Jornais brasileiros e portugueses - análise comparada do processo de produção de notícias

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Prefácio da Autora

Este trabalho baseia-se na tese de mestrado “Jornais brasileiros e portugueses – análise comparada do processo de produção de notícias”, realizada em 2003/2004, que teve como principal objectivo perceber como acontece o processo de produção de notícias de dois jornais brasileiros (O Estado de São Paulo e Folha de São Paulo), comparativamente aos jornais portugueses (Diário de Notícias e Público). Os Media (Meios de Comunicação) têm sido estudados em contextos que procuram explicar, não só os seus conteúdos, mas também as suas relações com outras instituições sociais, e com a sua audiência (Williams, 2003). Estudar, portanto, a organização dos Media, é estudar o mais completo quadro dos “papéis” que estas representam, bem como a reprodução das suas ideologias. Tudo começa quando os Media dão relevo a um acontecimento. Tipos diferentes de temas requerem quantidades e qualidades diferentes de coberturas jornalísticas, que têm o objectivo comum de atraírem a atenção do público-alvo. Chama-se esta, a fase da “Focalização”. Posteriormente, tal acontecimento deve ser interpretado através de um Framing ou “Enquadramento Noticioso” (ou seja, através da “imposição” de um quadro interpretativo fornecido pelos Meios de Comunicação). Ainda nesta fase, os Media também podem agregar outros acontecimentos, considerados menos importantes, mas que se desenrolam num processo de continuidade, devido à vivência do próprio jornalista. Finalmente, com base no material recebido, os Media irão escolher aquele que consideram ter o “peso” necessário para ser publicado. Portanto, pode-se dizer que, por um lado, os Media criam a “agenda” do que será lido pelo seu público, mas por outro lado, também constituem-se como os “porta-vozes” deste público. Uma revisão à literatura clássica anglófona sobre este tema revelou que, a escolha das notícias se dá através do papel de “guardas”, chamados de “gatekeepers”, que controlam o “portão” de entrada das que devem ou não entrar no jornal. Os jornais possuem diversos tipos de gatekeepers, desde o repórter, que apesar de ter sido “obrigado” a fazer determinada notícia, tem a possibilidade de escolher quem irá entrevistar, e de que maneira irá “olhar” e abordar aquele tema; até ao editor que, por fim, irá seleccionar as notícias que serão publicadas. Porém, todo este processo está submetido à política organizacional do jornal e sofre influências de diversas instituições externas. Ou seja, tanto o repórter, quanto o editor, devem fazer suas escolhas baseandose na linha editorial do órgão de comunicação para o qual trabalham, e levando em consideração as suas fontes de informação. Como resultado, nunca se poderá 1

responsabilizar um só comunicador pelo produto final dos Media, mas todos aqueles que participaram neste processo. Neste sentido, e a par da introdução das Tecnologias da Informação e da Comunicação que (já naquela época, e hoje ainda mais) têm trazido mudanças significativas na maneira como se faz jornalismo, penso que este estudo sempre poderá ser considerado uma mais-valia para a clarificação dos processos de produção jornalísticos. Juliana Chatti Iorio Agosto de 2016

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Índice

Introdução ……………………………………………………………… PG5 Capítulo 1 - O processo de produção da notícia – O lado invisível do jornalismo ………………………………………………………………………. PG11 1.1 - O conceito de gatekeeping 1.2 - A Organização e o controlo social da redacção 1.3 – Uma visão mais actual sobre outros factores que influenciam o processo de produção das notícias 1.3.1 - Algumas críticas 1.3.2 - Um “parêntesis” para falar de “Objectividade” 1.3.3 - De volta às críticas 1.4 – O conceito de enquadramento 1.5 - O conceito de Agenda-setting 1.6 - Construindo a notícia

Capítulo 2 – O lado invisível dos jornais portugueses Público e Diário de Notícias ………………………………………………………………………. PG45

2.1 – Uma breve sobre o surgimento do jornal Diário de Notícias 2.2 – Uma breve sobre o surgimento do jornal Público 2.3 – A metodologia utilizada 2.3.1 – A técnica da observação directa 2.3.2 – A técnica da entrevista não padronizada 2.3.3 – A técnica dos inquéritos por questionários 2.4 – Comparação entre os jornais Diário de Notícias e Público através da técnica da observação directa 2.4.1 – Diário de Notícias 2.4.2 – Público 2.5 – Comparação dos jornais Diário de Notícias e do Público através da técnica da entrevista não padronizada 2.6 – Comparação dos jornais Diário de Notícias e Público através da técnica do inquérito por questionário 3

Capítulo 3 – O lado invisível dos jornais brasileiros Folha de São Paulo e Estado de São Paulo …………………………………………………………. PG86 3.1 – Uma breve sobre o surgimento do jornal O Estado de São Paulo 3.2 – Uma breve sobre o surgimento do jornal Folha de São Paulo 3.3 – A metodologia utilizada: mais uma vez, a técnica da observação, da entrevista não padronizada e do inquérito por questionário 3.4 – Comparação entre os jornais O Estado de São Paulo e Folha de São Paulo, através da técnica da observação 3.4.1 – O Estado de São Paulo 3.4.2 – Folha de São Paulo 3.5 – Comparando os jornais O Estado de São Paulo e Folha de São Paulo através da técnica da entrevista não padronizada 3.6 – Comparação dos jornais O Estado de São Paulo e Folha de São Paulo através da técnica do inquérito por questionário

Capítulo 4 – Identificação das diferenças e semelhanças encontradas nos quatro jornais em questão ……………………………………………………. PG124 4.1 - Comparando a estrutura dos jornais: Diário de Notícias, Público, O Estado de São Paulo e Folha de São Paulo 4.2 – Comparando as editorias de Nacional e Internacional dos quatro jornais estudados 4.3 – Comparando as respostas obtidas nos questionários aplicados aos quatro jornais em estudo 4.4 – Comparando o produto final de uma edição dos quatro jornais em questão

5 – Conclusões ………………………………………………………….. PG148 5.1 – Considerações Finais

6 – Bibliografia ………………………………………………………… PG 153 6.1 – Internet – páginas consultadas online

7 – Anexo: Questionário aplicado aos directores e editores dos jornais portugueses/brasileiros em estudo ……………………………………………… PG 159 4

Introdução x Apresentando os Objectos e Objectivos da Pesquisa Estamos em pleno século XXI e ainda não conseguimos descobrir porque dois países que possuem a mesma língua, expressam-se de maneiras tão diferentes. E quando digo “expressam-se”, refiro-me às diferenças expressas nas notícias divulgadas pelos meios de comunicação do Brasil e de Portugal; o que me fez questionar se isto acontecia devido às diferenças no processo de produção de notícias destes dois países. Portugal e Brasil, teoricamente, falam e escrevem a mesma língua. Na prática (com algumas diferenças de vocabulário) ambos os países possuem, como “língua materna”, a língua portuguesa. Como Portugal “descobriu1” e colonizou o Brasil, tudo leva a crer que, culturalmente, estes países são semelhantes. No entanto, ao deparar com a imprensa escrita em Portugal e no Brasil, percebe-se que as diferenças encontradas vão muito além das de vocabulário. Além das diferenças linguísticas, tem-se a “sensação” de que as diferenças culturais são maiores do que se imaginava, e que o processo de produção de um texto jornalístico em Portugal é diferente da maneira como este mesmo texto é produzido no Brasil2. Portanto, as questões que despertaram a minha curiosidade científica foram: - Será que o processo de produção de notícias, em Portugal e no Brasil, são, de facto, diferentes?3 - Será que as diferenças linguísticas e culturais entre estes países, realmente, influenciam o processo de produção de suas notícias? Partindo, portanto, da hipótese de que o processo de produção de notícias em jornais brasileiros e portugueses acontece de maneiras diferentes, tendo em conta que o conteúdo, ou seja, as notícias publicadas por diferentes jornais nestes países, apresentam-se de maneiras diferentes (e não me restrinjo somente às diferenças linguísticas); pretendo descobrir como ocorre este processo, que tem feito com que 1

Há divergências entre os historiadores sobre o uso do termo “descobrimento”, mas não pretendo discutir sobre isso neste estudo. 2 E aqui considero que iniciar uma pesquisa baseando-me numa“sensação” tem cabimento científico, na medida em que foi esta “sensação” que me levou a investigar este tema, para além das investigações feitas sobre as difenças linguísticas e culturais entre Brasil e Portugal. 3 Apesar de alguns trabalhos apontarem para a transnacionalidade de alguns valores, atitudes e comportamentos dos jornalistas, em especial no Ocidente, nenhum havia debruçado sobre uma análise mais específica entre Brasil e Portugal. (Ver, por exemplo, Weaver, D. H., & Wu, W. (1998). The global journalist: News people around the world. Hampton Pr. E Traquina, N. (2004). A tribo jornalística: uma comunidade transnacional)

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jornalistas e editores, brasileiros e portugueses, relatem os acontecimentos de maneiras tão diferentes. Tanto de um, quanto do outro lado do Atlântico, diversas dúvidas ainda “atormentam” a cabeça de muitos estudiosos: - Quem tem o poder de influenciar o processo pelo qual as mensagens dos media são produzidas e como esse poder é exercido? - Em que dimensão os trabalhadores dos media influenciam o seu conteúdo e o trabalho da organização para a qual trabalham? - A que distância as estruturas e processos das organizações dos media influenciam o que os trabalhadores dos media fazem e o que eles produzem? - Em que medida outras organizações e forças sociais afectam o trabalho e a produção dos media? - Será que os media simplesmente reflectem o que acontece fora, como se fossem um espelho do mundo? - Será que os jornalistas seguem sempre o seu “faro para as notícias”? O primeiro ponto que se deve ter em atenção, ao responder as questões acima, é que estas não podem ser generalizadas à todo tipo de organização, porque existem diferenças entre os diversos tipos de media, sobretudo na audiência que se quer conquistar, e no produto final que se quer construir. No entanto, a produção e a distribuição estão relacionadas com alguns factores básicos. Categorias como: Notícias, Entretenimento e Emissão Radiofónica, usadas para distinguir e segregar os media e o seu conteúdo, são, contudo, notavelmente similares na maneira em que estão organizadas. Portanto, as perspectivas organizacionais assumem claras similaridades analíticas, nas quais repórteres, escritores, actores, directores, produtores, publicitários, dirigentes e vice-presidentes, aprendem as actividades características dos seus respectivos papéis. O que é crucial no estudo das organizações dos media é a dimensão da autonomia para agir dos praticantes dos media, e em que medida estes são influenciados pelas estruturas sociais e pelas práticas organizacionais. Aqui, estrutura refere-se às limitações e constrangimentos sobre a acção humana (e a acção humana pode ser conforme as expectativas da sociedade, da organização ou do grupo com o qual o indivíduo se identifica), ou o poder individual com o qual, livremente, se definem as situações. O foco está, portanto, no processo impessoal através do qual cada organização funciona. 6

Descobrir, portanto, como determinados jornais portugueses e brasileiros funcionam, é descobrir as diferenças e semelhanças entre o jornalismo que é produzido no Brasil e em Portugal, e assim, poder apontar eventuais problemas e/ou vislumbrar eventuais soluções. Este estudo comparativo destina-se, desta forma, não só aos estudantes e profissionais brasileiros e portugueses da comunicação, mas também, como definiu Jurgen Habermas (1984) ao sujeito da esfera pública, que é portador de uma opinião pública. Ou seja, à todos os indivíduos que, nesta esfera comum aos cidadãos livres, tenham a opinião despertada através da comunicação. Esta esfera pode, portanto, ser encontrada nas sociedades ditas democráticas, como a brasileira e a portuguesa. Segundo a investigadora portuguesa, Cristina Ponte (2002:65), “existem escassos estudos comparados que dêem conta de como jornais de diferentes países cobriram um mesmo acontecimento”. Um livro, porém, “Sotaques d’aquém e d’além mar”, de Carlos Manuel Chaparro, apresentou, em 1998, um estudo sobre os percursos e géneros do jornalismo português e brasileiro. Neste estudo, o autor afirmou ter “sentido na pele a distância e o alheamento… entre os dois países que tudo deveria fazer convergir na promoção dos aspectos comuns da língua e da cultura” (1998:8). Chaparro comparou as estruturas empresariais da imprensa portuguesa e brasileira, dando enfoque à problemática dos géneros jornalísticos. O autor questionou os fundamentos teóricos da velha “convenção” que divide o jornalismo em géneros de informação e géneros de opinião, e concluiu que: “o jornalismo português e brasileiro… desconhecem-se reciprocamente” (1998:8). No entanto, como em 1998, este autor não abordou a questão do processo de produção de notícias, em 2003/2004 foi o que me propus a fazer. x Apresentando (suscintamente) a Revisão Bibliográfica e a Metodologia utilizada

Em primeiro lugar, para analisar o processo de produção de notícias de jornais brasileiros e portugueses, foi preciso definir quais seriam os jornais a serem comparados. Foram escolhidos, portanto, os jornais portugueses Diário de Notícias e Público e os jornais brasileiros Folha de São Paulo e O Estado de São Paulo (o que me levou a escolher estes quatro jornais veremos mais à frente). Esta análise comparativa teve como objectivo perceber como se processava a selecção de notícias (gatekeeping) nestes jornais, como eram definidas as suas agendas 7

ou pautas4 (agenda-setting), quais eram os critérios utilizados para o enquadramento (framework) das suas notícias, e como se dava a organização e o controlo social das suas redacções (newsroom). Para tanto, iniciei este estudo com uma revisão bibliográfica (que será aprofundada no primeiro capítulo), onde procurei examinar o trabalho dos principais autores que já haviam se debruçado sobre o assunto. De uma forma bastante suscinta pode-se dizer que: O conceito de gatekeeping no jornalismo foi utilizado, pela primeira vez, em 1950, por David Manning White, que examinou como um gatekeeper (gate = portão e keeper = guarda) controlava o “portão” de entrada das notícias em um jornal5. Posteriormente, outros autores como Berkowitz (1990), Shoemaker (1991) e Bleske (1991) também contribuíram para aperfeiçoar este conceito6. Warren Breed, em 1955, foi o primeiro autor a observar como a organização e o controlo de uma redacção podiam ser mantidas, destacando os constrangimentos que ocorriam nas rotinas de produção de notícias7. Donohue, Olien e Tichenor, em 1989, também consideraram os constrangimentos como a principal motivação que levava os jornalistas a seguirem com os seus “papéis” dentro das organizações8. Gaye Tuchman é outro nome que não pode ser esquecido quando tratamos do processo de produção de notícias9. Para esta autora, a notícia é uma realidade construída e a sua definição depende da estrutura social em que está inserida. Quanto ao enquadramento, Erving Goffman (1959)10 definiu-o como a forma pela qual os indivíduos organizam a vida quotidiana, a fim de compreenderem e responderem às situações sociais, e Todd Gitlin (1980)11 foi o primeiro sociólogo a aplicar este conceito para a análise das notícias. Outros autores, como Galtung e Ruge (1965)12 e Gamson e Modigliani (1989)13, também tiveram um papel importante no desenvolvimento deste assunto. Mais

4 Em Portugal chama-se “Agenda” e no Brasil chama-se “Pauta”, e significa que os órgãos de comunicação deverão agendar ou pautar os acontecimentos da esfera pública. 5 Reeditado em Traquina, Nelson (org) (1993) Jornalismo: questões, teorias e “estórias”. Lisboa: Vega. 6 Textos reeditados em Berkowitz, Dan (org) (1997) Social meanings of news. London. Sage. 7 Reeditado em Traquina, Nelson (org) Jornalismo: questões, teorias e “estórias”. Lisboa: Vega. (Assim como Breed, em 1955, trabalhou a ideia de que o gatekeeping era constrangido por factores organizacionais, Westley, B. H., e MacLean, M. S. também o fizeram, em 1957, através do texto, “A conceptual model for communications research”. Journalism & Mass Communication Quarterly, 34 (1), 31-38). 8 Reeditado em Berkowitz, Dan (org) (1997) Social meanings of news. London. Sage. 9 Ver Tuchman, 1972 – reedição de 1993; 1976 – reedicção de 1993 e 1978 – reedição de 1983. 10 Reeditado em Goffman, Erving (1989) A representação do eu na vida cotidiana. Petrópolis: Vozes 11 Em Gitlin, Todd (1980) The Whole World is Watching. Berkeley: Univ. of California. 12 Reeditado em Traquina, Nelson (org) (1993) Jornalismo: questões, teorias e “estórias”. Lisboa: Vega

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recentemente, Kevin Williams (2003)14 contribuiu para esta análise criticando alguns pontos que, até então, não haviam sido criticados. O conceito de agenda-setting foi exposto, pela primeira vez, pelos autores McCombs e Shaw (1972)15. Em 1974, Molotch e Lester16 ofereceram um quadro para o agenda-setting, quanto às relações entre as diversas agendas dos medias. Outros teóricos como Meyer (1990)17; Rogers, Dearing e Chang (1991)18; também tiveram sua participação na construção do conceito de agenda-setting. Uma análise mais recente, realizada por Nelson Traquina (2000)19, traduziu, para o português, o conceito de agenda-setting em “agendamento”. Assim, este estudo dividiu-se em quatro capítulos: No primeiro, intitulado “O processo de produção da notícia – o lado invisível do jornalismo”, procurei aprofundar (como referido anteriormente), a revisão bibliográfica dos trabalhos desenvolvidos pelos autores citados acima, sobre como se dá o processo de produção de notícias. No segundo capítulo, que chamei “O lado invisível dos jornais portugueses Diário de Notícias e Público” realizei um trabalho de campo, através da aplicação de um questionário com questões abertas e fechadas, aos directores e editores desses jornais, e a sua posterior análise quantitativa. Além disso, utilizei a técnica da observação pessoal directa, por vezes participativa, e entrevistas não padronizadas, com os editores das secções de Nacional e Internacional, a fim de completar, com uma análise qualitativa, os dados anteriormente obtidos. Este trabalho empírico foi realizado no jornal Diário de Notícias no dia 20 de Novembro de 2003 e no jornal Público no dia 9 de Dezembro de 2003. Somente o questionário foi deixado com os directores e editores do jornal, que o entregaram posteriormente. No terceiro capítulo, “O lado invisível dos jornais brasileiros Folha de São Paulo e O Estado de São Paulo” realizei, assim como no segundo capítulo, uma pesquisa de campo com os dois jornais brasileiros em questão. Esta pesquisa foi feita nos moldes da que foi realizada com os jornais portugueses. No jornal O Estado de São 13

Em American journal of sociology (AJS), Volume 95. Number 1 (Julho 1989), 1-37. Em Williams, Kevin (2003) Understanding media theory. Londres: Arnold Reeditado em Traquina, Nelson (org) (2000) O poder do jormalismo – Análise e textos da teoria do agendamento. Coimbra: MinervaCoimbra 16 Reeditado em Traquina, Nelson (org) (1993) Jornalismo: questões, teorias e “estórias”. Lisboa: Vega 17 Em Atkin, Charles (Ed); Wallack, Lawrence (Ed), (1990). Mass communication and public health: Complexities and conflicts. Sage focus editions, Volume. 121, 52-59. Thousand Oaks, CA, US: Sage 18 Em Journalism and Communication Monographs, 1991, 126: 1-47 19 Em Traquina, Nelson (2000) (org.) O poder do jornalismo – Análise de textos da teoria do agendamento. MinervaCoimbra 14 15

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Paulo este trabalho foi feito no dia 14 de Janeiro de 2004 e no jornal Folha de São Paulo realizou-se no dia 22 de Janeiro de 2004. Como nos jornais portugueses, também nestes os questionários foram entregues aos directores e editores, para que os mesmos pudessem responde-los e enviar-me posteriormente. O quarto capítulo, “Identificação das diferenças e semelhanças encontradas nos quatro jornais investigados” tratou-se de uma análise comparativa entre os quatro jornais estudados, onde procurei apontar as diferenças e semelhanças encontradas nos respectivos processos de produção de notícias destes jornais. Posteriormente, analisei o conteúdo da edição do dia 11 de Julho de 2003, confrontando os quatro jornais em estudo quanto ao tema central desta edição (a visita do presidente do Brasil, Luís Inácio Lula da Silva, a Portugal), a fim de perceber de que forma, um mesmo conteúdo, foi divulgado por estes quatro jornais. Comparando o processo de produção de notícias com o conteúdo final dos quatro jornais em estudo, espera-se conseguir reunir o material necessário para que se possa tecer algumas hipóteses sobre as semelhanças e diferenças sistemáticas da orientação discursiva destes jornais. Assim, a metodologia utilizada, já mencionada acima, dividiu-se entre a observação pessoal directa20, por vezes participativa (com conversas com pessoas pertencentes ao meio), servida pela “arte de tomar notas”, conjuntamente com entrevistas não padronizadas, a par do recurso às análises estatísticas e à revisão de fontes bibliográficas. Vale ressaltar que, em cada jornal estive durante um dia a acompanhar a rotina do mesmo. Isto consistiu em participar da reunião de redacção ao início do dia (em conjunto com os directores e editores dos jornais), observar a rotina diária e o encaminhamento para a construção das notícias, entrevistar os editores das secções de Nacional e Internacional e acompanhar o fechamento do jornal21. Considero que este método foi essencial para o meu estudo, pois como salientou António Firmino da Costa, “a pesquisa de terreno (ou de campo) é a arte de obter respostas sem fazer perguntas” (1986:138), ou seja, as respostas vêm no fluxo da conversa informal e da observação pessoal directa e participativa e, só assim, foi possível realizar um estudo comparativo entre os quatro jornais em questão.

20 Observação directa: “Observação visual e auditiva, não envolvendo interacções verbais específicas com o observador e, supondo, frequentemente, o anonimato deste” (Costa, 1986: 136). 21 Pode-se argumentar que um dia de observação em cada jornal é pouco. No entanto, como contraargumento, refiro que este foi um dos constrangimentos que eu tive durante a realização da minha tese. Por isso, optei pela combinação deste método com outras metodologias de análise.

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Capítulo 1 – O processo de produção da notícia – O lado invisível do jornalismo

O processo de produção da notícia no jornalismo impresso é feito, o tempo todo, baseado em escolhas. Desde quando a notícia chega à redacção, seja através de agências noticiosas, seja através de press-releases ou de outras fontes de informação, até ao momento em que a agenda ou pauta é elaborada. As agências noticiosas, assessorias de imprensa e outras fontes de informação escolhem as informações que acham importantes ou que querem que sejam divulgadas. Normalmente, cada secção ou editoria recebe as informações que lhe são pertinentes e é o editor da secção que escolhe o que deve ou não ser publicado, o que deve ser investigado, o espaço que cada notícia merece, o género dentro do qual a notícia deve ser escrita, o que merece ser coberto pessoalmente, e qual repórter irá cobrir cada notícia. Isto não quer dizer que os próprios repórteres não possam sugerir temas para as notícias. No entanto, estes devem sempre passar pelo crivo do editor. Actualmente, as escolhas do editor não são tão arbitrárias. Normalmente elas são feitas durante uma reunião com os repórteres. Nesta reunião, dependendo do editor, muitas ideias podem ser trocadas. Só no final do dia, no momento do fecho da edição (deadline), com posse de todo o material que lhe foi entregue, o editor tem a difícil tarefa de “deixar” que se publique somente as notícias que foram produzidas segundo o enfoque que ele pediu. Neste momento uma notícia pode ser “cortada” devido ao enquadramento que o repórter deu à ela. Quando o repórter sai a campo para cobrir um acontecimento ele também faz escolhas. O repórter escolhe quem entrevistar e qual o melhor ângulo (de acordo com o seu olhar) para dar à “matéria” (matéria no Brasil significa material jornalístico, o que pode ser uma notícia, uma reportagem, um artigo, etc). Por isso, algumas vezes, o resultado final de uma notícia produzida pelo repórter pode não condizer com a posição do jornal. Daí a necessidade de “alguém” com um poder de decisão, capaz de escolher as matérias que condizem com tal posição. Este “alguém” é o editor responsável por cada secção. Portanto não se pode dizer que existe apenas uma pessoa responsável por tudo o que é ou não publicado num jornal. Na maioria dos jornais diários de grande porte há um director de redacção que, ao fim do dia, quando a edição está pronta para ser publicada, pode vir a cortar alguma matéria que não foi de encontro à política editorial do jornal. Porém, actualmente, isto é 11

muito difícil de ocorrer, visto que os repórteres, e sobretudo os editores, conhecem bem a política editorial do jornal para o qual trabalham e sabem, portanto, o que pode ou não ser publicado. Além disso, há uma definição prévia (através da pauta/agenda) do que deverá ser publicado e qual o espaço que cada publicação poderá ter. Como refere Nelson Traquina, “o objectivo declarado de qualquer órgão de informação é o de fornecer relatos dos acontecimentos julgados significativos e interessantes” (1993:167). Traquina defende que os jornalistas não são observadores passivos, mas participantes activos no processo de construção da realidade. Uma notícia, por sua vez, não pode ser vista como emergindo naturalmente dos acontecimentos do mundo real. As notícias acontecem na conjunção de acontecimentos e textos. Portanto, enquanto o acontecimento cria a notícia, a notícia também cria o acontecimento. No entanto, comum à todos os jornais, segundo a jornalista e pesquisadora Christa Berger (parafraseando o filósofo Hans Magnus Enzensberger), é a “lei” pela qual os jornais gerem-se, ou seja, sendo “cinicamente” objectivos. “… e qualquer um que negue que eles (os jornais) tenham isso em comum, é um hipócrita” (2002:275). Mesmo porque um jornal que não se subordine à procura da actualidade torna-se inconcebível. E nesta demanda, a legenda numa foto, o número de pessoas entrevistadas, o nome que designa a acção e a edição da página, tomam, por si só, uma posição “cinicamente objectiva”. Para Christa Berger (2002), o título dum artigo de Robert Darnton, publicado em 1990, “Jornalismo: Toda Notícia que Couber a Gente Publica”22, “parece-nos uma sugestão interessante pensar, como critério de passagem do acontecimento à notícia, o espaço que ele virá a ocupar numa página” (2002:273-274). O verbo “Caber” dá o sentido de que o acontecimento tem que ser compatível com a “estrutura editorial” do jornal, ou seja, “caber”, também, na ideologia do jornal. Além disso, a notícia tem que ter a aprovação do anunciante e a apreciação do leitor. A questão principal para um editor torna-se, então: O que há hoje de novo no mundo que “caiba” no meu jornal? Pode-se dizer que alguns jornais tendem a ter uma postura mais “independente” e, assim, serem menos submetidos à intenção de lucro e ao comprometimento com o poder. No entanto, a tendência predominante que veio se acentuando ao longo do desenvolvimento capitalista é a função mercadológica do jornal e o estreitamento dos seus vínculos com o poder económico e político. 22 Em Darton, Robert (1990). O beijo de Lamourette: mídia, cultura e revolução. São Paulo: Cia das Letras.

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Portanto, todo o processo de produção da notícia, que se inicia com a escolha ou selecção de notícias, realizada pelos editores como se estes fossem “guardas” a controlarem o “portão” de entrada do jornal, dizendo o que deve ou não passar, denominou-se Gatekeeping, e é sobre isso que irei falar a seguir.

1.1 - O conceito de Gatekeeping

Como já foi referido, David Manning White, em 1950, chamou de gatekeeper (gate = portão e keeper = guarda) o “guarda” que decide a passagem de uma notícia pelos “portões” do jornal. Este termo já havia sido aplicado ao estudo das comunicações de massas, pelo cientista social Kurt Lewin, em 1947. Posteriormente, White realizou um estudo de caso onde procurou examinar como um gatekeeper controlava o seu gate23. Para White, o último, e mais importante, gatekeeper de um jornal metropolitano era um homem que, naquela época, era conhecido como “redactor ou editor telegráfico”, ou seja, aquele que tinha a seu cargo a selecção das notícias nacionais e internacionais que apareciam na primeira página do jornal, seu posterior desenvolvimento e a sua oposição. Tratava-se de um homem por volta dos 40 anos, com aproximadamente 25 anos de experiência como jornalista, e que naquele momento era o editor de um matutino em uma pequena cidade do “Midwest” norte-americano. White chamou este editor de “Mr. Gates”. O editor telegráfico era aquele que recebia as linhas telegráficas das principais agências noticiosas do país e fazia as suas escolhas. A conclusão deste estudo foi a de que a comunicação da notícia é extremamente subjectiva e depende de juízos de valor baseados nas experiências, atitudes e expectativas do gatekeeper. Outro factor lembrado por White foi o espaço que o gatekeeper tinha disponível no jornal. Dentre as notícias que pareciam ser os temas favoritos do Mr. Gates, destacavam-se as de Interesse Humano e Política. Por outro lado, as notícias criminais pareciam não agradar muito ao gatekeeper. Este estudo de caso pecou pelo facto de atribuir toda a responsabilidade das escolhas do jornal a apenas um gatekeeper. Ora, sabe-se que todo jornalista que trabalha

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em uma redacção tem que fazer escolhas e, portanto, acaba também por ter o seu papel de gatekeeper24. Actualmente, como já foi referido, não se pode dizer que a escolha de um repórter, editor e, por último, director, é uma escolha arbitrária. A pré-selecção das notícias é, normalmente, realizada num trabalho conjunto, e todos os envolvidos têm, geralmente, a política editorial do jornal enraizada. Este foi um outro factor esquecido por White, a organização e o controlo social da redacção, posteriormente lembrada por Warren Breed.

1.2 - A Organização e o controlo social da redacção

“A política do jornal pode ser definida como a orientação mais ou menos consistente evidenciada por um jornal, não só no seu editorial, como também nas suas crónicas e manchetes, relativas a questões e acontecimentos seleccionados” (1993:153), afirmou Warren Breed em um ensaio publicado pela primeira vez em 195525, onde observou como a orientação da redacção poderia ser mantida e onde ela poderia ser ultrapassada. Para Breed, as principais áreas de orientação envolviam a política, os negócios e o trabalho. A orientação política era disfarçada devido a existência das normas éticas do jornalismo. Os directores e editores delegavam as tarefas aos repórteres e era nessa altura que os interesses de ambos poderiam entrar em conflito. Porém, a orientação política podia ser aprendida através da socialização dentro da redacção. “Ao se socializarem, os jornalistas apreendem as regras do jornal por osmose” (1993:155), referiu Breed. “O novato descobre e interioriza os direitos e as obrigações do seu estatuto, bem como suas normas e valores” (1993:155), continuou. As razões para o conformismo do repórter foram enumeradas por Breed como: autoridade institucional e medo de sanções; sentimento de obrigação e estima para com os superiores; aspirações de mobilidade; ausência de grupos de lealdade em conflito; o prazer da actividade e a notícia como um valor. Por outro lado, Breed também caracterizou algumas situações que permitiam desvios. Foram elas: as normas da política editorial que nem sempre eram completamente claras; a opção de selecção do repórter (quem entrevistar; que perguntas 24 A idéia da existência de vários gatekeepers não é uma idéia nova. Pode-se dizer que ela também surgiu na década de 50, através do trabalho de McNelly, J. T. (1959). Intermediary communicators in the international flow of news. Journalism & Mass Communication Quarterly, 36(1), 23-26. 25 Reeditado em Traquina, Nelson (org) (1993) Jornalismo, questões, teorias e estórias. Lisboa: Vega

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fazer, etc), a táctica da “prova forjada” (explorando a ignorância do executivo); a beat story (ou seja, explorar uma notícia de rotina, a “ronda habitual” do jornalista) e o estatuto de “estrela”. Outros teóricos também apontaram o número de incentivos e coerções sobre o jornalista como um dos factores que os fariam seguir com os seus “papéis” nas organizações. Em 1989, os constrangimentos (coacções/obrigações), a partir da implementação de padrões, através de rotinas de notícias, foram apontados pelos estudiosos Donohue, Olien e Tichenor como uma parte fundamental do ambiente jornalístico26. Entre os constrangimentos que poderiam estar embutidos nas organizações dos media, os autores destacaram: os valores profissionais, que serviam como padrão para o uso, desuso e modificações do layout das notícias (incluindo as prioridades dos gatekeepers e sua ética profissional); as obrigações suscitadas pela implementação de padrões nas rotinas de selecção de notícias (incluindo pressões de tempo e espaço) e a estrutura organizacional para o recrutamento de pessoal, gestão e alterações na redacção. Este, aliás, foi o primeiro factor importante que Nelson Traquina registou como constrangimento organizacional: “a política editorial da empresa jornalística” (Traquina, 1993:169).

1.3 – Uma visão mais actual sobre outros factores que influenciam o processo de produção de notícias

Mas para além da estrutura organizacional e do controlo social da redacção, um outro autor, Kevin Williams (2003), mais recentemente estudou outros factores que também poderiam influenciar o processo de produção das notícias. A pressão económica, por exemplo, foi por ele identificada como a chave determinante na formação deste processo de produção. Além disso, a cultura ocupacional dos media foi considerada outro factor importante. Neste contexto, Williams afirmou que “o trabalho profissional dos media tem sido identificado por alguns estudiosos, não só como a existência central para explicar o conteúdo dos media, mas também para entender a relação deste com outras instituições sociais e com a sua audiência” (2003: 96). O conteúdo dos media é, neste entendimento, não simplesmente determinado por relacionamentos entre patrão e empregado, mas também por factores ocupacionais e 26

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organizacionais, obtidos através das “coacções” que os trabalhadores dos media podem sofrer, segundo as regras, rotinas e valores das organizações para a qual trabalham, e conforme o relacionamento destas com outras instituições sociais. Em 2003, de acordo com Williams, o estudo da organização e do trabalho dos media era recente, e até então havia sido conduzido em três níveis diferentes: x O primeiro focava-se no trabalho individual do jornalista (com suas atitudes, crenças e valores, sua bagagem social e experiências) que eram obrigados a adaptaremse à cultura da organização (ou seja, às orientações práticas e profissionais). x O segundo concentrava-se na estrutura da organização, na sua rotina, e nas suas influências sobre os praticantes dos media. Neste nível, o foco estava nos “papéis” assumidos pelos trabalhadores dos media, por suas organizações, e na questão de como todos iram conseguir cumprir os seus objectivos. x O terceiro nível centrava-se na interacção entre as organizações dos media e o ambiente social, político e cultural (grifo do autor) dentro do qual elas operavam. A ênfase neste nível era dada às forças externas à formação dos media, às organizações dos media e aos seus trabalhos, ou seja, ao que era produzido. Shoemaker e Reese (apud Wlliams, 2003) identificaram outros factores como, as fontes de informação, fontes de rendimento, tecnologia, ambiente político e legal, a as percepções do que as audiências queriam; examinando o poder que outras instituições sociais poderiam ter sobre os media, e observando as limitações dos níveis que haviam sido previstos até então.

1.3.1 – Algumas críticas Neste contexto, foram surgindo algumas críticas: x Críticas ao Conceito de Gatekeeping Para Williams (2003), um dos primeiros caminhos para compreender como o trabalho individual do jornalista é transformado num produto dos media, é conceptualizar o processo de manufacturação da notícia, como uma série de “portas” (gates), através das quais as ideias têem que passar. E, neste sentido, o conceito de gatekeeping, introduzido aos estudos da comunicação por White, em 1950, foi duramente criticado por Williams, quando este afirmou que o mesmo havia sido aplicado erroneamente ao processo da comunicação de massa, visto ter dado ênfase aos 16

papéis individuais dos trabalhadores dos media, mas não às organizações para as quais estes trabalhavam. Segundo Williams, “o modelo de White chama a atenção para o “capricho” pessoal, as idiossincrasias e preconceitos do gatekeeper como importantes no processo da comunicação de massa” (2003: 102), e, neste sentido, um autor de um livro, por exemplo, terá (em meio a uma infinidade de títulos possíveis) o título do seu livro escolhido pelo editor; um executivo da música terá (em meio a várias opções de bandas) escolhido aquela que ele e/ou a sua empresa desejar promover; e um executivo da TV decidirá (em meio a uma infinidade de programas) quais os programas que irão compor a grade/grelha do canal que gere. Por fim, serão estas decisões que irão definir a forma como a audiência irá ver, ouvir e ler o que for divulgado através destas “indústrias culturais”. Nelson Traquina também criticou a teoria do gatekeeper, dizendo que esta analisou as notícias somente a partir de quem as produzia, ou seja, do jornalista. Tratouse, portanto, de uma teoria que privilegiou, apenas, uma abordagem microssociológica, ao nível do indivíduo, ignorando, por completo, quaisquer factores macrossociológicos, como a organização jornalística. “É, assim, uma teoria que situa-se ao nível da pessoa jornalista, individualizando uma função que tem uma dimensão burocrática inserida numa organização” (2001: 70). Um outro teórico, Glen L. Bleske, em 199127, refez o estudo original de White, mas desta vez comparando: género, experiência, período histórico, diferenças tecnológicas e tamanho da organização. Em “Ms Gates Takes Over”, uma versão “actualizada” do estudo de caso realizado por White; Bleske, quarenta anos depois, enfatizou a mudança no perfil do editor, dizendo que “hoje” (em 1991) este seria uma mulher, de 30 anos, licenciada em Inglês através de uma grande universidade pública do sul dos Estados Unidos, com apenas cinco anos de experiência jornalística e conhecimentos adquiridos na prática, e que, diferentemente de Mr Gates, estaria a trabalhar numa sala de redacção (newsroom) eletrónica. Neste estudo, o autor procurou revisitar a “sala de redacção” descrita por White e descobrir as diferenças e semelhanças entre Mr Gates e Ms Gates. Assim como Mr Gates, Ms Gates pensava que a categoria das notícias não afectaria a sua escolha, e ambos admitiam sofrerem influências e favoritismos, apesar de tentarem permanecer neutros.

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No entanto, McCombs e Shaw (apud Bleske, 1991)28 notaram que enquanto Mr Gates utilizava cerca de 64% do material que recebia, a correlação entre as categorias recebidas e usadas por Ms Gates equivalia a 96%. Para Bleske, as explicações para uma maior relação entre as notícias que eram recebidas e utilizadas por estes dois tipos de gatekeepers estavam no próprio acaso (destino), na influência que uma mistura de notícias poderia ter, e numa combinação de razões económicas, sociais e pessoais29. Também em Ms Gates notou-se uma maior focalização sobre as categorias de Interesse Humano e Políticas Nacionais e Internacionais. Isto, segundo Bleske, deveu-se ao facto dos editores serem treinados a usarem “profissionais-padrão”, ou seja, aqueles que conseguem fazer um “mix” de histórias de interesse púbico, e que cobrem eventos políticos, visto que isto é “bem conhecido como uma norma e dever profissional” (Bleske, 1997:7830). Portanto, este autor considerou que o sucesso dos media estava no gatekeeper saber que tipo de histórias ele poderia considerar nas suas selecções, ou seja, de que maneira ele se deixaria influenciar pelos efeitos do agenda-setting (agendamento). Apesar das introduções tecnológicas, das alterações organizacionais e sociais, o resultado final deste estudo acabou por não diferir do resultado obtido por White, pois admitiu, na mesma, que os valores pessoais do editor agiam como os factores determinantes na selecção das notícias. Por isso, Williams (2003) considerou o modelo de White (1950) e, consequentemente, o modelo de Bleske (1991), ingénuo, simplista e de pouca utilidade. “O foco sobre um único gatekeeper, vendo uma única porta, ignora a complexidade da organização dos media modernos, bem como minimiza a complexidade do newsmaking” (Schudson apud Williams, 2003:102). x

Críticas à idéia da Organização e Controlo Social da Redacção

Williams (2003) afirmou que as organizações dos media estavam conseguido se impor devido às rotinas nelas implementadas. Para ele, os jornalistas efectuavam os seus trabalhos, dentro destas organizações, de acordo com estas rotinas. Assim, dentro de todos os media as rotinas desenvolviam um caminho para minimizar os riscos da 28

Reeditado em Berkowitz, Dan (org) (1997) Social meanings of news. London. Sage. O “acaso” no processo jornalístico pode ir de encontro a ideia defendida por Jorge Pedro Sousa (2002), de que as notícias resultam de um processo em que intervém várias interacções (pessoas, rotinas, tempo, organizações jornalísticas, meio social, ideologia, história, factores técnicos, etc). Neste sentido, o “acaso” também pode configurar-se como uma destas variáveis, que ao interagir com as outras, irá intervir no processo jornalístico. 30 Em Berkowitz, Dan (org) (1997) Social meanings of news. London. Sage. 29

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produção (evitar calúnias, proteger os trabalhadores das críticas de seus companheiros e do público, da duplicação dos seus esforços, ou de custos acrescidos). Como já referido, o primeiro teórico que procurou examinar como as organizações de notícias exerciam influência sobre os seus empregados foi Warren Breed, em 1955. Mas, em 1978, a socióloga Gaye Tuchman (apud Williams, 2003) questionou como os “profissionais da notícia” estavam a “rotinizar o inesperado” nos seus trabalhos. Segundo sugeriu, o facto dos jornalistas estarem, estrategicamente, organizados ao redor dos locais mais prováveis de acontecerem as notícias, faziam com que estes recorressem a um fluxo de informações regulares e seguras, que preenchiam, diariamente, o espaço dentro do jornal. Os locais que referiu tratavam-se de instituições sociais como polícias, tribunais, departamentos governamentais ou áreas particulares ligada às artes, ciências e desporto. Para ela, este sistema reduzia custos, promovia a eficiência no processo de acumulação de notícias, e aliviava o uso e a ruptura psicológica do repórter individual. Além disso, o sistema de “notícias batidas” (news beat) mostrava que o mundo estava burocraticamente organizado para os jornalistas que detinham a confiança das organizações burocráticas responsáveis por lhes proporcionarem uma contínua detecção de eventos, e um “mapa”de pessoas relevantes que lhes pudessem falar sobre algum tópico de contecimentos mediáticos (Fishman apud Williams, 2003). Estas pessoas relevantes eram as chamadas “fontes de informação oficiais”, e tais fontes costumavam dominar a agenda das notícias31. Mas para Tuchman (1978 apud Williams, 2003), este sistema de obtenção de notícias não só foi o caminho que as organizações de notícias encontraram para fazer a acumulação de notícias, mas também para categorizar os acontecimentos dentro da redacção, permitindo que os editores decidissem, imediatamente, como deveriam atribuir os recursos técnicos e humanos na cobertura de cada um destes acontecimentos. Atribuindo-lhes, portanto, uma pré-determinada simbologia como: “forte”, “leve”, “mancha”, “a desenvolver”, “continuar”; ou formas de tratamento e/ou lugares em que a história deveria entrar, conseguia-se organizar e controlar as notícias. Notícias não programadas (inesperadas ou eventos que não estavam na agenda) constituíam a menor parte do que era reportado. Deste modo, Tuchman via o trabalho do dia-a-dia do jornalista dominado, dependente, e com poucas oportunidades para seguir o seu “faro para a notícia”. 31 Segundo Williams (2003) para pesquisas que têm encontrado as fontes de informação oficiais dominando as agendas de notícias, ver Sigal, 1973.

