Jornalismo, fé e interação: a participação do público na página do Programa Brasileiro da Rádio Vaticano no Facebook

May 27, 2017 | Autor: Thiago Caminada | Categoria: Religion, Communication, Social Networks, Social Media
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Cátedra Unesco de Comunicação e Desenvolvimento/Universidade Metodista de São Paulo IX Conferência Brasileira de Comunicação Eclesial Universidade Estadual de Londrina, PR, 21/8/2014

Jornalismo, fé e interação: a participação do público na página do Programa Brasileiro da Rádio Vaticano no Facebook Thiago Amorim CAMINADA1

RESUMO A celebração de 27 de abril de 2014 marcou a história recente da Igreja Católica por referenciar em evento único a figura de quatro papas: os canonizados João Paulo II e João XXIII, o atual Francisco e o emérito Bento XVI. A cerimônia foi acompanhada por milhões de fiéis em todo o mundo e repercutida por diversos meios de comunicação. No Brasil, o Programa Brasileiro da Rádio Vaticano, vinculado ao órgão oficial da Igreja, é o responsável pelas transmissões e mantém no Facebook uma página em que publica seus conteúdos. Esta pesquisa volta seu olhar para a página do Facebook do programa radiofônico e utiliza o referencial sobre novos cenários jornalísticos e da cultura da participação para estudar como o público se apropria do conteúdo produzido pelos profissionais e como se dão as manifestações religiosas no Facebook. Através da Análise de Conteúdo, são observados 51 comentários das seis postagens publicadas na página do Programa Brasileiro da Rádio Vaticano no dia da canonização. PALAVRAS-CHAVE: Participação; Comentário; Rádio Vaticano; João Paulo II; João XXIII.

1. Introdução

As redes sociais na internet vêm transformando a forma com que as pessoas se relacionam entre si, com as empresas, marcas e produtos, enfim, com o mundo. As novas oportunidades de interação e produção de conteúdo têm forçado algumas mudanças no cenário jornalístico e no pensamento dos seus profissionais. Os jornalistas estão percebendo que a primazia na produção e divulgação de conteúdos não está mais somente em suas mãos, o público jornalístico nas redes sociais também pode produzi-lo, auxiliar na sua produção e, especialmente do que trataremos aqui, aumentar a divulgação e abrangência do conteúdo.

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Mestrando em Jornalismo na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), graduado em Comunicação Social com Habilitação em Jornalismo pela Universidade do Vale do Itajaí (Univali), e-mail [email protected]

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Os meios de comunicação estão criando páginas no Facebook para atrair as pessoas através de seus interesses. Assim, os jornais de grande circulação dividem seus conteúdos pelas editoriais e os veículos especializados recebem muitas curtidas dos usuários. No campo de informações jornalísticas especializadas sobre a Igreja Católica, destacam-se as páginas relacionadas à Rádio Vaticano e os demais veículos oficiais ligados ao papa. Especificamente, esta pesquisa volta seu olhar para a página do Programa Brasileiro da Rádio Vaticano no Facebook2. São analisados 51 comentários feitos pelos usuários do Facebook nas publicações do dia 27 de abril de 2014, relacionados à canonização dos papas João XXIII e João Paulo II. Através da Análise de Conteúdo, este estudo classifica as diferentes formas de apropriação do conteúdo jornalístico por parte do público e, desta forma, também observa como se dão as manifestações religiosas no ambiente das mídias sociais na internet.

