Jornalismo e Mídias Sociais Digitais: transformações no processo de legitimação institucional no serviço de micromensagens Twitter

May 27, 2017 | Autor: Luciana Carvalho | Categoria: Journalism, Digital Media, Social Media, Twitter, Online Journalism
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GT6 - Novas Relações com a Audiência Jornalismo e Mídias Sociais Digitais: transformações no processo de legitimação institucional no serviço de micromensagens Twitter Eugenia Mariano da Rocha Barichello Luciana Menezes Carvalho Universidade Federal de Santa Maria

Resumo A crise de legitimação que atinge as instituições sociais na atualidade afeta diretamente o jornalismo, que tem na intermediação seu principal papel institucional. O cenário das mídias sociais digitais amplia esse processo. Este trabalho realiza uma análise de conteúdo para identificar possíveis transformações no processo de legitimação institucional do jornalismo nas mídias sociais digitais. Faz-se uma análise das postagens do jornal Zero Hora no site de micromensagens Twitter na cobertura de um acontecimento para compreender como o campo institucional se apropria da mídia social para se legitimar perante o público e a sociedade.

Introdução O processo de legitimação institucional do jornalismo tem sido ancorado, historicamente, em seu papel de intermediação, que o faz ser reconhecido socialmente como meio entre os fatos e o público e intermediário no processo de seleção das informações. A internet e as tecnologias digitais tornaram possível que um grande número de pessoas passasse a produzir, distribuir e comentar conteúdo próprio ou de terceiros. Tal transformação ocasiona uma crise no papel das instituições de mediação, dentre elas o jornalismo. Essa possibilidade de acesso direto à informação por parte dos atores sociais representa uma crise de legitimação às instituições que têm a mediação como papel central, como é o caso do jornalismo. A popularização recente das mídias sociais digitais, com a ampliação da participação dos usuários das tecnologias digitais, reforça este cenário. São exemplos de sites de mídia social o Orkut1 (site de rede social), o Facebook2 (site de rede social), o Youtube3 (site de compartilhamento de vídeos), o Flickr4 (compartilhamento de fotos), o Twitter5 (microblog ou serviço de micromensagens), o Delicious6 (site de armazenamento de links), cada um com uma função distinta e sendo apropriados de diferentes formas. O serviço de micromensagens Twitter7 é uma ferramenta de mídia social que tem sido apropriada pelos interagentes8 principalmente para busca e disseminação de informações, além de permitir a conversação e a emergência de redes sociais. Atualmente com mais de 200 milhões de usuários9, destaca-se pelas possibilidades de uso para fins informativos, com caráter jornalístico e de 1



http://www.orkut.com

2

http://www.facebook.com

3

http://www.youtube.com

4

http:www.flikr.com

5

http://twitter.com

6

http://www.delicious.com

7

http://twitter.com

8

Utilizamos a denominação “interagente” conforme Primo (2003), para o qual o termo é mais apropriado para definir a ação recíproca

entre os atores nas redes digitais. 9

Segundo reportagem do site Tech Crunch, seriam 190 milhões de usuários em junho de 2010 em todo o mundo, com uma média de 65

milhões de tweets (postagens individuais) diários. Disponível em: . Acesso em 23/06/2010.

