JORNALISMO NO CIBERESPAÇO: OS DESAFIOS DA FORMAÇÃO PROFISSIONAL

May 29, 2017 | Autor: Bibiana Garrido | Categoria: Comunicação, Comunicacion Social, Jornalismo Online, Formação Em Jornalismo E Publicidade
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JORNALISMO NO CIBERESPAÇO: OS DESAFIOS DA FORMAÇÃO PROFISSIONAL Antônio Francisco Magnoni (Brasil),1 Bibiana Alcântara Garrido (Brasil).2 Resumo. O artigo apresenta uma análise do atual contexto midiático brasileiro e aponta alguns desafios dos cursos de jornalismo, para realizarem uma formação profissional de acordo com as novas tecnologias de comunicação e de informação e com mudanças sociais e culturais que elas provocam. Também avalia a internet e os seus diversos aplicativos e dispositivos, por meio de uma comparação da cobertura jornalística dos protestos de 2013, dos meios tradicionais e alternativos. Isso permite constituir audiências ativas e alimentar grupos colaborativos capazes de produzir conteúdo próprio, localizando fontes, levantando informações e formatando linguagens multimidiáticas, que atualizam e influenciam imensas comunidades virtuais a um click de distância. Palavras-chave. Jornalismo alternativo; internet; empoderamento social; audiência ativa.

ECOLOGÍA DE LOS MEDIOS Número 89 Marzo– mayo 2015

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Introdução.

Praticamente todas as décadas do século XX foram marcadas pela invenção e aprimoramento de veículos, técnicas e tecnologias, teorias e práticas profissionais de comunicação. No Brasil, os meios e tecnologias midiáticas adquiriram abrangência a partir da década de 1930, quando Getúlio Vargas passou a investir em sua modernização produtiva e cultural. A atual formação de grandes conglomerados de comunicação informativa, de entretenimento e de publicidade é, então, resultado do permanente financiamento público, direto e indireto, dos negócios midiáticos. A extraordinária concentração midiática brasileira também decorreu da constante omissão regulatória dos governos e da frouxidão organizativa da sociedade civil, muitas vezes tolhida pela cultura autoritária do Estado, que ainda não conseguiu exigir que a configuração dos veículos derivados de concessões públicas esteja regulada pelos termos constitucionais de 1988, e como concessionários públicos, que respeitem e cumpram de fato, a função social que lhes caberia numa ordem democrática.

Dado esse contexto de concentração da informação dentro do jornalismo brasileiro, se multiplicam no ciberespaço os clones digitais dos meios tradicionais, enquanto os veículos “alternativos” ou leigos e incontáveis movimentos e frações sociais povoam a internet alimentando em fluxo contínuo, canais multilaterais com informações inéditas produzidas por comunidades ou coletivos constituídos por colaboradores voluntários, ou por profissionais de comunicação que desejam escapar da filtragem ou da autocensura tão corriqueira para os meios convencionais. A abertura da “blogosfera” para a participação pública e a construção de canais e páginas virtuais informativas e posições editorais autônomas têm traduzido o imaginário e o ideário popular de mais empoderamento no ciberespaço, o que permite cada vez mais, que a “opinião pública silenciosa” participe da construção diária de uma “cartografia noticiosa” mais abrangente e plural, como deveria ser o agendamento rotineiro de um jornalismo genuinamente democrático e veraz.

Na prática, a convergência liderada pela internet vai agrupando o acesso e a fruição de diversos conteúdos e linguagens midiáticas em alguns suportes polimidiáticos. Ocorre um movimento remodelador, que aos poucos subtrai, fragmenta e modifica os públicos

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de jornais e revistas, do rádio, da indústria musical, da televisão, do cinema, dos jogos eletrônicos, da publicidade, das editoras de livros, do comércio de bens de consumo e até de uma vasta rede técnica de diversos serviços, de entretenimento e de telecomunicações.

