José de Azevedo e Sousa e a capela e solar do Choupelo

August 19, 2017 | Autor: António Conde | Categoria: Biografía
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José de Azevedo e Sousa e a capela e solar do Choupelo

(Vila Nova de Gaia)

António Adérito Alves Conde 2014

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Introdução A designada Casa do Choupelo, ou Solar do Choupelo, situa-se no lado nascente da Rua Barão de Forrester, ao entroncar com a Rua de Costa Santos, em pleno Centro Histórico de Vila Nova de Gaia. Trata-se de um edifício de três pisos sendo o primeiro e segundo andar destinados a habitação ostentando, a nível da fachada, sete janelas no primeiro andar e nove janelas no segundo. As portas de entrada situam-se de cada um dos lados da fachada, ao nível do primeiro andar e o acesso é feito por duas escadarias em granito bastante discretas. Adjacente ao edifício do solar, para poente, encontra-se uma capela cujo orago desconhecemos. O solar não tem qualquer brasão nem consta ou existe qualquer indício que o tenho tido. Foi construído por José de Azevedo, um tanoeiro nascido na freguesia gaiense de Santa Marinha que se tornou num caso raro de mobilidade social no Portugal de Setecentos, como adiante veremos. 1. O lugar do Choupelo O topónimo Choupelo refere-se a um lugar do Centro Histórico de Vila Nova de Gaia cuja ocupação remonta, pelo menos, aos tempos modernos. O nome do lugar que, há muito, tem vários arruamentos, foi dado à rua mais central do lugar, a qual tem uma orientação norte/sul, começando junto da igreja paroquial de Santa Marinha e acabando na Rua Conselheiro Veloso da Cruz. Ao longo de cerca de 500 metros a rua do Choupelo segue o trajecto que leva da cota baixa à cota alta do Centro Histórico. O lugar do Choupelo nasceu assim num cerro limitado, a nascente, pela Rua Direita (também conhecida por Calçada de Vila Nova e hoje Rua Cândidos dos Reis) e o vale do Rio Martinho e, a poente, pelo ribeiro que nasce perto de Santo Ovídio e corre a meio da velha Quinta do Maravedi. A norte o lugar do Choupelo, confrontava com as traseiras da igreja paroquial de Santa Marinha e alguns terras que lhe estavam adstritas, nomeadamente o chamado Campo do Sineiro. Foi no lugar do Choupelo que as freiras do Convento de Corpus Christi foram explorar a água que abastecia o referido convento; existe ainda a porta de uma mina, datado de 1626, localizada na Rua Barão de Forrester, no sítio onde corre a linha de água acima referida e que atravessava a velha Quinta do Maravedi.

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Neste lugar existiam, de há séculos, várias quintas, a saber: a Quinta do Beleza (dos Belezas de Andrade, fundadores da Companhia Geral de Agricultura das Vinhas do Alto Douro) que ostentava um brasão de armas, a Quinta das Palhacinhas (hoje edifício do Arquivo Municipal Sofia de Melo Breyner), a Quinta da Boavista (com ligação a caves da vinho do Porto) a qual deu origem a várias quintas, a Quinta da Fonte Santa (que deve o nome a uma fonte com propriedades terapêuticas, hoje desaparecida), a Quinta do Choupelo (havendo hoje várias quintas ou casas que ostentam esta designação), a Quinta dos Browns (com ligação a uma família inglesa de comerciantes do vinho do Porto), a Quinta do Vale Melhorado ou da Boavista (que no século XIX pertencer ao Barão de Forrester) e a Quinta do Estado ou das Devesas. Na década de 60 do século XIX o lugar do Choupelo foi atravessado, de poente a nascente, pelo caminho-de-ferro da linha do Norte, situação que obrigou ao retalho de várias quintas, sendo a mais sacrificada a Quinta das Devesas. 2. O solar e a capela Segundo a “Descrição Topográfica de Vila Nova de Gaia e da festividade, que em acção de graças pela restauração de Portugal se celebrou na Igreja Matriz em 11 de Dezembro de 1808”, no aditamento, feito à 1ª edição, por Manuel Rodrigues dos Santos, a capela do solar do Choupelo, que é uma capela particular, “tem um frontespicio muito elegante, e he [em 1881, à data da publicação desta obra] de propriedade dos herdeiros de Pedro Leite de Melo”, da Casa de Campo Belo”1. O citado autor refere ainda que a casa do solar e os armazéns contíguos, provavelmente os que actualmente são ocupados pela firma Croft, “tudo isto foi mandado edificar no anno de 1760 por José d’Azevedo, que foi sogro d’aquelle”2. Esta referência é confirmada pelo Conde de Campo Belo, D. Henrique Leite Pereira de Paiva Távora e Cernache3, que se refere a “José de Azevedo e Sousa, cavaleiro da Ordem de Cristo, Senhor da Casa do Choupelo por ele edificada, bem como a

