JOSÉ JOÃO DA CRUZ: COMPOSITOR DO PARANÁ. ARQUIVO DIGITAL, ESBOÇO BIOGRÁFICO E CATÁLOGO GERAL.

Share Embed


Descrição do Produto

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO (UFRJ) ESCOLA DE MÚSICA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM MÚSICA MESTRADO EM MÚSICA

JOSÉ JOÃO DA CRUZ (1897-1952), COMPOSITOR DO PARANÁ: ARQUIVO DIGITAL, ESBOÇO BIOGRÁFICO E CATÁLOGO GERAL

TIAGO PORTELLA OTTO

RIO DE JANEIRO 2015

JOSÉ JOÃO DA CRUZ (1897-1952), COMPOSITOR DO PARANÁ: ARQUIVO DIGITAL, ESBOÇO BIOGRÁFICO E CATÁLOGO GERAL

por

TIAGO PORTELLA OTTO

Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Música, Universidade Federal do Rio de Janeiro, como requisito parcial para à obtenção do título de Mestre em Música. Orientador: Profº. Drº. Marcelo Verzoni.

RIO DE JANEIRO 2015

!!!! !

!!!! !

!

Aos meus pais, Léo e Bea, por acreditarem e incentivarem a minha escolha pelo caminho das Artes. Sem eles teria sido impossível.

Aos meus avós, Bronislau Otto (in memorian) e Iria Schleder Otto (in memorian) Florêncio Portella Sobrinho (in memorian) e Ener Lacerda Portella (in memorian)

AGRADECIMENTOS

RENATA, minha amada esposa. Sua energia vital, parceria e coolaboração me concederam toda a confiança e condições necessárias para enfrentar este grande desafio;

MARILIA GILLER, seu profundo comprometimento musicológico me conduziu ao arquivo do maestro José da Cruz. Grato pelos momentos e ideias compartilhadas e pelo ombro a ombro amigo nesta jornada;

PROFº. MARCELO VERZONI, meu orientador, pelos apontamentos, elucidações, encaminhamentos e oportunidade dada ao amplo estudo musicológico da vida e obra do músico José da Cruz;

ODAH TERESINHA CRUZ TARASZKIEWICZ (in memorian), sua energia positiva, fé e carisma foram vitais na manutenção do entusiasmo. Seu belíssimo timbre de voz ficará para sempre ressoando em minha memória;

VERA SANTA CRUZ WADOUSKI, suas lembranças formaram um registro valioso para o desenvolvimento desta pesquisa. Guardarei com afeto toda a atenção e carinho recebidos;

EVERLY GILLER, NICODEMOS TRZECIAK E CAROLINA TRZECIAK, por tornarem real o encontro da família de José da Cruz;

ELIANE GRACE IVANOSKI, LUCIANA CHOMA, GABRIEL TRZECIAK, BÓRIS TRZECIAK, LINEU WADOUSKI, ELIZABETH WADOUSKI, JOÃO CARLOS KINCHESKI E ROSSANA CRUZ, por todo o auxílio fundamental para a realização desta pesquisa;

FAMÍLIA CRUZ, esta grande família, por abrirem suas portas e baús para que o arquivo de José da Cruz pudesse ser digitalizado e pesquisado. Agradeço imensamente a contribuição de cada um;

LILIAN NAKAO NAKAHODO, sua preocupação com a memória e características da música do Paraná possibilitou a chegada do nome de José da Cruz ao âmbito acadêmico;

ALMIR, apesar de não ter sido localizado em 5 anos de busca, foi ele quem resguardou cerca de 800 partituras de José da Cruz no ano de 2008, tornando possível este trabalho;

UFRJ, por todas as amizades e companheirismos que ali construí;

CAPES, pelo fornecimento da bolsa de estudos;

PROFº. ANDRÉ GUERRA COTTA, pelas dicas e apontamentos realizados durante os congressos da Anppom 2012 e 2013. Agradeço por examinar o trabalho e a defesa;

PROFº. MARCOS NOGUEIRA, por toda atenção dirigida à mim, inclusive na qualificação deste trabalho;

PROFº. ANTÔNIO JOSÉ AUGUSTO, pelas observações nos procedimentos de qualificação e defesa;

PROFSº. MARIA ALICE VOLPE, JOSÉ ALBERTO SALGADO E SAMUEL ARAÚJO, pelas importantes reflexões e aulas durante o processo de pós-graduação;

PROFº. JULIO MERLINO, por autorizar o meu estágio acadêmico obrigatório em nível superior, ofertando gentilmente as suas aulas de prática de conjunto;

BETH, BÁRBARA e VALÉRIA, secretárias da Programa de Pós Graduação da Escola de Musica da UFRJ, pela atenção constante;

ANPPOM, pela acolhida ao tema nos congressos 2013 e 2014;

PROFº PAUXY GENTIL NUNES E PROFº CARLOS ALMADA, pela estima ao trabalho de pesquisa;

OSMÁRIO ESTEVAM JR., pela amizade e companheirismo durante os estudos;

CÂNDIDA GEORGOPOULOS, pela cuidadosa revisão de texto;

ÁQUILA NICZ, EDILENE GUZZONI, BRUNO MONTEIRO, PROFº. EUCLIDES MARCHI, SÉRGIO ALBACH, SESC ÁGUA VERDE, MUSEU PARANAENSE E CENTRO EUROPEU pelo apoio à divulgação das obras de José da Cruz;

MARIA INÊS GUIMARÃES E O CLUBE DO CHORO DE PARIS, por oportunizarem a divulgação do repertório de José da Cruz no continente europeu;

REGIONAL JAZZ BAND, agradeço a todos os músicos envolvidos neste projeto;

PLÍNIO SILVA, pelo auxílio e carinho à pesquisa;

LIANA DA FROTA CARLEIAL, pelo apoio logístico fundamental;

As minhas IRMÃS E SOBRINHOS que souberam compreender carinhosamente os meus afastamentos. Amo vocês;

Aos estimados CAROLINA AMODIO VIAPIANNA CRUZ, MARIA DE LOURDES TRZECIAK, FRANCISCO CRUZ E HORTÊNCIA CRUZ KINCHESKI, por todo o cuidado e zelo que tiveram com a preservação do arquivo e da memória do músico José da Cruz, possibilitando grande parte da sua preservação no século XXI;

Agradeço sobretudo a JOSÉ JOÃO DA CRUZ. Sua incrível determinação, sensibilidade e paixão pela música definitivamente o eternizaram em sua obra. Gratidão pelos bons momentos vivenciados durante a realização deste trabalho.

Nada aparece ou é evocado ao acaso, comquanto para o próprio compositor se lhe afigure tudo surgir do acaso. Há uma “VISÃO ACÚSTICA” que parece informar o complexo destas imagens. Ela se anuncia aos primeiros albores da alvorada musical; esboça-se ao clarão da inteligência que a busca, fixando-se, sempre e mais nitidamente, até corporizar-se à radiosidade do conjunto harmônico dos sons, ao campo imensurável das ficções realizadas pela arte. A estreita analogia que liga estes fenômenos acústicos-óticos ao mundo subjetivo, facilita ainda o traçar do combinado harmônico das linhas, dandolhes coesão, identificando-as à variedade de formas rendilhadas, sugestivas, provindas e aviventadas pelos elementos e forças naturais que sentimos e imitamos do mundo exterior. Nesta “visão acústica”, focalizada à inteligência da arte, desenvolve-se o pensamento, construindo o luminoso castelo espiritual do sonho, pelo contato de uma vida mais perfeita e supra-sensível. Benedito Nicolau dos Santos – Curitiba/1934

RESUMO

OTTO, Tiago Portella. José João da Cruz (1897-1952), compositor do Paraná: Arquivo digital, esboço biográfico e catálogo geral. Dissertação Mestrado em Música) – Escola de Música, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2014. Esta dissertação apresenta os resultados da pesquisa realizada no arquivo pessoal do músico paranaense José João da Cruz (1897-1952). Junto aos dados recolhidos em seus manuscritos, foram somadas informações provenientes de memórias dos familiares que conviveram ao seu lado. Pelo fato do arquivo jamais ter sido investigado no âmbito acadêmico, a primeira etapa da pesquisa consistiu em organizar, digitalizar e catalogar integralmente o arquivo que pode ser recuperado e que estava fragmentado entre alguns familiares deste músico. Em seguida apresentamos a narrativa de sua trajetória artística, familiar e social através de um esboço biográfico. Em um terceiro momento apresentaremos os repertórios que estão tendo seus arranjos adaptados, e que contribuem no entendimento sonoro das obras, conduzidas a público entre os anos de 2010 e 2014. Por fim, pela escassa documentação das atividades desempenhadas por José da Cruz até os seus 20 anos de idade, descreveremos algumas evidências das influências que provavelmente contribuíram no seu perfil artístico, partindo da análise historiográfica musical em Curitiba nas décadas que permearam a transição dos séculos XIX e XX. Palavras-chave: Musicologia, José da Cruz, Paraná, Curitiba, música popular, composição, arranjos.

ABSTRACT

OTTO, Tiago Portella. José João da Cruz (1897-1952), Parana’s composer: Digital arquive, biographie start and general catalogh. Dissertação (Music Master) – Scholl of Music, University Federal of Rio de Janeiro, 2014. This thesis presents the results of research conducted on the personal archive of the musician José João da Cruz (1897-1952) from Paraná. Together the data collected in their manuscripts, were added information from memories of family members who lived at his side. Because the file has never been investigated in the academic field, the first stage of the research was to organize, digitize and catalog the full archive that can be recovered, and that was fragmented among some members of the musician’s family. Then we present the narrative of his artistic, family and social history through a biographical sketch. In a third step we present the musics that are being adapted, wich contribute to the understanding of the repertoire, and that were played to the public between the years 2010 and 2014. Finally, due to the scant documentation of the activities performed by José da Cruz until his 20s, we will describe some evidences of the influences that probably contributed to his artistic profile, starting from the historiographical musical analysis in Curitiba in the decades that permeated the transition from the nineteenth and twentieth centuries. Keywords: Musicology, José da Cruz, Paraná, Curitiba, popular music, composition, arregemented.

LISTA DE FIGURAS FIGURA 1. FLAUTA QUE PERTENCEU A JOSÉ DA CRUZ.

31

FIGURA 2. VIOLINO QUE PERTENCEU A FRANCISCO CRUZ.

31

FIGURA 3. ORGANIZAÇÃO PARA A DIGITALIZAÇÃO DO ARQUIVO JOSÉ DA CRUZ. CURITIBA, 2013. 32 FIGURA 4. CAPA PARA ARRANJOS DE SOMBRAS QUE VIVEM E SÊ MINHA PARA SEMPRE, SEM DATA.

36

FIGURA 5. INVÓLUCRO DE PARTITURAS PARA A FUNÇÃO DE CONTRABAIXO DA JAZZ BAND IRIS. 37 FIGURA 6. CADERNOS ALOCADOS NO GRUPO 1 > SUBSÉRIE 1 > BANDO ALEGRE.

40

FIGURA 7. ARRANJO ALOCADO NO GRUPO 2 > SUBSÉRIE 1 > BANDO ALEGRE.

40

FIGURA 8. ITENS CONTIDOS NA CLASSE 1 DO AGRUPAMENTO DE CADERNOS DO BANDO ALEGRE.

41

FIGURA 9. ITEM CONTIDO NA CLASSE 3 DO AGRUPAMENTO DE CADERNOS DO BANDO ALEGRE. 42 FIGURA 10. PARTITURA PARA 1º E 2º TROMPETES DE CABOCLO VELHO, CHORO ESTILO PARANAENSE, JOSÉ DA CRUZ, SEM DATA.

43

FIGURA 11. PRINT SCREEN DA ABERTURA DA PASTA DIGITAL QUE CONTÉM O CADERNO DE CÓDIGO JC1-BA.CD.01. 46 FIGURA 12. REGISTRO DO BATIZADO DE JOSÉ DA CRUZ. CURITIBA: OCORRÊNCIA N. 850, 1897.

54

FIGURA 13. JOSÉ DA CRUZ E MARIA DURSKI DA CRUZ, 1905.

54

FIGURA 14. RESIDÊNCIA DE JOSÉ DA CRUZ, 1938?

59

FIGURA 15. CAPA DAS VALSAS-CHOROS VÉRA E HORTENCIA, SEM DATA.

60

FIGURA 16. JOSÉ DA CRUZ (1897-1952). PINTURA A ÓLEO. CURITIBA, SEM DATA.

61

FIGURA 17. CARTÃO POSTAL DE PARANAGUÁ, SEM DATA.

62

FIGURA 18. FOTO TIRADA NO QUINTAL DA RESIDÊNCIA DE JOSÉ DA CRUZ, LOCALIZADA NA RUA DOUTOR PEDROSA. 64 FIGURA 19. PARTITURA DE GRÊMIO ROSE, VALSA.

65

FIGURA 20. IDEAL JAZZ – SINFÔNICO. CURITIBA, 1928?

68

FIGURA 21. CAPA DO INVÓLUCRO PARA ARRANJOS DA IDEAL JAZZ-BAND, SEM DATA.

69

FIGURA 22. O CARÁ, BATUQUE. BANDO ALEGRE – JOSÉ DA CRUZ E SEUS SOLISTAS. CURITIBA, SEM DATA. 71 FIGURA 23. O SABIÁ (DETALHE) - JOSÉ DA CRUZ, SEM DATA.

76

FIGURA 24. POSTAL DE FLORIANÓPOLIS. ENVIADO A

78

FIGURA 25. RUA FREI CANECA. FLORIANÓPOLIS, 2014.

78

FIGURA 26. POSTAL ENVIADO DE FLORIANÓPOLIS PARA A MÃE, MARIA DURSKI DA CRUZ.

79

FIGURA 27. POSTAL ENVIADO A ESPOSA CAROLINA.

79

FIGURA 28. FOTO VIA SATÉLITE DA CIDADE DE FLORIANÓPOLIS.

80

FIGURA 29. CABEÇALHO DA PARTITURA DE CELLO OU SAXOFONE MIB DA VALSA CHORO MOCIDADE CURITYBANA.

86

FIGURA 30. DETALHE DA MÚSICA BRASIL ETERNO, JOSÉ DA CRUZ. CURITIBA, 1942.

89

FIGURA 31. RETRATO DE JOSÉ DA CRUZ, SEM DATA.

92

FIGURA 32. ETERNIDADE, SINFONIA UNIVERSAL DE JOSÉ DA CRUZ. PARTITURA PARA O 2º VIOLINO, SEM DATA.

93

FIGURA 33. MANUSCRITO DE ANTISARDINA. AUTORIA DE JOSÉ DA CRUZ E ODAH TEREZINHA CRUZ. CURITIBA, 1943. 93 FIGURA 34. CORDÃO DA ALEGRIA. PARTITURA PARA TROMBONE E BAIXO, 1948.

96

FIGURA 35. CARTEIRA DA UBC - UNIÃO BRASILEIRA DE COMPOSITORES.

98

FIGURA 36. ENVIO DE VALORES PARA SBACEM.

99

FIGURA 37. CABEÇALHO DA CORRESPONDÊNCIA ENTRE SBACEM E JOSÉ DA CRUZ.

100

FIGURA 38. ENSAIO COM ODAH TERESINHA CRUZ TARESZKIEWICZ E TIAGO PORTELLA OTTO, OUT. 2010. 103 FIGURA 39. TRECHO DA MELODIA DA VALSA CINE CLUB DE JOSÉ DA CRUZ, SEM DATA.

104

FIGURA 40. ODAH TERESINHA CRUZ TARASZKIEWICZ. MUSEU PARANAENSE, 06 NOV. 2010. 105 FIGURA 41. EXPOSIÇÃO DOS REGIONAIS ÀS JAZZ BANDS. MUSEU PARANAENSE, CURITIBA, 2010. 106 FIGURA 42. ODAH TEREZINHA CRUZ APRESENTANDO-SE DURANTE A XXIX OFICINA DE MÚSICA DE CURITIBA, 2011. 107 FIGURA 43. CONCERTO NA SOCIEDADE TADEUSZ KOSCHIUSZKO.

108

FIGURA 44. REGIONAL JAZZ BAND. FOTO DE DIVULGAÇÃO PARA O CONCERTO REALIZADO EM PARIS, 2012. 109 FIGURA 45. SALA JOSÉ DA CRUZ. CURADORIA: TIAGO PORTELLA – SESC ÁGUA VERDE, CURITIBA, 2012.

110

FIGURA 46. VERA SANTA WADOUSKI CRUZ E JOSÉ DA CRUZ.

111

FIGURA 47. ANÚNCIO DE COMERCIALIZAÇÃO DA POLCA A ESCRAVA. GAZETA PARANAENSE, CURITIBA, 18 MAI. 1886, P. 4. 119 FIGURA 48. SOUVENIR, VALSA DE JOÃO B. RIBEIRO FILHO. LITOGRAFIA POR MARIA AGUIAR. 120 FIGURA 49. ANÚNCIO DE VENDA DA POLCA HIDALGA. A REPUBLICA, CURITIBA, 17 NOV. 1900. 122 FIGURA 50. ANÚNCIO DA VENDA DA VALSA MARINA. A REPÚBLICA, CURITIBA, 23 JUN. 1902, P. 4. 122 FIGURA 51. ANÚNCIO DE VENDA DA VALSA ALCINA. A REPÚBLICA, CURITIBA, 19 DEZ. 1902, P. 3. 122 FIGURA 52. ANÚNCIO DA CASA EDISON, FILIAL CURITIBA. A REPÚBLICA, 27 JUN. 1901, P. 3.

128

FIGURA 53. FAMÍLIA TODESCHINI E FAMÍLIA TORTATO, CURITIBA, 1905.

131

FIGURA 54. FAMÍLIA PORTELLA E O 8º REGIMENTO DE ARTILHARIA. O MALHO, 18 NOV. 1905, P. 47. 132 FIGURA 55. CABEÇALHO DA PARTITURA CURYTIBA. PUBLICADA EM O OLHO DA RUA. CURITIBA, 13 ABR. 1907, P. 12.

137

LISTA DE QUADROS QUADRO 1. RUBRICAS E DESCRIÇÕES DOS GRUPOS IDEALIZADOS POR JOSÉ DA CRUZ.

33

QUADRO 2. TIPOS DE ASSINATURA DE JOSÉ DA CRUZ.

35

QUADRO 3. ESQUEMA DE ORGANIZAÇÃO DAS SÉRIES DO ARQUIVO PESSOAL DE JOSÉ DA CRUZ.

37

QUADRO 4. ESQUEMA DE ORGANIZAÇÃO DAS SUBSÉRIES CONTIDAS NA SÉRIE 1 – PARTITURAS E LETRAS. 38 QUADRO 5. ESQUEMA DE ORGANIZAÇÃO DA SUBSÉRIE 1 - ARQUIVO PESSOAL DE JOSÉ DA CRUZ.

38

QUADRO 6. ESQUEMA DE ORGANIZAÇÃO DO GRUPO 1 - CADERNOS – BANDO ALEGRE ARQUIVO PESSOAL DE JOSÉ DA CRUZ.

41

QUADRO 7. ESQUEMA DE ORGANIZAÇÃO DA CLASSE 1 – ORQUESTRA REGIONAL – JOSÉ DA CRUZ E SEU PROGRAMA RECORDAÇÃO - ARQUIVO PESSOAL DE JOSÉ DA CRUZ. 42 QUADRO 8. DESCRIÇÃO N.2 DO CADERNO DE CÓDIGO JC1-BA.CD.01.

46

QUADRO 9. RELAÇÃO DA INSTRUMENTAÇÃO IDENTIFICADA NOS ARRANJOS E FOTOGRAFIAS DOS GRUPOS DE JOSÉ DA CRUZ. 47 QUADRO 10. CATÁLOGO DAS COMPOSIÇÕES AUTORIAS DE JOSÉ JOÃO DA CRUZ.

48

QUADRO 11. QUANTIDADE DE COMPASSOS E TONALIDADES DAS PARTES DE TRISTES RECORDAÇÕES.

56

QUADRO 12. QUANTIDADE DE COMPASSOS E TONALIDADES DAS PARTES DE VISÃO D’UM SONHO.

57

QUADRO 13. REPERTÓRIO RECUPERADO DA IDEAL JAZZ BAND.

66

QUADRO 14. REPERTÓRIO RECUPERADO DA IRIS JAZZ-BAND.

69

QUADRO 15. PROGRAMA DA CIA. CLARA WEISS EM FLORIANÓPOLIS, OUTUBRO DE 1927.

80

QUADRO 16. PROGRAMA DE CONCERTO DA BANDA DA FORÇA MILITAR DO PARANÁ.

82

QUADRO 17. PROGRAMA DE CONCERTO DA BANDA DA FORÇA MILITAR DO PARANÁ.

82

QUADRO 18. EXEMPLOS DE PARTITURAS QUE CONTÊM NUMERAÇÃO DE REPERTÓRIO.

84

QUADRO 19. REPERTÓRIO DO CADERNO RÁDIO JAZZ TYPICO.

85

QUADRO 20. REPERTÓRIO DO CADERNO JOSÉ DA CRUZ E SEU CONJUNTO TYPICO REGIONAL E SEU PROGRAMA RECORDAÇÃO. 86 QUADRO 21. RELAÇÃO DE CONTROLE DE ADAPTAÇÕES, PROCESSOS DE GRADE E GRAVAÇÕES DO REPERTÓRIO DE JOSÉ DA CRUZ. 113 QUADRO 22. REPERTÓRIO PUBLICADO NO JORNAL DAS SENHORAS.

117

QUADRO 23. REPERTÓRIO DO “CADERNO DE BAILES” POR CARLOS FINKENSIEPER – CURITIBA – 26.03.1907. 123 QUADRO 24. PARTITURAS PUBLICADAS EM O OLHO DA RUA ENTRE 1907 E 1911.

124

QUADRO 25. RELAÇÃO DE TEATROS DE REVISTA (DE COSTUMES LOCAIS) PRODUZIDOS NO PARANÁ. 138

LISTA DE TABELAS TABELA 1. DESCRIÇÃO Nº 1 DO CADERNO DE MELODIAS PARA O CARNAVAL DE 1948 DO BANDO ALEGRE.

45

TABELA 2. DESCRIÇÃO DO ARRANJO DE BRASIL ETERNO, JOSÉ DA CRUZ, 1942.

90

LISTA DE GRÁFICOS GRÁFICO 1. ESTATÍSTICA DA OCORRÊNCIA DE GÊNEROS NO TRABALHO AUTORAL DE JOSÉ DA CRUZ. 50 GRÁFICO 2. OCORRÊNCIA DOS GÊNEROS NO REPERTÓRIO GERAL RECUPERADO NO ARQUIVO DE JOSÉ DA CRUZ. 51 GRÁFICO 3. QUANTIDADE DE GÊNEROS RECUPERADOS DA IDEAL JAZZ BAND.

69

GRÁFICO 4. QUANTIDADE DE GÊNEROS RECUPERADOS DA IRIS JAZZ BAND.

70

LISTA DE INCIPITS INCIPIT 1. TRISTES RECORDAÇÕES, VALSA-CHORO DE JOSÉ DA CRUZ, 1917.

56

INCIPIT 2. VISÃO D’UM SONHO, VALSA DE JOSÉ DA CRUZ, 1917.

57

INCIPIT 3. MARIA DE LOURDES, VALSA DE JOSÉ DA CRUZ.

60

INCIPIT 4. ODAH, VALSA DE JOSÉ DA CRUZ.

61

INCIPIT 5. CABOCLO VELHO, CHORO ESTILO PARANAENSE DE JOSÉ DA CRUZ.

75

INCIPIT 6. MINUETE AFANDANGADO POR VIEIRA DOS SANTOS.

115

INCIPIT 7. A CHULA PONTEADA, VIEIRA DOS SANTOS.

116

INCIPIT 8. O BATUQUE DOS NEGROS, VIEIRA DOS SANTOS.

116

INCIPIT 9. O SAPO - POLCA DE BENEDITO NICOLAU DOS SANTOS.

121

INCIPIT 10. CURYTIBA, VALSA DE LUIS DA SILVA BASTOS. CURITIBA, 13 ABR. 1907, P. 10.

138

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

AR – arranjo AV – avulso BA – Bando Alegre BB - bombo BBD – bombardino/eufônio BD - bandolim BJ - banjo BS – bloco sonoro BTJ - bateria de jazz CB - contrabaixo CL - clarinete CN - corne CO – côro COR - trompa CR - Conjunto Regional José da Cruz CT - canto CX - caixa FGT - fagote FL - flauta transversal FLM - flautim HMC - harmônica HMN - harmonium ID – Ideal Jazz Band INTR – introdução IR – Iris Jazz Band JC – José da Cruz JT – Rádio Jazz Typico ML - melody MR – maracá N – não NA – não se aplica NC – não consta NH – não há OB – Os Bicudos OBE - oboé OC - Orquestra Caramurú OR – Orquetra Regional José da Cruz PD - pandeiro PC – percussão

PIC - piccolo P.R.B.2 – Rádio Clube Paranaense P.R.E.8 – Rádio Nacional PT - prato RQ – requinta RR – reco-reco S - sim SD - surdo SDN – surdina SDNC – surdina clara SL – solo SX – saxofone SXA - saxofone alto SXB - saxofone barítono SXS - saxofone soprano SXS ML - saxofone soprano melody SXT - saxofone tenor SXT MD - saxofone tenor melody TB - trombone TBA - tuba TBR - tambura TG - triângulo TMP - tímpanos TP - trompete VL - violino VLC - violoncelo VLF – violino-fone VLO - violão

SUMÁRIO

1.

INTRODUÇÃO

21

2.

ARQUIVO PESSOAL DE JOSÉ DA CRUZ

28

2.1. PARTITURAS ENCONTRADAS – ARQUIVO FRAGMENTADO 2.1.1. Arquivo familiar 2.1.2. Reaproximação entre os fragmentos do arquivo 2.1.3. Os grupos musicais de José da Cruz 2.1.4. Composições autorais e orquestrações

28 30 31 32 35

2.2. SISTEMATIZAÇÃO DE ORGANIZAÇÃO E CATALOGAÇÃO 2.2.1. Série 2.2.2. Subsérie 2.2.3. Grupo 2.2.4. Classe 2.2.5. Item 2.2.6. Peça 2.2.7. Modelo de catalogação 2.2.7.1. Instrumentos identificados nos arranjos 2.2.7.2. Catálogo autoral 2.2.7.3. Gêneros no arquivo

37 37 38 38 40 41 42 44 47 48 50

3.

52

ESBOÇO BIOGRÁFICO – QUEM FOI JOSÉ DA CRUZ?

3.1.

FAMÍLIA, INFÂNCIA E MUSICALIZAÇÃO

52

3.2.

CURITIBA

55

3.3.

PRIMEIRAS COMPOSIÇÕES

55

3.4.

CASAMENTO, OFÍCIOS, FILHOS E PARTITURAS

58

3.5.

COMPOSIÇÕES PARA OS FILHOS

60

3.6.

PARANAGUÁ

62

3.7. TRÊS FENÔMENOS NA DÉCADA DE 20: JAZZ-BANDS, NACIONALISMO E O RÁDIO 3.7.1. Jazz-bands 3.7.1.1. Ideal Jazz Band 3.7.1.2. Iris Jazz Band 3.7.2. Nacionalismo - Regionalismo - Ruralismo - Paranismo 3.7.2.1. Paranismo em música 3.7.2.2. Caboclo Velho: composição paranista?

62 63 65 69 70 73 74

3.8. ATUAÇÃO EM ORQUESTRAS 3.8.1. Companhia de Operetas Clara Weiss 3.8.2. Banda da Polícia do Paraná 3.8.3. Ensaios e produção de partituras

77 77 81 82

3.9.

O RÁDIO, O SAMBA E O PATRIOTISMO

84

3.10. CRISE, GENEROSIDADE E CARNAVAL 3.10.1. Sinfonia universal Eternidade

90 92

3.10.2. 3.10.3. 3.10.4.

Prêmio Antisardina Presenteando alunos e amigos com partituras É carnaval

93 95 95

! 3.11 REGULAMENTAÇÃO PROFISSIONAL E MUDANÇAS 3.11.1. 3.11.2. 3.11.3.

4.

Regulamentação da carreira de compositor Mudança para Apucarana Carolina – um Porto Seguro

JOSÉ DA CRUZ NO SÉCULO XXI – DESDOBRAMENTOS DA PESQUISA

97 98 100

102

4.1.

CONCERTO NO MUSEU PARANAENSE

102

4.2.

CONCERTO NA XXIX OFICINA DE MÚSICA DE CURITIBA

106

4.3.

CONCERTO NA SOCIEDADE TADEUZS KOSCHIUSZKO

107

4.4.

JOSÉ DA CRUZ EM PARIS

108

4.5.

SALA JOSÉ DA CRUZ

110

4.6.

HOMENAGEM A JOSÉ DA CRUZ

110

4.7.

PUBLICAÇÃO DE PARTITURAS NO SONGBOOK DO CHORO CURITIBANO

111

4.8.

CD JOSÉ DA CRUZ

111

5.

BREVE HISTORIOGRAFIA DA MÚSICA CURITIBANA

5.1. REFLUXOS CULTURAIS NO PARANÁ NO INÍCIO DO SÉCULO XIX – MELANCOLIA E SALÃO 5.1.1. De olho na Rua 5.1.2. O fonógrafo e as gravações na capital do Paraná 5.1.3. Cinematógrafos – campo de atuação para músicos urbanos 5.1.4. Primórdios do Choro em Curitiba 5.1.5. O Pessoal do Choro 5.1.6. Os teatros de revista – produção musical em grande escala

114 114 123 125 128 130 133 135

6.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

140

7.

REFERÊNCIAS

147

8.

ANEXOS

157

! 21

1.

INTRODUÇÃO Esta dissertação é um relato da pesquisa em desenvolvimento sobre o compositor José

João da Cruz (1897-1952). No âmbito acadêmico, as primeiras investigações sobre este músico, sua vida e suas obras ocorreram em 2008: nesse ano foi encontrada, na Vila Hauer, em Curitiba, uma sacola repleta de documentos1, sobretudo partituras, pertencentes ao arquivo original deste músico. Esta porção de documentos chegou às minhas mãos em fevereiro de 20092. A sensação de responsabilidade pela preservação e avaliação do material induziu-me às primeiras intervenções e à procura pelos familiares deste músico. As evidências eram de que a maior parte do material havia sido produzido em Curitiba. Em agosto de 2010 foi possível localizar parentes do compositor e, a partir disso, reunir outras peças do arquivo de José da Cruz, com eles guardadas. Encontramos duas filhas, diversos netos, bisnetos, noras, genros e cunhados; e eles nos apresentaram outras partituras manuscritas, fotografias, instrumentos musicais, correspondências, objetos e documentos pessoais, que formaram um arranjo documental bem maior em relação ao primeiro lote de documentos encontrado. Nenhuma parte desse material – o da sacola e o que estava guardado pela família Cruz – havia sido objeto de pesquisa. De posse deste diversificado material inédito, e sem nenhum amparo institucional, iniciamos o trabalho. Os objetivos da pesquisa se estabeleceram partindo da:

a) identificação e organização do arquivo físico de José da Cruz; b) digitalização e inventário do arquivo; c) descrição catalográfica do arquivo; d) revisão bibliográfica dos temas questionados; e) revisão de trabalhos acadêmicos; e) revisão de periódicos da época; f) realização e transcrição de depoimentos. !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 1

A sacola contendo partituras, correspondências, um contrato e um texto datilografado, foi alocada em uma empresa que atua no ramo de depósito de bens particulares, onde ficou longo tempo aguardando pelo proprietário. Provavelmente por ter vencido o prazo contratual do depósito, os papéis foram direcionados para o descarte, quando um cidadão chamado Almir, até hoje não encontrado por nós, direcionou as partituras a um professor de inglês, chamado Tadeu Paccola Moreno. 2 Tadeu Moreno era graduando em música na UFPR, e entregou o material a Lilian Nakahodo, colega graduanda e iniciada cientificamente em música. Lilian fez uso de informações havidas nas partituras para contextualizar seu relatório de pesquisa no âmbito da UFPR. Após isso, telefonou para a pesquisadora Marília Giller, e ambas, em comum acordo, direcionaram o material físico para mim.

! 22

Além desses elementos do arquivo pessoal de José da Cruz – maços de partituras, fotografias, cartões postais, certidões, objetos e lembranças – foi possível, com o pleno apoio de seus filhos, netos e bisnetos, reunir registros feitos pelo músico, e, sobretudo, em expressiva quantidade, os textos musicais que produziu entre 1917 e 1951. A partir de uma ordenação por similaridade de suportes, escrita e conteúdo, iniciamos, por meio de fotografias e digitalização, a reprodução integral do arquivo3. Objetos pessoais e instrumentos musicais também foram fotografados, catalogados e disponibilizados para consultas e pesquisas. Feito isto, e desejando alcançar eficiência nos esquemas de busca por informações, partimos para a pesquisa de metodologias de organização documental. A Parte 2 apresenta o arquivo pessoal de José da Cruz, os esquemas de organização digital das partituras e demais documentos, cujos originais continuam dispersos – mas preservados – entre os herdeiros. Como até 2008 este arquivo jamais havia sido consultado ou catalogado, houve necessidade de descrição e avaliação dos documentos e registros. Inicialmente apresentaremos o quadro com a recuperação de nomes dos conjuntos musicais organizados por José da Cruz, pois grande parte de sua produção foi destinada a esses grupos. Exibiremos o modelo de catalogação adotado e os esquemas para a localização e acesso aos itens do arquivo digital. Na demonstração, utilizamos o caderno de melodias produzidas para o Bando Alegre – Orquestra Regional de José da Cruz e seu Programa Recordação. Essa explicação é a base para o acesso às informações de qualquer outro item do arquivo. Na descrição e catalogação das partituras e documentos, verificamos todo e qualquer indício

de

fatos

e/ou

acontecimentos

que

respondessem

aos

nossos

principais

questionamentos: As orquestrações estão completas? O que estimulou as produções desses textos musicais? Quem os executava? Qual o público receptor? Em que datas as músicas foram compostas? E os arranjos, é possível datá-los? Há partes do arquivo perdidas ou desaparecidas? A busca de um padrão para a organização e catalogação do arquivo pessoal foi norteada pelo livro Descrição e Pesquisa: reflexões em torno dos arquivos pessoais, de Lucia Maria Velloso de Oliveira. Este trabalho enfatiza aspectos arquivísticos desenvolvidos e adotados em cinco países: França, Reino Unido, Estados Unidos, Canadá e Holanda,

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 3

A digitalização inibe a manipulação demasiada do arquivo, viabiliza o acesso às informações contidas e descritas, e preserva as fontes primárias originais.

! 23

apresentando formas de descrição e sistemas de organização4. De maneira geral, adotamos os conceitos propostos pelo MAD da Universidade de Liverpool5. A peculiaridade do arquivo de José da Cruz nos conduziu às referências de arquivologia musical6. O Patrimônio Musical na Bahia – Arquivologia e Patrimônio Musical, organizado pelos professores e autores André Guerra Cotta e Pablo Sotuyo Blanco, forneceu bons subsídios para o direcionamento dos procedimentos. Consideramos também as condutas catalográficas dos pesquisadores Régis Duprat e Mary Ângela Biason em Acervo de Manuscritos Musicais, sobretudo a lista de abreviações para os instrumentos musicais7. O modelo do catálogo autoral, apresentado no Quadro 9, foi embasado na pesquisa do professor Marcelo Verzoni. Utilizamos o mesmo padrão de catalogação das composições autorais de Ernesto Nazareth, onde a organização se fez a partir da divisão por gêneros, com disposição cronológica. Os gêneros mais representados foram localizados na parte superior do catálogo. Nos casos em que há diferentes designações de gênero para uma mesma composição, optamos por registrá-las todas. Por exemplo, a composição O Chopim: José da Cruz a classifica ora como mazurca, ora como rancheira. Então, registramos no catálogo ambas as classificações. A escolha das diferentes designações para uma mesma música indica preferências oscilantes entre este ou aquele, possibilitando o estudo comparativo entre gêneros. Nos gráficos contidos na Parte 2 apresentamos dados quantitativos desses gêneros: primeiro, os que foram recolhidos no trabalho autoral; em seguida, aqueles identificados no repertório geral de José da Cruz, que inclui todos os títulos encontrados no arquivo. No último quadro da Parte 2 está a relação dos instrumentos musicais utilizados por José da Cruz em seus arranjos e cópias. Direcionamos todos os esforços para a sistemática

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 4

OLIVEIRA, Lucia Maria Velloso de. Descrição e pesquisa: reflexões em torno dos arquivos pessoais. Rio de Janeiro: Móbile, 2012. 5 “Na discussão apresentada pelos autores do MAD – Manual of Archival Description percebe-se a grande preocupação com os usuários dos arquivos e o reconhecimento da complexidade da descrição arquivística, uma representação que, de fato, deve estar de acordo tanto com as demandas de gerenciamento de um acervo, de um serviço ou de uma instituição arquivística (controle administrativo) como com o acesso ao conteúdo informacional do material de arquivo (controle intelectual). Para os autores, os sistemas de informação sobre arquivos devem ser planejados para fornecer as descrições de modo estruturado – essa deve ser a meta principal – e oferecer informações num segundo plano, voltado para o controle administrativo do acervo, para a recuperação por assunto, além de oferecer ferramentas de busca como guias e índices” (id., ibid, p. 100). 6 Denominamos arquivologia musical um campo de conhecimento que alia conceitos e técnicas da arquivologia tradicional às necessidades específicas para o tratamento técnico de acervos ligados à música. (In COTTA. Fundamentos para uma arquivologia musical, p. 15). 7 Optamos por utilizar a lista de abreviações apenas no Quadro 1, devido à necessidade de redução de espaço.

