Judicialização do acesso a medicamentos de alto custo e procedimentos de alta complexidade.docx

May 27, 2017 | Autor: A. Alves de Paula | Categoria: Direito à Saúde, DIREITO PREVIDENCIÁRIO
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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA "JÚLIO DE MESQUITA FILHO"
FACULDADE DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS








Relatório Final de Iniciação Científica – PIBIC/CNPq



O direito à saúde no Brasil: a judicialização do acesso a medicamentos de alto custo e aos procedimentos de alta complexidade







Discente: Ana Cristina Alves de Paula
Orientadora: Profa. Dra. Juliana Presotto Pereira Netto


















FRANCA
2015





















"A verdadeira felicidade é impossível sem verdadeira saúde"
Mahatma Gandhi

Sumário
Introdução .................................................................................................................. 04
Capítulo I – O direito à saúde .................................................................................. 09
Breve escorço histórico sobre a promoção da saúde até a CF/88 ......................... 09
A saúde na CF/88 .................................................................................................. 13
O direito subjetivo público à saúde ...................................................................... 17
O alcance do direito à saúde ................................................................................ 20
SUS: organização e princípios .............................................................................. 23
Organização do direito à saúde e criação do SUS ............................................... 23
Princípios e diretrizes do SUS ............................................................................. 26
Pontos de maior questionamento dentro do SUS .................................................. 28
Assistência farmacêutica e acesso a medicamentos de alto custo ........................ 28
Programa de medicamentos sem registro na Anvisa .......................................................................................................................... 32
O acesso a procedimentos de alta complexidade ................................................. 35
A atuação do Poder Público e o fornecimento de medicamentos de alto custo e procedimentos de alta complexidade .................................................................... 38
Capítulo II – A efetivação do direito à saúde mediante intervenção do Poder Judiciário ......................................................................................................................... 41
A judicialização de políticas públicas de saúde .................................................... 41
Críticas e fatores de ponderação ........................................................................... 51
2.1. A separação dos poderes ...................................................................................... 51
2.2. A distribuição de competências entre os entes federativos e os desafios da descentralização .......................................................................................................... 53
2.3. O princípio do mínimo existencial versus o princípio da reserva do possível nas políticas públicas de saúde .......................................................................................... 55
2.4. O princípio da universalidade versus o princípio da seletividade ........................ 59
2.5. Críticas à judicialização da saúde ........................................................................ 63
3. A atuação do Poder Judiciário e o fornecimento de medicamentos de alto custo e procedimentos de alta complexidade .......................................................................... 65
3.1. A impossibilidade de atuação do juiz como legislador positivo .......................... 65
3.2. A busca de parâmetros para o fornecimento de medicamentos e/ou tratamentos não oferecidos pelo Sistema Único de Saúde ............................................................. 67
4. Sugestões para amenizar os problemas da saúde pública – a resposta por hermenêutica principiológica ...................................................................................... 69
Considerações finais .................................................................................................. 73
Referências ................................................................................................................. 76





























INTRODUÇÃO
A rede de proteção social estatal surgiu em virtude do desenvolvimento do processo industrial, em um contexto de forte insegurança econômica e a acentuação das desigualdades sociais, haja vista que a classe trabalhadora, exposta à intempérie dos mercados e à exploração de sua força de trabalho, não dispunha de qualquer mecanismo de segurança social. O Estado Liberal, inclinado à intervenção mínima em áreas fundamentais, foi substituído pelo Welfare State (ou Estado do Bem-Estar Social), que visava justamente atender outras demandas da sociedade além das elementares, sem o gigantismo de um Estado comunista.
O Brasil seguiu a mesma lógica em seu território, assumindo a responsabilidade pela criação de um sistema securitário de proteção social estatal, coletiva e compulsória a todos os trabalhadores, destinado à satisfação das suas necessidades básicas nas áreas de Previdência Social, Assistência Social e Saúde. A partir da década de 1980, particularmente após a VIII Conferência Nacional de Saúde, marco na estruturação do setor saúde no país por fortalecer as discussões sobre a responsabilidade do Estado quanto à saúde da população, adotou-se uma política de proteção universal, pois não há bem-estar e justiça social em meio à exclusão do amparo estatal. O direito à saúde é, portanto, dever estatal que gera para o indivíduo direito subjetivo público, não se reduzindo em vagas promessas ou intenções constitucionais que podem vir a não acontecer. Ele deve ser garantido por ações governamentais que tenham por fim promover, proteger e recuperar a saúde do indivíduo, evitando a doença e conferindo-lhe bem-estar físico, mental e social.
Mesmo que resulte de um conjunto de fatores extra-setoriais (alimentação, moradia, saneamento básico, meio ambiente, trabalho, educação, transporte, lazer e acesso aos bens e serviços essenciais), não será permitido ao Estado postergar nem condicionar o direito à saúde à futura implementação de programas sociais e econômicos. Não merece prosperar qualquer interpretação que tenda a diminuir ou relativizar este direito, um dos alicerces do Estado Democrático de Direito, dado que impossível é a concepção de uma sociedade livre, justa e solidária que busque a erradicação da pobreza e da marginalização e da redução das desigualdades existentes sem um mínimo de garantias sociais (art. 3°, incisos I e III da CFRB/88).
Essencial à saúde, por sua vez, tomada em seu conceito amplo que inclui também a recuperação de doença, é o acesso a medicamentos e procedimentos de alta complexidade. Conforme José Carlos Loureiro da Silva e Valéria Cristina Farias, o Ministério da Saúde do Brasil possui uma lista de medicamentos e procedimentos considerados indispensáveis à saúde da população, que se encontram disponíveis na rede pública para distribuição gratuita a quem necessite, independentemente de sua condição financeira. Ocorre que essa lista nem sempre atende à necessidade individual do tratamento prescrito ou simplesmente não contempla medicamentos modernos, doenças raras ou graves.
Não se pode olvidar, contudo, que os recursos estatais são limitados. De acordo com os autores acima mencionados, apenas uma pequena parcela da nossa população dispõe de recursos financeiros suficientes para obter acesso aos medicamentos e procedimentos resultantes do desenvolvimento internacional das pesquisas na indústria farmacêutica, os quais apresentam respostas terapêuticas mais eficientes ou, simplesmente, proporcionam maior qualidade de vida ao paciente. Por razões óbvias, esses medicamentos e procedimentos possuem um alto custo e, na maioria das vezes, não são padronizados pelo Ministério da Saúde, ou seja, não são fornecidos gratuitamente ao cidadão. Os privados de recursos financeiros, a depender das políticas públicas relativas à saúde, são privados do quanto indispensável à garantia do seu direito à vida, necessitando recorrer ao Judiciário para ver reconhecido o direito de acesso integral ao tratamento necessário, compelindo-se o Estado à sua prestação.
As normas constitucionais, especialmente os direitos fundamentais, deixaram de ser apenas direitos objetivos, positivados, para assumir o papel de direitos subjetivos, ganhando aplicabilidade direta e imediata pelas Cortes de todo o país. Esse papel jurisdicional assume extrema importância no caso do delicado tema da tutela específica do direito à saúde, constitucionalmente consagrado, permitindo o acesso da população aos medicamentos de alto custo e procedimentos de alta complexidade nas situações não contempladas pelos programas governamentais.
No centro desta arena surgiu o fenômeno político-social da "judicialização da saúde", face ao crescimento exponencial das ações que demandam medicamentos e procedimentos para o Estado através do Poder Judiciário, o que vem deflagrando debates pungentes entre acadêmicos, operadores do direito, gestores públicos e sociedade civil, focados em como resolver a garantia da prestação individual sem ferir, contudo, o planejamento coletivo. Porém, essa tutela jurisdicional do direito à saúde acaba invadindo a esfera de independência do Poder Executivo ou do Poder Legislativo, garantida pelo princípio constitucional da separação dos poderes, analisando e interferindo, muitas vezes, no mérito administrativo, na aferição de conveniência e oportunidade sobre como executar o serviço público de saúde e nas opções legislativas.
O crescimento desordenado das ações judiciais nos últimos anos, à medida que impõe gastos inesperados aos orçamentos municipais, estaduais e ao federal, causa grande impacto à gestão do SUS, podendo resultar em agravamento das iniquidades, dado que os cidadãos munidos de prescrições médicas oriundas tanto de serviços públicos quanto privados de saúde, fundamentados no direito à saúde garantido pelo ordenamento jurídico brasileiro, vêm demandando juridicamente o Estado para que este, representado por seus entes federados, forneça-lhes determinado medicamento.
Atualmente, não há informação precisa quanto à evolução do número de ações judiciais em trâmite referentes à saúde em trâmite. Segundo Rodrigo Silva de Oliveira e Malu Ribeiro Vale, o Conselho Nacional de Justiça estimou que, em 2011, tramitavam no Judiciário Brasileiro cerca de 240.980 processos na área da saúde em todos os tribunais do país, tanto em primeira instância, quanto nas instâncias superiores.
Os dados pertencem a um estudo iniciado pelo CNJ em 2010, pelo Fórum Nacional do poder Judiciário para monitoramento e resolução das demandas de assistência à saúde (Fórum da Saúde). O mesmo levantamento revelou que as piores situações foram observadas nos estados do Rio Grande do Sul, São Paulo e Rio de Janeiro. No Rio Grande do Sul, o Tribunal de Justiça do estado concentrava quase metade de todas as demandas do país: 113.953 ações judiciais sobre saúde. Em segundo lugar, São Paulo com 44.690 ações e o Rio de Janeiro em terceiro, com 25.234. O Tribunal Regional Federal da 4.ª Região também apareceu na lista, pois compreende os estados do Rio Grande do Sul, Paraná e Santa Catarina e atingiu a marca de 8.152 ações em tramitação.
Outro estudo desenvolvido pelo Ministério da Saúde ainda aponta que de 2005 a 2008 houve um crescimento de 1.920% nas ações judiciais por medicamento somente contra o próprio Ministério (FRANCO, 2010). Verifica-se, então, que a reivindicação por medicamentos e procedimentos de alta complexidade via judicial em face do Estado aumentou exponencialmente nos últimos anos, destacando-se a morosidade na realização de um diagnóstico e a ausência de vagas como os mais comuns indicativos das dificuldades de acesso a bens e serviços de saúde pela população.
Conclui-se que passa a ser inevitável considerar a importância da judicialização como sinalizador das necessidades individuais e coletivas de saúde. Devido à sua importância para a saúde dos cidadãos e para a gestão do SUS, o tema tem ocupado espaço crescente em publicações, sejam jornalísticas, sejam científicas. Nesta última categoria, os estudos apontam os medicamentos mais demandados, o pertencimento às listas oficiais, custos associados, traçam também os perfis dos autores da ação e caracterizam os réus, dentre outros aspectos abordados. Tomando como referência o atual quadro da saúde no Brasil, o presente estudo tem a finalidade, ainda que sem a pretensão de esgotar o tema, de abordar o problema enfrentado por inúmeros pacientes que não têm assegurado o direito de acesso a medicamentos de alto custo e procedimentos de alta complexidade que lhes são fundamentais por não possuírem disponibilidade financeira e se veem obrigados a recorrer ao Judiciário visando que este obrigue o Estado a lhes fornecer a assistência de que necessitam.














CAPÍTULO I – O DIREITO À SAÚDE
1 BREVE ESCORÇO HISTÓRICO ATÉ A CF/88
Em sentido amplo e contemporâneo, saúde é sobretudo uma questão de cidadania e de justiça social, e não um mero estado biológico independente do nosso status social e individual. Os principais documentos nacionais e internacionais acerca do tema consagram a caracterização de saúde como um estado de completo bem-estar, e não a mera ausência de doenças, incorporando também a concepção de que a situação de saúde é determinada pelas condições de vida e de trabalho dos indivíduos; pela conjuntura social, econômica, política e cultural de determinado país; por aspectos legais e institucionais relativos à organização dos sistemas de saúde; e por valores individuais e coletivos sobre como viver bem.
Os direitos fundamentais são produtos de incontáveis mobilizações sociais e mutações sofridas, ampla evolução histórica e social. Dentre eles, o direito à saúde, é uma reivindicação antiga, porém sua implementação e inclusão no rol de direitos humanos é recente. Na antiguidade, acreditava-se que ter saúde era estar em harmonia com a natureza, era o equilíbrio do organismo com o meio ambiente. Na Idade Média, a doença era avaliada como um castigo divino, sendo que mesmo que alguns bradassem pelo direito à saúde, este era arduamente disciplinado. Mas, nessa mesma época, os cientistas começaram a observar a ligação certas doenças, o meio ambiente e algumas profissões.
O que mudou o conceito de saúde foi a Revolução Industrial. Com ela, gerou-se o acúmulo de pessoas nas cidades e as doenças derivadas do próprio trabalho aumentaram, havendo grandes epidemias nas indústrias. Sabe-se de epidemias no século XIX que assustaram muito os proprietários das indústrias e os levaram a investir na saúde dos trabalhadores. Em suma, desde a Revolução Industrial o Estado começou a ser o responsável pela saúde do povo, pois o próprio trabalhador passou a exigir o direito à saúde e melhores condições de trabalho.
É oportuno ressaltar que declarações internacionais foram fundamentais para o reconhecimento dos direitos sociais, entre os quais o direito à saúde. Isso porque após a Segunda Guerra Mundial, quando o mundo todo restou abalado com as atrocidades sofridas e a sociedade internacional passou a questionar as condições humanas e a necessidade de garantia efetiva dos direitos humanos, os Estados viram-se obrigados a atribuir sentido concreto aos direitos sociais.
No entanto, foi com a Declaração Universal dos Direitos do Homem, em 1948, que se adotou posição imponente favorável ao direito à saúde, de acordo com o seu artigo 25:
Toda a pessoa tem direito a um nível de vida suficiente para lhe assegurar e a sua família a saúde e o bem-estar, principalmente quanto a alimentação, ao vestuário, ao alojamento, a assistência médica e ainda quanto aos serviços sociais necessários; e tem direito a segurança no desemprego, na doença, na invalidez, na viuvez, na velhice ou noutros casos de perda de meios de subsistência por circunstâncias independentes da sua vontade.
Ainda nesse sentido, tem-se o Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, de 1976, que se atenta ao direito à saúde, assinalando mecanismos para garantir seu pleno exercício, como prevê seu art. 12: "Os Estados-partes no Presente Pacto reconhecem o direito de toda pessoa de desfrutar o mais elevado nível de saúde física e mental". Já a Convenção Americana de Direitos Humanos de 1969, chamada também de Pacto de San José da Costa Rica, prevê no seu art. 4º o reconhecimento do direito à vida desde a sua concepção, e no art. 5º trata que toda pessoa tem direito a que se respeite sua integridade física, psíquica e moral.
No Brasil, a influência proporcionada por essas declarações de direitos atingiu seu ponto máximo com a promulgação da Constituição Federal de 1988, cujo texto apresenta diversos dispositivos que tratam expressamente da saúde, tendo sido reservada, ainda, uma seção específica sobre o tema dentro do capítulo destinado à Seguridade Social.
Para chegar até aqui, no entanto, percorremos um longo caminho. A Constituição de 1891 não dispôs expressamente sobre a saúde, mencionando-a restritivamente no art. 175, segundo o qual "a aposentadoria poderia ser dada aos funcionários públicos em caso de invalidez nos serviços da Nação". A Constituição de 1934, fruto do movimento de 1930, privilegiou a assistência médica e sanitária ao trabalhador e à gestante e instituiu previdência mediante contribuição igual da União, do empregador e empregado a favor da velhice, da invalidez, da maternidade e nos casos de acidente de trabalho ou de morte (art. 121). Assim, a saúde passava à condição de direito subjetivo do trabalhador no âmbito do Seguro Social fomentado pelos Institutos de Aposentadorias e Pensões. A Constituição de 1937 abrangia os riscos sociais, assistência médica ao trabalhador e à gestante, a velhice, a invalidez e os acidentes de trabalho (art. 16). Na Constituição de 1946, por sua vez, a assistência à saúde permaneceu jungida exclusivamente ao trabalhador. Já a Constituição de 1967, acrescida pela Emenda 01/1969, não trouxe nenhum avanço na legislação quanto ao acesso à saúde.
Não se pode afirmar que as Constituições passadas foram totalmente omissas quanto à questão da saúde, já que todas elas apresentavam normas tratando dessa temática, geralmente com o intuito de fixar competências legislativas e administrativas. Entretanto, a Constituição de 1988 foi a primeira a conferir a devida importância à saúde, tratando-a como direito fundamental, demonstrando com isso uma estreita sintonia entre o texto constitucional e as principais declarações internacionais de direitos humanos.
Vejamos, então, qual o contexto nacional em que ela foi gerada. O Sistema Nacional de Saúde foi criado em 1975, por meio da Lei n° 6.229/75, e previa ações específicas da Previdência Social e do Ministério da Saúde, separando as ações de saúde pública das ações ditas de atenção às pessoas. Mas até a década de 70, de um modo geral, a atuação do setor público na área da saúde era caracterizada pela supremacia dos serviços médico-hospitalares de caráter individual, supervisionada, inicialmente pelo Instituto Nacional de Previdência Social (INPS) e, posteriormente, pelo Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS), em detrimento das ações de caráter coletivo, que ficavam a cargo do Ministério da Saúde e das Secretarias Estaduais de Saúde.
Aquela assistência era prestada por serviços próprios e por uma rede de serviços ambulatoriais e hospitalares contratados para atender exclusivamente as pessoas que possuíam carteira de trabalho. O atendimento das pessoas que não faziam parte do sistema previdenciário ocorria em instituições como as Santas Casas, que tinham a missão de atender os despossuídos de recursos para pagar o atendimento na área privada. As Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde se limitavam a desenvolver ações de promoção da saúde e prevenção das doenças, principalmente por meio das campanhas de vacinação e do controle das endemias. Deste modo, ocorria uma divisão de papéis e competências entre os diversos órgãos públicos envolvidos com a atenção à saúde. Esta desarticulação trazia evidentes prejuízos à população, especialmente àquela excluída do acesso ao atendimento em saúde, gerando a manifestação de vários grupos e segmentos organizados da sociedade, de profissionais e intelectuais da área, no sentido de se criar um sistema de saúde que assegurasse a cobertura universal da população.
A partir dos anos oitenta, mudanças econômicas e políticas ocorridas no país passaram a exigir a substituição do modelo médico-assistencial privatista por um outro modelo de atenção à saúde. Devido à grande movimentação política pela qual passava o Brasil neste período de sua história, este projeto tratava de um apelo a uma "nova consciência sanitária", um projeto de mudanças na saúde, partindo de uma reflexão entre economia e saúde, entre as condições de trabalho da população, renda e as condições de prevenção das doenças e recuperação nas diversas classes sociais.
Para Rodrigo Silva de Oliveira e Malou Ribeiro Vale,
[...] considerando as determinações sociais da saúde, o Estado passou a ser reivindicado como uma instância capaz de responder, democraticamente, às demandas advindas da classe trabalhadora, levando em conta as determinações sociais da saúde e de ser responsável pela saúde pública, compreendida como um direito público e universal, capaz de extrapolar as políticas fracionadas relacionadas às noções de causalidades bio-psicosociais. Assim, a saúde, a partir de 1980, deixou de ser interesse apenas dos técnicos, para assumir uma dimensão política, vinculando-se estreitamente à democracia, tendo a articulação de diversos setores, movimentos sociais (urbanos) com a sociedade civil, dentre outras entidades.
Foi então criado o PREV-SAÚDE, com a intenção de centralizar ainda mais a administração da saúde no Brasil, o que causou certos problemas de ordem social em sua aplicação, sendo, brevemente, substituído. Em 1981, através do Decreto n° 86.329, foi criado o Conselho Consultivo de Administração de Saúde Previdenciária (CONASP), "com o seu Plano de Reorientação da Assistência no âmbito da Previdência Social, também conhecido como Plano do CONASP (Portaria n° 3.602, de 23.08.1982), [...] que representa a invasão mais abrangente das políticas racionalizadoras na organização da assistência médica da Previdência Social".
O CONASP possibilitou a criação das Ações Integradas à Saúde (AIS) em 1983, que "se efetivaram através de convênios assinados na maioria dos Estados brasileiros entre o Ministério da Saúde, Previdência e Assistência Social e Educação e Cultura, as Secretarias Estaduais de Saúde e com a adesão progressiva dos municípios". Iniciou-se, com as AIS, um programa de descentralização do controle da saúde no Brasil, com a regionalização dos serviços e a equidade da atenção à população usuária do sistema público.
Em 1986, foi realizada a VIII Conferência Nacional de Saúde, marco do movimento por uma reforma sanitária, que, pela primeira vez, contou com a participação popular, com entidades representativas da classe trabalhadora, recomendando a reestruturação do Sistema Nacional de Saúde. Resultou, em um primeiro momento, na instituição do Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde (SUDS), que representou a desconcentração das atividades do INAMPS para as Secretarias Estaduais de Saúde, que passavam a executar as ações de saúde.
Até a Constituição de 1988, nenhuma outra Constituição havia se referido expressamente à saúde como parte integrante do interesse público e como princípio-garantia em benefício do indivíduo, pois, como demonstrado, nas Constituições anteriores a assistência à saúde era assegurada ao indivíduo na condição de trabalhador. Com a promulgação da Carta Constitucional, estabeleceu-se um divisor de águas da saúde no Brasil, ao afirmar a extensão de direitos sociais, inexistentes anteriormente por parcela substantiva da população.