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relevância social. O jornal Zero Hora (RS-Brasil) é um dos pioneiros no país a adotar as mídias digitais como plataforma jornalística, tendo criado o cargo de editor de mídias sociais em 200910. A partir de meados de 2009 intensificou as estratégias no Twitter, dando mais atenção à interação com a audiência. Com o objetivo de compreender possíveis transformações no processo de legitimação da instituição jornalística nas mídias sociais digitais, realizamos uma análise de conteúdo no perfil do jornal Zero Hora no Twitter, a partir da cobertura de um acontecimento jornalístico - um temporal que atingiu o estado do Rio Grande do Sul (Brasil) em novembro de 2009. O jornalismo como instituição social de intermediação Informar a sociedade, operar a mediação da realidade são, desde suas origens, as principais funções do campo institucional do jornalismo, formado pelas organizações informativas e os profissionais que nela atuam. Essa perspectiva fundamenta os discursos legitimadores das organizações noticiosas até hoje. A linguagem jornalística objetiva e o apelo a diferentes estratégias de reforço de sua função social de mediação fazem com que o jornalismo seja reconhecido em suas diferentes manifestações, diferentes suportes, como uma instituição que, apesar de todas as transformações tecnológicas pelas quais passa, mantém suas principais características e continua exercendo suas funções centrais junto à sociedade. Assim se dá seu processo de legitimação desde que foi institucionalizada e tornou-se predominante a matriz informativa do jornalismo. A noção de mediação, para Guerra (2008), subentende um duplo papel social que o jornalismo enquanto instituição procura cumprir. Inclui o papel intermediação, entre os fatos e acontecimentos e a sociedade e, ao mesmo tempo, a adequação que o pólo emissor, pelo seu aspecto econômico, precisa operar em relação às expectativas do público (GUERRA, 2008). O conceito de instituição não se confunde com o de organização, essa entendida como “(...) uma manifestação empírica daquilo que a instituição determina formalmente” (GUERRA, 2008, p. 151). A credibilidade que marca a instituição jornalística é conquistada e mantida ao longo dos anos por meio de uma relação contratual entre cada organização e seu público, entre cada jornal e seu leitor. A reafirmação desse papel pelo jornalismo tem como principal objetivo legitimá-lo socialmente. Por meio de estratégias de legitimação, uma instituição “(...) se reconhece pelo poder de ocupar o lugar de sujeito de enunciação, como sujeito de um dizer ou fazer, remetendo à capacidade de impor algo com legitimidade para a sociedade” (BARICHELLO, 2004, p. 72). De tempos em tempos, são comuns ocorrerem mudanças nos modos de as instituições se explicarem e se justificarem perante seus públicos, o que ocorre sempre que há uma transformação de significados ou uma ruptura social, ou mesmo quando uma nova geração precisa ser instruída a respeito de seu funcionamento. Quanto mais complexa fica a sociedade, mais problemas de legitimação tendem a ocorrer. É o que ocorre com o atual processo de liberação do poder de emissão relacionado às possibilidades interativas das tecnologias digitais de comunicação e informação. Desintermediação e crise de legitimação do jornalismo O contexto social do processo de desintermediação envolve uma crise nos dispositivos de legitimação das instituições, operando o que Lyotard (2000) denomina “deslegitimação”. O autor entende que, na virada do século XX para o XXI houve uma ruptura nos “metadiscursos de emancipação” que marcaram a modernidade, afetando todos os campos sociais e instituições. Com a informatização da sociedade, o saber passa a se exteriorizar, diminuindo o poder dos experts e diluindo as fronteiras entre os campos. 10

Entre 2009 e 2010 criaram o cargo o norte-americano The New York Times, a Rede britânica BBC, o paulistano O Estado de São Paulo e

o carioca G1 – portal de notícias da Rede Globo. No jornal gaúcho Zero Hora, o cargo é ocupado pela editora de conteúdo online do veículo, a jornalista Barbara Nickel.

