Jorge de Lima Murilo Mendes Tempo e Eternidade

May 30, 2017 | Autor: Felipe Denardi | Categoria: Poesía, Poesia, Poesia Brasileira, Murilo Mendes, JORGE DE LIMA, Arte Cristiana
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E

JORGE DE LIMA E

MURILO MENDES

TEMPO E

ETERNIDADE POEMAS

JORGE DE LIMA E

MURILO MENDES

1935

Edição da Livraria do Globo Porto Alegre

Restauremos a Poesia em Cristo

A

ISMAEL NERY NA ETERNIDADE

J. DE L.

M. M.

NOTA PRELIMINAR1

Tristão de Ataíde

Exatamente na véspera de Pentecostes Murilo Mendes me entrega o livro de

poemas que acaba de publicar com Jorge de Lima: Tempo e Eternidade.

E a despeito de já conhecer algumas dessas páginas, foi tal a impressão

recebida que não posso, nesta crônica de exaltação da grande e pura arte cristã,

passar em silêncio essa publicação considerável para a história de nossa poesia. Se os poemas de Jorge de Lima refletem na sua graça ou mesmo no seu hermetismo,

o sentimento religioso popular, nas suas ondulações, no seu devaneio, através do temperamento tão original e moderno do seu autor – que é um dos maiores intérpretes vivos da alma brasileira; se nêles a poesia sobe como uma seiva da terra – surgem os de Murilo Mendes como uma projeção violenta da poesia mais pura, unida às mais altas manifestações da Verdade, no campo das nossas letras. Raramente, na história delas tem a poesia alcançado horizontes tão largos. Ela

aparece, nessas páginas, curtas mas impressionantes, despida de todo pieguismo,

vazia de qualquer artifício visível ou de ornato supérfluo, numa revelação puríssima

da beleza do mundo tal como a exprime o dogma católico. Porque êsses poemas refletem diretamente a beleza dogmática da Verdade. Suas linhas são lisas, altas,

diretas, rudes, como as da própria figura da Igreja tão desfigurada pelo Romantismo devoto ou pela paixão sectária.

Há poemas curtos e fáceis, verdadeiros pontos de exclamação poéticos. E

há poemas longos e salmodiados, que nos levam por suas asas possantes, ao longo dos tempos e à luz da eternidade. Poesia objetiva, mas sem sombra de preocupação, de preocupação descritiva ou panteísta. Poesia hierática, mas sem frieza.

Poesia

católica,

essencialmente

católica,

poesia

episcopal,

desassombradamente eclesiástica e pontifícia, na mais bela acepção dêsses têrmos – sem qualquer vislumbre de sentimentalismo devoto ou de falso classicismo.

Moderna, extremamente moderna, mas sem qualquer Modernismo artificial.

Poesia, enfim, que lida num cenáculo de homens de fé, numa hora de fraternidade e de meditação, nos levantou a todos como uma só alma num sentimento unânime de alegria e de comunhão com o Santo dos Santos. 1

Publicado em O Diário, Belo Horizonte, 23 junho 1935, sob o título "A Desforra do Espírito." Tristão de Ataíde é o pseudônimo

de Alceu Amoroso Lima.

Murilo Mendes atingiu de chôfre, nessas páginas de convertido, um

diapasão poético que me desvaneço profundamente de ter podido pressentir,

quando há alguns anos já, longe ainda de qualquer inspiração religiosa, vagueava

êle angustiadamente em luta contra anjos de trevas e de luz, escrevendo nas costas de papel de um banco em que era empregado versos de alucinação e de desespêro.

Era a procura, a ansiedade, o descontentamento de tudo o que era privado

da Luz que nunca se apaga. Era a marcha áspera na encosta, nos arredores do templo, nos caminhos pedregosos para a Cruz, que é o terceiro plano daqueles que a Igreja considera os soldados desconhecidos do Cristo.

Folgo, pois, em poder aproximar nesta crônica páginas, de poesia e de prosa,

que marcam, para a literatura brasileira, um dos mais altos cimos de sua grave inspiração moderna, nesta hora em que os ornatos caem; os malabarismos se desmoralizam; volta-se às coisas essenciais e certas almas desenganadas das aventuras intelectuais literárias levantam o véu do mistério e param estupefatas,

pressentindo ou descobrindo a Fonte suprema da beleza e da explicação de tôdas as coisas.

Por muitos anos pedi aos modernos não fecharem os olhos ao sobrenatural,

lado direito do tecido da vida de que somos apenas o avêsso. Ei-lo aqui, o

sobrenatural. Não foram êsses os primeiros, certamente, que o trouxeram às nossas letras modernas. Nestes, porém, nesta prosa nua em tôrno do Cristo e nesses

poemas católicos, em tôrno do seu Corpo Místico vemos a reação mais recente e mais impressionante contra os abusos que de novo se iam espalhando em nossas letras, de um naturalismo literário anacrônico ou impregnado de partis pris políticos.

Nestas páginas, nada disto. Nenhuma preocupação apologética. Nenhum esfôrço de vencer a retórica. Nenhuma posição interessada. Nenhuma preocupação de agradar.

Êsses dramas e êsses poemas são um alimento forte, ácido mesmo e sêco,

que provàvelmente não satisfará a todos os paladares.

Aquêles, porém, que estiverem cansados do convencionalismo literário ou do

naturalismo de uma arte pornográfica ou panteísta hão de saudar nessas páginas da nossa mais moderna literatura, uma desforra memorável do Espírito contra a pieguice e a sensualidade. A beleza catedralícia de alguns dêsses poemas e a fôrça

impressionante de certos diálogos dêsses dramas mostram, bem ao vivo, como não há mais alta inspiração para a arte do que o verdadeiro cristianismo católico.

TEMPO E

ETERNIDADE

POEMAS DE

JORGE DE LIMA 1934

DISTRIBUIÇÃO DA POESIA Mel silvestre tirei das plantas,

sal tirei das aguas, luz tirei do céu.

Escutae meus irmãos: poesia tirei de tudo para oferecer ao Senhor. Não tirei ouro da terra

nem sangue de meus irmãos.

Estalajadeiros não me incomodeis. Bufarinheiros e banqueiros sei fabricar distancias para vos recuar.

A vida está malograda,

creio nas magicas de Deus. Os galos não cantam, a manhã não raiou.

Vi os navios irem e voltarem.

Vi os infelizes irem e voltarem.

Vi homens obesos dentro do fogo. Vi zigue-zagues na escuridão.

Capitão-mor, onde é o Congo? Onde é a Ilha de São Brandão? Capitão-mor que noite escura! Uivam molossos na escuridão. O’ indesejáveis, qual o paiz, qual o paiz que desejais?

Mel silvestre tirei das plantas,

sal tirei das aguas, luz tirei do céu. Só tenho poesia para vos dar. Abancae-vos meus irmãos.

A NOITE DESABOU SOBRE O CAES A noite desabou sobre o caes, pesada, cor de carvão,

Rangem guindastes na escuridão. Para onde vão essas náus? Talvez para as Indias. Para onde vão?

Capitão-mor, capitão-mor

quereis me dizer onde é que fica a ilha de São Brandão?

A noite desabou sobre o cáes pesada, cor de carvão.

Rangem guindastes na escuridão. Donde é que veem essas náus? Donde é que veem?

Serão caravelas? Serão negreiros? São caravelas e são negreiros.

Ha sujos marujos nas caravelas.

Ha estrangeiros que ficaram negros de trabalharem no carvão.

Homens da estiva trabalham, trabalham, sobem e descem nos porões.

Para onde vão essas náus? Saltam emigrantes embuçados,

mulheres, crianças na escuridão. De onde vem essa gente?

Não ha mais terras de Santa-Cruz gente valente! O’ indesejaveis qual o paiz qual o paiz que desejaes?

Como é o nome dessas náus que não se lê na escuridão?

Vão descobrir o Preste João?

Na minha geografia existe apenas perdido no mar o cabo Não.

A noite desabou sobre o cáes pesada, côr de carvão.

Essas náus vão para o Congo?

Castelo de Sagres ficou aonde? Capitão-mor onde é o Congo?

Será no léste, no mar tenebroso? Capitão-mor perdi-me no mar. Onde é que fica a minha ilha?

Para onde vão os degredados,

Os que vão trabalhar dentro da noite, ouvindo ranger esses guindastes? Capitão-mór que noite escura desabou sobre o cáes, desabou nesse cáos!

O NAVIO VIAJANDO Entre o mar e a terra viajo ha seculos

sem encontrar céu, sem encontrar céu. Mas tenho a ânsia desse paiz.

Minha caravela não póde voar, não póde subir, não póde subir.

O plano do mar já está dividido.

Ha muitos selvagens nas ilhas famintas,

os cáes são escuros, ha muitos escravos nas patrias selvagens.

Os degredados para onde vão? Minha caravela não póde voar, não póde subir, não póde subir.

A MÃO ENORME Dentro da noite, da tempestade a náu misteriosa lá vai.

O tempo passa, a maré cresce, o vento uiva.

A náu misteriosa lá vai. Acima dela

que mão é essa maior que o mar? Mão de piloto?

Mão de quem é? A náu mergulha, o mar é escuro, o tempo passa. Acima da náu

a mão enorme

sangrando está. A náu lá vai.

O mar transborda, as terras somem, caem estrelas. A náu lá vai. Acima dela

a mão eterna lá está.

PELO VÔO DE DEUS QUERO ME GUIAR Não quero aparelhos para navegar.

Ando naufragado,

ando sem destino.

Pelo vôo dos passaros quero me guiar. Quero Tua Mão para me apoiar, pela Tua Mão

quero me guiar.

Quero o vôo dos passaros para navegar.

Ando naufragado,

ando sem destino,

quero Teus Cabelos para me enxugar!

Não quero ponteiros para me guiar.

Quero Teus Dois Braços para me abraçar.

Ando naufragado,

quero Teus Cabelos para me enxugar.

Não quero bussolas

para navegar,

quero outro caminho para caminhar.

Ando naufragado,

ando sem destino, quero Tua Mão para me salvar.

NA CARREIRA DO VENTO Lá vem o vento correndo montado no seu cavalo. Nas azas do seu cavalo

vem um mundo de vassalos, vem a desgraça gemendo, vem a bonança sorrindo, vem um grito reboando, reboando, reboando.

Lá vem o vento correndo montado no seu cavalo. Nas azas do seu cavalo

vem a tristeza do mundo, vem a camisa molhada

de suor dos desgraçados, vem um grito reboando, reboando, reboando.

Lá vem o vento correndo montado no seu cavalo. Nas azas do seu cavalo

vem um mundo amanhecendo vem outro mundo morrendo.

Ligando um mundo a outro mundo

vem um grito reboando, reboando, reboando.

Lá vem o vento correndo

os seculos correndo atraz. Lá vem um grito de Deus e um grito de Satanaz.

Ligando um grito a outro grito vem a vida, vem a morte vem o vento reboando, reboando, reboando.

Lá vem o vento reboando

com seus cavalos motores voando nos aviões.

Lá vem progresso, poeira, carreira, velocidade.

Lá vem nas azas do vento, o lamento da saudade reboando, reboando.

Lá vem o vento correndo montado no seu cavalo.

Quem vem agora é um menino montado no seu carneiro. Parai ó vento, deixai

repousar o cavaleiro.

Mas o vento vem danado reboando, reboando.

O POETA PERDIDO NA TEMPESTADE Numa noite longinqua eu acordei

com o tremendo rumor da ventania. Que é isso meu Deus? Olhei o céu

e o vento forte me ensopou de chuva.

Vinha com o vento um bruhaha de vozes. Donde vinham essas vozes eu não sei. O meu navio se perdeu e entrei

na mais negra confusão do mundo.

A tempestade, Senhor! A tempestade

com a vossa força arrebatava o mundo. Eu era pequenino ante a violência

ante o choque brutal da vossa ira.

Eu não podia me ajoelhar, Senhor, eu só podia cair e eu caí.

