José Rosas Júnior (1885-1958) e a criação da joalharia portuguesa da primeira metade do século XX. In SOUSA, Gonçalo de Vasconcelos e – Actas do III Colóquio Português de Ourivesaria. Porto: UCE-Porto; CIONP; CITAR, 2012, pp. 37-58.

June 23, 2017 | Autor: G. Sousa | Categoria: Porto, Joalharia, Ourives, Século XIX, Início Século XX, Ourivesaria, Século XX, Ourivesaria, Século XX
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José Rosas Júnior (1885-1958) e a Criação da Joalharia Portuguesa da Primeira Metade do Século XX Gonçalo de Vasconcelos e Sousa*

O conhecimento da intervenção de determinados mestres na criação e execução de peças de ourivesaria nos finais do século XIX e na primeira metade do século XX começa a ganhar alguma substância. Nomes como Augusto Luís de Sousa1 (da Leitão & Irmão – fig. 1), António Maria Ribeiro (da Reis & Filhos e, posteriormente, autónomo)2, João da Silva (fig. 2)3 ou José Rosas Júnior contribuíram significativamente para dotar esta arte, uns mais a nível da prataria, outros da joalharia ou de ambas, atingindo um patamar de qualidade, tanto em termos de realização como, em alguns casos, concepção. Este estudo centrar-se-á na análise do contributo de José Rosas Júnior (18851958) para a joalharia portuguesa do primeiro terço do século XX, estendendo-se a sua acção, também, à criação de peças de prataria, cuja abordagem deixaremos para outros estudos. Iniciaremos a análise com a referência à joalharia em Portugal * Professor Catedrático da Escola das Artes da Universidade Católica Portuguesa. Director do Departamento de Arte e Restauro, do CITAR – Centro de Investigação em Ciência e Tecnologia das Artes e do CIONP – Centro Interpretativo da Ourivesaria do Norte de Portugal, da Escola das Artes da Universidade Católica Portuguesa. 1 Vd. Pratas de Arte: onde poderemos ver as mais preciosas peças da nossa artes de ourivesaria? Ilustração. Lisboa: Livraria Bertrand, n.º 227 (01.06.1935), pp. 22-23. 2 Vd. SILVA, Nuno Vassallo e – Cinzeladores, ourives e historiadores. A arte da prataria no Porto na primeira metade do século XX. In CAMPOS, Ana, coord. – O percurso da prata no Norte de Portugal: Séculos XX e XXI. [S.l.]: Associação Empresarial de Portugal, 2005, pp. 18-27; TRANCOSO, Teresa Maria Pinto – António Maria Ribeiro, ourives-cinzelador portuense da primeira metade do século XX. In SOUSA, Gonçalo de Vasconcelos e, coord. – Actas do II Colóquio Português de Ourivesaria. Porto: CITAR, 2009, pp. 131-140; IDEM, António Maria Ribeiro: Cinzelador, ourives, escultor e desenhador portuense (1889-1962). Porto: UCE-Porto; CIONP; CITAR, 2011. 3 Vd. A jóia moderna em Portugal: João da Silva. Illustração portuguesa. Lisboa. (19.04.1919), pp. 506-510; FRANCO, Matilde Pessoa de Figueiredo Sousa – O escultor João da Silva, grande e esquecido ourives. In Actas do Colóquio de Ourivesaria do Norte de Portugal. Porto: Fundação Eng. António de Almeida, 1986, pp. 143-152.

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Fig. 1 – Fotografia de Augusto Luiz Gomes, ourives que trabalhou para a Casa Leitão & Irmão. Ext. de Ilustração, (01.06.1945), p. 23.

Fig. 2 – Fotografia do escultor João da Silva (1880-1860). Ext. de Illustração Portuguesa, (07.04.1919), p. 506.

na primeira metade do século XX e, posteriormente, traçaremos a sua biografia e a adesão à Arte Nova e à Art Déco, mas, sobretudo, às correntes eclécticas e revivalistas que marcaram, em termos definitivos, a criação e realização da quase totalidade das jóias em Portugal durante o período da sua vida activa, enquanto ourives e joalheiro.

