Judicialização da política e substituição tecnocrática: um réquiem para a democracia?

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,

~ CADERNOS DO DEPARTAMENTO DE DIREITO

051

APRESENTAÇÃO

06

A DIALÉTICADO ECONÔMICO E DO POLÍTICO EM MARX: elementos da crítica marxista à democracia e ao Estado moderno

76

Jorge Gomes de Souza Chaloub

9 O t A VIDA POLÍTICA N~ ESTADO DE EXCEÇAO Marco Gérard Skinner

Alexandre Pinto Mendes

14

MULTIDÃO E DIREITO: a constituição do político na filosofia de Baruch Spinoza

100

Ana Luiza Saramago Stern

28

A CLONAGEM HUMANA E OS DIREITOS FUNDAMENTAIS Bernardo Abreu de Medeiros

38

50

Gonçalves Silveira

A DEMOCRACIA PARTICIPATIVA DENTRO DA DEMOCRACIA REPRESENTATIVA:a participação direta da população melhora a escolha dos representantes? Ivanilda Figueiredo

64

JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA E SUBSTITUIÇÃO TECNOCRÁ TICA: um réquiem para a democracia? João Pedro Chaves Valladares Pádua

A CONSTRUÇÃO DO LUGAR DO NEGRO A SOCIEDADE DE CLASSES: comparações entre Brasil e Estados Unidos Teresa Cristina Tschepokaitis

110

APONTAMENTOS SOBRE A EPISTEMOLOGIA CRÍTICA DE LOCKE E KANT: notas de continuidade e dissonância no paradigma moderno Helena Colodetti

O PENSAMENTO POLÍTICO DE FRANCISCO CAMPOS

Olsen

ORDEM E ENQUADRAMENTO: notas sobre a experiência da transexualidade e seus desdobramentos jurídicos Thamis Avila Dalsenter

122

O MITO DA PUREZA METODOLÓGICA: uma leitura a partir da proposta surrealista de Luis Alberto Warat Vivian Alves de Assis

João Pedra Chaves Valladares Pádua *

~ jUDICIALIZAÇAO DA POLÍTICA E SUBSTITUIÇÃO TECNOCRÁTICA: um réquiem para a democracia? Resumo o presente

Abstract artigo discute o fenômeno

da política e sua aplicação no contexto da reconstrução dos argumentos

da judicialização brasileiro. A partir

expostos principalmente

This essay discusses the phenomenon

of politics» and its application basis of a reconstruction

called «judicializatiO

in the Brazilian contexto On

of the arguments made especialJy

na obra de Werneck Vianna et ai, "Iudlciallzaçâo da Políti-

the work by Wemeck Vianna et al, "Judicialização

ca e das Relação Sociais no Brasil'; são feitas considerações

das Relação Sociais no Brasil~ theoretical-critical

considera'

teórico-críticas

are worked out on the ascending importance

of the Judi .

sobre a crescente importância

do Poder Ju-

diciário na dinâmica política brasileira. Tendo em vista este

Power in the Brazilian political

cenário, um cotejo com a teoria moderna da democracia e

comparison

sua evolução para o mundo contemporâneo

towards

para as conclusões do trabalho democrático

representado

serve de mote

sobre o enfraquecimento

por aquele fenômeno.

dynamics. On this scenario,

with modem democratic

the contemporary

da Política

theory and its evol .

world serves as the funda

to the conc/usions of this word, regarding the weakening democracy brought by the above mentioned phenomenon.

Palavras-chave Judicialização da Política - Democracia - Constituição - Poder Judiciário

• Advogado, mestre em Teoria do Estado e Direito Constitucional pela PUC-Rio, professor de direito penal tributário na pós-grad da Universidade Estácio de Sá - campus Menezes Cortes -, professor de Direito Penal da Escola de Magistratura do Estado do Rio Janeiro - EMERJ. Emails:[email protected]@melaragnocpadua.com.br.

64

JULHO - DEZEMBRO 2008

1. Introdução

A esta altura, e para os objetivos

deste trabalho, pare-

ce frívolo entrar na discussão histórico-materialista A democracia moderna,

pensada nos cadinhos

ricos e práticos do liberalismo do - dir-se-ia totemizado

revolucionário,

teó-

o modo pelo qual tais teóricos liberais, em verdade, expri-

simboliza-

miam um qualquer

- na revolução francesa do Séc.

XVIIIe seus desdobramentos

turalmente

no séc. XIX, nasceu de uma

mesclateórica interessante e implantou-se

sobre

sentimento de classe - burguesa, na-

-, e, através de seus pensamentos,

bases para a posterior vitória revolucionária

criavam as

do ainda em-

brionário capitallsmo'.

pela maior ou

menor modificação desta mescla. Temas como direito(s)

Para o que aqui importa, impende afirmar que a maneira

natural(is),poder, separação de poderes, soberania, estado

de implementação

dedireito, indivíduo e sociedade convergiam

teóricas acima citadas, e em torno de uma progressiva dife-

todos no re-

da democracia moderna, sobre as bases

púdio ao - de novo totêmico - Ancien Régime, e, na busca

renciação social que tocava tanto a vida material da socieda-

pelademocracia.

de, como as formas simbólicas de socialização e reprodução social, ditou uma idéia-mestra de democracia como poder

Naquela altura, a idéia de democracia, embora tivesse

do povo e revolução permanente" na política. E, conquanto

origem na correlata grega - e, em muitos pontos, no reMaquiavel

seja incontestável a primeira tradução desta idéia-mestra em

-, calcava-se em pressupostos

termos da democracia representativa que unia os separados

extremamente diferentes. Para início de reflexão, a própria

pólos do estado e da sociedade civil, também não se pode

publicanismo romano, como, principalmente, foi o primeiro a sublinhar'

separação liberal entre indivíduo monstrada pelo dispositivo

e estado, tão bem de-

teórico do estado natural (cf

sem mais afirmar que democracia se confunde com a sua conjuntura de formação no séc. XVIII-XIX.