Fui arrastado pela vossa força

como aspirado pelo vosso halito.

A tempestade, Senhor! A tempestade

mais do que a tempestade a vossa ira, a vossa magestade, a vossa face. Eu não podia ver a vossa face!

As trombetas soaram, homens e arvores, bichos e aguas pelos ares densos

foram arrancados pela grande força. No espaço eu divisei o medo bruto

dos cavalos caídos na voragem,

as crinas reluzentes, desgrenhadas e seus torvos relinchos pelos ares.

Vi as folhas das plantas como loucas

se agarrando nos galhos decepados. Até o proprio vento tinha medo

uivando, uivando como um jaguar.

Lá em baixo era uma gota, gota apenas o mar, o grande mar, o imenso mar. E toda a humanidade, todas as feras no horror supremo dessa confusão o instinto de viver perdendo então

nem homens e nem feras eram mais, Eram qualquer coisa além da vida, além da morte, além da morte.

Eu queria encontrar os meus sentidos eu queria encontrar-me e não podia. Eu não podia me ajoelhar, Senhor.

Eu só podia cair. Vós não deixastes.

O QUE NÃO MUDOU A noite desabou sobre o cáes pesada, côr de carvão.

Uivam cães na escuridão. Quando o dia se elevar outras sombras cairão.

Todas as coisas mudarão.

Gloria Áquele que não mudou. As sombras se despenharam pesadas côr de carvão. A geografia mudou.

Gloria Áquele que não mudou. As estrelas já morreram O velho tempo secou.

Na Gloria eterna caminha Aquele que não mudou.

TARDE OCULTA NO TEMPO O andarilho sem destino reparou então

que seus sapatos tinham a poeira indiferente de todas as patrias pitorescas;

e que seus olhos conservavam as noites e os dias dos climas mais varios do universo;

e que suas mãos se agitaram em adeuses

e milhares de cáes sem saudades e amigos; e que todo o seu corpo tinha conhecido as mil mulheres que Salomão deixou. E o andarilho sem destino viu

que não conhecia a Tarde que está oculta no tempo sem paisagens terrenas, sem turismos, sem povos, mas com a vastidão infinita onde os horizontes são as nuvens que fogem.

LUTAMOS MUITO Lutei comvosco, fiquei cansado, fiquei caído. Quando acordei

Tu me ungiste, Tu me elevaste.

Tu eras meu pai e eu não sabia. Eu sofri muito. Furei as mãos.

Ceguei. Morri. Tu me salvaste. Eu sou teu filho e não sabia. Lutamos muito: eu Te feri.

Perdôa Pai, pensai meus olhos: eu era cego e não sabia.

ACEITO AS GRANDES PALAVRAS Aceito as grandes palavras eficazes

e os caminhos que Deus poz diante de mim. Aceito o sangue derramado se é necessário para levantar o pobre.

(Minha meditação me queima, Senhor!

Mas me deixai falar para me desafogar).

Aceito a oração para mim e para distribuí-la como pão. (Minha meditação me queima, dai-me agua para me dessedentar).

Aceito a não importância da vida.

(Senhor pegai minha mão para não me matar). Aceito os dias com seus cinemas, seus bonds,

seus flirts, suas praias de banho, sua atualidade. Mas deixai-me ver no meio dessa conturbação o que está acima do tempo, o que é imutavel. Senhor estou cansado, quero descansar.

FUJA NO MEU CARNEIRO A noite desabou sobra o cáos. Vão matar as familias reais!

A paisagem é de plantas carnivoras. Vão matar as familias reais.

Os ocasos são sujos? Dizei-me.

Cereais ha demais? O’ dizei-me.

Fome, fome eu sei que ha demais.

A paisagem é de plantas carnivoras. Vão matar as familias reais! Silêncio!

A noite desabou!

Não mateis um menino que eu sei. Não mateis esse Rei.

O’ menino quereis um carneiro? Fugi nele menino pro Egipto

que a paisagem é de plantas carnivoras. Vão matar as familias reais! A noite desabou.

A VOZ ACIMA DAS PORTAS As portas eram imensas.

O bôbo bateu: as portas se abriram. Os reis entraram, os reis sairam. As portas se fecharam, as portas se abriram.

A menina branquinha bateu com uma flor, as portas se abriram os dias passavam,

as noites chegavam

as portas se abriam, abriam, fechavam. O vento violento

as portas abriam,

abriam e fechavam. O Ultimo chegou:

as portas rangeram,

os gonzos gemeram, o oceano passou,

os seculos passaram, tudo passou.

E essa voz donde é que vem? – E’ de-cima que a voz vem.

POETA, POETA, NÃO PODES Desarrumar as terras do mundo. Poeta, podes fazer.

Arrumar sem limites de patria! Poeta, podes fazer.

Derramar azeite no mar,

plantar flores no topo dos montes, plantar trigo nos vales do mundo. Poeta, podes fazer.

Abrandar os tufões dos espaços,

acabar com os tiranos do mundo. Poeta, podes fazer.

Extinguir a palavra de Deus, afastar a Verdade da Terra. Poeta não podes fazer.

O SONO ANTECEDENTE Parai tudo que me impede de dormir: esses guindastes dentro da noite, esse vento violento,

o ultimo pensamento desses suicidas.

Parai tudo o que me impede de dormir:

esses fantasmas interiores que me abrem as palpebras, esse bate-bate de meu coração,

esse ressonar das coisas desertas e mudas.

Parai tudo que me impede de voltar ao sono iluminado que Deus me deu

antes de me crear.

ESTRELA, Ó ESTRELA! Estrela, estrela

morreste ha tempos, porém te vejo

na noite escura.

Obrigado ó morta. Venta da Africa

varreste o oceano, piratas fugiram

pras grandes montanhas. Estrela apagada,

vento impotente,

tempo implacavel, espaço vasio,

leis mentirosas, deuses caidos,

nada, nada, nada.

Obrigado ó mortos. Da noite que vim

pra noite que vou:

relampago de Deus – sou.

O CLAMOR QUE NÃO PÁRA – Que clamor é esse que não pára, que vem de-cima, que não pára?

– Sabei: é o progresso que não pára. – O progresso é lá de baixo, esse clamor é de-cima.

Que clamor é esse que não pára?

– Sabei: – é a muralha do horizonte que se vai desmoronando, são as piramides do Egito

que o mar está solapando.

E’ o progresso que não pára. Essas forças veem dos lados o grande clamor é de-cima.

– Que clamor é esse que não pára

que vem de-cima, que não pára?

– Sabei: – é o mar que está retirando os ossos dos santos poetas.

São os homens neles tocando de repente despertando.

– Que clamor é esse que não pára? – Sabei: são as coisas se formando. – As coisas não são reais

e esse clamor é profundo.

– Sabei: é o Marceneiro trabalhando, é vossa mão escrevendo,

é o sol que está se queimando, os misterios se acabando, o fim de tudo chegando.

– Que clamor é esse que não pára? E’ a barca de Christo andando.

SONO E DESPERTAR DO POETA O meu nascimento me acordou, a minha morte me adormecerá.

Tu levas um cadaver para onde, amigo? A vida é cheia de guizos

tapa os ouvidos dorme, dorme. Dorme, dorme, a noite é bôa o dia é ôco como um guizo.

A minha morte me adormecerá.

O meu nascimento me acordou.

Tu levas um cadaver para onde, amigo?

Sol, sê testemunha que o fim já chegou, que a carne morreu

que a alma está viva.

Antes de tu te extinguires, Sol olha o espirito continuando.

A PLANICIE E AS FLORES CARNIVORAS Era uma imensa planicie sem começo, sem fim.

Nela corriam rios e cavalos, muitos cavalos brancos, rios murmurejando, cavalos nitrindo doidos.

Uma velha tarde de mil seculos sem ocasos berrantes circundava a planicie.

Que doçura pacifica abrangia a planicie!

Que solidão amiga havia entre os ginetes!

Como venciam os milenios essas bestas gigantes! Como nascia o silencio de seus rinchos de fogo! E pairando no tempo uma voz sussurrava.

Que voz era essa tão presente e tão forte?

Não desejes saber, a força humana não póde. Mas no além da planicie

uma noite existia abraçando a floresta, a floresta Senhor, uma floresta morna

onde o teu inimigo semeou carnes brancas

de princesas banidas, de mulheres rarissimas fechando as palpebras para mim. Quando deixei a floresta, Senhor,

na planicie só havia grandes flores carnivoras.

Os abutres tinham descido sobre os cavalos brancos. A noite tinha caído sobre o suor dos rios.

OS IDOLOS SE AFOGANDO Do Oriente ao Ocidente, perto do sol,

estendamos uma tunica branca de braços abertos

para significar: vinde a mim os que não conhecem patria, os que não sabem geografia nem contas de somar.

E nas ultimas vertentes da terra, para além do Himalaia erijamos uma muralha que toque na aguia mais alta. Em suas pedras encerraremos os mortos do mundo: cada qual com uma ave de altivo vôo

como símbolos que o presente não alcança ainda.

Poderemos olhar de cima os tempos em que Jeremias chorou as tardes corrutas e ver os campos de Booz cheios de colheitas e de vozes.

Veremos os raios das estrelas varando os dias de sol e iluminando virgens de tranças.

O canto dos profetas ressoará de baixo

e encherá a noite amiga sem crimes e sem detetives. Não veremos idolos

porque os idolos se afogaram nos rios rasos da planicie. O Homem Publico vai ao albergue de Emaus vai ás bodas de Caná,

conspira nos lagos com os trabalhadores.

O Homem Publico faz a revolução sem odio.

AMO A SOLIDÃO Gosto de andar nos desertos imensos

pelas sarças sagradas, vendo as tardes

cheias de cordeiros e de mulheres morenas

que vão buscar agua nas cisternas distantes onde moram as estrelas do ocaso.

Gosto de ir pelos lagos onde a verdade ainda mora

e a universal rede de Christo colhe peixes nas aguas.

Amo a solidão das montanhas donde a palavra descia e o gesto bom descia para as crianças pobres. Amo clamar a Deus nessas tardes longinquas cheias de salmos e de camelos mansos. Amo a velha paisagem biblica

que inda ha de baixar sobre a terra cansada para o sossêgo dos olhos esmagados.

Amo as terras de Deus onde os profetas andaram e onde meu pacto fiz com a suprema Presença e serei holocausto ante a Força das forças.

QUERO SER ENSINADO POR DEUS De que ponto sopra o vento da instabilidade? Que cansaço de contemplar as patrias! Quero o antecedente, quero o fim. Quero ser ensinado por Deus. Ciencia não me satisfaz.

Mundo não me satisfaz. Diabo não me distrai.

Quero ser ensinado por Deus.

Os apoios terrestres são frageis.

As montanhas são fracas demais.

Dai-me a vossa Mão para sair do vacuo. Deus me degole do mundo. Carne não me satisfaz.

Não conheço coisas necessarias. Quero ser ensinado por Deus. Tudo é casual nesse charco.

Quero ser ensinado por Deus.

VINDE Ó POBRES Vinde os possuidores da pobreza, os que não têm nome no seculo,

Vinde os homens de contemplação.

Vinde os que têm a linguagem mudada. Vinde os forasteiros e vagabundos.

Vinde os homens descalços e os que têm os olhos cheios de espantos. Jesus Christo – Rei dos reis os vossos pés quer lavar, o filho do marceneiro

não vos póde abandonar.

A DIVISÃO DE CHRISTO Dividamos o Mundo em duas partes iguais:

uma para portugueses, outra para espanhois:

Vêm quinhentos mil escravos no bojo das náus: a metade morreu na viagem do oceano. Dividamos o Mundo entre as patrias.

Vêm quinhentos mil escravos no bojo das guerras: a metade morreu nos campos de batalhas. Dividamos o mundo entre as maquinas:

vêm quinhentos mil escravos no bojo das fabricas, a metade morreu na escuridão, sem ar. Não dividamos o mundo. Dividamos Christo:

todos ressuscitarão iguais.