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Hoje, com os intermediários tradicionais tendo seu poder enfraquecido a partir das práticas descentralizantes das tecnologias digitais, estaria havendo uma exacerbação do processo de deslegitimação das instituições. É o que Pierre Levy (1998), bem antes do boom das hoje denominadas mídias sociais, já classificava como processo de desintermediação, um fenômeno típico da internet. As mídias sociais representam o principal espaço de abertura e descentralização do poder de mediação que era monopolizado pelas instituições. Elas promovem a autonomia do usuário, com redução da necessidade de mediação da mídia tradicional. Com elas, o papel de representar, de mediar o mundo através da informação, deixa de ser centralizado pelo campo institucional do jornalismo (SAAD, 2008). Apropriações dessas ferramentas têm mostrado as possibilidades de usos informativos, para produção e distribuição de conteúdos relevantes, sem necessidade da intermediação de um jornalista, ampliando as possibilidades que a internet já trazia em seus primórdios. Segundo Saad (2008), as mídias sociais estão relacionadas à transformação no papel do usuário que ocorre na web 2.0. Conforme a autora, neste estágio de maior participação, as mídias digitais incorporam as principais características da plataforma digital, ou seja, ruptura do predomínio do pólo de emissão; criação de canais independentes de informação e conversação; alto grau de envolvimento e personalização pelos usuários; alto grau de articulação coletiva; concentração em um mesmo ambiente de ferramentas de produção de conteúdo e participação e diálogo gerando comunicação. Para Recuero (2008), a web 2.0 reforça o caráter participativo da internet, mas não é ela que inaugura a mídia social, que já estava de algum modo presente nos primórdios da internet, com formas menos sofisticadas de interação. Elas reconfiguram a lógica de comunicação um-todos da mídia de massa, baseada na transmissão e difusão linear de mensagens, em direção a uma lógica de participação, que pode ser explicada pelo modelo todos-todos que ocorre nos fluxos da rede. Ao falar sobre os fluxos de informação na mídia social, Boyd (2010) visualiza uma mudança de um modelo de distribuição de informações da mídia de massa (broadcast) para um modelo de disputa por atenção no que ela denomina mídia em rede, relacionada às possibilidades da web 2.0. A autora defiine o broadcast ou mídia de transmissão como um modelo em que todo mundo recebe a mesma mensagem, ao mesmo tempo. Trata-se de um modelo de fonte única e centralizada de informação, em que as organizações informativas mantêm controle dos meios de distribuição de informações. Segundo Boyd (2010), um número cada vez maior de fontes disputam atenção das pessoas nas ultimas décadas, algo que a internet potencializou, pois suas ferramentas possibilitam que as pessoas criem e disponibilizem seus próprios conteúdos nas mídias sociais. Está em jogo uma lógica diferente daquela do jornalismo tradicional, com o antigo receptor se transformando em usuário ativo com poder de pautar os acontecimentos. No entanto, em muitos casos são os próprios usuários que noticiam primeiro, “furando” as tradicionais organizações noticiosas. Isso ocorre especialmente em catástrofes climáticas ou confrontos de ordem política, em que o acesso dos jornalistas da grande imprensa é dificultado e as pessoas que estão in loco passam a noticiar por conta própria, mostrando a força da mídia social na ambiência digital11. As trocas de informação no Twitter, por exemplo, incluem não só interações pessoais a respeito do dia a dia dos usuários, mas notícias oriundas dos veículos de imprensa, portanto não originadas da mídia social. No entanto, mesmo nesses casos, as informações se dão a partir de outra lógica, em oposição ao modelo de emissão unilateral da mídia de massa. As informações são passadas adiante, na mídia social, com comentários dos usuários, seja nos blogs, microblogs ou sites de rede social. Para assegurar que continuarão tendo justificada sua existência em uma ambiência de desin11

Um caso emblemático das possibilidades das mídias sociais para a disseminação de informações por parte dos usuários é o dos conflitos

pós-eleições presidenciais no Irã, ocorridos em 2009. Com os veículos de comunicação internacionais impedidos de realizar a cobertura e a imprensa local censurada, manifestantes utilizaram o Twitter e o Youtube para veicular fotos, vídeos e mensagens para revelar ao mundo a violenta repressão da polícia nos protestos movidos pela oposição que denunciava fraude do pleito. As postagens em sites como o Twitter foram fundamentais para que as emissoras e jornais pudessem realizar suas coberturas. O episódio ficou conhecido, pelo uso da internet pelos militantes, como “revolução 2.0”. Também teve impacto primeiro nas mídias sociais a notícia da morte de Michael Jackcson, fato só depois divulgado pelos veículos tradicionais. Há inúmeros casos em que as informações sobre incêncios, enchentes e outras catástrofes foram primeiro disseminadas por pessoas comuns (não jornalistas), através da mídia social.

