JORNADA DA ALMA: NAS TRILHAS DA DANÇA RUMO À INDIVIDUAÇÃO

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JORNADA DA ALMA: NAS TRILHAS DA DANÇA RUMO À INDIVIDUAÇÃO

Graziela Susin

Caxias do Sul, 2011.

UNIVERSIDADE DE CAXIAS DO SUL CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS CURSO DE PSICOLOGIA

JORNADA DA ALMA: NAS TRILHAS DA DANÇA RUMO À INDIVIDUAÇÃO

Trabalho apresentado como requisito parcial para a Conclusão do curso de Graduação em Psicologia sob a orientação do Prof. º Dr. Fábio Sager.

Graziela Susin Caxias do Sul, junho de 2011.

AGRADECIMENTOS

Aos meus ancestrais pela sua força, coragem e bagagem deixada que me auxiliou a estar concluindo esta formação acadêmica; Ao meu pai por me permitir sonhar alto e pensar que a vida é um mar de rosas; À minha mãe, minha companheira, geradora e amiga, pelo amor, pelo apoio, pela força, pela compreensão e também pelas orações que fazes por mim; Ao meu noivo, meu companheiro e amigo, pelo amor, pelo apoio incondicional, pelas horas ao telefone, por enxugar as minhas lágrimas, por me escutar sempre que preciso, e por me auxiliar sempre e por me fazer sentir bem; À minha irmã querida, pelo exemplo, pelo auxílio, pelo amor e pelo apoio em mais esta etapa da minha vida; Às minhas queridas amigas e futuras colegas de profissão, pelo afeto, amizade e compreensão, pelo suporte e incentivo, e por exercerem a escuta quando eu mais precisei; Ao meu orientador Fábio Sager pela autonomia e liberdade na realização do trabalho, além da paciência e tolerância nos momentos em que queria modificar tudo; À Michele Trentin, minha mestre na dança do ventre que me iluminou com sua dança e inspirou com ensinamentos para ser uma pessoa melhor; À Carla Barcellos, pela oportunidade e incentivo na dança; Às minhas queridas alunas que a cada aula me ensinam coisas sobre lecionar, sobre a vida, a dança e sobre o afeto e sobre mim mesma; A Deus eternamente grata.

“O que dancei antes foi apenas uma oração para chegar até aqui. O que dançarei no futuro? É bom não ter muitas teorias quanto a isso.” (Isadora Duncan, 1879 - 1927)

4 SUMÁRIO RESUMO.............................................................................................................................................7 INTRODUÇÃO....................................................................................................................................8 OBJETIVOS.......................................................................................................................................12 Problema de Pesquisa................................................................................................................12 Objetivo geral............................................................................................................................12 Objetivos específicos................................................................................................................12 REVISÃO DA LITERATURA...........................................................................................................13 1. A Dança ...............................................................................................................................14 1.1. O corpo como objeto de arte.....................................................................................15 1.2. Conceituação de dança.............................................................................................21 1.3. A dança e a questão de gênero..................................................................................28 2. Psicologia analítica : conceitos e relações teóricas...............................................................32 2.1. Psicologia Analítica e Psicologia Sócio histórica: A constituição do sujeito e sua relação com a aprendizagem ...........................................................................................37 2.2. Expandindo conceitos: A meia idade........................................................................41 MÉTODO...........................................................................................................................................45 Delineamento............................................................................................................................45 Fontes........................................................................................................................................45 Instrumentos..............................................................................................................................45 Procedimentos...........................................................................................................................45 Referencial de Análise...............................................................................................................46 APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS...............................................................47 1. O sujeito da pesquisa .........................................................................................................48 1.1. O filme e a sua interação com o ouvinte...................................................................48 1.2. O personagem e seu momento de vida....................................................................50 2. À procura de um par: quando o questionamento encontra a dança.......................................57 3. Baile de máscaras: o desvelar da persona e a sombra por trás das máscaras........................65 4. Anima: Aquela dama interior................................................................................................76 CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................................................................83 REFERÊNCIAS ................................................................................................................................88

5 LISTA DE FIGURAS Ilustração 1: Cena 21 em que Paulina dança e sua voz é escutada na narração da carta entregue a John. ...................................................................................................................................................61 Ilustração 2: Cena 15 John e Link ensaiam um passo de dança, Link auxilia John no banheiro do escritório.............................................................................................................................................68 Ilustração 3: Cena 15 Link finge desmaio nos braços de John..........................................................68 Ilustração 4: Cena 8 em que John observa um colega dançar com Paulina.......................................72 Ilustração 5: Cena 8 em que Paulina dança com aluno, afastando a sua mão para acima de sua cintura.................................................................................................................................................72 Ilustração 6: Cena 12 John dançando com Paulina após ela ter reposicionado suas mãos................73 Ilustração 7: Cena 12 em que John dança com Paulina......................................................................73 Ilustração 8: Cena 16 tango com Paulina...........................................................................................79 Ilustração 9: Cena 16 frente a frente com a anima.............................................................................79 Ilustração 10: Cena 16 o final da dança..............................................................................................79 Ilustração 11: Cena 16 John segura Paulina.......................................................................................79

6 ANEXOS

ANEXO 1 : Modelo de ficha catalográfica........................................................................................95 ANEXO 2: Cenas catalogadas em fichas...........................................................................................96 ANEXO 3: Capa do filme americano...............................................................................................114 ANEXO 4: Capa do filme francês....................................................................................................115

7 RESUMO

Este estudo tem por objetivo identificar contribuições da dança no processo de individuação do sujeito por meio da análise do filme Dança Comigo(Weinstein &Weinstein & Chelsom,2004) além de identificar a relação entre a dança e o feminino, contribuir para reflexões quanto a dança e o corpo no processo de individuação e identificar as relações do sujeito que dança com o social. Trata-se de uma pesquisa qualitativa com referencial de análise de conteúdo baseada no enfoque proposto por

Laville e Dionne (1999) fundamentada teoricamente na Psicologia Analítica.

Verificou-se que as contribuições da dança no processo de individuação do sujeito ocorrem nos arquétipos descritos como etapas do processo de individuação, assim conclui-se que a dança atua como meio de escape dos conteúdos inconscientes , fazendo com que o homem entre em contato com a sua anima, com a sua sombra, e possa tirar sua máscara da persona. A dança integra o sujeito pela relação corpo e alma e a relação de alteridade, e desta forma, possibilita um contato com mais estreito com o outro assim como amplia a rede social do sujeito. Palavras – chave: processo de individuação, dança, psicologia analítica.

8 INTRODUÇÃO

Atualmente a dança, e a atividade artística vêm ganhando espaço na mídia e também nos palcos da região de Caxias do Sul. Isto promove um maior interesse da população pela prática da dança, assim como abre um olhar para tal área. A dança é uma prática antiga do ser humano, com datas de surgimento que remontam à pré-história. Neste período era utilizada como culto a deuses e também como comemoração às colheitas ou caças bem sucedidas. Portanto uma relação intrínseca aos instintos primitivos do sujeito, abrangendo a sua camada mais básica de sobrevivência em integração ao meio sociocultural. (Penna, 1993) Esta integração da dança com o social pode ser observada nos meios sociais, em locais onde a dança está presente, como festas, boates, bares, escolas de dança e apresentações de dança. Todas as atividades que promovem a integração do sujeito com o outro e consigo mesmo. Nestas percebese a dança como forma de diversão, e também como forma de relaxamento. Já não é vista como antigamente, como forma de culto aos deuses ou como agradecimento aos mesmos. Mas o sentido de comemoração e celebração continua, assim como são agregados outros sentidos, como uma característica, ou habilidade para a conquista do outro e também o conhecimento de si mesmo. (Penna, 1993) Percebo, em diversos programas de televisão com seus concursos de dança, um estímulo para as pessoas que querem praticar a dança, assim como relatos de pessoas que obtiveram mudanças em suas vidas com a dança, que passaram a conhecerem mais sobre si mesmas. Dentre estes programas, pode-se citar a série de televisão Dancing with the stars e a dança dos famosos no programa do Faustão da rede globo. Há também filmes com este tema, que contribuem para o entendimento de mudanças no sujeito, dentre eles os filmes: Billy Elliot (Brenman; Finn & Daldry, 2000), No balanço do amor (Cort & Carter, 2001), Flashdance (Jacobson & Lyne, 1983), Vamos dançar (Argrelo; Sewell; Cange & Knight II, 2005) e Vem dançar (Godsick; Grace; Nabatoff & Friedlander, 2006). Existem pesquisas na área da Psicologia que abordam o tema a partir da dançaterapia, por exemplo, analisando as contribuições da mesma em sala de aula, uma análise multifatorial sugere um crescimento positivo no pensamento criativo e na compreensão de leitura de crianças, e correlacionando os dados analisados, há uma relação entre autoconceito, motivação e criatividade com este crescimento. (Harvey, 1989) Deve-se diferenciar o tipo de dança a ser pesquisada neste trabalho, da dançaterapia. A dança como terapia utiliza-se de movimento e corpo combinados com recursos da psicoterapia,

9 aconselhamento e reabilitação para o auxílio a pessoas nas suas diferentes necessidades. (Pratt, 2004) Já a dança como arte ...é expressar emoções por meio do corpo... Algumas pessoas não se importam com o passo correto ou errado e fazem do ato de dançar uma explosão de emoção e ritmo que comove quem assiste. Superam os entraves emoldurados pela vergonha e invadem as pistas de dança, mostrando numa expressão corporal todo sentimento gerado por diferentes ritmos de música. É como se a dança fizesse parte do ser.( Barreto, 2004, p. 1-2) É este tipo de dança a que se dispõe este estudo, a dança como expressão do corpo e das emoções, como manifestação artística e cultural. Outro estudo publicado na área, voltado à dança aeróbica e a autoestima, comprova mudanças significativas pelas participantes da dança aeróbica em específicas dimensões do humor. Percebe-se que a estabilidade emocional, o autoconceito de aparência física e o autoconceito geral, colaboram moderadamente com específicas dimensões do humor. (McIntyre & Berger, 1993) Foi encontrado um estudo da dança em relação à consciência corporal, que revela a existência de marcas de representações corporais, que remetem à uma melhoria da consciência corporal e também são notadas marcas significativas ligadas ao desenvolvimento da autoestima do sujeito. ( Nanni, 2005) Há outro estudo relacionado ao conceito de autoestima e educação física, que afirma que a atividade física e esportiva contribui à formação equilibrada e integral da personalidade, assim como no desenvolvimento biológico, cognitivo, afetivo e relacional, favorecendo assim o conhecimento e controle de si mesmo. Desta forma, a prática de uma atividade física, favorece o desenvolvimento da autoestima. (Goñi & Zulaika, 2001) Foi encontrado também um estudo sobre a dança como técnica de grupo para pacientes laringectomizados, com o objetivo de fornecer subsídios sobre a importância terapêutica e educativa da dança. Nos resultados da pesquisa percebeu-se uma diminuição do estresse e envolvimento dos pacientes pela linguagem não verbal e verbal. (Peto, 2000) Dos materiais supracitados, nenhum deles observa a dança sob a ótica da Psicologia Analítica. Para fundamentar teoricamente, os objetivos deste trabalho, busquei o entendimento das relações da dança com a subjetividade, com o feminino e com o autoconhecimento, todos aspectos relacionados ao processo de individuação do sujeito. A relação entre corpo e alma é trabalhada pela psicologia analítica. Esta percebe o comportamento humano como algo determinado por instintos biológicos que seriam transformados ou decodificados pela psique em pensamentos, imagens, fantasias, entre outros. Isto faz relação a

10 uma totalidade, esta que faz parte da visão de psique abordada pela teoria em questão. (Albertini & Freitas, 2009) Neste sentido torna-se importante para explicitar os mecanismos psíquicos relacionados com a dança, pois os fenômenos são percebidos a partir de um todo complexo, que pressuponha as relações entre corpo e psiquismo. A individuação é um conceito em que o sujeito passa a dar-se conta do que é, torna-se si mesmo, inteiro, indivisível e distinto de outras pessoas. Este processo é observado segundo as experiências do sujeito dentro de uma vivência simbólica, que no caso da arte, ou melhor, da dança, é valorizado para ser entendido na consciência do indivíduo. (Albertini & Freitas, 2009) No processo de individuação do sujeito, ele passa a dar-se conta de sua realidade psíquica. Isto a partir de um gradativo processo de crescimento psíquico, como uma tendência autorreguladora, em que o sujeito deve tomar consciência deste crescimento para que o mesmo possa ocorrer de maneira efetiva. (Jung & von Franz, 1964) O desenvolvimento da consciência do sujeito está intimamente ligado á relação deste com o seu corpo, em vias à uma totalidade. (Albertini & Freitas, 2009) O que instigou a escolha do tema de pesquisa foi minha experiência individual. Como professora de dança do ventre, observei por diversos momentos mudanças nas características de minhas alunas, tais como uma percepção aumentada a respeito de si mesmas, um aumento no cuidado estético, relatos de relações sexuais mais prazerosas, maior conforto em relação à estética corporal, entre outros. Estas percepções me fizeram perceber que existe uma relação no processo de individuação do sujeito, advinda da dança. Para o estudo de tal relação foi escolhido o filme Shall we dance? ou “Dança Comigo” na tradução para o Brasil,(Fields; Weinstein; Tyler & Chelsom, 2004). O filme conta a história de um advogado que trabalha muito, que vive uma vida maçante e cheia de trabalho, e todos os dias ao retornar do trabalho, enxerga uma bela moça que olha pela janela de uma escola de dança. Fascinado pelo seu olhar melancólico, uma noite ele decide se render à escola de dança, na qual aquela mulher dá aulas, afim de a encontrar. Esta decisão muda a sua vida. (Sinopse retirada da capa do filme, conforme Anexo 3 e Anexo 4) A partir da relação do filme com o processo de individuação exponho meu objeto de pesquisa, com a seguinte pergunta: “Quais as contribuições da dança no processo de individuação do sujeito a partir do referencial do filme Dança comigo?” Observo uma busca no aprendizado de uma dança por parte das pessoas, umas por simples aprendizagem, para algum evento, para autoconhecimento, para competir, para cumprir com um desejo dos pais, como um exercício físico prazeroso, enfim, há uma diversidade de razões para tal busca. Este é um dos motivos pelo qual inicio a minha pesquisa. Para poder descobrir as

11 contribuições da dança no cotidiano das pessoas, na forma como as mesmas se percebem e se a prática de uma dança modifica esta visão. A partir da breve pesquisa realizada, foram encontrados poucos materiais a respeito da dança e a sua relação com o processo de individuação do sujeito. Entretanto, observa-se a importância de seu estudo, dadas pesquisas já realizadas com resultados significativos e também a procura da dança pela população como um estímulo para o ser. Cabe aqui relevar a importância da correlação da dança com teorias psicológicas, o entendimento de sua relação com o sujeito, assim como os seus efeitos na vida psíquica do mesmo.

12 OBJETIVOS

Problema de Pesquisa Quais as contribuições da dança no processo de individuação do sujeito a partir do referencial do filme “Dança Comigo” ?

Objetivo geral Identificar as contribuições da dança no processo de individuação do sujeito a partir do referencial do filme “Dança Comigo”.

Objetivos específicos •

Identificar relações entre a dança e o feminino;



Contribuir para reflexões quanto à dança e o corpo no processo de individuação;



Identificar as relações do sujeito que dança com o social.

13 REVISÃO DA LITERATURA O presente estudo trata da análise do filme “Dança Comigo” (Fields;Weinstein;Tyler & Chelsom, 2004) em relação ao processo de individuação do personagem principal, e que contribuições a dança pode dar neste processo. O filme é uma releitura do filme “Dança comigo” de 1996 feito no Japão (Suo & Ikeda) , o original trata de um trecho da história do personagem principal e a sua descoberta na dança, trata dos preconceitos da sociedade em relação aos homens que dançam, que no Japão se mostra mais evidente do que na sociedade ocidental. O filme escolhido para o estudo em questão trata dos mesmos aspectos, porém voltado ao público ocidental. Pelo filme ser hollywoodiano e seus personagens famosos para o público este tem um valor comercial que faz com que mais pessoas assistam ao filme, o que o caracteriza como uma mídia de massa, feita para que todos possam ver. A produção cinematográfica é definida por Benjamin(1987), como uma obra de arte pós aurática. Cabe aqui explorar o conceito de aura para esclarecimento, para o referido autor, aura é algo único transposto na realidade demonstrando uma realidade distante, mesmo que próxima daquele que a observa. Antigamente, as obras de arte possuíam um caráter único, individual até mesmo. Segundo Jobim e Souza (1994), hoje, no mundo massificado do capitalismo, a condição social já não permite somente este tipo de arte, tornando esta também massificada e idêntica. Destruindo o caráter único do objeto, surge uma percepção voltada à repetição e à reprodução, no que se trata justamente a obra cinematográfica. Isto se dá justamente pelo caráter elitista da obra clássica, apresentada somente a uma pequena parcela da população. A arte pós aurática se apresenta de outra forma, a arte é voltada à massa, condicionada a uma recepção coletiva. Somente esta arte é capaz de revelar o conteúdo da existência do homem contemporâneo, refletindo como a sociedade vive, baseada na cultura de choque, ou seja, baseada na generalização do choque, agindo sobre o público, ditando a este como deve se comportar e adaptar-se aos perigos que o ameaçam. Porém, o autor apresenta dois lados de uma mesma moeda, além de ter um caráter manipulador, o cinema também possui um lado transformador e progressista. Este aspecto se dará dependendo do tipo de obra a que o espectador verá, no caso de uma obra mais complexa, esta exigirá a concentração, no que que a observa imergirá nas suas profundezas. Do contrário na diversão a obra é quem penetra na massa. Esta relação dialética propõe que o cinema pode até ser o meio termo , em um mar de possibilidades, mesmo que submerso na antítese de valores contemporâneos. (Benjamin, 1987; Jobim e Souza, 1994) A cultura do choque pode ser entendida como uma vivência de choque pela qual os

14 indivíduos estão sujeitos. Esta cultura tem total relação com a teoria estética de Benjamin, pois a arte pós-aurática está diretamente vinculada à experiência atrofiada, à vivência no lugar da experiência, ao consumo de massa e à percepção coletiva. A vivência não passa de um exercício intermitente de proteção aos choques do meio cotidiano, à sua interceptação. Ou seja, a vivência limita-se em comportamentos reflexos e repetidos, construídos pela demanda da vida social, assim as coisas se repetem, as ações são irrefletidas e assim as pessoas vivem como se estivessem em constante choque, sem se dar conta do que realmente estão experimentando. Para ilustrar pode-se utilizar do exemplo do homem na multidão, que irrefletidamente caminha pelo mesmo local todos os dias, sem se dar conta do que tem à sua volta, sabe o caminho que tem que seguir, e por meio dos reflexos, desvia das pessoas à sua volta, atento aos sinais de trânsito e aos transeuntes. Este sujeito não percebe que está ao meio de um grande aglomerado de pessoas e nem as peculiaridades do ambiente. Por isso a sua memória consciente é voltada à vivência, e a memória involuntária é voltada à experiência, sendo esta última algo mais profundo, ultrapassando os limites da superfície. Quanto maior for a participação da vivência do choque nas impressões cotidianas do indivíduo, maior será a presença do consciente com o intuito de proteger o homem contra os estímulos externos.(Tomain, 2004) Assistir ao filme nesta perspectiva pós-moderna , na realidade atual tem a sua devida importância, isto porque desta forma o trabalho assume uma característica mais abrangente, voltada ao público em geral que pode se apropriar dos conhecimentos advindos do estudo em questão. Outros conceitos são importantes para o entendimento do trabalho, e serão explicitados daqui para adiante nesta revisão de literatura. Estão apontados aqui os aspectos percebidos como relevantes para a compreensão da análise do filme, assim como para o cumprimento com os objetivos propostos do trabalho. A partir disto são aqui descritos conceitos acerca da dança e da psicologia analítica, que conversam com autores diversos, visando a complexidade dos fenômenos percebidos. 1. A Dança Muitos são os conceitos que podem definir dança. Estes foram encontrados em livros escritos por dançarinos ou filósofos. A dança pode ser arte, pode ser terapia, pode ser expressão, movimento, enfim, diversas definições acerca de uma antiga prática humana. Nesta revisão de literatura é feita uma viagem pela história da dança, tendo em vista o seu desenvolvimento enquanto arte e as suas representações na sociedade. Como a dança supõe um sujeito com um corpo também é analisado visando a arte como pano de fundo ou como expressão deste corpo. Portanto, são tratados aqui os aspectos relacionados ao corpo em consonância com a arte, a dança e seus aspectos

15 históricos, a dança e a questão de gênero. 1.1. O corpo como objeto de arte Este estudo trata do corpo visto como um objeto de arte na dança, e as suas contribuições para o processo de autoconhecimento e individuação do sujeito. Para tal explanação são utilizados conceitos concernentes ao tema, como a conceito de corpo, de dança, os aportes teóricos junguianos e as ligações entre si. No que tende aos conceitos, utiliza-se uma perspectiva monista, visando o sujeito como uma unidade macrocósmica, ou seja, compreendendo o sujeito como parte de um todo universal, sendo uma unidade neste todo, constituindo-se como uma síntese dialética entre natureza e cultura. Esta é uma visão oposta à perspectiva mecanicista da filosofia e da ciência tradicionais, voltadas ao dualismo cartesiano e à uma visão de sujeito como unidade microcósmica, cujo epicentro do conhecimento é a razão. (Nóbrega, 2007; Reis & Zanella, 2007) Partindo-se do materialismo histórico de Marx tem-se uma visão de corpo como fundante do sujeito. O corpo é visto como um eixo de relação entre o natural e o social, em que possui um significado interno e externo. Bakhtin (1929/1981) explica esta relação, dialogando com e contextualizando o corpo no sentido ideológico, em que este corpo reflete e retrata uma realidade externa. Quanto ao que é ideológico pode-se afirmar que tudo o que é ideológico possui um significado e remete a algo situado fora de si mesmo, ou seja é um signo. Já o corpo físico vale por ele mesmo, mas é percebido como um símbolo, apesar de não se tratar de ideologia. Agora, a imagem artístico simbólica ocasionada por um objeto físico particular, no caso, pelo corpo, já é um produto ideológico. Desta forma o corpo é convertido em signo, sem deixar de fazer parte da realidade material, e ainda passa a refletir e a refratar uma outra realidade. Desta forma, o sujeito é o corpo, e o eu não é uma instância incorpórea, abstrata e imaterial que habita ou possui um corpo, mas parte deste todo. O corpo não é uma realidade natural, dada de imediato ao observador, mas sim, um significante em que cada cultura e sociedade inscreve variadas significações e, deve ser ser compreendido na trama social de sentidos que o constitui como realidade simbólica. O corpo é uma realidade cultural, produzida histórica e socialmente nas práticas sociais em que o sujeito é participante ativo. O ativismo do sujeito dá ênfase à natureza dialética dessa produção social do corpo, pois é na própria atividade do sujeito que o corpo se constitui ao mesmo tempo como produtor e produto dos sentidos relacionados aqui. (Le Breton, 1953/2007) O autor supracitado compreende a corporeidade humana como um fenômeno social e

16 cultural motivo simbólico, um objeto de representações e imaginários. O corpo é o local semântico no qual se evidencia a relação com o mundo, sendo este moldado pelo contexto sociocultural em que o sujeito está inserido. Esta relação se dá e pode ser percebida em: atividades perceptivas, expressão dos sentimentos, conjunto de gestos e mímicas, produção da aparência, jogos sutis da sedução, técnicas do corpo, exercícios físicos, relação com a dor, com o sofrimento, dança, entre outros. Desta maneira, a forma de se comportar fisicamente do homem depende de um conjunto de sistemas simbólicos. Estes partem do corpo e se propagam as significações que fundam a existência individual e coletiva. Assim, o corpo é o meio de relação com o mundo, e é através dele que o homem

apropria-se da

substância de sua vida, e, utilizando-se dos sistemas simbólicos

compartilhados pela sua comunidade, o homem traduz esta substância aos outros. ( Le Breton, 1953/2007) A partir da psicanálise de Freud, esta implicação simbólica torna-se mais evidente, pois Freud revela a maleabilidade do corpo, a partir do jogo sutil do inconsciente. Destarte, faz do corpo uma linguagem na qual são expressas as relações individuais e sociais, os protestos e os desejos. O corpo é visto, portanto, como uma abstração que busca questionar a repressão da razão, enfatizando os instintos, a vivência mítica e mágica e a ludicidade. Nele são inscritos conteúdos que trazem diversos significados, fazendo do corpo um nó de significações. (Le Breton, 1953/2007; Nóbrega, 2007) No conceito junguiano, o corpo é uma parte do indivíduo que deve ser olhada para que se possa expandir a consciência, experimentando o corpo não só como um corpo simbólico a ser interpretado, mas também como uma inevitável e presente dimensão da humanidade. O corpo vivo é uma realidade visível e palpável, que corresponde mais à nossa capacidade de expressão. Por tal motivo, pode-se admitir que o corpo vivo é um sistema adaptado às finalidades da vida, sendo um sistema material constituído de um princípio vital. Sendo o fator psíquico aquilo que fará o indivíduo viver, dito espírito , e a vida, o corpo vivo. (Albertini & Freitas, 2009; Jung, 1927/2000) O corpo é como um animal com alma, sendo este um sistema vivo, que obedece ao instinto. A alma humana é individual e coletiva e, seu crescimento só é possível se estes dois lados aparentemente contraditórios chegarem a uma cooperação natural. Na vida instintiva não há conflito entre o individual e o coletivo, mesmo que na vida puramente corporal também deva que satisfazer à exigência individual e à coletiva. Nesta postura natural inconsciente já reside a harmonia, ou seja, no instinto esta harmonia existe. O corpo possui suas necessidades e capacidades que proporcionam determinações e limitações que impedem a desmedida e a desproporção. Assim, a atitude inconsciente e natural é percebida como harmônica, posto que uma função psicológica consciente tem uma tendência à desproporção, por ser consciente e unilateral. Deste modo, se o corpo é algo

17 que torna os indivíduos semelhantes por serem todos da mesma espécie com corpos semelhantes, e também distingue o indivíduo de todos os demais por suas diferenças individuais. ( Jung, 1916/ 2008) A alma humana vive unida ao corpo, numa unidade indissolúvel. Nesta pode-se considerar a psique, que é constituída de uma série de imagens, sendo uma rica estrutura de sentido e uma objetivação das atividades vitais, expressa através de imagens. Mesmo a matéria corporal estando pronta para a vida, esta só é capaz de viver com a psique que precisa do corpo para que as suas imagens também tenham vida. O corpo e alma são opostos e constituem uma só realidade. Externamente, o homem tem um corpo material, mas interiormente, parece constituído de imagens das atividades vitais que têm seu lugar no organismo. Sendo assim, o homem surge da junção entre o corpo e a alma. A psique liga-se ao corpo pela fisiologia, sendo estreitamente vinculados. Os conteúdos conscientes são determinados pelas percepções sensoriais, e a hereditariedade inconsciente imprime traços de caráter físicos e psíquicos nos sujeitos. Sendo assim, a psique é constituída de imagens reflexas de processos cerebrais simples,estas imagens assumem um caráter de consciência. Um fator psíquico só assume a qualidade de consciência quando inicia uma relação com o eu. (Jung, 1927/2000) A alma apresenta-se como uma cópia da matéria e do empirismo. Vendo desta forma, somente quando contempla-se ao espelho da imagem que se tem do mundo, é que pode se enxergar de corpo por inteiro. O sujeito só aparece na imagem que cria, vendo-se inteiro e completo no ato criativo. A alma é um complexo psíquico semiconsciente com uma função parcialmente autônoma. Esta autonomia do complexo psíquico auxilia a representação de um ser pessoal e invisível que vive em um mundo diferente daquele que os sujeitos vivem. Com a alma, os sujeitos são influenciados externamente e internamente, devendo ceder a ambas influências. Porém, isto dependerá das capacidades individuais, que em sua análise devem dizer como o sujeito deve agir. Assim, a alma humana é tanto individual quanto coletiva, e o seu desenvolvimento somente é possível se os dois lados puderem cooperar naturalmente. (Jung, 1916/2008) A alma é o único fenômeno imediato deste mundo percebido pelos indivíduos, e a partir disto, é também condição indispensável de toda experiencia em relação ao mundo. A alma tem uma parte consciente, tal que pode ser acessada e experimentada, e outra parte que é a intuição, sendo esta a percepção das possibilidades inerentes a uma dada situação. Nos estados patológicos pode-se perceber a atividade inconsciente, e portanto pode-se falar da existência de uma alma inconsciente. Esta última não é acessível, mas também faz parte da alma. (Jung, 1927/2000) Um funcionamento inadequado da psique pode causar graves prejuízos ao

18 corpo, da mesma forma que, inversamente, um sofrimento corporal consegue afetar a alma, pois alma e corpo não são separados, mas animados por uma mesma vida. Assim sendo, é rara a doença do corpo, ainda que não seja de origem psíquica, que não tenha implicações na alma. (Jung, pp.102; 1917/ 1980) O corpo e a alma constituem o sujeito e fazem-no se constituir no social. Uma parte complementa a outra, o corpo e a alma se complementam e o social e individual da mesma forma. Sendo todos partes de um todo, que visto assim tem as suas contribuições em todos os indivíduos, de maneira geral, mas individual, dadas as características individuais de cada um. O corpo, como objeto de arte e produtor de arte, necessita de sua subjetividade para a sua produção, e somente incorpora os fragmentos da expressividade que vem de fora do sujeito, se há uma vivência interior que corresponde aos mesmos. Partindo-se desta vivência interna é que se pode realizar um ato externo, uma ação física. Deve-se levar em conta que o corpo ocupa uma posição única no espaço concreto. E, sendo assim, um corpo é um corpo interior e o corpo do outro, o corpo exterior. O corpo interior oferece uma gama de sensações orgânicas, de necessidades e desejos sentidos internamente. Aquilo que é exterior não é sentido da mesma forma, é registrado de forma fragmentada, pertence à unidade interna do sujeito por meio de um equivalente interno, não é autônomo. Portanto, aquilo que se relaciona ao corpo está intrinsecamente ligado aos estados internos de dor, prazer, satisfação, paixão, entre outros. (Bakhtin, 1997) Como possibilidade de conhecimento, o corpo experiencia a estética por meio do gesto, sensibilidade e expressão criadora. Pode-se ver uma relação do corpo com a arte visualizando o mesmo envolvido por uma esfera poética, o que realça a procura por novas formas de compreender o mundo além do racionalismo. Nesse sentido, sobre a expressão do mundo, é preciso ver o corpo como produtor de poesia, ou melhor, que desperte e reconvoque por inteiro o poder de expressar, para além das coisas já ditas e vistas. (Nóbrega, 2007) Além das representações individuais, o corpo designa em seu conceito, um fato do imaginário social. Os conceitos variam de uma sociedade para outra, a caracterização da relação do homem com o corpo e a definição dos constituintes da carne do indivíduo são dados culturais com infinita variabilidade. O homem e o corpo são indissociáveis e, nas representações coletivas, os componentes da carne são misturados ao cosmo, a natureza, aos outros, em uma visão macrocósmica. Desta forma, o corpo faz emergir de si a própria história humana com suas peculiaridades, os medos, as privações, a abundância e a opulência, modos de vestir-se ou de ficar nu, de deslocar-se, de perceber as causas do mal têm no corpo seu ponto de partida e de chegada.

