Juízos, regras e padrões: Algumas considerações sobre a filosofia de David Hume

June 13, 2017 | Autor: Victor Galdino | Categoria: Aesthetics, Standards, David Hume, Realism vs Anti-Realism, Taste
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JUÍZOS, REGRAS E PADRÕES: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE A FILOSOFIA DE DAVID HUME

I No início de seu ensaio Of the standard of taste, Hume apresentou uma oposição entre duas posições conflitantes no que diz respeito à existência de um padrão do gosto, um padrão que permitiria a avaliação de diferentes juízos de caráter estético (“Está é uma bela pintura”, “Esculturas desse tipo são horríveis”, etc.) com o intuito de estabelecer qual seria o mais adequado ou o juízo verdadeiro sobre o que quer que esteja em questão. A primeira posição seria uma espécie de ceticismo sobre a existência de tal padrão, também podendo ser caracterizada como a posição filosófica a que normalmente chamamos de “anti-realismo” na Estética: a existência de gostos mais refinados ou mais corretos do que outros seria impossibilitada pelo simples fato de que nossos juízos estéticos, em última instância, não passam de expressões de nossos sentimentos, não havendo neles referência a nada externo à nossa mente. Essa referência a algo externo seria uma condição necessária para a atribuição de valores de verdade aos juízos que emitimos sobre questões de gosto, pois a correspondência entre o estado de coisas referente e o conteúdo do que é dito no juízo é o que tornaria este verdadeiro; mas o problema seria justamente a inexistência de propriedades genuinamente estéticas em qualquer configuração de objetos que pudéssemos encontrar no mundo. Como podemos ver na caracterização que Hume fez dessa posição (1987, I, XXIII.8): […] os milhares de sentimentos diferentes excitados pelo mesmo objeto são todos corretos: Pois nenhum sentimento representa o que realmente está no objeto. Eles apenas marcam certa conformidade ou relação entre o objeto e os órgãos ou faculdades da mente; e se essa conformidade não existisse, o sentimento nunca poderia ter qualquer ser. A beleza não é uma qualidade nas coisas elas mesmas: Ela existe apenas na mente que as contempla, e cada mente percebe uma beleza distinta. Uma pessoa pode até perceber uma deformidade onde outra sente algo belo; e todo indivíduo deve aceitar seu próprio sentimento, sem pretender regular os sentimentos dos outros. Buscar a beleza ou deformidade real é uma empresa tão infrutífera quanto pretender descobrir o doce ou o amargo real 1.

Ou seja, qualquer discurso envolvendo referência a propriedades como “beleza” ou “deformidade” como estando presentes nas próprias coisas (e não apenas em nossas mentes) seria completamente vazio de sentido, já que a existência dessas propriedades estaria presa ao âmbito mental. A posição oposta seria algo mais próximo do senso comum, pois defende que não há uma 1 “[...] a thousand different sentiments, excited by the same object, are all right: Because no sentiment represents what is really in the object. It only marks a certain conformity or relation between the object and the organs or faculties of the mind; and if that conformity did not really exist, the sentiment could never possibly have being. Beauty is no quality in things themselves: It exists merely in the mind which contemplates them; and each mind perceives a different beauty. One person may even perceive deformity, where another is sensible of beauty; and every individual ought to acquiesce in his own sentiment, without pretending to regulate those of others. To seek the real beauty, or real deformity, is as fruitless an enquiry, as to pretend to ascertain the real sweet or real bitter”.