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Descripção topographica de Villa Nova de Gaya e da festividade, que em acção de graças pela

restauração de Portugal se celebrou na Igreja Matriz em 11 de Dezembro de 1808 / por João Antonio Monteiro d'Azevedo ; accrescent... por Manuel Rodrigues dos Santos, Porto, Imprensa Real, 1881 (facsimile da 2ª edição), p. 58. 2

Idem, ibidem. Com efeito as “Memórias Paroquiais” de 1758 não fazem qualquer referência a esta capela, nem tão pouco ao projecto da sua construção. 3

História de Gaia, fascículo 20, Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia/Gabinete de História e Arqueologia, 1985, p. 99.

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Solar do Choupelo (no ângulo das Ruas Costa Santos e Barão de Forrester) – adaptado do Google Maps.

respectiva capela (…) da do Pinheiro de Amarante e da Quinta de Paço de Sousa que vinculou”. 3. Um tanoeiro que se tornou num rico negociante de Vinho do Porto José de Azevedo, mais tarde conhecido por José de Azevedo e Sousa, nasceu na freguesia de Santa Marinha de Vila Nova de Gaia, em 21 de Março de 1723 4. Era filho de Cristóvão de Azevedo, de profissão tanoeiro, originário de Souselo (concelho de Cinfães) e de Inês Maria de Sousa, de Santa Marinha. À data do nascimento do primeiro filho, de nome José, em 12.10.1743 5, vivia na Rua de Baixo (hoje Rua de Guilherme Gomes Fernandes), na freguesia de Santa Marinha e é referenciado ainda com a profissão de tanoeiro. Em 1756, à data de nascimento de uma das filhas, de nome Sebastiana6, precisamente aquela a quem vai ser dotada a capela e o solar do Choupelo, bem como as já referidas quintas em Amarante e em Paço de Sousa e que se ligará por casamento com a Casa de Campo Belo, José de Azevedo aparece referenciado já como mercador e morador junto ao adro da igreja de Santa Marinha. 4

Arquivo Distrital do Porto, Registos Paroquiais/Santa Marinha/Baptismos/ano de 1723.

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Arquivo Distrital do Porto, Registos Paroquiais/Santa Marinha/Baptismos/ano de 1743, fls 43v.

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Arquivo Distrital do Porto, Registos Paroquiais/Santa Marinha/Baptismos/ano de 1756, fls 321.

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Solar e capela do Choupelo (2014).