SOU PARA ME SALVAR SOBRE AS TÁBUAS DA LEI Não sou só para comer trigo.

Sou para cair e para me levantar, para viver e para não ligar á vida nem á morte nem ao tempo nem ás aguas paradas

que apodrecem dentro dele.

A mansão de meu pai tem muitas casas: a nostalgia dessas casas mora em mim. Sou para procurar roteiros no mar, para me arrepender e me salvar, para anunciar como um proféta

e negar tres vezes antes do galo cantar.

Sou para me enlamear no mundo e para me lavar na Luz. Sou para me afundar nos pecados mortais. E para me salvar sobre as tabuas da Lei.

AS GRANDES HORAS E A ANTIGA VIGILIA A multidão era imensa

e a voz começou a dizer

que não podia falar na primeira pessôa, que os poetas eram inumeros na terra.

E todos se entreolharam e viram que eram poetas.

Todos tinham sido humilhados, todos tinham sido roubados, todos tinham setas no lado esquerdo do corpo.

E já era de tarde e todos aqueles poetas cantaram as Vesperas do Senhor.

E a noite chegou e todos aqueles poetas ficaram acordados escutando as grandes horas e esperando na antiga vigilia.

E o galo cantou: e milhões e milhões de sirenes de fabricas cantaram matinas. E o dia acordou.

E todos aqueles poetas viram o Dia subir. E subiram com o Dia.

E cantaram Laudes ao Senhor.

AO SOM DA SETIMA TROMBETA E ao som da setima trombeta os tuneis se afundaram.

E as grandes locomotivas gordas e asseiadas que passeavam

pelas gares maternais

viajando de cidade em cidade rolaram no vale.

E os cruzadores possantes

se afundaram para sempre no mar raso.

Os espiritos imundos subiram para o ar semelhantes a rãs

martirizando os mercadores que se fizeram onipotentes

no excesso de suas iniquidades. E o mar ofereceu ao juiz todos os seus mortos,

todos os seus afogados, todos os seus suicidas, todos os seus herois. E a terra e o inferno

mandaram ao grande juizo todos os seus espiritos.

Anjos que tendes poder sobre o fogo

livrai-me da chuva de cinza e de enxofre. Trompas tocai

para que eu não ouça os perigosos convites. Eu desejo apenas o Grande Espirito

de pés de latão derretido e de cabelos de nuvem.

Quero olhos para vê-lo, quer voz para louvá-lo

per omnia secula seculorum.

O POETA VENCE O TEMPO Já não vejo mais a paisagem de plantas carnivoras. Levada pelos riachos a agua velha canta de-novo.

A relva ignora sua tragedia e alteia as folhas inocentes. Regresso ao teu tempo, David.

Como tu tenho harpa e tenho Deus. E num dia biblico assim fora dos tempos duros

posso voltar ás origens, e sentir como tu

que sou mais forte que o rei,

mais forte que todos os Golias. Mas não sei como tu

distinguir se essa estrela clarissima é a estrela da manhã

ou se é mesmo a poesia que nós vemos no céu

– antecedente e posterior a tudo.

OS QUE VIRÃO NOS CAMELOS Pobres de espirito os que julgam a Lei pelos homens da lei, a Igreja pelos homens da Igreja,

a eternidade por um trapo de tempo. Pobres os que não têm perspectiva e são fortes de odio para dominar.

Pobres os que iluminam os falsos dias e são fugazes como as tempestades.

Pobres os que enfraquecem o espirito e não têm joelhos para ajoelhar. Pobres os que não passarão

onde os camelos atravessarão.

Pobres os que não vêm o que ficou atrás

e o que ha de vir quando as portas baterem. Pobres os que não conhecem um minuto sequer de poesia. Pobres esses pobrezinhos.

Misericordia Senhor para esses pobres.

O POETA DIANTE DE DEUS A eterna presença acusou o homem pecador: – Disseste falsidade. A tua lingua mentiu. O pecador disse que não disse tal.

– Blasfemaste. Disseste meu nome em vão. O homem disse que não disse tal.

– Disseste calunias que apodreceram a terra, cismas, revoltas, credos, tudo mal.

– E o pobre disse que não disse tal. Mas a suprema presença vendo

o homem a tremer se retratando:

– O pensamento que te dei era muito diferente da voz gritando tanta coisa ruim. Vem.

CANÇÃO DE DAVID NA JANELA A mulher de Urias estava tomando banho. Eu vi a mulher de Urias.

Peitos mais belos eu nunca vi.

Quebrei a citara, versos não faço, eu vi a mulher de Urias,

peitos mais belos nunca hei de vêr.

A mulher de Urias estava tomando banho em frente de meu palacio. Quero a mulher de Urias,

nunca vi corpo mais belo.

Quebrei a citara, salmos não faço, trono não quero, guerras parai. Só quero a mulher de Urias.

Peitos mais belos eu nunca vi.

Se olho as nuvens, se desço á terra vejo os dois peitos,

peitos mais belos eu nunca vi.

A mulher de Urias estava tomando banho no riozinho que passa

em frente de meu palacio: eu vi a mulher de Urias. Não sou mais poeta, troco meu trono

pelos dois peitos.

Se olho o mundo vejo os dois peitos. Se olho o céu vejo os dois peitos.

Não sou mais rei, versos não faço. Trono não quero.

Só quero a mulher de Urias.

DAVID CAINDO Sequei o mar, matei os peixes,

venho do vicio, da lama escura, quero de-bruços cair no chão,

tirar meus olhos, deixar que o fogo venha lamber meu coração. Que valem os olhos na escuridão?

Sequei o mar, matei o mundo, aves do céu

comei meu cranio.

Minha palavra caiu nas pedras.

Sou vosso mudo Senhor meu Deus. Vento violento

secai meus timpanos,

eu tenho mêdo da ira santa.

Deixai sómente dentro de mim a primitiva Dôr que reinou.

Vento de Deus soprai minha Dôr,

as chamas do inferno ardem, Senhor.

AMADA VEM Amada, deixai a porta aberta para vires.

Plantei arvores longas pra te dar sombra. Apressa-te querida minha,

Fechei os olhos para esperar-te. Só os abrirei quando chegares

ó perfeitissima entre as mulheres. Fecharei depois a minha porta

para o silencio de Deus nos envolver.

Amada minha traze a eternidade para nós. Traze a estrela que me prometeste.

Traze tuas sobrancelhas como azas. Perdi o paraiso não t’o posso dar.

Dar-te-ei o sonho em que te geraste:

o começo das aguas em que te vi flutuando. Vem como estás, vem molhada das fontes. Vem como estás, recoberta de folhas.

Vem do meu barro amada minha, vem. Vem virgem através do tempo, vem. Vem louca através da ordem, vem.

Vem cantando através da dor, vem. Vem com o primeiro pecado, vem.

Vem que tu fôste gerada para mim. A porta está aberta, amada vem.

A DISTANCIA DA BEM-AMADA Do principio do mundo venha a Bem-Amada. Venha humida do primeiro dia, venha.

Venha da vontade Deus a Bem-Amada,

venha do primeiro sono a Bem-Amada, venha. Ela deu agua a um samaritano e sumiu. Colheu uma tarde de Booz e sumiu.

Atraz da montanha piscou numa estrela e sumiu. A Bem-Amada floriu nas vinhas, floriu nas sarças, floriu nos cedros sagrados e sumiu.

Floriu no templo de Salomão e sumiu. Onde está a Bem-Amada?

Rainha de Sabá lavastes os pés da Bem-Amada? Eu sinto parcelas de sua presença,

eu sinto a sua chegada e a sua fuga, onde é que ela está?

De-baixo da lua entre gelos uivam lobos.

A Bem-Amada passou imensa como um iceberg e sumiu. Atraz da montanha piscou numa estrela e sumiu. Bebeu em Caná e sumiu.

Desceu no meu sonho e sumiu.

Quero lutar com anjos pela Bem-Amada, quero me salvar pela Bem-Amada.

De-baixo da lua entre gelos uivam lobos.

Foi a Bem-Amada que passou no vento violento,

vestida de neve com a filha da estrela.

Eu sinto a Bem-Amada, a sua presença, a sua fuga, o seu vestido de nuvens, o seu halito de floresta. De-baixo da lua entre gelos uivam lobos.

Lá anda a louca – a Bem-Amada cantando. A filha da estrela caiu lá no mar.

O SACRIFICIO DA BEM-AMADA As tuas terras, deste-as aos publicanos e aos que não foram

[ao festim.

Terras boas de olivais, de romeiras e de azeite e mel. Os peitos da Bem-Amada nelas crearam leite

e as suas coxas se arredondaram nas luas novas sob os signais do céu.

Se a quizeres toma-a Senhor. Foste Tu que a creaste

e só Tu a poderás adormecer com o narcotico da morte.

E se quiseres que ela reapareça como uma flor dos teus

[montes,

planta-a na encosta sagrada para que de tarde eu a possa

[esposar.

E tocando a Tua harpa vença das terras bôas os espiritos

[escuros

e possa enxergar a grande geração das estrelas do céu.

CONVITE A SALOMÃO Apressa-te amiga minha, querida minha e vem para olhar a manhã. A manhã mais do que nunca está de uma vastidão imensa. E nem sei se o limite dela serão aqueles passaros lá longe, vês querida minha?

Subiremos ao monte da myrrha e ao outeiro do incenso;

as sombras não declinarão, a manhã banhará teus peitos de [suavidade.

A manhã está tão vasta que o sol recuou e os montes ficaram [baixos.

Só tu és grande ante a grandeza de Deus.

Que airosos são teus passos amada minha, parecem aquelas avez voando longe nos limites da manhã.

Amada minha, querida minha não procuremos saber o que há atrás [da manhã

porque o tempo de depois é escuro como um poço e não tem [horas

para o amor.

E’s amiga minha, alta como essa manhã, clara como esse momento sem horas, suave como esse outeiro de flores.

A manhã mais do que nunca está de uma vastidão imensa

porque as chuvas desertaram do tempo e o sol recuou para atraz do [monte

de nuvens.

O’ perfeitissima entre as mulheres, a tua perfeição não passa.

Nós não sabemos onde é a morada do tempo e o inverno não [existe

nessa manhã imensa.

Essa manhã não conhece a morte, amada minha, e os passaros vão [subindo

para o sol, para alargar a claridade.

Amada minha, querida minha, só tu és grande ante a grandeza de [Deus.

A POESIA ESTÁ MUITO ACIMA Quero edificar o templo, o grande templo, quero materiais. Quero fazer o altar para os holocaustos e os incensos. E queimarei os perfumes inuteis nas narinas de Deus,

nos cabelos dos arcanjos, no halito de todos os eleitos.

Quero oitenta mil braços para cavar montes e derrubar madeiras e uns trezentos mil para colher agua pura.

Quero um para adivinhar onde tem ouro, onde fica o sol, buscai-me um ladrão para roubar a lua.

Vinde escultor fazer um querubim com dez covados de azas segurando um calice descomunal e uma palma de bronze. E sobre os capiteis haveis de collocar um peixe voador voando para não sei.

Chamai Salomão para varrer o templo com sua sabedoria

e com suas mil mulheres, com suas eguas, e com seu cajado. E depois que venha o fogo do céu queimar as oferendas. E tudo cáia com os rostos na terra porque a poesia está muito alta

acima de vós, mundo muito pequeno!

A MORTE DOS REIS Naquele tempo o rei mandou buscar os vasos sagrados e deu de beber neles ás suas concubinas.

E na parede da sala mão de esqueleto surgiu

vinda de outros planos, de outro tempo, vinda da eternidade e escreveu em palavras de fogo que o rei ia morrer.

E o rei ficou com o rosto mudado tremendo de medo: os joelhos batendo um no outro.

E compreenderam agoureiros e adivinhos da côrte que o espirito de Deus aderia ao amago das taças, das figuras sagradas,

e que as mãos materiais que não sabem orações atraem as danações,

as terriveis danações que habitam outras realidades, outras tiranias muito fortes, muito fortes e eternas.