MATTEUCCI,1986, p. 686 et seq., SANTOS, 1999, p. 9-31), impunha que o éthos e o êthos grego não mais pudessem,

Como revolução

compondo-se com a educação (paidéia) - e com uma brutal

importantes, temporária

meexperiência de uma ágora

moderna'.

Contra a tentativa

saudosista de Rousseau de retorno à assembléia popular,

a maneira de operação

da democracia, por certo, conheceu vicissitudes históricas

exclusãosocial, diga-se de passagem -, determinar

a subli-

permanente,

algumas

das quais culminaram

com a sua

derrocada, mesmo naquele núcleo mínimo que

unia estado de direito e representação.

Pois foi provavel-

mente este trauma histórico de contrademocracia

que en-

unida em torno da vontade geral, o modelo representativo

controu no nazismo seu marco simbólico

deLocke,aperfeiçoado por Montesquieu

cido o ano de 1945, a política contra si mesma, para buscar

Tocqueville, moldaram teoricamente

e, mais, tarde, por

os movimentos

revo-

lucionários liberais, para unir aqueles temas prementes em

encontrar em outra instituição social uma salvaguarda contra outros arroubos autoritários

tornodo modelo que reunia estado de direito - Rechtsstaat, alemãoque é a idéia, aproximada, contudo do Rule of Law datradição Anglo-Americana

(cf BÓCKENFÓRDE, 2000, p.

que voltou, ven-

(cf CRUZ, 2005).

Com o ano de 1948 e a Declaração de Direitos Humanos da ONU, completado Fundamental

em 1949 pela Grundgesetz (Lei

alemã-ocidental)

de Bonn, estava armado o

17-45,ZAGREBELSKY,1995, p. 21-27 e passim) - de um lado,

cenário teórico para o centrar de forças no direito e em seu

à democracia representativa calcada no sufrágio, de outro.

predomínio

sobre a instável e traiçoeira política (et. WERNE-

1(f., por todos, Buttle (2001) e Bobbio e Viroli (2002).

2Sobrea ética grega e a função da educação na sua formação, d. Jaffro (2001, p. 115 et seq.) 3 Para esta discussão, tomada, entretanto, por uma busca desenfreada compromete a análise =, cf Losurdo (2004).

pela denúncia contra-ideológica

- o que, em muitos pontos,

40termo é cunhado por Habermas (1997) e sua análise serve de modelo para a que aqui se empreende. Outros autores, especialmente do direitoe da filosofia polftica, no entanto, enfatizam a importância simbólica da revolução francesa - e do movimento revolucionário liberal comoum todo - para o assentamento da noção de democracia moderna e dos direitos fundamentais que a sustentam. Cf. p. ex., Cattoni deOliveira(2006) e, com uma leitura parcialmente diversa, Ferry e Renault (1997).

CADERNOS DO DEPARTAMENTO DE DlRElTO

65

~ JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA E SUBSTITUIÇÃO TECNOCRÁTICA:

um réquiem para a democracia? CKVIANNA et aI., 1999, p. 21-24). Como correlato do predo-

("substancialista")

-, reconstroem

a trajetória de afirmação

mínio da idéia do jurídico, era natural que o antes "neutro"

da judicialização

e "quase-nulo" poder judiciário

passasse a despertar a aten-

do fenômeno, a partir dos reflexos da vida social na mudan-

ção dos atores político-sociais,

arrogando-se

ça de paradigmas

mo do "núcleo ético fundamental"

o salvacionis-

(d. PIOVESAN, 2004) de

proteção ao ser humano, à dignidade

humana.

da política no mundo. Na origem remota

do direito, buscam estes autores a fixa-

ção, em germe, da sua plena aceitação, só vislumbrada, na segunda metade do séc.

xx.

Eis, então, que a política ganha entreposto

- ou mesmo

Por toda parte, o que se constata é que a vocação expansi·

matriz, em muitos casos - no poder judiciário.

Ou, para in-

va do princípio democrático tem implicado uma crescente

troduzir o nosso termo de análise, a política judicializa-se. A

institucionalização

política tem o direito a tolher-lhe

espaços até há pouco inacessfveis a ele, como certasdi·

os excessos; o direito tem

no poder judiciário, seu ator, seu dominus) Tratar singelamente

mensões da esfera privada. Foi a emergência de novosde·

desta problemática

e de sua in-

fluência na concepção moderna de democracia, euforicamente

partilhada

tratamento

até então

pelos sujeitos políticos, é o es-

copo deste artigo. De início, reconstruir-se-á o argumento

e a análise contida da judicialização

parcialmente

no marco brasileiro

da política

de

(cap. 2). Em se-

guida, o efeito disto sobre a democracia

do direito na vida social, invadindo

(brasileira)

será

analisado (cap. 3).

tentores de direitos, especialmente o movimento operário em meados do século passado, que deu fim à rigorosa se·

paração

entre o Estado e a sociedade civil, nos termos da

tópica liberal da liberdade negativa. (WERNECKVIANNA et

aI, 7999, p. 75) Ao localizar tais origens no advento mais consolidado do direito do trabalho, como um misto de direito privado e direito público, e na modificação dos cânones da economia liberal, cujo símbolo é o New Deal norte-americano,