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Em “La noticia como realidad construida” (1978)32, Tuchman destacou o papel da sociedade na construção da notícia, dizendo que, se por um lado, a sociedade ajudava a dar forma à consciência; por outro lado, mediante a apreensão intencional dos fenómenos em um mundo social compartido, e mediante ao trabalho activo, os homens e as mulheres construiam e constituiam os fenómenos sociais colectivamente. Assumindo a primeira perspectiva, a autora disse que, tal como fez Roshco (1975)33, poderia se argumentar que, “em toda a sociedade, a definição da notícia depende de sua estrutura social. A estrutura social produz normas, incluindo atitudes que definem aspectos da vida social que serão de interesse ou de importância para os cidadãos” (Tuchman, 1983:196). “Socializados nestas atitudes sociais, e em normas profissionais, os informantes cobrem, seleccionam e disseminam relatos acerca de itens que foram identificados como interessantes ou importantes” (Tuchman, 1983:196-197). Assim, para esta autora, a notícia acabava por reflectir a sociedade. Por isso, de acordo com Tuchman, para mudar a definição de notícia de uma sociedade, era preciso, em primeiro lugar, mudar a estrutura da sociedade e das suas instituições; de modo que as notícias seguissem dependentes desta estrutura social, e não das actividades dos informadores e das organizações informativas. No entanto, para ela, as concepções “modernas” de notícia referiam que estas estavam se desenvolvendo em conjunto com as estruturas da sociedade norte-americana34, onde, uma abordagem interpretativa das notícias acabava por acentuar as actividades dos informantes e das organizações informativas, mais do que as normas sociais, posto que pressupunham que seriam estas estruturas sociais que iriam produzir as normas, claramente delineadas, do que deveria ser noticiado. Ou seja, “as noções de noticiabilidade recebem as suas definições a cada momento; como, por exemplo, quando os responsáveis pelo jornal negociam quais itens hão-de ir para as primeiras páginas” (Tuchman, 1983:197). Esta abordagem argumentava, portanto, que a notícia não espelhava a realidade, mas ajudava a construí-la como um fenómeno social partilhado, posto que, no processo de descrever um acontecimento, a notícia definia e dava forma a este acontecimento. Impondo significados à notícia, esta definia e redefinia, constituia e reconstituia, permanentemente, os fenómenos sociais.

32 Reeditado em Tuchman, Gaye (1983) La producion de la noticia. Estudio sobre la construcción de la realidad. Barcelona: Editorial Gustavo Gili. 33 Roshco, Bernard (1975) Newsmaking. Chigago: University of Chicago Press 34 O que, a meu ver, é uma referência de que é esta sociedade que dita as regras estruturais das sociedades em todo o mundo.

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Assim, o factor objectividade poderia ser um dos que iria ajudar os repórteres relatarem as notícias de forma aceitável, tanto pelas organizações para a qual trabalhavam, como pelas suas próprias audiências.

1.3.2 - Um “parêntesis” para falar de “Objectividade” Segundo o jornalista Mário Mesquita (2000)35, o conceito de objectividade surgiu com a modernidade, paralelamente à emergência das ciências experimentais nos séculos XVIII e XIX. Este conceito apareceu intimamente ligado às noções de observação e experimentação, valorizadas no âmbito das ciências positivas. Por objectividade designa-se o carácter de “uma realidade que aparece aos sentidos e à qual a percepção atribui uma natureza real” caracterizando, deste modo, “fenómenos que se prestam a observação e a experimentação” (Mesquita, 2000). No caso específico do jornalismo, a objectividade adquire pertinência sobretudo a partir do século XIX, no período designado pelos historiadores como “fase industrial da Imprensa”. De acordo com Michael Schudson, em seu livro “Discovering the news: a social history of the American newspapers” (cuja primeira publicação foi em 1978 e a segunda em 1981), nos anos 20 e 30 do século XX, não eram todos os jornalistas que podiam ser livres para escreverem de forma interpretativa. Os repórteres de jornais diários precisavam acreditar que os valores de suas notícias eram os melhores, para conseguirem participar nas reuniões de redacção, e assim apresentarem os factos. Eles precisavam ter um enquadramento que fosse levado à sério não só pela audiência, mas também por áqueles que poderiam vir a criticar os seus trabalhos. Portanto, nos anos 20 e 30 a noção de objectividade confundia-se com a de “persuasão”. A partir dos anos 30, todos os jornalistas passaram a reconhecer que a reportagem objectiva era uma meta fora do alcance. Os perigos da subjectividade começaram, então, a ser reconhecidos. A objectividade passou a ser entendida como um ideal contra a realidade da subjectividade própria dos repórteres, embora, esta subjectividade fosse influenciada por sugestões editoriais, e não somente por pré-disposições pessoais. Mas se até aos anos 30 a objectividade ainda era um valor profissional articulado no jornalismo, esta máxima começou a se desintegrar tão logo quanto foi formulada, e o criticismo do “mito” da objectividade acompanhou esta enunciação. A objectividade no jornalismo pareceu,

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Em Revista JJ - Jornalismo e Jornalistas, de Janeiro/Março de 2000.

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então, ter sido destinada a ser, quanto muito, um ponto de evasão, uma crença a mais, ou uma uma desajeitada defesa, do que uma decisiva afirmação (Mesquita, 2000). Segundo Shudson (1981:160), “nos anos 30, os críticos que haviam atacado a objectividade, favoreceram a reportagem interpretativa como o caminho de manutenção profissional”. Mas, ainda de acordo com este autor, “nos anos 60 do século passado, a meta desse profissionalismo tornou-se suspeita”. Assim, “os repórteres mais jovens não só apelaram para um jornalismo mais activo, como também participativo” (Shudson 1981:162). Por isso, Shudson (1981) sugeriu duas condições que fizeram com um “novo” jornalismo emergisse, provocando mudanças nos conteúdos dos jornais, até então não desejáveis: A primeira falava sobre um aumento da gestão governamental sobre as notícias, mas também uma maior consciência de que isto estava acontecendo; e a segunda dizia que isto fez com que surgisse, nos anos 60, uma adversary culture36 mais crítica por parte da audiência. Deste modo, a realidade social apresentada nos jornais passou a ser construída e reconstruída conforme a interacção dos jornalistas com a sua audiência. Tratava-se de uma escrita “moderna”, diferente por emergir de uma cultura antagónica, com intenção subversiva, e que veio afectar, profundamente, o jornalismo produzido de até então. O aparecimento dos novos meios de comunicação (como a rádio e a TV) forçou os jornais a se tornarem mais interpretativos. A introdução, em 1968, do programa 60 minutos, pela CBS37, sugeriu que a “explosão” de um sentido para as notícias era maior do que a competitividade estratégica das suas organizações, e que isso respondia a uma mudança cultural cujas perspectivas críticas no jornalismo eram bem-vindas. Assim, Schudson distinguiu três tipos de críticas que vieram atacar a noção de objectividade no jornalismo: “O conteúdo das notícias baseia-se num conjunto substancioso de pressupostos políticos”, ou seja, o conteúdo das notícias é conhecido previamente; “a forma das notícias incorporam suas próprias tendências” (ou seja, o modo como o jornalista olha para uma notícia incorpora seus desvios e subjectividades) e “o próprio processo de selecção de notícias constrói uma imagem da realidade, que reforça os pontos de vista oficiais” (Shudson, 1981:184-185). Todavia, Gaye Tuchman, em 1972, descreveu a objectividade como formas de “rituais estratégicos”, desdobrados pelos repórteres, para combaterem a crítica às suas

36 Termo usado pela primeira vez em 1965 para designar a “intenção subversiva” que distinguia a escrita moderna (Shudson, 1981) 37 Columbia Broadcasting System

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escolhas. Para esta autora, a objectividade protege o jornalista dos riscos inerentes à profissão, provocados pelos prazos de entrega, processos difamatórios e reprimendas dos superiores. “Os jornalistas invocam a objectividade quase do mesmo modo que um camponês mediterrâneo põe um colar de alhos à volta do pescoço para afastar os espíritos malignos” (Tuchman, 1993: 75)38. Segundo Tuchman, os jornalistas esclarecem que a produção de uma notícia envolve suposições, hipóteses, que passam por uma cadeia organizacional, composta por uma hierarquia de editores. Primeiro é o repórter que faz conjecturas acerca das preferências do editor da sua secção. Este, por sua vez, faz o mesmo género de suposições sobre as preferências dos editores principais (editores executivos, por exemplo) que, na mesma linha, conjecturam as preferências do director que, por fim, faz as suas suposições acerca das preferências do proprietário do jornal. Por isso, torna-se tão necessário formular estratégias de trabalho. A verificação da veracidade dos factos, por exemplo, pode ser considerada uma dessas estratégias. Além disso, os jornalistas podem: apresentar todos os lados da questão; apresentar provas auxiliares (factos suplementares que justificam outros factos); utilizar citações (entre aspas) dos envolvidos; estruturar a informação numa sequência apropriada (Tuchman refere a ordem da “pirâmide invertida”, que formula a notícia partindo dos factos mais importantes para os menos importantes) e separar os factos das opiniões, através de rótulos apropriados. Outro factor que, muitas vezes, faz com que o jornalista reivindique a objectividade é o seu news judgement, ou seja, a sua perspicácia profissional. Porém, como o senso comum desempenha um papel importante na avaliação do conteúdo noticioso e, por vezes, a perspicácia profissional do jornalista entra em conflito com o senso comum, reivindicar a objectividade com base no new judgement pode não satisfazer os críticos e/ou o público em geral (Tuchman, 1993).

1.3.3 - De volta às críticas

Continuando a nossa leitura sobre a bibliografia existente acerca do papel do gatekeeper, em 1991, em “A New Gatekeeping Model”, Pamela J. Shoemaker39 colocou o nível individual da análise do gatekeeper dentro de um contexto social. Ou seja, para esta teórica, nenhum nível (individual, a rotina, a organização ou a instituição social) 38

Reeditado em Traquina, Nelson (org) (1993) Jornalismo: questões, teorias e “estórias”. Lisboa: Vega

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Texto reeditado em Berkowitz, Dan (org) (1997) Social meanings of news. London. Sage.

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pode escapar ao facto de estar ligado, persuadido e sustentado por um sistema social. Através de três diagramas, Shoemaker mostrou que as forças sociais são responsáveis por formar, definitivamente, as decisões dos jornalistas. Segundo esta autora, as mensagens podem vir de diversos canais (canais de rotina, canais não solicitados - como os press-releases, por exemplo - e dos próprios jornalistas). O processo de selecção dentro da organização irá depender das rotinas e características de cada organização. Os processos psicológicos e as características individuais de cada jornalista também poderão afectar este processo de selecção. Por fim, todo este processo encontrar-se-à inserido num sistema social. Trata-se, portanto, de um sistema bastante complexo, onde o jornalista (gatekeeper) individual, com seus gostos e desgostos, ideias e caminhos para pensar um problema, decisões preferenciais, estratégias e valores que incidem sobre a sua decisão de rejeitar ou seleccionar (e construir) uma mensagem, não é livre para seguir só o que pensa. Ele opera dentro de rotinas comunicacionais que pressupõem um enquadramento influenciado pelas forças de produção da organização. Pode-se dizer, então, que o jornalista fará as suas escolhas sob a influência da organização para a qual trabalha, e que esta, por sua vez, como se encontra dentro de um sistema social, também irá sofrer as influências deste sistema (Shoemaker, 1997). Outro estudioso que examinou o processo de gatekeeping, só que em notícias de uma televisão local, foi Dan Berkowitz. Em seu texto “Refining the gatekeeping metaphor for local television news” publicado pela primeira vez em 1990, e reeditado em 1997, ele explicou como as histórias seriam seleccionadas em uma televisão local, combinando os interesses daquilo que seria potencialmente noticiável. Assim, o foco deste estudo não foi dado ao gatekeeper individual, mas teve como proposta reformular a noção de gatekeeping, clarificando a metáfora do “portão de entrada” de notícias numa televisão local. Reconsiderando a metáfora do “portão de entrada” de notícias, como um caminho para a selecção de notícias, o estudo de Berkowitz concluiu que as decisões tomadas num programa de televisão local não condizaim com o tradicional modelo proposto por David Manning White, onde um só editor tamava as decisões baseando-se nas suas preferências pessoais. Para Berkowitz, as decisões apareciam como um processo de grupo e, portanto, as “portas de entrada” das notícias não eram controladas por uma só pessoa, mas por um grupo dinâmico de pessoas. Os pontos considerados principais para a escolha das notícias também foram diferentes daqueles apresentados em estudos anteriores: interesse, importância e qualidade visual. E, para finalizar, uma 24

terceira questão levantada por este autor foi a de que histórias que conseguissem passar por uma “porta de entrada”, encontrariam, ainda, outras “portas” pelo caminho (Berkowitz, 1997). A decisão sobre a escolha das notícias seguia, então, uma sequência: x Em primeiro lugar entravam os eventos relatados, planeados (“Eventos planeados são muito mais fáceis de cobrir, do que histórias empreendedoras, então, se todos os eventos planeados forem interessantes, seriam, mais provavelmente cobertos, do que os outros”, afirmou um produtor de uma televisão local estudada por Berkowitz (1997:89). Por eventos planeados entende-se: histórias sobre reuniões, conferências de imprensa e eventos comunitários. x Em segundo lugar encontravam-se os eventos não relatados acerca das edições locais e suas tendências. Esta categoria incluía histórias sobre acidentes, desastres e crimes. No entanto, em contraste ao que havia referido o produtor mencionado acima, entrevistado por Berkowitz, a análise quantitativa realizada por este estudioso mostrou que havia uma grande tendência em seleccionar-se os “não-eventos” ou histórias não planeadas (66%). “Se um evento não planeado surge, pode importar mais jornalisticamente do que duas conferências de imprensa que já estavam previstas”, afirmou um editor entrevistado por Berkowitz (1997: 89). x E, em terceiro lugar, estavam as discussões sobre as histórias que os jornalistas consideravam colocar no ar. Em outro estudo relatado por Berkowitz, em 198940, este autor já havia referido que 77,5% das histórias potenciais eram descartadas pelo editor antes mesmo do dia de trabalho começar. As histórias que iam ser televisionadas eram completadas, ao meio do dia, por histórias introduzidas durante a reunião da manhã e por discussões que aconteciam mais tarde; os jornais locais eram consultados para se ver o potencial das suas histórias e os decision makers (produtores, directores de notícias, editores) escolhiam quais destas histórias mereciam ir para o ar (tendências nacionais são importantes na selecção das notícias). A análise dos valores-notícia encontrada por Berkowitz (1990/1997) mostrou que vários decision makers consideraram o item Timeliness, ou seja, a linha que define o tempo em que ocorrem os acontecimentos, muito importante para a tomada de decisões. O Timeliness corresponde aos acontecimentos mais recentes ou às “histórias

40 Ver Berkowitz, Information subsidy and agenda-building in local television news. Artigo apresentado durante a Convenção Anual da Associação para a Educação no Jornalismo e Meios de Comunicação de Massa, em Washington, DC, Agosto de 1989.

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frescas” que, portanto, têm que ser cobertas. Também o item Significance (Significado) foi considerado importante, na medida em que ter um “Alto Significado” quer dizer que a notícia, provavelmente, terá impacto sobre a audiência. Ao mesmo tempo, estes “decisores” apontaram elementos como a Logística e o Recurso aos Constrangimentos, factores tão importantes quanto os outros, na medida em que operam como “the tipping balance”, ou seja, o equilíbrio de inflexão na tomada de decisões. Mas entender o conteúdo dos media como metas e necessidades das organizações, implica em esclarecer o que é uma “organização típica dos media”. Segundo Williams (2003:113), “… grande parte das pesquisas sobre as organizações dos media têm-se concentrado sobre os departamentos editoriais e criativos, que empregam as pessoas que irão fazer os produtos para as suas audiências. O foco sobre estas partes ignora outras partes da organização dos media, como a força de trabalho técnica, dos serviços de tecnologia e maquinaria, que distribuem o produto dos departamentos editoriais e criativos”. Ainda para Williams (2003:113), “… o departamento editorial e de criação fazem parte das grandes organizações, mas os indivíduos que tomam decisões acerca do que é produzido são independentes daqueles que fazem o produto”. Assim, por exemplo, “para os executivos da publicidade, o produto deveria ser feito para satisfazer as necessidades dos publicitários e, portanto, o departamento de publicidade promove condições para maximizar os rendimentos publicitários, os quais, inevitavelmente, conduzem a conflitos com os departamentos editorial ou criativo, que procuram satisfazer as necessidades dos espectadores, ouvintes ou leitores”. Dadas as diversidades de actividades nas organizações dos media, ficam claras as diferenças e contradições de metas que podem ser perseguidas, com a existência de uma série de necessidades diferentes e contraditórias. Comparada com outros tipos de organizações, é possível argumentar que as organizações dos media são formadas por esta rara mistura de metas (metas que pretendem ser alcançadas pelo departamento de produção versus as metas que pretendem ser alcançadas pela parte editorial do jornal) (Williams, 2003). A relação entre as organizações dos media e o mundo externo (ambiente social e cultural) também tem sido conceptualizada, como aliás vimos anteriormente na visão de Pamela J. Shoemarker. Por um lado, as organizações e trabalhadores dos media têm poder para formar o conteúdo dos media, e, por outro lado, forças externas, em particular de outras instituições sociais poderosas, determinam o que deve ser reportado 26

pelos media. Este debate é claramente colocado quando se analisa o relacionamento entre o repórter (e a construção de sua notícia) e as suas fontes de informação. Central para o estudo das fontes é o exercício do poder ideológico e político, especialmente, mas não exclusivamente, de instituições sociais centrais, cuja tentativa para definir e gerir os procedimentos de informação estão dentro da contestação do discurso (William, 2003). Se por um lado os media são “estruturalmente influenciados” pelas fontes oficias ou primárias de informação (Stuart Hall et al.,1978 apud Williams, 2003), por outro lado, a visão de que os trabalhadores dos media e suas organizações disseminam deliberadamente a ideologia destas fontes oficiais, ou promovem somente uma “visão da elite”, também já foi rejeitada. Prefere-se acreditar que os jornalistas e as organizações dos media reproduzem, inconscientemente, o que extraem das fontes dominantes, estabelecendo modos de discurso na sociedade. As imagens, modos de linguagem e discursos das notícias transcendem a estrutura da organização dos media, e a interacção entre a fonte e o repórter reflecte o “ar cultural que todos respiram”. “Outra força externa que pode influenciar a produção dos media é a tecnologia” (Williams, 2003:118). As novas tecnologias estão transformando a estrutura organizacional, mudando as relações entre patrão e empregado, bem como os modelos de trabalho. Isto significa que as práticas no trabalho dos media e nas indústrias culturais são quase irreconhecíveis, quando comparadas a algumas décadas atrás41. Por um lado há uma maior autonomia para os trabalhadores individuais, menor rigidez nas demarcações do trabalho e maior flexibilidade no espaço do trabalho. Por outro lado há menos segurança, baixos salários, longas e incertas horas no espaço de trabalho. A interactividade dessas tecnologias, como a Internet, por exemplo, também tem sido vista como um perigo directo para a continuidade dos papéis do comunicador especializado. Em 2003, ao conversar com alguns jornalistas, percebia-se que muitos já temiam a capacidade dos consumidores acharem, por eles próprios, as informações que procuravam, de forma que isto poderia vir a contribuir para “o fim do jornalismo”. O facto é que a combinação das mudanças tecnológicas, sociais, económicas e políticas estão a ter um profundo impacto na natureza das organizações dos media e no

41

Se isto já ocorria em 2003/3004 (quando esta tese foi escrita), agora, em 2016, mesmo sem ater-me aos dados científicos mais recentes, é visível que as mudanças continuam a influenciar as práticas no trabalho dos media de forma cada vez mais significativa.

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trabalho dos media, mas as teorias dos media e as suas pesquisas estão a comunicar tais mudanças muito lentamente42.

1.4 – O conceito de enquadramento Outro factor determinante para se entender como o trabalho individual do jornalista é transformado num produto dos media é o enquadramento (framework). Todd Gitlin (1980) argumentou que o enquadramento das notícias dos media se dava na forma como os repórteres entendiam e explicavam os eventos. No processo de acumulação de informações, detalhes numerosos, e factos rapidamente proporcionados, a notícia era enquadrada (embalada) pelo jornalista de uma forma particular. Este teórico via, portanto, o enquadramento como uma inevitável e necessária parte da gestão de produção de notícias, mas onde também poderia haver diferentes formas de se enquadrar estas notícias. x Como explicar, portanto, porque um certo tipo de enquadramento era adoptado?

Em The Whole World Is Watching (1980), Gitlin mostrou como vários órgãos de comunicação abordaram um mesmo assunto dando-lhe enfoques diferentes. O assunto abordado foi o movimento dos “Students for a Democratic Society” (SDS) e as versões que foram feitas dele, por diversos jornais norte-americanos, na Primavera de 1965. Para o autor, este estudo resultou em um facto essencial sobre a imprensa norteamericana: “As notícias necessitam de um evento que seja considerado significante, dentro das organizações de notícias” (1980:35). No caso do movimento dos SDS, o evento (uma conferência de imprensa dada pelos estudantes) projectou, como campo de análise significante, o crescimento da oposição dos estudantes à guerra do Viernam. A partir do momento em que o enquadramento foi assim dado, os repórteres, em geral, não iriam confrontá-lo ou complicá-lo, adicionando outro material mais complexo. Assim, esta notícia ficou-se pelo facto de uma conferência de imprensa dada pelos SDS ter ilustrado o crescimento da oposição dos estudantes norte-americanos à guerra do Vietnam. Se esta história tivesse sido desenvolvida, poderia ter levado à um

42 Devido a este livro basear-se numa tese escrita em 2003/2004, já não posso afirmar que “as teorias dos media e as suas pesquisas estão a comunicar tais mudanças muito lentamente”. Seria necessário um estudo mais actualizado e aprofundado especificamente sobre isto, o que não é o objectivo deste livro.

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árduo trabalho do repórter, trabalho não usual, fora da rotina da selecção de notícias, que iria para além da cena (estória) dada. Como o deadline (fecho da edição) faz crescer (ainda mais) a pressão por se fazer uma estória simples, usando o que se tem à mão, o evento em questão projectou apenas um campo de análise simples. Nas palavras do autor: “Em geral, então, uma história simples, provocada por um simples evento, projecta somente um campo simples” (1980:35). Apenas uma estória mais explorada, que tenha por trás um background que valha a pena, irá conter o potencial técnico para ultrapassar o fragmentado, ou seja, o efeito prematuro do próprio evento, ou o aproveitamento de um simples pedaço de informação. O background de uma estória serve para colocá-la na agenda de uma mudança social, duma tendência, dum fenómeno e, automaticamente, conferir-lhe importância. Mas nem sempre o tempo, ou melhor, a falta de tempo, permite explorar o background que há por trás das estórias (Gitlin, 1980). Normalmente as regras do jornal são transmitidas aos repórteres através de recrutamento, avaliação, recompensa, promoção e um controlo técnico informal. Os repórteres e editores devem ainda ser permitidos – ou melhor, encorajados – a definirem e descobrirem as notícias, embora não numa circunstância ideal, de acordo com as suas próprias ideologias. Os executivos (directores e/ou editores), apesar de não permitirem grande iniciativa por parte do repórter, fazem isto de maneira que muitos acreditam escreverem as notícias sem interferências “vindas de cima” (Glitin, 1980). De acordo com um repórter do San Francisco Chonicle, entrevistado em 1976, “Estórias sobre as actividades estudantis na Universidade da Califórnia eram rotineiramente desqualificadas como notícias, a menos que houvesse presos” (Gitlin, 1980:42). Os editores atribuíam ao tema das prisões um sinal de que alguma coisa significante estava a acontecer. As prisões são dramáticas, ainda que possam ser rotineiras, e possuem uma aura de interesse humano. Por isso, há uma prática de se pegar nas prisões como “ganchos”43 para se construir estórias. Gitlin (1980) também referiu que a maioria dos repórteres do jornal Times aprendia o oficío de se fazer um “relatório” para uma notícia, através de uma rusga policial, onde podiam comprovar que a polícia estava, de facto, se aprofundando nos factos. Assim, as prisões reportadas, que podiam ser facilmente contadas e processadas

43 “No jornalismo, metaforicamente, o gancho foi usado para referir-se ao esforço do jornalista em prender um assunto a outro, uma matéria a outra, formando um "colar" de notícias” - In http://www.eca.usp.br/narrativas/intro/intro_por/gancho/gancho2.html.

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pela polícia (fonte oficial de informação), ajudavam o repórter a lidar com as complexidades e prazos, e a clarificar todo a carga de material que recebiam. Tudo isto se processava como uma verdadeira indústria, onde a notícia era o produto final que, posteriormente, deveria ser comercializado. Potanto, poder se dizer que o enquadramento dado à notícia irá depender do produto que esta pretender vender, e que, além disso, a simples escassez de espaço é que, muitas vezes, irá traçar os limites do que será ou não publicado. Deste modo, para uma notícia ser publicada, ela deverá ter algo de novo, irá depender de escolhas particulares (feitas pelos editores e pelos olhares dos próprios repórteres) e deverá ser precisa, não ambígua, intensa e culturalmente familiar (Glitin, 1980). Uma notícia “culturalmente familiar” foi particularmente interessante para este trabalho, visto que a falta desta “familiaridade cultural” poderia explicar, por exemplo, porque no Brasil quase não se ouvia falar do continente europeu nas secções de Internacional. Ou seja, quanto mais critérios (como a familiaridade cultural, por exemplo) um evento tiver a seu favor, mais provavelmente ele será coberto e publicado. Assim, um assunto mais familiar da cultura brasileira poderia não possuir a mesma familiaridade com a cultura portuguesa. Daí uma das possíveis explicações para o facto de muitas notícias publicadas no Brasil, não a serem em Portugal, e vice-versa. Mas isso será explorado com maior atenção no capítulo empírico deste estudo.

*

Na

visão

do

cientista

social,

antropólogo,

sociólogo

e

escritor

canadiano/canadense Erving Goffman, o enquadramento é a forma como organizamos a vida quotidiana para compreendermos e respondermos às situações sociais. Em seu livro “A representação do eu na vida cotidiana”, originalmente de 1959, mas cuja tradução e publicação brasileira em que me baseei foi a de 1989, este estudioso abordou a questão da representação, dizendo que todas as pessoas são actores que estão a encenar aquilo que lhes convém. Ou seja, todas as pessoas representam papéis em suas vidas quotidianas, de modo que as outras pessoas as vejam como elas querem ser vistas. Assim também pensaram Johan Galtung e Mari Holmboe Ruge, em 1965, mas centrando-se nos papéis dos jornalistas, quando escreveram o texto “A estrutura do noticiário estrangeiro. A apresentação das crises do Congo, Cuba e Chipre em quatro

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jornais estrangeiros”, reeditado em 1993. Segundo estes autores, o mundo é composto por actores e a acção desses actores baseia-se na imagem que eles fazem da realidade44. Ao concordar-se com a afirmação acima, pode-se dizer que os jornalistas são levados a representarem “papéis”, e poderão, ou não, acreditar em suas “actuações”. Quando as pessoas acreditam naquilo que representam, Goffman (1989) considera-as “sinceras”. Por outro lado, quando não crêem em suas próprias actuações, são chamadas “cínicas”. No primeiro caso, pode-se fazer a seguite leitura: Se os jornalistas estão socializados dentro do órgão de comunicação para o qual trabalham, eles, de facto, acreditam naquilo que representam. Já, no segundo caso, a leitura que se pode fazer é a de que, se os jornalistas quiserem manter seus empregos, terão de representarem um “papel”, mesmo se não concordarem com ele, sendo, nas suas perspectivas, “cínicos”. Mas o poder da socialização pode operar, de tal forma, que o profissional pode paassar realmente a acreditar naquilo que representa. Isto significa que ele incorpora as crenças da instituição para a qual trabalha deixando, portanto, de representar. Cria-se uma “fachada social”, que “tende a se tornar institucionalizada, em termos de expectativas estereotipadas abstractas às quais dá lugar, e tende a receber um sentido e uma estabilidade à parte das tarefas específicas que no momento são realizadas em seu nome. A fachada torna-se uma “representação colectiva”, e um facto por direito próprio”, definiu Goffman (1989:34). Assim, quando o indivíduo apresenta-se diante dos outros, seu empenho tenderá a incorporar e exemplificar os valores oficialmente reconhecidos pela sociedade, até mais do que o comportamento do indivíduo como um todo. A sociedade, por sua vez, poderá ser momentaneamente perturbada, chocada e enfraquecida na sua confiança, pela descoberta de uma discrepância “insignificante” nas impressões que lhes foram apresentadas, mas dificilmente haverá uma representação em qualquer área da vida, que não conte com o toque pessoal para exagerar o carácter de ineditismo das transacções entre o actor e plateia (Goffman, 1989). Portanto, isto também poderá ser aplicado quando o actor de que falamos for o jornalista e a plateia a sua audiência. A audiência, por sua vez, fica vulnerável, numa posição onde poderá ser enganada e/ou mal orientada. Muitos actores, e no caso deste estudo, os jornalistas, têm ampla capacidade e, às vezes, motivos, para falsearem os factos. Somente a vergonha, a culpa ou o medo poderão impedi-los. Neste contexto, não é o medo das sanções 44

Reeditado em Traquina, Nelson (org) (1993) Jornalismo: questões, teorias e “estórias”. Lisboa: Veja

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provenientes da organização para a qual trabalham, de que havia referido Breed, mas sim o medo da sua audiência, de serem apanhados em erros ou contradições, de serem humilhados e perderem permanentemente a sua reputação. Isto, só um actor/jornalista honesto poderá evitar. Mas segundo Goffman (1989) esta noção de bom senso tem tido pouca utilidade analítica ulrimamente, ou seja, o actor têm dirigido sua actividade de acordo com padrões morais estabelecidos, associados a um grupo de referência. Nesta tese, o grupo de que falarei adiante será formado pelas organizações (os jornais) para as quais os jornalistas trabalham. Ainda de acordo com Goffman, dentro destas organizações existe um vínculo de dependência recíproca que acaba por unir membros da equipa. Mesmo quando alguns membros possuem opiniões diferentes, há certas clivagens sociais e estruturais nas organizações que fornecem a coesão necessária à equipa. Todas essas características gerais das representações poderão ser consideradas como “coacções da interacção”, que agem sobre qualquer indivíduo (neste caso o jornalista) transformando a sua actividade em representações. O trabalho dos jornalistas realiza-se em equipa e tende a ser ligado pela familiaridade, ou seja, todos cooperam para manter uma dada impressão, visto que pretendem atingir os mesmos objectivos. Portanto, uma equipa deve ter unanimidade. A equipa é um grupo, mas não em relação à estrutura ou à organização social, e sim em relação à interacção, ou série de interacções, na qual é mantida a definição apropriada à esta situação. Portanto, o comportamento dos jornalistas irá variar de acordo com o local aonde eles estiverem a desempenhar os seus papéis. Nem tudo que é sabido pelos jornalistas no processo de produção da notícia, ou seja, nos “bastidores” ou “região de fundo” é apresentado ao público, na chamada “região de fachada”. Para Goffman (1989), o controlo dos bastidores desempenha um papel significativo no processo de “controlo do trabalho”, pelo qual, no caso dos jornalistas, pode-se dizer que estes tentarão prevenirem-se contra as exigências deterministas que os cercam. x Mas será que, no caso dos jornalistas, eles de facto conseguem se premunir de tais exigências?

Os jornalistas têm consciência de que podem vir a ter muitos problemas se os “bastidores” não forem controlados suficientemente. Uma conduta de “bastidor” pode desacreditar a caracterização da situação que se procura manter. Por isso, os jornalistas 32

estão habituados a considerarem natural o direito de manter o público longe da “região de fundo”. Para a equipa sustentar a definição de uma situação que a sua representação alimenta, ela precisa acentuar a comunicação de alguns factos e diminuir a comunicação de outros. Por isso, a equipa deve ser capaz de guardar segredos e fazer com que eles sejam guardados. Antes de uma matéria ser publicada, é comum os componentes da equipa conversarem entre si, a respeito do que prenderá, ou não, a atenção do seu público. Após a publicação, é comum eles comentarem o tipo de audiência que tiveram e com que recepção a publicação foi aceite. Assim, é muito importante que os jornalistas conheçam bem o público para o qual escrevem. Para evitar a deslealdade dentro da equipa, é criada, portanto, uma elevada solidariedade entre os membros da mesma. Goffman também enfatizou que a disciplina, a previsão e o planeamento dentro de uma equipa são essenciais, mas podem ser pouco eficazes (sujeitos a rupturas) se não houver cuidado e honestidade dentro da mesma. Por isso, o jornalista prudente irá procurar adaptar-se às condições do jornal para o qual trabalha, levando em consideração a opinião que o público possui a respeito de si e do órgão de comunicação que representa, e considerando o acesso da audiência às fontes de informação exteriores à interacção. Os aspectos mencionados por Goffman constituíram, portanto, um quadro de referência característico de grande parte da interacção social que ocorre dentro de qualquer instituição e, portanto, também dentro de organizações jornalísticas. “Os valores culturais de uma instituição determinarão em detalhe o modo como os participantes se sentirão a respeito de muitos assuntos, e ao mesmo tempo estabelecerão um quadro de referência de aparências, que devem ser mantidas, quer existam, ou não, sentimentos por trás delas”, continuou (1989:221). Neste trabalho talvez sejam encontradas diferenças entre os quadros de referência estabelecidos pelos jornais brasileiros e portugueses. No entanto, é sabido que, na falta de uma informação completa sobre os acontecimentos, o jornalista utilizase de deixas, provas, insinuações, gestos expressivos, símbolos e status como recursos para escrevem suas notícias. Deste modo, eles podem orientar ou reorientar seus quadros de referência, e direccionarem seus esforços para a criação das impressões que desejarem. “É sempre possível manipular a impressão que o observador usa como substituto para a realidade”, afirmou Goffman (1989:229). E é isto que sempre poderá possibilitar uma falsa representação da realidade. 33

Assim, a selecção e distorção da realidade poderá ser feita pelo jornalista, visto que não lhe será possível registar tudo, e que ele terá de escolher aquilo que lhe chamar mais atenção. x A questão que se deve colocar aqui é, portanto, o quê chama mais a atenção dos jornalistas?

Para

Galtung

e

Ruge,

“o

que

escolhemos

para

considerar

como

45

“acontecimentos” é determinado culturalmente” (1993:63) . “Quanto mais a frequência do acontecimento se assemelhar à frequência do meio noticioso, mais hipóteses existem de serem registados como notícia por esse mesmo meio noticioso” (1993:64). Assim, a notícia passa a ser uma “estória”, determinada culturalmente. Segundo Gaye Tuchman (1976), “argumentar que as notícias são “estórias” e que as “estórias” são quadros de referência (frames) para identificar e definir acontecimentos pode parecer implicar que as “estórias” não são factuais nem objectivas” (1993:261)46. Todavia, o facto dos jornalistas terem como princípio aderido a uma norma de facticidade e objectividade, demonstra até que ponto o acto de contar “estórias” pode ser um aspecto do trabalho de um jornalista, e que a própria “estória” faz exigências ao profissional enquanto contador das mesmas. Neste sentido, as normas existententes poderão servir para identificar questões pertinentes. Se não houvesse tais questões, não haveria necessidade de quaisquer normas. É muito provável que alguns acontecimentos nunca consigam ser noticiados, visto que o catálogo estabelecido de frames (quadros) de “estórias” pode não incluir um quadro particular que lhe possa ser aplicado. Sem um quadro, o acontecimento torna-se informe. Sem uma “estória”, implicando um quadro, o acontecimento não pode ser percebido como algo noticioso viável. “Dizer que uma notícia é uma “estória” não é de modo nenhum rebaixar a notícia, nem acusá-la de ser fictícia. Melhor, alerta-nos para o facto de a notícia, como todos os documentos públicos, ser uma realidade construída possuidora da sua própria validade interna,” concluiu Tuchman (1993:262). Como se procede esta construção, é o que se tentará explorar nos capítulos subsequentes.

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Texto reeditado em Traquina, Nelson (org) (1993) Jornalismo: questões, teorias e “estórias”. Lisboa: Vega

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x Mas se a notícia é uma realidade construída, quais factores são responsáveis pela sua construção? Como alertaram Galtung e Ruge em 196547, a frequência do acontecimento é um factor muito importante. Entende-se por frequência o espaço de tempo necessário para o acontecimento se desenrolar e adquirir significado. x E o que se entende por ”Significado”? Segundo estes autores, um evento significativo é aquele interpretável dentro da estrutura cultural do leitor. A outra dimensão deste termo é no que diz respeito à sua relevância. Um evento pode até acontecer num lugar culturalmente distante e estar carregado de significados para o leitor, ou seja, em termos da sua relevância para o leitor. x Mas será que somente estes factores são suficientes para um acontecimento ser culturalmente significativo e ir de encontro ao que o leitor espera?

Para Galtung e Ruge não. Tais factores apenas definem um vasto conjunto de acontecimentos que podem vir a ser notícias. Dentro deste conjunto, os acontecimentos mais inesperados possuem mais hipóteses de se tornarem notícias. “É o inesperado, dentro dos limites do significativo e do consonante, que atrai a atenção de alguém; e por “inesperado” queremos dizer essencialmente duas coisas: inesperado e raro” (Galtung e Ruge, 1993:66). Assim, estes autores classificaram como valores fundamentais para a construção de uma notícia (valores-notícia): a frequência do acontecimento, a sua relevância e o seu carácter inesperado. Um estudo sobre o poder nuclear, realizado por Gamson e Modigliani (1989), concluiu que o poder nuclear, bem como todo assunto político, possuía uma cultura significativa. Ou seja, existe um discurso que envolve o assunto, e muda com o tempo, provocando diversas interpretações e significados para eventos mais relevantes. Esses eventos são catalogados, não como itens individuais, mas como “pacotes 46

Texto reeditado em Traquina, Nelson (org) (1993) Jornalismo: questões, teorias e “estórias”. Lisboa: Vega 47 Texto reeditado em Traquina, Nelson (org) (1993) Jornalismo: questões, teorias e “estórias”. Lisboa: Vega

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interpretativos”, que competem entre si, e são avaliados dentro da cultura da qual fazem parte. “Alguém pode ver as notícias como parte do contexto simbólico sobre o qual a interpretação irá prevalecer” (1989:2), referiram os autores. Este sistema tem uma lógica e dinâmica próprias, onde fluxo e refluxo de “pacotes” em proeminência são constantemente revistos e actualizados para acomodarem novos eventos. “O discurso dos media pode ser concebido como um conjunto de pacotes interpretativos que dão significados a uma notícia ou assunto. Um pacote que possui uma estrutura interna. Na sua essência trata-se de uma ideia central organizadora, ou um quadro, que dá sentido aos eventos relevantes, sugerindo o que é uma notícia ou assunto” (Gamson e Modigliani, 1989:3). Mas paralelamente ao funcionamento de um sistema, que está inserido em um contexto cultural, está o contexto cognitivo dos indivíduos que, através dos seus próprios conhecimentos, levam e trazem as “estórias” das suas próprias vidas, suas interacções sociais e predisposições psicológicas, para com o processo de construção do significado. Portanto, é natural que se direccionem para um assunto, já com um esquema antecipatório. Assim, alguns enquadramentos irão ressoar com narrações culturais, isto é, como “estórias”, mitos e contos folclóricos, que fazem parte de uma herança cultural. Ambos os níveis de análise estudados por Gamson e Modigliani envolveram a construção social do significado da notícia. Isso quer dizer que, os jornalistas podem trazer as suas ideias e linguagens dos vários locais onde estiveram, parafraseando frequentemente, ou citando, as suas fontes; ao mesmo tempo que contribuem, com os seus próprios enquadramentos, e utilizam as suas próprias habilidades, para “pescarem expressões” da cultura popular e as partilharem com a audiência. A audiência, por sua vez, não só representa verdadeiros “fóruns” de discussão pública, mas estão, constantemente, a sugerirem significados mais fáceis de serem aceitos, numa sociedade saturada pelos media. As fontes de informação “inteligentes” (as quais os jornalistas conhecem e têm uma relação de “simpatia” para com elas) oportunamente sugerem o enquadramento que querem que seja dado à notícia. Por outro lado, as organizações e movimentos sociais também “patrocinam” este processo (apesar de Gamson e Modigliani não considerarem que patrocinadores activos necessariamente impliquem em jornalistas passivos).

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Para Galtung e Ruge (1965)48 existem, portanto, algumas características que devem ser consideradas particularmente noticiáveis: 1 - Notícias acerca de pessoas de elite em nações de elite; 2 - Notícias de natureza negativa relativa a nações de elite (conflito de grandes potências); 3 - Notícias de natureza negativa relativas a pessoas de elite (luta pelo poder ao mais alto nível da sociedade); 4 - Notícias de natureza negativa relativas a pessoas (escândalos). Segundo estes autores, estas quatro categorias representam uma fracção considerável das notícias apresentadas pelos jornais na maior parte do mundo. x Como definir uma nação de elite? Será que Portugal era/é vista como uma “nação de elite” pelo Brasil? E o Brasil, de que forma era/é visto por Portugal?

É desnecessário dizer que existem algumas nações que, pela sua vasta influência política e económica, podem ser consideradas de “elite”, mediante outras de menor importância. No entanto, para a população de um país, a sua nação será sempre mais importante do que qualquer outra nação dita de “elite”. Isto quer dizer que, quanto mais próximo culturalmente for o acontecimento, e por isso mais significativo, menos referências ter-se-ão de fazer às pessoas ou nações de elite. Portanto, as elações que daqui se podem tirar são: A notícia jornalística baseia-se num acontecimento e este se dá através de uma agenda estabelecida num determinado meio sócio-cultural, com a finalidade de formar uma opinião pública. A opinião pública, por sua vez, irá sugerir novas notícias que deverão ser consideradas pelas organizações de notícias. Assim, vai-se construindo e reconstruindo a agenda jornalística que, como já havia dito Mar de Fontcuberta (1999:29) é o “conjunto de conteúdos informativos e noticiosos existentes num meio”.

1.5 - O conceito de Agenda-setting

O conceito de agendamento (agenda-setting) foi exposto pela primeira vez, em 1972, por McCombs e Shaw. Em “The agenda-setting function of mass media”, traduzido e reeditado em 2000 por Traquina, Nelson (org) como "A função do 48

Reeditado em Traquina, Nelson (org) (1993) Jornalismo: questões, teorias e “estórias”. Lisboa: Veja

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agendamento dos media", este conceito abordou a questão da influência dos media no eleitorado norte-americano, durante campanhas eleitorais realizadas nos Estados Unidos da América. “Embora os media possam ter pouca influência sobre a direcção ou intensidade das convicções, coloca-se a hipótese de que possam estabelecer a agenda de cada campanha política, influenciando a relevância das atitudes em relação às questões políticas” (McCombs e Shaw, 2000:49)49. A ideia central destes teóricos era a de que a capacidade dos media em influenciar a projecção dos acontecimentos na opinião pública confirmava o seu importante papel na figuração da realidade social, isto é, de um pseudo-ambiente, fabricado e montado quase completamente a partir dos mass media. O agenda-setting foi, deste modo, um conceito fundamental para se entender a decisão dos votos dos norte-americanos, visto que determinou os assuntos que eram de maior importância para o público. Como esses assuntos reflectiam no público, ou seja, os efeitos dos media sobre o público, foram vistos (muito antes de se conceptualizar o agendamento) como provocando um impacto directo sobre as pessoas, produzindo comportamentos prognosticáveis, acontecendo a todas as pessoas, fossem quais fossem os seus atributos sociais ou psicológicos. Ou seja, todas as pessoas eram membros de uma audiência de massa que respondia de forma igual a todos os estímulos mediáticos. Esse conceito foi teorizado assente numa sociedade de massas caracterizada pelo enfraquecimento dos laços tradicionais e pelo crescente isolamento do indivíduo. De acordo com essa teoria, intitulada “teoria hipodérmica”, cada indivíduo é um átomo isolado que reage isoladamente às ordens e sugestões dos meios de comunicação de massas monopolizados (Wolf, 1987). Nos anos 40, no entanto, estudos orientados por Paul Lazarfeld, um dos principais estudiosos da comunicação da época, apontavam para um impacto mais limitado dos media. Segundo este teórico, o papel dos media tinha pouca influência na mudança de opinião das pessoas, porém, servia para reforçar e cristalizar as opiniões já existentes. Isto acontecia porque, se a mensagem mediática entrasse em conflito com as opiniões de um determinado grupo, ela era rejeitada e as pessoas consumiam as mensagens mediáticas de forma selectiva. Assim, dos anos 40 até 60, a teoria dos efeitos limitados dos media tornou-se o paradigma dominante (Wolf, 1987)

49 Em Traquina, Nelson (org.) (2000) O poder do jornalismo – Análise e textos da teoria do agendamento. Coimbra: MinervaCoimbra.