O TORMENTO Na setima lua edifiquei a porta grande da casa do Senhor

e mandei traçar nos muros exteriores os exemplos do céu. E ensombrei de nuvens gordas o recinto dos povos.

Quebrei as estatuas de Baal, para evitar as calamidades surdas, equipei as frotas sagradas e mandei partir,

renovei a aliança com a suprema Presença, e ela uma noite me ofereceu um sinal.

Compreendi a grande significação dos misterios para saber que nesse mundo apagado,

as verdades são nulas, o real está além. Mandei buscar num país muito longe

o filho dum ourives para gravar silencios. Abri o livro diante do povo

pensando que o povo estava no nivel do Alto.

Mas o povo não poude enxergar os silencios do livro.

Nem suportar a claridade exquisita que das paginas saía. Baixei a cabeça no maior dos desanimos. E o tempo me chamou para morrer.

A eternidade me chamou para viver: irei.

UMA COISA VOS DIGO Cristo, essa luta pela Bem-Amada, essas fugas tremendas, essas sêdes de poesia,

essas viagens pela eternidade,

essas descaidas de montanha abaixo, são a via sinuosa para Vós.

Adoremos o Senhor – o Semeador, adoremo-lo.

Adoremos o Senhor dono do Tempo, adoremos.

Uma só cousa é que digo: Cristo é o primeiro dia. Cristo é além do ultimo dia.

Cristo conservou o meu espirito.

Cristo renovará o meu espirito depois do ultimo dia. Cristo eu vos dou as minhas montanhas,

a minha loucura, as particulas de minha poesia,

a minha imensidade pequena, as minhas estrelas humildes. A vossa lei é de muitas maneiras Cristo e eu não sei.

Andamos ás apalpadelas e desatinados como loucos. Andamos distraidos de Vós. Andamos fazendo poesia.

Andamos a tôa como visões noturnas.

Uma coisa tenho falado e sei que é Verdade: Cristo caminha por cima do mar, Cristo nasceu no primeiro dia, Cristo nasceu para reinar.

Trema todo o universo á sua Presença.

SICUT ERAT Quando se ecoarem sete eras a nossa visão se exterminará.

Depois das sete eras, tu construirás

sete babeis, sete confusões, sete piramides, sete estepes e sete guerras de cem anos.

O teu nome ninguem pronunciará.

Virão sete revoluções, sete sangues, sete cometas sete geleiras, sete desertos. E sete anjos clamarão

depois da tua mudez que deixou de existir ha muitos milhões de seculos

que a Inteligencia continuará:

Onde estarão os exercitos da patria? A bandeira da patria? A saudade da patria?

Onde estarão as tendas, os arranha-céus e os icebergs? E a Bem-Amada? E tudo? E tudo? E tudo?

Não precisarás de ponteiros para marcar o tempo nem das noites que te dão o sono.

Nem da morte, nem da morte, nem da morte.

Nem dos sacramentos, nem dos arrependimentos. A Luz te iluminará.

Sicut erat in principio.

EU VOS ANUNCIO A CONSOLAÇÃO 1 – Os pobres que só têm sua pobreza e nada mais;

os moribundos que contam só com o seu fim e nada mais;

os fracos que só possuem sua fraqueza e nada mais

podem andar sobre as aguas do mar. 2 – Os que têm rebanhos de maquinas,

os que estão pesados de crimes e de ouro ou de odio ou de orgulho; esses se afundarão.

3 – Chamaremos um que a guerra comeu quasi todo e só deixou os joelhos caidos no chão. Esse correrá mais depressa que a luz. 4 – Chamaremos um que apagou a vida que Deus lhe entregou e a ruindade da terra estragou com seus vicios. Esse Deus lhe dará uma vida de-novo.

5 – Chamaremos um que avistou o primeiro minuto. E morreu.

6 – Um que queria sorrir e nasceu sem ter labios. 7 – Esses serão consolados.

Esses ficarão á direita da Mão.

ADEUS, MEUS IRMÃOS Recolhamo-nos meus irmãos que já é tarde e ha lá fóra hienas que gostam de sangue.

Encontraremos a Bem-Amada quando a noite passar. Eu vos anuncio a Bem-Amada.

Até a consumação dos seculos os nossos irmãos que nascerem se reunirão como nós.

Os profétas in illo tempore se reuniram como nós. Nós somos élos apenas.

Eu vos anuncio a consolação.

As nossas vozes intempestivas atraem as hienas lá fóra. Nós não temos armas. Os uivos aumentam. Adeus meus irmãos.

ADEUS, POESIA Senhor Jesus, o seculo está pôdre. Onde é que vou buscar poesia?

Devo despir-me de todos os mantos,

os belos mantos que o mundo me deu. Devo despir o mando da poesia.

Devo despir o mando mais puro.

Senhor Jesus, o seculo está doente,

o seculo está rico, o seculo está gordo. Devo despir-me do que é belo, devo despir-me da poesia,

devo despir-me do mando mais puro

que o tempo me deu, que a vida me dá. Quero leveza no vosso caminho.

Até o que é belo me pesa nos ombros, até a poesia acima do mundo,

acima do tempo, acima da vida,

me esmaga na terra, me prende nas coisas.

Eu quero uma voz mais forte que o poema,

mais forte que o inferno, mais dura que a morte: eu quero uma forço mais perto de Vós.

Eu quero despir-me da voz e dos olhos, dos outros sentidos, das outras prisões,

não posso Senhor: o tempo está doente. Os gritos da terra, dos homens sofrendo

me prendem, me puxam – me daí Vossa mão.

OS VÔOS ERAM FÓRA DO TEMPO 1º – As magicas que a Graça do Senhor faz são Poesia. 2º – Vi dos centauros cairem cascos, sairem azas.

3º – As magicas que a Graça do Senhor faz são Poesia. Vi o ladrão entrar com o Filho de Deus na Luz.

4º – Um homem ficou cégo, ficou sabio, ficou santo indo para Damasco.

5º – A Graça do Senhor, a Musa do Senhor, a Poesia do Senhor são além do espaço, além do tempo. Bemdita a eterna Poesia.

6º – A vaga insolente subiu. A Graça do Senhor me defenda. 7º – Vi as praias cheias de ossos estranhos. Ainda estou de pé pela Graça de Deus. As arvores estão de pé,

as montanhas estão de pé, a igreja do Senhor estará de pé.

8º – Um cégo viu a Luz, um mudo falou Poesia, um surdo ouviu

Poesia.

9º – Uma camponeza viu a Virgem. Então nasceu uma fonte.

10º – Espreitemos o movimento das aguas. Eu tenho o gosto da

morte na bôca.

Quero dobrar os meus joelhos e o meu espirito.

11º – A Graça me concedeu o gosto da Vida, a vida que nomeio

não é daqui.

As magicas que a Graça do Senhor faz são Poesia.

12º – Vi dos centauros cairem cascos, sairem azas.

13º – Das azas sairem vôos.

Os vôos eram fóra do mundo.

TEMPO E

ETERNIDADE

POEMAS DE

MURILO MENDES 1934

NOVISSIMO JOB – Eu fui creado á Tua imagem e semelhança.

Mas não me deixaste o poder de multiplicar o pão do pobre, Não me deixaste a neta de Madalena para me amar,

Não me deixaste a receita que faz andar o morto e faz o cégo vêr. Deixaste-me de Ti sómente o escarneo que Te deram, Deixaste-me o demonio que Te tentou no deserto, Deixaste-me a fraquesa que sentiste no horto,

Transmitiste até a mim o eco do Teu grito de abandono;

Por isto serei angustiado e só até á consumação dos meus dias! Porque não me fizeste morrer pelo gladio de Herodes? Eu hoje estaria na gloria dos altares

E muitos homens haveriam de me invocar.

Ou porque não me fizeste morrer no ventre de minha mãi? Não me liguei ao mundo, nem venci o mundo. Já me julguei antes do Teu julgamento.

E já estou salvo, porque me déste a poeira por herança. Minha familia não passou privações materiais. Até ha poucos anos atraz no meu paiz

Ninguem sabia que a vida é a luta entre classes E eu já era, desde cedo, inconformado e triste. Antes da separação entre os homens

Existe a separação do homem dentro de si mesmo

E a separação entre o homem e Deus. E’ doce Te encarar como Poeta e Amigo.

E’ pavoroso Te encarar como Creador e Juiz!

Tu me tens como instrumento de Teus designios. E’s o Grande Inquisidor perante mim.

Porque me queres vivo?! Toma-me morto! Crêa outras almas, outros universos,

Sonda-os, explora-os com Tua lente enorme, Mas faze cessar um instante o meu suplicio.

Prefiro o inferno definitivo á duvida provisoria.

Falaste-me pelos Teus profétas e pelo Espirito Santo, Mas a ultima e misteriosa palavra está conTigo. Tuas obras dão testemunho de Ti.

Mas ninguem sabe o que Tu queres de nós.

(O’ Virgem Maria, levanta-Te da estrela da manhã

E faze o sinal da cruz sobre minha alma despedaçada!) Tu tambem não terás Teus filhos renegados?

Aquêles que creaste e entregaste ao demonio Para satisfazer Tua colera tremenda?

O’ Deus, Tua justiça é maior que Tua misericordia! Porque me deixaste sem abrigo no mundo?!

Porque me déste passado, presente e futuro?

Manda a tempestade de fogo destruir minha existencia!

– Estou conTigo mesmo, e não me queres ter.

Sou tua herança desde toda a eternidade.

A GRAÇA Desaba uma chuva de pedras, uma enxurrada de estatuas de

idolos caindo, manequins descoloridos, figuras vermelhas se

desencarnando dos livros que encerram as acções dos humanos.

E o meu corpo espera sereno o fim deste acontecimento, mas a

minha alma se debate porque o tempo róla, róla.

Até que Tu, impaciente, rebentas as grades do sacrario; e me

estendes os braços; e posso atravessar conTigo o mundo em panico. E o arco-iris se levanta sobre mim, creação renovada.

NATAL Meu outro eu angustiado desloca o curso dos astros, atravessa

os espaços de fogo e beija a orla do manto divino.

E o Sêr dos sêres envia seu Filho para mim, para os outros que

O pedem e para os que O esquecem:

Uma criança dançando segura uma esfera azul com a cruz

equilibrada nela;

Vêm adorá-la brancos, pretos, mulatos, portugueses, turcos,

alemãis, russos, chins, polacos, banhistas, beatas, cachorros e gatos. A presença da criança transmite aos homens uma paz inefavel

que êles comunicam nos seus lares a todos os amigos e parentes.

Anjos serenos sobrevôam o mar, os morros e os arranha-céus,

desenrolando, de combinação com a rosa dos ventos, grandes letreiros onde se lê: GLORIA A DEUS NAS ALTURAS E PAZ NA TERRA AOS HOMENS DE BÔA VONTADE!

MEU NOVO OLHAR Meu novo olhar é o de quem já sabe

Que a alegria e a ventura não permanecem.

Meu novo olhar é o de quem desvendou os tempos futuros E viu nêles a separação entre os homens,

O filho contra o pai, a irmã contra o irmão, o amante contra a amante,

As igrejas dinamitadas, depois reconstruidas com maior fervor; Meu novo olhar é o de quem atravessa a massa

E sabe que, depois dela ter obtido pão e cinema, Guerreará outra vez para não se entediar.

Meu novo olhar é o de quem vê um casal belo e forte E sabe que, sósinhos, se olham os dois com nojo.

Meu novo olhar é o de quem vê com tristesa a bailarina Que, para conseguir um movimento gracioso da perna, Durante anos sacrificou o resto do seu sêr.

Meu novo olhar é o de quem vê a criança andando A futura doente, a orfã, a louca, a prostituta.

