Jornalismo e criatividade: uma possibilidade de redação criativa nos cadernos de cultura

July 9, 2017 | Autor: Juliano Carvalho | Categoria: Jornalismo
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Jornalismo e criatividade: uma possibilidade de redação criativa nos cadernos de cultura

Carolina Fontebasso Schincariol (PUC-Campinas-Brasil) [email protected]

Juliano Maurício de Carvalho (Unesp-Brasil) [email protected]

Sumário Este artigo verifica se os cadernos culturais dos jornais brasileiros Folha de S. Paulo e O Estado de S. Paulo constroem textos criativos em seu trabalho diário de informar. A análise do discurso de 32 edições de cada um dos jornais selecionados, amparada por uma definição de criatividade, permitiu identificar construções criativas que, apesar das regras dos manuais de redação, criaram algo novo, romperam ou rearranjaram a técnica da pirâmide invertida e do lide.

Abstract

This paper researchs brazillian newspapers Folha de S. Paulo and O Estado de S. Paulo to verify creative articles on their cultural sections’ daily task of informing people. Through a discourse analysis of 32 editions from both newspapers, supported by a definition of creativity, it was possible to identify creative literal constructions which, despite the rules of writing manuals, had created something new – they had breached or rearranged the lead and inverted pyramid techniques

1. Introdução

Atualmente, a criatividade é um conceito repetido em diferentes contextos: componente da

personalidade de certos indivíduos, segredo de um profissional de sucesso, sinal de inteligência etc. Contudo, é possível indagar: como ser criativo diante de normas que formulam modelos e técnicas para o desenvolvimento de um trabalho? É essa a realidade em que se encontra o jornalismo, pois o profissional dessa área desenvolve seu trabalho em meio a diversas normas que regulamentam sua produção textual. Os veículos de comunicação, em sua maioria, elaboram manuais os quais compilam as regras que os jornalistas precisam considerar no momento de transpor para o papel as informações. Entre elas, está a técnica da pirâmide invertida e do lide, importada dos Estados Unidos da América para a imprensa brasileira, que recomenda aos profissionais a hierarquização das informações de forma decrescente no texto e reunirem no primeiro parágrafo, o lide (do inglês lead), as respostas às perguntas consideradas básicas para a informação completa do fato ao leitor: o que aconteceu, com quem, quando, onde, como e por que. Como justificativa deste trabalho, pode-se apontar o fato de existir poucas pesquisas na área do jornalismo cultural, como comprova Adami (2003). Além disso, a união de criatividade e jornalismo também é algo pouco abordado, como afirma Falaschi (2005). Bizzochi (2003) vê o processo criativo como um novo discurso porque, em primeiro lugar, antes de materializar sua idéia, o indivíduo cria mentalmente e, sendo que a matéria do pensamento é a linguagem, logo a criação humana será inicialmente um discurso mesmo que constituído apenas por sons e imagens. “É por isso que, sendo a cultura fundamentalmente discurso, a criatividade assume papel tão importante nesse domínio”, afirma o autor (idem: 131), uma vez que a cultura é vista por ele como um conjunto de discursos expressos na forma da dança, da fala, da escrita, da pintura, e em todas as outras instâncias de produção cultural que caracterizam particularmente um povo. Para o autor há, ainda, dois elementos que merecem especial atenção quando se trata de criatividade: as idéias de inspiração e genialidade, que aparecem freqüentemente ligadas ao conceito. O primeiro dos elementos, a inspiração, é entendido como a forma de efetivação, de prática do poder criativo. Neste sentido, Bizzochi considera as questões que procuram saber se a

inspiração existe, se é um atributo humano ou divino e se é involuntária ou induzida, porque ele (o autor) acredita que o mais importante é que essa capacidade de criação existe, é exercida e é inerente ao homem:

“O que importa, de todo modo, é que se concorda em atribuir aos religiosos, aos cientistas, aos artistas e aos atletas o motor da inspiração, seja na forma do heureka do sábio, seja na forma do insight do artista, seja ainda na iluminação divina do crente ou na “jogada de gênio” do esportista. Qualquer que seja a atividade cultural considerada, é a especial aptidão (em geral tida como inata) para manipular os elementos constituintes de sua linguagem específica (idem:136; itálico do autor).”