2 A SAÚDE NA CF/88
A dignidade da pessoa humana, inserta no bojo dos direitos fundamentais e considerada bem de estatura maior, representa um objetivo a ser buscado e garantido, como condição essencial de convivência pacífica entre o povo e o poder estatal, conforme dispõe o preambulo da Declaração Universal dos Direitos do Homem:
Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo; [...] Considerando que os povos das Nações Unidas reafirmaram na Carta sua fé nos direitos fundamentais do homem, na dignidade e no valor da pessoa humana e na igualdade de direitos do homem e da mulher, e que decidiram promover o progresso social e melhores condições de vida em liberdade mais ampla.
A Constituição Federal de 1988, acompanhando essa influência principiológica, alçou a dignidade da pessoa humana ao patamar de fundamento do estado democrático de direito, conforme artigo 1º, inciso III:
Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamento:
[...] III – a dignidade da pessoa humana;
Dessa forma, pode-se concluir que todo o sistema jurídico brasileiro se encontra impregnado da força desse princípio e, desde 1988, tudo aquilo que é importante para estabelecer uma relação jurídica deve considerar, fundamentalmente, a dignidade da pessoa, devendo o ser humano sempre ser tratado de modo diferenciado, tendo em vista a sua natureza racional. Como pontifica Vieira de Andrade, citado por Carlos Alberto Molinaro e Mariângela Guerreiro Milhoranza,
[...] preceitos relativos fundamentais não podem ser pensados apenas do ponto de vista dos indivíduos, enquanto posições jurídicas de que estes são titulares perante o Estado, designadamente para dele se defenderem, antes valem juridicamente também do ponto de vista da comunidade, como valores ou fins que esta se propõe prosseguir, em grande medida, através da ação estadual. Por outro lado, no âmbito de cada um dos direitos fundamentais, em volta deles ou nas relações entre eles, os preceitos constitucionais determinam espaços normativos, preenchidos por valores ou interesses humanos afirmados como bases objetivas de ordenação da vida social.
Para a pessoa humana gozar da prerrogativa constitucional do direito à dignidade, prevista no artigo 1º, III, da Carta Magna de 1988, o próprio legislador constitucional, no Título II da Carta Magna, catalogou uma série de direitos e de garantias fundamentais, inclusive de caráter social. José Afonso da Silva define os direitos sociais como "prestações positivas proporcionadas pelo Estado direta ou indiretamente, enunciadas em normas constitucionais, que possibilitam melhores condições de vida aos mais fracos, direitos que tendem a realizar a igualização de direitos sociais desiguais". Por outro lado,
[...] direitos fundamentais são todas aquelas posições jurídicas concernentes às pessoas que, do ponto de vista do direito constitucional positivo, foram, por seu conteúdo e importância (fundamentalidade em sentido material), integradas ao texto da Constituição e, portanto, retiradas da esfera de disponibilidade dos poderes constituídos (fundamentalidade formal), bem como as que, por seu conteúdo e significado, possam lhes ser equiparados, agregando-se à Constituição material, tendo, ou não, assento na Constituição formal.
Os direitos sociais são espécies do gênero direitos fundamentais. Sua inclusão, em capítulo próprio, no título II da Constituição Federal, afasta qualquer dúvida acerca de sua condição. O direito à saúde, previsto no art. 6° da CF/88, é corolário do direito à vida, ligando-se, de modo inarredável, à dignidade da pessoa humana, e não se resume apenas ao atendimento médico ou à estrutura hospitalar, envolvendo tanto medidas preventivas como remediadoras, com é o caso do direito de realizar o tratamento adequado, incluindo-se o acesso a medicamentos de alto custo e procedimentos de alta complexidade.
De acordo com o art. 196 da Carta da República, "a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação". As políticas públicas, formalmente editadas e revestidas das mais variadas formas jurídicas, integradas por atos normativos oriundos do Poder Legislativo e do Poder Executivo nas três esferas de governo brasileiras, passam a integrar o direito à saúde, previsto constitucionalmente, visando a compreensão e exercício desse direito.
Para uma perfeita análise da questão, imperiosa a própria definição de saúde. Nos dizeres de Henrique Hoffmann Monteiro Castro, a saúde:
[...] corresponde a um conjunto de preceitos higiênicos referentes aos cuidados em relação às funções orgânicas e à prevenção das doenças. "Em outras palavras, saúde significa estado normal e funcionamento correto de todos os órgãos do corpo humano", sendo os medicamentos os responsáveis pelo restabelecimento das funções de um organismo eventualmente debilitado.
O autor mencionado, ainda complementa que a tutela do direito à saúde apresentaria duas faces – uma de preservação e outra de proteção. Enquanto a preservação da saúde se relacionaria às políticas de redução de risco de uma determinada doença, numa órbita genérica, a proteção à saúde se caracterizaria como um direito individual, de tratamento e recuperação de uma determinada pessoa.
O art. 197 reconheceu que as ações e serviços de saúde são de relevância pública, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou por intermédio de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado. Ressalve-se que o art. 129, inc. II, atribui ao Ministério Público a função de zelar pelo efetivo respeito aos serviços de relevância pública executados com vistas a atender aos direitos garantidos na Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia, o que denota a preocupação do constituinte em dar efetividade ao direito à saúde, já que o considerou expressamente como um serviço de relevância pública.
O art. 198 formulou a estrutura geral do sistema único de saúde, considerando-o uma rede regionalizada e hierarquizada, organizado de acordo com as seguintes diretrizes: I – descentralização, com direção única em cada esfera de governo; II – atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais; III – participação da comunidade. Assim, resta claro que, em matéria de saúde, o texto constitucional confere prioridade ao dever de ação por parte do Poder Público, através da elaboração de políticas públicas e prestação de serviços de saúde de forma sistêmica, integrando todas as unidades da federação, e essas ações relacionam-se diretamente à garantia do direito à saúde. Esse sistema será financiado com recursos da seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de outras fontes (§1º), ficando previstos recursos mínimos a serem aplicados, anualmente, em ações e serviços públicos de saúde (§§ 2º e 3º).
Pelo art. 199, foi facultada à iniciativa privada a assistência à saúde, podendo as instituições privadas participar de forma complementar do sistema único de saúde, segundo diretrizes deste, mediante contrato de direito público ou convênio, tendo preferência as entidades filantrópicas e as sem fins lucrativos (§1º), vedando a destinação de recursos públicos para auxílios ou subvenções às instituições privadas com fins lucrativos (§2º), bem como a participação direta ou indireta de empresas ou capitais estrangeiros na assistência à saúde no País, salvo nos casos previstos em lei (§3º).
O art. 200 enumera, não exaustivamente, as atribuições do sistema único de saúde, a saber: a) controlar e fiscalizar procedimentos, produtos e substâncias de interesse para a saúde e participar da produção de medicamentos, equipamentos, imunobiológicos, hemoderivados e outros insumos; b) executar as ações de vigilância sanitária e epidemiológica, bem como as de saúde do trabalhador; c) ordenar a formação de recursos humanos na área de saúde; d) participar da formulação da política e da execução das ações de saneamento básico; e) incrementar em sua área de atuação o desenvolvimento científico e tecnológico; f) fiscalizar e inspecionar alimentos, compreendido o controle de seu teor nutricional, bem como bebidas e águas para consumo humano; g) participar do controle e fiscalização da produção, transporte, guarda e utilização de substâncias e produtos psicoativos, tóxicos e radioativos; h) colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho.
O art. 208, inc. VII, inclui a assistência à saúde entre os programas destinados a suplementar a educação no ensino fundamental. O art. 220, §3º, inc. II, por sua vez, prevê a possibilidade de, por meio de lei federal, ser restringida a propaganda de produtos, práticas e serviços que possam ser nocivos à saúde e ao meio ambiente. Já o art. 227 determina que é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, entre outros, o direito à saúde. O §1º desse artigo prevê a participação de entidades não-governamentais na promoção de programas de assistência integral à saúde da criança e do adolescente, determinando ainda a aplicação de percentual dos recursos públicos destinados à saúde na assistência materno-infantil (inc. I).
Por fim, como se observa, muitas são as normas constitucionais que tratam, diretamente, da saúde, o que demonstra a preocupação do poder constituinte, inclusive o derivado, em dar plena efetividade às ações e programas nessa área. A Lei Fundamental não faz qualquer distinção no que tange ao direito à saúde, englobando expressamente o acesso universal a ações de promoção, proteção e recuperação de saúde, nos âmbitos individual e genérico. Segue-se as linhas traçadas pela Organização Mundial de Saúde, segundo a qual, a saúde se caracteriza como o completo bem-estar físico, mental e social do indivíduo e não apenas como a ausência de doenças.

2.1 Direito subjetivo público à saúde
Muito se discute acerca da aplicabilidade, da eficácia e da efetividade dos direitos sociais. Ingo Wolfgang Sarlet ressalta que:
[...] se relativamente aos direitos fundamentais de defesa inexistem maiores problemas no que diz com a possibilidade de serem considerados diretamente aplicáveis e aptos, desde logo, a desencadear todos os seus efeitos jurídicos, o mesmo não ocorre na esfera dos direitos fundamentais a prestações, que têm por objetivo uma conduta positiva por parte do destinatário, consistente, em regra, numa prestação de natureza fática ou normativa [...].
Consoante o disposto no art. 5º, § 1º, da Constituição da República, as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata. Portanto, o direito à saúde, como direito social e fundamental, possui tal prerrogativa. Segundo Marmelstein, os direitos fundamentais possuem uma dimensão objetiva, funcionando como um sistema de valores a legitimar todo o ordenamento, e uma dimensão subjetiva, como fonte de direitos subjetivos, gerando para os seus titulares uma pretensão individual de buscar a sua realização através do Poder Judiciário.
Através da cláusula de aplicação imediata, o direito fundamental tem a capacidade de produzir efeitos mesmo que não esteja regulamentado pelo legislador infraconstitucional, não podendo, jamais, deixar de ser concretizado pela ausência de lei. Nesse sentido, o reconhecimento da força normativa dos direitos fundamentais gera o dever de respeito, proteção e promoção por parte do Estado, não podendo violar tais direitos ou deixar que os violem e possibilitar que todos usufruam.
Tais premissas se coadunam perfeitamente ao conceito constitucional do direito à saúde acima mencionado, que determina ao Estado a sua proteção e promoção, através de políticas econômicas e sociais, serviços e ações de alta relevância pública. Através da dimensão subjetiva, o direito à saúde, como direito fundamental, pode ser judicialmente exigido, gerando pretensões subjetivas para os seus titulares, reivindicáveis na via judicial. Isto porque a lei não pode excluir da apreciação do Judiciário lesão ou ameaça a direito, conforme art. 5º, XXXV, da Constituição da República.
A partir disso, surge a possibilidade do Poder Judiciário garantir o direito à saúde casuisticamente ainda que os demais Poderes Públicos, legislando ou executando, sejam omissos. Assim, aqui reside a importância deste tópico para o restante do presente estudo, conceituando o direito à saúde, classificando-o como direito fundamental e determinando a sua aplicação imediata e sua exigibilidade perante o Judiciário, pois é a atuação deste para com a garantia do direito em comento que deve ser coadunada ao princípio da separação e independência dos poderes.
O próprio Ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, teceu o seguinte argumento acerca da prioridade da saúde frente a qualquer norma administrativa, conforme excerto do estudo de Carolina Ichikawa e Gabriela Uchida Athaná:
Entre proteger a inviolabilidade do direito à vida e à saúde, que se qualifica como direito subjetivo inalienável assegurado a todos pela própria Constituição da República (art. 5º, caput e art. 196), ou fazer prevalecer, contra essa prerrogativa fundamental, um interesse financeiro e secundário do Estado, entendo – uma vez configurado esse dilema – que razões de ética-jurídica impõem ao julgador uma só e possível opção: aquela que privilegia o respeito indeclinável à vida e saúde humana.
Mais adiante, Ingo Wolfgang Salert assevera ser "no âmbito do direito à saúde que talvez encontremos a maior gama de questionamentos, bem como a produção mais relevante na seara doutrinária e jurisprudencial, especialmente no que concerne à possibilidade de se reconhecerem direitos subjetivos diretamente embasados na Constituição", dizendo que, "para além da vinculação com o direito à vida, o direito à saúde (aqui considerado num sentido amplo) encontra-se umbilicalmente atrelado à proteção da integridade física (corporal e psicológica) do ser humano, igualmente posições jurídicas de fundamentalidade indiscutível".
A fim de garantir a saúde da população, o Poder Público conta com a participação de todos os entes da federação, inclusive dos cidadãos de forma direta, por meio, por exemplo, de orçamento participativo (este na acepção mais restrita do conceito de participação direta), visando à construção de uma sociedade livre, justa e solidária, erradicando a pobreza e a marginalização e reduzindo as desigualdades sociais e regionais.
O Supremo Tribunal Federal, em notório julgado, assentou posição no sentido de que "o direito público subjetivo à saúde representa prerrogativa jurídica indisponível assegurada à generalidade das pessoas pela própria Constituição da República", consignando que:
[...] o caráter programático da regra inscrita no art. 196 da Carta Política – que tem por destinatários todos os entes políticos que compõem, no plano institucional, a organização federativa do Estado brasileiro – não pode converter-se em promessa constitucional inconsequente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado.
Diante de tais características, assume especial relevância o entendimento sufragado pelo STF, no qual, ainda que o afirmando, atenuou o caráter programático do direto à saúde, dele extraindo a existência de um direito público subjetivo. O Superior Tribunal de Justiça também tem acolhido pretensões envolvendo direitos prestacionais à saúde. Cabe, por ora, ressaltar julgado no qual se entendeu que:
[...] despcicienda de quaisquer comentários a discussão a respeito de ser ou não a regra dos arts. 6° e 196 da CF/88, normas programáticas ou de eficácia imediata. Nenhuma regra hermenêutica pode sobrepor-se ao princípio maior estabelecido, em 1988, na Constituição brasileira, de que 'a saúde é direito de todos e dever do Estado' (art. 196).
Como referido, face à extensão atual da dimensão objetiva dos direitos fundamentais, não há como se negar, dentre outros aspectos, a sua eficácia irradiante e protetiva, pois, além do direito subjetivo atribuído a cada um, há um dever de proteção do Estado para garantir a efetivação desses direitos. Independentemente do caráter programático das normas expressas nos artigos 196 e 197 da Constituição Federal, não há como o Estado se recusar a oferecer tratamento médico adequado à pessoa doente e necessitada, de modo a garantir-lhe condições mínimas de sobrevivência, vistoque o direito à saúde, enquanto um direito social prestacional, possui exequibilidade imediata e caráter líquido e certo.

2.2 Alcance do direito à saúde
As dificuldades apontadas na compreensão de saúde e de doença são basicamente de três ordens: a indefinição conceitual, o reducionismo biológico da biomedicina e a retificação dessas noções, que se expressam claramente no desenho das políticas públicas de saúde, das leis e da jurisprudência relacionadas ao tema.
O direito à saúde é reconhecido, em leis nacionais e internacionais, como um direito fundamental que deve ser garantido pelos Estados aos seus cidadãos, por meio de políticas e ações públicas que permitam o acesso de todos aos meios adequados para o seu bem-estar. O direito à saúde implica, também, prestações positivas, incluindo a disponibilização de serviços e insumos de assistência à saúde, e tendo, portanto, a natureza de um direito social, que comporta uma dimensão individual e outra coletiva em sua realização. A trajetória do reconhecimento do direito à saúde como relativo à dignidade humana e, consequentemente, sua incorporação nas leis, políticas públicas e jurisprudências, espelham as tensões e percepções sobre as definições de saúde e doença, de como alcançar este Estado de bem-estar, e quais os direitos e responsabilidades dos cidadãos e dos Estados.
Uma primeira dificuldade ética na identificação da saúde como um bem a ser tutelado pelo Direito é estabelecer critérios universalizáveis para definir este bem, ou mesmo os benefícios ou as necessidades para determinada pessoa ou comunidade, considerando que dependem de uma valoração específica, nos diversos contextos morais e sociais, e, em especial, nas sociedades pluralistas.
Outra dificuldade é a escolha dos meios para o alcance da saúde. Atualmente, há um leque amplo de recursos científicos e tecnológicos para a intervenção na saúde e na vida humana, e o acesso a essas novidades é visto como instrumento indispensável para a ampliação da liberdade pessoal e da melhoria das condições de vida, no sentido em que oferecem alternativas para prevenir doenças, superar deficiências orgânicas e desconfortos com seu próprio corpo. Porém, há ainda muitas dúvidas sobre se o uso dessas novas alternativas pode ser positivo ou negativo, seja no sentido restrito da proteção à integridade física e psíquica dos indivíduos, como no aspecto mais amplo de respeito da dignidade da pessoa humana. Neste sentido, a problemática central trazida para o Direito e a Saúde – que se expressa no fenômeno da judicialização da saúde – é a de como o Estado, no âmbito dos Poderes Executivo, Legislativo ou Judiciário, deve proteger as pessoas dos riscos das novidades oferecidas pelo "mercado de saúde", que, não raramente, cria "necessidades" para "vender" soluções. E, ao mesmo tempo, fazer cumprir com seu dever de assistência, promovendo o acesso aos avanços biotecnocientíficos que de fato podem ser benéficos ao processo terapêutico e ao bem-estar das pessoas, de forma igualitária e sem discriminação de qualquer espécie.
Uma terceira dificuldade na passagem da saúde para o direito à saúde é que a realização do direito à saúde comporta a satisfação de uma dimensão individual ou privada, que exige respeito às subjetividades, aos direitos e liberdades pessoais; e uma dimensão coletiva, que requer assegurar esse bem-estar individual a todos, a um custo aceitável para a sociedade. Na conjugação de interesses individuais e sociais e no cumprimento dos deveres do Estado de proteção da saúde de todos e de cada indivíduo, podem ser necessárias restrições à liberdade de alguns, em prol do bem-estar coletivo ou para o alcance de um determinado bem ou interesse social. A questão central nesta conjugação é a legitimidade da norma que restringe a liberdade individual, correlacionada com a ideia do que se entende por lei justa.
A CF/88 afastou as noções centralizadoras dos institutos constitucionais anteriores e acrescentou a necessidade de uma efetiva atuação de todos os entes federativos do Estado na proteção dos direitos sociais, entre eles, o direito à saúde, consagrando, em seu corpo normativo, dispositivos programáticos, que se traduzem em "fios condutores" do agir do Estado direcionados a garantir aos seus cidadãos a realização de condições mínimas necessárias a sua sobrevivência e sua existência digna. Esta gama de garantias, tidas como fundamentais à pessoa humana, não só indica as diretrizes que o Estado deve adotar em suas políticas p blicas, mas vincula e compromete o Poder Público e seus agentes com o propósito constitucional de promoção do bem-estar econômico, social e cultural do indivíduo.
Norberto Bobbio afirma que o problema atual em relação a esses direitos não é tanto o de justificá-los, mas o de protegê-los. Não nega que exista uma crise dos fundamentos filosóficos desses direitos, e que devemos reconhecê-la, porém indica que nossa tarefa, urgente e atual, "é muito mais modesta, embora também mais difícil", que é a "de buscar, em cada caso concreto, os vários fundamentos possíveis". Este empreendimento deve ser acompanhado "pelo estudo das condições, dos meios e das situações nas quais este ou aquele direito pode ser realizado", não se dissociando o problema dos fins do problema dos meios. Ademais, buscando identificar "qual é o modo mais seguro para garanti-los, e para impedir que, apesar das solenes declarações, eles sejam continuamente violados".
O direito à saúde é reconhecido formalmente como um direito humano fundamental à preservação da vida e dignidade humana. Pode-se dizer que, nesse aspecto, há absoluta concordância entre o direito vigente, nas leis internacionais e nacionais, e a moralidade comum. Por isso, crê-se que o respeito e a proteção ao direito à vida e à saúde sejam obrigações morais e legais simples de serem cumpridas; todavia, a expressão tão genérica, abrangente e heterogênea desses direitos permite uma relativização que traz dificuldades teóricas e práticas, no momento de sua realização, de diversas ordens: filosóficas, políticas, jurídicas, sociais, econômicas, culturais e técnico-científicas. As dificuldades de se articular esses elementos e estabelecer os acordos necessários sobre o conteúdo e o modo de garanti-los têm sido o distanciamento entre o direito vigente na lei e o direito vivido na prática por milhões de pessoas, em todo o mundo. A alta intensidade da demanda judicial no âmbito da saúde reflete essa busca de aproximação, ou melhor, de efetividade de um aspecto desse direito, que é o acesso aos meios materiais para seu alcance.
No caso do Brasil, os direitos fundamentais, embora juridicamente assegurados na Carta Política, não são auto-aplicáveis e auto-satisfativos, dependendo dos administradores públicos para sua implementação. O Estado é o principal responsável e cumula deveres legais de proteção da saúde, no âmbito individual e coletivo, e de prover os meios para o cuidado de todos os cidadãos. Consoante André da Silva Ordacgy, citado por Miriam Ventura et al,
A saúde encontra-se entre os bens intangíveis mais preciosos do ser humano, digna de receber a tutela protetiva estatal, porque se consubstancia em característica indissociável do direito à vida. Dessa forma, a atenção à Saúde constitui um direito de todo cidadão e um dever do Estado, devendo estar plenamente integrada às políticas públicas governamentais.
Os estudos sobre o fenômeno da judicialização no Brasil apontam que a atuação, por vezes, insatisfatória dos agentes estatais na adoção de políticas públicas para a promoção do bem comum, explica-se pela análise da função essencial do Estado, que não se lança sobre a efetivação das garantias constitucionais, mas na manutenção das relações de produção. O administrador público precisa conciliar finalidade e necessidade, observando suas obrigações mínimas e essenciais para com o cidadão.
O direito à saúde independe de contraprestação por parte do particular, diferentemente de outros direitos, justamente porque encerra a ideia de que não pode ser negado a quem dele precisa. Não há, por conseguinte, justificativa para a existência de tratamento diferenciado para os casos que envolvam fornecimento de medicamentos essenciais e não-essenciais, haja vista que ambos estão vinculados ao direito à saúde e ao direito à vida, seja no sentido de existência, seja no sentido de vida com dignidade.