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termediação e deslegitimação, as organizações marcam presença nas mídias sociais digitais, onde empregam estratégias para legitimar seu clássico papel de intermediárias junto aos públicos. O processo de legitimação do jornalismo nas mídias sociais digitais A legitimação é um processo constante de justificação e explicação de uma ordem institucional. É para buscar ou manter reconhecimento da sociedade que a instituição precisa de mecanismos de legitimação. A legitimação renova um campo já institucionalizado, garantindo sua permanência e mantendo coeso um universo de significação. “A função da legitimação consiste em tornar objetivamente acessível e subjetivamente plausível as objetivações de ‘primeira ordem’, que foram institucionalizadas” (BERGER e LUCKMANN, 1984, p. 127). Assim, o jornalismo, por exemplo, quando reforça por meio de seu fazer e de seu dizer o seu papel social de mediação, de ser um campo informativo que busca a verdade, mobiliza sobre si mesmo discursos e práticas que atestam, estrategicamente, sua origem institucional. Esses discursos e práticas fazem parte do processo de legitimação institucional. As estratégias de legitimação no campo institucional do jornalismo são aquelas que visam reforçar o seu papel de intermediação. Tratam-se, também, de estratégias de sobrevivência diante de um cenário de competitividade e aceleração. A própria presença das organizações informativas nesses espaços pode ser entendida como uma estratégia de legitimação que tem na visibilidade em um espaço de abertura da rede digital uma de suas bases. A intermediação que marcou a comunicação de massa é levada para o ambiente descentralizado da mídia digital, provocando rupturas e adaptações no processo de legitimação de cada organização jornalística. A intermediação, na mídia digital, pode ser uma estratégia, de acordo com Saad (2008, p. 80), para fortalecimento da marca das organizações informativas; está associada ao oferecimento de conteúdo com credibilidade em um cenário de multiplicidade de oferta, “[...] ou seja, quem domina a práxis do jornalismo tradicional e seus diferentes gêneros, é que teria em mãos os instrumentos, as habilidades e as competências para trabalhar nesse novo formato informativo”. Visando renovar o processo de legitimação do jornalismo, as estratégias adotadas pelas organizações informativas passam a envolver um resgate do papel de intermediação do jornalismo ou, por outro lado, uma renovação desse mesmo papel com a incorporação de características ou possibilidades das ferramentas de mídia social. Para compreender como se dá esse processo na prática, realizamos uma pesquisa empírica visando analisar, no conteúdo postado na mídia social, as estratégias que a organização jornalística adota objetivando à legitimação. Procedimentos metodológicos A presente pesquisa, de caráter qualitativo, é guiada pela metodologia de Análise de Conteúdo (AC), conforme definida por Bardin (1977). Segundo a autora, o problema, as hipóteses, objetivos e referencial teórico fazem parte de uma etapa precedente da análise propriamente dita, que envolve cinco fases: preparação das informações a serem analisadas; transformação do conteúdo em unidades; classificação das unidades em categorias; descrição das categorias e inferência ou interpretação. Neste caso, a AC, além de uma metodologia que envolve todo o trabalho, é uma técnica para compreensão do objeto. a) A importância da informação no twitter O Twitter é um serviço de micromensagens12 que permite postagens de até 140 caracteres, lançado em 2006 nos Estados Unidos, e que inicialmente propunha aos usuários responder à pergunta “O que você esta fazendo?”. Como passou a ser utilizado para fins mais informativos, inclusive 12

Também conhecido como microblog, por permitir postagens na ordem de atualização à semelhança dos blogs, porém limitadas a 140

caracteres, o Twitter é considerado mais recentemente um serviço de micromensagens devido às apropriações mais comuns que foram dadas pelos usuários (RECUERO e ZAGO, 2009).