2. O jornalismo e a participação dos seus públicos nas redes sociais

Os veículos jornalísticos iniciaram sua aproximação das redes sociais na internet em 2009 através de duas características (RAIMONDO ANSELMINO; BERTONE, 2013): primeiro incorporando uma série de recursos em seus sites e também criando, gerenciando e alimentando com links, fotos e outras informações várias contas/perfis. Os grandes veículos costumam dividir seu conteúdo por editorias para atraírem as pessoas por seus interesses pessoais. As mídias sociais, na visão de alguns profissionais, são encaradas como competidoras dos veículos jornalísticos, porque através delas e inseridas nesse contexto da cultura da participação (SHIRKY, 2011) o público, antes considerado como passivo, agora pode ser também produtor de seu próprio conteúdo. Entretanto, como afirma Primo (2011), os veículos de referência têm muito a ganhar com a participação dos leitores, especialmente na disseminação de notícias. Para o autor, “as organizações midiáticas tradicionais não saíram de cena, mas sim desceram do palco central e agora

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Endereço: https://www.facebook.com/radiovaticanobrasil 2

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colaboram e competem com vários outros atores, com os quais disputam pela atenção de múltiplas audiências.” (PRIMO, 2011, p. 141) Recuero (2013, p. 11) ao analisar as possibilidades de práticas jornalísticas nas redes sociais aponta que elas podem servir “como fontes, como filtros ou como espaço de reverberação das informações”. Tanto os profissionais da notícia, quanto os seus públicos podem utilizar esse ambiente colaborativo das redes para encontrar fonte de informação, filtrar os fatos que alcançaram maior participação e reverberar o conteúdo produzido. As formas de reverberação das notícias variam de acordo com o site, no Facebook, por exemplo, os comentários, as curtidas e compartilhamentos cumprem este papel. Dessa forma, as redes sociais funcionam como espaços de circulação de informação e são capazes de mobilizar um grande número de pessoas, gerar conversações sobre variados assuntos, corroborar com os assuntos tratados pelos veículos e inclusive discordar, apontar erros, sugerir pautas. Todas essas formas de interagir com o conteúdo jornalístico são – mesmo que de forma negativa –, como explica Recuero (idem), formas de reverberação. Zago e Bastos (2013, p.118) avaliam que “a atividade dos usuários tem impacto significativo na difusão das notícias de cada jornal, uma vez que o espalhamento da notícia e a leitura do conteúdo jornalístico dependem diretamente da atividade anônima desses usuários interconectados”. Primo (2011) ratifica ao afirmar que os veículos jornalísticos dependem e lucram com a participação do público. Voltando ao exemplo do Facebook, quando algum amigo curte ou comenta alguma notícia automaticamente essa atualização irá para o Feed de Notícias como: “Usuário curtiu essa publicação”, ou “Usuário comentou essa publicação”. No caso do compartilhamento, além de ir para o Feed de Notícias, abre-se um novo espaço de outras reverberações com os comentários e as curtidas no próprio compartilhamento. Essa participação dos públicos nas redes sociais, em especial no Facebook por reunir mais de 1 bilhão de usuários, tem modificado a dinâmica dos acessos aos sites noticiosos e abrindo uma necessidade de efetiva participação dos veículos. Em artigo para a revista americana The Atlantic, Thompson (2014) apresenta dados de pesquisa realizada pela BuzzFeed Partner Network que revelam o Facebook como o maior 3

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encaminhador de acessos da internet. Em 2013, foram 161 milhões de cliques o que corresponde a 3,5 vezes mais que o Google. O autor visualiza a realidade de que as pessoas não acessam a rede social de Mark Zuckerberg procurando por notícias, mas acabam se informando através das sugestões dos amigos, ou seja, através das reverberações. Estas atividades de reverberação conduzidas pelos públicos estão modificando o processo de produção da notícia. Além das tradicionais etapas de apuração, produção, circulação e consumo, uma nova subetapa estaria surgindo da participação das pessoas: “Chamamos essa subetapa da circulação jornalística de recirculação, na medida em que a etapa de circulação pode continuar, através de espaços públicos mediados, após o consumo.” (ZAGO, 2013, p. 215) A subetapa da recirculação dá conta do movimento proporcionado através das interações mediadas pelo computador. A notícia após ser consumida seria recolocada em circulação pelo seu próprio leitor através das formas de reverberação aqui já explicadas. Dessa maneira, o fluxo de circulação das notícias passa a ser não linear (PRIMO, 2011) e os leitores vão se apropriando coletivamente do conteúdo para ser reverberado, ou complementado, ou readequado através do ambiente colaborativo das redes sociais (RECUERO, 2013). Para Raimondo Anselmino e Bertone (2013, p. 104) “a notícia deixa de ser, assim, uma unidade-produto estável no contexto de uma determinada seção do diário e se modifica – isto é, adquire novos sentidos – a medida que circula pelas redes sociais.”3 Dentro da realidade apresentada não há dúvida de que esta participação dos públicos está muito mais para o benefício do que para o prejuízo dos veículos jornalísticos, cabe aos profissionais da notícia aprenderem a participar, a interagir.