2. A judicialização da política no Brasil

panham os autores expressamente

acom-

a análise habermasiana

de mudança de paradigmas jurídicos a partir de uma persEm NAjudicialização

da política e das relações sociais no

Brasil" Werneck Vianna et ai (1999) procuram, dando segui-

(d. Idem, 1997,

mento a pesquisa iniciada anteriormente

pectiva que combine a história e a sociologia do direito (d. HABERMAS, 2001, p. 388-391). Daí que, nos marcos sociais referidos, o paradigma

do direito formal-liberal

p. ex.), criar uma base teórica de análise de dados empíri-

ao paradigma

cos sobre o funcionamento

brasileiro

acompanha

da mudança teórica de concepção do direito

pela Constituição

mencionada

acima na introdução.

do Poder Judiciário

a partir da nova ordem legal inaugurada

material do estado do bem-estar, no que se

Federal de 05.10.1988. A premissa é a de que, em evolução

O modelo do bem-estar social emergiu da crftica refor·

de tendência já vista mais acentuadamente

madora do direito burguês formal. De acordo com este

do processo de redemocratização

desde o início

do Estado Brasileiro na

modelo, uma sociedade-economia

(an economic society),

década de 80, o Poder Judiciário, como local de aplicação

institucionalizada

e discussão do direito, passe a ocupar lugar de destaque

através de direitos de propriedade e liberdades contratual)

brasileiro, chamado à ação pelos

era separada da esfera do bem comum, do Estado e deixa·

próprios envolvidos no seu novo local de influência, ou seja:

da aos acertamentos espontâneos (spontaneous workin·

pelo Legislativo e pela sociedade em geral.

gs) dos mecanismos de mercado. Esta 'sociedade do di·

no cenário sócio-político

Na introdução

de sua obra, Werneck Vianna et ai (1999,

p. 15-44), através da comparação

entre dois marcos te-

óricos - um a favor ("procedimentalista")

e outro contra

na forma do direito privado (sobretudo

reito privado' era moldada para a autonomia dos sujeitos de direitos (legal subjects), os quais, primariamente como participantes

do mercado, encontrariam

5 Ct.já para uma reconstrução histórica de uma perspectiva já crítica, Habermas, 2001,238 et seq., 388 et seq. e passim.

66

dê lugar

JULHO - DEZEMBRO 2008

sua felicidade

pela busca de seus interesses particulares

tão racional-

mentequanto possível. [...] No entanto, a expectativa de ligada à demar-

justiça social {...] estava implicitamente caçãode condições não-discriminatórias

para

o

efetivo

donar a atuação estatal incrementada

- sendo ele também

um poder de estado -, vale dizer: sem o escopo de retomar ao arranjo liberal inicial, corrigir os desvios do Poder Executivo, em nome dos direitos fundamentais

dos cidadãos, re-

exercíciodas liberdades garantidas pela lei. (HABERMAS,

vitalizados pelo (neo)constitucionalismo

2001,p. 401-402)

a derrota do nazi-fascismo, no segundo meado do séc. xx.

O novo paradigma do direito, no entanto, vai fomentar, inicialmente,apenas um aparelhamento doPoderExecutivo, negligenciado,

e fortalecimento

Welfare State,

e

social, tal como se apresenta no

a nova institucionalidade

da democra-

político

cia política que se afirmou, primeiro, após a derrota do

do Legislativo, como

nazi-fascismo e depois, nos anos 70, com o desmonte dos

no liberalismo

clássico,em prol do protagonismo

{...] a democratização

que renasce após

do mundo ibérico {...l.

autênticorepresentante eleitoral do povo", e do absente-

regimes autoritário-corporativos

fsmodo estado com relação às atividades

privadas, cujo

trazendo à luz Constituições informadas pelo princípio da

/ocusera, essencialmente, o mercado. Dotado de maior ca-

positivação dos direitos fundamentais, estariam no cerne

pacidadede execução de ações políticas - daí o nome - o

do processo de redefinição das relações entre os três Pode-

PoderExecutivo, no exercício da Administração

res, ensejando a inclusão do Poder Judiciário no espaço da

Pública, vai

acumularmais e mais poderes, mais e mais atribuições; vai concentrarem suas mãos, atividade normativa

e adminis-

trativa,a fim de que possa, mercê do conhecimento

técni-

política. O Welfare State lhe facultou

o acesso à adminis-

tração do futuro, e o constitucionalismo

moderno, a partir

da experiência negativa do nazi-fascismo pela vontade da

coe dos meios mais abundantes que possui, efetivamente

maioria, lhe confiou a guarda da vontade geral, encerrada

comandara economia - e a sociedade - e corrigir as falhas

de modo permanente nos princípios fundamentais positi-

demercado'.

vados na ordem jurídica .. (WERNECKVIANNA et aI, 1999,p.

Somente quando, na análise de Habermas adotada por WerneckVianna et ai (1999, p. 19 et seq.), o poder adminis-

22, grifos do autor) A experiência

internacional

encontra eco na brasileira,

trativocomeça, por imperativos funcionais de seu sistema,

segundo os autores. Nos anos 30, a Era Vargas, por meio do

acolonizara própria esfera públicas, e converter em clientes

fortalecimento

oscidadãosque reclamavam sua atuação corretiva e em "ti-

é a ditadura iniciada no Estado Novo de 1937, também

raniada maioria" seu predomínio

fiou na intervenção

sobre a formulação

par-

agigantador

do Poder Executivo, cujo cume

estatal na sociedade, e também

se tem

lamentar de políticas públicas, o Poder Judiciário passa a

seu principal ponto de intervenção

serprocurado com a pretensão, justamente,

Com efeito, foi no período Vargas que as leis trabalhistas de

de, sem aban-

no direito do trabalho.