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jornalísticos, a pergunta inicial foi modificada, em 2009, para “O que está acontecendo?” 13. No Twitter, o usuário cria um perfil e pode seguir outros perfis com quem deseja trocar mensagens ou simplesmente acessar as informações postadas, que irão aparecer em sua timeline. É possível manter um perfil público, que lhe confere um status de rede social14, ou protegido, em que as mensagens serão acessadas apenas pelos seguidores com quem o usuário deseje interagir. É possível enviar mensagens direcionadas a um outro perfil por meio do sinal de @ (o reply), replicar informações utilizando a sigla RT à frente do nome do usuário (o retweet) e referenciar ou fazer menção de outros usuários à sua rede (através das mentions). Uma apropriação importante das possibilidades do serviço é a utilização das hashtags, palavras antecedidas do sinal sustenido (#), que servem para etiquetar os assuntos no Twitter. As hashtags facilitam a recuperação das postagens, permitindo que, a partir da ferramenta “search”, incorporada ao site, sejam acompanhados em tempo real os assuntos tratados pelos interagentes, permitindo também a conversação. Apesar da limitação a textos de 140 caracteres, é possível enviar links para outros espaços da web, fotos, vídeo e áudio. Apropriações voltadas para fins informativos, que vinham sendo apontadas pela literatura nos primeiros estudos sobre o Twitter (JAVA et al, 2007; MISCHAUD, 2007; HONEYCUTT e HERRING, 2009; RECUERO e ZAGO, 2009) já indicavam o papel da ferramenta na distribuição de informações jornalisticamente relevantes. A partir do seu crescimento como espaço de discussão e circulação de informações e opiniões, as organizações jornalísticas passam a marcar presença no Twitter em busca de visibilidade, oportunidade de negócios, adequação a um modismo, ou legitimação institucional. É o caso do jornal Zero Hora, que possui perfil no Twitter desde 2008. Atualmente, a página do jornal no site possui uma rede de 56.764 seguidores e segue 4.822 perfis15, priorizando a divulgação de manchetes da Zero Hora Online (figura 1) e o compartilhamento de informações originadas em diferentes canais digitais do Grupo RBS. No entanto, também há interação com os seguidores, através de retweets e replies, especialmente em coberturas pontuais, como alagamentos urbanos e caos no trânsito.

Figura 1: Fragmento da página de Zero Hora no Twitter b) O #temporalrs no Twitter de Zero Hora A seção “Cartas do Editor” do dia 22/11/2009, na página 02 de Zero Hora, trouxe um artigo intitulado “Leitores também iluminam a cena”, assinado pelo diretor de redação do jornal gaúcho, Ricardo Stefanelli. O mesmo texto foi publicado no dia anterior no Blog do Editor16, espaço editorial 13

O co-fundador do Twitter, Biz Stone, disse em entrevista que o objetivo não foi mudar como as pessoas utilizam o serviço, mas tornar

mais claro seu principal uso (http://blog.twitter.com/2009/11/whats-happening.html). 14

Embora esteja sendo usado o conceito de mídia social, entende-se que algumas apropriações desses sites lhes conferem um status de

site de rede social (Recuero, 2009), que é quando eles são utilizados como suporte para as redes sociais, ou seja, são ferramentas em que se cria um perfil público e se torna pública a rede de amigos ou contatos, sendo permitida a interação. Nem toda mídia social é apropriada como rede social. E nem toda rede social é uma mídia. 15

Dados de dezembro/2010.