Meu novo olhar é o de quem transpõe as musas de passagem E não se detém mais nas ancas, nas nucas e nas côxas, Mas se dilata á vista da Musa bela e serena, A que me conduzirá ao amôr essencial.

Meu novo olhar é o de quem assistiu á paixão e morte do Amigo, Poeta para toda a eternidade segundo a ordem de Jesus Cristo, E aquêle que mudou a direção do meu olhar;

Meu novo olhar é o de quem já vê se desenrolar sua propria paixão e morte,

E que espera a integração do seu sêr definitivo, Sob o olhar fixo e incompreensivel de Deus.

MINHA MUSA Estás sósinha desde o principio.

Fôste imaginada na época da formação das pedras.

Um formidavel temporal lavou a terra antes que nascesses. E muitas estrelas de perfil se inclinaram sobre teu berço. Atravessas desertos de areia e mares vermelhos Sem que sujes teu corpo,

Sem que ninguem penetre tua essencia.

Os poetas te sacrificam suas amadas retrospectivas, atuais e futuras. Tua cabeça triste e serena recortada eternamente num céu de convulsões desencadeia os [mitos.

Distribues ao mesmo tempo o consolo e o desespero.

Aos olhos dos homens és acima do sexo como uma deusa. Aos olhos das mulheres és masculina como um guerreiro.

Anulas os movimentos de quem chega a adivinhar teus encantos. E não te perturbas nem ao menos diante de Deus.

EPIFANIA Eu Te procurei tal qual os tres reis magos

Que caminhavam através de mares e desertos,

Até que um dia uma estrela enviada por Ti mesmo Me trouxe até á Tua inefavel presença.

Não posso Te ofertar o ouro, o incenso e a myrrha. Ofereço-Te a minha alma que Tu mesmo creaste, Ofereço-Te a minha miséria e a minha poeira.

Suplico-Te que ilumines todos os que Te procuram E todos aquêles que acreditam que morreste. Ainda ha muita dôr, incompreensão e treva

Porque Tu ainda não déste a volta ao mundo.

VOCAÇÃO DO POETA Não nasci no começo deste seculo. Nasci no seio do Eterno.

Nasci de mil vidas superpostas.

Nasci de mil angustias desdobradas. Vim para conhecer o mal e o bem E para separar o mal do bem.

Vim para amar e ser desamado.

Vim para despresar os grandes e consolar os pequenos. Não vim para construir minha propria riquesa Nem para destruir a riquesa dos outros. Vim para reprimir o chôro formidavel

Que gerações anteriores transmitiram ao meu sêr. Vim para experimentar duvidas e contradições, Vim para sofrer as influencias do tempo

E para afirmar o principio eterno de onde vim. Vim para atirar uma pedra em Mammon. Vim para distribuir inspiração ás musas.

Vim para garantir que a voz dos homens Abafará a voz das sirenes das maquinas.

E que as palavras substanciais de Jesus Cristo

Dominarão as palavras do capitalista e do operario.

Vim para conhecer Deus meu Creador, pouco a pouco, Pois si O visse de repente, sem preparo, ficaria cégo!

O POETA E A MUSA Vens da eternidade e voltas para a eternidade. Não tens odio.

Não tens amor.

Não tens desejo. Não tens fome. Não tens sêde.

Tens o ar frio de quem ultrapassou o mundo sensivel e resolve

lhe dar um sinal da sua condescendência.

A linha das montanhas, a linha do horizonte e a linha da tua

alma se desdobram diante de ti como um ante-projeto da eternidade.

Estás desligada da geração que te trouxe ao mundo. Anulas meu interesse pelo espetaculo da existencia.

E não te perturbas nem um instante á vista da minha exaltação.

Olhas-me serenamente, passas a mão pelos meus cabelos e me

chamas de tua grande criança.

Esperas que eu diminúa minha humanidade para ficar junto de

ti, sem ação, sem impulsos, observando apenas o desenrolar do

tempo, o ciclo das estações, o curso dos astros, as cambiantes da côr do céu e do movimento do oceano.

Seremos duas estatuas confabulando.

Estão os acontecimentos não agirão mais sobre mim. E eu sobrevoarei a vida fisica. E tocarei o espirito da musa.

MAGNIFICAT Meu espirito anceia pela vinda da Esposa, Meu espirito anceia pela gloria da Igreja,

Meu espirito anceia pelas nupcias eternas

Com a musa preparada por mil gerações. Eu hei de me precipitar em Deus como um rio,

Porque não me contenho nos limites do mundo. Dai-me pão em excesso e eu ficarei triste, Dai-me luxo, palacios, ficarei mais triste.

Para que resolver o problema da maquina Si minha alma sobrevôa a propria poesia?

Só quero repousar na imensidade de Deus!

FILIAÇÃO Eu sou da raça do Eterno. Fui creado no principio

E desdobrado em muitas gerações Através do espaço e do tempo. Estou acima das bandeiras,

Tropéço nas cabeças dos chefes.

Caminho no mar, na terra e no ar. Eu sou da raça do Eterno,

Do Amor que une todos os homens. Vinde a mim, orfãos da poesia,

Choremos sobre o mundo mutilado.

O PROFETA

a Dante Milano A Virgem deverá gerar o Filho

Que é seu Pai desde toda a eternidade.

A sombra de Deus se alastrará pelas éras futuras.

Os homens caminharão guiados por uma estrela de fogo. Haverá musica para os pobres e açoite para os ricos. Os poetas celebrarão suas relações com o Eterno. Muitos mecanicos sentirão saudades do Egito. A serpente de azas será desterrada na lua. A ultima mulher será igual a Eva.

E o Julgador, arrastando na sua marcha as constelações, Reverterá todas as coisas ao seu principio.

ORAÇÃO Meu Deus,

Que tenho feito até hoje neste mundo, Sinão Te invocar para que apareças,

Sinão me desesperar porque sou pó? Meu Deus,

Quantas vezes estarás comigo e eu não Te vejo! Dilata minha visão,

Dilata poderosamente minha alma,

Faze-me ligar todas as coisas ao Teu centro, Faze-me amar o que não amo!... Tudo o que creaste

E’ a divisão de uma vasta unidade Em espaços e épocas diferentes. Une-me a todas as coisas em Ti

E ilumina-nos fóra do tempo, a todos nós,

Com Teu perpetuo resplendor, assim seja!

NOVISSIMO JACOB Antes de eu nascer Tu velavas sobre mim.

Mandaste Teu anjo substituir minha mãi morta. Ele me segurava quando eu corria á beira-mar Ou quando me debruçava sobre os abismos. Ele cantava serestas e valsas

Para suavisar minhas horas de pedra.

A’s vezes uma vasta sombra atravessava os dias;

E, de noite, eu ouvia claramente os passos do serafim Perderem-se nas estradas do céu.

Mais tarde uma mulher ao meu lado

Tinha um esboço de azas nos hombros.

E na minha alma diminuiam os cuidados do tempo. Manda-me de novo Teu anjo

Afim de lavar as minhas chagas, Afim de refrescar a minha boca.

Meu Deus, o mundo é um deserto interminavel.

Ha dias em que nem mesmo Tua palavra convence. Ha dias em que tudo me parece uma invenção.

E’ preciso que eu Te veja nos menores detalhes, E’ preciso que eu seja Tu, e não eu.

E que eu encare o sofrimento como um céu aberto E Teu anjo descendo e subindo sobre mim.

PSALMO Eu Te proclamo grande, admiravel,

Não porque fizeste o sol para presidir o dia E as estrelas para presidirem a noite;

Não porque fizeste a terra e tudo que se contém nela,

Os frutos do campo, as flôres, os cinemas, as locomotivas; Não porque fizeste o mar e tudo que se contém nêle,

Seus animais, suas plantas, seus submarinos, suas sereias; Eu Te proclamo grande e admiravel eternamente Porque Te fazes pequenino na Eucaristia,

Tanto assim que eu, fraco e miserando, posso Te comer!...

O JUSTIFICADOR Teu Espirito se dilata para abraçar a creação.

Chegam familias das piramides para Te vêrem, Outras chegam dos confins dos mares.

A noite Te anuncia pelos seus astronomos e suas estrelas, O dia Te proclama pelos seus sinos e pelos seus jornais.

As gerações inumeraveis crescem á sombra da Tua Igreja. Atravessas cidades, desertos, sobes em arranha-céus, Vôas nos zepelins, desces nos submarinos,

Abalas a alma do cégo, do condenado e da prostituta.

Presides aos casamentos, aos nascimentos, ás mortes e ás ressurreições.

Os máus homens Te dividem em mil imagens falsas: Mesmo assim, mutilado, esquartejado, sujo,

Dás a todos o unico, o insubstituivel consolo.

Tuas parábolas publicadas em edições de engraxate Comovem ao mesmo tempo o moleque e o poeta. Os máus sacerdotes em vão procuram Te ocultar:

Tu os convertes á ultima hora, como ao bom ladrão.

Espalhas pela terra Teu Corpo e Tua Alma em pedacinhos, E cada alma, mesmo ruim, é uma reliquia Tua.

Diariamente o mundo Te persegue e Te mata,

Diariamente ressuscitas a atraes o mundo a Ti.

ANGUSTIA E REAÇÃO Ha noites intransponiveis.

Ha dias em que pára nosso movimento em Deus. Ha tardes em que qualquer vagabunda Parece superior á propria musa. Ha instantes em que um avião

Nos parece mais belo que um misterio de fé, Em que um programa politico

Tem mais realidade que o Evangelho.

Em que Jesus foge de nós, foi para o Egito! O tempo vence a ideia do eterno.

E’ necessario morrer de tristesa e de nojo

Por viver num mundo aparentemente abandonado por Deus E ressuscitar pela força da oração, da poesia e do amor. E’ necessario multiplicar-se por dez, em cinco mil. E’ necessario dar um baile aos orfãos e aos sujos E negar cumprimento aos chefes e aos ricaços. E’ necessario chicotear os que sujam as igrejas. E’ necessario caminhar sobre as ondas!

A’ MUSA Tu és a relação entre o poeta e Deus. Tu prefiguras o Eterno

Porque a todo o instante retocas o mundo. Sem ti minha poesia se extinguirá,

Sem ti eu ficaria contemplando as construções do tempo. Tu assistes aos movimentos da minha alma, Tu aumentas minha sêde do ilimitado.

Um dia, quando o Eterno me der o grande poder, Prenderei tua cabeça entre as constelações Afim de iluminar os poetas futuros.

DIANTE DO EVANGELHO Estão encerradas neste livro

Todas as palavras que dissemos e que diremos. Aqui estão nossas ações bôas e más. Aqui está o germen da poesia,

Aqui estão todos os nossos poemas, até os futuros. Aqui está nossa condenação e nossa salvação.

Aqui está o que aconteceu e o que acontecerá. Aqui está contido o misterio de Deus Que se esclarecerá aos nossos olhos

Quando todas as combinações do universo se fizerem E o Anjo do Grande Conselho desvelar a eternidade. A Igreja foi feita para guardar este livro.

A rotativa foi feita para imprimir este livro.

O avião foi feito para transportar este livro. Musa, ajoelha-te.

Poetas, ajoelhai-vos.

Povos sem conta, ajoelhai-vos.

Ajoelhemo-nos todos, incensemos este livro.

ANTECIPAÇÃO Quem quizer que lute para possuir o mundo. Quem quizer que gema para ter automoveis. Eu Te quero, quero Te vêr face a face. Espero Tua ultima vinda, Minha fórma definitiva,

Minha justificação na Tua unidade. Estás em mim, mas não Te vejo. Vejo com os olhos do sangue.

Cai, mundo que herdei segundo a carne! No fim de tudo abraçarei o Verbo

Que contém minhas formosas ascendentes, Que me contém, contém a musa

E todas as gerações da musa, desde o principio.

COMMUNICANTES Eu amo minha familia sobrenatural, Aquela que não herdei,

Aquela que ama o Eterno.

São poetas, são musas, são aprendizes de santos Que vivem tratando de seus fins supremos.