No Brasil do século XXI, os velhos veículos se esforçam para atravessar, com relativa segurança, a fase de transição análogo-digital, período histórico ditado pela informatização compulsória e crescente de todos os meios de comunicação. Ironicamente, a troca de tecnologias não tem amenizado os percalços da mídia tradicional: conforme os meios vão sendo digitalizados, não conseguem mais evitar a migração e a circulação de seus conteúdos e linguagens no ciberespaço. O artigo apresenta, portanto, uma análise do atual contexto midiático brasileiro, e aponta alguns desafios e dificuldades dos cursos de jornalismo para realizarem formação profissional contemporânea.

Nesse sentido, os cursos brasileiros de jornalismo estão desafiados a formar jornalistas capazes de ser comunicadores sociais de fato, que não limitem o trabalho profissional à determinada plataforma, função ou agenda privada; que não dediquem exclusivamente seus conhecimentos e energia laboral, para sustentar apenas os veículos de comunicação mercadológica. As Diretrizes Curriculares e os Projetos Político-Pedagógicos dos cursos devem discutir as novas formas e possibilidades de apuração, de produção e difusão jornalística pelos diversos dispositivos vinculados à rede, com agendamentos mais plurais e abrangência para além dos perímetros metropolitanos. É preciso que haja jornalistas e um modelo de jornalismo verdadeiramente cidadão, que fale da vida e das demandas cotidianas, da cultura e da rotina das populações dos municípios médios e pequenos, dos lugares do país inteiro.

Os Projetos Político-Pedagógicos derivados das Novas Diretrizes deverão também investigar e considerar as características das atividades jornalísticas, que hoje são desenvolvidas fora do padrão praticado pelos conglomerados midiáticos. É preciso que as coordenações pedagógica e de curso observem com mais rigor conceitual e com mais amplidão empírica os olhares dirigidos aos vastos territórios geográficos do Brasil, com suas distintas realidades regionais, nos âmbitos sociais, econômicos e culturais.

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Também, se faz necessário que os pesquisadores da comunicação, do jornalismo e das ciências sociais estudem com mais amplidão o evolutivo território virtual e globalizado do ciberespaço, para que consigam avistar as possibilidades para o desenvolvimento do jornalismo regional, do jornalismo local e comunitário, a partir de ações e projetos de midiativismo ou midialivrismo informativo, como reversão da vocação metropolitana dos grupos comerciais de informação.

Tais assuntos e conceituações alimentam vertentes críticas nos debates sobre a natureza, os objetivos e as novas possibilidades do jornalismo contemporâneo. É estratégico estudar a abrangência, as fragilidades, as demandas e os potencias do “ciberjornalismo”, tanto para as empresas e organizações comunicacionais, quanto para o cidadão comum e suas respectivas comunidades. De fato, a humanização e a verdadeira popularização do jornalismo são possíveis em um exercício noticioso que se contraponha aos jogos políticos e econômicos diuturnamente praticado pelos meios comerciais, que mais que informações, vendem opiniões e tentam domesticar seus públicos, enquanto retroalimentam as relações de poder e de interesse dos grupos dominantes, aos quais a mídia “liberal” está geneticamente vinculada.

Como então, a Universidade poderá pensar e conceber um projeto pedagógico e curricular que contribua com a retomada do exercício profissional mais orgânico e democrático, que forme jornalistas mais preocupados em cumprir a função ética e social da profissão? As discrepâncias entre o que chamamos de jornalismo tradicional e de jornalismo alternativo, de ciberjornalismo, de midiativismo ou “midialivrismo”, podem ser claramente percebidas nas coberturas dos protestos ocorridos no Brasil a partir de julho de 2013, que além de apresentarem coberturas alinhadas aos objetivos editoriais de cada veículo, também foram veiculadas como verdadeiros manifestos políticos. Analisamos, por exemplo, o material jornalístico da revista VEJA, comparando-o com informações divulgadas pelo jornal Brasil de Fato, conhecido por seu cunho noticioso popular e de esquerda, e que muitas vezes confronta ou desmente publicações de veículos “tradicionais”. As fontes escolhidas para análise, de um modo geral, são reconhecidas em seus contextos informativos, políticos e ideológicos, e por seus respectivos públicos.