1. Panorama da joalharia em Portugal nos finais do século XIX e na primeira metade do século XX Portugal viveu um intenso momento da produção de joalharia na segunda metade do século XIX, sobretudo ligado aos ourives do Porto e de Gondomar4, e com relevantes peças saídas das oficinas que trabalhavam para alguns joalheiros da capital portuguesa. Por esses tempos, destacaram-se Estêvão de Sousa, ourives especialmente apreciado por D. Maria Pia, a casa Mourão & Irmão, com lojas no 4

Vd. SOUSA, Gonçalo de Vasconcelos e – A ourivesaria em Gondomar: Elementos para a sua História nos sécs. XVIII e XIX. O Tripeiro. Porto: Associação Comercial do Porto. 7.ª s., 22 (11) (Nov. 2003), pp. 337-340.



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Porto e em Lisboa, e, posteriormente, a Leitão & Irmão, com estabelecimentos igualmente em ambas as localidades, vindo a marcar de forma indelével o percurso da alta joalharia em Portugal nos finais de Oitocentos e, sobretudo, na primeira metade do século XX5. Estilisticamente, convivem ainda algumas correntes naturalistas da joalharia oitocentista com peças mais ou menos arrojadas, se bem que integradas dentro das expressões tardo-românticas que se fizeram sentir em diversos domínios da Arte Portuguesa até às primeiras décadas de Novecentos. A alta sociedade de Lisboa, Porto e da Província encomendam importantes adereços, muitos dos quais ainda hoje sobrevivem em colecções particulares, apartados, cada vez mais, dos olhares públicos. Em geral, seguem os gostos das elites pelas reminiscências estéticas do passado, que dominam a sociedade vinda de trás, e dos possidentes emergentes que frequentam o mundo social da Belle Époque nacional, bem documentada na revista Ilustração Portuguesa. Curiosamente, as grandes casas de ourivesaria, como a Leitão & Irmão e a Reis & Filhos, nos seus instrumentos panegíricos de função publicitária, publicados desde os finais do século XIX, conferem muito mais relevância às peças de prataria do que às jóias, provavelmente pela vertente mais pública das primeiras em relação às segundas, a que se conferia maior recato, para além das dimensões dos próprios objectos6. No início do século XX, a Arte Nova penetra timidamente na joalharia portuguesa, com influências chegadas de vários pontos da Europa, mas não conquistou a elite dominante, pelo que, ao que nos é dado percepcionar através das jóias que conhecemos, estas não se deixaram seduzir pela renovação estilística que esta corrente incorporava. São pequenos alfinetes e pendentes, em geral, com acentuada sinuosidade, mas sem nunca se atingir, pelo menos do que se conhece, o apuramento de concepção e execução artística alcançados noutros pontos do Mundo Ocidental. Quando a Casa Leitão & Irmão, em 1913, concebe o diadema que D. Manuel II, no exílio, oferecerá a sua mulher, D. Augusta Vitória, com diamantes e rubis, ornado de cruzes de Cristo, é sinal de que os estilos inspirados no passado continuam a representar o eixo estético das principais obras7. 5

Destacando-se, sobretudo, o conjunto de peças de joalharia oferecidas em 1886 pelos membros da Casa Real portuguesa a D. Amélia de Orléans, por ocasião do seu casamento com o Príncipe Real, D. Carlos. 6 Vd., por exemplo, o trabalho Algumas peças executadas por Leitão & Irmão antigos joalheiros da Coroa. Lisboa: [s.n., s.d.], separata de O Occidente; REIS & FILHOS – Uma baixella manoelina. Porto: Reis & Filhos, 1904; REIS FILHOS – Uma baixella manoelina e outras pratas artisticas. Porto: Ourivesaria Reis, 1925. 7 Vd. SANTOS, Rui Afonso – A jóia em Portugal no século XX. In SOUSA, Gonçalo de Vasconcelos e, dir. – Actas do I Colóquio Português de Ourivesaria. Porto: Círculo Dr. José de Figueiredo, 1999, p. 222.

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Figs. 3 e 4 – Pendentes Art Déco de platina, com diamantes brilhantes, diamantes rosas e safiras, respectivamente da Ourivesaria da Guia e da ourivesaria de Joaquim Tavares de Magalhães, publicados na revista “Esmeralda” [n.º extraordinário. (Dez. 1916), pp. 2 e 5].