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Por isso, nos anos 70, dentro da problemática dos efeitos dos media, surgiu o conceito de agendamento. Uma nova geração de investigadores, insatisfeita com o paradigma dos efeitos limitados, saiu em busca de efeitos cognitivos como o agendamento. Desta forma, o trabalho de McCombs e Shaw acabou por estudar o papel dos media na formação e na mudança de cognições. A hipótese da existência de uma relação causal entre a agenda dos media e a agenda pública já havia sido sugerida, nos anos 20, por Walter Lippmann (1922), através do livro “Public Opinion”. Quarenta anos depois (1963), esta hipótese foi avançada por Bernard Cohen num artigo intitulado “The press, the public and foreign policy”50. Assim, os estudos posteriores de McCombs e Shaw procuraram fornecer dados empíricos à ideia já levantada por Cohen. x “Quem, então, determina a agenda dos media?” Esta foi a questão em que o trabalho de 1993, de McCombs e Shaw “The evolution of agenda-setting research: twenty-five years in the marketplace of ideas” centrou-se51. Para respondê-la, os autores incluíram a influência das rotinas dos media, da sociologia organizacional (tanto interna como externa às organizações jornalísticas) e da ideologia. Também consideraram relevantes a teoria clássica da difusão de notícias, de Warren Breed e a tradição da investigação do gatekeeping (McCombs e Shaw, 2000). Tanto a selecção de objectos para atrair a atenção como a selecção dos enquadramentos para pensar sobre esses objectos foram consideradas tarefas poderosas do agendamento. Por isso, todos os conceitos analisados até aqui participam, em conjunto, do processo de produção de notícias, e, sem um deles, este processo não se completaria. São variáveis fundamentais, definidas pela teoria do agendamento, que incluem a relevância dos assuntos, a política em termos globais e as perspectivas específicas no tratamento dos temas da actualidade. O agendamento é, portanto, “bastante mais do que a clássica asserção de que as notícias nos dizem sobre o que é que devemos pensar. As notícias dizem-nos também como devemos pensar sobre o que pensamos” (McCombs e Shaw, 2000:131). As perspectivas que os jornalistas, e consequentemente o público, adoptam para pensar 50

Ver Traquina, Nelson (2001) O estudo do jornalismo no século XX. São Leopoldo, RS, Brasil: Editora Unisinos. Texto traduzido e reeditado em Traquina, Nelson (org.) (2000) O poder do jornalismo – Análise e textos da teoria do agendamento. Coimbra: MinervaCoimbra. 51

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sobre cada objecto dirigem a atenção para determinados atributos, desviando-a de outros. Ou seja, as perspectivas jornalísticas são os valores que os jornalistas dão às notícias. A cobertura jornalística pode seleccionar, de entre um conjunto de estratégias de enquadramento, as alternativas que bem entender. Mas, mesmo quando múltiplos atributos de um assunto são incluídos na agenda jornalística, há grandes probabilidades de existir um conjunto perceptível de prioridades. E as prioridades da cobertura jornalística influenciam as prioridades do público. Ao fornecerem uma agenda que qualquer um, até determinado ponto, poderá partilhar, os media estarão a criar uma espécie de sentido comunitário. Segundo outros teóricos, Rogers, Dearing e Bregman (1991), a literatura do agendamento abarca a pesquisa de três componentes que constituem o processo de agendamento: 1 - A Agenda Mediática; 2 - A Agenda Pública; 3 - A Agenda das Políticas Governamentais. Mas, uma primeira conclusão desta literatura consistiu na necessidade de distinguir os media dos media noticiosos. A agenda mediática dos estudos do agendamento é a agenda do media noticiosos, ou seja, é a agenda jornalística. Para a agenda jornalística, Molotch e Lester ofereceram, em 1974, um quadro do agendamento quanto a relações entre a agenda pública, a agenda da política governamental e a agenda mediática. Neste quadro eles identificaram três categorias de pessoas: 1 – News promotors (Promotores de notícias); 2 - News assemblers (todos os profissionais do campo jornalístico que participavam na “montagem” do produto jornalístico); 3 - News consumers (Consumidores de notícias)52. Por isso, na realização do agendamento, os consumidores de notícias, por um lado, estariam sujeitos à influência dos media, mas, por outro lado, também ajudariam a construir a agenda pública. Para Molotch e Lester (1974/1993), os indivíduos ou colectividades possuem propósitos diferentes. Uma questão irá surgir quando houver, pelo menos, duas utilizações opostas, que envolvem, pelo menos, duas partes diferentes com acesso aos mass media. E assim deverá haver interesse na promoção, ou prevenção, dos 52

Reeditado em Traquina, Nelson (org) (1993) Jornalismo: questões, teorias e “estórias”. Lisboa: Veja

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acontecimentos. Deste modo, o campo jornalístico acabará por constituir-se o alvo prioritário da acção estratégica de diversos agentes sociais, em particular, dos profissionais do campo político. Outro factor que também poderia intervir na formação de uma agenda pessoal, relaciona-se com as experiências directas e as conversas interpessoais. Assim, uma agenda pública (formada pela opinião pública) poderia influenciar uma agenda política e uma agenda jornalística. Por fim, os próprios acontecimentos também poderiam intervir no processo de agendamento. Existe, portanto, uma cultura profissional que tem como aspecto fundamental a partilha de valores quanto à importância ou interesse que um acontecimento pode ter. Esta partilha de valores, ou seja, a ideologia da comunidade jornalística, também foi considerada um factor crucial na elaboração do produto jornalístico e na definição da agenda jornalística. Assim, as variáveis que parecem ser fundamentais na construção desta agenda prendem-se com os critérios de noticiabilidade que os jornalistas utilizam na selecção dos acontecimentos (e a acção estratégica dos promotores de notícias), bem como os recursos que estes possuem para mobilizarem e terem acesso ao campo jornalístico.

1.6 - Construindo a notícia

Sabe-se que as notícias são elaboradas utilizando-se padrões industrializados, ou seja, formas específicas aplicadas aos acontecimentos, como por exemplo, a técnica da “pirâmide invertida”. Através desta técnica, a necessidade de seleccionar, excluir e acentuar diferentes aspectos do acontecimento, são alguns dos exemplos de como a notícia, criando o acontecimento, constrói a realidade. A escolha do jornalista é, portanto, orientada pela aparência que a realidade assume diante dele, pelas convenções que moldam a sua percepção, e fornecem o repertório formal para a apresentação dos acontecimentos, e pelas instituições e suas rotinas. Outro factor que influencia a elaboração da notícia é o tempo e o espaço. Aliás, Nelson Traquina definiu este factor como “o eixo central do campo jornalístico” (1993:170). Face à imprevisibilidade, as empresas jornalísticas precisam impor ordem ao tempo e ao espaço. Para tal, elas tentam planear o futuro através do serviço de agenda que, por sua vez, elabora listas de acontecimentos previstos, permitindo, assim, a organização do trabalho com uma certa antecedência. 41

Além disso, o jornalista deve possuir um conjunto de saberes profissionais, ou seja, a capacidade de reconhecer quais são os acontecimentos que possuem valoresnotícia (notoriedade, conflito, proximidade, interesse humano). Já dizia Mar de Fontcuberta (1999) que a escala de valores que convertem um facto em notícia vem sofrendo alterações ao longo dos tempos. Tradicionalmente, o discurso jornalístico deveria possuir cinco características fundamentais: 1 - Actualidade, 2 - Novidade, 3 - Veracidade, 4 – Periodicidade, 5 - Interesse Público. No entanto, este discurso tem sofrido algumas alterações com o progresso tecnológico e, por isso, o objectivo que se tornou básico, de interessar um público cada vez mais vasto, vem contrastando com a procura por audiências cada vez mais específicas. No entanto, apesar das mudanças e contradições, a comunicação jornalística continua a edificar-se em torno de três eixos básicos: 1 - Acontecimento, 2 - Actualidade, 3 – Período. Reconhecidos os acontecimentos que possuem “valores-notícia”, o jornalista precisará, então, mobilizar os seus conhecimentos para orientar os passos que irá seguir na recolha dos dados para a elaboração da notícia, ou seja, o jornalista precisará decidir quais fontes irá contactar, quais perguntas irá colocar, quais elementos irá recolher, quais citações irá utilizar, e é aqui que irá surgir a concorrência entre os promotores de notícias, ao definirem as questões que serão transformadas em notícias, o enquadramento que será dado à mesma, enfim, a forma como a notícia será apresentada pelo meio de comunicação. Os estudos que vieram a seguir confirmaram a hipótese avançada por McCombs e Shaw (1993) de que “os media não só nos dizem sobre o que é que devemos pensar, como também nos dizem como pensar sobre isso; portanto, consequentemente, o que pensar” (2000:134)53. No entanto, algumas questões ainda dividem os teóricos da comunicação:

53 Texto reeditado em Traquina, Nelson (org.) (2000) O poder do jornalismo – Análise e textos da teoria do agendamento. Coimbra: MinervaCoimbra.

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x A relação causal entre a agenda jornalística e a agenda pública é considerada unidireccional ou bidireccional? x É a agenda jornalística que influencia a agenda pública, e só, ou este é um processo interactivo, onde a agenda pública influencia a agenda jornalística gradualmente, criando os critérios de noticiabilidade da notícia, enquanto a agenda jornalística influencia a agenda pública de forma directa e imediatista? x E quanto aos efeitos provocados pelo agenda-setting, são iguais em todas as pessoas? Manifestam-se da mesma forma sobre todos os assuntos? x Se a competição entre assuntos ou tópicos é tão intensa, então como um assunto pode dominar as agendas de notícias? Quais factores podem explicar a hegemonia de certos assuntos? x Como um problema pode ser considerado de interesse social? Se, por um lado, alguns jornalistas identificam o factor “necessidade de uma orientação” como relevante no processo de agendamento, e portanto, o efeito de agendamento ocorreria somente em pessoas que tivessem grande necessidade de obter informações sobre um determinado assunto, por outro lado, outros jornalistas afirmam que o efeito da agenda jornalística varia segundo a natureza do assunto. O assunto pode ser: envolvente (assunto mais próximo das pessoas) ou não envolvente (assunto distante das pessoas, com os quais não se têm uma experiência directa). Para Lang e Lang (apud Traquina 1993), o efeito de agendamento seria mais comum quando o assunto fosse “não envolvente”, ou seja, a influência dos media seria maior quando o público não tivesse contacto directo com o problema em causa. Em um estudo de caso sobre a SIDA/AIDS nos anos 80, três teóricos (Rogers, Dearing e Chang, 1991) tentaram explicar o processo de agenda-setting num assunto público. Segundo esses autores, certos assuntos chegam a agenda de notícias dos principais meios de comunicação de massa porque os jornalistas e editores são treinados a reconhecerem e avaliarem os assuntos que valem a pena ser publicados, em virtude do que estes reflectem ou podem vir a reflectir. Por meio de critérios como sensação, celebridade, desvio, tragédia e proximidade, os editores e jornalistas tomariam decisões subjectivas sobre o grau de interesse da notícia. Essas decisões determinariam a 43

extensão da cobertura da notícia. Além dos critérios citados acima, a informação também deveria ser actual e o ineditismo a sua principal característica. Para que um assunto antigo tivesse validade para ser publicado novamente, além de se ter que ter novos dados sobre ele, os editores e jornalistas precisariam “lançá-lo” de uma forma diferente. Esta foi a principal preocupação desses autores relativamente ao assunto da SIDA. Eles se preocuparam não apenas em como o assunto chegava à agenda dos media, mas também como este poderia ou não persistir nesta agenda por um longo período de tempo. Para esses autores, “uma agenda é o estabelecer de assuntos vistos no tempo, conforme uma hierarquia de importância” (Rogers, Dearing e Chang, 1991:6). Alguns factores que também poderiam ser apontados na verificação dos efeitos do agendamento prendiam-se com, a especificidade de cada media; a proximidade geográfica do acontecimento relativamente aos membros da audiência; o papel da discussão interpessoal das questões; o destaque dado ao acontecimento pelo campo jornalístico e a importância da personificação em impulsionar um assunto até que este cheguasse à agenda mediática. Em 1987, Iyengar e Kinder (apud Traquina 2001) introduziram o conceito de agendamento segundo o qual a agenda jornalística também estabelecia os critérios de avaliação que deveriam ser utilizados pelo público na apreciação do desempenho político de qualquer profissional do campo político. Para Philip Meyer (1990:55), “a teoria da agenda-setting sugere que os media são capazes de criarem seus próprios mercados de informação”. Se os valores das notícias conduzirem a visões distorcidas sobre o assunto, o leitor se preocupará com coisas erradas e irá procurar mais informações acerca destas coisas erradas. Aqui vale lembrar que, nem sempre, tais distorções são provocadas intencionalmente. Factores como a falta de tempo, a competição entre os diversos órgãos de comunicação e a busca por um “furo 54” de reportagem, são alguns dos que podem vir a provocar estas distorções. Portanto, pode-se concluir que, as notícias são o resultado de um processo de produção, definido com a percepção, selecção e transformação de uma matéria-prima (o acontecimento) num produto final (a notícia). Estes acontecimentos constituem um imenso universo de matérias-prima, e a extratificação destas consiste na selecção do que será tratado, ou seja, na escolha do que julga-se ser matéria-prima digna de adquirir uma 54 “Em Jornalismo, furo é o jargão para a informação publicada em um veículo antes de todos os demais. O furo é dado quando uma equipe de repórteres e editores consegue apurar uma notícia, um fato ou um dado qualquer e publica esta informação sem que os veículos concorrentes tenham acesso a ela.” In https://pt.wikipedia.org/wiki/Furo_(jornalismo)

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existência pública, ou seja, digna de virar notícia. Como, para os profissionais do jornalismo, o desafio quotidiano tem sido, justamente, a elaboração de um produto final digno e com significado, “saber o modo como as notícias são produzidas é a chave para compreender o que elas significam” (Traquina (1993:176).

Capítulo 2 - O lado invisível dos jornais portugueses Público e Diário de Notícias

Como já foi referido no início desse trabalho, este capítulo teve como objectivo, através de uma pesquisa de campo, levantar alguns dados sobre os dois jornais portugueses em estudo. Este levantamento ocorreu através do preenchimento de um questionário, com questões abertas e fechadas, pelos directores e editores destes jornais (que voluntariatram-se a participar), e sua posterior análise quantitativa55. Além disso, a pesquisa de campo utilizou a técnica da observação pessoal directa, por vezes participativa, e entrevistas não padronizadas, com os editores das secções de Nacional e Internacional, a fim de se conseguir obter dados mais qualitativos.

2.1 – Uma breve sobre o surgimento do jornal Diário de Notícias O jornal Diário de Notícias, ou DN (como é conhecido popularmente) foi lançado em 1 de Janeiro de 1865, por uma iniciativa de Eduardo Coelho (Chaparro, 1998). Com a intenção de transformar-se num jornal popular, foi publicado com um preço de venda ao público reduzido: 10 réis, enquanto os outros jornais na época eram vendidos a 30, 40 réis (Tengarrinha apud Ponte, 2000a) e, conforme afirmou Alberto Pena Rodriguez (1996:360), “sem qualquer inclinação política”. O preço de 10 réis era possível manter graças as receitas da publicidade do jornal. Ainda segundo Tengarrinha (apud Rodriguez, 1996), em 1885, o DN alcançou uma média de cento e oitenta mil anúncios por ano, ao preço de 20 réis por linha. Nesta mesma época, o valor que a concorrência cobrava era de 100 réis (Ponte, 2002a). Com o telégrafo e as agências de notícias, este jornal conseguia recolher informações à distância e, com a expansão da rede de caminhos-de-ferro, chegava às cidades da província. Assim, atingiu uma tiragem média de 26 mil exemplares diários, consolidando-se como o jornal de maior difusão em Portugal. O DN também foi o 55

Ainda que esta análise tenha sido realizade forma numérica e percentual, aqui irei divulgar os dados somente de forma numérica, tendo em conta estar a falar de uma amostra bastante reduzida.

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primeiro jornal de venda ambulante, chegando a ter, passado seis meses, cem vendedores nas ruas. A sua ampla tiragem “obrigou-o” a comprar uma rotativa e a abandonar o trabalho tipográfico manual. Por isso, em 1904 passou a ser, também, o pioneiro no uso da linotipia. Devido ao seu sucesso, em 1875, Portugal já contava com 33 jornais ao preço de 10 réis, que procuravam seguir a fórmula do DN (Rodrigez, 1996). Em 1919, o jornal passou a pertencer a uma sociedade anónima e a ser dirigido por Augusto de Castro, cuja orientação perdurou até aos anos 70. Esta direcção imprimiu um novo estilo ao jornal. As páginas apresentavam-se mais arejadas e com novas secções. Assim, a expansão do jornal atingiu o seu auge nos anos 20-30. Em 1924, Eduardo Schwalbach substituiu Augusto de Castro e promoveu iniciativas populares de grande adesão. Desta fase data uma inovação tecnológica de monta: tratava-se de um quadro luminoso instalado num prédio no Rossio, onde se lia, “O DN Informa...”. No final dos anos 20, o jornal expandiu a sua rede noticiosa pelo País, instalando agências e nomeando correspondentes por vilas e aldeias da província (Ponte, 2000a). Mas, segundo Rodriguez (1996), o período entre 1910 e 1974 não foi muito brilhante para a imprensa portuguesa de um modo geral. Primeiro com a intervenção militar e posteriormente com o regime ditatorial de Salazar, que acabou com a liberdade de expressão no país até à Revolução do Cravos, em 1974. “Salazar via nos jornais não apenas um perigo para a estabilidade do Estado Novo, mas também uma expressão de urbanidade que corrompia a verdadeira moral do modo de vida português por ele concebida, mais tradicional e com base nos costumes” (Rodriguez, 1996:365). Por isso, os receios de Salazar reflectiram na Constituição de 1933. Pouco depois foi emitido um Decreto, que vigorou até 1972, com o qual se instituía, formalmente, a censura prévia aos órgãos de comunicação. Quando rebentou a guerra civil espanhola, Salazar tornou ainda mais severo o controlo sobre os meios de comunicação, reconhecendo oficialmente, em 1938, o governo do general Franco e assinando com a Espanha um tratado de não-agressão e de amizade. No início da guerra espanhola, entre os jornais mais importantes de Portugal estava o DN. Este, apesar de se definir como independente, não deixava de respeitar as instruções do regime (Rodriguez, 1996). Augusto de Castro regressou ao jornal em 1939 e, em Abril deste mesmo ano, foi inaugurada a nova sede do DN, na Avenida da Liberdade, onde se encontra até hoje (2016). Augusto de Castro manteve-se a frente do jornal até 1971, ano de sua morte, 46

verificando-se que a estabilidade na direcção do DN era uma das suas características (Ponte, 2000a). Em Fevereiro de 1975, criou-se uma nova lei de imprensa, que protegia a liberdade de imprensa, anulava a censura e estabelecia estatutos para a profissão de jornalista. No período de transição para a democracia, o Estado português havia nacionalizado os principais grupos económicos do país, onde se incluía grande parte da imprensa e, até aos anos 80, alguns dos diários mais importantes ainda não haviam sido privatizados. O último a voltar para mãos privadas foi o DN, em 1991. Portanto, o DN foi um órgão de comunicação nacionalizado onde, durante 1975, travaram-se duras batalhas pela independência da informação (Rodriguez, 1996). Assim, conta Rodriguez (1996:370) que, em 27 de Agosto de 1975, depois de realizado um plenário de trabalhadores no DN, vários jornalistas foram demitidos. Para a nova direcção foram nomeados directores intelectuais de esquerda e o jornal passou por um período revolucionário até a sua posterior acalmia. Com Mário Mesquita como director e Dinis de Abreu como director adjunto criou-se “um jornal independente ao estilo da imprensa de qualidade e de referência”. Em 1992, Dinis de Abreu cedeu lugar à Mário Bettencourt Resende e este manteve, durante a década de 90, “o equilíbrio político que caracteriza o matutino da Avenida da Liberdade”. Segundo Cristina Ponte (2002a), o DN introduziu, desde cedo, o relato do acontecimento vivido in loco pelo jornalista. A ligação do jornal a figuras da cultura levou-o a dar relevo de primeira página a eventos de ordem cultural. A prática de transcrições de fontes oficiais perdurou até aos anos 70, mas, mesmo assim, o jornal prosseguiu com um olhar alargado sobre conteúdos diversos, sobretudo nacionais, que também se prolongou até aos anos 70. Para Mário Mesquita (1994:387), “a nível dos quotidianos o Diário de Notícias é o que se situa mais próximo do estilo dos quality papers (jornais de referência) ”. O aparecimento do DN fez, assim, surgir o modelo da “imprensa negócio” e isto estabeleceu as condições propícias para a transformação industrial da imprensa em Portugal. O jornal, de um modo geral, passou a ser considerado um produto, numa economia organizada nos moldes capitalistas. Deste modo, “em fins do século XIX, a grande imprensa portuguesa estava estruturada em termos de uma empresa comercial moderna” (Cádima, 2002:182).

2.2 – Uma breve sobre o surgimento do jornal Público 47

No dia 5 de Março de 1990, Portugal assistiu ao aparecimento de mais um matutino: o Público, dirigido por Vicente Jorge Silva e com capitais da SONAE (Sociedade Nacional de Estratificados), propriedade do engenheiro Belmiro de Azevedo. Este havia decidido influenciar a vida dos portugueses através dos media e, munido com o melhor equipamento informático e os melhores jornalistas que haviam naa época, “lançou” o Público (Rodriguez, 1996). Segundo entrevista realizada à Nuno Pacheco, Director-Adjunto do Público em 2003, o Público nasceu com jornalistas vindos do semanário Expresso56. Este semanário, “de ideias arrojadas”, tinha a intenção de lançar um jornal diário, mas acabou por desistir. Assim, alguns jornalistas que trabalhavam para o Expresso resolveram apostar no projecto dum jornal diário, lançando, deste modo, o jornal Público. Portanto, o Público ainda em 2003 era considerado um jornal novo, que possuía apenas 15 anos de existência, e que nesta altura ainda mantinha muitos dos jornalistas responsáveis pelo seu projecto inicial. Nuno Pacheco era um desses jornalistas (que, ainda em 2016 ocupava o cargo de Director-Adjunto). O Público apareceu com inovações importantes no conteúdo (como o tratamento de fundo de um assunto diário) e no domínio da apresentação gráfica. Em formato tablóide, conseguía fazer a síntese do formato com a introdução da cor a partir da primeira página. “Pode-se dizer que o modelo constituiu uma inovação na Europa. O conteúdo e seu tratamento assemelhavam-se ao do El País de Madrid. Com dificuldades, num País em que se lia pouco (trinta e oito jornais por mil habitantes) o jornal foi se implantando na classe política, nos meios de negócios e nos meios intelectuais tornando-se um jornal de referência em Portugal” (Rodriguez, 1996:381). O jornalismo de referência viu-se, então, enriquecido com a criação deste novo diário, e isto obrigou o DN a operar importantes renovações a partir de 1992. Apesar disto, o Público chegou a ultrapassar o DN, só não conseguindo alcançar os jornais ditos “mais populares”, como o Correio da Manhã e o Jornal de Notícias, do Porto. Sendo o primeiro jornal multiregional, que imprimia edições em Lisboa e no Porto; e também o primeiro jornal a ter um suplemento diário em espanhol, o projecto Público acabou por ser um tanto quanto “ambicioso” para as possibilidades muito limitadas do mercado português. Isto fez com que este jornal começasse a apresentar prejuízos. Por isso, Belmiro de Azevedo decidiu vender parte do capital do jornal ao 56 O semanário Expresso surgiu em Portugal a 6 de Janeiro de 1973, propondo-se a contribuir para que se alcançasse a liberdade de informação – liberdade de informar e de ser informado (Cádima, 2002:190).

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Banco Português de Investimentos, ao jornal espanhol El País e ao jornal italiano La República, que, no entanto, mais tarde, veio recuperar. Nas eleições portuguesas de 1995, o jornal inclinou-se para o lado socialista perdendo leitores de centro-direita e vendo uma diminuição em suas vendas. A crise agravou-se, ainda mais, com o aparecimento das estações de televisão privada a fazerem preços atractivos para publicidades. Esta situação frágil do Público já provocou uma série de cisões no corpo editorial do jornal (Rodriguez, 1996:382), apesar de, em 2003, o jornal ter registado lucros, em parte devido à política de acrescentar, a venda do jornal, outros produtos como livros e CDs.57 Conhecendo, também, um pouco da história sobre o surgimento do jornal Público fica mais fácil compreender como se dava, em 2003, o seu processo de produção de notícias.

2.3 – A metodologia utilizada 2.3.1 – A técnica da observação directa Este trabalho partiu do princípio de que, para conhecer a realidade do processo de produção de notícias dos jornais portugueses Diário de Notícias e Público, seria necessário participar da rotina destes jornais durante, pelo menos, um dia de trabalho58. Esta participação teve início, segundo o método teorizado por António Firmino da Costa (1986), com a técnica da observação directa (visual e auditiva, não envolvendo interacções verbais do observador com o público observado e, supondo, o anonimato do observador) e continuou com a técnica da observação participativa (envolvendo conversas com as pessoas do contexto social em estudo). A observação directa iniciou-se na reunião de redacção, pela manhã, onde reuniam-se directores e editores para discutirem o que os jornais do dia publicaram e quais seriam as notícias a serem publicadas na edição do dia seguinte. Como nem todos os participantes desta reunião souberam, antecipadamente, da minha presença, pode-se dizer que, para muitos, a minha identidade era desconhecida e, por isso, pude-lhes 57

De qualquer forma, em Outubro de 2012 a administração do Público apresentou um plano de redução de custos, onde dispensou 48 trabalhadores da empresa, apesar de continuar activa até hoje (2016), quando completa 26 anos de existência. 58 Enquanto jornalista, eu sabia que dificilmente um jornal permitiria acompanhar a sua rotina por mais de um dia de trabalho. Inerente às limitações de tempo e espaço dos próprios jornais, acrescentou-se as minhas próprias limitações, de tempo e financeiras, que me fizeram acordar em participar da rotina de todos os jornais estudados, durante um dia de trabalho.

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aplicar a técnica da observação directa sem contar com grandes enviezamentos na amostra. No entanto, no decorrer do dia, e mesmo no decorrer da própria reunião de redacção da manhã, fui, aos poucos, sendo “descoberta” pelos editores que estavam presentes e, deste modo, tive que dar início a uma observação mais participativa. Isto consistia em fazer perguntas quando não entendia ou queria informações sobre determinado assunto. Ainda através da técnica da observação, pude analisar a estrutura das redacções, ou seja, como elas estavam dispostas, o comportamento de seus directores, editores e repórteres, os seus vícios (como fumar e beber café em demasia), para além de poder analisar a divisão da redacção (quanto ao género e a idade de seus jornalistas), e, por fim, observar quando iniciava o processo de produção jornalístico (tendo em conta a hora em que os repórteres chegavam à redacção, como estes chegavam à redacção – totalmente “crús” ou já munidos de alguma informação - e a hora em que, efectivamente, o movimento, ou seja, o processo de produção da notícia, começava).

2.3.2 – A técnica da entrevista não padronizada Além da técnica da observação directa e participativa, optei por realizar entrevistas não padronizadas com os editores das secções de “Nacional” e “Internacional” dos jornais em estudo. Tais entrevistas, na realidade, trataram-se de conversas informais com estes editores, onde os mesmos estavam à vontade para falarem, muitas vezes “off-the record59”, o que realmente pensavam acerca do processo de produção jornalístico no qual estavam inseridos. Escolhi as secções de “Nacional” e “Internacional” visto que havia muitos temas que, em Portugal, seriam cobertos pela editoria de “Nacional” e que, portanto, no Brasil, seriam considerados temas para a editoria de “Internacional”. De igual modo, muitas notícias publicadas pela editoria de “Internacional” em Portugal, eram no Brasil considerados assuntos “nacionais”. Assim, a maneira como estes editores “olhavam” para um mesmo tema, consoante sendo “nacional” ou “internacional” em seus países, permitiu-me conhecer como se processava a produção de uma mesma notícia em ambos os países.

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extra-oficialmente, oficiosamente, para não ser publicado.

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2.3.3 – A técnica dos inquéritos por questionários Por fim, solicitei que todos os directores e editores que participaram das reuniões de redacção em que eu estive presente respondessem a um questionário, com questões abertas e fechadas, a fim de que eu pudesse analisar quantitativa e qualitativamente os factores que influenciavam o processo de produção de notícias nos jornais em questão. Tratou-se de uma participação voluntária que, infelizmente, por uma limitação de tempo, nem todos os directores e editores estiveram disponíveis para participar. Com alguns, consegui aplicar, ou fazer com que respondessem ao inquérito, no dia em que eu estive nos jornais. Com outros tive que insistir que me devolvessem o inquérito respondido por correio electrónico (e-mail). Estava ciente das limitações que um pesquisador poderia encontrar quando se pré-dispunha a fazer uma pesquisa de campo e, por isso, a combinação de diversos métodos de análise visou minimizar os “erros” que os resutados obtidos através da utilização de um só método poderiam apresentar.

2.4 – Comparação entre os jornais Diário de Notícias e Público, através da técnica da observação

2.4.1 – Diário de Notícias Desde Abril de 1939 a sede do jornal Diário de Notícias (DN) encontra-se na Avenida da Liberdade (na rotunda do Marquês de Pombal), em Lisboa. Segundo Cristina Ponte (2000a) a localização deste jornal inspirou uma das frases mais conhecidas de Augusto de Castro, um de seus directores: “O Diário de Notícias está na rotunda mas não faz revoluções”. No dia 20 de Novembro de 2003 fui autorizada a passar o dia na redacção do DN, onde pude observar como se dava a produção de notícias deste jornal. As 10h30 cheguei à redacção do DN para “participar” (como observadora) em uma reunião de redacção. Tal reunião teve início às 10h45 e começou com uma avaliação da edição do dia. Nesta avaliação houve críticas (nem sempre bem aceites) e sugeriram-se soluções que pudessem trazer uma mais-valia ao jornal. Por exemplo, um dos editores disse que o jornal estava a subestimar a economia norte-americana, visto que esta iria entrar em colapso e o jornal não tinha dado muita atenção ao assunto. Neste momento, outro editor sugeriu a criação de um suplemento sobre o assunto, visto que o semanário 51

Expresso, que havia saído na semana anterior, já havia publicado um dossiê sobre o assunto. Logo no início da reunião ficou claro que, apesar dos ânimos não se terem exaltado, cada editor “lutava” para que a sua crítica ou sugestão fosse aceite. Ainda neste momento, percebia-se que as críticas ou sugestões eram baseadas, também, numa comparação com os ditos “jornais de referência” em Portugal, ou seja, o semanário Expresso e o diário Público. Em meio a avaliação da edição que havia sido publicada naquele dia, mediante as críticas, surgiam ideias para serem exploradas na edição seguinte. Aqui vale um parêntesis para lembrar que a sala onde se realizava a reunião de redacção do DN era relativamente pequena, composta por uma mesa oval ao centro rodeada por cadeiras. Neste dia estavam presentes, entre directores e editores, 14 pessoas (sendo que apenas duas eram mulheres). Em cima da mesa, além das edições do DN que haviam sido publicadas naquele dia, havia também as edições do diário Público e uma enorme garrafa de café, que foi consumida freneticamente durante toda a reunião. Apesar de se poder fumar dentro da sala, de vez em quando, os editores preferiam sair com a desculpa de “irem fumar um cigarro”. Mas de volta à reunião de redacção, todos discutiam acerca de todos os assuntos. O director adjunto iniciou, oficialmente, as discussões sobre os temas que deveriam ser abordados na edição do dia seguinte, expondo ideias para a rubrica de abertura do jornal, denominada DN TEMA, que se encontrava nas páginas 2 e 3 do jornal. Ficou decidido, então, que o DN TEMA desta edição seria uma investigação sobre “a evolução do consumo da família portuguesa”, e que esta matéria deveria ser feita em conjunto pelas secções “Sociedade”, “Nacional” e “Negócios”. Este foi um dos momentos da reunião em que se pôde comprovar que o trabalho do jornalista nunca é imparcial, visto que a escolha da família a ser entrevistada revelou esta parcialidade. O editor de Nacional disse que era mais fácil basear a matéria em alguma família que já se tivesse entrevistado antes, para se poder utilizar fotos de arquivo e não precisar disponibilizar um repórter para cobri-la. Este mesmo editor confirmou-me, mais tarde, que devido à carência de pessoal com que se tem de trabalhar (os tais constrangimentos que, como viu-se na revisão da literatura, muitos autores já haviam referido), é desnecessário disponibilizar os repórteres para cobrirem determinadas matérias. No entanto, como a matéria em causa deveria ser feita em conjunto com outras secções, a editora de sociedade chamou um de seus repórteres e perguntou-lhe se ele conhecia alguma “família típica portuguesa” que estivesse “a passar por dificuldades”. O 52

repórter disse que conhecia, contou a situação da família, e, assim que os editores e directores aprovaram o perfil da mesma, ele foi autorizado a contactá-la para dar início à matéria. Aqui, mais uma vez, percebemos que a matéria foi direccionada pelos superiores e que a selecção dos “personagens” foi arbitrária. Reparei que a editora de sociedade queria que fosse uma família que estivesse “a passar por dificuldades”, ou seja, este deveria ser o enquadramento da notícia. A selecção da família foi, então, primeiramente feita pelo repórter que, por ir de encontro aos interesses da direcção, fez com que esta família também fosse seleccionada pela direcção do jornal. Além de traçarem o perfil da família que queriam para esta “estória”, os directores estabeleceram que, se a família não quisesse “dar a cara”, a matéria poderia ser feita sem a identificação das “personagens”, ou seja, atribuindo-lhes nomes fictícios. Em último caso, se o repórter não conseguisse contactar a família escolhida, a alternativa seria telefonar à delegação do DN do Porto e apelar para que eles encontrassem a “família modelo”. Como salientou Molotch e Lester (1993) a “estória” que se pretendia nada mais era do que um “happening subjacente formado através de uma actividade humana intencional”. Como já havia alertado Gaye Tuchman (1976/1993), sendo o acto de contar “estórias”, um aspecto inerente ao trabalho do jornalista, dizer, portanto, que a notícia é uma “estória” só vem alertar (ou relembra) que a mesma não passa de uma “realidade construída”. Depois de determinado o “assunto” da rubrica DN TEMA, abriu-se o debate para a apresentação dos demais temas que deveriam ser tratados por cada editoria especificamente. Todos os editores que foram à reunião, foram munidos com apontamentos dos assuntos que pretendiam abordar. Tais apontamentos eram provenientes de uma selecção de faxes, releases, cartas e telefonemas, recebidos no dia anterior. Foi notório, portanto, que a elaboração de uma edição do DN não tinha início na reunião de redacção, mas sim no fim do dia anterior, quando os editores estabeleciam (seleccionavam) os temas que pretendiam discutir durante a reunião de redacção do dia seguinte. Ou seja, era neste momento que se elaborava o chamado “plano de edição”. De modo geral, os editores referiram-se aos assuntos que pretendiam dar enfoque dizendo, “a meu ver tal assunto deve ser abordado”, deixando clara a utilização do critério “selecção de notícias” na produção do DN. A reunião de redacção terminou às 11h30 mas, apesar disto, os directores, o editor executivo e os editores responsáveis pela rubrica DN TEMA, permaneceram na 53

sala, junto com o editor gráfico, para fazerem um esboço de como seria a capa do jornal. Além disso, outros aspectos do plano de edição foram discutidos. Nesta altura ainda havia 6 páginas no plano que, segundo o editor executivo, estavam “limpas”. Posteriormente discutiram-se alguns aspectos de imagem com o editor de fotografia, que também lá esteve presente, e nesta parte da reunião, a medida em que os editores iam decidindo os pormenores que haviam ficado pendentes, iam retirando-se da sala para darem início à produção das notícias. Quando tudo terminou, por volta das 12h30, ainda não haviam chegado muitos repórteres à redacção. A maioria começou a chegar por volta das 15h00 e o trabalho começou, efectivamente, só depois das 16h00. Quanto à disposição da redacção do DN, pode-se dizer que esta encontrava-se de forma a facilitar o relacionamento interpessoal entre editores e repórteres e entre as diversas secções do jornal. Não havia divisões entre as mesas, de modo que todas as pessoas viam-se, conversavam entre si e trocavam ideias. Havia uma mistura entre as secções o que, pode-se dizer, provocava o bom relacionamento que pôde ser observado entre os jornalistas. Se eu fôsse desenhar um “gráfico” da redacção do DN, diría que: A mesa do editor executivo estava localizada ao centro da sala. À sua esquerda ficava a sala de reuniões de redacção e, um pouco mais à frente, as secções de Sociedade, Artes e Multimédia. De frente para ele encontravam-se os maqueteiros (aqueles que faziam uma “maqueta” de como deveriam ser as páginas do jornal). À sua direita estava a secção de Internacional e Nacional, e um pouco mais à frente encontrava-se a secção de Negócios. Atrás localizava-se a secção País. Apesar da reunião da redacção que, como já foi dito, ter terminado por volta das 12h30, durante a tarde, mais precisamente entre as 15h00 e 16h00, foi realizada uma reunião “extraordinária” para se modificar alguns tópicos do plano de edição. Segundo o Director-Executivo da época, este não foi um procedimento comum, visto que, normalmente, havia troca de informações no decorrer do dia, e as alterações eram feitas sem a necessidade de se realizar uma nova reunião. “Os editores conversam entre si e, se há necessidade de alterar o plano, fazemos mesmo sem nos reunirmos formalmente”, afirmou este director. O fecho da edição ocorreu por volta das 23h00. A principal alteração desta edição ocorreu na capa. Esta, ao invés de centralizarse na rubrica DN TEMA (que discorreu sobre a evolução do consumo da família portuguesa), devido aos ataques terroristas que aconteceram durante todo o dia 20, em diversos pontos do mundo, acabou por centrar-se na rubrica INTERNACIONAL. 54

Portanto, a capa, que na reunião da manhã tinha ficado acordada conter a foto de uma “típica família portuguesa” e o respectivo gráfico do consumo desta família, acabou por ser alterada para uma foto da agência de notícias Associated Press (AP), a qual mostrava os estragos que um ataque terrorista havia feito, acompanhada do seguinte título: “Terrorismo ataca em várias frentes”.

2.4.2 – Público Em 2003 a redacção do jornal Público ficava no edifício Picoas Plaza, da Sonae, situado na rua Viriato, em Lisboa, e ocupava três andares do mesmo (cabe referir que esta foi uma situação de compromisso, visto que a redacção do Público esteve, em seu início, a funcionar numa sala muito ampla no Lumiar, passando depois a um espaço mais pequeno, até chegar a este terceiro local)60. No primeiro andar funcionavam as secções “Mundo”, “Media”, “Cultura”, “Economia” e “Local”. No segundo andar funcionavam a direcção, os grandes repórteres, a revista de domingo “Pública”, a secção de “Nacional”, a secção de “Sociedade” (com a subdivisão Ciência), a paginação, fotografia e os copy desk(s)61. E, finalmente, no terceiro andar, estava a secção de “Desporto” e o “Público pt”, ou seja, o Público Online. Por um lado, o facto de, nesta época, esta redacção encontrar-se dividida por três andares, penso que poderia dificultar, um pouco mais, a sua socialização. Por outro lado, como este jornal possuía um pessoal mais jovem, penso que isto poderia facilitar, um pouco mais, essa socialização; chegando a minimizar os efeitos que o primeiro aspecto poderia causar. Ao que me foi alertado, a rotina diária do Público começava, tipicamente, as 11h00, com a reunião de redacção. No dia 9 de Dezembro de 2003, dia em que estive a “participar” da rotina diária deste jornal, esta reunião começou às 12h00, com a leitura dos jornais do dia. Falou-se sobre a edição do Público do dia, fizeram-se algumas críticas a esta edição (onde concluiu-se que grande parte dos problemas da edição haviam resultado do número escasso de pessoal), mas também houve referências positivas à edição. Além disso, falou-se acerca de outros jornais, como o Diário de Notícias, o Correio da Manhã, o Expresso, o Jornal de Notícias, o El País, A Bola e O Jogo.