Como se pode observar, esta pesquisa pode ser relevante para os estudos de amba as áreas, jornalismo cultural e criatividade no jornalismo, pois trata de dois assuntos pouco explorados e, ainda, une-os no mesmo estudo. Foram analisados os cadernos de cultura “Ilustrada” e “Caderno 2”, integrantes de dois jornais brasileiros, respectivamente Folha de S. Paulo e O Estado de S. Paulo, ambos veiculados em São Paulo e nas principais cidades do país. S. Paulo A pesquisa escolheu uma definição de criatividade para nortear a análise. Mostra-se, também, a relação estabelecida entre a criatividade e o jornalismo, com a qual é possível entender a base segundo a qual foram analisados os cadernos culturais, no intuito de verificar se a criatividade é exercida pelos jornalistas nos textos.

2. Objetivos

Considerando o contexto das normas que regulamentam a produção textual dos jornalistas, este trabalho foi desenvolvido com o objetivo de identificar se há espaço para o exercício da criatividade

nos textos informativos da editoria de cultura de dois veículos impressos brasileiros: a “Ilustrada”, da Folha de S. Paulo, e o “Caderno 2”, de O Estado de S. Paulo. Para desenvolver seu objetivo, a pesquisa considerou como base teórica (sem, contudo, haver qualquer intenção conclusiva) trabalhos de diversos autores na área de jornalismo cultural, cultura, criatividade e análise do discurso, esta última adotada como metodologia de trabalho. Os manuais de redação dos dois veículos analisados foram importantes para se ter clareza sobre suas recomendações para a produção textual dos jornalistas que lá trabalham. Vale ressaltar que, na hipótese adotada para este trabalho, os jornalistas encontram espaço para produzir textos criativos principalmente na editoria de cultura. Essa suposição está ancorada na idéia de que os temas da área cultural diferem dos abordados nas demais editorias porque, normalmente, são assuntos convidativos que tratam de divertimento e distração.

3. Material e métodos

Após compreender os conceitos relacionados ao tema, a pesquisa iniciou a análise das edições dos cadernos de cultura “Ilustrada” e “Caderno 2”, respectivamente da Folha de S. Paulo e de O Estado de S. Paulo, do período de 1° de julho de 2005 a 1° de agosto do mesmo ano. A escolha desse período foi feita de forma não-probabilística, já que se observou que não ocorreu, nesse espaço de tempo, qualquer fato por parte das edições que pudesse ter tornado a seleção tendenciosa. De acordo com Fonseca (2002: 54), uma amostra pode ser considerada não-tendenciosa quando os elementos encontrados no período selecionado têm a mesma chance de figurar nas outras edições não analisadas. Assim, essa característica é importante para este trabalho porque permite generalizar para o todo o que foi encontrado na parte. Observou-se, também, que a quantidade de jornais selecionados, 32 edições de cada veículo, é dotada de representatividade, ou seja, possui características semelhantes ao todo e assim pode

mostrar como este é constituído. Essas considerações, a representatividade e não-tendenciosidade, estão de acordo com o que orienta a metodologia científica (FONSECA, 2002: 54) para a seleção da amostra. Apesar de esta não se tratar de uma pesquisa comparativa, a opção por desenvolver uma análise de dois veículos, e a escolha de cada um deles, baseou-se no fato de que a Folha de S. Paulo e O Estado de S. Paulo são os dois jornais de maior circulação no Estado de São Paulo. Segundo dados do Instituto Verificador de Circulação (IVC), a Folha de S. Paulo registra circulação média diária de 314.908 jornais e O Estado de S. Paulo, de 242.755 exemplares. Com isso, os dois veículos figuram no universo dos leitores desse estado como as duas principais referências no meio impresso diário. Assim, neste trabalho de identificação da criatividade nos textos da editoria de cultura, a seleção dos cadernos dos dois jornais mostra-se adequada, uma vez que permite compreender como grande parte dos leitores recebe as informações culturais.