! 24

observação, descrição e interpretação das fontes primárias que conseguimos para a biografia do autor. A inexistência de dados na imprensa foi um grande problema. A coleta, a organização e a interpretação dos dados contidos no arquivo documental de José da Cruz ampliaram as bases para a nossa reflexão e consolidação da Parte 3. As informações disponíveis na correspondência (cartas, cartões postais), fotografias, certidões, carimbos, dedicatórias, anotações, objetos e documentos pessoais formaram o arcabouço necessário para a sustentação do esboço biográfico do compositor. Há muitas lacunas nos registros documentais: não localizamos nenhum registro das atividades ou estudos de José da Cruz até os 20 anos de idade. Sobre os seus primeiros anos de vida, a única documentação é uma biografia datilografada, encontrada em 20088 junto às partituras, que contém algumas passagens da sua infância; a única imagem de José da Cruz nesse período é uma foto, aos 8 anos de idade, ao lado da mãe. Não há registros de matrículas em conservatórios ou colégios. Alguns arquivos de instituições que teriam sido frequentadas por ele estão desaparecidos (como, por exemplo, o do Colégio Bom Jesus, onde se sabe que ele estudou). Isto torna árdua a tarefa de reconstituir a história de sua vida e de lastrear suas habilidades artísticas. Apesar da substancial quantidade material de documentos do arquivo pessoal de José da Cruz, era necessário encontrar publicações e notícias sobre suas atividades ou sobre seus grupos. Então recorremos às bibliografias, aos arquivos de imprensa e a arquivos conexos. Este trabalho teve a duração de 5 anos. Para o recolhimento dos dados buscamos as seguintes fontes: os periódicos originais em papel, ou microfilmados, alocados na Biblioteca Pública do Paraná; os periódicos originais da Biblioteca do Museu Paranaense; e arquivos eletrônicos consultados na Biblioteca Nacional, selecionados e catalogados a partir da Hemeroteca Digital Brasileira. Em 2011, expandimos a procura por citações do nome José da Cruz em bibliografias e periódicos publicados no Paraná, em Santa Catarina, São Paulo e Rio de Janeiro, motivadas pelo sabido trânsito do músico por essas regiões. Acreditávamos ser possível encontrar na imprensa informações adicionais: aquelas identificadas no arquivo, registradas em partituras e anotações, de 1917 até 1951. Em Curitiba, apesar da notória presença de instrumentistas, arranjadores e grupos de música atuantes na primeira metade do século XX – a maioria deles com destaque na !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 8

Biografia datilografada, anônima e sem data. Contém um inventário de 21 composições de José da Cruz. Possivelmente foi redigida entre 1963 e 1983, por Hortência Cruz Kincheski, segunda filha de José da Cruz nascida em 17 de fevereiro de 1923. A biografia narra algumas passagens da infância de José da Cruz, sua formação musical e suas composições. O fac-símile encontra-se em anexo.

! 25

imprensa – raras são as atividades de José da Cruz registradas em jornais. Nos 5 recortes que o compositor guardou consigo constam o nome de seu grupo Ideal Jazz Band e notícias sobre uma valsa sua, Grêmio Rôse. Porém, seu nome não é citado. A terceira parte está constituída da seguinte maneira:

a) A musicalização na primeira infância – informações sobre seus pais, irmãos e seu primeiro professor; b) relatos das primeiras composições, na década9 de 10 – influenciadas pela música de salão, de choro e de concerto; c) produções na década de 20 – motivadas pelo nascimento dos filhos, pelas gravações, pela rádio P.R.B.2 e pelo movimento regionalista, que o influenciou esteticamente10; d) experiências como músico ativo em regionais, jazz-bands e orquestras; e) influências de dois grandes movimentos na década de 30 – samba e patriotismo – período de expressiva produção e audiência de marchas militares e batucadas; f) os problemas agravados de saúde e finanças, quando vivia de sua música.

Parte deste capítulo é fruto da compilação e verificação de informações oriundas do arquivo, somadas aos conteúdos dos depoimentos de Vera Santa Cruz Wadouski (23/11/1927) e Odah Teresinha Cruz Tareszkiewicz (11/10/1929 - 31/07/2011), ambas filhas de José da Cruz. A coleta dos testemunhos se realizou com base nas propostas de História oral – memória, tempo, identidades, organizado por Lucilia de Almeida Neves Delgado11. As entrevistas ofereceram outras palavras-chave, que não constavam na descrição do arquivo, favorecendo a investigação. Algumas vezes os dados recolhidos no arquivo pessoal complementaram aqueles da entrevista; em outros casos, confrontaram-se com eles12 . !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 9

As décadas referem-se ao século XX. Entre as reflexões disponíveis a respeito do tema paranismo em música, aquelas da pesquisadora Marília Giller colaboraram para a compreensão e o entendimento de alguns símbolos utilizados por José da Cruz para a caracterização da música popular regionalista. Referências sonoro-simbólicas, como, por exemplo, o canto de um sabiá, foram essenciais para as invenções e percepções identitárias regionais e nacionais (GILLER, 2012). 11 DELGADO, Lucilia de Almeida Neves. História oral: memória, tempo, identidades. Belo Horizonte: Autêntica, 2010. 12 “A metodologia da história oral integra-se ao conjunto de esforços do sujeito produtor de conhecimentos para registrar, via relatos de experiências, as versões de diferentes personagens históricos sobre suas vidas e sobre sua integração no processo constitutivo da História. Ao gravar um depoimento de história de vida ou mesmo uma entrevista temática, o pesquisador está, de forma deliberada, inscrevendo-se no processo de registro do passado e de documentos sobre ele. Ao registrar no tempo presente as memórias do tempo que passou, o historiador e os demais profissionais vinculados à pesquisa, que utilizam a metodologia da história oral, fazem dos testemunhos recolhidos fontes de imortalidade – documentos/monumentos, sob a forma de vozes e de textos, que ficarão 10

! 26

Ao esboço biográfico atrelamos algumas reflexões sobre as tendências artísticas e a estética de José da Cruz, cuja música, única, é repleta de referenciais sonoro-simbólicos. A Parte 4 apresentará resultados obtidos a partir dessa pesquisa sobre José da Cruz: realização de concertos, publicação de partituras, elaboração de grades e gravações. Ao todo foram realizados 6 concertos com obras de José da Cruz, paralelamente às exposições de objetos, manuscritos e fotografias No arquivo de José da Cruz não há qualquer registro de suas atividades até os 20 anos de idade. Constatada a falta de documentação, sobretudo em relação à história pessoal e à rotina do compositor, apresentaremos, na Parte 5, informações e dados sobre a produção de música popular no Paraná, com foco em sua capital Curitiba. O rastreamento foi realizado objetivando encontrar notícias sobre José da Cruz, para confirmar a participação do músico no contexto musical curitibano, sobretudo nos anos em que produziu intensamente (1917 a 1951). Optamos também por analisar certas característiscas da música popular produzida e comercializada em Curitiba durante o século XIX e no inicio do XX, a fim de identificar possíveis influências sobre a música de José da Cruz. Para a compreensão de alguns aspectos estéticos da música de salão produzida no atual Estado do Paraná, recorremos às pesquisas dos professores Rogério Budazs, especialista na compilação e análise de repertórios paranaenses do início do século XIX. Sobre as práticas musicais convencionais desta região, no princípio do século XIX – melodias, acompanhamentos e maneiras de interpretar – utilizamos Viagem à Comarca de Curitiba (1820), escrito por Saint-Hilaire, famoso botânico que esteve no Brasil com a missão do duque de Luxemburgo. A tese Os primórdios do “Choro” no Rio de Janeiro, do pesquisador Marcelo Verzoni, proporcionou recursos para uma compreensão maior da problemática da designação choro, na reflexão e problematização do choro curitibano. Afinal, Benedito Nicolau dos Santos ou Augusto Stresser, compositores de ópera e músicos de concerto, podem ou devem ser considerados “chorões”? Recorrendo a notas de época e a documentos da produção musical em Curitiba, observamos o envolvimento entre artistas e empreendedores nos seguintes segmentos: impressão e comércio de partituras, primeiras gravações na cidade, atuação de músicos em concertos e choros, exibições cinematográficas e, por fim, o teatro de revista paranaense. !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! arquivados como registros vivos da multiplicidade de experiências que constituem a vida humana na sua essência” (In: DELGADO, L. A. N. Dinâmicas da memória e da História: representações e multiculturalidade, p. 62).

! 27

Algumas produções desses setores foram catalogadas e descritas a partir de anúncios, críticas, notícias, fotos, artigos, ensaios e crônicas publicados em almanaques, revistas e jornais. Procuramos recolher partituras, descobrir nomes de compositores e identificar espaços de atuação para musicólogos: cinemas, restaurantes, grêmios, clubes, cafés, cassinos, associações. Serviram-nos como fonte de informação os periódicos Jornal das Senhoras (1852), Dezenove de Dezembro (1854), A Arte (1888), A República (1888), Almanach do Paraná (1896), Jerusalém (1898), O Sapo (1900), O Olho da Rua (1907), Gazeta do Povo (1919) e Correio do Paraná (1932), que consultamos, fisicamente, em exemplares disponíveis na Biblioteca Pública do Paraná e no Museu Paranaense; e digitalmente, através do sistema online da Biblioteca Nacional, a Hemeroteca Digital Brasileira. Sobre as partituras, uma atenção maior foi dada ao periódico O Olho da Rua (19071911), onde foi publicada expressiva quantidade de peças para piano (com ênfase na música de salão, popular e de concertos), produzida por compositores curitibanos que viveram no final do século XIX e no início do XX. Essas composições podem ter influenciado aqueles músicos em atividade nas primeiras décadas do século XX em Curitiba, inclusive José da Cruz.

! 28

2.

ARQUIVO PESSOAL DE JOSÉ DA CRUZ Objetos comuns e anônimos, frutos do trabalho humano e vestígios materiais do passado, correspondem às condições e circunstâncias de produção e reprodução de determinadas sociedades ou grupos sociais. Na natureza latente desses objetos, há marcas específicas da memória, reveladoras da vida de seus produtores e usuários originais. Mas nenhum atributo de sentido é imanente, sendo vão buscar no próprio objeto o seu sentido. Para que responda às necessidades do presente e seja tomado como semióforo, é necessário trazê-lo para o campo do conhecimento histórico e investi-lo de significados. Isto pressupõe interrogá-lo e qualificá-lo, decodificando seus atributos físicos, emocionais e simbólicos como fonte de pesquisa (CANDIDO, 2006, p. 32).

2.1.

PARTITURAS ENCONTRADAS – ARQUIVO FRAGMENTADO

Uma expressiva quantidade de partituras manuscritas pelo músico José da Cruz (18971952) chegou às minhas mãos em fevereiro de 2009. Nesta ocasião, cerca de 700 partituras de seu próprio punho, algumas correspondências, um contrato e uma biografia concisa deste músico, me foram entregues pela pesquisadora Lilian Nakahodo. Os documentos haviam sido localizados em uma usina de reciclagem, e direcionados a ela no ano de 200813. De posse do material, até então inédito, Nakahodo fez uso de informações contidas em algumas das partituras, tendo-as como fontes primárias na contextualização do relatório que produziu para a Universidade Federal do Paraná14. Em seu relato, Nakahodo enfatizou que “algumas partituras foram encontradas, porém, sem apresentar uma origem confiável […]”15. Além da citação de ocorrências de arranjos para jazz-bands, o relatório por ela produzido apresentou aspectos musicais – gêneros, fórmulas de compasso e instrumentação – de seis títulos que selecionou no material: Manaos, Menina, Visão d’um sonho, Tristes recordações, Caboclo velho e a uma fantasia sobre O Guarany de Carlos Gomes, sendo as quatro últimas de autoria de José da Cruz. A pesquisadora ainda informou o repertório contido em dois cadernos da Ideal Jazz Band, grupo fundado e regido por José da Cruz16, e sobre a Iris Jazz Band, também dirigida pelo compositor. Foram analisadas algumas partituras que continham carimbos da Ideal e Iris jazz band, parte de uma coleção de partituras de um acervo particular encontradas em

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 13

Apesar de não fazer parte do propósito maior da pesquisa, investigou-se o nome da empresa de reciclagem citada por Nakahodo, onde o material de José da Cruz supostamente foi encontrado. Apesar de todo o esforço, ainda não conseguimos localizá-lo. Sabemos que o lote documental foi alocado em um depósito após o falecimento de Hortência Cruz Kincheski. 14 NAKAHODO, Lilian Nakao. A influência do jazz na música paranaense (1920 a 1950). Curitiba: UFPR, 2008. 15 Id., ibid., p. 6. 16 Id., ibid., p. 9.

! 29

usina de reciclagem recentemente. Não se trata das melhores amostras para os objetivos deste trabalho, mas possivelmente umas das poucas referências em partituras do período designado. Apesar de não trazerem datas inscritas, é presumível que sejam datadas até fim dos anos 4017.

Após esta primeira averiguação, o lote, contendo partituras e documentos, foi repassado por Nakahodo, em fevereiro de 2009, para um núcleo não formalizado de estudos da música histórica paranaense, que tinha sido estabelecido no interior da Faculdade de Artes do Paraná por mim18 e pela pesquisadora Marilia Giller19. No primeiro contato que fizemos com o material (em março de 2009) foi possível perceber que os papéis estavam frequentemente sinalizados com assinaturas de José da Cruz e com a identificação de nomes de conjuntos musicais, como por exemplo Orquestra Regional de José da Cruz. Esse lote documental incluía, além das partituras, um contrato para baile de carnaval assinado em 1948, uma biografia datilografada, uma carta do Ministério da Guerra e correspondências entre José da Cruz e a SBACEM. As características dos arranjos apontavam para orquestrações de conjuntos que tinham, em média, de 10 a 15 músicos, em uma maioria de arranjos para orquestras de baile20, fanfarras, cordões de carnaval e conjuntos regionais21. Não havia grades orquestrais, mas, sim, partituras cavadas de arranjos, contendo informações não somente de caráter musical, mas datas, lugares, dedicatórias, anotações pessoais e carimbos. Em grande parte, eram arranjos manuscritos para as composições próprias de José da Cruz. A primeira preocupação foi o acondicionamento dos papéis. Nesta época, por não haver qualquer convênio ou parceria com espaços institucionais para o tratamento das fontes do arquivo, optamos pelo alocamento residencial dos manuscritos encontrados. !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 17

Id., ibid., p. 14. Graduado em Educação Artística pela UNESPAR/FAP, com especialização em música popular brasileira na mesma instituição. Integrante do Grupo de Pesquisa Música, História e Política da UNESPAR/FAP. 19 Bacharel em música popular brasileira pela UNESPAR/FAP. Mestra em musicologia e etnomusicologia pela Universidade Federal do Paraná. 20 No final da década de 10 e em toda a década de 20, grande parte das orquestras de baile modelaram-se conforme a estética jazz-band, que possuía por característica instrumentos de sopro, banjos e bateria. Zuza Homem de Mello observou que as “jazz-bands proliferaram como sinônimo e substituto das orquestras de baile, aventurando-se o mais rápido possível no repertório dos novos gêneros e ritmos que surgiam. Sua formação incluía a seção rítmica (centralizada na bateria), banjo, tuba, e eventualmente piano, dois ou mais violinos e os quatro instrumentos de sopro que variavam entre trompetes e trombones (nos metais), clarinetes e, novidade na família das palhetas, o saxofone[...]” (MELLO, 2007, p. 72). 21 “O nome provavelmente surgiu na década de 20, por dedicarem-se à musica regional. Os conjuntos regionais são compostos por instrumentistas musicais de sopro, cordas e percussão. Geralmente um ou mais instrumentos de solo, com flauta, bandolim, cavaquinho, ou, ainda, clarinete e saxofone, executam a melodia, enquanto o cavaquinho faz o papel de centralizador de ritmo e um ou mais violões e violão de 7 cordas improvisam modulações como acompanhamentos, harmonizando e formando a base do conjunto com a chamada baixaria de sons graves. Além desses, há os instrumentos de percussão como o pandeiro. O piano e o trombone eventualmente fazem parte dos regionais. Os chorões são versáteis e revezam-se no solo com facilidade” (DINIZ, 2003, p. 10). 18

! 30

2.1.1.

Arquivo familiar

A partir da localização dos familiares do compositor, em meados de 2010, após o período de 18 meses de procura, o objeto da pesquisa ampliou-se22. Conseguimos localizar duas filhas de José da Cruz: Odah Teresinha Cruz Tareszkiewicz e Vera Santa Cruz Wadouski. Encontramos também os descendentes de outros três filhos já falecidos: Maria de Lourdes Cruz Trzeciak (26/03/1921 - 22/01/1996), Hortência Cruz (17/03/1923 - 06/10/2003 e Francisco Cruz (03/05/1925 - 10/02/2003).!Assim, foi possível a localização de documentos pessoais, fotografias, cartões postais, instrumentos musicais, objetos de uso pessoal e outras partituras que complementavam aquelas encontradas em 2008. A partir desse encontro, os processos de organização, digitalização e catalogação foram realizados. Alguns arranjos perceptivelmente incompletos no primeiro lote de partituras puderam ser reconstituídos. Além das informações contidas nos fragmentos do arquivo de José da Cruz, outras puderam ser obtidas a partir das lembranças dos que conviveram com ele. Alguns fatores dificultam o entendimento da ordenação original do arquivo. Em vida, José da Cruz guardava consigo muitas partituras de próprio punho. Após o seu falecimento em 1952, o arquivo ficou guardado com sua viúva Carolina Amodio Viapiana (1905-1986), que o conservou com grande apreço. A partir de 1984, e sobretudo após o falecimento de Carolina (em 1986), os manuscritos e documentos começaram a ser distribuídos entre os cinco filhos do casal. O arquivo original encontra-se atualmente dividido entre Vera Santa Cruz Wadouski, única filha viva, e os descendentes de outros quatro filhos de José da Cruz. Com os descendentes de Maria de Lourdes existe um baú onde Carolina, esposa do músico, guardou as partituras após o falecimento do marido; com eles há também uma chave de fenda para regulagem de flauta e um retrato colorido e emoldurado. Os descendentes de Hortência, segunda filha, possuem um lote de partituras e algumas correspondências. Com os descendentes de Francisco, único filho que se dedicou à prática instrumental, há uma réplica de violino Stradivarius 1753 de luthier desconhecido (Figura 2) e a flauta transversal do luthier Alfredo Casoli, que pertenceu a José da Cruz (Figura 1). Vera Santa, quarta filha, possui algumas fotografias, além de um lote significativo de folhas de partituras. Os !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 22

Ainda em 2009, antes que os familiares de José da Cruz fossem encontrados, ocorreu a primeira comunicação oral acadêmica relatando da pesquisa sobre a vida e obra do compositor. O artigo intitulado José da Cruz e os Irmãos Otto – A música popular urbana em Curitiba na primeira metade do século XX destacou o início das investigações e alguns resultados obtidos até aquele momento.

! 31

descendentes de Odah Teresinha,23 quinta filha do músico, possuem fotografias, cartões postais, documentos pessoais, certidões e algumas partituras.

Figura 1. Flauta que pertenceu a José da Cruz. Fonte: Arquivo pessoal de José da Cruz. Foto: Tiago Portella.

2.1.2.

Figura 2. Violino que pertenceu a Francisco Cruz. Fonte: Arquivo pessoal de Francisco Cruz. Foto: Tiago Portella.

Reaproximação entre os fragmentos do arquivo

Com a localização de alguns fragmentos documentais em posse dos familiares, o primeiro passo foi reuni-los fisicamente. Em seguida iniciamos a reorganização dos arranjos e dos cadernos de partituras, após observação e análise dos tipos de papel e caligrafia. Notamos que muitos arranjos estavam embaralhados e fragmentados devido à subdivisão física que havia sido realizada no arquivo durante pelo menos 23 anos. Assim, demos início ao trabalho com a reconstituição da possível ordenação original dos manuscritos24. Durante o processo de reordenação das partituras, algumas perguntas surgiram: Os arranjos estão completos? Os arranjos foram produzidos para grupos específicos? Quanto está fragmentado? Muito se perdeu? Há condições para reconstituir os arranjos? É possível datálos? Quantas músicas são de autoria de José da Cruz? As respostas foram surgindo à medida que as descrições foram sendo feitas e catalogadas. !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 23

Odah Teresinha Cruz Taraszkiewicz foi cantora e intérprete de canções do seu pai, José da Cruz. Atuou na Rádio P.R.B.2 a partir de 1943 e na Rádio Guairacá a partir de 1947. 24 A simples manutenção da integridade do arquivo, não permitindo a sua fragmentação, tomando-o em sua totalidade, assim como preservando a ordem original em que os documentos foram acumulados, garante a preservação de relações orgânicas entre os próprios documentos que o constituem, e informações relativas ao contexto em que foram acumulados. (COTTA, op. cit., p. 24).

! 32

Figura 3. Organização para a digitalização do arquivo José da Cruz. Curitiba, 2013. Foto: Marília Giller.

2.1.3.

Os grupos de José da Cruz

Foram identificados quinze conjuntos de música, todos provavelmente organizados e dirigidos pelo maestro entre os anos de 1917 e 1951. Os conjuntos instrumentais estão registrados no arquivo através de manuscritos, carimbos, logomarcas e fotografias. Assim, com a identificação dos grupos, estabelecemos o primeiro critério para o reagrupamento de repertórios e arranjos. Em seguida iniciamos a catalogação das informações, procurando evidências de datas, configurações instrumentais e os locais de atuação do músico25. As formações instrumentais apresentadas são resultado das descrições dos arranjos para os grupos a que José da Cruz destinou parte de sua produção26. Notamos que algumas particularidades físicas do arquivo evidenciam as perdas documentais. Por exemplo, o único item referente à Orquestra Regional Paranaense é uma capa dura que servia de invólucro para partituras de contrabaixo. Esse item não possui nenhum conteúdo musical além da sua carcaça.

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 25

Como não encontramos nenhuma partitura de José da Cruz que tenha sido editada, as possíveis datações da produção manuscrita estão sendo viabilizadas pela análise do repertório dos grupos. Em alguns casos, Cruz datou as pautas, mas na grande maioria delas não há esta informação. Os períodos em que os conjuntos atuaram emergem na medida em que os repertórios encontrados nos cadernos apontam para um determinado indício de tempo. 26 As siglas usadas para identificar os instrumentos, de um modo geral, seguem o modelo da Lista de Abreviaturas proposta por Rogério Duprat e Mary Angela Biason em Acervo de Manuscritos Musicais. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1991.

! 33

Quadro 1. Rubricas e descrições dos grupos idealizados por José da Cruz.

Nomes dos grupos

Datas

Locais de atuação

Formações instrumentais

1

Quinteto Carioca

1917

Roça Nova

nc

2

Ideal Jazz Band

1928 1940

Graciosa Country Club

vl sl, fl, cl, ct, 1º sxa mib, 2º sx, 2º sxt ml, 1º e 2º tps sib, tb.

3

Ideal Jazz Sinfônico

1928

Graciosa Country Club

4

Bando Alegre Orquestra Regional

1936/ 1948

Sociedade Barriqueiro

co, ct, flm, fl, cl, tp, obe, tb, 1º e 3º sxa, sx ml, 2º e 4º sxt, perc (bb, tbr, pt), 1º e 2º vls e cbs.

5

Conjunto Regional de José da Cruz

1939

nc

hmc, sxa, sxt, 3 vlos, perc (pdr, sd).

6

Conjunto Musical Bando Alegre. José da Cruz e seus Solistas.

1948

Sociedade Barriqueiro

tp, 1º e 3ª sxa, sx ml, sxt, tb, vl.

hmc, tp, vlf, sxa, tba, tb, 3 bjs, btj (bb, cx, pd, tg, pt, bs), pc (mr, rr)

Imagens

! 34

7

Radio Jazz Typico

nc

Rádio PRB-2?

sxs ml.

8

José da Cruz e seu Conjunto Típico Regional

nc

nc

1º sxs e 2º sxt.

9

Orquestra Choro Caramurú

nc

10

Orquestra Regional Paranaense

nc

nc

cb.

11

Jazz Band Iris

nc

nc

flm, vl, tp, 1º e 3º sxa, sxt, tb, vlc, cb, tb.

12

Orquestra Regional de José da Cruz

1939

nc

flm, fl, cl, sxt, obe, 1º e 2º vls.

13

Professor: José da Cruz e seu conjunto.

nc

nc

fl?

14

Os Bicudos

nc

Night Clubs?

tp?

15

Orquestra Carioca

nc

nc

nc

Sociedade Tadeusz Kosciuzsko?

fl, sxt, sxb e vlc.

Fonte: Arquivo pessoal de José da Cruz.

! 35

De acordo com os registros encontrados e que serão comentados no esboço biográfico da Parte 3, o Quinteto Carioca foi o primeiro conjunto idealizado por José da Cruz e, seguramente, já atuava em 191727. Na época da criação deste grupo, o músico estava com 20 anos de idade.

2.1.4.

Composições autorais e orquestrações

Paralelamente à identificação dos grupos instrumentais dirigidos por José da Cruz, demos início à identificação de todas as ocorrências em que o compositor assinou as partituras. Esse procedimento possibilitou identificar as composições e arranjos produzidos por ele28.

Quadro 2. Tipos de assinatura de José da Cruz.

Cordão da Alegria. Caderno de melodias do Bando Alegre, 1948, p. 1.

Q.O.Q. Prefixo do Conjunto Caramurú, sem data, p. 1.

Tristes recordações. Orquestra Regional de José da Cruz, melodia, sem data, p. 1.

Vai ou arrebenta. Iris Jazz Band, pistom marcha carnavalesca, sem data.

Visão d’um sonho e Tristes recordações. Iris Jazz Band, flauta e saxofone sib, sem data, p .1.

Caboclo Velho. Ideal Jazz Band, pistom, sem data.

Fonte: Arquivo pessoal de José da Cruz.

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 27

Consideramos a possibilidade de que o Quinteto Carioca seja um conjunto concebido aos moldes do quinteto do compositor Luiz da Silva Bastos, que fez sucesso em Curitiba durante a primeira década dos anos 1900. Maiores detalhes sobre Bastos estão na Parte 5. 28 Além da numerosa ocorrência do nome de José da Cruz, outros dois nomes grafados chamavam a atenção: Odah Teresinha Cruz e Carolina Cruz. Durante todo o ano de 2009 e a primeira metade de 2010 ainda não havia evidências do grau de parentesco entre elas e José da Cruz, respectivamente, quinta filha e esposa. O nome Odah consta na capa de duas partituras do lundu carnavalesco Carnavá na roça, onde está escrito “Repertório de Odah Teresinha Cruz”. O nome de Carolina Cruz está marcado em uma carta remetida a ela pela Comissão Julgadora do Concurso da Canção Militar do Exército, promovido pelo Ministério da Guerra, através da portaria n. 305, no dia 12 de fevereiro de 1963.

! 36

Os manuscritos autógrafos e arranjos de José da Cruz foram produzidos em dois tipos de suportes: cadernos e pautas avulsas. Alguns arranjos estão completos, outros não. Em alguns casos, a relação dos instrumentos musicais utilizados nas orquestrações foi listada em capas e invólucros. Há evidências do vínculo de Cruz com todos os grupos identificados no arquivo, pois em alguns casos ele relaciona o seu nome ao nome do grupo – por exemplo, José da Cruz e seu conjunto Tipico Regional. Em outros casos, como o da Orquestra Caramurú, Íris Jazz Band e Ideal Jazz Band, ele indica a sua função de diretor. Grande parte das partituras e arranjos produzidos por José da Cruz foi destinada às atividades desses grupos.

Figura 4. Capa para arranjos de Sombras que vivem e Sê minha para sempre, sem data. Fonte: Arquivo pessoal de José da Cruz.

Todos os cadernos de partituras e arranjos do arquivo pessoal do músico são manuscritos de próprio punho. Em alguns ele assina a autoria do arranjo, em outros assina a autoria da redução. É difícil precisarmos a metodologia utilizada por ele para a elaboração desses arranjos. Consideramos a hipótese de que alguns possam ter sido transcritos a partir de gravações ou de partituras editadas. A escrita musical de José da Cruz segue os rebuscados padrões da sua época. Pelos ornamentos gráficos e de interpretação é possível deduzir que ele teve boa orientação nos

! 37

estudos de caligrafia musical e orquestração. Entretanto, não há indícios dos estudos musicais, exceto o de que foi musicalizado pelo avô materno até o ano de 190529.

Figura 5. Invólucro de partituras para a função de contrabaixo da Jazz Band Iris. Fonte: Arquivo pessoal de José da Cruz.

2.2.

SISTEMATIZAÇÃO DE ORGANIZAÇÃO E CATALOGAÇÃO

Uma parte dos manuscritos musicais do arquivo pode ser organizada de acordo com os repertórios dos conjuntos apontados no Quadro 1. Outra parte, a que não deixa explicita alguma relação com grupos específicos, foi organizada pela similaridade entre as escritas dos arranjos. Feito isso, iniciamos o processo de digitalização30, objetivando a reprodução total do arquivo físico em arquivo digital. As descrições e catalogações foram baseadas nas imagens digitais. Para sistematizá-las, desenvolvemos um modelo padrão no intuito de agilizar o acesso às informações. Primeiro, subdividimos o arquivo em 7 (sete) séries, de acordo com as características de suporte. São elas:

2.2.1.

Série

Quadro 3. Esquema de organização das séries do arquivo pessoal de José da Cruz. Série 1 Série 2 Série 3 Série 4

Partituras e letras Documentos pessoais/registros /certidões Fotografias/retratos/imagens Recortes de jornal

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 29

Maiores detalhes sobre a formação musical de José da Cruz junto ao avô serão fornecidos na Parte 3. A primeira etapa de digitalização foi realizada em agosto de 2013. A segunda etapa, em que se concluiu a digitalização de todo o arquivo disponível, foi realizada em janeiro de 2014.

30

! 38

Série 5 Série 6 Série 7

Instrumentos musicais/objetos Correspondências Revistas/métodos

Objetivando um maior entendimento das práticas de José da Cruz, observamos cautelosamente os documentos contidos nas séries, que contextualizam a historiografia da trajetória de vida e artística do músico. Contudo, o principal foco da catalogação e estudos foi a Série 1 – Partituras e letras. Como poderá ser observado na demonstração abaixo, a Série 1 foi dividida em: subsérie, grupo, classe, item e peça. Este procedimento permitiu a rapidez de acesso ao arquivo digital e suas imagens correspondentes.

2.2.2.

Subsérie

Quadro 4. Esquema de organização das subséries contidas na Série 1 – Partituras e letras. subsérie 1 subsérie 2 subsérie 3 subsérie 4 subsérie 5 subsérie 6 subsérie 7 subsérie 8 subsérie 9 subsérie 10 subsérie 11

Bando Alegre Orquestra Regional de José da Cruz Conjunto Regional de José da Cruz José da Cruz e seu Conjunto Typico Regional Ideal Jazz Band Iris Jazz Band Radio Jazz Typico Orquestra Caramurú Os Bicudos Sem grupo musical definido Conexos

As subséries de 1 a 9 são homônimas dos grupos musicais idealizados por José da Cruz, aos quais grande parte de sua produção manuscrita foi destinada. A subsérie 10, que denominamos “sem grupo musical definido,” contém partituras que não estão explicitamente vinculadas aos grupos das subséries anteriores, ou seja, não contêm indícios da destinação do arranjo. A subsérie 11 é composta por partituras guardadas por José da Cruz, produzidas por outros autores e copistas, em versões manuscritas e impressas.

2.2.3.

Grupo

Quadro 5. Esquema de organização da Subsérie 1 - Arquivo pessoal de José da Cruz. grupo 1 grupo 2 grupo 3

cadernos arranjos não encadernados folhas avulsas

! 39

Os elementos contidos no interior das subséries 1 a 11 foram agrupados pela similaridade de suporte. Cada uma das subséries está dividida em: cadernos, arranjos não encadernados e folhas avulsas. Quando encadernadas foram direcionados ao grupo 1; quando não encadernadas, foram direcionados ao grupo 2; e quando totalmente separados de seus pares originais, foram direcionados ao grupo 331. Em geral, os repertórios produzidos no suporte caderno tenderam à não fragmentação dos repertórios, possibilitando assim uma compreensão maior dos programas para bailes e concertos. Na avaliação de um caderno é possível identificar uma série de títulos de um repertório, ao passo que os arranjos produzidos em pautas avulsas, de uma maneira geral não evidenciam esses roteiros32. A recomposição dos arranjos e a reaproximação de cadernos foram orientadas pela similaridade de escrita e pelos tipos de papel usados por José da Cruz. Foi possível perceber arranjos de uma mesma época devido ao estilo de composição gráfica das partituras. Isso viabilizou o agrupamento de arranjos de títulos diferentes, de uma mesma época ou ocasião. Inclusive, muitos desses arranjos similares encontram-se nos versos uns dos outros. Temos, abaixo, a imagem de dois cadernos que foram encontrados com diferentes familiares do músico. Atualmente, os cadernos originais continuam fisicamente separados, porém, a organização digital permitiu que estejam virtualmente juntos. Cada um dos cadernos possui 15 partituras de músicas para o carnaval de 1948.

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 31

As partituras avulsas são folhas solitárias que não foram agregadas a nenhum dos arranjos ou cadernos encontrados. Isso nos faz pensar que, pelo considerável volume de folhas avulsas, muito do material está perdido, talvez, permanentemente. 32 Pelo acúmulo de arranjos e pelas características metódicas, deduzimos que José da Cruz guardava os arranjos organizadamente. Vera Santa e Odah, duas das filhas de José da Cruz, lembraram que ele as mantinha em um grande armário. De fato, alguns arranjos foram encontrados ainda em ordem, mesmo quando produzidos em folhas separadas, o que poderia facilitar o embaralhamento com outros. Mas a divisão e subdivisão do arquivo físico e original de José da Cruz pelos cinco descendentes foi inevitável, e fragmentações ocorreram. Em alguns casos, as partes estavam localizadas em diferentes locais e em diferentes estados de conservação.

! 40

Figura 6. Cadernos alocados no Grupo 1 > Subsérie 1 > Bando Alegre. Fonte: Arquivo pessoal de José da Cruz.

Na imagem abaixo temos o exemplo de um arranjo contido no grupo 2 – arranjos, localizado na subsérie 1 – Bando Alegre.

Figura 7. Arranjo alocado no Grupo 2 > Subsérie 1 > Bando Alegre. Fonte: Arquivo pessoal de José da Cruz.

2.2.4.

Classe A classificação de um grupo documental gerou pastas contendo partituras agrupadas

de acordo com as especificidades do conteúdo33. A classe determina a aproximação entre !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 33

No Dicionário brasileiro de terminologia arquivística, classe é a “primeira divisão de um plano de classificação ou de um código de classificação. O Dicionário de biblioteconomia e arquivologia apresenta, entre

! 41

documentos que estão contidos nos grupos documentais. Por exemplo, alguns cadernos do Bando Alegre têm, escrito em suas capas, Orquestra Regional – José da Cruz e seu programa Recordação. Porém, um outro caderno do Bando Alegre ostenta na capa o logo José da Cruz e seus solistas – Programas para bailes.

Quadro 6. Esquema de organização do Grupo 1 - Cadernos – Bando Alegre - Arquivo pessoal de José da Cruz. classe 1 classe 2 classe 3

Orquestra Regional – José da Cruz e seu programa Recordação Carnaval de 1948 José da Cruz e seus solistas – Programa para bailes

Então, este critério definiu as divisões que ocorrem no interior das pastas de denominação grupo, e seu conteúdo é organizado com base em características que aproximam ou distanciam os manuscritos uns dos outros. Na classe 1 (capa dos itens demonstrados na imagem abaixo), arquivamos cadernos que receberam de José da Cruz a rubrica de Bando Alegre - Orquestra Regional José da Cruz e seu Programa Recordação.

Figura 8. Itens contidos na classe 1 do agrupamento de cadernos do Bando Alegre. Fonte: Arquivo pessoal de José da Cruz.

2.2.5.

Item

As classes de um grupo de documentos são constituídas por itens. Por exemplo: a classe 1 do grupo de cadernos do Bando Alegre é constituída por quatro itens, que estão representados nas imagens da Figura 8 acima. São eles:

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! alguns conceitos possíveis, o seguinte: “(...) as grandes divisões onde os assuntos se agrupam por apresentarem pelo menos uma característica comum”. (OLIVEIRA, op. cit., p. 103).

! 42

Quadro 7. Esquema de organização da Classe 1 – Orquestra Regional – José da Cruz e seu programa Recordação - Arquivo pessoal de José da Cruz. item 1 item 2 item 3 item 4

caderno melodia caderno piston caderno saxofone mib caderno trombone

De uma forma geral, os itens são cadernos ou arranjos produzidos em pautas não encadernadas. Alguns itens são constituídos de uma folha única. Foram os itens que receberam o codificação multinível para fins de administração e consulta. O repertório geral, que inclui todo o repertório encontrado nas partituras, é constituído por composições autorais entremeadas a outras peças musicais, frutos do recolhimento de José da Cruz. Muitas dessas músicas são sucessos da sua época. Sendo assim, as datas de lançamento das edições das respectivas partituras ou o ano das gravações em disco estão sendo fatores relevantes para determinar o período em que foram programadas nos repertórios dos conjuntos musicais.

Figura 9. Item contido na classe 3 do agrupamento de cadernos do Bando Alegre. Fonte: Arquivo pessoal de José da Cruz.

2.2.6.

Peça

Por fim, cada item está subdividido em peças, que constituem as menores unidades de um item. Cada peça também recebeu um código de localização para fins de acesso e administração. As peças equivalem a uma página de partitura ou documento.

! 43

Durante a descrição e catalogação das peças observei com atenção as “deixas”, que são marcações instrumentais feitas por José da Cruz no decorrer das músicas. Com isso, foi possível compreender, de uma maneira geral, as orquestrações originais e as instrumentações dos grupos musicais. Um exemplo: na partitura de 1º e 2º trompetes para o arranjo de Caboclo Velho, que observaremos abaixo, José da Cruz sinaliza aos trompetistas a ocorrência melódica de outros instrumentos da orquestra. Esta observação forneceu dados sobre as configurações instrumentais e arranjos concebidos. Nesta partitura, além das vozes dos trompetes, há ocorrência de “deixas” para o clarino (clarinete) e o trombone. Inclusive, essas indicações são geralmente feitas com uma caligrafia de proporções menores em relação àquela utilizada nas melodias principais.

Figura 10. Partitura para 1º e 2º trompetes de Caboclo Velho, choro estilo paranaense, José da Cruz, sem data. Fonte: Arquivo pessoal de José da Cruz.

! 44

2.2.7.

Modelo de catalogação

A seguir apresentaremos o modelo de catalogação adotado. Ele apresenta a localização da imagem digital, o código do item, a data da sua produção, a quantidade de páginas e músicas, a instrumentação indicada pelo arranjo, as observações gerais e a descrição detalhada das páginas. Na descrição do conteúdo do item constam os títulos das músicas, os autores, os gêneros, os instrumentos a que se aplicam, os códigos identificadores e as observações gerais, que indicam a presença de carimbos, dedicatórias de relevância. Abaixo veremos um modelo descritivo do item 1 contido na classe 1 do grupo 1 que, por sua vez, está localizado na subsérie 1 – Bando Alegre do arquivo digital de José da Cruz. Trata-se da descrição do primeiro caderno apresentado na Figura 8. A descrição dos títulos de todo o repertório contido no arquivo do músico permitiu compreender as características de escolhas de repertório, dando margem ao entendimento do público receptor a quem os arranjos e roteiros foram direcionados.

! 45

Tabela 1. Descrição nº 1 do caderno de melodias para o carnaval de 1948 do Bando Alegre.

Fonte: Arquivo digital de José da Cruz, item JC1-BA.CD.01.

Todo o arquivo digital de José da Cruz está catalogado de acordo com o modelo apresentado acima34. Cada planilha está vinculada às imagens digitais a partir das quais a catalogação foi realizada.

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 34

Na descrição dos repertórios contidos nos cadernos do arquivo utilizamos, como metodologia de descrição, a mesma ordem das músicas contidas na copia original.

! 46

Figura 11. Print screen da abertura da pasta digital que contém o caderno de código JC1-BA.CD.01. Fonte: Arquivo digital de José da Cruz.

Abaixo apresentaremos a planilha de descrição número 2, que foi realizada apenas no caderno apontado e descrito acima. Este será o modelo de descrição a que será submetido todo o arquivo digital.