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E onde a formação do jornalista poderá interferir nesse contexto de dualidade midiática brasileira, na qual lidamos ao mesmo tempo com uma imprensa que tenta ser livre, e outra que tenta manter-se no poder de oligopólio? É prudente lembrar que as formas de hegemonia que disputam espaços nas sociedades atuais variam de acordo com a natureza das forças que a exercem (MORAES, 2010, p.55). Cabe, então, ao próprio jornalista considerar-se ou não parte da hegemonia informativa e de comunicações mantida no Brasil pelos conglomerados midiáticos. O profissional da comunicação também terá que observar na internet brasileira, o crescimento significativo de espaços informativos não comerciais, como ferramentas possíveis para criar sistemas noticiosos autônomos que assegurem espaços plurais de cobertura jornalística, e que sirvam também, de relativo contraponto à abordagem editorial dos veículos comerciais, regionais e nacionais.

Objetivos e justificativa.

O jornalismo alternativo foi uma das importantes ferramentas de resistência política, artística e cultural contra os desmandos dos militares durante a ditadura de 1964 no Brasil. Foram utilizados jornais, revistas, pichações, panfletos, teatro, humorismo, cartum e músicas, em uma época de intensa repressão, mas na qual também a oposição politicamente engajada e pequenas frações populares foram acumulando forças contra o regime dos generais, até a conquista da redemocratização em meados de 1980.

Na era da internet, entretanto, podemos dizer que a opção de ser um veículo de informação não tradicional reside muito mais no posicionamento político de sair da espiral do silêncio construída pelo oligopólio midiático no Brasil. Termo desenvolvido pela socióloga e cientista política alemã Elizabeth Noelle-Neumann, a espiral do silêncio (...) parte do princípio que os indivíduos buscam evitar o isolamento, levandoos a se associar as opiniões dominantes. Se tal associação representa um alto custo social, na defesa de um ponto de vista minoritário, os indivíduos tendem a recolher-se ao silêncio. (FERREIRA, 2005, p.4-5)

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A partir do reconhecimento dessa realidade, os espaços “fora do eixo” midiático comercial ganharam maior poder de difusão, principalmente depois da entrada das redes sociais na disputa pela esfera pública da informação. São sites, blogs, portais de notícias e até mesmo agências de notícias, que dedicam-se unicamente a divulgar aquilo que ficou de fora das pautas da grande mídia, ou até mesmo cobrem nichos específicos e mostram outros lados daquilo que foi agendado e destacado pelos “donos” do mercado de notícias.

Na resolução do Conselho Nacional de Educação e do Conselho de Educação Superior (CNE/CES 1/2013) para as Novas Diretrizes dos Cursos de Jornalismo no Brasil é destacada a importância de preparar o profissional “para o atual contexto de mutação tecnológica constante”, além da constatação de uma interdisciplinaridade crescente na área.

O concluinte do curso de Jornalismo deve estar apto para o desempenho profissional de jornalista, com formação acadêmica generalista, humanista, crítica, ética e reflexiva, capacitando-o, dessa forma, a atuar como produtor intelectual e agente da cidadania, capaz de responder, por um lado, à complexidade e ao pluralismo característicos da sociedade e da cultura contemporâneas, e, por outro, possuir os fundamentos teóricos e técnicos especializados, o que lhe proporcionará clareza e segurança para o exercício de sua função social específica, de identidade profissional singular e diferenciada em relação ao campo maior da comunicação social. (Resolução CNE/CES 1/2013, Art. 5º, p. 2).

Os Planos Político-Pedagógicos e currículos de cursos de jornalismo, que deverão seguir as Novas Diretrizes definidas pela resolução de 2013, do Conselho Nacional de Educação e do Conselho de Educação Superior (CNE/CES 1/2013) buscarão contemplar as mudanças que a profissão vem sofrendo com o crescimento e difusão das tecnologias de informação. Estudar e propor novas formas de se fazer jornalismo não seria possível sem analisar primeiro, o atual estado dos veículos e do mercado de comunicação. Mais do que aulas em salas fechadas, no velho modelo de “professor ensina” e “aluno aprende”, ou “professor fala” e “aluno escuta”, o jornalismo caminha agora para uma formação mais elaborada dos conceitos e práticas de ensino da