6 ~ importante ressaltar que o próprio liberalismo, conforme notado na introdução, nasceu, quer como movimento teórico, quer como movimento social, principalmente, da contrariedade ao Absolutismo Monárquico. Como nas monarquias constitucionais resultantes das revoluções liberais do séc. XVIII-XIX continuasse a ser o rei o chefe do Poder Executivo, é natural que se procurasse estabelecer uma prevalênciado o Poder Legislativo na correlação de forçar políticas. Outro aspecto interessante a sublinhar é que a Inglaterra, de onde tirou Montesquieu a doutrina do Livro XI do Espírito das Leis, ela mesma, teve sua história política marcada, mais do que os países da EuropaContinental, pelo conflito Rei-Parlamento, de onde, entre outras instituições, nasceu a famosa Magna Carta Libertarum,no séc, XIII, e,finalmente, a doutrina -até hoje mencionada - do Parliamentary Sovereignty (Soberania Parlamentar). O Poder Judiciário, naquele país, emboraoperasse como que auto-referencialmente, para usar termos luhmannianos, não se imiscuía, como, de resto, ainda parece em grandemedida fazer, nos grandes assuntos de Estado, mantido o sistema de common law como um modo de resolução de conflitos de naturezaprivada segundo a tradição social. 7Sobrea relação entre intervenção

estatal na economia e falhas de mercado, d. Santos, 1999, p, 32 et

seq.

8 O tema da diferenciação entre mundo-da-vida e sistemas e das inter-relações entre eles, com a conseqüente caracterização da relação patológica entre eles em termos de colonização é uma das grande genial idades da teoria social habermasiana. Não há espaço para uma consideração mais aprofundada sobre isto aqui. Mas, como adiante se argumentará, a não-consideração destas dinâmica complexa está nabaseda principal falha do argumento de Werneck Vianna et ai (1999). Cf. Habermas (1987), e um desenvolvimento em Pádua (2007).

CADERNOS DO DEPARTAMENTO DE DlREITO

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~ JUDICIALlZAÇÃO DA POLÍTICA E SUBSTITUIÇÃO TECNOCRÁTICA:

um réquiem para a democracia? proteção

- urbano, bem entendido

ao empregado

çaram a aparecer reunidas

no ordenamento

na ainda vigente

jurídico

Consolidação

- come-

brasileiro, afinal

das leis do Traba-

nomeadamente. dicialização

Para o que interessa

da política diz respeito,

corretamente

propõem

trole de constitucionalidade

259 e passim). Obviamente,

Poder Judiciário,

comentados,

a diferença

ra em relação de ciclos

fundamental

aqui, assim como propriamente,

da história

os demais

não foi conquistado,

direitos,

o caso da legis-

na Era Vargas, foi outorgado aos seus des-

que, nesta qualidade, passivos

No caso brasileiro,

a Constituição

se firmaram

de seu próprio

ções fomentadoras

a completude

Federal

como clientes

direito.

constituição

et.

o aumento

para provocar

na sua competência

deste

de controle

também

para o chamado

difuso, oriundo

controle

como caracterizar

interpretação exercício

esta judicialização democrática,

os dados

o que será decisivo para a

que coligiram,

em vista o processo

o caráter

do Poder Judiciário no

Werneck Vianna et ai (1999, p.68),

um caráter dúplice da judicialização

Daí

é a questão de

da política em termos

que se der da atuação

desta atividade.

analisando

de constitucionalidade

todavia,

tendo

(d. WERNECK

mis-

do Direito Norte-Americano".

O que para nós mais interessa,

construir

dinâmica

senão, sendo o

to (d. MENDES, 2003 e FAVOREU, 1996, p. 123), se espraie

humana" do texto na

poder,

de constitucionalidade

principiam da política

por definir brasileira,

na política comparada:

dúplice da judicialização

da política no Bra-

sil, que, de um lado, apresenta um perfil que se identificG

o produzido

pela bibliografia sobre o assunto - as mi

com

dos atores

norias parlamentares demandam a intervenção do Judici

a atuação

de uguardião

do processo

judicial

lidade,

nos dizeres

de Werneck

legitimados

pela

do Poder Judiciário, da constituiçâo"

de controle

Estes

de constituciona-

Vianna et. ai (1999) cons-

a comunidade de intérpretes de que falava

Peter

Hâberle (2002).

ário contra a vontade da maioria [e os sujeitos de direitc contra a violação dos seus direitos fundamentais, acres centamos] - mas, de outro, se afasta dele, singularizando se pela ação dos Executivos estaduais e da Procuradon da República contra a representação parlamentar, er sua esmagadora maioria de âmbito estadual. (WERNEC

Com base nesse

quadro

tores

prosseguem

dados

sobre a atuação

no julgamento

de cúpula

seq.)9. Como modus operandi

atores

tituiriam

órgão

brasileiro

à atuação do

não se circunscreva

da "diqnidade

de sua interpretação

abertura,

veio com

logo caracterizada

os quais valores, por sua vez, viriam emanando

VIANNA et. ai, 1999, p.38

modelo

como

ao exercício do con-

das leis e atos normativos pelo

que se pretende

com base em "valores" derivados

desta

das institui-

da política

de 05.10.1988,

sTF como

embora

de teoria e prática

estrutural

da judicialização

como uma "constituição aberta"