19 Pode-se dizer, que sua materialidade permite a percepção das alterações do padrão real de vida das sociedades. ( Soares & Terra , 2007; Le Breton, 2007) A partir dessa compreensão de corpo, é possível entender a dança como atividade especifica de produção social do corpo, podendo ter diversas finalidades, tais como: modo de expressão, linguagem, técnica, arte, espetáculo, campo profissional, ritual, terapia, diversão , meios de comunicação. O corpo se move sob estas múltiplas finalidades, podendo construir algo da ordem cultural, técnica, estética, religiosa, terapêutica e lúdica. De uma maneira geral, visando a dança enquanto forma artística de expressão, esta se constitui no diálogo com a cultura e sociedade em que historicamente emerge e se desenvolve. (Reis & Zanella, 2007) Para ilustrar este conceito de dança, no sentido de arte, como algo da ordem do social, baseado nas concepções bakhtinianas, de que aquilo que é arte está no social, será utilizada uma metáfora. Sendo que o artístico não está localizado nem no artefato, nem nas psiques do criador e contemplador consideradas separadamente, o elemento artístico encontra-se nos três fatores interligados. O artístico, portanto, é uma forma especial de inter relação entre criador e contemplador fixada em uma obra de arte. Ela se torna arte apenas no processo de interação entre criador e contemplador, como o fator essencial nessa interação. (Bakhtin 1, 1926/1976) A metáfora que ilustra este conceito, fala de um artista que desprezava a arte, que propõe um jogo, sendo que um artista que despreza a arte, será mesmo que este poderá ser um artista? Isto faz uma alusão à produção da arte e também ao conceito que o artista tem da arte. Fazer a arte pode ser algo muito prazeroso, porém isto só será conseguido se o artista produzir algo, pois assim conseguirá ver até que ponto ele pode chegar, mesmo que despreze a arte. A sua arte sempre lhe será válida e desta maneira ele pode enxergar aquilo do que é capaz de fazer. Portanto, antes de virar um artista pode-se desprezar a arte, mas a partir do momento em que se inicia com os recursos artísticos, aprende-se a realizar um trabalho e principalmente a utilizar do seu potencial criativo, a arte vai aos poucos tornando-se algo grandioso. Mas mesmo assim o artista continua a desprezá-la, até que em determinado momento surge um outro e admira esta arte produzida, e mais outro e aquele sujeito que antes desprezava passa a entender, mas não de todo. Os anos se passam e o artista passa a dominar a técnica, e especialmente a criar sem limites, ele ama o que faz, até que um dia lhe questionam: “- Mas não era o senhor que desprezava a arte? Como pode fazer algo tão belo? E o artista responde: “ - Pode ser que eu domine algo do qual não sei falar e não 1 Este texto foi originalmente publicado em russo, em 1926, sob o título “Slovo v zhizni i slovo v poesie”, na revista Zvezda nº 6, e assinado por V. N. Voloshinov. A tradução para o português, feita por Carlos Alberto Faraco e Cristovão Tezza, para uso didático, tomou como base a tradução inglesa de I. R. Titunik (“Discourse in life and discourse in art – concerning sociological poetics”), publicada em V. N. Voloshinov, Freudism, New York. Academic Press, 1976.

20 entendo do conceito e até o despreze, mas se quiseres compreender tente fazer, pois de nada adianta contemplar sem ter a vivência do que realmente é a arte. Arte é só um nome, e este eu desprezo, pois não nomeio como todo, aquilo que é somente meu.” E a pessoa continua: “- mas então quando tu colocas uma obra exposta, naquele momento ela fará parte de um todo e daí, se não é arte é o que?” E o artista: “ - É a minha expressão naquele todo, não arte, mas aquilo que as pessoas sentirem que ela o é.” Neste pequeno diálogo entre o artista e o observador, o artista percebe que seu desprezo é sim pela palavra, mas aquilo que faz não pode nomear a não ser que seja nomeado por outrem que veja a obra e interaja com a mesma. Esta última é uma interação a partir de algo lúdico, que propõe algo que pode promover uma reflexão e é a partir desta que se dá nome aos significantes, promovendo um insight ou um dar-se conta de situações. Quanto ao artista, ele só foi se dar conta daquilo que realmente fazia depois de adentrar-se e vincular-se àquela tarefa, e assim poder produzir da sua melhor maneira, mesmo que seu conceito continuasse o mesmo, a partir do momento em que pôde interagir com a arte teve a possibilidade de compreendê-la de forma tão grandiosa que seu nome já não servia para explicar tamanho significado que tinha para ele. Algo que é realizado e exposto ao outro, irá gerar um sentido à quele outro, que mesmo que não compreenda o que o artista quis dizer, mas para si mesmo, aquilo terá algum sentido quando se interagir com ele e sentir algo relacionado àquilo. De acordo com Vygotski (1926/2001), a arte é o social nas pessoas, seu efeito é processado em um indivíduo isolado, o que não quer dizer que as suas raízes sejam individuais. Assim, o social existe onde há apenas um homem com as suas emoções individuais. As emoções quando fora do sujeito, estão materializadas e fixadas nos objetos externos de arte, que são instrumentos da sociedade e que podem levar diversas emoções à diversos indivíduos, m uma relação do social ao individual. Na metáfora, antes de ser um artista profissional, este aprendeu as técnicas a partir de outros que viu, e tem a visão destes outros em seu trabalho, e de si mesmo naquilo que reflete das suas emoções em seu trabalho. A noção de estética tem a ver com o confronto entre a introversão e a extroversão do indivíduo, a arte e a beleza são sentidos ou intuídos por seres distintos, que tem pontos de vista divergentes também. Portanto, a aparência sensível que é demonstrada pelo artista, não só motiva recordações de vivências afins, como que, ao estar subordinada à exteriorização e aparecendo como algo de fora, quando é contemplada, projeta-se nela, ao mesmo tempo, os processos íntimos que são reproduzidos pelo contemplador. Desta forma, o contemplador provê à obra artística, uma animação estética, ou seja, a atribuição de sentimentos à arte. Já que nesta introjeção dos estados íntimos da

21 imagem, não só se tratam de sentimentos, como também de processos íntimos coletivos. (Jung, 1921/1985) 1.2. Conceituação de dança Definir o conceito da dança é algo controverso, isto posto que existem diversos conceitos diferentes a respeito da mesma prática, sugerindo-se que a sua definição seja algo necessário no que se refere a este trabalho. A dança, de acordo com a definição do dicionário Houaiss da Língua Portuguesa (2009) é o conjunto organizado de movimentos ritmados do corpo e acompanhados por música. O verbo dançar é definido como movimentar o corpo com intenção artística, obedecendo a um determinado ritmo musical ou como forma de expressão subjetiva e dramática, ou executar um movimento corporal ritmadamente, ou ir de um lado para outro desordenadamente, balançar oscilar. O dicionário Aurélio(2009) traz uma definição bem semelhante e acrescenta o sacudir e agitar-se, girar, rodar, mexer-se, movimentar-se. Tal definição de dança é muito ampla para entender o que realmente é a dança, pois existem outros movimentos que são ritmados e não necessariamente caracterizam-se por dança, como por exemplo o remar, caminhar, pedalar. Por tal motivo far-se-á aqui uma explanação acerca da dança e sua evolução até os dias de hoje, visando a compreensão da palavra e o sentido utilizado no trabalho. Além destes

conceitos e definições de dança advindos dos dicionários em português,

pretende-se ir mais a fundo na etimologia da palavra. Vista a etimologia no dicionário etimológico Nova Fronteira (Cunha, 1986) e do Nouveau dictionnaire étymologique ( Dauzat, Dubois & Mitterand, 1964), nota-se se que a palavra dança vem do antigo francês dencier, que atualmente se fala danser, derivado do frâncico dintjan, traduzido ao português como mover-se de cá para lá. O termo danser data do final do século XII. Para uma conceituação mais completa, buscou-se subsídios na própria língua francesa que define a dança como sequência de saltos e passos regrados por uma cadência e geralmente conduzidos por música. No Dictionaire de la langue française o conceito de dança é ampliado também para o grupo, sendo definida como a ação de várias pessoas que dançam. Também refere o sentido da dança como mímica e forma de se exprimir pela pantomima originada na Grécia. No dicionário tem-se uma breve discrição da dança pantomima como uma imagem da guerra, geralmente executada com armas nas mãos dos dançarinos. Há uma referência de que a dança na sua formação inicial seria uma dança de imitação que teria perdido a sua característica conforme os povos foram se expandindo. (s/d) Para compreender a dança é importante voltar à sua história e então entender como esta se manifestou desde o que se tem de relatos a seu respeito. Portinari (1980) apresenta em sua obra

22 relatos acerca da dança que datam do período Mesolítico, a partir de uma pintura encontrada na Espanha que demonstra nove mulheres em torno de um homem despido, induzindo a um ritual de fertilidade. Esta é a mais antiga imagem da dança encontrada de acordo com a autora. Outras imagens sobre a dança foram encontradas, com pinturas rupestres representando danças circulares, e o tocar de instrumentos, com a utilização de peles de animais como máscaras ou acessórios rituais. (Lommel, 1966). Wurzba (2009) afirma que estes povos primitivos se cerceavam da dança devido à impotência frente aos fenômenos naturais, tendo uma necessidade de estabelecer um vínculo maior com a natureza em busca da compreensão dos fenômenos inexplicáveis da natureza. Sendo assim, dançar tinha o sentido de trazer a harmonia com as forças do cosmos. A autora refere ainda que nas tribos de caçadores o homem imitava os animais em sua dança, na crença de que, desta forma, obteria mais força para capturá-los, do mesmo modo para apropriar-se do poder animal e aumentar o número de animais comestíveis para a caça. É provável que o homem primitivo tivesse a consciência de que seus movimentos e gestos só obteriam um efeito magico ou encantatório se fosse executados dentro de certas regras e medidas, não necessariamente regulares ou aparentes, mas que os tornavam um conjunto homogêneo e fluente no tempo. Quando tinham enfim sua duração no tempo dividida em determinados intervalos, dentro de um ritmo. Este último poderia ser interno ou externo, marcado de variadas maneiras, ao som ou não de música seria o ponto de partida, uma atividade que se desenvolve no espaço e num tempo determinado, cuja configuração é o ritmo. ( Mendes, 1985) Com o advento da agricultura, o homem passou a depender ainda mais do conhecimento acerca da natureza, tendo um controle dos ciclos lunares, os antepassados e o ciclo das mulheres. Surgem assim as danças relacionadas à fertilidade da terra, das criaturas e das mulheres. Também para celebrar as colheitas fartas, e atraí-las com a dança. Seguindo na história, avançando alguns milênios para as civilizações da antiguidade, percebe-se um desenvolvimento significativo da dança, também voltada à fertilidade, em cultos à Grande mãe observados nas civilizações do Oriente Médio tais como a Suméria, com registros de 6500 a.C. e Egito com aproximadamente 4500 a.C. .(Wurzba, 2009 ; Bencardini, 2002) Na Grécia a dança estava associada ao Olimpo, ou seja, aos deuses, tendo relações com a fertilidade, nascimentos, contra doenças e morte. É originada, provavelmente, dos ritos extáticos do culto a Dionísio que datam cerca de 6000 a.C. na região da Turquia. Surge na época dos conhecidos filósofos gregos, o primeiro registro da filosofia em relação à dança. Para Sócrates, citado em Platão e Xenofontes, a dança é algo que deve ser aprendido, como uma atividade que daria proporções

23 corretas ao corpo trazendo também uma reflexão acerca da estética e da filosofia. Platão refere-se à dança como algo a ser integrado na educação, diferenciando a dança nobre da dança ignóbil. Sendo que a primeira seria aquela bela e correta, da nobreza e a segunda algo feio e que deve ser banido, referindo-se provavelmente às danças folclóricas. (Lommel, 1966 ;Portinari, 1989) Neste aspecto começa-se a ser feita uma diferenciação da dança, entre a dança dos nobres e a dança da plebe. Posto que a referência trata da civilização ocidental, na qual já inicia uma diferenciação acerca dos tipos de dança. A dança é uma comunicação direta do ser humano com o meio externo. Esta dispensa o uso do verbal, utiliza-se somente da mensagem do não-verbal aliada à conceitos de estética e rituais. Esta tem a sua função para reverenciar deuses, encorajar guerreiros, festejar colheitas. Também alia-se do caráter sacro, mantido em culturas e religiões primitivas. Além disto, integra forças naturais, aguçando os instintos e diminuindo o medo. Também foi revestida para ser parte de algo real, o que culmina com o nascimento do ballet. Assim, a dança se divide em duas: uma que admite a origem do homem, vinculada a ela como uma manifestação espontânea, e outra codificada segundo a aristocracia. As formas de dança foram caminhando conforme as culturas foram se desenvolvendo. E a dança se divide novamente em sagrada e profana, uma para os rituais e outra para a diversão. (Bisconsin, 1994) Antes do nascimento do ballet, cabe descrever um pouco da dança em Roma, realizada por sacerdotes dançarinos vestidos com capacetes, escudos e espadas na intenção de afastar os espíritos malignos. Havia outra forma de dança realizada pelos patrícios e pela plebe, que festejavam as festas saturnais e lupercais, as quais tinham bases religiosas porém com celebrações regadas a excessos sexuais e de álcool. A dança que era realizada pelos romanos foi banida pelo cristianismo, sendo provavelmente reintroduzida pelos alemães na Europa.( Dauzat, Dubois & Mitterand, 1964; Portinari, 1980) A dança não pôde ser banida da sociedade, que teve que encontrar novas formas de expressão coletiva. A dança era realizada na Idade Média, inclusive dentro de igrejas, tiveram que ser adaptadas ao culto religioso e cristão. Neste período surge a dança macabra, que surge do pânico em relação às doenças epidêmicas e à morte. Esta dança tomou diversas formas, tendo seu período de expansão por volta do século XII. Algumas são relacionadas à cura, outras para expressar a morte, outras demonstrando o que causaria o pecado, na insanidade das pessoas e na Ira divina, outras realizadas como que em uma histeria, realizadas ininterruptamente durante horas em formas de círculos remetendo às antigas danças pagãs. (Portinari, 1980) A forma expressiva da dança encontrada nos relatos antigos remete à um uso da dança voltado aos rituais e ao divertimento mais recente na sua história. Percebe-se que o homem se

24 utiliza da dança como forma de chegar ao sagrado, como forma de descoberta daquilo que não pode compreender. No sentido do divertimento a dança toma outras formas, como meio de celebração, excessos e voltada ao hedonismo, como percebe-se na sua história em Roma. Com o passar do tempo e com a diferenciação da dança aristocrática da dança da plebe e folclórica, a dança foi sendo definida tecnicamente e colocando-se em outro plano além do plano cotidiano que é o plano aéreo visto no ballet. (Reis & Zanella, 2007; Portinari, 1980) O ballet surge juntamente com o renascimento, época de refinamento das artes. Com as festas pomposas e grandes jantares, surgem também as danças requintadas, inspiradas nos temas dos alimentos, dos astros, das guerras. As vestimentas eram também ostentadas, com plumas,seda, e pedras preciosas. Para a criação e desenvolvimento destas apresentações, surgem, neste período, os mestres de dança, contratados para fazer a marcação coreográfica e ensinar os passos baseados no tema indicado pelo nobre que os empregava. O mais famoso deles foi o italiano Domenico de Piacenza que escreveu o primeiro tratado de dança conhecido. Neste descreveu uma classificação sistemática de movimentos a serem realizados, dentre eles o simples, duplo, retomada, parada, reverência, meia volta, volta completa, elevação e salto. Estes como movimentos naturais. Os outros são considerados acidentais, ornamentais e complementares , tais, o passo lateral rápido, a batida e a pirueta. (Portinari, 1980) Contemporâneo à Domenico, o autor, poeta e dançarino Cornazano, em seu livro “ Livro sobre a arte de dançar”, descreve a distinção entre a dança popular e a aristocrática, explicando que a arte nobre se realiza em torno de um enredo ou fábula definida. Dá o nome a esta prática de balletto. Vão surgindo muitos outros tratados de dança, com mais regras e definições técnicas, até o surgimento do ballet de corte, com seu apogeu no reinado de Luís XIV. Para o conhecimento desta história da dança, há um importante documento escrito em 1588, a Orchésographie de Thoinot Arbeau, em que coloca a dança como uma benção divina traduzida pelo homem em movimentos, assim como estipula as regras fundamentais para as cinco posições do ballet. Em 1669 foi criada a Académie Royale de Musique, que tinha uma escola de dança, sendo a futura Ópera de Paris. Entre esta data e o início do século XVIII Beauchamp, mestre de dança, fixa as posições do ballet, tal como são realizadas até hoje. (Portinari, 1980) O ballet foi se desenvolvendo, passando pelo ballet ópera, o ballet d'action, mais expressivo, ao ballet pantomima, até se tornar o ballet profissional. Assim, da França o ballet é disseminado por toda a Europa. Com o advento do romantismo, a valsa toma forma e se expande pelos bailes e salões do século XIX. O pas de deux iniciado pelo ballet toma a sua forma ao público pela dança de salão, que antes do desenvolvimento do ballet já tinha uma dança de casais que era a

25 basse dance( século XIV), base para o ballet. No seu surgimento, a dança de salão era dançada pela aristocracia, sendo reservada apenas à corte. E é nesta que surge a valsa, dentre outras modalidades de casal, sendo considerada um grande avanço para a dança, pois permitia as mãos à cintura da dama pelo cavalheiro. Esta prática foi levada aos países colonizados pelos europeus, tendo suas misturas em cada um deles, e a criação de novas danças de acordo com as culturas, por exemplo, no Brasil o samba de gafieira, em Cuba a cumbia, o swing nos Estados Unidos, o tango na Argentina e muitas outras que tiveram influência desta prática europeia, além das influências africanas e da própria cultura local. (Portinari, 1980) Percebe-se que a dança é submetida às implicações culturais, sociais, políticas e econômicas, isto pela divisão que ocorre neste meio, tendo danças aristocráticas e folclóricas, mas também quanto ao seu desenvolvimento enquanto manifestação artística. Em todas as culturas em que foi levada, a dança sempre sofreu modificações de acordo com o momento em que a sociedade se encontrava, pois trata-se de uma expressão advinda das pessoas participantes deste meio social. Desta forma, a dança representa muito da cultura do seu povo, mesmo tendo a sua técnica proveniente de outro país, ela se adapta à realidade, sendo sempre uma arte do presente, do agora, não importando de onde surgiu a sua técnica ou inspiração. Tendo em vista que a dança é algo construído no presente, e que representa algo que se quer demonstrar ou dizer que faz parte da realidade atual. Na sociedade contemporânea, a dança toma outras formas além das descritas na historicidade da dança, surgem os grandes nomes da dança contemporânea e moderna, Isadora Duncan e Martha Graham são alguns destes nomes, a primeira representando a natureza e seus fenômenos, e a segunda voltada ao homem em seu próprio ritmo natural. A dança contemporânea tem a sua aplicação na atualidade com diversas vertentes e dissidentes, a todos os momentos coisas novas são criadas, visando demonstrar o homem em sua realidade cotidiana. Passando por este veio estilístico, indo de encontro à população em geral, têm-se a dança de salão. Esta que domina os salões e escolas de dança da atualidade. Esta também como modalidade de dança a que se refere este estudo. (Almeida, 2005) A dança de salão possui diversas modalidades e expressões rítmicas, sendo executada inclusive para fins competitivos. A prática competitiva é diferente da prática nos salões, pois exige do participante uma alta concentração podendo também elevar os seus níveis de estresse devido ao alto grau de exigência e cobrança. A dança de salão competitiva, denominada DanceSport em 1980 ganhou seu espaço na cultura americana, sendo reconhecida como um esporte olímpico em 1997. A autora McMains afirma que a dança competitiva tem seu esplendor e monstruosidades, estas

26 advindas da cultura do glamour americano. Referindo-se a este último como uma máquina de glamour. Muitas pessoas começam a dançar a dança de salão para alcançar este glamour vendido pela mídia, sabendo que mesmo sendo amadores podem encarar competições para este referido público. Percebe-se neste sentido, a dança como um produto, manipulado pela economia capitalista. ( Rohleder; Beulen; Chen; Wolf & Kirschbaum, 2007; McMains, 2006) Além da dança de salão competitiva, existe simplesmente a dança de salão, esta encontrada nos bailes e festas com este intuito, e também esta aprendida nas escolas de dança para se dançar com o parceiro, ou parceira, para dançar para algum evento, seja qual for o motivo pessoal que motiva a pessoa a dançar. A dança de salão, devido aos seus inúmeros estilos, tem uma grande possibilidade criativa a dois. É uma dança com algumas exigências, tais que necessita de um parceiro para a sua execução, deve-se perceber o ritmo e a música, dominar os passos, manter a elegância e a postura enquanto dança e estabelecer uma conexão com o parceiro, para que ambos entrem em uma sintonia e consigam manter a dança equilibrada. Assim, dependerá das motivações do sujeito que dança como este quer dançar, se com movimentos acrobáticos e aéreos, mais exibicionista, ou executando apenas os passos pertinentes à dança de salão. A isto dependerá da subjetividade de cada um e cada casal que dança. Cada qual pode criar as suas figuras de dança, ou seja, o seu estilo dentro de cada dança. (Almeida, 2005; Volp, Deutsch & Schwartz, 1995) A

dança de salão é uma atividade, facilmente adaptável às habilidades individuais,sendo

acessível a qualquer gênero, e faixa etária. É uma atividade de dança aos pares que mantém contato corporal entre si enquanto dançam. São duas as posições básicas de contato, a posição fechada em que a dama é envolvida pelo cavalheiro que dispõe sua mão direita nas costas dela e suporta a mão direita da dama em sua mão esquerda, ficando o casal de frente um para o outro, podendo deixar um espaço livre maior ou menor em seu distanciamento que é bem próximo devido à posição dos braços. Na posição aberta o casal tem mais espaço entre si, e o maior ponto de contato é uma das mãos do cavalheiro que segura uma das mãos da dama. Os passos são uma variação do andar associados a giros de diversas formas. Estes passos desenham o espaço dinamizando a estética e visualização da dança. ( Volp, Deutsch & Schwartz, 1995) Nesta repassada histórica , e com o panorama da dança no mundo atual, pode-se perceber que : A dança é uma das formas mais antigas de comunicação criativa do homem. Ela tem uma peculiaridade que a diferencia das outras formas de expressão, que é o fato de existir sempre no presente. Ela é criada e recriada a cada instante. Durante a sua execução, não há divisão entre criador e criação.

27 Tudo se realiza dentro e através do dançarino. O instante poético da dança remete a uma vivência de eternidade. Essa dupla natureza da dança que compreende a fugacidade do instante que passa e que também nos remete a uma dimensão atemporal, abre a possibilidade de contato com níveis mais profundos de vivência e visão criativa da existência. (Almeida, p. 15, 2009) O sujeito que dança entra em contato com a sua presença no mundo composto pela terra, água, ar, fogo e éter. Neste mundo é aberto um espaço para a experimentação de como se localiza o corpo, como ele é sentido neste universo de sensações, se ele é pesado, leve, comprido, curto, flexível, rígido. Também se ele é dilacerado, incômodo, pode então vir a ser o lugar da experiência de modos diferentes para a percepção do mundo, sendo pela sensação, pensamento, sentimento, intuição, pela externalização ou internalização, ou mesmo pela completude entre os mais diversos aspectos do ser humano. Por meio da dança o corpo torna-se poético, fonte de imagens, e inúmeras sensações. ( Almeida, 2009) Na dança percebe-se uma atividade passiva do ser humano. É nela que se exterioriza aquilo que é interior, e isto tende a coincidir com a realidade. Esta exterioridade só é visível ao outro e só existe para os outros, fundindo-se com a atividade interna orgânica que reconhece a si mesma. Na dança o sujeito se consolida em sua existência e participa da existência do outro, o que dança no sujeito é a atualidade, esta validada em seu valor externo, é o outro que dança em si. Desta forma, o social na dança remete-se à vida de onde o corpo emerge para reinventá-la e expressá-la. A dança é a estetização do movimento da vida. Viver é movimentar-se, e a dança é uma forma condensada e estilizada da vida. A dança se alimenta dos movimentos da vida. (Bakhtin, 1979/ 1997; Reis & Zanella, 2007; Garaudy, 1980) Na dança todo movimento tem uma intenção. Esta faz da tensão muscular e do seu relaxamento um movimento de dança, no qual um conteúdo ganha forma. Forma e conteúdo são instâncias inseparáveis que se concretizam no corpo dançante. Uma dança, mesmo que com a técnica perfeita, será sempre medíocre se o coreógrafo e o dançarino não tiverem nada a dizer. Um movimento sem motivação é inconcebível para o dançarino. O aprendizado da técnica objetiva naturalizar os movimentos construídos, isso é possível através da incorporação pelo sujeito que dança. Sendo assim, a dança é o corpo transfigurando-se em formas. Aquele que dança transforma seu próprio corpo, se molda e se remodela, se reconfigura. Quando a dança se manifesta no corpo, a todo instante transforma esse corpo, multiplicando-o, diversificando-o, tornando-o vários corpos que se sucedem. ( Garaudy,1980; Dantas citado em Reis & Zanella, 2007) Porém, a dança não significa reproduzir uma forma. Esta por si só é fria, estática e

28 redundante. A técnica existe para limpar o movimento, trazendo clareza e objetividade ao mesmo, não para reduzir o movimento à técnica, mas para ampliar o seu conteúdo e expressão, aliando o movimento do impulso vital à técnica. Partindo-se da técnica, a dança é uma utilização de movimentos e formas inserido em um ritmo pré estabelecido, no qual a dinâmica do movimento e a energia emanada pelas tensões e contrações musculares faz com que o movimento possa ser forte, rápido, enérgico e dinâmico. A dinâmica da dança é variável, dependendo da necessidade de trabalho muscular e da intensidade emocional imbuída no processo. Esta se manifesta no movimento, no qual é liberado uma força que se distribui nos contornos do corpo, ou pela sua distribuição no espaço. (Gadens, 2001). A dança é a capacidade de transformar qualquer movimento do corpo em arte. A dança oferece um meio de expressão que envolve todo o ser humano. O movimento produzido por este intermédio refletem o eu do indivíduo, sendo este o meio mais íntimo do ser humano. É a forma mais pura de arte lúdica e expressiva passada através de movimentos e gestos. Além de conhecer o seu movimento próprio, o indivíduo integra-se na cultura, descobrindo a expressão de seu corpo por intermédio da cultura. ( Bisconsin, 1994) A dança como continuidade orgânica do homem com a natureza humana em função da técnica, sempre em processo de recriação, de superação de si e das ordens existentes, exprime as angústias, combates e esperanças do homem. Além disto, expressa a tragédia, a mística, o heroísmo e a poesia, sendo na dança em que o homem vive no seu plano mais elevado. (Garaudy, 1980) 1.3. A dança e a questão de gênero

Sob o ponto de visto histórico, a dança sempre foi executada por ambos os sexos, sendo na antiguidade, compreendida aqui pela Grécia e Roma, banida a participação da mulher em apresentações públicas, somente retornando no final da Idade Média. Porém enquanto a mulher dançava no folclore, ou às escondidas com disfarces masculinos, o homem dançava com costumes e gestos efeminados indicando uma participação feminina interna, da interpretação do próprio homem que ali se colocava na dança. A dança tem em si uma participação e formação muito forte dos gêneros e da sexualidade, dado o seu desenvolvimento histórico e cultural. (Santos,& Seffner, 2009; Portinari, 1980) Torna-se necessária aqui uma explanação acerca do conceito de gênero e como se aplica ao corpo do sujeito. O gênero refere-se a qualquer construção social que implique a distinção entre o masculino e o feminino, incluindo, assim, as construções que separam os corpos femininos de

29 corpos masculinos. Sendo assim, observa-se o sexo como uma construção cultural, sendo o corpo investido de tal forma em sua materialidade pelos contextos em que se encontra . Partindo-se destes pressupostos de gênero e sexo, percebe-se que a

sociedade forma a personalidade , o

comportamento e a forma do corpo. ( Bourdieu, 2002 ; Matos e Lopes, 2008) A diferenciação entre masculino e feminino é algo cultural, dado pelos poderes investidos no sistema econômico e na legitimação da dominação masculina na cultura vigente. Pela legitimação, as coisas assumem um caráter naturalizado, ou seja, como se esta divisão de sexos fosse algo ahistórico, existente desde sempre. Mas pelo contrário, é algo construído e constantemente reafirmado pelo social. A diferenciação instalada no corpo é algo criado, percebido pela história da medicina da mulher por exemplo. Até o período do renascimento, a mulher tinha o seu corpo tratado como se fosse igual ao do homem, constituído pelos mesmo órgãos, porém com o falo virado para dentro. Sendo assim, a visão da mulher fica como o polo negativo, o baixo, o dentro, o interno, o úmido. E estes termos, dentro, fora, alto, baixo, mole e duro entram na linguagem corriqueira como outra forma de dominação. ( Bourdieu, 2002) Na dança as questões de gênero são colocadas em cena, já que o gênero é algo externo ao corpo, ou seja, não é uma experiência interna, mas construída a partir de um rito constituído por um conjunto de ações normatizadas culturalmente. Sendo assim, a dança é uma forma de aplicação das normas do gênero, explicitando como deve ser usado o corpo dos indivíduos dançantes, se femininos ou masculinos. Como no caso da dança de salão, os papéis são explicitados e definidos conforme a norma de gênero. Fixada no corpo, esta diferenciação aparece de maneira muito clara na dança de salão, em que as mulheres posicionam-se aos braços dos homens que as carregam pelas suas cinturas. Sendo a regra fundamental da dança de salão que quem domina é o homem, é ele o encarregado de levar a mulher e de conduzi-la pelo salão. Ele decide para onde vão e que passos farão a partir da sua intenção de corpo. Assim, a ordem masculina inscrita nas coisas cotidianas aparece, assinalando um lugar de obediência e submissão por parte da mulher. Isto pelo sentido biológico de que o homem seria mais forte e por isso dominante, de que este deve ser viril e por isso aquele que comanda. Sendo a dança parte da linguagem, é passível também a sua interpretação como um discurso fixado no corpo, transmitido e recebido por este. (Bourdieu, 2002; Zamboni & Carvalho, 2007; Andreoli, 2010) Nos dias de hoje, a dança é predominantemente feminina, tendo restritas práticas de dança possíveis aos homens. Parafraseando Santos e Seffner (2009), a dança possui muitos movimentos que são considerados femininos, tais como o rebolar e os movimentos leves. Para os padrões femininos e masculinos atuais, estes movimentos são predominantemente femininos e descrevem a

30 mulher como portadora deste conjunto de movimentos. Desta forma,como a dança trabalha com movimentos corporais, em sua grande parte, exigindo leveza do corpo, isto traz uma exigência daquele que dança, para que tenha uma suavidade nos movimentos, assim como uma postura firme além da dedicação à atividade. A crença é de que a dança levará a um corpo leve, suave e feminino, contrário ao corpo musculoso, viril e forte desejado e impelido pela cultura atual. ( Assis, 2008) Bourdieu(2002) afirma que a maior humilhação para o homem é ser comparado à uma mulher, assim surgem diversas manifestações de virilidade, coragem e força. A força particular masculina advém deste acumular e condensar a legitimação da relação de dominação, inscrevendo-a em uma natureza biológica que é uma construção social naturalizada. Este dito privilégio masculino, pode ser percebido como uma cilada para o homem, em que impõe a ele o dever de afirmar em toda e qualquer circunstância a sua virilidade.