4. Discussão

Este trabalho analisou os textos dos cadernos de cultura “Ilustrada” e “Caderno 2”, respectivamente da Folha de S. Paulo e de O Estado de S. Paulo, no período de 1° de julho até 1° de agosto de 2005, contabilizando 32 edições de cada um dos veículos. A análise dos cadernos culturais, desenvolvida para identificar a criatividade no texto jornalístico, considerou para este trabalho a análise do discurso (a partir de agora, AD) que, segundo Maingueneau (2000: 13), é uma disciplina que, em vez de produzir uma análise lingüística do texto ou uma análise sociológica ou psicológica do contexto, desenvolve uma articulação entre a enunciação e o lugar social no qual ela ocorre. Assim, a AD é adequada a este trabalho, que leva em conta o discurso, no caso o texto no jornalismo cultural, e as determinações referentes a ele, ou seja, as recomendações dos manuais de redação para o uso do lide e da pirâmide invertida na construção textual.

Para fins da pesquisa, o termo “criatividade” foi abordado como o novo, a originalidade e o rearranjo de estruturas já existentes. Ancorada nessa definição, tendo em mente a análise do discurso, foi desenvolvida a análise dos textos dos cadernos culturais. É necessário ressaltar que foram analisados apenas os textos informativos, noticiosos, excluindo-se os textos opinativos, pois é apenas nos primeiros que as técnicas textuais da pirâmide invertida e do lide devem ser adotadas, conforme orientam os manuais da Folha de S. Paulo e de O Estado de S. Paulo. No caderno cultural “Ilustrada” da Folha de S. Paulo foram encontrados 298 textos informativos (os dados encontrados nessa análise podem ser melhor visualizados na Tabela 1.). Entre eles, 125 foram identificados como criativos. A seguir, dois trechos capazes de exemplificar as construções criativas.

Tabela 1. Dados da “Ilustrada” N° de textos

N° de textos

Valor percentual

noticiosos

criativos

(%)

298

125

41,94

O primeiro exemplo reproduz o início do texto “DVD traz cena musical histórica brasileira”, de Sérgio Torres, veiculado pela “Ilustrada” no dia 1° de julho:

“Passados 36 anos das filmagens, só agora o público brasileiro terá o privilégio de ver cenas que japoneses e europeus já conhecem há tempos. Cenas que impressionam por reunir os mestres Pixinguinha, João da Baiana e Baden Powell; por reunir os então jovens Paulinho da Viola e Maria Bethânia; e por reunir Bethânia e craques do samba-jazz, como Raul de Souza e Luiz Carlos Vinhas” (2005: E6).

O texto de Torres tem como objetivo informar ao leitor o lançamento do DVD “Saravah”, no qual o diretor Pierre Barouh apresenta interpretações inéditas de cantores brasileiros. No primeiro parágrafo, Torres faz um passeio pela História, revela que japoneses e europeus já conhecem a obra, notável por reunir em encontro inédito personalidades reconhecidas do cenário musical brasileiro como Pixinguinha, Maria Bethânia, Paulinho da Viola etc. Nesse lide, o autor dá destaque ao que a obra possui de peculiar e não se limita a dar de imediato a notícia do lançamento. É possível, ainda, observar nesse trecho o conceito de polifonia trazido pela AD. O termo foi introduzido pelo lingüista russo Bakhtin e é utilizado para caracterizar as diversas vozes presentes em um enunciado. Isso pode ser observado quando os leitores são levados em consideração por Torres, tornando-se co-enunciadores, na construção do texto, quando se afirma que “só agora o público brasileiro terá o privilégio de ver cenas que japoneses e europeus já conhecem há tempos” (2005: E6). Outro exemplo desse grupo de textos criativos é mostrado a seguir:

“As artes cênicas da América Latina navegam em sentido oposto ao do explorador Colombo para apresentar ao público espanhol seu ponto de vista sobre ‘Dom Quixote’, a mais célebre das obras de literatura escritas na língua de um de seus colonizadores. O Brasil participa dessa remessa teatral com a companhia Pia Fraus que, acompanhada pelo grupo Parlapatões, Patifes e Paspalhões, leva pela primeira vez aos palcos do país de Miguel de Cervantes (1547-1616) sua ‘Farsa Quixotesca’” (HORA, 2005: E2).