3 SUS: ORGANIZAÇÃO E PRINCÍPIOS
3.1 Organização do direito à saúde e críticas ao SUS
Para conferir materialidade ao direito à saúde, foi promulgada a Lei Orgânica da Saúde n° 8.080/93, complementada pela Lei n° 8.142/94, dispondo sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes, regulando, em todo o território nacional, as ações e serviços de saúde, executados isolada ou conjuntamente, em caráter permanente ou eventual, por pessoas naturais ou jurídicas de direito público ou privado. Trata-se da união de todos os fatores indispensáveis ao bom atendimento à população, bem como à proteção da saúde e à prevenção de doenças, distribuídos como meta a todos os entes públicos e privados participantes.
A LOS, em seu artigo 4°, organizou o Sistema Único de Saúde (SUS), que se constitui no conjunto de ações e serviços de saúde, prestados por órgãos e instituições públicas federais, estaduais e municipais, da Administração direta e indireta e das fundações mantidas pelo Poder Público (art. 4°). A Emenda Constitucional nº 29, de 13 de setembro de 2000, determinou a vinculação dos recursos a serem aplicados na saúde e estabeleceu a base de cálculo e os percentuais mínimos de recursos orçamentários que cada uma das três esferas de governo devem aplicar na saúde. Desta forma, é assegurada a destinação de recursos para a área da saúde, minimizando os problemas de financiamento para o setor. Descentralizou-se, dessa maneira, o dever de proteção do direito fundamental do cidadão à saúde, não podendo qualquer ente da federação se eximir da responsabilidade de assegurar às pessoas desprovidas de recursos financeiros o acesso à medicação ou congênere necessário à cura, controle ou abrandamento de suas enfermidades, sobretudo as mais graves, alegando ser a responsabilidade de outro ente federado, ou, ainda, de que este atendimento está vinculado à previsão orçamentária, pois o SUS é composto pela União, Estados-membros e Municípios. É de reconhecer-se, em função da solidariedade, a legitimidade de quaisquer deles no polo passivo, em caso de demanda judicial pleiteando dita assistência.
A direção do SUS, em cada esfera de governo, é composta pelo órgão setorial do Poder Executivo e pelo respectivo Conselho de Saúde. O processo de articulação entre os gestores, nos diferentes níveis do Sistema, ocorre, preferencialmente, em dois colegiados de negociação: a Comissão Intergestores Tripartite (CIT) e a Comissão Intergestores Bipartite (CIB), que pactuarão sobre a organização, direção e gestão da saúde. O setor privado participa do SUS de forma complementar, por meio de contratos e convênios de prestação de serviço ao Estado quando as unidades públicas de assistência à saúde não são suficientes para garantir o atendimento a toda a população de uma determinada região.
O processo de implantação do SUS tem sido orientado por Normas Operacionais, as quais definem as competências de cada esfera de governo e as condições para que Estados e Municípios possam assumir as ações de saúde, promovendo a descentralização na forma de uma rede regionalizada e hierarquizada como preconizado na Constituição Federal de 1988. Desde o início do processo, foram publicadas três Normas Operacionais Básicas (NOB/SUS 01/91, NOB/SUS 01/93 e NOB/SUS 01/96).
A Lei n° 9313, de 13 de novembro de 1996, dispõe, ainda, sobre situação especial, relativa à distribuição gratuita de medicamentos aos portadores do vírus HIV e doentes de AIDS, dispondo que as despesas decorrentes da implementação desta distribuição serão financiadas com recursos do orçamento da Seguridade Social da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
Mas isso de fato não levou a grandes melhorias na situação de saúde da população brasileira, pois a operacionalização necessária para a efetivação destes preceitos não aconteceu com a entrada em cena da política de ajuste neoliberal, a qual trouxe um modelo de Estado que apresenta como características principais a eficiência, o controle dos resultados, o cumprimento de metas e a redução dos custos, estabelecendo uma lógica gerencial para as políticas públicas. Neste tipo de modelo, o Estado deixa de lado suas funções básicas, deixando de ser o responsável direto pelo desenvolvimento econômico e social para se tornar o promotor e regulador, transferindo para o setor privado as atividades que antes eram suas.
A afirmação da hegemonia neoliberal no Brasil é responsável pelo corte drástico no financiamento e nos recursos humanos e materiais para a saúde pública. Carolina Ichikawa e Gabriela Uchida Athaná informam que os países que possuem sistemas nacionais de saúde gastam em média de 7 a 8,5% de seu Produto Interno Bruto (PIB) com a saúde, sendo que no Brasil a renda revertida para esta finalidade é de apenas 3,6%. O financiamento do Sistema Único de Saúde, além de não conseguir garantir serviços de qualidade a todos os cidadãos, faz com que o usuário encontre dificuldades no acesso a determinados procedimentos, como exames mais complexos e medicamentos com alto custo de produção.
De acordo com K. A. Machado, referido pelas autoras supracitadas, a crise do financiamento do SUS foi desenvolvido pela adoção de uma política macroeconômica restrita, tendo como resultado uma redução dos gastos com a saúde. Por conseguinte, os direitos conquistados na década anterior vêm se desmantelando, o que traz à tona de volta um modelo de saúde de privilegiamento do produtor privado.

3.2 Princípios e diretrizes do SUS
O SUS foi criado como mecanismo de promoção da equidade no atendimento das necessidades de saúde da população, ofertando serviços com qualidade adequados às necessidades, independentemente do poder aquisitivo do indivíduo. Tem por objetivo promover a saúde, priorizando as ações preventivas e democratizando as informações relevantes para que a população conheça seus direitos e riscos à saúde. Os princípios da atenção à saúde no SUS, segundo Wal Martins, são:
Princípio da saúde como direito: a Constituição Federal de 1988 garante o direito de o indivíduo exigir do Estado a prestação dos serviços de saúde (de forma individual ou coletiva), cabendo ao Poder Judiciário a responsabilidade de fazer implementar as ações e serviços;
Princípio da unidade do sistema SUS: expresso no art. 199 da Constituição Federal e art. 7°, XIII, da Lei n° 8080/90, segundo o qual todos os entes da federação são responsáveis pelo funcionamento eficiente do sistema;
Princípio da integralidade do atendimento: expresso no art. 198, II da Constituição Federal, e art. 7°, inc. II, da Lei n° 8080/90, segundo o qual todo indivíduo tem o direito de ser atendido e assistido sempre que necessitar;
Princípio da preservação da autonomia das pessoas: expresso no art. 7°, III, da Lei n° 8080/1990, segundo o qual as pessoas precisam ser conscientizadas e orientadas sobre a necessidade de cuidados com a saúde, de forma espontânea e não por imposição do Estado;
Princípio do direito à informação às pessoas assistidas: o art. 7°, V, da Lei n° 8080/90, refere-se ao direito de informação em relação ao diagnóstico, tratamento e prognóstico manifestado pelo médico, que deverá informar ao assistido sobre todos os benefícios e riscos que um possível procedimento, indicado por ele, possa vir a trazer para o paciente;
Princípio do acesso universal e igualitário: dispõe que os serviços prestados devem ser implementados e executados de maneira uniforme e sem critérios diferenciadores, sendo defeso o atendimento com distinção entre usuários pagantes e não-pagantes. Como valores sociais, a integralidade (definida por Solon Magalhães Vianna "como um conjunto articulado de ações e serviços de saúde, preventivos e curativos, individuais e coletivos nos diversos níveis de complexidade do sistema") e o direito universal de acesso refletem a opção da sociedade por um sistema de saúde típico de um Estado de bem estar, em substituição a um sistema excludente e segmentado;
Princípio da participação comunitária: expresso no art. 198, III, da Constituição Federal, e art. 7°, VIII, da Lei n° 8080/1990, o qual privilegia a solidariedade e à comunidade é dada a possibilidade de participar na promoção da saúde;
Princípio da solidariedade no financiamento (ou da diversidade da base de financiamento): o art. 195 da Constituição Federal dispõe que a seguridade social será financiada por toda a sociedade de forma direta e indireta e o financiamento se dará com recursos dos entes federados;
Princípio da vinculação de recursos orçamentários: a Lei Complementar n° 101/2000 dispõe que a autoridade que na sua administração descumprir a vinculação de recursos orçamentários estará sujeita à responsabilidade fiscal;
Princípio da ressarcibilidade ao SUS: expresso no art. 198, § 1°, da Constituição Federal, consistindo na obrigação das operadoras privadas de planos de saúde ressarcirem o Sistema Único de Saúde em caso deste prestar atendimento ao segurado ou beneficiário da empresa privada;
Princípio da prevenção ou precaução: o art. 200 da Constituição Federal estabelece uma série de diretivas de prevenção (antecipada previsão de acontecimentos negativos que podem vir a ocorrer) e precaução (agir antecipadamente frente à possibilidade de ocorrência de ditos acontecimentos);
Princípio do não-retrocesso: veda que haja retrocesso do sistema em matéria sanitária (Portaria n° 399/GM/2006).
Dois outros princípios não menos importantes foram omitidos da taxonomia acima, a qual se refere somente aos que têm respaldo constitucional explícito e inequívoco. Curiosamente, a equidade, com presença em algumas políticas e com mais assiduidade na retórica oficial e na abundante literatura setorial não mereceu esse status jurídico diferenciado. Ocorre o mesmo com a gratuidade. Esta, entretanto, foi objeto do art. 43 da Lei nº 8.080/90.

4 PONTOS DE MAIOR QUESTIONAMENTO DENTRO DO SUS
4.1 Assistência farmacêutica e acesso a medicamentos de alto custo
A Assistência Farmacêutica representa um dos processos mais importantes estratégicos para o sistema de saúde, visto que, tanto a recuperação do paciente quanto a redução dos riscos das doenças e agravos somente serão possíveis a partir da utilização de algum tipo de medicamento. O Conselho Nacional de Secretários de Saúde explana que:
Para o profissional médico, o medicamento significa o início de uma nova fase da atenção em que, passada toda a investigação, chegou-se a um diagnóstico e faz-se necessário um tratamento. Para o paciente o medicamento além de carregar simbolicamente todo este processo, contém a perspectiva da melhora funcional, do alívio da dor ou mesmo a cura.
O SUS (Sistema Único de Saúde) disponibiliza uma lista de 560 medicamentos que são distribuídos gratuitamente em todo o país em unidades de saúde, de acordo com o Ministério da Saúde. Conforme Andreia Regina Haas da Silva e Ezequiel Dalla Corte, o financiamento federal da aquisição de medicamentos do SUS, assim como de todas as ações e serviços de saúde, está atualmente regulamentado pela Portaria GM número 204 de 29 de janeiro de 2007, que organizou e categorizou os recursos para a compra de medicamentos, dividindo o bloco em três componentes:
Componente Básico da Assistência Farmacêutica: destinado à aquisição de medicamentos e insumos da assistência farmacêutica no âmbito da atenção básica em saúde;
Componente Estratégico da Assistência Farmacêutica: destinado ao financiamento de ações de assistência farmacêutica dos programas de saúde estratégicos de controle de endemias (tuberculose, hanseníase, malária, e outras doenças endêmicas de abrangência nacional ou regional), anti-retrovirais do programa DST/AIDS, sangue e hemoderivados e, imunobiológicos.
Componente de Medicamentos de Dispensação Excepcional: destinado ao financiamento de Medicamentos de Dispensação Excepcional, para aquisição e distribuição do grupo de medicamentos, conforme critérios estabelecidos em Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas. A incorporação de um medicamento em um Protocolo Clínico de Diretriz Terapêutica (PCDT) garante o acesso a este por meio do seguimento de um protocolo que inclui além do monitoramento clínico da evolução da doença a checagem de efeitos adversos.
Os medicamentos excepcionais, também denominados medicamentos de dispensação excepcional são, geralmente, de uso contínuo e de alto custo. São usados no tratamento de doenças crônicas e raras, e dispensados em farmácias específicas para este fim. Por representarem custo elevado, sua dispensação obedece a regras e critérios específicos.
Originariamente, o financiamento e o gerenciamento dos medicamentos de alto custo, também denominados medicamentos "excepcionais", era de responsabilidade do INAMPS, à época resumindo-se a poucos itens (medicamentos para transplantados, renais crônicos e o hormônio de crescimento). Em 1990, com a passagem do INAMPS do Ministério da Previdência Social (MPS) para o Ministério da Saúde, as atividades de assistência farmacêutica foram gradativamente sendo descentralizadas aos Estados.
A partir de 1991, as atividades de assistência farmacêutica desenvolvidas pelo INAMPS foram extintas, passando o Ministério da Saúde a definir os medicamentos a serem contemplados em pelo Programa de Medicamentos Excepcionais, criado em 1993. Foram abrangidos pelo citado instrumento os medicamentos destinados ao tratamento de patologias específicas que atingem um número limitado de pacientes, de elevado valor unitário ou que, pela duração do tratamento, tornam-se excessivamente caros.
Inicialmente não havia previsão de ressarcimento destes medicamentos pelo Ministério da Saúde, o que trouxe inúmeras dificuldades para a manutenção do fornecimento destes medicamentos pelos Estados, pois, além do custo elevado, a maior parte ainda tinha que ser importada. De acordo com o Conselho Nacional de Secretários de Saúde:
Em outubro de 1993, foram incluídos na tabela de valores dos procedimentos do Sistema de Informações Ambulatoriais do Sistema Único de Saúde (SIA/SUS) os medicamentos de dispensação em caráter excepcional Ciclosporina e Eritropoetina Humana, destinados aos pacientes transplantados e renais crônicos.
Em 1995, pela Portaria SAS/MS n° 102, foi padronizada uma nova relação de medicamentos excepcionais a serem pagos através de Guia de Autorização de Procedimento (GAP). Somados aos medicamentos com cobertura pelo sistema SIA/SUS, a relação passa a contemplar 22 princípios ativos em 33 apresentações.
Um dos marcos mais importantes para administração dos medicamentos de dispensação em caráter excepcional ocorreu em novembro de 1996, com a Portaria SAS/MS nº 204, que estabeleceu medidas para maior controle dos gastos e complementou a relação de medicamentos "excepcionais". Esta portaria criou códigos na Tabela SIA/SUS e estabeleceu o Formulário para Solicitação de Medicamentos Excepcionais (SME) e excluiu a cobrança por GAP, passando estes medicamentos para cobrança através do BPA. Além disto, a mesma atualizou a relação de medicamentos.
Várias portarias subsequentes atualizaram valores financeiros, alteraram códigos, incluíram e excluíram medicamentos. Em outubro de 1998 foi aprovada a Política Nacional de Medicamentos que estabeleceu em suas diretrizes a reorientação da assistência farmacêutica, aí incluída a garantia de acesso da população aos medicamentos de custos elevados para doenças de caráter individual.
Atualmente, a tabela de procedimentos vigente do SIA/SUS para o Grupo 36 (Medicamentos Excepcionais) é a decorrente da publicação da Portaria GM/MS nº 1.318, de 23 de julho de 2002, complementada pela Portaria SAS/MS nº 921, de 22 de novembro de 2002, que juntas contemplam 105 substâncias ativas em 220 apresentações. Entre as doenças que representaram maiores gastos foram a insuficiência renal crônica, esclerose múltipla, hepatite viral crônica B e C, epilepsia, esquizofrenia refratária e doenças genéticas como fibrose cística e a doença de Gaucher.
O Programa de Medicamentos de Dispensação em Caráter Excepcional está em constante transformação, visando aprimorar os instrumentos e estratégias que assegurem e ampliem o acesso da população aos medicamentos. Segundo o levantamento feito pelo CONASS junto às Secretarias Estaduais de Saúde, o Programa de Medicamentos de Dispensação em Caráter Excepcional, eram distribuídos 15 fármacos em 31 diferentes apresentações farmacêuticas em 1993, passando para 109 fármacos em 243 apresentações em 2009. Os gastos totais do Ministério da Saúde com medicamentos somaram, em 2007, R$ 1.410.181.600,74, quase o dobro do valor gasto em 2000: R$ 684.975.404,43.
As regras referentes aos medicamentos excepcionais são definidas pelo Ministério da Saúde, sendo que o principal documento exigido para o Programa é o Laudo para Solicitação/Autorização de Medicamentos de Dispensação Excepcional (LME). Para a dispensação (ato de entrega do medicamento correto, na dose certa e na quantidade necessária ao paciente ou pessoa autorizada por ele, geralmente mediante apresentação de uma prescrição elaborada por profissional autorizado) dos referidos medicamentos, são utilizados alguns critérios, como diagnóstico, esquemas terapêuticos, monitorização/acompanhamento e demais parâmetros, contidos nos Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas, estabelecidos pela Secretaria de Assistência à Saúde (SAS), os quais merecem ser destacados face ao seu uso não só pelo serviço de saúde, mas também como instrumento de orientação junto aos Tribunais de Justiça e Procuradorias Gerais de Justiça dos Estados, de modo a subsidiar a solução de demandas judiciais por medicamentos excepcionais, que representam atualmente uma das questões mais preocupantes para os gestores estaduais.
Consoante o Conselho Nacional de Secretários de Saúde relata, a Medida Provisória nº 41, de 20 de junho de 2002, alterou a Lei 10.147, estabelecendo a possibilidade de desoneração das contribuições ao PIS/PASEP e da COFINS por meio de regime especial de utilização de crédito presumido por parte das pessoas jurídicas que industrializam e importam medicamentos elaborados a partir de substâncias relacionadas no Decreto n° 4.275, de 20 de junho de 2002, e no Decreto nº 3.803, de 24 de abril de 2001, que relacionou os princípios ativos dos medicamentos que têm direito ao crédito presumido (lista positiva). Em 5 de julho de 2002, foi publicado pelo Conselho de Política Fazendária (CONFAZ) o Convênio ICMS 87/02, de 28 de junho de 2002, que concedeu isenção do ICMS às operações realizadas com diversos fármacos e medicamentos do Programa de Dispensação de Medicamentos em Caráter Excepcional.
Apesar da previsão do Ministério da Saúde de que as medidas ampliariam o acesso de pacientes aos medicamentos "excepcionais", o resultado, até o presente momento, não foi o esperado. Por isso é que, pelo volume de recursos financeiros envolvidos e por ser considerado tema prioritário na agenda das Secretarias Estaduais de Saúde, o CONASS desenvolveu como ação do Programa de Informação e Apoio Técnico às Equipes Gestoras Estaduais do SUS (PROGESTORES) o projeto Organização da Gestão Estadual do Programa de Medicamentos de Dispensação em Caráter Excepcional/Alto Custo. Tão importantes quanto os recursos financeiros necessários para a aquisição destes medicamentos são a organização e a eficácia do gerenciamento deste programa, principalmente nos seus aspectos operacionais e administrativos. Para tanto as Secretarias Estaduais de Saúde devem buscar o aprimoramento da organização da sua área de Assistência Farmacêutica de forma a racionalizar e otimizar os recursos existentes.