Quadro 8. Descrição n.2 do caderno de código JC1-BA.CD.01. Peça

Título

Forma

Fórmula de compasso

1

Bandeirantes

Intro – AABBA – ponte – CC – Intro – A - fim

2/4

2

Bataclan

Intro – AABB – Intro - AABB

2/4

Q.O.Q.

AABBACCA

2/4

Pegue o banjo

AABBA - fim

2/4

Intro 2x – AA – Intro - Coda

2/4

6

Esse Nêgo é bamba Caboclo velho

7

Lindo Sabiá

Intro – AABB Fim

2/2

8

Loucura do fóx

Intro – ABBABB - Coda

2/2

3 4 5

Tonalidades e compassos Intr: mim, 13c. A: mim, 32c. B: Sol, 16c. Ponte: Sol 4c. C: Dó 32c. Intr: rém 16c. A: rém 32c. B: Fá 32c. A: rém 16c. B: Fá 32c. C: Ré 32c. A: Dó 16c. B: Fá 32c.

Intr: Fá 8 c. A: Fá 32c. Em branco Intr: Mib, 4c. A: Mib, 16c. B: dóm, 32c. Intr: Mib, 3c. A: Mib, 32c. B: dóm, 16c.

“dicas”

tb - sxs

nc

sx - co

nc sxs - pn

sxs - tb duo sxs – sxa – (sd)

! 47

Intr: Sol 4c. A: Sol 16c. B: mim 16c. C: Dó 16c. Intr: Dó, 9c. A: dóm, 22c. B: dóm, 16c. C: dóm, 16c. D: Dó, 32c. Intr: dóm, 8c. A: dóm, 32 c. B: Mib, 32c. A: solm, 32c. B: Sib, 16c. C: Sol, 32c.

9

Joyeux monomo

Intro – ABBBCC – Intro AABB fim

10

Currito de la cruz

Intro – ABBCDDABBC DD - fim

11

Why don’t my dreams come true

Intro – AAAAAA - fim

3/4

12

Saudades de Paranaguá

AABBACCA fim

3/4

13

Tristes recordações

AABBACCA fim

3/4

A: lám 32 c. B: Dó 32c. C: Fá 32 c.

sxt – sxa – vl – tp – “quarteto” de sxs?

14

Despedida sentimental

AABBACCA fim

3/4

A: solm 32c. B: solm 16c. C: sol 32c.

sxs

15

Mocidade curitibana

AABBACCA fim

3/4

A: solm, 32c. B :solm, 16c. C : Sol, 32c.

ml – vlos – sxt sxs

2.2.7.1.

2/4

2/4

bb - sxs

tp – tbr – ct sxs

tp – sxs – vl – tb – cl tp – vl - sxt sib

Instrumentos identificados nos arranjos

Com a descrição de todo o arquivo digital de José da Cruz, e que está integralmente apresentado no anexo 1, foi possível relacionar os instrumentos musicais utilizados por ele nos arranjos. Algumas informações complementares sobre a instrumentação foram obtidas através das fotografias dos grupos. Por exemplo, não foram encontrados textos musicais escritos para acordeon, mas há registros deste instrumento em fotografias dos grupos de José da Cruz. Os instrumentos detectados apenas através das fotos estão sinalizados em itálico no quadro abaixo. Quadro 9. Relação da instrumentação identificada nos arranjos e fotografias dos grupos de José da Cruz. madeiras flauta transversal dó (fl), flautim (flm), piccolo (pic), clarinete sib e lá (cl), requinta (rq), saxofone soprano sib (sxs), saxofone soprano melody dó (sxs ml) , saxofone alto mib (sxa), saxofone tenor sib (sxt), saxofone tenor melody dó (sxt ml), saxofone barítono (sxb), oboé (obe), fagote (fgt), harmônica (hmc), harmonium (hmn), requinta (rqt) cordas violino (vl), violinofone (vlf), banjo (bj), contrabaixo (cb), violoncelo (vlc), violão (vlo), bandolim (bd), cavaquinho (cv), piano (pn) metais Trompete (tpt), tuba (tb), bombardino (bbd), trompa (cor), trombone (tbn) percussão

! 48

bateria de jazz (btj), bombo (bb), tambura (tbr), caixa (cx), pratos (pt), surdo (sd), tímpanos em ré e sol (tmp), triângulo (tg), blocos sonoros (bs), maracá (mr), cuíca (cc), reco reco (rr), pandeiro (pd) vocal canto (ct), côro. (co) acessórios surdina (sdn) surdina clara (sdnc) Fonte: Arquivo pessoal de José da Cruz.

2.2.7.2.

Catálogo autoral

Com a catalogação de todo o arquivo de José da Cruz, descrevendo-o a partir do modelo da Tabela 1, foi possível organizar o catálogo autoral do compositor, que atualmente é constituído por 64 composições. Neste repertório, grande porcentagem das músicas são gêneros populares urbanos brasileiros arranjados para formações instrumentais. Os gêneros são, em maior porcentagem, valsas, seguidas por choros, marchas, maxixes e foxtrotes. Foram encontrados em menor quantidade os gêneros: samba, polca, schottisch, lundu; e há uma sinfonia de caráter religioso chamada Eternidade, que teria sido sua última composição. Existem letras para duas marchas patrióticas, um samba, um choro sambado, um lundu carnavalesco, uma marchinha e um foxtrote. Algumas composições autorais são ritmos de tradição rural e ameríndia: a rancheira (rural) e o cateretê (tupi).

Quadro 10. Catálogo das composições autorais de José João da Cruz. Data

Título

Gênero/Indicação

Valsas: 20 1917 1917 1921? 1923? 1927? 1928? 1928? 1928? 1929?

Saudosas recordações/Tristes recordações Visão d’um sonho Maria de Lourdes Hortência Vera Despedida sentimental Grêmio Rôse/Rôse Saudades de Paranaguá Odah Áuria Belmira Cidade Sorriso Cine Club Dinah Flor de Abril Luar de Apucarana Mocidade curitibana Nossa Senhora da Luz Rosa Valsa do meu Paraná Choros: 18

valsa/valsa-choro valsa valsa valsa choro valsa choro valsa choro valsa valsa valsa valsa valsa valsa valsa valsa valsa valsa valsa valsa valsa valsa

! 49

1928? 1942

Pegue o banjo Curitybano Bico de aço Caboclo velho Chorando na rua Choro regional typico Deixa pra mim Entra o choro É de lá Guenta o pinho Mimi Não chacuaie Não esqueça de lembrar Que ô que/Q.O.Q. Quem pode mais/Quem pode mais.. chora menos Rancho alegre Vamos chorar Triunfantes

choro regional choro à moda paranaense choro choro estilo paranaense choro choro choro choro regional choro batucada choro choro choro choro choro sambado choro maxixe chorinho sertanejo choro choro

Marchas: 11 1939 1942 1948? 1948? 1948?

Duque de Caxias Brasil eterno Siririca Vai ou arrebenta Cordão da alegria 21 de abril Bandeirantes Bataclan Britania Sport Club Eu quero carnaval Mulata é a tal

marcha pátriotica marcha pátriotica marcha (carnaval) marcha (carnaval) marcha (carnaval) marcha marcha polonese marcha marcha marcha (carnaval) marcha (carnaval)

Foxtrotes: 3 O Caramuru/Caramurú O Guarany/Guarany/Guarani O Sabiá/Sabiá/Lindo Sabiá

foxtrote fox sinfônico schimmy fox paranaense

Maxixes: 2 Cae no mangue É bão pra xuxu

maxixe maxixe

Sambas: 2 1943

Antisardina Este nego é bamba/Nêgo bamba

samba característico samba choro

Polcas: 2 Fumaçazinha Ré maior pra frente

polca polca

Schottisch: 1 1944?

Meu padecer

schottisch

Rancheira: 1 O Chopim

rancheira

Sinfonia: 1 1952?

Eternidade Cateretê: 1

sinfonia universal

! 50

Viola provocada

cateretê

Mazurca: 1 Sempre viva

mazurca

Lundu: 1 1944?

O carnavá na roça/Carnavá na roça

lundu carnavalesco

Fonte: Arquivo digital de José da Cruz.

2.2.7.3.

Gêneros no arquivo

Após as descrições feitas no arquivo digital de José da Cruz, quantificamos as ocorrências dos gêneros produzidos tanto no repertório autoral quanto no repertório geral dos grupos. As quantidades serão representadas nos gráficos abaixo35.

Gráfico 1. Estatística da ocorrência de gêneros no trabalho autoral de José da Cruz.

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 35

Não há quantificação sem qualificação. A mensuração dos fatos sociais depende da categorização do mundo social. As atividades sociais devem ser distinguidas antes que qualquer frequência ou percentual possa ser atribuído a qualquer distinção. É necessário ter uma noção das distinções qualitativas entre categorias sociais, antes que se possa medir quantas pessoas pertencem a uma ou outra categoria. Se alguém quer saber a distribuição de cores num jardim de flores, deve primeiramente identificar o conjunto de cores que existem no jardim; somente depois disso pode-se começar a contar as flores de determinada cor. O mesmo é verdade para os fatos sociais (BAUER, 2008, p. 8).

! 51

Gráfico 2. Incidência dos gêneros no repertório geral recuperado no arquivo de José da Cruz.

Além da catalogação dos itens relacionados na Série 1 – Partituras e Letras, as outras séries onde estão localizados documentos pessoais, fotos, certidões, imagens dos instrumentos musicais, entre outros, foram minuciosamente observadas para a elaboração do esboço biográfico de José da Cruz, que será apresentado no capítulo a seguir.

! 52

3.

ESBOÇO BIOGRÁFICO – QUEM FOI JOSÉ DA CRUZ? Q.Ô.Q. (música e letra de José da Cruz)

Q.Ô.Q – que ô que, que ô que, que ô que Tú não vê – então você não vê Que sômos bâmbas tambem I não sê téme a ninguem

Q.Ô.Q – que ô que, que ô que, que ô que Tú não vê – então você não vê Ói – vê que chôro de ardê Foi dedicado à você...

3.1.

FAMÍLIA, INFÂNCIA E MUSICALIZAÇÃO José João da Cruz (1897-1952)36 era o mais novo dos cinco irmãos, todos filhos

legítimos de Francisco Manoel da Cruz (1857-1921), comerciante, nascido em Campo Largo, e de Maria Durski da Cruz (1859-196-), natural de Florianópolis. Francisco Manoel, de ascendência luso-indígena, fizera dinheiro comercializando alimentos durante o Cerco da Lapa!"; Maria Durski da Cruz, descendente de poloneses, era filha legítima de Jerônimo Durski, organista e primeiro professor de música de José da Cruz38.

“O polonês Jerônimo Durski já se encontrava no Brasil desde 1851, entre os colonos alemães procedentes de Poznan, na Colônia Dona Francisca, atual Joinville, em Santa Catarina, portanto bem antes da chegada ao Brasil, em 1868, de Edmundo Wos Saporski, considerado o pai da imigração polonesa no Brasil. Era músico e professor. Não encontrando ambiente propício à sua profissão entre os imigrantes germânicos, transladou-se para a Província do Paraná e fixou residência, com sua

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 36

Assinava seu nome como José da Cruz ou José Cruz. Ficou conhecido no âmbito familiar como Janguta, e, entre os colegas de música, por Sabiá. 37 Episódio sangrento ocorrido no Paraná durante a revolução federalista, o Cerco da Lapa foi uma batalha, com duração de 26 dias, entre as forças republicanas e as forças revolucionárias. Cerca de 500 homens morreram. GAZETA DO POVO. Cerco da Lapa: um episódio que durou 26 dias e marcou a vida da população. Disponível em: http://www.gazetadopovo.com.br/turismo/conteudo.phtml?id=877564. Acesso em: 27/06/2011. 38 Segundo a lista de imigrantes número dois, disponível no sítio eletrônico do Arquivo Histórico de Joinville, Hieronimus Durski saiu do porto de Hamburgo no navio Emma e Louise comandado pelo capitão Vierecke, em 01 de maio de 1851, e chegou à colônia Dona Francisca (atual Joinville), em 12 de julho de 1851. Nessa ocasião, Hieronimus Durski tinha 26 anos, embarcou com registro de professor proveniente da Província de Poznan, (localizada na antiga Prússia), com a mulher Pilagia, de 24 anos, e os filhos Johanna, de 7 anos e Julius, de apenas 3 meses. Nestes registros era comum constar a religião dos imigrantes; contudo, em relação à família Durski, isso não aconteceu.

! 53

família, na Vila do Príncipe, atual cidade da Lapa, por volta do ano de 1863” (ROGUSKI, 1971, p.12).

Por ser filha de músico instrumentista, Maria Durski almejava essa profissão para um dos filhos, mas nenhum dos cinco primeiros (Herculano, Maria da Luz, Etelvina, Olímpia e Maria Isabel) demonstrou disposição para as artes. Mas os indícios apontam que na ocasião em que José da Cruz nasceu, ela decidiu se esforçar para a musicalização do filho caçula. Vera Santa Cruz Wadouski39, a quarta filha de José da Cruz, reforçou, na entrevista concedida para a pesquisa, a proximidade entre José da Cruz e o avô materno:

Quando o Jerônimo Durski faleceu, o meu pai tinha 8 anos. Então, até essa idade eles estavam sempre juntos. Foi por isso que ele aprendeu música com o Jerônimo Durski, que era um grande pianista, muito bom músico. O meu pai contava que desde pequenininho, com 5 anos, já lia música e gostava de tocar em uma flautinha de bambu que ele fez para tocar. A partir daí o meu pai começou a se dedicar à música. O meu pai era apaixonado pela música. Ele tinha muito amor a Deus, mas ele dizia: “A música é tudo na minha vida”. Era o sonho dele né? (WADOUSKI, 2012).

O contato com o avô materno foi, portanto, bastante próximo durante os primeiros 8 anos de vida de José da Cruz: Jerônimo Durski residia na mesma localidade em que nasceu José – o sítio Itaqui, no município de Campo Largo40, estado do Paraná – que ali viveu com seus pais pelo menos até 1905, ano em que Jenônimo faleceu. De toda a bibliografia referente a música, consultada desde 2009 em busca de registros das atividades desenvolvidas por José da Cruz, o único documento que contém passagens sobre sua trajetória profissional e formação musical é uma biografia datilografada, em duas páginas, de autoria anônima, encontrada entre algumas partituras, em 200941. José da Cruz nasceu no dia 19 de Maio de 1897 em Curitiba – Paraná. Iniciou muito cedo seus estudos musicais, tendo como professor seu avô Jerônimo Durski, eminente polonês. Com apenas 5 anos, com uma flauta de bambu que fez com suas próprias mãos, começa sua jornada musical, dedicando-se inteiramente à sua Musa (ANÔNIMO, sem data, p. 1).

Há divergências sobre a data de nascimento de José da Cruz: a notificação de batismo (figura 12) registra 05 de junho de 1897; nos documentos pessoais, incluindo a biografia, registra-se o dia 19 de maio de 1897. Também há divergência sobre a cidade em que ele nasceu: a biografia registra Curitiba, mas em documentos obtidos por Cruz na década de 20, na ocasião do seu casamento, consta que nasceu em Campo Largo. !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 39

Vera Santa Cruz Wadouski conviveu com José da Cruz, seu pai, até os seus 23 anos. Município localizado a 30 quilômetros de Curitiba. 41 O fac-símile da biografia anônima encontra-se em anexo. 40

! 54

O batismo, feito pelo padre Paulo Cortes, foi registrado na Catedral de Curitiba, em 13 de setembro de 1897.

Figura 12. Registro do batizado de José da Cruz. Curitiba: ocorrência n. 850, 1897. Fonte: Cúria Metropolitana de Curitiba.

Segundo o relato de Odah Teresinha Cruz Tareszkiewicz, quinta filha de José da Cruz, quando faleceu Jerônimo Durski (22/10/1905), Maria Durski da Cruz recebeu uma quantia em dinheiro proveniente dos bens de seu pai. Parte da verba foi destinada à compra de métodos e instrumentos musicais para o filho caçula. Durante a pesquisa, alguns destes objetos foram encontrados no arquivo pessoal do músico. É o caso da flauta transversal em dó, do luthier Alfredo Cassoli, e do Metodo per il Flauto Cilindrico alla Bohm, de autoria de Emanuele Krakamp, editado por Ricordi e C, em 1854.

Figura 13. José da Cruz e Maria Durski da Cruz, 1905. Fonte: Arquivo pessoal de José da Cruz.

! 55

3.2.

CURITIBA

Odah Cruz afirmou que a ida da família Cruz para Curitiba teria ocorrido após o recebimento da herança de Jerônimo Durski, ou seja, após 1905. Vera Santa também acredita que a mudança tenha ocorrido neste período e afirma que ao chegar na capital a família passou a residir em uma casa na rua Doutor Pedrosa, na região central da cidade (WADOUSKI, 2012). Já Eliane Grace Ivanoski, neta de José da Cruz, nos informa que a mudança de avô para Curitiba pode ter ocorrido quando ele tinha em torno de quinze anos de idade (IVANOSKI, 2013). O fato é que há poucos registros sobre as atividades de José da Cruz até os 20 anos de idade. Muitos documentos foram perdidos. Vejamos um exemplo: na adolescência, José da Cruz teria frequentado o Colégio Bom Jesus, instituição conhecida por oferecer aos seus educandos os cursos de música – canto, teoria e flauta doce. O colégio estava localizado próximo à sua primeira residência de José da Cruz em Curitiba. Entretanto, os arquivos que poderiam conter registro de alguns dados da sua presença nessa instituição não mais existem. O professor Ernani Straube, do setor de Pró-Memória do Colégio Bom Jesus, contactado a partir de e-mails enviados à ouvidoria da Instituição, informou não existirem, nos arquivos, documentos de alunos anteriores ao ano de 1995.

“Com referência a José João da Cruz informo estar impossibilitado de responder pois o prédio do Colégio durante a 1ª Guerra Mundial sofreu o ataque de vândalos e muita coisa foi destruída. A Coordenadoria de Pró-Memória foi somente criada em 1995 e de lá para cá tenho condições de informar; o anterior perdeu-se.” (STRAUBE, 2014).

3.3.

PRIMEIRAS COMPOSIÇÕES

O relato biográfico anônimo afirma que José da Cruz realizava experiências como compositor desde o ano de 1912. A composição mais antiga encontrada em seu arquivo é a valsa Tristes Recordações, de 1917. O manuscrito para piano está datado e autografado. O compositor habitualmente realizava sutis modificações no seu título; esta valsa ostenta três. Segundo Vera Santa, o título original era Saudosas Recordações; quando faleceu (em 1921) Francisco Manoel da Cruz, o autor passou a chamá-la Tristes Recordações. Também encontramos a mesma música com o título Recordações Tristes.

! 56

É compreensível que José da Cruz tenha feito o uso do gênero valsa em suas primeiras composições registradas: esse foi um dos gêneros mais utilizados pelos compositores para bailes, concertos, choros e saraus, durante a transição entre os séculos XIX e XX42.

Incipit 1. Tristes Recordações, valsa-choro de José da Cruz, 1917.

Quadro 11. Quantidade de compassos e tonalidades das partes de Tristes recordações. 1ª parte lám, 32c.

2ª parte Dó, 32c.

3ª parte Fá, 32c.

Em 1917, José da Cruz assina outra valsa, intitulada Visão d’um sonho. Apesar da falta de documentação sobre atividades musicais nas duas primeiras décadas do século XX, deduzimos que Cruz estava sendo significativamente influenciado pelas atividades desenvolvidas em Curitiba por outros músicos e conjuntos, alguns deles relacionados na Parte 4 desta dissertação43.

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 42

Veremos, no decorrer da Parte 4, a grande aceitação da valsa entre os compositores e editores de música em Curitiba. Esse gênero é o que consta em maior número de vezes nos repertórios compilados, sendo também o mais recorrente nos cadernos de partituras dos músicos e nas partituras editadas. 43 Zuza Homem de Mello informa sobre os gêneros musicais que deveriam estar em destaque nos salões durante a primeira década do século XX no Brasil. “Antes da Primeira Guerra, especificamente nos primeiros catorze anos do século XX, a música instrumental brasileira gravada era dominada por dobrados, mazurcas, choros, polcas, valsas e quadrilhas, gêneros que, não escondendo a forte influência europeia, revelavam o que deveria estar em voga nos eventuais bailes de então”. (MELLO, op. cit., p. 72).

! 57

Incipit 2. Visão d’um Sonho, valsa de José da Cruz, 1917.

Quadro 12. Quantidade de compassos e tonalidades das partes de Visão d’um sonho. 1ª parte Sol, 32c.

2ª parte Sol, 32c.

3ª parte Sol, 32c.

2.3.2 As valsas

Durante todo o século XIX, a valsa foi amplamente utilizada por consagrados compositores, como Tchaikovsky (1840-1893), Brasílio Itiberê da Cunha (1846-1913), Chiquinha Gonzaga (1847-1935), Joaquim Antonio da Silva Callado (1848-1880), Ernesto Nazareth (1863-1934), Benedito Nicolau dos Santos (1878-1956), Heitor Villa-Lobos (18871959) e Camargo Guarnieri (1907-1993). Segundo referência da Enciclopédia de Música Brasileira, a valsa característica tocada pelos músicos de choro provém da ternarização da modinha, a que se dá o aspecto “seresteiro”. Essa expressividade de valsa sentimental é conhecida no círculo dos chorões por valsa-choro ou valsa-serenata, geralmente com andamentos moderados. Essas referências, provavelmente, nortearam José da Cruz quando ele compôs diversas das suas valsas.

“Dança de pares independentes e enlaçados, originária da Áustria (meados do s.c. XVIII). Música de ritmo ternário e andamento rápido (vienense) ou moderado (francesa). Teve grande difusão nas capitais européias no fim do s.c. XVIII. No Brasil a primeira voga da valsa de salão deu-se com a vinda da família real portuguesa ao Brasil. Sigismund Neukomm – que viveu no Rio de Janeiro – RJ de 1816 a 1821 – deixou anotado no seu catálogo de obras duas Fantasias a grande orquestra, sobre pequenas valsas de S. A. R., o príncipe D. Pedro. A partir de então dá-se a popularização da valsa. Por influência desta, e para os fins do século, a

! 58

modinha toma ritmo ternário. Através dos conjuntos de choro, a valsa tornou-se no Brasil um gênero seresteiro. Nos salões era gênero obrigatório para os aprendizes do teclado, e nas composições de Ernesto Nazareth aclimatou-se ao instrumento, guardando traços já sedimentados da criação musical brasileira. No início do s.c. XX foi cultivada em salas de diversão e confeitarias. O gênero esteve representado nas primeiras gravações realizadas no Brasil. Na década de 1930 reapareceu nas composições de autores populares. A valsa chamou a atenção dos compositores eruditos brasileiros desde Carlos Gomes, que compôs valsas para concerto, até, mais recentemente, Camargo Guarnieri, Radamés Gnattali e Francisco Mignone, o qual escreveu para piano as séries Valsas de esquina e Valsas-choro.” (Enciclopédia da Musica Brasileira apud CASTAGNA, 2004, p. 8-9)

3.4.

CASAMENTO, OFÍCIOS, FILHOS E PARTITURAS

O início da década de 1920 está marcado pelo casamento entre José João da Cruz com Carolina Viapiana Amodio (1904-1986), natural de Caxias do Sul (RS), nascida em 22 de maio de 1904, filha legítima de Emilio Amodio (11/08/1859-?) e de Carolina Viapiana (01/03/1869-?), ambos naturais da Itália. Na certidão de casamento emitida em 02 de maio de 1921, José da Cruz declara-se barbeiro; e Carolina Amodio, doméstica. O depoimento concedido por Vera Santa reforça a opção de José da Cruz pelo oficio de barbeiro.

“O meu avô e minha avó já tinham dito para ele que todo o rapaz, gostasse de música ou não gostasse, tinha que ter um oficio, viu? O dia em que a música falhar, você tem um oficio. Aí ele disse: “Meus Deus do céu, para o que eu tenho jeito?” […] Daí ele foi fazer o curso de cabeleireiro” (WADOUSKI, 2012).

Em 1921 registram-se três episódios marcantes na vida de José da Cruz: perdeu o seu pai, casou-se com Carolina e teve sua primeira filha, Maria de Lourdes. José e Carolina tiveram cinco filhos: Maria de Lourdes Cruz (26/03/1921–22/01/1996), Hortênsia Cruz (17/03/1923–06/10/2003), Francisco Cruz (03/05/1925–10/02/2003), Vera Santa Cruz (23/11/1927) e Odah Teresinha Cruz (11/10/1929– 31/07/2011)44.

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 44

Após casamento alteraram seus nomes para Maria de Lourdes Cruz Trzeciak, Hortênsia Cruz Kincheski, Vera Santa Cruz Wadouski e Odah Teresinha Cruz Tareszkiewicz.

! 59

Figura 14. Residência de José da Cruz, 1938? Da esquerda para direita: Vera Santa Cruz, Maria de Lourdes Cruz, não identificada, Odah Teresinha Cruz, Emilio Amodio Viapiana, Benedicto, não identificada, Hortênsia Cruz e Francisco Cruz. Fonte: Arquivo pessoal de José da Cruz.

Após o falecimento de Francisco Manoel, José da Cruz continuou vivendo na residência adquirida pelos pais, na Rua Doutor Pedrosa. Passou a cuidar da mãe e, posteriormente, de sua irmã, Maria Isabel Cruz Strong, que havia morado por alguns anos no estado de New Jersey (EUA) e no Rio de Janeiro. Supomos que, para arcar com a despesa mensal e as custas anuais, tal situação exigiu bastante esforço do compositor. Nessa época, José da Cruz sofria de consideráveis problemas respiratórios, mas, além da direção musical dos grupos que formava e suas respectivas atividades, tinha um salão de corte de cabelo e de barba instalado na garagem da sua residência. O Salão Azul tinha clientela variada, e quem a atendia era Carolina, a esposa. Quando José da Cruz ficava impossibilitado de tocar seus instrumentos de sopro, devido às crises de asma, ele atendia sua clientela ao pendurar a placa que indicava a Barbearia Cruz45. Segundo Vera Santa, a casa principal era bastante ampla; no terreno ainda havia uma grande casa de fundos, um grande jardim com chafariz, espaço da garagem e um pomar repleto de laranjeiras plantadas por Francisco Manoel da Cruz e Maria Durki da Cruz. O terreno media 22 metros de frente por 100 metros de fundo.

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 45

Consta em seu arquivo a caderneta da Barbearia Cruz, constituída primordialmente por cálculos matemáticos.

! 60

3.5.

COMPOSIÇÕES PARA OS FILHOS

Na década de 20, José da Cruz compôs valsas em homenagem aos filhos. Acreditamos que o ano das composições das quatro valsas localizadas coincida com aquele dos nascimentos. Para a sua primeira filha compôs Maria de Lourdes.

Incipit 3. Maria de Lourdes, valsa de José da Cruz.

As letras das valsas Véra e Hortencia estão caligrafadas na capa de uma folha de partitura que, infelizmente, não contém os textos musicais. É a única referência encontrada a essas valsas. Apesar de as partituras não constarem no arquivo, estamos certos de que José da Cruz tinha intenção de registrá-las. Por isso as catalogamos, na esperança de que a busca dos textos musicais não cesse, e que sejam encontrados outros textos.

Figura 15. Capa das valsas-choros Véra e Hortencia, sem data. Fonte: Arquivo pessoal de José da Cruz.

Odah Terezinha Cruz, quinta e última filha do casal, relembrou que seu pai contava estar ensaiando no momento em que ela nasceu. Com a notícia da chegada de Odah, José da Cruz inspirou-se e, de imediato, compôs a valsa homônima, utilizando novamente o gênero evidentemente predileto para as homenagens prestadas aos seus filhos.

! 61

Incipit 4. Odah, valsa de José da Cruz.

As orquestrações, José da Cruz as preparava no piano da sala de sua residência. Ali também ministrava aulas particulares para interessados em música. Lecionava, para estudantes, diversos tipos de instrumentos de sopro, sendo que a flauta transversal, o saxofone alto, o melody e o tenor eram a sua especialidade.

Figura 16. José da Cruz (1897-1952). Pintura a óleo. Curitiba, sem data. Fonte: Arquivo pessoal de José da Cruz.

! 62

3.6.

PARANAGUÁ

Na biografia de José da Cruz consta que ele viveu em Paranaguá durante 5 anos: “[...] indo residir em Paranaguá, no ano de 1923; ao regressar a Curitiba, em 1928, compôs as valsas “Saudades de Paranaguá” e “Despedida Sentimental" (ANÔNIMO, sem data, p. 1). Não foram encontrados registros de atividades desenvolvidas por José da Cruz em Paranaguá, entre os anos de 1923 e 1928. O postal abaixo foi remetido desta cidade, que se localiza no litoral do Paraná. Contém a simples informação de que estava bem, hospedado no hotel que consta na fotografia; e não é datado. “Carolina, chegamos bem de viagem, iremos de volta segunda-feira. Esta vista é do Hotel onde estou, marquei com um +. Saudades. Teu velho Janguta” (CRUZ, sem data).

Figura 17. Cartão postal de Paranaguá, sem data. Fonte: Arquivo pessoal de José da Cruz.

3.7.

TRÊS FENÔMENOS NA DÉCADA DE 20: JAZZ-BANDS, NACIONALISMO E O RÁDIO Além da intensa programação artística na capital paranaense46, três fenômenos

marcariam a produção musical de José da Cruz na década de 20: a aparição febril dos grupos !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 46

A população de Curitiba acostumou-se a frequentar cinemas, teatros, espetáculos e concertos. As modalidades de entretenimento foram ampliadas gerando um grande número de contratos estabelecidos entre o empresariado e os artistas. A Empresa A. Mattos Azevedo, uma entre outras especializadas no entretenimento urbano, administrou os teatros Mignon e Palácio, ambos com intensa programação de cinema, teatro e concertos que ocorriam em sequência, variando entre o palco, a tela e a antessala. A empresa é responsável por contratar a temporada dos Oito Batutas para o Teatro Mignon, entre os dias 05 e 10 de abril de 1921 (A REPUBLICA, 04 abr. 1921). Nessa época a imprensa da cidade divulgou uma intensa regularidade de apresentações de orquestras, blocos carnavalescos, bandas militares e jazz-bands. Os concertos de solistas e de grupos câmera estavam relacionados às atividades desenvolvidas nos espaços dos grêmios e sociedades. Estes, também, regularmente realizavam e saraus. Muita programação também ocorria nos clubes e cassinos. Curitiba fazia parte de um

! 63

de formação jazz-band47, o movimento paranista, derivado do movimento nacionalista brasileiro, e as primeiras transmissões radiofônicas.

3.7.1.

Jazz-bands

A fotografia a seguir, feita na residência de José da Cruz, testemunha a transição ocorrida entre os anos de 1910 e 1920, quando as formações instrumentais dos conjuntos de choro, compostos por flauta transversal, bandolim e violão, adquiriram características jazzband48. Agregando, em sua estrutura, o violino, os instrumentos de sopro e a sessão rítmica, na qual a bateria era protagonista, os grupos procuraram adaptar-se à nova estética instrumental sugerida pela cultura norte-americana. A presença do saxofone soprano, do clarinete e da caixa clara salientam essa influência.49

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! circuito ativo de apresentações e temporadas de shows locais, nacionais e internacionais. Era, e continua sendo, rota obrigatória dos empresários de companhias de teatro, circo, orquestras e demais conjuntos musicais. Seu posicionamento geográfico conectando as regiões sudeste e sul atraiu, durante todo o início do século XX, artistas de diversas localidades. Muitos chegaram a se estabelecer na cidade, acreditando ser um local ideal para viver e trabalhar. A Belle Epoque influenciou as características da cidade desde a virada do século. A arquitetura eclética, o clima úmido e chuvoso, o frio rigoroso do inverno, mas ameno em outras estações, o relevo sinuoso, as gerações ancestrais das famílias de imigrantes europeus, criam a impressão de semelhança com algumas localidades europeias. 47 “Após a primeira Guerra Mundial, cristalizaram-se, a partir da América do Norte, dois elementos fundamentais no crescente setor de lazer dos países do mundo ocidental: o cinema e os salões de dança animados por jazz-bands. Esta nova expressão disseminou-se de tal forma que a década de 20 foi, por chamada obra do escritor Scott Fitzgerald, de Era do Jazz – entendendo-se tal conceito para muito além do jazz como forma musical originária de Nova Orleans, de forma a designar, com considerável abrangência, uma atitude de vida febril, na qual sobrava dinheiro e divertimento.” (MELLO, op. cit., p. 71-72). 48 A curitibana Marilia Giller realiza incessantes revisões históricas da constituição e da atuação das jazz-bands em Curitiba. Ela observou que o “o jazz começa a contornar o cotidiano dos habitantes desta cidade no início da década de 1920” (GILLER, op. cit., p. 85). Segundo suas pesquisas, a Internacional Orquestra foi a primeira a ser constituída na capital paranaense no ano de 1921. Os músicos dessa orquestra foram: Enio Marques, Ruy Leão, Carlos Wolsky, Raul Almeida, João Amaral, Renato Valente, Luiz Requião, Lucidio Correia, Eurides Santos, Osmar Rego Barros, Periles Tourinho (sic), Memilo Soares e Arauto Barros. (A REPUBLICA, 11 de fev. 1921, p. 1). 49 “O “imaginário jazz” (GILLER, op.cit., p. 55) começa a contornar a rotina cultural dos habitantes da cidade paranaense desde o início da década de 1920. Uma notícia localizada em A Republica do dia 24 de janeiro de 1921, relata uma atividade jazzística. A chamada para o baile de carnaval na Sociedade Thalia anuncia a Internacional Orquestra, que, segundo o artigo, fora um “excelente conjuncto de rapazes da nossa melhor sociedade que organizaram um endiabrado Jazz band”. O artigo segue afirmando que esse “é o melhor conjunto no gênero que possuímos e o seu sucesso ontem, no (clube) Thalia, foi completo”. Em fevereiro a orquestra é anunciada como “a primeira e a melhor jazz band das muitas que se tem organizado no Paraná”. (A REPUBLICA, 11 fev. 1921, p. 1).

! 64

Figura 18. Foto tirada no quintal da residência de José da Cruz, localizada na Rua Doutor Pedrosa. Foram identificados José da Cruz, primeiro à esquerda, e Benedicto Ogg ao violino. Curitiba, sem data. Fonte: Arquivo pessoal de José da Cruz.

Existe ao menos uma centena desses grupos em plena atuação no Brasil na década de 2050. A aceitação desse formato pelos músicos populares e pelo público está baseada justamente na escolha do repertório e na forma de arranjar as músicas: tudo eclético, repleto de sonoridades nacionais, regionais e internacionais51. Os bateristas de jazz-band preconizavam o uso de instrumentos de percussão tipificadamente brasileiros – entre eles o pandeiro, o maracá e o reco-reco (cf. figura 20). Portanto, os repertórios das jazz bands marcantemente influenciados pela música brasileira foram constituídos por choros, sambas, marchas e maxixes, de um modo geral, e também por músicas estrangeiras, sobretudo foxtrotes e tangos argentinos. Apesar do influente estilo norte-americanizado das posturas, vestes e arregimentações, no repertório das jazz-bands de José da Cruz o número de músicas nacionais era percentualmente maior.

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 50

As jazz-bands em Curitiba tiveram farta demanda durante as décadas de 20 e 30. GILLER (2013, op. cit., p. 101) destaca dezoito desses conjuntos em plena atividade. Internacional Jazz Band, Curityba Jazz Band, Ideal Jazz Band, Salão Orquestra Elite, Os Piriricas Jazz Band, Jazz Paraná, Curitybano Jazz, Fuzarca Jazz Band, Os Futuristas, Os Foliões Jazz Band, American Jazz Band, Roial Jazz Band, Paraná-Gaúcho Jazz Band, Curitibano Jazz Band, Americano Jazz Band, Cruzeiro do Sul Jazz Band, Record Jazz Band e Oriente Jazz Band. Acreditamos na possibilidade da American Jazz Band e Americano Jazz Band serem o mesmo conjunto, assim como, a Curitybano Jazz e a Curitibano Jazz Band. 51 Destacam-se, no repertório internacional das jazz-bands brasileiras, foxtrotes e tangos argentinos.

! 65

3.7.1.1.

Ideal Jazz Band

Existem registros da Ideal Jazz Band no ano de 1928: o conjunto por ele idealizado atuava em bailes e ocasiões festivas da capital paranaense. Os recortes de jornal, guardados em sua maleta de transporte de partituras, revelam algumas atividades do Ideal Jazz Band. Apesar de bastante deteriorados, os registros apontaram os conjuntos originais52. No dia 06 de agosto de 1928, a diretoria do Gremio Rôse publicou nota agradecendo ao Ideal Jazz band, pela cooperação e pela composição da valsa Gremio Rôse.

Agradecimento – A Diretoria do Grêmio Rose vem imensamente agradecer aos dignos componentes do Ideal Jazz Band a sua cooperação para o brilhante sucesso alcançado no seu festival realizado no dia 4 do corrente no Teuto Brasileiro, bem como agradecer penhoradamente aos mesmos terem dado o nome do Grêmio a uma valsa de sua composição, o que bastante orgulhosos torna os associados e diretores do Grêmio Rose. Curitiba, 6 de agosto de 1928. (recorte de jornal, sem data, anônimo)

Figura 19. Partitura de Grêmio Rose, valsa. Fonte: Arquivo pessoal de José da Cruz.

Não consta a assinatura de José da Cruz em nenhum dos manuscritos da música Grêmio Rôse. Mas esta música aparece com título similar – Rôse – em um caderno com dezesseis partituras manuscritas, quinze delas comprovadamente composições de autoria de José da Cruz. Então cremos na possibilidade de que a valsa Rôse, 16ª composição contida no caderno, seja de autoria do compositor. Ela também consta nos cadernos de Os Bicudos e Iris Jazz Band, portanto optamos por inseri-la no catálogo autoral. !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 52

Durante o período em que a Ideal Jazz Band de José da Cruz atuou com algum sucesso, outras homônimas atuavam no Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná.

! 66

Os recortes jornalísticos sobre a Ideal Jazz Band revelam a frequência de atuação deste grupo em bailes da sua época. “O Dia da Caridade – Os próximos festejos do Dia da Caridade continuam a despertar indizível entusiasmo no nosso público. De toda parte surgem aplausos e apoios ao esforço das distintíssimas damas conterrâneas que estão a frente da organização do programa magnífico. Ontem coube a vez ao excelente “jazz” Ideal, cujos componentes, num jesto que muito os recomenda, se ofereceram para participar das festas, tocando no Passeio Público. A gravura acima reproduz o conjunto do Ideal Jazz-band, que vão concorrer lindamente para os grandes festejos do dia 12 de outubro”. (GAZETA DO POVO, 23 set. 1928, p. 3). “Simplesmente magnífica, foi a festa realizada ante-ontem pelo Graciosa Country Club, na parte já construída de sua nova sede, que será em pouco tempo uma das melhores instaladas em nosso país. Festa organizada com o máximo capricho pela diretoria daquele fidalgo clube, contando com um maravilhoso programa arquitetado pela cabecinha pensante e inteligente da distinta senhorita Maria Luiza Navarro, atingiu, posso dizer, as raias da sensacionalidade, pelo cunho artístico de que se revestiu e pela tão numerosa quão seleta assistência que lá esteve. Constava do vasto programa uma parte esportiva, onde predominou a originalidade que a todos satisfez. Terminada esta, que teve início precisamente as 14 horas, começou o desenrolar da parte artística, para cujo brilhantismo muito concorreu o esforço e a boa vontade das distintas professoras Felice Clory e Olenca Micocheski. [...] Durante os intervalos destes números, e ao som do magnifico jazz-band “Ideal”, incontestavelmente um dos melhores que possuímos na época presente [...]” (PASCHOAL, sem data).