60 Actualmente (2016) a redacção deste jornal funciona no Edifício Diogo Cão, na Doca de Alcântara Norte, em Lisboa. 61 Revisores de texto

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Os temas que foram focados neste dia giraram em torno dos “Escândalos da Pedofilia”. Criticou-se o sensacionalismo que estava a ser feito ao redor do tema, mas reconheceu-se a dificuldade em movimentar-se em torno do mesmo. “Há uma falta de credibilidade em torno dos factos que envolvem a pedofilia em Portugal, devido à falta de reportagens investigativas sobre o caso”, referiu um dos editores. Depois disso, cada editor falou sobre os temas que sua secção pretendia abordar e o número de páginas que calculava ser necessário. Terminada a reunião, o Director Adjunto continuou com algumas pessoas na sala para discutir o tema que seria o “Destaque” da edição. Ficou decidido que este tema ficaria a cargo do responsável pela secção “Media” e que este contaria com a ajuda da secção “Sociedade” (e “Ciência”). Após esta reunião, que teve aproximadamente uma hora de duração, cada editor foi ter com os seus repórteres para dar continuidade ao trabalho que já havia começado no dia anterior, com a realização do plano de edição. E era nesta hora, que o trabalho iniciado no dia anterior poderia sofrer algumas alterações. Às 18h00 foi realizada uma reunião para decidir quais assuntos seriam as “chamadas” da capa. Nesta reunião, cada editor, já mais ciente das matérias que a sua secção iria publicar, sugeriu as “chamadas” que achava ser interessante para a capa. Mas, no fim, foi o Director Adjunto que acabou por decidir, juntamente com o Paginador (Diagramador), como seria esta capa em definitivo. O fecho da edição deu-se às 23h00, e pelo que me foi dito este normalmente era o deadline. Diferente do DN, que possuia uma paginação pré-determinada, no Público esta era decidida sempre em conjunto, entre o paginador e o editor de cada secção. Foi interessante observar como cada editor desempenhava o seu papel de gatekeeper, não como havia previsto White, mas ao utilizarerm frases como, “Eu tive uma ideia...” ou “Nós escolhemos 5 ou 6 pessoas aplicadas às diversas áreas...”, cada editor acabava por representar o seu papel de seleccionador. Outro factor observado foi o tempo. Este, mais uma vez, foi colocado em causa (como sendo um grande constrangimento). A editora de “Sociedade” criticou a hora em que a reunião terminava (13h00), dizendo que era difícil o “Destaque” estar pronto ao fim do dia, visto só ter começado a ser discutido após às 13h00. “Agora a minha repórter (de “Sociedade”) vem discutir o “Destaque”, depois ela vai almoçar e só depois é que o trabalho, efectivamente, irá começar”, salientou. No entanto, neste momento, a subeditora de cultura criticou-a dizendo: “Quem faz o “Destaque” não tem tempo para almoçar” (fazendo referência também às coacções pelas quais o repórter 56

tem que passar). O “Destaque” assemelhava-se à rubrica “DN TEMA”, do Diário de Notícias, visto que ocupava as primeiras páginas do jornal e dava destaque à um tema que “o jornal” julgava ser merecedor. A repórter designada para fazer o “Destaque” daquela edição foi, então, chamada a participar da reunião, que terminou por volta das 13h45. Nenhum editor reclamou o não cumprimento dos deveres por parte dos repórteres, mas ficou evidente que o factor tempo (escasso) tinha que conviver com o factor mão-de-obra (escassa), e que os constrangimentos de tempo, aliados aos constrangimentos de mão-de-obra, obrigavam a certos tipos de “coacções”. Outro factor colocado em causa nesta reunião foi a dificuldade que se tinha em obter-se informações das fontes. Falou-se sobre a dificuldade em conseguir contactar as pessoas, e que muitas pessoas, quando contactadas, não tinham nada a dizer. No meio desta reunião aconteceu algo muito interessante: o Director do jornal telefonou ao Director Adjunto para informar que havia acabado de acontecer um atentado em Bagdad, com um saldo de 31 mortos. Na eminência deste atentado, o “Destaque” poderia ter que mudar. Assim, o Director Adjunto telefonou à editora de “Internacional” para confirmar a informação, mas como, entretanto, o atentado havia “apenas” ferido 31 pessoas, a informação deixava de ter “peso” suficiente para tornar-se um “Destaque”. O Director Adjunto chegou mesmo a dizer: “Se até às 19h00 não morrerem os 31, não é Destaque”. E era assim que o Público construía uma notícia. Para ser notícia tinha que haver impacto, ineditismo, ou seja, valores-notícia que a justificasse como tal. Baseando-se nestes factores, o jornalista tinha que incluir, excluir e hierarquizar a informação. A sala de reuniões do Público era um pouco maior do que a do DN. Além disso, era separada do resto da redacção por uma “parede” de vidro, o que permitia uma maior integração dos editores com os repórteres, mas o que também poderia ser visto como um maior controlo dos editores sobre a redacção. Diferente do DN, ninguém fumou dentro da sala de reuniões. Aliás, pode-se dizer que dentro do Público se fumava bem menos do que dentro do DN. Também diferente do DN, na sala de reuniões, não havia café. x Será que o Público, por ser um jornal mais jovem, estava mudando velhos hábitos, há muito enraizados no jornalista (como fumar e beber café)62?

62 E aqui posso afirmar que, em 1996, os jornalistas (pelo menos os brasileiros) tinham enraizados estes hábitos, pois pude comprovar através do vídeo-reportagem que fiz para a conclusão da minha graduação, intitulado “O Stress no Jornalismo”.

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Esta pergunta, que surgiu-me no decorrer do trabalho, não consegui responder de forma científica, visto não ter contemplado no inquérito questões relacionadas com os hábitos comportamentais destes jornalistas. De qualquer modo, reparei também que havia na entrada da redacção do jornal Público uma máquina de café; o que me fez tecer a hipótese de que velhos hábitos não são tão fáceis de mudar assim. Ao todo, entre editores e subeditores, 16 pessoas participaram da reunião de redacção. Neste jornal viu-se mais mulheres à frente duma secção do que no DN. Estavam presentes as editoras das secções “Sociedade”, “Ciência”, “Nacional”, “Mundo”, “Cultura” e a editora da revista de domingo “Pública”. As secções “Local”, “Desporto”, “Economia”, “Media” e os cargos de directores encontravam-se nas mãos de pessoas do sexo masculino. Assim como no DN, também no Público, a redacção nesta altura já era toda informatizada, e havia algumas televisões espalhadas por toda a redacção.

2.5 – Comparação dos jornais Diário de Notícias e do Público através da técnica da entrevista não padronizada

Após as reuniões de redacção da manhã, dos jornais Diário de Notícias (DN) e Público, realizei uma entrevista não padronizada com os editores das secções Nacional e Internacional, a fim de saber qual seria o próximo passo, dado por estes editores, para a produção de notícias em suas secções. Segundo informou-me o editor de Nacional do DN da época, “a secção Nacional é dividida por áreas, ou seja, Governo, Presidência, Partidos, Forças Armadas e Defesa. Quando aparece um assunto de algumas destas áreas, naturalmente, o jornalista responsável toma conta dela, ou seja, a selecção do repórter, à partida, já está pré-determinada”. O jornalista já sabe, de véspera, os assuntos que deverá tratar. Há uma agenda feita na véspera e, assim, os jornalistas têm conhecimento dos assuntos da agenda e dos assuntos que, apesar de não estarem na agenda, deverão ser tratados ou continuarem a ser tratados. Normalmente, por volta das 15h00, o editor de Nacional costumava fazer uma reunião com os seus repórteres para confirmar como os assuntos estavam a ser tratados, distribuir assuntos que tivessem chegado posteriormente, e reavaliar os acontecimentos que tinham ficado a cargo de cada repórter. “Trata-se de uma “afinação” que nos possibilita tratar cada assunto da melhor maneira”, explicou o editor. 58

A secção de Nacional do Público nesta época tratava assuntos da política nacional e da justiça. Assim como no DN, no Público também esta secção era subdividida em diversas áreas. Havia quem tomasse conta de assuntos ligados às forças armadas (defesa), quem cuidasse dos assuntos governamentais (Assembleia da República, Presidência da República e partidos políticos) e havia também quem tratasse dos assuntos da justiça e julgamentos. A agenda era elaborada no dia anterior, com a previsão daquilo que poderia ser tratado no dia seguinte, ou seja, escolhiam-se os assuntos que eram considerados mais importantes. Cada repórter cuidava da agenda da sua área (tratava-se de um trabalho descentralizado, em que cada jornalista geria individualmente). Por isso, era necessário uma “troca de impressões” com a editora da secção, para que ela desse o “aval” ao jornalista, e ele prosseguisse com o seu trabalho. Por vezes, na véspera, a agenda era fraca, mas podia mudar por completo no dia seguinte. Mesmo assim, tal previsão era vista como necessária. “Às vezes, mediante o plano de edição feito na véspera, pedimos poucas páginas. Daí, se surgem mais coisas, já não é possível pedirmos mais. Por isso, muitas vezes, já pedimos páginas a mais, contando com os acontecimentos que poderão surgir. No entanto, se estes não surgem, temos que “esticar” os acontecimentos que já tínhamos”, explicou a editora de Nacional do Público. Mas no dia, antes da reunião de redacção, costumava-se ver os outros jornais (Diário de Notícias, Correio da Manhã e o Jornal de Notícias) e ouvir as rádios63, para que, na hora da reunião (às 11h00), já se tivesse conhecimento, ao certo, de quais acontecimentos iriam entrar, e de quantas páginas seriam necessárias. Daí tornava-se necessário a editora reunir-se com toda a secção novamente. Os jornalistas do Público possuíam muita autonomia e, por isso, tinham que ter muita responsabilidade. Segundo a editora, esta forma de trabalho estava dando certo. “É lógico que já aconteceu ter de se esperar uma matéria e esta não vir. No entanto, quando isto acontece, a culpa não é do jornalista. O acontecimento é que não teve valor suficiente para encher uma página do jornal. Neste caso, o jornalista tem que “inventar”, “florear”, “esticar”, “apimentar” o acontecimento”, salientou. Normalmente as “peças64” deviam ser entregues até às 21h00 para que, no máximo, às 22h30, a secção estivesse fechada. Era a editora que, de posse destas peças, as corrigia, escolhia as fotos que iriam compô-las, e paginaria as suas páginas juntamente com o paginador. “Os desks (revisores de textos) ainda existem, mas pode63 Os principais jornais televisivos eram vistos e gravados pelo departamento responsável pela elaboração da Agenda de todo o jornal. 64 Qualquer tipo de material jornalístico

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se contar cada vez menos com eles. Eles foram saindo e não foram substituídos. Até por volta das 18h00 pode-se contar com eles, mas depois deste horário somos nós mesmo que temos que corrigir os textos” disse a editora.

* A secção Nacional do DN possuia cerca de quatro ou cinco páginas. Por isso, a selecção e cobertura das notícias dependia do espaço que esta iria ter na próxima edição. Este espaço era definido na véspera, porém, no dia, se algo acontecesse que justificasse uma mudança de planos, os assuntos pré-seleccionados podiam “cair” em detrimento dos novos acontecimentos. Em 2003 a secção Nacional era composta por 8 jornalistas (entre editores e repórteres). O número de páginas da secção de Nacional do Público não era definido na véspera, mas costumava variar entre três (nos dias mais fracos) e cinco (nos dias mais fortes). Isto para além do “Destaque” que, algumas vezes, também era da responsabilidade desta secção. Em 2003, a secção de Nacional do Público contava ao todo com 9 pessoas, mas, segundo a editora da mesma, o ideal seria entre 10 e 11 pessoas.

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No DN, o texto do repórter, quando pronto, além de passar pela revisão do editor, passava também pela revisão de uma pessoa só responsável por isto (o desk, copy-desck ou copidesque). Mesmo com tanta revisão, o editor referia-se às possíveis alterações da notícia como um “diálogo” realizado entre as partes, para se decidir a melhor maneira de divulgar a notícia. Constatou-se, portanto, que a socialização e o controlo da redacção, de que falou Warren Breed em 1955, ainda estava bastante presente no DN. Apesar da editora de Nacional do Público ter confirmado que orientava os repórteres, a fim de que estes soubessem o enfoque que deveriam dar às notícias, disse também que era muito raro um repórter escrever uma matéria que não fosse de encontro à política editorial do jornal. “Se acontece ao repórter escrever algo completamente desconexo, eu tenho que dar a volta ao texto, cortar o que for necessário, enfim... Mas isto, quando acontece, normalmente ocorre com colaboradores (freelancers), aqueles repórteres que não trabalham dentro da redacção, e que, por isso, podem não estar 60

muito por dentro da linha editorial do jornal” (Ou seja, estes repórteres não estão socializados com a redacção), explicou.

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O critério mais utilizado pelo editor de Nacional do DN, para reconhecer o valor de uma notícia era o ineditismo. “Mesmo que um tema já esteja extremamente batido, se surgir um facto novo temos a obrigação de publicá-lo”, ressaltou. Além disso, observou que existiam alguns assuntos de relevância que sempre mereciam ser divulgados. Para a secção de Nacional do Público, notícia era: mudanças nos partidos políticos, novas leis, divergências políticas e irregularidades no âmbito do sistema político. A secção Nacional também tratava as relações bilaterais, ou seja, as prioridades diplomáticas nacionais. Por isso, em 2003, a visita de Luís Inácio Lula da Silva (na altura Presidente do Brasil) para Portugal, e a visita de (também na altura Presidente de Portugal) Jorge Sampaio ao Brasil, foi tratada pos esta secção. No entanto, outras questões, como a imigração por exemplo, que foi colocada em debate devido à estas visitas, eram tratadas pela secção de Sociedade. “Essas divisões não são calmas... todos os dias estamos a discutir, porque há notícias que cabem em todas as secções... não têm fronteiras”, disse a editora. Apesar de se falar do Brasil, a editora de Nacional do Público achava que ainda falava-se muito pouco sobre esse país. “De qualquer forma, tenho consciência de que falamos mais do Brasil do que o Brasil fala de Portugal”, salientou. “O Brasil tem um problema colonial com Portugal mal resolvido e, além disso, a dimensão política do Brasil é maior do que a dimensão de Portugal”, continuou. Segundo ela, a cultura brasileira também tinha um impacto enorme em Portugal.

* Quanto às fontes de informação, o editor de Nacional do DN disse que esta secção não recebia muitas notícias provenientes de fontes oficiais. “Podem vir informações oficiais mas, por regra, tratamo-las de forma a dar mais enquadramento a questão. Ou seja, pegamos na informação e procuramos ver se ela é polémica, se tem contestações, e, a partir daí, tentamos explicá-la de forma mais detalhada. Temos a necessidade de desmontar o oficial”. Apesar da necessidade em “desmontar” os acontecimentos, o editor afirmou que havia um défice de investigação. Para ele, o DN era um jornal diário, que, como outros diários, vivia em constante “luta” contra o tempo. 61

No entanto, o que agravava a pouca investigação dada às notícias era, além da escassez do tempo, a escassez de mão-de-obra. As fontes de informação, segundo a editora de Nacional do Público, eram, por exemplo, os partidos políticos, mas não fontes oficiais que “raras vezes dizem alguma coisa de interesse”. “Pelo que eu conheço da política, e já trabalho há alguns anos na política, uma pessoa só se pode aproximar da verdade, utilizando as fontes oficiosas”, continuou. Para ela, a utilização somente das fontes oficiais não era um trabalho de verdade, mas sim um trabalho institucional. As “fontes oficiais” são aquelas mantidas pelo Estado, por empresas e organizações como sindicatos ou associações. Já, as “fontes oficiosas” ou não oficiais, são aquelas relacionadas de forma directa com uma instituição ou personalidade, mas sem poder formal de representação. Como salientou Rogério Santos (2002:621), “Devido a constrangimentos em tempo, espaço e recursos, os jornalistas ligam-se a um número reduzido de fontes oficiais, especialistas ou cientistas, que os alimentam com informação”. Ao disporem de recursos mais vastos, as fontes oficiais conseguem garantir, com mais facilidade, a colocação dos seus acontecimentos nas páginas dos jornais. Por outro lado, as fontes não oficiais (oficiosas) têm que “lutar” pela divulgação dos seus acontecimentos.

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Após entrevistar os editores de Nacional, entrevistei os editores de Internacional de ambos os jornais. No DN, consegui também entrevistar o editor adjunto desta secção. A divisão das secções do DN permitia que, por exemplo, incidentes, catástrofes e doenças internacionais fossem notícias tratadas pela secção de Sociedade e não pela secção de Internacional. Por isso, o director adjunto de Internacional considerava que esta secção deveria ser repensada. “Hoje (2003), talvez fizesse mais sentido trabalhar outras questões, que não só as de política internacional, nesta secção”, observou. Mas apesar da opção do DN ser outra naquela época, o editor adjunto enfatizou que se sentia muito à vontade em trabalhar no jornal, tanto que já o fazia há 11 anos. A secção que tratava os assuntos internacionais no Público chamava-se “Mundo”. Esta secção tratava, essencialmente, de assuntos sobre política internacional. Por isso, muitas vezes, acabava por ser o “Destaque” da edição. “É fácil um atentado virar “Destaque”, assim como também é fácil não haver nada de muito forte nas outras 62

secções e, por isso, a secção de Internacional ter que “arranjar” qualquer coisa para “tapar esses buracos”, enfatizou a editora responsável. O Brasil era notícia na secção “Mundo” quando se tratava de questões políticas, como a visita do Presidente (na altura) Luís Inácio Lula da Silva, bem como escândalos relacionados à este país. Tudo que fossem questões de criminalidades (favelas, pobreza) eram tratadas pela secção de “Sociedade” e, por vezes, pela secção de “Economia”. Segundo a editora de Internacional do Público, “nós, enquanto jornal, deveríamos dar muito mais importância ao Brasil do que a que damos”. Entretanto, nesta altura, assumia que o jornal dava muito mais importância aos acontecimentos que aconteciam na Europa e nos países africanos, nomeadamente nos de língua oficial portuguesa.

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O editor de Internacional do DN disse que as notícias da secção de Internacional naquela época eram provenientes de informações adquiridas nas agências de notícias, sites especializados, matérias televisivas, especialistas e articulistas da área, e junto aos correspondentes internacionais. As agências utilizadas pelo DN eram a France Presse e a Lusa (que, por sua vez, trabalhava com a Reuters). “Hoje (2003), com o mundo da Internet, nós vamos a todos os sites possíveis, em busca de informação”, ressaltou. “Além disso, utilizamos os nossos correspondentes”, continuou. Nesta altura o DN possuía correspondentes no Brasil, Estados Unidos, América Central (de forma geral), França, Espanha, Itália, Inglaterra, Bélgica, China e países lusófonos da África. Quanto aos correspondentes do DN, o editor adjunto de Internacional reclamou que, “infelizmente não temos, de momento, uma grande rede de correspondentes, o que dificulta o nosso trabalho. Além disso, o DN tem, como herança, mantido o serviço de assinatura só com agências de notícias francesas”. O grande inspirador do DN foi o Le Petit Journal, um dos primeiros jornais franceses a ultrapassar o milhão de exemplares. Como, na época em que o DN surgiu, os circuitos de comunicação falavam, sobretudo, francês, o editor adjunto de Internacional afirmou que o DN ainda mantinha uma forte ligação com as suas raízes. Em 1921, uma edição semanal do DN foi editada em língua francesa, em Paris, e em 1925 também em Paris, surgiu a primeira delegação do jornal. Fora os correspondentes, agências de notícias e sites na Internet, o editor adjunto lembrou ainda que iniciativas (conferências de imprensa que ocorriam em Portugal, 63

entrevistas, informações institucionais – provenientes das embaixadas e consulados em Portugal) também enquadravam-se dentro da secção de Internacional. Quando questionado sobre como o tempo influenciava o seu trabalho, apenas respondeu: “Temos a noção de que o tempo nunca nos é suficiente”. Segundo a editora de Internacional do jornal Público, em 2003 este tinha poucos correspondentes espalhados pelo mundo, devido ao constrangimento de que se já havia falado, ou seja, da escassez de mão-de-obra: “Temos correspondentes em Madrid, em Paris, em Nova Iorque, não temos em Londres mas devíamos ter, temos na Alemanha e em Bruxelas. Depois temos algumas pessoas que trabalham como colaboradores, ou seja, não pertencem ao quadro de pessoal como, por exemplo, no Brasil, no Cairo (temos uma pessoa que faz muitas viagens pelo Médio Oriente), em Israel temos dois bons colaboradores (um voltado mais para o lado da Palestina e outro voltado mais para o lado de Israel). Mas o grande investimento de pessoal que o Público fez foi contratar pessoas habilitadas a escreverem textos com alguma análise, sem terem a necessidade de estarem no lugar de origem dos acontecimentos. As televisões e as rádios, actualmente, debitam as informações. Nós, aqui, pegamos nestas informações e procuramos dar um olhar mais analítico sobre elas”.

*

Quanto à rotina, a da secção Internacional do DN era a seguinte: todas as manhãs, de acordo com as notícias do dia, o editor de Internacional procurava falar com seus correspondentes por telefone ou via correio electrónico (e-mail). “Agora, por exemplo, estamos com um correspondente no Iraque”, salientou. “Portanto, há dias que damos as informações baseadas nos nossos correspondentes e há outros em que utilizamos mais as agências de notícias”. A rotina da secção “Mundo” do Público, assim como das outras secções, começava já no dia anterior, quando se fazia o plano de edição. No entanto, de manhã, antes da reunião de redacção do dia, a editora de Internacional comunicava-se (por telefone ou e-mail) com os seus correspondentes, e só após a reunião de redacção é que “ajustava” o plano de edição e ia saber, ao certo, quais as notícias que deveriam ser publicadas, e qual o espaço que seria necessário. Após a reunião, a editora traçava um plano, do que cada repórter teria de fazer. Neste momento era pressuposto que os repórteres, que haviam chegado de manhã, já tivessem lido os jornais internacionais e 64

feito uma “ronda” pelos diversos “sites” da Internet. “Devido à Internet, está cada vez mais fácil entrar em contacto com analistas de nome do mundo inteiro. Isso é uma mais-valia para a secção de Internacional, visto que o repórter pode, da sua secretária, realizar um bom trabalho de investigação”. A secção “Mundo” trabalhava com 11 pessoas dentro da redacção (fora os correspondentes/colaboradores). Quando as notícias estivessem prontas, elas eram encaminhadas à editora, que era responsável por paginar e escolher as fotos que iriam compô-las.

2.6 – Comparação dos jornais Diário de Notícias e Público através da técnica do inquérito por questionário

O objectivo do inquérito por questionário foi fornecer dados mais precisos sobre o perfil ocupacional dos directores, editores e de suas instituições que, somente através das técnicas da observação ou da entrevista não padronizada, poderiam deixar algumas dúvidas. Onze inquéritos foram respondidos entre directores e editores do jornal Público e oito inquéritos foram respondidos entre directores e editores do jornal Diário de Notícias. x O Perfil dos Respondentes: Os dados quantitativos dos questionários mostraram que metade dos participantes da reunião de redacção do Diário de Notícias (DN) tinha entre 40 e 49 anos e que, no caso do jornal Público, quase a metade dos inquiridos tinha entre 35 e 39 anos. Verificou-se, portanto, que a direcção de redacção (directores e editores) do Público era, de facto, um pouco mais jovem do que a do DN, mas que as diferenças de idade entre os que ocupavam os cargos de directores e editores em ambos jornais não apresentavam diferenças de idade significativas. Em ambos os jornais a nacionalidade dos respondentes foi 100% portuguesa. Quanto ao género, observou-se que, enquanto no DN estiveram presentes à reunião de redacção apenas duas mulheres, no Público verificou-se seis mulheres à frente das edicções. Porém, em ambos jornais, os cargos de direcção pertenciam ao género masculino. 65

Em uma questão aberta que perguntava há quanto tempo os participantes trabalhavam no jornal, constatou-se que, dos oito respondentes do DN, apenas um estava no jornal há menos de dez anos. O restante dos entrevistados oscilava entre os 11 e os 29 anos de jornal. Tratava-se, portanto, de uma redacção em que, pelo menos no que dizia respeito a estes cargos, não apresentava grande rotatividade. Já dos 11 respondentes do Público apenas dois trabalhavam no jornal há menos de 10 anos. O restante dos participantes oscilava entre os 10 e os 14 anos de jornal. Considerando 10 anos um tempo significativo para se trabalhar em um meio de comunicação, e observando que a maioria dos inquiridos em ambos os jornais trabalhavam em suas instituições há, pelo menos, 10 anos, pode-se dizer que nestes cargos, e nestes órgãos de comunicação, a rotatividade era baixa. Isto pode sugerir duas hipótes: Ou os jornalistas estavam inseridos no contexto social para o qual trabalhavam, estavam familiarizados com este contexto e, por isso, conseguiram permanecer nestes jornais por tanto tempo; ou existiam alguns factores coercivos que os faziam manterem seus trabalhos por tanto tempo (Breed, 1955; Olien e Tichenor, 1997). Como a literatura já havia indicado, evidenciou-se um controlo social da redacção, e isto pode ter acontecido devido a socialização da mesma, ou à um certo conformismo proveniente do medo de sanções, medo de perder o trabalho e outros constrangimentos inerentes à esta profissão. x O Perfil Ocupacional dos Respondentes: Tanto no Público quanto no DN a maioria dos respondentes afirmou serem licenciados. No entanto, enquanto no DN, apenas um se disse licenciado no curso de Comunicação Social; no Público apenas um disse que era licenciado em outro curso, que não o de Comunicação. Isto pode ser atribuído ao facto da licenciatura em Comunicação Social ser recente em Portugal65. Como o DN era um jornal mais antigo, onde, como viu-se, trabalhavam jornalistas pouco mais velhos, e, em contrapartida, o Público era um jornal mais jovem onde, por sua vez, trabalhavam jornalistas mais jovens, era natural que neste jornal houvesse mais licenciados em Comunicação Social do que no DN. Também em ambos os jornais, a maioria disse nunca ter trabalhado fora do País. As justificativas dadas para isto, passaram, principalmente, pelo facto de “Não ter havido oportunidade”. 65

A primeira licenciatura em Comunicação Social foi criada em Portugal no ano de 1979, na Universidade Nova de Lisboa (Mesquita, 1994:395).

66

x Funções mais importantes: Das funções já exercidas pelos inquiridos, tanto no Público, quanto no DN, todos disseram que já haviam trabalhado como repórter. Tanto os inquiridos no DN, como no Público, consideraram as funções de Repórter, seguida pela de Editor e posteriormente pela de Director as mais importantes. x Funções melhor remuneradas: Já no que se referia à remuneração, os entrevistados do DN disseram que a função de Director era uma das mais bem remuneradas, seguida pela função de Editor e posteriormente pelas funções de Director Adjunto, Editor Executivo e Chefe de Redacção. No Público, todos os respondentes disseram que a função de Director era uma das mais bem remuneradas, seguida pela função de Editor, e posteriormente Subdirector e Grande Repórter.

Os 8 inquiridos do DN e os 11 do Público tiveram que numerar, em ordem crescente de acordo com as suas preferências, as seguintes questões fechadas:

Quadro 1 - “Quais são as capacidades exigidas para o bom desempenho na carreira do jornalista da imprensa escrita?” Ordem de preferência



Criatividade Conhecimentos Técnicos

Nº de Votos DN 3 3

Criatividade Conhecimentos Técnicos

Nº de Votos Público 6 3

Reciclagem Capacidade de Inovar

1 1

Conhecimentos Teóricos _

2 _

DN

Total de inquiridos 2º

8 Criatividade Conhecimentos Teóricos Capacidade de Inovar Outras

Total de inquiridos



3 2 2 1

11 Conhecimentos Técnicos

4

Capacidade de Inovar Criatividade Conhceimentos Teóricos

3 2 2

8 Conhecimentos Teóricos Conhecimentos Técnicos Capacidade de Inovar

2 2 2

Criatividade Domínio de Novas Tecnologias

1

_

Total de inquiridos

Público

11 Conhecimentos Teóricos Capacidade de Inovar

4 3

Criatividade Conhecimentos técnicos

1 1

1

Reciclagem

1

_

Domínio das Novas Tecnologias

1

8

67

11



Domínio das Novas Tecnologias

2

Conhecimentos Técnicos Conhecimentos Teóricos

2 1

Reciclagem

1

Outras _

1 _

Total de inquiridos Capacidade de Assimilar a Política Editorial do Jornal Conhecimentos Técnicos Reciclagem Domínio das Novas Tecnologias _

Total de inquiridos



2 1 1

11 4

2

Conhecimentos Teóricos

3

1 1

Criatividade Conhecimentos Técnicos

1 1

1

Reciclagem

1

_

Capacidade de Inovar

1

3 2 1

_ _

_ _

11 Reciclagem Capacidade de Assimilar a Política Editorial do Jornal Domínio das Novas Tecnologias Capacidade de Inovar Conhecimentos Técnicos

6**

4 2 2 2 1

11 Capacidade de Assimilar a Política Editorial do Jornal

7

Reciclagem

3

Capacidade de Assimilar a Política Editorial do Jornal

2

Reciclagem

3

1

Domínio das Novas Tecnologias

1

Criatividade

Total de inquiridos

2 2

2

Capacidade de Inovar

Total de inquiridos

3

Domínio das Novas Tecnologias

7* Domínio das Novas Tecnologias Capacidade de Assimilar a Política Editorial do Jornal



Capacidade de Inovar Reciclagem Capacidade de Assimilar a Política Editorial do Jornal Criatividade Conhecimentos Técnicos

7* Conhecimentos Teóricos



Domínio das Novas Tecnologias

6**

11

*Apenas 7 inquiridos do DN avaliaram um item que ocuparam a 4ª e 5ª posição da tabela ** Apenas inquiridos do DN avaliaram um item que ocuparam a 6ª e a 7ª posição da tabela

Os itens a serem considerados nesta questão eram: Criatividade, Conhecimentos Técnicos, Conhecimentos Teóricos, Reciclagem, Domínio de Novas Tecnologias, Capacidade de Inovar, Capacidade de Assimilar a Política Editorial do Jornal e Outras; e as respostas obtidas levaram às seguintes hipóteses: x Para os 8 respondentes do DN, as capacidades exigidas para o bom desempenho da carreira do jornalista da imprensa escrita foram a Criatividade empatada com os Conhecimentos Técnicos, tendo recebido 3 votos cada uma. Já para a maioria dos 11

68

respondentes do Público, o 1º lugar foi atribuído ao item Criatividade, com 6 votos, mas também seguido pelo item Conhecimentos Técnicos, com 3 votos.

Pode-se dizer, portanto, que a Criatividade foi considerada, pela amostra de ambos jornais, uma das principais capacidades que um jornalista da imprensa escrita deve possuir, seguida pelos seus Conhecimentos Técnicos. x Foi curioso observar que, como segundo item mais votado, os Conhecimento Técnicos NÃO foram seleccionados por nenhum respondente do DN. Em contrapartida, este foi o item mais votado pelos respondentes do Público (4 votos), para ocupar a segunda posição nesta questão.

Neste caso, uma hipótese que se poderia ser levantada era a de que isto poderia ter acontecido porque o Público era um jornal mais novo, com jornalistas mais jovens, sendo a maioria licenciada em comunicação (e isto poderia ter feito com que estes jornalistas atribuíssem uma maior importância aos conhecimentos técnicos, dos que os não licenciados em Comunicação, como era o caso da maioria dos jornalistas do DN). No entanto, convém lembrar que os Conhecimentos Técnicos já haviam empatado com a Criatividade, pelos inquiridos do DN, como os primeiros itens a serem considerados para o bom desempenho da carreira do jornalista da imprensa escrita. x Ao escolherem o item que iria obter o número 3 nesta escala de importância, observou-se que os respondentes do DN divergiram mais sobre suas respostas (Conhecimentos Teóricos/ Conhecimentos Técnicos/ Capacidade de Inovar, com 2 votos cada), do que os inquiridos do Público, onde 4 apontaram os Conhecimentos Teóricos e 3 disseram a Capacidade de Inovar. x Também foi interessante observar que só foi dado algum peso ao item Domínio das Novas Tecnologias a partir da quarta posição. Isto pode denotar uma preocupação relativamente pequena com este factor, apesar de se poder afirmar que tal preocupação existia em ambos os jornais.

Ainda ao olhar para o Quadro acima, observa-se que os inquiridos do Público deram maior importância ao item Reciclagem, uma vez que referiram estes itens mais vezes. Uma hipótese que daqui se pode tirar é que isto também pode ter acontecido devido ao 69

facto destes jornalistas serem mais jovens e, portanto, terem uma maior pré-disposição para as mudanças e para novas aprendizagens.

Quadro 2 - “A recompensa nesta profissão está na…” Ordem de preferência



Nº de Nº de Votos Público Votos DN Público Funções que exerce 3 Conhec. Adquiridos 7 DN

Conhec. Adquiridos Autonomia de decisões Estabilidade Outras

1 1 1 2

8

Total de inquiridos



Conhec. Adquiridos

4

Remuneração Autonomia de decisões Estabilidade Funções que exerce

1 1 1 1

Estabilidade Conhec. Adquiridos Funções que exerce _

8

2 1 1 _

10*

3

Remuneração

3

Remuneração Conhec. Adquiridos _ _

2 2 _ _

Funções que exerce

3

Autonomia de decisões Estabilidade Outras

2 1 1

Remuneração

7** 3

Remuneração

10* 4

Estabilidade Autonomia de decisões _ _

2 1 _ _

Funções que exerce Autonomia de decisões Estabilidade Conhec. Adquiridos

2 1 1 1

Funções que exerce

6*** 3

Estabilidade

9**** 4

Remuneração Conhec. Adquiridos Outras _

1 1 1 _

Funções que exerce Remuneração Conhec. Adquiridos Autonomia de decisões

2 1 1 1

Total de inquiridos



6

Autonomia de decisões

Total de inquiridos



2 1 1 _

11 Autonomia de decisões

Total de inquiridos



Funções que exerce Remuneração Outras _

6***

Total de inquiridos

9****

*Apenas 10 inquiridos do Público escolheram um item para ocuparem o segundo e o terceiro lugar da tabela. **Apenas 7 inquiridos do DN escolheram um item para ocupar o terceiro lugar da tabela ***Apenas 6 inquiridos do DN escolheram um item para ocuparem os quarto e quinto lugares da tabela ****Apenas 9 inquiridos do Público escolheram um item para ocuparem os quarto e quinto lugares da tabela

Aqui os itens que deveriam ser considerados eram: Remuneração, Conhecimentos Adquiridos, Autonomia de decisões, Estabilidade, Funções que exerce e Outras. 70

x As “Funções que exercem” foi o item que recebeu mais votos (3) dos inquiridos do DN. Ou seja, estes jornalistas consideraram que as funções que exerciam eram a maior recompensa que tinham. No entanto, para os outros 5 inquiridos deste jornal que responderam à esta questão, as respostas foram bastante diversificadas. Já para a maioria dos respondentes do Público (7) não restou dúvidas que estes consideraram que a recompensa principal nesta profissão estava nos “Conhecimentos Adquiridos”. x Os “Conhecimentos Adquiridos” também apareceram como o segundo item mais votado (4), no ranking de classificação dos respondentes do DN. Já nesta posição, a maioria dos respondentes do Público (6) seleccionou a “Autonomia de decisões”.

Esta resposta dos inquiridos do Público levou-me ao seguinte questionamento: Será que os jornalistas do Público têm, de facto, autonomia para tomarem suas decisões, ou eles apenas pensam que a tem? Segundo o que pude observar dentro da redacção deste jornal, os editores realmente acreditam que possuem autonomia para trabalhar. Porém, um caso recente (2004), que passou-se com a editora de Nacional deste jornal na altura, levou-me a acreditar que tal autonomia não existe66. Ao relembrar, uma vez mais, a socialização da redacção enunciada por Breed em 1955, acredito que, devido à esta socialização, muitos jornalistas chegam a pensar que possuem uma Autonomia de decisões que, na realidade, não a possuem. Eles têm, sim, interiorizados, os valores do jornal, e por isso assumem esses valores como se fossem seus. Os jornalistas não percebem que costumam fazer o que a organização/ instituição quer. Eles acreditam que são autónomos quando, na realidade, já assimilaram por “osmose” o que o jornal pretende. Só quando estes jornalistas tentam fazer algo que vai contra a linha editorial do jornal é que eles percebem que, de facto, não possuíam a autonomia que imaginavam ter.

66

Segundo uma reportagem publicada no DN on-line (acedido em 04/06/04), o Conselho de Redacção (CR) e os jornalistas da secção de Nacional do Público contestaram uma decisão do director adjunto, Nuno Pacheco, que retirou, duma edição do jornal, uma notícia do jornalista João Ramos de Almeida. Este acto foi considerado pelo CR “inaceitável” e que “prefigura um acto de censura”. Na sequência dessa situação, a editora de Nacional na altura, Ana Sá Lopes, apresentou sua demissão.

71

x A “Autonomia de decisões” ocupou o terceiro lugar (com 3 votos) na tabela das recompensas avaliadas pela amostra do DN. Nesta posição, a maioria dos respondentes do Público dividiu-se entre os itens “Remuneração” e “Funções que exercem” (também com 3 votos cada). x O item “Remuneração” foi escolhido por metade dos jornalistas do DN (3) que responderam à esta questão, como a recompensa que deveria ocupar o quarto lugar da tabela. Também no Público, e nesta posição, este foi o item que obteve mais votos (4), apesar de ter havido uma grande divergência de respostas. De qualquer modo, pode-se dizer que ambos os jornais atribuíram relativa importância ao item “Remuneração”, podendo este factor se tornar um factor coercivo no decorrer do exercício profissional. x Por fim, na última posição da tabela, o item “Funções que exercem” voltou a ser classificado por metade (3) dos inquiridos do DN que o avaliaram. Mas ao ocupar esta posição da tabela, significou que este item foi considerado por estes, o que menos recompensa os trazia. Já no jornal Público, a “Estabilidade” foi o item que obteve mais votos (4) nesta quinta posição da tabela, apesar das restantes 5 respostas dividirem-se entre as mais variadas recompensas.

Entretanto, a leitura que faço destes dados (e também com base nas outras metodologias utilizadas durante esta pesquisa), é que, em busca da “Estabilidade”, o jornalista vê-se, muitas vezes, “forçado” a fazer o que não quer, e, neste sentido, a “Estabilidade” também poder ser considerada uma recompensa ou um factor de coerção profissional, apesar de esta amostra não lhe ter atribuído grande importância. Quadro 3 - Quais motivos levam o jornalista a mudar de órgão de comunicação? Ordem de preferência

DN Ascenção Profissional Melhor Remuneração



Nº de Votos DN 3 3

Aperfeiçoamento obtido através de outros cursos

1

_

_

_ Outras

_ 1

72

Público Ascenção Profissional Cargo mais atraente Melhor Remuneração Aperfeiçoamento obtido através de outros cursos Maior Autonomia Outras

Nº de Votos Público 3 3 2

1 1 1

Total de inquiridos



8 Cargo mais atraente Melhor Remuneração Ascenção Profissional Estabilidade _

Total de inquiridos

4 2

Autonomia de decisões

1

Estabilidade

_

_

Ascenção Profissional Maior Autonomia

8 Autonomia de decisões

4

Estabilidade Cargo mais atraente

2 1

_

_

_

_

3 2 2 1

4 3 1 1 1 1

11 Ascenção Profissional Maior Autonomia Estabilidade Melhor Remuneração Cargo mais atraente

7*

4 3 2 1 1

11

2

Estabilidade

4

Estabilidade

2

Aperfeiçoamento obtido através de outros cursos

3

Autonomia de decisões

2

Cargo mais atraente

1

_

_

_ _

_ _

Total de inquiridos

Ascenção Profissional Maior Autonomia Outras

6**

1 1 1

11

Aperfeiçoamento obtido através de outros cursos

5

Aperfeiçoamento obtido através de outros cursos

4

Melhor Remuneração

1

Maior Autonomia

3

_

_

_

_

Melhor Remuneração Estabilidade

_ Total de

3

11 Melhor Remuneração Cargo mais atraente

1

Ascenção Profissional



1 _

Ascenção Profissional

Total de inquiridos



2

Ascenção Profissional Estabilidade Maior Autonomia

Aperfeiçoamento obtido através de outros cursos

Total de inquiridos



2

Cargo mais atraente Melhor Remuneração

8 Cargo mais atraente Melhor Remuneração



3

11

6**

73

1 1

_ 9***

inquiridos * Apenas 7 inquiridos do DN escolheram um item para ocupar a quarta colocação. ** Apenas 6 inquiridos do DN seleccionaram um item para ocuparem a quinta e sexta posição. *** Apenas 9 inquiridos do Público escolheram um item para ocupar o sexto lugar.

Nesta questão, tanto os jornalistas do DN quanto os do Público tiveram de numerar, por ordem de preferência, os itens: Melhor remuneração, Aperfeiçoamento obtido através de outros cursos, Cargo mais atraente, Ascensão Profissional, Estabilidade, Maior Autonomia e Outras. x

A “Ascensão Profissional” foi considerada por 3 inquiridos do DN e 3

do Público como um dos primeiros motivos que os fariam mudar de Instituição. No entanto, também 3 respondentes do DN atribuíram como um dos principais motivos ter uma “Melhor remuneração”, enquanto 3 do Público disseram que seria ter um “Cargo mais atraente”. Deste modo, verificou-se que as possibilidades de ascender profissionalmente, de se ter uma melhor remuneração ou um cargo mais atraente, também funcionavam como factores coercivos na hora dos jornalistas escolherem as organizações para as quais iriam trabalhar. x

Em segudo lugar na ordem dos motivos que levariam estes jornalistas a

mudarem de órgão de comunicação, os votos dos inquiridos do DN e do Público foram muito semelhantes. Enquanto no DN o item “Cargo mais atraente” teve 3 votos, seguido por “Melhor Remuneração”, com 2 votos; no Público o item “Cargo mais Atraente” e “Melhor Remuneração” obtiveram 3 votos cada um. x

Metade dos inquiridos do DN (4) também disseram que um “Cargo mais

atraente” seria o terceiro motivo que os levaria a mudar de órgão de comunicação, seguido pelo item, “Melhor Remuneração” (2). Nesta posição viu-se uma inversão nas respostas dos inquiridos do Público, sendo que a maior parte (4) votou no item “Melhor Remuneração”, seguido pelo item “Cargo mais atraente” (3). Apesar da diferença nas respostas de ambos os jornais não serem significativas, a hipótese que aqui se poderia levantar é que, enquanto os jornalistas do DN “correriam atrás de um cargo mais atraente”, os do Público “correriam atrás de uma proposta de trabalho mais aliciante financeiramente”. Talvez o facto dos inquiridos do DN, naquela altura, serem mais velhos do que os do Público, tivesse feito com que os primeiros 74

estvessem mais socializados em sua organização, e já possuíssem uma estabilidade profissional e financeira, que não era tão evidente nos jornalistas do Público. x Coerente com os itens classificados anteriormente esteve a atribuição da quarta posição da tabela ao item “Autonomia de decisões” (por metade jornalitas do DN), enquanto para grande parte dos jornalistas do Público (4), mais importante que uma “Maior Automia” estava a “Ascensão Profissional” (Apesar de uma “Maior Automia” ter aparecido logo a seguir a “Ascenção Profissional”, com 3 votos). x A quinta posição da tabela continuou a ser coerente com as respostas dadas até então e, por fim, a maior parte dos inquiridos de ambos os jornais escolheu como o último item (ou seja, o menos importante) o “Aperfeiçoamento obtido através de outros cursos”. Quadro 4 - Quais factores influenciam a imagem do jornalista da imprensa escrita? Ordem de preferência



DN

Nº de Votos DN

Público

Nº de Votos Público

Competência Profissional

4

Competência Profissional

6

Função Social da Profissão Prestígio Social _

Total de inquiridos

3 1

_ _

_ _

4

Nível de organização

2

Ética Profissional

1

Liberdade Profissional

1

_

_

Total de inquiridos

Função Social da Profissão Curso Superior na área Prestígio Social

3 2

75

1 1

5 3 1 1 1

11 Liberdade Profissional Função Social da Profissão Ética Profissional Competência Profissional Nível de organização

8 Liberdade Profissional Função Social da

3

11 Ética Profissional Competência Profissional

8 Função Social da Profissão



4

Curso Superior na Área

Total de inquiridos



2 _

8 Ética Profissional Competência Profissional



2

Função Social da Profissão Ética Profissional Prestígio Social

4 3 2 1 1

11 Liberdade Profissional Função Social da

5 ´2

Profissão 1

Ética Profissional

1

Total de inquiridos



Curso Superior na Área

2

Nível de organização

1

Liberdade Profissional

1

Prestígio Social

1

Competência Profissional

Total de inquiridos

1 1

Ética Profissional Função Social da Profissão Liberdade Profissional Nível de organização Prestígio Social Outros

4 1 1 1 1 1 1

10**

2

Nível de remuneração

2

Curso Superior na área

2

1

Prestígio Social

2

Função Social da Profissão

1

4

9****

Ética Profissional

1

Curso Superior na área

4

Nível de remuneração

1

Prestígio Social

2

1

Competência Profissional

1

1

Nível de remuneração

1

Liberdade Profissional Nível de organização Total de inquiridos

1 5***

Nível de organização Curso Superior na Área Nível de remuneração

Total de inquiridos

Nível de remuneração

5***

Prestígio Social



2

11

5*** Níve de remuneração Prestígio Social



Ética Profissional Competência Profissional Nível de organização

7*

Total de inquiridos



Profissão

Nvel de Remuneração

8*****

2

Nível de organização

3

2

Prestígio Social

2

1

Ética Profissional Curso Superior na área

1 1

5***

7*

* Apenas 7 inquiridos do DN classificaram um item para ocupar o quarto lugar e apenas 7 inquiridos do Público classificaram um item para ocupar o oitavo lugar da tabela. ** Apenas 10 inquiridos do Público classificaram um item para ocupar o quinto lugar. *** Apenas 5 inquiridos do DN classificaram um item para ocuparem o quinto, sexto, sétimo e oitavo lugares. **** Apenas 9 inquiridos do Público classificaram um item para ocupar a sexta posição. ***** Apenas 8 inquiridos do Público escolheram um item para ocupar a sétima posição.