Sendo esta última a capacidade

reprodutiva, social, sexual e uma aptidão ao combate e exercício da violência, podendo desta forma ser entendida como uma carga psíquica carregada pelo homem. Assim, existem coisas “não permitidas” ao homem, como este demonstrar o seu lado feminino, por exemplo. Desta forma, toda e qualquer atividade que for considerada pela sociedade como feminina, não é executável pelo homem, isto em uma reação ao medo do feminino, ou da feminização. A coragem encontra o seu princípio, portanto, “no medo de perder a estima ou consideração do grupo e se ver remetido à categoria dada como tipicamente feminina dos “fracos”, “delicados”, “mulherzinhas” e “veados”.”(p.33, 2002) Percebe-se que a coragem está mais para covardia do que para valentia, já que tem a sua base no medo da exclusão do mundo viril, do mundo dos homens sem fraquezas. Percebe-se que o corpo é atualmente percebido apenas em sua natureza biológica construída simbolicamente pelo social. Tal construção apela ao consumo estético encontrado nas relações de gênero dadas inclusive pela dominação. Destarte as pessoas agem de maneira automática, sem se darem conta de seus valores preconceituosos e de sua afirmação em malefício próprio. Isto porque as inscrições nos corpos dadas pelo meio social, estão enraizadas de tal forma no interior das pessoas que estas têm uma grande dificuldade em se dar conta deste processo. E como Bourdieu (2002) reforça que, mesmo que as pessoas se deem conta, continuarão com a legitimação da dominação graças às suas defesas já predefinidas pelos próprios dominantes aos dominados. Assim parece ser um circuito sem fim, o que é próximo disto já que a conscientização coletiva é algo praticamente utópico nos dias de hoje. (Giuseppe & Romero, 2004) Nesta breve explanação acerca de gênero, dança e sua construção social, percebe-se que o corpo que dança não é algo individualizado, mas que está dado nas relações com um outro. Na dança de salão isto fica bem claro, primeiramente pelo fator de que exige um contato constante de

31 dois corpos, geralmente do sexo oposto. Assim, o homem constrói uma relação dialógica com o outro, promovendo pela dança um espaço de discursividade em que emergem os sentidos do corpo. Este espaço advindo da dança pode permitir a construção de novos sentidos e diferentes formas de comunicação ou de discurso, isto porque deixa um espaço livre na relação com o outro para que um interfira no outro com o seu corpo. (Zamboni & Carvalho, 2007) O sujeito se constituindo na relação remete ao conceito implicado por Bakthin o sujeito é para o outro e por meio deste absorve sentido para si mesmo. Sendo assim, para o sujeito enxergar a si mesmo, observa como é refletido nas reações das outras pessoas, agindo conforme estas esperam e conforme isto possa ser afirmado socialmente. A isto aplica-se o dançar, que muitas vezes não é feito pelo homem, justamente pela sociedade recriminar este feito ou dizê-lo como algo da ordem do feminino. Também aplica-se ao próprio momento da dança em que o sujeito está dependente das reações do outro e assim sente-se afirmado também pela reação deste, sabendo , desta forma se está se saindo de forma efetiva ou não. (Bakthin citado em Jobim e Souza, 2005; Giusepp & Romero, 2004; Zamboni & Carvalho, 2007) Na prática social da dança é permitida a interlocução entre os corpos dançantes, uma troca entre conceitos que produz efeitos ideológicos e sociais que atravessam os sujeitos na relação. Sendo uma possibilidade de linguagem, a dança, mais especificamente, a dança de salão, é um espaço para a emergência de sentidos, viabilizando a construção do sujeito por intermédio da relação dialógica. Assim, na dança de salão podem ser encontrados os aspectos de alteridade, especularidade e complementaridade encontrados na análise do discurso. Portanto, a dança de salão pode proporcionar um espaço de convivência em grupo, ou ao menos a dois ou três, a partir desta convivência a dança pode minimizar a angústia e o medo de ficar só, também contribuindo para a construção da imagem própria e do outro, trazendo com isto maior respeito pelo outro, podendo ir além desta relação, superando paradigmas sociais formadores de preconceitos e valores acerca de si mesmo e do outro. ( Zamboni & Carvalho, 2007) Resumindo, a dança na questão de gênero possui diversas possibilidades, encontra-se nesta a segregação dos sujeitos, assim como a sua aproximação e significação de valores sociais a partir de sua prática. A segregação dentro da prática da dança encontra-se no próprio meio social em que é afirmado o poder hegemônico masculino, como em danças específicas, voltadas ao ballet, jazz, dança contemporânea, em que é refutada a participação masculina, assim como no que se diz respeito à dança de salão e hip hop. A segregação não ocorre da mesma forma, pois nestas últimas o homem se afirma como masculino em sua progressão de movimentos que demonstram força, virilidade, destreza e coragem. São nestas que o homem consegue se afirmar e confirmar a hegemonia e nas outras que ele aponta e humilha o outro segregando os grupos de homens que

32 dançam masculino dos homens que dançam feminino. (Andreoli, 2010) Por fim, percebe-se que a questão de gênero na dança é algo que está muito além da problemática sexual, indo para a segregação, o preconceito e a afirmação do poder. Por exemplo, quando dançada por alguns homens, a utilizam como forma de sedução das mulheres e como afirmação de seu poder exercido sobre elas. Quando um homem dança com movimentos leves e suaves este é tido como efeminado e este sai do mundo da virilidade sendo apontado de maneira vergonhosa pelos outros homens. Neste jogo de relações e valores sociais, o homem não consegue perceber o seu lado feminino, escondendo-o com todas as suas forças, tornando-se rude consigo mesmo e com os outros que o cercam. Assim a dança diz respeito a muitas outras áreas do conhecimento, como a pedagogia, a psicologia , a sociologia e a antropologia, todas estas áreas que auxiliam na compreensão deste fenômeno que ocorre no mundo de maneira geral. Não é só na dança que existe a segregação e o preconceito , isto ocorre em todas as áreas da vida. È importante perceber isto na dança com o meio de estudar estes fenômenos, auxiliando na sua compreensão, e quem sabe, propondo uma reflexão acerca do assunto para que surjam soluções para a conscientização do todo.

2. Psicologia analítica : conceitos e relações teóricas A Psicologia Analítica apresenta diversos conceitos que devem ser explorados para o seu entendimento, tais como os de energia psíquica, inconsciente, consciente, self, individuação, arquétipos, sombra, persona, anima e animus, alma e corpo. Todos estes conceitos são relacionados e serão brevemente explorados nesta revisão. Não cabe a este estudo apresentar os conceitos esgotando-os, mas sim fazer uma relação entre a obra de Jung e os objetivos propostos na pesquisa. A teoria junguiana possui conceitos divergentes dos da psicanálise, sua predecessora, porém, muitos possuem uma nomenclatura idêntica que deve ser diferenciada para não haver confusões em seu entendimento. Um dos conceitos distinto em sua concepção é o conceito de libido, ou energia psíquica. Libido é o instinto permanente da vida, é manifestado pela fome, sede, sexualidade, agressividade e interesses e necessidades das mais diversas. Esta energia é a intensidade do processo psíquico. Esta libido da qual fala Jung, não é apenas não concreta, ou algo da ordem do desconhecido, mas sim uma expressão para falar a respeito do ponto de vista energético. (Jung, 1928/2002; Silveira, 1981) É importante ter em mente o conceito de energia psíquica para a compreensão do psiquismo, sendo este concebido por Jung como um sistema enérgico fechado, que possui um potencial que

33 permanece o mesmo em quantidade por meio de suas manifestações no decorrer da vida dos indivíduos. Para entender o dinamismo da energia psíquica, deve-se pensar que a mesma é constante, o que varia é a sua distribuição, ou seja, ela cessa o investimento um conteúdo para aparecer novamente em outra forma ou conteúdo. Isto ocorre em diversas expressões da energia que sofre metamorfoses nos fenômenos psíquicos. Sendo que todos os fenômenos psíquicos são de natureza energética. Há uma parte da energia psíquica que fica à disposição da consciência, esta denominada vontade, tendo esta liberdade em realizar escolhas, o ego deve considerar a própria situação, a do outro e do contexto, devendo se responsabilizar por suas decisões. Assim, a vontade necessita de uma consciência de si mesmo, diferenciando-se assim do instinto puro e cego. A relação entre este último com a vontade gera um conflito essencial constituinte da psique, o conflito entre o instinto e a liberdade de escolha. (Albertini & Freitas, 2009 ; Jung, 1927/2000; Silveira, 1981) A psique é estruturada pelo inconsciente e o consciente, sendo esta representante de todos os conteúdos psíquicos. “Poder-se-á representar a psique como um vasto oceano (inconsciente) no qual emerge pequena ilha (consciente).” (Silveira, p. 61, 1981). O consciente é uma parte da psique ligada ao ego. Este é como uma superfície com limites dados por uma circunferência. Esta superfície pode ser considerada como o campo da consciência, com um centro a que é apresentado tudo aquilo que integra a consciência, sendo este denominado ego ou eu. Sendo uma superfície limitada por uma circunferência, esta recebe conteúdos dos lados internos e externos. Sendo assim, a consciência pode ser aumentada por conhecimento das coisas externas, sendo limitada pelo inconsciente, pelo desconhecido, o qual pode ser parcialmente conhecido no processo de desenvolvimento do sujeito. (Silveira, 1981; Santos, 1976) Na superfície do psiquismo encontra-se a parte consciente, na qual localiza-se a persona. Para integrar-se no coletivo, o homem utiliza-se da persona, sendo esta uma máscara utilizada pelo homem no meio social . O homem assume uma aparência divergente daquela do seu modo autêntico de ser, isto para adaptar-se às exigências do mundo exterior. Veste, portanto uma máscara, uma aparência artificial, apresentando-se como os outros esperam que este sujeito seja, ou da forma como gostaria de ser visto. Nas profissões, por exemplo, os sujeitos mantém uma fachada de acordo com as suas exigências profissionais vistas as convenções coletivas. Portanto, a persona tem o seu molde a partir da psique coletiva. (Jung, 1916/2008; Silveira, 1981) A persona é um sistema que relaciona o consciente individual com a sociedade. É uma máscara, vestida no teatro da vida, provocando um efeito sobre o outro e escondendo a verdadeira natureza do sujeito. A persona se faz necessária ao meio social, visto que as exigências do meio fazem com que ela exista. Jung exemplifica que a sociedade quer que o sapateiro seja somente um

34 sapateiro, posto que somente um sapateiro que não seja poeta fará com perícia bons sapatos. Isto quer dizer que a sociedade tem expectativas quanto ao desempenho dos sujeitos participantes dela. Esta espera que todo o indivíduo tenha o melhor desempenho possível na tarefa que realiza. Mas para tal, nem sempre as características individuais vão lhe conferir a verdadeira realização destas expectativas, destarte, o indivíduo cria uma falsa personalidade. A consciência é separada então, em duas figuras distintas, mas necessárias à boa convivência, feita uma concessão e um auto sacrifício ao meio em que se vive. Porém, muitas pessoas podem se identificar com a persona, o que as leva a crer que são aquilo que imaginam ser. No inconsciente esta máscara é compensada por uma vida íntima e privada. (Jung, 1916/2008) Para que o sujeito identifique-se com a persona, este deve ter influências do meio social, assim como influências internas. É “(...) como se o inconsciente oprimisse o eu, com o mesmo poder que a persona exerce sobre ele. A falta de resistência exterior contra a sedução da persona, corresponde uma fraqueza interior relativa às influências do inconsciente.”( Jung, p. 81, 1916/2008) As forças externas, e o papel desempenhado no meio em que o homem vive, toma força e lugar internamente e ali vai se desenvolvendo uma fraqueza feminina, e se externamente o homem desempenha um papel de forte e masculino, internamente, esta imagem ideal é compensada por esta fraqueza, denominada anima.

E contra estas influências do inconsciente surgem diversas

manifestações como mudanças de estado de espírito momentâneas, caprichos, angustias e uma sexualidade efeminada, culminando na impotência sexual. (Jung, 1916/2008) Mais profundamente e ocupando a maior parte do psiquismo têm-se o inconsciente. O inconsciente compreende o inconsciente coletivo e o pessoal. O inconsciente pessoal refere-se às camadas mais superficiais do inconsciente, neste estão incluídas as percepções com carga energética insuficiente para atingir o consciente, também ideias ainda indiferenciadas, acontecimentos ocorridos na vida que são perdidos pela memória, recordações penosas de serem relembradas, grupos de representações carregados de forte potencial afetivo, incompatíveis com a atitude consciente, e a sombra. (Silveira,1981) A sombra inclui tudo aquilo de sombrio, de tenebroso que habita nos sujeitos. Esta forma-se à medida em que se formam o ego e a persona, sendo portanto relacionada ao consciente. Os conteúdos presentes na sombra são aqueles rechaçados na formação da persona. Não são admitidos pela sociedade, visto que a sociedade intende que os sujeitos sejam perfeitos, sem falhas e defeitos. A sombra dá conta destes conteúdos não assimilados pelo ego, podendo estes retornarem à consciência no futuro. Sendo assim, a sombra tem uma relação dinâmica com o ego e esta relação se faz presente ao longo de toda a vida do indivíduo. O que ocorre com o desconhecimento da sombra, é a sua projeção nos outros. Os indivíduos podem se identificar com a sombra, e quando

35 isto ocorre, a consciência assume a si proporções maiores do que as reais, o que leva o indivíduo a um estado psíquico precário e com falta de limites pessoais. A sombra também está presente nas profundezas do inconsciente, sendo o lado negativo do indivíduo, representado pelo arquétipo da sombra. ( Albertini & Freitas, 2009; Santos, 1976) O

inconsciente coletivo corresponde a camadas mais profundas do inconsciente, aos

fundamentos que estruturam a psique e que são comuns a todos os homens. Traz a herança comum a todos os seres humanos, ou seja, disposições latentes para reações idênticas a todos os humanos. Desta forma, o inconsciente coletivo transcende o indivíduo e independe de particularidades individuais. Em sua estrutura o inconsciente coletivo é composto por arquétipos que são os resíduos arcaicos, ou imagens primordiais presentes em todos os indivíduos. (Albertini & Freitas, 2009 ; Silveira, 1981) O arquétipo é visto como uma tendência para formar representações acerca de um motivo, podendo ter diversas variações sem que se perca a sua configuração primordial. Nota-se que o arquétipo é uma tendência instintiva, sendo também uma manifestação que revela a sua presença por meio de imagens simbólicas que possuem uma repetição observada em diversos locais do mundo. O arquétipo funciona como uma rede de concentração de energia psíquica. Quando esta energia atualiza-se, toma forma de imagem arquetípica. O arquétipo permite se compreender o porquê da existência de um mesmo tema em diversas culturas, repetindo-se em contos de fadas, mitos, artes, dentre outros elementos da cultura e inconsciente humanos. (Albertini & Freitas, 2009 ; Jung, 1964; Silveira, 1981) O homem possui em seu inconsciente uma feminilidade, esta denominada anima. Esta é a representação psíquica dos genes femininos presentes no corpo do homem. Esta é composta por um aglomerado hereditário inconsciente, um resíduo arquetípico das impressões acerca da mulher. Esta parcela do homem é frequentemente rechaçada, permanecendo no interior do homem, e sendo manifestada de forma negativa, como se colocou no parágrafo anterior. E quando ela deixa de ser projetada no outro, ou seja, quando o consciente passa a se relacionar com este arquétipo, há uma confrontação com o ego, as suas personificações são desfeitas, e assim a anima torna-se uma função psicológica importante. Isto implica na evolução da anima no homem, e portanto esta se dispõe como uma função de relacionamento com o mundo interno, fazendo um meio de campo o consciente e o inconsciente, na função de relacionamento com o mundo exterior, como um sentimento conscientemente aceito pelo homem. (Santos, 1976; Silveira, 1981) Assim como existe uma parcela feminina no homem, existe também uma parcela de genes masculinos na mulher. Esta parcela masculina e inconsciente da mulher é denominada animus. É manifestada por uma intelectualidade mal diferenciada e simplista, podendo resultar também em

36 quebra de laços amorosos. O animus carrega em si as experiências hereditárias acerca do masculino, ou seja, carrega em si o arquétipo masculino. O animus é susceptível de evoluir,e de se transformar e se integrar na consciência da mulher. Neste processo, o animus assume uma função de mediador entre o inconsciente e o consciente, e faz com que a mulher tenha a capacidade de reflexão, busca pelo auto conhecimento e gosto pelas coisas do espírito. (Silveira, 1981) Nas profundezas do inconsciente coletivo habita um centro ordenador chamado de self, do qual é emanada uma inesgotável fonte de energia. Este equivale ao superego de Freud quando ocorre a renúncia dos desejos egoístas por temor à opinião pública, assim, o self permanece inconsciente e projeta-se ao exterior acatando à consciência moral e coletiva. Outra função do self, contrária à ação do superego, ocorre quando o self torna-se perceptível como um fator psíquico determinante, assim as renúncias feitas em prol do coletivo não são mais motivadas pelo coletivo, mas sim pelas leis internas do sujeito. O self compreende muito mais do que o ego, isto é percebido pela forma como é representado, em mandalas ou outros simbolismos. (Albertini & Freitas, 2009 ; Jung, 1927/2000; Silveira, 1981) Todo indivíduo tem uma potencialidade a ser alcançada, para chegar a este ponto deve-se passar por um processo, sendo este chamado de processo de individuação. É um processo de integração entre aquilo que é consciente com o que é inconsciente. Corresponde ao curso natural da vida, em que o indivíduo se torna aquilo que é e o que sempre foi. A tomada de consciência dos conteúdos inconscientes constelados é um processo árduo, por vezes doloroso, que deve ser integrado com a consciência por meio do ato cognitivo. (Albertini & Freitas, 2009) O self é também chamado de si mesmo, sendo uma circunferência que engloba a consciência e o inconsciente de maneira geral. É o centro desta totalidade, assim como o eu é o centro da consciência. Todo o indivíduo busca esta totalidade, tendendo sempre a se realizar. O processo de individuação “significa tornar-se um ser único, na medida em que por "individualidade" entendermos nossa singularidade mais íntima, última e incomparável, significando também que as pessoas se tornam o próprio si mesmo. Pode-se pois traduzir "individuação" como "tornar-se si mesmo"(Verselbstung) ou "o realizar-se do si mesmo"2 (Selbstverwirklichung).” ( Jung, p.60, 1916/2008) O processo de individuação é o eixo da psicologia junguiana. A individuação significa uma realização que busca a completude das qualidades coletivas do ser humano, ou seja, o indivíduo busca diferenciar as funções e faculdades universais, dada a variabilidade destes fatores, que possibilita ao sujeito ter as suas características individuais. Este é um processo de desenvolvimento psicológico que faz com que o sujeito possa realizar-se em suas qualidades individuais existentes. 2 “ (...)” Grifos do autor.

37 Neste, o homem torna-se único, compreendendo e diferenciando-se do outro. Os fatores universais que fazem parte do homem, são de toda a forma coletivos, e o processo de individuação busca a cooperação destes fatores, o homem como ser único e integrado na coletividade. (Jung, 1916/2008) A individuação é um processo de diferenciação que tem como meta, desvincular o ego da falsa persona e do poder sugestivo das imagens primordiais, o desenvolvimento da personalidade individual. Este não é processo que leva ao isolamento ou individualismo, mas sim a um relacionamento coletivo mais produtivo e intenso. Este processo tem um desenvolvimento que conduz a um novo centro do psiquismo, quando o inconsciente e o consciente ordenam-se ao redor do self, a personalidade é completada. (Jung, 1916/2008; Silveira, 1981) O processo de individuação compreende várias fases. A fase preliminar é o desvestimento das falsas roupagens da persona. Após, trava-se conhecimento com a sombra, e somando-se a isto confronta-se com a anima/animus. Passado este processo, o self (si mesmo) passa a se revelar além das personificações humanas. O reconhecimento da própria sombra, a dissolução de complexos, liquidação de projeções, assimilação de aspectos parciais do psiquismo, a descida ao fundo dos abismos, em suma o confronto entre consciente e inconsciente, produz um alargamento do mundo interior do qual resulta que o centro da nova personalidade, construída durante todo esse longo labor,não mais coincida com o ego. O centro da personalidade estabelece-se agora no self, e a força energética que este irradia englobará todo o sistema psíquico. A consequência será a totalização do ser, e assim o indivíduo não estará mais fragmentado interiormente. O mundo do sujeito agora alcança mais longe, prazeres e sofrimentos serão vivenciados num nível mais alto de consciência. O homem torna-se ele mesmo, um ser completo, composto de consciente e inconsciente incluindo aspecto claros e escuros, masculinos e femininos. ( Silveira, 1981) 2.1. Psicologia Analítica e Psicologia Sócio histórica: A constituição do sujeito e sua relação com a aprendizagem

É importante a compreensão da formação da personalidade do indivíduo, assim como a sua constituição como sujeito. Isto porque para compreender o processo em que o personagem do filme se encontra deve-se levar em conta a fase de desenvolvimento, o momento no ciclo vital e também as relações com a aprendizagem do sujeito. Para Vygotsky, que toma como base o desenvolvimento do indivíduo como resultado de um processo histórico-social, existe uma estreita conexão entre aprendizagem e desenvolvimento. Na experimentação com o ensino pode-se investigar a formulação e o desenvolvimento dos aspectos conscientes das relações do homem com o mundo. Assim como ocorre na presente pesquisa, em que parte do processo de individuação se dá nas

38 relações de ensino e aprendizagem. Quando se fala em desenvolvimento pode-se pensar em progresso, crescimento ou até mesmo ampliação, no que se refere ao desenvolvimento do homem. Para visualizar tal processo pode-se seguir uma via pelos processos biológicos evolutivos ou pelas concepções da antropologia cultural que buscam compreender o homem pela sua interação com a sociedade, como um ser social. Ambas as teorias visualizam o desenvolvimento como um processo linear. O presente trabalho busca ampliar esta visão, por isto, baseia-se nas teorias interacionistas, que possuem uma visão de homem complexa, relacionando os aspectos biológicos e sociais. O desenvolvimento humano é um processo dinâmico, que pode avançar ou retroceder dependendo da configuração de diversos fatores relacionados. Este é um processo dialético complexo, que tem por características a periodicidade, a irregularidade no desenvolvimento das funções superiores e inferiores, a transformação qualitativa e claro, a inter relação de fatores internos e externos e por fim os processos de adaptação às condições apresentadas pelo ambiente. (Lobo e Negrine, 2000) Para Vygotsky o sujeito não se constitui de fenômenos internos e nem se reduz a um reflexo passivo do meio. Este desenvolve-se nas relações sociais, nas quais a sua consciência é de natureza social e cultural. O indivíduo possui um papel ativo nesta relação na qual constrói-se como sujeito, transformando as relações sociais em funções psicológicas superiores. O autor rompe com o paradigma de que o homem ou é controlado pela sociedade ou pela bagagem hereditária, trazendo uma outra visão de homem, que possui funções psíquicas elementares, ditas como biológicas e inconscientes e as superiores, conscientes como sociais. Considera desta forma, o homem como um sujeito da sua vida e como um processo social, cultural e histórico. (Fichtner,1997; Vygotsky, 1991) As funções psicológicas superiores são ações conscientemente controladas, como a atenção voluntária, a memorização ativa, o pensamento abstrato e a ação intencional. As funções no desenvolvimento da criança aparecem primeiramente no plano social e depois no plano psicológico, sendo percebido inicialmente entre as pessoas e secundariamente no interior da criança. Assim , o sujeito cria-se a si mesmo no interior das relações sociais. Sendo a consciência de natureza social e cultural. Para Fichtner(1997) “ a consciência é no fundo um contrato social do indivíduo com si mesmo e com a realidade.” (p. 153) Um sujeito é portanto o resultado da sua própria atividade, que por meio de instrumentos e signos é histórica, social e cultural, sendo estes aspectos que separam aquilo que é individual e social. A constituição do sujeito se dá por esta interação com a sociedade e o indivíduo. A relação entre sujeito e objeto é uma interação ativa do sujeito sobre este. Todas as formas de desenvolvimento superiores se dão graças à interação social, ao contexto cultural. É fundamental a mediação das formas superiores dos processos psíquicos, porque a vontade e a consciência precisam

39 de respostas, e de pessoas que as deem. Sendo estas respostas instrumentos psíquicos materializados em forma de signos, e meios elaborados pela sociedade na sua história. Cada indivíduo transforma no seu individual essas respostas em instrumentos para construir as suas próprias perguntas. (Fitchner, 1997) Ao representar a realidade, o homem opera de acordo como grupo cultural e com os signos utilizados pelo seu grupo social em que se insere, e o símbolo básico para todos os grupos humanos, é a linguagem, que é sistema simbólico de todos os grupos humanos e é vista por Vygotsky como uma função social de intercâmbio, possibilitando ao homem a comunicação com seus semelhantes indo além dos sons, gestos ou expressões. (Vygotsky, 1998; Fichtner, 1997) Partindo da perspectiva vygotskyiana, o processo de transformação dos significados não se extingue durante o desenvolvimento do indivíduo, pois há uma continuidade que tende a diminuir a partir das experiências vivenciadas e estas são enriquecidas e influenciadas pelos conceitos adquiridos na cultura e na aprendizagem em geral. A transformação dos significados das palavras está relacionada ao significado propriamente dito e ao sentido, sendo que o significado é a compreensão das palavras de forma objetiva, enquanto que o sentido varia de acordo com as experiências vivenciadas por cada indivíduo. ( Vygotsky, 1998; Fichtner,1997) No sentido da aprendizagem, o mundo social e as suas atribulações não são simplesmente entregues ao homem, mas se apresentam a ele em forma de desafios que devem ser superados para haver a sua compreensão, assim, o processo de apropriação do conhecimento é sempre ativo, como algo que impulsiona o desenvolvimento humano. Este processo de apreensão, interiorização e compreensão dos conhecimentos é parte da aprendizagem efetiva, na qual o sujeito tem a necessidade de uma ação cognitiva em em relação ao conteúdo e ao significado da objetivação, elaborando-o mentalmente, reproduzindo-o no nível do pensamento e, dessa forma, tornando-o parte integrante de seu psiquismo, extensão de seu próprio ser. (Oliveira, 1991; Fichtner, 1997) Para Jung, este processo de aprendizagem se dá na relação com os objetos, sendo que o autor distingue dois tipos de atitudes em relação a estes: a extrovertida e a introvertida. Na atitude extrovertida o foco de atenção está voltado ao objeto, a libido flui sem embaraços ao encontro do objeto. Na atitude introvertida a atenção esta voltada para o mundo inteiro, a libido recua diante do objeto, pois este parece ter sempre em si algo ameaçador que afeta o indivíduo. Esta relação com o mundo externo em ambas as atitudes se dá por meio da consciência, sendo esta a função que mantém a relação entre os conteúdos psíquicos e o eu. Se um objeto não está associado ao eu, esse objeto é inconsciente. Portanto, qualquer conteúdo psíquico para se tornar consciente terá que ter, necessariamente, relação com o eu. (Jung, 1921/1985) Esta relação se dá pelos tipos psicológicos propostos por Jung, que considera que o processo

40 de aprendizagem é uma experiência ímpar, construída sobre uma base que recebe influências diversas. Jung( 1921/1985) descreve as funções da personalidade, em sensação, pensamento, sentimento e intuição. Para o autor, o objetivo do desenvolvimento humano é a globalidade e o equilíbrio das quatro funções que serão descritas mais especificamente logo abaixo. A sensação como função psíquica é fundamentalmente irracional, refere-se à percepção sensorial. Tendo constatado a presença do objeto na proximidade do sujeito, uma segunda função traz a informação do que é esse objeto. Essa função de conhecimento, de conclusões intelectuais, é o pensamento e constitui uma função racional. A impressão sentida no momento de contato com o objeto é a intuição, uma função irracional pela percepção espontânea de vagas possibilidades, caracteriza-se por ser uma percepção via inconsciente. A função do sentimento dita o valor do objeto, é uma função racional que formula um juízo de valor acerca do objeto. (Santos, 1976; Jung, 1921/1985) As funções racionais e irracionais excluem-se mutualmente no seu exercício: pensamento e sentimento se opõem, assim como sensação e intuição. Cada pessoa utiliza de preferência uma função que se torna dominante, deixando a sua função oposta numa indiferenciação próxima do inconsciente. Sendo que cada sujeito é orientado por essas quatro funções para estabelecer relações com o mundo exterior. (Santos, 1976) Na obra “ O desenvolvimento da personalidade” (1910/1986), Jung afirma que a criança possui uma psique extremamente influenciável e dependente, que se movimenta por completo no círculo de pensamento advindo da psique dos pais, e que somente mais tarde, no decorrer de seu desenvolvimento irá conseguir sair deste círculo e libertar-se. Este processo constitui a individualidade do sujeito, sendo esta uma combinação de fatores coletivos, os quais na psique dos pais se encontram potencialmente presentes. Não apenas o corpo da criança, mas também sua alma, provêm da série dos antepassados, no sentido de que ela pode ser distinguida individualmente da alma coletiva da humanidade. Ao referido, Jung fala dos arquétipos existentes na formação da psique e a sua distinção no inconsciente coletivo. A formação da consciência para a psicologia analítica ocorre de maneira semelhante à formação desta para a psicologia sócio histórica A consciência vai sendo formada nos primeiros anos de vida por um agrupamento de fragmentos, sendo este um processo que nunca se encerra no desenvolvimento do sujeito. Esse desenvolvimento se dá pela relação de um processo inconsciente com um processo consciente. A cultura é a consciência, sendo que inicialmente o sujeito possui uma consciência primitiva seguindo para uma consciência civilizada.