Fig. 5 – Pulseira Art Déco, publicada na revista “Esmeralda” [2.ª s., n.º 14, p. 9].

Mais tarde, nas décadas de 20 e 30, verifica-se a elaboração de um número mais alargado de exemplares Art Déco, apesar de estes – e tal como se havia passado com a prataria –, acabarem por alcançar mais alguma adesão em alguns membros das elites com contactos com o que se passava na Europa, nomeadamente a aristocracia, os industriais e os ricos comerciantes que, frequentemente, viajavam até Paris. Dessa produção deu notícia a revista Esmeralda, uma publicação determinante para se perceber o percurso da ourivesaria portuguesa, sobretudo durante os anos 20 do século XX. É o caso dos pendentes marcadamente Art Déco realizados por algumas ourivesarias do País (figs. 3 e 4) ou as pulseiras com ornatos geométricos (fig. 5), característicos deste estilo. No entanto, a marca dominante articulava-se com a vigência dos revivalismos e eclectismos, mais em consonância com o gosto dominante. Nesse sentido, as



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peças que parecessem antigas estariam mais de acordo com a intenção das elites em aparentar que usavam peças com ligação a um passado que poderiam não possuir. Seria, pois, um casamento entre a ostentação do novo com a permanência do antigo, dado pelo revivalismo de várias correntes estéticas passadas. A esta tendência não escapará, igualmente, a generalidade das principais obras da casa de José Rosas & C.ª, como veremos abaixo.

2. José Rosas Júnior (1885-1958): perfil biográfico Para contextualizar a figura de José Rosas Júnior, teremos de recuar até à primeira metade do século XIX, época em que iniciou a sua actividade o seu avô materno (fig. 6), Vicente Manuel de Moura (1815-1908), ourives do ouro, ensaiador e contraste desse metal na cidade do Porto8. A casa de José Rosas & C.ª (fig. 7) é um dos estabelecimentos de ourivesaria mais antigos do País, tendo a origem mais longínqua, no Porto, através da referida figura de Vicente Manuel de Moura (1815-1908). O seu genro, José Aires da Silva Rosas (fig. 8), veio a desenvolver um comércio de ourivesaria, destinando-se tanto à execução de peças de prata como de jóias. O estabelecimento Fig. 6 – Fotografia de José Rosas Júnior com o localizava-se na tradicional Rua das seu avô materno, Vicente Manuel de Moura, por Flores, o arruamento dos principais Emílio Biel, ca. 1890/1895. Arquivo da Casa José Rosas & C.ª. ourives ainda na segunda metade de Oitocentos9. Na transição do século XIX para o século XX, esta ourivesaria realizou exposições e editou catálogos das peças que comercializava, o que possibilitou, não só a difusão dos objectos, como, actualmente, o conhecimento preciso das peças que vendia.

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Vd. SOUSA, Gonçalo de Vasconcelos e – Tesouros privados: a joalharia na região do Porto (1865-1879). Porto: UCE-Porto; CIONP; CITAR, 2012. 2 vols. 9 Vd. a reprodução de uma factura de 1903 in SOUSA, Gonçalo de Vasconcelos e – Percursos da joalharia em Portugal: séculos XVIII a XX. Porto: CITAR, 2010, p. 100.

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Fig. 7 – Cartão da Casa José Rosas. Arquivo da Casa José Rosas & C.ª.

Fig. 8 – Fotografia de José Rosas Júnior com seus pais, José Ayres da Silva Rosas e D. Maria da Glória Moura, na década de 90 de 1800. Arquivo da Casa José Rosas & C.ª.

Fig. 9 – Fotografia de José Rosas Júnior, nos inícios do século XX. Arquivo da Casa José Rosas & C.ª.