concretude

brasilei-

é o fato de que o direito do trabalho,

mas, como bem exemplifica

lação trabalhista

ou sujeitos

aos autores

para além da multiplicidade

à comparada,

autoritários,

tinatários,

e isto não escapou

principalmente,

tais autores,

lho de 1942 (d. WERNECKVIANNA et. ai, 1999, p. 65, 71-73,

a este trabalho, aju-

em coligir

interpretativo, e interpretar

do Poder Judiciário

os citados

au-

interessantes brasileiro,

quer

das Ações Diretas de Inconstitucionalidade

(ADlns) pelo Supremo lação e funcionamento minais no âmbito

Tribunal Federal (sTF), quer na instados Juizados

da Justiça

Estadual

VIANNA et. al, 7999, p.68J O que poderia rigosa,

ser interpretado

nada obstante,

ditos autores, da política

Especiais Cíveis e Cri-

fundamental

- do Rio de Janeiro,

de autêntica

compõe,

a importância

como

corretora

do quadro fundação

com uma anomalia pE à luz do diagnóstico

e eficiência principal

complexo da democracia

de

da [udlciallzaçê

e como cornponen não de resgate,

senê

no Brasil, com apo

9 Compare-se esta compreensão comunitarista da abertura constitucional aos supostos "valores" da digmidade humana, com a idéia, Habermas (2001, p. 383-384 e passim) de uma compreensão dinâmica da constituição, que, em vez de confiar ao judiciário a guarda dest ·valores~ confia à esfera pública democrática, a discussão em torno da vontade política enfeixadora não s6 de valores, mas de princípi morais e questões pragmáticas. 10 Vale notar, aliás, de passagem que a supostamente ampla judicialização da política que se atribui aos EUA,desde o famoso caso Marbl v. Madison encontra interessante contestado em Griffin (1998). Este autor procura argüir que, posto seja um importante ator na polít americana, nos principias momentos políticos daquele país, mesmo chamada a participara, a Suprema Corte retraiu-se e foi sobrepuja pelos demais poderes.

68

JULHO - DEZEMBRO 2008

no potencial de cidadania inscrito na Constituição de05.10.1988 - do qual, naturalmente,

Federal

a judicialização

da

políticafaz parte importantíssima: de que

e do controle público de

suas decisões vinculantes.

rição do potencial democrático

a presençado direito na política e nas relações sociais possa reduzir-se a um sinal de patologia

republicana

posição do tecido da sociabilidade. mais precisamente, um movimento

Tal presença denota, propiciador

uma agenda cívica, favorecendo-se

da criação

[...] a tradução

reitos dos interesses e das expectativas

em di-

dos que não conhee apresentar

suas razões. O Judiciário,

particular,

nessa circunstância

controvérsia entre as partes, pode-se apresentar

à falta de

para o homem co-

mum brasileiro, ainda sujeito ao estatuto

da políti-

da dependência

pessoal. (WERNECK VIANNA et. aI, 7999, p.258)

A interpretação

otimista de Werneck Vianna et ai (1999)

a respeito do poder judiciário,

com efeito, parte, parado-

de uma análise comumente

capacidade

da atividade

bases efetivamente

política

feita acerca da in-

brasileira

de constituir

republicanas de exercício democrático.

Resumida na célebre sentença de Sérgio Buarque de Holanda (2003, p. 160), Nademocracia lamentável mal-entendido"

no Brasil foi sempre um

toda uma geração de intérpre-

tes da história brasileira, em torno das décadas de 1930 e

revela, de um lado, uma da política - e das re-

laçõessociais - no Brasil, como um particular

3. A república democrática como obra do Judiciário

xalmente e

aberto à exposição da

um outro, como um espaço republicano

da judicialização

no Brasil.

de

ciam qualquer arena pública para deliberar

porque regulado pela lei e livremente

ca, nomeadamente

e de decom-

da república onde ela, de fato, inexiste, e da construção

Semdúvida, esta interpretação

da investidura

Convém, agora, considerar estas duas questões, na afe-

[...]o presente trabalho não endossa a compreensão

percepçãootimista da judicialização

fluxo democrático

mecanismo

1940, buscavam, justamente,

sobre a influência

os escombros do Estado Novo, entender

ou sobre

por que o Brasil

era incapaz consolidar não só uma democracia estável - o

defomento republicano em uma sociedade que não co-

que era difícil em todo o mundo naquele momento

nhecianenhum. De outro lado, contudo, e malgrado a boa

sobretudo, bases cívicas para a implantação

intençãodo prognóstico otimista, a mesma interpretação

em algum momento

padecede duas fundamentais

ingenuidades,

responsáveis

Na melhor e mais influente

destas interpretações,

mundo Faoro (2001) vai buscar na centralização

lugar,negligencia a particular história político-institucional

no estado, centralização

darepública- e, antes, mesmo da monarquia - brasileira, e

ção pública portuguesa

seusdesdobramentos para a construção de um arena pú-

o estadocentrismo

blicadesde cima, ou a partir do estado, qualquer

patrimonialismo

que seja o

próprio

E, em segundo lugar, não percebe não só que o Poder

originária pré-colonial,

brasileiro.

de poder

a razão remota para

No conceito

weberiano

de

- outrora já usado, com mais pureza pelo

Buarque de Holanda (2003, p. 145-46) -, e amol-

dando-o a trajetória teórica própria, Faoro vai desvendar o mecanismo de poder que, centralizado

mesmahistória de domínio

sistêmico-funcional,

de que pade-

Ray-

da própria administra-

Judiciáriofoi formado e instalado no Brasil com esteio na e patrimonialismo

mas,

de sua história.

portrazer-lhe a incoerência histórica e lógica. Em primeiro

poderque o represente.

