Judeus e árabes no Oriente Médio - O Estado de São Paulo

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SEGUNDA-FEIRA, 18.08.2014

PEDRO PAULO A. FUNARI* Judeus e árabes no Oriente Médio

O

s tumultos, violências e conflitos que ocorrem no Oriente Médio hoje, na Faixa de Gaza, Israel, mas também na Síria, Iraque e outros lugares, resultam das consequências da Primeira Guerra Mundial (19141918), há cem anos, e do fim do Império Turco Otomano, em 1918. Por muitos séculos, os turcos dominaram a região e mantiveram-na sob seu controle. Com seu ocaso, britânicos e franceses estabeleceram áreas de influência e a Palestina ficou sob o controle inglês. Os interesses dos judeus e dos árabes foram mediados pelos ingleses, num processo que foi desde o início e até hoje caracterizado pela incompreensão mútua. Após a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), as contradições intensificaram-se e a proclamação do Estado de Israel, em 14 de maio de 1948, levou ao ataque dos vizinhos árabes ao novo estado e ao exílio de um grande número de árabes palestinos. De lá para cá, uma sucessão de guerras e revoltas. Israel tornou-se um país rico e desenvolvido, com

renda per capita elevada (32 mil dólares), em contraste com os vizinhos árabes, em particular com os palestinos, com renda (2.500 dólares) muitas vezes mais baixa. Essa discrepância constitui pano de fundo importante do conflito, pois isso acirra as discórdias e reflete, ao mesmo tempo, a falta de integração das economias de Israel e de seus vizinhos. Até a primeira intifada, em 1987, muitos palestinos trabalhavam em Israel e as economias palestina e israelense eram mais integradas. Depois disso, houve crescente distanciamento entre os altos níveis de vida israelenses e a pobreza palestina, cada vez menos integrada ao dinâmico mercado israelense. Além desse fator de fundo para o conflito, está a crescente radicalização de segmentos minoritários em Israel e na Palestina. Embora as pesquisas indiquem que sempre houve maiorias favoráveis à convivência pacífica, em ambas as sociedades, radicais religiosos tornaram-se decisivos no bloqueio à superação das diferenças. Em Israel, o sistema parlamentar favorece partidos pequenos que fazem parte de coalizões e bloqueiam concessões de terra por paz. Entre os palestinos, grupos islâmicos como o Hamas montaram um sistema assistencialista que supre, em parte, as deficiências da administração laica palestina e de uma economia pouco integrada à prosperidade israelense. O recente conflito em Gaza repete um padrão bem conhecido de ataques e acusações mútuas. Não há nada de singular nesse novo episódio, apenas um aprofun-

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damento de tendências. Por um lado, a sociedade israelense fica ainda mais polarizada, com o enfraquecimento dos movimentos pacifistas, como Paz Agora, e o crescimento de ortodoxos religiosos que não servem ao Exército, não estudam tema laicos, têm pouca opção de atuação econômica, produzem muitos filhos e como resultado obtém uma renda menor, fatores esses que colocam em xeque, no longo prazo, a continuidade da afluência e segurança israelenses. Por outro lado, os radicais islâmicos palestinos ampliam sua rede assistencialista e enfraquecem os moderados laicos. Assim, embora o conflito em Gaza não tenha mudado as características do conflito, ele mostra o aprofundamento das contradições internas a Israel e à Palestina e entre os dois povos. Como há cem anos, os destinos do Oriente Médio dependem de circunstâncias externas à região. Não há, no horizonte, perspectiva de um poder hegemônico, como foi o otomano por muitos séculos, que possa, de alguma maneira, estabelecer ordem em uma região cheia de

conflitos étnicos e religiosos. Israel, com sua economia desenvolvida e integrada ao mercado mundial, com sua afluência e dinamismo, poderia ser o catalisador de uma integração do mundo árabe ao comércio internacional. Também o liberalismo social israelense poderia ser um catalisador de consensos entre os árabes, se puderem usufruir da integração ao mercado. A China, ainda que um país com partido único, mostra o potencial dessa inserção, com um PIB per capita já muito superior ao palestino (6.800 dólares), assim como o Brasil, não só por sua economia, como pelo respeito aos direitos civis e humanos. Nada disso parece realista no momento e depende de circunstâncias muito além do controle de israelenses e palestinos, que parecem presos a forças muito superiores ao seu controle.

PEDRO PAULO A. FUNARI É PROFESSOR TITULAR DO DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA E COORDENADOR DO NÚCLEO DE ESTUDOS E PESQUISAS AMBIENTAIS DA UNICAMP

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