O repertório contido nos cadernos das jazz-bands de José da Cruz aponta influências variadas. Os programas de bailes contêm trilhas sonoras cinematográficas, músicas registradas em 78 rpm, composições de músicos curitibanos, músicas editadas na época, entre outras. A partir dos anos 30, o repertório dos grupos de José da Cruz começa a espelhar o repertório radiofônico, sobretudo peças de autores irradiados pela Rádio Clube Paranaense P.R.B.2 (1924) e pela Rádio Nacional P.R.E.8 (1936). A estética destas influências refletia provavelmente a escolha da instrumentação e as características das orquestrações.

Quadro 13. Repertório recuperado da Ideal Jazz Band.

1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11.

Título Acorda escola de samba Amor filmado Aqueles olhos verdes Bandeirantes Bataclan Bloco Ideal Britania Sport Club Caboclo Velho Cadê o pandeiro? Caramurú Como vae você?

Autor NC NC NC José da Cruz José da Cruz NC NC José da Cruz NC José da Cruz NC

Gênero samba fox blues fox rumba marcha marcha marcha (carnaval) marcha (futebolística) choro samba fox swing médio marcha (carnaval)

! 67

12. 13. 14. 15. 16. 17. 18. 19. 20. 21. 22. 23. 24. 25. 26. 27. 28. 29. 30. 31. 32. 33.

Coritiba Foot Ball Club Criadinhas Francezas El Amanhecer Eu e você Flor de Abril Gremio Rôse Guenta o pinho Helio Club La Cumparsita Lágrimas de virgem Lig-Lig-Lig-Lé Manaos Menina Meu padecer Minha maior illusão Mocidade Curitibana Moreno Nem no 7º dia No taboleiro da baiana O bamba O Chopim O Guarani

34.

Orvalho de lágrimas

35. 36. 37. 38. 39. 40. 41. 42. 43.

O Sabiá Pegue o Banjo Primeira mulher Salve Ella Tangará Toma geito rapaz Um Vintém de Jaca Victoria Vira prá cá

José da Cruz Hormindas Oliveira R. Firpo NC José da Cruz José da Cruz José da Cuz Hormindas Oliveira M. Rodriguez NC Horminda Oliveira Horminda Oliveira José da Cruz NC José da Cruz NC NC NC E. Silva José da Cruz José da Cruz NC (Candinho do trombone?) José da Cruz José da Cruz não identificado NC NC NC Carlinhos N. Araujo NC

marcha (futebolística) choro maxixe tango samba valsa valsa choro fox trot tango argentino valsa? marcha chinesa fox trot fox trot schottish samba valsa choro samba marcha samba jongo choro ranchera fox valsa fox schymmi samba samba samba batucada marcha samba fox trot choro marcha (carnaval)

Fonte: Partituras da Ideal Jazz Band, arquivo pessoal de José da Cruz.

&! %!

"#!

'()*('! )(+,-('! ./01+/12'!

%!

,-/+/'! 3(4'('! $!

"#!

1(56/'!

Gráfico 3. Quantidade de gêneros recuperados da Ideal Jazz Band

! 68

No repertório recuperado da Ideal Jazz Band constam 10 sambas, 10 marchas, 9 fox’s, 5 choros, 5 valsas, 2 tangos, 1 schottisch e 1 rancheira.

Figura 20. Ideal Jazz – Sinfônico. Curitiba, 1928? Da esquerda para direita. Em pé: José da Cruz (saxofone), não identificado (trompete), Álvaro Lantman (violinofone), Joaquim (trombone), Arnaldo (saxofone), não identificado (souzafone) e não identificado (banjo). Sentados: Oscar Martins da Silva (banjo), Sadi (bateria) e Emílio Amodio (banjo) Fonte: Arquivo pessoal de José da Cruz e arquivo Áquila Nicz.

A instrumentação da Ideal Jazz Band, na ocasião do registro fotográfico acima, está constituída por um violinofone, um trompete, um saxofone alto, um saxofone tenor, um trombone, um souzafone, três banjos e uma bateria.53 Há possibilidade de o saxofone empunhado por Cruz ser melody, ou seja, afinado em dó. Além disso, destaca-se a presença de instrumentos de percussão – um reco-reco, um pandeiro, um maracá, blocos sonoros e um triângulo; na frente do cone tricolor há uma harmônica. Os cones eram utilizados por anunciantes e cantores, pois amplificavam a potência sonora das vozes.

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 53

A fotografia do grupo foi reconstituída a partir de duas unidades fotográficas distintas. No arquivo pessoal de José da Cruz constava a imagem, porém, completamente deteriorada na parte inferior. Após a publicação da foto no blog Curitiba Fragmentos Musicais, surgiu a senhora Áquila Nicz, neta do banjoísta Oscar Martins da Silva, que tinha, em sua residência, a mesma foto, porém deteriorada na parte superior. Juntando estes dois arquivos, foi possível a reconstituição integral dos elementos presentes na imagem. (GILLER, op. cit., p.212)

! 69

Nos arranjos produzidos para a Ideal Jazz Band, além dos instrumentos registrados nessa imagem encontramos flauta, clarinete, corneta, 2º saxofone tenor melody e 2º trompete. Na década de 40, José da Cruz reaparece com a Ideal Jazz Band, com outra formação e músicos completamente diferentes, incluindo seu filho, Francisco Cruz, ao violino.

Figura 21. Capa do invólucro para arranjos da Ideal Jazz-Band, sem data. Fonte: Arquivo pessoal de José da Cruz.

3.7.1.2.

Iris Jazz Band

A Iris Jazz Band também foi criada e dirigida por José da Cruz. Na capa de uma partitura de arranjos encontra-se grafada, a lápis, a data 1935, fato que nos leva a crer ter sido esta a época em que o grupo desempenhou suas atividades. O repertório recuperado é o seguinte:

Quadro 14. Repertório recuperado da Iris Jazz-Band.

1. 2. 3. 4. 5. 6.

Título 21 de abril Alvorada da Glória Criadinhas Francezas Dinah E do barulho Madrid

Autor José da Cruz NC H. Oliveira José da Cruz NC Zequinha de Abreu

Gênero marcha marcha choro maxixe valsa marcha marcha

! 70

7. 8. 9. 10. 11. 12. 13. 14.

Manaos Menina Mexicanita Rôse Té... Já... Vai ou Arrebenta Visão dum Sonho Tristes Recordações

Horminda Oliveira Hormindas Oliveira NC José da Cruz NC José da Cruz José da Cruz José da Cruz

fox trot fox trot marcha valsa marcha marcha valsa valsa

Fonte: Arquivo pessoal de José da Cruz.

"! &! )(+,-('! 7!

3(4'('! ./01+/12'! ,-/+/'!

8!

Gráfico 4. Quantidade de gêneros recuperados da Iris Jazz Band

3.7.2.

Nacionalismo - Regionalismo - Ruralismo - Paranismo

Veremos agora que, nas décadas de 10 e 20, divulgou-se, no âmbito da música popular brasileira, o que era designado como sertanejo e caipira. Este foi um movimento urbano de exaltação à simbologia rural, não apenas sonora, mas da tipificação de vestimentas e da linguagem54. MORAES (2000) relaciona as atividades de alguns conjuntos que adotaram as características sertanejas no fazer artístico: Grupo do Caxangá, Turunas Pernambucanos, Turunas da Mauricéia (atuando no início dos anos 20) e o Bando dos Tangarás, os Chorões !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 54

“[...] na década de 10 vicejou uma espécie de “moda sertaneja” na capital do país. As temáticas do homem do sertão, as referências às belezas naturais, as recordações de um tempo melhor e do ambiente bucólico, com ritmos alegres e soltos (como as emboladas) proliferaram pelo Rio de Janeiro [...] Saindo dos padrões convencionais esperados pela intelectualidade modernista e tradicional, as referências rurais se preservavam de modo bastante variado, sobretudo ao transformar-se, muitas vezes confundindo-se e misturando-se com as novidades urbanas, para produzir algo diferenciado e inovador, distante, portanto, dos modelos indicados pela alta intelectualidade como por certa boêmia. Apontando para uma perspectiva diferente da mera preservação da cultura rural, as tensões, conflitos e convergências entre as culturas populares rurais e urbanas estabeleceram, principalmente em São Paulo, uma nova combinação social e cultural, que seria bastante aceita pela população pobre dos grandes centros e que o mercado fonográfico e radiofônico em expansão soube captar muito bem”. (MORAES, op. cit., p. 237-240).

! 71

Sertanejos e os Turunas Paulistas (no final desta mesma década). Muitos desses artistas fizeram temporadas de shows em Curitiba; entre eles, a dupla Jararaca e Ratinho55. Não necessariamente nesta década, mas influenciado pelo modismo sertanejo, José da Cruz reserva uma parte do programa do repertório do Conjunto Musical Bando Alegre José da Cruz e seus solistas, para compilar algumas “batucadas sertanejas”. As peças musicais constam no caderno de partitura para saxofone tenor melody.

Figura 22. O Cará, batuque. Bando Alegre – José da Cruz e seus solistas. Curitiba, sem data. Fonte: Arquivo pessoal de José da Cruz.

Os elementos de característica rural, sertaneja, tradicional, foram amplamente utilizados como matéria-prima pelos compositores que buscavam as sonoridades tipicamente brasileiras. Em suas obras, fossem elas composições para bailes ou peças para concerto, foi comum o uso de elementos característicos da cultura rural. Elizabeth Travassos observou que “autores como Nepomuceno, Alexandre Levy e Brasílio Itiberê da Cunha, nascidos em meados do século XIX e considerados precursores do nacionalismo, serviram-se da citação e dos títulos evocativos da cultura musical popular” (TRAVASSOS, 2000, p.37). Mas quais são os elementos simbólico-sonoros dessa cultura musical popular?

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 55

Em 1928 a “moda sertaneja” observada por MORAES (2000) continuava em voga na capital paranaense. Em Curitiba, a dupla Ratinho e Jararaca concorreu com sucesso aos espaços de entretenimento, agradando amplo público na capital paranaense. “Quando se anunciou a próxima vinda a esta capital, dos aplaudidos artistas brasileiros Ratinho e Jararaca, logo se criou uma atmosfera de expectativa em torno da sua anunciada temporada. Mas quem são estes artistas para determinarem uma tão sólida corrente de simpatias da parte do público? Um deles é o saxofonista admirável que sabe empolgar as platéias diante da magia do seu instrumento. É o Ratinho. O outro é intérprete da poesia e da música regionais [sic], o criador de lindas emboladas sertanejas, é o Jararaca. Ambos tem recebido da platéia do Palácio, de toda essa formidável multidão que tem acorrido [sic] a aplaudí-los, as palmas merecidas e entusiásticas que reboam [sic], uníssonas, nestas noites de vitória, na grande casa de diversões da Empresa Mattos de Azevedo”. (GAZETA DO POVO, 07 out. 1928, p. 6).

! 72

Tanto a música de concerto como a música para bailes, radiofonia e gravações, estavam a todo o instante valorizando os elementos nacionais, através do uso melódico, rítmico e harmônico que os identificava56. Elizabeth Travassos, à luz das reflexões de Mário de Andrade, defendeu:

“A racionalização da estética nacionalista pode ser sintetizada em cinco proposições: 1) música expressa a alma dos povos que a criam; 2) a imitação dos modelos europeus tolhe os compositores brasileiros formados nas escolas, forçados a uma expressão inautêntica; 3) sua emancipação será uma desalienação mediante a retomada do contato com a música verdadeiramente brasileira; 4) esta música nacional está em formação, no ambiente popular, e aí deve ser buscada; 5) elevada artisticamente pelo trabalho dos compositores cultos, estará pronta a figurar ao lado de outras no panorama internacional, levando sua contribuição singular ao patrimônio espiritual da humanidade. Essas ideias de Mário foram expostas no Ensaio sobre a música brasileira, verdadeiro manifesto do modernismo nacionalista, inspirado na lição de Manual de Falla, Segundo quem a única maneira de fazer música universal era fazer música “regional” (id.ibidem, p. 33-34).

Alguns reflexos nacionalistas, carregados de regionalismos, estão evidentes nas composições, arranjos e conjuntos musicais de José da Cruz. A sua ascendência – de imigrantes poloneses por parte dos avós maternos, e luso-indígena por parte do avós paternos – contribuiu para sua inspiração. Em homenagem aos avós paternos, Cruz compôs uma toada intitulada Murmúrios do Itambé. Apesar de não haver qualquer registro desta composição em seu arquivo pessoal, Odah Teresinha Cruz, sua filha, cantora e intérprete das músicas do pai durante a década de 40, relembrou-lhe integralmente a melodia e a letra. Segundo Odah, a música narra o episódio do encontro dos seus bisavós, na localidade de Itambé, atual região metropolitana da cidade de Maringá no estado do Paraná.

MURMÚRIOS DO ITAMBÉ (música e letra de José da Cruz)

Lá no Itambé em as noites de luar, ia um índio enamorado sua amada visitar. Ela então o esperava anciosamente, com seu coração fremente, com o fervor de sua paixão.

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 56

Na década de 10, Heitor Villa-Lobos compôs diversas peças musicais – fazendo uso de sua observação das culturas tradicionais do Brasil – entre as quais Brinquedo de Roda de 1912. E foi na década de 20 que a exaltação aos elementos de cultura popular brasileiro teve o seu apogeu. O movimento nacionalista em música, mais do que nunca excitava os compositores a “pinçarem” elementos folclóricos das culturas brasileiras para as suas produções individuais. Luciano Gallet publicou em 1924, um álbum de canções populares harmonizadas, mas “defrontou-se com as dificuldades de tratar artisticamente o folclore” (id. ibidem, p.47).

! 73

Juntos então descreviam a canção, em que expressa a imensidade das belezas do sertão. E finalmente resolveram a questão, entoando alegremente a canção do seu Rincão.

3.7.2.1.

Paranismo em música

No final de 1927, na plena mocidade de José da Cruz, Romário Martins encabeça e promove oficialmente o Movimento Paranista.57 Este movimento incentivou uma série de artistas a utilizarem simbologia paranaense em suas obras. Em música, essa singularidade foi aplicada a aspectos melódicos, rítmicos e harmônicos, que podem ser reconhecidos desde os títulos característicos das peças musicais58. O compositor Bento Mossurunga (1879-1970), considerado adepto do movimento pelo pesquisador Gustavo Pereira59, declarou que utilizava como ferramenta – no processo composicional de suas obras, de característica paranista – lembranças auditivas dos temas musicais de sua infância60. Mossurunga recupera sua memória auditiva de fandangos e de outro ritmo, que denominou “aquele ritmo africano”, e que supomos ser o batuque.61 (PEREIRA, 2005, p.12). Em sua dissertação, PEREIRA (2005) transcreve trechos da entrevista concedida pelo Maestro à pesquisadora Roselys Roderjan em 1969. !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 57

“[...] o Movimento Paranista terá o sonho de inventar o Paraná, de criar um sentimento de pertencimento a uma terra. Para tal vai se valer não somente de sua boa relação com o Governo local, mas, particularmente, terá o apoio e engajamento de toda a intelectualidade paranaense do período, seja ela dos jornalistas, historiadores,ou poetas, artistas plásticos e outros [...] Assim, para os adeptos de tal Movimento, o termo paranista apresentaria até mesmo um cerne telúrico, de expressão espontânea, sem qualquer resquício de xenofobia, mas que pretenderia abarcar toda a heterogeneidade étnica e cultural do Estado [...] O papel do Movimento Paranista será, portanto, o de forjar uma identidade regional, com base nos ideais de progresso e ciência, em uma construção absolutamente ufanista que fará o elogio da terra paranaense, seja identificando sua geografia como o Paraíso Terrestre, seja na promoção dos heróis estaduais que tentam criar um exemplo didático para a população [...] Um dos campos priviligiados para a construção de uma identidade regional será a construção de um discurso histórico para o Estado do Paraná, a busca de um ponto zero que faça com que a população se identifique com um passado em comum. Era preciso forjar as tradições paranaenses e a historiografia será um dos instrumentos para tal construção”. (PEREIRA, 1998, p. 74;83;88;91) 58 As ambições essencialmente regionalistas do Movimento Paranista estimulavam o uso de elementos sonoros tradicionais. Por sua vez, o tratamento do material sonoro regional já havia sido utilizado por Brasílio Itiberê da Cunha. Suas práticas pioneiras neste contexto, provavelmente relembrando “marcas” de fandangos ouvidos em sua infância e juventude na cidade de Paranaguá, resultaram, em 1869, na produção de A Sertaneja - opus 15 Fantasia Característica sobre temas brasileiros. Alguns elementos musicais que caracterizam esta fantasia estão evidentemente presentes nas “marcas” ancestrais do fandango paranaense, ou mesmo no batuque de negros, já apontados pelo compositor Vieira dos Santos na década de 1820. (SANTOS, 2002, p. 55). 59 PEREIRA, Gustavo. Bento Mossurunga e o movimento paranista: estudo histórico-analítico das obras para canto e piano e piano solo compostas nas décadas de 1930, 40 e 50. Dissertação (Mestrado em Música), Instituto de Artes, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2005. 60 Bento Mossurunga utilizou em Trova Rústica de 1929, elementos da marca conhecida por Marinheiro , ritmo tradicional do fandango do Paraná. (PINTO, sem data, p. 15) 61 A reminiscência de Mossurunga em Castro, apontando o fandango e o “ritmo africano”, revela também similaridades com os gêneros musicais praticados nos salões de dança em Paranaguá, no início do século XIX (SANTOS, op.cit.).

! 74

Roderjan: Maestro, no tempo da sua infância ou da sua juventude em Castro, o senhor teve oportunidade de ouvir música? Maestro: Sim. Havia duas bandas. Então, aos domingos, se apresentavam do outro lado da ponte. Fazendo retretas muito concorridas pelo público da cidade. […] Roderjan: Havia outras festas populares onde a música estava presente, por exemplo, festas juninas? Maestro: Sim, havia festas juninas que em geral se realizavam com grande afluência do outro lado da ponte na casa da Marcelina, onde se reuniam os violeiros e os africanos, fazendo fandango, cantando, dançando, com aquele ritmo africano. Roderjan: O senhor aproveitou esses ritmos e essas músicas, esses temas musicais, melodias, ouvidas na sua infância, na sua produção musical posterior? Maestro: Principalmente quanto ao ritmo, não é. A gente sempre guarda. Assim como também naquelas ocasiões havia, no tempo das eleições, apresentação dos violeiros. E era então interessante e a gente acompanhava o desenvolvimento das reuniões aonde aparecia coisas interessantes em música, não só quanto ao ritmo como quanto à melodia. (RODERJAN, 1969).

O historiador Luis Fernando Lopes Pereira62 analisou o movimento paranista e constatou a preocupação e a disposição deste movimento em “desenvolver estudos e criar Conselhos no sentido de tentar preencher a falta de uma identidade paranaense e a precariedade da vida cultural, social e política do Estado” (PEREIRA, op.cit., p.73)63.

3.7.2.2.

Caboclo Velho: composição paranista? Passemos a observar um trecho de Caboclo Velho, que, segundo José da Cruz, é um

choro estilo paranaense. Provavelmente resultante da influência ideológica paranista, este choro encontra-se no repertório da Ideal Jazz Band e do Conjunto Regional de José da Cruz. Acreditamos que tenha sido composto no início da década de 30.

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 62

PEREIRA, Luís Fernando Lopes. Paranismo: o Paraná inventado. Cultura e imaginário no Paraná e na I Republica. Curitiba: Aos Quatro Ventos, 1998. 63 A proposta do Movimento Paranista, sugeriu, portanto, a criação da narrativa de um passado, em busca de um marco zero, seus símbolos, ícones e mitos. O conceito paranista deveria, inclusive, explorar os aspectos da biodiversidade, sobretudo social, da região do Paraná.

! 75

Incipit 5. Caboclo Velho, choro estilo paranaense de José da Cruz.

2.7.2.3 O Canto do Sabiá - Conduta nacionalizante?

Segundo as lembranças de Odah Teresinha, outro hábito de seu pai era imitar os diversos tipos de pássaros, pelo assovio e na flauta. Divertia-se em diálogos melódicos com essas aves, no quintal de sua casa, buscando inspiração. Este hábito, somado ao fato de José da Cruz tocar flautim, condicionou os seus amigos a apelidarem-no de Sabiá. O apelido “pegou”, e o compositor o adotou. O canto do sabiá também lhe serviu como inspiração e matéria-prima para um fox chamado O Sabiá. A pesquisadora Marilia Giller realizou pesquisas sobre a influência do canto desse pássaro no desenvolvimento deste foxtrote shimmy64.

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 64

GILLER, Marilia. O jazz no Paraná entre 1920 e 1940: um estudo da obra “O Sabiá”, foxtrote shimmy de José da Cruz. [Dissertação de mestrado]. Curitiba: Programa de Pós-Graduação em Música, Universidade Federal do Paraná, 2013.

! 76

Figura 23. O Sabiá (detalhe) - José da Cruz, sem data. Fonte: arquivo pessoal de José da Cruz.

“O canto dos pássaros compreende um modelo original nesta melodia; as apogeaturas que marcam notas no início e final da frase possibilitam uma compreensão dos contornos melódicos, e contribuem para a especificidade do canto do sabiá” (GILLER, op. cit., p. 140).

O SABIÁ (música e letra de José da Cruz)

1º solo Lindo Sabiá!.. Venhas aqui cantar, Chegues bem pertinho; Quero-te apreciar!.. Digas o que sentes, Não te vou matar; Quero te ver sossegadinho, Fazer aqui teu ninho, Prá viver e aqui morar! (Fugiu?!.)

2º solo Lindo Sabiá!.. Volte outra vez cantar,

! 77

Chegue aqui pertinho; Quero te acariciar!.. Venhas sim? Me atenda Não te vou pegar, Só quero ver-te alegremente; Bem livre e te amar

Côro Sabiá, sabiá!.. Quisesses tu expressar; Enfim, soltar; Teu canto lindo ao ar… Sabiá, sabiá!.. Pudesses sorrir ou falar?.. Farias subir até o mar, Aqui prá te escutar!..

3.8.

ATUAÇÃO EM ORQUESTRAS

Atuando em bandas e orquestras como flautista, José da Cruz figurou em importantes teatros de relevância no contexto artístico nacional – entre eles o Teatro Nacional do Rio de Janeiro e o Teatro Álvaro de Carvalho em Florianópolis. Na capital catarinense foi integrante da Orquestra da Cia. de Operetas Clara Weiss em 1927; na capital federal atuou sob a regência de Romualdo Suriane como integrante da Banda da Força Militar do Estado do Paraná em 1930.

3.8.1.

Companhia de Operetas Clara Weiss

No ano de 1927, José da Cruz remete, de Florianópolis, três cartões postais: dois deles para sua esposa, e um para sua mãe. Nesses cartões, dá notícias do trabalho que estava realizando em um teatro da cidade, comenta sobre sua rotina e faz referências aos lugares frequentados.

Florianópolis, 17-10-1927. Q. Carolina. Saudades. Recebi tua estimada cartinha de 13 corrente. Fiquei imensamente contente pelos motivos que me destes. Queira escrever-me sempre que tenhas tempo porque passo uma vida aborrida aqui, pois já não tenho mais onde ir passear já vi a cidade toda e não posso mesmo acostumar-me longe de casa, seja onde for. Eu creio que até o dia 25 estarei ai se Deus quiser.

! 78

Muito sucesso não temos feito aqui porque as músicas são bárbaras para se executar. O maestro é muito brabo pois já despediu um dos músicos que veio comigo e outro daqui e eu ando arranhando também, é barbaridade de dificuldades. Enfim tenho fé em Deus que não me acontecerá nada. Lembranças e beijos. Janguta (CRUZ, 17 out. 1927).

Figura 24. Postal de Florianópolis. Enviado a Carolina Cruz em 17 out. 1927. Fonte: Arquivo pessoal de Carolina Amodio Cruz.

Figura 25. Rua Frei Caneca. Florianópolis, 2014. Fonte: Google maps.

No parte frontal deste cartão lê-se “Onde está X é que tomo meus cafés”. Trata-se da Padaria de João Basilia Pires, na rua Frei Caneca, 181. A identificação foi possibilitada porque, aumentando a visualização da foto, destacou-se a placa do estabelecimento. Encontramos a confirmação do endereço da padaria no jornal catarinense Republica, do dia 14 de agosto de 1931. O logradouro ainda existe, assim como algumas das construções da época. O sobrado onde se localizava a padaria foi demolido. Na fotografia do postal remetido a sua mãe, José da Cruz escreve “Hotel onde eu moro” – o que confirma, novamente, que passou uma temporada na região de Florianópolis. Atualmente, no local onde estava o hotel existe a Praça Fernando Machado – nome de um militar destacado na Guerra do Paraguai, cuja estátua, visível à direita na foto, ali permanece até os dias atuais.

Florianópolis, 17-10-1927. Q. Mamãe. Esta fotographia mostra a agência do Lloyd Brasileiro pegado uma grande casa de ferragens e o hotel onde estou […] Este lado da cidade é muito triste. Lembranças. Seu filho Janguta. Exma Srª Maria D. Cruz. Rua Dr. Pedrosa 207. Corityba. (CRUZ, 17 out. 1927).

! 79

Figura 26. Postal enviado de Florianópolis para a mãe, Maria Durski da Cruz. Fonte: Arquivo pessoal de José da Cruz.

Ainda em 17 de outubro de 1927, Cruz remete um segundo cartão a sua esposa Carolina, desta vez apontando a localização do teatro em que a orquestra, à qual fez referência no primeiro cartão postal, se apresenta.

Florianópolis, 17-10-1927. Querida Carolina. Estimo tua saúde, junto com as crianças e os mais. Eu vou passando regularmente, porém com muitas saudades de casa, pois não me acostumo fora de casa nem comendo doces. Estou ancioso para que chegue o dia de irmos embora. Saudades de teu velho que te estima. Janguta. PS. Esta vista foi tirada de noite, a marca que eu fiz com um traço indica o teatro onde estamos trabalhando, é uma casa branca grande no centro do panorama. (CRUZ, 17 out. 1927).

Figura 27. Postal enviado a esposa Carolina. Fonte: Arquivo pessoal de Carolina Amodio Cruz.

! 80

Observando com atenção as características do teatro e sua localização, podemos afirmar que se trata do Teatro Alvaro de Carvalho. No primeiro plano da fotografia é possível distinguir o Hospital Lara Ribas da Polícia Militar; e, pelo ângulo em que a foto foi feita, deduzimos que tenha sida batida do alto do Morro da Cruz. Através da imagem seguinte, feita via satélite, e com os recursos de aproximação disponíveis, foi possível identificar os elementos da paisagem fotográfica enviada por José da Cruz.

Figura 28. Foto via satélite da cidade de Florianópolis. Destaca-se a indicação A para o Teatro Alvaro de Carvalho. Fonte: Google maps.

Mas qual seria o trabalho de José da Cruz nessa ocasião? – A resposta encontra-se no periódico Republica, impresso em Florianópolis. Além de alguns concertos de uma “jovem pianista” chamada Maria de Lourdes Madeira (REPUBLICA, 5 out. 1927), as únicas atrações deste teatro durante o mês de outubro foram aquelas da Companhia de Operetas Clara Weiss. Os espetáculos foram contratados pelo empreendedor Paschoal Simone. Quadro 15. Programa da Cia. Clara Weiss em Florianópolis, outubro de 1927. Título

Autor

Frasquita

Franz Lehar

Paganini

Franz Lehar

Casa das Três Meninas

NC

Princeza das Czardas

E. Kalmann

Katya, la Ballerina

Jean Gilbert

Regência Olympio Gargano Ernesto Lahoz Olympio Gargano Olympio Gargano Olympio Gargano

Data 11.10.1927 12.10.1927 14.10.1927 18.10.1927 23.10.1927

Fonte REPUBLICA, 14 out. 1927, p. 2 REPUBLICA, 14 out. 1927, p. 2 REPUBLICA, 16 out. 1927, p. 3 REPUBLICA, 20 out. 1927, p. 4 REPUBLICA. 25 out. 1927, p. 3

! 81

No primeiro postal remetido (figura 24), se observarmos o texto com atenção, Cruz afirma que “muito sucesso não temos feito aqui porque as músicas são bárbaras para se executar”. Constatamos que essa informação coincide com a descrição feita por um jornalista que presenciou as características instrumentais da opereta Paganini, de Franzs Lehar. “Abundam melodias descritivas, ricas de ritmos, de modulações e de tonalidades, refinadamente trabalhadas, na galhardia de lavores primorosos, exigindo dos cantores grande habilidade e recursos vocais e as vezes, não pequenos sacrifícios […] A partitura de Paganini cheia de graves responsabilidades exige grande orquestra para os seus maravilhosos efeitos melódicos. Não podemos exigir mais do conjunto existente, do qual fazem parte numerosos musicistas do nosso meio, entretanto pela primeira vez partituras como a de Paganini, onde as dificuldades técnicas crescem de motivo a motivo.” (REPUBLICA, 14 out. 1927, p. 2) “Não se justifica, às vezes, a fraca concorrência aos espectadores da excelente Companhia Italiana de Operetas, Clara Weiss que está trabalhando no Teatro Alvaro de Carvalho […] Não é nada explicável que o “Circo Dudú”, com as suas palhaçadas levasse cerca de 60 contos de Florianópolis, ao passo que a Companhia Clara Weiss, com despezas enormes das suas instalações luxuosas, tenha quase todas as noites meia casa, se tanto…” (O.R, 20 out. 1927, p. 4).

3.8.2.

Banda da Polícia do Paraná José da Cruz atuou como “flautista da Banda da Policia Militar do Paraná, inclusive

acompanhando a Banda ao Rio de Janeiro, na Revolução de 1930” (ANÔNIMO, sem data, p. 1). A Banda de Música da Polícia Militar do Paraná65 era regida na época por Romualdo Suriane, um importante maestro que figurou entre os mais apreciados em seu tempo. O agrupamento viajou para a capital federal com a missão de realizar concertos durante eventos que compunham a série de solenidades organizadas a partir da posse de Getúlio Vargas. O concerto principal foi realizado pela banda durante a Cruzada Feminina do Brasil Novo, no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, no dia 25 de novembro de 1930; foi organizado “em !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 65

“A criação de Banda de Música da Força Policial do Paraná foi instituída pelo parágrafo 22 da Lei n. 30 de 12 de março de 1857, decretada pela Assembleia Legislativa Provincial e sancionada pelo vice presidente da província, José Antonio Vaz de Carvalhaes (A REPUBLICA, 13 jun. 1857, p. 1). No mês de outubro do ano referido, o presidente do Província "mandou adicionar a carga da Companhia de Policia [...] os seguintes instrumentos e utensílios: 4 clarinetes de dez chaves, 1 clarinete de treze chaves, 1 flautim, 2 trompetes, 4 saxeskornes [sic], 2 tambores, 2 oficleides, 1 bombo, 1 caixa de rullo, 1 par de pratos, 1 triângulo, 1 árvore de campa [sic], 3 portes, 3 bocais, ! resma de papel para música, 12 palhetas para clarinetes, 10 peças musicais, 5 escalas para instrumentos, 3 compêndios e 1 estante de pinho". (A REPUBLICA, 18 ago. 1909, p. 2). Mas foi apenas em julho de 1861 que de fato a banda foi constituída. A estréia ocorrera nas festividades do dia 07 de setembro daquele ano. "Eis os nomes dos cidadãos que se alistaram para constituir esse pequeno grupo de artistas que, sob a competente direção do professor Bento Antonio de Menezes, tanto sucesso deveria colher no correr dos tempos. São eles: Americo dos Santos Moraes, Prudente Antonio do Nascimento, Antonio José D'almeida Bicudo, Manoel Ephigenio dos Santos, Manoel Antonio Fabricio, Manoel do Nascimento e Souza, Francisco Alves Pereira Martins, Alexandre José D'almeida e Clarimundo José da Silva" (id. ibidem, p. 3). Este último também fora regente deste agrupamento, posteriormente à regência de Bento de Menezes. A Banda da Força Policial durante toda a metade do século XIX apresentava-se em grande parte das festividades e comemorações da cidade.”

! 82

homenagem a Mulher Brasileira, na pessoa da exma senhora Getúlio Vargas” (A ESQUERDA, 1930, p. 1). O artigo afirma que “todos os números deste programa foram transcritos para banda pelo maestro Romualdo Suriane” (id. ibidem). O programa de concerto anunciado foi o seguinte:

Quadro 16. Programa de concerto da Banda da Força Militar do Paraná. Título

Autor 1ª parte

A estrela do Brasil, op. 8 Minueto em Dó Maior Prelúdio op. 22 Série Brasileira – a. Alvorada na serra; b. Intermédio; c. A Sesta na rede; d. Batuque.

H. de Mesquita J. I. da Cunha J. I. da Cunha Alberto Nepomuceno 2ª parte

Marabá (Poema sinfônico – temas brasileiros) a. Confidencia – b. Valsa lenta – c. Serenata antiga – d. Romance Fosca

F. Braga C. Gomes

Fonte: A Esquerda, 25 nov. 1930, p. 1 – Rio de Janeiro. Hemeroteca digital brasileira.

Em 19 de novembro de 1930, o Correio da Manhã confirma para o dia seguinte uma apresentação da banda no Jardim da Glória. Seis números constituíam o programa.

Quadro 17. Programa de concerto da Banda da Força Militar do Paraná. Titulo Le Maschera (sinfonia) Oro do Rheno (entrada dos deuses) Canto regional Abruzzos Bohéme (3º ato) Gioconda (recitativo e dança das horas) Salvador Rosa (protofonia)

Autor P. Mascagni R. Wagner C. de Nardis G. Puccini A. Ponchielli C. Gomes

Fonte: Correio da Manhã. Rio de Janeiro, 19. nov 1930, p. 1.

Portanto, além dos repertórios das partituras, das transmissões radiofônicas, dos sucessos dos cinemas, da produção musical curitibana, podemos, através dos programas de concerto de que José da Cruz participou, saber um pouco mais sobre a sua vivência musical.

3.8.3.

Ensaios e produção de partituras

O autor Albert McCarthy (1971) definiu, com a expressão The Dance Band Era, a época entre os anos de 1910 e 1950. De fato, grande parte da produção de José da Cruz é

! 83

constituída por arranjos e repertórios para bailes, apresentações radiofônicas, concertos, saraus domésticos e indícios de repertório apontam a provável aparição em salas e antesalas dos cinemas curitibanos. Influenciado pela música de concerto, das trilhas cinematográficas, dos bailes, dos festejos, das gravações66, dos saraus e das partituras impressas e manuscritas a que teve acesso, José da Cruz viveu o auge da sua mocidade e produtividade. Durante toda a década de 30, a sua residência era ponto de encontro para músicos das mais variadas formações. Lá ocorriam rodas de choro, saraus e ensaios dos grupos por ele regidos. Odah Teresinha Cruz Tareszkiewicz, a filha mais nova, relembrou que, durante a produção manuscrita, as composições e arranjos estendiam-se, frequentemente, no chão da sala, secando uma ao lado outra67, e ocupando grande parte do ambiente. E ficava proibida a circulação dos filhos ali, durante o período de secagem. Do seu trabalho como compositor de gêneros populares, o que gerou maior rentabilidade para José da Cruz foi sua participação nas ocasiões festivas: carnaval, festas juninas e bailes. Vera Santa, a quarta filha, relembrou algumas ocasiões em que ela e o irmão saiam a chamar os músicos para os ensaios. Nesse tempo eles eram convocados de porta em porta. “Nós tínhamos uma sala de jantar muito grande. A casa em que morávamos era muito bonita, uma casa grande. E na sala de jantar.. (pensando) e na área também, quando tinha alguma noite muito quente, eles iam [ensaiar] na área. Ali eles faziam as reuniões e eu com o meu irmão, que se chamava Francisco, éramos encarregados de avisar os músicos para virem para o ensaio. Então tinha um que morava lá no Campo da Cruz, outro que.. (pensando) era longe né? Meu pai dava o endereço e nós íamos avisar os músicos, eu lembro de alguns até”. (WADOUSKI, 2012)

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 66

As gravações, a cada dia mais sofisticadas, funcionaram como um importante veículo de trânsito de repertórios, tanto para os possuidores de toca-discos quanto para as rádios que passaram a fazer o uso constante deles. Segundo a pesquisadora Camila Koshiba, em 1924 ocorreu uma verdadeira “revolução nos hábitos humanos de escuta musical” (GONÇALVES, 2013, p. 8). “Talvez a maior revolução nos hábitos humanos de escuta musical, foi o surgimento da gravação elétrica, em 1924 [...] Viabilizada pelas pesquisas em telegrafia sem fio para fins militares durante a 1ª Guerra Mundial, a gravação elétrica foi introduzida como reação à crescente concorrência do rádio [...] Em seus estágios iniciais, o rádio representou uma ameaça à indústria fonográfica, porque oferecia melhor qualidade de reprodução a um custo melhor. Mas isto durou pouco tempo. Uma vez introduzidas gravações elétricas, as duas mídias encontraram a combinação perfeita: os discos forneciam música barata e fácil às emissoras, enquanto estas faziam publicidade dos artistas e das empresas fonográficas. Esta história foi um pouco diferente no Brasil, já que, entre nós, a gravação elétrica surgiu antes da proliferação do rádio comercial, produzindo um interessante interlúdio de tempo no qual o universo do disco predominou soberano [...]” Prefácio de Elias Thomé Saliba, p. 01 em GONÇALVES, Camila Koshiba. Música em 78 rotações. Discos a todos os preços na São Paulo dos anos 30. São Paulo: Alameda, 2013). 67 Depoimento concedido a Tiago Portella por Odah Terezinha Cruz em 27 out. 2010.

! 84

Na década de 30, Cruz foi evidentemente influenciado pela música transmitida radiofonicamente.68 O repertório irradiado exerceu grande impacto na constituição de seus repertórios (anexo do repertório geral). Alguns cadernos de partituras encontrados em seu arquivo eram utilizados em bailes e, provavelmente, em programas de rádio, pois têm o repertório enumerado, o que indica a necessidade de localização ágil das músicas na relação dos nomes. Quadro 18. Exemplos de partituras que contêm numeração de repertório.

Código da peça: JC1-SG.CD.05-8

Código da peça: JC1-BA.CD.02-11

Fonte: Arquivo pessoal de José da Cruz.

3.9.