76

Nesta questão os respondentes tiveram que avaliar os seguintes factores: Competência Profissional, Ética Profissional, Função Social da Profissão, Nível de Remuneração, Curso Superior na Área, Prestígio Social e Outro. x Quanto aos factores que influenciavam a imagem do jornalista da imprensa escrita, metade dos profissionais do DN (4) e a maioria dos do Público (6) classificaram, em primeiro lugar, o item “Competência Profissional”. x

Em seguida, metade dos respondentes do DN (4) e grande parte dos

inquiridos do Público (5) seleccionaram o factor “Ética Profissional”, sendo que nesta posição o item “Competência Profissional” veio logo a seguir com 3 votos de cada jornal. x

Em terceiro lugar, metade dos jornalistas do DN (4) escolheu o item

“Função Social da Profissão”, enquanto 4 respondentes do Público deram maior importância à “Liberdade Profissional”. No entanto, 3 inquiridos do Público também consideraram a “Função Social da Profissão” o terceiro factor a influenciar a imagem do jornalista da imprensa escrita. x

Na quarta posição, grande parte dos jornalistas do DN (3) e dos

respondentes do Público (5), também assinalaram o item “Liberdade Profissional”, sendo que nesta posição o item “Função Social da Profissão” veio logo a seguir com 2 votos de cada jornal. x Em quinto lugar, enquanto a preferência das respostas obtidas no DN recaiu sobre o factor “Curso superior na área” (apesar de nesta posição ter havido uma grande variedade de respostas), a preferência de grande parte dos profissionais do Público (4) recaiu sobre o factor “Nível de remuneração”. x Na sexta posição a preferência das respostas obtidas no DN dividiu-se entre os itens, “Nível de remuneração” (2) e “Prestígio Social” (2). Já a maioria dos votos dos profissionais do Público recaiu sobre o factor “Nível de remuneração” (4).

77

x Na sétima colocação, enquanto houve muita divergência entre os respondentes do DN, metade daqueles que responderam à este item no jornal Público seleccionou o item “Curso Superior na área” (4). x Em oitava e última colocação, os jornalistas do DN dividiram-se entre os itens “Nível de organização” (2) e “Curso Superior na área” (2). Dos inquiridos do Público, o maior número de votos também recaiu sobre o “Nível de organização” (3), apesar do “Prestígio Social” ter aparecido a seguir com 2 votos.

Ao analisar este quadro observa-se que as respostas dadas a esta questão foram, em ambos os jornais, muito semelhantes, diferenciando, sobretudo, no quinto lugar da escala de valores, onde os profissionais do DN consideraram que ter um “Curso Superior na área” influenciaria a imagem do jornalista (apesar de, nesta altura, a maioria destes profissionais não possuir curso superior na área), enquanto os profissionais do Público atribuíram maior importância ao “Nível de Remuneração”, dando a entender que este seria um factor que influenciaria a imagem e o status que eles teriam perante a sociedade.

Quadro 5 - Qual a imagem que você tem dos empresários na sua área profissional? Ordem de preferência



Liberais

Nº de Votos DN 4

Outros

2

Competentes

1

DN

Incentivam a Carreira

1

_

_

Total de inquiridos



Liberais Incentivam a iniciativa Competentes Oferecem remuneração adequada Outros

8

Nº de Votos Público 3 2 1 1 1

8**

Inovadores

2

Incentivam a iniciativa

3

Incentivam a Carreira

2

Competentes

2

Competentes Outros

1 1

Liberais Inovadores

2 1

Total de inquiridos



Público

6* Inovadores Incentivam a Carreira

3

Liberais

1

Competentes

1

2

78

8** Inovadores Incentivam a carreira Liberais Oferecem remuneração adequada

3 3 1 1

Incentivam a iniciativa Oferecem remuneração adequada

Total de inquiridos

1

_

_

1

_

_

9***



Competentes

1

Incentivam a Carreira Incentivam a iniciativa Oferecem remuneração adequada _

1 1

Liberais Inovadores

1 1

1

Competentes

1

_

_

_

Incentivam a iniciativa Oferecem remuneração adequada

Total de inquiridos



4****

Total de inquiridos

3

1 1

8**

Incentivam a carreira

2

Inovadores

3

Liberais

1

Inccentivam a carreira

2

Oferecem remuneração adequada _

1

Competentes

1

_

1

_

_

Incentivam a iniciativa Oferecem remuneração adequada

Total de inquiridos



8** Incentivam a carreira

4****

1

8**

Oferecem remuneração adequada

2

Oferecem remuneração adequada

4

Competentes Incentivam a iniciativa

1 1

Competentes Liberais

3 1

4****

8**

*Apenas 6 inquiridos do DN seleccionaram um item na segunda posição. ** Apenas 8 inquiridos do Público seleccionaram um item para ocupar todas as posições desta questão. *** Apenas 9 inquiridos do DN selecionaram um item nesta terceira posição ****Apenas 4 inquiridos do DN seleccionaram um item nas quarta, quinta e sexta posição.

Aqui os empresários dos órgãos de comunicaçao deveriam ser avaliados como: Liberais, Inovadores, Competentes, Incentivam a carreira, Incentivam a iniciativa, oferecem remuneração adequada e Outros. x

Quanto à imagem dos empresários nesta área profissional, metade dos

profissionais do DN (4) consideraram-nos, em primeiro lugar, “Liberais”, seguido por “Outros”67. Também no Público, grande parte dos jornalistas que avaliaram este item os consideraram “Liberais” (3), seguido pela opção “Incentivam a iniciativa”(2).

67 Como metodologicamente não lhes foi pedido para especificarem o que seriam estes “Outros”, só podese ter a certeza de que não se tratava de nenhum dos itens aqui especificados.

79

x Em segundo lugar, os respondentes do DN dividiram-se entre “Inovadores” (3) e que “Incentivam a carreira” (2). Já para os jornalistas do Público, os empresários nesta área “Incentivam mais a iniciativa” (3) do que a carreira, sendo a “Competência” também sido avaliada com 2 votos. x Mas em terceiro lugar, 1/3 dos respondentes de ambos os jornais consideraram tais empresários “Inovadores”. Ainda no Público, mais 1/3 disse que estes empresários “Incentivam a carreira”.

x

Aqui também foi importante observar que o item referenciado em último

lugar como ilustrativo da imagem dos empresários nesta profissão, por 50% dos profissionais que avaliaram este item em ambos os jornais, foi “Oferecem remuneração adequada”. *

Numa questão aberta que perguntava quais objectivos o jornalista da imprensa escrita deverira atender, os jornalistas do DN salientaram: “Informar com rigor” (rigor ao apurar os factos e rigor ao escrever), “objectividade”, “clareza”, “função social e ética”. Já entre os jornalistas do Público as respostas foram: “atender os interesses do público leitor”, “os mesmos objectivos dos jornalistas que trabalham para outros meios de comunicação” e, além dos objectivos salientados pelos jornalistas do DN, outros como “seriedade”, “independência”, “imparcialidade” e “criatividade”. Já em uma questão fechada que procurou saber se estes jornalistas conheciam a política editorial dos jornais para os quais trabalhavam, a maioria dos respondentes do DN afirmou conhecê-la e concordar com ela. Uma minoria, entretanto, disse que não concordava, o que também pode significar que não assimilava por “osmose” a política editorial deste jornal. Talvez estes, mesmo em desacordo, se viam “forçados” a trabalharem desta forma, como modo de manterem os seus empregos. Em contrapartida, no Público, todos os respondentes afirmaram que conheciam e concordavam com a política editorial deste jornal. A resposta dos inquiridos do Público à esta questão levantou-me o seguinte questionamento:

80

Será que, de facto, todos no jornal Público concordavam com a política editorial do jornal, ou apenas acreditavam que sim, por já a terem assimilado por “osmose”? Pelo que pude observar dentro da redacção do Público, não me pareceu que os jornalistas estivessem a trabalhar insatisfeitos, ou, apenas, por necessidade. Todos mostravam-se à vontade com a linha editorial seguida pelo jornal, concordando, de facto, com os aspectos desta. Como salientou Jorge Cláudio Ribeiro (1994), os jornalistas mais jovens, com menos experiência profissional, tendem a assimilar a linha editorial do jornal sem filtros ou resistências. Lins da Silva (apud Jorge Cláudio Ribeiro, 1994:135/136) ressaltou esta maleabilidade dizendo: “É provavelmente verdadeiro que as pessoas de faixas etárias mais baixas tenham menos dificuldade para se adaptar a situações novas, pelo simples facto de que seu repertório cultural é mais limitado e sua dependência em relações aos padrões vigentes é menor”. Mas como já foi referido anteriormente, apesar de, aparentemente, os jornalistas do Público passarem a imagem de que estavam à vontade com a política editorial adoptada pelo jornal, pôde-se ver, considerando o que aconteceu com a editora de Nacional Ana Sá Lopes, que isto nem sempre era verdade. Partindo do princípio de que as notícias publicadas são, previamente, escolhidas, quais seriam, então, os critérios que ajudariam a determinar a escolha dessas notícias? Numa questão aberta sobre isto, metade dos inquiridos do DN respondeu o item “objectividade”. Entretanto, outros factores como: “ineditismo”, “relevância da notícia”, “clareza”, “actualidade” e “o valor-notícia”, também foram mencionados. No Público, os factores salientados, por ordem de preferência, foram: “relevância da notícia”, “objectividade”, “clareza”, “ineditismo” e “interesse público”. Quanto a existência ou não de preconceito ao se efectuar a escolha da notícia, a maioria dos respondentes em ambos jornais considerou NÃO haver este tipo de preconceito. Algumas das justificativas dadas para esta resposta foram: “porque uma redacção tem que estar aberta a toda a gente”, “porque a escolha da notícia tem sempre subjacente o interesse do público/leitor”, “porque quando o assunto é importante, é-lhe dado relevo”, “porque notícia é notícia, não deve haver preconceito”. Apesar da maioria ter considerado não existir preconceito na escolha das notícias, noutra questão aberta que perguntava o que aconteceria caso o jornalista apresentasse uma notícia que fosse contra a orientação política do jornal, as respostas 81

foram mais variadas. No DN, um dos jornalistas não chegou a responder esta questão e outro disse não saber a resposta. Dois afirmaram que não lhes aconteceria nada e outro disse que, à partida, não ocorriam casos onde se apresentavam notícias que iriam contra a orientação política do jornal. Um dos respondentes, porém, referiu que, se isto acontecesse, a notícia seria “desfeita” (alegando-se desinteresse do jornal), e outro afirmou que, apesar do assunto ser sempre discutido, a última palavra sempre iria pertencer à Direcção do jornal. No Público, um dos jornalistas também não respondeu a esta questão e outro comunicou que não iria respondê-la. Assim como no DN, também no Público dois respondentes afirmaram que não lhes aconteceria nada. Um salientou que a notícia era discutida em reunião de editores e outro ainda afirmou que a redacção do jornal era flexível e aberta, de modo que se discutia muito, mas não se proíbia nada. Admitindo, também, que a orientação política existia, um dos jornalistas disse que esta regia-se “pelos princípios que devem nortear a conduta do jornalista. Se isto falhar, é natural que o assunto seja discutido pelo conselho de redacção e que seja chamado à razão pela direcção”. A maior diferença encontrada nesta questão, entre as respostas dadas pelos jornalistas do DN e do Público, foram que quatro respondentes do Público alegaram que este jornal não possuía uma orientação política. Uma vez mais, se remetermos ao caso da editora de Nacional do Público, Ana Sá Lopes, poderia-se afirmar que a resposta desses quatro jornalistas não correspondeu a realidade da época. No entanto, também se poderia dizer que a realidade é mais complexa do que parece, ou seja, que esta amostra poderia, de facto, acreditar não existir uma orientação política, visto que já podia a ter assimilado, ou que, por medo de sanções, sentia-se coagida a responder que tal orientação não existia. Também poderia alegar-se que o jornal, de um modo geral, não chegava a impor uma orientação política, e que o caso da editora Ana Sá Lopes havia sido um caso isolado. Enfim, numa questão como esta não me foi possível reduzir a resposta dos inquiridos à dicotomia verdadeiro/falso. Ainda acerca das escolhas que eram feitas pelo jornal, perguntei-lhes, numa questão fechada, se o que era divulgado pela concorrência influenciava as decisões das suas instituições: Enquanto metade dos jornalistas do DN admitiu que “QUASE SEMPRE” sofria influência da concorrência, a maioria dos respondentes do Público, referiu que apenas “ÀS VEZES” se deixava influenciar pela concorrência. Numa questão aberta que perguntava como o jornal definiria o seu público, a maior parte dos jornalistas de ambos jornais definiu o leitor típico de seu jornal como 82

sendo de “classe média”, apesar de não especificarem o que consideravam por “classe media”. Quanto às fontes de informação que estes jornais utilizavam, todos os jornalistas de ambos os jornais disseram utilizar as fontes oficiais de informação, as agências noticiosas e a Internet. Todos os inquiridos do DN também afirmaram que, para além das fontes citadas acima, utilizavam as fontes não oficiais de informação. Quanto a este tipo de fonte, não todos, mas quase todos os respondentes do Público também admitiram utilizá-la. No entanto, a percentagem das informações proveniente das fontes oficiais de informação foi um factor bastante contraditório nas respostas dadas pelos jornalistas do DN. Dos seis jornalistas do DN que responderam esta questão, somente um arriscou um valor percentual de 75%. Dois disseram que a percentagem era alta, mas não especificaram valores, outros dois disseram não saberem os valores percentuais e um referiu que a percentagem era baixa, sem também especificar um valor. Dos onze jornalistas do Público que responderam esta questão, sete afirmaram “não terem ideia” de qual percentagem de informações era proveniente das fontes oficias de informação. Um deles arriscou que deveria rondar os 15% e outro afirmou ser menos de 30%. Um respondeu que, na área em que trabalhava (secção de ciências), mais de 70% das informações vinha das fontes oficiais, e outro concluiu que tudo o que era proveniente das fontes oficiais de informação, e fosse passível de ser publicado, o seria. Quanto às agências de notícias, todos os entrevistados de ambos os jornais disseram que o jornal para o qual trabalhavam recebia informações de diversas agências noticiosas. Dentre estas os nomes mais citados foram: France Presse (AFP), Associated Press (AP), Reuters e Lusa. Indagados sobre como se dava a escolha de uma notícia divulgada por diversas agências, os editores assumiram, nitidamente, seus papéis de “gatekeepers”, dizendo que seleccionavam e avaliavam as notícias utilizando critérios como a política editorial do jornal, a relevância do assunto, o tempo disponível, o espaço que tinham, a qualidade da informação, enfim, os valores da notícia. A maioria dos respondentes de ambos os jornais afirmou que não havia um número máximo de notícias que, diariamente, cada secção podia publicar. No entanto, existiam alguns assuntos que os jornais costumavam divulgar com mais frequência e intensidade do que outros. Mais da metade dos jornalistas do DN concordou que o jornal centralizava-se sobre assuntos políticos. Já no Público, menos de 1/4 dos respondentes concordou com isto. Para cerca de 1/3 dos inquiridos do Público, este era um jornal “generalista” que tratava todos os assuntos de igual forma, não centralizandose sobre nenhum assunto em particular. 83

Como decidir, então, qual a melhor forma de se “cobrir” um acontecimento? Para os jornalistas inquiridos do DN, isto dependia de uma avaliação subjectiva do editor e dos meios que se tivessem disponíveis. Já os jornalistas inquiridos do Público acreditavam existir uma maior autonomia nesta tomada de decisão. O jornal Público estava dividido nas secções: “Nacional”, “Mundo”, “Economia”, “Sociedade”, “Cultura”, “Media”, “Local” e “Desporto”. O DN estava dividido nas secções: “Nacional”, “Internacional”, “Negócios”, “Sociedade”, “Artes”, “Multimédia”, “País” e “Desporto”. Questionados sobre o número de páginas que possuia cada secção, os inquiridos de ambos os jornais afirmaram que isto era variável, não possuindo um número fixo de páginas por secção. Entre as diversas formas de relato que um jornal poderia utilizar, todos os respondentes de ambos os jornais disseram que a notícia, a reportagem e a entrevista eram as formas mais utilizadas. As demais (crónica, editorial, carta, artigo, comentário, caricatura, coluna, resenha e nota) tiveram opiniões divergentes quanto a sua utilização. Tanto no DN quanto no Público existia uma secção responsável exclusivamente pela elaboração da agenda e durante as reuniões de redacção acrescentavam-se novos assuntos à esta agenda já pré-composta. Um dos jornalistas do DN disse que a agenda era composta de forma “mais genericamente oficiosa”, ou seja, sem carácter oficial. Um dos jornalistas do Público afirmou que a agenda era produzida com base nas informações disponibilizadas pelas fontes de informação, mas não especificou quais eram essas fontes. Segundo os respondentes de ambos os jornais, os factores que afectavam o estabelecimento da agenda eram os mesmos que ajudavam a determinar a escolha das notícias, ou seja, prestígio, ineditismo, proximidade, relevância, exclusividade, interesse público, actualidade, conteúdo emocional e graça (valoresnotícia). A hierarquização dos temas escolhidos era determinada, em regra, tanto num jornal como no outro pelos editores. Partindo do pressuposto de que o tempo influencia o trabalho dos jornalistas, como se daria, então, esta influência? Todos os jornalistas inquiridos do Público afirmaram que o tempo era um factor determinante nos seus trabalhos, condicionando-os e influenciando-os bastante. Metade dos respondentes do DN também concordou com isto. ¼ dos inquiridos deste jornal chegou mesmo a afirmar que a falta de tempo impedia que alguns temas fossem melhores trabalhados. Apenas uma minoria dos respondentes deste jornal considerou pouca a influência do tempo na produção jornalística. 84

Quanto ao aparecimento do Brasil na agenda dos jornais portugueses, um estudo realizado por Jorge Pedro Sousa disponível desde 2001, com dados referentes a 1999, concluiu que: “… a imprensa portuguesa, embora, em números absolutos, providencie pouca informação sobre o Brasil, em termos relativos

difunde

uma

quantidade

de

informação

significativa, demonstrando, portanto, que existe algum interesse em Portugal por aquilo que o Brasil é, pelo que por lá se passa e pelas relações que os dois povos, unidos por uma língua e antecedentes históricos comuns, podem estabelecer.” (Sousa, 2004) No meu estudo, cerca de 1/3 dos jornalistas inquiridos do Público disseram que este jornal tratava as notícias sobre o Brasil da mesma forma que tratava as notícias provenientes de outros países, mas cerca de ¼ considerava que as notícias sobre o Brasil poderiam ser tratadas de melhor forma. Já os respondentes do DN, cerca de 1/3, considerava que o jornal dava um certo relevo às notícias brasileiras e ¼ achava que estas eram tratadas como mereciam. Neste jornal, uma minoria afirmou não haver diferença entre o tratamento que era dado às notícias brasileiras e o que era dado às notícias provenientes de outros países. No que se refere as informações com menção ao Brasil, Jorge Pedro de Sousa ainda observou que estas eram tendencialmente positivas para a imagem deste País e para o desenvolvimento profícuo das relações luso-brasileiras. “A grande imagem do Brasil projectada pela imprensa de grande circulação é de que o Brasil é um País de música, de televisão e de futebol”, afirmou. A editora de Nacional do Público entrevistada pelo meu estudo, também chegou a concordar com a afirmação acima, alegando que se falava muito sobre os compositores de música popular brasileira na imprensa portuguesa. Outra ideia projectada pela imprensa de Portugal, ainda segundo o estudo de Jorge Pedro de Sousa, era a de que o Brasil era um País de oportunidades económicas, cuja economia era extremamente importante, quer no contexto mundial, quer no que respeitava às estratégias de internacionalização das empresas portuguesas. O que também poderia justificar a presença do Brasil nos jornais portugueses era o facto de, após os descobrimentos e a subsequente história da emigração portuguesa, que abrangeu as explorações marítimas, a conquista de novas terras, e a separação de 85

parentes espalhados pelo mundo, continuar, até hoje, a fazer parte do imaginário colectivo do povo português (Bianco, 1993). Assim, Portugal procurou manter viva a história do descobrimento do Brasil, enquanto o Brasil, como veremos no capítulo seguinte, preferia esquecer que um dia foi colónia portuguesa. No entanto, o estudo de Jorge Pedro de Sousa naquela época concluiu que o interesse da grande imprensa portuguesa pela política brasileira, e mesmo pelas relações políticas entre os dois países, parecia ser quase residual. Falava-se pouco sobre as actividades académicas do Brasil, os "restantes" produtos culturais em língua portuguesa, as jóias turísticas que o Brasil tinha para oferecer e as várias facetas da imigração brasileira em Portugal, apesar de se estimar que (já naquela época) viviam mais de cem mil68 brasileiros neste País69.

Capítulo 3 - O lado invisível dos jornais brasileiros O Estado de São Paulo e Folha de São Paulo

3.1 – Uma breve sobre o surgimento do jornal O Estado de São Paulo O jornal O Estado de São Paulo é o mais antigo jornal brasileiro. Começou a circular na capital paulista, sob o título de A Província de São Paulo, no dia 4 de Janeiro de 1875. Essa denominação foi alterada em 1889, depois da proclamação da república no Brasil, causa defendida pelo jornal em suas páginas. Constituído inicialmente como associação comanditária, este periódico tornou-se propriedade da família Mesquita em 1902, quando Júlio Mesquita assumiu o seu comando, passando-o, posteriormente, às gerações sucessivas. Seu director em 2003 era Ruy Mesquita, já pertencente à terceira geração, embora os comandos da redacção estivessem nas mãos de membros dos bisnetos do fundador. Tratava-se da principal unidade de um conglomerado mediático, do qual faziam parte o vespertino Jornal da Tarde70, a agência de notícias Agência Estado, a Rádio Eldorado71, um parque gráfico e a editora Listas Telefónicas.

68

dados retirados do site: http://clipping.planejamento.gov.br/Noticias.asp?NOTCod=118408 , acedido em 24 de Agosto de 2004. 69 Hoje sabe-se que após o Brasil ter vivido um período de prosperidade económica, sobretudo a partir de 2008, muitos estudos foram e ainda têm sido realizados sobre isso. 70 Que saiu de circulação em 31 de Outubro de 2012. In http://acervo.estadao.com.br/historia-dogrupo/decada_2010.shtm

86

Segundo dados do site de O Estado de São Paulo (acedido em 2004), uma pesquisa realizada nos Estados Unidos da América (EUA), e publicada pela Universidade de Colúmbia, em Nova Iorque, apontou o jornal como um dos vinte melhores jornais do mundo, ao lado de publicações como o The New York Times, The Washington Post, Le Monde e Corriere della Sera. O professor brasileiro, José Marques de Melo disse, durante o I Congresso Luso-Brasileiro de Estudos Jornalísticos, realizado em 2003, em Portugal, que também considerava O Estado de São Paulo um jornal de referência no Brasil. Esta afirmação foi baseada em indicadores concernentes ao jornalismo de referência no Brasil, que estão registados em duas fontes de pesquisas internacionais: o manual didáctico A Handobook of the Foreing Press (Baton Rouge, Louisiasna State University Press, 1959) e o tratado académico The Elite Press: Great Newspapers of the World (New York, Pittman, 1968). Estas pesquisas destacaram quatro elementos diferenciadores em O Estado de São Paulo: a filosofia modernizante da empresa, o elevado padrão educacional dos seus jornalistas, a densidade do seu conteúdo editorial e o comportamento altruísta dos proprietários. Outro pesquisador que também veio confirmar a liderança de O Estado de São Paulo foi Jorge Fernández (apud Melo, 2004), do Centro Internacional de Estúdios Superiores de Periodismo para a América Latina, em seu estudo Dos Semanas em la Prensa de América latina (Quito, 1967). Incluído na categoria dos “diários de maior magnitude continental”, este jornal brasileiro foi equiparado a três outros jornais americanos de referência: Excelsior (México), El Mercúrio (Chile) e o já referido The New York Times (EUA).

3.2 – Uma breve sobre o surgimento do jornal Folha de São Paulo Fundado em 1921, portanto, posterior ao nascimento de O Estado de São Paulo, a Folha de São Paulo é um jornal que se foi projectando nos estertores do regime militar pós 1964. Lançado inicialmente como Folha da Noite criou, em 1925, uma nova edição rotulada de Folha da Manhã. Em 1949 outra edição foi criada e denominada de Folha

71 Que, em 2007, fez um acordo com o canal por assinatura ESPN Brasil, para transmissões esportivas/ desportivas, sob o nome fantasia de “Rádio Eldorado-ESPN”, passando, em 2011, a chamar-se “Rádio Estadão ESPN”. Em 2013 o Grupo Estado rompeu a parceria com a ESPN Brasil, e, em 2015, estreiou uma nova programação, mesclando música e notícias, encerrando o seu departamento de esportes e demitindo cerca de 30 funcionários. Ainda em 2015 a “Rádio Estado” passou a operar somente em FM. In https://pt.wikipedia.org/wiki/R%C3%A1dio_Estad%C3%A3o

87

da Tarde. E, em 1960, a fusão destes três títulos fez nascer a Folha de São Paulo, um jornal cujo lema que a lançou foi, “um jornal ao serviço do Brasil”72. A sua consolidação jornalística se deu como consequência do trabalho de profissionais como José Reis e José Nabantino Ramos. Seu legado foi transferido ao consórcio Frias-Caldeira, que assumiu o comando da empresa em 1962, valendo-se da colaboração de editores arrojados para a época. A partir de 1992, a propriedade passou para as mãos exclusivas da família Frias de Oliveira. Controlado por esta família, o jornal concebeu um estratégico projecto editorial que o converteria em catalisador dos anseios e expectativas da sociedade civil brasileira. Sob o comando da segunda geração, a Folha de São Paulo protagonizou intensa revolução tecnológica, de gerência e editorial, passando a liderar um moderno complexo mediático composto pela: Agência Folha, a editora Publifolha, a gráfica Ipiranga, além de iniciativas em consórcio com empresas congéneres como a UOL – Universo OnLine e o jornal Valor Económico. Valendo-se das mais modernas técnicas de marketing e aplicando um bem engendrado plano de racionalização industrial, a Folha de São Paulo cresceu significativamente em tiragem. Sua preocupação basilar tem sido a sintonização com as novas correntes de leitores, tanto em conteúdo quanto em linguagem, garantindo um público capaz de manter a fidelidade ao produto, no tempo e no espaço. Sua filosofia de jornalismo plural, independente e apartidário vem sendo reproduzida pelas publicações congéneres, em todo o território nacional, a partir de directrizes contidas no seu “manual de redacção”, actualizado periodicamente.

3.3 – A metodologia utilizada: Mais uma vez, a técnica da observação, da entrevista não padronizada e do inquérito por questionário

Como no capítulo anterior, também para compor este capítulo, baseei-me nas técnicas da observação directa e participativa, da entrevista não padronizada e do inquérito por questionário, instauradas durante o processo de produção de notícias dos jornais brasileiros O Estado de São Paulo e Folha de São Paulo. Para tanto, também tive que participar durante um dia, da rotina de trabalho destes jornais. Igualmente ao que eu havia realizado nos jornais portugueses, a observação directa nos jornais brasileiros teve início a partir da reunião de redacção, realizada pela 72

Site do jornal Folha de São Paulo – www.folha.com.br, acedido em 4 de Junho de 2004.

88

manhã em ambos os jornais brasileiros, e, no decorrer do dia, através de uma observação mais participativa, ou seja, de conversas informais com os jornalistas, quando as julgava necessárias. Também analisei a estrutura da redacção dos dois jornais em questão e realizei entrevistas não padronizadas junto aos editores das secções de Nacional e Internacional. Por fim, todos os directores e editores que participaram das reuniões de redacção foram convidados a responderem um inquérito por questionário, de forma que pude analisar, também nestes dois jornais, os factores que influenciavam o processo de produção de suas notícias.

3.4 – Comparação entre os jornais O Estado de São Paulo e Folha de São Paulo, através da técnica da observação

3.4.1 – O Estado de São Paulo No dia 14 de Janeiro de 2004 fui autorizada a passar o dia na redacção do Estadão (nome pelo qual o jornal O Estado de São Paulo é popularmente conhecido no Brasil). O editor executivo que me recebeu era o responsável pela abertura do jornal, ou seja, era ele quem elaborava a pauta/agenda com as notícias que seriam discutidas na reunião de redacção da manhã, que costumava começar por volta das 10h00. Por isso, este editor disse que tinha por hábito chegar à redacção por volta das 7h00, a fim de ler os jornais concorrentes (Folha de São Paulo e O Globo) e seleccionar os assuntos considerados mais importantes. Em 2004, no Estadão, existiam quatro editores executivos: um responsável pela abertura do jornal, outro responsável pelo fechamento do jornal, um responsável pelas edições de fim-de-semana e um outro responsável pelas matérias especiais. Mas não era só o editor responsável pela abertura do jornal que elaborava a pauta. Cada editoria (secção) possuía um “pauteiro”, ou seja, um editor responsável por elaborar a pauta da sua editoria. A rotina diária de cada pauteiro era semelhante à do editor executivo responsável pela abertura do jornal, ou seja, após lerem os jornais da concorrência e elaborarem a pauta correspondente à sua editoria, enviavam-na (através de um sistema de comunicação interna informatizado, ou seja, da Intranet), ao editor executivo responsável pela abertura do jornal, a fim de que este pudesse elaborar uma pauta para todo o jornal. Deste modo pode-se dizer que os assuntos considerados mais importantes eram seleccionados por várias pessoas (vários gatekeepers). 89

Os pauteiros, ou editores da manhã, ficavam no jornal até às 18h00, horário em que chegavam os editores responsáveis pelo fechamento da edição.

*

Foi curisoso observar que Pauta e Agenda no Brasil significam coisas distintas. A Pauta refere-se a todos os assuntos, provenientes de quaisquer fontes, que foram seleccionados para o jornal abordar, ou seja, “pauta é um roteiro dos factos que devem compor a matéria e que determina também a forma como cada tema deverá ser tratado”73. Já a Agenda é composta somente pelos assuntos que foram agendados (marcados), normalmente pelas fontes oficiais de informação, ou seja, conferências de imprensa, eventos programados, etc. Em Portugal pode-se dizer que a Agenda engloba todos os assuntos que o jornal pretende abordar, ou seja, em Portugal, a Agenda acaba por ser um sinónimo da Pauta. Segundo o livro de estilo do jornal Público, a Agenda “recolhe, classifica, disponibiliza e propõe assuntos, temas e acontecimentos, de actualidade ou a prazo, que facilitem uma programação eficaz do jornal”74.

*

Como se pôde perceber, a reunião de redacção da manhã, composta pelos pauteiros de cada editoria e pelo editor executivo responsável pela abertura do jornal, servia mais para discutir-se qual seria a melhor forma de abordar cada assunto, visto que este editor já tinha o conhecimento prévio do que cada pauteiro havia seleccionado. A reunião de redacção no dia em que estive presente começou às 10h05. Nesta reunião, o editor executivo pediu para que cada pauteiro “cantasse”, ou seja, disesse de maneira clara e concisa, apenas os principais assuntos que pretendiam abordar. Usando a gíria: “Só filé” o editor executivo deixava subentendido aos pauteiros, que estes só referissem o que tivessem de melhor. “Filé”, no Brasil, corresponde a melhor parte da carne. A sala de reuniões era semelhante à do jornal português Público, ou seja, separada do resto da redacção por uma parede de vidro. Dentro havia uma mesa oval com cadeiras, uma televisão ao canto (ligada na Bandnews – rede de televisão brasileira semelhante a SIC Notícias) e um computador num outro canto que, nesta reunião, não 73 74

http://www.canopusonline.com.br/faq_vocab.htm#pauta, acedido em 25 de Agosto de 2004. http://www.publico.pt/nos/livro_estilo/16a-palavras.html, acedido em 25 de Agosto de 2004.

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foi usado. Ao centro da mesa encontrava-se um aparelho telefónico que permitia, através do sistema de conferência de viva-voz, conversar com várias pessoas, ao mesmo tempo. Este aparelho era fundamental visto que o Estadão possuía delegações (sucursais) do jornal em outras regiões do Brasil. Assim, era através do telefone que os pauteiros das sucursais de Brasília e Rio de Janeiro, por exemplo, participavam das reuniões. Além das sucursais, a rádio Eldorado, também pertencente à “Agência Estado” (uma rede de comunicação da qual o Estadão faz parte) participava desta reunião. Sem contabilizar os pauteiros das sucursais e da rádio Eldorado, havia 13 pessoas na sala de reuniões, sendo apenas duas mulheres (a editora de artes e a editora de turismo). A faixa etária dos participantes era, na maioria, acima dos 40. Além do editor executivo e dos pauteiros de Cultura, Esportes (desporto), Internacional, Nacional, Geral (sociedade) e Economia, participaram da reunião: o responsável pelo Jornal da Tarde (outro órgão de comunicação pertencente à “Agência Estado”) e um representante da “Agência Estado”. Durante a reunião o editor executivo pedia para que as informações fossem transformadas em “estórias” com personagens, ou como ele referiu, em “casos verdade”. Como nos jornais portugueses, aqui também a teoria de Molotch e Lester (1993) pareceu confirmar que a notícia não passa de um acontecimento formado através de uma actividade humana intencional ou, como disse Gaye Tuchman (1993), desta ser uma realidade construída possuidora da sua própria validade interna. Esta reunião terminou por volta das 11h05 e, diferentemente dos jornais portugueses, não abordou a edição do dia, tanto do jornal, como da concorrência. Segundo explicou o editor executivo responsável pela abertura do jornal, cada editoria possui uma cota (número) de páginas que pode trabalhar. Esta cota possui uma certa mobilidade. No entanto é somente o editor executivo responsável pelo fechamento do jornal, quem irá decidir quantas páginas cada editoria deverá ter. Por isso, aqui também, diferentemente do jornal português Público, não foram discutidas, durante a reunião, o número de páginas que cada editoria deveria ter. Após a reunião da manhã cada pauteiro voltou para a sua editoria para redefinir a sua pauta, de acordo com o que havia sido discutido nesta reunião. Neste momento, o editor responsável pela abertura do jornal também reescreveu a pauta, de acordo com o que ficou decidido na reunião. Pode-se dizer que, normalmente, no dia anterior, sabiase, mais ou menos, quais assuntos deveriam fazer parte da pauta do dia seguinte. Portanto, os repórteres também sabiam, com antecedência, o que deveriam cobrir no dia 91

seguinte. Aqueles que não tivessem as suas tarefas pré-definidas, deviam chegar à redacção por volta das 14h00 e, aí sim, descobrir o que deveriam fazer. Mas segundo o editor responsável pela abertura do jornal, “o processo de produção da notícia é contínuo”. Mesmo quando se recebe uma informação de uma fonte oficial não se pode pegar na informação, transformá-la em notícia, e considerá-la um produto acabado. As informações têm que ser trabalhadas, actualizadas, o tempo todo. “Por isso, o Estadão possui um “rádio escuta” (pessoa responsável por ouvir as principais rádios do País, durante todo o dia, e actualizar as informações todo o tempo) ”, afirmou. A “Agência Estado”, através de seu portal na Internet, também actualizava as informações minuto a minuto. Deste modo, o Estadão utilizava as informações que considerava importantes e procurava transformá-las em notícia. “Pegamos as “intenções de pauta” e vemos se é possível transformá-las em pauta”, enfatizou o editor responsável pela abertura do jornal. O sistema informatizado de comunicação interna, através da Intranet, permitia que todos na redacção se comunicassem, em tempo real, sem precisarem sair de seus postos de trabalho. Tudo o que um pauteiro ou editor escrevia ficava disponível para que qualquer outro pudesse ler e comentar. Assim, pode-se dizer que, apesar da disposição da redacção do Estadão não facilitar a comunicação e a socialização entre as pessoas, existia uma “socialização informatizada”. A sala de redacção do Estadão era muito grande e disposta na forma de um corredor. A editoria de Nacional, que ficava numa ponta da sala, encontrava-se muito distante da editoria de artes, por exemplo, que ficava na outra ponta da sala. Mesmo assim, e talvez devido a Intranet, percebia-se que quando as pessoas se encontravam, existia um relacionamento interpessoal muito bom. Isto foi facilmente observado durante a reunião de redacção. O editor executivo responsável pelo fechamento do jornal chegava por volta das 14h00. Depois de definir, em conjunto com o departamento comercial, quantas páginas teriam cada editoria (e aqui fica nítido que é o departamento comercial, com o espaço das publicidades definidos, que acaba por decidir o espaço que será disponibilizado para as editorias publicarem as suas matérias), realizava, às 17h00, uma outra reunião, agora com os editores responsáveis pelo fechamento de cada editoria, a fim de decidir quais seriam as matérias publicadas e como seria a capa do jornal. Até esta reunião, o editor executivo responsável pela abertura do jornal já havia alterado a pauta, no mínimo, três vezes. Esta reunião contava com a presença do director da redacção e tem a participação do diagramador (paginador) responsável pela capa. Era nesta reunião que o director iria 92

escolher os assuntos e as fotos que iriam compor a capa do jornal. As fotos eram vistas através dum computador que se encontrava num dos cantos da sala de reuniões. Assim que era decidido as matérias que cada editoria iria publicar, cada editor retornava à sua editoria para começar, junto com o diagramador responsável pela editoria, a diagramar (paginar) as suas páginas. Segundo o editor responsável pelo fechamento do jornal, cada editoria possuía um modelo pré-definido para suas páginas. No entanto, como o projecto gráfico do jornal estava a passar por algumas reformulações, o jornal dava a impressão de que, no momento, não estava a seguir nenhum modelo.75 Nesta reunião, que também teve a participação da editora de artes, havia somente mais duas mulheres (a editora de Nacional e de Geral); todas as outras pessoas que, como na manhã, totalizaram 13, eram homens. Também a faixa etária era a mesma dos participantes da reunião da manhã (por volta dos 40). Apesar dos editores deixarem esta reunião por volta das 17h45, o director de redacção, o editor executivo responsável pelo fechamento, o responsável pelo departamento comercial e o diagramador responsável pela capa, ficaram reunidos até as 19h00 para definirem a capa do jornal. Esta reunião terminou deixando um espaço em branco na capa, que teria de ser preenchido até às 20h30, horário em que, normalmente, saía a primeira edição do jornal. O Estadão era publicado, diariamente, em quatro edições: A primeira saía às 20h30 e era distribuída para todo o País. A segunda saía às 21h30 e contemplava o interior do estado de São Paulo. A terceira saía às 23h15 e era distribuída para a Grande São Paulo, e a quarta, mais actualizada, era fechada às 24h15 e contemplava somente a capital do estado de São Paulo. Segundo o editor responsável pelo fechamento do jornal, havia dias em que poderia haver, ainda, uma quinta edição. Esta saía à 1h00 e abastecia somente as bancas da cidade de São Paulo76.

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A redacção do Estadão havia sofrido algumas mudanças no último ano e meio antes deste estudo ser feito. Além da nova distribuição física da redacção, agora já não se podia mais fumar dentro da redacção. Havia um local (chamado de “fumódromo”) próprio para isto. Também o café já não era mais servido dentro da redacção. Agora existiam máquinas de café fora da redacção e cada cafezinho devia ser pago. Somente na reunião das 17h00 (a que contava com a presença do director de redacção) eram servidos cafezinho e água para os participantes. 76 Como esta referência foi-me dita em entrevista, fica difícil saber se em 2016 as publicações do Estadão mantém-se em 4 edições. Sabe-se, entretanto, que a partir de 2003 o Grupo Estado passou por uma restruturação, onde a maior parte da família Mesquita deixou os cargos de direcção, e onde demissões ocorreram em massa. Deste modo, a partir de outubro de 2004, diversas reformulações gráficas foram realizadas (In https://pt.wikipedia.org/wiki/O_Estado_de_S._Paulo), para além de uma grande aposta nos dispositivos digitais.

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A distribuição do Estadão era, e ainda é (2016), realizada em conjunto com o jornal Folha de São Paulo. Apesar de, após a reunião das 17h00, ser permetido haver, naquela época, alterações na capa, a edição do dia 15 de Janeiro não teve mudanças. Como havia ficado decidido, a foto principal ficou a cargo do comandante americano Dale Robbin Hersh, preso na manhã do dia anterior, no aeroporto de Cumbica/ São Paulo, por desacato. O espaço que, até às 19h00, estava em branco, foi preenchido por uma foto da cantora brasileira Inezita Barroso, numa matéria em homenagem aos 450 anos de São Paulo.