O’ mundo, minha familia sobrenatural não te possuiu! Minha angustia vive nela e com ela. E eu formarei poetas no futuro A’ sua imagem e semelhança.

E todos ajuntarão novos membros ao corpo De que Jesus Cristo é a Cabeça.

E irradiarão as palavras do Eterno.

O MEDIADOR Eu dormia á sombra dos arranha-céus.

Tu me viste e me chamaste antes de eu Te vêr. E me disseste: “Acorda, vem comigo,

Eu sou a ressurreição e a vida eterna.

Eu te mostrarei o Deus Creador que procuras E farei o Espirito descer sobre tua cabeça”.

O’ revelação da Verdade, alimento essencial! O’ Sêr dos sêres, Pai do seculo futuro! Nunca mais poderei viver sem Ti.

Não precisas vir outra vez, já vieste!

ETERNIDADE DO HOMEM Abandonarei as fórmas de expressões finitas, Abandonarei a musica dos dias e das noites,

Abandonarei os amores improvisados e faceis, Abandonarei a procura da sciencia imediata

E ficarei vigiando e orando no mundo que caíu, Até que Te manifestes no Teu julgamento.

Revestir-me-ei da pobresa para que me dês a plenitude, Revestir-me-ei de simplicidade para que me dês a [multiplicidade,

Descerei até o fundo do inferno do sofrimento Para que um dia me dês o céu da paz.

Minha historia se espalhará em poemas

Para que outros homens compreendam

Que sou apenas um élo da universal corrente

Que começou em Adão e terminará no ultimo homem.

ELOAH O mar, as flôres, as estrelas, não me falam de ti. Nem as manhãs, nem as tardes, nem as noites.

Uma noite sem expressão, sem montanhas, sem estrelas, sem

luar, ainda é mais convulsiva do que tua configuração fisica. Nada que se refere á natureza me fala de ti.

Não sei mais da côr da tua pele, nem do ritmo do teu andar,

nem da linha do teu nariz, nem do tom da tua voz, nem do volume dos teus seios.

E’s uma creação que Deus continúa a todo o instante.

Pronuncias ás vezes meu nome ou me escreves uma carta como

si fôsses responder a um anuncio ou falar a um estrangeiro

enquanto pensas no capitulo primeiro do Genesis, no temporal que submergiu a raça dos gigantes, ou no fim do mundo pelo congelamento.

Tens a tristesa de uma sobrevivente que se expande dentro de

si mesma com a força que lhe sobrou das catastrofes de uma cidade em chammas.

E, extatica, esperas que o Eterno te arrebate. Minha essencia imortal refloresce á simples vista dos teus olhos,

animada pelo sopro que lhe advem de um principio divino. E possue, pelo amor, a omnivisão.

A CEIA DO POETA Diante do prato em que apenas toquei

Medito no dia em que multiplicaste pães e peixes, Tu que sacias a fome e a sêde do universo.

Aquêle milagre anunciava outro muito maior: Tu Te repartiste em milhões de homens

Que se consolaram e se consolarão em Ti eternamente. Continúas a nascer todo o dia entre os homens,

Em todas as partes do mundo, mal se ergue o sol. E estou unido a Ti pela oração e pelo amor,

Como si tivesse Te visto em Tua vida terrena!

SPERO IN TE Nem no mundo capitalista Nem no mundo socialista

Jamais conseguirei repousar

Porque minha alma é feita para transpôr as éras. Não é de vós que virá minha salvação,

Homens, chefes da maquina, profetas politicos. Minha salvação vem de Ti, grande Deus. Só me falta aceitá-la totalmente.

Talvez eu me danasse – por preguiça!

Dá-me o fogo, meu Deus, para me abrasar. Torna esta alma um globo de fogo

E eu me consumirei e morrerei e me ressuscitarás Para a vida esperada e definitiva

Que não conhece a dôr nem o arrependimento.

PASCOA Ressuscitas em todas as partes do mundo,

Para os que Te amam e os que Te renegam, Para o branco e o preto, o pobre e o rico. Venceste o tempo, aleluia! Venceste a morte, aleluia!

Para o orfão ressuscitas pai,

Para a viuva ressuscitas esposo,

Para o poeta ressuscitas creador da musa, Para o bom ressuscitas Amigo, Para o máu ressuscitas Juiz,

Para a Igreja ressuscitas Chefe,

Para o mundo inteiro ressuscitas Deus. Aleluia! Aleluia!

Já que Tu nos dás a graça, Ressuscita-nos conTigo

Para a gloria eterna. Aleluia!

O PAVOR ANTE O ETERNO Meu Deus

Afasta de mim Tua face;

Cobre-Te com as nuvens e o arco-iris,

Porque não suporto tão grande esplendor. Não precisas de fazer maiores milagres

Do que os desdobramentos da alma imortal E a conservação da nossa vida Apesar das catastrofes diarias.

Para que duvidar de Ti, si Te vejo?

Afasta de mim Tua face transluminosa:

Meu sêr temporal só tem coragem de vê-la,

Diminuida, nos meus irmãos corruptiveis, como eu.

A IRMÃ SOBRENATURAL Esperei-te desde o principio,

Desde antes da vinda do diluvio,

Desde o mundo dos manequins e das petecas. Uma noite o cometa Halley apareceu E eu pensei que ti viesses nêle.

Os desertos se desdobravam ante meus olhos Até que um Enviado te trouxe a mim. E eu dou testemunho de ti: E’s bela, sabia e casta.

E’s um mixto de colegial, de madona e de sibila. E’s minha irmã escolhida

Não pela herança do sangue.

E nossas almas se abraçam harmonicamente Sem a sucessão dos tempos.

ORAÇÃO Meu Deus, torna-me insaciavel de Ti. Faze da minha fraquesa, força. Faze do meu nada, tudo.

Perdôa-me pelos erros de meus ascendentes,

Pelos meus erros passados, presentes e futuros, Pelos meus erros que conheço, Pelos meus erros que ignoro

E pelos erros que fiz os outros cometerem!

FIM E PRINCIPIO Cairá a grande Babilonia, meu corpo. Cairá ao peso de suas taras,

Cairá ao peso de seus erros e suas visões no tempo. Cairá porque Satan soprou sobre êle.

Cairá porque sustentou a esfera sobre si.

Contemplarei ainda um pouco o mundo efemero Até que Deus faça volver tudo á poeira primitiva. E seja renovada a face da creação.

Ouçamos os clarins e os pianos da eterna musica. Entremos na cidade do Amor

Que para nos receber se preparou como uma noiva,

Sem a herança das ascendencias carnais e do tempo. Não ha mais lua nem sol.

Vem, Cristo Jesus, todos Te esperam. Amen!

PENTECOSTES Um vento impetuoso que ninguem sabe de onde vem Penetra na sala rustica onde estão os apostolos; Sopra sobre todos, entra nêles de alto a baixo;

Imediatamente todos se comunicam e se entendem, Ha uma transfusão de almas inesperada.

O vento sopra mais, divide-se em linguas de fogo,

O espirito dos homens se abre e a terra se renova. O vento continuará, formidavel, a soprar,

Sai da sala, percorre os montes, as planicies, as cidades, Derruba os idolos, despedaça o Imperio Romano,

Levanta igrejas, conventos, laboratorios, livrarias, hospitais, Cura leprosos, ressuscita agonisantes e mortos,

Inspira aos homens um desejo universal de amor,

Atravessa os tempos, continúa, circular, soprando,

Move minha alma que move meu corpo que move minha

[penna,

Desnorteia os construtores do mundo material,

Impele de novo os homens ao seu Fim supremo

E continuará amanhã e até á consumação das épocas Levando a todos o Espirito consolador e verdadeiro.

O POETA ETERNO Meu Deus, Tu és o unico poeta que dura e durará eternamente. Só Tu és o dono da poesia absoluta e total, Tu que restauras

nos poetas o que se destruiu nêles por uma questão de naturesa, ou de repouso no tempo.

Tu, a quem se oferecem os homens que estão para nascer, os

recem-nascidos, as crianças, os adolescentes, os moços, os velhos, os agonisantes, os mortos e as almas dos mortos.

Tu, a quem se consagram noivas, esposas, mais, santas e

pecadoras.

Tu, a quem as mulheres mais belas de Jerusalem dedicaram

seus filhos para que Te vissem e contassem essa visão a todos os seus descendentes, até ás mais longinquas éras.

Tu, que instituiste o sacramental da poesia, assegurando a

Maria Madalena a eternidade dos seu gesto amoroso e romantico. Tu, que moves o coração das musas e o amor dos amantes e

dos esposos.

Tu, que em Ti mesmo e por Ti mesmo só tens relação com o

Pai e com o Espirito Santo, Te constitues a relação entre todas as fórmas e manifestações inumeraveis da vida.

Tu, que sempre exististe e que antes da creação do mundo já

tinhas determinado Tua projeção no tempo e Tua morte da qual

brotou, por Tua vontade, uma descendencia infindavel de poetas.

Tu, que pela Eucaristia, testamento de poesia, de misterio e de

amor, distribuiste exemplares de Ti mesmo entre todos os homens até á consumação dos seculos.

Ninguem pode ser indiferente a Ti.

Todos Te são tangentes pelo amor, pelo presentimento, pela

superstição ou pelo odio.

Só Tua imagem resiste e resistirá ao ridiculo, ela que se

desdobra e se multiplica nas igrejas, nos lares, nas fabricas, nos

armazens, nos prostibulos, nos tribunais, nos peitos dos fieis, nos livros, nas medalhas, nos jornais, nos teatros, nos quadros, nas esculturas e nos films.

Assim como Tua imagem esteve escondida tres seculos debaixo

da terra, ela está hoje patente no alto dos morros e nas azas dos aviões, e sempre o estará nas futuras invenções humanas.

Assim como estiveste presente na sociedade primitiva, pois que

Adão, os patriarcas e os grandes sacerdotes são prefigurações de Ti em Tua existencia terrena, assim tambem estiveste presente na

sociedade romana, na sociedade barbara, na sociedade feudal, na

sociedade burguesa e estarás presente na sociedade operaria e na que lhe suceder.

Meu Deus, eu Te peço que tenhas pena dos homens que na

proxima grande revolução irão tentar outra vez destruir Tua

imagem; lembra-Te que os filhos dêles hão de restaurá-la com maior fervor.

Peço-te que sacies a fome do pobre, que anules o tedio do rico

e que faças o homem voltar á sua vocação inicial.

E Te peço que consumas o mais breve possivel o miseravel

poeta que tenho sido, para que não fique poema sobre poema, pois estou ancioso para me abrigar á luz eterna da Tua imutavel, da Tua definitiva Poesia!...

DUPLA LOUVAÇÃO Santo, santo, santo é Tu

Que me fizeste para Te conhecer;

Que fizeste minha musa para Te conhecer E para que eu a conhecesse.

As Suas perfeições provam Tua grandesa.

Transmites-me a poesia por Seu intermedio. E, louvando minha musa

Que foi creada á Tua imagem, eu Te louvo. Poetas, louvai minha musa.

Descendentes dos poetas, crescei para louvá-la. E, acima de tudo, louvai Seu creador,

Pai de todas as musas que existem e existirão. Aleluia!

I. N. Não é dos homens que recebes a gloria. O Verbo te creou desde o principio Para transmitires palavras de vida

E para que O mostrasses a outros homens. Em poucos anos percorreste os seculos

Que medeiam entre o Genesis e o Apocalipse.

O germen da poesia consubstancial ao teu sêr Se prolongará através das gerações.

Eras sabio, justo, forte e harmonioso.

Mas atraz de ti, que visavas o eterno,

Estavam o tempo e as muralhas da China. Morres sereno aos trinta e tres anos,

Ao se fechar uma idade e ao se abrir outra.

Morres porque nada mais tens que aprender. E’ a manhã! Teu corpo está na urna.

Mas ergo os olhos para o céu e vejo

Um poderoso Anjo envolto numa nuvem

Se levantar pouco a pouco do lado do nascimento do sol.