O RÁDIO, O SAMBA E O PATRIOTISMO

Ao longo de toda a década de 30, a Rádio Clube Paranaense P.R.B.2 irradiou centenas de vozes e sons de artistas locais e visitantes. Por sua vez, a programação da P.R.E.8, Rádio Nacional do Rio de Janeiro, irradiava intensa programação musical nos programas diurnos e noturnos a partir de 1936. No mês de agosto de 1939, o Correio do Paraná divulgou a programação da Rádio Nacional. Na grade artística (1939) constam os nomes de Orlando !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 68

Apesar dos experimentos radiofônicos realizados em Pernambuco desde 1919, foi em 1922 que ocorreu a primeira transmissão radiofônica oficial. Em caráter experimental, foi coordenada por Roquette Pinto a partir do Rio de Janeiro. Ambas as transmissões tiveram curto alcance, alguns ouvintes; e provavelmente pouca influência estética exerceram nesse ano. Foi somente em 1923 que as transmissões passaram a ocorrer com maior regularidade. “Apesar da transmissão durante a celebração do centenário da Independência, o início efetivo e regular das transmissões do rádio ocorreu somente no ano seguinte [1923], mais uma vez graças ao esforço de Roquette Pinto. Ele tentou em vão convencer o governo a comprar os equipamentos da Westinghouse, que permitiram a transmissão experimental. A aquisição foi feita pela Academia Brasileira de Ciências, e assim entrou no ar, em 20 de abril de 1923, a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro. A emissora pioneira é a atual Rádio MEC, que foi doada pelo próprio Roquette Pinto ao Ministério da Educação em 1936. Seria em 1936 que surgiria como emissora privada, a Rádio Nacional, incorporada ao patrimônio da União na década de 40”. (site da Agencia Brasil, acesso em 24 mai. 2014)

! 85

Silva, Almirante, Emilinha Borba, Giomar [sic] Santos, Mauro de Oliveira, Rose Lee, Celeste Aida, Orquestra de Danças, Orquestra Carioca, Regional de Dante Santoro, Lamartine Babo, Romeu Ghipsman e a Orquestra de Concertos. As composições transmitidas por esta emissora tornaram-se um verdadeiro paradigma nos repertórios para baile, influenciando repertórios de músicos pelo Brasil, e, entre eles, os de José da Cruz. Composições de Dante Santoro, Almirante e Lamartine Babo constam em cadernos de partituras do músico paranaense (vide anexo 2). Manuscritos de Cruz sugerem que ele atuou na Rádio Clube Paranaense P.R.B.269. Entre os cadernos que apontam sua participação contam-se os da Radio Jazz Typico – repertório de José da Cruz e os do José da Cruz e seu programa Recordação. Aquele contém grande parte do repertório autoral; este é mais eclético, apresentando um repertório variado. O repertório do Rádio Jazz Typico está todo numerado, na ordem apresentada no quadro abaixo. Há indícios de que o caderno possa ter sido produzido na década de 20: o primeiro deles é a ocorrência de alguns foxtrotes, amplamente divulgados durante esta década, quando houve a febre do jazz; outro possível indício é a inexistência de sambas que, apesar de ser um gênero utilizado deste 1917, teve a sua “febre” sobretudo na década de 30.

Quadro 19. Repertório do caderno Rádio Jazz Typico.

1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13. 14. 15. 16 17. 18.

Titulo Rádio jazz typico Joyeux Monomo Que salga em tôro Vai ou Arrebenta Br uderlein trink Komm main schataz Why don't my dreams come true Limpa Banco Mocidade Curitibana Saudades de Paranaguá Cada macaco no seu gálho Sacy Perêrê Criadinhas Francezas Q.O.Q. Ai, ai, ai!.. Assim não Caramurú La Cumparsita

Autor José da Cruz NC NC José da Cruz NC NC NC L. Busmann José da Cruz José da Cruz NC NC H. Oliveira José da Cruz NC NC José da Cruz M. Rodriguez

Gênero marcha polca marcha one step marcha valsa foxtrote valsa NC valsa choro valsa maxixe choro maxixe choro maxixe choro samba choro maxixe choro maxixe choro fox swing médio tango argentino

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 69

A Rádio Clube Paranaense recebeu o prefixo de P.R.B.2 em 1935. Foi inaugurada em 27 de junho de 1924, é a terceira emissora do país. (INFORMATIVO ROMÁRIO MARTINS, 1996).

! 86

O caderno José da Cruz e seu Conjunto Typico Regional e seu Programa Recordação apresenta um repertório com maior ocorrência de peças autorais e citações de samba e de samba choro.70

Quadro 20. Repertório do caderno José da Cruz e seu Conjunto Typico Regional e seu Programa Recordação.

1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13. 14. 15. 16 17. 18.

Titulo Bandeirantes Arrependida Tristes Recordações El Amanhecer Q.O.Q. Caramurú O Guarani Saudades de Paranaguá Cidade Sorriso Mocidade Curitibana Bataclan Lagrimas de amor Fumaçazinha Limpa Banco Pegue o Banjo Sempre viva Orvalho de lágrimas Lágrimas de virgem

Autor José da Cruz A. Jacomino (Canhoto) José da Cruz R. Firpo A. Jacomino (Canhoto) José da Cruz José da Cruz José da Cruz José da Cruz José da Cruz José da Cruz NC José da Cruz L. Busmann José da Cruz José da Cruz (grupo Malaquias) Luiz Americano

Gênero marcha valsa valsa choro tango samba choro fox swing médio fox valsa valsa valsa choro marcha valsa choro polca NC samba mazurca valsa choro valsa

Fonte: Arquivo pessoal de José da Cruz.

Figura 29. Cabeçalho da partitura de cello ou saxofone mib da valsa choro Mocidade Curitybana. Fonte: Arquivo pessoal de José da Cruz.

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 70

“O samba brasileiro havia sido divulgado em gravações desde o final dos anos 1910. Tinhorão (2013) observou que nas décadas de 1920 e 1930 que diversas designações e “maneiras” de se interpretar o samba surgiram. Napolitano (2002, p. 2) analisa Feitiço Decente publicação de SANDRONI (2001). “A tese básica do livro é a de que aquela música que se chamou primeiramente de samba (a lendária “Pelo Telefone”, de 1917, composta por Donga), estaria mais próxima do “paradigma do tresillo” (figura rítmica próxima das músicas “ligeiras” e danças do século XIX, como o lundu, a habanera, o tango e o maxixe). Já o samba urbano carioca, que invadiu o mundo do disco e do rádio a partir dos anos 30, consolidou uma outra figura rítmica, bastante original, que Sandroni chamou de “paradigma do Estácio” (combinação de semicolcheias e colcheias, com mais células rítmicas de marcação, totalizando um ciclo de 16 pulsações), ambas produtos de complexas mediações culturais só possíveis na América” (NAPOLITANO, 2002, p. 2).

! 87

Nas décadas de 30 e 40, o samba de batucada influenciou, marcadamente, o repertório executado pelos grupos de José da Cruz.71 A música brasileira e as diversas designações do samba despontavam no mundo através de intérpretes como Carmem Miranda. Na primeira página do Correio do Paraná do dia 12 de setembro de 1939, lê-se a manchete “Londres quer ouvir o ritmo curioso de Carmem Miranda”.

O interesse que a música popular brasileira vem despertando em todo o mundo se reflete agora entre os ouvintes do Império Britânico que desejam ouvir o ritmo curioso que Carmem Miranda espalha pelos Estados Unidos e Josephine Baker levou a Paris. Haja vista o telegrama da British Broadcasting Incorporation ao Diretor do Departamento Nacional de Propaganda, Sr. Lourival Fontes, no qual a emissora solicita a irradiação de um programa de música ligeira, para 25 de setembro. (CORREIO DO PARANÁ, 12 ago. 1939, p. 1)

Então, apesar do clima hostil da guerra que vigorava72, havia esperança, entre os compositores de música popular, de alcançar sucesso econômico devido à grande demanda de ouvintes de música brasileira pelo mundo, sobretudo apreciadores do samba. Eles souberam aproveitar as oportunidades de audiência deste gênero, supervalorizando os espaços de anúncios, as emissoras de rádio, que constituíram verdadeiros impérios publicitários. Em manuscrito assinado no dia 13 de agosto de 1939, José da Cruz acusa a apresentação do arranjo de sua música Duque de Caxias em uma emissora de rádio não identificada. Das partituras e da letra da composição, registrada abaixo, há um roteiro que descreve a transmissão radiofônica.

DUQUE DE CAXIAS (música e letra de José da Cruz)

Duque de Caxias!... Foi um grande vulto de paz, Revelou a sua Pátria; O quanto seria capaz.

Foi valente e calmo, Foi glorioso e bom, Demonstrou aos Platinos; Tanto respeito ao seu som.

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 71

Apesar de não haver datação em grande parte dos cadernos de partituras produzidas por José da Cruz, os repertórios contidos neles sugerem as prováveis épocas em que foram utilizados. 72 Na década de 30, as primeiras folhas dos periódicos estampavam notícias da guerra. As principais manchetes destacavam os combates, e a situação econômica mundial era frágil.

! 88

Duque, tiveste braço forte! Venceste com destreza e valor!... Foste, herói sem substituto; Implantaste verdadeira; Luz e Amor...

Duque, tu és nosso bom lema, E também o nosso emblema de ação... Firmes, pois, nós te arremedamos, Concientes nós guardamos à Naçao

Viva o Brasil !..

Os documentos produzidos nessa ocasião são os únicos que de fato mencionam diretamente a atuação de José da Cruz na programação radiofônica de sua época.

Organização do programa – Introdução com 2 pistões com acompanhamento de Fanfarra – timbre claro – com wolata para clarinetes e saxofones, e cromáticas a 3 vozes a seguir com estrapata de todo o conjunto musical. Seguindo a 2ª parte pp com côro infantil e adultos a 2 vozes em oitavas. Trio = Declamação: Em ritmo, com côro infantil e orquestra em surdinas – a distância – declamante; unido ao microfone (Rádio)” (CRUZ, 1939, p. 2).

Na década de 40, José da Cruz aproxima-se de Bento Mossurunga (1879-1970). Regente, violinista e compositor, considerado um dos grandes compositores da sua época, Mossurunga viveu no Rio de Janeiro entre 1905 e 1930, e aí desenvolveu sólida carreira como compositor e regente de orquestras de teatro de revista. Produziu músicas para concerto, hinos e diversas peças de musica popular73. Mas o que nos interessa é a dedicatória manuscrita por Bento Mossurunga, em 1942, na guia orquestral da marcha patriótica Brasil Eterno, composição e letra de José da Cruz. Mossurunga faz um elogio ao professor José Cruz. A nota confirma alguma proximidade de relacionamento entre os dois músicos.

“Brasil Eterno é um trabalho interessante de autoria do professor José Cruz. Em ritmo de marcha, desenvolvendo uma melodia fácil e bonita, é uma composição

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 73

Com apoio da Secretaria de Estado da Cultura e do Esporte, os pesquisadores Ivo Lessa e Regina Wallbach realizaram, em 1982, a catalogação das composições de Bento Mossurunga alocadas na época na Biblioteca Pública do Paraná. Foram catalogadas 163 obras, incluindo o Hino do Paraná, de sua autoria. O manuscrito da polca Cosi Nó, composta por Mossurunga, que não consta no catálogo editado em 1982, encontra-se na coleção da Rádio Nacional alocada no Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro. É um arranjo para piano, flauta, 1º. e 2º violinos, cello e contrabaixo.

! 89

musical que pode ser aproveitada como cântico patriótico, para o que muito concorre a própria letra” (MOSSURUNGA, 18 abr. 1942).

Cruz escreveu o arranjo de Brasil Eterno para fanfarra, e diversos elementos dessa composição – entre os quais a introdução e a melodia principal, que já haviam sido utilizadas por ele na marcha Duque de Caxias, com arranjo assinado em 1939. As mesmas características aparecem também nas músicas 21 de abril, Radio Jazz Typico e Britania Sport Club.

Figura 30. Detalhe da música Brasil Eterno, José da Cruz. Curitiba, 1942. Fonte: Arquivo José da Cruz.

BRASIL ETERNO (música e letra de José da Cruz)

Meu Brasil Eterno – És todo meu ideal; Adorado seio – Emblema divinal! Tens mostrado ao mundo – Saber sem vaidade, Quer sempre harmonia – acompanhando liberdade,

Povo! Do meu País querido! Sejamos sempre unidos a vencer, Gente! Da minha terra amada! Marchemos sem receio até morrer, Firmes! Teremos outra vida! Melhor e preferida a conhecer, Vamos! Guardamos nossa Pátria! Lutamos com vontade de vencer:

Viva o Brasil!...

! 90

Além da orquestração descrita abaixo, o arranjo para Brasil Eterno acusa a presença de dois flautins. Os textos musicais referentes a estes instrumentos não foram encontrados.

Tabela 2. Descrição do arranjo de Brasil eterno, José da Cruz, 1942.

Fonte: Arranjo manuscrito no arquivo pessoal de José da Cruz.

3.10. CRISE, GENEROSIDADE E CARNAVAL

Durante a transição da década de 30 para a de 40, a residência de José da Cruz em Curitiba abrigava nove moradores: José da Cruz e a esposa Carolina, Maria Durski e Maria Isabel, respectivamente sua mãe e sua irmã, e os cinco filhos do casal. A casa dos fundos comportava outra família pelo regime de inquilinato74. Os relatos familiares indicam que o !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 74

A família recordou o nome de um dos inquilinos, Benedicto. Conhecido como Nêgo Dito. Segundo Vera Santa Cruz Wadouski, Benedito chegou a ser instrumentista de algum dos conjuntos formados por José da Cruz.

! 91

compositor não poupava esforços para acomodar temporariamente, em sua residência, casais que estivessem passando por algum tipo de necessidade. Porém, o início dos anos 40 ficou marcado por um período de agravada crise financeira no âmbito da família Cruz. A residência na Doutor Pedrosa foi perdida em 1941 por causa de uma hipoteca, o que obrigou a família a sair da casa.

“[…] Era uma casa muito bonita, nós tinhamos um conforto muito grande ali, o terreno tinha 100 metros de fundo, muita área de frente, se não me engano 22 [metros] de frente [...] os fundos da casa dava para o quartel do 9º, como diziam […] Então, nós tinhamos um vidão ali, não houve criança que tivesse uma vida mais graciosa do que a nossa. A minha avó com o meu avô plantaram 36 laranjeiras, tinha todo o tipo de fruta, tudo plantadinho, tudo bonito né? Me lembro ainda que no dia que a minha avó saiu da casa, ela foi de árvore em árvore, beijar aquelas árvores, se despedir daquelas árvores. Ela disse que era um sistema que eles tinham, que quando plantava-se uma árvore e depois tinham que abandonar ela, tinham que se despedir, porque senão a árvore morria. Então ela foi em todas elas, já quase não andava e nada, foi carregada de árvore em árvore, fazendo aquela despedida (quase choro/silêncio)” (WADOUSKI, 2012).

A família alugou outra casa, no mesmo bairro em que residiam. A situação se agravou em 1942 quando a asma de José da Cruz o debilitou de maneira bastante severa. A recomendação médica foi de repouso absoluto por seis meses a um ano, para a plena recuperação. Apesar de não poder praticar a flauta e o saxofone, Cruz compôs um de seus maiores arranjos (em quantidade de instrumentos), o da música Brasil Eterno, pois, provavelmente ainda estava com grande disposição para escrever suas partituras. Com cinco filhos para sustentar, não restou alternativa a não ser reunir os filhos e sugerir que largassem temporariamente os estudos e que encontrassem trabalho, colaborando assim nas despesas da casa.

“Nessa época foi assim. O médico chegou porque o meu pai teve um acesso de asma muito grande, ficou muito mal, tava muito debilitado. O medico chegou lá em casa e disse assim para a minha mae: “Olha, eu vou te falar uma coisa, o seu marido por 6 meses até 1 ano não vai poder fazer esforço nenhum, nada, porque ele está com o pulmão com essa asma”. Aquele tempo não tinhamos muito recurso para alergia ou para descobrir o que era, e a asma estava atacando o pulmão. “Então ele tem que ficar em repouso absoluto, não pode tocar, não pode fazer muito exercício, nada” e aí foi uma luta. Minha mãe chamou todos os filhos, eu estava terminando o ginásio, o meu irmão também, a Odah também estava no ginásio, a Florzinha [Hortência] estava fazendo curso de contabilidade e a Lourdes estava fazendo escola normal, que ela queria ser professora. E a minha mãe disse, então hoje nós vamos conversar na mesa aqui. Ela disse assim: “Olha, o médico falou que o pai não vai poder fazer esforço nenhum agora, e tocar instrumento de sopro de jeito nenhum, então vocês agora vão ter que ajudar de alguma maneira, vão ter que arranjar emprego, fazer alguma coisa”. Foi quando a Florzinha, essa que chamava-se Hortência, que estava no curso de contabilidade, tinha mais jeito pro comércio, arranjou um emprego na Rua Riachuelo, na Casa Hilú. Então ela foi trabalhar ali. O meu irmão que também tocava com o papai foi trabalhar na Casa Metal. […] A Lourdes, que era mais velha,

! 92

estava na escola normal, abriu um salão de beleza ali na Rua Emiliano Perneta. E eu fiquei pensando no que eu poderia trabalhar para poder ajudar o meu pai naquela ocasião. Eu digo, e agora, o que que vai ser de mim? […] Então eu fiz o teste e passei a dar aulas (em Araucária, região metropolitana de Curitiba) para crianças em uma localidade de italianos […] Tinham muitos poloneses também. Mas a família onde eu passei a morar era italiana. Ali ficava a casa onde eu fui dar aula” (WADOUSKI, 2012).

3.10.1. Sinfonia universal Eternidade

Neste período de dificuldades, José da Cruz iniciou a composição de sua sinfonia universal Eternidade. Segundo os relatos de Vera Santa e Odah Teresinha Cruz, durante algum tempo ele não saiu do seu quarto. Abatido, deixou a barba crescer e passou por um período de isolamento.

Figura 31. Retrato de José da Cruz, sem data. Fonte: Arquivo pessoal de José da Cruz.

Com relação a essa orquestração, foram encontradas apenas partituras para flauta, 1º e 2º violinos. A sinfonia tem 4 movimentos: o primeiro, intitulado O Principio da Criação é um andante sostenuto; o segundo, chamado de As Leis do Criador, é um andante religioso; o terceiro, Harmonia com Deus, um andante mosso; e, por fim, o quarto movimento intitulado Consumação dos Séculos, possui o caráter grandioso absoluto.

! 93

Figura 32. Eternidade, sinfonia universal de José da Cruz. Partitura para o 2º violino, sem data. Fonte: Arquivo pessoal de José da Cruz.

3.10.2. Prêmio Antisardina

Em 1943, José da Cruz tem uma composição sua destacada, o “samba característico” Antisardina75. Segundo anotação sua na partitura desta música, tal samba foi irradiado pela rádio P.R.B.2 em 14 de novembro de 1943. Composição de José da Cruz, com letra de Odah Terezinha Cruz, a música conquistou o primeiro prêmio no concurso Antisardina.

Figura 33. Manuscrito de Antisardina. autoria de José da Cruz e Odah Terezinha Cruz. Curitiba, 1943. Fonte: Arquivo pessoal de José da Cruz.

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 75

Antisardina é um creme para tratamento da pele.

! 94

De fato, o jornal Gazeta do Povo na edição do dia 02 de novembro de 1943 anunciou a normativa para a participação no concurso.

Grande Concurso Antisardina – 1º prêmio Antisardina Cr$1.000,00 – 2º prêmio Drogaria Minerva Cr$ 500,00 – 3º prêmio Farmácia Imperial CR$100,00. Ouçam aos domingos das 9:30 às 10:00 horas na P.R.B.2 de Curitiba, José de Castro – O animo dos auditórios apresentando o Programa A Caça de Talentos, patrocinado pelo Creme Antisardina. Concorra você leitor ou leitora aos grandes prêmios. Envie uma sugestão pessoal, um conceito ou quadrinha, sobre Antisardina que sirva para sua futura propaganda, um escrito mais ou menos assim: Fui feia, hoje sou bonita, tenho pele fina, graças a Antisardina” […] Os conceitos e quadrinhas enviados serão semanalmente classificados e comtemplados com prêmios dominicais os 3 melhores trabalhos da semana, sendo anunciado os prêmios e autores em cada domingo. Esses mesmos classificados concorrerão aos prêmios finais. A distribuição de prêmios dominicais é independente dos grandes prêmios finais. A duração do Grande Concurso Antisardina sera de 12 de setembro a 7 de novembro próximo (GAZETA DO POVO, 02 nov. 1943, p. 6).

Entretanto, a programação da P.R.B.2 deste dia, publicada no jornal de maior circulação da cidade, não explicita a transmissão da música; mas acredita-se que ela foi irradiada durante o Programa A caça de talentos, patrocinado pelo fabricante do creme Antisardina.

Os que vão na Onda – Radio Clube Paranaense organizou para hoje o seguinte programa: 9:00 – variado. 9:30 – A caça de talentos. 10:00 – Comentário internacional e notícias. 11:40 – Programa Gessi. 12:00 – Diário sonoro. 12:15 – Programa imperial. 12:45 – Programa da joalheria Berta. 13:00 – Variado. 13:50 – Esforço Brasil em Guerra. 15:30 – Diretamente do estádio Belfort Duarte a partida do campeonato brasileiro de futebol Paranaenses x Gaúchos. 18:00 – Variado. 19:00 – A voz da profecia. 19:30 – Variado. 20:45 – Barão Eixo. 21:00 – Resenha esportiva. 21:30 – Músicas para dançar. 22:00 – Programa do D.E.I.P. 22:15 – Músicas para dançar. 23:15 – Diário sonoro. 23:30 – Crônica de encerramento. (GAZETA DO POVO, 14 nov. 1943, p. 3).

ANTISARDINA (música de José da Cruz – letra de Odah Teresinha Cruz)

Antisardina! Antisardina! Não tens mesmo uma rival, Todas manchas elimina Igual não há! Não há igual! Só és tú na medicina, Antisardina! Antisardina! Renomado específico, Da pele és vitamina. Infalível e científico,

! 95

Notavel! Óh! Heroina Antisardina! Antisardina!

3.10.3. Presenteando alunos e amigos com partituras

Encontramos duas ocorrências em que José da Cruz ofereceu álbuns de partituras – são valiosos registros, pois contêm as melodias de diversas de suas composições – como presente de aniversário: em 06 de agosto de 1944, o compositor ofereceu a um aluno de flauta, João Wadouski, um álbum contendo 20 melodias autorais (Wadouski tornou-se seu genro, esposo de Vera Santa Cruz); em 25 de julho de 1946, Cruz ofereceu ao “amigo Sr. Sabino Alleginni” um álbum com melodias de suas músicas, para 1º e 2º violinos. O álbum contém 11 peças autorais e também é um importante registro, pois, além das melodias principais, contém outras em contraponto à primeira.

3.10.4. É carnaval

Os períodos de carnaval foram produtivos para José da Cruz. Não apenas pelas ofertas de trabalho, mas pela demanda por composições próprias. Para o ano de 1944 preparou a composição Carnavá na Roça, com música e letra de sua autoria.

CARNAVÁ NA ROÇA (música e letra de José da Cruz)

1º solo O Carnavá na Róça É mio que o da cidade Pro que a gente pula i grita Pinta i fais Barburidade...

Côro Vamo gozá Vamo brinca Fuliá n’este carnavá Vamo gozá Vamo brinca – Oi!.. Que vai se acaba

! 96

2º solo Eu fico inté tristonho Quando pego me alembrá Que isto é só treis dia I despois cumo será.

Côro

Em seu arquivo de partituras foram encontrados alguns cadernos com repertório exclusivo para carnaval. São os cadernos do Bando Alegre, para o carnaval de 1948. O repertório contido no caderno, demonstrado abaixo, pode ser conferido no catálogo disponível nesta dissertação.

Figura 34. Cordão da Alegria. Partitura para trombone e baixo, 1948. Fonte: Arquivo pessoal de José da Cruz.

! 97

CORDÃO DA ALEGRIA (música e letra de José da Cruz)

Carnaval - carnaval! É a festa predileta ideal, Entrem no Cordão da Alegria Divertir na folia do Nosso bloco; Sem Rival.

Um dos contratos estabelecidos entre José da Cruz e uma sociedade de operários forneceu informações sobre valores de cachês e o tempo de duração dos bailes de carnaval. Identificamos o grupo Bando Alegre estabelecendo contrato com a Sociedade Barriqueiro, para 2 bailes de carnaval no ano de 1948.

Declaro haver contratado o Conjunto Musical ‘Bando Alegre’ para 2 bailes de Carnaval – Sábado e segunda-feira – Das 9 as 3. Pelo preço total de CR$ 4.000,00 Presidente da Sociedade Barriqueiro – no Juvevê. Curitiba, 29 de 1 de 1948. Antonio Kormann (CONTRATO, 29 jan. 1948).

No dia 26 de outubro de 1948, José da Cruz dedica o choro Não Chacuaie “ao amigo Sr. Dr. José de Almeida (Nhô Bastião)”. A partitura indica a execução da música pelo Bando Alegre no Pavilhão Carlos Gomes76.

REGULAMENTAÇÃO PROFISSIONAL E MUDANÇAS

3.11.1 Regulamentação da carreira de compositor

Provavelmente à procura de maior estabilidade profissional através da regulamentação da sua carreira como compositor, arranjador e instrumentista, José da Cruz filiou-se à União Brasileira de Compositores, no dia 23 de maio de 1947. Esta união de artistas foi oficialmente estabelecida no ano de 1942.

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 76

Construído pelo empresário H. Bianchi, localizava-se na Praça Carlos Gomes – na esquina das ruas Marechal Floriano e ali ficaria até que a firma Gutierrez, Paula & Munhoz, adquiriu o terreno para construir um dos primeiros edifícios luxuosos de apartamentos – o Victor do Amaral [...] No Pavilhão Carlos Gomes – cuja importância dentro do lazer do curitibano nos anos 40/50 ainda está a espera de uma pesquisa de fôlego – os irmãos Queirolo mostrariam toda sua criatividade, com espetáculos ágeis, de malabarismo e acrobacia a grandes encenações dramáticas, passando por touradas que revelavam valentões da época, como o lendário Carlinhos Pereira (1922-1967), que se tornaria genro de Chic-Chic – o circo teve toda uma presença dentro da cidade, que nunca é demais lembrar”. (MILLARCH, 1991, p. 3).

! 98

Figura 35. Carteira da UBC - União Brasileira de Compositores. Fonte: Arquivo pessoal de José da Cruz. Em 1938, um grupo de autores musicais que contava com nomes expressivos da música popular brasileira - entre eles Roberto Martins, Braguinha, Alberto Ribeiro, Oswaldo Santiago, Antonio Almeida, Paulo Barbosa, Roberto Roberti, Mário Lago, José Maria de Abreu, Radamés Gnatalli e muitos outros - decidiram buscar seus próprios caminhos para a defesa de seus direitos, pois até então as obras musicais eram administradas pela Sociedade Brasileira de Autores Teatrais. Consideravam eles que, embora contando com um departamento específico para atender aos compositores musicais, a SBAT havia sido estruturada de forma mais adequada à defesa dos interesses dos autores de peças teatrais. Surgiu assim, em 20 de outubro de 1938, uma nova associação, especializada na administração dos direitos dos autores e compositores musicais, a ABCA – Associação Brasileira de Compositores e Autores, que pouco a pouco foi ganhando presença no meio autoral, inclusive através da assinatura de contratos de representação com sociedades estrangeiras. [...] Tornava-se evidente a necessidade de reunir todos os autores em uma única associação que pudesse administrar as obras, iniciando-se, desta forma, um movimento tendente a promover a fusão do departamento musical da SBAT com a ABCA, por meio da fundação de uma nova entidade que pudesse somar os esforços despendidos pelos dois grupos existentes. Animados por esse propósito, autores, compositores e editores musicais fundam, em 22 de junho de 1942, a União Brasileira de Compositores – UBC. Sua primeira Diretoria teve a seguinte composição: Ary Barroso (Presidente), Alberto Ribeiro (Vice-Presidente), Oswaldo Santiago (Tesoureiro), Benedito Lacerda (Vice-Tesoureiro), Cristóvão de Alencar (Inspetor), Antônio Almeida (Vice-Inspetor), Erastóstenes Frazão (Secretário), David Nasser (Vice-Secretário) e como suplentes Haroldo Lobo, Saint-Clair Senna, Antônio Nássara e Braguinha. (SITE UBC – Histórico – acessado em 09 jun. 2014).

3.11.2 Mudança para Apucarana Devido aos problemas respiratórios e aos agravados problemas com finanças, José da Cruz e sua esposa Carolina acharam conveniente a mudança para um local onde pudessem ter

! 99

um maior conforto climático77 e possíveis oportunidades de trabalho. Mudaram-se para Apucarana, região norte do Paraná. A filha Odah, que foi a principal intérprete das músicas do pai, estava residindo nessa localidade, com o marido Edwin. Lá, José da Cruz trabalhou como representante da SBACEM, fazendo recolhimento de taxas dos direitos autorais para os compositores filiados a essa entidade. A Sociedade Brasileira de Autores, Compositores e Editores de Música foi fundada pelo flautista carioca Benedito Lacerda que “em 1942, foi um dos fundadores da União Brasileira de Compositores – UBC” (CARDOSO, 1965, p.32). No arquivo pessoal de Cruz encontramos um envelope endereçado ao Sr. João Candido Mendes, acusando o envio da quantia de Cr$ 1.770,00. Devido ao fato de o envelope constar no arquivo pessoal de José da Cruz, deduzimos que não foi remetido.

Figura 36. Envio de valores para SBACEM. Fonte: Arquivo pessoal de José da Cruz.

Porém, no mês de agosto de 1951, em resposta ao recebimento de dinheiro, João Candido Mendes emite um comunicado a José da Cruz, sugerindo e indicando procedimentos para a continuidade do recolhimento das quantias.

Curitiba, 22 de agosto de 1951. Of.N.11/51. Ilmo. Snr. José da Cruz. DD. Representante da Sbacem, Caixa Postal, n.33 Apucarana – Paraná. Prezado Senhor, vimos pela presente acusar o recebimento de s/ carta de 29 julho pp., juntamente o balancete referente aos meses de maio, junho e julho p. Findo, assim, como também, a importância que reveste o saldo apresentado pelo movimento de caixa. RÁDIO EMISSORA: - A maneira pela qual V.S. solucionou o caso da emissora dessa Cidade, estabeleceu acordo para o pagamento do atrasado, conforme s/ comunicado, em carta supra referida, no tocante á radio Difusora Apucarana, é digna dos nossos parabéns. MÚSICAS: – Mensalmente estamos fazendo a remessa de exemplares musicais a V.S. conforme combinamos, dias antes a chegada do s/ genro, Sr. João Wadoski, haviamos feito uma remessa, razão pela qual deixamos de entregar ao Sr. Wadouski, as músicas solicitadas por V.S. DIFICULDADES: – Tomamos conhecimentos das dificuldades aí existentes, por intermédio do nosso Inspetor, Sr.

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 77

O clima em Curitiba é bem úmido. O inverno é bastante rigoroso em relação às cidades localizadas nas regiões central e norte do Estado do Paraná.

! 100

Dorvalino, no qual nos comunicou que o Amigo, vem encontrando embaraços para receber nossos direitos autorais nessa Cidade, é o que não deve haver, qualquer dificuldade procure as Autoridades Policiais, esclarecendo a situação, para que este órgão lhe ampare de acordo com as Leis. A 14 do corrente, a Chefatua (sic) de Polícia, enviou a portaria n. 25/51. A essa Delegacia de Policia, na qual solicita o fiel cumprimento da circular aprovada pelo CE, Pedro Scherer Sobrinho, ainda em pleno vigor, só fornecer alvará as diversões mediante o carimbo da ambas as Sociedades arrecadadoras do direito autoral, esperamos que, com isso facilite as cobranças. Sendo só o que nos depara no momento, aguardamos suas próximas notícias, subscrevemo-nos com estima e considerações, mui. Atenciosamente. João Candido Mendes. (MENDES, 1951, p. 1).

Figura 37. Cabeçalho da correspondência entre SBACEM e José da Cruz. Fonte: Arquivo pessoal de José da Cruz.

Datam deste período alguns de seus arranjos. A biografia datilografada de José da Cruz afirma que “em 1.949, abriu uma Academia de Música em Apucarana – Paraná, onde não permaneceu por muito tempo, pois sua saúde estava precária”. Em razão dessa debilidade, José da Cruz e sua esposa retornaram a Curitiba, no final de 1951. A situação se agravou, pois o músico quebrou a bacia em uma queda de bicicleta, no quintal da sua residência. Faleceu em casa, no bairro do Cristo Rei em Curitiba, em 30 de novembro de 1952, aos 55 anos de idade, deixando a esposa e os seus 5 filhos.

3.11.3 Carolina – um Porto Seguro

Em 1963, onze anos após o falecimento de José da Cruz, sua família empenhou-se em divulgar sua obra. Carolina Amodio Cruz, viúva de José da Cruz, inscreveu a marcha Brasil Eterno para o Concurso da Canção Militar do Exército. Porém, Carolina não atentou para o regulamento do concurso, que exigia anonimato do autor: ela enviou ao concurso um manuscrito de próprio punho de José da Cruz, também assinado por ele. Então, o material foi

! 101

devolvido a Carolina, como consta no ofício n. 53/CJCM: o major secretário Aldônio Roth agradece o interesse da participação e relata os motivos da desclassificação (vide anexos). Em 1980, os esforços de divulgação da obra do maestro Cruz renderam um importante resultado: a composição Duque de Caxias foi tocada durante a homenagem ao centenário de Duque de Caxias em Curitiba. A solenidade cívico-militar, coordenada pela 5ª Região Militar e Liga da Defesa Nacional, iniciou-se na Praça do Expedicionário, às nove da manhã. O Hino a Caxias foi interpretado pelos corais da Universidade Federal do Paraná e Colégio Estadual do Paraná. Às dez horas, nas dependências do Círculo Militar, foi executado o Hino Nacional Brasileiro pela Banda da Policia Militar do Estado do Paraná, que, em seguida, tocou a Canção do Exército e a marcha Duque de Caxias, de José da Cruz.

Em nome da Liga de Defesa Nacional, fará oração alusiva ao ato o General de Exército Isaac Nahon, seguida de apresentação, pela Banda de Música da Polícia Militar do Paraná, da marcha sinfônica “Duque de Caxias”, de autoria do compositor paranaense José da Cruz. (GAZETA DO POVO, 06 mai. 1980, sem página).

Esta foi, possivelmente, a única vez em que uma composição de José da Cruz foi executada publicamente, entre 1952, data de sua morte, e 2010, data do primeiro concerto realizado no âmbito desta pesquisa. !

! 102

4

JOSÉ DA CRUZ NO SÉCULO XXI – DESDOBRAMENTOS DA PESQUISA

4.11 CONCERTO NO MUSEU PARANAENSE

A primeira oportunidade para a escuta e adaptação dos arranjos musicais de José da Cruz surgiu em meados de 2010. No decorrer do processo de curadoria da exposição Dos Regionais às Jazz–Bands – Curitiba e a música popular na primeira metade do século XX78 tivemos a ideia de produzir um (o primeiro) concerto musical, no qual seriam incluídas obras de José da Cruz (a proposição inicial foi programar suas composições junto às de outros autores). Durante as negociações para a realização da exposição e concerto, o encontro com as filhas de José da Cruz – Odah Teresinha Cruz Tareszkiewicz, aos 81 anos, e Vera Santa Cruz Wadouski, aos 83 – foi uma grata surpresa. Como vimos, o nome de Odah aparece em dois manuscritos do maestro Cruz. E foi ela a principal intérprete das canções do seu pai: fazia apresentações nas rádios P.R.B.2 em 1943 e Guairacá em 1947. Mas, desde o falecimento de José da Cruz, Odah não frequentava os palcos: estava há 60 anos afastada do convívio musical artístico em público. Então, a partir do nosso encontro com ela, e do reencontro dela com as obras do pai, veio-nos a idéia de convidar Odah para cantar na apresentação de abertura daquela exposição; e optamos por fazer o concerto exclusivamente com obras de José da Cruz. A escolha das músicas instrumentais a serem apresentadas neste concerto partiu de experiências auditivas que vinham sendo realizadas desde meados de 2009, quando os textos musicais de Caboclo Velho, Pegue o banjo, Tristes recordações e Visão d’um sonho estavam sendo recuperados. Com o encontro de Odah, optamos por remontar também outras duas músicas: Cordão da alegria e Carnavá na Roça (Era nestas partituras, pertencentes ao arquivo manuscrito de José da Cruz, que o nome de Odah aparecia grafado). Selecionamos 9 obras ao todo. O roteiro foi feito em comum acordo com Odah, que sugeriu, durante o nosso primeiro ensaio, que remontássemos três peças, consideradas por ela fundamentais: Murmúrios do Itambé, Brasil Eterno e O Sabiá. !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 78

Estreada em 06 de novembro de 2010, a exposição trouxe a público partituras, instrumentos musicais e objetos pertencentes a diversos músicos que atuaram em Curitiba durante o século XIX e XX, incluindo partes do arquivo de José da Cruz. Curadoria minha e de Marilia Giller, com parceria do Museu Paranaense e da Secretaria do Estado e da Cultura do Paraná.

! 103

O primeiro ensaio com Odah foi realizado em sua própria residência. Nessa ocasião selecionamos as músicas que ela cantaria, escolhemos as tonalidades de execução e demos início aos processos de adaptação e cifragem harmônica das peças que formaram o repertório. As lembranças que tinha Odah de aspectos de execução dessas peças trouxeram-nos o entendimento de práticas interpretativas: ela orientou andamentos e formas. Para a viabilidade deste concerto, as partituras utilizadas eram fac-similes provenientes dos manuscritos de José da Cruz. Seguramente, a seleção das partes foi feita de modo bastante empírico, em um processo de escolhas pouco planejadas, e com a instrumentação que foi possível constituir na época. Fizemos uso de partituras de flauta, clarinete sib, trompete sib e saxofone tenor sib. Em alguns casos, o trompete tocou músicas que, originalmente, seriam para saxofone tenor. O clarinete tocou partituras de clarinete e trumpete. Neste tempo o arquivo de José da Cruz ainda não havia sido digitalizado e catalogado; tínhamos acesso apenas a parte do arquivo original de partituras.

Figura 38. Ensaio com Odah Teresinha Cruz Tareszkiewicz e Tiago Portella Otto, out. 2010. Foto: Sérgio Ivanoski.

José da Cruz não deixou grades para os arranjos; portanto, nossa primeira missão foi produzir essas grades, na tentativa de apreender a localização das linhas melódicas. Como alguns arranjos apresentam orquestrações para formações com até 20 músicos, primeiro fizemos uma triagem, buscando localizar as melodias principais (pois, em algumas partituras, José da Cruz especifica que elas tratam da melodia da música). Este tipo de avaliação foi fundamental para assegurar que a redução do arranjo conservaria intacta a melodia central da composição.

! 104

Figura 39. Trecho da melodia da valsa Cine Club de José da Cruz, sem data. Fonte: Arquivo pessoal de José da Cruz.