3.4.2 – Folha de São Paulo No dia 22 de Janeiro de 2004, fiz uma visita ao jornal brasileiro Folha de São Paulo, ou simplesmente Folha, como é popularmente conhecido no Brasil. Fui recebida pelo secretário de redacção, que presidiu, a partir das 9h00, a reunião da redacção. Nesta reunião estavam presentes mais 12 homens. Eram eles: o pauteiro da editoria “Ilustrada” (de artes e cultura), da editoria “Esportes” (de desporto), da editoria “Cotidiano” (geral/sociedade), da secção “Mundo” (internacional), da secção “Brasil” (nacional), da editoria “Dinheiro” (economia), além de um representante da agência de notícias da Folha, o editor de artes e o editor de fotografia. Nesta reunião, portanto, já se discutia as imagens que poderiam ser utilizadas na próxima edição. A reunião começou com os pauteiros a dizerem se haviam “tomado furos ou não” de outros jornais na edição do dia e, posteriormente, começaram a falar sobre os assuntos que estavam na pauta para a próxima edição. A maioria das pessoas que participaram desta reunião era mais jovem, quando comparadas aos outros jornais estudados. A sala de reuniões localizava-se ao centro da redacção e encontrava-se separada por paredes de vidro, de modo que todos os que lá estivessem podiam ver o que acontecia no resto da redacção. Enquanto os pauteiros diziam os assuntos que possuíam para a próxima edição, o secretário de redacção tomava notas. Assim como no Estadão, a Folha contou com a participação, por telefone, das suas sucursais em Brasília e no Rio de Janeiro. Esta reunião terminou por volta das 10h00. O secretário de redacção explicou que, além das sucursais de Brasília e do Rio de Janeiro, a Folha contava com o trabalho de delegações regionais, nas cidades de Campinas, Ribeirão Preto e na Região do Vale do Paraíba. Em outras regiões do País, 94

onde a Folha não possuía sucursais ou delegações regionais, o jornal contava com o trabalho da “Agência Folha”, que mantinha uma equipa de repórteres contratados ou freelancers para apoiarem o jornal. Além disso, o secretário de redacção referiu que os editores costumavam deixar, ao final do dia anterior, uma pré-pauta estabelecida para os pauteiros ou editores assistentes começarem a trabalhar no dia seguinte. Assim, antes das 9h00, horário em que começou a reunião de redacção, os pauteiros já haviam lido esta pré-pauta, os jornais concorrentes do dia, e já haviam estabelecido uma pauta para ser discutida na reunião. Também o sector de rádio-escuta, que acompanhava os principais jornais televisivos do dia, deixava na sala de reunião, antes do início da mesma, uma sinopse do “Bom Dia Brasil”, jornal televisivo da Rede Globo de Televisão, transmitido pela manhã. Os repórteres só começaram a chegar à redacção ao fim da manhã. Mas somente após o almoço, por volta das 14h00, praticamente todos os repórteres podiam ser encontrados na redacção. Às 16h00 foi realizada uma outra reunião, esta com a participação de muito mais pessoas, inclusive da directoria de redacção; e somente pelas 17h00, os editores já em posse dos “espelhos” de suas páginas (enviados, como no Estadão, pelo sector comercial), podiam começar a hierarquizar e a distribuir as matérias pelas páginas. Quanto ao número de páginas que cada editoria podia ter, o secretário de redacção da Folha explicou que o jornal possuía uma previsão anual de quanto papel o orçamento permitia. Assim, sabia-se, mais ou menos, qual era o número de páginas que o jornal deveria ter, e quantas páginas poderiam ser disponibilizadas à cada editoria. A Folha de São Paulo era publicada em duas edições: Uma nacional, que fechava às 20h00, e outra de São Paulo, que fechava às 23h30. A editoria de “Cotidiano” equivalia à “Geral”, do Estadão, e à “Sociedade”, dos jornais portugueses Público e Diário de Notícias. Portanto, esta editoria tratava assuntos como: cidades, saúde e educação. Os assuntos sobre ciências eram tratados por uma editoria à parte (“Caderno Ciências”). Uma peculiaridade do caderno “Mundo” foi que, diferentemente dos outros jornais, este caderno tratava também de assuntos comportamentais. Ou seja, não era uma editoria que falava, exclusivamente, sobre política internacional. A primeira impressão que tive da Folha de São Paulo foi a de que este jornal possuía uma redacção um pouco mais “desorganizada” do que as dos outros jornais estudados. A disposição da sala de redacção era, mais ou menos, como a do Estadão. 95

Contudo, observava-se mais televisões distribuídas por toda a redacção. Era, sem dúvida, uma redacção mais jovem do que as outras e, também, mais masculinizada. A falta de organização pareceu-me que não era somente estrutural, ou seja, durante as reuniões de redacção, a divisão dos assuntos pelas editorias pareceu-me ser muito subjectiva, não havendo uma clareza nos assuntos que cada editoria deveria cobrir. Às 14h00, hora em que praticamente todos os repórteres já se encontravam na redacção, os editores também começaram a chegar. Nesta hora, cada editoria realizava uma reunião com seus profissionais. Por volta das 17h00, o pauteiro ou editor assistente ia embora e o editor assumia a editoria, ficando responsável pelo fechamento da mesma.77 Na reunião das 16h00 também participaram os diagramadores (paginadores) responsáveis pela capa do jornal (a equipa de diagramadores da Folha fazia parte da editoria de artes e circulava pela sala de redacções ajudando todas as secções. Não havia um diagramador específico, responsável por diagramar determinada secção, como existia no Estadão). No entanto, nada foi discutido sobre a capa durante esta reunião. Segundo o secretário de redacção, a capa era decidida de uma maneira mais informal, no decorrer do fechamento da edição, levando em conta as matérias que seriam publicadas. Por isso, na reunião das 16h00, ainda era um pouco cedo para se falar sobre isso. Esta reunião servia mais para que a direcção do jornal soubesse quais assuntos poderiam vir a “render” uma capa. Nesta reunião, cada editoria fazia um balanço dos seus trabalhos e tentava “vender” os assuntos que consideravam serem mais importantes para a capa. Tratava-se de uma reunião com mais intervenções e discussões, mas tudo feito de uma maneira muito formal entre os profissionais presentes e a directoria. Diferentemente da reunião das 9h00, onde me pareceu que os profissionais estavam mais a vontade, na reunião da 16h00, que contou com a presença de três mulheres (duas membros da directoria), os profissionais pareciam estar menos espontâneos. Esta reunião teve, contudo, apenas meia hora de duração.

3.5 – Comparando os jornais O Estado de São Paulo e Folha de São Paulo através da técnica da entrevista não padronizada

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Assim como no Estadão, na redacção da Folha também era proibido fumar. Mas havia máquinas de café espalhadas dentro da redacção e, inclusive, uma máquina com salgados e doces de pacote (lanches e petiscos) para “matar a fome” desses profissionais na hora da correria.

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Segundo o pauteiro ou editor da manhã da editoria de Nacional do Estadão, esta talvez fosse a editoria que mais se apoiasse numa sucursal. A sucursal principal era a de Brasília (capital do Brasil) e a estrutura da editoria era a seguinte: havia a sede, que ficava em São Paulo, duas sucursais, uma em Brasília e outra no Rio de Janeiro, correspondentes em algumas capitais do País (Porto Alegre, Curitiba, Salvador, Alagoas, Belo Horizonte) e até em cidades como Campinas e Ribeirão Preto, que apesar de não serem capitais, têm a sua importância para o País. Além disso, havia alguns colaboradores em outros países. “A editoria de Nacional usa muito o material de sucursal”, afirmou o editor da manhã. Cerca de 70% do que a sucursal de Brasília produzia destinava-se à editoria de Nacional do Estadão. Já a estrutura da editoria Brasil (nome pela qual é conhecida a editoria de nacional) da Folha era composta por: reportagem local, sucursais de Brasília, Rio de Janeiro, “Agência Folha” (que possuía repórteres contratados ou freelancers espalhados por todo o Brasil) e regionais das cidades de Campinas, Ribeirão Preto e da região do Vale do Paraíba. Existíam ainda alguns repórteres que trabalhavam em São Paulo, para a “Agência Folha”, mas que eram orientados a cobrir, por telefone, alguns estados como Acre e Rodônia, onde a Folha ainda não possuía uma estrutura montada. Tais repórteres só se deslocavam a estes estados caso ocorresse algo considerado “extraordinário”. Segundo o editor adjunto desta editoria, este sistema de cobertura não era o ideal, mas o possível, considerando a realidade brasileira da época.

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A editoria de Nacional do Estadão tratava de assuntos políticos mas não só. “Antigamente esta editoria chamava-se “Política”, mas o facto dela ter mudado de nome indica uma mudança editorial”, salientou o editor da manhã. “São assuntos de relevância nacional e não necessariamente políticos”, continuou. Questões que tinham a ver com a segurança nacional, o movimento dos sem terra ou os índios, por exemplo, também eram tratadas por esta editoria. A editoria de Nacional do Estadão não tinha subdivisões, “alguns repórteres são mais especializados em umas áreas do que em outras, mas os redactores são capazes de fechar qualquer tipo de matéria”, explicou o editor da manhã. Fora este editor, havia apenas mais uma editora (responsável pelo fechamento da edição) que cuidava desta editoria como um todo. A editoria de Nacional da Folha tratava de assuntos políticos, institucionais, de direitos humanos e religiosos. Assuntos mais específicos sobre as cidades, como 97

segurança pública, saúde e educação eram publicados pela editoria “Cotidiano”. Visitas do presidente do Brasil ao exterior ou de presidentes de outros países ao Brasil (assuntos diplomáticos) também eram publicadas por esta editoria. Porém, alguns assuntos também podiam ser publicados por outras editorias. Segundo o editor adjunto da editoria Brasil, cada edição do jornal possuía uma divisão e esta divisão, muitas vezes, variava “caso-a-caso”. Por exemplo, se acontecesse um evento com a presença do Presidente da República, este evento era publicado pela editoria de Nacional. No entanto, se o mesmo evento acontecesse no ano seguinte, mas não contasse com a presença do Presidente da República, certamente ele seria publicado por outra editoria, consoante o seu aspecto económico ou de segurança pública, ou etc. Tratava-se, portanto, de uma divisão muito maleável.

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Segundo enfatizou o pauteiro de Nacional do Estadão, “A fonte de informação precisa de um interlocutor no jornal. Ninguém fala para uma instituição. As pessoas falam para pessoas. Por isso, ter um repórter que circula numa determinada área torna-se tão importante. Até mesmo para que o editor saiba de quem deve cobrar”. No entanto, isto não significava que, por o repórter ser especializado em uma área, ele não pudesse ou tivesse que cobrir outra. Uma das orientações da direcção de redacção do Estadão era a de que o jornal não fosse “refém” das fontes oficiais de informação. “Particularmente, eu acho que a nossa relação é igual tanto com as fontes de informação oficiais como com as não oficiais”, afirmou o editor da manhã. “O critério usado é: Quê interesse o assunto tem para o leitor?”, indagou. Algo que não tivesse interesse, mesmo vindo de uma fonte oficial, poderia ser preterido por um assunto vindo de uma fonte não oficial, mas que tivesse mais interesse para o leitor. Mas (questionei) e se o repórter escrevesse algo que fosse contra a orientação política do jornal? “Na verdade não existe uma orientação política. Há sim um projecto editorial”, afirmou. “Dentro do projecto editorial do Estadão, está o facto de se dar, sempre, todos os lados de uma mesma questão. A opinião do Jornal está sempre no editorial ou nos textos dos articulistas. Nos textos informativos, não importa a opinião do jornal, todos os lados de uma mesma questão devem ser ouvidos”, continuou. No entanto, salientou, “Objectividade em jornalismo não existe, mas nós devemos persegui-la sempre”. Para o editor adjunto de Nacional da Folha, qualquer pessoa poderia ser uma fonte de informação. O papel do jornalista seria, então, o de checar todas as 98

informações, a partir das suas fontes. Uma editoria que tratava de assuntos políticos acabava por falar muito com as fontes oficiais de informação. O repórter, por sua vez, procurava estar próximo destas fontes, e se familiarizar com elas, para conseguir obter as informações de que precisava. Segundo este editor, apesar de ser difícil qualquer repórter trabalhar com 100% de isenção, ele deveria sempre que ir em busca da objectividade. Ou seja, o repórter deveria adquirir as informações (ouvir os diversos lados de um assunto) deixando a opinião para o editorial do jornal. Independentemente do repórter estar ou não de acordo com a linha editorial do jornal, a sua conduta deveria basear-se, sempre, no apartidarismo. No entanto, enfatizou o editor, já houve casos na Folha em que o mesmo disse ter-se deparado com textos que não estavam de acordo com o que ele queria. Isto, segundo ele, pôde ter ocorrido por dificuldade do repórter em compreender o tema, por eventuais preconceitos do mesmo, e, nesta hora, deve ser o editor a “arrumar” o texto, ou seja, tirar adjectivos, opiniões, e etc.

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A editoria de Nacional do Estadão, assim como as demais editorias deste jornal, possuía um número de páginas bastante variável (mas normalmente rondava as 6). Por volta das 15h00 já se tinha uma noção de quantas páginas esta editoria iria ter. Mas era somente por volta das 16h00, 17h00, que se começava a diagramação das páginas. “O espaço determina como se organiza a edição, mas não a escolha das matérias”, salientou o pauteiro de Nacional do Estadão. Para ele, “editar significa hierarquizar as coisas… Se temos dez notícias, e três páginas, a notícia mais importante será o “abre” (abertura) da edição e as outras virão atrás por ordem de importância. Agora, se essas mesmas dez notícias tiverem de ser distribuídas em uma página, a mais importante continuará a ser o “abre” da edição e as subsequentes terão de ser diminuídas e, eventualmente, excluídas”, explicou. Por isso o espaço não interferia na hierarquização das notícias, mas sim no tamanho que, no fim, elas iriam ter. Na Folha, em 2004, sabia-se, mais ou menos, que o número de páginas da editoria Brasil variava entre 5 e 7. Este número não era fixo, podendo aumentar ou diminuir consoante o número de anúncios. O número de páginas real só era sabido pelo editor às 18h00. A essa hora, o departamento comercial já havia distribuído a publicidade, e a direcção de redacção já havia decidido, consoante a necessidade de cada editoria, quantas páginas cada uma deveria ter. Por exemplo, em ano eleitoral, 99

quanto mais próximas estivessem as eleições, mais páginas seriam disponibilizadas à editoria de Nacional.

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O princípio básico para se cobrir uma matéria no Estadão era sempre fazê-la pessoalmente. Quando não se fazia, não era por falta de vontade, mas porque não havia sido possível. Visitas presidenciais, por exemplo, deviam sempre ser cobertas pessoalmente. Assim foi feito com a visita do presidente brasileiro Luís Inácio Lula da Silva a Portugal, em Julho de 2003. Todas as missões diplomáticas eram tratadas pela editoria de Nacional. Fora os assuntos diplomáticos, eram remotas as chances de Portugal aparecer nesta editoria. O caso “Fátima Felgueiras78”, por exemplo, havia sido divulgado pela editoria de cidades. Normalmente a editoria de Brasil da Folha trabalhava com assuntos previsíveis, pois tratava-se de desdobramentos de assuntos do dia (continuidade de matérias). Isso dependia do investimento do próprio repórter, que dedicava-se a determinado assunto a fim de dar continuidade à matéria. “Em tese, tudo é notícia”, afirmou o editor adjunto de Nacional da Folha. Caberá, portanto, ao editor decidir o que vale a pena, considerando todas as dificuldades (financeiras e estruturais), a deslocação dos seus repórteres para cobrirem pessoalmente determinados assuntos, e etc. “Existem assuntos que são quase obrigatórios e, apesar de investirmos em assuntos paralelos, às vezes não temos espaço suficiente para publicar tudo”, lamentou o editor. “As matérias que são possíveis publicarmos no dia seguinte, são asseguradas”, continuou.

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A rotina da editoria de Nacional do Estadão se processava da seguinte forma: o pauteiro, ou editor da manhã, chegava logo cedo para ler o próprio jornal e os jornais da concorrência. Eram consideradas concorrências os jornais: Folha de São Paulo, O Globo, O Valor, A Gazeta Mercantil, Jornal do Brasil, Diário de São Paulo, Jornal da 78 Em 2003, Fátima Felgueiras viu-se envolvida num escândalo político de graves proporções. Enquanto presidente da Câmara Municipal de Guimarães, foi acusada de corrupção e de financiamento ilegal da secção local do Partido Socialista. Tendo um juiz emitido uma ordem de prisão preventiva em seu nome, Fátima Felgueiras conseguiu fugir do país e refugiar-se no Rio de Janeiro, visto possuir as nacionalidades, portuguesa (por jus sanguinis) e brasileira (por jus soli). Ver mais em: https://pt.wikipedia.org/wiki/F%C3%A1tima_Felgueiras

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Tarde e, nos finais de semana, também algumas revistas semanais. Além disso, devia-se acompanhar os canais de televisão. Se não houvesse tempo para tudo, o jornal possuía um sector, chamado “Escuta”, responsável por ouvir as principais estações de rádio e televisão e fazer um resumo das mesmas. Também era necessário acompanhar as notícias via Internet, principalmente as que eram dadas em tempo real, e escutar o que os próprios repórteres tinham a dizer. “O editor é como se fosse uma antena. Tem que estar aberto para tudo”, definiu o pauteiro de Nacional do Estadão. Mas, segundo ele, seria um engano pensar que todo esse processo começava quando o pauteiro chegava na redacção. Na verdade este processo nunca terminava. A editora responsável pelo fechamento da edição deixava, no dia anterior, uma prévia das matérias que poderiam ser desenvolvidas no dia seguinte, e assim o trabalho acontecia sucessivamente. “O planeamento é full-time, ou seja, não pára nunca”, ressaltou. Como nem sempre as matérias eram passadas ao repórter no dia (elas podiam já ter sido passadas no dia anterior), o acompanhamento dado aos repórteres também tinha que ser full-time. Por volta das 16h00 havia uma reunião da editoria (com o pauteiro, editor responsável pelo fechamento, sub-editor, editor assistente) onde já se sabiam quais assuntos iriam “render” e quais iriam “caír”. O editor decidia, mais ou menos, como iria ser a edição e, às 17h00, havia uma reunião da redacção onde cada editoria iria tentar “vender” ou “cantar” as matérias que julgassem que estando na capa, iriam vender mais jornal. Enquanto isso, os responsáveis pelo fechamento de cada editoria já encontravam-se “riscando” ou diagramando as páginas da sua editoria. O repórter, por sua vez, podia ter que escrever a matéria tanto fora, como já dentro da página diagramada. A rotina de todas as editorias da Folha começava com uma reunião de redacção, as 9h00 da manhã, para que o jornal ficasse a par dos assuntos que cada editoria pretendia publicar. Ao longo do dia, conforme os repórteres chegavam, novas informações também poderiam surgir. Por isso, algumas matérias “caíam” e outras eram acrescentadas. Às 14h30 era realizada uma reunião da editoria Brasil, com toda a sua equipa, para se discutirem as perspectivas da edição. Às 16h00 ocorria, novamente, uma reunião com toda a redacção, inclusive com a participação dos responsáveis pela primeira página, a fim de que estes pudessem ter uma ideia de como a primeira página poderia ser orientada. Ao fim dessa reunião, a editoria Brasil comunicava-se com toda a sua estrutura (sucursais, regionais, agência) para que às 18h00 o editor pudesse ter uma ideia das notícias que possuía. Portanto, às 18h00, o editor tinha em mãos o número de páginas que lhe havia sido destinado e um relatório com as notícias que, provavelmente, seriam publicadas. Com esse material, o editor podia fazer os ajustes finais, ou seja, 101

atribuir mais ou menos investimentos a determinadas matérias, decidir qual matéria seria o “abre” da sua editoria, qual deveria ter fotos, qual deveria ter arte (gráficos, desenhos); e o diagramador (paginador) já podia começar a “montar” a página. Os redactores iam “baixando” as matérias nas páginas, lendo-as, corrigindo-as, titulando-as e alterando tamanhos, etc. Mas todo este processo, na verdade, já havia iniciado no dia anterior: “Os repórteres, antes de irem embora, ainda que nem todo dia isso seja possível, tentam deixar-nos uma perspectiva de pauta para ser trabalhada no dia seguinte”, afirmou o editor adjunto. Quando os repórteres concluíam a matéria do dia, enquanto o editor estivesse fechando a edição, eles enviavam um e-mail ao chefe de reportagem dizendo o que tinham para o dia seguinte. Esta “pré-pauta” era chamada na Folha de “noite e dia”. Enquanto isso, as sucursais de Brasília e Rio de Janeiro, as regionais de Campinas, Ribeirão Preto e do Vale, e a agência de notícias da Folha, também já começavam a mandar suas perspectivas de pauta, visto que o processo de edição ocorria todo em São Paulo.

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A editoria de Nacional do Estadão trabalhava, em 2004, com 14 pessoas. Segundo seu editor, este número era suficiente mas, se houvesse mais, seria melhor. Por outro lado, a editoria Brasil da Folha possuía, somente em São Paulo, 7 repórteres, 8 redactores e 4 editores, entre editor, editor adjunto e editores assistentes. Segundo seu editor, os repórteres que lá se encontravam já trabalham no jornal há bastante tempo. Os redactores eram mais recentes, devido a “dificuldades administrativas da empresa” e devido a “questões pessoais”. Ele próprio considerava-se recente nessa editoria, ou seja, estava nela há apenas 3 meses. A editoria Brasil já havia sido bem maior, em relação ao número de pessoal. No entanto, em 2004, era a “Agência Folha” que ficava responsável pela rádio-escuta e por acompanhar as notícias que saíam na televisão. Alguns redactores eram responsáveis, apenas, por acompanharem as notícias que eram divulgadas via Internet.

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A editoria de Internacional do Estadão possuía um pauteiro (editor da manhã) e um editor responsável pelo fechamento da edição. Além disso, possuía cinco redactores 102

e um pool de tradutores. A Folha, por sua vez, só possui dois tradutores (inglês, francês e espanhol) e o editor adjunto desta editoria afirmou que não havia tempo para olhar os jornais internacionais, e que, quando muito, olhavam-se para os sites de alguns desses jornais. Este editor considerava o número de páginas (espaço) da sua editoria muito pequeno.

*

O material que chegava das agências de notícias para o Estadão ia directo para os redactores. Cada redactor possuía uma área de actuação (África, Oriente Médio, Europa, Estados Unidos da América, Ásia e leste europeu). Eram os redactores que iriam escolher as matérias que consideravam mais importantes e apresentavam uma pauta para o editor da manhã ou para o responsável pelo fechamento (que chegava por volta das 14h00). Aqui pode-se ver o trabalho de gatekeepers que desempenhavam estes redactores. Quaisquer dos editores desta secção, diante do espaço que tinham disponível, e após conversarem separadamente com cada redactor, decidia que matérias deveriam entrar, e que tamanho estas deveriam ter. Aqui, uma vez mais, observa-se o trabalho de gatekeepers, só que agora desempenhado pelos editores. Portanto, pode-se concluir que, como já havia salientado Dan Berkowitz (1997), as decisões apareciam como um processo de grupo, onde o espaço disponível a cada editoria era móvel, ou seja, variava de dia para dia e, como também já havia alertado Gitlin (1980), muitas vezes limitava o que seria publicado. No entanto, para o editor da manhã da secção de Internacional do Estadão, “os assuntos seleccionam-se naturalmente”. Quando o assunto não se destaca por si só, a escolha fica ao critério pessoal do editor (gatekeeper), que considera a universalidade (valor-notícia) do mesmo. A rotina da editoria Mundo (nome pelo qual era conhecida a editoria de internacional) da Folha se processava da seguinte forma: pela manhã o pauteiro pegava o material deixado pelo editor no dia anterior, chamado de “Noite e Dia”. Com esse material, mais o que recolhia das agências de notícias, dos sites e dos jornais da concorrência (O Globo e o Estadão), o pauteiro construía um “começo de pauta”. Isto era “vendido” na reunião da manhã, que acontecia por volta das 9h00. Segundo o editor 103

adjunto desta editoria, nesta altura, a pauta ainda estava bastante deficiente. Após essa reunião, o editor ligava para o pauteiro para conversar sobre essa “primeira pauta”. Às 14h00 acontecia uma reunião desta editoria, onde podia ocorrer alguma discussão (ou como se diz no Brasil, alguns “bate-bocas”), para se decidir o que deveria ser ou não ser notícia. Depois desta reunião, o editor distribuía as matérias pelo número de páginas que possuía. A Folha trabalhava com um sistema de modulação, onde o editor desenhava (num módulo) o esboço da página que pretendia. “Esse desenho é só um esboço, sem grande reflexões sobre medidas”, completou o editor adjunto. “Eu não tenho tempo, e não é para ter porque isso tem que ter um perfil industrial, e eu tenho que resolver problemas rapidamente”, continuou. Assim, a modulação facilitava o trabalho que seria, posteriormente, passado ao diagramador. O diagramador, por sua vez, realizava o trabalho “mecânico” de montar a página no page maker (programa de layout de páginas), enquanto o redactor ia redigindo a matéria, para que quando esta estivesse pronta, o editor pudesse “baixá-la” na página. O editor lia a matéria, fazia as alterações que julgava necessárias, e “baixava” a matéria na página sob sua responsabilidade. “Eu vou fazer de tudo para que a matéria saia de acordo com as minhas expectativas, porque eu conheço as expectativas da direcção do jornal”, afirmou o editor adjunto. Os redactores sugeriam títulos, que muitas vezes passavam, mas se o editor não concordasse, era ele quem refazia os mesmos. Segundo Jorge Cláudio Ribeiro (1994), a Folha havia encarnado, de forma até agressiva, a filosofia de que a imprensa devia ter a organização e a disciplina típicas de uma actividade industrial. A dinâmica deste jornal não permitia que se “perdesse” muito tempo com os textos. Por isso havia um “padrão facilitador” para o título e para o lead79, que ajudava o trabalho dos jornalistas. Tratava-se, portanto, de um padrão industrial para a produção da notícia. Para o editor adjunto da secção Mundo da Folha, devido a estes mecanismos de produção, quando um jornalista começava a trabalhar neste jornal, era obrigado a aprender tais mecanismos e, mesmo que levasse algum tempo, uma vez aprendido (ou seja, socializado), via-se munido dos conhecimentos básicos necessários para que se pudesse participar na produção e, principalmente, no fechamento da edição. O trabalho

79

Em jornalismo, o lide, ou lead no original inglês, é a primeira parte de uma notícia, geralmente o primeiro parágrafo posto em destaque, que fornece ao leitor informação básica sobre o conteúdo que lhe segue e pretende prender-lhe o interesse. In https://pt.wikipedia.org/wiki/Lide_(jornalismo)

104

de “fecho” não exigia grandes conhecimentos. Tratava-se de um trabalho mais técnico, onde a alta rotatividade de pessoal não chegava a atrapalhar. Quanto ao trabalho de intervenção na matéria, este sim exigia do jornalista um conhecimento mais aprofundado. Portanto, quando um jornal conseguia unir os conhecimentos técnicos com a capacidade do jornalista em intervir nas matérias, ele alcançava o objectivo que todo jornal pretendia alcançar.

*

Normalmente, a editoria de Internacional do Estadão apresentava duas ou três páginas. “Se houver algo muito importante, a editoria ganha um pouco mais de espaço”, salientou o editor da manhã. Decidido quais matérias deveriam ser publicadas, o editor, em conjunto com o diagramador, “desenhava” as páginas e os redactores começavam a escrever os textos já no espaço que lhes fora destinado. Quando os textos estivessem prontos, os editores faziam-lhes uma revisão e enviavam a página para “rodar” (ou seja, imprimir. “Rodar” é uma expressão utilizada no Brasil com alusão à “Rotativa”, máquina usada para imprimir o jornal). Assim, no Estadão, todo esse processo deveria ocorrer até às 20h00. Em geral, a editoria Mundo era publicada com duas páginas e meia. Existia um certo critério para a distribuição das notícias, por exemplo, uma página possuía as matérias consideradas mais pesadas, e as outras as mais “lights”. Portanto, a escolha não era aleatória. Mas era na reunião das 16h00 que o editor, após já ter pensado nas matérias e na divisão das mesmas, que iria tentar “vendê-las” para a capa do jornal. Depois da reunião das 16h00, o editor recebia o “espelho” das páginas, com seus respectivos anúncios, começava a diagramá-las e, até às 20h00, deveria fechar a primeira edição do jornal (edição nacional). Às 23h00, acontecia o fecho da segunda edição do jornal (edição São Paulo). A diagramação nesta editoria processava-se da seguinte forma: “Uma vez que eu já tenho as fotos (porque sem as fotos não conseguimos diagramar, visto que, muitas vezes, um assunto “caído” se “levanta” com uma boa foto) já posso começar a diagramar”, explicou o editor adjunto. Neste momento, o editor já tinha na cabeça um esboço do que pretendia fazer.

*

105

A editoria de Internacional do Estadão contava, também, com o trabalho de agências de notícias como: Associated Press – AP (norte-americana), Associate France Presse – AFP (francesa), Reuters (inglesa), ANSA (italiana), DPA (alemã), UPI (norteamericana), EFE (espanhola), e a utilização de textos (sob convénio) dos jornais norteamericanos, New York Times, Los Angeles Times, Times, Washington Post, e do inglês, The Guardian. Os textos desses jornais podiam ser publicados na íntegra. Já, a Folha, trabalhava com três agências de notícias: Reuters, Associated Press e France Presse. Como, na maioria das vezes, os repórteres da editoria de Internacional não podiam estar no local do acontecimento, esta editoria era obrigada a contar muito com o trabalho dessas agências. No entanto, muitas vezes, essas agências possuíam uma linha editorial que não ia de encontro à política editorial do jornal. Quando isso acontecia, cabia à editoria “dar a volta” ao texto, para publicá-lo com a “cara” do jornal. No entanto, nada impedia a publicação de textos de agências na íntegra, desde que tais agências fossem citadas como a fonte dessas notícias. Na época em que este estudo foi realizado, o Estadão possuía correspondentes fixos somente em França e nos Estados Unidos. No entanto, havia freelancers em diversos países. Segundo o editor da manhã da secção de Internacional deste jornal, era muito difícil acontecer de uma notícia vir com um enfoque totalmente diferente da política editorial do jornal, visto que o que era pretendido, era conversado e combinado com antecedência. Como não havia grande rotatividade de profissionais, o editor da manhã disse que os correspondentes já sabiam o que o jornal pretendia, e que o jornal, por sua vez, também já sabia o que podia esperar de seus colaboradores. Além disso, os contactos diários, feitos por e-mail e telefone, minimizavam este tipo de problemas. Nesta mesma época, a Folha só possuía três correspondentes internacionais: dois nos Estados Unidos e um na Argentina. O editor adjunto da secção de Internacional deste jornal, afirmou que sentia “carência” de correspondentes em outros lugares do mundo, mas também que a direcção do jornal tinha consciência disso, mas preferia investir em outros sectores do jornal. Havia, também, o trabalho de freelancers que, às vezes, eram solicitados. No entanto, para haver interesse do jornal, o país em questão deveria estar no eixo da economia mundial. “A África, por exemplo, será notícia quando afectar a economia mundial ou quando acontecer algo de relevância como a morte de milhões de pessoas por causa da Aids (Sida). Mas têm que morrer milhões de pessoas para ser notícia”, enfatizou.

* 106

A editoria de Internacional do Estadão era uma secção de política internacional. Isso exclui assuntos como, conquistas científicas e saúde, que deveriam ser tratados pela editoria de Geral (correspondente à secção de Sociedade em Portugal). Por isso, alguns países que tinham grande destaque em conquistas científicas, mas, em contrapartida, tinham poucas variações em termos de política, dificilmente apareciam na secção de Internacional. “A Europa em geral, por ser politicamente muito estável, dificilmente aparece na editoria de Internacional”, enfatizou o editor da manhã do Estadão. Quanto ao número de pessoas que trabalhavam para esta editoria, o editor da manhã limitou-se a dizer que este número nunca era suficiente. No entanto, salientou que a equipa do Estadão era uma equipa antiga, bem entrosada (socializada) e que, por isso, sabia-se, de antemão, até onde se conseguia ir. Já a editoria de Internacional da Folha não trabalhava somente com assuntos de política internacional. Diferentemente dos outros jornais, essa editoria trabalhava, também, com assuntos comportamentais. Segundo o editor adjunto, “adoraríamos trabalhar mais com assuntos comportamentais. No entanto, não temos espaço para isso”. Assuntos como acidentes, catástrofes e doenças também eram publicados por esta editoria.

3.6 – Comparação dos jornais O Estado de São Paulo e Folha de São Paulo através da técnica do inquérito por questionário

No caso dos jornais brasileiros, cinco inquéritos foram respondidos por directores e editores do Estadão e seis inquéritos foram respondidos por directores e editores da Folha. x Perfil dos Respondentes: Os dados quantitativos dos questionários respondidos mostraram que, 40% dos respondentes do Estadão disseram que tinham entre 40 e 49 anos; enquanto na Folha, 33,33% afirmaram estarem nesta faixa etária, mas outros 33,33% disseram que tinham entre 25 e 29 anos. Por seu lado, nenhuns dos integrantes da redacção do Estadão (que responderam este questionário) apresentaram idades inferiores aos 30 anos. Deste modo, aqui também verificou-se que a direcção de redacção (directores e editores) da Folha era um pouco mais jovem do que a do Estadão. 107

Em ambos os jornais a nacionalidade dos respondentes era 100% brasileira. Em uma questão aberta que perguntava há quanto tempo os participantes trabalhavam no jornal, pode-se constatar que, dos cinco respondentes do Estadão, apenas um trabalhava no jornal há menos de oito anos. O restante dos entrevistados oscilava entre os oito e os 21 anos de jornal. Tratava-se, portanto, de uma redacção que, pelo menos no que tange a estes cargos, não possuía uma alta rotatividade. Também na Folha, apenas um dos seis respondentes disse trabalhar no jornal há menos de oito anos. O restante dos participantes oscilava entre os oito e os 18 anos de jornal. Isto pode nos leva a crer que, assim como nos jornais portugueses, em ambos os jornais brasileiros também não havia uma alta rotatividade de mão-de-obra. Ora, um jornalista que trabalha entre 8 e 18 anos dentro de um mesmo órgão de comunicação, ou está socializado com a redacção, como atestou Breed, ou, como afirmaram Donohue, Olien e Tichenor, os incentivos e coerções sobre ele, levam-no a seguir o seu “papel” dentro da instituição. Socializado ou conformado com a sua situação, o certo é que a maioria dos directores e editores de todos os jornais estudados trabalhavam em suas organizações há um tempo considerável. x Perfil Ocupacional dos Respondentes: Tanto no Estadão, quanto na Folha, 100% dos respondentes disseram ser licenciados. No Estadão todos eram licenciados no curso de Comunicação Social, com vertente em Jornalismo. Na Folha, apenas um se disse licenciado em outro curso. No Estadão, a maioria (80%) disse nunca ter trabalhado fora do País. As justificativas dadas para isso também passaram pelo facto de “não ter havido oportunidade”. Já na Folha também a maioria (80%) afirmou ter trabalhado fora do País. As justificativas para isso passaram pelo facto desses jornalistas terem trabalhado como correspondentes do jornal fora do país, ou terem coberto acontecimentos internacionais. Das funções já exercidas pelos respondentes, tanto no Estadão, quanto na Folha, bem como nos jornais portugueses, 100% disseram que já haviam trabalhado como repórter. No Estadão, 100% considerou a função de repórter e de as mais importantes do jornal.

108

Os entrevistados da Folha não responderam de forma muito diferente à esta questão. 100% apontaram a função de editor a mais importante e 80% ficaram-se pela função de repórter. Diferentemente dos jornais portugueses, aqui, a função de director quase não foi mencionada. x Funções melhor remuneradas: 80% dos respondentes do Estadão disseram que a função de director era uma das mais bem remuneradas. Em seguida, com 60%, ficou a função de editor. Na Folha, uma vez mais, a função de director foi esquecida. Em primeiro lugar no ranking das funções melhor remuneradas ficou a de editor, com 100% da preferência. Algumas questões forneceram dados a respeito do que pensavam os jornalistas sobre as organizações para as quais eles trabalham. Uma comparação entre as respostas fornecidas pela amostra de 5 inquiridos do Estadão e 6 da Folha apresentou os seguintes resultados:

Quadro 1 – Quais as capacidades exigidas para o bom desempenho na carreira do jornalista da imprensa escrita? Ordem de preferência

Nº de Votos Estadão 2

Conhecimentos Teóricos

Nº de Votos Folha 3

1

Criatividade

1

Domínio das Novas Tecnologias

1

Capacidade de Inovar

1

Capacidade de Assimilar a Política Editorial do Jornal

1

Outras

1

Estadão Criatividade Conhecimentos Teóricos



Total de inquiridos



5

6

Capacidade de Inovar

2

Criatividade

4

Criatividade

1

Conhecimentos técnicos

2

Conhecimentos Técnicos

1

_

_

Reciclagem

1

_

_

Total de inquiridos



Folha

5

6

Capacidade de Assimilar a Política Editorial do Jornal

3

Capacidade de Inovar

3

Capacidade de Inovar

1

Conhecimentos Teóricos

2

1

Reciclagem

1

Conhecimentos Técnicos

109

Total de inquiridos

5 Conhecimentos Teóricos



2

Domínio das Novas Tecnologias Reciclagem

1 1

Capacidade de Inovar

1

_

_

Total de inquiridos



Conhecimentos Técnicos Domínio das Novas Tecnologias Reciclagem Capacidade de Assimilar a Política Editorial do Jornal Criatividade

5 Conhecimentos Técnicos

2

Reciclagem

2

Criatividade

1

Total de inquiridos



6

3

Capacidade de Inovar

1

Conhecimentos Teóricos

1

Reciclagem Domínio das Novas Tecnologias Capacidade de Assimilar a Política Editorial do Jornal Capacidade de Inovar



1 1

3 1 1 1

6 Domínio das Novas Tecnologias Capacidade de Assimilar a Política Editorial do Jornal Conhecimentos Técnicos Capacidade de Inovar

Total de inquiridos

1 1

6

5 Domínio das Novas Tecnologias

2

5

2 2 1 1

6

Reciclagem

1

Domínio das Novas Tecnologias Capacidade de Assimilar a Política Editorial do Jornal Reciclagem

Conhecimentos Técnicos

1

Conhecimentos técnicos

1

Capacidade de Assimilar a Política Editorial do Jornal

1

Conhecimentos Teóricos

1

Criatividade

1

Conhecimentos Teóricos

1

Total de inquiridos

5

2 1 1

6

Como no capítulo anterior, aqui também os jornalistas tiveram que numerar oito itens (Criatividade, Conhecimentos Técnicos, Conhecimentos Teóricos, Domínio de Novas Tecnologias, Capacidade de Inovar, Capacidade de Assimilar a Política Editorial do Jornal e Outras), sendo que o número 1 foi atribuído à capacidade que consideravam mais importante para o bom desempenho da profissão e o número 8 atribuído ao item que consideravam menos importante.

110

A semelhança dos directores e editores dos jornais portugueses, a maioria aqui também numerou apenas sete itens, desconsiderando o que dizia “Outras”. Apesar do número reduzido de respondentes, pode-se observar que as respostas dos inquiridos em ambos os jornais foram bastante distintas. x Na Folha, por exemplo, talvez pelos jornalistas serem mais jovens, e a maioria licenciada em Comunicação, metade atribuiu como a primeira capacidade exigida para o bom desempenho da carreira do jornalista da imprensa escrita, os “Conhecimentos Teóricos”. Já no Estadão, apenas um dos inquiridos considerou este item em primeiro lugar. x Em segundo lugar, no Estadão, sobressaiu o item “Capacidade de Inovar”. Esta resposta foi coerente com a primeira opção destes jornalistas, visto que a “Criatividade” (item que havia sido votado para o primeiro lugar da tabela, por dois inquiridos do Estadão) depende muito da “Capacidade de Inovar”. Já nesta posição, a maioria dos respondentes da Folha optou pelo item “Criatividade”. Uma hipótese que se pode levantar do que foi exposto até aqui, é que os respondentes da Folha poderiam julgar que, para serem criativos, era necessário, antes de mais, terem uma boa base teórica. Daí o porquê do item “Criatividade” encontrar-se na segunda posição, após o item “Conhecimentos Teóricos”. x Para terceiro lugar, após a “Criatividade” e a “Capacidade de Inovar”, 3, dos 5 jornalistas inquiridos do Estadão julgaram que deveriam ter “Capacidade de Assimilar a Política Editorial do Jornal”, para desempenharem um bom trabalho. Nesta posição, metade dos da Folha escolheram o item “Capacidade de Inovar”, mostrando uma certa coerência nesta escolha, visto que na posição anterior haviam optado pelo item “Criatividade”. x Em quarto lugar no Estadão a preferência recaiu sobre o item “Conhecimentos Teóricos”. Aqui observa-se que os respondentes do Estadão deram bem menos importância a este item do que os da Folha. Nesta posição, o item que mais sobressaiu na Folha foi “Conhecimentos Técnicos”.

111

Neste quadro também se pode observar que, em ambos os jornais, existia uma preocupação muito pequena com o item “Domínio das Novas Tecnologias”, apesar de ambos, já nesta altura, trabalharem com o que havia de mais moderno neste campo.80 Além disso, também vale salientar que os jornalistas da Folha deram pouca importância ao item “Capacidade de Assimilar a Política Editorial do Jornal”. Quadro 2 – A recompensa maior nesta profissão está na: Ordem de preferência



Estadão

Nº de Votos Estadão

Folha

Nº de Votos Folha

Conhec. Adquiridos

3

Conhec. Adquiridos

4

Estabilidade

1

Funções que exerce

1

Funções que exerce

1

Outras

1

Total de inquiridos

5 Funções que exerce

2

Remuneração

1

Conhec. Adquiridos

1

Funções que exerce

1

Autonomia de decisões

1

_

_



Total de inquiridos



80

Conhec. Adquiridos

4 1

6

Autonomia de decisões

3

Funções que exerce

3

Remuneração

1

Autonomia de decisões

2

Funções que exerce

1

Outras

1

5

6

Remuneração

2

Funções que exerce

2

Estabilidade

1

Autonomia de decisões

2

Autonomia de decisões

1

Estabilidade

1

Funções que exerce

1

Remuneração

1

Estabilidade

3

Estabilidade

3

Remuneração

1

Autonomia de decisões

2

Total de inquiridos 5º

Remuneração

5

Total de inquiridos



6

5

6

Julgo que se esta pergunta fosse colocada hoje (2016) este item teria mais visisbilidade.

112

Conhec. Adquiridos

1

Total de inquiridos

Conhec. Adquiridos

5

1

6

Neste quadro foi importante reter que, x Por um lado, os respondentes de ambos os jornais consideraram que a recompensa maior nessa profissão estava nos “Conhec. Adquiridos” (Conhecimentos Adquiridos). x Por outro lado, o item que ocupou o quinto lugar neste quadro, ou seja, o qual os inquiridos de ambos os jornais atribuíram menos importância, foi o item “Estabilidade”.

Quadro 3 - Quais motivos levam os jornalistas a mudarem de órgão de comunicação? Ordem de preferência



Estadão

Nº de Votos Estadão

Folha

Nº de Votos Folha

Melhor Remuneração

3

Melhor Remuneração

3

Estabilidade

1

Cargo mais atraente

2

Cargo mais atraente

1

Ascenção Profissional

2

Total de inquiridos



5 Cargo mais atraente

2

Melhor Remuneração

2

Maior Autonomia

1

Ascenção Profissional

2

Aperfeiçoamento obtido através de outros cursos

1

Cargo mais atraente

1

Melhor Remuneração

1

Estabilidade

1

Total de inquiridos



7*

5

6

Ascenção Profissional

4

Cargo mais atraente

3

Maior Autonomia

1

Ascenção Profissional

1

_

_

Melhor Remuneração

1

_

Maior Autonomia

_

5

Total de

113

1

6

inquiridos



Cargo mais atraente

2

Estabilidade

3

Estabilidade

1

Maior Autonomia

2

Maior Autonomia

1

Ascenção Profissional

1

Ascenção Profissional

1

_

_

Total de inquiridos



5 Aperfeiçoamento obtido através de outros cursos

2

Aperfeiçoamento obtido através de outros cursos

4

Estabilidade

2

Estabilidade

1

Melhor Remuneração

2

Maior Autonomia

1

Total de inquiridos



6

5

6

Aperfeiçoamento obtido através de outros cursos

2

Aperfeiçoamento obtido através de outros cursos

2

Maior Autonomia

2

Maior Autonomia

2

Estabilidade

1

Outras

1

Total de inquiridos

5

5**

* Dos seis inquiridos da Folha, um considerou dois itens em primeiro lugar no ranking dos principais motivos que o levaria a mudar de trabalho. Por isso o primeiro lugar teve um total de 7 votos. ** Apenas 5 jornalistas da Folha avaliaram um item que deveria ocupar o sexto lugar da tabela.

x Para a maioria dos jornalistas do Estadão, o principal motivo que os levaria a mudar de trabalho (órgão de comunicação) seria receber uma “Melhor Remuneração”. Também na Folha, o item mais votado foi este. Se considerarmos a situação económica do Brasil na época, é fácil entender porque este item ocupou a primeira posição. x Em relação ao segundo lugar, observou-se que os jornalistas do Estadão estavam mais preocupados com a satisfação profissional (“Cargo mais Atraente”) do que os da Folha. Talvez isso ocorresse devido ao facto dos inquiridos da Folha serem mais jovens e, portanto, estarem mais preocupados com o futuro financeiro (“Melhor Remuneração”) do que com a satisfação profissional. Os do Estadão, por serem mais velhos, podiam já contar com uma situação financeira mais estável e, portanto, só mudariam de órgão de comunicação se o cargo que lhes fosse oferecido fosse mais atraente.