Entrevê-se que neste espaço temporal de treze anos a situação financeira e social de José de Azevedo se tenha alterado radicalmente. Tal facto é comprovado pelo facto de, em 1759 ou 1760, ter adquirido a Casa da Companhia de Jesus, sita em Paços de Sousa, concelho de Penafiel e de na mesma data ter dado início à construção da capela e Casa do Choupelo, bem assim adquiriu a Quinta do Pinheiro, em Amarante. Os bens das três propriedades referidas foram instituídos em Morgado, por escritura, a favor da sua filha Sebastiana. Provavelmente José de Azevedo teria dúvidas se poderia algum dia alcançar a nobilitação, dado a sua condição de burguês de recente data, muito embora, por mercê do rei D. José I, de 1717, lhe tenha sido concedida carta de padrão e tença e de, segundo refere o Conde de Campo Belo D. Henrique Távora e Cernache, tenha sido agraciado com o grau de Cavaleiro da Ordem de Cristo. Nessa conformidade José de Azevedo e Sousa terá concebido um plano para instituir o referido morgado a favor de uma das filhas e preterindo os irmãos desta, por não terem um casamento nobre. Desse plano faria parte a vontade de lhe abrir os caminhos à nobilitação através de uma aliança de casamento com um descendente da vizinha casa de Campo Belo, situada a escassas centenas de metros do adro da igreja de Santa Marinha, onde vivia, na colina que dá para o lugar do Castelo de Gaia.

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Capela do Choupelo (2014)

Com efeito este desiderato acabará por se concretizar já que, em 15 de Abril de 1779, na igreja da freguesia de S. Julião, do concelho de Lisboa, teve lugar o casamento de Pedro Leite Pereira de Mello, nascido em 21 de Julho de 1741 na Casa de Campo Belo, em Santa Marinha, com D. Sebastiana Máxima de Azevedo e Sousa, de 23 anos de idade, filha de José de Azevedo e Sousa e de D. Mariana de Jesus de Azevedo e “a contraente fez este matrimonio por seu bastante Jose Borges Pacheco Pereira morador no Ospicio dos Francesinhos freguesia da Lapa”7. Com este plano D. Sebastiana Máxima, através do casamento com o fidalgo de Campo Belo, tornar-se-á na primeira Senhora do Morgado de Paço de Sousa e da Casa e Capela do Choupelo.

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Arquivo Distrital de Lisboa; Registos paroquiais: casamentos/Lisboa/freguesia de S. Julião, ano de 1779, fls 69v.

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Registo paroquial de casamento de Pedro Leite Pereira de Mello e D. Sebastiana Máxima de Azevedo e Sousa

Importará conhecer as razões que terão contribuído para a ascensão financeira e social do tanoeiro José de Azevedo. A sua história de vida, no que se refere às primeiras quatro décadas, é pouco conhecida para além do que se pode reconstituir através dos registos paroquiais. Pela pena de Manuel Rodrigues dos Santos ficámos a saber que, até ao final da primeira metade do século XVIII, José de Azevedo era um simples oficial de tanoeiro. A situação ter-se-á alterado com a criação, no reinado josefino, da Companhia Geral de Agricultura das Vinhas do Alto Douro com o objectivo de resolver a grave crise que afectava o comércio dos vinhos do Alto Douro e cercear a demasiada importância dos comerciantes ingleses nesse comércio. E, segundo o referido autor, a ascensão de José de Azevedo dar-se-á, exactamente, na concorrência que o referido tanoeiro fez aos comerciantes ingleses. Sob a protecção financeira de um “brasileiro” rico, seu compadre, José de Azevedo especulou na aquisição de vinhos e o sucesso foi estrondoso. No ano seguinte, com os lucros