Esse texto de Daniel Hora, “Dom Quixote à brasileira encanta platéia na Espanha”, da “Ilustrada” de 4 de julho, tem como foco principal a notícia da apresentação da peça “Farsa Quixotesca”, realizada pela primeira vez por grupos brasileiros na Espanha. Nesse lide, Hora faz uma analogia entre a ida da companhia brasileira Pia Fraus à Europa e a descoberta da América, quando os europeus fizeram o caminho contrário ao que a “Farsa Quixotesca” realiza agora. Com isso,

enriquece o lide, que não é feito de forma automática – caso em que apenas reuniria as informações relativas ao “que, quem, quando, onde, como e por quê”. No “Caderno 2” (os dados encontrados nessa análise podem ser melhor visualizados na Tabela 2), de O Estado de S. Paulo, foi possível identificar 264 textos informativos, dos quais 143 foram considerados criativos de acordo com o critério adotado para esta pesquisa. Assim como com na “Ilustrada”, S. Paulodois exemplos a seguir mostram a criatividade em O Estado de S. Paulo.

Tabela 2. Dados do “Caderno 2” N° de textos

N° de textos

Valor percentual

noticiosos

criativos

(%)

264

143

54,16

Esse trecho reproduz o primeiro parágrafo do texto “Momix toma banho de lua”, de Livia Deodato, veiculado na edição de 1° de julho de 2005 do “Caderno 2”:

“Voar, tornar-se invisível e voltar a aparecer. Criar diversas formas humanas e inumanas com a sincronização dos corpos dos bailarinos, sob um mágico jogo de luzes. O grupo ilusório de dança Momix desembarca no Rio, após ter estreado nos EUA, para comemorar os 25 anos de existência com o novo espetáculo Lunar Sea (em português, Mar Lunar). Chega terça a São Paulo” (DEODATO, 2005a: D1; itálico dos autores).

O texto desse primeiro exemplo tem como objetivo informar sobre a apresentação do grupo de dança Momix, que aconteceu em São Paulo no dia 5 de julho. Observa-se que a autora hierarquiza a informação porque, já no primeiro parágrafo, responde ao “que e quando” em “chega terça a São Paulo” (DEODATO, 2005: D1), embora construa algo diferente, ao detalhar as particularidades do espetáculo e, com isso, rearranje a estrutura.

A seguir, um segundo exemplo retirado do “Caderno 2”:

“O atentado terrorista que deixou vítimas na quinta-feira em Londres chocou os escritores convidados para a terceira Festa Literária Internacional de Paraty e provocou lembranças terríveis em especialmente dois. O americano Jon Lee Anderson acompanhou todos os momentos que culminaram com a queda de Saddam Hussein na guerra do Iraque. A experiência resultou no livro A Queda de Bagdá (Objetiva). E o português Pedro Rosa Mendes presenciou a violência do conflito belicoso em Angola, confrontando com a morte quase que diariamente, relato que está no livro Baía dos Tigres (Sá Editora). Anderson e Mendes estarão juntos hoje na Flip, a partir do meio-dia, justamente para conversar sobre zonas de conflito” (BRASIL, 2005: E1; itálico do autor).

Neste exemplo, o texto de Ubiratam Brasil, “Narradores de guerras”, tem a missão de falar sobre os destaques da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), que naquele dia, 9 de julho, receberia os escritores Jon Lee Anderson e Pedro Rosa Mendes com suas respectivas obras, A queda de Bagdá e Baía dos Tigres, sobre a guerra do Iraque e o conflito em Angola. Observa-se que Brasil cumpre a função do texto de forma não-convencional: não cita diretamente a presença dos autores na festa, mas integra ao lide um pouco de história recente e, assim, contextualiza o acontecimento. Esta pesquisa desenvolveu a identificação de textos criativos nos cadernos culturais (os dados gerais da análise dos dois veículos podem ser conferidos na Tabela 3) “Ilustrada” e “Caderno 2”, dos jornais Folha de S. Paulo e O Estado de S. Paulo, respectivamente. Tal delimitação ocorreu porque, segundo a hipótese adotada, são os cadernos de cultura, pela natureza de seus temas, os que possuem mais liberdade para romper com as estruturas textuais do lide e da pirâmide invertida, recomendadas pelos veículos em de seus manuais de redação.