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profissão. Entretanto, as teorias da comunicação continuam presentes nos novos currículos, assim como história, filosofia, sociologia e disciplinas que remetem à interdisciplinaridade universitária e também jornalística. As iniciativas recomendadas para a melhoria dos cursos de graduação, no contexto das novas regras para o exercício profissional, correspondem aos anseios das entidades sindicais e acadêmicas, defensoras do ensino de qualidade, e ganham legitimidade com as declarações explícitas das empresas do ramo, assegurando que, mesmo sem a obrigatoriedade do diploma, continuarão a contratar os graduados em jornalismo que tenham competência profissional. (Portaria N° 203/2009, p. 3) É importante, então, que analisemos os desdobramentos dessas mudanças no cotidiano do comunicador social. O momento é de enormes transformações, tanto das empresas de comunicação, quanto do campo profissional e da nova realidade social e cultural de mediação, que deriva da informatização e das redes do ciberespaço. Também é essencial entender e atualizar os modos de formação profissional das universidades, uma vez que os caminhos para uma comunicação mais democrática e ética começaram a ser pensados primeiramente pela academia. Nos resta o árduo desafio de analisar e de buscar alternativas para as práticas do mercado e também para as práticas sociais, culturais e libertárias do jornalismo. A realidade tem mostrado, que, aos poucos, se esgota a secular e deletéria fórmula do jornalismo sensacionalista e exclusivamente defensor das opiniões dominantes, dos interesses mercadológicos de grandes empresas, que sempre desejam burlar as leis e colonizar o estado democrático.

Para viabilizar a pesquisa de campo, decidimos comparar algumas das notícias sobre os protestos de 2013, que ficaram conhecidos no Brasil como as Jornadas de Junho. As jornadas de protesto ocorridas no ano passado, além de configurar um grande fato jornalístico, que foi coberto de acordo com os interesses editoriais de cada veículo, também foram um tema político de grande importância ideológica, cujos reflexos estiveram presentes nos eventos da Copa do Mundo disputada no Brasil e no debate eleitoral de 2014, tanto para governadores, quanto para a presidência da república. Alguns veículos avaliados pela pesquisa representam, de um lado, a mídia já consolidada, a tradicional mídia comercial e oligopolizada, e de outro, a mídia “mosquito”, alternativa, radical, popular e comunitária.

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De uma forma mais ampla, que constitui uma pesquisa de iniciação científica em andamento, incluímos na pesquisa veículos, do lado da mídia tradicional, acompanhando a revista Veja, o jornal Folha de S. Paulo, portal de notícias G1 e o jornal Estado de S. Paulo. Representando a mídia alternativa, selecionamos o jornal Brasil de Fato, portal Outras Palavras, revista Fórum e também a revista Caros Amigos, além de relatos e vídeos produzidos pela Mídia NINJA e cinegrafistas amadores presentes nos protestos. Na busca que realizamos, tanto nos veículos da mídia tradicional, quanto nos da mídia alternativa, foram pesquisadas as palavras “protestos”, “passe livre” e “tarifa zero”. Para agir com mais precisão, delimitamos majoritariamente o período – quando possível – para os meses de junho, julho e agosto. Também foram analisadas algumas matérias sobre os protestos posteriores às Jornadas de Junho, como os do dia Sete de Setembro. Quando na versão online do veículo pesquisado não estava presente a busca por data, procuramos dentro das matérias exibidas o resultado de busca que se encaixava no período/assunto determinado. Realizamos pesquisa qualitativa de fato, que buscou a análise crítica em relação à linguagem dos conteúdos divulgados, dentro da cobertura das manifestações de 2013. Categorizamos as suas manchetes, linhas finas, direcionamento e até mesmo imagens escolhidas pelas publicações.