3. A Rádio Vaticano e o aparato de comunicação do papa A página no Facebook “Rádio Vaticano – Programa Brasileiro” tem aproximadamente 200 mil curtidas de usuários na rede e sua descrição aparece como: “A voz do Papa e da Igreja em diálogo com o mundo” e funciona como a versão

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Tradução livre do Espanhol. 4

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brasileira da rádio. Os conteúdos publicados são fotos, vídeos, áudios e textos produzidos pela equipe do veículo, todos os links da página direcionam para o site da rádio4 ou para o portal do Vaticano5. O responsável pelo conteúdo brasileiro da rádio é o padre Cesar Augusto de Santos. A Rádio Vaticano (RV) opera em 45 línguas e é responsável por gravar, amplificar e distribuir o áudio (com ou sem comentários) dos eventos e cerimônias papais além de produzir alguns programas para mais de mil emissoras radiofônicas. A rádio “é a emissora radiofônica da Santa Sé, com sede legal no Estado da Cidade do Vaticano, e é instrumento de comunicação e de evangelização a serviço do Ministério Petrino”6, ela funciona também como um veículo de assessoria de comunicação. Inaugurada por Pio XI em transmissão de um discurso em latim no dia 12 de fevereiro de 1931, a rádio passou a produzir conteúdo brasileiro somente em 1958, 27 anos depois. Atualmente, é dirigida por Frederico Lombardi, o padre jesuíta é o Porta Voz do Vaticano e chefe da Sala de Imprensa, que comanda ainda o Centro Televisivo do Vaticano (CTV), o jornal L´Orsservatore Romano e os sites relacionados ao governo da Igreja e ao menor país do mundo. Nas mídias sociais, a estrutura vaticanista de comunicação possui uma conta no Twitter7 e Facebook da RV em várias línguas com população católica considerável, o CTV tem um canal no YouTube8 com as gravações dos principais eventos do Vaticano e narração em sete línguas. No Twitter, o papa também tem seus seguidores em uma conta própria9.

4. Um evento de repercussão mundial envolvendo duas personagens históricas

O último papa a ser canonizado pela Igreja Católica foi Giusepe Melchiorre Sarto, ou São Pio X, em 3 de setembro de 1954 na Basílica vaticana de São Pedro pelo também italiano Pio XII. Dos 266 papas , 83 papas foram elevados às honras dos altares 4

Endereço: http://pt.radiovaticana.va/bra/index_n.asp Endereço: http://www.vatican.va/ 6 Disponível em: http://pt.radiovaticana.va/bra/chisiamo.asp 7 Para língua portuguesa, no endereço: https://twitter.com/news_va_pt 8 No endereço: http://www.youtube.com/vatican 9 Em português, no endereço: https://twitter.com/Pontifex_pt 5