114

x Para o terceiro lugar, novamente observou-se uma maior preocupação dos jornalistas do Estadão com a satisfação profissional (“Ascensão Profissional”). x Observando a sexta posição, pôde-se constactar que os inquiridos de ambos os jornais deram menos importância aos itens “Aperfeiçoamento obtido através de outros cursos” e “Maior Autonomia”, do que aos itens “Melhor Remuneração”, “Cargo mais Atraente”, “Ascensão Profissional” e “Estabilidade”.

Ou seja, a maioria destes jornalistas preocupava-se mais com a satisfação financeira e profissional, sem preocuparem-se se, para tanto, teriam maior autonomia ou fosse necessário aperfeiçoarem-se através de outros cursos.

Quadro 4 – Quais factores influenciam a imagem do jornalista da imprensa escrita? Ordem de preferência



Estadão

Nº de Votos Estadão

Folha

Nº de Votos Folha

Competência Profissional

4

Competência Profissional

4

Nível de organização

1

Ética Profissional

2

Total de inquiridos

5 Ética Profissional



2

Ética Profissional

4

Nível de remuneração

2

Competência Profissional

1

Curso Superior na Área

1

Liberdade Profissional

1

Total de inquiridos



5

6

Função Social da Profissão

2

Função Social da Profissão

4

Liberdade Profissional

2

Prestígio Social

1

1

Competência Profissional

1

Ética Profissional

Total de inquiridos



6

5

11

Nível de Remuneração

2

Prestígio Social

3

Ética Profissional

1

Nível de remuneração

2

Função Social da Profissão

1

Liberdade Profissional

1

Nível de organização

1

_

_

115

Total de inquiridos

5 Liberdade Profissional

2

Prestígio Social

2

Competência Profissional

1

Prestígio Social

1

_

_

Função Social da Profissão

1



Total de inquiridos



2 2

6

Curso Superior na Área

2

Curso Superior na área

3

Função Social da Profissão

1

Nível de remuneração

1

Prestígio Social

1

Liberdade Profissional

1

Nível de organização

1

5

5*

Nível de organização

1

Nível de organização

2

Ética Profissional

1

Nível de remuneração

2

Nível de remuneração

1

Prestígio Social

1

Liberdade Profissional

1

Liberdade Profissional

1

Curso Superior na Área

1

_

_

Total de inquiridos



Liberdade Profissional Curso Superior na área

5

Total de inquiridos



6

5

6

Prestígio Social

2

Nível de organização

Função Social da Profissão

1

Nível de remuneração

1

Nível de organização

1

_

_

Total de inquiridos

5

3

4**

* Apenas 5 inquiridos da Folha escolheram um item para ocupar o sexto e sétimo lugar da tabela. ** Apenas 4 inquiridos da Folha avaliaram um item para ocupar o oitavo lugar.

Nesta questão, importa salientar que, metade das respostas dadas pelos jornalistas de ambos os jornais apontaram para os mesmos itens, e que,

116

x Em primeiro lugar, a maioria dos inquiridos de ambos os jornais classificaram o item “Competência Profissional”, como o principal factor de influência na imagem do jornalista da imprensa escrita. x E, em oitava e última posição, enquanto no Estadão, o maior número de votos recaiu sobre o item “Prestígio Social”, na Folha, a maioria dos jornalistas que responderam á esta questão escolheu o factor “Nível de Organização”, ou seja, atribuíram pouca importância à organização (conselhos, sindicatos, associações) da profissão. Quadro 5 – Qual a imagem que você tem dos empresários na sua área profissional? Ordem de preferência



Liberais

1

Liberais

Nº de Votos Folha 2

Inovadores

1

Competentes

1

Oferecem remuneração adequada

1

Oferecem remuneração adequada

1

Competentes

1

Incentivam a carreira

1

Outros

1

Outros

1

Estadão

Total de inquiridos



Total de inquiridos 4º

Folha

5

6

Competentes

2

Incentivam a iniciativa

2

Incentivam a iniciativa

1

Inovadores

1

Liberais

1

Competentes

1

_

_

Oferecem remuneração adequada

1

Total de inquiridos



Nº de Votos Estadão

5

5*

Incentivam a Carreira

2

Competentes

2

Incentivam a Iniciativa

1

Incentivam a iniciativa

1

Liberais

1

Inovadores

1

Inovadores

1

Oferecem remuneração adequada

1

5 Inovadores

2

117

5* Liberais

3

Incentivam a iniciativa

1

Incentivam a carreira

1

Oferecem remuneração adequada

1

Incentivam a iniciativa

1

Total de inquiridos

5 Incentivam a carreira



5*

2

Inccentivam a carreira

3

Inovadores

1

Inovadores

2

Competentes

1

_

_

Liberais

2

Liberais

1

Oferecem remuneração adequada

1

Inovadores

1

Outros

1

Incentivam a iniciativa

1

_

_

Oferecem remuneração adequada

1

_

Outros

Total de inquiridos

5



_

Total de inquiridos

4**

5*

1

5*

* Apenas 5 inquiridos da Folha seleccionaram um item para ocupar o segundo, terceiro, quarto, quinto e sexto lugar da tabela. ** Apenas 4 inquiridos do Estadão avaliaram um item para ocupar o quarto, quinto e sexto lugar da tabela.

Nesta pergunta, grande parte dos inquiridos teve dificuldade em escolher as opções apresentadas. x Os jornalistas do Estadão que responderam a esta questão não conseguiram chegar a um consenso quanto ao item que, em primeiro lugar, melhor representava a imagem dos empresários desta área profissional. No entanto, o item “Liberais” apresentou uma vantagem residual quando comparado aos outros itens seleccionados pelos respondentes da Folha. x Já na última posição da tabela, metade dos respondentes do Estadão escolheu o item “Liberais”, enquanto os da Folha, aqui, dividiram-se entre diversos factores.

* 118

Numa questão aberta, quando questionados sobre quais objectivos o jornalista da imprensa escrita deve atender, os jornalistas do Estadão responderam: Informar, Analisar, Promover a justiça, Ser objectivo, Isento, Independente, Crítico, Responsável, Ético, Competente, Honesto. Entre os jornalistas da Folha que responderam a esta questão, os objectivos apresentados foram: Ser objectivo, Claro, Defender a cidadania, Vigiar, Informar, Questionar, Esclarecer, Promover o debate público e, também, Obter satisfação pessoal. Os jornalistas aqui procuraram exaltar os valores que consideravam necessários para obterem uma boa notícia. São os chamados valores-notícias onde, nos dois jornais em questão, destacaram-se Informar e Ser objectivo. Quanto a política editorial do jornal, 100% dos respondentes de ambos os jornais afirmou conhecê-la. No entanto, apesar de todos os inquiridos da Folha ter afirmado que concordava com ela; no Estadão, uma minoria arriscou dizer que não concordava com ela. Partindo do princípio de que as notícias publicadas eram previamente, escolhidas, quais eram, então, os critérios que ajudavam a determinar a escolha dessas notícias? A maioria dos respondentes do Estadão salientou a “Importância da Notícia”: importância para o leitor, importância da repercussão para o grande público, ou seja, a abrangência da notícia devido ao grau de interesse do leitor. Além disso, também foram citados os itens, Objectividade, Clareza e Talento do Repórter. Também na Folha, a maioria disse ser a Importância / Relevância da Notícia o principal factor responsável pela sua escolha: a relevância histórica, política, social e jornalística do facto. Ainda os respondentes deste jornal referiram os itens Ineditismo, Clareza, Objectividade, Ponto de Vista, Tamanho e Singularidade. Ainda no âmbito da escolha das notícias, os jornalistas foram indagados sobre a existência ou não preconceito ao sefectuarem tal escolha. A maioria (4 dos 5 respondentes do Estadão disseram que NÃO. Também, na Folha, a maioria (4 dos seus 6 respondentes) disseram que NÃO. Aqui ficou nítido que maioria dos respondentes de ambos os jornais julgava que NÃO existia preconceito na escolha das notícias. As justificativas para tanto passaram pelas seguintes explicações: “Não existe preconceito, o que pode existir são diferentes formas de avaliar a notícia (Estadão)”; “Nunca houve tanta autonomia para o jornalismo na Folha, como temos agora (Folha)”. No entanto, a minoria que admitiu a existência de algum preconceito, justificou-o dizendo: “Em alguns casos prevalece o ponto de vista da classe média. Um crime em área nobre ganha mais espaço do que dez crimes na periferia (Estadão)”; “Existe preconceito na hora de seleccionar a notícia para apurá-la e publicá-la (Estadão)”; “A escolha sempre 119

é feita com certa dose de subjectividade e ideologia (Folha)”; “Existem fontes “viciadas” ou interesses mal explicados por trás da informação (Folha)”. Nesta questão podemos observar uma contradição quando, na questão anterior, alguns jornalistas citaram a objectividade como um dos critérios que ajudam a determinar a escolha da notícia, e, agora, um jornalista afirma que essa escolha sempre é feita com certa dose de subjectividade e ideologia. Contudo, apesar da maioria dos jornalistas de ambos os jornais ter considerado que não existia preconceito na escolha das notícias, quando questionados sobre o que aconteceria caso apresentassem uma notícia que fosse contra a orientação política do jornal, metade dos jornalistas do Estadão que respondeu a esta questão afirmou que a notícia seria analisada, sofreria mudanças ou teria grandes chances de não ser publicada. Um dos inquiridos disse que, “dependendo da importância, a notícia é avaliada pela chefia de redacção” e outro disse ainda que, no Estadão, “não há uma orientação política, no sentido de veto a fontes ou assuntos”. Já, na Folha, a maioria afirmou que não lhes aconteceria “nada”. Um deles disse que aconteceria “uma possível repressão e, em caso extremo, uma demissão”, e outro deixou a resposta “no ar”, dizendo apenas: “Depende...” Se, como vimos no Estadão, 100% dos inquiridos disseram conhecer a política editorial do jornal e a maioria afirmou concordar com ela, como agora um dos respondentes pôde dizer que “não existe uma orientação política no jornal”? Ou este respondente já assimilou, por “osmose”, a orientação política do jornal, ou devido à necessidade, ele foi coagido a pensar desta forma. Na Folha, esta socialização ou conformismo pôde ser comprovada através de uma resposta dada à uma questão anterior, em que um dos inquiridos desse jornal afirmou que os jornalistas da Folha nunca tiveram tanta autonomia para trabalhar como têm actualmente. Deste modo, é compreensível o facto da maioria dos respondentes da Folha ter afirmado que “nada” lhes acontece, caso apresentassem uma notícia que fosse contra a orientação política do jornal. Ainda acerca das escolhas que são feitas pelo jornal, os respondentes de ambos os jornais foram questionados se o que era divulgado pela concorrência influenciava as decisões dos seus jornais. A maioria (60%) dos inquiridos do Estadão disse que “ÀS VEZES” eram influenciados pela concorrência e o restante (40%) respondeu que “QUASE SEMPRE” esta influência acontecia. Já, apesar da maioria dos respondentes da Folha (66,66%) também ter afirmado que “ÀS VEZES” sofria influência da 120

concorrência, o restante (33,33%) foi mais categórico ao dizer que esta influência “SEMPRE” acontecia. A maioria dos jornalistas do Estadão classificou o seu “leitor típico” como “um público bem informado, de classe média, conservador e de boa escolaridade”. Também para a maior parte dos jornalistas da Folha existia um leitor típico, definido através de pesquisas periódicas. No entanto, os inquiridos da Folha não definiram o perfil desse leitor.81 Quanto às fontes de informação que estes jornais utilizavam, 100% dos jornalistas de ambos os jornais disseram que utilizavam fontes oficiais e não oficiais de informação, agências noticiosas e Internet. No entanto, a maioria dos inquiridos não soube informar a percentagem das informações provenientes das fontes oficiais. Apenas um jornalista da Folha arriscou um número (“Em torno de 50%”), outro disse depender do assunto e da ocasião, e outro disse que não sabia, mas que acreditava que o percentual das fontes oficiais de informação fosse grande. Em relação às agências de notícias, 100% dos entrevistados de ambos os jornais disseram que o jornal para o qual trabalhavam recebia informações de diversas agências noticiosas. Entre elas, os nomes mais citados pelos respondentes do Estadão foram: EFE, AFP (France Presse) e Reuters. Em seguida, falaram também da AP (Associated Press), DPA, Nytservice, LUSA, ANSA, Mercosul e AE (Agência Estado). Na Folha, as agências mais citadas foram: AP, AFP e Reuters, e em seguida falou-se também da EFE e da Lancenet. Questionados sobre como se dava a escolha de uma notícia proveniente destas diversas agências, os editores assumiram seus papéis de “gatekeepers”, dizendo que os critérios utilizados para a escolha das notícias passavam pela Confiabilidade (“A Reuters é a mais confiável”), pela Qualidade da Informação (prefere-se a mais completa, detalhada e didáctica) e que dependia da Importância / Relevância da Informação (“Todas são analisadas”). Alguns editores disseram ainda que as informações das diversas agências eram cruzadas, e que a partir daí era realizado um novo trabalho, com os diversos relatos obtidos (“As informações não são excludentes”; “Aproveitamos as melhores informações de cada agência”; “Todas são lidas e, a partir daí, monta-se o texto”). 100% dos respondentes de ambos os jornais afirmaram que não existia um número máximo de notícias que, diariamente, cada secção podia publicar. Quanto aos assuntos em que os jornais costumavam centralizar-se, metade dos inquiridos do 81 Aqui também convém referir que os inquiridos do Estadão não especificaram o que entendiam ser um leitor de “Classe Média”.

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Estadão forneceram respostas muito vagas: “Assuntos mais importantes”; Assuntos que interessam o leitor”… Um deles afirmou que os assuntos mais divulgados eram os de política e economia, e outro juntou a esses dois, os assuntos locais (regionais) e nacionais. O mesmo aconteceu com os respondentes da Folha. A maioria deu a esta questão respostas óbvias como: “Nas notícias mais relevantes”; “Nos assuntos que tenham mais importância”; “Depende da editoria”; “Em assuntos macroeconómicos; A falta de espaço impede uma visão mais pormenorizada dos assuntos”… Apenas um, em conformidade com o que disseram outros dois jornalistas do Estadão, afirmou que a Folha também centralizava-se sobre os assuntos de política e economia. No entanto, contradizendo todas as respostas anteriores, um outro jornalista afirmou que, na Folha, “Não há assuntos centrais”. Como decidir, então, qual a melhor forma de se “cobrir”um acontecimento? Para dois jornalistas do Estadão, “Não existe uma regra. Tudo é avaliado caso a caso”. Um dos respondentes afirmou que dependia da importância do assunto e outro disse que tudo era decidido de acordo com o que se tinha na pauta, e com o perfil do repórter. Já, para outro, “o ideal seria que todas as notícias fossem cobertas pessoalmente. Porém, devido à quantidade de assuntos para se cobrir, muita coisa tem que ser feita por telefone”. Foi curioso observar que, diferente dos jornais portugueses, nenhum dos jornalistas do Estadão fez referência à disponibilidade de recursos ou delegou a responsabilidade dessa escolha ao editor do jornal. No entanto, para dois inquiridos da Folha, a cobertura de um acontecimento dependia dos recursos disponíveis e dos custos da operação, e, para outro, isto “fica a critério do editor”. Outro respondente foi menos específico ao dizer que dependia de “vários factores”. Como no Estadão, também na Folha um dos inquiridos referiu que não havia regras. “Cada caso é um caso”. Já para outro, dependia da disponibilidade da equipa. Por fim, um deles também salientou a relevância jornalística do acontecimento. O

Estadão

encontrava-se

dividido

nas

seguintes

editorias

(secções):

Internacional, Nacional, Geral, Cidades, Esportes (desporto), Economia, Caderno 2 (artes e cultura). O número de páginas de cada editoria era variável. A Folha estava dividida nas seguintes editorias: Mundo (internacional), Brasil (nacional), Local (regional), Esportes (desporto), Dinheiro (economia) e Ilustrada (artes e cultura). Assim como no Estadão, o número de páginas de cada editoria da Folha também era variável. 122

Entre as diversas formas de relato que o jornal pode utilizar, 100% dos jornalistas do Estadão referiu: Reportagem, Entrevista, Editorial, Artigo, Resenha, Coluna, Crónica, Caricatura e Carta. Na Folha, 100% dos inquiridos respondeu: Reportagem, Artigo, Resenha e Carta. Observou-se que, em nenhum dos jornais brasileiros houve um consenso sobre a utilização do género Notícia82. Quando questionados sobre como a pauta era produzida, dois jornalistas do Estadão afirmaram que era “através de reuniões”. Um disse que era através de análise das notícias, e outro referiu que era seleccionando as mais importantes. Na Folha as respostas foram mais completas: um dos inquiridos disse que a pauta era produzida com base nas agências de notícias, em leitura de outros jornais, e em produção própria da equipa. Um deles explicou que uma pré-pauta era elaborada no dia anterior e, posteriormente, a pauta era “refinada” pelo pauteiro, e que depois havia uma reunião com todas as editorias. Aliás, reuniões semanais e diárias, intra e inter editorias, foi outro factor salientado pela maioria dos inquiridos da Folha. Segundo os respondentes do Estadão, os factores que afectavam a produção da pauta eram: Ineditismo, Importância do Assunto e sua Proximidade com o Leitor. Já para os jornalistas da Folha, além da Importância e Ineditismo do Assunto, a produção da pauta dependia do “bom senso jornalístico”. A hierarquização dos temas escolhidos era determinado tanto num jornal, como no outro, pelos pauteiros ou editores responsáveis pela abertura do jornal e pelos editores. Alguns jornalistas lembraram, ainda, a participação da direcção. Partindo do pressuposto de que o tempo influencia o trabalho dos jornalistas, uma questão pertinente foi: Como se dava essa influência? Os jornalistas do Estadão não souberam explicar como o tempo influenciava os seus trabalhos. A maioria (80%) limitou-se a dizer que esta influência acontecia “Sempre” e, portanto, que a influência era “Muita”. A minoria (20%) salientou que, quando havia redução de pessoal, sobrava menos tempo para realizar todas as tarefas. Já os jornalistas da Folha foram mais específicos. Em concordância com os do Estadão, 100% disseram que o factor tempo influenciava “Sempre” e que esta influência era “Muita”. Tratava-se, portanto, de uma verdadeira “luta” contra o relógio. No entanto, metade dos respondentes deste jornal salientou que era o dead-line que

82 A importância relativa da Notícia descresceu de forma acentuada nos anos da ditadura militar (Ver Chaparro, 1998:87)

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definia todo o processo industrial de colecta e análise da notícia, ou seja, “Devido ao fecho apertado da edição do jornal, há pouco tempo para se apurar os factos”. Quanto ao aparecimento de Portugal na pauta dos jornais brasileiros, a maioria (66,66%) dos respondentes da Folha disse que Portugal só aparecia na pauta quando acontecia algo importante. 33,33% afirmaram, entretanto, que isto raramente acontecia. No entanto, 33,33% também disseram que as notícias sobre Portugal que chegavam à redacção eram tratadas com a atenção que mereciam, considerando seus níveis de relevância para o Brasil. Por outro lado, a maioria (66,66%) julgava que tais notícias eram tratadas de forma marginal, ou seja, que lhes era dada pouca importância, visto que, em geral, eram pouco relevantes para o Brasil. Já metade dos respondentes do Estadão afirmou que Portugal não tinha que aparecer, necessariamente, na pauta do jornal. “Entra quando o assunto tem interesse para os brasileiros”. No entanto, para os outros 50%, Portugal aparecia eventualmente na pauta sendo que, ultimamente, estava a aparecer com mais frequência. Também para 50% dos jornalistas do Estadão, as notícias sobre Portugal eram tratadas com menos atenção do que deveriam, “são menos intensas”. Isso devia-se ao facto de Portugal ocupar uma pequena parcela nos assuntos de interesse relativos à Europa. Os jornais brasileiros costumavam dar mais atenção aos países europeus que consideravam serem mais importantes para a economia mundial, e Portugal não era um deles. Apesar de dados do site da embaixada portuguesa no Brasil indicar que, no recenseamento populacional brasileiro de 1991 foi calculado pelos Serviços do Ministério dos Negócios Estrangeiros português, entre 1.000.000 e 1.200.000 indivíduos de nacionalidade portuguesa, incluindo os bi-nacionais, observou-se que os jornais brasileiros não demonstraram muito interesse por Portugal, e nem por assuntos relacionados à comunidade portuguesa residente no Brasil.

Capítulo 4 – Identificação das diferenças e semelhanças encontradas nos quatro jornais em questão

4.1 - Comparando a estrutura dos jornais: Diário de Notícias, Público, O Estado de São Paulo e Folha de São Paulo

Como o objectivo deste projecto era comparar o processo de produção de notícias de dois jornais portugueses com dois jornais brasileiros, as semelhanças e diferenças encontradas na comparação desses quatro jornais foram: 124

No DN a reunião de redacção (no dia 20 de Novembro de 2003), começou às 10h45 (estava prevista começar às 10h30) e teve 45 minutos de duração. No Público a reunião de redacção (no dia 09 de Dezembro de 2003) começou às 12h00 (estava prevista para começar às 11h00) e teve uma hora de duração. Ou seja, nos jornais portugueses ambas reuniões começaram com atraso. A primeira com 15 minutos, e a segunda com 1 hora de atraso. Nos jornais brasileiros, Estadão e Folha, as reuniões de redacção (nos dias 14 e 22 de Janeiro de 2004, respectivamente) começaram no horário previsto, ou seja, às 10h00 e 9h00, e tiveram uma hora de duração. No entanto, como a minha participação nestas reuniões deu-se somente durante um dia em cada jornal, não me foi possível afirmar se isto era prática comum em todos os jornais, e se tais factos influenciavam o processo de produção de notícias desses jornais. Através da observação directa percebeu-se, também, aquilo que o senso comum sobre a profissão de jornalista já havia mostrado durante a graduação, ou seja, que o jornalista, normalmente, não possui um horário fixo de trabalho, porque o seu trabalho acontece conforme surgem as notícias. No entanto, os jornalistas do Público mostraramse menos preocupados com a questão do horário de início dos trabalhos do que os do DN. Isto talvez tenha acontecido porque a redacção do Público era composta por um pessoal mais jovem, era mais descentralizada, e possui uma autonomia maior quando comprada à redacção do DN. No entanto, independentemente do horário de início dos trabalhos, todas as editorias, de todos os jornais estudados, já haviam iniciado as tarefas do dia, no dia anterior. Ou seja, comum à todos os jornais estudados foi o trabalho de gatekeeping iniciado no dia anterior, através da preparação de uma “pré-pauta”, para que a mesma pudesse ser trabalhada no dia seguinte. Esta “perspectiva de pauta” nada mais era que o trabalho de agendamento (agenda-setting) dos assuntos que os jornais consideravam de maior importância para o seu público. Viu-se, com isso, que aquilo que os jornalistas achavam que o público considerava prioritário, acabava por definir o que os jornais publicavam. Ou seja, se os jornalistas achassem que o público não se interessava por economia, faziam com que o jornal não publicasse notícias sobre este tema, ou, se este o fizesse, seria em pouca quantidade. Ou seja, com base nos temas que julgavam ser de interesse do seu público, os jornalistas elaboravam a “pré-pauta”, faziam as notícias e publicavam-nas reforçando o âmbito de interesses do público nestes temas.

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Portanto, se as pessoas não estivessem predispostas a lerem notícias sobre um determinado tema e, por isso, os jornais não as veiculassem, como seia possível, então, criar-se o hábito da leitura sobre estes temas? Quanto menor fosse a experiência directa que as pessoas tivessem de uma determinada área temática, mais as pessoas iriam depender dos meios de comunicação de massa para obterem essas informações e, a partir daí, formarem quadros interpretativos a respeito desta área. Daí a importância dos mass media divulgarem (de modo atractivo) estes tipos de notícias. Assim, um assunto valorizado pelo jornal teria quase todas as probabilidades de passar a ser também valorizado pela agenda dos leitores. A isto o teórico Mauro Wolf chamou de tematização. “Tematizar um problema significa, de facto, colocá-lo na ordem do dia da atenção do público, dar-lhe relevo adequado, salientar a sua centralidade e o seu significado em relação ao fluxo da informação não-tematizada (1987:163)”. Mas o processo de construção da agenda-setting partia dum procedimento padrão que previa uma comparação entre a agenda dos mass media e a agenda do público, ou seja, uma avaliação conjunta do conteúdo dos meios de comunicação era confrontada com uma avaliação conjunta dos conhecimentos que os destinatários possuíam e, assim, num processo colectivo, e com um certo grau de reciprocidade, a agenda era determinada. Assim, pôde-se concluir que, O dia de qualquer dos jornais estudados começava com a chamada reunião de redacção. Nesta, os jornais portugueses faziam uma avaliação das suas edições do dia, com críticas e sugestões para melhorarem as suas performances no dia seguinte. Por isso, estes jornais também costumavam avaliar os jornais concorrentes. Também no jornal brasileiro Folha, a reunião de redacção iniciava com os jornalistas a discutirem se haviam o não “tomado furos” na edição do dia. Somente no Estadão não foi vista muita importância dada à edição do dia. Neste jornal, a reunião de redacção iniciou com os pauteiros (editores responsáveis pela abertura do jornal) a dizerem quais os assuntos que pretendiam abordar na edição seguinte, percebendo-se, portanto, que nos quatro jornais em estudo o processo de selecção de notícias acabou por sofrer a influências de diversos gatekeepers, sendo que a maioria deles preocupou-se mais com passado, a fim de melhorar o futuro; e apenas o Estadão procurou não olhar muito para o passado, mantendo mais os olhos no futuro. 126

Na reunião de redacção, os jornalistas (pauteiros, editores e directores) trocavam impressões e definiam quais os temas seriam explorados na edição em andamento. Por ser uma instituição muito antiga (datada de 1875) e já consolidada no País, o Estadão concentrava seus esforços na manutenção da sua posição no jornalismo de referência do Brasil. Por isso, durante a reunião de redacção deste jornal não se observou grande preocupação com a concorrência, ou seja, com o que os jornais equivalentes haviam feito em edições anteriores. A Folha, por sua vez, tratava-se de um jornal bem mais jovem (datada de 1921), mas que também já possuía uma estrutura sólida. No entanto, ainda preocupava-se muito com o lugar que ocupava, em relação à concorrência, e com o lugar que ainda poderia ocupar no jornalismo de referência do Brasil. Foi interessante observar que, enquanto nos jornais brasileiros participaram das reuniões de redacção, por telefone, as sucursais (delegações) no Rio de Janeiro e em Brasília, os jornais portugueses não possuíam sucursais em outras regiões do País. Neste sentido pode-se dizer que a dimensão geográfica de Portugal dispensa a instalação de sucursais em outras regiões do País. Entretanto, a importância que Portugal dá aos países da União Europeia (sobretudo com correspondentes em alguns destes países) é a mesma que o Brasil direcciona aos estados do país como o Rio de Janeiro e Brasília. Assim vale salientar que os jornalistas das sucursais brasileiras e os correspondentes de Portugal na União Europeia também funcionam como gatekeepers dentro da estrutura organizacional desses jornais. Uma das principais diferenças encontradas entre os jornais brasileiros e portugueses foi a de que, enquanto nos jornais brasileiros existiam pauteiros (responsáveis pela abertura do jornal) e editores responsáveis pelo fechamento do jornal; nos jornais portugueses essa divisão não existia. No Brasil havia os pauteiros ou “editores da manhã”, que chegavam no jornal por volta das 7h00 e se iam embora às 18h00; e havia os “editores da noite”, que chegavam no jornal por volta das 14h00, e só iam embora quando a edição estivesse pronta. Em Portugal cada editoria possuía apenas um editor. Quando o editor não estava presente, a responsabilidade pela secção passava para as mãos do chamado editoradjunto. Estes eram os responsáveis tanto pela abertura quanto pelo fechamento da edição. Participaram da reunião de redacção nos jornais portugueses, 14 editores do DN e 16 editores do Público, dos quais apenas oito eram mulheres (duas do DN e seis do 127

Público). Nos jornais brasileiros, o Estadão contou com a participação de 13 editores, sendo apenas dois do sexo feminino, e a Folha com 12 editores, sendo que todos eram do sexo masculino. Portanto, o Público foi o jornal que apresentou mais mulheres a trabalhar a frente das editorias, mas viu-se que, de um modo geral, estas editorias eram muito mais masculinizadas. Assim, mesmo que isso viesse a influenciar o processo de produção de notícias (factor que não foi explorado), aconteceria tanto no Brasil, como em Portugal. Quanto à faixa etária, enquanto a maioria dos editores do DN e do Estadão possuíam entre 40 e 49 anos; no Público a maioria era um pouco mais jovem, tendo entre 35 e 39 anos (no entanto, esta diferença etária não era suficiente para provocar diferenças significativas no processo de produção das notícias). Na Folha, um terço dos editores tinham entre os 25 e 29 anos, enquanto outro terço estava entre os 40 e 49 anos. Na Folha percebia-se uma discrepância maior entre as idades dos editores, mas que também acabava por não influenciar o processo de produção de notícias, pois todos faziam parte dum mesmo processo. Quanto às decisões tomadas durante a reunião de redacção pode-se dizer que, no DN, o primeiro assunto a ser discutido era o tema da rubrica DNTEMA, ou seja, o destaque do jornal. Depois cada editor falava sobre o que tinha programado na agenda de sua secção. No Público aconteceu o contrário, ou seja, primeiro cada editor falou sobre a sua respectiva agenda e o DESTAQUE deste jornal só foi decidido no final da reunião. Já nos jornais brasileiros não houve esse tipo de discussão. Se existisse algum tema para ser destaque nestes jornais, este só era discutido na reunião do fim do dia (aquela que acontece por volta das 17h00). No entanto, da mesma forma que o matemático italiano do século XIX, Giuseppe Peano, constactou que “a ordem dos factores não alterava o produto final”, esta pequena diferença no processo de produção de notícias também não influenciava o produto final. No DN existia uma paginação pré-determinada, ou seja, o layout (desenho com espaço de texto e publicidade) das páginas que cada editoria deveria ter já estava concebido. No entanto, o número de páginas por secção não era fixo. Assim, o editor nunca sabia ao certo quantas páginas a sua secção iria ter. No Público, como a paginação NÃO era pré-determinada, cada editor dizia, durante a reunião da manhã, quantas páginas iria precisar. No Estadão, cada editoria possuía um modelo pré-definido para as suas páginas. No entanto, o número de páginas só era definido pelo editor responsável pelo fechamento do jornal, em conjunto com o departamento comercial. Portanto, só por 128

volta das 17h00, quando este editor realizava uma reunião com os editores de cada secção, cada qual saberia, ao certo, quantas páginas iria ter. A Folha, por sua vez, já possuía uma previsão anual de quanto papel o orçamento do jornal disponibiizava. Assim, sabía-se, mais ou menos, qual o número de páginas que cada edição do jornal poderia ter, e quantas páginas caberiam a cada editoria. Somente por volta das 17h00 cada editor recebia o “espelho” (enviado pelo departamento comercial), com o número de páginas da sua secção. Era o departamento comercial que, primeiramente, de posse dos anúncios, elaborava o “espelho” de cada editoria. Por volta das 16h00 o DN realizava uma outra reunião. Também no Público ela era realizada, mas às 18h00. No Estadão, às 17h00 realizava-se outra reunião e na Folha, às 16h00, ela também era realizada. Tais reuniões, como já foi salientado, serviam para que cada editor pudesse apresentar o “ponto de situação” de sua secção. Observou-se, portanto, como o processo de produção de notícias acontecia nos quatro jornais estudados. Tal processo, como constatado, não apresentou grandes variações. A selecção das notícias tinha o seu início com a elaboração da pauta, ou agenda de cada editoria e, durante a reunião de redacção, sofria influência de diversos gatekeepers (pauteiros, editores e directores) que decidiam em conjunto quais as notícias que deveriam ser publicadas. Desse modo, de acordo com Pamela J. Shoemaker (1997) concordou-se que, a escolha pessoal do jornalista era influenciada pela organização para a qual ele trabalhava, e, como tal organização encontrava-se dentro de um sistema social, também sofria influências deste sistema. As decisões apareciam como um processo de grupo e, portanto, as “portas de entrada” das notícias não eram controladas por uma só pessoa, mas por um grupo dinâmico de pessoas (Berkowitz, 1997). A estrutura da sala de reuniões do Estadão, Folha e do Público era bastante semelhante, ou seja, estava separada do resto da redacção por paredes de vidro. Somente no DN a sala de reuniões encontrava-se “isolada” do resto da redacção. Pode-se dizer que na maioria dos jornais estudados a sala de reuniões encontrava-se integrada ao resto da redacção. Isto, por sua vez, facilitava a socialização (integração) da mesma. No Estadão, na Folha e no DN, toda a redacção concentrava-se num dos andares do edifício aonde estavam localizados. Isto contribuía para o maior relacionamento interpessoal dos seus jornalistas. Já no Público, a redacção encontrava-se dividida entre os andares de um edifício, e isto, de certa forma, dificultava o relacionamento entre os profissionais deste jornal. 129

Os obstáculos salientados para o entrosamento dos jornalistas, poderiam, entretanto, ser ultrapassados, se considerássemos que, no Estadão, por exemplo, havia uma “socialização informatizada”, possibilitada através de um sistema interno de Internet (a Intranet). Talvez Warren Breed, quando estudou a socialização e o controlo da redacção, em 1955, não tivesse pensado que, um dia, uma “socialização informatizada” seria possível. No entanto pôde-se comprovar que, mesmo disponibilizados em espaços geográficos distantes, graças ao sistema de comunicação em rede, a socialização das redcções têm conseguido se manter. Outra diferença encontrada entre os jornais brasileiros e portugueses estava na sua publicação. O Estadão era publicado, diariamente, em quatro edições: uma que saía às 20h30 e era distribuída para todo o País, a segunda que saía às 21h30 e contemplava o interior do estado de São Paulo, a terceira que saía às 23h15 e contemplava a Grande São Paulo e a quarta que fechava às 24h15 e contemplava só a capital do estado de São Paulo. A Folha, por sua vez, só possuía duas edições: uma nacional, que fechava às 20h00 e outra de São Paulo, que fechava às 23h30. Diferentemente, os jornais portugueses possuíam apenas uma edição e seu fechamento acontecia, normalmente, às 23h00. Pode-se dizer que, devido à diferença na dimensão territorial dos países em estudo, isto era compreensível. Devido ao tamanho do território brasileiro, a distribuição do jornal tinha que começar mais cedo, ou seja, por volta das 20h30. Em Portugal, pelo contrário, a distribuição poderia acontecer somente após às 23h00. Como das 20h30 até as 23h00 poderiam surgir novas notícias, era natural que, no Brasil, houvesse diferenças nas diversas edições do jornal que eram publicadas num mesmo dia. Em todos os jornais estudados, o movimento nas redacções, com a presença dos repórteres, só foi constatado a partir das 14h00. Foi no período da tarde, em diante, que as redacções dos jornais apresentaram um maior movimento, visto que cada editoria começava a dar andamento no trabalho decidido na reunião da manhã, somente no período da tarde.

4.2 – Comparando as editorias de Nacional e Internacional dos quatro jornais estudados

Como referido, neste projecto optei por restringir a análise, através da entrevista não padronizada, à duas editorias: a de Nacional e a de Internacional. Tais editorias foram escolhidas porque um assunto considerado de âmbito nacional em Portugal era considerado de âmbito internacional no Brasil e vice-versa. 130

Ao comparar a editoria de Nacional dos quatro jornais em questão, deparei-me com os seguintes resultados: a)

A secção de Nacional dos dois jornais portugueses estudados

encontrava-se dividida por áreas, ou seja, no DN a secção estava dividida em: Governo, Presidência, Partidos, Forças Armadas e Defesa, e, não muito diferente no Público, esta secção encontrava-se dividida em: Defesa, Assembleia da República, Presidência da República, Partidos, Justiça e Julgamentos. Tratava-se, portanto, de um trabalho descentralizado, onde existiam repórteres especializados em cada área, o que, de certa forma, facilitava a obtenção das informações junto às fontes oficiais. Já a editoria de Nacional dos dois jornais brasileiros em questão estava dividida em: Reportagem local (também denominada “São Paulo”), sucursais em Brasília e no Rio de Janeiro, correspondentes em algumas capitais do País e em algumas cidades consideradas importantes no Brasil. A Folha possuía ainda delegações regionais nas cidades de Campinas, Ribeirão Preto e no Vale do Paraíba, e contava com a colaboração da agência de notícias desta Instituição. Apesar da editoria de Nacional dos jornais brasileiros NÃO ter sido dividida por áreas, como nos jornais portugueses, nela existia uma certa especialização dos repórteres por determinados assuntos. Como em Portugal, no Brasil era importante que o repórter adquirisse a confiança de suas fontes. Por isso, começava a escrever para uma determinada área e, se se “desse bem” nesta área, acabava, mesmo sem premeditar, especializando-se nela. Isso não significava que, este repórter não poderia vir a cobrir outros. Desta forma, pôde-se concluir que, a divisão da editoria de Nacional acabou por diferir nos dois países em estudo devido, sobretudo, a diferença na dimensão territorial desses países. Assim, era natural que o Brasil “fabricasse” mais notícias do que Portugal, afinal possuía uma dimensão geográfica muito maior do que a de Portugal. No entanto, para que um acontecimento virasse notícia, este devria estar “carregado” de valores considerados significantes, ou seja, valores-notícias. Como visto, para Galtung e Ruge (1993), um evento significativo era aquele interpretável dentro da estrutura cultural do leitor. Para Gitlin (1980), algo significante era algo que possuía uma aura de interesse humano. Os assuntos interpretáveis dentro da estrutura cultural do leitor brasileiro, e que despertavam o seu interesse, nem sempre compartilhavam da estrutura cultural do leitor português, e despertavam o interesse deste. Por exemplo: um assunto sobre criminalidade normalmente despertava o interesse do público brasileiro pois, no Brasil, este problema era muito maior do que em Portugal. De acordo com Gitlin, poderia-se falar que este tipo de notícia possuía uma familiaridade cultural com o 131

público brasileiro, que não possuía com o público português. Gitlin lembrou outros valores responsáveis pela transformação de um acontecimento em notícia, como o ineditismo, a intensidade e a precisão. Além disso, também como já foi visto, um factor que influenciava a publicação de uma notícia era o espaço que ela tinha. Para Galtung e Ruge, a notícia dependia ainda de factores como: a Frequência, a Relevância e o facto de ser Inesperada. b) Os assuntos tratados pela editoria de Nacional dos quatro jornais estudados eram basicamente institucionais, diplomáticos e cingiam-se sobre política nacional. Porém, na Folha, tratava-se também as questões religiosas, e no Estadão falava-se ainda sobre segurança pública. c) Todas as editorias de Nacional, de todos os jornais estudados, confessaram possuírem um défice de mão-de-obra. Em 2003/2004 o DN contava 8 jornalistas e o Público com 9. Por suas vezes, a Folha (só em São Paulo) trabalhava com 19 jornalistas e o Estadão com 14. A explicação para o maior número de jornalistas nos jornais brasileiros remete, uma vez mais, à questão da dimensão territorial dos países em questão. Devido à dimensão do território brasileiro, os seus jornais possuíam delegações localizadas em regiões importantes (política e economicamente) do País, além de colaboradores em “pontos” (cidades) estratégicos. Em contrapartida, a dimensão do território português dispensava uma grande quantidade de jornalistas espalhados pelo País. Assim, a editoria de Nacional dos jornais portugueses acabava por contar, muito mais, com o trabalho realizado pelas Agências de Notícias. d) O número de páginas da editoria de Nacional era bastante variável. O DN possuía cerca de 4 ou 5 páginas, e esse espaço era decidido na véspera. Por sua vez, a selecção e a cobertura das notícias dependiam sempre deste espaço. Mais uma vez o espaço, ou a escassez dele, como referiu Gitlin (1980), limitava o que seria publicado. No Público o número de páginas variava de 3 (nos dias mais fracos) a 5 (nos dias mais fortes). Na Folha este número ficava entre as 5 e 7 páginas; e, o Estadão, ficava-se, normalmente, pelas 6 páginas. Quanto à editoria de Internacional, quando comparada a dos quatro jornais em questão, os resultados encontrados foram os seguintes: a) Todos os editores das secções de Internacional dos jornais estudados reclamaram a pouca quantidade de correspondentes internacionais ao serviço de suas editorias. Aliás, a estrutura organizacional para o recrutamento de pessoal já havia sido um dos constrangimentos apontados pelos teóricos da comunicação (como viu-se no primeiro capítulo desta tese). 132

b) As notícias da editoria de Internacional, em todos os jornais estudados, eram provenientes de: Agências de Notícias, Sites, Correspondentes Internacionais e Colaboradores (Freelancers). O DN obtém também apoiava-se em matérias de especialistas, articulistas e de canais de televisão. O Público podia publicar textos de alguns jornais com que possuía acordo, e da mesma forma, o Estadão utilizava textos sob convénios com outros jornais. Somente nos jornais brasileiros verificou-se a presença de tradutores. Nos jornais portugueses, eram os próprios repórteres responsáveis pela tradução dos textos. Tratava-se de uma questão cultural que, até então, diferia, e muito, os jornalistas de ambos os países. No Brasil, apesar da Lei de Diretrizes e Bases da Educação de 1996 dizer que, "… será incluído, obrigatoriamente, a partir da quinta série (ainda ensino fundamental, ou primário, em Portugal), o ensino de pelo menos uma língua estrangeira moderna…" (Art. 26, § 5º), e também no ensino médio (ou secundário em Portugal), que "… será incluída uma língua estrangeira moderna, como disciplina obrigatória, escolhida pela comunidade escolar, e uma segunda, em caráter optativo, dentro das disponibilidades da instituição" (Art. 36, Inciso III), até 2003/2004 este tipo de ensino, baseado no pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas de cada instituição, não permitiu que o ensino de línguas estrangeiras tivesse qualidade uniforme, fosse no ensino fundamental, ou no ensino médio brasileiro. Deste modo, quem pretendesse aprender, de facto, uma outra língua, deveria matricular-se em escolas particulares de idiomas, o que, normalmente, possuía um custo elevado e inacessível para a maioria da população83. c) Todos os entrevistados, em todos os jornais, disseram que recebiam informações de diversas Agências Noticiosas. Os nomes que mais apareceram nos jornais portugueses foram os das agências France Presse, Lusa e Reuters. Já, nos jornais brasileiros, além destas foram salientados a EFE, AP, ANSA, DPA, Nytservice, Mercosul, AE, Lancenet. d) Quanto aos assuntos, a secção “Mundo” do Público e a editoria de Internacional do DN tratavam, essencialmente, de política internacional. Estes jornais atribuíam maior importância aos acontecimentos que ocorriam na Europa e nos países africanos (principalmente os de língua portuguesa), devido à proximidade geográfica e aos interesses económicos. Assuntos como incidentes, catástrofes e doenças eram tratados pela secção “Sociedade”. No jornal brasileiro Estadão, tais assuntos também eram tratados por outra editoria (“Geral”). Entretanto, na Folha, estes 83

Em http://www.leffa.pro.br/textos/trabalhos/oensle.pdf

133

assuntos eram tratados pela secção de Internacional. Esta era a diferença básica da editoria de Internacional da Folha, quando comparada aos outros jornais estudados. Porém, tanto na Folha quanto no Estadão a editoria de Internacional também se concentrava-se em assuntos de política internacional. Como já havia sido enfatizado pelo editor de Internacional do Estadão, a Europa em geral, por ser politicamente estável, dificilmente apareceria nesta editoria. Para haver interesse dos jornais brasileiros nos países europeus, estes deveriam estar no eixo da economia mundial e influenciarem, de alguma forma, a economia brasileira. Em 2003/2004, importava mais ao Brasil a situação económica de países como os Estados Unidos e a Argentina, que possuíam uma forte influência sobre a economia brasileira, do que assuntos sobre a União Europeia.