O estudo busca, enfim, observar e constatar a diferença que há entre o trabalho do jornalista que ainda se vê preso às algemas mercadológicas, ao modelo tradicional defendido pela grande mídia, que arrasta consigo interesses políticos, econômicos e ideológicos; e também, mirar o exercício e as perspectivas profissionais daquele jornalista que busca abrir as portas da reportagem com um agendamento “fora do eixo”, do lado daquela parte quase invisível da população, que só é noticiada quando é vitimada por desgraças, ou então, pelas suas características consideradas exóticas ou bizarras, pela grande mídia burguesa. A maneira como cada veículo tradicional reflete esse posicionamento é o que dita o agenda setting, a espiral do silêncio, as pautas, angulações e abordagens escolhidas para cada reportagem.

Fundamentação, caminhos teóricos e as observações do trajeto.

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Para que consigamos visualizar e estudar com precisão os modelos e arranjos capitalistas dos veículos analógicos, convém verificar entre as diversas atividades jornalísticas quais são os reflexos formativos, éticos e profissionais dentro e fora das redações, que foram comprovadamente causados pela digitalização e pelo ingresso dos meios de comunicação no fluxo comunicativo global, propiciado pelo desenvolvimento do ciberespaço. Se torna também indispensável a discussão sobre as possibilidades oferecidas pela internet para a realização de atividades jornalísticas destinadas a informar e formar públicos de cidadãos ativos, em contraponto ao jornalismo passivo e falseador de realidades, que é praticado pelos diversos meios comerciais de comunicação.

Observamos ao analisar as coberturas midiáticas dos protestos de 2013, que os veículos brasileiros podem ser categorizados de forma bipolar, como participantes da mídia tradicional, ou de uma mídia alternativa, que passou a ganhar abrangência com a popularização da internet. O ciberjornalismo social brasileiro é bastante atuante e constitui um sistema de “mídia mosquito”, que é muito pequena, mas ágil e perigosa para os meios tradicionais, por sua contraposição aos abusos informativos, por sua intensa ação “viral” nas redes, por suas estratégias quase guerrilheiras de difusão em manifestações. Um tipo de relato sem cortes e filtros, que permite que o público construa a sua interpretação dos fatos mostrados por coberturas de vídeo ao vivo.

A real discussão para os cursos de jornalismo brasileiro é: que profissional queremos e precisamos para atender ao grande e complexo mercado informativo brasileiro? Um jornalista que, conforme constatamos nas coberturas midiática das Jornadas de Junho, se referia aos manifestantes como uma massa bloqueadora de trânsito? Não são raras as notícias e reportagens da época que começam com: “Uma manifestação ainda bloqueava três das quatro faixas da avenida Paulista, na região central de São Paulo, por volta das 20h30 desta quarta-feira” (FOLHA, 2013, s/p). A grande mídia destina aos protestos uma visão exclusivamente “logística”; raramente as suas matérias destacam as causas de determinada manifestação ou o posicionamento dos ativistas.

As Novas Diretrizes ressaltam a importância da formação ética do jornalista, mas, pouco valem os “bons princípios” diante dos interesses hegemônicos e dos

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direcionamentos editoriais praticados pelo oligopólio midiático brasileiro. As notícias são dadas com um viés de imparcialidade, como caráter de lei que reflete a realidade, quando, na verdade, escondem o um forte posicionamento editorial. A simples omissão dos motivos de um protesto, por exemplo, influencia até mesmo na formação da opinião do público sobre as verdadeiras intenções e reivindicações das pessoas envolvidas; a desaprovação coletiva de uma categoria em luta pode ser a forma eficaz dos meios de comunicação contribuírem com o status quo, na recorrente intenção autoritária de subjugar os movimentos sociais. “Protestos no Rio descambam para vandalismo profissional” (ERTHAL, Revista VEJA, 2013, s/p) é a manchete de uma reportagem da versão online da revista Veja. O veículo, neste caso e em todas as outras matérias analisadas, se mostra contrário ao ideário político da população quando este não coincide com aquele defendido particularmente pelos seus leitores conservadores, a “classe” média e a alta burguesia.