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obtidos e mais recursos investidos sob protecção do citado compadre, José de Azevedo, correu o Alto Douro comprando a maior parte dos melhores vinhos que encontrou. E com tal perícia o fez que quando os comerciantes ingleses acorreram ao Alto Douro encontraram os melhores lotes de vinho vendidos a José de Azevedo, de Vila Nova, homem de quem toda a gente falava no Alto Douro, julgando os ingleses tratar-se de um banqueiro. O seu espanto cresceu quando “encontraram um simples lavrista de Tanueiro; com o qual começaram a tractar a compra dos ditos vinhos, de que lhe resultaram tão grandes interesses, que se fez riquíssimo”8. E desta forma este humilde tanoeiro se tornou num opulento industrial de tanoaria e respeitável comerciante de vinho do Douro conseguindo, numa sociedade de Antigo Regime, embora em rápida mutação, vencer algumas das barreiras que se opunham à mobilidade social entre os vários estados que compunham a sociedade. Tal mudança veio a acontecer na geração seguinte, na pessoa da citada sua filha D. Sebastiana Máxima. Citando Manuel Rodrigues dos Santos o Morgado de Campo Belo “não desdenhou aliar-se com o burguez, que vinha de ser inda há pouco um simples artista; e isto num tempo, em que aqueles se lembravam ainda das leis romanescas apoiadas pelas ideias do seculo, que tinhão levantado uma barreira insuperável entre o Patricio e o Plebeu”9. Numa freguesia como a de Santa Marinha de Vila Nova de Gaia, no Portugal de Setecentos, onde a grande maioria da população se dividia entre as artes do mar e do rio e a profissão de tanoeiro, como perpassa da consulta dos respectivos registos paroquiais, é de realçar a história deste tanoeiro, descendente de uma família de tanoeiros naturais de uma remota freguesia do interior, ribeirinha do Rio Douro, que numa sociedade profundamente hierarquizada, aproveitando as novas potencialidades que o regime de despotismo esclarecido abriu à classe burguesa, conseguiu concretizar o “sonho” de vir a casar uma das suas filhas com um dos fidalgos de Campo Belo. E aqui evocamos, em breves traços biográficos, a figura deste gaiense do século XVIII que, para a posteridade, deixou o seu exemplo de sucesso nos negócios e na

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Descripção topographica de Villa Nova de Gaya e da festividade, que em acção de graças pela

restauração de Portugal se celebrou na Igreja Matriz em 11 de Dezembro de 1808 / por João Antonio Monteiro d'Azevedo ; accrescent... por Manuel Rodrigues dos Santos, Porto, Imprensa Real, 1881 (facsimile da 2ª edição), p. 58. 9

Idem, ibidem.

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sua terra ergueu o solar e a Capela do Choupelo, onde foi sepultado em 1788, cuja construção e história é também pouco conhecida. Um seu descendente, Diogo Leite Pereira de Melo, foi Presidente da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia entre 1878 e 1886. Bibliografia e fontes: . Arquivo Distrital de Lisboa; Registos Paroquiais /Lisboa/freguesia de S. Julião/casamentos, ano de 1779. .

. Arquivo Distrital do Porto, Registos Paroquiais/Santa Marinha/Baptismos/ano de 1723. . Arquivo Distrital do Porto, Registos Paroquiais/Santa Marinha/Baptismos/ano de 1743. . Arquivo Distrital do Porto, Registos Paroquiais/Santa Marinha/Baptismos/ano de 1756. . CERNACHE (Conde de Campo Belo), D. Henrique Leite Pereira de Paiva Távora e; História de Gaia, fascículo 20, Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia/Gabinete de História e Arqueologia, 1985, p. 99. . COSTA, Francisco Barbosa da – Memórias Paroquiais. V.N. de Gaia 1758, Vila Nova de Gaia, Gabinete de História e Arqueologia/Câmara Municipal de V.N. de Gaia, 1983. .Descrição topográfica de Vila Nova de Gaia e da festividade, que em acção de graças pela restauração de Portugal se celebrou na Igreja Matriz em 11 de Dezembro de 1808 / por João António Monteiro d'Azevedo ; acrescentada por Manuel Rodrigues dos Santos, Porto, Imprensa Real, 1881 (fac-simile da 2ª edição). . Memórias do Município de Vila Nova de Gaia. Da Fundação à Actualidade, Vila Nova de Gaia, Vila Nova de Gaia, Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia/Arquivo Municipal Sophia de Mello Breyner. . http://www.freguesias.pt/portal/patrimonio.php?cod=131122

Créditos fotográficos: António Conde (2014) . Por opção do autor não foi respeitado o Acordo Ortográfico.

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