Tabela 3. Dados gerais da análise Caderno

N° de textos

N° de textos

Valores

noticiosos

criativos

percentuais

“Ilustrada”

298

125

41,94%

“Caderno 2”

264

143

54,16%

Na busca por uma explicação para a hipótese, a pesquisa considerou o relato de Piza (2004), ao afirmar que os cadernos de cultura não devem seguir rigidamente as recomendações dos manuais, uma vez que os assuntos tratados nessa editoria diferem dos temas das demais:

“[...] a natureza dos assuntos tratados por essa seção, do cinema à moda, da literatura à música, é obviamente convidativa. Ela não está falando dos escândalos políticos, dos índices econômicos e da criminalidade assustadora, pelo menos não diretamente daqueles que nos afetam no cotidiano. Está nos indicando, em geral, coisas boas para fazer, como ver um filme, ir a um restaurante, ler um livro – daí a importância das edições de fim de semana (sexta, sábado e domingo), que também usufruem do maior tempo disponível do público para ler o próprio jornal. Para uma publicação, é certamente um espaço de sedução do leitor que conta com uma simpatia prévia, até pelo contraste com as outras seções (com exceção, naturalmente, dos esportes, embora nem todo mundo goste de esportes)” (PIZA, 2004: 64). A pesquisa levantou, ainda, outra possibilidade para explicar a idéia de que os cadernos de cultura admitem maior espaço para a criatividade: os leitores são também responsáveis por isso porque “saboreiam” o caderno de cultura aos poucos – não bastando, para isso, que os autores reproduzam fórmulas; eles precisam dar “gosto” às suas informações, a fim de atenderem aos interesses dos leitores. Talvez isso possa explicar a maior liberdade para a produção de textos criativos nessa editoria e motivar outra pesquisa sobre esse aspecto. Os cadernos de cultura figuram como uma boa forma de atrair leitores para os jornais, como relata Piza (2004), pois é com essa seção que o público estabelece vínculos prazerosos de leitura. Isso se deve à natureza dos assuntos tratados pelo jornalismo cultural, os quais fogem dos

escândalos políticos, dos índices de violência e das mudanças na economia: os cadernos culturais indicam “coisas boas para fazer, como ver um filme, ir a um restaurante, ler um livro [...]” (idem, p. 64). O autor diz, ainda, que as pesquisas de leitura colocam os cadernos culturais como a primeira ou segunda seção mais lida dos jornais, depois da primeira página. Esse papel importante do jornalismo cultural é também destacado por Siqueira E. e Siqueira D. (2004), os quais registram o espaço que essa área ocupa nos meios impressos, eletrônicos e digitais. O rádio dedica horários para comentar sobre espetáculos teatrais e musicais. Na televisão, as emissoras como a “Cultura” e canais fechados como o “Multishow” também exploram o campo da cultura veiculando informações de variados temas como dança e artes plásticas. Nos meios impressos, por sua vez, o jornalismo cultural encontra espaço certo há tempos: no século XVII, o Journal des Savants, de acordo com Siqueira E. e Siqueira D. (idem), inaugurou a temática cultural na França, e permanece até hoje, só que agora organizada em cadernos especializados no tema. Outro registro de estudo na área do jornalismo cultural é feito por Marquardt (2003), que analisou o caderno “Tendências e Cultura” do jornal Opinião. O objetivo do autor foi observar como se desenvolviam as críticas e os textos de cultura em um jornal que circulou no período da ditadura militar no Brasil e, por isso, conviveu diretamente com a censura que o regime impôs aos meios de comunicação. Os textos eram muitas vezes barrados pelos critérios usados pelos censores. Segundo Maingueneau (2000), os discursos seguem determinadas leis para que possam ser considerados sérios tanto para os enunciadores quando para os receptores. Essas leis são: pertinência, sinceridade, informatividade e exaustividade. A primeira diz que um discurso precisa estar adequado ao contexto em que acontece, deve interessar ao destinatário e, de algum modo, modificar a situação estabelecida. A lei da sinceridade diz respeito ao engajamento do enunciador no ato de fala, ou seja, o produtor do discurso deve estar em condições de garantir a verdade do que diz. A lei da informatividade, por sua vez, orienta o autor do discurso a apenas construir um enunciado quando tiver informações novas ao destinatário. A última regra da comunicação, a lei da exaustividade, obriga o enunciador a oferecer a informação máxima, todos os detalhes e nuances