4.1.1. Programa de medicamentos sem registro na Anvisa
Túlio Batista Franco diz que a produção e a venda de medicamentos devem se enquadrar em um conjunto de leis, regulamentos e outros instrumentos legais direcionados para garantir a eficácia, a segurança e a qualidade dos produtos, além dos aspectos atinentes a custos e preços de venda, em defesa do consumidor e dos programas de subsídios institucionais, tais como de compras de medicamentos, reembolsos especiais e planos de saúde. Essa necessidade torna-se ainda mais significativa na medida em que o mercado farmacêutico brasileiro é um dos cinco maiores do mundo, com vendas que atingem 9,6 bilhões de dólares/ano.
De acordo com Izamara Damasceno Catanheide Torres, a Política Nacional de Medicamentos tem como propósito garantir a segurança, a eficácia e a qualidade dos medicamentos, a promoção do uso racional e o acesso da população àqueles considerados essenciais. Para cumprimento dos objetivos dessa política, são fornecidos mais de 800 medicamentos para tratamento de agravos e doenças nas unidades públicas de saúde, cujo rol é avaliado regularmente para que permaneça compatível com as necessidades prioritárias de saúde da população. Mais recentemente, os medicamentos passaram a ser disponibilizados gratuitamente também na rede de farmácias privadas conveniadas, através do Programa Aqui Tem Farmácia Popular e nas farmácias do Programa Farmácia Popular do Brasil.
Em atendimento à política nacional de medicamentos, instituída pela Portaria MS 3916/98, a prescrição de medicamentos no âmbito do SUS deve observar o "Formulário Terapêutico Nacional", que tem por fim orientar os profissionais de saúde quanto ao manuseio de produtos farmacêuticos disponíveis no mercado. Sem prejuízo dessa imposição do Poder Público, tem-se que, de uma maneira geral, tanto os profissionais vinculados à rede pública de saúde quanto os que atuam exclusivamente no setor privado devem observar a legislação brasileira pertinente aos produtos farmacêuticos.
A comercialização de um composto medicamentoso no território brasileiro pressupõe sua aprovação e registro no Ministério da Saúde, conforme dispõe o art. 12 da Lei 6.360/76, pois a natureza e a finalidade dessa espécie de substância exigem o monitoramento de sua segurança, eficácia e qualidade terapêutica. Esse registro é definido pelo inciso XXI do art. 3º do Decreto nº 79.094/77, na redação que lhe foi atribuída pelo Decreto nº 3.961/01, a saber:
XXI - Registro de Medicamento - Instrumento por meio do qual o Ministério da Saúde, no uso de sua atribuição específica, determina a inscrição prévia no órgão ou na entidade competente, pela avaliação do cumprimento de caráter jurídico-administrativo e técnico-científico relacionada com a eficácia, segurança e qualidade destes produtos, para sua introdução no mercado e sua comercialização ou consumo;
Atualmente, a entidade competente para proceder a essa inscrição – bem como a sua alteração, suspensão e cancelamento – é a Anvisa – Agência Nacional de Vigilância Sanitária, na forma das disposições da Lei nº 9.782/99 e da Lei nº 6.360/76. Assim, tanto o profissional médico, quando da prescrição, quanto o magistrado, quando da apreciação do pedido de fornecimento formulado em sede de ação judicial, devem atentar para a existência de registro do medicamento na Anvisa/MS.
Não obstante, em algumas hipóteses, a inexistência de registro não impede a prescrição e, consequentemente, não impede a condenação judicial do Poder Público no fornecimento da substância. Tanto é que, segundo o presidente do Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Sul, Marco Antônio Becker, referido por Andreia Regina Haas da Silva e Ezequiel Dalla Corte, sempre que se fizer necessária a prescrição de medicamentos fora do estabelecido nos protocolos, o médico deve justificar a necessidade de forma convincente, baseado em literatura científica.
Existem substâncias modernas e eficazes no tratamento de determinadas doenças – em especial no tratamento de doenças raras e/ou graves – que são utilizadas há anos em diversos países, mas não são vendidas ou produzidas no Brasil porque não tiveram concluído seu processo de registro na Anvisa/MS, cuja tramitação é demasiadamente morosa.
Essa morosidade é, inclusive, reconhecida pelo Poder Público, e levou a Anvisa a editar a Resolução RDC nº 28/2007, publicada no Diário Oficial de 5/4/2007, que visa legitimar as priorizações de análise de petições no âmbito da área de medicamentos, de acordo com a relevância do interesse público representado nas petições, e dar transparência a esses procedimentos. Nos termos dessa resolução, haverá prioridade de análise das petições de registro de medicamentos que façam parte da lista de medicamentos excepcionais. Por isso é que Morton Scheinberg assevera que, "embora os entes públicos afirmem que o orçamento estaria prejudicado com as liminares concedidas, não se atentam que o imbróglio é causado justamente em razão da excessiva lentidão na incorporação de avanços médicos pelo sistema básico".
A relatora do processo na 5ª Turma do TRF, desembargadora federal Selene Maria de Almeida, destacou que o fato de determinada medicação não possuir registro na Anvisa, por si só, não afasta o direito do portador de doença grave ao recebimento do remédio, ainda mais por ser, na atualidade, amplamente notificada a eficácia do medicamento em questão.
O Supremo Tribunal Federal (STF) admite, em casos excepcionais, que a importação de medicamento não registrado possa ser autorizada pela Anvisa quando adquirido por intermédio de organismos multilaterais internacionais, para uso de programas em saúde pública pelo Ministério da Saúde, nos termos da Lei 9.782/99, o que em princípio, não se coaduna com o caso em exame (STF 175 AgR/CE, Tribunal Pleno, Rel. Min Gilmar Mendes, DJe 30.4.2010).

O secretário da saúde do Estado de São Paulo, Dr. Luiz Roberto Barradas Barata, por sua vez, revela a preocupação com esse "desvirtuamento", conforme excerto de Luiz Roberto Barradas:
Nos últimos anos, o avanço da indústria farmacêutica tem sido notório. Entretanto, muitos produtos recém-lançados possuem, em maior ou menor grau, eficácia similar à de remédios já conhecidos, disponíveis no mercado e inclusos na lista de distribuição da rede pública de saúde. No entanto, os novos remédios custam muito mais que os atualmente padronizados pelo SUS. Outros produtos, comercializados fora do Brasil ou ainda em fase de testes, não possuem registro no país e não devem ser distribuídos pelo SUS, pois podem pôr em risco a saúde de quem os consumir. São justamente esses medicamentos que o Estado mais vem sendo obrigado a fornecer por pedidos na Justiça. É importante ressaltar que a entrega de medicamentos por decisão da Justiça compromete a dispensação gratuita regular, já que os governos precisam remanejar recursos vultosos para atender situações isoladas. Em São Paulo, a Secretaria da Saúde gasta cerca de R$ 300 milhões por ano para cumprir ações judiciais para distribuição de remédios não padronizados de eficácia e necessidade duvidosas. Com esse valor é possível construir seis hospitais de médio porte por ano, com 200 leitos cada. Além de medicamentos, o Estado vê-se obrigado a entregar produtos como iogurtes, requeijão cremoso, queijo fresco, biscoitos, adoçante, leite desnatado, remédio para disfunção erétil, mel e xampu, dentre outros itens.
Não há sentido para justificar a impossibilidade de fornecimento do medicamento prescrito apenas pelo fato de seu registro ainda não ter sido concluído. A falha na prestação de assistência farmacêutica e terapêutica evidencia a ineficiência em que foi posta a estrutura do Sistema Único de Saúde, afrontando o direito fundamental à saúde, pois, apesar do aumento do financiamento da Assistência Farmacêutica, este parece ser ainda insuficiente para atender a demanda ou a necessidade de saúde da população, dada a quantidade de ações judiciais requerendo a oferta de medicamentos e procedimentos.

4.2 O acesso a procedimentos de alta complexidade
Solon Magalhães Vianna ensina que alto custo e alta complexidade nem sempre são sinônimos. Como também o fato de um procedimento ser considerado como Alta Complexidade não significa, necessariamente, que tenha alta densidade tecnológica como sugerem alguns dos exemplos citados. Daí a conveniência de o MS buscar consenso entre grupos multidisciplinares, para um reexame e uma revisão da categorização.
A atenção de alta complexidade provida pelo setor público é uma das prestações de maior importância não só dentro do próprio SUS, mas também quando se considera o sistema de nacional de saúde como um todo. O elenco de alta complexidade ambulatorial é composto pelos procedimentos listados nos anexos da Portaria SAS/MS n° 968 de 11 de dezembro de 2002. São considerados procedimentos hospitalares de alta complexidade aqueles que demandam tecnologias mais sofisticadas e profissionais especializados como Cirurgia Cardíaca, Neurocirurgia, Cirurgia Oncológica e determinados procedimentos de Ortopedia, definidos na Portaria SAS/MS já citada.
O IBGE, por sua vez, de acordo com Solon Magalhães Vianna, conceitua serviços de alta complexidade como aqueles "que exigem ambiente de internação com tecnologia avançada e pessoal especializado para sua realização", o que é bastante vago. De fato, a maior parte do que o MS considera tecnologia de ponta, não exige "ambiente de internação". Assim acontece nos serviços de apoio ao diagnóstico e tratamento (SADT), da aparelhagem para Hemodinâmica e de equipamentos de Imagenologia, como os Tomógrafos Computadorizados e de Ressonância Magnética. Entre os recursos terapêuticos destacam-se os aparelhos para Hemodiálise, Quimioterapia e Radioterapia.
Os procedimentos de Alta Complexidade Ambulatorial e Hospitalar são financiados pelo Ministério da Saúde com recursos do limite (teto) financeiro de média e alta complexidade ambulatorial e hospitalar e do Fundo de Ações Estratégicas e Compensação – FAEC (extra-teto). Cada Unidade da Federação tem um valor financeiro anual definido para o custeio de ações e procedimentos de média e alta complexidade ambulatorial e hospitalar, disponibilizado sob a forma de duodécimos aos Estados e municípios habilitados na condição de Gestão Plena de Sistema. Para os estados e municípios não habilitados nesta condição de Gestão, o Ministério da Saúde realiza o pagamento dos prestadores até o limite financeiro estabelecido em portaria do próprio Ministério.
Em princípio um procedimento de alta complexidade teria três atributos que os distingue dos demais (atenção básica e de média complexidade), que devem ser alcançados por consenso, de acordo com Solon Magalhães Vianna:
alta densidade tecnológica e/ou exigência de expertise e habilidades especiais acima dos padrões médios: procedimentos na área de deformidades crânio-faciais, por exemplo, nem sempre exigem equipamentos exclusivos de alto custo ou tecnologia de ponta (inovação tecnológica), mas requerem, – via de regra –, não só equipe multiprofissional como habilidades diferenciadas pouco encontradas;
baixa frequência relativa: de um modo geral procedimentos de Alta Complexidade tem uma frequência inferior aos demais (Atenção básica e de Média Complexidade). Ainda que a frequência na alta complexidade tenha grande variação dentro do elenco de procedimentos que a compõem. Transplantes de córnea, por exemplo, são cerca de doze vezes mais frequentes que os de fígado, mas 35 vezes menos do que de esclera;
alto custo unitário e/ ou do tratamento: no primeiro caso estão terapêuticas como os transplantes múltiplos e o implante coclear, entre outras. No segundo, o custo elevado tanto pode decorrer da tecnologia em si mesma, como da duração do tratamento. A terapia intensiva, a hemodiálise e alguns medicamentos de dispensação em caráter excepcional são paradigmáticos desses casos.
Em relação à Política de Alta Complexidade/Alto Custo, o Ministério da Saúde tem as seguintes atribuições:
- Definição de normas nacionais;
- Controle do cadastro nacional de prestadores de serviços;
- Vistoria dos serviços, quando lhe couber, de acordo com as normas de cadastramento estabelecidas pelo próprio Ministério da Saúde;
- Definição de incorporação dos procedimentos a serem ofertados à população do SUS;
- Definição do elenco de procedimentos de alta complexidade;
- Estabelecimento de estratégias que possibilitem o acesso mais equânime diminuindo as diferenças regionais na alocação dos serviços;
- Definição de mecanismos de garantia de acesso para as referências interestaduais através da Central Nacional de Regulação para procedimentos de Alta Complexidade;
- Formulação de mecanismos voltados à melhoria da qualidade dos serviços prestados;
- Financiamento das ações.
A NOAS 01/2002 determina que a garantia de acesso aos procedimentos de alta complexidade é de responsabilidade solidária entre o Ministério da Saúde e as Secretarias de Saúde dos Estados e do Distrito Federal. Segundo essa mesma norma o Gestor Estadual (Secretário Estadual de Saúde) é responsável pela gestão da política de alta complexidade/alto custo no âmbito do estado, mantendo vinculação com a política nacional, sendo consideradas intransferíveis as funções de definição de prioridades assistenciais e programação da alta complexidade.
A NOAS 01/2002 define ainda que a regulação da referência intermunicipal de alta complexidade será sempre efetuada pelo gestor estadual. No entanto os municípios que tiverem em seu território serviços de alta complexidade/custo, quando habilitados em Gestão Plena do Sistema Municipal, deverão desempenhar as funções referentes à organização dos serviços de alta complexidade em seu território, visando assegurar o comando único sobre os prestadores.

4.3 A atuação do Poder Público e o fornecimento de medicamentos de alto custo e procedimentos de alta complexidade
São evidentes as distorções geradas pelas grandes desigualdades sociais e econômicas ainda existentes no país e que determinam restrições ao pleno acesso ao sistema de saúde brasileiro. Esta situação é particularmente dramática em se tratando de medicamentos de uso ambulatorial continuado, quando o tratamento de doenças crônicas, muitas vezes com duração por toda vida, se torna inacessível para a maioria da população, quer pelo alto custo do medicamento, quer pelo custo total do tratamento.
Neste aspecto particular, é fundamental a ação do poder público no combate à iniquidade no acesso, na formulação de políticas de assistência farmacêutica de alto custo, na garantia do financiamento, na distribuição gratuita de medicamentos e na ampliação do acesso da população a estes tratamentos, aliada à melhoria das condições socioeconômicas, especialmente da distribuição de renda, da capacidade de financiamento, do uso racional desses produtos e da eficiência na gestão dos recursos disponíveis. Afinal, consoante Izamara Damasceno Catanheide Torres, o acesso aos medicamentos e procedimentos é parte de um direito humano fundamental, por se tratar de um produto importante na atenção à saúde devido ao seu potencial para prevenir, tratar e curar doenças, promover saúde e salvar vidas.
Nota-se uma continuação da política macroeconômica, de governos anteriores, desde a década de 90, sendo as políticas sociais como um todo, fragmentadas e subordinadas à lógica econômica. Não se pode deixar de reconhecer como verdadeiras afirmações como as de Fernando Cupertino, representante do Conselho Nacional de Secretários de Saúde, referido por José Carlos Loureiro da Silva, de que os interesses do mercado constituem as mais sérias ameaças ao Sistema Único de Saúde (SUS), pois "teimam em apresentar a saúde como um bem de consumo, e não como um direito de cidadania. Há uma participação ambígua do setor público e do setor privado na área da saúde que, em vez de serem complementares, são concorrentes". Muitas vezes a lógica do lucro faz com que os casos de maior complexidade e mais dispendiosos sejam arcados pelo setor público.
A perspectiva universalista está longe de ser atingida com a desvinculação de recursos para a saúde em função de outras pautas de prioridade, privilegiando o capital financeiro nacional e internacional. Em referência à insegurança da assistência à saúde da população, aliado à carente estrutura operacional do SUS devido à sua complexidade, está aumentando a quantidade ações judiciais objetivando garantir o cumprimento das políticas públicas pertinentes ao direito à saúde.
Considerando os princípios constitucionais da universalidade e integralidade no que diz respeito ao acesso à saúde, o Estado tem o dever de prover todas as condições para que os cidadãos previnam e curem doenças bem como tenham acesso aos serviços de saúde. Mas, quando a doença é grave e rara e o único tratamento é caro e de difícil acesso, a Justiça pode ser o melhor remédio. E assim tem sido quando o Estado deixa a desejar, é moroso ou omisso em questões fundamentais e complexas como o direito à saúde e à vida.
A partir deste dilema, surge a judicialização visando propiciar o acesso da população às tecnologias não padronizadas pelo SUS e aos medicamentos de alto custo e procedimentos de alta complexidade. Mas, dentro desse contexto, algumas cautelas ou critérios devem ser observados no manejo dos mecanismos processuais que viabilizam a intervenção jurisdicional na efetivação da assistência farmacêutica pelo Poder Público, a fim de se evitar prejuízos ao Sistema Único de Saúde e, consequentemente, à própria população.
Torna-se fundamental uma seleção racional de medicamentos e tratamentos, de maneira a proporcionar maior eficiência administrativa e uma adequada resolubilidade terapêutica, além de contribuir para a racionalidade da prescrição e utilização de fármacos, com a finalidade de garantir a terapêutica medicamentosa de qualidade nos diversos níveis de atenção à saúde. Em alguns casos os medicamentos de alto custo e os procedimentos de alta complexidade são prescritos / autorizados independentemente da ou previsão no âmbito do SUS de outros medicamentos ou procedimentos que podem produzir os mesmos resultados no tratamento da doença, dado que a variabilidade das condições do organismo e da saúde humanos impossibilita a aplicação desse tipo de critério.
No entanto, é prudente que o magistrado verifique, no caso concreto, as peculiaridades do tratamento, com a finalidade de impedir que o Poder Judiciário ratifique prescrições negligentes e tratamentos inócuos. Neste sentido, destacam-se os Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas como fonte subsidiária, por objetivarem justamente estabelecer os critérios de diagnóstico de cada doença, critérios de inclusão e exclusão de pacientes ao tratamento, as doses corretas dos medicamentos indicados, bem como os mecanismos de controle, acompanhamento e avaliação. Ao construir estes Protocolos baseados em evidência científica e ao estabelecer parceria com instituições acadêmicas, o Ministério da Saúde incorpora-se ao movimento internacional da Medicina Baseada em Evidências e passa à condição de disseminador do conhecimento técnico.















CAPÍTULO II – A EFETIVAÇÃO DO DIREITO À SAÚDE MEDIANTE INTERVENÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO
A análise dos dispositivos normativos anteriormente mencionados permite concluir que o Estado é devedor de direitos subjetivos públicos aos cidadãos, no campo da saúde pública. Em outras palavras, o Poder Público deve garantir ao indivíduo o direito à saúde. Entretanto, mesmo sem lançar um olhar aprofundado sobre a questão, é possível aferir que a Administração Pública não logra atender às diretrizes constitucionais e legais, permanecendo em mora perante os cidadãos. É neste cenário que ganha relevância o acesso à justiça, direito fundamental previsto no art. 5º, XXXV, da Constituição da República: "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito". O Judiciário é chamado a atuar, portanto, com o objetivo de compelir a Administração Pública a adimplir suas obrigações constitucionais perante o cidadão.
É delicada a situação em que o Judiciário deve decidir se, ao menos para o caso em julgamento, um determinado medicamento ou procedimento deve, ou não, ser incorporado ao sistema de saúde. Em todos esses casos, se o juiz for chamado a decidir, não poderá se esquivar de sua missão constitucional e deverá analisar se o medicamento/tratamento pleiteado deve, ou não, ser garantido ao indivíduo. Entretanto, essa análise não pode ser realizada com um prisma focado exclusivamente nos argumentos jurídicos. A generosidade do Constituinte em relação aos direitos fundamentais lança sobre o Judiciário a enorme responsabilidade de decidir sobre assuntos relacionados a diversos campos do saber. Desse modo, a mudança do papel do julgador deve ser acompanhada da inovação de sua postura intelectual. Por isso, a interdisciplinaridade torna-se uma exigência para o adequado exercício da função jurisdicional, bem como para qualquer operador do Direito.