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Seria, no entanto, seu filho, José Rosas Júnior (1885-1958), que mais viria a influenciar a ourivesaria portuguesa. Com um gosto requintado, influenciado por Inglaterra, onde estudou, tornaria este estabelecimento portuense num dos mais importantes do País, a par com a Casa Reis & Filhos, também com eles relacionados familiarmente. José Rosas Júnior contactava, desde muito cedo, com o círculo de amizades de seus pais, entre os quais se encontravam nomes grados da Arte da época, como Soares dos Reis, Silva Porto, Teixeira Lopes – que com esta casa de ourivesaria trabalharia amiúde –, Ventura Terra, Marques da Silva, para além de membros da intelectualidade, como António Arroyo, João de Deus ou Guerra Junqueiro. Do importante e prolífico, mas algo esquecido, pintor José de Brito havia recebido lições de desenho. Por intermédio de Jaime Batalha Reis, que era cônsul de Portugal em Londres, e por solicitação de António Arroyo e do escultor António Teixeira Lopes, vai para Londres, inscrevendo-se no Goldsmiths Institute (New Cross), frequentando um curso livre no Royal College of Art. Desloca-se a Paris, onde entra em contacto com oficinas de joalheiros e ourives, regressando finalmente de Londres em 1903. Este é a bagagem estética e técnica que José Rosas Júnior (fig. 9) recebe no ponto de arranque da sua longa carreira. E essas influências inglesas tornam-se particularmente visíveis nos desenhos Arte Nova desses primeiros tempos, que depois abandonará. O cenário em que se encontra a casa José Rosas aquando do seu regresso apanha os finais da Monarquia e as visitas reais de D. Carlos e D. Manuel II à capital do Norte. Ainda tentaria abrir uma segunda loja em Lisboa, mas com a proclamação da República acabou por não concretizar esse intento. Nestes primeiros tempos do século XX organizara aí exposições, do que dera notícia uma das publicações mais relevantes na época, A Ilustração Portuguesa (figs. 10 a 13). Os tempos da primeira República haveriam de trazer algumas dificuldades, que a casa vai ultrapassando. O seu casamento, ocorrido em 1911, com D. Maria Antónia Castro Ramos Pinto, torna-o participante de uma família com marcada influência económica, destacando-se a figura de seu sogro, António Ramos Pinto, também ele um esteta e grande coleccionador de obras de Arte. Adquire, por intermédio do jurisconsulto Dr. António Pinto de Mesquita, antigo governador Civil do Porto, a casa de Ronfe, situada na freguesia de Meinedo, em Lousada, empreendendo uma profunda campanha de obras, que deixou registada num pormenorizado diário de obra10. Para além disso, legou-nos umas interessantes memórias, caso muito raro entre os ourives-joalheiros portugueses. A paixão que nutria pela Arte, visível na sua biblioteca (fig. 14), conduziu-o ao cargo de conservador-ajudante do Museu Nacional de Soares dos Reis, no Porto, e, 10

Propriedade de seu filho, Dr. Manuel Ramos Pinto Rosas.

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Figs. 10 a 13 Fac-símile de artigo de várias páginas publicado na “Ilustração Portuguesa”, em 17 de Janeiro de 1910, alusivo aos trabalhos da casa de José Rosas.



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no Palácio da Ajuda, foi incumbido da relevante missão do restauro das jóias da Casa Real11. Foi, igualmente, mesário da Venerável Ordem Terceira de Nossa Senhora do Carmo do Porto12. Destaca-se ainda, para além do supra referido livro, o importante estudo sobre os pendentes em forma de laço, vulgarmente conhecidos por laças, publicado em 1942 e ainda hoje muito importante no estudo da joalharia setecentista13, e os artigos sobre pratas e jóias dos séculos XVIII e XIX, publicados na revista Ourivesaria Portuguesa, em 1950, e de que se realizou uma publicação autónoma14. No ano seguinte, coordenou o livro comemorativo do centenário da sua casa, em Fig. 14 – Frontispício do catálogo da biblioteca que interveio, igualmente, o eminente de José Rosas Júnior. Arquivo da Casa José Rosas & C.ª. historiador Artur de Magalhães Basto15. Voltaria a escrever sobre ourivesaria, desta vez em 1952, na revista Panorama16. A casa continuou com seu filho, Dr. Manuel Ramos Pinto Rosas, biólogo de formação (UP), mas com um curso de Gemologia tirado em Londres (1947), na Gemmological Association of Great Britain (grau de FGA – Fellow of the Gemmological Association)17. Nos anos 70 mudaria as instalações comerciais da Rua das Flores para a zona da Boavista, na zona comercial do empreendimento Graham (Rua Eugénio de Castro), onde se mantém. Actualmente com mais de noventa anos, ainda há pouco tempo orientava esteticamente alguns dos objectos vendidos neste estabelecimento. De há anos a esta parte, passou a contar com a colaboração de seu filho, Eng.º José Rosas, e da sua mulher, Sónia Rosas.