Na grande mídia em geral, em se tratando das manifestações pelo passe livre, foi possível observar uma tendência de se evitar o uso combinado das palavras “transporte” e “público”, usando sempre, em vez disso, expressões “neutras” como “transporte coletivo”. Tal comportamento editorial evidencia o poder que está por trás da mínima escolha das palavras: evitar que o leitor associe ideias, como a de que o transporte público é um direito coletivo e não deveria ser pago, uma vez que há o pressuposto de que o Estado já recolheu tributos suficientes para sustentar tais serviços. O conteúdo produzido fora dessas dicotomias, ou seja, a informação que mostre, divulgue e defenda os direitos humanos do “bandido”, do “vândalo”, e por aí adiante, fica reduzida a internet, à única esfera pública que lhe dá o devido espaço de igualdade e direito de difusão de ideias e de reivindicações coletivas.

Do ponto de vista das corporações midiáticas, trata-se de regular a opinião social através de critérios exclusivos de agendamento dos temas que merecem ênfase, incorporação, esvaziamento ou extinção. O ponto nodal é transmitir conteúdos que ajudem a organizar e a unificar a opinião pública em torno de princípios e medidas de valor. Por isso, formar a opinião é uma operação ideológica “estreitamente ligada à hegemonia política, ou seja, é o ponto de contato entre a sociedade civil e a sociedade política, entre o consenso e a força” (GRAMSCI apud MORAES, 2010, p. 67)

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Entre relatos coletivos (OUTRAS PALAVRAS, 2013, s/p), reportagens realizadas dentre os protestos pelos ninjas do jornalismo – Mídia Narrativas Independentes, Jornalismo e Ação – a imprensa alternativa construiu sua imagem positiva na sociedade brasileira. A televisão, que de início tratava os manifestantes como vândalos irracionais, os protestos e as pautas defendidas por eles como absurdos, se viu forçada a mudar de abordagem depois que a mídia alternativa apresentou pela internet, diversos conteúdos que mostravam os verdadeiros argumentos que estavam sendo defendidos nas ruas. Houve uma multiplicação de vídeos no Youtube, de reportagens colaborativas e de matérias em portais de notícias posicionados à esquerda da política brasileira.

Como exemplo, temos a versão online do jornal Brasil de Fato, que em todas as suas reportagens abordou a questão histórica como referência, para que o público pudesse compreender as pautas das manifestações: Durante muito tempo a performance da polícia militar pela atuação de guerra permaneceu concentrada na periferia, atingindo especialmente os jovens do sexo masculino, negros e pobres, cujas práticas eram relevadas e muitas vezes legitimadas como parte da chamada “guerra ao tráfico”. Contudo, nas Jornadas de Junho foram atingidos jornalistas da grande mídia, estudantes de classe média e média alta, e diversos outros “cidadãos de bem” trazendo a violência policial, naturalizada nas periferias, aos centros das cidades (MASSARO, Brasil de Fato, 2013, s/p). Então, questionamos: quais são os fatores que determinam que jornalistas escrevam matérias com posicionamentos informativos tão divergentes, tanto na revista Veja, quanto no jornal Brasil de Fato, conforme os exemplos que aqui apresentamos? O que diferencia a postura dos profissionais em cada um deles, afinal, todos não recebem a mesma formação ética e são igualmente cobrados pela responsabilidade com a precisão informativa daquilo que publicam? Como os valores defendidos pelas Novas Diretrizes poderão ser cobrados dos profissionais formados, se no momento que os jornalistas chegam ao mercado, se deparam nos veículos com visões ideológicas e com diversos interesses totalmente discrepantes entre si?

A concentração da informação nas mãos de poucos, como é possível observar por meio da simples comparação do que é divulgado pela mídia, faz com que o público-alvo

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desses veículos de comunicação sempre enxergue a realidade a partir de determinado ponto de vista, sendo que este geralmente remete à linha editorial de cada empresa. Ao papel do jornalista formado com base nos novos princípios do curso, somar-se-ia a tarefa de (...) desvendar os jogos de consenso e dissenso que atravessam e condicionam a produção simbólica nos meios de comunicação, interferindo na conformação do imaginário social e nas disputas de sentido e de poder na contemporaneidade. No entender de Gramsci, a hegemonia pressupõe a conquista do consenso e da liderança cultural e político-ideológica de uma classe ou bloco de classes sobre as outras. Além de congregar as bases econômicas, a hegemonia tem a ver com entrechoques de percepções, juízos de valor e princípios entre sujeitos da ação política. (MORAES, 2010, p. 54).