=,

da democracia

o estamento

em uma categoria

burocrático,

determinará

ceram os demais poderes do estado, mas também que, à

a eterna colonização

'diferença dos outros poderes, foi concebido - e isto não já

benesses ora privadas - como na corte imperial, ou na do-

Brasil:na cultura ocidental como um todo -, já na sua

ação de sesmarias -, ora públicas - como na legislação tra-

eseteórica,como um poder técnico, não político,

o qual,

balhista -, de um poder auto-referente

por isso,não recebe, senão muito indiretamente,

o in-

da esfera pública de cidadãos pelas

operando

a partir

de si mesmo".

1A alopoiese pela qual tenta Marcelo Neves (2001) explicar o mesmo fenômeno com o salvamento do núcleo teórico luhmanniano, boranão nos pareça plausfvel por negligenciar a emancipação subjetiva indissociável do núcleo democrático, chega, no entanto, ao o resultado defendido neste texto, posto que outra seja a via metodológica. Sobre a necessidade de emancipação do sujeito para a . uiçãoda democracia, d. Pádua (2007).

CADERNOS

DO DEPARTAMENTO

DE DIREITO

69

~JUDICIALlZAÇÃO

DA POLÍTICA E SUBSTITUIÇÃO TECNOCRÁTICA:

um réquiem para a democracia? Como demonstra,

portanto,

cen-

desempenho técnico da administração pública; e, no plano,

burocrático gera, no Bra-

relação sujeito-sociedade, não passa da constituição de u

Faoro, o mecanismo

tralizador de poder no estamento

sil já desde sua colonização, o mesmo excesso tecnocrático

novo superego social (d. MAUS, 2000), uma figura difusa pé

que a evolução do paradigma

do estado do bem-estar vai

substituir o totem do pai protetor, quando em descrédito SI

gerar na civilização ocidental

no século

xx. O fato

de, na

Europa Ocidental e nos Estados-Unidos, ser a transição paradigmática do direito um fenõmeno

de lutas políticas, cer-

identificação com um líder de massas no Poder Executivo. Afinal, mesmo Werneck Vianna et ai (1999), como vis acima, admitiram

a necessidade da mudança de paradign

tamente, ajuda a explicar a percepção mais acentuada de

jurídico do liberal para o do estado do bem-estar e a cons

seu desvio em termos de colonização

qüente concentração

do mundo-da-vida

pelo - no caso do paradigma do bem-estar - sistema admi-

pressupostos

nistrativo e sua concentração

qual, justamente,

crescente do meio do poder

(d. HABERMAS, 1987).

autoritário

de poder no Executivo como um (

históricos para a judicialização

da política,

se insere no vácuo deixado pelo desv

daquele poder. Está claro, portanto, que, ou

inserção do direito

vê capacidades especiais do Poder Judiciário para fomenl

como adjunto do projeto onímodo do poder do estamento

a democracia, vindos, talvez, da especial virtude dos juiz

burocrático,

em contra posição aos (demais) políticos, ou bem, mais I

No Brasil, no entanto,

a própria

não só deslegitima

a idéia de uma autêntica

mudança paradigmática, já que ausente, precisamente, sua

alisticamente, se vê na substituição ou compartilhamen

base sóclo-política,

de poder entre o Executivo decadente e o Judiciário asce

mas também faz com que o advento do

dente

venha antes consolidar - e não conceber - a influência colo-

de tecnocracias: uma administrativa, e a outra jurídica; es

nizatória do nosso sistema administrativo,

via poder, sobre

constituída

pelos técnicos do direito que, junto ao Poc

Judiciário, formam um autêntico

autonomizada."

uma cidadania nunca propriamente

uma substituição,

ou ainda uma complementaç

direito do trabalho e da planificação mais forte da economia

Sob este ponto de vista, a aposta no Poder Judiciário

arremedo de "comunic

de aberta de intérpretes'; já que, em verdade, fechada ett

como um suposto "novo modo" de constituir cidadania, ou

mesma, em torno de sua própria linguagem técnica ína«

pior, como um mecanismo para uma qualquer "pedagogia

sível ao lelqo",

civica" (d. WERNECK VIANNA et ai, 1999, passim) no Brasil, não passa, no plano sócio-político,

da constituição

nova rede tecnocrática, que compita

de uma

com e se sobrepo-

nha - em muitos casos - à tecnocracia já clássica ligada ao

Noutro giro, e conseqüentemente,

a deslegitimação ,

Poder Judiciário para assumir as funções de construtor democracia

no Brasil, onde os outros supostamente falt

ram, deriva de duas frentes: de um lado, porque o Poc

12 Em Pádua (2006), discutimos a crítica que Jessé Souza (2000) dirige à linha de interpretação oriunda de Faoro, Buarque de Holan Damatta e, em certo sentido, Gilberto Freyre. Segundo Souza, a criação de uma ·sociologia da inautenticidade· no Brasil, além de mine auto-estima do próprio cidadão brasileiro, num movimento circular de efetivação posterior das previsões pessimistas que veicula, ain desconsidera a importância da fixação do mercado e do estado modernos no Brasil como forma de fixar, opaca mente, um padrão conduta social que divide os brasileiros em cidadãos plenos - que se adequam a tal padrão -, e subcidadãos - que não o fazem. A Ix teórica de Souza é vasta e heterogênea e sobre a complexa obra deste autor não há espaço para aprofundamentos neste local. Por ( apenas se diga que qualquer que seja a análise e a metodologia aplicada, o próprio autor em questão sente a necessidade de situar zona da subcidadania uma gama amplíssima de brasileiros, que são suficientes para tornar a nossa história singular quanto à falha constituição de uma rede de cidadãos que sustente o ideal democrático. 13 Aliás, é justamente este fechamento em sua própria linguagem o que caracteriza os sistemas luhmannianos, por oposição é parsonianos, que se instituem em torno de meios de ação. Como, em Luhmann, todos os sistemas sociais se estruturam em torno do m, da comunicação, o que os diferencia entre si, e, portanto, os torna fechados na sua auto-referência é o tipo especifico de linguagem, código, com o qual se reproduzem e lêem os estímulos e irritações vindos do ambiente. curioso que, sob o signo da sociedade abet queiram muitos teóricos pós-positivstas do direito, justamente, transformar uma atuação restrita de um círculo de técnicos, em torno um código no qual só eles são treinados, na salvação da democracia brasileira. Para isso, antes de tudo, seria necessária uma releitura ( relações entre direito e democracia, nos termos da reconstrução da tensão histórica entre soberania popular e direitos humanos. Cf.,sol a teoria de Luhmann, por todos, Neves (2001) e Lennertz (2004). Sobre Parsons, d. Habermas (1987, p. 199-299), e, sobre a reconstruç democrática do direito tal como dito acima, primeiro Habermas (2001), depois Idem (2003).