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como santos e nove são beatos. Para além de um evento solene, a celebração de 27 de abril de 2014 marcou a história recente da Igreja Católica ao reunir em um mesmo momento as figuras de quatro papas. Além dos canonizados João XXIII e João Paulo II, a missa foi presidida por Jorge Mario Bergoglio, o atual papa Francisco, e contou com a concelebração de seu antecessor Joseph Ratzinger, o papa emérito Bento XVI. A data escolhida simboliza, para os católicos, o Domingo da Divina Misericórdia, instituído pelo próprio João Paulo II a ser celebrado liturgicamente no segundo domingo do tempo pascal. Noventa e sete delegações internacionais e mais de um milhão de fiéis participaram da cerimônia na Praça São Pedro, no Vaticano. Angelo Guisepe Roncalli é o papa João XXIII, italiano de Sotto Il Monte, filho de uma família campesina. Foi sacerdote diocesano e como bispo exerceu cargos diplomáticos de Núncio Apostólico na Bulgária, Grécia, Turquia e França e cardeal patriarca de Veneza antes de ser eleito sumo pontífice em 28 de outubro de 1958. Escolhido para ser um papa de transição, em virtude de seus 77 anos de idade, seu pontificado durou apenas quatro anos com sua morte em 3 de junho de 1963. Entretanto, seu reinado entrou para a história com a surpreendente (inclusive para os cardeais) convocação, em 1959, do Concílio Ecumênico Vaticano II. Apesar de muitas desconfianças, inclusive sobre a saúde frágil do papa, João XXIII abriu o concílio em 1962, mas participou de apenas uma sessão de trabalho (ALBERIGO, 2006). Sua iniciativa foi continuada por Paulo VI e o Vaticano II encerrou-se em 1965 e promoveu mudanças e revisões na doutrina e administração da Igreja Católica Romana. Por seus gestos de amabilidade em corriqueiras visitas a hospitais e presídios de Roma, Roncalli é conhecido, inclusive pela imprensa italiana, como “il papa buono” – o papa bom. O outro canonizado é Karol Józef Wojtyla, durante 27 anos adotou o nome de João Paulo II tendo o terceiro maior pontificado da história da Igreja Católica. Wojtyla foi o papa que globalizou e midiatizou a figura papal, anteriormente mais restrito à diocese de Roma e poucas viagens internacionais, ao visitar 129 países em todos os continentes, só ao Brasil foram quatro vezes. Antes de decidir-se pelo sacerdócio, o jovem de Wadowice foi ator de teatro e minerador na Polônia invadida pelo III Reich. Como padre, foi professor universitário de filosofia e trabalhava com os jovens, tornouse bispo e cardeal da capital polonesa Cracóvia. Eleito papa no dia 16 de outubro de 6

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1978, foi o primeiro não italiano em 455 anos. Seu pontificado foi marcado pela passagem do jubileu do ano 2000 e ativismo político em momentos históricos (SZULC, 1995) como na queda do regime Comunista na Polônia, dissolução da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas e na Guerra Fria. Foi o próprio João Paulo II que canonizou João XXIII na praça São Pedro no dia 3 de setembro de 2000. Sua morte em 2 de abril de 2005 atraiu uma multidão de quatro milhões de pessoas, em sua maioria jovens. Sua beatificação foi presidida por Bento XVI em 1º de maio de 2011, também na praça São Pedro.

5. Aspectos metodológicos

Sendo assim, este artigo analisa algumas formas de apropriação do conteúdo jornalístico por parte dos leitores através dos comentários na página do Programa Brasileiro da Rádio Vaticano no Facebook. Observar como se dá a subetapa do processo de produção da notícia chamada de recirculação nas redes sociais, através da reverberação nos comentários do que é produzido pelos jornalistas do veículo religioso referente à canonização dos papas João XXIII e João Paulo II. Assim também, lançar um olhar sobre as manifestações religiosas nas redes sociais na internet. Analisar a participação em comentários dos interagentes na página do Facebook se torna ainda mais interessante visto que o site da Rádio Vaticano não permite que seus ouvintes/leitores possam publicar comentários. Apesar de oferecer links para o Facebook, Twitter e YouTube em sua página inicial e conter botões de compartilhamentos nas redes ao final de cada publicação, o único espaço disponíveis para participação acaba ficando para os sites de redes sociais. Para dar conta destes objetivos será utilizado o método de Análise de Conteúdo, descrito por Krippendorff (1990, p. 28) como “uma técnica de pesquisa destinada a formular, a partir de certos dados, inferências reproduzíveis e válidas que podem aplicar-se ao seu contexto.” A AC é um método científico híbrido que comporta a análise quantitativa dos dados coletados e a análise qualitativa do tratamento e inferência desses dados. Propício para analisar a Internet e as novas tecnologias pode dar conta de um grande volume de dados. 7