MARTA MARIA Tu és a que trabalha e contempla ao mesmo tempo. Ainda bem não acabas de arrumar a casa Já voaste para a leitura do Evangelho.

Ha ocasiões em que te separam da terra. E teu olhar obscuramente luminoso,

O’ minha casta amiga, já aprece eterno.

Preparas tua alma para a vinda do Esposo.

E’s insatisfeita e triste, não te equilibras no mundo, Mas disfarças tua vocação sublime

Cuidando com paciencia dos arranjos temporais.

A PREDESTINAÇÃO Meu Deus, porque me creaste

Si sabias desde antes que eu iria ser máu, impuro, e me perder?... Creaste-me para eu ser máu, impuro, e Te negar

E para Te procurar e Te afirmar desesperadamente Através de todas as minhas angustias e negações.

Vieste ao mundo não para me perder, mas para me salvar. Estou salvo desde antes do meu nascimento

Porque me resgataste desde antes do meu nascimento. Creio em Ti, espero em Ti, me salvarás

Apesar da minha miseria e dos meus erros

– Devido á minha miseria e aos meus erros –

Pois si eu fôsse puro não precisarias me redimir. E Teu sangue derramado basta para lavar

A culpa deste mundo e de todo o universo.

OFERTA Meu Deus

Sou uma creatura infame e miseravel

Que com Teu halito forte levantaste do pó Afim de Te conhecer, Te amar e Te servir. Só valho alguma coisa porque me olhas. Nada tenho de meu para Te oferecer, Salvo a penna com que escrevo

A poesia que me inspiras para eu Te louvar. Os martires Te oferecem suas chagas Ou então o gladio do suplicio.

Eu, pobre poeta, Te ofereço minha penna. Toma-a e faze dela a aza do anjo

Que um dia me receberá na eterna gloria!

ABSTRAÇÃO DA PERSPECTIVA Já estou sentindo meu fim se aproximar.

Adivinho os passos da musa, do medico e do frade.

Ouço os sinos dobrarem sobre meu corpo decomposto.

Vejo uma arvore estender uma sombra monumental sobre [minha sepultura.

Divido ao longe um anjo carregando minha alma para o [purgatorio.

Desde já o terribilissimo clarim do ultimo tempo sôa E meu corpo ressuscita glorioso e incorruptivel.

CALENDARIO DO POETA O Amigo e a Musa

Sucedem-se alternativamente no meu espirito Assim como o dia e a noite para outros. E, sobre os tres, o sol que não se deita,

O sol de Jesus Cristo, meu Poeta e meu Deus, Ilumina sem perspectiva

Nossas almas creadas para a eternidade.

MUNDA COR MEUM O’ Tu que mandaste um serafim

Purificar os labios de Isaías com um carvão ardente, Limpa meu coração de todo o máu desejo. Que eu prefira morrer, a despresar Tua lei.

Imprime em mim Tua cruz que desconhece limites. Faze com que eu negue a sciencia do mundo.

Tira de mim o deslumbramento pelas conquistas do tempo. Inspira-me para que eu possa inspirar os outros.

Digna-Te nascer a todo o instante na minha alma! Cairão as fabricas, as usinas, os palacios, as choupanas, Cairão os museus, as bibliotecas, os teatros, as igrejas,

Cairão os poetas, os falsos salvadores do mundo, os chefes e

[empregados;

Mas um anjo cujas azas une o universo de ponta a ponta Levará Tuas palavras até o fim do tempo e por toda

[eternidade.

POEMA ESSENCIALISTA

a Anibal Machado A madrugada de amor do primeiro homem

O retrato de minha mãi com um ano de idade O film descritivo do meu nascimento A tarde da morte da ultima mulher

O desabamento das montanhas, o estancar dos rios O descerrar das cortinas da eternidade

O encontro com Eva penteando os cabelos O aperto de mão aos meus ascendentes

O fim da ideia de propriedade, carne e tempo E a permanencia no absoluto e no imutavel.

O PRECURSOR Tambem eu vi aquêle

Que vem precedendo a nova éra. Tambem eu vi aquêle

Que foi creado para maior gloria de Deus. Tambem eu vi aquêle

De quem os homens não dão testemunho. Tambem eu passeei com êle

Sob as arcadas dos templos e á beira do mar. A sabedoria se manifestava pelos seus labios E a plenitude da arte pelas suas mãos.

Os homens não acreditaram nas suas obras. A eternidade impaciente o chamava. Tambem eu vi os céus se abrirem

– Os anjos choravam com saudade dêle –

E o Julgador o receber com uma corôa de astros.

PSALMO Desde o principio nunca me espantei Diante da grandesa da massa.

Um arranha-céu é igual a um tijolo.

Todas as maquinas acabam enferrujadas.

As invenções do homem se transformam e se perdem. Só me extasio diante das creações divinas,

Diante de Seus misterios, Seus dogmas, Seus poemas O’ alma imortal, séde e essencia do amor! O’ Eucaristia, multiplicação de um Deus!

O’ carne ressuscitada para a vida eterna! O’ comunicação sobrenatural dos fieis! O’ tangencia do invisivel pelo visivel Que a Igreja celebra todos os dias!

O’ obscuridade transluminosa das Pessoas divinas! Poetas, assimilai a substancia que preside as éras.

TESTAMENTO DO POETA Não lego apolices, nem casas e terrenos.

Não lego bôas ações, nem palavras simples.

Não lego o exemplo essencial da humildade.

não lego a unica sciencia, o equilibrio em Deus. Lego ao esquecimento os poemas que escrevi; E aos poetas que virão, o Novo Testamento

De N. S. Jesus Cristo, em cuja paz quero morrer, amen!

POEMA PONTIFICIAL Eu me aproximo do Teu altar branco e puro, Não com o sêr que herdei segundo a carne,

Não com o sêr que minha mãi trouxe nas visceras, Mas com o sêr que nasceu do Espirito,

Ao qual comunicaste uma vida sem tempo. Eu me consagro a Ti, Pontifice supremo,

Tu, que és o proprio sacerdote do Teu proprio culto, Tu, que Te ofereceste a Ti mesmo em sacrificio,

Enquanto os outros sacerdotes sacrificavam novilhos. Tu, que és o Teu proprio Santo dos Santos;

Que não entraste no tabernaculo feito pela mão humana, Mas que entraste nos céus creados por Ti mesmo, Obtendo de uma só vez a nossa redenção eterna. Tu, que estendes as mãos aos vivos e aos mortos E fazes circular a luz pelo universo inteiro.

Tu, que apagaste tudo que existiu antes de Tua vinda E estabeleceste Tua lei até á consumação das éras. Meu Deus, eu Te agradeço e Te louvo

Porque por intermedio de Tua Igreja Catolica

Enxertaste a vida sobrenatural na minha vida natural. Eu me glorío de pertencer, eu, filho da iniquidade, A’ familia dos santos, dos martires e dos poetas. Tu me imaginaste, me amaste e me resgataste

Antes da formação das aguas, dos montes e das estrelas,

Porque Teu verbo contém desde toda a eternidade Os tipos de todos os sêres que existem e existirão. Só Tu, Altissimo, só Tu fôste, és e serás,

Agora como antes do principio e em todos os seculos.

Acende em mim o fogo do Teu amor e da Tua caridade. Não permitas que jamais eu me separe de Ti.

Concede aos meus mortos amados a Tua vida perpetua!

Pelos meritos de Teus santos dá-me Teu continuo auxilio. Sustenta a esperança que tenho no Teu julgamento. Não deixes mais este mundo entregue a si mesmo.

Converte os herejes, os materialistas, os pagãos e os judeus, Afim de que os homens de todas as raças, crenças e

[negações

Sejam como um monumental candelabro aceso em Tua

[honra.

Deponho nos degraus do Teu altar esta humilde oração Que subirá a Teus pés como a nuvem do incenso,

Suplicando-Te que a conduzas até o Sêr dos sêres, Aquêle que repousa sobre si mesmo e se basta, O Principio sem principio, o Fim sem fim,

Que, em unidade conTigo e o Espirito Santo consubstancial, Vive e reina por todos os seculos dos seculos, amen.

APÊNDICES

A JORGE DE LIMA Murilo Mendes Inventor, teu próprio mito, Jorge, ordenas, e êste reino de fera e sombra,

Herdeiro de Orfeu, acrescentas a lira. À mesa te sentaste com os cimeiros Dante, Luís de Góngora, o Lusíada, e Lautréamont, jovem sol negro que inaugura nosso tempo.

O roteiro traçando, usaste os mares. A ilha tocas, e breve a configuras: ilha da realidade subjetiva

onde a infância e o universo do mal abraçam-se, perdoados.

Tudo o que é do homem e terra te confina. Inventor de novo corte e ritmo, sopras o poema de mil braços fundas a realidade. Fundas a energia.

Com a palavra gustativa. A carga espiritual

e o signo plástico

nomeias todo ente. Oh frêmito e movimento do teu verso

mantido pela forte e larga envergadura. Fôrça da imagem que provoca a vida e, respirando, manifesta

o mal do nosso tempo, em sangue exposto. Aboliste as fronteiras da aparência:

no teu livro de espanto se conjugam sono e vigília, vida e morte,

sonho e ação. Nutres a natureza que te nutre,

mesmo as bacantes que te exaurem o peito. Aplaca tua lira a pedra, a angústia: cantando clarificas

a substância de argila e estilhaços divinos que mal somos.

(In Letras e Artes. Sup. de A Manhã, Rio de Janeiro, 24 agôsto 1952.)

CONHECIMENTO DE JORGE DE LIMA Carlos Drummond de Andrade Era A Negra Fulô que nos chamava

de seu negro vergel. E eram trombetas,

salmos, carros de fogo, êsses murmúrios de Deus a seus eleitos, eram puras

canções de lavadeiras ao pé da fonte,

era a fonte em si mesma, eram nostálgicas emanações de infância e de futuro,

era um ai português desfeito em cama. Era um fluir de essências e eram formas

além da côr terrestre e em volta ao homem. era a invenção do amor no tempo atômico, o consultório mítico e lunar

(poesia antes da luz e depois dela).

era Jorge de Lima e eram seus anjos. (In Letras e Artes, Sup. de A Manhã, Rio de Janeiro, 10 outubro 1953.)

RECITATIVO PRÓXIMO A UM POETA MORTO Cecília Meireles

(A Jorge de Lima) Jaz um poeta,

– essa criatura sem equivalência,

a transbordar de seus limites humanos, em vício ou virtude,

a exceder a multidão comedida

que o contempla ou não contempla, entende ou não entende, combate ou glorifica,

mas não pode deixar de saber que está presente. Jaz um poeta,

– displicente descobridor de rotas que não ficarão sendo suas,

minucioso artífice de pequenos jogos

que entre os seus dedos lhe quebrarão. (O pensamento a transportá-lo por florestas confusas, brumas oceânicas,

labirintos de cidades, firmamentos,

subterrâneos,

a arrastá-lo como palpitante cometa, a submetê-lo à experiência cósmica,

a fazê-lo participante de cada grau do Zodíaco...) O Poeta,

– êsse acontecimento inefável.

(A alma a inclinar-se por cima de sucessivos muros... até onde? até onde?

Até onde é possível sofrer.) Jaz um poeta:

abandona a excursão mortal,

de onde se desprendia a cada instante,

numa aprendizagem contínua de evasão. Que é o Poeta

senão o burlador das fronteiras da vida,

o constante fugitivo das dimensões do mundo,

o prodigioso funâmbulo, a dançar em cascatas e labaredas? Quem lhe segredou que era Poeta?

Quando o soube? Que Sibila remota lho anunciou? Não pode explicar, não pode explicar.

É uma espécie de dor, em luz e sombra,

porque já não é humano, e ainda é humano; negam-lhe e exigem-lhe tudo,

e todos lhe apresentam tributos terrenos, e está cheio de dívidas anônimas,

é o estranho residente numa colônia rebelde, o execrado amante,

que coroam e apedrejam.