Neste aspecto nota-se uma

percepção de homem em seu estado natural e em seu estado modificado pela cultura, admitindo-se as duas visões na constituição do sujeito. (Jung, 1910/1986; Albertini e Freitas, 2009)

41 Na visão da psicologia analítica o ser humano já nasce com uma certa estrutura psíquica, algo herdado pela humanidade, a esta estrutura chama-se arquétipos que contém em seu interior o potencial do processo de individuação. Os arquétipos são expressos desde a concepção do sujeito por meio de imagens primordiais advindas do inconsciente coletivo, sendo este último primordialmente criativo. O sujeito, portanto, desenvolve-se a partir desta matriz inconsciente arquetípica. ( Albertini & Freitas, 2009) Quanto às funções superiores indicadas por Vygotsky, Jung comenta acerca de conteúdos psíquicos que são produzidos ou causados por um ato de vontade, sendo produtos de uma atividade que parte de uma intenção , portanto consciente. Porém, a vontade não está fundamentada apenas na consciência, já que é um fenômeno próprio do sujeito que deseja, lembrando que este sujeito tem uma base inconsciente e que a consciência é uma função da psique inconsciente. “O sujeito da consciência, denominado "eu", é constituído, em parte, das disposições herdadas (os constituintes do caráter) e, de outra parte, das impressões adquiridas inconscientemente, bem como de suas manifestações subsequentes.” (Jung, p.86, 1910/1986) Condensando os conceitos aqui discutidos acerca da constituição do sujeito e suas relações de aprendizagem, nota-se que há uma complementaridade entre Vygotsky e Jung, observando que ambos percebem a aprendizagem de maneira complexa. Isto porque entendem esta última como um processo contínuo que se relaciona com a parte biológica e social dos indivíduos, sendo um sistema de relações que dependem de fatores diversos. Tais fatores podem ser conscientes, inconscientes, internos, externos, sociais, individuais, familiares, temporais, enfim, uma série de aspectos correlacionados para uma aprendizagem efetiva, processo propulsor do desenvolvimento humano que aprende com a relação com o mundo externo a partir de seus conteúdos internos e vice e versa.

2.2. Expandindo conceitos: A meia idade Após a compreensão de como se dá o processo de aprendizagem e de constituição do sujeito, é importante verificar em que momento de vida este se encontra, contextualizando-o de acordo com o período do ciclo vital que está passando. Como este trabalho foca-se no processo de individuação, e levando em conta que este processo ocorre na segunda metade da vida, cabe aqui caraterizá-la e comentá-la nas visões sistêmica, junguiana e eriksoniana. Foram escolhidas estas linhas de pensamento devido à convergência de informações e conhecimentos que juntos enriquecem a compreensão acerca desta fase da vida. A idade madura é a fase mais longa do ciclo vital, conforme afirmam Cerveny &

42 Berthoud(2002), pois envolve diversas transformações nos membros da família, os filhos vão tendo uma autonomia maior, começam a sair de casa, novos membros entram na família. Estes são apenas alguns aspectos citados por alto, referentes ao que ocorre na família neste período. As autoras referem que neste período são encontrados quatro fenômenos psíquicos que podem ser observados na família . O primeiro deles é a remodelação das relações. Neste fenômeno há uma modificação na relação com os filhos e com o cônjuge. Com os filhos ou porque estes já estão adultos, ou estão na adolescência. A atitude com ambos é diferente e influi certamente nesta relação. Para os filhos, passam a estabelecer novos objetivos na vida, vão passando para a vida adulta com suas atribuições e responsabilidades. Para os pais, passam a rever a parentalidade, fazem um balanço daquilo que deu certo, de como agiram com os filhos e dependendo, surge um sentimento de gratificação, de dever cumprido. Porém surge uma nova forma de exercer a parentalidade, sendo esta mais à distância, mais livre. Podem surgir sentimentos de saudade, sensação de vazio e de desintegração da família. (Cerveny & Berthoud, 2002) Quanto ao casal, cria-se um novo sentido da relação advinda da maturidade, dos acontecimentos com os filhos, os valores são diferentes, e a vida tem um novo sentido. Neste processo avalia-se o casamento, verificando os erros e os acertos, há uma maior liberdade de ação, a redescoberta do outro, o prazer ou não de estar com o cônjuge, havendo uma maior atenção em relação ao outro. Pode haver ainda a transformação do ideal romântico inicial em um relacionamento maduro baseado na cumplicidade, companheirismo, no reconhecimento dos defeitos e das qualidades, respeitando a liberdade do outro, sendo mais flexível, cedendo, dentre outros aspectos. A partir disto alcança-se uma consolidação do casamento. Claro que, se o casal se dá conta do contrário, com os conflitos evidenciados , divergências de ideias, falta de comunicação, mundos muito diferentes e grande afastamento, o casal acaba por romper com o laço conjugal. (Cerveny & Berthoud, 2002) O segundo fenômeno observado na família nesta fase da vida é a adaptação às mudanças. Todos incorporam novos papéis, tomam consciência da finitude, das fragilidades, dos limites da vida e da parentalidade. Há uma mudança de rotina, de realidade. Pode haver também a ampliação ou a consolidação do grupo de amigos. O terceiro fenômeno caracteriza-se por enfrentar desafios, buscando aqui finalizar uma missão, encaminhando os filhos, dando apoio a estes. Para o entendimento desta fase, os pais passam a buscar recursos internos para um maior diálogo, cooperação e união, e externos em outras atividades, auxílio profissional ou religião. (Cerveny & Berthoud, 2002) No quarto fenômeno passa-se a olhar para o futuro, rumo à próxima fase do ciclo vital. Busca-se então uma maior qualidade de vida, cuidando da saúde, dos hábitos, buscando

43 tranquilidade e curtindo a vida de outra maneira. Busca-se novos objetivos na vida, há também o sentimento de fortalecimento, devido à liberação das pressões, podendo ativar a energia para as coisas que realmente importam. Na fase madura, muitas recordações passadas retornam ao presente, via escolhas não realizadas, ou sentimentos que são retomados. Por isso, as pessoas buscam coisas para fazer diferentes daquilo que faziam, mudam de atitudes, tentam consertar as coisas para não ficarem perdidas. (Cerveny & Berthoud, 2002) Por volta dos quarenta anos de idade, entende-se que o adulto chegou a uma fase intermediária do ciclo vital, sendo considerado portanto, como adulto de meia idade. Neste momento de vida, o adulto apresenta uma diminuição na sua capacidade física e uma grande carga de experiências vividas. Este período é caracterizado também pela introspecção, como um preparo à fase posterior que é a velhice. Assim, o sujeito passa a analisar as suas experiências, escolhas e também o controle de sua vida. ( Bee, 1997) Seguindo a categorização de Erikson acerca do desenvolvimento psicossocial do indivíduo, correlacionando com a meia idade, caracteriza-se a relação entre geratividade versus estagnação. Esta é a sétima crise normativa pela qual a pessoa é submetida pela vida. A geratividade é a preocupação com a geração posterior, em estabelecê-la e guiá-la. Ao homem há uma necessidade de sentir-se útil, por isso deste interesse no outro. Outra forma de geratividade é o olhar para si mesmo, fazendo algo produtivo para o autodesenvolvimento. Esta produtividade pode se estender ao trabalho, às artes, estudos, política, música, dentre outros, o que dependerá da criatividade do sujeito. (Papalia, Olds & Feldman, 2006; Erikson, 1976) Quando o indivíduo deixa de ser produtivo, e ao invés de desenvolver estas necessidades fica acomodado, chama-se de estagnação. O indivíduo passa a se dar conta daquilo que não fez, das coisas que não valeram a pena, enfim chegam os arrependimentos. Então o indivíduo passa a ficar absorto em si mesmo, ou entregue aos próprios prazeres ou inerte ou inativa. Por isso a cultura no geral incentiva as pessoas a manterem-se ativas para que justamente possam passar por este período de maneira produtiva e enriquecedora, também para a manutenção da cultura em que se repassam valores e cria-se um sentimento de cuidado maior. (Papalia, Olds & Feldman, 2006; Erikson, 1976) Ao contrário de Erikson, que compreende este período como um voltar-se ao exterior, Jung entende o período da idade madura como um voltar-se ao interior. Para que o indivíduo tenha um desenvolvimento saudável neste período, deve passar pelo processo de individuação, ou seja, integrar ou equilibrar as partes conflitantes de sua personalidade para a emergência do verdadeiro self. Este é um processo doloroso, pois deve-se entrar em um conflito, uma transição que exige esforço do indivíduo, pois antes desta fase o sujeito está preocupado com outras questões, no caso do homem está mais voltado às suas realizações. Assim passa por um questionamento, podendo

44 mudar de postura e até perder a referência por um dado momento, algo necessário para o crescimento pessoal e desenvolvimento da personalidade. Nesta integração das partes, o homem torna-se mais introspectivo devido ao surgimento da noção de mortalidade, sendo este o input de toda a dita crise de meia idade. (Papalia, Old & Feldman, 2006) Para o adulto maduro, a expansão da vida não é mais evidente, esta já volta-se para o fim, tendo portanto que encontrar novas formas de se viver, algo que exige do sujeito a simplificação, limitação e a interiorização, exigindo uma cultura individual. A sociedade não pretende a educação desta população, que deve, sozinha, encontrar aquilo que lhe supra as necessidades. Isto porque já não tem necessidades prioritariamente biológicas, mas principalmente culturais, a energia disposta passa a sair para a via cultural. ( Jung, 1928/2002) Jung explica o processo que ocorre com o sujeito em duas maneiras. Uma voltada às necessidades externas e biológicas e outra voltada às necessidades internas e culturais. A progressão é um processo contínuo de adaptação às condições do meio externo, e está relacionada à necessidade vital de adaptação a este meio. Esta necessidade faz com que o indivíduo oriente-se para as condições do meio, reprimindo as tendências que servem ao processo de individuação. Já o processo de regressão, é voltado ao mundo interno, uma adaptação às condições interiores, tendo como necessidade vital a de satisfazer as exigências da individuação. Jung refere que: O homem não é uma máquina, no sentido de que poderia manter constantemente a mesma produção de trabalho; pelo contrário, só poderá corresponder plenamente às exigências da necessidade exterior de maneira ideal, se se adaptar também a seu próprio mundo interior, ou seja: se entrar em harmonia consigo mesmo. E, inversamente, só poderá adaptar-se ao seu próprio mundo interior e estar em harmonia consigo mesmo, se se adaptar também às condições do mundo exterior. (p. 28, 1928/2002) A sociedade apresenta ao sujeito alguns símbolos que representam os sistemas e organizações na sociedade. Estes símbolos auxiliam na transformação da libido que opera através do símbolo. Este capacita o homem a ter uma posição espiritual, oposta à sua natureza instintiva, sendo este um exemplo de atitude cultural. A atitude cultural refere-se ao investimento da energia excedente da libido, que encontra formas criativas ou de simbologia coletiva para a sua expressão. Um avanço cultural advém de uma ampliação da consciência, um dar-se conta realizado apenas pelo advento de uma diferenciação. Sendo assim todo avanço inicia-se com a individuação, ou seja, com o dar-se conta da diferenciação, para tal o sujeito deve retornar a si mesmo e tomar consciência deste processo.

45 MÉTODO

Delineamento Na pesquisa que investiga as contribuições da dança para o autoconceito do sujeito, optou-se por um delineamento qualitativo, em uma pesquisa descritiva e exploratória. Esta escolha justificase por buscar uma descrição dos fenômenos relacionados à dança em uma perspectiva junguiana, de acordo com os objetivos da pesquisa, em material científico disponível. Visto que não foi encontrada uma boa quantidade de material desta temática, far-se-á uma exploração deste campo de investigação, caracterizando, portanto, uma como uma pesquisa exploratória. Fontes Foi analisado o filme Shall we dance (Weinstein &Weinstein & Chelsom,2004), o qual conta a história de um homem bem sucedido, que começa a dançar motivado por uma professora de dança, pela qual, aparentemente apaixona-se. Começa a fazer as aulas de dança e se descobrir, passa a relaxar e aprender a dançar, com o intuito de conquistar a professora. A escolha deste filme se deu devido a mudança realizada pelo personagem, o que faz com que este se descubra e possa, desta forma sentir-se bem consigo mesmo, melhorando diversos aspectos em sua vida pela dança. Isto mostra que há uma contribuição da dança no autoconceito do sujeito, ou melhor, que isto auxilia em seu processo de individuação, aspecto que foi analisado no filme em questão. Instrumentos Neste trabalho, que busca identificar as contribuições da dança no processo de individuação do sujeito, visualizadas por meio de análise do filme Dança Comigo (Fields; Weinstein; Tyler & Chelsom, 2004). Os dados presentes no filme, foram tabulados em uma ficha catalográfica com os seguintes itens: a)tempo do filme; b) descrição do cenário; c) descrição dos personagens; d) ações dos personagens; e) falas principais. ( Ficha em Anexo 1 e cenas catalogadas em Anexo 2) Procedimentos 1) Visualização do filme Dança comigo (Fields; Weinstein; Tyler & Chelsom, 2004); 2) Seleção das partes mais relevantes para responder ao problema de pesquisa; 3) Seleção das cenas, das falas e momentos mais relevantes; 4) Seleção do(s) personagem(s) mais relevante(s); 5) Seleção das

46 imagens mais relevantes ; 6) Preenchimento das fichas catalográficas com os dados coletados; 7) Transposição dos dados contidos nas fichas catalográficas para a planilha eletrônica; 8) Verificação da relevância dos aportes teóricos ; 9) Reformulação da análise; 10)Organização dos resultados em categorias; 11) Interpretação dos dados tendo por base o referencial de análise escolhido; 12) Discussão dos resultados e elaboração das considerações finais do trabalho; 13) Conferência e adequação às normas da American Psychologycal Association. Referencial de Análise O referencial de análise escolhido é a análise de conteúdo, baseada no enfoque proposto por Laville e Dionne (1999). Seguindo o conceito de que a análise de conteúdo é uma atividade interpretativa na qual o pesquisador busca, extrair do texto, sentidos que também o transcendem, observando os aspectos imagéticos e miméticos além do texto. No caso do presente trabalho, o tema fundamental foi a vivência de dança pelo personagem principal do filme “ Dança comigo”. A partir do discurso transcrito do filme, de suas cenas , realizou-se uma seleção das cenas de acordo com os objetivos do trabalho, sendo esta uma dimensão teórica, atenta aos conteúdos explicitados no discurso, mas também aos aspectos presumidos. Os resultados e a sua discussão são apresentados conforme aparecem no filme, de acordo com as etapas do processo de individuação junguiano, os dados são analisados a partir da Psicologia Analítica e de uma compreensão construída a partir da intertextualidade entre o discurso dos personagens do filme, a escrita da acadêmica e os textos de teóricos com os quais aqui dialoga, entendendo que na tarefa analítica, toda interpretação é o correlacionamento de dado texto com outros textos.

47 APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

O filme trata da história do personagem principal John , e dos personagens coadjuvantes na história quanto às suas relações com a dança de salão. Apresenta mudanças na vida dos personagens, e nele pode-se encontrar diversas cenas e falas que respondem ao problema de pesquisa. Encontrar as contribuições da dança no processo de individuação do sujeito é uma tarefa longa, que exige um caminho definido para tal. Um pequeno trecho deste caminho é aqui definido pelas categorias construídas a partir do filme, correlacionando com os aportes teóricos, ou seja, com aquilo que já é presumido pelo pesquisador. As categorias são definidas aqui de acordo com a teoria junguiana em consonância com as etapas do processo de individuação. Tendo o sujeito como base de análise, deve-se perceber a história do sujeito de pesquisa. No caso do filme, foi estudado mais aprofundadamente a história que se passa com o personagem principal do filme, por ter mais dados a serem verificados. Para observar um processo de mudança, é necessário conhecer a história anterior de um indivíduo, assim como acompanhar o processo e verificar o resultado final para fazer um comparativo dos resultados. Assim, apresenta-se a primeira categoria a ser analisada que é o sujeito de pesquisa. O sujeito da pesquisa trata-se de um filme, cujo personagem principal trata-se do que Baktin chama de herói, aquele que irá contar a sua história. A categoria aqui disposta também analisa o filme como um todo verificando a sua relação com o ambiente externo ao qual se encontra, ou seja, com o expectador e a sociedade contemporânea. Este primeiro momento, trata-se portanto de uma contextualização do objeto de pesquisa. A segunda categoria é o estopim do processo de individuação. Quando se percebe o seu início? No princípio da história apresentada pelo filme e nos discursos dos personagens, este é um aspecto que começa a tomar forma logo ao conhecer o personagem principal. Este aspecto inicia a correlação básica da pergunta de pesquisa com a dança. Chama-se à procura de um par – quando o questionamento encontra a dança. Esta categoria busca identificar de que forma a dança está relacionada com o processo criativo do personagem principal correlacionando com seu processo interno de questionamentos acerca de si mesmo e daquilo que o cerca. A terceira categoria trata-se das máscaras vestidas pelos personagens e a sua descoberta. Chama-se Baile de máscaras: o desvelar da persona e a sombra por trás das máscaras. Esta categoria inicia o processo de individuação propriamente dito, visto que trata-se de um processo, contínuo e atravessado por etapas, esta é uma das que se encontra na primeira camada das relações. A palavra persona é designada por ser como uma máscara, utilizada antigamente por atores para

48 identificar e assinalar o papel representado na peça. Assim é algo que é identificado pelo outro, uma veste que dá uma certa identidade ou identificação para outrem. A persona tem dois lados, um da ordem coletiva e outro da ordem individual. Ela é uma máscara que somente aparenta uma individualidade, na tentativa de convencer aos outros e a si mesma que é individual, quando não passa de um papel desempenhado por meio do qual a psique coletiva é reproduzida. Destarte, a categoria em questão faz uma correlação desta parte do processo com a coletividade do sujeito e as implicações da retirada desta máscara em seu meio social. Lembrando que “A meta da individuação não é outra senão a de despojar a si-mesmo dos invólucros falsos da persona, assim como do poder sugestivo das imagens primordiais.”(Jung, p. 61, 1916/2008) O desvelar da persona deixa com que o indivíduo entre em contato com o seu lado negativo, com o rosto que ainda não havia visto sem as máscaras, trata-se do que Jung chama de sombra. Este é outro aspecto importante no processo de individuação, percebido em alguns momentos do filme, em que aparecem faces do personagem desconhecidas por ele mesmo, que demonstram parte de sua sombra e como se dá a relação deste com esta camada de seu inconsciente. A quarta categoria trata do sujeito e a sua relação com o feminino. Chama-se Anima: Aquela dama interior. Esta categoria aparece no filme nas relações do personagem consigo, com o feminino e as suas projeções realizadas. A partir da relação com a anima percebe-se todo o processo do personagem, a sua evolução e como este confronto aparece na vida de John, o que modifica em sua pessoa. Esta categoria discute além disto como a dança influi nesta relação.

1. O sujeito da pesquisa Cabe iniciar esta análise contextualizando o sujeito de pesquisa, na compreensão e entendimento deste como um todo complexo. Desta forma, para a compreensão da escolha do sujeito, assim como as suas implicações no meio social, a presente análise correlaciona o filme com a realidade em que se encontra e o personagem nesta inserido. Parte-se então da relação do filme com a realidade atual, seguindo para a análise do personagem em seu momento de vida, partindo das suas relações com o social no sentido dos seus relacionamentos conjugais, organizacionais e familiares, assim como a relação com a sociedade no geral. São aqui apresentadas as características do personagem de acordo com os pressupostos teóricos junguianos. 1.1. O filme e a sua interação com o ouvinte O filme em questão encontra-se em um meio termo, entre diversão e a concentração, sendo

49 mais voltado à diversão do que propriamente à concentração, assim é algo que parte da expressão atual, e que principalmente atinge a todos os públicos. O que se pode notar no filme, e que será discorrido mais adiante, é que muito do que se encontra ao fundo dos diálogos produzidos e até mesmo na própria figuração de cena, é aquilo que está na realidade das pessoas, no seu cotidiano, que traz à tona aquilo em que se está submerso. O real é visualizado, trazendo a sensação de normalidade, algo plantado pelo sistema econômico em que se está inserido, e que faz com que o público permaneça em seu estado de dispersão, mas que no discorrer pode se dar conta de outras coisas se conseguir olhar para fora deste estado, concentrando-se na trama. Para compreender a escolha do filme e mesmo do personagem, pode-se utilizar da definição de romance bakhtiniana que sugere diversos tipos de romance. Dentre estes está o romance de provas que é construído como uma série de provas às quais o protagonista é submetido. Sendo postos à prova aspectos do seu caráter, virtudes, dentre outros. Neste tipo de romance o mundo é um pano de fundo para os acontecimentos que se passam na vida do herói, sendo estes os principais aspectos do romance. O herói é sempre dado com uma imagem rígida com qualidades que são verificadas e postas à prova no decorrer da história. São três as tipologias dos romances de provas, de influência grega, do cristianismo e por fim barroco . Este último é o estilo do qual se trata o filme analisado, que se enquadra em uma evolução do romance barroco chamada de romance sentimental patético psicológico que heroifica a pessoa simples que vive no cotidiano comum. Sendo o romance barroco a mais pura variante do romance de provas, tendo as características supracitadas bem definidas em seu enredo. No filme percebe-se a heroificação da pessoa comum como o caso do personagem principal, um sujeito de meia idade, casado, com filhos, que de repente inicia questionamentos quanto a si mesmo e demonstra aquilo que ele pode fazer para descobrir-se. Sua vida demonstrada na história é perpassada por provas que o confrontam a questionamentos quanto aos seus valores, princípios e aquilo que ele é. (Bakthin, 1997 ) O enredo do filme constitui fatores que fogem à normalidade daquilo que o personagem principal estava habituado a viver. Parte de um desvio em uma parte de sua vida para mais adiante retornar à vida cotidiana com a qual estava habituado a viver, claro que com as mudanças advindas deste desvio. Como refere Bakthin(1997), que o enredo, neste tipo de romance, é sempre construído sobre um desvio em relação ao curso normal da vida dos heróis, acerca de acontecimentos excepcionais e situações tais que não existem na biografia típica, normal e habitual dos homens. Estes acontecimentos servem, na realidade, para demonstrar uma distância entre momentos da biografia do herói, para refrear o desenvolvimento normal da vida sem uma grande modificação. Por isso percebe-se no filme acontecimentos inesperados e inéditos, difíceis de acontecer na vida

50 real. O filme e a categoria em que se enquadra de romance, inicia onde o desvio começa e termina onde a vida retoma o seu curso. È importante observar que este enredo não admite uma grande modificação no curso da vida. Claro que ocorrem modificações, mas nada que altere a vida, não é criado um novo tipo de vida, podem ser modificados aspectos da personalidade que trazem uma mudança sim, mas não algo que traga um fator limite determinado por condições modificadas de vida. Transpondo este conceito ao filme, entende-se que neste o personagem inicia um processo de olhar para si mesmo, que psicologicamente traz modificações na forma de pensar, de agir. Este trata-se de um processo que vai ocorrendo naturalmente a partir de uma busca deste personagem. O filme gira todo em torno do personagem John. Nota-se que o mundo que o cerca, as pessoas e histórias ocupam um lugar de pano de fundo, em que se percebe o ambiente e as pessoas, mas sem ênfase em suas histórias, sempre para contrastar com a vivência do herói. O tempo retratado não obedece à forma natural, os acontecimentos ocorrem e não se percebe quanto tempo se passou, pois este é dotado de uma percepção subjetiva e de duração curta. O papel do herói neste tipo de romance é restrito às provas das quais ele têm de aguentar, sendo assim, este não modifica a face social do mundo, até porque não o pretende. Assim, o filme enfoca em um trecho da vida do personagem, sendo esta uma força organizadora que permite tratar com profundidade aquilo que o rodeia, associando aos aspectos cativantes da aventura os problemas internos e as complexidades psicológicas do personagem. (Bakhtin, 1997)

1.2. O personagem e seu momento de vida A prova principal do filme é a de conhecer a si mesmo, saber o que lhe faz falta e alcançar a isto, ou ao menos buscar aquilo que lhe faz falta naquele momento de vida. Trata-se de uma busca a partir do externo de algo interno. Subjacentes a esta busca, são postos à prova os aspectos de pureza ideal do herói e de fidelidade no amor, o personagem demonstra uma firmeza de caráter, sendo este praticamente imutável, ou seja, a sua essência não é modificada, mas despertada em alguns momentos do filme. Por tal motivo é importante frisar que o filme se enquadra na pergunta de pesquisa no sentido que o processo de individuação é um vir a ser, uma descoberta de si mesmo, daquilo que realmente é. E isto em um dado momento da vida do sujeito que se dá a partir da segunda metade da vida, justamente a faixa etária em que o personagem principal do filme se encontra.“Todos aqueles momentos da vida individual em que as leis gerais do destino humano rompem as intenções, as expectativas e concepções da consciência pessoal são, ao mesmo tempo,

51 etapas do processo de individuação.” (Jung, p. 116, 1927/2000) Sendo o romance de provas apresentado por um trecho de vida do personagem, e, entendido este trecho como uma etapa do processo de individuação, pode-se perceber discretamente, as diversas etapas deste processo e como ocorrem na vida do personagem, assim como as contribuições da dança no decorrer deste processo como um todo. No decorrer deste processo, a idade do personagem também foi observada, sendo que na força da idade, o homem ainda se sente jovem e longe da velhice e da morte. Mas, a partir dos trinta e seis anos ele ultrapassa a suposta metade de sua vida, sem tomar consciência da sua importância. Se é um homem cuja disposição íntima e cujos dotes não toleram um grau muito acentuado de inconsciência, pode ser que o reconhecimento da importância deste momento lhe advenha sob a forma de uma imagem arquetípica. Poderá procurar entender o sentido desta imagem, sendo que esta serve de figura coletiva pois tem a finalidade de exprimir um problema que se repete eternamente e não um desequilíbrio pessoal. (Jung, 1927/2000) No sentido arquetípico, o que observa-se no filme é uma reiteração do herói transposto para o sujeito do cotidiano, representado pelo personagem John. Trata-se do mito do herói e sua significação no contexto atual. O personagem representa um herói que tem em seu fundamento um mito, dado como uma figura arquetípica presente no imaginário de todos os seres humanos, independente da cultura a que pertencem. Trazendo a cultura atual, o personagem representa este mito na contemporaneidade, pois sai de uma visão tolhida e alienada da vida para uma visão amplificada, vencendo seus preconceitos e temores. Como sujeito, o personagem, quando defrontado com esta figura arquetípica trata de esforçar-se para afirmar a sua personalidade no meio em que vive. Isto ocorre também no sentido do espectador, que ao identificar o mito representado pelo personagem, esforça-se para estabelecer uma identidade coletiva. Este aspecto envolve o espectador no sentido que o desperta a desenvolver em si o conhecimento de suas fraquezas e forças de uma maneira geral, para que este esteja preparado às atribuições e difíceis tarefas impostas pela vida. ( Henderson, 1964) Na cena inicial começa-se a conhecer o personagem e a realidade em que este está inserido. Nesta cena aparece John ao meio de uma multidão, trafegando nas ruas, indo para o trabalho, chegando no prédio, cumprimentando as pessoas do trabalho, depois, sentado em uma mesa de escritório, depois descendo uma escada rolante e logo aparece dentro do trem retornando do labor ao meio de muitas pessoas. Percebe-se nesta a vivência em forma de choque, em que as pessoas automaticamente dirigem-se aos seus trabalhos, casas, compromissos de modo autômato, rápido, corriqueiro. Na esfera do cotidiano, o choque é uma realidade sem escapatória para o homem que enfrenta as multidões nas grandes cidades. Os gestos repetitivos, carentes de sentido aparecem na