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A amostra escolhida pela análise são os 51 comentários feitos pelos usuários no Facebook nas seis postagens referentes à canonização, publicadas no dia 27 de abril de 2014 (data da cerimônia) pela página do Programa Brasileiro da Rádio Vaticano. A opção do comentário permite a liberdade de publicação, inclusive a não relacionar seu comentário ao assunto da postagem, com texto, marcação de outros usuários, imagens, links e vídeos. Optou-se por pesquisar os comentários pelo número de participações e pela possibilidade de se fazer uma análise qualitativa de seus conteúdos, observando, assim, como as pessoas interagem neste espaço e as formas escolhidas por elas para manifestarem sua religiosidade. As participações foram analisadas quanto ao seu conteúdo sobre dois aspectos: (a) qual a temática principal de cada comentário, dividido em oito categorias (intercessão, exaltação, responsório, agradecimento, transmissão, relíquias, pedindo canonizações e outros); (b) de quem são os nomes lembrados nos comentários, enfatizando a memória dos dois canonizados, divididos em cinco categorias (não se referem, ambos, João Paulo II, João XXIII, outros papas).

6. Análise da participação nos comentários: demonstração da fé católica

Ao longo do dia 27 de abril de 2014, a página no Facebook do Programa Brasileiro da Rádio Vaticano publicou seis postagens sobre a canonização dos papas João XXIII e João Paulo II. O primeiro post publicado na página do programa brasileiro trazia o link da transmissão. Logo após o final da solenidade, o segundo post compartilhava um link para o YouTube com a gravação da cerimônia na íntegra. Além das transmissões, os órgãos de imprensa do Vaticano são responsáveis por publicar as mensagens, pronunciamentos e homilias do papa, sendo assim, a terceira, a quarta e a última publicação do dia traziam, respectivamente, trechos da homilia da missa de canonização, a mensagem de Francisco no Regina Caeli10 e a fórmula da canonização

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O Regina Caeli é uma oração proferida pelo papa todos os domingos do tempo pascal na praça São Pedro, além da oração o chefe da Igreja Católica deixa sua mensagem em diversas línguas para todo o mundo. Quando acontecem celebrações dominicais no Vaticano, é costume que essa oração aconteça logo após a missa, como aconteceu no dia 27 de abril. Fora da Páscoa, esta oração é chamada de Angelus Domini. 8

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proferida pelo pontífice11. Por fim, a quinta postagem do domingo trazia fotos das relíquias dos santos João XXIII e João Paulo II. Nenhum outro post foi publicado durante o dia 27, no total de interações foram registrados 712 compartilhamentos, 2504 curtidas e os 51 comentários analisados a seguir.

6.1 Comentários expressam a devoção

Intercessão

12

Exaltação

12

Transmissão

8

Responsório

6

Pedindo Canonizações

3

Relíquias

3

Agradecimento

2

Outros

5 Tabela 1

As duas principais categorias, intercessão e exaltação, cada uma com 12 comentários, expressam uma fala muito próxima ao culto dos santos promovido pela Igreja. O ato de pedir a intercessão de um santo, ou santa, para alcançar um milagre, uma dádiva, uma graça é questão central na teologia dos santos. Para os católicos, os milagres vêm de Deus e os beatos e santos fazem o papel de intermediador, ou seja, de intercessor. Para o reconhecimento por parte Congregação para a Causa dos Santos, órgão do Vaticano responsável pelas beatificações e canonizações, para que uma pessoa mereça a honra dos altares são necessários dois milagres operados através da intercessão exclusiva daquela pessoa. Sendo assim, desde a abertura do processo de beatificação12 já são incentivados os pedidos e orações em culto aos futuros beatos e santos. Nos comentários, além do genérico “rogai por nós”, foram escritos súplicas pelo mundo, 11