16

http://wp.clicrbs.com.br/editor/2009/11/21/leitores-tambem-iluminam-a-cena

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de Zero Hora online. Segundo Stefanelli (2009), “Acostumados a lidar com o público, que cada vez mais ajuda na produção do conteúdo, os veículos da RBS viveram uma tarde diferente na quintafeira” (dia 19/11/2009). Naquela data, o que era para ser mais uma cobertura de temporal no Rio Grande do Sul, teria se transformado na maior mostra da força das mídias sociais e do poder da participação do leitor no jornalismo para as equipes do Grupo RBS. Segundo Stefanelli (2009), (...) eram fotos, vídeos e textos em profusão, delimitando um novo marco na participação de ouvintes, leitores, internautas e telespectadores. O acesso ilimitado a novas ferramentas via internet estimulava a interatividade numa forma que nem nós conhecíamos. Até mesmo Barbara Nickel, editora de Mídias Sociais da RBS, se surpreendeu com a avalanche de colaboração. (...) (...) Até a noite daquela quinta, mais de 22 mil pessoas haviam entrado no blog ao vivo para acompanhar o minuto a minuto e relatar dramas ou buscar de informações. Até então, a maior participação neste tipo de cobertura ao vivo de zerohora.com envolvera cerca de 8 mil internautas.

A amplitude da participação teve impacto, também, na cobertura da RBS TV, que usou, pela primeira vez, vídeos postados no site Youtube17 por internautas dando conta do que ocorria pelo Estado com a chuva. Um dos vídeos postados por uma leitora registrava o momento em que o temporal começou a varrer a região, em outro caso havia o registro de um avião de carga tentando pousar no aeroporto Salgado Filho, quando os ventos atingiam 96 km/h. A voz institucional representada pelo editor mostra a importância que a própria organização atribui à presença na mídia social e, além disso, à inclusão do leitor na cobertura, através da participação e da interatividade. No Twitter, foram 81 posts sobre o temporal no período de um mês, desde que foi deflagrado o acontecimento. A seleção das unidades a serem analisadas utilizou um critério semântico, elaborado com base na presença de palavras e termos relacionados ao tema “temporal no Rio Grande do Sul” (chuvas, ventos fortes, temporal, “temporalpoa”, “temporalrs”), ao contexto das mensagens (estragos causados pela chuva, falta de energia elétrica, problemas na infraestrutura urbana etc) e à questão da participação dos leitores na cobertura do temporal (com a presença de termos como “envie alertas”, “mande fotos”, “colabore”, “participe”). Levando em conta as características do Twitter e as principais apropriações apontadas pela literatura, além da natureza do problema e dos objetivos da pesquisa, partiu-se para uma categorização inicial inspirada em análise de Consoni e Oikawa (2009). No entanto, as categorias foram adaptadas para se ajustar melhor ao problema em questão. Em relação ao que denominam como variável uso do Twitter, por exemplo, os pesquisadores da UFRGS utilizam quatro categorias – “falas diárias, conversação, compartilhamento e notícias”, que se relacionam aos principais usos do Twitter conforme estudo de Java et Al. (2007). Para o trabalho aqui relatado, foram reformuladas as categorias para adequá-las aos diferentes usos dados por Zero Hora ao Twitter. São eles: interpelação, conversação, compartilhamento e divulgação. Quadro 1: Principais usos do Twitter por Zero Hora no acontecimento “temporal” CATEGORIAS CRITÉRIOS Nº UNIDADES PERCENTUAL

17

INTERPELAÇÃO

VERBOS NO IMPERATIVO

14

17%

CONVERSAÇÃO

DIRECIONAMENTO A UM PERFIL DO TWITTER

8

9,8%

COMPARTILHAMENTO

REPLICAÇÃO DE INFORMAÇÃO

10

12%

DIVULGAÇÃO

INFORMAÇÃO PRÓPRIA

49

60%

http://www.youtube.com.br

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Fonte: elaborado pelas autoras

Os tweets classificados na categoria interpelação foram selecionados com base na presença de verbos conjugados no imperativo, como “envie”, “mande”, “colabore”, “assista”, “participe”, ou que sugerissem um apelo ao leitor para participar da cobertura, como “pode enviar”. Foram encontradas 14 unidades com estas características, correspondendo a um percentual de 17% dos tweets relacionados ao temporal. São postagens como esta, do dia 18/11/2009, solicitando a colaboração dos leitores na cobertura: zerohora: Ao vivo: acompanhe notícias sobre os estragos provocados pela chuva no Interior e mande relatos. http://migre.me/bVvy 3:56 PM Nov 18th,2009 via HootSuite