Por isso, o que, entre as coisas solenes, da invisível pátria, familiar e natural vagueia;

segue cabisbaixo, entre coisas concretas, e como culpado. Jaz um Poeta:

– o ouvido que melhor ouve o apagado e esquecido,

e recolhe sua informulada queixa e seu cântico longínquo; – o ôlho que mais longe avista,

até onde as formas ainda são simples esquemas, onde tudo que parece o mais simples

se desdobra e entrelaça em trama profunda. Sem ser Deus, nem profeta, nem sábio,

mas tudo isso, imperfeitamente e amargamente, porque é apenas um Poeta.

Tudo tão claro, para êle, nos reinos do impossível, e, fora dele, só obstáculos.

No entanto, bem sabe dos seus corredores de razão e de lógica,

e das varandas de seus arbítrios,

e dos tanques onde choram seus reflexos.

Sabe por que o amam e odeiam, acusam e exaltam,

– e que tudo merece,

porque êle, o Poeta, é mesmo assim, múltiplo, complexo, contraditório,

solitário e plural, humilde megalômano, desgraçado feliz, audaz e tímido, antinômico,

poliedro de cristal

com uma luz diferente em cada aresta, glorioso, cínico, histriônico, a embalar em silêncio,

no coração de sombra absoluta, hermético e inviolável,

a face da Deusa em repouso, de olhos e lábios cerrados, a face da Deusa em delírio, com as tranças sôltas e a garganta resplandecente. Cintila e escurece,

conforme a Deusa dorme ou acorda, e vive deslumbrado em seu destino,

embora, às vezes, também equivocado.

Porque suas veias são de esperança e paixão.

Como se considera a flor desmanchada, o aerólito caído,

um sismo, o relato de um milagre,

assim diante de um Poeta morto se pára, – não como diante de outros mortos

de quem se aprecia, embora, às vêzes com maiores lágrimas, o êxito, a aptidão, o desígnio, a derrota,

de quem se ponderam virtudes e defeitos,

com êstes instrumentos da terra, primitivos. Aqui, tudo foge ao sistema normal: Que tentou dizer a voz que usava?

Essa voz que era sua e não era sua... Correspondência de mil vozes, trecho de uma voz única, uma só linguagem,

traduzida em mil idiomas, em mil imagens,

toda fragmentada, nessa queda violenta do mistério, e, no entanto, dúctil,

com uma unidade antiga e mágica,

acima, além de seu poder e conhecimento: sua voz – esforçado eco. Jaz um Poeta.

Nesse vexame opaco dos mortos,

que não podem mais estender a mão ao amigo,

nem completar a extensão de um verso. Jaz um Poeta.

Nesse vexame opaco dos mortos,

que não podem mais estender a mão ao amigo, nem completar a extensão de um verso. Jaz um Poeta.

E há um evidente espanto, e o dia combalido sente

que uma fôrça atravessou suas horas, vertiginosa e lúcida, deixou para trás suas portas,

saltou pelos horizontes do cenário. O dia volta a cabeça e reflete.

Personagem de enigmas alheios e próprios, fazendo em si o mundo, em si e de si,

fazendo-se no mundo, gastando-se, perdendo-se, recuperando-se,

personagem absurdo e excêntrico, entre personagens classificados, ao mesmo tempo, ato e fábula, descoberto e reinventado, aprendiz de Criador,

a exercitar-se no maravilhoso e duro ofício,

descontente de seus triunfos, satisfeito em seus erros,

sùbitamente coberto de Graça

e logo hipnotizado de inverossímil. Jaz um Poeta.

O que girava no palco vertiginoso,

ora de frente, ora de costas para os aplausos.

O que se balançava em aéreos fios de Efêmero e Eterno. O que recebia sem gritos punhais no coração.

O que brandia címbalos de espelhos côncavos e convexos. O que às vezes se evaporava numa espiral de assombros, outras, passeava no cotidiano, muito naturalmente, como a água pela terra sem nenhum ruído. Jaz um Poeta morto.

E ficam todos comovidos.

Porque, afinal, em cada obscuro espectador,

Um Poeta é, na verdade, o amável ou odioso demiurgo, na íntima confissão do sonho,

onde os homens esperam uma silenciosa lição de sobrevivência. Jaz um Poeta livre da rêde poligonal que lhe atiram, fora dos grandes bosques sigilosos,

longe deste bramir das praias do mundo, das guerras e caçadas,

desta cinza do corpo, que abafa a música e tolda as flores. Apenas o céu fica sobre um Poeta morto. Coluna muito alta,

– com que emblema, no capitel definitivo? (In Diário de Notícias, Rio de Janeiro, 22 novembro 1953.)

CANÇÃO PARA JORGE DE LIMA Tasso da Silveira Jorge de Lima, acompanhei a tua caminhada, (longa ou breve? [Só Deus o sabe).

Segui contigo no mesmo rumo,

companheiros que, no entanto, não se falavam quase, mas sabiam que eram irmãos e caminhavam juntos.

Ambos procurávamos para além do mistério da beleza o mistério essencial

nesta hora o que mais me comove é pensar que enfim o [descobriste

enquanto eu continuo pelo caminho entre as sombras.

Nesta hora o que mais me comove é saber que venceste a total [tristeza,

de que arrancaste, como de rochas de Horeb, tanta pura poesia.

Agora aprendeste de maneira definitiva que a vida é a grande [graça,

porque é marcha indescontínua para Deus.

Agora aprendeste o que é ter sido criado à imagem e [semelhança do Criador,

e o sentido final de tua sêde de beleza e de tua vontade de ser bom.

Agora percebes por que tôdas as criaturas te enchiam de [ternura infinita,

os homens, as mulheres, as crianças, as árvores, os bichos, e por que tanto meditaste o eterno e o efêmero, e por que andaste à caça de símbolos,

e por que: do fundo do sofrimento sempre cantaste... (In Revista Branca, nº 29, Rio de Janeiro 1953.)

MURILO MENDES HOJE/AMANHÃ Carlos Drummond de Andrade O poeta elabora sua personagem,

nela passa a viver como em casa natal. E não é a casa natal?

Faz a caiação da personagem,

cobre-a de azul celeste e púrpura de escândalo, adorna-a de talha de ouro e asas barrocas, burila-a, murila-a

(alfaiate de Deus talhando para si mesmo), viaja com ela pelo universo.

O poeta cavalga o mito em pelo - é o verso dele que informa.

Dirige-se com rédeas cristalinas de razão mineira - incendiada? mas sempre vigente.

O caos toma sentido

visto da janela cosmorâmica onde ele se debruça

para dentro para fora para o alto para o fundo

para a organização do delírio

em código de poesia. Criador manipulador participante do espetáculo

ele próprio é o espetáculo em seus belos dias de confidente de Mozart

ouvindo de olhos fechados, e impondo silêncio, o que só em silêncio desabrocha,

para sair depois, com o guarda-chuva do Quixote, em guerra contra a burguesia e seus moinhos literoprovinciais.

Peregrino europeu de Juiz de Fora,

telemissor de murilogramas e grafitos, instaura na palavra o seu império. (A palavra nasce-me fere-me

mata-me coisa-me

ressuscita-me) Torre corcunda de Pisa ou de Babel

de gritos, de visões, de enigmas rutilantes afinal subjugados à sentença de um mural espanhol: Deus trágico;

de uma fonte romana: Deus pagão;

do sentimento plástico de Deus

refratado na invenção de seus secretários-artistas. O ponto de vista anedótico,

a história sarcástica do Brasil, Jandiras e Clotildes cariocas,

tudo desaparece em névoa de terceiro plano para revelar o poeta

e sua depurada personagem em completa realidade.

Ei-lo declarando, pelo verbo de Ungaretti: Non sarai un antenato

per non avare avuto figli.

Sarai sempre futuro per inclusive poeti.

Não só por isso. Por ter sido futuro, entre passados e estagnados:

futuro intensamente, poeta

a nascer amanhã, sempre amanhã. (In Discurso de Primavera, 1977.)

A CONVERSÃO DE MURILO MENDES POR

PEDRO NAVA EM “O CÍRIO PERFEITO”

O terceiro fato ocorrido no velório de Ismael Nery e que ficou

para sempre gravado na memória do Egon foi a conversão instantânea de Murilo Mendes. (…) Todos como que cochichavam, abafados pela solenidade do momento. De

repente, uma fala começou a ser percebida. Parecia no princípio

uma lamentação, depois um encadeado de frases tumultuando na excitação de uma palestra, que depois se elevou como uma

discussão, subiu, cresceu, tomou conta do pátio feito um atroado de altercação e disputa, clamores como num discurso e

gritos. Era o Murilo bradando no escuro. Era uma espécie de

arenga, com fluxos de onda – ora recuando e baixando, ora

avançando, subindo e enchendo a noite com seus rebôos graves e seus ecos mais pontudos. Os do portão foram se aproximando numa curiosidade de roda estupefata e calada em

cujo centro um Murilo, pálido de espanto ou como de um alumbramento, gesticulava e se debatia como se estivesse atracado por sombras invisíveis. Só ele as via e aos anjos e

arcanjos que anunciava pelos nomes indesvendáveis que têm no Peito do Eterno ocultos para todos os mais. E soltava um encadeado de frases que no princípio fora só um cicio, que

tomara corpo e dera naquela berro alucinado. O José Martinho logo segredou ao Egon: – Isto é uma crise nervosa do Murilo.

Vamos dar a ele um Gardenal e obrigá-lo a encostar-se um

pouco. Onde é que você deixou o vidrinho? – Está aqui comigo,

no bolso… Deixa eu ir buscar um pouco de água. O médico correu, mas quando voltou com o copo e o comprimido já na mão, ficou tão bestificado com a expressão do Murilo que

recuou, colocou num peitoril a vasilha e o remédio e voltou para acompanhar o drama que se desenrolava dentro do amigo e

tomava sua alma que nem avalanche. Seus olhos agora

cintilavam e dele todo desprendia-se a luminosidade do raio que o tocara. E não parava a catadupa de suas palavras todas

altas e augustas como se ele estivesse envultado pelos profetas

e pelas sibilas que estão misturados nos firmamentos da capela Sistina. Ele disse primeiro, longamente, de como sentia- se penetrado pela essência do Ismael Nery e seu espírito religioso.

Falava dos anjos que estavam ali com ele – já não mais como as imagens poéticas que habitavam seus versos, mas dos que se

incorporavam nele, que recebia também a alma do amigo morto. Finalmente, Murilo clamou mais alto – DEUS! – e com a

mão direita castigou o próprio peito e mais duramente o coração. Não, pensava o Egon, não é caso para Gardenal. O

José Martinho está errado. O Murilo não está nervoso. O negócio é mais complexo… O que ele está é sendo arrebatado num êxtase e o que eu estou vendo é o que viram os acompanhantes na estrada de Damasco quando Saulo rolou do

cavalo e foi fulminado pela luz suprema. É isto. Exista ou não essa luz e esse fogo – neles ou na sua impressão o Murilo acaba de encadear-se. Está se queimando todo nas chamas que

descem como lavas do Coração paramonte de Jesus Cristo

Nosso Senhor. Quando subitamente calou-se, o poeta retomou o velório do amigo – sério como Moisés descendo do Sinai, e

foi assim e sem dizer palavra mais que ele acompanhou o corpo ao cemitério. Deste saiu sozinho e foi direto procurar os monges nas catacumbas do Mosteiro São Bento. Quando, três dias depois, ressurgiu para os homens, tinha deixado de ser o antigo

iconoclasta, o homem desvairado, o poeta do poema piada e o sectário de Marx e Lênin. Estava transformado no ser

ponderoso, cheio de uma seriedade de pedra e no católico apostólico romano que seria até o fim de sua vida. Descrevera volta de cento e oitenta graus. Sua poesia tornara-se mais pura e trazia a mensagem secreta da face invisível dos satélites. *

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