A fórmula de canonização é o texto lido pelo presidente da celebração em que torna oficialmente os canonizados em santos da Igreja. 12 O processo de beatificação de João XXIII foi iniciado em 1965. E o processo de João Paulo II em 2005. 9

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pelas famílias, pelos jovens, pelas crianças, por justiça social, pedidos de proteção e bênçãos, através da intercessão de São João XXIII e São João Paulo II. O culto dos santos também é marcado pela exaltação. São exaltadas as virtudes heroicas, os testemunhos de uma vida exemplar, os milagres que comprovaram a beatitude e santidade dos escolhidos. A Igreja acredita que a promoção da vida desses homens e mulheres através das missas e dos templos construídos em suas honras serve de exemplo aos fiéis no caminho das práticas cristãs. Na categoria exaltação foram, portanto, classificados os comentários que enalteciam a figura dos papas, como no seguinte comentário: “Grandes Santos da Igreja! Uma vida exemplar e de amor à humanidade.”. Também se encontram nesta categoria os comentários que valorizam aspectos da natureza relacionados ao dia da canonização, dando entendimento de que neste dia houve uma intervenção divina a ser exaltada, como neste caso: “Na aurora deste dia raiou uma luz diferente...”. Poucos foram os comentários que não trataram a canonização dos dois papas através de uma perspectiva espiritual. São casos das categorias transmissão e relíquias com oito e três comentários, respectivamente. Através dos comentários, muitos interagentes comentaram sobre a transmissão da solenidade pela Rádio Vaticano, porque, além da internet e do rádio, algumas emissoras de televisão sincronizam a imagem do CTV com o áudio da RV, como é o caso da Rede Aparecida único veículo de comunicação citado. Todas as participações avaliaram positivamente e até parabenizaram a cobertura. Na categoria relíquia foram separados três comentários peculiares que travaram uma sucinta discussão sobre o material que constituía as relíquias dos santos João XXIII e João Paulo II. O ostensório contendo alguma parte do corpo daqueles que serão canonizados é um exigência do Vaticano. Na ocasião os relicários eram de prata, entretanto, por questões de iluminação, na foto divulgada pela equipe do Programa Brasileiro da Rádio Vaticano as peças de metal aparentavam um tom dourado. Apenas três interagentes participaram dessa discussão e não houve resposta da página sobre o assunto. A categoria outros, com cinco comentários, também não remetiam à perspectiva espiritual das participações. Foram classificados como outros comentários sem sentido, spam e fora do contexto. 10

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Outra característica da fé católica são os responsórios, orações decoradas e recitadas nas missas, novenas, terços e orações. Os seis comentários que compõem esta categoria tinham como seu único conteúdo a palavra “amém” e sempre sucediam aos comentários das categorias intercessão e exaltação numa clara relação dialógica entre os comentários. O “amém” é o responsório mais utilizado pelos católicos ao final de uma oração e seu sentido vem de sua origem grega que quer dizer “assim seja”. Além disso, três comentários pediam a beatificação ou canonização de outras figuras da história recente da Igreja Católica. Esta categoria, entretanto, será mais bem compreendida e explicitada no item seguinte ao cruzarmos os dados da próxima tabela. Por fim, apenas dois comentários tinham um tom de agradecimento. Ambos agradeciam a vida dos papas canonizados e os exemplos deixados. Outro aspecto interessante de se destacar é que apesar da página no Facebook pertencer ao Programa Brasileiro da Rádio Vaticano, os conteúdos dos comentários não se limitaram à língua portuguesa. Dos 51 comentários analisados, três estavam em espanhol e um em inglês. Isso indica que mesmo a RV operando em 45 línguas e cada equipe mantendo conteúdos nas redes sociais em suas línguas, o conteúdo brasileiro é acessado por fiéis católicos de outras nações. Desses quatro comentários em língua estrangeira, dois foram categorizados como intercessão e outros dois como exaltação.