52 rua, assim como aparecem dentro das empresas. A cidade exige do transeunte uma atenção bastante aguçada, pois somente desta forma ele pode se proteger dos perigos e ameaças a que está sujeito. O homem imerso na multidão não consegue refletir , pois está concentrado na interceptação do choque e atento aos perigos imediatos que o circundam, ele reage como um autômato, privilegiando a vivência em detrimento da experiência. Deixando-se conduzir pelo ritmo de massa, o homem moderno é obrigado a caminhar por um tempo que está reificado e que faz dele um objeto sem memória e sem história, utilizando-se aqui o conceito de reificação como a representação do ser humano em um objeto físico privado de qualidades individuais, como uma despersonalização . (Jobim e Souza, 1994) Sendo assim, o mundo em que o personagem John está inserido supõe a alienação do sujeito que concentrado em seu trabalho e compromissos, submerso na multidão, não consegue olhar para fora, ou para si mesmo, não consegue refletir sobre o que se passa consigo e com os outros ao seu redor. Isto não ocorre somente com ele, mas mostra-se em todos os personagens que estão imersos na mesma realidade. Destarte, o enunciado do personagem parte de um ambiente que possui características já dadas e formatadas na realidade. Percebe-se em que meio econômico e social o personagem está inserido, podendo-se relacionar com o mundo atual em que o espectador está também submerso. Segue a narrativa que se passa: 1 milhão e meio de pessoas andam de trem todos os dias. Em mais de 20 anos já escrevi testamentos para umas 8 mil dessas pessoas. Sentava com elas enquanto falavam de seus bens, imaginando que filho ficaria com o quadro da lareira, quem levaria a coleção de colheres antigas. Últimos agradecimentos, partilhas, confissões... As pessoas tentam resolver tudo. Quando eu termino, outra vida é recapitulada, bens e dívidas calculados, e, depois, zerados. Rubrica aqui e ali e assinatura embaixo. Depois, como com a maioria dos clientes, você sorri e ele faz a pergunta que ouço há 20 anos: "Então, É só isso?" Eu digo que com a papelada sim. O resto é com você. (cena 1) Na fala do personagem este traz uma percepção do seu trabalho, demonstrando o que ele faz e há quanto tempo faz o mesmo trabalho, semelhante ao estar ao meio da multidão, onde as coisas se repetem e não se detém a pensar naquilo que está fazendo devido ao modo automático em que as pessoas estão colocadas. Assim, pode-se analisar que o discurso do personagem advém da cultura e do meio em que está inserido, demonstrando a sociedade capitalista que nega a mediação humana entre o sujeito e o objeto. O trabalhador tem uma relação com o seu trabalho como se lhe fosse algo externo, isto é, o trabalho torna-se algo como que coisificado, transformado em uma

53 alienação à vida, ao invés desta propriamente dita. Este trabalho alienado transforma o homem social em um ser alheio a este meio, sendo esta uma forma de existir individualmente. O que indica o culto ao individualismo, em vias opostas ao coletivo e ao homem social. A liberdade tomada pelos indivíduos aparece como algo natural e os laços sociais parecem artificiais, impostos de fora. Este modo de vida do capitalismo enfatiza cada vez mais a privacidade, esta em que o indivíduo se refugia no seu mundo privado autônomo. Este culto ao eu, equivale ao culto de um eu alienado, simplista porque o verdadeiro eu do ser humano é um eu social, definido em termos de relações interpessoais, sociais, imensamente complexas e específicas. A alienação discorrida no presente surge como um divórcio entre o individual e o social, o natural e o autoconsciente. (Jobim e Souza, 1994; Benjamin, 1987) O personagem está inserido nesta realidade descrita por Benjamin(1987) como alienada, que tem por características principais o não-pensar, o falso e o artificial. O que seria de uma realidade não alienada portanto, seria a integração do individual e social, o natural e o autoconsciente, ou seja, elementos integrados que formam uma unidade complexa. Algumas pessoas na sociedade conseguem se dar conta da realidade do choque, tendo uma capacidade de reagir à atrofia da experiência, geralmente por meio da arte. Posto que o homem comum não tem energias para a reflexão, este sujeito, a princípio, não toma consciência de nada , e está em uma posição de saber em que nem precisa fazê-lo, pois supõe que o único que pode realmente cometer faltas é o grande anônimo, ou seja, a sociedade ou o estado em um âmbito maior e alheio ao sujeito. Tem o privilégio, desta forma, de nunca ser apontado como culpado das grandes catástrofes políticas e sociais em que o tudo a sua volta se encontra submerso. Assim, cada vez mais o homem está sujeito à reificação, abrindo um abismo entre o homem social e o homem alienado. (Jobim e Souza, 1994; Jung, 1927/2000) Outro aspecto interessante neste discurso inicial é a forma com que o personagem caracteriza e formaliza o seu trabalho, definindo a ele uma categoria e um procedimento, como se ele trabalhasse com uma máquina ou algo do gênero. Há um padrão e uma repetição naquilo que ele faz. As vidas de seus clientes são coisificadas e guardadas em um monte de papéis, sentimentos e bens são arquivados juntos , sendo a vida resumida a um singelo monte de papel. As oito mil pessoas de quem o personagem fala, aparecem como dados de uma produção, transformando em número o seu trabalho, coisificando-o, assim como o meio faz com ele. Este aspecto demonstra claramente a realidade contemporânea do personagem. Ao meio da vida em papel e dos procedimentos, o personagem tem algo de criativo, por mais que ele ouça sempre a mesma pergunta e responda sempre o mesmo, ele tem algo a dizer ao seu cliente, o que pode gerar algo novo no outro. Mas pelo discurso, percebe-se inicialmente que o personagem não se dá conta desta

54 possibilidade. Em suma, o personagem encontra-se em uma realidade de choque da qual não se dá conta, submerso em um mundo no qual o trabalho é algo repetitivo assim como a sua vida em família, as pessoas tem pouca relação entre si, sendo esta uma relação artificial. Este último aspecto é representado pela cena 5 em que John pede à Beverly se podem ir ao cinema, esta lhe responde que talvez possam ler as sessões do jornal juntos ao menos. Ou seja, o casal mal tem tempo para curtir a presença um do outro. Aqui percebe-se claramente algo rotineiro na relação do casal assim como aspectos de desgaste do casal. Segundo Jung(1986), a mudança passa a decorrer com a segunda metade da vida, sendo este um período de grande importância psicológica. A vontade do indivíduo vai se identificando mais e mais com os motivos inconscientes, a pessoa começa a introduzir a vida nas coisas até que estas a ultrapassem, havendo um sentimento de ser ultrapassado pelos filhos e pelas suas criações. Na cena 2 em que o personagem John está de aniversário celebrando com a família, esse aspecto fica claro pois nota-se que cada um dos membros fica fazendo as suas coisas, a celebração é algo simples, rotineiro sem uma grande festa.. Ali a filha está ao telefone e todos pedem que ela o desligue, pois é hora de cantarem os parabéns para o pai. John canta os parabéns e refere não compreender o porquê do comportamento da filha. Outra cena que pode ilustrar o sentir-se ultrapassado pelos filhos, é quando John está em casa e sua filha está brincando com as amigas na cozinha, de fazer magias e estas coisas. O personagem é rechaçado pelas meninas que lhe atiram almofadas. Ele brinca com isto, mas isto ocorre logo depois de ele despedir-se da mulher que tem uma reunião para ir, fica portanto sozinho. Mais uma cena que ilustra este aspecto é a cena 13 em que John encontra o seu filho na rua quando está decidindo ir ou não para a escola de dança, e o filho o convida a ir a uma festa para apresentar-lhe a namorada. John decide ir e lá o filho dança com a sua namorada e quando ele é convidado a dançar ele responde que sim e vai para a escola de dança. Aqui também percebe-se que o filho supera o pai, o filho está dançando com a sua namorada, quando também o que John queria era dançar, mas à sua maneira. Na cena 4 John percebe algo de diferente em seu caminho, algo que lhe foge a rotina, uma novidade lhe aparece agora. Antes disto nada lhe havia surgido de novidade, as coisas seguiam o seu caminho, a rotina sempre a mesma, como percebe-se nas cenas citadas em parágrafos anteriores. Jung (1910/1986) ilustra este aspecto dizendo que o meio da vida é um tempo de desenvolvimento máximo em que a pessoa está trabalhando com força total e com vontade ainda, mas aí começam os questionamentos. A paixão muda o seu aspecto de novidade e passa a ser um dever, aquilo que antes era um querer torna-se uma obrigação, as ruas, os caminhos, o trabalho

55 nada mais são do que rotina. Assim desenvolvem-se tendências conservadoras e ao invés de olhar à frente olha-se para trás, para o passado visualizando o que fez para que a sua vida restasse até aquele momento em que se encontra. É nesse momento que o personagem aqui analisado se encontra, olhando para a sua vida, questionando as rotinas e quem sabe o seu próprio casamento. Jung refere em sua obra do desenvolvimento da personalidade (1910/1986) , que a partir deste instante a pessoa passa a buscar as suas verdadeiras motivações na vida e aí começam as descobertas. Passa a conhecer as coisas que tem de diferentes a partir de uma consideração crítica acerca de si mesmo. Mas ele só chega a esta consideração se passar por um abalo, uma desunião interna, um descontentamento. Muitas vezes este aspecto é projetado no outro pois não há consciência do seu estado, pensando-se que ele é o motivador deste processo de descontentamento. Aparece aí uma atmosfera crítica que é condição indispensável para a tomada de consciência. Tal estado não ocorre simultaneamente casal. Percebese no filme que este processo incia com John, o que gera um descontentamento em sua esposa Beverly. Este clima de descontentamento, de reavaliação é descrito por Cerveny e Berthoud(2002) como parte do ciclo vital na fase madura. O olhar volta-se ao casamento pois os filhos já tem autonomia suficiente e não os pais já não precisam dispender tanta energia com eles. Assim passa-se a perceber as qualidades e defeitos do outro, evidenciando-se os conflitos, as dificuldades, do mesmo modo com as coisas positivas do outro, o companheirismo, os agrados, a amizade. No filme é bem claro este estado de conscientização quando no enunciado de Beverly na cena 3 : Beverly – Desculpe pelo roupão John – Como assim? Beverly – Foi difícil achar um presente para você. John – Adorei este roupão Beverly - O problema é que você nunca quer nada. John – Não é verdade. Beverly – É verdade, diga uma coisa que você quer. John – o que você me deu esta noite. Evan vindo em casa, todos jantando juntos, o bolo que você fez. Beverly – Diga uma coisa que queira mas que venha em uma caixa. John (suspira) Beverly – Assunto encerrado. Percebe-se que Beverly fala com conhecimento acerca do que o marido irá dizer, ou seja ela prevê as suas reações e gostos, dada a rotina em que se encontram e o ponto de estagnação em que

56 estão no momento. Beverly prova para John que o conhece, e que as suas reações e gostos são previsíveis, mas que existe algo que ela não conhece nele que ele não demonstra. Isto pois ela insiste em saber o que poderá lhe dar que venha em uma caixa, ou seja, algo do seu individual. Neste trecho do filme pode-se perceber, além do relacionamento do casal e a fase em que se encontram, um aspecto da cultura pós-moderna, de que deve haver algo que possa ser comprado para agradar alguém, quase como o dito popular da época: “ Todo mundo tem um preço”. Cabendo a isto um incentivo à individualização, ao conhecer-se para servir ao consumo, para reproduzir e produzir podendo assim ter um ganho irrisório com algo que venha dentro de uma caixa. É importante ressaltar que a individualização diverge completamente da individuação proposta por Jung. A individualização é direcionada ao egocentrismo e isolamento voltados às leis do consumo, com um processo de conscientização apenas do eu e da persona, ou seja, voltados apenas ao mundo externo. Já a individuação, pelo contrário, tem como meta a integração do sujeito com o social, com o todo, é o si mesmo cooperando com o todo a partir de suas imagens primordiais advindas do inconsciente coletivo, integradas com o consciente em relação com o outro no meio. Assim percebese que um processo nada tem a ver com o outro, sendo a individualização um processo semelhante à identificação com a persona, ou seja, a utilização de uma máscara no social que passa a integrar o sujeito de forma que este desfoque de si mesmo, da completude. (Jung, 1916/2008) Partindo-se pela análise realizada por Benjamin( citado em Jobim e Souza, 2005), este trecho representa exatamente as regras do consumo, em que cada um deseja ser equiparado ao outro por vias do consumo, ser feliz por vias deste. Isto distancia o homem das suas reais necessidades, que na cena foram citadas pelo personagem John que em seu enunciado refere que o presente que precisava era o que ele ganhou naquela noite, a janta com os filhos e a família reunida. Aqui a esposa representa a cultura falando com John, até quando ela se desculpa pelo roupão, sem perceber que na janta e na reunião com os filhos estavam contidas as coisas mais importantes para o esposo, apenas visualiza o bem de consumo. Ambos estão submersos na cultura de choque, porém John inicia um processo de questionamento advindo justamente desta simples conversa com a sua esposa. O que demonstra aquilo que Bakhtin afirma, que “ser significa para o outro e, por meio do outro, para si próprio.”(citado em Jobim e Souza, p. 66, 2005) Assim, é com o olhar do outro que o indivíduo se comunica com o seu interior. Quando Beverly afirma que John não quer nada, instiga-o a procurar algo que ele queira, o que dá início à segunda categoria encontrada no filme.

57 2. À procura de um par: quando o questionamento encontra a dança

O momento de busca é um período importante a ser analisado quando se trata do processo de individuação e as contribuições da dança neste processo. A categoria encontrada sugere que a dança tem uma interferência no estopim do processo de individuação, tal processo necessita de uma via de descarga dos conteúdos inconscientes para que estes possam vir à tona no consciente. Nesta categoria discute-se a dança como instrumento ou meio para o encontro do sujeito consigo mesmo e o momento em que o sujeito apropria-se da dança como tal. A vivência no mundo contemporâneo submete o sujeito a um ato de consciência constante, ou seja, este vive apenas em sua função egoica, voltada ao egoísmo e individualismo, tendo a atenção voltada somente aos estímulos dados pelo mundo em uma junção com os seus desejos próprios. A questão em voltar-se para si mesmo, a um primeiro olhar parece permitir o advento do individualismo, isto se for observado apenas no âmbito dos desejos materiais. Mas existe todo um outro campo dentro do si mesmo, que são aqueles desejos não ditos, as coisas que não possuem nome, mas uma forma, uma imagem, um sentimento. Também, nas outras funções inconscientes presentes no si mesmo. São nestes aspectos nos acontecimentos na vida do personagem John que este trabalho se foca. Para começar a olhar para si, o sujeito deve se dar conta de muitas coisas. O dar-se conta pode ser visto como um processo de insight, ou de conscientização de coisas que estão contidas no inconsciente ou coletivo ou individual, de acordo com os conceitos junguianos. De acordo com estes conceitos, este processo se dá ao longo da vida, em diversos momentos, períodos, cada qual com as suas peculiaridades de acordo com o desenvolvimento de cada indivíduo. O momento de vida permitirá uma maior ou menor profundidade nas reflexões. No caso do personagem John, tratase do momento da meia idade, o qual este começa a se dar conta daquilo que viveu, do que ainda tem para viver, e inclusive da sua finitude. É um meio, como meio da vida em que se viveu até um ponto e agora deve-se identificar o que quer viver dali para adiante. No filme este processo é percebido já na cena 4 em que John está retornando do trabalho e percebe algo de diferente no seu caminho, passa a experienciar o momento em que ali se encontra. Contempla e faz referência a si mesmo pelo olhar do outro. Reflete acerca de suas angústias, sobre aquilo que não está bom no momento. Na cena 16, John, em seu diálogo com Paulina: Paulina: - (…) O que te levou a dançar? John: - Você.....olhando daquela janela bem ali.( apontando para a janela da escola) Eu podia ver do trem. Todo dia eu voltava para casa do trabalho

58 e....procurava por você. Pelo seu rosto. Sua aparência exterior parecia refletir o que eu sentia no meu interior. Percebe-se nesta cena que John, a partir do contato visual com Paulina, identificou-se com ela, no sentido de sentir que ela refletia aquilo que ele sentia dentro de si mesmo, demonstrando um processo já referido por Bakhtin( citado em Jobim e Souza, 2005) que trata do processo de espelho em que o sujeito se identifica a partir do outro com as suas próprias coisas. Como é referido no trabalho de Giusepp e Romero(2004), citando os autores Laing, Phillipson e Lee, acerca da teoria do espelho relativa ao self, em que os sujeitos tratam de se observar como são refletidos nas ações dos outros. Ou mesmo identificando-se com o outro pela alteridade, ou seja, o sujeito é pelo outro. O enunciado de John referindo a sua identificação pode ser entendido no âmbito da teoria junguiana como uma identificação com a sua anima, aqui representada por Paulina, representando o arquétipo e sua função de anima em todo o decorrer do filme, como será descrito mais adiante. Esta relação é mediada pelo arquétipo da Alteridade, conceito definido por Byington(2008) sendo um padrão arquetípico de relacionamento dialético entre as polaridades ego/outro, capaz de coordenar a expressão dos pares opostos com equidade. Assim, John inicia o seu processo de individuação baseado na identificação de sua anima projetada na personagem Paulina, a professora de dança que o motiva a dançar em uma relação de alteridade. Dado o impulso inicial, John começa uma busca por aquilo que sente falta, por seus questionamentos, e enxerga em Paulina aquilo que realmente sente. Neste processo começa-se a perceber também uma saída da vivência e a entrada na experiência, na cena 4 em que ao invés de proteger-se do meio, deixa-se envolver percebendo algo de novo em seu caminho, algo que o intriga e faz com que ele se identifique e questione. Esta cena vem logo após a cena de seu aniversário, em que John está comemorando com a família e a esposa questiona quanto aquilo que ele quer( cena 3), e afirma que ele não quer nada, ele em seu consentimento calado confirma isto. Mais adiante, após a experiência no trem, em que percebe algo novo em seu caminho, John chega em casa, nota-se só e busca na internet por dança de salão, conforme percebe-se na cena 6: John está em casa em frente ao seu laptop procurando sobre dança de salão. Logo entra em um site que toca automaticamente uma música de fundo, como um tango, rapidamente, fecha a tampa de seu laptop e suspira sorrindo, como que em um alívio. Logo, senta-se na cama e fala: Bev? Não é verdade que eu não queira nada. Bev? (Sem resposta, vira e chama novamente pela esposa, que não responde por possivelmente estar dormindo) . É neste momento que a dança começa a entrar no processo de individuação de John. A partir

59 de uma motivação proporcionada pela identificação com o arquétipo, somada ao momento de vida em que John se encontra, de buscar coisas novas, além de também estar conseguindo olhar para fora daquilo que vinha vivenciando até o momento. É importante afirmar que a individuação não é um processo que ocorre de maneira consciente, até porque nem seria possível, dadas as intervenções do meio neste processo consciente. Pelo contrário, o início da assimilação destes conteúdos inconscientes leva a um processo de desenvolvimento em que o sujeito não compreende muito bem porque está fazendo algo, o faz para depois dar-se conta do si-mesmo. John dispõe-se a falar para Beverly aquilo que sente, as coisas que gostaria, porém, na cena descrita anteriormente isto não é possível, pois o casal não tem tempo para conversar. Encontram-se apenas para dormir e ficar um tempo juntos apenas com os corpos, dissociados como que em uma vivência dualista, repartida. Percebe-se que a relação do casal também está no nível da vivência, superficial e automatizada. John faz um movimento para uma mudança, ou mesmo uma discussão para rever conceitos do casal, que neste caso é mostrar que ele quer algo, refutando a afirmação de Beverly na conversa da cena 3 em que ela diz que ele não quer nada. O que se percebe é que o movimento até então é de apenas um dos membros do casal, o outro ainda não se deu conta, até este momento. O personagem John está em busca de algo diferente, porém, por mais que tivesse feito uma tentativa de falar algo para a esposa, que não se sabe bem o quê, o personagem esconde o seu desejo de dançar, relacionado intrinsecamente com a personagem da janela, a professora Paulina. Até que decide dar o primeiro passo, ilustrado aqui pela cena 7: John está sentado no trem segurando a sua pasta. A música de fundo do filme é inquietante, o que dá a sensação de inquietude de John. John passa pela escola de dança e enxerga pessoas dançando lá. No trem escuta-se uma voz que orienta para a próxima parada, que seria muito próxima á escola de dança. Ouve-se: - As portas abrem-se á direita. John vira-se para trás, retorna o olhar à escola de dança. Anuncia-se então a próxima parada. John pede licença e desce do trem. Caminha em direção à escola e diz:- Meu deus, o que está fazendo? Olha para cima, enxerga a professora novamente e diz: - Eu só vou subir. Entrando no prédio diz: - Meu Deus!! Na entrada do prédio está o cartaz da escola indicando o andar em que se encontra e escrito: Sinta-se a vontade em assistir. Duas mulheres seguem descendo a escada do prédio dizendo : - Foi ótima a aula. John segue subindo as escadas, nisso entra uma mulher, a personagem

60 Bobbie. John para no meio da escada enquanto Bobbie vêm subindo atrás rapidamente e dizendo: Vamos!!Enquanto John se vira e esbarra nela, ela lhe entrega uma de suas sacolas e ele a segue subindo. Esta cena retrata claramente John em um impasse para ir atrás daquilo que deseja, demonstrada a sua inquietação, primeiramente pelo efeito sonoro do filme, passando pela sua expressão e reações posteriores. Mas John vai até a escola, começando a tornar real aquilo que antes estava apenas em seu imaginário visto pela janela do trem. A placa na entrada da escola conforta, quando diz para o sujeito sentir-se a vontade para assistir uma aula. Mas algo de inesperado acontece quando surge a personagem Bobbie, John é pego de surpresa, e então não pode mais escapar, tem que subir, ao menos para ajudá-la. Este é um efeito do romance de provas patético -sentimental, tendo cenas inesperadas, cômicas e que demonstram algumas das fraquezas do herói. Neste caso, o que se percebe em John é o impasse, e a insegurança, um movimento retraído frente a algo novo que pode causar alguma mudança. Nesta cena percebe-se também, como é o contato de John com o religioso, em suas expressões referindo Deus quando não compreende quando aquilo que faz tem uma parte da ordem do mistério. É neste contato com os mistérios que o inconsciente traz a religiosidade, e simbolicamente é trazido ao consciente, como uma compensação daquilo que é inconsciente por meio de figuras arquetípicas, neste caso por meio de Deus pai. Este arquétipo de Deus pai alivia o peso em procurar algo escondido da esposa, fortalece para o enfrentamento de um impasse, ao mesmo tempo mantém a ideia de pecado e castigo fornecida pela cultura cristã. (Jung, 1916/2008) Esta cena em que John traz em seu enunciado aspectos da cultura religiosa em que está inserido, nota-se que o faz de forma inconsciente, ilustrando o processo que o personagem vivencia no filme. Mesmo que dito na linguagem, este traz em seu discurso aspectos da ordem do inconsciente coletivo. Isto posto que John está em um momento de dúvida, em que necessita de algo que possa fortalecê-lo, busca isto internamente e surge o arquétipo de deus pai, colocado como aquele que conforta mas também o pune, configurando a ideia das regras sociais, admitidas aqui via arquétipo. Este arquétipo traz uma influência em John, sendo algo que também o move, sabendo-se que os conteúdos inconscientes influenciam na vontade do indivíduo. Ou seja, um dos aspectos que o moveu até a escola foi inconsciente, demonstrada pela expressão do divino em seu discurso. Assim nota-se que mesmo com um material escasso sobre os conteúdos inconscientes de John, estes aparecem ao meio do discurso de modo sutil, em que pode-se identificar o processo de individuação em andamento, visto que este não ocorre de forma apenas consciente, mas predominantemente inconsciente, com um jogo de forças visando a ampliação da consciência do indivíduo. (Jung, 1927/2000)

61 A influência do arquétipo do deus pai é intrinsecamente relacionada com o arquétipo do grande tempo, da imortalidade, assim como os outros arquétipos. Isto é inteiramente relacionado com a busca do personagem John pela dança. Isto posto o momento em que se encontra, em busca de algo novo que lhe dê uma nova sensação, em correlação com os conteúdos inconscientes que passam a emergir no personagem. A dança é representativa de diversos aspectos arquetípicos, tais como a imortalidade, a intemporalidade , a relação com o outro , sendo assim, ela é considerada tal como um símbolo, que possibilita ao indivíduo a vivência do numinoso, daquilo que afeta e domina o sujeito sem que haja uma intenção devida para tal, algo até mesmo da ordem do religioso, responsável pela observação esmerada e conscienciosa deste tipo de efeito numinoso. Considerando numinoso, segundo o dicionário Houaiss da Língua Portuguesa (2009) como um adjetivo que significa influenciado ou inspirado por qualidades transcendentais da divindade. Este termo foi utilizado por Eliade, citado em Wurzba, como um efeito dinâmico não causado por um ato arbitrário. Assim, numinoso tem a ver com transcendente, uma existência divina. (Wurzba, 2009)

Ilustração 1: Cena 21 em que Paulina dança e sua voz é escutada na narração da carta entregue a John. A escolha da dança como via do simbólico, pode ser compreendida pela relação com o arquétipo de Deus, isto pelo seu caráter ritual, que permite ao sujeito a livre expressão de conteúdos do inconsciente coletivo, trazendo à tona o simbólico do sujeito. Esta relação traz o sagrado em si, levando-se em conta que a dança deve ser executada em um ambiente apropriado, definido para tal expressão. Isto pode remeter ao culto realizado nas igrejas por exemplo, em que as pessoas frequentam para entrar em contato com o sagrado, e é lá neste ambiente específico com seus rituais definidos é que o sujeito encontrará um momento com o divino, uma sensação numinosa que o fará entrar em contato com seus arquétipos, e imagens primitivas. (Wurzba, 2009) Esta relação com o sagrado está em contraponto com a relação com a diversão, com os aspectos dionísicos, também presentes na busca pela dança. O prazer e a sua busca na dança é uma

62 forma de dispender a energia libidinal para algo externo que possa auxiliar o personagem em outros aspectos, os quais são demonstrados pelos questionamentos acerca das projeções da vida do personagem, a sua insegurança e possível insatisfação. A dança funciona aqui em vários sentidos, auxiliando o sujeito a sentir-se mais seguro consigo, aprendendo algo de novo que dispõe o personagem a ter novas habilidades para sentir-se bem consigo e com o outro. A dança pode ser vista como os rituais primitivos em que os indivíduos louvavam os deuses em dança para conseguirem o que queriam, por meio das reações que tinham no momento da dança podiam sentir um bem-estar advindo do próprio ato de dançar combinado com todo o processo que gerava uma sensação do divino. Para o personagem John a reação com o divino não é assim clara, é sim experimentada como algo prazeroso. ( Jung, 1928 / 2002) No filme o lugar da dança fica muito claro, pois grande parte do filme se passa na escola de dança. Este é um local diferente daquele que o personagem participa em sua vida cotidiana, é um local no qual experiencia uma outra realidade. É como se fosse uma igreja em que a pessoa vai para entrar em contato com o divino. Dentro da escola são realizados os rituais, como se observa na Ilustração 1 em que Paulina dança, com gestos feitos ou em espetáculos, apresentações ou na escola de dança. Estes movimentos e gestos realizados na dança, ocupam o espaço de uma forma diferente, imaterial e ilimitada, como se neste local de dança o personagem pudesse criar um outro mundo. Na escola o divino pode ser representado pela totalidade, isto porque para dançar deve-se fazer uma conexão entre corpo e alma para que ele faça os movimentos de acordo com a técnica e o sentimento integrados em um só. (Wurzba, 2009) Na dança há a sensação de completude, advinda dessa integração entre corpo e alma, esta traduz a busca pela totalidade em si e no mundo. Um dos aspectos presentes na figura 1, acerca do ambiente, são os espelhos, que fazem o sujeito confrontar-se consigo mesmo o tempo todo. No caso da dança de salão, o espelho é retratado pelos olhos do outro na relação dual por meio do contato e da linguagem. Tal experiência ultrapassa os limites da consciência, pois o sujeito experiencia algo numinoso, irracional, por meio de técnicas de concentração, relaxamento e entrega na dança. (Wurzba, 2009) O primeiro impulso é dado, a partir daqui John entra em um processo sem retorno, pois inicia uma viagem para o interior de si mesmo. Claro que isto não ocorre de maneira imediatista ou rápida, são pequenos passos dados pelo personagem, e que analisados com clareza podem remeter ao processo pelo qual o indivíduo está passando no momento. Na próxima cena (cena 8) John entra na dança, pois no dia em que foi à escola era justamente o dia em que começavam as aulas para iniciantes na escola de dança. John decide ficar e fazer uma aula, conhece os seus colegas e a professora, a Sra. Mitzy, a dona da escola, também tem o seu primeiro contato com a moça da

63 janela, descobrindo que esta também é professora da escola, mas não a sua professora. Na primeira aula são apenas os homens que dançam, estes se conhecem, apresentam-se e depois da aula saem para jantar, onde acabam se conhecendo um pouco mais. Depois da primeira aula de dança, John e seus colegas de aula Vern, Chic e Bobbie vão jantar em uma lanchonete próxima à escola. Bobbie pergunta a eles: – Por que querem aprender a dançar? Vern: - Vou casar em setembro. Outros: - Legal!! Vern: - Minha noiva quer que eu emagreça. Ela acha que dançar ajuda, eu não acho. John: acho que vai ganhar a aposta ( fala rindo e olhando para o prato cheio de Vern.) Chic: - Quero impressionar as mulheres. Sabem o que dizem dos caras que sabem dançar? Bobbie – Que são ótimos na cama. Chic – Yeah. Bobbie – De onde você tirou esta ideia estúpida? Chic – De todo o lugar, todo mundo sabe que um homem que sabe se mexer no salão sabe se mexer na cama. A maioria dos homens não sabe dançar. Os que sabem podem escolher as garotas. Quando eu aprender elas vão cair aos meus pés. [...] Bobbie – Só restou você( apontando para John) John – O que? Bobbie - Você é o único que não disse porque veio aprender a dançar. John – Para me exercitar que nem o Vern. Bobbie -Mentira. John – Porque eu sou ruim de cama que nem o Chick. Pronto, já disse. Chic – Eu não disse que sou ruim de cama. Bobbie – Nem precisava dizer. Vamos lá, por que? John – (olha para a garçonete e pergunta) : Tem pimenta aí? Pode me passar? Bobbie – Foi o que eu pensei. Ela foi finalista em Blackpool.

