JOVEM, CONSUMO MIDIÁTICO E CONVERGÊNCIA: PANORÂMICA SOBRE O CENÁRIO SOTEROPOLITANO

June 18, 2017 | Autor: André Bomfim | Categoria: Internet Studies, Youtube, Audiovisual, Juventude
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Jovem, consumo midiático e convergência: panorâmica sobre o cenário soteropolitano 1 Youth, media consumption and convergence: a view over the scene of Salvador 2

Regina Gomes / André Bomfim

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Resumo: Este estudo é parte de uma pesquisa dedicada ao mapeamento e análise da produção audiovisual do estado da Bahia produzida para a internet, que investiga os usos e apropriações de recursos multi-midiáticos e tecnológicos por jovens da cidade de Salvador, além dos modos de circulação e consumo dos conteúdos por eles produzidos. Partimos dos estudos sobre recepção e consumo de Canclini (2010); Jenkins (2009; 2013), Silverstone (2002) e Certeau (1998).

Palavras-chave: consumo, audiovisual, internet, juventude.

Abstract: This study is part of a research dedicated to mapping and analysis of the audiovisual production made in Bahia and produced for the internet. It explores the uses and appropriations of multimedia and technological resources by the youth in Salvador, as well as modes of circulation and consumption of the content produced by themselves. Considering as starting point, studies on reception and consumption of Canclini (2010); Jenkins (2009; 2013), Silverstone (2002) and Certeau (1998).

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Trabalho apresentado no XVIII Encontro Socine de Estudos de Cinema e Audiovisual no Seminário Temático Recepção cinematográfica e audiovisual: abordagem empírica e teórica. 2 Doutora em Ciências da Comunicação (Universidade Nova de Lisboa) e professora do PósCom-UFBA. 3 Mestre em Comunicação e Cultura Contemporâneas pela UFBA e doutorando no mesmo programa. Bolsista CAPES.

Keywords: consume, audiovisual, internet, youth.

A emergência das mídias digitais e sociais reconfiguram o ecossistema midiático, redefinindo o uso dos suportes e natureza dos próprios textos e gêneros midiáticos. Nesse contexto já é possível assistir ao surgimento de uma produção audiovisual pensada e produzida para a internet, que se adequa às dinâmicas de exibição e circulação do ambiente digital. No 4

cenário baiano , essa produção é formada essencialmente por vídeos e canais de comédia de apelo regional, produzidos por coletivos de jovens empreendedores, que sustentam um fluxo semanal de novas produções, em busca da profissionalização e da sustentabilidade financeira. A web comédia de canais como Coringa Art, Os 10Ocupados, Liga dos Baianos, +1! Filmes, Comédia Baiana, Sangue de Barata TV, OscaraíBA, Lá Eles e Seu Pimenta TV indica que o riso é o caminho mais seguro para a popularidade digital. Assim como a regionalidade expressa no sotaque e comportamento das suas personagens, quase sempre extraídos de estereótipos populares e situações cotidianas das ruas de Salvador. Em menor número, a temática LGBT também surge de forma recorrente, em webséries como Família no Plural, As Cachoeiranas, Retratos, Apenas Heróis e Diário Deles. Analisar essa produção é compreender de que forma jovens produtores se apropriam de recursos tecnológicos de filmagem com qualidade cada vez mais profissional e custo mais acessível e, sobretudo, das plataformas de participação social, num uso combinado de sites de compartilhamento de mídia e sites de redes sociais (CHAKA, 2010), notadamente YouTube e Facebook. E, no âmbito da recepção, como a atividade espectatorial, expressa em likes, comentários e compartilhamentos gera a circulação destes produtos, em um fenômeno definido por Jenkins (2013) como spreadability ou propagabilidade. O presente texto parte das reflexões articuladas até o atual estágio da pesquisa, ainda em andamento, e está dividido em 3 seções: a primeira expõe nossa base teórica; a segunda,

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Ressaltamos que a produção audiovisual do estado para a internet ainda se concentra quase que exclusivamente na sua capital.

relata procedimentos metodológicos e na terceira, apontamos algumas conclusões, ainda que provisórias. A pesquisa regional baiana é empreendida pelo Grupo de Pesquisa Recepção e Crítica da Imagem (GRIM), da Faculdade de Comunicação da UFBA e é atrelada ao projeto 5

Rede Brasil Conectado e à pesquisa Jovem e consumo midiático em tempos de convergência, que investiga as práticas dos jovens brasileiros na internet.

Fundamentação teórica

A arquitetura teórica dos estudos culturais trouxe para os estudos de recepção a noção de consumo. No âmbito latino-americano, destaca-se García Canclini em Consumidores e Cidadãos (2010), que põe em cheque a noção de consumidor, ampliando-a para além dos aspectos estritamente mercadológicos e dando ênfase à dimensão estético-receptiva:

[…] o consumo é o conjunto de processos socioculturais em que se realizam a apropriação e os usos dos produtos. Esta caracterização ajuda a enxergar atos pelos quais consumimos como algo mais do que simples exercícios de gostos, caprichos e compras irrefletidas, segundo julgamentos moralistas, ou atitudes individuais, tal como costumam ser exploradas pelas pesquisas de mercado. (CANCLINI, 2010, p. 60).