1 A JUDICIALIZAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE
O Poder Legislativo participa na regulamentação de muitos dos direitos sociais, enquanto que o Poder Executivo cria e implementa políticas e efetua a prestação dos serviços públicos. Ao Poder Judiciário, por sua vez, cumpre a tarefa de garantir a efetivação dos direitos sociais.
A expressão "política pública" significa a atuação do Estado, tendo como pressuposto a separação entre Estado e sociedade e compreende o planejamento, os planos e programas de ações e projetos, ultrapassando a mera prestação do serviço público. Segundo lição da professora Maria Garcia, referida por Wal Martins, políticas públicas são diretrizes, princípios, metas coletivas conscientes que direcionam a atividade do Estado, objetivando o interesse público.
A Constituição Federal de 1988, de forma expressa, estabelece políticas públicas a serem observadas, a fim de que sejam concretamente efetivados os direitos contidos no Título II, referente aos "Direitos e Garantias Fundamentais". Na implementação de políticas públicas a discricionariedade consistirá no processo político de escolha de prioridades para governo que devem estar racionalmente coordenadas com a política maior e adotar as suas prioridades quanto aos meios, viabilizando a realização das finalidades da política principal, ou seja, os objetivos maiores preceituados na Constituição Federal da República.
Tendo a atividade jurisdicional, de acordo com a doutrina de Chiovenda, natureza substitutiva, o alargamento desta atividade pode gerar controvérsias, devendo ser impostos limites à sindicabilidade dos atos administrativos. Muito embora a Administração Pública seja revestida de poderes para decretar a nulidade de atos eivados de vícios, cabe ao Poder Judiciário exercer função de apreciação e controle dos atos do Poder Executivo, no que concerne à sua legalidade ou legitimidade. José Cretella Junior afirma que:
Inteiramente livre para apreciar a legalidade do ato administrativo, está proibido o Poder Judiciário de entrar na indagação do mérito, que fica totalmente fora de seu policiamento. Trata-se de terreno da competência exclusiva do Poder Executivo, pois o mérito traduz o entendimento da noção tradicional, resumida no clássico binômio oportunidade-conveniência. Ora, o mérito não se confunde nem se opõe à legalidade. São campos opostos e diferentes, sem pontos de contato. Legalidade é o exame da adequação do ato do texto legal. Aqui, o Poder Judiciário intervém e reexamina, sob este aspecto, o ato editado. Mérito é o aspecto que se relaciona com a oportunidade ou conveniência da medida adotada, conjunto indefinido de ponderações valorativas, de juízes de valor, que levam a autoridade administrativa, perscrutando com todos os meios que tem a seu alcance a realidade social, a decidir sobre mês, dia, hora, minuto, lugar, equidade, razoabilidade, justiça, economia, moralidade, justiça.
Arruda Alvim também analisa a questão ora em discussão, aduzindo:
No entanto, parece-nos que alguns doutrinadores, como parte de nossos tribunais, têm conceito excessivamente amplo do que seja o mérito do ato administrativo. Muitas vezes, diz-se que este ou aquele ato administrativo não pode ser alterado pelo Judiciário, porque isto importaria em tocar-lhe o mérito; mas, na verdade, o que ocorre é que, se bem examinada a hipótese, verificar-se-ia ser caso de legalidade e não propriamente de mérito. Por outras palavras, julgamos que, embora seja rigorosamente exato dizer-se que o mérito não pode ser reapreciado pelo Judiciário – o que importaria invasão de poderes –, é possível reexaminar grande número de atos administrativos sob o ângulo da legalidade.
Justifica-se esta orientação diante de uma primeira premissa, ou seja, à luz do que dispõe a Constituição Federal (art. 5°, XXXV), no sentido de que nenhuma lesão ou ameaça a direito poderá ser subtraída à apreciação do Poder Judiciário. Portanto, desde que o ato administrativo esteja em conformidade com a lei imposta ao administrador, não caberia ao Poder Judiciário alterá-lo, justificando que outro ato seria melhor, face ao princípio da separação dos poderes previsto no art. 2° da Constituição Federal. Desta forma, cabe ao Poder Judiciário, ao apreciar o ato administrativo, identificar e delimitar seu mérito, para sobre ele não se pronunciar, evitando o que o doutrinador acima mencionado chama de "juízo sobre o mérito em si mesmo e intrinsecamente considerado".
O problema reside, porém, na determinação exata da amplitude do conceito de mérito do ato administrativo. Devemos trabalhar por um critério de exclusão, verificando o que pode ser reexaminado; o que se deve excluir destes aspectos, constituirá o mérito.

Ingo Wolfgang Sarlet diz que
a crise da efetividade que atinge os direitos sociais, diretamente vinculada à exclusão social e à falta de capacidade por parte dos Estados em atender as demandas nesta esfera, acaba contribuindo como elemento impulsionador e como agravante da crise dos demais direitos. [...] à crise de efetividade dos direitos fundamentais corresponde também uma crise de segurança dos direitos, no sentido do flagrante déficit de proteção dos direitos fundamentais assegurados pelo Poder Público, no âmbito dos seus deveres de proteção.

Hodiernamente, indaga-se se o Poder Judiciário seria competente para exercer o controle externo sobre os atos emanados do Poder Executivo a pretexto da concretização dos direitos fundamentais sociais constitucionalmente protegidos, ainda mais frente a ato omissivo ou comissivo da Administração Pública, se não houverem sido adotadas as medidas necessárias à sua efetivação e remoção das barreiras sociais e econômicas que se impuserem, desde que não infringido o princípio constitucional da separação entre os poderes, previsto nos arts. 2º e 60, § 4º, inc. III, da Constituição Federal.
O termo "judicialização" pode ser compreendido como a decisão, pelo Poder Judiciário, de questões relevantes do ponto de vista político, social ou moral, ou como o ato de transferir para o Poder Judiciário a decisão de reconhecer e, principalmente, fazer concretizar um direito que, a priori, deveria ter sido satisfeito pelos demais Poderes da República, Executivo e Legislativo. No âmbito internacional, a partir da II Guerra Mundial, a denominação foi cada vez mais associada à ampliação dos direitos humanos fundamentais, resultando em uma notável expansão da via judicial como mecanismo de controle dos demais poderes. No contexto nacional, a judicialização apresenta exponencial crescimento na área da saúde a partir da Constituição Federal de 1988, quando o Estado assume a responsabilidade de garantir a saúde da população, tornando-a um direito fundamental, ao mesmo tempo em que o acesso do cidadão às instâncias de poder foi ampliado, com a abertura do Poder Judiciário às demandas individuais e coletivas.
O direito subjetivo à saúde, entendido como exigência prestacional em face do Poder Público, não ostenta caráter incondicionado. Todavia, ocorre que, apesar das regulamentações feitas pelo Poder Legislativo e pelas políticas públicas realizadas pelo Poder Executivo, muitas vezes, cabe ao Judiciário garantir, por meio de ações judiciais, que uma pessoa receba o medicamento/tratamento de que necessita para se manter viva ou até mesmo para manter uma vida digna, sem agravamento de sua enfermidade.
A inércia estatal não pode ser obstáculo à concretização de direitos fundamentais, que reclamam aplicação imediata. Se inafastável é o controle judicial sobre lesão ou ameaça de direito, consoante dispõe o art. 5º, inc. XXXV, da Carta Magna, caso ocorra a negativa de fornecimento de determinada prestação relativa à saúde, especialmente procedimento médico ou medicamentos necessários ao tratamento de sua patologia (com exceção dos tratamentos denominados experimentais não chancelados pela comunidade científica), o usuário deverá se socorrer no Poder Judiciário para que seu direito constitucional seja tutelado, já que àquele não é facultado ignorar a preservação da saúde do indivíduo. Essa intervenção legítima não implica inobservância ao princípio da tripartição dos poderes do Estado. Ao contrário, contribui eficazmente para que a atuação do Estado, através de seus três poderes, seja harmônica. Essas demandas judiciais não seriam necessárias, se o Poder Executivo conseguisse suprir as necessidades dos cidadãos, fornecendo-lhes serviços de saúde adequados.
De acordo com Lucimar R. Coser Cannon,
[...] o processo de judicialização tem raízes na burocracia dos sistemas de saúde, na debilidade da oferta de prestação de serviços e na incorporação lenta de novas tecnologias. O Judiciário é chamado a atuar, portanto, com o objetivo de compelir a Administração Pública a adimplir suas obrigações constitucionais para com o cidadão. A grande maioria das decisões resulta favorável à compreensão do direito a medicamentos e outros produtos da saúde como um direito fundamental, fazendo emergir a controvérsia acerca da oposição entre os interesses individuais e os interesses coletivos.
No entanto, é significativo o impacto do processo de judicialização da saúde nas finanças públicas, visto que, ao reconhecer a eficácia plena deste direito e determinar providências para sua implementação (chegando, em casos extremos, ao bloqueio de verbas públicas), o Poder Judiciário promove nova alocação dos recursos públicos em detrimento de regras constitucionais como as do precatório, do dever de licitação e da reserva de orçamento para despesas públicas, à medida que impõe gastos inesperados aos orçamentos municipais, estaduais e ao federal, podendo resultar em agravamento das iniquidades.

A Carta Magna indica expressamente, no art. 196, as condutas que devem ser observadas pelo Estado na concretização do seu dever garantidor da saúde. Trata-se de políticas públicas vinculadas, na medida em que especificadas, ainda que de maneira aberta, no próprio texto constitucional.
O respeito ao ditame constitucional é um claro limite imposto aos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, não se admitindo interpretação que desconsidere a observância de políticas sociais e econômicas que visem ao acesso universal e igualitário. Na consecução da tarefa constitucional de possibilitar o acesso igualitário às ações de saúde, certo é que o Estado deve levar em consideração as condições individuais dos cidadãos. Necessário prevalecer, no caso concreto, a ideia de igualdade real, o que, conforme ressalta Gomes Canotilho, "pressupõe a tendencial possibilidade de todos terem acesso aos bens econômicos, sociais e culturais".
A ideia de igualdade material acompanha os direitos sociais. Dessa forma, há que se objetivar o acesso do maior número de pessoas aos bens disponíveis. Para concretizar tal postulado no campo do direto à saúde, em especial no fornecimento de medicamentos, o Estado deve atuar positivamente em relação àqueles que não ostentem condição de fazê-lo por si sós. Manoel Gonçalves Ferreira Filho, sobre o fundamento dos direitos sociais, salienta que "na sociedade, existe a necessidade da cooperação e apoio mútuo. Nela, como o esforço de todos beneficia a cada um, todos devem se auxiliar ou se socorrer uns aos outros. Tal auxílio ou socorro é evidentemente tão mais imperativo quanto mais grave a necessidade porque passa o semelhante".
As decisões judiciais, ao garantir o acesso ao direito à saúde, não conseguem se furtar à análise do mérito administrativo, averiguando a conveniência e oportunidade das ações estatais, quais sejam tratamentos e medicamentos disponibilizados à população. Por outro lado, a invasão entre esferas do poder torna-se estritamente necessária, tendo em vista que, por diversas vezes, o descaso do Poder Executivo ou do Poder Legislativo e a ineficiência da máquina pública para a promoção de políticas que atendam a saúde da população são evidentes. Por tal motivo, atua o Judiciário tutelando direitos fundamentais da pessoa humana, garantindo-os, especialmente o da saúde, tentando promover, justamente, o bem-estar de pessoas doentes que, muitas vezes, não podem esperar indefinidamente por um tratamento ou um medicamento.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, em seu art. 8º, assegura a proteção judicial dos direitos fundamentais, ao estabelecer que todo homem tem direito a receber dos tribunais nacionais competentes remédio efetivo para os atos que violem tais direitos. A Constituição da República de 1988, por sua vez, sedimenta a inafastabilidade da tutela jurisdicional às lesões e ameaças de lesões a direitos. Percebe-se, claramente, que o direito à saúde, como direito fundamental, encontra proteção específica pelo Poder Judiciário, podendo ser objeto de efetivação por meio de atuação jurisdicional.
Conforme George Marmelstein, a norma constitucional consubstanciada no art. 5º, XXXV, da Constituição Federal, não deve ser compreendida apenas como um aviso ao Legislativo ou ao Executivo, mas, sobretudo, ao Poder Judiciário. Assim, não pode este poder furtar-se de apreciar qualquer lesão ou ameaça a direito, de qualquer espécie, por mais complicada que seja a questão. Fundamenta-se, assim, a atuação jurisdicional nas demandas que pleiteiam o acesso ao direito à saúde, através de fornecimento de medicamentos ou submissão a certos tratamentos. Mesmo significando a eventual sentença de um caso concreto em invasão à esfera de atuação de outro poder público, o Judiciário, frente à lesão ou ameaça de lesão ao direito constitucional à saúde, não pode deixar de assegurá-lo ao demandante. Não pode, simplesmente, recorrer ao argumento de que os serviços públicos de saúde a serem prestados pelo Estado são escolhas do Poder Legislativo e que a forma como devem ser prestados cabe apenas ao mérito administrativo do Poder Executivo. Deve, sim, enquanto direito a ser protegido, buscar formas de garanti-lo, concreta e casuisticamente, complementando a atuação dos demais poderes.
Tudo isso envolve o cerne da questão em debate, qual seja, o conflito entre o princípio da máxima efetividade do direito à saúde e a separação dos poderes, juntamente com a democracia representativa, que pressupõe que as decisões políticas sejam tomadas por representantes eleitos pelo povo e não por juízes. Assim, se o direito à saúde não puder ser implementado perante os órgãos judiciários, corre o risco de ser transformado em mera retórica política, relegado ao descaso e à ineficiência da máquina píblica. Por outro lado, se tal direito for exigido na via judicial, surge a ameaça de deslocamento das decisões políticas do Legislativo e do Executivo para o Poder Judiciário.
No Brasil, observa-se uma tendência no sentido de permitir controle mais amplo por parte do Judiciário nesse tema. A demonstrar que o princípio internacional e constitucional da dignidade da pessoa humana e o direito, também internacional e constitucional, à saúde não podem ser afrontados pelos entes públicos, na questão do fornecimento de medicamentos aos que deles dependem para sobreviver, lapidar a decisão do Supremo Tribunal Federal:
O caráter programático da regra inscrita no art. 196 da Carta Política – que tem por destinatários todos os entes políticos que compõem, no plano institucional, a organização federativa do Estado brasileiro – não pode converter-se em promessa constitucional inconsequente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por um gestor irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado. [...] O reconhecimento judicial da validade jurídica de programas de distribuição gratuita de medicamentos a pessoas carentes, inclusive àquelas portadoras do vírus HIV/Aids, dá efetividade a preceitos fundamentais da Constituição da República (arts. 5º, caput, e 196) e representa, na concreção do seu alcance, um gesto reverente e solidário de apreço à vida e à saúde das pessoas, especialmente daquelas que nada têm e nada possuem, a não ser a consciência de sua própria humanidade e de sua essencial dignidade. Precedentes do STF.
Conforme o entendimento de D.C.L Borges e M.A.D Ugá, trazido por Carolina Ichikawa e Gabriela Uchida Athaná,
[...] o atual Sistema Judiciário apresenta seis obstáculos no que se trata da judicialização da saúde: tratar como se fosse uma ação de duas partes, onde uma perde e outra se beneficia, ao invés de pensar em todo um sistema de saúde pública (que inclui todos os cidadãos) que está sendo lesado; o poder incondicional dado aos juízes, que ignoram a existência de planejamento e execução de políticas de saúde pública; os conflitos levados ao judiciário inevitavelmente interferem no direito à saúde integral de muitos cidadãos em prol de um único; outros indivíduos que não recorrem à justiça não obtêm os mesmos benefícios conquistados; a visão do judiciário, baseado em jurisprudência, contrapõe-se à dinâmica das demandas sociais; conflitos sobre bens providos com recursos públicos deveriam envolver consulta a órgãos técnicos especializados, pesquisa estatística, dados econômicos financeiros, porém esta parceria é praticamente inexistente.
É sabido que o Judiciário ou qualquer dos poderes não deve intervir na esfera de atuação do outro, sob pena de violar o princípio da separação dos poderes. Mas, quando um desses órgãos está violando algum direito constitucional, essa interferência se torna legítima. Ademais, o Judiciário não visa criar políticas públicas, mas sim impor a execução daquelas já previstas em lei.
O Brasil é um país pioneiro, ao prever a garantia do direito à saúde para todos. Necessário, portanto, o estímulo ao diálogo entre as três esferas de governo responsáveis pelo SUS (municipal, estadual e federal) e o sistema judicial para a otimização dos recursos disponíveis. A judicialização da saúde, portanto, além de assegurar às pessoas os seus direitos constitucionais, funcionam como instrumento para despertar o Poder Público da sua conhecida letargia, gerando debates e provocando ações que, certamente, servirão para o fortalecimento do Estado Democrático de Direito.
Diversos são os mecanismos processuais que podem ser manejados pelo paciente que pleiteia a assistência médico-farmacêutica perante o Poder Judiciário. A ação civil pública, cuja legitimação para propositura é ditada pelo art. 5º da Lei n. 7347/85, é instrumento de tutela coletiva de direitos e pressupõe, portanto, a representação de um grupo de pessoas – ora indeterminado, ora determinado ou determinável – por um legitimado extraordinário. Via de regra esse legitimado extraordinário, a despeito do rol de legitimados ditado pelo já mencionado art. 5º da Lei n. 7347/85, é o Ministério Público.
Não se questiona da legitimidade do parquet para representar em juízo um único paciente que pleiteie a assistência do Estado, uma vez que o caput do art. 127 da Constituição Federal lhe atribuiu legitimidade para defender direitos individuais indisponíveis: "O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis".
À Defensoria Pública cumpre promover o acesso à justiça das pessoas necessitadas. Esse acesso constitui garantia constitucional e possui três aspectos a serem considerados, sem os quais não há que se falar em acesso à Justiça: o objetivo (se encontra limitado no art. 5°, XXXV, da CF); o instrumental (consubstanciado no princípio do devido processo legal, previsto no art. 5°, LIV, da CF); e o subjetivo (parte da premissa de que não adianta proteger o direito material, colocando instrumentos para sua efetivação, sem que se delimite os sujeitos e a forma de viabilizar esse direito material).
O art. 134 da Constituição Federal descreve a Defensoria Pública como instituição essencial à função jurisdicional do Estado para garantir assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovem insuficiência de recursos. No desempenho de sua função constitucional, cabe à Defensoria a atribuição de levar ao Poder Judiciário as pretensões daqueles que não têm seus direitos constitucionais à vida e à saúde garantidos pelo Estado.
As decisões que vêm sendo proferidas pelos tribunais pátrios, em especial pelo Superior Tribunal de Justiça e pelo Supremo Tribunal Federal, que demonstram que tanto as Defensorias Públicas quanto o Ministério Público e o Poder Judiciário cumprem eficazmente seus papeis, haja vista o reconhecimento majoritário de que é possível a busca da efetivação do direito fundamental à saúde pela via judicial, inclusive com o reconhecimento da possibilidade de bloqueio de valores públicos ou imposição de multa diária em caso de descumprimento das decisões judiciais.
A ação civil pública, enfim, afigura-se como eficiente mecanismo de combate à ineficácia do Poder Público na implementação de políticas públicas, beneficiando segmentos sociais hipossuficientes e estimulando a atuação estatal. Diversos são os exemplos nesse sentido, como demonstra a ementa abaixo transcrita, extraída de acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça de São Paulo.
AÇÃO CIVIL PÚBLICA – Obrigação de fazer – Implantação por parte do Município e do Estado de programa de atendimento à criança e ao adolescente portador de "diabetes mellitus" e ao fornecimento de medicamentos e materiais necessários ao controle da doença – Carência da ação – Ilegitimidade passiva "ad causam" – Inocorrência – Competência administrativa concorrente da União, do Estado e do Município para cuidar da saúde pública – Inteligência dos artigos 23, II, e 198, I, da Constituição Federal e 4º e 9º da Lei n. 8.080/90 – Preliminar rejeitada. (Apelação n. 513.556-5/0 – Bauru – 1ª Câmara de Direito Público – Relator: Renato Nalini – 19.12.06 – V.U. – Voto n. 12.482).
A jurisprudência tem admitido a antecipação dos efeitos da tutela em demandas envolvendo pedidos de medicamentos e procedimentos, não incidindo as vedações das Leis n° 8.437/92 e 9.494/97. Certo é, no entanto, que os tribunais nacionais não podem dispensar a presença dos requisitos previstos no art. 273 do CPC para a concessão da medida, quais sejam, a existência de prova inequívoca, a verossimilhança da alegação da parte e, também quando ficar demonstrado que haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação ou que fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu. No entanto, não se concederá a antecipação da tutela quando houver perigo de irreversibilidade do provimento antecipado.
Portanto, a urgência e a necessidade de procedimentos médicos e medicamentos é uma das principais razões para o Judiciário conceder a tutela antecipada nesses casos, pois existe o receio de danos irreparáveis à saúde do autor. Neste sentido, para Miriam Ventura et al., "o respaldo das decisões judiciais é constituído precipuamente por documentos fornecidos pelo paciente-demandante, que expressam essa necessidade – em geral, em atestados e/ou receituários médicos".
De outra banda, caso a parte impetre mandado de segurança visando ao fornecimento de medicamentos, o que igualmente vem sendo admitido pela jurisprudência majoritária, deverá atentar, em especial, ao requisito de liquidez e certeza. O art. 5º, LXIX, da Constituição Federal, dispõe que "conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por "habeas-corpus" ou "habeas-data", quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público". Acerca do direito líquido e certo ensina Pedro Lenza:
O direito líquido e certo é aquele que pode ser demonstrado de plano, através de prova pré-constituída, sem a necessidade de dilação probatória. Trata-se de direito "manifesto na sua existência, delimitado na sua extensão e apto a ser exercido no momento de sua impetração".
As ações condenatórias de obrigação de fazer ou de obrigação de dar são ações comuns, disciplinadas pelo Código de Processo Civil, normalmente de rito ordinário. Considerando que na maioria dos casos o medicamento pleiteado judicialmente possui alto custo, raro que se veja uma ação tramitando pelo rito sumário.
O TJ/RS sustenta o entendimento de que é desnecessário, para acudir à via jurisdicional, esgotar ou pleitear na instância administrativa na busca pela assistência à saúde por meio da tutela jurisdicional. A competência, seja qual for o mecanismo processual adotado, será da Justiça Estadual quando a ação for promovida em face da Fazenda Estadual e/ou da Fazenda Municipal, ou em face de ato de autoridade estadual e/ou municipal. Quando a União figurar no polo passivo, quer isoladamente, quer solidariamente aos demais entes, a competência para apreciar o feito será da Justiça Federal. Nas comarcas onde há vara da fazenda pública a ação deve ser a ela dirigida; nas demais, a ação tramita perante vara cível comum.
São vários os julgados obrigando o Poder Público a fornecer medicamentos de alto custo diversos a pessoas carentes ou a custear tratamentos de alta complexidade, conforme recomendação médica. Exemplo de tais determinações, em sede de Supremo Tribunal Federal no julgamento do Recurso Extraordinário 271.286/RS, é o voto do Relator Ministro Celso de Mello, a saber:
O direito público subjetivo à saúde representa prerrogativa jurídica indisponível assegurada à generalidade das pessoas pela própria Constituição da República (art. 196). [...] O direito à saúde – além de qualificar-se como direito fundamental que assiste a todas as pessoas – representa consequência constitucional indissociável do direito à vida. [...] O reconhecimento judicial da validade jurídica de programas de distribuição gratuita de medicamentos a pessoas carentes, inclusive àquelas portadoras do vírus HIV/AIDS, dá efetividade a preceitos fundamentais da Constituição da República (arts. 5º, caput, e 196) e representa, na concreção do seu alcance, um gesto reverente e solidário de apreço à vida e à saúde das pessoas, especialmente daquelas que nada têm e nada possuem, a não ser a consciência de sua própria humanidade e de sua essencial dignidade (DJ 24/11/2000, p.101).
Percebe-se, assim, que o direito à saúde é um direito fundamental assegurado à população, devendo ser garantido e efetivado pelo Poder Judiciário, tendo em vista ser prerrogativa jurídica indisponível.
O direito, considerado instrumento a serviço da transformação da realidade social, deve primar pelo equilíbrio na estruturação de uma solução ao controle judicial de políticas públicas, envolvendo tanto a conscientização e manifestação da sociedade quanto às suas carências, pugnando pelos seus interesses, quanto a interlocução e intercâmbio de informações entre os gestores públicos, promotores de justiça, defensores públicos, magistrados, profissionais da saúde e organizações da sociedade civil, e o avanço da jurisprudência no sentido da harmonização do entendimento das políticas públicas como parte fundamental do exercício do direito à saúde.