A categoria conversação é constituída pelos posts que indicam conversa direta com outro perfil do Twitter, seja leitor, fonte ou jornalista. Outros trabalhos (JAVA et al., 2007) apontaram a presença do sinal de @ na frente do nome de usuário como marca de conversação, no entanto não levaram em conta que o @ também aparece quando se replica uma mensagem (por meio do RT, que é o retweet), conforme alertaram Consoni e Oikawa (2009, p. 7). Portanto, para se detectar a conversação, foi realizada uma análise global do tweet para além da mera presença do @ antes do nome de usuário. Assim, apenas 8 tweets do total que constitui o corpus, ou seja, 9,8% sugeriram pertencer a esta categoria, como é o caso deste: zerohora: Obrigada pelas fotos e alertas @dudupoa @demiandiniz @guirocha @casrlospetersen @yasminegsantos @paolafrancine 1:14 PM Nov 19th, 2009 via HootSuite in reply to dudupoa

Na categoria compartilhamento, entraram os tweets que indicavam que ZH estava replicando à sua rede de followers uma mensagem recebida de outrem (do Twitter ou não). A presença da sigla RT também não deu conta de todas as unidades, caso de informação replicada que fosse de uma fonte externa ao Twitter. Ao todo, 10 posts (12% do corpus) entraram nesta categoria de análise, como o seguinte: zerohora: RT @CEEE_IMPRENSA: A energia já foi restabelecida aos consumidores da CEEE na Zona Norte de Porto Alegre. Técnicos avaliam o problema. 8:44 PM Nov 25th, 2009 via HootSuite

Por fim, a categoria divulgação incluiu as unidades de análise em que predominasse a função meramente informativa, de divulgação de notícias. Esta classificação reuniu a maior parte dos tweets, com 49 unidades, ou 60% do corpus, como exemplifica essa postagem: zerohora: #clima Dilma anuncia R$ 162 milhões para auxiliar vítimas de temporal no RS http:// migre.me/cMoT 10:59 AM Nov 28th, 2009 via HootSuite

O quadro 1 reúne os dados de modo quantitativo, embora tenho sido feita uma análise qualitativa de cada tweet, demonstrando um predomínio da estratégia nos usos informativos, com o reforço do papel de intermediação do campo institucional do jornalismo. A categorização adotada revelou um uso predominante do Twitter por ZH, na cobertura do temporal ocorrido no Rio Grande do Sul em novembro de 2009, para fins informativos, com 60% do total de tweets que constituem o corpus relacionado à divulgação de notícias. Levando-se ainda em conta que as demais categorias de tweets não deixam de ter funções informativas, os dados reforçam conclusões de estudos anteriores (JAVA et al, 2007; MISCHAUD, 2007; HONEYCUTT e HERRING, 2009; RECUERO e ZAGO, 2009) que mostram a importância da informação no Twitter e confirmam o pressuposto de uso da informação como estratégia de reforço do papel social de intermediação do jornalismo. O uso estratégico das práticas interativas, de aproveitamento da participação dos usuários, apareceu claramente no conteúdo do editorial referenciado anteriormente, confirmando a prática desenvolvida no Twitter. A cobertura analisada demonstra que a organização quer marcar presença nesses espaços da mídia social e desempenhar ali o seu papel social de intermediação, papel que a torna reconhecida Anais do I Colóquio Internacional Mudanças Estruturais no Jornalismo. Brasília: Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade de Brasília, 2011. Disponível em: www.mejor.com.br