Os jornalistas recém egressos dos cursos deverão ser, por conseguinte, portadores de conhecimento amplo sobre a realidade jornalística brasileira e mundial, além de valorizar e cumprir as normas éticas e deontológicas e assumir posturas democráticas nos embates diários, que são inerentes ao exercício do jornalismo profissional, seja em veículos tradicionais ou em iniciativas e projetos autônomos permitidas pelos ambientes virtuais de comunicação pública. Um primeiro passo está sendo dado no sentido de descentralizar a difusão da informação na mídia brasileira, com a reformulação das Diretrizes que regem a formação de jornalistas no país, resta efetivar a ética projetada nos profissionais da comunicação para além dos portões das universidades. Enquanto isso, as novas tecnologias e a convergência de plataformas ajudam a democratizar cada vez mais a produção de conteúdos, ainda que estes somente tenham uma maior liberdade, por enquanto, dentro da rede de computadores e em plataformas alternativas.

Algumas conclusões preliminares.

Estamos vivendo a era de multiplicação de canais e de dispositivos digitais interativos e multimidiáticos de comunicação, que permitem que as sociedades aumentem seguidamente a capacidade de produzir informação e de consumir mensagens de maneira instantânea e diferida, disponibilizadas em diversos gêneros, formatos e

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linguagens. Na prática, a convergência liderada pela internet vai agrupando o acesso e a fruição de diversos conteúdos e linguagens midiáticas em suportes unificados, mudando radicalmente a cultura midiática entre as diversas gerações de consumidores de informações jornalísticas e de entretenimento. Tais inovações determinam o fim do ciclo das tecnologias e dos processos analógicos de comunicação, que desenvolveram ao longo de mais de dois séculos, diversos suportes, veículos, funções profissionais especializadas e prósperos arranjos econômicos.

As redes sociais, sem desprezar o entretenimento, inseriram na dinâmica de produção e difusão de informações e de variedades, muitas ferramentas importantíssimas para a utilização mais individualizada dos conteúdos produzidos pelos meios jornalísticos: é o compartilhamento de notícias em tempo real, até de conteúdos retirados diretamente das postagens dos grandes veículos (um bom exemplo são os perfis cadastrados no Facebook). Os incontáveis grupos virtuais alimentam a seleção e a troca de conteúdos e informações entre os usuários, o que resulta em uma verdadeira corrente interpretativa daquilo que é lido, visto, ouvido ou assistido, que se manifesta na forma de comentários, “curtidas” e de novos compartilhamentos.

Como vimos, são muitas as mudanças advindas do surgimento do ciberespaço. Muitas são observáveis no cotidiano de qualquer redação de jornal, revista, de sites e portais de notícias online. As universidades ainda são as formadoras “oficiais” dos jornalistas brasileiros, mesmo que a obrigatoriedade do diploma tenha sido suprimida para atender aos interesses dos oligopólios, que além de controlarem as informações, também passaram a determinar o perfil dos profissionais que desejam “moldar” nas redações de seus veículos. Por outro lado, a história do jornalismo e dos meios de comunicação tem mostrado que sempre existirão repórteres que aprendem diariamente e se atualizam na própria atividade, na labuta rotineira da profissão. Os novos currículos deverão considerar estrategicamente o exercício profissional e a função social do jornalista, num contexto de comunicação cada vez mais multimídia, que é produzida para suportes físicos e virtuais.