conhecidas para que o receptor tenha o maior conhecimento possível do fato. Vale dizer que todos os discursos jornalísticos usados como exemplos da análise fizeram uso das leis do discurso, desenvolvidas pela AD, de sinceridade, pois os jornalistas precisam estar em condições de garantir a veracidade do que afirmam e a pertinência dos acontecimentos, (já que os fatos devem interessar ao destinatário), de informatividade (uma vez que as informações precisam ser novas) e, por fim, de exaustividade (quando os textos trazem o máximo de detalhes sobre o fato).

5. Conclusão

Esta pesquisa foi desenvolvida com o objetivo de identificar se os cadernos culturais “Ilustrada” e “Caderno 2”, respectivamente da Folha de S. Paulo e de O Estado de S. Paulo, constroem seus textos de forma criativa. Em razão da natureza dos temas da área cultural, a qual leva aos leitores assuntos ligados ao divertimento e à distração, esta pesquisa adotou como hipótese de trabalho a idéia de que há a possibilidade de identificar construções criativas nos textos dessa área. A análise do discurso de 32 edições de cada um dos cadernos, veiculadas no período de 1° de julho a 1° de agosto de 2005, permitiu confirmar a hipótese adotada pela pesquisa: foram identificados 125 textos criativos na “Ilustrada” e 143 no “Caderno 2”. Todas essas construções foram assim classificadas porque construíram um rearranjo ou criaram uma nova maneira de escrever que rompeu com as estruturas do lide e da pirâmide invertida, adotadas como regras para a formatação textual no jornalismo. Em outras palavras, os textos criativos não trouxeram de imediato, no primeiro parágrafo, as respostas às perguntas básicas – outros ousaram ainda mais, reconstruindo todo o texto de modo a não se hierarquizar as informações na ordem decrescente. Os resultados encontrados permitem concluir que a criatividade encontra meios de ser posta em prática mesmo diante de regras e manuais para as produções textuais. Os jornalistas, por sua vez, usam essa capacidade criadora para desenvolver textos que vão além de uma ação automática de

responder às perguntas: a criatividade permite enriquecer as construções textuais com informações históricas, visões humanizadas, relações entre passado e presente. Em termos percentuais, o “Caderno 2” de O Estado de S. Paulo constrói um número maior de textos criativos do que a “Ilustrada” da Folha de S. Paulo. Uma possível explicação para essa diferença é a afirmação de Martins (1997) de que o Manual de redação e estilo, de O Estado de S. Paulo, não foi criado com a intenção de tolher a criatividade dos jornalistas, mas, sim, para estabelecer um estilo para o veículo. Com isso, o autor deixa claro que existe espaço no jornal para os jornalistas criarem e renovarem seu trabalho. Como também foi visto neste artigo, os cadernos de cultura figuram como as segundas seções mais lidas depois da primeira página. Nesse contexto, a produção de textos criativos pode tornar esses cadernos uma fonte ainda mais atraente, pois possibilita a produção de textos prazerosos que tornam os assuntos convidativos. Além disso, para leitores que buscam se informar sobre literatura, arte, espetáculos, cinema e dança, provavelmente não basta saber apenas o “que, quando, como, onde e por quê”. Mais interessante é conhecer os detalhes, os momentos especiais, as peculiaridades dos acontecimentos. Esses outros aspectos citados no texto podem ser temas de outras pesquisas com enfoques específicos. O presente trabalho, em especial, pretende contribuir para ampliar os conhecimentos na área do jornalismo cultural, demonstrando que é possível uma “rebeldia criativa”, como a chama Chaparro (2004), uma rebeldia que renove estruturas e crie novas formas de escrever.

Referências bibliográficas ADAMI, A, (2003). Cultura também é notícia. Jornalismo cultural no impresso e na TV. Revista Brasileira de Ciências da Comunicação, São Paulo, vol. 26, jul./dez. Disponível em: . Acesso em: 18 ago. 2005. BIZZOCHI, A, (2003). Anatomia da cultura – uma nova visão sobre ciências, arte, religião, esporte e técnica. São Paulo: Palas Athena.

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