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Vd., como resultado deste trabalho, a obra ROSAS JÚNIOR, José – Catálogo de jóias e pratas da Coroa. Lisboa: Palácio Nacional da Ajuda, 1954. 12 Na Ordem Terceira de Nossa Senhora do Carmo do Porto existem, pelo menos, duas fotografias da mesa administrativa emolduradas, em que se pode observar José Rosas Júnior. 13 Vd. ROSAS JÚNIOR, José – Jóias portuguesas: as laças de ouro. Porto: Imprensa Moderna, 1942. 14 Vd. ROSAS JÚNIOR, José – Pratas e jóias dos séculos XVII e XVIII. Porto: Grémio dos Industriais de Ourivesaria do Norte, 1950. 15 Vd. José Rosas & C.ª Ourives Joalheiros Porto 1851-1951. Porto: Tipografia Imprensa Moderna, 1951. 16 Vd. ROSAS JÙNIOR, José – A ourivesaria portuense. Panorama. N.º 4 (1952), pp. 37-48. 17 Agradecemos esta e outras informações ao Eng.º José Rosas.

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3. A criação de peças Arte Nova e Art Déco Para além de uma produção maioritariamente revivalista, existem na obra de José Rosas Júnior manifestações do movimento Arte Nova, observáveis em algumas peças cujos desenhos existem no arquivo desta casa de ourivesaria. São, contudo, jóias contidas na exuberância das formas e na utilização dos materiais, recorrendo, em alguns casos, à esmaltagem, o que permite o seu enquadramento, portanto, no status quo estético vigente na época. Entre as jóias Arte Nova, salienta-se uma primeira fase de marcada influência nas correntes inglesas, como os desenhos concebidos para alfinetes esmaltados em prata com pedraria (fig. 15), datados de 1902, ou para um alfinete, em 1907 (fig. 16) e a que não é estranha a presença em Inglaterra do ourives-joalheiro, como ficou explícito supra. Mais discretamente Arte Nova, mas claramente incorporados neste estilo, o pendente, concebido em 1907 (fig. 17), com diamantes e rubis, e um possível colar, cravejado de diamantes, que aqui não reproduzimos. Com acentuada presença deste estilo surge um alfinete em forma de pena de pavão de ouro, platina e diamantes brilhantes, realizado em 1910, e apresentado como uma das produções mais relevantes do percurso da casa (fig. 18).

Fig. 15 – Desenhos para peças Arte Nova, elaborados por José Rosas Júnior em 1902. Arquivo da Casa José Rosas & C.ª.



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Fig. 16 – Desenho para alfinete, José Rosas Júnior, 1907. Arquivo da Casa José Rosas & C.ª.

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Fig. 17 – Desenho para fio e pendente Arte Nova, José Rosas Júnior, início do século XX. Arquivo da Casa José Rosas & C.ª.

Fig. 18 – Alfinete em forma de pena de pavão, ainda de sabor Arte Nova, de platina, ouro e diamantes brilhantes, Casa José Rosas, 1910. Extraído de José Rosas & C.ª Ourives Joalheiros Porto 1851-1951, fig. 7.

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Uma progressiva linearidade será visível noutras peças, como fios com pendentes (fig. 19), e a Art Déco deixará, também, as suas marcas na produção de José Rosas Júnior18, nomeadamente nos alfinetes de disposição rectangular, conjugando, numa versão muito peculiar, esmaltes com pedraria (fig. 20) e diversas gemas de cor com os diamantes (fig. 21). Destas tipologias de peças possui o arquivo desta casa comercial alguns desenhos de notáveis exemplares e de cariz marcadamente geométrico. Existem desenhos para clips (fig. 22) e alguns modelos de pulseiras, conjugando diamantes com safiras (fig. 23), tipologias muito ao gosto desta corrente estética. Apesar destes ensaios estilísticos das correntes vanguardistas, alguns de marcada erudição, estamos em crer que esta vertente artística se afirmou como residual ao longo da produção da casa, como se poderá tornar perceptível pela leitura do ponto seguinte.