Para o autor, a monolítica racionalidade econômica dos estudos sobre consumo deve ser substituída por uma outra racionalidade sociopolítica interativa, em que sejam considerados os “aspectos simbólicos e estéticos da racionalidade consumidora” (CANCLINI, 2010, p. 62). Sendo assim, o consumo é um ato constitutivo do ser humano, tem dimensões sociais, históricas e estéticas e através dele podemos identificar dinâmicas de recepção de produtos que convertem-se em objetos de experiência e de apropriação individuais e coletivas. Em última instância, o consumidor, portanto, é um receptor ou um sujeito afetado pela experiência midiática

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e que responde ativamente à ela. Baccega reitera essa concepção ao enfatizar o sujeito-receptor como, […] sujeito ativo, mesmo conceito presente nos estudos de recepção, ou seja, são os mesmos sujeitos que vão formar o consumo ativo. E que, sendo ativo, o consumo não é apenas consumismo, no sentido que o senso popular atribui a essa palavra. (BACCEGA, 2009, p.4)

Há que se salientar que o projeto concentra-se na esfera do consumo midiático, aqui definido como uma especificidade do consumo cultural. Trata-se de uma perspectiva de estudos que tem na mídia um locus fudamental para analisar as relações entre receptores e produtos num dado contexto (TOALDO; JACKS, 2013). Trata-se do consumo do que a mídia oferece. Em nosso caso, internet e os produtos audiovisuais nela disponibilizados. O ambiente mídia é aquele que moldará o contexto tanto de produção quanto do consumo dos produtos. Aqui vale o conceito de convergência midiática de Jenkins (2009), para quem este cenário é marcado por dois movimentos distintos: de um lado, as fusões multimídia e as concentrações de empresas na produção de cultura e, de outro, consumidores engajados em práticas individuais e em interações sociais uns com os outros, em um processo de consumo coletivo. No âmbito mais específico da produção audiovisual, temos o YouTube como um microuniverso particular para a análise dessa tensão (empresas, produtores e consumidores). Nos interessa saber, assim, o que os jovens de Salvador consomem neste ambiente midiático e o modo como se apropriam dos conteúdos consumidos e em que contexto isso ocorre. Os conceitos de uso e apropriação nas práticas de consumo midiáticos também foram considerados. Para Richard Rorty (2005), mais que interpretar um texto, tudo o que fazemos com eles é usá-los. Ou seja, é a partir dos usos dos produtos que os significados serão construídos. A apropriação se dá por atos intencionais nas formas de engajamento, mobilização, compartilhamentos, atos receptivos de leituras. Conforme Silverstone (2002, p. 36), “apropriação significa levar os significados para casa: a personificação, a consumação, a domestificação

(esses termos todos são de [George] Steiner) mais ou menos bem-sucedidas, mais ou menos completas do significado”. Michel de Certeau (2013) vê nesses atos um “desvio” criativo no uso dos produtos, apontando para uma “teoria das práticas cotidianas” (CERTEAU, 2013, p.15). Aqui, indagamos: como os produtores baianos constroem a poética de suas obras a partir de sistemas de produção vários (cinematográfico/audiovisual)? A maioria é formada por grupos marginais que subvertem o processo e até usam as obras como mecanismo de resistência, compondo, como afirma Certeau (2013), um tipo de “criatividade dispersa” ou “tática significante para manter a sobrevivência”. E como hoje vivenciamos fortemente sistemas culturais que se cruzam, a “identidade, mesmo em amplos setores populares, é poliglota, multiétnica, migrante, feita com elementos mesclados de várias culturas” (CANCLINI, 2010, p. 131). Com efeito, as produções baianas não pretendem romper com as convenções formais da linguagem audiovisual estandardizada. Mas, embora a desterritorialização cultural seja um fato, as culturas regionais persistem e podem ser percebidas nas produções audiovisuais locais, até mesmo como mecanismo de resistência. Ressaltamos que a produção de teoria sobre os estudos de recepção e consumo requer uma abordagem multidisciplinar, o que permite recursos metodológicos também ampliados que combinem formas quantitativas e qualitativas de pesquisa.

Procedimentos metodológicos

Para contemplar as duas vertentes do objeto de pesquisa – a produção e a recepção – foram utilizadas técnicas mistas entre métodos qualitativos e quantitativos. Tendo como objetivo compreender essa produção em termos estéticos e econômicos, assim como a recepção pela ótica do consumo midiático, dividimos o estudo em três fases: exploratória, descritiva e analítica, esta última em curso.

