JUDICIARIO E A PRODUÇÃO DO ESCANDALO POLITICO

July 27, 2017 | Autor: Fabiano Engelmann | Categoria: Ciencia Politica, Sociologia do Direito, Judiciário, Poder Judiciário
Share Embed


Descrição do Produto

JOTA-JUSTIÇA http://jota.info/judiciario-e-sociedade publicado em 13/03/2015

Judiciário e a produção do escândalo político Publicado 6 horas atrás

Crédito @fotolia/jotajornalismo Por Fabiano EngelmannCoordenador do Núcleo de Estudos em Justiça e Poder Político da UFRGS O lugar central ocupado pelo Judiciário nos recentes escândalos políticos brasileiros evidencia um fenômeno recorrente nas democracias ocidentais. Crescentemente as instituições judiciais tem participado do espaço político na condição de guardiões da moralidade e mediadoras de disputas decorrentes de embates entre oposição e governo. Um complexo conflito político, econômico e simbólico está na base da escandalização da política onde intervém diversos atores e autores. A autoria do escândalo que fortalece e se beneficia de um efeito de descrença dos eleitores em relação ao sistema político remete a diferentes fatores, limito-me a

destacar quatro: 1) a grande fragmentação do sistema político-partidário que potencializa o enfraquecimento das identidades entre cidadãos e partidos e diminui seu potencial de mediação de demandas. 2) a massificadora legitimidade adquirida pela grande mídia junto aos eleitores. A presença da mídia amplifica posições políticoideológicas construídas a partir de um discurso neutro enunciado por jornalistas ou “analistas” que recorrem em grau variável à expertise técnica, conforme os perfis de público que pretendem convencer. 3) o fortalecimento de burocracias de controle público com relativa autonomia em relação ao sistema político-partidário, e ao poder econômico; como o Ministério Público e a Polícia que fornecem suporte técnico ao escândalo ao “vazar” informações que alimentam as pautas dos jornais. 4) Por óbvio, o quarto fator que merece destaque são as práticas políticas de corrupção em si mesmas, fenômeno recorrente, mas com maior visibilidade em regimes democráticos. Nesse caldeirão aquecido pela velocidade das coberturas televisivas e a verve dos conformadores de opinião, emerge o Judiciário como árbitro do sentido correto das condutas políticas, situação típica de um ambiente de “jurisdicização da política”. A base da “jurisdicização” em uma sociedade remete à clássica noção do sociólogo Max Weber sobre a legitimidade do poder político calcada na “crença na racionalidade do direito”. O que pressupõe o consenso generalizado sobre a necessidade de obediência às normas jurídicas e o reconhecimento do poder, neutralidade e idoneidade inconteste dos intérpretes das leis. O interessante é que os eventos que estão na origem da produção do sentido do escândalo e do clamor popular pela moralização da política são fundamentados em grande medida por uma interpretação jurídica da vida política. Uma percepção que se isola do conflito entre ideologias, políticas de governo, e a parcialização inerente ao embate político e assume um conteúdo moral e uno. Espécie de meta-razão, acima e além das disputas e que encontra guarida em idéias abstratas como o “bem comum”, “interesse geral”, “sociedade” “nação”, e por que não dizer, “opinião pública”. As mobilizações contra a corrupção na França e Itália na década de 90 são ilustrativas nesse sentido. Nesses países processos de investigação conduzidos por juízes contra empresários e parlamentares acusados de crimes financeiros ou, no caso italiano, envolvidos com a máfia; uniram mídia, ongs, o Judiciário e a “opinião pública” em uma cruzada pela moralização da política. Reparem que nesses casos, o ativismo persecutório contra a “política tradicional” foi além do mero controle da legalidade de atos ilícitos de agentes públicos que definiria o

limite do Judiciário. Representou uma epopeia de um poder(s) neutro(s)” contra o sistema político partidário e governantes acusados de corrupção. Assim como em democracias consolidadas, em países com experiência democrática mais recente, a progressiva penetração das regras jurídicas no espaço político conduz a percepções da vida política e a um constante clamor por uma meta-razão da política. Neste contexto cresce o poder de quem fala em nome do sentido correto das condutas políticas, sejam esses posicionados no espaço da grande mídia ou das cúpulas judiciais. A complexidade de captar esse fenômeno e compreender seu significado no âmbito de um regime democrático está justamente na diluição de fronteiras. Ou seja, resta indagar onde termina o controle jurídico da corrupção pelos tribunais e o controle da informação da corrupção pela mídia e onde começa o uso da escandalização da política como arma de poder nos embates políticos. Como são mobilizadas as “questões jurídicas” que envolvem a jurisdicização da atividade política no curso das batalhas sobre o sentido das políticas de governo e das condutas político-partidárias ? Como se orientam as estratégias dos atores políticos e dos produtores de escândalos ao mobilizar o espaço judicial como um aliado na luta política? Esse nos parece ser um dos grandes desafios para fugir de qualquer ilusão de uma leitura imparcial de nossos escândalos políticos historicamente cíclicos e com resultados desastrosos. * Professor da Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da UFRGS e Coordenador do Núcleo de Estudos em Justiça e Poder Político da UFRGS

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.