6.2 A presença dos papas nos comentários

Não se referem

28

Ambos

15

João Paulo II

5

Outros papas

3 Tabela 2

O longo processo de beatificação e canonização de uma pessoa revela-se um enfoque personalista, seja nos protocolos eclesiais ou na cobertura da mídia. É interessante destacar que não somente a Igreja dispende sua atenção ao candidato para a honra dos altares, mas também os meios de comunicação, especializados ou não, se 11

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interessam por suas virtudes, atos heroicos e fama de santidade. A própria liturgia católica assume o papel de fazer memória desses santos e santas ao permitir o culto nas igrejas em todo o mundo e estabelecer datas fixas para essas comemorações. O dia de São João XXIII, por exemplo, é 11 de outubro e de São João Paulo II dia 22 de outubro. Mesmo que a grande maioria dos comentários publicados no Facebook, 28, não tenha se referido a nenhuma pessoa, como mostra a tabela acima, é interessante observar o destaque que as figuras papais receberam nos demais comentários. Os nomes mais referenciados foram de João Paulo II e João XXIII. Resultado esperado, afinal, esta análise se concentrou no evento de canonização dessas duas figuras, escolhendo as seis postagens do dia 27 de abril de 2014. Observou-se, portanto, que o destaque dado pela cobertura da Rádio Vaticano aos personagens ficou evidenciado nos comentários. Para somar 15 comentários na categoria ambos, foram considerados aqueles em que os nomes dos dois papas eram citados literalmente e aqueles em que não aparecia o nome de nenhum dos dois como nos casos: “rezem por nos esses novos santos de Deus” e “Depositários de Santidade!”. Casos em que não eram citados seus nomes, mas claramente se referiam a eles. O que predominou nesse grupo de comentários foram os pedidos de intercessão dos santos e a exaltação dos seus exemplos de vida, como se pode observar respectivamente: “Amados Papas São João Paulo II e São João XXIII, Rogai a Deus por Nós e Famílias. Luz de Cristo que Invade a Todos Nós, Amém.Paz e Bem ao mundo. Abençoai a Todos Nós.” e “Grandes Santos da Igreja! Uma vida exemplar e de amor à humanidade.”. No quadro geral, João Paulo II recebeu maior destaque por parte dos interagentes nos comentários. O papa polonês, além das citações em conjunto, foi citado diretamente cinco vezes, enquanto que João XXIII não foi unicamente citado em nenhum dos comentários. Este destaque de Wojtyla em comparação ao seu antecessor pode ser explicado por diversos fatores. João Paulo II desempenhou o papel de líder da Igreja por 27 anos, viajou para todos os continentes do mundo, só no Brasil esteve quatro vezes e sua morte foi há apenas nove anos. Já Roncali teve um pequeno papado de transição, pouco viajou, sua morte aconteceu há 56 anos e sua popularidade e amabilidade são famosamente reconhecidas na Itália. Enquanto o primeiro era um papa jovem, esportista, um ator de teatro que soube portar-se diante de multidões e das 12