Outro fator muito importante a ser considerado pelos formadores, é o mercado contemporâneo de comunicação corporativa e empresarial brasileiro, que tem

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contratado o trabalho e a experiência informativa de incontáveis assessores independentes, são formadas equipes de comunicação em órgãos públicos de diversas esferas governamentais, em sindicatos e movimentos sociais mobilizados, nas organizações não governamentais ou nos conselhos profissionais. A atividades de assessoria jornalística são requisitadas por indústrias e empresas de serviços, de turismo, de agronegócio, de bancos, pelas grandes redes de supermercados e lojas varejistas, além de clubes esportivos e atletas. As construtoras e administradoras imobiliárias, escolas e universidades, os sites e portais específicos de internet, todos dependem do bom desempenho e da disponibilidade profissional de equipes de comunicação. Há ainda, vários setores de trabalho para o jornalismo, que são demasiados para conseguimos identificar e enumerar.

Com certeza, as incertezas trazidas pelo ciberespaço fustigam mais os oligopólios da velha mídia brasileira, do que retiram o sono dos veteranos e dos novos jornalistas já familiarizados com as novas tecnologias. Apesar dos frequentes anúncios de demissões em massa em redações consagradas, também vicejam todos os dias, novos recursos, meios e novas oportunidades em sistemas de comunicação não alinhados ao eixo vertical das seculares mídias patronais. A velha profissão resiste aos sucessivos surtos capitalista de “destruição produtiva” e se reinventa para prosseguir o seu relato infindável. Aos jornalistas cabe o destino de seguir autoproclamando a condição de “testemunhas voluntárias dos fatos e da história”.

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Referências Bibliográficas. ERTHAL, João. Protestos no Rio descambam para vandalismo profissional. Edição online da Revista VEJA. 18 de julho de 2013. Disponível em: http://veja.abril.com.br/noticia/brasil/protestos-no-rio-descambam-para-o-vandalismoprofissional. Acesso em: 17/11/2014 às 13:51. FERREIRA, Giovandro Marcus. Uma leitura dos estudos dos efeitos: da era das certezas às incertezas e mistérios da recepção. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO. 2005. FOLHA. Autor desconhecido. Protesto bloqueia faixas da avenida Paulista, no centro de SP. Edição online do jornal Folha de S. Paulo. 18 de setembro de 2013. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2013/09/1344018-protestobloqueia-faixas-da-avenida-paulista-no-centro-de-sp.shtml. Acesso em: 17/11/2014 às 13:56. MASSARO, Camila. Urgência e limites da desmilitarização da polícia no Brasil. Site do jornal Brasil de Fato. 25 de novembro de 2013. Disponível em: http://www.brasildefato.com.br/node/26689. Acesso em: 17/11/2014 às 18:12. MORA; VIANA. Protesto contra tarifa tem confronto, depredações e presos em SP. Portal de notícias G1. 11 de junho de 2013. Disponível em: http://g1.globo.com/saopaulo/noticia/2013/06/protesto-contra-tarifa-tem-confronto-depredacoes-e-detidos-emsp.html. Acesso em: 17/11/2014 às 18:40. MORAES, Dênis de. Comunicação, Hegemonia e Contra-hegemonia: a contribuição teórica de Gramsci. Revista Debates, Porto Alegre, v.4, n.1, p. 54-77, jan.-jun. 2010. OUTRAS PALAVRAS. Relato coletivo. SP: Não vamos recuar. Disponível em: http://outraspalavras.net/posts/nao-vamos-recuar/. Acesso em: 17/11/2014 às 17:54. Portaria N° 203/2009, de 12 de fevereiro de 2009. Diretrizes curriculares nacionais para o curso de jornalismo – relatório da comissão de especialistas instituída pelo Ministério da Educação. Resolução CNE/CES 1/2013. Resolução nº 1, de 27 de setembro de 2013. Ministério da educação conselho nacional de educação câmara de educação superior 1

Jornalista, professor, e tutor do Grupo PET de Rádio e Televisão na FAAC-UNESP. Pós-doutorado pela Universidad Nacional de Quilmes, em Indústrias Culturais; doutorado em Educação pela FFCUNESP. E-mail: [email protected]. 2 Graduanda no 5° semestre do curso de Comunicação Social com habilitação em Jornalismo da FAACUNESP. Bolsista da FAPESP em projeto de iniciação científica de fluxo contínuo no país, com foco em jornalismo alternativo, novas mídias e tecnologias da informação e comunicação. E-mail: [email protected].

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