64 Chic – Quem? Bobbie – A princesa, a outra professora, Paulina. ( Cena 9) No enunciado dos personagens percebem-se três diferentes motivações para dançar. O personagem Vern refere que dança para emagrecer indicado pela sua namorada, isto em seu discurso direto, mas indiretamente ele quer maiores condições para conquistá-la por meio de sua autoestima mais elevada. O personagem Chic quer comprovar a sua masculinidade em seu discurso direto, mas indiretamente ele quer aproximar-se de outros homens. Todos estes são demonstrados nas cenas finais do filme, em que aparece um trecho da vida dos personagens depois do período do curso de dança. Já o personagem John não consegue dizer porque iniciou a dança, servindo como desconfiança para Bobbie que deduz que John está dançando por causa da professora Paulina, a moça da janela. Algo que parece estar subentendido no discurso de John, porém que indiretamente reflete a sua busca pela auto descoberta, algo que não podia ser nominado naquele momento inicial de contato com a dança. Na cena 8 aparecem outras motivações embutidas no desejo de dançar de John. Quando este se apresenta para Vern que o questiona se ele dança bem, John responde que dançou em seu baile de formatura, fala a música que dançou. Isto remete a uma lembrança remota de algo que vivenciou no passado relacionado à dança. Dependendo da experiência que obteve, isto pode lhe trazer algo prazeroso advindo de uma memória, ou talvez algo que possa ser feito de outra forma no presente, diferente do passado, refazendo aquilo que possa ter lhe incomodado. Como no caso de Vern que refere que não foi ao seu baile de formatura, não se sabe bem o porquê, mas nota-se que pode ter sido algo não prazeroso e que agora o fato de dançar e estar em um curso lhe traga aquilo que ele quer, no caso pedir a sua noiva em casamento e perder peso, sentido-se melhor consigo mesmo. Lima e Vieira (2007) referem que a dança para adultos, especialmente idosos, faz com que se expressem por meio das memórias do passado, dividindo experiências e risadas, o que traz sentimentos de paz e juventude. Estes sentimentos podem advir tanto do exercício físico que auxilia na forma física, quanto também de sentir-se capaz de realizar algo que antes não era possível por não se possuir este conhecimento. Outro aspecto importante nas motivações de John para dançar é a socialização, que, nos termos de Volp, Deutsch e Schwartz(1995) é um dos principais motivos para a pessoa começar a dançar , sendo uma busca pela experiência social. Entrar em um curso de dança é uma oportunidade de expandir relacionamentos, pois cria um espaço saudável de convivência no grupo, auxiliando na comunicação por ser um espaço de textualização da discursividade devido à emergência de sentidos no espaço e para os sujeitos partícipes da relação. (Zaniboni & Carvalho, 2007) Esta emergência de

65 sentidos é percebida nos discursos dos personagens na cena 9 em que conversam sobre o que os motivaram a dançar. Após a aula de dança, todos os colegas saem para jantar juntos, algo que demonstra a entrada em um novo grupo de pessoas, além do atual do cotidiano, ilustrando a socialização advinda pela dança. Em suma, o questionamento de John advém de seu momento de vida, da fase em que está passando na idade madura, como parte de um rito de passagem, John encontra na dança uma forma de utilizar-se de um recurso simbólico para passar por este processo. Isto se dá por meio dos afetos que se expressam de maneira numinosa, o que indica a atuação arquetípica nesta relação. As outras motivações subjacentes que o fazem buscar a dança como via de expressão advém de suas buscas internas posto que o homem na idade madura busca a adaptação ao seu mundo interno, mais do que ao externo, havendo uma sobreposição dos problemas existenciais aos problemas objetivos. O personagem busca a dança justamente por encontrar nesta a relação de completude que estava buscando, dado que seu questionamento inicia a partir daquilo que ele gostava e queria, assim identifica-se com a sua anima, representada pela professora, para se aproximar dela e socializar-se acaba por encontrar na dança justamente aquilo que vinha buscando. A dança funcionando como uma via de descarga para John. (Wurzba, 2009; Boechat, 1997) Dado o primeiro passo, John inicia um processo de autodescoberta, tudo isto em relação com o social, com o outro e principalmente consigo mesmo. A partir de suas vivências internas e externas John começa a integrar-se de outra forma, assumindo a sua verdadeira identidade e livrando-se daquilo que já não lhe cabe, neste caso, dos falsos invólucros da persona. Segue-se então para a terceira categoria, quando o personagem começa a sua descoberta.

3. Baile de máscaras: o desvelar da persona e a sombra por trás das máscaras “Quem me vê sorrindo pensa que estou alegre, o meu sorriso é por consolação, porque sei conter para ninguém ver, o pranto do meu coração...” (Cartola, 1974) A presente categoria foi definida a partir das etapas do processo de individuação e das considerações acerca do personagem principal no processo. Baseado nas considerações de Nise da Silveira (1981), pode-se dizer que no meio social as pessoas devem vestir máscaras o tempo todo, como se estivessem em um baile de máscaras, em cada uma deve esconder o seu rosto,

66 demonstrando um corpo sem um rosto definido, ou melhor, mascarado de acordo com as suas necessidades. Em um baile veneziano por exemplo, algumas pessoas vestem máscaras de sóis, luas, de tristeza, de felicidade, de animais, dentre outras. Na vida real as pessoas vestem máscaras de advogados, psicólogos, médicos, operários, donas de casa, oprimidos, vítimas, imponentes, e assim por diante. As manifestações sociais sempre demonstram aquilo que se vivencia no real, assim como no baile de máscaras, que representa justamente o comportamento da sociedade atual, em que as pessoas aparentam aquilo que gostariam de ser para si mesmas e para o meio, deixando de lado a sua autenticidade. As pessoas seguem escondendo aquilo que não querem enxergar, fazendo isto de maneira inconsciente, vão reprimindo aquelas coisas que não aceitam em si mesmas, que as repugnam, projetam no outro aquilo que é seu e que não gostam em si. E quanto mais estes aspectos forem reprimidos mais se torna espessa e negra a sombra do indivíduo se torna. Portanto, para que o sujeito se dê conta de seu lado negativo deve primeiramente retirar a máscara vestida pela persona, e assim poderá enxergar a sombra existente por trás desta máscara. Isto porque a sombra é formada a partir da formação do ego e da persona, daquilo que foi reprimido, deixado de lado na constituição da persona. (Silveira, 1981) No filme esta categoria aparece de maneira sutil nas falas dos personagens, lembrando que o processo de individuação tem como meta deslindar as falsas máscaras da persona e despojá-las do si mesmo, despojando-o do poder sugestivo das imagens primordiais(Jung, 1916/2008), para que o sujeito se dê conta da sua real identidade podendo assim ser autêntico. Durante todo o filme o personagem John se questiona acerca de si mesmo, tendo em seus questionamentos o seu papel de marido, de advogado, de pai em todo este processo. Quanto à sua profissão, percebe-se que John fala de seu trabalho em diversos momentos do filme, momentos em que precisa decidir coisas importantes e que seus questionamentos ficam mais evidentes. Já na cena 1 isto aparece, em que John contextualiza a sua vida de acordo com aquilo que vive no seu trabalho. Aquilo que ele vivencia em seu trabalho diz respeito à máscara que ele veste para sociedade, demonstra o seu processo de trabalho, o modo como se comporta com seus clientes e as coisas que diz para eles. Diz respeito, portanto à sua persona. Visto todo o questionamento já mencionado nas categorias anteriores, John está em uma situação de desespero, busca e indecisão, tais momentos podem ser ilustrados pelas cenas 1, 2, 3 , 4, 5, 6 e 7 em que o personagem se questiona para tomar uma decisão e uma posição em sua vida. Isto mostra que a muralha construída por John para a sociedade está desmoronando, ou seja, a sua persona já não faz tanto sentido para si mesmo, podendo-se perceber aqui que o personagem não adere à sua persona como algo parte de seu ser, percebendo-a como algo superficial de sua personalidade. Sendo assim, parte do processo

67 já está sendo ultrapassada, no que o personagem percebe os falsos invólucros de sua persona, aquilo que foi construído apenas para a convivência social. ( Jung, 1916/2008; Silveira, 1981) Na cena 11, John conversa com seu colega de trabalho Link, após descobrir que ele dança na mesma escola que ele. Vão tomar um drinque depois da aula e conversam conforme o que se segue: Link: - Calça frouxa, maricas...É isso que ouço desde os 8 anos quando dançava com os discos de rumba da minha mãe. E sabe o que é pior?Eu não sou gay. Minha vida seria muito mais fácil se eu fosse .Um heterossexual que gosta de dançar assim é muito raro. Não vai comentar no escritório, vai? John: - Não, não! Eu não faria isso! Eu estou no mesmo barco. Link: - Não está. John: - Por que não? Link: - Porque gostam de você .Você é encantador. Me crucificariam se descobrissem. Eu sei tudo sobre esportes,sou fã de esportes, entende? John: - Você não curte futebol americano? Link:- É só correr e se amontoar, correr e se amontoar. 4 meses disto e dá vontade de se matar. John:- Você me enganou. Link: - Eu sei, enganei todo mundo. Sabe qual é o meu sonho? John: -Qual? Link:- É poder dançar livre e com orgulho usando meu nome verdadeiro para todo mundo ver. Este é o meu sonho. Neste discurso da cena 11 podem-se perceber diversos elementos interessantes para a compreensão do processo de John. Primeiramente quando ele fala que está no mesmo barco que Link, notando-se que Link está referindo o preconceito vivido por dançar, e John comparando a sua vivência com a dele. Ambos estão falando aqui do preconceito que a sociedade tem quanto aqueles que dançam, neste caso dos homens. Falam, neste caso de uma regra social, em que o homem que dança deve ser masculino, ou pelo menos demonstrar este aspecto nos atributos definidos como masculinos na prática da dança, ou mesmo na prática social. ( Andreoli, 2010) No enunciado de Link percebe-se também como a questão de gênero está implicada em sua vida, até mesmo colocando em confluência a dança e o fato de ser homossexual, que não é o seu caso. E por isso que ele sofre, pela sociedade definir que quem dança tem de ser efeminado ou homossexual, o que gerou diversos conflitos em sua vida. Ocorre que no caso de Link, a sua persona lhe é prejudicial pois vive infeliz com as coisas que tem que fazer para esconder quem ele realmente é, o que ele quer mesmo é afirmar a pessoa que é para todos, sem utilizar-se da máscara

68 do que gosta de futebol e outros esportes, mas de alguém que gosta mesmo é de dançar. Jung (1934/2000) refere que a persona pode ser prejudicial ou não, depende de como o sujeito se utiliza dela. Há indivíduos que identificam-se com a sua persona e a vestem em todos os momentos da vida. Dependendo da forma com que o indivíduo lida com a sua persona, esta pode lhe servir de proteção ao meio, ou mesmo uma forma de se sustentar no trabalho, deixando a este a máscara de profissional. (Silveira, 1981) Ao exemplo de Kafka, que mantinha a sua persona de bancário de dia, a qual referia detestar e à noite produzia seus escritos, mantendo-se como outro voltado aos seus prazeres criativos. Assim faz Link no filme, durante o dia um advogado sério e à noite um dançarino excêntrico.(Hall & Nordby, 1980) O personagem Link fala claramente da persona vestida em seu trabalho, em que fala de esportes, de futebol para os colegas de trabalho, mas na realidade ele não gosta de futebol ou de esportes, mas sim de dançar e de confeccionar novos figurinos para dançar. O personagem para ser quem é tem de dançar com outro nome, utilizando-se de um disfarce, uma peruca e dentes postiços que o fazem parecer ser outra pessoa. O problema é que para que ele seja ele mesmo tem de usar um disfarce para não ser humilhado pelos colegas como era na escola. Link demonstra neste enunciado o quanto a sua persona é a sua proteção, sua muralha para que a sociedade não o descubra, não desvende quem ele realmente é. Porém, ele tem um desejo de poder demonstrar isto aos outros, de ser ele mesmo e de tirar esta máscara.

Ilustração 2: Cena 15 John e Link ensaiam um passo de dança, Link auxilia John no banheiro do escritório.

Ilustração 3: Cena 15 Link finge desmaio nos braços de John.

John identifica-se com Link, tendo que se esconder atrás do homem encantador e charmoso que é, para que as pessoas não percebam o seu gosto pela dança e a pessoa que ele realmente é. Este

69 é um dos invólucros de sua persona, que aparece naquilo que ele busca esconder da sociedade. Este aspecto fica claro na Ilustração 2 retirada de uma cena em que o personagem está no trabalho e treina com Link um dos passos aprendido nas aulas. Ambos estão em um local velado, mas que podem ser descobertos, e é isto mesmo que acontece, personagens estão dançando no que entra um colega no banheiro. Link finge desmaio para explicar o fato de estar nos braços de John.( Ilustração 3) Percebe-se que os personagens não se sentem retraídos em dançarem entre si, mas sim com o fato de que alguém os veja . Sendo assim, aceitam a sua identidade como ela é, mas não conseguem ser autênticos o suficiente para a sociedade. A persona é parte do eu, parte consciente e inconsciente do sujeito, por estar em camada mais superficial, geralmente é a primeira da qual o sujeito passa a se dar conta, dada esta natureza consciente. No filme, John assume a persona de pai, advogado e marido que gostaria de ser, e age assim perante todos estes setores de sua vida. A partir de seus questionamentos, começa a se dar conta de que aquilo não é necessariamente o que sente, pensa ser feliz, mas no fundo não o é e passa a buscar esta felicidade em algo. Este é o momento em que começa a se dar conta de quem ele realmente é, de seus anseios e vontades reais. Até o momento o personagem era influenciado pelo mito do herói para a formulação de sua persona, aquele que vence os obstáculos, e consegue interagir amplamente com o meio em que vive. Isto é claramente exemplificado pelo discurso de seu colega Link na cena 11 em que refere que John é uma pessoa encantadora, sendo este um aspecto atribuído do herói arquetípico. (Henderson, 1964; Santos, 1976) John, justamente por atribuir a si mesmo algumas características de herói em sua persona, busca em sua vida encontrar e afirmar a sua personalidade perante o todo. Percebe-se que o personagem consegue dividir claramente o seu papel de pai, de marido e de advogado, não aparentando ter conflitos em relação à sua persona. Utiliza-se dela como uma defesa ao social, tendo inclusive ações de heroísmo em sua vida, quando resolve, por exemplo, investir na esposa após o conflito passado consigo e com ela, com a professora Paulina, quando a auxilia a enxergar aquilo que lhe faltava, a motivação para voltar a dançar. (Cenas 16 e 23) É importante afirmar que somente parte de sua persona advém de um arquétipo, neste caso relacionado com o de herói, a outra parte é formulada pelas outras relações com o social, com aquilo que as pessoas esperam dele. ( Hall & Nordby, 1980) John demonstra em suas ações durante o filme que consegue fazer aquilo que esperam dele, até seu outro lado ser descoberto. John esconde da esposa que dança, que tem outros amigos e que não é tão feliz quanto gostaria com ela. Esta é uma outra face de sua persona, algo que deixa escondido e que pode demonstrar a sua sombra. No enunciado da cena 14 isto fica bem claro, enquanto John divaga em frente à loja de eletrodomésticos: “Tudo o que o cliente disser no escritório do advogado é

70 confidencial. Por isso sei guardar segredos há anos. Geralmente não é nada incriminador. Mas muitas pessoas têm coisas guardadas dentro delas. Coisas que elas não estão prontas para dividir.” Aqui John fala de sua habilidade contida em sua persona, o quanto consegue esconder coisas suas, e deixar a sua outra face para outras pessoas enxergarem, sem mostrar a outra. Ou seja, John mostra à esposa o marido dedicado e pai atencioso. Aos colegas da escola ele mostra-se uma pessoa aparentemente apaixonada pela professora Paulina, um senhor de meia idade em busca de alguma motivação. Em momento algum fala que é casado, que tem filhos, não expõe-se aos colegas. Porém, ambos os lados de suas relações percebem que ele esconde algo. Principalmente a filha e a esposa que percebem que ele está diferente. A esposa, a partir de suas vivências passa a questionar se ele não a está traindo, sabendo que ele está escondendo-lhe algo importante. Esta percebe um cheiro diferente em suas roupas, os horários que John chega em casa começam a ficar mais tarde, e ele aparenta estar mais feliz segundo comentários da filha Jenna, que também observa esta mudança. Outro aspecto observado no discurso de John é que ele mesmo retira de si a culpa de estar fazendo algo de errado. Nota-se que ele consegue visualizar exatamente o que está fazendo, percebendo que não há culpa ou algo de pecaminoso no que faz, quando diz que não é nada incriminador. Porém é algo que não está ainda pronto para dividir, o que na verdade não passa de uma racionalização, pois o personagem culpa-se de certa forma por esconder isto tudo. Sendo que neste momento o personagem está preparando-se para uma competição, local onde irá se expor e correr o risco de ser descoberto pela esposa. Sendo assim está preparando-se também para dividir alguns de seus segredos com ela e com a filha. Neste enunciado pode-se observar que os aspectos apreendidos pelo uso da persona são-lhe favoráveis no que se refere às suas habilidades sociais e individuais, neste caso de guardar segredos dos outros e de si mesmo. Percebe-se portanto, que o personagem não engana a si mesmo, mas necessariamente o outro na relação com a sua persona. Na cena 19 percebe-se que John e Link conseguem assumir quem realmente são para os colegas de trabalho, cansados de se esconder e Link desmascarado pela reportagem em revista com a sua história, tomam uma atitude frente aos colegas. Colega 1: Vocês não vão acreditar, pessoal! Louie! Louie! Link começou a dançar em 1985. Logo se transformou em sua paixão"e ele começou a dançar 6 dias por semana. Advogado de dia, dançarino à noite,ele varre o chão com sua energia. " Colega 2: - Eu sabia! Falei que ele era esquisito. Colega 3: - Acho que ele joga em outro time!

71 Colega 4: - Vejam que calças apertadas! Alguém arranje uma lupa! John: - Não há nada errado com dança de salão! Link ouve os cometários, sai de sua sala e tira uma das colegas para dançar, dá uns giros com ela e logo a retorna à sua posição inicial. Após isto, ela fica com a boca entreaberta o olhando como se em choque. Link: - Vão se ferrar. E futebol é uma porcaria. (Cena 19) O enunciado dos colegas reforça um comportamento preconceituoso de que homens que dançam são efeminados, da dominação masculina e de sua hegemonia de poder reforçada pela mulher que faz o comentário das calças de Link, e dos conceitos tribais acerca da sexualidade de um homem que aceita e demonstra o seu lado feminino (Bourdieu, 2002). Link prova aos colegas, tirando uma de suas colegas para dançar que ele sabe muito bem o que está fazendo e que não importa o que digam ele é o que ele é, masculino e heterossexual. A cena demonstra que John também pode assumir-se como alguém que dança para os colegas de trabalho, colocando-se na defesa de Link devido à identificação com o amigo. As máscaras caem e os personagens John e Link podem ser eles mesmos, no trabalho, na vida familiar e consigo mesmos. John descreve em seu discurso, parte do processo que se deu até o momento, falando o seguinte: A leitura de um testamento pode vir como um alívio. Depois do choque inicial de que o dinheiro vai para o cão, o resto para o jardineiro, tem-se a sensação de que finalmente as coisas estão claras. (Cena 18) Assim John percebe o quanto as coisas quando clarificadas advém de um processo doloroso pelo qual passou durante o filme. Ou seja, que o processo de conscientização exige muito do sujeito, devido às relações consigo e com o outro, referindo-se aqui à sua esposa e filha. Este enunciado pode ser percebido também como uma forma de alívio por finalmente poder ser quem ele é, não quem os outros esperam. Mais adiante esta cena é retomada na analise, de acordo com as outras categorias subsequentes, levando-se em conta que nela contém aspectos importantes que indicam o processo de individuação de John. O quanto o deslindar das máscaras da persona foi influenciado pela dança para John é a pergunta que deve-se fazer para resumir os resultados encontrados. Pode-se iniciar a resposta lembrando que antes de dançar John não tinha se dado conta de seu papel em seu trabalho, em sua vida afetiva ou em sua família. Quando começa a dançar começa também a perceber os papéis desempenhados na sociedade, também o quanto escondia coisas das pessoas que eram dele, e que ele não conseguia revelar. Assim, John passa a conhecer a sua máscara, como se pudesse retirá-la e

72 olhar-se no espelho com ela e sem ela, e compreender quem vai na máscara e quem fica no rosto. A jornada do herói compreende que ele possa descobrir os seus aspectos negativos e utilizarse deles para vencer em sua jornada. Esta é a luta travada com a sua sombra, seus aspectos reprimidos, nefandos e desfavoráveis. ( Henderson, 1964)É deste aspecto que se trata esta categoria, a descoberta da sombra, o revelar para si e as confluências na relação com o outro do mesmo sexo. A sombra representa algumas das qualidades e atributos desconhecidos do ego, assim aparece nas coisas que as pessoas não gostam e projetam nas outras, nos pequenos pecados capitais ou em atos inadvertidos ou impulsivos. Quando a pessoa se dá conta deste lado negativo, geralmente a reação não é boa, pois são coisas que desgostam o sujeito a saber que não é perfeito como imaginava. (von Franz, 1964) É importante ressaltar que somente percebe-se a sombra em indivíduos ou figuras do mesmo sexo, ou seja, projeta-se esta em indivíduos do mesmo sexo, ou mesmo pode-se identificá-la em figuras míticas, ou em outros sujeitos. ( von Franz, 1964) No caso do filme, como não se tem muito material acerca dos conteúdos inconscientes de John, utiliza-se a relação com o outro para perceber este contato com a sombra. Na análise de conteúdo das falas dos personagens, em seus enunciados, entendendo-se aqui enunciado como forma de comunicação, inclusive gestual e imagética, percebem-se alguns aspectos que podem sugerir a percepção da sombra. Na cena 8 pode-se perceber este contato de John com a sua sombra. Na sua primeira aula de dança, enquanto aguarda a aula da Sra. Mitzy, John observa Paulina dar aulas para um outro aluno, que enquanto dança com a professora deixa a sua mão bem próxima à região dos glúteos de Paulina. Esta delicadamente retira a mão do aluno, posicionando-a no meio de suas costas. John observa e dá um pequeno sorriso, fechando os olhos após isto. Há a possibilidade de uma identificação com a sombra surgindo, John enxerga no outro aquilo que é do masculino e que é desrespeitoso com a mulher. Algo do qual ele se envergonharia em fazer. Aqui está projetando no outro algo que também

Ilustração 4: Cena 8 em que John observa um colega dançar com Paulina.

Ilustração 5: Cena 8 em que Paulina dança com aluno, afastando a sua mão para acima de sua cintura.

73 é seu, sendo que está ali por um desejo inicial pela professora. Atrapalha-se na presença dela, e ali está por ela e para vê-la. Assim, isto o incomoda de certa forma, quando a vê sendo praticamente abusada pelo aluno. Mas a atitude dela o repele, e John apenas observa a situação absorto em seus pensamentos, retornando para a conversa com os novos colegas. John aparentemente tem uma tendência em retirar-se do mundo exterior, por isso a sua sombra será representada por alguém oposto a isto, neste caso algo visto em seu colega Link , por exemplo. Link dança as danças opostas a John, as danças latinas que exigem do dançarino mais rebolado e pegada da dançarina. John prefere as danças mais clássicas como a valsa e o passo rápido, gosta destas e pretende dedicar-se a estas também. Em Link enxerga muito de seu oposto, o personagem assume características diferenciadas quando dança, é agressivo e expressa-se de forma expansiva, ao contrário de John que dança de maneira mais clássica e contida. (Jung, 1934/2000) Cabe dizer aqui que este estudo não enseja estabelecer os tipos psicológicos dos personagens em questão, mas sim as características encontradas acerca do processo de individuação no personagem John. Isto posto, sabe-se que a função inferior de um determinado sujeito está localizada em sua sombra pessoal, constituindo parte daquilo que o sujeito não deseja. Pode-se dizer que parte desta é encontrada e refletida no personagem John por Link, o seu oposto no filme. Também representado pelo outro colega que dançava com a professora Paulina. (Santos, 1976) Quando visto no outro a ação era uma, mas e consigo mesmo? John quando foi dançar com a professora agiu de modo semelhante ao colega que observava na sua primeira aula. Isto pode ser melhor compreendido analisando e comparando os enunciados das cenas 8 e 12.

Ilustração 7: Cena 12 em que John dança

Ilustração 6: Cena 12 John dançando com

com Paulina.

Paulina após ela ter reposicionado suas mãos.

Nesta cena, comparando-se à cena 8, John tem uma expressão semelhante quando Paulina

74 reposiciona as suas mãos, assim como fez com seu colega que dançava com ela. Assim John percebe-se nos mesmos passos daquele que pode ter desaprovado, desrespeitando a sua professora Paulina. Naquele é como se recriminasse o feito e consigo também, porém mais doloroso, pois o faz consigo mesmo. Fazendo isto consigo mesmo, quer dizer que está tomando consciência de sua sombra, dos aspectos negativos que enxerga em si mesmo a partir do olhar para o outro. É como se comparasse a sua atuação com a do outro colega que faz algo que ele reprova, então ele o faz de maneira semelhante, querendo dizer que pouca coisa o difere daquele que ele criticou, mesmo que com o olhar, até então. (Monick, 1929/1993; Jung, 1934/2000) Assim, John começa a integrar ao seu ego a noção de mal que existe dentro de si mesmo, como se aceitasse ou compreendesse a existência do estuprador que existe dentro de si , admitindo a sua feiura e brutalidade. Monick(1929/1993) admite que existam dois tipos de arquétipos do masculino, cada qual com a sua sombra, isto posto que todo o lado positivo possui um negativo, e assim sucessivamente. Estes arquétipos são denominados de falo ctônico e falo solar. O primeiro refere-se à natureza masculina, à parte instintiva responsável pela parte feminina do homem, pelas transgressões pelo irracional. Ao segundo arquétipo dá-se o nome de falo solar, voltado à paternidade, aos papéis sociais desempenhados pelo homem. Como já referido, ambos possuem a sua sombra, sendo este o aspecto que interessa neste ponto do trabalho. A sombra do falo solar caracteriza-se pelas atitudes destruidoras advindas do logos, do conhecimento, pertence à superioridade patriarcal, ao dominante. A sombra do falo ctônico é admitida como sendo o outro lado sombrio do masculino, caracterizado pela rudeza, brutalidade, falta de cuidados consigo, também pelo desejo insaciável, possessividade, necessidade de poder , impulsos jocosos, gosto pela guerra e pela competição. No personagem estes aspectos são percebidos apenas em alguns momentos do filme, como nas cenas citadas, na cena 12 e na cena 8. O que aparece são alguns impulsos jocosos e o desejo insaciável, quando John convida a professora para comer, um convite recebido por ela como ostensivo e sedutor no seu sentido de desrespeito. Assim, Paulina coloca John em seu lugar dizendo-lhe que não se socializa com alunos e que se ele busca ela como troféu pela dança que deixe de dançar. John recebe esta resposta e fica pensativo. Um choque com a sua sombra. Esta é admitida em seu discurso mais adiante, no enunciado da cena 16 quando John diz à Paulina : “Eu não queria voltar. Todas as acusações que fez contra mim eram verdadeiras. Mas eu comecei a gostar de dançar, me fazia feliz.”(Monick, 1929/1993) Desta forma, John começa a tomar consciência de sua sombra e passa a integrá-la a seu ego. Inicialmente John apenas admite em si a sua sombra no sentido de perceber as vicissitudes que a descoberta desta provoca em si. No caso pode advir a culpa, um sentimento de maldade interna, ou

75 também uma satisfação, no caso da identificação com a sombra, ou mesmo como algo que devia vir à tona. Para John, quando percebe a existência de sua sombra, regride inicialmente, o que é ilustrado pela cena 13 em que John começa a subir as escadas e retorna à rua. Este comportamento demostra uma certa covardia, pois John foge ao enfrentamento, apenas deixa com que pensem aquilo que queiram, assumindo um papel à sociedade e privando-se de ser quem realmente é. Porém algo o faz mudar, ou seja, John começa a refletir e percebe que deve enfrentar aquilo que passou. (Monick, 1929/1993) O encontro com o filho o faz refletir acerca da importância da dança para si, mas além disto, a importância de assumir a sua sombra e entrar em contato com ela pela dança. Quando a amiga de Evan pergunta se John quer dançar e ele responde que sim, saindo correndo em direção à escola de dança, quer dizer que lá é o local onde ele pode se expressar e lidar com aquilo que não está bem. Isto porque é lá o local em que a sua sombra foi exposta, onde a sua ferida está aberta e lá o local em que ele deve fechá-la. Assim, John retorna à escola e mostra que quer dançar para si e para os outros. Além disto, como já referido anteriormente, John assume que teria intenções com a professora em seu discurso da cena 16. Nota-se que John é bem asseado, cuidado, sempre perfumado ,educado isto demonstra que a sombra de John é bem guardada em seu invólucro da persona. Isto torna mais difícil a sua integração com o ego e a sua aparição. Para o personagem John, este processo se dá pela percepção a partir do outro e pela sua relação com a sua anima, que será discutida na categoria a seguir. Sendo assim, o processo de John de dissolução da persona e desvendar da sombra é percebido de forma clara mesmo que em sutis ações do personagem, isto tudo ocorre a partir de seu contato com a sua anima, que é a alavanca do processo, mesmo sendo a camada mais profunda dentre as outras, quando John começa a entrar em contato com a sua parte feminina, entra em contato também com os outros arquétipos presentes no seu inconsciente. (Monick, 1929/1993; Jung, 1934/2000) John tem o auxílio da dança em sua busca por autoconhecimento, nominada por ele de felicidade. Pela dança, o personagem entra em contato com outros homens, podendo-se enxergar neles inclusive frente a frente, pois em diversos momentos do filme John dança com um colega do mesmo sexo. Nos olhos do outro John se enxerga e a partir disto começa a descobrir coisas em si as quais desconhecia, ou mesmo que deixava escondido e resguardado em algum lugar da sua psique. Sendo a sombra o lugar destas coisas indesejáveis, foi ali que John as guardou, abrindo agora o seu baú de conteúdos sombrios, a partir do contato com o outro. Parafraseando Jung (1934/2000), podese dizer que o homem sem entrar em uma batalha contra o orgulho fálico não conseguirá atingir sabedoria alguma, pelo contrário, ficará na ignorância. A problemática advinda do confronto com a sombra, do seu reconhecimento e posterior

76 conscientização é resolvida na ordem dos relacionamentos, ou seja, será respondida em nível de anima. ( Jung, 1934/2000) Este aspecto é percebido no filme com o personagem John que entra em contato com a sua sombra devido contato com a anima que faz com que também observe em si aquilo que o importuna, seus traços inferiores de caráter e algumas outras tendências incompatíveis com a sua persona. Assim dá-se início à quarta categoria a ser discutida neste trabalho, o confronto com a anima.