A partir da seleção das músicas a serem apresentadas no concerto, e da produção de grades, demos início aos procedimentos de cifragem alfa-numérica dos arranjos. Com as melodias principais identificadas e as orquestrações disponíveis (muitas contendo parte de piano guia e linhas de violoncello, trombone, tuba e contrabaixo), tornou-se viável estabelecer a harmonia dos arranjos, resultando isso na elaboração das cifras e respectivas inversões79. Alguns títulos de composições de José da Cruz têm diversos arranjos com orquestrações e tonalidades diferentes. Por isso foi necessário organizar os variados conteúdos e optar pelo mais adequado à formação que tínhamos disponível para esse concerto: flauta transversal dó, clarinete sib, trompete sib, trompete dó, dois violões de sete cordas, piano, cavaquinho, percussão e bateria. Em alguns casos, foram utilizadas partituras produzidas originalmente para saxofone sib, adaptando-as ao trompete. Em outras ocasiões, utilizamos partituras de violino para a execução da flauta transversal. Éramos 10 músicos, incluindo a senhora Odah Cruz.

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 79

Do material encontrado, o único em que José da Cruz apresenta esquemas para acompanhamento dos arranjos é um caderno produzido para os três violonistas do Conjunto Regional de José da Cruz. Ali, José da Cruz primeiro aconselha que os violões sejam afinados, respectivamente, com a flauta transversal, o clarinete e o saxofone alto. O primeiro violão afinado em dó, o segundo em sib e o terceiro em mib. Em seguida, propõe apenas as tonalidades das partes e dá indicações sobre a existência de breques e passagens. (vide anexos)

! 105

Em 06 de novembro de 2010, apresentamos o programa; constituído pelas músicas: Caboclo Velho, Pegue o banjo, Murmúrios do Itambé*80, Tristes recordações, Brasil eterno*, Cordão da alegria*, Carnavá na roça*, Visão d’um sonho e O Sabiá*. (Aquelas sinalizadas com asterisco têm letra de José da Cruz).

Figura 40. Odah Teresinha Cruz Taraszkiewicz. Museu Paranaense, 06 nov. 2010. Foto: Fábio Kwasnieski

Dos materiais físicos conduzidos para a exposição constavam 3 cartões postais (sendo 01 remetido de Paranaguá e 02 de Florianópolis), 08 fotografias (incluindo a de Jerônimo Durski), 01 carteira de identidade da UBC, 01 contrato entre o Bando Alegre e a Sociedade Barriqueiro, 01 capa dura da Orquestra Regional Paranaense, 01 salvo-conduto Curitiba/Paranaguá (1943) – Curitiba/Rio Negro (1945) e 01 método de flauta. Foram ampliadas oito imagens fotográficas do arquivo de José da Cruz: seis delas são grupos seus; uma, do Bloco Ideal, em foto dedicada a “Janguta”; e a reprodução da pintura a óleo do seu primeiro retrato a tinta, sem data.

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 80

A toada Murmúrios do Itambé não tem qualquer registro escrito; a letra e a melodia foram totalmente recuperadas através da memória musical de Odah; e o arranjo foi produzido por mim, para a ocasião do concerto.

! 106

Figura 41. Exposição Dos Regionais às Jazz Bands. Museu Paranaense, Curitiba, 2010. Curadoria: Tiago Portella e Marília Giller. Foto: Fábio Kwasnieski.

4.12 CONCERTO NA XXIX OFICINA DE MÚSICA DE CURITIBA Dois meses após a primeira apresentação do concerto no interior do Museu Paranaense, surgiu a oportunidade de apresentá-lo durante a XXIX Oficina de Música de Curitiba, no teatro SESC da Esquina. Nesta apresentação foi mantida a instrumentação do concerto realizado no Museu Paranaense, incluindo a participação de Odah Cruz. Mas o programa musical sofreu algumas alterações: foi retirada a música Brasil Eterno; e acrescentaram-se outras três, Meu Padecer, Q.O.Q. e Eternidade (Explendor)81. Destas, apenas a última tem letra, e foi apresentada a capella. Demos continuidade aos ensaios na tentativa de executar os arranjos da maneira fiel às indicações e signos das partituras, respeitando as indicações de caráter, ornamentação, dinâmica e demais intenções propostas pelo arranjador. O processo de edição eletrônica das partituras foi realizado82 de acordo com as demandas dos concertos e gravações. Pelo fato de não haver ocorrência de grades orquestrais no arquivo, todas as músicas estão sendo editadas respeitando-se as partes cavadas.

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 81

Segundo Vera Santa Cruz, o hino cantado a capella na apresentação chama-se Explendor. Odah Terezinha Cruz afirma que o cântico era parte integrante de Eternidade – sinfônia universal de José da Cruz. 82 O software utilizado é o Finale.

! 107

Figura 42. Odah Terezinha Cruz apresentando-se durante a XXIX Oficina de Música de Curitiba, 2011. Foto: Leco de Souza.

4.13 CONCERTO NA SOCIEDADE TADEUZS KOSCHIUSZKO

O concerto realizado na Sociedade Polono-Brasileira Tadeuzs Koschiusko foi um convite da Casa da Cultura Polônia-Brasil. A apresentação foi realizada com um número menor de instrumentistas, em uma pequena apresentação de cinco músicas, todas instrumentais: Caboclo Velho, Meu padecer, Tristes recordações, Pegue o banjo e Q.O.Q. A instrumentação utilizada foi: flauta transversal, clarinete em sib, cavaquinho, violão de 7 cordas e pandeiro. Os arranjos foram adaptados aos dois instrumentos melódicos disponíveis.

! 108

Figura 43. Concerto na Sociedade Tadeusz Koschiuszko. Foto: Marília Giller.

4.14 JOSÉ DA CRUZ EM PARIS

O concerto com músicas de José da Cruz foi apresentado na abertura do VIII Festival de Choro de Paris em 30 de março de 2012. Para esta solenidade alterou-se a instrumentação, que até então vinha sendo utilizada segundo o roteiro musical. Com a necessidade de um programa de, pelo menos, 1 hora de duração, e com o falecimento de Odah Terezinha Cruz Tareszkiewicz, optamos por executar somente músicas instrumentais – inclusive duas músicas que tinham letra nas versões originais. As peças escolhidas foram: Q.O.Q., Pegue o banjo, Tristes recordações, Meu padecer, Murmúrios do Itambé, Caboclo velho, Viola provocada, Visão d’um sonho, Curitibano, Odah e O Sabiá. A instrumentação usada foi: flauta transversal dó, clarinete sib, trombone dó, eufônio mib, violão de 7 cordas, piano, cavaquinho, contrabaixo acústico, percussão e bateria.

! 109

Figura 44. Regional Jazz Band. Foto de divulgação para o concerto realizado em Paris, 2012. Foto: Renata Casimiro.

No VIII Festival de Choro de Paris, foi organizado por mim o Atelier Ensemble, que consistiu na montagem de três músicas de José da Cruz com os participantes do festival: Viola provocada, Q.O.Q e Meu padecer. As versões originais dos arranjos de José da Cruz puderam ser mais bem exploradas nessa ocasião, vista a possibilidade de maior quantidade de instrumentistas disponíveis. A iniciativa de internacionalizar a música de José da Cruz gerou alguns desdobramentos, como a ocorrência de interpretação de suas músicas em rodas de choro em Berlim e no noroeste da França.

“A Regional Jazz Band participou durante três dias das atividades do VIII FESTIVAL DE CHORO DE PARIS organizado pelo CLUBE DE CHORO DE PARIS e pela CASA DO BRASIL com o apoio do CEBRAMUSIK nos dias 30 e 31 de março e 01 de abril de 2012. O concerto do grupo fez a abertura do evento no dia 30 de março com um programa singular com obras do paranaense José da Cruz, com sala lotada. Os integrantes realizaram também um trabalho pedagógico durante os outros dois dias e puderam transmitir com competência a linguagem do choro através de oficinas por instrumento e também aula de conjunto. O resultado do trabalho foi apresentado por alunos e professores no domingo durante a Roda de Choro do Festival. Este mesmo programa proposto pelo grupo aos alunos foi apresentado novamente no dia 28 de abril de 2012 no Swan bar em Paris dando imediatamente continuidade à transmissão proposta pelo Regional Jazz Band. A estada do Regional Jazz Band em Paris foi muito elogiada pelos alunos e professores de nossa entidade e pelo público presente” (GUIMARÃES, 2012, p. 1).

Como contrapartida para o Ministério da Cultura, responsável pelo financiamento da viagem de cinco desses músicos à França, publicamos o boletim informativo – Curitiba Fragmentos Musicais – volume 2. Tivemos oportunidade de publicar notícias sobre o andamento da pesquisa sobre José da Cruz e de publicar a partitura de Caboclo Velho, na

! 110

versão melodia cifrada e que havia sido preparada para compor as partituras publicadas no Songbook do Choro Curitibano – volume 1.

4.15 SALA JOSÉ DA CRUZ

Para a exposição realizada entre 9 de outubro e 11 de dezembro de 2012, montou-se uma sala exclusiva para os itens de José da Cruz. Além dos objetos e imagens conduzidos ao Museu Paranaense, outros objetos foram trazidos ao espaço expositivo do SESC Água Verde, entre eles, um baú que pertenceu a Carolina Cruz, um caderno de despesas da Barbearia Cruz, uma imagem fotográfica de Francisco Manoel da Cruz e uma de José da Cruz aos 8 anos, com sua mãe. Esse concerto teve as mesmas características daquele apresentado em Paris – apenas houve inserção de um banjo de 6 cordas, em substituição ao cavaquinho, nas músicas Pegue o banjo, Curitibano e O Sabiá.

Figura 45. Sala José da Cruz. Curadoria: Tiago Portella – Sesc Água Verde, Curitiba, 2012. Foto: Marilia Giller.

4.16 HOMENAGEM A JOSÉ DA CRUZ

Em 30 de novembro de 2012 fizemos uma homenagem a treze personagens da música curitibana83, (todos falecidos, inclusive Odah Terezinha Cruz (em 30/07/2011); os !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 83

Homenagem à Música Curitibana foi um evento idealizado em 2012, com o objetivo de homenagear treze músicos relevantes para a cultura musical em Curitiba, e já falecidos. As famílias compareceram para o recebimento da homenagem. O encontro ocorreu durante a programação do Conexão Musical 2012, patrocinado por uma parceria da Otto Produções Artísticas e o SESC Água Verde.

! 111

homenageados foram representados por seus descendentes. Vera Santa Cruz Wadouski, representando seu pai, José da Cruz, recebeu uma lembrança simbólica do evento.

Figura 46. Vera Santa Cruz Wadouski e José da Cruz. Homenagem a Música Curitibana. Sesc Água Verde, 30 nov. 2012. Foto: Shigueo Murakami.

4.17 PUBLICAÇÃO

DE

PARTITURAS

NO

SONGBOOK

DO

CHORO

CURITIBANO

Em dezembro de 2012, cinco músicas – Tristes recordações, Q.O.Q, Curitibano, Caboclo Velho e Meu padecer – foram publicadas no Songbook do Choro Curitibano , volume 1. Como dissemos, fez-se uma adaptação do arranjo para a versão melodia cifrada, para que instrumentistas solistas e acompanhadores possam executar as músicas no contexto das rodas de choro. Nessa publicação foi inserida uma pequena biografia de José da Cruz, com base nas informações recolhidas até aquele momento.

4.18 CD JOSÉ DA CRUZ

Até o momento foram adaptadas com maior ou menor intensidade vinte e três músicas de José da Cruz84. Quinze delas foram amplamente analisadas a partir dos arranjos originais gerando adaptações que foram registradas fonográficamente em dezembro de 2014 com a

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 84

Como exemplo de grade orquestral produzida no âmbito desta pesquisa, conferir o anexo da grade de Q.O.Q.

! 112

participação de 23 músicos profissionais de Curitiba. A ideia neste projeto foi tentar obter o máximo de originalidade das orquestrações de José da Cruz85. Na análise, cujo objetivo era concluir o quanto destes arranjos está incompleto e quais os possíveis elementos faltantes, há uma problemática fundamental para a reconstituição dos arranjos instrumentais: uma mesma música tem cadernos produzidos por ele em ocasiões diferentes, em tonalidades diversas e para formações orquestrais distintas. Alguns dos manuscritos sequer citam o instrumento musical ao qual a partitura se destina. Nestes casos caberá, ainda, compreender analiticamente os significados melódicos e interpretativos dos textos musicais, para aproximar as qualidades peculiares aos instrumentos em voga nos grupos, para então, denominá-los. Para a constituição das grades orquestrais, primeiro, optou-se pelo arranjo que possuía o maior número de instrumentos disponíveis. Em seguida observamos se haviam outros arranjos que pudessem complementá-lo, ou seja, que pudessem oferecer demais informações a respeito de contracantos e contextos harmônicos. A tonalidade que prevaleceu foi do arranjo que possuía maior instrumental, para que as transposições realizadas, dos instrumentos complementares, não sofressem alterações abruptas em seus registros. As músicas que tiveram suas grades orquestrais constituídas são: Q.O.Q., Pegue o banjo, O Sabiá, Bataclan, Tristes Recordações, Viola provocada, Caramurú, Meu padecer, Odah, Caboclo Velho, Maria de Lourdes, Murmúrios do Itambé, Curitibano, Carnavá na Roça e Cordão da Alegria. Cabe aqui esclarecer que algumas destas músicas possuíam apenas a partitura de piano guia, e o processo de adaptação para arranjo baseou-se na informações ali contidas, é o caso de Odah, Maria de Lourdes e Carnavá na Roça. Cinco destas músicas possuem letra: O Sabiá e Cordão da Alegria foram gravadas por vocal masculino solo e coro misto. Carnavá na Roça e Murmúrios do Itambé foram gravadas por vocal feminino solo e coro misto. O samba Q.O.Q. foi gravado pelo coro misto durante a terceira parte86. Nessa altura da pesquisa nos demos conta da dispersão talvez definitiva de alguns arranjos, e da existência de outros incompletos; mas constatamos que, felizmente, alguns mantiveram-se completos.

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 85

O projeto foi aprovado pela Fundação Cultural de Curitiba; e o incentivo financeiro, viabilizado pela instituição Positivo. 86 Na época, a terceira parte dos choros e valsas era costumeiramente chamada de Trio.

! 113

Quadro 21. Relação de controle de adaptações, produção de grades e gravações do repertório de José da Cruz. TÍTULO

1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13. 14. 15. 16. 17. 18. 19. 20. 21. 22. 23.

Maria de Lourdes Bataclan Brasil Eterno Caboclo Velho Caramurú Carnavá na Roça Cordão da Alegria Curitybano Este nego é bamba Eternidade Flor de Abril Meu padecer O Chopim O Guarany O Sabiá Odah Pegue o banjo Q.O.Q. Tristes recordações Siririca Vamos chorar Viola provocada Visão dum sonho

ADAPTAÇÃO PRELIMINAR

GRADE ORQUESTRAL

FONO87 DEMO

FONO PROFISSIONAL

em processo S S S S S S S

N S N S S S S S

N N S S N S S S

S S N S S S S S

N

N

registro/Odah

N

N em processo S N em processo S S S S

N N S N N S S S S

S N S midi N S S S S

N N S N N S S S S

S

S

S

N

em processo em processo S S

N N S N

N N S S

N N S N

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 87

Refere-se aos fonogramas.

! 114

5

BREVE HISTORIOGRAFIA DA MÚSICA CURITIBANA Alguns condicionamentos estéticos na obra de José da Cruz estão evidentemente

relacionados às características da música produzida no Paraná durante os séculos XIX e XX. O fato de não haver até agora documentação sobre as atividades de Cruz no período até os 20 anos de idade reforçou a necessidade de compreendermos o cenário artístico musical em Curitiba durante a transição entre os séculos XIX e XX, seguindo as duas décadas posteriores. Incluímos algumas observações culturais do início do século XIX. Todas as referências apontadas foram entendidas como sendo influências diretas na moldagem da persona musical de José da Cruz, condicionando suas escolhas e preferências estéticas.

5.11 REFLUXOS CULTURAIS NO PARANÁ NO INÍCIO DO SÉCULO XIX – MELANCOLIA E SALÃO

Algumas práticas musicais comuns no atual estado do Paraná, durante as primeiras décadas do século XIX, foram registradas por estudiosos e cientistas que estiveram na região coletando os mais variados tipos de dados. Em 1820, o botânico francês Saint-Hilaire descreveu, em Viagem a Comarca de Curitiba, alguns fenômenos musicais. As observações de Saint Hilaire contribuíram para o entendimento qualitativo dos primórdios da musicalidade paranaense. O botânico registrou características organológicas e práticas musicais observadas em uma festa particular, promovida por ocasião de sua estada na propriedade do sargento-mor José Carneiro, em Castro88. Além de registrar suas sensações ao experimentar auditivamente as melodias entoadas, Saint Hilaire fez apontamentos sobre as danças executadas, enfatizando o sapateado típico do fandango paranaense, o anu e a chula. As rítmicas destes sapateados influenciaram uma série de compositores paranaenses durante o século XIX e o XX. Portanto, um importante registro documental de características das práticas interpretativas na região da Comarca de Curitiba89. A respeito do repertório praticado nos salões do Paraná90, um dos !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 88

A região de Castro pertencia, nessa época, a Comarca de Curitiba, que, por sua vez, pertencia territorialmente à Província de São Paulo, cabendo a esta todas as decisões políticas. A Província do Paraná foi criada no ano de 1853. 89 “O sargento-mor reunira os músicos das redondezas em sua sala, que não era ladrilhada nem assoalhada, tal como as modestas tabernas das nossas vilas. Entre os músicos que ali ouvi, achava-se um homem que tocava viola com muito gosto, sem conhecer uma nota sequer. Outro, senhor de pequeno instrumento chamado machete, que não é outra coisa senão uma viola de bolso, tocava-o em todas as posições imagináveis, tendo o talento de tirar partido disso. Fazia ainda esse homem tantos trejeitos, que um famoso saltimbanco, então conhecido em Paris por le grimacier, lhe teria inveja. Além da música, houve danças. Sendo quaresma, não foi permitido o batuque (danças obscenas, sobre as quais já me referi em outras obras). Dançaram a dois, como nas antigas

! 115

mais significativos registros produzido durante as primeiras décadas do século XIX está no códice do português Antonio Vieira dos Santos (1784-1854)91. As peças musicais contidas neste documento são: Retirada das bandeiras, Zabumba Alegre, Série Amável, 1º Minuete da Corte, Minuete da Rosinha, Minuete Contra a Rosinha, Minuete Afandangado, Minuete da Saudade ou Figurado, 2º Minuete da Enviada, Tocata Grande do Saltério, Solo Inglês, Cotilhão, 2ª Contradança, 1º Lundum da Bahia, 2º Lundum da Bahia, 4º Lundum de Marruá, A Chula Ponteada, O Desterro, O Fandanguilho, O Batuque dos Negros, Miudinho, Marcha do 8º tom, Marcha dos Encantos de Medeia, 4º Minuete de José Teixeira, Adágio da Mulata, Hino Nacional, 3º Lundum, A Baiana e A Tonta92. Das 29 músicas contidas neste códice destacamos abaixo três trechos, por conterem referências ao fandango, à chula e ao batuque, ritmos frequentemente utilizados em composições de músicos paranaenses, sobretudo os que procuravam enfatizar, em suas obras, características regionalistas.

Incipit 6. Minuete afandangado por Vieira dos Santos. Fonte: Cifras para Saltério, 2002, p. 39.

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! danças alemãs, e a quatro, marca coreográfica chamada na região anu e chula. Em que sapateiam furiosamente, dobrando os tornozelos, aliás, com certa graça. Os tocadores de viola também cantaram, não sendo aí, todavia, que brilham os brasileiros que vivem longe das grandes cidades e não aprenderam música. Algumas modinhas (cantigas populares, geralmente muito livres) são sem dúvida bem bonitas, entretanto, nada mais triste e monótono que os cantos populares das Províncias por mim percorridas. A voz dos brasileiros é quase sempre precisa, mas os habitantes do interior, pertencentes à classe subalterna, sustentam a mesma nota demoradamente, enfraquecendo a voz pouco a pouco, de modo que suas canções chegam a assemelhar-se a cânticos fúnebres”. (HILAIRE, 1964, p.81). Cabe aqui observarmos que a utilização do machete e da viola é bastante similar à base de cordas que constituiu posteriormente os primeiros conjuntos instrumentais de choro, compostos basicamente por cavaquinho e violão, respectivamente instrumentos originários de Portugal e Espanha. 90 A chegada da corte portuguesa ao Brasil influenciou significativamente os condicionamentos artísticos do “Novo Mundo”. Entre as danças praticadas nos salões da família real há o minueto, a gavota, o solo inglês, a contradança e alguns derivados como o cotillon, a quadrilha e o lanceiro. Estas práticas influenciaram as atividades musicais pelos salões de todo o território brasileiro. 91 Antonio Vieira dos Santos, por sua contribuição às Artes no Paraná, é patrono da cadeira número um da Academia Paranaense de Letras. VARGAS, Túlio; HOERNER, Valério; BÓIA, Wilson. Biobibliografia. Biografia de Antonio Vieira dos Santos (1784-1854). Academia Paranaense de Letras, 2011. 92 O pesquisador Rogério Budazs (2002), responsável por trazer à tona este documento, nos informa sobre o repertório praticado nos salões de dança de Paranaguá e Morretes. O álbum de peças musicais para saltério escrito pelo português Antonio Vieira dos Santos, em torno do ano 1822, contém ao todo 29 composições. Apesar da tablatura ter sido o sistema sígnico utilizado na época de sua produção, Budazs realizou estudos e adaptações, produzindo as versões, em partitura, dos temas musicais.

! 116

Incipit 7. A chula ponteada, Vieira dos Santos. Fonte: Cifras para Saltério, 2002, p. 50.

Incipit 8. O batuque dos negros, Vieira dos Santos. Fonte: Cifras para Saltério, 2002, p. 55.

A era das partituras – repertório de bailes e saraus em Curitiba

A partir da instalação da primeira tipografia no Paraná, algumas partituras impressas em periódicos passaram a ser comercializadas. Tais publicações, impressas na capital federal, passaram a ser assinadas na tipografia instalada na capital paranaense, viabilizando ao público curitibano o acesso a elas93. É possível que essas partituras tenham sido utilizadas em bailes, concertos e saraus em Curitiba94. O Jornal das Senhoras, publicado pela Corte no Rio de Janeiro em 1852, passou a ser comercializado em Curitiba em 1855; dos 209 fascículos digitais consultados pela Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional, 27 deles apresentam partituras95. !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 93

Foi depois da emancipação política e administrativa da Comarca de Curitiba (1853) que o primeiro presidente da Província do Paraná, “Zacarias Goes de Vasconcelos convidou Cândido Martins Lopes para instalar sua oficina tipográfica em Curitiba, criando-se assim a Tipografia Paranaense, que, em 1854, passa a imprimir o Dezenove de Dezembro" (QUELUZ, 1996, p.30). 94 No ano de 1854 a população de Curitiba era constituída por 20.629 habitantes, sendo 18.861 pessoas livres e 1.768 escravos. KUBO. Elvira Mari, Aspectos demográficos de Curitiba: 1801-1850. [Dissertação de Mestrado em História]. Curitiba: Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes da UFPR, 1974. 95 Em 28 de março de 1855, o jornal O Dezenove de Dezembro faz o seguinte anúncio: “Subscreve-se nesta tipografia para o interessante Jornal das Senhoras que se publicam a corte, e é redigido por uma senhora. Além

! 117

Quadro 22. Repertório publicado no Jornal das Senhoras.

1852 Autor NC F. S. Noronha F. S. Noronha NC Noronha 1853 Noronha

Data 1 2 3 4 5

Título Modinha Brazileira Romance Souvenir Lundu Hino

6

8

Candinha A Flor mimosa do Brazil Theresa

9

Naples

Alphonse Leduc

10 11 12 13 14

La dame aux camelias Hymno Romance Sem palavras Schottische

15

Il Sospiro

16

18

Barqueiro As lágrimas da amizade Lundum das moças

19

Lundum das Beatas

20

Lyra As lágrimas da saudade As duas irmãs Sem nome Estrela da minha vida

Alphonse Leduc Noronha Noronha Noronha Noronha Poesia: Silvio Pillico Música: Lacourt Lacourt Emilia Dulce Moncorvo de Figueiredo Noronha Poesia: Salomon música: J. da Sª. Ramos H. C. Stockmeyer

7

17

21 22 23 24

25 26 27

Aos felizes anos Amei uma virgem de faces de neve Canzone da opera Il Trovatore

Gênero/Indicação modinha romance 6/8 lundu hino valsa

NC

allegro 3/4

J. Massenet

valsa andantino quase allegretto 6/8 schottisch hino 6/8 romance 6/8 schottisch

Joseph Frachinetti H. C. Stockmeyer NC NC 1854 NH 1855 Joseph Frachinetti Poesia: L. Veiga Música: Joseph Frachinetti NC

cançoneta barcarolla valsa lundum lundum cançao valsa schottisch NC cançoneta

allegro modinha nova brasileira canção

Salientaremos aqui que, em meados do século XIX, apesar do modismo da polca, influenciando uma série de comportamentos e hábitos musicais a partir de sua chegada ao Brasil, constatamos que nenhuma peça deste gênero foi publicada no Jornal das Senhoras. No !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! dos seus excelentes e variados artigos, traz sempre figurinos das modas e as mais modernas peças de música” (O DEZENOVE DE DEZEMBRO, 28 mar. 1855, p. 4).

! 118

entanto, a partir de 1856, algumas polcas começaram a ser impressas em partitura96. O compositor paranaense Brasílio Itiberê da Cunha (1846-1913) teve a sua polca Pífaros da Esquadra, impressa pela Casa Levy (SP), e lançada em 25 de agosto de 186797. O flautista carioca Joaquim Callado (1848-1880), colaborador na organização dos conjuntos de choro à base de violões e cavaquinho, teve sua primeira polca – Querida por Todos – editada em 1869. Você bem sabe e Atraente, polcas pioneiras de Ernesto Nazareth e Chiquinha Gongaza (respectivamente) foram editadas em 1877 (VERZONI, op.cit., p. 79-101)98. O registro mais antigo encontrado por mim durante a pesquisa sobre a impressão de partituras no Paraná é justamente de uma polca, comercializada em 1886. O periódico Gazeta Paranaense divulgou a venda da partitura A Escrava, na Livraria Contemporânea99,

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 96

O pesquisador Paulo Castagna (op.cit., p.1) constatou que, em 1856, foi impresso Rio de Janeiro: Álbum pitoresco-musical, considerado por ele o primeiro álbum de partituras de danças de salão impresso no Brasil. Não há evidência da circulação deste material em Curitiba; mas esta compilação contém sete títulos musicais, entre os quais duas polcas: Glória, do compositor Eduardo Ribas (1822-1883); e a polca-mazurka Tijuca, de J. J. Goyanno, editadas no mesmo exemplar. 97 DEQUECH, André; LIMA, Arthur Moreira. Brazílio Itiberê. Obras Escolhidas. Cronologia do compositor. Fundação Cultural de Curitiba, 1998. 98 Em meados do século XIX, o Brasil, incluindo sua capital federal e demais regiões em desenvolvimento recebeu grande influência das danças praticadas nas cortes europeias. Para citar três exemplos, no Rio de Janeiro há registros do primeiro aparecimento da polca em 1845, da mazurca em 1846 e do schottisch em 1851. Destes, a polca foi o gênero fundamental para a construção de uma música com característica abrasileirada. José Ramos Tinhorão observou que a polca de salão influenciou musicalmente o aparecimento do maxixe. Esses gêneros foram constantes nas práticas musicais, sobretudo, das cidades em desenvolvimento. “[...] Na verdade, seria exatamente dessa descida das polcas dos pianos dos salões para a música dos choros, à base de flauta, violão e oficlide, que iria nascer a novidade do maxixe, após vinte anos de progressiva amoldagem daquele gênero de música da dança estrangeira a certas constâncias do ritmo brasileiro” (TINHORÃO, 2013, p. 74). A polca tem, como principal característica o compasso binário simples em allegretto. Como visto por Tinhorão, sua execução foi introduzida primeiramente nos salões de dança ao acompanhamento de piano; e não demorou para este gênero ser utilizado por conjuntos instrumentais daquele tempo. Foi originalmente introduzido no país para satisfazer os gostos da classe média carioca que surgia e expandia-se. Imediatamente encontrou uma diversidade de interessados. “De fato, quando a polca surgiu em 1845, apresentada pela primeira vez no Teatro São Pedro, do Rio de Janeiro – o que desde logo indicava o nível social mais ou menos elevado do público a que se dirigia – , ainda não se poderia falar na existência de povo nas cidades brasileiras, no sentido moderno da palavra. Os trabalhadores livres nas chamadas profissões mecânicas (artífices e artesãos) eram muito poucos, e o grosso da camada mais baixa da população era formado por pretos escravos que cultivavam a música no estágio primitivo dos batuques e dos lundus de terreiro. Assim, é compreensível que o novo ritmo da polca, criado na Europa por exigência das primeiras gerações urbanas, filhas da Revolução Industrial, tenha servido inicialmente, no Brasil, à expansão da classe média, sujeita à sensaboria de contradanças e gavotas, tão presas ainda ao contido maneirismo das elites” (id. ibidem, p.71). O fato é que a nova febre, causada pela experiência da polca no Brasil, influenciou bastante o paradigma rítmico dos músicos urbanos. Apesar da melancolia das modinhas ter sido preservada em algumas práticas de expressividade, os músicos passaram a imprimir nas interpretações o caráter allegretto, ritmicamente e melodicamente menos sincopado em relação aos batuques. 99 As livrarias tinham a importante função de comercializar pautas em branco, partituras e acessórios para instrumentos. A Livraria Econômica anunciou o setor de sua loja dedicado exclusivamente à venda de acessórios musicais e partituras. O estabelecimento anunciou a venda de “músicas para piano, piano e canto, flauta e piano e piano a 4 mãos, cordas para violino e violão, além de palhetas para instrumentos de sopro e papéis de música em todos os formatos” (ALMANAQUE DO PARANÁ, 1896, p. 172).

! 119

localizada em Curitiba. A polca foi composta pelo pianista e mestre de banda Aprigio Bispo de Beja100.

Figura 47. Anúncio de comercialização da polca A Escrava. Gazeta Paranaense, Curitiba, 18 mai. 1886, p. 4. Fonte: Hemeroteca Digital Brasileira. Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.

Ainda em 1895, o português Antonio Mariano de Lima (1858) imprime partituras no periódico A Arte, impresso pela primeira vez em Curitiba em 1888 e do qual foi redator. Este periódico publicava trabalhos desenvolvidos por alunos da Escola de Artes e Indústrias do Paraná101. Na edição de número 4 do dia 15 de março de 1895, é impressa a partitura da música Souvenir – composição para piano, de João B. Ribeiro Filho, com partitura litografada pela aluna Maria Aguiar102.

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 100

Aprígio Bispo de Beja residia e atuava profissionalmente na cidade litorânea de Antonina, no Paraná. Mudouse para Curitiba onde chegou a reger a Banda da Policia e a trabalhar como professor e afinador de pianos. No dia 07 de maio de 1887, a banda de música da qual era regente participou, em Antonina, da inauguração da oficina tipográfica do jornal Labor (GAZETA PARANAENSE, 07 mai. 1887 p. 3). 101 O antigo gabinete do artista plástico Mariano de Lima tornou-se a Escola de Artes e Indústrias do Paraná, por ato do Governo Provisório do Paraná, em novembro de 1889. Lá eram ministrados: desenho artístico, arquitetura, escultura, pintura e música. Os métodos adotados na escola eram os mesmos da Escola Nacional de Bellas Artes e do Instituto Nacional de Música, ambos sediados no Rio de Janeiro. “[…] não só por serem os mais adiantados como por estarem de acordo com os mesmos [escola e instituto nacionais], visto que tencionamos enviar para ali os alunos que salientando-se aqui em seus estudos, possam, aperfeiçoando-se naquelas escolas, concorrer aos concursos anuais, nos quais poderão obter o prêmio de pensionistas que o Governo Federal confere por cinco anos, aqueles que desejam completar sua educação artística na Europa”. (A REPUBLICA, 01 abr. 1895, p. 3). Os alunos de música aprovados em caligrafia musical, teoria e piano eram habilitados para associarem-se ao Grêmio Musical Carlos Gomes, nos primeiros anos de existência organizado e regido pelo maestro Alberto Monteiro. O Grêmio fundado no dia 09 de maio do ano de 1893, tinha a sede localizada no Teatro Hauer (A REPÚBLICA, 08 jan. 1895, p. 3). 102 Até o momento não obtivemos maiores informações sobre a trajetória artística de João B. Ribeiro Filho. Acreditamos que tenha sido aluno da Escola de Artes e Indústria do Paraná. Outras duas partituras dele foram publicadas em periódicos locais: a valsa Saudades, publicada em A Arte, e a valsa Ouvenia, publicada em O Olho da Rua em 1907. Pela datação contida na composição Souvenir, concluímos que foi contemporâneo a geração de músicos de renome nas pesquisas em música como Joaquim Antonio Callado Jr., Chiquinha Gonzaga e Ernesto Nazareth.

! 120

Figura 48. Souvenir, valsa de João B. Ribeiro Filho. Litografia por Maria Aguiar. Fonte: A Arte, 15 mar. 1895, p. 11.

Algumas informações sobre o envio de pautas musicais pelos Correios, em Curitiba, estão publicadas no Almanaque do Paraná de 1896103, um dos responsáveis pela difusão de informações de utilidade pública e comercial. As regras de como deveria ser realizado o envio de cartas e encomendas determinavam que o envelope fosse postado aberto, para que o agente pudesse realizar a consulta de seu conteúdo com rapidez. Os cinco primeiros itens da listagem são: jornais, livros, papéis de música, cartões de visita e participações de casamentos. Deduzse, portanto, que no final do século XIX, o envio de partituras e pautas pelo correio em Curitiba era algo convencional104. A polca Novo Mundo, de autoria do músico Benedito Nicolau dos Santos105 (18781956), foi considerada na imprensa da época a primeira partitura produzida tipograficamente !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 103

Encontramos neste almanaque algumas recomendações sobre envio e recebimento de pautas musicais pelos Correios de Curitiba, desde 1896. As normativas do funcionamento para a emissão de encomendas estavam estabelecidas, e foram ali descritas. 104 O Almanaque do Paraná, editado desde 1896, publicava anualmente em suas edições o “Indicador Comercial”, onde apresentava uma relação de comerciantes, empresas e prestadores de serviço. Em nota publicada na edição de 1900, lê-se o seguinte: (…) sendo o nosso principal desejo, servir ao comércio em geral, dando um completo indicador de casas de comércio, indústrias e de profissionais, pedimos a todas as pessoas que não se achem incluídas neste indicador, o obséquio de nos enviar seus nomes, ramo de negócio ou profissão que exerçam”. Em 1900, além de uma repleta relação de alfaiates, fábricas de barris, barbeiros, despachantes da estrada de ferro, entre diversificadas outras casas de comércio, destacamos a indicação da existência de 4 livrarias, 2 lojas de música, 5 papelarias, 3 estúdios fotográficos, 9 tipografias, 4 casas de bilhar, 19 botequins, 5 confeitarias, 11 cervejarias, 6 colégios/escolas e 5 cafés/restaurantes. Os professores de música anunciavam seus serviços pelo Almanaque. 105 Músico, escritor, crítico de arte, poeta, teatrólogo, conferencista, musicólogo e professor […] Durante anos, escreveu e depois publicou a obra Sonometria em Música, dividida em 4 volumes […] Ministrou palestras no

! 121

no Paraná106. No dia 01 de julho 1899, o Jerusalém, editado pela loja maçônica “Fraternidade Paranaense”, dos quais eram editores Silveira Netto e A. Pires, publicou a seguinte nota.

POLCA “NOVO MUNDO” – Com o título supra, foi-nos graciosamente endereçada pelo digno proprietário do atelier Novo Mundo, o nosso bom Ir. Adolpho Guimarães, uma bonita polca, (primeira música tipografada no Paraná), de composição do talentoso Sr. Benedicto Nicoláu dos Santos. Agradecidos. (JERUSALÉM, 01. jul. 1899, p. 8).

Em agosto de 1899, o Atelier Novo Mundo produziu em sua oficina tipográfica a polca militar Estilhaços, também de autoria de Benedito Nicolau dos Santos, que foi comercializada a 1.000 réis o exemplar. No ano seguinte (1900), Benedito Nicolau teve sua polca cançoneta O Sapo publicada em revista homônima, edição nº 09, impresso para o dia 06 de março de 1900.

! Incipit 9. O Sapo - polca de Benedito Nicolau dos Santos. Originalmente publicada na revista impressa O Sapo, Curitiba, 06 mar. 1900. Fonte: Hemeroteca Digital Brasileira. Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.

Entre os anos 1900 e 1902, outras três partituras foram comercializadas e amplamente divulgadas. Em novembro de 1900, a polca saltitante Hidalga, do compositor Leite Júnior, foi comercializada a 1.000 réis.

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! Instituto Nacional de Música quando expôs o seu novo método de ensino de grafia musical. Foi um dos fundadores do Círculo de Estudos Bandeirantes e membro de várias associações culturais. É titular da cadeira número 19 da Academia Brasileira de Música. (OTTO, 2012, p. 51). 106 Sua produção gráfica foi encomendada ao atelier Novo Mundo, propriedade de Adolpho Alencar Guimarães.

! 122

Figura 49. Anúncio de venda da polca Hidalga. A Republica, Curitiba, 17 nov. 1900. Fonte: Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Hemeroteca Digital Brasileira.

As partituras das valsas Marina107 e Alcina alcançaram o público em 1902. O texto musical da valsa Marina foi encontrado nas partituras manuscritas pelo músico Eugênio do Rosário108.

Figura 50. Anúncio da venda da valsa Marina. A República, Curitiba, 23 jun. 1902, p. 4. Fonte: Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Hemeroteca Digital Brasileira.

Figura 51. Anúncio de venda da valsa Alcina. A República, Curitiba, 19 dez. 1902, p. 3. Fonte: Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Hemeroteca Digital Brasileira.

E, de fato, talvez os mais relevantes registros estejam nos cadernos de partituras escritos a mão pelos músicos instrumentistas que viveram em Curitiba. Além de fornecer dados sobre as composições em si, podemos, a partir destes suportes, compreender os !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 107

Produzida pelo compositor, flautista e professor Luis da Silva Bastos. Segundo consta em programas de concerto publicados na época, esta valsa foi executada pela Banda do 6ª Regimento de Artilharia, e sua partitura vendida a 1.500 réis na casa do Sr. Francisco Hertel e nas livrarias Novo Mundo e Econômica. O quinteto de Luis da Silva Bastos atuava com frequência em Curitiba durante as duas primeiras décadas do século XX, nas sessões do cinema mudo. Foi um dos primeiros a produzir músicas para os teatros de revista produzidos na capital do Paraná. 108 Flautista, violonista e pianista. Nasceu em Paranaguá no dia 24 de agosto de 1882. Faleceu em Curitiba no ano de 1967. Filho de José Antonio do Rosário (músico) e Lucia Maria do Rosário. Casou-se em 1905 com Zelinda Mota, com quem teve seis filhos, a maioria tornou-se músico(a) profissional: Jarbas, Gerdal, Iran, Ocirena, Euterpe e Deorand. Parte do arquivo de partituras e anotações do músico Eugênio do Rosário foi recentemente encaminhada para o NEMUP – Núcleo de Estudos Musicais do Paraná coordenado pela profª. Marilia Giller.