Fig. 19 – Desenhos para fios com pendentes, José Rosas Júnior, 1.º terço do século XX. Colecção da Casa José Rosas & C.ª.

Fig. 20 – Desenhos para alfinetes Art Déco com pedraria e esmalte, José Rosas Júnior, anos 20/30 do século XX. Arquivo da Casa José Rosas & C.ª.

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Alguns desenhos Arte Nova e Art Déco foram por nós publicados in SOUSA, Gonçalo de Vasconcelos e – Da joalharia setecentista aos eclectismos do século XX em Portugal. In MARQUES, Maria da Luz Paula, coord. – Colecção de jóias: Marta Ortigão Sampaio. [Porto]: Câmara Municipal do Porto/ Casa Museu Marta Ortigão Sampaio, [1997], pp. 55-57.



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Fig. 21 – Desenhos para alfinetes Art Déco (com excepção do coração) com pedraria, José Rosas Júnior, anos 20/30 do século XX. Arquivo da Casa José Rosas & C.ª.

Fig. 22 – Desenhos para clips com pedraria, José Rosas Júnior, anos 20/30 do século XX. Arquivo da Casa José Rosas & C.ª.

Fig. 23 – Desenhos para pulseiras com diamantes e safiras Art Déco, José Rosas Júnior, anos 20/30 do século XX. Arquivo da Casa José Rosas & C.ª.

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4. A criação de peças revivalistas, eclécticas e tradicionais A casa Rosas trabalhou para as elites portuguesas em geral, mas, sobretudo, para as da cidade do Porto e de algumas localidades do interior. Realizou peças de joalharia de grande qualidade, bem como objectos decorativos e utilitários em prata; possuiu, também, uma importante produção de alfaias religiosas. Algumas das peças mais significativas da sua produção encontram-se presentes no livro que, com introdução histórica de Artur de Magalhães Basto, foi dado à estampa, em 1951, para comemorar o centenário deste estabelecimento de ourivesaria19. Será, no entanto, no domínio da joalharia e da acção concreta de José Rosas Júnior que nos debruçaremos neste estudo. Este ourives-joalheiro possuía uma vocação artística surpreendente, em termos comparativos com os seus pares, e a formação em Inglaterra acentuaria os contactos com novas realidades artísticas da joalharia internacional, que, como vimos, ainda tentou experimentar sob influência da estadia nesse País. No entanto, regressando a Portugal, não lhe foi possível continuar em pleno com essa vertente, visto a clientela da sua casa ser profundamente tradicionalista. Aí, o gosto será marcado, ainda durante os primeiros dois terços do século XX, por uma vertente tardo-romântica, definida pelos eclectismos e revivalismos. Realizou algumas jóias de certo aparato, visíveis na publicação do centenário. Logo do início do século (1906), destaca-se um adereço de diamantes revivalista, num misto da produção portuguesa dos séculos XVIII e XIX. Os brincos revelam-se marcadamente classicizantes, enquanto o colar ensaia um conjunto de laço central e fita, numa síntese de evocações barrocas com simplificações neoclássicas (fig. 24). Executa, em 1923, um importante colar em platina com diamantes brilhantes, muito ao gosto das correntes da Belle Époque (fig. 25), voltando ao revivalismo renascentista num meio-adereço formado por colar e par de brincos, em que conjuga ouro e ágatas (1945 – fig. 26). No âmbito dos colares, existem desenhos para objectos mais tradicionais, com o recurso aos esmaltes e a técnicas de trabalho do ouro de reminiscências setecentistas, que esta casa recuperaria e que haveria de se tornar uma forte aposta, entre os finais do século XIX e as primeiras duas décadas do século XX. É o caso de um colar, em cujo pendente central se vêem as quinas, a azul, e um medalhão com a cruz de Cristo encimada pela esfera armilar (fig. 27). A Ordem de Santiago surge, também, como recurso iconográfico para influenciar o pendente central de um colar, que chegou a ser executado, com uma certa estilização dos braços da respectiva cruz (figs. 28 e 29). Ou, inspirando-se nos exemplares da primeira metade de Oitocentos, com festões clássicos e recurso a esmalte, deixou-se guiar pelos cânones do pré-romantismo, facto evidenciado pela presença de uma evocação 19

Vd. José Rosas & C.ª Ourives Joalheiros Porto 1851-1951. Porto: Tipografia Imprensa Moderna, 1951.