4.3 – Comparando as respostas obtidas nos questionários aplicados aos quatro jornais em estudo

Através do número de anos que cada editor e/ou director, que respondeu ao questionário, referiu ter trabalhado nas instituições estudadas, foi possível constactar que, dentro destes jornais, não havia uma alta rotatividade de pessoal. Os entrevistados do DN responderam estarem, em média, 15 anos nesta empresa. Os inquiridos do Público estavam, em média, há 11 anos neste jornal. No Estadão, os profissionais que lá se encontravam já lá trabalhavam há cerca de 9 anos e meio, e, na Folha, a média dos respondentes foi de 12 anos. Enquanto nos jornais brasileiros 100% dos inquiridos disse possuir uma licenciatura, ou bacharelato no Brasil, mas que corresponde à uma licenciatura em Portugal (sendo a grande maioria em Comunicação); nos jornais portugueses cerca de 60% afirmou ser licenciado, sendo que, no DN, a maioria dessas licenciaturas havia sido realizada fora da área da Comunicação. Tais resultados remeteram-me ao facto do ensino da Comunicação Social e Jornalismo em Portugal ter uma história recente e pautada por dois andamentos: Como já haviam exposto Mário Mesquita e Cristina Ponte (1996-97), em um estudo elaborado para a representação da Comissão Europeia em Portugal, foi referido que, num primeiro momento (que compreendeu os finais da década de 70 até os finais da década de 80), a iniciativa pertenceu ao sector público universitário e aos centros de formação profissional de jornalistas. Posteriormente, em um segundo momento, ficou ao cargo do ensino superior politécnico e universitário (público e privado), irrompendo em finais da década de 80 e 134

prosseguindo até aos dias de hoje. O primeiro curso de Comunicação Social em Portugal surgiu na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, em 1979, sob a orientação de Adriano Duarte Rodrigues. No ano seguinte, outra licenciatura de âmbito universitário, com idêntica designação, apareceu no Instituto de Ciências Sociais e Políticas da Universidade Técnica de Lisboa e, a partir de 1980, a Universidade Católica Portuguesa iniciou os seus primeiros cursos de Ciências da Informação, configurados como pós-graduações, e destinados a pessoas possuidoras de formação universitária ou a profissionais de jornalismo com mais de cinco anos de experiência. No Brasil, André de Seguin des Hons (1985) afirmou que a primeira escola de jornalismo entrou em funcionamento em 1947. Portanto, pode-se dizer que os cursos de jornalismo no Brasil eram mais antigos do que os de Portugal. No entanto, passaram a ser denominados “Comunicação Social” na década de 60, com a nova regulamentação da área pelo Ministério da Educação no País. Após a primeira Escola de Jornalismo, que concretizou-se na Universidade Cásper Libero, em São Paulo, uma universidade fundada pela empresa de comunicação Gazeta; numerosos cursos superiores do mesmo tipo começaram a surgir. Em 1948, criou-se o da Faculdade Nacional, no Rio de Janeiro, e posteriormente o da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Em 1949 foi criado o curso da Universidade Federal da Bahia, e em 1951 criou-se o curso da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Durante os anos 60 e 70, as escolas de jornalismo multiplicaram-se às dezenas pelo resto do país, e tornaram-se, rapidamente, um importante centro de recrutamento de jornalistas. Baseando-se nas “novas tecnologias” da redacção e na ideologia da objectividade, estas escolas contribuíram bastante para a reformulação do estilo da imprensa brasileira. Pode-se dizer que, apesar das escolas de comunicação no Brasil se terem iniciado com um perfil europeu, concentrando-se em disciplinas como ciências sociais e ética, a influência curricular norte-americana esteve sempre presente através da introdução de disciplinas voltadas mais para a prática. Assim, "A ideologia que está por trás de todos os instrumento legais do Governo brasileiro que regem o ensino da comunicação no país, pode ser detectada quando se compreende qual é o modelo de educação vigente. Esse modelo de educação, cujas consequências estamos suportando hoje foi o modelo trazido pelos especialistas norte-americanos, desde 1966, quando foi firmado o acordo entre o Ministério da Educação brasileiro e a United States Agency for International Development. Os peritos envolvidos neste acordo acabaram 135

concluindo que a formação técnica profissionalizante seria o ideal para a educação brasileira porque era também o ideal na formação do estudante norteamericano”. (Melo, 1979:8). Dessa forma, a ênfase nas disciplinas técnicas mostrava também a presença de uma ideologia da modernização e do desenvolvimento, que visava ao aperfeiçoamento do sistema industrial e da economia capitalista. Quanto ao perfil ocupacional dos respondentes, em todos os jornais eles afirmaram que já haviam trabalhado como repórteres. Isso levou-me a acreditar que a ascensão profissional era possível, visto que eu estava a falar com editores e/ou directores. Por um lado, segundo a visão de Breed (1955), a ascensão profissional poderia ser vista como uma das razões para o conformismo do repórter, visto que, devido às aspirações de mobilidade, ele estaria conformado com o papel que tivesse que representar dentro da empresa. Isto, na visão de Erving Goffman (1959), queria dizer que, todas as pessoas não passavam de actores a encenarem aquilo que lhes conviessem. Ao concordar-se com essas premissas, todas as pessoas (incluindo os jornalistas – interpretação minha) representariam papéis em suas vidas quotidianas, de modo que as outras pessoas as vissem como elas quisessem ser vistas. Por outro lado, teóricos como Donohur, Olien e Tichenor (1989) não consideravam que os jornalistas estivessem conformados com os papéis que tinham que representar. Para estes autores, a possibilidade de mobilidade (ascensão) dentro de uma instituição funcionava mais como uma forma de coagir o jornalista a dar o seu melhor no processo de produção de notícias. O facto é que coagidos, representando papéis ou conformados, todos os inquiridos haviam conseguido ascender profissionalmente dentro do órgão de comunicação para o qual trabalhavam. E aqui, volto a referir, que não me pareciam estar insatisfeitos com os “papéis” que estivessem a representar. Na maioria dos jornais estudados, o item considerado mais importante para o bom desempenho do jornalista da imprensa escrita foi: a “Criatividade”. Posteriormente, enquanto os jornais portugueses atribuíram maior importância aos

“Conhecimentos

Técnicos”,

os

jornais

brasileiros

optaram

pelos

“Conhecimentos Teóricos”. Ou seja, um jornalista, para desempenhar bem o seu papel, deve ser criativo e possuir bons conhecimentos. Esta era a maneira que estes jornalistas procuravam se organizar em seus trabalhos, para conseguirem compreender e responder às situações sociais que encontrassem pela frente. No processo de acumulação de informações, a notícia passava a ser enquadrada sob a óptica da criatividade, e sustentada pelos conhecimentos que o jornalista possuía (fossem eles técnicos ou 136

teóricos). Como salientou Gitlin (1980) o enquadramento era uma parte inevitável e necessária da gestão de produção de notícias que se dava na forma como os repórteres entendiam e explicavam os acontecimentos. Os itens mais apontados como “recompensas na profissão de jornalista da imprensa escrita” foram: os “Conhecimentos Adquiridos” e as “Funções que os jornalistas exerciam”. Ao que parece, tanto no Brasil como em Portugal, os jornalistas consideravam-se recompensados ao adquirirem novos conhecimentos, e se estivessem satisfeitos com as funções que exercessem. Os factores mais referidos, como áqueles que fariam com que os jornalistas mudassem de órgão de comunicação foram: “Melhor Remuneração”, “Cargo mais Atraente” e “Ascensão Profissional”. Por um lado pode-se dizer que estes itens poderiam funcionar como factores de “coerção” na hora em que o jornalista tivesse de escolher o órgão de comunicação para o qual iria trabalhar No entanto, sabe-se que nesta profissão, poder escolher não é algo muito comum. Normalmente, devido à concorrência, o profissional tende a aceitar o trabalho que lhe aparece. Entretanto, para aqueles que já possuíam um certo nível, ou seja, que já trabalhavam há mais tempo na área, que tivessem mais experiência, e, portanto, tivessem mais acesso às “fontes de informação”, esta escolha até poderia ser possível, na medida em que estes “venderiam” as suas matérias ao órgão de comunicação que lhe oferecesse uma melhor remuneração, ou uma maior possibilidade de ascensão profissional, ou um cargo mais atraente. Observou-se, também, que os factores que mais influenciaram a imagem do jornalista da imprensa escrita foram: “Competência profissional”, “Ética profissional” e a “Função social da profissão”. Tais factores também poderiam condicionar a imagem do jornalista da imprensa escrita, funcionando como agentes coercivos àqueles que pretendiam ascender na profissão. Para ascender nesta profissão, como já haviam salientado Molotch e Lester (1974/1993) a evolução, o avanço na carreira e a sobrevivência (do jornalista), dependiam da capacidade de cada um entrosar o seu “faro para a notícia” (ou seja, da sua competência profissional) com as concepções dos patrões, dos propósitos sociais gerais e da utilidade de uma dada ocorrência (ou seja, da função social dessa ocorrência). Quanto a imagem dos empresários nesta área profissional, esta incidiu, sobretudo, sobre os itens: “Liberais”, “Incentivam a Iniciativa” e “Inovadores”. Vale salientar que, nesta questão, muitos jornalistas opuseram-se a respondê-la, por considerarem que os empresários nesta área profissional não se enquadravam em nenhum dos itens expostos no questionário. Visto que tais itens condicionavam 137

a imagem destes empresários à uma imagem positiva, a resposta dos inquiridos levou-me a acreditar que a imagem que estes tinham dos empresários nesta área profissional, não era muito positiva. Em termos dos objectivos que o jornalista da imprensa escrita deveria atender, os inquiridos de todos os jornais salientaram os valores-notícia: Informar, Ser objectivo, Ético, e Claro. Nos jornais brasileiros, também sobressaíram os itens: Ser crítico, Promover a justiça, Defender a cidadania, Promover o debate público e Vigiar. Ao considerar que o Brasil é um País de desigualdades económicas e sociais muito maiores do que Portugal, fica fácil entender porque os jornalistas brasileiros se mostraram mais preocupados com os valores citados acima. Também foi curioso observar que, apesar das críticas à objectividade, todos os respondentes julgaram que este era um valor fundamental a ser perseguido pelo jornalista da imprensa escrita. Mesmo o jornalismo de 2003/2004 sendo mais crítico do que o de antigamente, e os jornalistas desta época terem a consciência de que, como referiu Schudson (1981:184-185), “a forma das notícias incorporam suas próprias tendências e o processo dos seleccionadores construírem, eles mesmos, uma imagem da realidade, costuma ter o reforço oficial proveniente dos pontos mais visados”, todos os inquiridos acreditaram que a busca pela objectividade deveria ser incessante. Talvez isso faça parte, como salientou Tuchman (1978/1983), de um “ritual estratégico”, desdobrado pelos jornalistas, a fim de combaterem possíveis críticas às suas escolhas. Quanto à política editorial dos jornais estudados, a grande maioria dos inquiridos de todos os jornais afirmou que a conhecia e que concordava com ela. Mesmo que, na prática, pôde-se observar que, nem sempre, isto era verdade. Talvez devido à socialização ou ao medo de sanções, os respondentes preferiram manifestar-se em concordância com a organização para a qual trabalhavam. Segundo Soloski (1993), as políticas editoriais limitavam o comportamento profissional dos jornalistas a fim de minimizarem um potencial conflito dentro dessas organizações. Embora a natureza dessas políticas variasse de organização para organização, o propósito em si não variava. “As normas profissionais e as políticas editoriais das organizações jornalísticas são aceites pelos jornalistas, e só em casos raros é que ou as normas profissionais ou as políticas editoriais são um ponto de desacordo entre o grupo da organização jornalística” (1993:99). Apesar de admitir que a produção de notícias ocorria através de um processo de selecção, de escolhas, provenientes de diversos gatekeepers, a maioria 138

dos jornalistas inquiridos considerou que não existia preconceito na selecção dessas notícias. Ainda quanto ao processo de selecção, as notícias divulgadas pela concorrência foram consideradas, pela maioria desses respondentes, ÀS VEZES, uma forte influência à produção jornalística. O leitor típico dos jornais estudos, foi definido pela maioria destes como sendo de “classe média”, apesar de não esclarecerem o que entendiam por uma “classe média”. Quanto às fontes de informação utilizadas por esses jornais, a grande maioria dos inquiridos afirmou receber informações de fontes oficiais, não oficiais, de agências de notícias e através da Internet. No entanto, quando questionados sobre a percentagem destas fontes, os jornalistas não souberam responder. Ou, de facto, eles não se preocupavam com isso, e daí o porque de realmente não saberem a resposta; ou poderiam não querer divulgar tais valores, com receio de que as fontes oficiais de informação aparecessem dominando a agenda; coisa que, aliás, os editores entrevistados afirmaram que não acontecia. Como já referido, Gitlin (1980) relatou que as prisões reportadas eram facilmente contadas e processadas pela polícia (uma fonte oficial de informação), e que isto chegava a ajudar o repórter a manejar, dirigir com complexidade e prazos, e enfatizar a sua carga de notícias. Mas esta era uma visão positiva, acerca das fontes oficiais de informação, nem sempre partilhada pelos editores. O editor de Nacional do DN, por exemplo, deicou clarou que, “podem vir informações oficiais mas, por regra, tratamo-las de forma a dar mais enquadramento a questão. Temos a necessidade de desmontar o oficial”.

4.4 – Comparando o produto final de uma edição dos quatro jornais em questão

Apesar do objectivo deste trabalho não ter sido realizar uma análise ao conteúdo dos quatro jornais estudados, decidi comparar o produto final (ou seja, o jornal) de uma edição (a do dia 11 de Julho de 2003), dos quatro jornais em questão, para, agora que já havia percebido as semelhanças e diferenças no processo de produção de notícias, tentar perceber as semelhanças e diferenças no produto final proveniente de todo esse processo. A escolha por esta edição recaiu no facto da mesma centralizar-se sobre um 139

assunto de interesse tanto para o Brasil, quanto para Portugal, ou seja, a visita do então Presidente do Brasil, Luís Inácio Lula da Silva, à Portugal. Assim, nesta edição, os quatro jornais estudados deram destaque ao assunto supracitado, sendo o mesmo considerado a “matéria da capa”:

Fotos ilustrativas, retiradas das páginas dos jornais pela autora

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Tanto o DN, quanto o Público, apresentaram apenas uma foto em destaque na capa. No DN havia três grandes chamadas sem texto. Aliás, este foi o único jornal que não apresentou textos na capa. No Público havia seis chamadas com pequenos textos. Tanto a Folha, quanto o Estadão apresentaram três fotos na capa com várias chamadas. No entanto, na Folha havia dez chamadas com textos longos, enquanto no Estadão havia 13 chamadas com textos curtos. A par do DN, que apostou em apenas uma grande imagem de capa para “vender” esta edição do jornal; os demais jornais tentaram atrair os seus leitores com pequenos “resumos” na capa, que continham as principais matérias que poderiam ser lidas nestes jornais.

O Público foi o único jornal que tratou esse assunto na rubrica DESTAQUE, dando – lhe duas páginas (em formato tablóide):

Fotos ilustrativas, retiradas das páginas dos jornais pela autora

No DN, esse tema foi tratado pela rubrica Nacional, e também foi-lhe dado duas páginas (em formato tablóide):

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Fotos ilustrativas, retiradas das páginas dos jornais pela autora

Foi curioso observar que, também nos jornais brasileiros, esse tema foi tratado pela rubrica de assuntos nacionais.

O Estadão atribuiu-lhe uma página (em formato standard) e a Folha deulhe 2/3 de uma página (também em formato standard):

Fotos ilustrativas, retiradas das páginas dos jornais pela autora

Deste modo, nesta edição, as editorias/secções desses jornais estiveram divididas em: 142

Quadro 1 – Divisão dos Jornais pelas diferentes editorias/ secções: Folha de São Paulo Mundo Brasil Campinas (regional) Esportes Dinheiro Ilustrada Ciência

O Estado de São Paulo Internacional Nacional Cidades Esportes Economia Caderno 2 Geral

Público Mundo Nacional Público Centro Desporto Economia Cultura/Media Sociedade

Diário de Notícias Internacional Nacional Regional Desporto Negócios Artes/Multimédia Sociedade

As principais diferenças encontradas no quadro acima foram: A secção “Sociedade”, nos jornais portugueses, tratava acontecimentos nacionais e internacionais que envolviam questões como: acidentes, catástrofes, doenças e demais temas que afectassem o social. Por exemplo, na edição analisada do DN, pôdese ler matérias sobre a diminuição de sinistralidade rodoviária em Portugal; sobre duas crianças que morreram fechadas dentro dum carro nos Estados Unidos; e sobre um despiste de auto-carro em Hong Kong. Esta secção no Público também destacou matérias como, “Condutores são os principais responsáveis por acidentes em passagens de nível”, entre outras do mesmo género. Já nos jornais brasileiros, os acontecimentos mencionados acima foram tratados, na Folha, pela secção “Ciência”; e no Estadão, pela secção “Geral”. Os jornais brasileiros entendiam pela rubrica “Sociedade”, as pessoas que mereciam destaque no social e na imprensa brasileira (as chamadas “celebridades”). Assim, na concepção dos jornais brasileiros, o que era chamado “Sociedade” encontrava-se junto à secção de Cultura, que na Folha chamava-se “Ilustrada”e no Estadão chamava-se “Caderno 2”. Com base no quadro anterior, pôde-se resumir as secções encontradas nos quatro jornais em: Internacional, Nacional, Regional, Desporto (Esportes), Economia, Cultura e Sociedade. Assim, para a edição do dia 11 de Julho de 2003, o número de páginas encontradas por secção, em cada jornal, foi de:

Quadro 2 – Número de Páginas por Secção, em cada Jornal Secções Internacional Nacional Regional Desporto Economia Cultura Sociedade

Folha de São Paulo 3 7 6 3 10 12 1

O Estado de São Paulo 3 7 6 4 12 16 2

143

Público 5 3 16 4 6 9 7

Diário de Notícias 4 4 4 4 5 16 8

Antes de mais, vale lembrar que: - A Folha era um jornal de formato standard, que nesta edição havia sido publicado com 45 páginas. - O Estadão também era um jornal publicado no formato standard que, nesta edição, havia saído com 54 páginas. - O Público era um jornal publicado no formato tablóide que, nesta edição, havia tido 48 páginas. - O DN também era um jornal de formato tablóide, que nesta edição havia sido publicado com 56 páginas.

Portanto, considerando as devidas proporções, visto que o formato dos jornais portugueses era diferente dos jornais brasileiros, observou-se que, - Os jornais brasileiros deram mais atenção aos assuntos nacionais, quando comparados aos jornais portugueses. Isto pode ter acontecido devido a dimensão geográfica do Brasil. No entanto, apesar do Brasil ser um país muito maior do que Portugal e, de certa forma, ser considerado “natural” que o território brasileiro produza mais notícias do que Portugal, foi-me impossível afirmar se os jornais brasileiros priorizavam sempre os acontecimentos nacionais, visto que tive como base a análise de conteúdo de apenas uma edição desses jornais. - Quanto aos assuntos de âmbito internacional, os jornais brasileiros apresentaram menos páginas em comparação com os portugueses. Aqui também pode-se, hipoteticamente, dizer que o facto de Portugal pertencer à União Europeia, e isto justificar um maior interesse ao que acontecesse no continente europeu, fez com que os jornais portugueses atribuíssem mais páginas a secção Internacional, do que os brasileiros. - Um assunto comum na altura, que foi analisado por todos os jornais estudados, dizia respeito ao Iraque. O DN destacou que as armas no Iraque continuavam sem aparecer, enquanto o Público salientou “Mais três soldados americanos mortos no Iraque”. No Estadão também pôde-se ler: “Mais três mortos e Bush admite: Temos problemas” e na Folha a matéria salientou: “Bush pede firmeza a tropas; mais dois morrem”. Aqui pôde-se perceber que, apesar de discorrerem sobre o mesmo assunto, os enquadramentos, a começar pelos títulos das matérias, nem sempre eram iguais. 144

Fotos ilustrativas, retiradas das páginas dos jornais pela autora

- Outro assunto comum em todos os jornais foi a visita do, na época, Presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, à África. Nesta matéria o DN destacou o facto de que Bush estava contra o subsídio agrícola da União Europeia e o Público preferiu referir-se ao facto de Bush ter prometido ajudar o País africano de Bostwana, que era o País com a maior taxa de seropositivos. O Estadão, por sua vez, adjectivou (ainda que entre aspas, o que denotava uma certa ironia) que, “Com “compaixão” Bush promete combater aids” (sida); e a

145

Folha também referiu, mas com menor destaque, “Aids na África – Bush promete ajuda, mas falta liberar verba”.

Fotos ilustrativas, retiradas das páginas dos jornais pela autora

Portanto, quanto à visita do Ex-Presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, ao continente africano, verificou-se que o DN foi o jornal que teve um enquadramento mais diferenciado, dando maior importância ao que Bush disse sobre a União Europeia, e que, portanto, poderia afectar, mais directamente, Portugal. A editoria de Internacional do DN ainda chamou a atenção para uma situação de guerra (assunto “inesperado” que atrai a atenção em qualquer parte do mundo): “Grupos palestinos mantêm trégua mas a situação é tensa”; e no Público houve algum destaque para outros temas que referiam 146

mais o continente europeu: “Ministro Umberto Bossi ameaça coligação de Berlusconi”, “União Europeia terá símbolos como qualquer Estado”, “Presidente da Bielorússia demite vários membros do Governo”, bem como a “busca” do ministro britânico da época, Tony Blair, por mais um mandato. Viu-se, portanto, que nenhum dos assuntos abordou, directamente, o continente americano, centrando-se mais em assuntos cujas consequências poderia afectar, mais directamente, a Europa, a África e o Oriente Médio. Nos jornais brasileiros as editorias de Internacional destacaram mais os assuntos que, directa ou indirectamente, tinham a ver com os Estados Unidos da América (Continente Americano – ainda que Norte-Americano), e também com a América Latina. No Estadão pôde-se ler: “Embaixador do Brasil defende execução em Cuba” e, na Folha, esse assunto também foi abordado, mas pela secção de Nacional, como sendo um assunto de carácter diplomático. Ainda na secção de Internacional da Folha, por ser a única que englobava também os acidentes, catástrofes e doenças, pôde-se encontrar matérias que, se fossem publicadas pelo Estadão, provavelmente estariam na secção “Geral”, e se fossem publicadas pelos jornais portugueses, provavelmente estariam na secção “Sociedade”. De qualquer forma, aqui ficou nítido como o factor “proximidade” geográfica, económica, etc, influenciava o que deveria ou não ser publicado por cada jornal. Também convém salientar que a rubrica Sociedade acabou por ter muito mais páginas nos jornais portugueses, do que nos jornais brasileiros, devido ao facto, já mencionado anteriormente, desta rubrida abarcar assuntos que eram abrangidos por outras rubricas nos jornais brasileiros. Segundo José Marques de Melo (2004) a agenda noticiosa no Brasil era preponderantemente nacionalista, o que se traduzia por uma maior abrangência dos acontecimentos sucedidos em território nacional, sobretudo no que ocorria no triângulo Brasília, Rio de Janeiro e São Paulo, que correspondia ao centro nevrálgico do poder político, cultural e económico do País. Os factos que possuíam dimensão globalizante figuravam em espaço reduzido. Já a agenda noticiosa em Portugal privilegiava os acontecimentos do continente europeu (devido ao facto, de como já foi referido, Portugal pertencer à União Européia), mas era também bastante regionalista, ou seja, detacava com maior importância os acontecimentos da Grande Lisboa e do Grande Porto, visto que o centro nevrálgico do poder político, económico e cultural deste País encontrava-se nesses dois pólos. 147

Ainda segundo Marques de Melo (2004:24), “o mapa do mundo delineado pela geografia noticiosa brasileira” reflectia, inevitavelmente, “o tabuleiro disposto na arena internacional, com a prevalência dos centros hegemónicos da geopolítica. Ou seja, a Comunidade Norte-Americana (Tendo os Estados Unidos muito à frente) chamava, primeiramente, a atenção dos repórteres e editores, delegando à União Européia a segunda posição. Um estudo realizado por Manuel Carlos Chaparro (2003), no entanto, comparou o conteúdo de quatro jornais de referência no mundo (El País, Le Monde, USA Today e La Repubblica) concluindo que, “Apesar das variações ditadas, em cada caso, pelo atributo da proximidade, a lógica noticiosa é a mesma: os jornais projectam e inserem na actualidade as colisões institucionais que interessam à sociedade e ao seu aperfeiçoamento ético-normativo”.

5 – Conclusões As conclusões que se pode tirar desse estudo comparativo entre o processo de produção de notícias de dois jornais portugueses e dois jornais brasileiros, são que, - Tanto nos jornais portugueses, como nos jornais brasileiros, observou-se que não existe apenas uma pessoa responsável por tudo o que é ou não publicado no jornal. Como referido no primeiro capítulo, os jornais são compostos por uma série de “gates”, através das quais as ideias passam, consoante primeiro ao que o jornalista vê e depois ao que a organização aprova (Williams, 2003). Shoemaker, em 1997, já havia explicitado a ideia de Williams, acrescentando que, além da aprovação da organização, como esta encontra-se dentro de um sistema social, também seria necessária a aprovação desse sistema. As decisões apareceriam, então, como completou Berkowitz (1997), como um processo controlado por um grupo dinâmico de pessoas. Assim, no processo de produção de notícias, a primeira elação que se pode tirar é que todos os jornais acabam por possuir diversos gatekeepers, responsáveis pelos seus produtos finais. - Portanto, pode-se dizer que o que lemos nos media é o produto final de um complexo processo, realizado em sintonia com cada organização, mas também voltado para determinados interesses particulares. O conteúdo dos media não é determinado, simplesmente, pelo relacionamento entre patrão e empregado, mas pela organização, por factores ocupacionais, e por constrangimentos individuais que se dão segundo as regras, rotinas e valores da organização com outras instituições da sociedade. O trabalho e talento individual do jornalista também contam (se é que não são as principais 148

características responsáveis pela formação desse produto final), mas este trabalho nunca será solitário. Sempre haverá o trabalho de toda a equipa que compõe esta estrutura organizacional, com os seus respectivos valores, que, por fim, acabarão por influenciar o trabalho individual do jornalista. - Por último é imprescindível que haja uma interacção entre a organização e o meio envolvente, para que se tenha o apoio das chamadas fontes de informação, pois, para além dos recursos, do poder e do capital de que dispõem um jornal, as suas fontes oficiais de informação irão compor as “definições primárias” necessárias para que seja possível a concepção de uma agenda de notícias. Por isso, as fontes oficiais de informação são tão importantes, e deverão ser sempre cultivadas.

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Segundo Nelson Traquina (1993:167), “O objectivo de qualquer órgão de comunicação é o de fornecer relatos dos acontecimentos julgados significantes e interessantes”. Por significante entendemos aquilo que tem relevância, que possui interesse humano, e que é interpretável dentro da estrutura cultural do leitor. Se um evento se fez assim, então ele será relatado. No processo de produção de notícias dos jornais portugueses e brasileiros verificou-se que, um evento considerado relevante em Portugal poderia não o ser no Brasil e vice-versa. Disto dependiam os seus aspectos sociais, políticos, económicos e culturais. Por outro lado, como foi visto, um acontecimento inesperado (como uma guerra, por exemplo) sempre irá atrair a atenção do leitor, em qualquer parte do mundo. Isto énos determinado culturalmente. Mas, para além deste nível cultural, salientou Gamson (1989), a notícia também possui um nível cognitivo, que envolve a construção social do seu significado, ou seja, os jornalistas levam e trazem as histórias de suas próprias vidas, suas interacções sociais e predisposições psicológicas para a construção do significado da notícia. Eles caminham para um assunto com um esquema antecipatório e, por isso, muitas vezes o enquadramento que é dado às notícias ressoa como narrações culturais, como “estórias”, mitos e contos folclóricos que fazem parte de uma herança cultural. Deste modo, como as heranças culturais não são idênticas, o conteúdo das notícias também irá divergir. No entanto, o processo de produção usado por todos os intervenientes, na construção do significado da notícia, poderá ser o mesmo em qualquer parte do globo. 149

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Para Berger (2002) o acontecimento tem que ser compatível com a estrutura editorial do jornal, ou seja, “caber”, também, na ideologia do jornal. Neste sentido, a questão para o editor é: O que há de novo, no mundo de hoje, que “caiba” no meu jornal, que conquiste os meus leitores, sem se confrontar com aqueles que sustentam economicamente a minha instituição? Esta autora reconhece a pressão económica do mundo capitalista, de modo que, a notícia, por sua vez, deverá estar em sintonia com a função mercadológica do jornal. Como, aliás, já havia dito Cremilda Medina (1988), não se pode esquecer que a notícia é um produto à venda.

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O espaço que cada editoria ou secção possui também influencia o produto final. Sabe-se que existem determinados temas que conseguem atrair não só o interesse do público, mas também ser interessante para a política editorial do jornal. No entanto, devido à organização e ao controlo social da redacção, o enquadramento que normalmente se é dado à notícia, acaba por acontecer por “osmose”. Obviamente que isto depende da cultura ocupacional de cada Meio de Comunicação (Se está-se a falar de televisão, rádio, jornal, revista ou media online, e de que público se está a falar). Mas independente da cultura ocupacional de cada Media, a organização e controlo social da redacção torna-se necessária, pois não só rotiniza o trabalho dos jornalistas, mas também minimiza os riscos da produção. Assim, os jornalistas passam a ganhar a confiança das organizações burocráticas, passam a organizar o mundo burocraticamente e, inevitavelmente, as fontes oficiais de informação passam a dominar as suas agendas. Os acontecimentos passam a ser categorizados, e as notícias não programadas começam a ser raras, pois consegue-se transformar o inesperado num acto quase rotineiro. Todo este processo, depende, portanto, não só das fontes de informação, mas também da tecnologia que o jornal dispõe, da sua posição diante da concorrência e das suas fontes de rendimento. E é aí que alguns contrangimentos, como os de espaço, poderão influenciar o produto final do jornalista. Os chamados limites ou constrangimentos (como a rotina imposta para a selecção de notícias, a pressão de tempo e, como já referida, de espaço) tanto podem incentivar o trabalho do jornalista, quanto 150

desmotivá-lo. Por isso este tipo de influência varia de jornal para jornal e de jornalista para jornalista. Nos jornais estudados, apesar dos jornalistas entrevistados demostrarem terem as suas crenças pessoais e os seus ideais éticos; a maioria também revelou que tendia a aceitar, passivamente, a orientação política adoptada pelo jornal, porque necessitava do trabalho. Se esta maioria, mesmo não concordando completamente com a política editorial do jornal, se submetia à ela, era porque, ou estava “conformada” com a situação, ou tinha sido “coagida” à aceitá-la por necessidade. No entanto, tratava-se de uma escolha consciênte. Não acredito que tal “conformismo” estivesse enraizado, interiorizado por osmose, a ponto de fazer com que o jornalista esquecesse os seus valores e passasse a acreditar nos valores “impostos” pelo órgão de comunicação para o qual ele trabalhava.

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Tanto em terras lusas, como brasileiras, também ficou demonstrado que, para um assunto fazer parte da pauta ou agenda dos media, deveria despertar o interesse do jornalista. Interessado no assunto, a perspectiva de que este jornalista conseguiria entrar em sintonia com o seu público, era muito. Ou seja, as perspectivas dos jornalistas eram colocadas sobre os valores que eles próprios depositavam em determinados assuntos, seleccionando, de entre um conjunto de estratégias de enquadramento, aquelas que não só eles, como também as suas organizações, entendiam como sendo as melhores para a sua audiência. Essa partilha de valores entre os jornalistas e suas organizações é que funcionava, como já haviam dito Molotch e Lester (1993), como um factor crucial na elaboração da agenda. Nos quatro jornais estudados pôde-se comprovar que, para um jornalista conseguir trabalhar nestas instituições ele, de facto, deveria partilhar a ideologia das mesmas, ou pelo menos “fingir” que a partilhava. Por isso, a maioria dos inquiridos neste estudo afirmou conhecer e concordar com a política editorial do jornal para o qual trabalhava. Desta forma, o chamado “Campo Jornalístico” (Jornalistas + Instituição) constituía o alvo prioritário da acção estratégica de diversos agentes sociais (fontes oficiais e não oficiais de informação, agências de notícias, sites e outros meios de comunicação). As conversas interpessoais (do jornalista com o seu público), ou seja, o feedback da opinião pública, também influenciava todo esse processo. Daí o porquê das 151

notícias divulgadas pela concorrência serem consideradas, pela maioria dos inquiridos, ÀS VEZES, uma forte influência na produção jornalística.

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Conclui-se, portanto, que as notícias são construídas através de padrões industrializados (e aqui posso citar como um exemplo a utilização da técnica da pirâmide invertida), mas acabam por ser os factores de ordem sócio, político, económico e cultural, que irão, de facto, determinar o que deverá, ou não, fazer parte da agenda. Daí o porque de, a par de processos de produção de notícias muito semelhantes, o produto final dos jornais apresentar-se de maneiras diferentes.

5.1 – Considerações finais Apesar das diferenças encontradas no produto final dos quatro jornais estudados, sobretudo no que se refere aos assuntos abordados e aos seus enquadramentos, este estudo verificou que o processo de produção das notícias que compõem o produto final (ou seja, o jornal) dos quatro jornais em estudo, não apresentou grandes diferenças. Seria, entretanto, interessante fazer uma análise aos discursos dessas notícias, o que aqui não foi realizado, pois este não era o objectivo deste estudo. As diferenças encontradas no conteúdo das notícias chamaram a atenção para as diferenças culturais existentes em ambos os países. Verificou-se que, para além da distância territorial e dos referenciais económicos distintos, as diferenças culturais estão a afastar, cada vez mais, os meios de comunicação de dois países cuja língua poderia aproximar. Portanto, tanto em Portugal, como no Brasil, a imprensa escrita não é uma indústria que fabrica, entre outras coisas, a cultura de um povo; mas sim uma indústria que é fabricada pela cultura desse povo. Deste modo, as notícias encontradas em cada jornal variaram de acordo com a cultura de cada uma destas nações, e as diferenças culturais foram, assim, responsáveis pela ênfase que foi dada à determinada notícia num país, em detrimento de outra.

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Com base no estudo teórico realizado no primeiro capítulo, e no trabalho empírico realizado nos capítulos subsequentes, verificou-se primeiro, e comprovou-se depois, que, independente do jornal, a escolha das notícias foi realizada por diversos gatekeepers (repórteres, editores e directores); que esta selecção teve que passar pelo aval da organização para a qual estes gatekeepers trabalhavam; e que o enquadramento que os jornalistas davam às notícias, tinham que considerar, necessariamente, a política editorial do jornal. Além disso, atestou-se, também, que o processo de agenda-setting, responsável pela selecção das notícias que as organizações julgavam prioritárias para o seu público, contava com a contribuição das fontes de informação e acabavam por obedecer as mesmas regras em qualquer jornal. Assim, nos capítulos dois e três, pôde-se comprovar, através da técnica da observação directa, que a estrutura da sala de reuniões, e as próprias reuniões realizadas em todos os jornais, eram bastante semelhantes. Averiguou-se também, através de entrevistas não padronizadas aos editores das secções de Nacional e Internacional dos jornais em estudo, que os limites e constrangimentos, ou seja, os valores profissionais, a rotina de selecção de notícias, a pressão de tempo e de espaço, influenciavam a acção de qualquer jornalista, independente do órgão de comunicação para o qual ele trabalhava. Por fim, com as respostas dadas ao inquérito aplicado aos editores ou directores dos quatro jornais em estudo, confirmou-se que os objectivos dos inquiridos, ao produzirem uma notícia, passavam sempre pela objectividade, ética e clareza, mesmo que, na prática, isto nem sempre acontecesse. Deste modo, se o processo de produção de notícias em um meio de comunicação acontecer em conformidade com a cultura do país em que esse meio estiver inserido, conseguirá garantir a sua audiência e esta, por sua vez, garantirá a consolidação e estabilidade do mesmo. Assim pôde-se compreender, também, porque os quatro jornais estudados encontravam-se consolidados e estabilizados dentro da indústria cultural dos seus respectivos países. 6 - Bibliografia Adghirni, Zélia Leal (2002) “Rotinas Produtivas do jornalismo em Brasília” In Mouillaud, Maurice e Porto, Sérgio Dayrell (org) - O Jornal: da forma ao sentido. Brasília: Editora UNB. Berger, Christa (2002) “Do jornalismo: Toda a notícia que couber, o leitor apreciar e o anunciante aprovar, a gente publica” In Mouillaud, Maurice e Porto, Sérgio Dayrell (org) - O Jornal: da forma ao sentido. Brasília: Editora UNB. 153

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7 – Anexo: Questionário aplicado aos directores e editores dos jornais portugueses/brasileiros em estudo Perfil dos Directores e/ou Editores 1 – Nome ____________________________________________ 2 – Idade actual ( ) de 20 a 24 ( ) de 25 a 29 ( ) de 30 a 34 ( ) de 35 a 39 ( ) de 40 a 49 ( ) acima de 50 3 – Nacionalidade ( ) brasileiro ( ) português ( ) outra 4 – Instituição para a qual trabalha ( ) Folha de São Paulo ( ) Estado de São Paulo ( ) Público ( ) Diário de Notícias 5 – Há quanto tempo trabalha nesta instituição? ________________________________ 6 – Nível de instrução ( ) secundário ( ) licenciado* ( ) Mestrado ( ) Doutorado ( ) pós-doutorado * Licenciado em quê? ____________________________________________________ Perfil ocupacional 1 – Trabalha ou já trabalhou fora do País em que nasceu? ( ) sim ( ) não Por quê? _______________________________________________________________ 2 – Quais funções que já exerceu? ( ) Repórter ( ) Paginador ( ) Fotógrafo ( ) Chefe de Redacção ( ) Editor (Editor de secção, editor executivo, etc) ( ) Director ( ) Outras 159

3 – Na sua opinião, quais são as três funções mais importantes que um jornalista da imprensa escrita pode exercer? Porquê? ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ 3.1 - E quais as três funções melhor remuneradas? ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ 3.2 - Quais as novas funções (ou alterações)? ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ 4 – Quais as capacidades exigidas para o bom desempenho na carreira do jornalista da imprensa escrita? (Numere em ordem crescente de acordo com a sua preferência) ( ) criatividade ( ) conhecimentos técnicos ( ) conhecimentos teóricos ( ) reciclagem ( ) domínio de novas tecnologias ( ) capacidade de inovar ( ) capacidade de assimilar a política editorial da Instituição ( ) Outras 5 – A recompensa maior nesta profissão está na: (Numere em ordem crescente de acordo com a sua preferência) ( ) remuneração ( ) conhecimentos adquiridos ( ) autonomia de decisões ( ) estabilidade ( ) funções que exerce ( ) Outras 6 – Quais motivos levam os jornalistas a mudarem de emprego (órgão de comunicação)? (Numere em ordem crescente de acordo com a sua preferência) ( ) melhor remuneração ( ) aperfeiçoamento obtido através de outros cursos ( ) cargo mais atraente ( ) ascensão profissional ( ) estabilidade no emprego ( ) maior autonomia ( ) outras 7 – Avalie os factores que influenciam a imagem do jornalista da imprensa escrita: (Numere em ordem crescente de acordo com a sua preferência) ( ) competência profissional ( ) ética profissional ( ) função social da profissão ( ) nível de remuneração 160

( ) curso superior (Licenciatura) na área ( ) prestígio social ( ) outro ( ) liberdade/ autonomia profissional ( ) nível de organização (através de conselhos, sindicatos, associações, etc...) 8 – Qual a imagem que você tem dos empresários na sua área profissional? (Numere em ordem crescente de acordo com a sua preferência) ( ) liberais ( ) inovadores ( ) competentes ( ) incentivam a carreira ( ) incentivam a iniciativa ( ) oferecem remuneração adequada ( ) outros 9 – Na sua opinião, quais objectivos o jornalista da imprensa escrita deve atender? ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ 10 - Conhece a política editorial adoptada pela Instituição para a qual trabalha? ( ) Sim ( ) Não 10.1 - Concorda com ela? ( ) Sim ( ) Não 11 - Quais critérios (clareza, ponto de vista, objectividade, tamanho, etc...) ajudam a determinar a escolha de uma notícia? ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ 12 - Acha que existe algum tipo de preconceito na escolha das notícias que chegam à redacção? ( ) Sim ( ) Não Por quê? ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ 13 - O que lhe acontece se apresentar uma notícia que vai contra a orientação política do jornal? ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ 14 - O que é divulgado pela concorrência influencia a decisão do jornal? ( ) Sempre ( ) quase sempre ( ) As vezes ( ) quase nunca ( ) nunca 161

15 - Como o jornal define o público ao qual se destinam as notícias seleccionadas? Há um leitor típico? ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ 15.1 – Há um público brasileiro/português definido? ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ 16 - Quais fontes de informação a sua Instituição possui? ( ) Fontes oficiais ( ) Fontes não oficiais ( ) Agências noticiosas ( ) Internet ( ) Outras ______________________________________________________________ 16.1 - Tem ideia da percentagem do material proveniente das fontes oficiais de informação que é aproveitado? ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ 17 – Seu jornal recebe informações de diversas agências de notícias? ( ) Sim ( ) Não Quais? __________________________________________________________ 17.1 – Se a sua resposta à questão anterior for Sim, quando chegam notícias de diversas agências noticiosas, sobre um mesmo tema, como se dá a escolha? ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ 18 - Existe um número máximo ou mínimo de notícias, sobre determinados temas, que o jornal pode publicar por dia? ( ) Sim ( ) Não 18 1 - Em qual tipo de assunto o jornal costuma centralizar-se? Por quê? ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ 19 - Como é decidido qual a melhor forma de “cobrir”um acontecimento e quem deverá fazê-lo? Ou seja, quais acontecimentos merecem uma cobertura pessoal, quais podem ser cobertos por telefone e quais podem ser adquiridos em agências de notícias? ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ 20 - Em termos de editorias (secções), como o jornal está dividido? (Ex: “Editoria ou Secção de Política”; “Editoria ou Secção de Desporto”; etc...) ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ 20.1 – Quantas páginas possui cada Editoria ou Secção? 162

______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ 21 – Quais são as formas de relato (géneros) utilizados pelo seu jornal? ( ) Notícia ( ) Nota ( ) Reportagem ( ) Entrevista ( ) Editorial ( ) Comentário ( ) Artigo ( ) Resenha ( ) Coluna ( ) Crónica ( ) Caricatura ( ) Carta 22 - Como é produzida a agenda? (reuniões, etc...) ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ 22.1 - Quais factores afectam o seu estabelecimento? (ineditismo, proximidade, etc...) ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ 22.2 – De que maneira o factor tempo influencia o seu trabalho? ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ 22.3 - Quem determina a ordem de preferência (hierarquização) dos temas escolhidos? ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ 23 - O Brasil/Portugal está sempre na agenda? ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ 23.1 - Como acha que o jornal trata as notícias brasileiras/portuguesas que chegam à redacção? Qual nível de importância é dado à elas? ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________

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