r:

70

JULHO - DEZEMBRO 2008

Judiciário, constituído

por homens

e mulheres

tem sua gênese e o preenchimento dosdesta mesma construção

Porém, além disso, de outro

de conflitos

aisna clássica divisão sistematizada pode assumir novas funções

político-democrática

de vontades particulares

capacidade por

sob a justifica-

de interpretação

toda a sociedade. O cuidado

clamado deriva não só da particularidade processo judicial para a formação tiva,que não se amolda à formação mária-

da concepção

de vontade

criadores

redo

política pri-

senão também

da arena política para a

- por natureza

interesses - fecha a porta ao comportamento como autênticos

dos

da decisão judicial coerci-

discursosdejustificação de normas -,

da circunstância de que, o arrogar discussão da lide processual

de não

pela imposição

dos magistrados

tiva de uma demiúrgica valores compartilhados

políticas sem a cautela

não

um conflito de dos cidadãos

das normas das quais serão des-

tinatários, função essa, que, na falta de crença no Poder Legislativo e no Executivo, passam,

ainda heteronomamente,

de intérpretes

dica e faticamente com o

15.

interpesso-

por Montesquieu,

comunidade

de treinamento

ainda mais pernijudicial,

dominam-

discursos de aplicação de normas". O resultado disso é que a judicialização da política, ao invés de abrir, circunscreve a

re-

dotados

do processo

no

lado, o Poder Judiciário,

concebido como um compositor

Com a especificidade

na poucos,

não foi ele

no centro da arena política

ao Poder Judiciário.

ciosa de que a linguagem

fo-

é razoável

- ainda - da mentalidade

deste poder, porquanto

aindatestado publicamente

dominar a discussão

mais republicana

neste sentido somente" -,

pensar que só não se contesta publicana dos membros

oriun-

social que nunca conseguiu

mentar as bases para uma democracia Brasil.Neste sentido - e

brasileiros,

de seus quadros

nos poucos

- a suscitar

-, membros

escrutínio

público,

- em sentie, finalmente,

pouco dependentes

do

no cargo.

Com estas assertivas, locar o Judiciário

a circunstância

atual desenvolvimento importância

obviamente,

não se procura

como vilão da história

nem desconsiderar

política

inafastável

de que, no

do direito, não há negligenciar

uma

da relação

O que, ao revés, precisa ser considerado

em vista a particular

lítica brasileira,

estranha

mo e de sua revolução de uma esfera

co-

brasileira,

bem maior deste poder na dinâmica

entre os Poderes.

penetrada

- jurí-

de uma esfera pública que possa deter soberania

sobre sua investidura

que, tendo

e ainda

dos

constitucional,

de advogados

do ministério

não eleitos

dos juízes, todos

legitimados

a jurisdição

concurso técnico necessário

do amplo

para o exercício

ao desenvolvimento

com algum

campo

o início por uma esfera

va e, ao mesmo

tempo,

principalmente,

e logo por tudo

alheia ao desenvolvimento

paternalista

da po-

do liberalis-

bem como à formação

permanente,

pública

desde

história institucional

é

de autonomia, privada

expansi-

(d. FAORO, 2001); mas, isso, uma história

progressivo

dos direitos

política de um

14Obviamente a implicação aqui não é que o Poder Judiciário seja intrinsecamente anti-republicano, muito menos que o seja em comparaçãocom outros poderes. O que aqui vai, sim, implicado, é que, pertencente o Poder Judiciário, como instituição, e seus membros, comosujeitos, ao mesmo desenvolvimento socializatório patológico que fez sempre malograr a democracia real no Brasil, não há pensar, pornenhum motivo que não seja messiãnico, que este Poder seja em si diferente da lógica de poder e usurpação de poder comum em todaa história brasileira. Lógica na qual, como se sustenta, formou-se o ego de milhões de brasileiros desde que por aqui aportaram os portugueses. 15Emboraalguns episódios narrados na observação etnográfica de Werneck Vianna et ai (1999, p. 216 et seq.) nos Juízados Especiais Cfveis eCriminaisdo Riode Janeiro já sugiram, ao contrário do prognóstico otimista dos próprios autores, no atuar dos juízes e quadros auxiliares o mesmo tipo de patologia patrimonialista anti-republicana e antidemocrática que domina o atuar dos sujeitos em outros poderes. Especialmenteinstrutiva é a história da imposição de conciliação por meio de jufzes automáticos e impassfveis narradas, principalmente, nap.224 e 238, ou a mentalidade de acúmulo de poder dos conciliadores observados e entrevistados pelos pesquisadores. Atualmente, noBrasil,também arranhou a imagem republicana do Poder Judiciário a briga - inclusive por Ações Diretas de Inconstitucionalidade e promessasde desobediência - que órgãos da Justiça estadual travaram contra decisões do Conselho Nacional de Justiça que determinavam aexoneração de parentes de magistrados nomeados para cargos de confiança nos respectivos tribunais. Estes exemplos, por si, e mais muitosoutros que se poderiam coligir parecem desmerecer os apelos quase-teológicos de grande parte doutrina constitucional brasileira por,sob a premissa de que " o processo político majoritário se movo por interesses, ao passo que a lógica democrática se inspira em valores~ dar ao Judiciário, suposto novo guardião da democracia, a última palavra na política brasileira. Cf. Barroso (2006).