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câmeras e midiatizou o cargo máximo da Igreja, este último era um bispo idoso, obeso, embaixador em países de pequena tradição católica e um homem discreto. Sua fama de bondade é acrescida por pequenos gestos de visitas aos doentes, órfãos e presidiários. Para a história recente, os dois são de extrema importância, mas para os fiéis o carisma fala mais alto. Além dos dois canonizados, outros papas também foram lembrados nos comentários da página do Programa Brasileiro da Rádio Vaticano. Esta categoria tem cruzamento direto com a categoria pedindo canonizações da tabela anterior. O fato é que os outros papas foram lembrados pelos interagentes em comentários que pediam a canonização desses pontífices. O papa Paulo VI, cujo processo de beatificação iniciouse em 1993, foi lembrado como continuador do ideal de João XXIII no Concílio Vaticano II. Já o papa João Paulo I foi referenciado como o “papa sorriso” e também pediam sua canonização. O papa Pio IX, beatificado pelo próprio João Paulo II no ano 2000, também teve seu nome citado. Além desses cinco papas, o cardeal GrégoirePierre Agagianian do rito armênio13 foi o único não pontífice listado por um interagente como merecedor do reconhecimento de sua santidade. É de se destacar que foram lembrados de forma positiva os papas do Concílio Vaticano II e toda a linha sucessória de pontífices já falecidos do pós-concílio, mesmo que sejam apenas dois. Dessa forma, compreende-se que os católicos brasileiros veem os últimos quatro papas como figuras de santidade. Outra observação a ser feita é a relação entre o tempo e a memória, afinal, das sete pessoas citadas nos comentários, apenas duas viveram no século XIX. Em meio aos comentários que citavam João Paulo II e João XXIII, o papa Francisco, atual pontífice e presidente da celebração que canonizou seus antecessores, foi citado em dois comentários, mas o destaque do texto estava para os dois novos santos, como no comentário a seguir: “Papa Francisco entitulou S João XXIII de Papa da delicada docilidade ao Espírito Santos e a S João Paulo II, o Papa da Família.”. O Papa Bento XVI, apesar de estar presente na celebração, não foi citado nenhuma vez.

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O Rito Armênio é um dos ritos católicos aceitos pela Igreja Latina. 13

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Este esquecimento pode ser relacionado à crise de popularidade que atravessou seu pontificado e os escândalos que antecederam sua inesperada renúncia.

7. Considerações Finais

Observando os resultados da análise, se pode afirmar que os comentários no Facebook em relação aos links publicados pela canonização de João XXIII e João Paulo II em sua esmagadora maioria abordaram questões muito particulares da tradição católica, especialmente nas características do culto dos santos. O aspecto valorizado na reverberação da cobertura jornalística por parte de seu público foi o religioso, sendo, então, deixando de lado as características factuais do evento. Fazendo, portanto, com que o conteúdo jornalístico tomasse uma significação mais mística e menos real. O conteúdo das peças jornalísticas publicadas nos links foi praticamente deixado de lado. Os comentários menos transcendentes protagonizaram uma curta discussão sobre o material dos relicários e as participações que destacam questões mais factuais foram os comentários sobre a natureza e nascer do sol no dia da cerimônia e as avaliações positivas quanto às transmissões da Rádio Vaticano. Dessa forma, se pode dizer que existe uma imbricação entre os objetivos desta pesquisa ao questionar-se sobre como as pessoas participam nos comentários e de maneira manifestam sua fá nas redes sociais na internet. Afinal, os interagentes da página do Programa Brasileiro da Rádio Vaticano participaram da cobertura do evento por meio de comentários expressando características marcantes de sua fé que, por sua vez, essa fé é manifestada com pedidos de intercessão, exaltação das figuras religiosas, agradecimento e orações. Tudo isso leva a crer que, ao menos com os fiéis mais participativos, os ensinamentos da doutrina e teologia cristã-católica permanecem enraizados. O levantamento aqui empreendido foca seu olhar sobre um evento muito particular: a canonização dos papas João XXIII e João Paulo II. Entretanto, alguns questionamentos surgem para investigações posteriores. A ênfase espiritual na reverberação de conteúdos jornalísticos sobre religião é um fenômeno constante? Ela acontece nos comentários das publicações em veículos ligados à cobertura religiosa? Ou 14

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esta reverberação também acontece em peças jornalísticas sobre religião em veículos da grande mídia? São indagações que abordam as características da participação dos fiéis e não-fiéis em produtos jornalísticos para outros trabalhos acadêmicos.

REFERÊNCIAS

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