2 CRÍTICAS E FATORES DE PONDERAÇÃO
2.1 A separação dos poderes
O princípio da separação dos poderes surge, pela primeira vez, como teoria política, no pensamento de Montesquieu, que determinou os três poderes indispensáveis às sociedades políticas: Legislativo, Executivo e Federativo. Para Locke, o Poder Legislativo tem a competência de fixar as leis com o objetivo de preservar a sociedade política e os seus membros. As leis elaboradas possuem força para se estabilizarem com o tempo, mas requerem, contudo, execução continuada. Para cuidar da execução das leis, há necessidade, normalmente, de um Poder Executivo separado do Poder Legislativo. O Poder Federativo compreende o poder de guerra e paz, de firmar ligas e promover alianças, além de todas as transações externas. Segundo Montesquieu, os Poderes Executivo e Federativo estão quase sempre unidos e raramente podem ser desempenhados por pessoas diferentes. Porém, para a preservação da sociedade política há somente um único poder supremo, que é o Legislativo, ao qual todos os outros poderes estão subordinados.
A divisão dos poderes foi consagrada como princípio formal fundamental na Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, em seu artigo 16, que se expressa na criação de instituições independentes e autônomas cujas funções diferenciadas objetivam o afastamento do despotismo do antigo regime e a garantia da liberdade e dos direitos fundamentais. Assim, toda sociedade na qual a garantia dos direitos não é assegurada, nem a separação dos poderes determinada, não tem Constituição.
A partir da premissa de que o Estado é detentor do poder emanado do povo, a tripartição de funções delimita o uso do poder, evitando abusos através do sistema de mútua fiscalização, denominado checks and balance ou freios e contrapesos, o qual visa ao equilíbrio dos poderes (equilibrium of powers). Os órgãos que exercem as funções estatais, para gozarem de independência, conseguindo frear uns aos outros, necessitam de certas garantias e prerrogativas constitucionais, sendo tais garantias invioláveis e impostergáveis, sob pena de ocorrer desequilíbrio e desestabilização do governo.
O princípio da separação dos poderes experimentou inegável transformação, tornando-se mais flexível, na medida em que as exigências da ação estatal no plano dos três Poderes clássicos fizeram com que a competência de cada um se alargasse, passando o Executivo a editar normas jurídicas dotadas de conteúdo das leis formais, o Legislativo a contribuir para a atuação administrativa ao participar com maior ênfase da elaboração de políticas públicas e diretrizes orçamentárias, e o Judiciário a exercer em maior extensão a função jurisdicional, seja na tutela de novos direitos surgidos em decorrência do primado do social nas relações jurídicas – os direitos difusos e coletivos –, seja no papel de verdadeiro protagonista do processo constitucional assumido pelo juiz na interpretação da Constituição, seja em virtude do alargamento dos princípios jurídicos por esta instituídos. Destarte, a importância da análise conceitual e prática do princípio em comento reside justamente no cerne do presente estudo, uma vez que a efetivação do direito à saúde pelo judiciário, passa, incontornavelmente, pela separação dos poderes. Ao tutelar tais direitos, a função jurisdicional invade, em muitos casos, a esfera administrativa dos Poderes Executivo ou Legislativo, interferindo em suas escolhas.

2.2 A distribuição de competências entre os entes federativos e os desafios da descentralização
O Brasil é um Estado federado, composto pela União, pelos Estados-membros e pelos municípios. Apesar de autônomos, os entes da federação não possuem soberania, estando, sob este aspecto, dependentes da República Federativa ou Federação. A soberania, fundamento primordial da Federação, é a capacidade que o órgão tem de ser reconhecido e agir soberanamente no cenário internacional, celebrando tratados, acordos e pactos com outros Estados soberanos, bem como atuando e participando de instituições internacionais, como a Organização das Nações Unidas (ONU) e o Tribunal Penal Internacional dos quais o Brasil faz parte.
José Afonso da Silva diz que:
Houve muita discussão sobre a natureza jurídica do Estado federal, mas, hoje, já está definido que o Estado federal, o todo, como pessoa reconhecida pelo Direito Internacional, é o único titular da soberania, considerada poder supremo consistente na capacidade de autodeterminação. Os Estados federados são titulares tão-só de autonomia, compreendida como governo próprio dentro do círculo de competências traçadas pela Constituição Federal.
Dos conceitos de autonomia, de soberania e de federalismo podem-se extrair as noções de centralização e de descentralização, sendo que a primeira ocorre com a concentração do poder nas mãos do ente federado hierarquicamente superior – a União –, ao passo que a descentralização divide este poder com a distribuição da competência entre todos os entes federados, o que é consequência direta da autônoma. A centralização e a descentralização, portanto, ocorrem em relação à ordem jurídica nacional, manejando competências entre os entes federados.
A descentralização, no Brasil, ocorre tanto administrativa como politicamente, sendo esta a capacidade legislativa. Com a descentralização, é possível que a representação popular nos órgãos públicos ocorra em consonância com as vontades e com os anseios reais da comunidade, "isso porque a maioria dos cidadãos de um ente local elege seus representantes, os quais, no limite da competência que lhes é atribuída pela Constituição Federal, têm autonomia para expressar a vontade dessa maioria, ainda que tal vontade não represente a da maioria dos cidadãos do Estado federal".
A União, os Estados e os Municípios têm competências legislativa e administrativa autônomas, independentes entre si, que se encontram previamente definidas na CF/88. Em caso de conflitos entre essas competências, prevalece, numa hierarquização lógica, a competência da União sobre a dos Estados e a destes sobre a dos Municípios, respectivamente. Mas, via de regra, onde um ente atua, o outro se encontra impedido de atuar, seja no campo legislativo, fiscal, tributário ou administrativo, sob pena de ocorrer conflito de competências.
Todos os entes da federação possuem metas nas áreas sociais a serem cumpridas e, para tanto, contam com receitas próprias. As receitas provêm, geralmente, de tributos, seja por meio de cobrança direta pelo próprio ente, seja por meio de repasses por parte de outros entes da federação, consoante determinado na CF/88.
A CF/88 afastou as noções centralizadoras dos institutos constitucionais anteriores e acrescentou a necessidade de uma efetiva atuação de todos os entes federativos do Estado na proteção dos direitos sociais, entre eles, o direito à saúde. A descentralização busca "uma efetiva partilha de poder entre o Estado e as coletividades locais. Implica na auto-gestão local", já que os representantes da população atuantes em esferas menores, locais, têm contato direto e imediato com seus eleitores, podendo atender de plano seus anseios e suas necessidades.
Considerando-se que a saúde no Brasil rege-se pelos princípios da universidade da cobertura e do atendimento; da igualdade de acesso às ações e serviços que a promove, protege e recupera; da descentralização da gestão administrativa, cujo trabalho é democrático (art. 194); e da solidariedade financeira, uma vez que financiada pela sociedade como um todo, direta e indiretamente (art. 195 da CF), todos os entes públicos possuem competência comum e responsabilidade solidária para garantir a prestação de meios para garantir esse direito fundamental. Portanto, qualquer divisão de atribuições existente entre os entes do Estado é meramente administrativa e não tem o condão, por si só, de limitar o seu acesso.
Existe responsabilidade solidária entre os entes estatais na gestão da saúde como um todo, em que pese suas divisões administrativas de responsabilidades. Essas divisões, porém, são irrelevantes para o cidadão, subsistindo, sempre, o dever estatal à prestação da saúde. Tanto é que a atuação conjunta dos Três Poderes na busca da efetivação da prestação do Estado na garantia dos diretos fundamentais tem sido cada vez mais intensa, com o destaque para as decisões judiciais que visam ao Estado fazer cumpri-los de maneira individual, a dizer, como uma forma de tutela excepcional ao cidadão.

2.3 O princípio do mínimo existencial versus o princípio da reserva do possível nas políticas públicas de saúde
Diversos argumentos têm sido utilizados para afastar as pretensões judiciais envolvendo o direito à saúde, visando a impedir a efetivação do direto fundamental à saúde através da intervenção do Poder Judiciário. Além dos argumentos da reserva de competência legislativa e a afronta ao princípio da separação dos poderes, o Poder Público pode invocar o "princípio da reserva do possível" para se eximir do seu dever constitucional, sustentando que, diante das limitações de ordem econômica, a efetivação dos direitos socais encontra-se condicionada àquilo que razoavelmente pode se esperar do Estado. Em relação à reserva do possível, Ingo Wolfgang Sarlet afirma que:
[...] por mais que os poderes públicos, como destinatários precípuos de um direito à saúde, venham a opor – além da já clássica alegação de que o direto à saúde (a exemplo dos direitos sociais prestacionais em geral) foi positivado como norma de eficácia limitada – os habituais argumentos da ausência de recursos e da incompetência dos órgãos judiciários para decidirem sobre a alocação e destinação de recursos públicos, não nos parece que essa solução possa prevalecer, ainda mais nas hipóteses em que está em jogo a preservação do bem maior da vida humana.
Ao Estado cabe se valer de todos os meios possíveis para adequar sua possibilidade às necessidades essenciais dos cidadãos, considerando a razoabilidade da pretensão individual ou social e a disponibilidade financeira de efetivar a prestação. Na condição de direito prestacional, o direito fundamental à saúde exige uma atuação positiva e ativa por parte do Estado. Este, por sua vez, possui limitações materiais que o impossibilitam muitas vezes de atender às prestações reclamadas, ou seja, o Estado possui uma capacidade limitada e restrita para prestar a saúde, uma vez que há escassez de recursos, o que constitui limite fático à efetivação desse direito e acaba por gerar diversas dificuldades, a ponto de alguns doutrinadores pretenderem negar sua eficácia plena e sua aplicabilidade imediata.
Duciran Van Marsen Farena, citado pelo juiz federal George Marmelstein Lima nos autos da ação civil pública n° 2003.81.00.009206-7, promovida pelo Ministério Público Federal em face da União,do Estado do Ceará e do Município de Fortaleza perante a 4ª Vara Federal de Fortaleza-CE, argumenta:
As alegações de negativa de efetivação de um direito social com base no argumento da reserva do possível devem ser sempre analisadas com desconfiança. Não basta simplesmente alegar que não há possibilidades financeiras de se cumprir a ordem judicial; é preciso demonstrá-la. O que não se pode é deixar que a evocação da reserva do possível converta-se "em verdadeira razão de Estado econômica, num AI-5 econômico que opera, na verdade, como uma anti-Constituição, contra tudo o que a Carta consagra em matéria de direitos sociais" (FARENA, Duciran Van Marsen. A Saúde na Constituição Federal, p. 14. In: Boletim do Instituto Brasileiro de Advocacia Pública, n. 4, 1997, p. 12/14).
Tratando-se, portanto, de obrigação de fazer que esteja dentro da reserva do possível, o direito à saúde não pode deixar de ser concretizado sob a alegação de que a realização de despesa ficaria dentro da esfera da estrita conveniência do administrador. O argumento da reserva do possível somente deve ser acolhido se o Poder Público demonstrar suficientemente que a decisão causará mais danos do que vantagens à efetivação de direitos fundamentais, o que, em última análise, implica numa ponderação, com base na proporcionalidade em sentido estrito, dos interesses em jogo.
Tendo em vista essas limitações administrativas, costuma-se fazer uma distinção entre a reserva do possível fática e reserva do possível jurídica, conforme bem explica Marcos Masseli Gouvêa:
Diversamente das omissões estatais, as prestações estatais positivas demandam um dispêndio ostensivo de recursos públicos. Ao passo em que estes recursos são finitos, o espectro de interesses que procuram suprir é ilimitado, razão pela qual nem todos estes interesses poderão ser erigidos à condição de direitos exigíveis. A doutrina denomina reserva do possível fática a este contingenciamento financeiro a que se encontram submetidos os direitos prestacionais. Muitas vezes, os recursos financeiros até existem, porém não há previsão orçamentária que os destine à consecução daquele interesse, ou licitação que legitime a aquisição de determinado insumo: é o que se denomina reserva do possível jurídica.
O Supremo Tribunal Federal enfrentou o presente tema no julgamento do Recurso Extraordinário 436966/SP, Ministro Relator Celso de Mello, a saber:
Não se ignora que a realização dos direitos econômicos, sociais e culturais – além de caracterizar-se pela gradualidade de seu processo de concretização – depende, em grande medida, de um inescapável vínculo financeiro subordinado às possibilidades orçamentárias do Estado, de tal modo que, comprovada, objetivamente, a alegação de incapacidade econômico-financeira da pessoa estatal, desta não se poderá razoavelmente exigir, então considerada a limitação material referida, a imediata efetivação do comando fundado no texto da Carta Política (DJ 26/10/2005).
O Ministro Celso de Mello, nos autos da ADPF 45 MC/DF, asseverou que
[...] os condicionamentos impostos, pela cláusula da 'reserva do possível', ao processo de concretização dos direitos de segunda geração – de implementação onerosa –, traduzem-se em um binômio que compreende, de um lado 1) a razoabilidade da pretensão individual/social deduzida em face do Poder Público e, de outro, 2) a existência de disponibilidade financeira do Estado para tornar efetivas as prestações positivas dele reclamadas.
É certo que em razão da reserva do possível, o juiz não pode ficar indiferente quanto à viabilidade material de sua decisão, em particular em matéria de saúde. É preciso verificar até que ponto sua ordem será passível de atendimento sem pôr em risco o equilíbrio financeiro do sistema único de saúde, especialmente em momentos de crises econômicas. Embora não se possa deixar de reconhecer a existência de reserva do possível na esfera dos direitos fundamentais sociais prestacionais, há que se questionar até que ponto ela pode atuar de forma a impedir a sua plena eficácia. Isso porque não se pode olvidar que todas as normas constitucionais, mesmo as programáticas, são dotadas de eficácia, ainda que mínima.
Mister, ainda, ponderar que a reserva do possível, sempre que invocada, deve ser sopesada com a ideia do "mínimo existencial", a qual corresponde, em síntese, a uma espécie de desdobramento do princípio da dignidade da pessoa humana e que significa que o Estado deve prestar a cada indivíduo o mínimo necessário para garantir a sua existência. Segundo Lethícia Andrade Mameluk, filósofos e juristas defendem a tese de que o Estado precisa garantir o "mínimo existencial", dado que, por força do princípio da dignidade humana, todo ser humano possui um direito ao mínimo existencial, abrangendo o direito à saúde.
Tratando-se de obrigação que se encontre dentro da reserva do possível, o direito à saúde não pode deixar de ser consumado sob a alegação de que a cumprimento de despesa ficaria dentro da esfera da estrita conveniência do administrador (MAMELUK, 2012).
Por isso, não há como se entender razoável a alegação de falta de recursos econômicos por parte do Estado como justificativa para a não-observância de direito humano, sem o balanceamento com o mínimo existencial. Ingo Wolfgang Salert consegue traduzir a informação supra:
[...] as limitações da reserva do possível não são, em si mesmas, uma falácia, como já se disse mais de uma vez entre nós. O que tem sido, de fato, falaciosa, é a forma pela qual muitas vezes a reserva do possível tem sido utilizada entre nos como argumento impeditivo da intervenção judicial e desculpa genérica para a omissão estatal no campo da efetivação de direitos fundamentais. assim, levar a sério a 'reserva do possível' significa também, especialmente em face do sentido do disposto no art. 5°, § 1°, da CF, que cabe ao Poder Público o ônus da comprovação efetiva de indisponibilidade total ou parcial de recursos e do não desperdício dos recursos existentes [...].
Além disso, mediante a supressão pura e simples do próprio núcleo essencial legislativamente concretizado de determinado direito social (especialmente dos direitos sociais vinculados ao mínimo existencial) estará sendo afetada, em muitos casos, a própria dignidade da pessoa, o que desde logo se revela inadmissível, anda mais em se considerando que na seara das prestações mínimas (que constituem o núcleo essencial mínimo judicialmente exigível dos direitos a prestações) para uma vida condigna não poderá prevalecer até mesmo a objeção da reserva do possível e a alegação de uma eventual ofensa ao princípio democrático e da separação dos poderes.
Como não é possível estabelecer um critério genérico e absoluto para determinar em que casos deve ou não o Poder Judiciário intervir, faz-se necessária, especialmente em demandas envolvendo prestações à saúde, uma análise de todos os valores colocados em risco. Referido conceito, na acepção ora empregada, não se confunde com pobreza. Em casos tais, ainda que não se caracterize a pobreza, haverá a hipossuficiência.
O fato é que tal aumento de gastos com medicamentos contratação de procedimentos representa enorme desafio aos planejadores e gestores, pois as demandas cresceram com grande intensidade num período relativamente curto, tornando difícil a tarefa de gestão no SUS. Destaca-se o entendimento de Alexandra Boing et al., para quem não se pode desconsiderar a criação de uma verdadeira "indústria" da judicialização da saúde, com o estabelecimento de escritórios de advogados e consultórios médicos especializados em conduzir ações contra o Estado, além de grupos de portadores de doença explicitamente apoiados por laboratórios farmacêuticos, cujos interesses não se restringem, obviamente, à conquista do direito social à saúde. Todavia, o juiz não pode permanecer indiferente face à invocação do direito à saúde, pois, ao mesmo tempo em que os recursos são limitados, um conjunto de direitos básicos que integram o núcleo da dignidade da pessoa humana deve ser garantido pelo Estado, independente de recursos orçamentários.
Aparentemente, ante à isolada necessidade de um paciente, o Estado sempre se mostrará detentor de recursos suficientes para cumprimento da obrigação. Constatado que o indeferimento do direito fundamental à saúde pode comprometer o princípio da dignidade da pessoa humana, como ocorre na maioria dos casos, deverá preponderar o direito fundamental à saúde, a fim de se assegurar o mínimo existencial para uma vida digna para aquele que pretende o direito. Ora, singelo raciocínio, minimamente atento à realidade de nosso país, é suficiente para que se conclua acerca da absoluta falta de razoabilidade no acolhimento de pretensão a medicamentos daqueles que tenham condições de adquiri-los. Está-se, portanto, diante de limitação imposta ao administrador e ao Poder Judiciário.
É necessário que haja articulação entre os poderes Judiciário e Executivo, a fim de encontrar soluções conjuntas que garantam o direito à saúde sem que haja prejuízos para a gestão e organização do SUS. Condicionar a efetivação do direito à saúde à cláusula da "reserva do possível", pura e simplesmente, sem a comprovação da efetiva indisponibilidade total ou parcial de recursos e do não-desperdício dos recursos existentes, é permitir que se construa uma barreira intransponível para o alcance de direitos fundamentais.
A discussão sobre a concretização de direitos fundamentais sociais pelo Poder Judiciário não deve residir no fato de se saber se o Poder Judiciário tem ou não legitimidade para proferir tais decisões contra o Poder Público nem no princípio da reserva do possível. A partir do momento que o Estado não oferece condições mínimas para que sejam concretizados os direitos fundamentais, caberá ao destinatário do direito "mínimo existencial" tomar as medidas judiciais cabíveis caso seu direito não seja satisfeito, medidas estas que podem chegar até mesmo a um pedido de intervenção federal. O Judiciário, então, se fortalece como importante palco de reivindicações no contexto da sociedade de massa, emergindo como terceiro gigante a agir no contexto das grandes formações sociais e econômicas, e a judicialização se torna necessária para que a população consiga ter acesso aos seus direitos.