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Fig. 24 – Adereço formado por colar, par de brincos e anel, em gosto eclético, da casa José Rosas, 1906. Extraído de José Rosas & C.ª Ourives Joalheiros Porto 1851-1951, fig. 5. Fig. 25 – Colar de platina com diamantes brilhantes, em gosto revivalista classicizante, da casa José Rosas, 1923. Extraído de José Rosas & C.ª Ourives Joalheiros Porto 1851-1951, fig. 10.

Fig. 26 – Meio adereço formado por colar e par de brincos de ouro e ágatas, neo-renascença, da casa José Rosas, 1945. Extraído de José Rosas & C.ª Ourives Joalheiros Porto 1851-1951, fig. 16.

amorosa, com dois corações trespassados por uma seta (figs. 30 e 31), dispostos no centro do pendente. Noutros casos, a aposta era sobretudo na cravação de pedraria, com diamantes e esmeraldas, seguindo as correntes internacionais dos princípios de Novecentos (fig. 32).

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Fig. 27 – Desenho para colar ecléctico tradicionalista da ourivesaria portuguesa de ouro, esmaltes e pedraria, José Rosas Júnior, primeiro terço do século XX. Arquivo da Casa José Rosas & C.ª.

Fig. 28 – Desenho para colar com pendente simulando a cruz de Sant’Iago, José Rosas Júnior, primeiro terço do século XX. Arquivo da Casa José Rosas & C.ª.

Fig. 29 – Fotografia do colar da fig. 28. Arquivo da Casa José Rosas & C.ª.



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Fig. 30 – Desenho para colar com pendente decorado por símbolos amorosos, José Rosas Júnior, primeiro terço do século XX. Arquivo da Casa José Rosas & C.ª.

Fig. 31 – Fotografia do colar da fig. 30. Arquivo da Casa José Rosas & C.ª.

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Fig. 32 – Desenho para colar com esmeraldas e diamantes, José Rosas Júnior, primeiro terço do século XX. Arquivo da Casa José Rosas & C.ª.

Fig. 33 – Desenhos para alfinetes de matriz tradicional, com a legenda “Por Bem”, de ouro, esmaltes e pérolas, José Rosas Júnior, primeiro terço do século XX. Arquivo da Casa José Rosas & C.ª.

Fig. 34 – Desenhos para alfinetes em forma de cestas floridas, denominados açafates, José Rosas Júnior, Brejoeira, 1919. Arquivo da Casa José Rosas & C.ª.



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Fig. 35 – Alfinete em forma de cesta, açafate, de ouro e prata, com cravação de diamantes, pérolas e pedraria de cor. Colecção particular.

Fig. 36 – Desenhos para alfinetes em pedraria e esmalte, de matriz clássica, José Rosas Júnior, Brejoeira, 1919. Arquivo da Casa José Rosas & C.ª.

Fig. 37 – Desenhos para alfinetes de gravata, José Rosas Júnior, anos 20/30 do século XX. Arquivo da Casa José Rosas & C.ª.

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Fig. 38 – Desenhos para alfinetes de matriz tradicional e Art Déco, José Rosas Júnior, anos 20/30 do século XX. Arquivo da Casa José Rosas & C.ª.