! 123

repertórios como um todo. As melodias contidas no “caderno de bailes”, manuscritas pelo músico Carlos Finkensieper, o Carlito109, formam o seguinte repertório: Quadro 23. Repertório do “caderno de bailes” por Carlos Finkensieper – Curitiba – 26.03.1907. Título Esperança Il barbiere Juracy Leomenia Lembrança de um amigo (ao amigo Carlito) Morena Filoca Trahida por uma flor Brilhante Leonor Depois da morte Annita Cocolas Santinha Estrelinha Teu olhar Coração de ferro Sem título Ingrata Sem título Theodomira Aliança Sem título Perquê Sem título Promesse spozi mazurca Dime, es verdade que me quieres? Filoca ( parte em branco)

Autor Carlito NC Carlito Carlito Manuel P. Algobar [?] NC NC NC NC Carlito E. A. Rosário E. A. Rosário Carlito NC NC NC NC NC NC NC NC NC NC NC NC Mestro [sic] Manente NC NC

Gênero valsa valsa valsa valsa valsa valsa valsa valsa schottisch valsa valsa valsa valsa polca schottisch polca schottisch mazurca valsa polca valsa valsa polca polca valsa mazurca 3/4 valsa

Fonte: Arquivo pessoal de Eugênio Antonio do Rosário.

5.11.1 De olho na Rua O Olho da Rua, importante veículo de comunicação publicado entre 1907 e 1911110 foi uma revista fundada pelos sócios Seraphim França, Heitor Valente e Mário de Barros (QUELUZ, op. cit., p. 40). Os fascículos investigados através da Hemeroteca Digital !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 109

Em meio ao arquivo pessoal de partituras do músico Eugênio do Rosário, em posse da família, está o caderno de melodias de Carlos Finkensieper, seu cunhado. 110 Os periódicos foram fundamentais para a formação das opiniões e gostos na nova Curitiba que então vivia a sua Belle Epoque. O Olho da Rua espelha em seus conteúdos a imponente revolução nos costumes ocorridos durante a Primeira República, período em que a classe média surgia no Brasil, ganhando força de expressão e poder de comunicação. O próprio nome idealizado para o periódico – O Olho da Rua – indica que a ótica adotada na formatação e seleção dos conteúdos de seu editorial exibia abordagem enfática das questões até então consideradas mundanas e desinteressantes, como a aceitação da mulher na trama social e a divulgação dos movimentos e produções de música popular.

! 124

Brasileira estão assim datados: 18 fascículos publicados em 1907, sendo que, destes, 15 possuem partitura publicada; 25 fascículos publicados em 1908, dos quais 8 possuem partitura. 20 fascículos publicados em 1909, sendo que 7 têm as partituras, e, finalmente, 11 fascículos publicados em 1911, sendo que 3 deles têm publicadas as partituras111. No total foram impressas 33 peças músicas de autoria de 14 compositores. A única que possui letra editada no corpo da própria partitura é o hino A Estrella D’alva, de autoria de Augusto Stresser, com letra de Silveira Netto. Ao todo foram publicadas 13 valsas, 5 schottisch’s, 5 polcas, 2 mazurcas, 2 tangos, 2 hinos, 1 canção, 1 dobrado, 1 habanera e 1 allegro. O Olho da Rua funcionou como veículo de divulgação de produções musicais populares de atuantes compositores da cena curitibana daquele período112. Para citar alguns: Benedito Nicolau dos Santos, do qual já ressaltamos algumas produções; Eugênio do Rosário, autor de uma série de compilações de tratados de harmonia, contraponto, dicionários musicais e organológicos; Luiz da Silva Bastos – o seu quinteto era um dos mais participativos durante as exibições do cinema mudo em Curitiba; Carlos Franck – importante maestro que participava com sua orquestra das principais ocasiões religiosas e de entretenimento em Curitiba. Quadro 24. Partituras publicadas em O Olho da Rua entre 1907 e 1911.

1907 Fascículo 1 2 3 4 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16

Data 13/04 27/04 11/05 25/05 22/06 06/07 20/07 10/08 24/08 07/09 21/09 12/10 26/10 15/11 30/11

Título Curytiba Canção de Outrora A Estrella D’alva Hercilia Maris Vou Deixar-te Ouvenia Não Venhas Vision D’amour Luizinha Judith Andaluza Minha Amizade Carola Moreninha

Autor Luiz da Silva Bastos Amelia Camargo e Rodrigo Junior Augusto Stresser e Silveira Netto Raul Faria Carlos Frank Raul Faria João B. Ribeiro Filho Benedito Nicolau dos Santos Benedito Nicolau dos Santos Benedito Nicolau dos Santos Benedito Nicolau dos Santos Raul Faria Eugênio do Rosário Benedito Nicolau dos Santos Raul Faria

Gênero valsa canção hino schottisch polca-mazurca valsa valsa polca valsa polca schottisch valsa valsa mazurca schottisch

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 111

As pesquisas indicam que, em 1910, o periódico não foi produzido, e que, em 1911, recomeça a ser impresso, a partir do fascículo um. 112 Tendo em vista o rápido desenvolvimento urbano, uma nova era cultural emergiu no Paraná durante a transição dos anos 1800 e 1900. Os gêneros musicais populares eram disseminados por meio de concertos, partituras e registros fonográficos. A indústria do entretenimento ofereceu o que havia de mais moderno na exibição de imagens pelos cinematógrafos. Tornou-se febril a apropriação pelos compositores dos ritmos já amplamente utilizados no século XIX como a polca, o tango, a marcha, o schottisch e a valsa. Todos eles fundamentais para a consolidação da música popular produzida no Brasil durante toda a primeira metade do século XX.

! 125

1908 19 20 22 24 27 32 42 43

18/01 01/02 22/02 21/03 02/05 11/07 28/11 12/12

Olho da Rua Aurora de Amor Meu Presente A Pérola Negra Rainha das Flores Dobrado Paraná Hymno Austríaco Não Empurra

46 47 49 53 54 55 58

06/02 20/02 20/03 05/06 19/06 03/07 15/09

Risoleta Momo Geisha O Vendedor de Pássaros Chaleirando A viúva Alegre Sonhos de Gerdal

5 6 7

22/07 05/08 19/08

Senhorita Je t’aime Olha da Rua

Jorge Holzmann Luiz da Silva Bastos J. U. A. Rocha J. U. A. Rocha Jorge Holzmann Jorge Holzmann NC NC

polca-marcha valsa valsa mazurca schottisch dobrado hino tango

Luiz da Silva Bastos Antonio Cardozo NC NC Eugênio do Rosário NC Eugênio do Rosário

valsa polca allegro moderato valsa habanera valsa schottisch

Clotilde Pereira Anna Julieta Gomes Clotilde Pereira

valsa valsa tango

1909

1911

Fonte: Hemeroteca Digital Brasileira – Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.

Na iconografia encontrada no periódico d’Olho da Rua, observamos o anúncio de página inteira da Casa de Novidades (vide anexos), onde se retrata um gramofone em funcionamento e as reações que provocava nos passantes. Com ilustração do caricaturista Mário de Barros (Herônio), a imagem apresenta uma multidão que se amontoa em torno da máquina. As notas musicais, ali representadas por figuras rítmicas de partitura, nos conduzem à ideia de que os passantes ouvem música. Mas o espanto e a seriedade dos personagens desta cena podem indicar também, a audição de algum discurso. A cada instante uma nova configuração de interesses sociais, econômicos e de entretenimento se revelam a partir da revolução das máquinas113.

5.11.2 O fonógrafo e as gravações na capital do Paraná

Em 1893, o fonógrafo de Edison foi apresentado ao público curitibano no Restaurante Volet, localizado na Rua XV de Novembro. Era exibido diariamente das 12:00 às 16:00 horas, !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 113

Com a recente república brasileira, Curitiba se afirmava entre as cidades em pleno desenvolvimento urbano. Com maior autonomia para o livre comércio, multiplicaram-se os estabelecimentos que surgiram para atender as demandas da capital. A cada dia mais populosa, a cidade abrigava restaurantes, agências bancárias, botequins, farmácias, lojas de calçados e vestuário, perfumarias, confeitarias, hospedarias, clubes, lojas de bebidas, entre outras tantas de cunho comercial. Algumas passaram a oferecer atividades para entreter, apresentando as novidades mecânicas e elétricas industrializadas. A República no Brasil acelerou as buscas pela caracterização de uma identidade nacional brasileira.

! 126

e das 18:00 às 21:00114. A incrível “maquina que fala, que canta, que ri” era comentada pela imprensa como “a invenção mais prodigiosa do século XIX”. Os anúncios nesse ano ofertavam a audição de cilindros de “arias, duos, solos de piston, flauta, piano, discursos sérios e cômicos” (A REPUBLICA, 20 ago. 1893, p. 6) Devido ao grande sucesso do fonógrafo em Curitiba, em 1901 Fred Figner115 estabeleceu, na Rua XV de Novembro, n. 82, a filial de sua Casa Edison. O jornal A Republica imprimia por diversas vezes, durante o mês de junho de 1901, a divulgação do estabelecimento de Figner. Os anúncios proclamam que ali estão “os primeiros e únicos laboratórios de fonogramas nacionais”. Levantamos, portanto, a hipótese da existência de gravações realizadas com músicos em Curitiba a partir de 1901116. Anúncios da Casa Edison informavam que estava instalada na loja uma fábrica de cilindros e uma oficina de manutenção, evidências da movimentação em torno da aquisição de fonógrafos e fonogramas em Curitiba naquele tempo. Em julho de 1901 foi publicada uma nota intitulada, A nova casa dos fonógrafos à Rua 15 de Novembro, onde o redator do fato !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 114

O marco inicial da história da gravação e reprodução de áudio foi o fonógrafo de Edison, inventado em 1877. Segundo o pesquisador Humberto Francheschi, a primeira exibição do fonógrafo no Rio de Janeiro ocorreu em 1878, na loja “Ao Grande Mágico”, localizado na Rua do Ouvidor, n. 107. Nesta edição do aparelho, os cilindros ainda não eram removíveis; passaram a sê-lo a partir de 1886. 115 O grande difusor do fonógrafo e principal responsável por gravações realizadas no Brasil foi o tcheco Fred Figner (1866-1947), comerciante que chegou aqui em 1892. Ao desembarcar em Belém do Pará registrou o que provavelmente foi a primeira gravação em território brasileiro. O registro do que foi essa gravação encontra-se na edição do dia 17 de dezembro de 1892 da Gazeta Americana de Porto Alegre, onde se lê o discurso do Dr. Cabral: “Figner deu-nos o ensejo de apreciarmos também um bestialógico, feito no Pará por um jovem de brilhante talento, que colocou os exércitos de Napoleão atravessando o Mar Vermelho tendo à sua frente Jericó, que encontrou Jesus Cristo à testa da redação de um jornal oposicionista e outras personagens que obrigam o público à mais expansiva e franca gargalhada”. Logo a seguir, Figner começou a preparar repertório para as exibições pagas que iria promover no Brasil. Ao lado das gravações norte-americanas, trazidas com ele, gravou lundus, modinhas brasileiras e números de artistas de opereta hospedados no mesmo hotel. Com esse material, fez da primeira exibição do fonógrafo um verdadeiro sucesso: em apenas um mês, 4.000 pessoas pagaram 1$000 (mil réis) para se surpreenderem, ao ouvir pela primeira vez a máquina falante. Começando em Belém do Pará, passando depois por Manaus e em seguida por Fortaleza, Natal, João Pessoa, Recife e Salvador, Figner finalmente chega ao Rio de Janeiro em 21 de abril de 1892. Tinha, então, 26 anos de idade (FRANCHESKI, 2000, p. 18). 116 Identificamos diversos grupos de música em plena atividade em Curitiba desde emancipação política do Paraná em 1853 até a primeira década do século XX. Orquestra de Bento Antônio de Menezes (1857), Banda da Companhia de Força Policial da Província do Paraná (1861), Banda do 2º Corpo de Cavalaria (1880), Banda de Música de Benedito Diniz (1880), Banda de Música de João Scheleder (1880), Banda do 3º Regimento de Artilharia (1885), Orquestra de Manoel d’Oliveira Monteiro (1888), Banda Musical União dos Artistas (1888), Banda de Lourenço Justiniano Batista (1888), Banda do 8º Regimento de Cavalaria (1889), Orquestra do Grêmio Musical Carlos Gomes (1893), Banda do Regimento de Segurança do Estado do Paraná (1892), Banda de Vicente Daló (1897), Grupo Orquestral Curitibano de Carlos Goudard (1898), Banda Militar do 17º de Infantaria (1900), Orquestra de Carlos Franck (1901), Banda do 6º Regimento de Cavalaria (1903), Banda do 39º batalhão de Infantaria (1903), Sexteto do Professor Martini (1904), Banda do 1º Batalhão de Engenharia (1905), Banda do 13º Regimento de Cavalaria (1904), Banda do 14º Regimento de Cavalaria (1905), Orquestra do Grêmio Musical Orpheon Paranaense (1906), Orquestra Estudantina de Luiz da Silva Bastos (1906), Banda do 6º Regimento de Artilharia (1907), Quinteto de Luiz da Silva Bastos (1908), Banda do Batalhão de Caçadores (1909) e Orquestra de E. Deyer (1909). O ano refere-se à aparição pública pesquisada.

! 127

noticioso comenta sobre as exibições públicas do fonógrafo nesse estabelecimento, incluindo menção ao repertório contemplado. A Casa Edison localizada em Curitiba realizava gravações. A empresa Aguiar e Assis, sediada na capital, responsável pela fabricação e comercialização do licor de Tayuyá e da Herva de Bugre, registrou o seu anúncio em cilindro para a divulgação de ambos os produtos.

Foi um regalo para os amadores de novidades a abertura da nova casa de eletricidade nesta capital, filial de uma conhecida casa da rua do Ouvidor na Capital Federal. O amável proprietário exibio alguns de seus magnificos fonógrafos, um dos quais preocupou muito a atenção. Era o mais aperfeiçoado. Uma canção, intitulada a Morena, e que é predileta da rapaziada da Praia Vermelha provocou francas gargalhadas até no meio da velhada que babava-se a valer. Mas calcule-se a surpresa, coisa que ninguém esperava, quando ao terminar, o fonógrafo repetiu muito singelamente: – mas olha que é bom escolher… devem ser de 1ª, porque poderão fazer estrago? Repitiram em coro, para que serve então o Licor de Tayuyá e Herva de Bugre de Aguiar & Assis, o depurativo mais radical que existe no mundo (A REPUBLICA, 03 jul. 1901. p. 1)117.

O estabelecimento de Figner, também divulgado na imprensa como “Casa de Eletricidades”, foi fundamental para que os curitibanos pudessem experimentar e quiçá adquirir algumas dessas máquinas que marcaram a transição dos séculos. Figner também comercializava os ecofones – uma espécie de revista em áudio e registrada no cilindro – teatrofones e outras novidades em áudio118. Nos ecofones eram registradas poesias, leituras de cartas, entrevistas, mensagens, anúncios, entre outros119.

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 117

A canção Morena consta no primeiro catálogo produzido por Fred Figner para comercializações de seus produtos. Foi gravada por Kadete, modinheiro da época e cadastrada no catálogo da Casa Edison pelo número 411. Parte do catálogo foi republicado em FRANCESCHI, op. cit., p. 44. 118 No ano de 1900, Figner editou e publicou no Rio de Janeiro o seu primeiro catálogo, divulgando produtos, entre os quais os aparelhos de gravação e reprodução. Neste tempo, Figner estava estabelecido em um sobrado na Rua Uruguaiana, n. 24. Mas apenas em 1902, sediado na Rua do Ouvidor, n. 107, foi que Figner publicou o segundo catálogo detalhando produtos, que envolviam, além de aparelhos para reprodução de áudio, os cilindros registrados e produzidos no Brasil nos dez anos que antecederam a publicação desse catálogo. 119 “Em São Paulo a revista EchoPhonografico era “o único jornal explicativo da arte fonográfica”. (id. ibidem, p. 54).

! 128

Figura 52. Anúncio da Casa Edison, filial Curitiba. A República, 27 jun. 1901, p. 3. Fonte: Hemeroteca Digital Brasileira. Biblioteca Nacional.

5.11.3 Cinematógrafos – campo de atuação para músicos urbanos

A revolução industrial e suas máquinas causaram, em Curitiba, uma mudança no paradigma de entretenimento dos cidadãos durante as décadas de transição entre os séculos XIX e XX. O surgimento do cinematógrafo em 1895 estabeleceu uma nova opção para o público e trabalho para músicos: o acompanhamento sonoro das fitas e vistas120 era feito por piano121, ou por pequenas bandas e orquestras122. A invenção patenteada em 1895 pelos irmãos Lumière a partir de melhoramentos feitos no cinetoscópio de Thomas Edison, obteve sucesso em Curitiba, em exibições ocorridas desde outubro de 1897. O cinematógrafo !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 120

Vistas são fotografias projetadas em telão. Eram comuns nos centros de entretenimento durante o final do século XIX e na primeira década do século XX. O acompanhamento por música ao vivo também era feito na exibição das vistas. 121 Aliás, o piano foi fundamental nesse período. A edição de partituras pianísticas prosperou nas sociedades urbanas ocidentais, a larga escala de fabricação desse instrumento demandou a organização de variado catálogo de músicas produzidas neste tempo. 122 “Hoje, hoje, inauguração do importante Salão Pariz em Curitiba. Uma banda de música tocará, na ocasião de abertura escolhidas peças. Os proprietários deste estabelecimento empregarão todos os meios afim de conseguirem uma grande quantidade de coleções de vistas (última novidade) de Paris e Rio de Janeiro. Estamos convencidos que a exibição que iremos fazer agradará. As vistas são: 25 coleções de vistas transparentes iluminadas, combates em alto mar, paisagens, principais cidades da Europa e América, a importante cidade do Rio de Janeiro, grandes episódios ultimamente ocorridos em Paris e na Itália, completa colecção de vistas referentes ao processo do capitão Dreyfus em Rennes, os últimos combates da Guerra Anglo-Transwaaliana, inundação de Nápoles, o meeting em favor da paz em Londres e a porta monumental que vão ser instalados na exposição de Paris de 1900. O salão estará vistosamente ornamentado e em condições de receberem as exmas. famílias, para o que dispõe de pessoal habilitado. Os proprietários vedarão a entrada a quem se porta inconveniente. Salão Pariz, Rua XV de novembro, no. 42” (A REPUBLICA, 08 dez. 1899, p. 3).

! 129

Lumière foi utilizado nas exibições da Companhia de Variedades do Teatro Lucinda do Rio de Janeiro, em temporada realizada no interior do Teatro Hauer123. Neste âmbito 0 cinematógrafo popularizou-se e foi utilizado em diversos locais de entretenimento em Curitiba, como o salão Tivoly, em funcionamento desde 1887, o Salão Paris, inaugurado em 1899, e o Teatro Guaíra, aberto a partir de 1900. Foi amplamente utilizado em parques de diversões criados na cidade, como o Coliseu Curitibano inaugurado em 1906, e o Cine Eden, inaugurado em dezembro de 1907124. No dia 25 de janeiro de 1908 A Republica anunciou atividades cinematográficas no Coliseu Curitibano125. Além de pequenos filmes, seriam apresentadas algumas vistas. Ao final do anúncio lia-se que “um quinteto de orquestra sob a direção do sr. Luiz Bastos, fará as delicias dos espectadores”. Deduzimos que o conjunto musical ilustrado no anexo que exibe o anúncio do Coliseu Curitibano (cf. anexos) seja o quinteto de Luiz da Silva Bastos: sua !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 123

No dia 8 de outubro de 1897 o jornal A República reproduziu o anúncio de estréia da Companhia de Variedades do Teatro Lucinda, do Rio de Janeiro. Através da empresa Germano Alves a companhia apresentava, no palco do Teatro Hauer, atrações zoológicas: macacos, cães e uma cabra adestrada. A partir do cinematógrafo, exibia “quadros do comprimento do pano de boca do teatro, com o auxílio de luz elétrica sem a menor oscilação”. Na primeira parte do espetáculo a companhia apresentou seus cães adestrados, equilibrando-se em escadas e realizando trabalhos ginásticos; na segunda parte foram exibidos os seguintes quadros cinematográficos: O prestigitador, Um barco em Pacos d’Arco, Um distração no Palácio de Cristal (Porto), Bombeiros do Porto, Partida de um batalhão Espanhol e O comboio de Recreio a Cintra (Portugal). Na terceira parte, os quadros: Por causa de um artigo no jornal, Um duelo de Rochefort (Paris), Irragação do Passa da Estrela (Lisboa), Um chá em família, Os dois amigos, Os mergulhadores da África Portuguesa; na quarta parte viram-se os macacos adestrados. No decorrer do espetáculo apresentaram-se também trapezistas, palhaços e uma banda regida pelo maestro Vicente Daló. O teatro era dividido em camarotes de primeira e segunda ordem, cadeiras e geral. Os ingressos poderiam ser adquiridos na Papelaria Modelo, localizada na Rua XV de novembro, n. 43 (A REPUBLICA, 08 out. 1897, p. 3). 124 A música produzida ao vivo para as exibições cinematográficas encontrou concorrência com a chegada dos “cinematógrafos falantes”: em sincronia com os filmes, eram utilizados fonógrafos, que executavam música e recursos de sonoplastia, o que posteriormente substituiu por completo os recursos humanos no que tange a produção de áudio para cinema, fosse a trilha sonora, a dublagem ou a sonoplastia. “A cinematografia reproduzindo com palpitante fidelidade as imagens e dando a ilusão da vida e do movimento, operou no mundo uma revolução industrial que tende a aumentar e alastrar-se a medida que novos aperfeiçoamentos forem se acrescentando a maravilhosa máquina, chegando mesmo a ameaçar o teatro no que ele tem de mais belo: a arte lírica. O cinematógrafo e o grafófono, este aparelho que por ai anda a reproduzir as vezes sonora e outras fanhosamente a voz dos artistas célebres, já se combinam em macabra aliança para desferir um golpe sério, senão mortal, no teatro lírico, fazendo dispensar as trupes de carne e osso e apresentando-as em figura, sobre o pano de boca, se movimentando no extremo do feixe luminoso e a cantarem pela trompa do gramofone [...] Ai está, portanto, a morte da arte pela aposentadoria das gargantas privilegiadas, bastando que um grupo de artistas de fama representem de uma só vez para o cinematografo para que se multipliquem as óperas por milhares de kilômetros de fitas e por milhões de discos cantantes. Atualmente, a indústria cinematográfica, que apenas conta uma dúzia de anos, faz viver, só na França, alguns milhares de operários [...] Os edifícios da Companhia Geral de Cinematografia, em Joinville, abrangem uma superfície de 10.000 metros quadrados. Fabricam-se ali diariamente 30 kilômetros de filmes, películas ou seja um milhão e meio por dia de fotografias diferentes [...] Enfim, devendo a fabricação do cinematógrafo associar-se ao do fonógrafo e carecendo portanto de oficinas especiais, é de prever o desenvolvimento quase fabuloso dessa indústria, exclusivamente francesa” (A REPUBLICA, 17 set. 1907, p. 1) 125 Para a função desse dia anunciaram a exibição de dois filmes: A viagem de Paulo Doumer no Brasil e Manobras dos bombeiros de Madrid; para a função do dia 26 de janeiro, “9 vistas completamente desconhecidas”: Indústria do pote no Japão, Natal do pequeno camponês, História de uma caça, Estréia de um figurante, Pobres velhos, Grandeza e decadência de um chapéu, Corrida de banhistas e O homem dos bosques.

! 130

orquestra apresentava-se com frequência no período do cinema mudo em Curitiba. Esse compositor foi um importante produtor de peças musicais. Como veremos adiante, Bastos é autor de 16 obras para o teatro de revista Colcha de Retalhos (1906) e de mais 30 temas musicais para a revista Curityba em Cinematographo, produzida em 1908. A utilização do fonógrafo, idealizado por Thomas Edison em 1877, e do cinematógrafo dos irmãos Lumière, patenteado em 1895, encontrou muita receptividade em Curitiba, assim como em outras capitais brasileiras em busca do “progresso” e vivendo a Belle Epoque influenciada pela abertura comercial estimuladas pela era republicana. Os espaços artísticos multiplicavam-se, e Curitiba oferecia estrutura para o intercâmbio musical que ocorria entre as principais capitais brasileiras. Começaram a multiplicar-se os grupos e compositores especializados na execução de gêneros musicais caracteristicamente brasileiros e populares. A revolução das indústrias e dos hábitos, somada à ampla comercialização de produtos, ofereceram novas possibilidades para que músicos ocupassem funções dentro da crescente sociedade e economia durante as décadas que tangenciam a virada do século XIX para o século XX. A pesquisadora Elizabeth Travassos, em Modernismo e Música Brasileira, observou os relacionamentos entre músicos em espaços sociais, inclusive nas residências dos próprios músicos.

No início do século [XX], músicos de diversas camadas sociais, origens étnicas, credos religiosos e, naturalmente, formações musicais cruzavam-se nas casas editoras de partituras, cinemas e teatros. Na casa do pai de Pixinguinha circulavam muitos chorões, Villa-Lobos inclusive. Além da rede heterogênea de profissionais acionada pelo setor de entretenimento, a movimentação boêmia das cidades permitia certa convivência entre intelectuais burgueses e artistas populares. Por suas posições nessas redes, alguns desempenharam o papel de mediadores que atravessaram fronteiras entre os ambientes culturais hierarquicamente ordenados das sociedades de classes (TRAVASSOS, op.cit., p. 15).

5.11.4 Primórdios do Choro em Curitiba

Os conjuntos conhecidos por “regionais” têm, geralmente, do ponto de vista organológico, a formação instrumental baseada em: violões, cavaquinho e flauta. Esse formato ganhou adeptos em Curitiba. Um dos primeiros registros fotográficos de um grupo com características similares ao regional é datado de 1905. O conjunto, integrado por músicos das famílias Todeschini e Tortato, é formado por três violões, duas flautas e um bandolim. Além de especializados em executar os ritmos populares já citados, esses conjuntos ficaram

! 131

conhecidos pela divulgação de um dos gêneros populares de maior expressão no Brasil, o choro.

Figura 53. Família Todeschini e família Tortato, Curitiba, 1905. Da esquerda para a direita: Francisco Todeschini (bandolim), João Todeschini (flauta), Ângelo Tortato (violão), Antônio João Tortato (flauta), Victorio Todeschini (violão) e Targinio Todeschini (violão). Fonte: Arquivo pessoal de Raquel Merkle Zilli.

Tais conjuntos, à base de cordas, executavam não apenas as músicas de danças, como concluem frequentemente as pesquisas sobre choro, mas também árias de óperas e músicas para concerto126. Apesar da designação choro ser amplamente utilizada para denominar festejos e encontro de músicos durante as últimas décadas do séculos XIX e as primeiras do século XX, podemos observar nas tabelas de repertórios que o termo ainda não era utilizado para designar o gênero em si. A pesquisadora Anna Paes informou, na Apostila de História do Choro para o VI Festival Nacional do Choro, sobre a consolidação do choro como gênero no Rio de Janeiro. De 1889, ano da Proclamação da República, até o final da década de 20, o choro se consolida como gênero. A abolição da escravatura e os progressos tecnológicos provocam mudanças na estrutura da sociedade brasileira. Surge, no Rio de Janeiro, uma classe social intermediária, inexistente até então, de funcionários públicos (carteiros, funcionários dos telégrafos, da Casa da Moeda, do Arsenal da Marinha, das estradas de ferro, da Alfândega), que muito irá contribuir para o desenvolvimento do choro, tocando, de forma diletante, nos quintais, nas festas e bailes da cidade. (PAES, 2008, p. 8)

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 126

Isto já se tornara evidente nas produções de Joaquim Antonio da Silva Callado Jr.

! 132

Verzoni (op. cit., p. 122) concluiu, em suas pesquisas, que o choro começa a surgir como gênero no Rio de Janeiro em meados da década de 10. Em sua tese de doutoramento observou que três ícones do choro – Joaquim Callado Jr., Francisca Gonzaga e Ernesto Nazareth - em nenhum momento designaram como choro alguma de suas composições. Visto algumas características sociais e temporais sobre o aparecimento do choro como gênero, observaremos que no noite do dia 30 de dezembro de 1906, o Club Curitibano apresentou em sua programação artística diversos números musicais executados por pequenas formações instrumentais. O jornal A Republica anunciou em sua primeira página que a partir das "10 horas da noite teve começo o concerto e a festa literária". Neste "festival o professor Tienel e seu filho Emilio executaram magistralmente ao piano o Hino Nacional, a Sonata Diaheli127 [sic], e a Fuga em Lá Menor, de Coucon". Os números musicais que se seguiram foram apresentados “pelos galantes Almiro, Ondina, Maria Augusta e Mario”, todos filhos do pianista “Dr. Silvio Portella” e que "em cavaquinho, guitarra, violino e bandolim, acompanhados ao piano por seu distinto pai, executaram, com admiravel perfeição, Lucia de Lammermoor, Guarany, e uma marcha militar composta por Ondina, Mario e Almiro". O repertório apresentado pelos pequenos integrantes da família Portella nos informa que, apesar de a formação instrumental ser conceitualmente regional, incluindo em sua estrutura o cavaquinho, o bandolim e o violão, o repertório apresentado é essencialmente de concerto.

Figura 54. Família Portella e o 8º Regimento de Artilharia. O Malho, Rio de Janeiro, 18 nov. 1905, p. 47. Fonte: Hemeroteca digital brasileira.

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 127

Considerando a excessiva ocorrência de erros tipográficos nos periódicos, acreditamos que se trata da Sonata em Lá Maior ou a Grande Sonata Brilhante de Anton Diabelli.

! 133

5.11.5 O Pessoal do Choro

No fascículo 1 (um) d’Olho da Rua (1907, p. 4) surge a figura do Jeca do Oficleide. Este músico é citado com frequência nos artigos da sua época. Segundo a nota publicada, Jeca dos Amores, como também era conhecido, vai ao Rio de Janeiro em busca de uma companhia de entretenimento, o que demonstra que, além de instrumentista de oficleide, Jeca trabalhava com articulações culturais em música na capital paranaense. Em uma correspondência publicada, ele faz desafios a Patápio Silva, que estava realizando concertos em Curitiba antes do fatídico incidente em Florianópolis128. Ainda no fascículo 1 (um) d’O Olho da Rua (1907, p.10), consta uma pequena história em dois quadros intitulada “A péga dos serenatistas”. No primeiro quadro, um violonista e um flautista executando uma música, talvez instrumental. O olhar baixo e o chapéu grande podem indicar a intenção de disfarce das suas faces, em razão do característico preconceito contra a música popular naquele tempo, maior do que nos tempos de hoje. (vide anexos) No rodapé da figura encontra-se a inscrição: O PESSOAL DO CHORO. – {Acorda, desperta. Foge do leito...Vem.....................}. O Grande Forrobodó129, que teve seu roteiro publicado em 24 de agosto de 1907, consistiu em três dias de festa (semelhante ao carnaval), e foi organizado por uma série de manifestações artísticas. Aqui novamente se faz referência ao “Pessoal do Choro” e o Jeca do

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 128

Como os Srns. sabem, o Jeca dos Amores querendo no divertir e arranjar alguns patacos, (não patekes), foi ao Rio buscar uma companhia de operetas, vaudevilles, e em ultimo caso de volantins. Mas, lhe falhou o plano: não achou nada que estivesse no geito; A carta dizia vire, mas nós paramos por aqui. St. Emilion (verde) – Chácara Poplade (O OLHO DA RUA, 13 abr. 1907, p. 4) 129 “Grande Forrobodó – Como surgiram divergencias a respeito dos festejos para a recepção do dr. João Candido, nós, evocando Callope e Terpyshore, as musas da epopeia e do cake-walk e mais requebrados, nós organizamos este modesto programma que submettemos à aprovação dos pagés da terra: Primo Giorno – As praças, beccos, travessas e ladeiras da cidade amanhecerão enfeitadas com bandeirinhas, gerivás, arcos de bambús servindo para ornamentação (...) Secundo Giorno - Alvorada pelo pessoal do choro, formando todas as flautas e violons disponiveis, inclusive o ophicleide do Jéca, fazendo-se ouvir a nunca assaz decantada modinha: Sio Anastácio, chegô di viage. Tercei Giorno – Ao meio dia terá logar uma briga de gallos, em grande gala, concomitante com um concerto de bandolim, organisado e sob as vistas de Don Giovanni. E como o forrobodó, a semelhança do carnaval, dura 3 dias, a aphoteose será a vista – Carnaval em Nice – com acompanhamento de opportuno e formidoloso Zé Pereira. No melhor da festa por causa da algazarra infernal o alferes Argemiro porá termo a patuscada a vara de marmello. E se acabou tudo. Quem gostou se arregalou-se” (O OLHO DA RUA, 24 ago. 1907, p. 16).

! 134

oficleide. É possível que o repertório nestes encontros inclua os temas musicais apresentados anteriormente neste capítulo130. Alguns compositores de peças populares destacaram-se, não pelo fato de terem composto polcas, mazurcas e schottischs para os bailes de suas épocas, mas por terem produzido música de concerto. Benedito Nicolau dos Santos, compositor, entre outras, de música ligeira, fora fundador do Círculo de Estudos Bandeirantes, reduto de muitos intelectuais. Augusto Stresser131, compositor de mazurcas populares – gênero bastante executado nas rodas de choro – um dos intelectuais da música mais apreciados em Curitiba, compôs óperas e concertos. Convivia com os mais “nobres” artistas da capital. Mas, o que diferencia esses músicos ditos intelectuais daqueles advindos da prática informal? Talvez a formação intelectualizada facilite o acesso aos métodos de seu instrumento, as aulas de solfejo, técnica instrumental, conhecimentos de harmonia e contraponto, repertório e condutas estilísticas. Mas Benedito Nicolau dos Santos e Augusto Stresser podem ser considerados “chorões”? Acreditamos que sim, com mais ou menos intensidade, pois foram compositores de músicas ligeiras para bailes, choros e salões. Nas primeiras décadas do século XX, a música popular tinha um número crescente de interessados em Curitiba. A cidade em expansão ofereceu oportunidades para que essa música pudesse ser praticada, favorecendo o relacionamento de músicos e o pleno desenvolvimento artístico e social. Convocamos o testemunho do poeta curitibano Francisco Leite (1899-1982), que viveu sua juventude nas duas primeira décadas do século XX e fez um registro raro de memórias da música popular nesse período.

Fiquei-me a recordar as românticas serenatas da velha Curitiba da minha infância e juventude... Ainda estou a vê-los e ouvi-los, conversando, tocando, cantando modinhas. Este aqui é o Benedito Pistão (Benedito Antônio dos Santos), exímio pistonista que adicionava uma surdina ao seu instrumento, arrancando dele um som especial. Este outro é o Tenente Narciso, flautista incomparável. Seu sopro era logo distinguido entre todos os flautistas da grei. Aquele outro é Nho Duca (Januário Barbosa), que não só tocava violão, mas também tinha gosto em cantar lundus brejeiros. Lá também estavam: Álvaro Miranda, violonista; Heleodoro Lopes,

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 130

As partituras publicadas em revistas e jornais, somadas à descrição dos programas de concertos, definem características e preferências estéticas desse e de outros grupos que atuaram em Curitiba na primeira década do séc. XX na capital paranaense. Diferentemente do Rio de Janeiro, muitos dos chorões curitibanos daquele tempo eram integrantes da maçonaria e de ordens militares, possuindo bom poder aquisitivo e trânsito nos ambientes governamentais. 131 Augusto Stresser viveu apenas 47 anos e, apesar do seu pouco tempo de vida, demonstrou toda a sua vocação artística. Natural de Curitiba, Stresser nasceu em 18 de julho de 1871 [...] Iniciou sua trajetória artística aos 7 anos de idade, demonstrando grande aptidão para a pintura de quadros. Logo depois desta fase, Augusto Stresser passou a se dedicar à música e à fotografia. Na área musical ele aprendeu a executar a flauta transversal, o flautim, o contrabaixo e também o piano. Foi um dos fundadores do Gremio Musical Carlos Gomes [...] Augusto Stresser estreou a primeira ópera [Sidéria], com temas genuinamente paranaenses, em 3 de maio de 1912 [...] (OTTO, op. cit., p. 50).

! 135

flautista; Carlos Goudard, espanhol que ficou paranaense, abraçado ao seu violino; Juquinha Barbosa, mestre do clarinete; Eugênio Martins, violonista; João de Barros, flautista; Antônio Júlio, dono da requinta; Vicente Dias, violonista; Genuca (Genuíno Pereira), violoncelo; Paulino de Castro, flautista; Benedito Nicolau dos Santos, músico dos 7 instrumentos, especialmente de violão. Era gênio musical, se assim me posso explicar, dado o seu admirável virtuosismo. Compôs musicas de todos os gêneros, como polcas, xotes, valsas, gavotas, sinfonias, operetas e óperas! Empunhando o seu trombone de vara, que tocava em surdina, eis outros da “velha guarda”: o Cipriano (Vicente Cipriano dos Santos), companheiro inseparável do grupo. Não devo esquecer o velho Alexandre Rouxinol, flautista inspirado, que sem nenhum formalismo paterno, às vezes se fazia acompanhar dos filhos, hábeis tocadores de violão. Como que estou a vê-lo, de cabelos brancos, como um pombinho, mas sempre firme e animado, de flauta à boca, desafiando aquelas noites hibernais... (LEITE, 2003, p. 242-243).