2.4 O princípio da universalidade versus o princípio da seletividade
De acordo com Canotilho, as demandas não podem ser solucionadas conforme a dimensão absoluta do "tudo ou nada", dependendo de exame do caso concreto. Reiteradamente, invoca-se, para justificar a opção do Executivo, a necessidade de escolhas trágicas, consistente em optar por concretizar determinados direitos, para algumas pessoas, em detrimento de outras. Como ressaltou a Desembargadora Maria Izabel de Azevedo Souza:
O direito social à saúde, a exemplo de todos os direitos (de liberdade ou não) não é absoluto, estando o seu conteúdo vinculado ao bem de todos os membros da comunidade e não apenas ao indivíduo isoladamente. Trata-se de direito limitado à regulamentação legal e administrativa diante da escassez de recursos, cuja alocação exige escolhas trágicas pela impossibilidade de atendimento integral a todos, ao mesmo tempo, no mais elevado standard permitido pela ciência e tecnologia médicas. Cabe à lei e à direção do SUS definir seu conteúdo em obediência aos princípios constitucionais.
Primeiramente, o Judiciário deve verificar a existência de política pública em relação ao medicamento/tratamento pretendido e quais os critérios exigidos pelo Estado para a sua concessão. Ora, se o próprio ente público edita uma norma comprometendo-se à realização de determinada ação, se o requerente preenche os requisitos necessários para obter o tratamento, o Judiciário pode compelir aquele ao cumprimento daquilo que já foi estabelecido por meio de lei ou ato administrativo, sob pena de retrocesso social, o que não deve ser permitido no âmbito dos direitos fundamentais.
Se não há uma política pública previamente estabelecida, o Judiciário deverá agir com mais cautela, verificando se as escolhas e prioridades estabelecidas pelo Estado estão atendendo aos investimentos mínimos referidos pela Constituição da República, se as políticas estabelecidas passam por controle social, de modo a propiciar à população a participação na tomada de decisões, se o medicamento/tratamento indicado é o único capaz de produzir os resultados pretendidos, se o requerente ou sua família não possuem condições financeiras de arcar com os custos do tratamento e, por fim, se há recursos financeiros disponíveis.
As unidades da federação, responsáveis pela elaboração de políticas públicas e prestação de serviços de saúde de forma sistêmica, são uníssonas em destacar o impacto financeiro que sofrem no cumprimento dessas ordens judiciais, assentando sua defesa na afronta ao princípio constitucional de separação de poderes e ao sistema de repartição de competências e na ausência de reconhecimento definitivo do medicamento ou tratamento requisitado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Conforme Alexandra Boing et al,
[...] por um lado, é citado o dever do Estado em garantir saúde aos cidadãos e a primazia da vida sobre qualquer outra perspectiva. Noutra vertente, citam-se os escassos investimentos públicos em saúde em contraposição à crescente demanda por medicamentos e a inclusão de novas tecnologias, em parte estimulada pela vasta gama de produtos farmacêuticos disponíveis no mercado e apologia ao uso indiscriminado de medicamentos na mídia leiga. O atendimento a essas ações individuais pode, inclusive, colocar em xeque o sistema de saúde e o planejamento das ações coletivas.
O argumento da falta de recursos para o atendimento a todos que requerem a concretização do seu direito à saúde é amiúde invocado pelo Poder Público ao se defender em juízo, visto que o Poder Público não pode gastar mais do que arrecada para implantar as políticas públicas. Ana Luiza Chieffi e Rita Barradas Barata, comentados por Andreia Regina Haas da Silva e Ezequiel Dalla Corte, observam que
[...] ao se fornecer medicamentos por ordem judicial, vários critérios não são avaliados, como a relação custo/benefício do tratamento proposto e a necessidade real do medicamento pleiteado pelo indivíduo. Também não se leva em conta a possibilidade de substituição do medicamento por outro disponível nos programas de assistência farmacêutica do SUS, bem como se o paciente tem condições financeiras de pagar o tratamento ou se não está sendo infringido algum princípio fundamental do Sistema Único de Saúde.
Todavia, ao mesmo tempo em que os recursos são limitados, um conjunto de direitos básicos que integram o núcleo da dignidade da pessoa humana deve ser garantido pelo Estado, independente de recursos orçamentários. É óbvio que isso não impede o juiz de ordenar que o Poder Público realize determinada despesa para fazer valer um dado direito constitucional, até porque as normas em colisão (previsão orçamentária versus direito fundamental a ser concretizado) estariam no mesmo plano hierárquico, cabendo ao juiz dar prevalência ao direito fundamental dada a sua superioridade axiológica em relação à regra orçamentária. Nesse sentido, vale destacar a importante decisão do Min. Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, ao apreciar a Pet. 1.246-SC:
[...] entre proteger a inviolabilidade do direito à vida e à saúde, que se qualifica como direito subjetivo inalienável assegurado a todos pela própria Constituição da República (art. 5º, caput e art. 196), ou fazer prevalecer, contra essa prerrogativa fundamental, um interesse financeiro e secundário do Estado, entendo - uma vez configurado esse dilema - que razões de ordem ético-jurídica impõem ao julgador uma só e possível opção: aquela que privilegia o respeito indeclinável à vida e à saúde humana.
Portanto, como ficou demonstrado, "o simples argumento de limitação orçamentária, ainda que relevante e de observância indispensável para a análise da questão, não basta para limitar o acesso dos cidadãos ao direito à saúde garantido pela Constituição Federal", de acordo com Luís Armando Viola.
No tocante às demandas que buscam a garantia do direito à saúde, principalmente na busca pelo fornecimento de medicamentos, o posicionamento do TJ/RS é exemplar, ao sustentar que os meios coercitivos utilizados para o cumprimento de obrigação de fazer por parte da administração deverão observar o princípio da razoabilidade, cabendo ao Estado, tão-só, o fornecimento de medicamentos de alto custo e procedimentos de alta complexidade indispensáveis à vida do paciente, desde que tal condição seja comprovada nos autos.
A gratuidade indiscriminada afasta-se da acepção distributiva de bens, ínsita aos direitos sociais. É fundamental a impossibilidade de o autor arcar com os seus custos: afirmando-se necessitado, deverá fazer prova de tal condição. Trata-se, portanto, de fato constitutivo do direito alegado, cujo ônus de provar cabe ao demandante (CPC, art. 333, I). Descabe, em assim sendo, qualquer interpretação que transfira ao réu a incumbência de infirmar mera alegação de necessidade. Não se trata, no entanto, de prova que necessariamente deve acompanhar a inicial (CPC, art. 283), embora possa se considerar, como meio probatório mais consistente, a documental. Em especial, nos casos de ausência de pobreza, poderá o demandante valer-se de testemunhas, a fim de comprovar a sua hipossuficiência.
Diante da impossibilidade de fornecimento da saúde pública a todos os cidadãos, alguns juízes e tribunais têm procurado restringir a prestação de saúde pública pelo Estado apenas às pessoas comprovadamente carentes. Com efeito, não se trata de solução, pois o direito fundamental à saúde não pode ser condicionado por critério de caráter financeiro. Entretanto, a utilização desse argumento para o deferimento de tutelas antecipatórias pode ser uma alternativa emergencial viável a ser utilizada até que se consiga reverter a situação de falência da saúde pública. Afinal, o que não se pode tolerar, em flagrante prejuízo de toda a coletividade, é a presunção de hipossuficiência por simples afirmação da parte, ou, o que seria mais grave, a dispensa de qualquer exigência que envolva a falta de condições para arcar com aquilo que é pleiteado judicialmente. A mesma Constituição que garante o direto à saúde cataloga o princípio da isonomia como um de seus direitos e garantias fundamentais. Não se afigura justo – ou melhor, constitucional – impor à coletividade as custas de eventual tratamento ou fornecimento de medicamentos quando o demandante possui plenas condições de fazê-lo.
Nessa mesma seara, descabe a pueril alegação de ausência de recursos, quando simples consultas a bancos de dados públicos demonstram que o autor ostenta bens incompatíveis com a alegação de hipossuficiência. Ao julgador, na condição de presidente do processo, cabe agir com especial cautela em situações tais, valendo-se, se for necessário, da faculdade que lhe confere o art. 130 do Código de Processo Civil.
É preciso ter cuidado para que não se operacionalize um absurdo desvirtuamento do sistema, no qual o Poder Público deixará de investir na saúde coletiva e de assistir aos necessitados para cobrir despesas individuais desnecessárias e imorais. Ao fornecer medicamentos a quem poderia adquiri-los – anda que com algum esforço – o Estado, diante da notória limitação de seus recursos, acaba por impedir a tutela da saúde dos realmente necessitados, os quais, na maioria das vezes, sequer têm conhecimento da possibilidade de postularem em juízo medidas necessárias para sua manutenção digna. Lembre-se que os direitos sociais também ostentam uma dimensão negativa, entendimento contrário ao ora sustentado acabaria impondo ao Estado um agir inconstitucional, vez que, ao despender recursos com quem não necessita, tolheria o direito dos demais.

2.5 Críticas à judicialização da saúde
Apesar do sistemático descaso com a saúde pública no Brasil, além da ineficiência da máquina estatal na efetivação dos programas de promoção de melhor qualidade no acesso à saúde, legitimando o Poder Judiciário a uma atuação cada vez mais presente no sentido de garantir o direito em comento a pessoas que dele precisam, tal tutela jurisdicional não está imune a objeções e críticas, sobretudo quanto à interferência entre Poderes Públicos. A atuação expansiva do Judiciário tem recebido, historicamente, críticas acerca de sua legitimidade democrática e sua suposta maior eficiência na proteção dos direitos fundamentais. Isto porque juízes e membros dos tribunais não são agentes públicos eleitos, não tendo, portanto, sua investidura o batismo popular. A esse respeito, Marques e Dallari apud Carolina Ichikawa e Gabriela Uchida Athaná argumentam que:
As ações judiciais que pretendem determinado medicamento são legitimadas com o argumento do direito inviolável à saúde, a despeito de questões políticas e orçamentárias. Dessa forma, a saúde é reduzida ao acesso a medicamentos, exames, consultas, à ausência de doenças, desconhecendo que a garantia da saúde envolve fatores sociais, econômicos e ambientais diversos, além de ações e serviços integrais de promoção, proteção e recuperação da saúde. A judicialização da saúde inverte essa lógica quando desconsidera as políticas públicas e, consequentemente, os princípios do SUS de universalidade, integralidade e equidade.
Uma das posições contrárias à judicialização tem por base a circunstância de ser a norma constitucional uma norma programática, a ser positivada. Segundo o artigo 196 da Constituição da República, o acesso ao direito à saúde se dará por programas sociais e não por atuação judicial. Dessa forma, a judicialização da saúde encontra obstáculo na forma como está prevista a efetivação deste direito na Carta Magna.
As normas relativas à ordem social são, por parte da doutrina, classificadas como normas programáticas, definidas por Maria Helena Diniz como
[...] norma constitucional em que o constituinte não regulou diretamente os interesses ou direitos nela consagrados, limitando-se a traçar princípios a serem observados pelos poderes públicos como programas das respectivas atividades, pretendendo a consecução dos fins sociais pelo Estado.
Jorge Miranda acentua que as normas programáticas são de aplicação diferida. Além disso,
[...] não consentem que os cidadãos ou quaisquer cidadãos as invoquem já (ou imediatamente após a entrada em vigor da Constituição), pedindo aos tribunais o seu cumprimento só por si, pelo que pode haver quem afirme que os direitos que delas constam, máxime os direitos sociais, têm mais natureza e expectativas que de verdadeiros direitos subjetivos [...].
Assim, não teria legitimidade o Judiciário ao tomar medidas previstas em normas programáticas, vez que estas estabelecem uma atuação dos poderes representativos da população, cabendo a estes a elaboração, efetivação e garantia do direito à saúde. Tal entendimento contornaria, ainda, o "problema" da interferência do Judiciário sobre a esfera de atuação dos demais poderes (em outras palavras, a violação do princípio da tripartição dos poderes), já que os tribunais, ao determinar a realização prática de normas programáticas, invadem a independência de escolha do Executivo e do Legislativo.
Sustenta-se que cabe aos poderes legitimados pelo voto popular, Executivo e Legislativo, a escolha sobre o modo como os recursos públicos devem ser gastos, pois estes poderes falam, precipuamente, em nome da população, não podendo o Judiciário usurpar tal função, determinando alocação de recursos para determinado exame, tratamento, terapia, cirurgia ou medicamento. Outro óbice à judicialização da saúde no Brasil reside na falta de padronização das decisões judiciais sobre a determinação de atuação da Administração para efetivar o acesso à saúde de determinado paciente. Por isso, faz-se necessário encontrar métodos que racionalizem e uniformizem o papel judicial.
Por fim, há também a crítica técnica, segundo a qual o Poder Judiciário não domina o conhecimento específico instituir políticas de saúde, não tendo como avaliar a eficácia de um tratamento ou medicamento para se promover a saúde e a vida. Ainda que instruído por laudos técnicos, seu ponto de vista nunca seria nunca seria capaz de rivalizar com a Administração Pública. Isto porque o juiz apenas observa o caso concreto, fazendo análise casuística, e não o sistema de saúde como um todo ou o que seria melhor para a coletividade.

3 A ATUAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO E O FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS DE ALTO CUSTO E PROCEDIMENTOS DE ALTA COMPLEXIDADE
3.1 A impossibilidade de atuação do juiz como legislador positivo
A expansão da ação judicial é marca fundamental das sociedades democráticas contemporâneas. No Brasil, também se opera a ampliação do controle normativo do Poder Judiciário, favorecido especialmente pela Constituição de 1988, que, ao estabelecer princípios e fundamentos do Estado Democrático de Direito e ao incorporar direitos e princípios fundamentais, possibilita uma ação judicial no sentido de viabilizar tais aspirações sociais.
O Poder Judiciário passa, então, a participar da configuração dos assuntos públicos, fazendo perceber que a lei não é mais o único instrumento útil para a regulação do sistema social da saúde no país, embora seja um instrumento insubstituível e indispensável para assegurar, em sociedades pluralistas e complexas um dos valores fundamentais do direito: a segurança jurídica.
Nesse cenário, a insuficiência da lei em uma sociedade que, em muitas vezes, ameaça a dignidade humana através do constante descaso com que é tratada a saúde pública no país se reflete na necessidade de ampliação do papel do juiz, já não mais neutro, mas como aquele que atua como intérprete da norma, o que não significa uma atividade "alternativa" à lei, senão uma qualificada tarefa de assegurar a sua legítima e devida efetividade ao acesso à saúde.
A partir do exposto, recorre-se à concepção de Luís Roberto Barroso, para quem a ideia de "ativismo judicial está associada a uma participação mais ampla do Judiciário na concretização dos valores constitucionais, com maior interferência no espaço de atuação dos demais Poderes". Ademais, o mesmo autor invoca dois motivos pelos quais o ativismo judicial encontra espaço no âmbito brasileiro: a) nova composição do STF (por Ministros bastante preocupados com a concretização dos valores e princípios constitucionais); e b) crise de funcionalidade do Poder Legislativo (que estimula tanto a emissão de Medidas Provisórias pelo Executivo como o ativismo judicial do Judiciário).
Tanto a judicialização como o ativismo judicial podem ser compreendidos, de um lado, como importantes fenômenos no processo de efetivação do direito fundamental à saúde, mas, por outro, podem ser utilizados dentro da retórica daqueles que não concordam com o posicionamento do Poder Judiciário face às questões que acabam chegando no âmbito judiciário.
Entretanto, é mister ressaltar que ambos os fenômenos possibilitam reflexões no sentido de gerar um diagnóstico do exercício jurisdicional no tema da efetivação do direito à saúde, além de fomentarem o debate acerca de uma possível ofensa à teoria da Separação de Poderes, especialmente no que se refere às funções típicas do Poder Legislativo e do Poder Judiciário. Com base no exposto, pode-se afirmar que a judicialização da saúde, "significa que questões relevantes do ponto de vista político, social ou moral estão sendo decididas, em caráter final, pelo Poder Judiciário". Trata-se, portanto, de uma transferência de poder para as instituições judiciais, em detrimento das instâncias políticas tradicionais – o Legislativo e o Executivo.
O argumento da vedação da atuação do juiz como legislador positivo é frequentemente invocado, sobretudo pelo Supremo Tribunal Federal, como óbice de concretização de normas constitucionais pelo Judiciário. Esse conceito pode ser extraído da seguinte decisão:
O PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA RESERVA DE LEI FORMAL TRADUZ LIMITAÇÃO AO EXERCÍCIO DA ATIVIDADE JURISDICIONAL DO ESTADO. – A reserva de lei constitui postulado revestido de função excludente, de caráter negativo, pois veda, nas matérias a ela sujeitas, quaisquer intervenções normativas, a título primário, de órgãos estatais não-legislativos. Essa cláusula constitucional, por sua vez, projeta-se em uma dimensão positiva, eis que a sua incidência reforça o princípio, que, fundado na autoridade da Constituição, impõe, à administração e à jurisdição, a necessária submissão aos comandos estatais emanados, exclusivamente, do legislador. – Não cabe, ao Poder Judiciário, em tema regido pelo postulado constitucional da reserva de lei, atuar na anômala condição de legislador positivo (RTJ 126/48 – RTJ 143/57 – RTJ 146/461-462 – RTJ 153/765 – RTJ 161/739-740 – RTJ 175/1137, v.g.), para, em assim agindo, proceder à imposição de seus próprios critérios, afastando, desse modo, os fatores que, no âmbito de nosso sistema constitucional, só podem ser legitimamente definidos pelo Parlamento. É que, se tal fosse possível, o Poder Judiciário – que não dispõe de função legislativa – passaria a desempenhar atribuição que lhe é institucionalmente estranha (a de legislador positivo), usurpando, desse modo, no contexto de um sistema de poderes essencialmente limitados, competência que não lhe pertence, com evidente transgressão ao princípio constitucional da separação de poderes.
Objetiva-se, com isso, impedir que o juiz, mesmo verificando uma situação de inconstitucionalidade por omissão total ou parcial, em que uma determinada lei confere direitos apenas a determinadas pessoas, excluindo outras em situação semelhante sem um critério razoável para tanto, corrija a situação, se para isso houver necessidade de ampliar a abrangência da norma.

