regrissiva, auxiliando-o a trabalhar dentro de um campo protetor, onde
as forças do inconsciente não o atingem destrutivamente. E é neste mesmo
campo protetor que o paciente tem as condições necessárias para
"reestruturar" as várias partes de sua psique que se quebraram. Este campo
protetor é chamado 'mandala', dentro da psicologia analítica de C. G. Jung.
Retornaremos a este assunto no ponto 3.2.2 (cf. especialmente o 'excurso'
presente neste ponto).
[116]Cf. H. W. WOLFF, op. cit., p. 135.
[117]Idem, p. 135s.
[118]Cf. F. BROWN, Hebrew and English Lexicon of the Old Testament, p. 223.
[119]Cf. H. W. WOLFF, op. cit., p. 136.
[120]O termo é masculino, cf. A. B. H. FERREIRA, Novo Diconário da Língua
Portuguesa, p. 1076.
[121]Cf. M. E. HARDING, op. cit., p. 383.
[122]Cf. C. G. JUNG, R. WILHEM, O Segredo da Flor de Ouro, p. 38-45.
[123]Cf. M. E. HARDING, op. cit., p. 382: "Os manadalas estão entre os
símbolos mais antigos (religiosos) da humanidade e podem até ter existido
no período 'paleolítico' (cf. as pinturas nas paredes da Rodésia)".
[124]Idem, p. 417.
[125]Idem, p. 413.
[126]Nikos Kazantzakis, em seu filme "A Última Tentação de Cristo", utiliza
esta mesma imagem e suas funções religiosas. O personagem Jesus, ao ir para
o deserto, desenha um círculo perfeito onde permanece em atitude de espera.
Sua posição é de introvertimento, como numa regressão psicológica, pois
aparece debruçado sobre si mesmo. Em eterna escuridão, satanás chega para
tentá-lo, assumindo formas de animais, símbolos psíquicos dos instintos
naturais que estão sempre tentando se fazer ouvir em detrimento das
decisões do consciente. O curioso é que, tanto a serpente (1ª tentação,
simbolizando o instinto sexual) como o leão (2ª tentação, simbolizando o
instinto de poder) e como a árvora (3ª tentação, simbolizando o instinto de
preservação - identificação com a divindade) não têm forças para penetrar
no interior do 'círculo mágico'. A serpente desaparece numa explosão,
enquanto o leão se dilui no ar ao tentar alcançar o personagem Jesus. A
árvore também se encontra do lado de fora do círculo. O único elemento que
se faz presente dentro do círculo do mandala, além do próprio Jesus, é a
figura de João Batista, simbolizando aquele elemento divino (por ser
profeta) que vem trazer a resposta esperada. Com a assimilação desta
mensagem, provinda de Deus (esfera inconsciente), o processo é concluído. O
importante é frisar que este processo só se realizou efetivamente graças ao
isolamento do 'círculo mágico', inibindo as forças instintivas de entrarem
em contato com o Filho de Deus, enganando-o em suas intenções.
[127]Cf. M. E. HARDING, op. cit., p. 434.
[128]Cf. C. G. JUNG, Mysterium Coniunctions, 14/1v, ( 290.
[129]Cf. C. G. JUNG, Psicogênese das Doenças Mentais, 3v, ( 583.
[130]Cf. C. A. MEIER, Ancient Incubation and Modern Psychotherapy, p. 3-11.
Neste trabalho, há uma riqueza muito grande quanto ao aspecto do lugar
sagrado e do processo de cura que estes ritos ofereciam aos povos antigos.
Procurarei fazer uma rápida comparação entre as características destes
rituais de cura e o nosso estudo de Jonas. A pessoa aflita entrava numa
caverna-templo ('Desci até a terra, cujos ferrolhos se correram sobre mim
para sempre.' - Jn 2.7b), onde pernoitava (viagem noturna pelo mar).
Durante a noite a divindade lha aparecia em sonhos trazendo-lhe o remédio
da cura (elemento inconsciente). Ao amanhecer, a pessoa acordava ('Contudo
fizeste subir da sepultura a minha vida, Ó Senhor, meu Deus!' - Jn 2.7c),
procurava o sacerdote do templo e lhe contava o sonho. A função do
sacerdote era o de interpretar a mensagem do deus Asclépio no sonho
apresentado, permitindo assim, ao fiel, a possibilidade deste de remediar o
mal. Na fachada de entrada da caverna-templo havia uma inscrição: "( ((((((
((((((("; isto é, "aquele que fere também cura". Portanto, esta divindade
também tem algo parecido com a natureza de Javé no livro de Jonas, pois
ambos ferem e depois curam.
[131]Cf. H. W. WOLFF, op. cit., p. 137. Através de sua análise exegética,
Wolff aplica o termo v+( (morrer) diretamente a vida de Jonas, com relação
a "alma" de Jonas, e interpreta o termo rkz como 'mudar', e não apenas
'lembrar', pois tal 'lembrança' pressuspõe uma 'mudança' de pensamento por
parte de Jonas em relação a Javé. Também cf. Vincent MORA, op. cit., p. 14,
onde o autor também apoia esta reflexão em torno do termo rkz.
[132]Cf. M. E. HARDING, op. cit., p. 262.
[133]Cf. H. W. WOLFF, op. cit., p. 137s.
[134]Cf. Joseph CAMPBELL, The Hero..., p. 193.
[135]Cf. C. G. JUNG, Símbolos..., ( 580.
[136]Cf. Joseph CAMPBELL, Myths..., p. 234.
[137]Cf. E. EDINGER, op. cit., p. 76.
[138]Cf. Joseph CAMPBELL, Myths..., p. 137.
[139]Cf. C. G. JUNG, Sincronicidade, p. 1-94.
[140]Cf. H. W. WOLLF, op. cit., p. 133.
[141]Cf. C. G. JUNG, O Espírito na Arte e na Ciência, 15v, ( 130.

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