5.11.6 Os teatros de revista – produção musical em grande escala

Na primeira década do século XX, os principais teatros existentes em Curitiba possuíam estrutura suficiente para acomodar exibições cinematográficas, intercaladas com exibições no palco. As “revistas de costumes e fatos curitibanos”, como ficaram conhecidas as encenações produzidas em Curitiba tinham grande elenco, com encenações que envolviam, em alguns casos, mais de 200 personagens em sua única sessão132. Nosso intuito é registrar a existência destas revistas para que futuramente sejam investigadas com maior profundidade pela comunidade de musicólogos. Porém, faremos uma análise mais detalhada de três delas: Salve, salve!! Ponta Grossa (de 1905), Colcha de Retalhos (de 1906) e Curytiba em Cinematógrapho (de 1908)133. A descrição dos temas abordados, assim como os títulos das composições, revelaram hábitos e particularidades daquele tempo, que certamente serviram para inspiração das produções cênicas e musicais134. O pesquisador José Ramos Tinhorão, em seu livro de 1976 – Música Popular - Teatro e Cinema – apresenta informações sobre o teatro de revista no !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 132

Algumas pesquisas (TINHORÃO, 1976) apontam que o teatro de revista surge no Brasil em 1859, fruto da influência das operetas francesas. O gênero foi bastante aceito em Curitiba, e responsável por agregar artistas de diferentes áreas: músicos, atores, roteiristas e cenógrafos. Realizamos o levantamento de diversas revistas produzidas no Paraná, sobretudo na capital Curitiba, com o objetivo de despertar a atenção para a existência de diversificadas produções ainda pouco exploradas nas pesquisas em música do Paraná. Essa categoria de teatro musicado demandava significativa quantidade de composições originais, para contextualizar cenas, personagens e situações. 133 A descrição dos dados que caracterizam estas revistas está sendo possível através das notícias e críticas publicadas na imprensa na época das estreias. Muitas informações complementares ainda precisam ser arquivadas, assim como a necessidade do aprofundamento da análise dos conteúdos. 134 O Teatro de Revista é um espetáculo ligeiro, do gênero do teatro musicado, que, como seu nome diz, passa em revisão, com viés cômico, os acontecimentos da atualidade. Busca atingir o maior número possível e diferenciado de público e, tem, em suas origens, forte conotação crítica e política; a revista ri de si mesma e dos fatos oriundos do seu meio e da sociedade. Esse é um dos elementos mais importantes da revista e por isso ela se torna tão rica, já que, ao contemplar o seu público com a oportunidade de rir daquilo que ele próprio vivencia, ela também é fonte de pesquisa do contexto político, artístico e social. (COLLAÇO, 2008, p. 1)

! 136

Brasil. Em sua pesquisa, ele observa que este formato apareceu primeiro no Rio de Janeiro (em 1859) e foi o primeiro que divulgou, em maior escala, as primeiras composições populares brasileiras.

O teatro de revista, aparecido no Rio de Janeiro na segunda metade do século XIX, foi o primeiro grande lançador de composições de música popular. O próprio gênero revista figurava como o resultado de uma exigência de novas camadas da cidade, e vinha representar no fundo, o casamento do vaudeville com a operetta, da mesma forma que essa operetta – segundo Artur Azevedo – já representava um gênero “entalado entre o vaudeville e a opera-cômica”. (TINHORÃO, 1976, p. 13).

A Companhia Dramática Excurcionista do ator Silverio Cunha, com sede (provavelmente) em Palmeira, cidade vizinha ao município de Ponta Grossa, foi responsável pela representação de algumas revistas de costumes do Paraná135. Foi possível identificar três produções dessa companhia: Salve, salve!! Ponta Grossa, revista de costumes de Ponta Grossa, e Traços e Troças, revista de costumes de Palmeira – ambas estrearam no ano de 1905 – e D. Marinha, revista de costumes de Paranaguá, que estreou em 1906. Em 02 de dezembro de 1905, pela primeira vez em Curitiba, a companhia subiu ao palco do Teatro Guaíra para representar Salve, salve!! Ponta Grossa, dividida em 3 atos e uma apoteose com “música compilada pelos maestrinos irmãos Jacob e Jorge Holsemann”. Em agosto de 1905, a peça havia sido realizada em uma série de espetáculos pelo litoral do estado e, posteriormente, na capital Curitiba. A revista Colcha de Retalhos, com músicas de autoria do compositor e flautista Luis da Silva Bastos e textos do literato Serafim França, teve lotação máxima em sua concorrida première (A REPUBLICA, 23 jul. 1906, p.2). Colcha de Retalhos contém um prólogo, três atos e uma apoteose ao Estado do Paraná136. Para sua exibição foram produzidos 16 números !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 135

Silvério Cunha chegou ao Estado do Paraná em 1904, vindo do Rio de Janeiro com a companhia Cruz Gomes. “A cena do prologo passa-se mais ou menos assim: os amadores Portella e Calazans procuram um meio de vida, pois que acham [sic] desempregados. Tem mil ideias para tal fim, mas nenhuma produz efeito. Afinal resolvem escrever: Portella um drama sentimental e Calazans uma comédia. Quando estão resolvidos a fazê-lo entra o Anavi, um personagem que também, como eles, procura os meios de subsistência no teatro. Após os cumprimentos, os amadores expoem os seus desejos. Anavi concorda e sentam-se. Começa a discussão sobre o que hão de escrever; afinal Anavi opina por uma revista, no que é aplaudido. Resolvem que a dita revista seja da seguinte forma: o primeiro ato se passe na rua 15 a noite e o fim de dia. Resolvem mais pedir a colaboração de diversos escritores de nossa terra. Enfim cogitam do entrecho da revista e do nome que lhe devem dar quando aparece o Gênio do Desaperto oferecendo-lhes o auxílio. Os amadores interrogam-no e ele abre uma colcha de retalhos dizendo que dela eles devem tirar o nome para a revista. E quem nos ajudará em tal empresa perguntamlhe os amadores, olha para ali (diz o Gênio apontando para o fundo da cena onde se abre uma apoteose a imprensa) a imprensa vos iluminará. O primeiro ato começa na estação da estrada de ferro: dois viajantes chegam a esta cidade sem conhecê-la, projetam um meio de arranjar um hotel quando aparecem os representantes do Grande Hotel e Pensão Dolsky; após uma pequena exposição dos criados sobre a diária das casas que representam, os viajantes mostram o desejo intenso de conhecer Coritiba. Entra a personagem Coritiba cantando ao som de belíssima valsa, original de Luiz Bastos, os seguintes versos: Eis-me aqui; sou Coritiba,

136

! 137

de música, intitulados Curityba, A lama, O telefone, Deputados, Repórter, As freiras, As professoras, A sanitária, O fotógrafo, A guarnição da capital, A criada, A imprensa, O café, Art-Nouveau, A cerveja Pomba e Os policiais. A revista contou com 88 personagens137. Os temas abordados pelo teatro de revista em Curitiba foram uma grande oportunidade para a produtividade de compositores da música popular. Trabalhando em conjunto as demandas do teatro, cada montagem exigia uma média de 30 composições. Entretanto, de todas as peças que identificamos até o momento, uma única dessas partituras foi localizada. Publicada em O Olho da Rua (com tiragem de 2.000 exemplares no dia 13 de abril de 1907), a valsa Curityba traz em seu cabeçalho a seguinte descrição: “Valsa da Revista de Costumes Curytibanos Colcha de Retalhos”. Trata-se de uma valsa, composição de Luis da Silva Bastos.138

Figura 55. Cabeçalho da partitura Curytiba. Publicada em O Olho da Rua. Curitiba, 13 abr. 1907, p. 12. Fonte: Hemeroteca digital brasileira.

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! Lirial rainha do sul, As flores são o meu trono, Meu manto este céu azul, Etc…E a revista se desenrola apresentando fatos e tipos populares desta terra, tais como bondes descarriladores, comendador Facada, engenheiro elétrico, teléfono, P.D.D., café Cebolas, cerveja Pomba, aves do norte, repórters, mania fotográfica, bemóis, guarda-fiscal, o Caturra, João dos Porcos, as criadas polcas, brigas de galo, freiras da Divina Providência, professoras, a lama, guarnição militar, jornais, peixes, hortaliças, Arcabuz da miséria, sanitária, meetings, pasteleiro, etc, etc. O cenário, feito pelo hábil cenógrafo Costa Queiroz é de efeito, as apoteoses dos 3 atos foram todas montadas a capricho. A orquestra será regida pelo sr. Luiz Bastos. Creamos não errar, augurando pleno sucesso a Colcha de Retalhos”. (A NOTICIA, 22 jul. 1906). 137 No dia 18 de julho de 1906, redatores de A Republica foram conferir o ensaio de Colcha de Retalhos e manifestaram suas impressões de satisfação, antecipando o sucesso de sua apresentação. Regina Margherita, crítica de arte, publicou dados técnicos e sua impressão com a estreia da “revista de costumes curitibanos”. Em texto publicado em junho de 1906, ela expõe detalhes da montagem e dos ensaios da revista. A estreia, divulgada para o dia 14 de julho de 1906 no Teatro Guaira, caso não houvesse contratempos (mas eles aconteceram) e de fato a peça foi conduzida à cena apenas no dia 22 de julho de 1906 A jornalista observou que “a revista, em seu conjunto, agradou, em virtude da graça inofensiva de suas críticas”; contudo, sugeriu que deveria “sofrer modificação a cena do telefone, que é de genero livre, e que, caso continue a ser representada, afastará do teatro as famílias que costumam frequentá-los”, ela também sugere melhorias para a iluminação do teatro. 138 A valsa foi o gênero mais popular no repertório dos músicos brasileiros que produziram nas décadas de transição do século XIX para o século XX. Em Curitiba, na década de 10, ocorreram concursos para compositores de valsas. É possível que as primeiras composições de José da Cruz – valsas - tenham sido feitas com vistas ao prêmio dos concursos. A notícia de um concurso diz o seguinte: “No intuito de estimular e desenvolver entre nós a produção musical, o Conservatório de Musica do Paraná resolveu organizar, e abrir desde já, um grande concurso de valsas para piano, em todo o Estado, até o dia 30 de agosto, criando três prêmios, respectivamente de 200$, 150$ e 50$000 e mais três prêmios e menção honrosa, destinados, a juízo da comissão julgadora, a recompensar valsas inéditas que reúnam as melhores e mais apreciáveis qualidades de estilo e ideia, sentimento e beleza”. (A REPUBLICA, 02 jul. 1919, p. 1)

! 138

Incipit 10. Curytiba, valsa de Luis da Silva Bastos. Curitiba, 13 abr. 1907, p. 10.

Com elenco dirigido pelo ator Joaquim de Oliveira, “A revista de costumes e fatos paranaenses – Curityba em Cinematógrafo” estreou no Teatro Guaíra em 22 de novembro de 1908. Esta encenação contou com 30 composições dos maestros Luiz da Silva Bastos e Paulo de Castro139. O jornal afirmou que “os números de música são variadíssimos e para todos os gostos”. (A REPUBLICA, 23. nov. 1908, p. 2). A seguir listaremos aquelas peças que receberam da imprensa da época a qualificação de teatro de revista de costumes locais. A descrição está aberta a complementação dos dados que possam provir de outros estudos sobre o tema. Quadro 25. Relação de teatros de revista (de costumes locais) produzidos no Paraná. Título

Data

Costumes de:

Autores (música)

1

Lord Bung

1895

Curitiba

Alberto Monteiro e outros (não identificados)

2

Salve, salve!! Ponta Grossa

1905

Ponta Grossa

Jacob e Jorge Halssman

3

Traços e Troças

1905

Palmeira

*

4

D. Marinha

1906

Paranaguá

*

5

Colcha de Retalhos

1906

Curitiba

Luis da Silva Bastos

6

Curityba em Cinematographo

1908

Curitiba

Luis da Silva Bastos e Paulo de Castro

Nº de obras

Regência

Autores (texto)!

40

Alberto Monteiro

Claudino dos Santos!

40

*

*!

*

*

Silverio Cunha!

*

*

*!

*

16

Luis da Silva Bastos

Joaquim de Oliveira

30

*

Cia Grêmio Musical Carlos Gomes Silverio Cunha Silverio Cunha Silverio Cunha

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 139

A peça ocorreu em 3 atos, 6 quadros e 3 apoteoses, contando 120 personagens.

Seraphim França e Euclides Bandeira! Seraphim França e José

! 139 Gelbeck!

1910

Curitiba

Luiz Moreira, Paulino Sacramento, José Nunes, Francisco Nunes, Costa Júnior, Sophonias D’ornellas e Francisco de Carvalho

Cia. Silva Pinto de mágicas, revistas e operetas

7

Pega na chaleira

8

Do Rio Grande a Curityba

1911

Curitiba

*

*

9

Aló, Aló, Curityba

1912

Curitiba

Leonard Kessler

*

A. Carvalho

Raul Perdeneiras e João Cláudio!

*

*

José Gelbeck e Dolival Moura!

*

*

*!

*

Seraphim França e Francisco Leite! Raul Faria! Ildefonso do Serro Azul! José Cadilhe! José Cadilhe e Ildefonso do Serro Azul!

10

A crise

1915

Curitiba

*

*

*

*

11

Depois da crise

1915

Curitiba

Raul Faria

*

30

*

12

Mais uma…

1915

Curitiba

B. Bonacci

*

*

*

13

Anda mão, enfia dedo

1915

Curitiba

Sophonias D’ornellas

*

*

*

14

A encrenca

1915

Curitiba

Sophonias D’ornellas

Cia. Paranaense de Variedades

30

*

1916

Ponta Grossa

*

*

*

*

*!

1917

Curitiba

J. Cadilhe?

*

*

*

*!

15 16

Na zona estragada Zaz- traz ou Gréve

17

Durante a epidemia

1917

Curitiba

Leonard Kessler

Zanicotti e Cia

*

*

Ildefonso do Serro Azul!

18

Sem pés nem cabeça

1919

Curitiba

diversos

*

*

*

*!

*

Ildefonso do Serro Azul e Silva do Sul!

19

Na terra da promptidão

1922

Curitiba

Leonard Kessler

*

*

! 140

6

CONSIDERAÇÕES FINAIS Os textos originais e os documentos de José da Cruz encontravam-se, como vimos,

dispersos entre familiares do músico. Portanto, o trabalho de organização, digitalização e catalogação referido na Parte 2, foi fundamental para que esses dados brutos se transformassem no amplo arquivo digital que hoje dispomos. A manipulação dos originais, ocorrida em laboratório particular, constituído exclusivamente para esta finalidade, possibilitou e agilizou a realização destes procedimentos iniciais. Consideramos que a eficácia metodológica demonstrada pelos resultados obtidos sirva de estímulo para outras atividades musicológicas com realidade e finalidades semelhantes às deste projeto de pesquisa. Incorporado aos resultados da Parte 2 está o Anexo 1, que apresenta toda a catalogação, que proporcionou, além de um inventário codificado de todo o material, informações e imagens digitais necessárias para o estudo histórico e estético da obra de José da Cruz e dos repertórios manipulados por ele como arranjador de música popular. A apresentação que fizemos da metodologia da catalogação pretende lançar um pouco mais de luz sobre o complexo trabalho de organização de fontes documentais históricas, seus problemas e eficácias. Optamos por uma linha metodológica embasada nos princípios da arquivologia, para que o objetivo maior – o de organizar sistematicamente os documentos – facilite os trabalhos de observação e descrição. Pronta esta organização, o catálogo geral, acrescido de índice e de banco de imagens, abre-se para a rápida localização dos itens que compõem o arquivo digital de José da Cruz. A tabela catalográfica contida no primeiro anexo estará permanentemente disposta para atualizações à medida que outras fontes produzidas pelo músico sejam encontradas. Todo o arquivo original recuperado pôde ser digitalizado e catalogado, gerando assim um inventário completo. Cadastraram-se em planilhas de registro informações essenciais. Resta agora dar continuidade ao processo de descrição dos itens, a fim de cadastrar e notificar todas as demais informações exigidas pelo RISM (Répertoire International des Sources Musicales) e contidas nos fac-similes. Devido ao fato de que esses documentos nunca haviam sido reproduzidos ou pesquisados, os esforços precisaram ser redobrados, pois, além da descrição de informações e do intercruzamento de dados vindos de outras fontes, eram indispensáveis os cuidados com a preservação do arquivo original de José da Cruz (que continua fragmentado entre os familiares dele). A reorganização e ordenação completa dos manuscritos ocorreu apenas no âmbito digital.

! 141

A situação em que o arquivo de José da Cruz foi encontrado é um alerta para as famílias que detêm arquivos pessoais de seus artistas consangüíneos e familiares. Em muitos casos, a morte dos titulares traz incertezas sobre o destino a ser dado a documentos que são testemunhos de uma vida inteira. Importantes arquivos de músicos que viveram na cidade de Curitiba, sobretudo nos séculos XIX e XX, estão desaparecendo ou desapareceram. Apesar de o arquivo pessoal de José da Cruz estar ainda incompleto, a reconstituição (até agora) parcial e a manutenção desse material, produzido entre os anos de 1917 e 1951, tornou-se uma importante fonte de consulta para a produção de conhecimento musicológico140. Um fator dificultante na organização das orquestrações é que o maestro produziu apenas as partes cavadas dos seus arranjos e reduções: não constam, no arquivo, grades orquestrais141. A recuperação de grande parte da organização dos arranjos foi possível através das similaridades lexicográficas. O trabalho de verificação precisa ser continuo: a datação destes documentos é tarefa laboriosa; será dada sequência imediata à análise dos tipos de papéis, de tintas utilizadas, de escrita, dos repertórios constituídos, das formações instrumentais; e também a outras informações que forneçam conteúdo ao propósito desta pesquisa, e que possam revelar ainda mais detalhes sobre as preferências e escolhas de José da Cruz. Diante da grande quantidade de composições e arranjos encontrados em 2010, pensamos, em um primeiro momento, que facilmente seriam encontradas informações sobre José da Cruz nos periódicos do tempo em que viveu e na bibliografia especializada. Acreditávamos que, para obter mais informações sobre seu trabalho, bastava localizá-lo na imprensa de sua época – afinal, grande parte dos músicos que viveram na primeira metade do século XX em Curitiba foram citados com maior ou menor freqüência nesses canais de comunicação. Além disso, o grande volume de seu arquivo de partituras é constituído por arranjos destinados a formações instrumentais que variam, em grande parte dos casos, de 10 a 20 músicos. Dávamos como certo que informações iriam surgir a qualquer momento. Entretanto, não há ocorrência do nome de José da Cruz na imprensa, nem referência a qualquer um de seus grupos musicais, seja nos diversos periódicos originais ou digitais estudados, seja nos impressos consultados manualmente, nos microfilmes e nas imagens recolhidas pelo avançado sistema de busca da Hemeroteca Digital Brasileira. Em 5 anos de !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 140

Sabemos da possível existência de partes do arquivo de José da Cruz guardadas com membros da família que residem na região central do país, mas ainda não foi possível contactá-los. Também consideramos provável a existência de um disco que José da Cruz teria gravado. 141 Era habitual aos mestres de banda do final do século XIX e do início do XX produzir diretamente as partituras dos instrumentos da orquestra.

! 142

busca, milhares de laudas foram minuciosamente investigadas. Encontramos atividades de alguns homônimos dele, facilmente reconhecidos pela diferença de nomes, como por exemplo, José da Cruz Machado. Seu nome não aparece na imprensa; o que temos é uma ou outra referência a atividades de que ele participou, registradas em recortes de jornais datados de 1928, e que ele guardou consigo enquanto viveu. Como já vimos, não são menções ao seu nome, mas à Ideal Jazz Band e à valsa Grêmio Rose. O fato concreto é que José da Cruz não foi citado na imprensa da sua época, o que, provavelmente, contribuiu para o seu anonimato até o ano de 2008. Por isso, só foi possível elaborar este relato histórico a partir dos registros do arquivo resguardado, documentos que passaram a ser investigados cientificamente no âmbito da pesquisa em música. Embora fique em aberto a busca pelo entendimento dos porquês de o seu nome não142 constar nestes veículos de informação e em bibliografias, aventamos a hipótese de que essa ausência tem raízes na pequena divulgação da carreira de José da Cruz. Em razão desse silêncio injustificado, não havia forma de se chegar às informações sobre as suas atividades a não ser consultando as anotações pessoais nos documentos originais de seu arquivo. Esses dados ainda necessitam de meticulosa interpretação para que se possa dar continuidade a este projeto de pesquisa e alavancar outros que certamente virão. Visamos, portanto, contribuir para a manutenção da memória e da identidade da cultura musical do Paraná; e o arquivo de José da Cruz, patrimônio material e imaterial da produção musical desta região, reflete meio século de história da música de Curitiba. A Parte 2 apresentou o catálogo de títulos e gêneros das composições de José da Cruz, seguido por dois gráficos que representam a incidência dos gêneros no seu repertório. Esses dados situam as composições dentro do contexto de produção popular urbana. Observamos atentamente a temática expressa nos títulos das obras autorais, e com isso conseguimos traçar um perfil básico deste músico: provocador, sentimental, visionário, paranista, religioso, saudosista, observador, festivo, patriota e carinhoso. A primeira impressão é de que José da Cruz produziu artisticamente em favor de uma demanda imediata, sobretudo os seus arranjos, direcionados, em grande número, aos gêneros dançantes para bailes animados por suas orquestras. A programação radiofônica, os carnavais, os forrobodós e os festejos também foram motivação para a feitura e programação de arranjos !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 142

Nas centenas de recortes pesquisados em periódicos em busca de possíveis registros das atividades desenvolvidas por José da Cruz, incluindo os recortes jornalísticos que ele guardou em vida, não há menção ao seu nome. A única ocorrência jornalística encontrada e onde aparece o nome do compositor está na Gazeta do Povo de maio de 1980, em um recorte guardado pela família.

! 143

e repertórios. Contudo, sua produção não se fez somente em favor de demandas e exigências externas. Como em todo artista, havia nele uma demanda interna, uma necessidade intrínseca de produzir obras de arte. O perfeccionismo de suas partituras manuscritas, além da função primária de oferecer clareza de informação aos instrumentistas, é um preciosismo à parte em relação às suas sonoridades. Se me permitem a expressão, são algo como uma poesia visual, pelo cuidado artesanal com que o músico apresentava os sistemas de escrita. A caligrafia de José da Cruz revela o anseio de experimentação e de mudanças de estilo, modelos lexicográficos em uma espécie de ensaio tipográfico manuscrito. Este evidente domínio da função de copista transparece em seus estudos de orquestração. Seu conhecimento desta área, somado ao domínio dos instrumentos musicais a que se dedicou e a um possível ouvido absoluto (ou a um apurado ouvido relativo), proporcionaram a ele as ferramentas necessárias para sua farta produção. Propomos neste momento a reflexão de que José da Cruz pode ter produzido alguns manuscritos visando uma permanência histórica, ou seja, imaginando que o material pudesse servir de registro das suas criações: acreditamos que alguns dos arranjos podem nunca antes ter sido executados publicamente. Todo o repertório recuperado em seu arquivo está apresentado no Anexo 2, em um total de 216 obras. Suas composições, entre elas as valsas que compôs para as filhas, os seus choros paranistas ou suas fantasias sinfônicas demonstram as diversas facetas de manipulação e de aplicação de seus conhecimentos. Evidentemente, experimentou, e com maior liberdade nos arranjos de suas próprias peças musicais, recursos que são verdadeiras fontes de informação para o entendimento de seu intelecto de orquestrador, compositor e arranjador. José da Cruz estava atento ao seu tempo. Foi um articulador de grupos musicais que constituíam repertórios e arranjos adequados às necessidades dos ouvintes da sua época: ele produziu para os ouvidos atentos do público radiofônico e das ante-salas, que vibrava ao ouvir um samba-canção ou uma valsa-chorosa, assim como os freqüentadores dos salões de dança. Os gostos eram mais apurados, principalmente nos quesitos de arranjo e interpretação. Acreditamos que houve grande preocupação de José da Cruz, e posteriormente de sua esposa, Carolina Cruz, em preservar essas obras, pois que tentaram manter intacto este conjunto documental de uma vida inteira. Essas anotações e textos musicais permitem agora que suas atividades possam ser localizadas no tempo e no espaço, possibilitando identificar e analisar, ainda que preliminarmente, a rede de relações afetivas e profissionais do músico.

! 144

A necessidade emergente de valorização e de um maior entendimento estético das obras de José da Cruz contribuirá para a fixação de uma identidade dos artistas paranaenses que viveram na primeira metade do século XX. Foi possível verificar, em suas obras, traços de regionalismo que caracterizam a sua estética e particularizam o seu feitio artístico. As sonoridades dos arranjos refletem ambições artísticas, ideológicas, além das já referidas e prováveis imposições de mercado e público. José da Cruz foi influenciado esteticamente pelo movimento paranista: percebemos que fez uso de simbologia do Paraná em títulos de algumas composições e na sonoridade característica de melodias, ritmos e harmonias. Quando não havia partitura de registro da melodia principal, que o músico tinha por costume fazer, foi necessário remeter-nos à audição e análise da totalidade da orquestração, para então, laboriosamente, extrair dela a melodia principal e as harmonias, frutos de reducionismo. Os primeiros resultados destes procedimentos foram publicados no Songbook do Choro Curitibano – volume 1, editado em 2012: cinco composições de José da Cruz em versão melodia cifrada. As informações que constituem sua biografia ainda são insuficientes; e torna-se fundamental

a

continuidade

destas

análises,

a

procura

por

dados

documentais

complementares. Os resultados apresentados nesta dissertação são parciais, e a pesquisa está em andamento. Todos os dados necessitam de permanente confronto com aqueles que venham a surgir. Existe grande possibilidade de haver registros sobre a musicalização de José da Cruz nos diários do avô Jerônimo Durski, que ainda não foram consultados. Pelo fato de ter residido em Paranaguá, e de, com certa frequência, realizar trabalhos naquela cidade, é possível que alguns registros sejam ali encontrados. Informações essenciais para o corpo biográfico ainda estão em aberto. Por exemplo, ainda não foi possível identificar com precisão a cidade em que nasceu José da Cruz. Em certos documentos, ele afirma ter nascido em Campo Largo, e algumas familiares reforçam esta hipótese. Porém, a biografia datilografada informa que ele nasceu em Curitiba, e o batismo na Catedral desta cidade pode ser uma evidência de que, de fato, isso ocorreu. Falta localizar seu registro em cartório. O esboço biográfico tentou localizar as diversas fases da vida de José da Cruz, desde sua musicalização na infância até a enfermidade que o levou à morte. À medida que os dados forem sendo interpretados, outras características da sua personalidade e vivência poderão emergir. Alguns arquivos (como os da Banda da Policia Militar do Paraná e da União

! 145

Brasileira de Compositores) quando acessados, possivelmente contribuirão com fontes para consistência documental da biografia de José da Cruz. O estudo cuidadoso da sociedade de sua época, aliado à constante interpretação dos dados do arquivo, possivelmente revelarão até que parte José da Cruz compreendeu sua geração e nela interferiu. Sua conduta artística está alinhada com o imaginário de uma época, de uma sociedade, de um lugar. Algumas perguntas continuam emergindo. Não seria ideal, para este tipo de documentação, um ambiente institucional? A cidade de Curitiba ainda carece de organizações que implementem esforços responsáveis na pesquisa musicológica. Alguns dos institutos de guarda de arquivos não têm mecanismos eficientes para a busca em seus acervos. Além disso, a burocracia está na contramão do ideal de acessibilidade, que deveria ser ampla para os arquivos públicos. Apesar de tudo, continuam as negociações com a família de José da Cruz, para que, em futuro próximo, o arquivo original deste músico esteja seguro sob os cuidados de entidades que tenham por missão a guarda, o cuidado, a análise e a divulgação destes documentos históricos. Na Parte 4 relacionamos as exposições e concertos realizados, a partir de estudos no arquivo de José da Cruz. As exposições públicas de objetos e pertences do músico favoreceram a aproximação do olhar, não apenas o nosso de pesquisadores, mas o do público em geral, que pode aproximar-se desse conjunto documental. As perspectivas centrais destes procedimentos foram

divulgar a pesquisa no decorrer de suas averiguações e criar

oportunidades para que os arranjos instrumentais e vocais de José da Cruz pudessem ser regularmente estudados e interpretados. Os concertos musicais realizados permitiram o conhecimento prévio das características de algumas composições. Muitas delas ainda precisam ser remontadas para que suas melodias e orquestrações sejam finalmente apreciadas nos âmbitos artístico e acadêmico. Não há registros das atividades de José da Cruz até o ano de 1917. As informações obtidas sobre sua formação musical (ver Parte 3), são insuficientes para compreendermos com maior rigor quais foram as principais experiências vividas por ele durante seus primeiros 20 anos de vida. As únicas evidências das atividades e preferências de José da Cruz estão nas informações do arquivo, que não contém diários ou anotações sobre atividades de rotina: não sabemos com que freqüência ele ia aos cinemas; pouco sabemos sobre os bailes que foram animados por suas orquestras; não há registros de quantos alunos o tinham como professor; não surgiram gravações suas; não sabemos ainda se tinha o costume de acompanhar os noticiários e revistas; não temos comprovações sobre a sua formação musical, além daquelas apresentadas no corpo do trabalho. Mas acreditamos que, identificando cautelosamente a

! 146

realidade artístico-musical curitibana entre os anos 1910 a 1950, estaremos descobrindo, com maior intensidade, as referências vividas por José da Cruz. A constante busca por documentação das atividades de José da Cruz oportunizou a localização de uma significativa quantidade de músicos atuando e produzindo em Curitiba durante toda a primeira metade do século XX. Esses fenômenos de produção musical formam um articulado esquema de relacionamentos particulares, comerciais e coletivos em música: uma emaranhada cena artística, repleta de contextos, estéticas, personagens anônimos, conjuntos de músicos e repertórios que jamais forma citados em pesquisas musicológicas e que estavam históricamente submersos, tal como a história de José da Cruz. Pautados pela investigação de algumas atividades musicais ocorridas na transição entre os séculos XIX e XX, como o mercado de partituras, gravações, cinemas e teatros de costumes curitibanos, somados ao movimento do choro curitibano, iniciamos um esboço historiográfico da música popular na capital paranaense, apresentado na Parte 5. O diagnóstico dos repertórios produzidos e comercializados em Curitiba possibilitou a comparação entre as tendências da cultura musical urbana brasileira que determinou a carreira de José da Cruz. Em 1998, Maria Elizabeth Lucas acalorou um discurso proferido em Curitiba, quando diagnosticou a ausência de pesquisas musicológicas que destacassem aspectos da região sul do Brasil. Ela afirmou que os estudos em música dos elementos sulinos representam elos fundamentais no entendimento da circulação internacional de músicos e repertórios. De fato, a historiografia musical da região paranaense torna-se relevante para que se produza uma historiografia ideal da música brasileira multi-canônica. A experiência musicológica adquirida ao pesquisarmos o arquivo pessoal deste compositor, arranjador, professor e instrumentista, nos proporcionou melhores condições para comparar as práticas musicais da região do Paraná (com maior enfoque naquelas ocorridas em Curitiba) e outras práticas ocorrentes no restante do país, cujos dados estejam disponíveis. As informações contidas nesta pesquisa estão sendo permanentemente revisadas e atualizadas.

! 147

7

REFERÊNCIAS

Livros, teses, artigos e apostilas BAUER, Martin W. GASKELL, George (Org.). Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. Petrópolis: Editora Vozes, 2008. BIASON, M. A. Os músicos e seus manuscritos. Per Musi: revista acadêmica de música, Belo Horizonte, n.18, p.17-27, 2008. Disponível em: http://www.musica.ufmg.br/permusi/port/numeros/18/num18_cap_02.pdf. Acesso em: 14/12/2013. BUDASZ, Rogério. Sobre a música no Paraná. In: NETO, Manoel J. De Souza. A (des)construção da música na cultura paranaense. Curitiba: Aos Quatro Ventos, 2004, p.1224. Disponível em: http://www.academia.edu/1094111/Sobre_a_Musica_no_Parana_16001850_2004_. Acesso em: 07/02/2013. CAMARGO, Geraldo Leão Veiga de. Paranismo: arte, ideologia e relações sociais no Paraná, 1853 – 1953. Tese (Doutorado em História), Programa de Pós-Graduação em História, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2007. Disponível em: http://dspace.c3sl.ufpr.br/dspace/bitstream/handle/1884/15868/TESE%20FINAL.pdf?sequenc e=1. Acesso em: 12/12/2013. CÂNDIDO, Maria Inez. Documentação museológica. In: CADERNO de diretrizes museológicas 1. Brasília: Ministério da Cultura / Instituto do Patrimônio Historico e Artístico Nacional/ Departamento de Museus e Centros Culturais, Belo Horizonte: Secretaria de Estado da Cultura/ Superintendência de Museus, 2006. Disponível em: http://www.cultura.mg.gov.br/files/Caderno_Diretrizes_I%20Completo.pdf. Acesso em: 01/03/2014. CARDOSO, Sylvio Tullio. Dicionário biográfico de música popular. Rio de Janeiro: Edição do autor, 1965. CASTAGNA, Paulo. A música urbana de salão no século XIX. São Paulo, 2004.!Apostila do curso de História da Música Brasileira do Instituto de Artes da UNESP (Apostila 11). Disponível em: http://www.academia.edu/1082767/A_MUSICA_URBANA_DE_SALAO_NO_SECULO_XI X. Acesso em: 05/04/2014. Collaço, Vera Regina Martins; SANTOLIM, Rosane Faraco. AS REVISTAS, SEU PÚBLICO E A MODERNIZAÇÃO DA CIDADE. DAPesquisa – Revista de investigação em Artes. Ago. 2007 – jul. 2008 – vol.1 – n.3. COTTA, André Guerra; BLANCO, Pablo Sotuyo. O patrimônio musical na Bahia. Arquivologia e patrimônio musical. Salvador: EDUFBA, 2006. DELGADO. Lucilia de Almeida Neves, História Oral: memória, tempo, identidades. Belo Horizonte: Autêntica, 2010.

! 148

DEQUECH, André. LIMA, Arthur Moreira. Brazílio Itiberê. Obras Escolhidas. Cronologia do compositor. Fundação Cultural de Curitiba, 1998. DINIZ, André. Almanaque do choro: a história do chorinho, o que ouvir, o que ler, onde curtir. Rio de Janeiro: Zahar, 2003.! DUPRAT, Régis. Garimpo Musical. São Paulo: Novas Metas, 1985. DUPRAT, Régis. BIASON, Mary Angela. Acervo de manuscritos musicais: Coleção Francisco Curt Lange / Museu da Inconfidência / Volume III – Compositores anônimos. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1991. DURHAM, Eunice Ribeiro. Cultura, patrimônio e preservação (Texto II). In: ARANTES, Antonio Augusto (Org.). Produzindo o passado: estratégias de construção do patrimônio cultural. São Paulo: Brasiliense, 1984, p.23-58. FÉLIX, Loiva Otero. História e memória: a problemática da pesquisa. Passo Fundo: EDIUFP, 1998.! FRANCESCHI, Humberto M. A Casa Edison e seu tempo. Rio de Janeiro: Sarapuí, 2002. GILLER, Marilia. O jazz no Paraná entre 1920 e 1940: um estudo da obra “O Sabiá”, fox trot shimmy de José da Cruz. Dissertação (Mestrado em Música) – Programa de PósGraduação em Música, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2013. ______. Tupynamba Jazz Band - Fragmentos musicais: o foxtrot na cultura paranaense em 1930. In: Anais do 5o Seminário de Pesquisa em Artes. Curitiba: Faculdade de Artes do Paraná, 2010. v.1. GONÇALVES, Camila Koshiba. Música em 78 rotações: “discos a todos os preços” na São Paulo dos anos 30. São Paulo: Alameda, 2013. GRASSI, Clarissa. Guia de visitação ao cemitério Municipal São Francisco de Paula: arte e memória no espaço urbano. Curitiba: ed do autor, 2014. GROVE, George. A dictionary of music and musicians (1450-1889). London: MacMillan and Co., 1900. HALBWACHS, Maurice. A Memória Coletiva. São Paulo: Centauro Editora, 2004.! KUBO. Elvira Mari, Aspectos demográficos de Curitiba: 1801-1850. Dissertação (Mestrado em História), Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 1974. Disponível em: http://dspace.c3sl.ufpr.br/dspace/bitstream/handle/1884/24630/D%20%20KUBO,%20ELVIRA%20MARI.pdf?sequence=1. Acesso em: 13/04/2014. KERMAN, Joseph. Musicologia. Coleção Opus 86. São Paulo: Martins Fontes, 1987 LEITE, Francisco. Serestas e Seresteiros. In: HAZAR, Gehad Ismail. (Org.). Páginas escolhidas: literatura. Vol. II. Curitiba: Assembléia Legislativa do Paraná, 2003, p.242-243. !

! 149

LESSA, Ivo; WALBACH, Regina. Cadernos de documentação Musical: Bento Mossurunga (1870-1970). Curitiba: Secretaria de Estado da Cultura e do Esporte, 1982. MARTINS, Romário. Almanaque do Paraná. Curitiba: Livraria Mundial, 1896. ______. Almanaque do Paraná. Curitiba: Livraria Mundial, 1900. McCARTHY, Albert. The Dance Band Era. The dancing decades from ragtime to swing 1910-1950. London: Chilton, 1971. MELLO, Zuza Homem de. Música na veias: memórias e ensaios. São Paulo: Editora 34, 2007. MILLARCH, Aramis. Os tempos do Pavilhão Carlos Gomes. In: O Estado do Paraná. Caderno: Almanaque. Coluna ou Seção: Tablóide. 27/01/1991 MORAES, José Geraldo Vinci de. História e historiadores da música popular no Brasil. Universidade de São Paulo: 2005. Disponível em: http://www.memoriadamusica.com.br/site/images/stories/textos/Articulo%20Jos%20Geraldo %20Vinci%20-%20LAMR%20-%20Revisto.pdf. Acesso em: 17/01/2013.! ______. Metrópole em sinfonia: história, cultura e música popular na São Paulo dos anos 30. São Paulo: Estação Liberdade, 2000.! NAKAHODO, Lilian. A influência do jazz na cultura paranaense (1920-1950) - Lilian Nakahodo – relatório UFRR Cappes, 2008. OLIVEIRA, Lucia Maria Velloso de. Descrição e pesquisa: reflexões em torno dos arquivos pessoais. Rio de Janeiro: Móbile, 2012. OTTO, Tiago Portella. Songbook do Choro Curitibano. Curitiba: Otto Produções Artísticas, 2012. ________. Biografia de Augusto Stresser. In: Songbook do Choro Curitibano. Curitiba: Otto Produções Artísticas, 2012, p.50. PAES, Anna. ARAGÃO, Pedro. Apostila de história do choro. Rio de Janeiro: EPM, 2008. PEREIRA, Gustavo. Bento Mossurunga e o movimento paranista: estudo histórico-analítico das obras para canto e piano e piano solo compostas nas décadas de 1930, 40 e 50. Dissertação (Mestrado em Música), Instituto de Artes, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2005. Disponível em: http://www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/5393/000514499.pdf?sequence=1. Acesso em: 15/03/2014. PEREIRA, Luís Fernando Lopes. Paranismo: o Paraná inventado. Cultura e imaginário no Paraná e na I Republica. Curitiba: Aos Quatro Ventos. Curitiba: 1998.!! PROSSER, Elizabeth Seraphim. Cem anos de sociedade, arte e educação em Curitiba: 18531953. Curitiba: Imprensa Oficial, 2004.!

! 150

______. Enfim, um local apropriado para a obra de Penalva. Mas, e os outros? In: FÓRUM DE PESQUISA CIENTÍFICA EM ARTE, V, 2006, Curitiba. Anais eletrônicos. Curitiba: Escola de Música e Belas Artes do Paraná, p.221-228, 2007. Disponível em: http://www.embap.pr.gov.br/arquivos/File/elisabeth_prosser_penalva.pdf. Acesso em: 02/01/2010. QUELUZ. Marilda Lopes Pinheiro. Olho da Rua: O humor visual em Curitiba (1907-1911). Dissertação (Mestrado em História), Curso de Pós-Graduação em História, Universidade Federal do Paraná, 1996. Disponível em: -119:;;
Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.