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como uma representante do campo institucional do jornalismo e que se renova, no entanto, a partir da inclusão do leitor na mensagem, aproximando o jornal de uma conversação, característica das mídias sociais digitais. Considerações Finais Neste trabalho, buscamos analisar as estratégias empregadas pelo campo institucional do jornalismo nas mídias sociais digitais para compreender possíveis transformações no papel de intermediação do jornalismo. Observamos como o papel de mediação institucional do jornalismo, baseado na função de intermediação, pode se transformar em um cenário de mediação descentralizada como o das mídias sociais digitais, e como as características dessas mídias podem potencializar um processo já em curso de deslegitimação das instituições. Observamos que a participação das organizações informativas nas mídias sociais digitais representa, primeiramente, uma presença estratégica em busca da legitimação através da visibilidade. Estar presente em uma ambiência de mídia social digital é uma forma de mostrar certa predisposição à abertura e de buscar construir uma imagem de modernidade. No entanto, as práticas informativas nessas mídias muitas vezes priorizam um modelo de emissão unilateral, nos moldes do que tradicionalmente faz a mídia de massa. É o que faz a maioria dos veículos de imprensa que utilizam o Twitter, apropriando-se dele mais como um suporte para difusão de manchetes e divulgação de links para seus próprios sites, com baixo aproveitamento das possibilidades interativas desses serviços. As coberturas envolvendo tragédias e situações de conflitos urbanos são exceções em termos de prática colaborativa com inclusão do leitor no processo. No geral, a empresa informativa apresenta-se, na mídia social digital, como filtro e atestado de credibilidade das informações que circulam na rede, aproveitando a força de sua marca conquistada por meio de um contrato que tem na credibilidade seu principal valor para mostrar que seu papel de intermediação continua tendo importância e talvez até tenha essa importância aumentada diante de um cenário de desintermediação. Ou seja, em um fluxo cada vez maior de informações, o interagente precisa de alguns guias que atestem credibilidade e relevância aos conteúdos jornalísticos. A partir da reflexão teórica e da análise de conteúdo realizada no Twitter de Zero Hora, inferimos que o papel social do jornalismo de intermediário entre os acontecimentos e o público alargase, hibridizando-se com as características da mídia social digital. A presença da conversação, embora ainda sem segundo plano em relação à divulgação de notícias, indica que transformações estão em curso, talvez ainda em um estágio inicial. Para que seja possível entender que jornalismo está emergindo, só mesmo ampliando a investigação sobre a relação entre jornalismo e espaços abertos como o das mídias sociais digitais. A tarefa do campo acadêmico está apenas começando.

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Referências Bibliográficas BARDIN, L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1977. BARICHELLO, E.M.M.R. Visibilidade Midiática, Legitimação e Responsabilidade social. Santa Maria: FACOS/UFSM, 2004. BERGER, P.; LUCKMANN, T. A construção social da realidade. Petrópolis: Vozes, 1994. 11ª ed. BOYD, D. Streams of Content, Limited Attention: the flow of information through social media. Educause Review, vol. 45, no. 5 - September-october 2010, p. 26-36. Disponível em: . Acesso em 10/11/2010. CONSONI, G.B. OIKAWA, E. A representação dos profissionais de comunicação no Twitter: análise dos perfis de Marcelo Tas e Edney Souza. IX Encontro dos Grupos/Núcleos de Pesquisa em Comunicação, XXXII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação. GUERRA, J. L. O percurso interpretativo na produção da notícia: verdade e relevância como parâmetros de qualidade jornalística. São Cristóvão: Editora UFS; Aracaju: Fundação Oviêdo Teixeira, 2008. HONEYCUTT, C. & HERRING, S.C. Beyond microblogging: Conversation and collaboration via Twitter. Forty-Second Hawai’i International Conference on System Sciences. Los Alamitos, CA: IEEE Press, 2009. Disponível em: http://ella.slis.indiana.edu/~herring/honeycutt.herring.2009.pdf. Acesso em: 02/06/2009. JAVA, A. et al. Why We Twitter: Understanding Microblogging Usage and Communities. 9th WEBKDD and 1st SNA-KDD Workshop ’07. San Jose, California, USA, 2007. Disponível em
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