Na primeira fase foi realizado um levantamento de produtos audiovisuais de produtores baianos e veiculados no YouTube; entrevistas e grupo focal com alguns dos coletivos de produção mapeados; e um encontro com representantes do YouTube Brasil. A segunda fase foi composta de survey eletrônico acoplado ao instrumento nacional da Rede Brasil Conectado. A terceira fase será destinada ao tratamento dos dados e cruzamento entre os resultados obtidos através dos diversos métodos em busca de saturações e conclusões. Todas as etapas giraram em torno de quarto vetores analíticos: a) atributos do texto midiático ou características do produto e a motivação para o compartilhamento; b) recursos técnicos que facilitam e promovem a circulação dos conteúdos; c) redes sociais formadas entre as pessoas para a troca de conteúdos; d) estruturas econômicas que apoiam ou restringem a produção e circulação destes conteúdos. O levantamento inicial foi executado no período de março a julho de 2013 e resultou no mapeamento de 11 canais de produção contínua, todos de comédia, e 4 produções seriadas de temática LGBT, abrigadas nos canais temáticos Webséries G e Neo Canal. Ainda como parte da sondagem, foram levantados dados sobre a performance dos 10 episódios mais populares de cada canal/produção, a partir das estatísticas de desempenho oferecidas pelo próprio YouTube, incluindo visualizações, compartilhamentos e comentários. A sondagem ainda revelou a polarização dessa produção em dois gêneros temáticos: a comédia regional e o drama LGBT. Sendo o

primeiro deles

responsável pelos

mais

altos

índices

de

visualizações

e

compartilhamentos, com picos de visualizações em torno de um milhão de views, contrastando com picos em torno de 20 mil views entre as séries LGBT. Na próxima etapa, realizada entre os meses de julho a setembro de 2014, realizamos entrevistas semi-estruturadas com questões referentes aos vetores analíticos supracitados. Foram entrevistados seis realizadores de canais diferentes. O resultado serviu de lastro para a elaboração de roteiro de questões de grupo focal, realizado em setembro de 2014. Também foi de suma importância para a preparação do grupo focal, o encontro promovido pelo grupo entre

representantes do YouTube Brasil e coletivos de produção soteropolitanos. Todas estas 3 atividades, municiaram a pesquisa de dados de cunho qualitativo. Já a etapa quantitativa sondou o receptor empírico através de survey eletrônico, entretanto, o tratamento desses dados ainda está em curso.

Aspectos conclusivos

De forma geral, observamos uma consonância entre produção e consumo, sendo a primeira guiada por parâmetros que mais facilitam a sua circulação e propagabilidade, como a predileção pelo humor, por exemplo. A observação preliminar já nos conduz a importantes aspectos conclusivos referentes aos 4 vetores analíticos da pesquisa. Em relação aos atributos do texto midiático, notamos a ostensiva predominância da comédia de tons regionalistas. Os esquetes audiovisuais são construídos com base no improviso e os roteiros são utilizados apenas como guias temáticos para a performance dos atores. Em relação aos recursos tecnológicos, destacamos o uso integrado do YouTube e do Facebook. Observamos que o WhatsApp, aplicativo mobile aparece como forte tendência para o compartilhamento de vídeos. O desejo de sustentabilidade econômica destes coletivos de jovens empreendedores surgiu de forma enfática no grupo focal e entrevistas, marcado pela expressão “viver de vídeos”. A principal forma de retorno financeiro ainda é o esquema de monetização oferecido pelo próprio YouTube. A visibilidade oferecida pela internet constitui-se também em importante retorno de ordem não-financeira, uma vez que pode se transformar em trampolim para outros projetos. De maneira geral, observamos que um campo visual se constitui, com dinâmicas próprias, que envolvem o novo ambiente tecnológico, uma nova lógica econômica e, sobretudo, uma nova dinâmica de circulação, calcada essencialmente na vontade do receptor em compartilhar.

Referências

BACCEGA, Maria Aparecida. Inter-relações comunicação e consume na trama cultural: o papel do sujeito ativo. Animus: revista do Programa de Pós-Graduação da UFSM, V15, p. 4, 2009. CANCLINI, Nestor García. Consumidores e cidadãos: conflitos multiculturais da globalização. Rio de Janeiro: UFRJ, 2010. CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano. Petropólis: Vozes, 1998. CHAKA, Chaka. From CMC technologies to social participation technologies. In: TAIWO, Rotimi. Handbook of Research on Discourse Behavior and Digital Communication: Language Structures and Social Interaction. IGI Global, 2010. P. 627-641. JENKINS, Henry. Cultura da convergência. São Paulo: Aleph, 2009. JENKINS, Henry; FORD, Sam; GREEN, Joshua. Spreadable media: creating value and meaning in a networked culture [e-book]. New York: New York University Press, 2013. RORTY, Richard. A trajetória pragmatista. In ECO, Umberto. Interpretação e Superinterpretação. São Paulo: Martins Fontes, 2005, p. 105-127. SILVERSTONE, Roger. Por que estudar a mídia? 2. ed. São Paulo: Loyola, 2002. TOALDO, Mariângela; JACKS, Nilda. Consumo Midiático: uma especificidade do consumo cultural, uma antessala para os estudos de recepção. Anais do XXII Encontro Anual da Compós. Salvador, Universidade Federal da Bahia, 04 a 07/ 06/2014.

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