Foi, pois, na assunção das correntes mais tradicionalistas que José Rosas Júnior mais assiduamente concebeu as suas peças de joalharia. Isso é visível, por exemplo, em determinados anéis e nos alfinetes com ouro e esmalte, com a frase «Por Bem» (fig. 33). Revisitando a centúria de Setecentos, concebeu alfinetes em forma de laça ou de aigrette, com os habituais pingentes. De 1945, data um alfinete em forma de um magnífico e aparatoso bouquet floral, com aplicação de diamantes20, de inspiração setecentista. Noutras jóias, sem reminiscências históricas exactas, pressente-se o peso dos séculos XVIII e XIX, seja pela interpretação da tipologia ou pelos motivos ornamentais empregues. Nessa fase, servirão de ponto de referência alguns álbuns de desenhos de jóias, executados por José Rosas Júnior, existentes no acervo documental da ourivesaria e datáveis da primeira metade do século XX. Para além disso, verifica-se a influência de dois prováveis catálogos de desenhos de jóias oitocentistas, propriedade do acervo documental da casa José Rosas & C.ª e recentemente dados à estampa21. Essa marca torna-se visível, nomeadamente, na profusão de desenhos para pequenas peças de matriz classicizante, ficando, sobretudo, renomados os seus alfinetes em forma de cestas, denominados açafates, com pedras de diversas cores22 (figs. 34 e 35). Por outro lado, alcançaram um grande sucesso junto da clientela os alfinetes com ornatos neoclássicos (fig. 36), de que abundam desenhos nos livros de José Rosas, inspirados no Palácio da Brejoeira, construção onde é visível este estilo. 20

Vd. José Rosas & C.ª Ourives Joalheiros Porto 1851-1951. Porto: Tipografia Imprensa Moderna, 1951, fig. 19a). 21 Vd. SOUSA, Gonçalo de Vasconcelos e – O livro de desenhos de jóias de José António Mourão (1792-1856), da Rua das Flores, no Porto. Porto: UCE-Porto; CIONP; CITAR, 2011; IDEM, Álbum de desenhos de jóias portuguesas (ca. 1830-1930). Porto: UCE-Porto; CIONP; CITAR, 2011. 22 Sobre esta tipologia, vd. QUARESMA, Maria Clementina – Açafates – Jóias de José Rosas Júnior. O Tripeiro. Porto: Associação Comercial do Porto. 7.ª s., ano 17 (7-8) (Ag.-Set. 1998), pp. 256-259.



José Rosas Júnior (1885-1958) e a Criação da Joalharia Portuguesa …

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Fig. 39 – Fotografia de José Rosas Júnior, c. 1950. Arquivo da Casa José Rosas & C.ª.

Para o uso masculino, e continuando uma tradição de cariz oitocentista, encontramos nos seus álbuns desenhos para alfinetes de gravata, actualizados ao gosto dos anos 20/30 do século XX, com motivos mais tradicionais combinados com reinterpretações lineares, mais ao gosto da Art Déco (fig. 37).

Conclusão José Rosas Júnior desempenhou um importante papel na joalharia portuguesa dos primeiros dois terços do século XX e a existência de um vasto espólio iconográfico permite-nos, actualmente, ter uma percepção concreta do gosto vigente, dos ensaios de novidade e do peso de uma clientela tradicionalista, que determinou os caminhos da concepção de jóias e uma certa estagnação da evolução artística. A opção por modelos Arte Nova e, mais tarde, Art Déco representou uma excepção em face das opções a que o obrigaram as correntes revivalistas (fig. 38). De certa forma, a estética classicizante constituiu uma opção natural, como o demonstraram os desenhos executados no palácio da Brejoeira, em Monção, onde esteve por diversas vezes, e em que o próprio edif ício teria funcionado como matriz inspiradora de diversos adornos, entre eles alfinetes com motivos clássicos e cestas floridas.

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Gonçalo de Va s c o n c e l o s e S o u s a

Manteve-se activo até à sua morte (fig. 39), ocorrida em 1958. Poucos anos depois, já nos anos sessenta, deram-se as primeiras manifestações de joalharia contemporânea, associadas a nomes como José Aurélio, Gordillo, Kukas ou Margarida Schimmelpfennig23. Contudo, o panorama da joalharia resistia à mudança, pois a clientela, esse factor decisivo na evolução da arte, continuava arreigada a padrões mais tradicionais, que apenas se começaram a abrir em maior escala nos finais do século XX.

23

Vd. FILIPE, Cristina – A joalharia em Portugal nos anos 60 do século XX. In SOUSA, Gonçalo de Vasconcelos e, dir. – Matrizes da investigação em Artes Decorativas. Porto: CITAR, 2011, pp. 127-146; IDEM, A joalharia em Portugal nos anos 70 do século XX. In SOUSA, Gonçalo de Vasconcelos e, dir. – Matrizes da investigação em Artes Decorativas II. Porto: CITAR, 2011, pp. 203-224.

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