4. Anima: Aquela dama interior “Tudo acabado e o baile encerrado, atordoado fiquei, eu dancei com você divina dama, com o coração queimando em chamas...” (Cartola, 1970)

A anima é aquela dama provocante que cruza o caminho do homem das mais diversas formas e pelos mais variados caminhos. O homem por ela se encanta, mal sabendo por quem. Atordoado, não sabe o que fazer com aquilo que esta figura feminina movimentou dentro de si e assim enfeitiçado o homem entra em contato com uma profunda parte de seu inconsciente, o arquétipo feminino, a anima. Jung utiliza-se da metáfora do pescador para explicar o contato com os arquétipos, com a sombra pelo reflexo no rio e com a anima pela sereia que surge deste reflexo e encanta o pescador. Por encantador entende-se numinoso, sendo esta uma característica deste arquétipo, que seduz o homem ao irracional. (Jung, 1934/2000) Paulina, a professora de dança pode ser vista aqui como a projeção da anima de John. O personagem apaixona-se pela imagem da professora, fixa-se nela e vai atrás de algo que ela pode lhe dar. Ao conhecê-la esta deixa bem claro o seu lugar e que as chances dos desejos de John se tornarem realidade são nulas. Isto torna-se claro na cena 12 em que Paulina diz a John para não dançar se estiver atrás dela, pois perderá o seu tempo. Jung (1934/2000)refere que o homem projeta a anima em diversas mulheres, a iniciar pela sua mãe, porém com o tempo segue projetando nas outras mulheres de sua vida, nas paixões, até encontrar com a sua anima de verdade, com a sua face feminina interior. (Hall & Nordby, 1980) A função arquetípica da anima advinda pela relação materna pode ser percebida no discurso de Link : “Calça frouxa, maricas...É isso que ouço desde os 8 anos quando dançava com os discos de rumba da minha mãe. E sabe o que é pior? Eu não sou gay. Minha vida seria muito mais fácil se

77 eu fosse .Um heterossexual que gosta de dançar assim é muito raro.” Nota-se aqui uma identificação com o arquétipo feminino, trazendo traços efeminados ao personagem no momento em que dança, com rebolados e gestos escandalosos. Cabe aqui afirmar que as projeções se dão quando os conteúdos ainda estão inconscientes, e são ativadas sempre que um aspecto vital da personalidade é acessado, mesmo que inconscientemente. (Jung, 1964; Sanford, 1986) Em relação ao sentimento advindo das projeções pode-se ilustrar aqui a cena 14 em que a Miss Mitzy afirma, em relação à Bobbie: “- Ela gosta de você e a dança começa com os sentimentos dos dançarinos.” A partir desta fala pode-se afirmar que a partir das projeções feitas pelos componentes de uma parceria é que se definirá se poderão formar um par de dança efetivo ou não. Por exemplo, Paulina na cena 21, em sua carta fala de seu último parceiro de dança, que porventura era também seu namorado: Quando meu par e eu fomos para a Blackpool ano passado, estávamos ansiosos para chegar às finais. Todos estavam convencidos de que venceríamos e queríamos confirmar isso. Éramos um casal desde o momento em que viramos parceiros. Mas começamos a treinar muito, cobrando demais um do outro. Esperando demais. Nós não vencemos. Nem chegamos perto. Eu voltei sem troféu e sem parceiro. Por este exemplo, nota-se o quanto as projeções podem ser também prejudiciais. Neste caso, um exigindo muito do outro, de acordo com aquilo que queriam para si mesmos. Este é o problema de muitos casamentos, em que as pessoas casam-se com aquilo que advém delas mesmas, ou melhor, casam-se com as suas projeções. Não que inicialmente isto não possa ocorrer, pois é o que geralmente ocorre quando se conhece alguém, o problema é quando isto começa a crescer, como no caso de Paulina, em que ao invés de se dar conta daquilo que era seu projetado no outro, as projeções aumentaram e o casal já não se suportou visto que os objetivos não foram cumpridos de acordo com as suas ambições. Assim, dependendo da maturidade do casal, pode superar a fase das projeções ou não. No caso dos parceiros de dança isto funciona da mesma forma, quando um espera muito do outro, conforme aquilo que gostaria e o outro não corresponde, a dança não flui e a parceria se desfaz. Um exemplo disto pode ser destacado na cena 15 em que Paulina diz à John, referente à Bobbie: “Você é a moldura...ela é a pintura que se encaixa na sua moldura. Você deve fazer de tudo para exibi-la.” Isto remete à complementaridade, para a relação funcionar um deve complementar o outro, cada qual com suas forças e fraquezas suprindo as dificuldades do outro. ( Jung, 1910/1986; Sanford, 1987) A partir da cena 4 é que se pode perceber a relação de John com a sua anima, quando se

78 encanta pela professora na janela, e a partir dali passa a ficar cada vez mais intrigado consigo necessitando tomar alguma atitude em relação a isto, quando decide entrar na escola de dança. (cena 7). Devido ao momento em que John se encontra, de questionamentos e indagações, este abre-se ao conhecimento de sua anima, saindo do seu mundo consciente e externo para embrenhar-se nas profundezas do desconhecido. (Henderson, 1964; Jung, 1934/2000) Esta parte da anima com quem John se depara seria a parte negativa da anima, que seduz, atordoa e provoca fantasias no sujeito. A personagem Paulina, deixando claro o seu papel distanciado de John de professora, cumpre com o papel de demonstrar a John a sua própria sombra, fator discutido anteriormente, por outro viés. Aqui pode-se pensar na representação de Paulina como aquela que seduz e aponta as falhas refugando o homem após seduzi-lo. Quando o homem se depara com a sua anima negativa, isto é arrebatador, como se percebe no filme, John dispõe-se a esconder que dança e a deixar de lado algo para a sua família por causa de uma paixão não correspondida. (Henderson, 1964) John embrenha-se em seu encontro com a anima, ele modifica muitas coisas em si mesmo a partir deste encontro, mesmo sem perceber o que mudou. John ganha vida, fica mais feliz. Isto ocorre porque a ativação deste arquétipo tem a ver com a vida, com aquilo que impulsiona o sujeito para algo, por isso John animou-se tanto com algo. (Jung, 1934/2000).Paulina é a pessoa que consegue perceber as mudanças em John, pois ela refere na cena 16: “Você parece emocionado com algo como há muito tempo não ficava”. E assim John admite que na verdade está aterrorizado com a competição que será no dia seguinte. Neste trecho é possível notar que John consegue admitir as suas falhas para Paulina, a partir dos aspectos percebidos da sua sombra, e também é ajudado por ela para que tenha mais vida e se entusiasme ainda mais com o prosseguimento da cena. A anima se apresenta no filme também no seu lado positivo. Em um primeiro momento, percebe-se que John não consegue lidar com o aparecimento de sua anima como algo interno seu, isto, claro devido à projeção feita na professora. Deve-se lembrar que a projeção é necessária neste processo para haver um contato com o arquétipo, mesmo que depois isto tenha que ser corrigido. Porém, John passa a tratá-la como inalcançável, como uma pessoa além daquilo que ele poderia ter , consegue então notar que na verdade as coisas que o fizeram se aproximar dela foram as suas próprias angústias. Este aspecto é demonstrado pela cena 16 em que John fala para Paulina acerca de suas motivações para dançar: “-Sua aparência exterior parecia refletir o que eu sentia no meu interior.” Isto remete exatamente à projeção feita por John de sua anima na professora. E que neste momento John percebe que o que ele via nela era na realidade o que sentia. Assim, a sua anima que estava se manifestando projetada na mulher ideal que John encontrou.

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Ilustração 8: Cena 16 tango com Paulina.

Ilustração 10: Cena 16 o final da dança

Ilustração 9: Cena 16 frente a frente com a anima

Ilustração 11: Cena 16 John segura Paulina

Paulina cumpre com a sua função de anima, percebendo o ponto fraco de John, ela posiciona-se em sua fraqueza e o ajuda a levantar-se para ganhar força. A personagem decide dançar com John, à sua maneira, demonstrando na dança coisas que não poderia falar em palavras e nem mostrar-lhe com gestos, isto porque ela permanece no lugar do inatingível do mito. A cena da dança é descrita nas ilustrações para uma análise mais detalhada destes conteúdos imagéticos, além do

80 dito e transpostos na dança. (Henderson, 1964) Na cena 16 referida pelas imagens, fica claro o confronto com a anima, a necessidade de coragem para enfrentá-la e também para lidar com as suas forças internas e morais. Paulina provoca o caos em John, na verdade causado internamente pelo próprio inconsciente dele. Ela o confronta frente a frente, como pode-se notar na Ilustração 9. John deve enfrentá-la para poder sair deste conflito em que se encontra. Na dança ele tem a chance para tal. Esta apresenta-se aqui como um ritual em que o personagem tem a possibilidade de se dar conta de mais um de seus aspectos inconscientes que emerge neste momento de sua vida. Antes de iniciar a dança com John, na mesma cena, Paulina lhe dá as instruções do que irá acontecer, pede-lhe que deixe as luzes apagadas dizendo-lhe: “- Deixe apagada. Não diga nada e não pense. E não se mexa a não ser que sinta.” Esta fala dá início ao ritual e ao que pode aparecer de numinoso na relação entre John e Paulina. A partir deste momento John passa a lidar com a sua parcela instintiva, com as camadas mais instintivas de sua anima e sua persona fica abalada, deixando transparecer traços de sua sombra e o contato com a sua anima, representada a sua frente querendo integrar-se internamente. A música se inicia e Paulina aproxima-se de John e provoca-lhe algum tipo de reação a partir de sua intenção de movimento. John reage e dá o primeiro passo. Percebe-se que Paulina o conduz em quase todos os momentos da dança, ela o segura é ela quem se move com maior agilidade e precisão. Porém John recebe os comandos e obedece, seguindo pelas intenções dadas pela professora. (Henderson, 1964) Paulina obriga-o a lidar com o feminino em si em contraponto com a sua sombra. Na Ilustração 8, a personagem vira-se e solicita corporalmente que John a domine na pista. O personagem deve se manter e reagir. A força integrativa representada por esta dança faz com que John lide com diversas facetas de sua anima, desde a mais primitiva àquela voltada à sabedoria e integração. Na dança surgem diversos elementos sexuais que são ativados no contato corporal, e John deve conter os seus impulsos, a sedução e o elemento jocoso também estão presentes , John deve assimilá-los. A anima além de tudo mostra as fraquezas de John em relação à mulher, que ele não tem o domínio e que ele atordoa-se em contato com a mulher. (Henderson, 1964) Na Ilustração 10 John segura Paulina, o que sugere o seu posicionamento em relação a ela, ou seja, que John pode-se usar de seus recursos masculinos para entrar em contato com a sua anima, pois isto verdadeiramente é uma forma integradora de lidar com o seu lado feminino. Isto quer dizer que o personagem leva a sério os seus sentimentos, humores, expectativas e fantasias enviadas pela sua anima. Reage a elas e as fixa na dança. Este processo de fixar na dança é extremamente positivo, pois desta forma o personagem consegue integrar de maneira ampla a sua anima, isto

81 porque facilita o entendimento do real no processo. John entra em contato com sua anima pela dança, e nela compreende as suas fantasias, expectativas, ambos sentimentos reais que estão acontecendo naquele momento em que dança. (Henderson, 1964) Quando Paulina, na Ilustração 11, pede a John que mantenha isso vivo, ela se refere ao impulso que deu no aluno, ou seja, à vida ativada pela anima, algo que coloca em funcionamento o processo de individuação, que o faz seguir em diante o seu desenvolvimento psíquico. Neste momento do filme é como se mediante o caos interno a integração surgisse. Mais ou menos desta forma que se dá o processo integrador da anima. Nota-se ainda que Paulina percebe este poder sobre o personagem e o garante a si mesma para integrar o personagem e fortalecê-lo. Com as cenas seguintes a integração da anima se torna ainda mais evidente. ( Henderson, 1964; Sanford, 1987) A partir deste contato com a anima e dos acontecimentos que se sucedem, percebe-se que John passa a ficar mais tranquilo em relação a si mesmo, ou seja, os conflitos começam a dar frutos, o personagem passa a se utilizar dos recursos que possui em todos os sentidos de sua vida. Na cena 19 em que John posiciona-se frente aos colegas afirmando que não há nada de errado com a dança de salão, está assumindo uma postura em seu trabalho, utilizando-se da anima como força para tal . Em sua família, percebendo os momentos em que estava infeliz, mas valorizando as coisas boas de seu casamento, John passa a investir na esposa, também utilizando-se de sua anima interior para tal. Na cena 22 isto fica evidente no discurso de John, quando consegue falar de seus sentimentos em relação ao casamento. Na cena 23 John mostra-se amoroso, quando surpreende a esposa em seu local de trabalho, vestindo um smoking e levando-lhe uma rosa vermelha. Nesta cena percebe-se John confiante, disposto e amoroso. Todas consequências do seu processo de individuação, de sua integração com a anima, da descoberta de sua sombra e do desmascarar de sua persona. John está então pronto para retomar seu casamento e reencontrar pela última vez a personificação de sua anima. Beverly parece emocionada em ver o marido lhe agradar da forma que aparece em seu local de trabalho. John pode, desta forma corrigir e recomeçar as coisas com a sua esposa, agora que está mais integrado consigo mesmo, pode agir de maneira mais integrada com os outros também. A última dança com Paulina é bem diferente das outras, nesta ambos estão mais descontraídos. Paulina faz uma menção de retirar John de sua esposa, para dançar e depois devolvêlo aos seus braços. Isto pode simbolizar o processo pelo qual John passou consigo, em que ela o auxiliou a integrar a sua anima, e ele a auxiliou com o seu animus, deixando com que ela pudesse ir embora em busca daquilo que ela treinou a vida toda para fazer que é dançar. O efeito causado nela é de decisão. Paulina deixa de se esconder atrás de uma persona, assumindo os seus erros e entrando

82 em contato com suas expectativas e planos de vida. Tudo isto fica claro na carta escrita por ela endereçada a John na cena 21. Paulina escreve: - “Você estava tão gracioso e corajoso dançando...Era uma pessoa diferente de quando chegou na escola da Miss Mitzy. Mas muita coisa mudou para nós dois nos últimos meses.” Neste momento, a personagem se dá conta de que também teve mudanças e o quão significativa foi a relação dela com John, ativando em si mecanismos que estavam já estagnados pela frustração. E ela continua: “-Todo esse tempo eu me escondi na Miss Mitzy ,com raiva de mim mesma. Frustrada, envergonhada. Mas depois que treinei você e Bobbie e vi como estavam vivos, eu percebi o quanto tinha abandonado. E agora, pela primeira vez em muito tempo, quero dançar novamente.” Assim, Paulina fecha a sua vivência com John, tendo compreendido a relação de ambos e o quanto esta influiu no desenvolvimento dos dois. Ambos cresceram e conseguiram ir em busca daquilo que procuravam, não que o processo se encerre aqui, mas que foram dados grandes passos em busca da realização.

83 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nota-se que o processo de individuação envolve muitos atores, não se trata de um processo isolado em si mesmo. O indivíduo entra em contato consigo pelo outro, pelo olhar do outro e as suas projeções no outro. No filme o processo de John causa interferência na vida de muitas pessoas ao seu redor, na sua projeção de anima, na sua descoberta da sombra, no retirar da sua persona, em todas estas fases John afetou algumas pessoas. A sua esposa sofre mudanças, assim como a professora e os colegas. Todos que mantiveram estreitas relações com John tiveram de alguma forma as suas vidas afetadas. Por isso trata-se de um processo complexo em que tudo está relacionado e interligado nas redes de relacionamento social e interno. Os resultados encontrados comprovam que a dança exerce influência no processo de individuação do sujeito e demonstra qual o papel exercido por esta prática dentro do processo. Entende-se, portanto que a dança auxilia o sujeito a integrar-se a partir das relações consigo e com o outro. Assim, este processo só existe na presença do outro, pois é pelo olhar do outro que o indivíduo enxerga a si mesmo. É um processo de introspecção que admite e pressupõe uma relação de alteridade implícita. Diz-se implícita, pois existem diversas maneiras de se passar pelo processo de individuação. No caso do filme estudado, a pressuposição do outro aparece devido às projeções realizadas pelo personagem e que só pela percepção destas os resultados puderam ser encontrados. A dança é aqui percebida como um meio pelo qual o sujeito consegue expressar seus conteúdos inconscientes. Auxilia o sujeito, no caso do filme , e por ser dança de salão, auxilia o sujeito a entrar em contato com a sua anima, o feminino, e no caso das mulheres com seu animus. Esta relação ocorre pela forma de dança, reações à dança e sentimento na dança. Todos estes aspectos foram encontrados na última categoria analisada. Assim, pela forma de dança, o personagem encontrava-se frente a frente com a sua projeção da anima, com esta materializada e assim tinha um confronto com a sua anima. As suas reações à dança advém deste contato com o feminino, não só pelo contato com o par, mas consigo mesmo, ou seja, quando dança o sujeito passa a conhecer um pouco mais de si mesmo, conhece outros prazeres do corpo descobertos por meio da dança. O sentimento entra neste processo no sentido que abre caminho para a entrada do outro. É também uma porta de entrada para conhecer o outro e consequentemente a si mesmo. Isto é claramente percebido no filme, que quando o sentimento é nulo ou insuficiente o par não funciona, este precisa de uma mínima conexão que irá depender de cada um do par que dança. Pela dança também conhece-se a sombra, que é mostrada ao sujeito pelo outro. Pelos atos

84 realizados no momento em que se dança, ou seja, quando se dança se está suscetível a cometer diversos erros, estes muitas vezes não levam o sujeito descobrir a sua sombra, para tal necessitará de outras condições que são percebidas no filme. Neste as condições advém do ambiente em que se dança, e novamente pela forma de dança. Pelo ambiente porque o personagem tem a necessidade de dançar com outros homens, o que o faz entrar em contato com coisas que não gosta no outro, e que muitas vezes fazem parte de si mesmo. Ou seja, entra em contato por meio da projeção de seus conteúdos no outro, o sujeito se dá conta de que as coisas são suas devido aos seus movimentos corporais que o denunciam. Isto pode ser pelos erros ou gafes cometidas durante a prática de dança. Pela forma de dança se percebe que a dança de salão propicia um contato em direção ao outro mais aproximado e livre. Assim, os homens se avaliam conforme os outros estão indo para que ele veja como está. Entra em contato com o seu obscuro também pelo sentimento que tem quando percebe suas partes negativas e obriga-se a lidar com elas. Na dança pode-se vestir a máscara que quiser, porém o corpo dirá quem é o sujeito que está dançando. Por este motivo a relação com a persona aparece na pista de dança e é também influenciada pela dança em seu deslindar. As contribuições da dança neste aspecto abrangem um espaço ainda maior pois têm estreita relação com o social. Isto porque o sujeito deve passar a assumir aquilo que é para poder dançar livremente, do contrário o faz às escuras para que ninguém saiba. Isto porque sabe-se do preconceito existente em relação ao homem que dança, que é efeminado ou que dança é uma prática feminina. Mesmo na dança de salão que exige do homem uma postura bem masculina. Na verdade este preconceito está inteiramente relacionado com o contato com a anima, que de qualquer forma é ativado pela dança, e que no decorrer dos séculos tem sido demonstrado, erroneamente, como algo a ser evitado pelo homem. No filme o personagem consegue diferenciar a sua persona do si mesmo. Algo que mostra-se como uma habilidade do personagem, assim como um desenvolvimento psíquico mais evoluído neste sentido. Em suma, as contribuições da dança para o processo de individuação do sujeito são as seguintes: •

A percepção do lado desconhecido por meio do sentimento, forma de dança e projeções realizadas nos colegas de dança;



A sombra aparece nos erros e gafes cometidos na dança;



Pela dança o homem entra em contato com o seu lado feminino;



Na dança o homem pode encontrar a projeção de sua anima e a partir dela integrá-la ao ego;



No momento em que se dança, o sujeito pode ser ele mesmo, pode soltar-se de sua persona;

85 •

A dança faz com que o sujeito entre em contato com seus arquétipos, sendo eles a persona, a anima, a sombra, da alteridade, do tempo, dentre outros aqui não discutidos;



A dança serve como via de escape para os conteúdos inconscientes;



A dança integra o sujeito pela relação corpo e alma e a relação de alteridade;



A dança possibilita um contato com o outro mais estreito assim como amplia a rede social do sujeito. A partir desta pequena lista que resume os resultados encontrados, pode-se perceber que as

contribuições da dança para o processo de individuação do sujeito são relativamente relevantes, principalmente, no que se percebe que a dança serve como um meio para que o indivíduo entre em contato com seus conteúdos inconscientes. Quanto à via de escape, qualquer que fosse a arte poderia ser inclusa neste processo com resultados relevantes, pois por meio da arte a expressão do inconsciente é comprovada pelos autores da Psicologia Analítica. Poderia ser por meio do trabalho com os sonhos, com as imagens surgidas nestes, em pinturas, esculturas. Porém, pela dança o processo não funciona da mesma forma. A dança acaba, ela só existe no presente, depois deste momento, ela já não é, foi. O relato de uma dança nunca será o mesmo, pode-se repetir inúmeras vezes e sempre sairá diferente. Isto porque a dança é um elemento de uma complexidade considerável. Posto que a dança depende de como se maneja com o corpo, com os sentimentos do momento, com as pessoas envolvidas, o público, e o corpo não possui tantos entraves para expressão quanto à mente, este fala muitas vezes pelo inconsciente sem que o sujeito perceba a sua invasão. O que se percebe, portanto, é que o diferencial da dança em relação às outras práticas artísticas é o contato com o corpo e com o social ao mesmo tempo. Mesmo sabendo que as outras artes também supõem um social nas relações estéticas ou semióticas, na dança esta se dá na ordem dos relacionamentos. A pessoa obriga-se a lidar com o outro por meio da dança e também obriga-se a lidar com o seu corpo, com as partes que não se movimentam, com as suas limitações e com as partes que se destacam. Por isso a dança é integradora do sujeito, faz com que este se perceba em si mesmo e na relação com o outro. Isto não quer dizer que a pessoa que dança chega à perfeição, mas passando pelo processo de individuação e utilizando-se da dança como recurso, o sujeito consegue se integrar e ser quem ele realmente é. Esta é uma confusão comum, em pensar que o processo de individuação leva à perfeição. Isto não existe, cada qual será da forma que é, e integrado pode melhorar as suas relações com o outro à sua maneira, lidando com as projeções de maneira esclarecida, podendo se dar conta daquilo que é seu e o que é do outro. Este estudo me fez perceber que a dança exerce uma diferença no processo de individuação

86 e que este processo perpassa por toda a vida do sujeito. Durante a produção deste texto me dei conta de muitas coisas acerca de mim mesma, a partir das projeções realizadas nos próprios personagens do filme, o que me fez perceber o quanto observar o desenvolvimento de outrem pode trazer ganhos a quem o assiste ou observa. No caso do filme sabe-se que é uma ficção, que tudo é montado para transmitir sensações e ideias aos expectadores. E nisso surgiram diversos questionamentos, baseados nas teorias bakhtinianas e benjaminianas, que me fizeram refletir acerca da mídia, da produção de cinema, da arte e da cultura atual. O que a cultura de massa pretende, a quem ela atinge e por que transmite determinadas sensações ainda pode ser descoberto, a partir de uma outra pesquisa, pois esta dúvida ficou e espero poder saciá-la brevemente. Não foi possível, neste trabalho refletir acerca desta problemática, dados os objetivos do trabalho e o tempo para a realização do mesmo. As limitações que surgiram na realização deste trabalho foram externas e internas. Externas no sentido do tempo, da delimitação do tema e dos conhecimentos transmitidos pela própria universidade. Ao meio do trabalho, me dei por conta de que a análise que estava realizando não era própria ao trabalho que estava fazendo, até poderia ser aplicada, porém exigiria o dobro do tempo para realizá-la e o dobro do trabalho em seu conteúdo. Esta dúvida somente apareceu por não ter subsídios suficientes para a reflexão do que era melhor ser utilizado como análise neste tipo de trabalho. Pretendia realizar uma análise de discurso baseada nos preceitos bakhtinianos acerca do discurso e do romance, porém para tal, necessitaria de uma correlação entre os conceitos deste autor com os conceitos junguianos. Isto torna-se complicado de realizar pelas divergências teóricas entre os autores, no entanto acredito que é possível de ser feita devido às relações arquetípicas existentes no inconsciente coletivo, o que poderia ser um gancho importante na relação entre as teorias. Deixo aqui uma sugestão para uma próxima pesquisa: Uma conversa entre Bakhtin e Jung: os arquétipos e as relações sociais. Internamente ,das limitações que encontrei, grande parte referem-se ao embasamento teórico, no que diz respeito a Jung, a Bakhtin, Benjamin, à Psicologia Analítica em geral. Deixando claro que todo o embasamento veio de busca própria, a partir de uma pequena base dada pela universidade. Sendo que nesta os autores citados são pouco vistos, quando nunca vistos. No caso de Jung, recordo que tive duas disciplinas básicas que tratavam do autor e não há nenhum professor especializado na área. Isto dificulta a ampliação das teorias no âmbito acadêmico, podendo ser vista como uma proposta reacionária de ensino, que contempla apenas algumas linhas de pensamento e não contempla as outras. Este trabalho tem, intrinsecamente, a pretensão de introduzir no meio acadêmico o pensamento junguiano, podendo abrir espaço para outras linhas que também não possuem tanta expressão na universidade.

87 Para encerrar este trabalho sugiro outras pesquisas que podem ser realizadas a partir deste. A partir do material teórico revisado e de estudos pesquisados, percebo que existem poucos estudos a respeito da dança em relação à psicologia. Todos os que existem acerca da dança levam em conta os aspectos psíquicos do sujeito , porém no que concerne à compreensão dos fenômenos inconscientes pela dança, ou seu estudo pela observação da prática na arte, não foram encontrados estudos que aprofundassem tanto. A dança poderia ser estudada como via de encontro com os conteúdos inconscientes, não só como dançaterapia, ou dança movimento terapia, mas também como prática social visando os aspectos do inconsciente coletivo. Por fim, em um âmbito geral, acredito que o trabalho realizado deixa uma abertura para novas pesquisas na área, instigando ao leitor ou expectador que reflita acerca do processo de individuação e a dança intrincada neste processo. Este trabalho também valoriza a dança como prática social, auxiliando no desenvolvimento e crescimento desta prática para a população. Isto porque, a partir dos resultados deste trabalho, pode-se perceber que a dança traz benefícios ao sujeito, tanto no que diz respeito ao processo de individuação quanto no que se refere à socialização, desenvolvimento de aptidões e maior integração entre corpo e mente.

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http://www.periodicos.rc.biblioteca.unesp.br/index.php/motriz/article/view/962/892 . von Franz, M.L. (1964). O processo de individuação. In: C.G. Jung & M.L.von Franz (orgs). O homem e seus símbolos. (pp. 158-229; 5ª ed. ; M.L.Pinho Trad) .Rio de Janeiro: Nova Fonteira. Vygotsky, L.S.(2001). Psicologia da arte. (2ª tiragem. ; P. Bezerra, Trad.) São Paulo: Martins Fontes.(Trabalho original publicado em 1926) Vygotsky, L.S. (1991). A formação social da mente. ( 4ª Ed. ; J.C.Neto, L. S. M.Barreto &

94 S.C.Afeche, Trads.). São Paulo : Martins Fontes. Vygotsky, L.S. (1998). Pensamento e linguagem. (2ª Ed.; J.L. Camargo, Trad. ). São Paulo: Martins Fontes. Wurzba, L. (2009). A dança da alma - a dança e o sagrado: um gesto no caminho da individuação. In: Zimmerman, E. (org.). Corpo e individuação. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes. Zamboni, L. & Carvalho, A.G. (2007). Dança de salão: uma possibilidade de linguagem. CONEXÕES: Revista da Faculdade de Educação Física da UNICAMP. 5(1). Acesso em 31 de maio de 2011 em Zimmermann, E.(Org.)(2009). Corpo e individuação. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes.