3.2 A busca de parâmetros para o fornecimento de medicamentos e/ou tratamentos não oferecidos pelo Sistema Único de Saúde
A divisão de tarefas entre os entes governamentais e a organização do Sistema Único de Saúde não podem obstaculizar o direito do indivíduo à percepção de medicamentos e/ou tratamentos indispensáveis. Por isso é que a judicialização da saúde se caracteriza como uma alternativa eficaz para conter as omissões do Estado.
A doutrina prevê a necessidade da proibição de insuficiência nas decisões do Poder Público que visem proteger direitos fundamentais. O Estado, segundo Ingo Wolfgang Sarlet,
[...] poderá frustrar o seu dever de proteção atuando de modo insuficiente (isto é, ficando aquém dos níveis mínimos de proteção constitucionalmente exigidos) ou mesmo deixando de atuar, hipótese, por sua vez, vinculada [...] à problemática das omissões constitucionais.
Nesse caso, não menos perigosa que a insuficiência, encontra-se a inoperância dos entes federados encarregados de garantir a saúde. O art. 5°, XXXV, da CF/88, prevê o princípio da proteção judiciária, segundo o qual "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito", que visa justamente a garantir o acesso à proteção de direitos fundamentais àqueles que dela necessitam através da tutela judiciária. José Afonso da Silva diz que:
[...] o princípio da proteção judiciária, também chamado princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional, constitui, em verdade, a principal garantia dos direitos subjetivos. Mas ele, por seu turno, fundamenta-se no princípio da separação dos poderes, reconhecido pela doutrina como garantia das garantias constitucionais.
Contudo, André da Silva Ordacgy pondera que:
[...] os entes públicos muito têm criticado a "judicialização" da Saúde, principalmente sob a alegação de que essa intromissão "indevida" do Judiciário irá acarretar, num futuro próximo, na inoperância total do sistema público de saúde, haja vista os representativos gastos financeiros disponibilizados para a cobertura das decisões judiciais, que consomem uma boa parte do orçamento da saúde.
A celeuma ganhou grandes proporções e a questão foi, recentemente, enfrentada pelo Supremo Tribunal Federal. O Pretório Excelso reconheceu a obrigação do Estado em promover a saúde, mas, concomitantemente, aduziu também a impossibilidade do Estado de custear tratamentos e medicamentos ainda em fase experimental pelos laboratórios ou em casos em que não se reste comprovada a inviabilidade da utilização de medicamentos do SUS.
Segundo reportagem de Luiza de Carvalho publicada pelo Centro Brasileiro de Estudos de Saúde, quando da negativa dos pedidos liminares, o ministro Gilmar Mendes considerou se tratarem de casos que envolvem os únicos medicamentos eficientes para as moléstias apresentadas e que não são oferecidos pelo SUS, apesar de terem registro na Anvisa. Para ele, o alto custo do medicamento não seria motivo para a recusa no fornecimento e, ademais, os protocolos clínicos do SUS não seriam inquestionáveis, admitindo a contestação pela via judicial.
Por outro lado, visando limitar o fenômeno da judicialização, o ministro Gilmar Mendes ponderou que o Estado não seria obrigado a custear todos os tratamentos e remédios em havendo equivalentes no sistema de saúde brasileiro. A seu turno, o ministro Ricardo Lewandowski apregoou que o Judiciário deve conter as situações de fornecimento de medicamentos não autorizados pela Anvisa e de tratamentos em fase experimental no país ou exterior.
Em relação à aplicação dos direitos fundamentais, as decisões supracitadas fazem da tutela jurisidicional um meio de coerção ao Poder Público na garantia do direito à saúde do cidadão. A garantia dos direitos fundamentais encontra-se sujeita à fiscalização do Poder Judiciário e aos ditames do princípio da proporcionalidade, segundo o qual se verifica a adequação, a necessidade e a proporcionalidade em sentido estrito da medida judicial, haja vista que os juízes e tribunais estão obrigados a outorgar às normas de direitos fundamentais a maior eficácia possível no âmbito do sistema jurídico.


4 SUGESTÕES PARA AMENIZAR OS PROBLEMAS DA SAÚDE PÚBLICA – A RESPOSTA POR HERMENÊUTICA PRINCIPIOLÓGICA
Impõe-se reconhecer que a prestação integral e universal da saúde, no Brasil, encontra-se apenas no plano ideal. Algumas vezes é possível contornar as limitações impostas pela reserva do possível com soluções criativas. Assim, por exemplo, alguns Tribunais têm imposto como obrigação ao Poder Público não a realização imediata do direito a ser concretizado, mas a imposição de se incluir na proposta orçamentária anual seguinte os recursos necessários à futura concretização do direito. Outras soluções podem ser sugeridas, em especial a busca de parcerias com organizações privadas dispostas a ajudar pessoas que necessitem de um determinado tratamento.
A intervenção e a fiscalização do Estado na atuação dos planos de saúde privada que, muitas vezes, esquivam-se de cumprir seus contratos, deixando de cobrir despesas médicas e hospitalares à revelia da lei, elevando as mensalidades em percentuais exorbitantes ou estabelecendo prazos de carência injustificáveis, obrigando os beneficiários desses planos a buscar a saúde pública como alternativa, é também uma medida viável para diminuir o caos da saúde pública no Brasil. Além disso, para evitar que pessoas que não necessitam de medicamentos retirem-nos gratuitamente nos postos de fornecimento, impõe-se que os órgãos de fornecimentos do Estado retenham as receitas médicas e façam cadastro do número de receitas emitidas por cada médico e em nome de cada paciente regularmente.
Uma interessante sugestão foi fornecida por Marcos Gouvêa, citado por Carolna Ichikawa e Gabriela Uchida Athaná:
De acordo com o referido autor, com base na regra processual que autoriza que terceiros cumpram uma obrigação de fazer, às expensas do devedor, é possível autorizar, por exemplo, que uma farmácia forneça medicamentos a um determinado paciente, devendo, em seguida, o Estado ressarcir os custos dos medicamentos.
No entanto, como dificilmente uma farmácia concordaria em fornecer um medicamento sabendo da fama de inadimplente do Poder Público, o referido jurista afirma que:
Não seria inviável – tendo em vista a essencialidade da prestação em tela [do fornecimento de remédios], repita-se à exaustão – que o juiz autorizasse uma farmácia a fornecer determinado medicamento, deferindo-se a compensação desta despesa com o ICMS ou outro tributo. Compensações tributárias normalmente exigem lei autorizativa, mas a excepcionalidade da prestação justificaria tal aval do Judiciário. Possivelmente os tribunais superiores não reformariam uma decisão nesta trilha, diante do tanto que já permitiram em sede do direito à medicação.
É inegável que uma decisão desse teor traria alguns problemas de ordem prática, conforme reconhece o próprio autor, em especial a escolha da farmácia ou empresa executora da medida e a fiscalização contábil da compensação. Um diálogo aberto com o Fisco, com o ente público responsável pela saúde, bem como com outros agentes fiscalizadores, como o Tribunal de Contas e o Ministério Público, seria capaz de minimizar os abusos que, porventura, poderiam existir.
A solução também pode ser estendida a outros casos e não apenas a fornecimento de remédios. Assim, por exemplo, o magistrado pode determinar que um hospital particular execute um determinado procedimento de alta complexidade em um paciente coberto pelo SUS, autorizando que o hospital efetue a compensação dos gastos efetuados com a operação com tributos de responsabilidade do ente demandado. Relembre-se que a Emenda Constitucional 29/2000 permitiu a destinação de receitas de impostos para as ações e serviços públicos de saúde (art. 167, inc. IV, da CF/88).
A autorização judicial para que particulares substituam a função do Estado na concretização de direitos fundamentais, mediante a compensação fiscal dos custos efetuados pelo particular, é uma solução criativa, difícil de ser executada, mas que pode ser bastante útil para contornar os limites impostos pela reserva do possível.
Outra solução pode ser dada pela aplicação do princípio da subsidiariedade. Assim, apenas quando os demais órgãos públicos falharem em sua missão ou simplesmente forem inertes na adoção de medidas necessárias à proteção e promoção do direito à saúde, será justificável uma intervenção do Judiciário, desde que seja possível demonstrar o desacerto do agir ou do não agir dos demais poderes. Nessa esteira, é importante conhecer o trecho do voto do Ministro Celso de Mello, em julgamento da ADPF 45/2004 no Supremo Tribunal Federal, como transcrito a seguir:
Tal incumbência, no entanto, embora em bases excepcionais, poderá atribuir-se ao Poder Judiciário, se e quando os órgãos estatais competentes, por descumprirem os encargos político-jurídicos que sobre eles incidem, vierem a comprometer, com tal comportamento, a eficácia e a integralidade de direitos individuais e/ou coletivos impregnados de estatura constitucional, ainda que derivados e cláusulas revestidas de conteúdo programático.
Ocorre que, em um país como o Brasil, onde os governantes têm sido ineficientes em promover o direito à saúde, não conseguindo fornecer à população a realização dos mais básicos direitos de dignidade, a atuação judiciária para implementar o direito em análise faz-se estritamente necessária para tais finalidades. Dessa forma, teria, mais uma vez, o Judiciário permissão para intervir na esfera dos demais poderes públicos, a fim de garantir o direito à saúde pleiteado casuisticamente.
A escassez de recursos exige que o magistrado tenha preocupação com os impactos orçamentários de sua decisão e entender que uma decisão, além de resolver o caso concreto, gera importantes precedentes, podendo desaguar em um enorme "efeito cascata" que terminará em gastos públicos ainda maiores. No entanto, "se a decisão estiver dentro da reserva do possível, o direito fundamental não pode deixar de ser concretizado sob a alegativa de que a realização de despesa ficaria dentro da esfera de conveniência do administrador". Assim, cabe esclarecer que a regra não é a interferência do Judiciário sobre as escolhas administrativas. Apenas quando se demonstrar que a atuação administrativa está aquém das expectativas, com base em dados empíricos e consistentes, será legítimo o controle judicial, inclusive através de imposições de certa complexidade.
Com relação a determinações de fornecimento de medicamentos, deve o Judiciário se ater ao disposto nas listas elaboradas pelo Executivo ou Legislativo, pois se presume que estes, ao delimitá-los, avaliaram as necessidades prioritárias a serem supridas e os recursos disponíveis, além de critérios técnico-médicos. Portanto, o Judiciário só pode determinar o fornecimento de medicamentos constantes de listas oficiais, o que preserva o princípio da separação dos poderes, pois se respeita as escolhas administrativas. Outrossim,
[...] deve o Judiciário estabelecer parâmetros para uniformizar suas decisões, de modo a evitar discrepâncias e insegurança jurídica à população. Assim, dentro do exemplo do fornecimento de medicamentos e tratamentos, além de se ater às listas oficias, devem os Tribunais optar por aqueles com eficácia comprovada, excluindo-se os experimentais e os alternativos, optar por substâncias disponíveis no Brasil e pelas de menor custo, considerando, parcimoniosamente, se o tratamento, exame ou medicamento em análise é indispensável para a vida do demandante e/ou para a dignidade de sua vida.
Interessante, ainda nesse sentido, a proposta de Paulo César Salomão, Desembargador do Tribunal de Justiça carioca, comentada por Carolina Ichikawa e Gabriela Uchida Athaná, de um modelo de atuação do Poder Judiciário, nos processos atinentes a saúde, consubstanciado na criação de um conselho composto por juristas e médicos renomados, funcionando no âmbito dos Tribunais de Justiça, que prestaria assessoria aos magistrados nas questões relativas à saúde em geral – e não só nas ações destinadas a compelir o Estado a fornecer medicamentos.
O conselho funcionaria no âmbito do Tribunal de Justiça, em caráter intermitente, ou seja, vinte quatro horas por dia. No tocante ao fornecimento de medicamento, propõe ele também a criação de uma "Central de Medicamentos", composta por representantes da União, do Estado e do Município, a quem serão encaminhados todo e qualquer pedido de fornecimento de medicamento e a quem caberia direcionar os referidos pedidos às respectivas esferas de governo responsáveis.
Maria Célia Delduque, pesquisadora da Fiocruz, por sua vez, propõe alternativa à judicialização da saúde com a criação de núcleos de mediadores que buscarão resolver conflitos na esfera do SUS. Isso poderia evitar que muitas partes litigantes recorressem ao Poder Judiciário para a solução do conflito.
Além de criatividade, precisa-se de coragem para enfrentar os relevantes problemas sócio-políticos que, tradicionalmente, não diziam respeito ao Judiciário. Diante de normas dotadas de fundamentalidade, como o direito à saúde, exige-se uma postura menos passiva, atuando o Judiciário como um catalisador da vontade constitucional, através de imposições de deveres aos Poderes Públicos, mesmo que isso resulte em ônus financeiro, em supressão de vazios legislativos ou em implementação de políticas públicas.






CONSIDERAÇÕES FINAIS
O hodierno Estado Constitucional de Direito concebe a democracia através da efetivação dos direitos fundamentais. É assim que, nesse diapasão, consolidou-se a plena força normativa da Constituição de 1988 nas últimas décadas: as outrora normas tidas tão-só como programáticas estão dotadas de vinculariedade e eficácia, fazendo do texto constitucional dirigente. Eis aí o fenômeno jurídico-social da judicialização do direito fundamental à saúde, viabilizado por aquela eficácia imediata, a evidenciar os desafios à implementação das políticas públicas relativas aos direitos sociais no Brasil.
Insere-se aqui a atuação do Poder Judiciário sobre os atos emanados do Poder Executivo, em verdadeiro controle judicial das políticas públicas, com o objetivo de compelir a Administração Pública a adimplir suas obrigações sócio-constitucionais para com o cidadão, concretizando os mandamentos da integralidade e universalidade do serviço de saúde.
O Brasil reconhece o acesso a medicamentos e tratamentos como parte do direito à saúde e estabelece políticas públicas para propiciar a garantia desse direito em todos os níveis de atenção. No entanto, a situação da saúde no país equipara-se a um paciente frágil que necessita de tratamento intensivo, dado que a Política de Assistência Farmacêutica não tem conseguido atender à demanda e às necessidades de acesso a medicamentos, cumprindo ao Poder Judiciário, ao Ministério Público e às Defensorias Públicas atuarem de forma a promover o acesso de todos e de cada indivíduo ao direito fundamental à saúde.
Numa perspectiva culturalista do direito, o alcance político da jurisdição é a única saída para transformar a justiciabilidade em razão de apoderamento social – é uma ponte entre regulação e emancipação, um lugar comum onde a tutela dos direitos públicos subjetivos pode coincidir com a promoção e defesa de um direito objetivo existente, válido e eficaz. As dificuldades orçamentárias ou a tripartição dos poderes não devem obstacularizar a plena e imediata efetivação do direito à saúde no seu núcleo essencial, que deve ser protegido e incentivado à luz de uma razão de proporcionalidade que atenda um mínimo existencial adequado para a realização do princípio da dignidade humana.
O Judiciário tem se revelado poder fundamental ao exercício da cidadania e à efetivação do direito humano internacional e constitucional à saúde no Brasil. A lei constitucional admite que qualquer cidadão que se sinta ameaçado ou lesado, em razão da não-inclusão de um medicamento ou procedimento mais adequado para sua terapia no protocolo terapêutico, pode ingressar com ação judicial, individual ou coletiva, requerendo o exame judicial do conflito. Assim, o conceito de acesso à justiça não se limita apenas ao ingresso formal do paciente com um processo judicial e a concessão, pura e simplesmente, de um pedido do cidadão, mas significa a garantia de uma solução justa, no sentido de produzir uma adequada prestação jurisdicional, com o fornecimento do medicamento ou procedimento necessário, seguro e eficaz para seu tratamento de saúde. Portanto, o acesso à justiça aqui é considerado de forma mais ampla, como o acesso aos benefícios jurídicos em geral no nível legislativo e administrativo, além do acesso ao Judiciário.
Os magistrados, de uma maneira geral, têm-se mostrado sensíveis aos pedidos de acesso aos medicamentos quando o Estado se nega a fornecê-los, desconsiderando as normas e políticas de gestão estabelecidas e fazendo cumprir a lei, baseando-se no direito à vida. O fortalecimento destes mecanismos de controle do poder estatal e de prestação de contas passa a integrar a própria estrutura de garantia dos direitos humanos, sob a ótica de que a legitimidade do poder político não está restrita à representatividade, mas está igual e diretamente relacionada à transparência e accountability no que se refere às políticas públicas. Neste sentido, a ampliação do poder judicial, com a consequente judicialização da política, não pode ser analisada de maneira pontual e isolada, mas, sim, como um fenômeno situado historicamente no processo de construção democrática da sociedade brasileira, e potencialmente favorável à ampliação dos mecanismos de participação e garantia de direitos. A identificação do Judiciário como arena de embate – onde se garante formalmente a igualdade com o contraditório e a ampla defesa – é uma resposta à insuficiência ou deficiências dos canais institucionais tradicionais de controle social e de participação popular.
Este estudo retomou as questões de acesso e cobertura relacionadas no fenômeno de judicialização da saúde no Brasil e a interpretação dos princípios da reserva do possível e do mínimo existencial, defendendo que a judicialização da saúde, além de assegurar às pessoas os seus direitos constitucionais, funciona como instrumento para despertar o Poder Público da sua conhecida letargia, gerando debates e provocando ações que, certamente, servirão para o fortalecimento do Estado Democrático de Direito. Por esta visão, o Judiciário goza de amplo acesso às escolhas administrativas e legislativas, podendo interferir nos demais poderes enquanto existir a necessidade de garantir o direito fundamental da saúde constitucionalmente estipulado, em conformidade ao entendimento do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, incorporado ao ordenamento brasileiro em 1992.
É evidente que o Judiciário não deve ignorar o fato de que indivíduos correm sérios riscos de vida, visto não terem acesso aos medicamentos de alto custo e aos procedimentos de alta complexidade ou condições financeiras para a aquisição dos medicamentos de alto custo. Porém, é preciso que os interesses individuais sejam contextualizados dentro das políticas públicas estabelecidas, a fim de garantir um tratamento mais igualitário. Controlar políticas e orçamentos públicos, neles intervindo diretamente, sempre que fraudados por incompetência ou negligência os direitos sociais, ou seja, primar pela efetividade dos direitos fundamentais, é o dever máximo da jurisdição. Afinal, a dignidade da pessoa humana é o centro de irradiação dos direitos fundamentais.
Conclui-se, por fim, que o Direito, considerado instrumento a serviço da transformação da realidade social, deve primar pelo equilíbrio na estruturação de uma solução ao controle judicial de políticas públicas, envolvendo tanto a conscientização e manifestação da sociedade quanto as suas carências, pugnando pelos seus interesses, quanto à interlocução e intercâmbio de informações entre os gestores públicos, promotores de justiça, defensores públicos, magistrados, profissionais da saúde e organizações da sociedade civil, e o avanço da jurisprudência no sentido da harmonização do entendimento das políticas públicas como parte fundamental do exercício do direito à saúde.












REFERÊNCIAS
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