16 Sobrea distinção entre discursos de aplicação e de justificação de normas e suas implicações para a separação de poderes, para o mecanismodemocrático-racional de formação da opinião e da vontade política e para a crítica à constituição como uma ordem de valores, d.Habermas(2001, p. 151 et seq., p.253 et seq. e passim). Cf.,também, Cittadino (2001) e Idem (2003).

CADERNOS DO DEPARTAMENTO DE DlRElTO

71

--7JUDICIALlZAÇÃO DA POLÍTICA E SUBSTITUIÇÃO TECNOCRÁTICA:

um réquiem para a democracia? sujeito autonomizado ção e reprodução

e diferenciado

a partir da diferencia-

das estruturas linguisticamente

das do mundo-da-vida

media-

(d. HABERMAS, 1979); tendo tudo

isso em linha de conta, a aposta em uma salvação vinda do

messiânicos. Como bem pontua Gisele Cittadino (2003,

39), para que se constitua uma democracia contemporâne no Brasil, dado o pluralismo social que o caracteriza, é preciso notar que

estado, ainda que por um poder antes apequenado, renova

Sea Constituição brasileira não pode ser tomada comUI7IQ

a lógica de colonização sistemática da esfera pública políti-

ordem particular de valores, é preciso, portanto, imple-

ca brasileira pelo sistema de poder estatal.

mentar e inscrever os seusprincípios em nossa históriap0no Po-

lítica. Para isso, o processo de "judiciaJização da política'

der Legislativo - e em sua conjugação com o Poder Executi-

não precisa invocar o domínio dos tribunais, nem defell

vo -, no Brasil, tem pouca razão de ser, presentes as relações

der uma ação paternaJista por parte do PoderJudiciário.J

institucionais

Ademais, a crença no esgotamento

democrático

que regem a atuação deste poder por aqui.

própria Constituição de 1988 institui diversos mecanismo.

Amorim Neto e Santos (2003: 91 e s.) bem sublinham que,

processuais que buscam dar eficácia aos seusprincípio5,1

historicamente,

essa tarefa é de responsabilidade da uma cidadania jun

o Poder Legislativo no Brasil - de novo ao

contrário da experiência de países centrais - nunca conheceu um autêntico protagonismo lado, a dinâmica de competências

no jogo político. Por outro delineada pela Constitui-

ção Federal de 05.10.1988, feita com base nesta desconfian-

dica mente participativa

ação dos tribunais, mas sobretudo do nível de pressão mobilização política que, sobre eles,se fizer. Só assim - também

ça do Legislador (d. WERNECKVIANNA et ai, 1999: 38 e s.),

de autonomia

no Brasil - pode medrar o projet

que faz do cidadão. autor e destinatário dG

em verdade repetiu a lógica histórica, haja vista que concen-

normas sociais - e jurídicas, especialmente -, com apoio er

trou enorme capacidade de controle de agenda legislativa

uma alimentação circular entre sua autonomia privada esu

no Poder Executivo, e de revisão desta atividade no Poder

autonomia

Judiciário. Refém das medidas provisórias e do pedido de ur-

de que isso ocorra, é necessário que direitos fundamenta

gência de um lado (d. PILATII, 1999); e do controle de cons-

e soberania

titucionalidade,

de outro, o Poder Legislativo, antes mario-

(d. HABERMAS, 2003), com o Judiciário somente garantil

nete de ditaduras sucessivas no Brasil, continua a ter enorme

do esta relação, guardadas as decisões substantivas sobre

desprestígio, malgrado o fato de ser, dos três, o mais poroso

vida político-social

pública (d. HABERMAS, 2001: 287 e s.). E,a fir

popular

se pressuponham

construtivamenl

para a dinâmica dos discursos polltío

poder em relação aos discursos de formação de vontade

assim estabelecida. E isto, no Brasil, como fora dele, só px

democrática oriundos da esfera pública política informal (d.

ser adquirido

HABERMAS, 2001: 354 e 355)17.

justamente

Como não cumpriu a dinâmica inicial de unir estado de direito com democracia

representativa,

a evolução tenta-

da no Brasil para uma democracia "participativa" uma arena pública "judicializada"

a partir de

(d. BONAVIDES, 1996) não

pela educação cívica lenta, gradual e dirigic

à autonomia

público-privada

I

foi o obstáculo histórico na formação desta autonomia. N; é ele quem vai, agora, conseguir fomentá-Ia, segundo ur nova eleição do pai da sociedade. ~ hora, definitivamerr

pode senão reproduzir, neste nível, as patologias democrá-

de matar o nosso pai primordial

ticas que o caracterizam desde sempre. Não há salvadores

blica brasileira.

JULHO .. DEZEMBRO 2l)08

dos sujeitos

direito; logo, dos cidadãos (d. HABERMAS, 1997). O estal

17 Aliás, Ingeborg Maus (2000) é especialmente feliz em "eximir" o legislativo advento do nazismo, antes apoiada na época, pelo Poder Judiciário.

72

que depende, é verdade, da atll

de "culpa" no advento

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