95 ANEXO 1 Modelo de ficha catalográfica

TEMPO FILME Ex. : 1'22”

DO DESCRIÇÃO DO DESCRIÇÃO AÇÕES DOS FALAS CENÁRIO DOS PERSONAGENS PRINCIPAIS PERSONAGENS No interior de um Personagem C., Observa uma (Não há falas na trem a caminho de aprox. 45 anos mulher na janela. cena) casa. casado, dois filhos.

96 ANEXO 2 Cena 1: Tempo :

00'31” - 1'32”

Descrição do cenário: Ruas de Chicago, interior de trem, multidão nas ruas, prédio com escadas rolantes e sala de escritório. Trem lotado. Personagens:

John

Ações:

Nesta cena aparece John indo para o trabalho, chegando no prédio, cumprimentando as pessoas do trabalho, depois, sentado em uma mesa de escritório, depois descendo uma escada rolante e logo aparece dentro do trem retornando do labor ao meio de muitas pessoas.

Falas:

Narrativa que se passa: 1 milhão e meio de pessoas andam de trem todos os dias. Em mais de 20 anos já escrevi testamentos para umas 8 mil dessas pessoas. Sentava com elas enquanto falavam de seus bens, imaginando que filho ficaria com o quadro da lareira, quem levaria a coleção de colheres antigas. Últimos agradecimentos, partilhas, confissões... As pessoas tentam resolver tudo. Quando eu termino, outra vida é recapitulada, bens e dívidas calculados, e, depois, zerados. Rubrica aqui e ali e assinatura embaixo. Depois, como com a maioria dos clientes, você sorri e ele faz a pergunta que ouço há 20 anos: "Então, É só isso?" Eu digo que com a papelada sim. O resto é com você.

Cena 2: Tempo :

1'41” - 3'07”

Descrição do cenário: Pátio de casa, sala de jantar com algumas cadeiras e mostra um pedaço da cozinha da casa. Personagens:

John, Beverly, Evan e Jenna

Ações:

A cena inicia-se com John chegando em casa, e logo aparece ele sentado na ponta da mesa e Beverly chegando com um bolo cheio de velinhas de aniversário.

Falas:

John: - Que lindo! Beverly: - Faça um pedido. O telefone de Jenna toca e ela: - Desculpe, preciso atender. ( Falando ao

97 telefone): Você ganhou? John: Ela só tem 14, que história é essa de receber ligações? Beverly: - Jenna, agora não. John: - Por que demos o telefone? Beverly: - Para emergências. Evan: - E deve ser uma emergência séria. Beverly:- Desligue, Jenna. Vamos. Jenna: - Ta bom! Beverly: - Desligue. Jenna: - (falando ao telefone) Meu pai vai soprar 1 milhão de velas. ( Desliga o telefone) Estão felizes agora? John: - Sopra as velinhas enquanto os outros aplaudem e diz: - Obrigado. Obrigado. Muito obrigado. Cena 3 Tempo :

2'29” - 2'54”

Descrição do cenário: Banheiro da suíte do casal Personagens:

John e Beverly

Ações:

Depois de celebrar o seu aniversário com a esposa e os filhos, no banheiro, o personagem John e sua esposa conversam após escovarem os dentes.

Falas:

Beverly – Desculpe pelo roupão John – Como assim? Beverly – Foi difícil achar um presente para você. John – Adorei este roupão Beverly - O problema é que você nunca quer nada. John – Não é verdade. Beverly – É verdade, diga uma coisa que você quer. John – o que você me deu esta noite. Evan vindo em casa, todos jantando juntos, o bolo que você fez. Beverly – Diga uma coisa que queira mas que venha em uma caixa. John (suspira) Beverly – Assunto encerrado.

98 Cena 4 Tempo :

2'54” - 3'05”

Descrição do cenário: John no interior do trem Personagens:

John e Paulina

Ações:

No dia seguinte ao aniversário, John observa a professora de dança na janela da escola de dança, pela janela do trem. Na cena seguinte, John a enxerga novamente, enquanto retorna para casa no trem, faz um gesto no ar, como se fosse tocá-la ou cumprimentá-la. Segue olhando pela janela do trem. Dá um leve sorriso.

Falas:

Não há falas na cena.

Cena 5 Tempo :

3'52” - 5'07”

Descrição do cenário: Cozinha da casa de John. Personagens:

John, Beverly, Jenna e as amigas

Ações:

O personagem John chega em casa e encontra a sua esposa na cozinha, a sua filha está com as amigas na sala.

Falas:

John: - Olá! Cheguei! Beverly: - Está rolando um ritual feminino. John: - Eu sei. O que elas estão fazendo lá? Beverly: - Vendo os piercings que colocaram na barriga. John: - O que acha disto? Beverly: - Só digo para terem cuidado com infecções. John: - Me preocupo com Jenna, ela é muito bonita. Culpa sua. Beverly: - Assine aqui. John: - O que é isso? Beverly: - Cartão de aniversário para sua mãe. John: - Nossa, obrigado. Beverly: - Como foi a malhação? John: - O de sempre. E você, como está? Beverly: - Estou bem. Encomendei a linha primavera na loja. Agora tenho que sair. John: - Não acabou de chegar? Beverly: - É angariação de fundos na escola. Seu jantar está no forno. As

99 garotas já comeram. John: - Podemos ir ao cinema qualquer hora dessas? Beverly: - Sim. Ou pelo menos podemos ver as sessões no jornal juntos. Como você está? John: - Estou bem. Beverly: - Cheque as garotas de vez em quando. Não precisa me esperar. Jenna: - Sai daqui, pai! Cena 6 Tempo :

05'24” - 6'35”

Descrição do cenário: Escritório na casa de John. Personagens:

John e Beverly

Ações:

John está em casa em frente ao seu laptop procurando sobre dança de salão. Logo entra em um site que toca automaticamente uma música de fundo, como um tango, rapidamente, fecha a tampa de seu laptop e suspira sorrindo. Logo, senta-se na cama e fala com a esposa.

Falas:

John: - Bev? Não é verdade que eu não queira nada. Bev? (Sem resposta, vira e chama novamente pela esposa, que não responde por possivelmente estar dormindo) .

Cena 7 Tempo :

06'55” - 08'01”

Descrição do cenário: John está sentado no trem segurando a sua pasta. A música de fundo do filme é inquietante, o que dá a sensação de inquietude de John. John passa pela escola de dança e enxerga pessoas dançando lá. No trem escuta-se uma voz que orienta para a próxima parada, que seria muito próxima à escola de dança. Personagens:

John

Ações:

Ouve-se: - As portas abrem-se á direita. John vira-se para trás, retorna o olhar à escola de dança. Anuncia-se então a próxima parada. John pede licença e desce do trem. Caminha em direção à escola

Falas:

John: - Meu deus, o que está fazendo? Olha para cima, enxerga a professora novamente e diz: - Eu só vou subir. Entrando no prédio diz: - Meu Deus!!

100 Na entrada do prédio está o cartaz da escola indicando o andar em que se encontra e escrito: Sinta-se a vontade em assistir. Duas mulheres seguem descendo a escada do prédio dizendo : - Foi ótima a aula. John segue subindo as escadas, nisso entra uma mulher, a personagem Bobbie. John para no meio da escada enquanto Bobbie vêm subindo atrás rapidamente e dizendo: Vamos!!Enquanto John se vira e esbarra nela, ela lhe entrega uma de suas sacolas e ele a segue subindo.

Cena 8 Tempo :

10'22” a 11'13”

Descrição do cenário: Sala da escola de dança Personagens:

John, Vern, Chic, Bobbie.

Ações:

Os personagens estão sentados aguardando o início das aulas.

Falas:

Vern: - Olá, sou o Vern. John: - John. Vern: - Vai começar na dança de salão? John: - Parece que sim. Chic: - Chic. Olá. John: - Olá. Vern: - Você dança muito? John: - No baile de formatura. Stairway to Heaven. E você? Vern: - Eu nem fui na formatura. Chic: - Alguém está vendo mulher aqui? Estou aqui atrás de garotas. Vern: - Achei que estivesse cheio delas. Chic: - Não curto dançar com outros caras, sacou? Sem querer ofender, senhor. John: - Sem problemas.

Cena 9 Tempo :

15'55”- 17'47”

Descrição do cenário: balcão de lanchonete Personagens:

John, Vern, Chic e Bobbie

Ações:

Depois da primeira aula de dança, John e seus colegas de aula Vern, Chick

101 e Bobbie vão jantar em uma lanchonete próxima à escola. Falas:

Bobbie pergunta a eles: - Por que querem aprender a dançar? Vern: - Vou casar em setembro. Outros: - Legal!! Vern: - Minha noiva quer que eu emagreça. Ela acha que dançar ajuda, que não acho. John: acho que vai ganhar a aposta ( fala rindo e olhando para o prato cheio de Vern.) Chic: - Quero impressionar as mulheres. Sabem o que dizem dos caras que sabem dançar? Bobbie – Que são ótimos na cama. Chic – Yeah. Bobbie – De onde você tirou esta ideia estúpida? Chic – De todo o lugar, todo mundo sabe que um homem que sabe se mexer no salão sabe se mexer na cama. A maioria dos homens não sabe dançar. Os que sabem podem escolher as garotas. Quando eu aprender elas vão cair aos meus pés. [...] Bobbie – Só restou você( apontando para John) John – O que? Bobbie - Você~e é o único que não disse porque veio aprender a dançar. John – Para me exercitar que nem o Vern. Bobbie -Mentira. John – Porque eu sou ruim de cama que nem o Chick. Pronto, já disse. Chic – Eu não disse que sou ruim de cama. Bobbie – Nem precisava dizer. Vamos lá, por que? John – (olha para a garçonete e pergunta) : Tem pimenta aí? Pode me passar? Bobbie – Foi o que eu pensei. Ela foi finalista em Blackpool. Chic – Quem? Bobbie – A princesa, a outra professora, Paulina.

Cena 10 Tempo :

18'50” - 20'15”

102 Descrição do cenário: Escritório de John, sala de dança da escola. Música de fundo lenta quando John fica olhando para Paulina. Personagens:

John, Vern, Chic, Ms. Mitzy e Paulina

Ações:

Todos dançam na aula e conseguem realizar os passos dados pela Sra. Mitzy, comemoram. John fica parado por um momento observando Paulina enquanto esta ensaia na sala ao lado.

Falas:

Miss. Mitzy: - Ótimo, Vern. Mais devagar. Chic: - Se colocar sua mão abaixo da linha do Equador te arrebento. (referindo-se a John que o está conduzindo na dança) John: - Vamos esclarecer algo. Também não gosto das partes baixas, falou? Miss. Mitzy: - Cruzando os pés! Mais uma vez dando uma voltinha! John: - Vejam só!( Referindo-se ao passo que realizou bem feito) Miss. Mitzy - Foi ótimo! Muito bom!

Cena 11 Tempo :

24'03” - 25'13”

Descrição do cenário: Mesa de um bar escuro com bebidas em cima da mesa. Personagens:

John e Link

Ações:

Após descobrir que seu colega de trabalho dança na mesma escola que John, este vai em um bar e segue conversando com o colega Link.

Falas:

Link: - Calça frouxa, maricas...É isso que ouço desde os 8 anos quando dançava com os discos de rumba da minha mãe. E sabe o que é pior?Eu não sou gay. Minha vida seria muito mais fácil se eu fosse .Um heterossexual que gosta de dançar assim é muito raro. Não vai comentar no escritório, vai?\N- Não, não! Eu não faria isso! John: - Eu estou no mesmo barco. Link: - Não está. John: - Por que não? Link: - Porque gostam de você .Você é encantador. Me crucificariam se descobrissem. Eu sei tudo sobre esportes,sou fã de esportes, entende? John: - Você não curte futebol americano? É só correr e se amontoar,\correr e se amontoar. Dá vontade de se matar. John:- Você me enganou. Link: - Eu sei, enganei todo mundo. Sabe qual é o meu sonho?

103 John: -Qual? Link:- É poder dançar livre e com orgulho\usando meu nome verdadeiro para todo mundo ver. Este é o meu sonho. Cena 12 Tempo :

38'17” - 40'14”

Descrição do cenário: Rua da frente da escola de dança, próxima à entrada do metrô. Personagens:

John e Paulina

Ações:

Após ter seu casaco sujo pelo acidente causado por Bobbie que derrubou a sua comida no casaco de Paulina, ela e John estão saindo da escola. Paulina aparece triste pelo casaco que sujou e John conversa com ela a respeito.

Falas:

Paulina: - Parece besteira, mas é meu casaco favorito. John: - Sinto muito. Paulina: - É de ótima qualidade. Essa parte manchou. Está arruinado. John: - Tem certeza? Deve dar para arrumar. Paulina: Não dá, eu conheço manchas. John: - Eu não entendo. As vacas se sujam o tempo todo e não mancham. Sujam aquele couro todo na lama e não mancham. Como pode? Paulina: - Exatamente. John: - É só cair um pouco de molho no seu casaco e veja só. Paulina: - Por que será? Eu não sei. John:- Perguntaremos a próxima vaca que passar. Paulina: - Quanto ao lenço... nossa, eu nem sabia que ainda se faziam lenços. John: - Eu ainda não comi. Se quiser...podemos comer algo. Eu vi um chinês aqui perto. Poderíamos usar palitinhos e.....misturar um monte de coisas... Paulina: - Sinto muito, prefiro não me socializar com alunos. John: - Tudo bem. Paulina: - Eu não deveria ter aceitado o lenço. Vou comprar outro para você. John: - Eu não pretendia nada com isso. Paulina: - Eu comprarei um novo. Com licença. Sr. Clark, levo a dança

104 muito a sério. Miss Mitzy é uma escola, não uma boate. Espero que não esteja lá por minha causa, pois perderá seu tempo. Não dance se estiver atrás disso. Cena 13 Tempo :

42'06” - 45'35”

Descrição do cenário: Rua da frente da escola de dança e boate lotada de jovens dançando em pista de dança, mesa com bebidas. Personagens:

John, Evan, namorada de Evan e amigos de Evan

Ações:

John desce do trem na parada da escola de dança, mas não entra na escola, continua caminhando. Encontra seu filho, vai à um bar com ele e depois retorna à escola de dança chegando atrasado na aula. Paulina observa John pela janela que dança na plataforma do trem.

Falas:

John: - "O resto é com você. "É o que digo para os meus clientes. Depois de uns anos eles voltam e eu aí eu vejo como eles mudaram. Os que mudaram mais,finalmente compraram aquele barco, se mudaram para aquela ilha, os que não mudaram......acho que se confortam sabendo em que pé está a vida deles. Gostam de acreditar que sabem o que os aguarda adiante. John: - Droga!( quando vê o seu filho) Evan: - Pai! John: - Evan! O que faz aqui? Evan: - Vim encontrar uns amigos. E você? John: -Estou trabalhando, vim visitar um cliente. ,Evan: - Que estranho! John: - Você acha? Evan: É que eu vou encontrar uma garota e estou louco por ela. Vai ser agora, em uma festa com meus amigos.E então, quer ir? John: - Claro. Mostre o caminho, filho. Evan: - Venha, vamos sair daqui! Garota: - O seu pai não quer dançar? Evan: Faz quanto tempo que não dança, pai? Uns 90 anos? John: - Podem ir vocês dois, eu tive um dia cheio. Amiga Evan: - Sr. Clark? Sr. Clark? Quer dançar?

105 John: - Sim. Quero sim! Pode se despedir do Evan para mim? Amiga Evan: - Claro! John vai para aula, chegando atrasado. […] John dança na plataforma enquanto Paulina o observa pela janela. Cena 14 Tempo :

49'01” - 50'11”

Descrição do cenário: A turma está parada em frente a uma loja de eletrodomésticos na qual estão expostas diversas televisões em que passa um filme de dança de salão. Ms. Mitzy conversa com John. Personagens:

Ms. Mitzy, John, Vern, Chic e Paulina.

Ações:

Ms. Mitzy conversa com John após Bobbie ter passado mal e a turma ter visitado ela no hospital.

Falas:

Miss Mitzy - Bobbie precisa de um par para a competição. Por que não você, John? John:- Eu? Competição? Não posso... Ela não aceitaria, esqueça. Miss Mitzy: - Como não? Não ouviu a filha dela? Ela gosta de você e a dança começa com os sentimentos dos dançarinos. Miss Mitzy: - Ensaiarei com vocês dois durante duas horas depois das aulas. […] John fica parado em frente a loja de eletrodomésticos olhando a dança na televisão pensando o seguinte: - Tudo o que o cliente disser no escritório do advogado é confidencial. Por isso sei guardar segredos há anos. Geralmente não é nada incriminador. Mas muitas pessoas...têm coisas guardadas dentro delas. Coisas que elas não estão prontas para dividir.

Cena 15 Tempo :

57'49” - 1 00'31”

Descrição do cenário: Sala de dança da escola de dança e banheiro do escritório. Personagens:

Link, John, Paulina e Bobbie

Ações:

Paulina está passando a coreografia para John e Bobbie, segue corrigindoos durante o ensaio. No meio da cena aparece John ensaiando no trabalho,

106 no banheiro com o colega Link, que finge desmaio quando outro entra no banheiro. Volta a cena da escola em que John ensaia com Bobbie. Falas:

Paulina: - Você é a moldura. John: - Sou a moldura. Paulina: - Ela é a pintura... John: - É uma pintura... Paulina: - ...que se encaixa na sua moldura. Você deve fazer de tudo para exibi-la. Bobbie – Entendeu? Banheiro do Escritório: Link( fazendo o papel de dama): - Muito bem. Isso, convide a dama para entrar. Faça a conexão. Projete-se para o balcão... Entra um outro colega no banheiro; John(com o colega Link nos braços que finge desmaio): - Ligue para a emergência! Rápido, ligue para a emergência! Sala de dança: Paulina: (demonstrando coreografia no quadro) - Começam aqui com uma passagem inicial pela plateia. Observem. (dançando) E contrapasso! Paulina: - Excelente! (referindo-se à Bobbie e John) Bobbie: - Não foi nada demais. Você está bem? John acena com a cabeça que sim. Bobbie: - Tem certeza? John: - Estou bem. Bobbie: - Você está exausto. […] Paulina: - Eu esqueço da hora ensaiando com vocês dois. John: - Eu gosto, me sinto bem. Paulina: - Eu também.

Cena 16 Tempo :

1 00'33” - 1 07'59”

Descrição do cenário:

Escola de dança e rua da frente da escola

Personagens:

Paulina e John

Ações:

Os personagens conversam, saem para comer e voltam à escola de

107 dança para dançar. Falas:

John: - Certo, vou para casa. Paulina: - Espere .Queria conversar sobre aquela noite que me convidou para jantar. Sinto muito pela maneira como te tratei. É que as pessoas fazem uma ideia errada de mim. John: - Paulina, não precisa se explicar para mim. Paulina: - Eu sei disso, pois não ligo sobre o que pensam de mim. John: - Ótimo. Paulina: - É sério! John: - Ótimo! (Chorando).... John: - Sinto muito, eu não deveria ficar aqui... Paulina - Não, tudo bem. Paulina: Acho que estou com fome, é isso. John: Com fome? Paulina: - Muita. Que idiotice! John: - Não! Eu também choro quando sinto fome. Por batatas fritas. E você? Paulina: - Bolo. John: - Cuidado para não derramar no seu casaco novo. Paulina: - É o mesmo, eu mandei tingir. Meu pai tingiu, ele tem uma lavanderia. Minha mãe, meu irmão, minhas duas irmãs mais velhas... todos trabalham lá. Até eu trabalhei. John: - Já trabalhou na lavanderia? Paulina: - Já. Até os 8 anos. Foi quando eu comecei a dançar. Eu estava lá ajudando depois da escola, quando minha mãe pediu para eu ir pegar um pedido. Era um vestido lindo e delicado, costurado com linha dourada. Carreguei o traje como se fosse quebrar. E então eu vi a cliente. Era a mulher mais bonita que eu já tinha visto. Ela nos convidou para vê-la dançando naquela noite. Minha mãe aceitou. Foi como se o mundo ficasse colorido de repente. A linda mulher e seu par pararam bem na nossa frente ,e fizeram uma pose de valsa. Ela inclinou a cabeça e piscou para mim. Foi como se ela quisesse me dizer algo. Tomei como um sinal de que dali em diante a

108 dança de salão seria minha vida. Não era o tipo de sonho que meus pais tinham em mente. O que te levou a dançar? John: - Você.....olhando daquela janela bem ali. Eu podia ver do trem. Todo dia eu voltava para casa do trabalho e....procurava por você. Pelo seu rosto. Sua aparência exterior parecia refletir o que eu sentia no meu interior. Paulina; - Eu também estava te olhando. Eu te vi dançando na plataforma. Na noite em que te falei todas aquelas coisas ,pensei que nunca mais veria você. Mas você continuou voltando. John: - Eu não queria voltar. Todas as acusações que fez contra mim eram verdadeiras. Mas eu comecei a gostar de dançar, me fazia feliz. Paulina: - Dá para perceber. Você parece emocionado com algo como há muito tempo não ficava. Não está? John: - Emocionado? Paulina: - Com a competição de amanhã! John: - Não! Estou petrificado!Vou esquecer tudo e nem conseguirei pôr um pé na frente do outro. Paulina: - Não! John: - Sei lá, eu... Paulina: - Me dê uma hora. John: - Deixe assim! Paulina: - Deixe apagada. Não diga nada e não pense. E não se mexa a não ser que sinta. ( Os dois dançam uma música, um tango) Após a música Paulina diz: - Esteja vivo assim. Esteja vivo assim amanhã. Obrigada. Cena 17 Tempo :

1 20'39” - 1 23'21”

Descrição do cenário:

Salão de competição de dança com arquibancada e estacionamento do local.

Personagens:

John, Bobbie, Beverly e Jenna.

Ações:

Na cena John acabou de dançar na competição, na qual se atrapalhou quando enxergou sua mulher e filha na plateia, pisando no vestido de

109 Bobbie, rasgando-o. A competição é parada, Bervely sai correndo e John vai atrás dela, encontrando-a no estacionamento do local. Falas:

John: - Beverly, como soube? Beverly: - Porque contratei um detetive. Pensei que estivesse tendo um caso. John: - Sei que é ridículo, me sinto... Beverly: - Que falta de sorte.Mas ano que vem tem mais. John: - Que bom! Tenho um ano inteiro para me preparar. Beverly, por favor... Beverly: - Não temos nada para conversar. John: - Pode ficar aqui, por favor? Bev... Pare! Pode conversar comigo, por favor? Beverly: Então explique o que foi\Naquilo que eu vi lá dentro. John:- Não estou tendo nenhum caso... Beverly: - O que está havendo? Vamos lá! John: - São novos amigos Beverly:- Podia ter me contado. Responda por que me excluiu, você podia ter me contado! John: - Eu estava envergonhado. Beverly: - De dançar? John: - Não! Beverly: - Então de quê? John: - De querer ser mais feliz. Nós podemos ser muito mais. Não é culpa sua. Guarda do estacionamento: Ei, Fred Astaire! Está bloqueando o trânsito! Motorista atrás do carro: Até que enfim! Obrigado!

Cena 18 Tempo :

1 23'37” - 1 23'57”

Descrição do cenário: Escritório de John Personagens:

John

Ações:

John em seu escritório, sentado atrás de sua mesa.

110 Falas:

John: - A leitura de um testamento pode vir como um alívio. Depois do choque inicial de que o dinheiro vai para o cão, o resto para o jardineiro, tem-se a sensação de que finalmente as coisas estão claras.

Cena 19 Tempo :

1 23'59” - 1 25'02”

Descrição do cenário:

Hall escritório, algumas pessoas em pé e uma sentada.

Personagens:

John, Link e colegas de escritório

Ações:

No trabalho, os colegas de trabalho de Link e John estão lendo uma revista. Link ouve os cometários, sai de sua sala e tira uma das colegas para dançar, dá uns giros com ela e logo a retorna à sua posição inicial. Após isto, ela fica com a boca entreaberta o olhando como se em choque.

Falas:

Colega 1: Vocês não vão acreditar, pessoal! Louie! Louie! Link começou a dançar em 1985.Logo se transformou em sua paixão"e ele começou a dançar 6 dias por semana. Advogado de dia, dançarino à noite,ele varre o chão com sua energia. " Colega 2: - Eu sabia! Falei que ele era esquisito. Colega 3: - Acho que ele joga em outro time! Colega 4: - Vejam que calças apertadas! Alguém arranje uma lupa! John: Não há nada errado com dança de salão! Link: Vão se ferrar. E futebol é uma porcaria.

Cena 20 Tempo :

1 25'16” - 1 26'22”

Descrição do cenário: John está em casa, lavando o carro, ele, a esposa e a filha, quando aparece um carro chegando com Bobbie e Link. Personagens:

John, Beverly, Jenna, Bobbie e Link

Ações:

John conversa com Bobbie e Link

Falas:

Bobbie: - Ei, como vai? Surpresa! John: - Que maravilha! Link: - É, o lugar é lindo. John: Obrigado. Link:- Só queremos conversar um minuto.

111 Bobbie: - Não quero que se afaste das aulas por minha causa. Não fiquei com raiva por ter rasgado meu vestido. Sei que sempre quis ver meu traseiro e escolheu a pior hora. Mas eu te perdoo Sinceramente. John: - Obrigado. Bobbie: - Podemos falar para a Sra. Mitzy que vai voltar? John: - Lamento, mas eu não vou voltar. Pra mim chega. Mas fico agradecido por terem vindo até aqui. Link: John, Paulina vai para a Inglaterra estudar dança e daremos uma festa. Adoraríamos que viesse. Ela mandou isso para você. Esperamos vê-lo por lá, está bem? Vamos.(Puxando a Bobbie para o carro) Bobbie: Tchau, John. John: - Tchau. Cena 21 Tempo :

1 26'29” - 1 28'51”

Descrição do cenário: Nesta cena, John está lendo a carta, aparece cenas dele e da Paulina, ela dançando e revivendo memórias do passado que ela relata na carta. Personagens:

John e Paulina

Ações:

John lê a carta que Paulina escreveu enquanto aparece ela dançando.

Falas:

Segue a narrativa de Paulina: "Espero que não esteja chateado com o que aconteceu com você e Bobbie ,pois vocês estavam maravilhosos naquela noite. Odeio pensar que por causa disso você pode desistir de tudo. Você estava tão gracioso e corajoso dançando...Era uma pessoa diferente de quando chegou na escola da Sra. Mitzi. Mas muita coisa mudou para nós dois nos últimos meses. Quando meu par e eu fomos para a Blackpool ano passado, estávamos ansiosos para chegar às finais. Todos estavam convencidos de que venceríamos e queríamos confirmar isso. Éramos um casal desde o momento em que viramos parceiros. Mas começamos a treinar muito, cobrando demais um do outro. Esperando demais. Nós não vencemos. Nem chegamos perto. Eu voltei sem troféu e sem parceiro. Todo esse tempo eu me escondi na Miss Mitzy ,com raiva de mim mesma. Frustrada, envergonhada. Mas depois que treinei você e Bobbie e vi como estavam vivos, eu percebi o quanto tinha abandonado. E agora, pela primeira vez

112 em muito tempo, quero dançar novamente. Por isso tenho que lhe agradecer por ter me ajudado a enxergar isso. Espero poder te ver e dançar com você mais uma vez antes de partir. "Paulina" , Obrigada.

Cena 22 Tempo :

1 29'08” - 1 31'58”

Descrição do cenário: Estão no pátio de casa e depois na cozinha. Personagens:

John, Beverly e Jenna.

Ações:

Beverly aparece terminando de ler a carta que John recebeu de Paulina, e entrega a carta a ele.

Falas:

John: E a propósito, eu não vou à festa. Beverly: Tudo bem. Mas não vai parar de dançar, vai? Você poderia me ensinar. John: ,Beverly, eu não vou mais dançar. Jenna: - Por que não, pai? Por que não ensina a mamãe a dançar? ( Sai correndo suspirando) John: - (Falando com Beverly a sós na cozinha) O motivo de maior orgulho na minha vida,é de que você seja feliz comigo. Se nunca falei que às vezes me sentia triste, foi para não magoar.....a pessoa que mais amo. Eu sinto muito.( Beverly permanece calada, olhando para John com um leve sorriso no rosto). Logo, John encontra um bilhete em cima da mesa da cozinha : "Vá à festa hoje. Trabalharei até tarde. "P.S. Finalmente achei um presente que você queira. Te vejo na festa, John.” John olha em cima da mesa e encontra um terno estilo smoking, e um presente na sacola, ele abre e vê um sapato de dança de salão.

Cena 23 Tempo :

1 33'24” - 1 36'38”

Descrição do cenário:

Loja em que Beverly trabalha e baile de despedida de Paulina

Personagens:

Beverly, John, Paulina, Link, Bobbie, e os outros colegas de dança

Ações:

Nesta cena, Beverly está trabalhando na loja, coordenando a arrumação de manequins e John aparece com uma rosa nas mãos , vestindo o

113 smoking e o sapato de dança, subindo a escada rolante, assim Beverly e suas funcionárias o enxergam. Na cena seguinte ambos vão a festa, são recepcionados por todos com palmas e depois John dança com Paulina e segue mostrando os acontecimentos posteriores. Falas:

Beverly: - Por que não está na festa? John: - Porque é para dançar, e preciso de um par. E meu par está bem aqui. Beverly, quer dançar comigo? Beverly: - Não sei dançar... John: - Sabe sim. Tem dançado comigo há 19 anos. Beverly - Mas não sei os passos... John: - Eu te ensino.( aproximando-se de Beverly, fazendo menção com o corpo para dançarem juntos) Beverly - Aqui? John: - Agora. (Os dois terminam a cena dançando juntos)

114 ANEXO 3

115 ANEXO 4

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