equivalência universal entre os diversos gostos, pois nós realmente podemos dizer que um sentimento é mais correto ou apropriado do que outro (ou que um gosto é superior a outro). O problema dessa posição para um filósofo como Hume seria o fato de que ela geralmente se encontra atrelada à defesa da existência de propriedades estéticas independentes da mente humana. Embora isso não esteja explícito em seu ensaio, podemos perceber claramente a dificuldade presente no texto em elaborar uma teoria defendendo a existência e legitimidade de um padrão do gosto sem cair no ceticismo que defende que todo sentimento é válido e que não podemos hierarquizar de qualquer modo o gosto dos homens. Esse tipo de ceticismo não corresponde às nossas práticas comuns de classificar coisas como sendo realmente mais belas que outras, ou certos gostos como sendo objetivamente superiores a outros. O problema seria dar sentido a essas práticas sem admitir o realismo estético (pelo menos em sua versão mais ingênua e menos sofisticada, que seria a versão por trás da posição que Hume identificou como parte do senso comum), que povoa o mundo externo às nossas mentes de propriedades como beleza ou deformidade, como se tais propriedades pudessem ser encontradas nos próprios objetos através de algum tipo de experiência dos mesmos. Mas esse não é um problema exclusivo da Estética (ou de qualquer área de estudo que se ocupe dos problemas expostos acima). Na Filosofia Moral, também encontramos o problema da existência ou não de certa classe de entidades às quais supostamente faríamos referência em nossos discursos de caráter moral, como quando julgamos uma ação ou o caráter de outra pessoa. O problema pode ser facilmente traduzido se pensarmos que o que está em questão agora é a existência nas coisas de propriedades como bom, mau, etc. Seria um determinado tipo de caráter objetivamente bom? Seria uma ação correta independentemente de como reagimos à mesma (ou seja, independentemente de nossos estados mentais)? Uma resposta negativa a essas questões poderia levar ao tratamento de assuntos morais em termos meramente subjetivos, não havendo ações mais corretas do que outras, etc. Assim como na Estética, o problema de Hume foi justamente o de evitar esse tipo de posição e legitimar de alguma forma o aspecto realista 2 de nossas práticas discursivas no que diz respeito à moralidade. Emitimos naturalmente juízos de caráter moral 3, e fazemos isso com a pretensão de que eles sejam verdadeiros. A questão é saber como e por que 2 Esse aspecto realista do nosso discurso moral possui as seguintes características segundo S. Blackburn (1993, 4): a forma sujeito-predicado das sentenças de caráter moral, pretensão de verdade dessas mesmas sentenças, menção de fatos e valores morais como objetivamente existentes, uso de noções como conhecimento, objetividade, justificação, etc. Assim, quando mencionarmos esse aspecto realista do discurso humano não somente no âmbito da moralidade, mas no da Estética e da causalidade, a ideia que pretende-se passar é a da presença dessas características no nosso modo de pensar determinadas questões e expressar certas crenças através de nossa linguagem. 3 Alguém poderia argumentar contra o uso da expressão “naturalmente” aqui no sentido de que a moralidade humana é completamente construída socialmente (segundo o próprio Hume), e, portanto, é inteiramente artificial e não passa de uma invenção humana, o que tornaria a prática de julgar o aspecto moral de ações algo anti-natural. No entanto, o próprio Hume admitia que, sendo a espécie humana naturalmente inventiva, suas invenções também seriam naturais e ocorreriam de modo tão necessário quanto qualquer outra coisa. Somente através da crença ilusória de que essas criações humanas se dão de modo completamente livre é que a ideia de invenção acaba sendo tomada como algo radicalmente oposto da ideia de naturalidade (HUME, 2000, 3.1.2.9 // 3.2.1.19).

fazemos isso caso não tenhamos nenhum tipo de acesso cognitivo a fatos morais externos a nossas mentes; e de que forma ainda poderíamos falar em juízos morais verdadeiros ou falsos sem cairmos em um discurso completamente falso ou semanticamente absurdo. Por último, transportamos essas mesmas questões para um âmbito no qual as coisas supostamente funcionariam de modo um tanto diferente. Mesmo nos casos nos quais admite-se que não existem fatos morais ou estéticos que possamos descobrir investigando o mundo externo à mente humana, normalmente encontramos a defesa de que juízos como os que expressam relações causais no mundo são radicalmente distintos das duas classes de juízos consideradas acima, pois eles supostamente não expressariam nenhuma espécie de sentimento ou relação entre sentimentos e objetos. Nesse caso, a intuição mais comum parece ser a de que, quando falamos sobre relações de causa e efeito, estamos fazendo referência a processos causais que são completamente independentes do que ocorre em nossas mentes, bastando apenas um exame acurado da realidade para estabelecermos a verdade do que dizemos acerca de tais processos. Questões envolvendo processos causais poderiam ser respondidas apelando simplesmente à experiência, e todas controvérsias relativas ao assunto dependeriam apenas da descoberta de um ou mais fatos no mundo para serem resolvidas de modo definitivo. No entanto, como veremos adiante, a posição de Hume sobre nossos juízos causais não é simples assim; e a consideração dessa posição ao longo do presente texto permitirá que analisemos também a possibilidade dos três tipos de juízos mencionados anteriormente (estéticos, morais e causais) possuírem um papel, no contexto de nossa experiência do mundo e de nossas práticas discursivas, que seria mais semelhante do que poderíamos imaginar em um primeiro momento.

II

Embora não tenha defendido o tipo de ceticismo mencionado acima, Hume certamente mostrou-se cético quanto a uma série de teses de teor realista em diferentes áreas da Filosofia, como a tese de que a virtude pode ser encontrada nas próprias ações ou a de que a beleza se encontra nas coisas mesmas. No que diz respeito à causalidade, Hume claramente se opôs à ideia de que conexões causais necessárias realmente se encontram nas coisas ou eventos do mundo, e embora a natureza da causalidade no pensamento humeano ainda seja ponto de discórdia entre intérpretes, parece razoavelmente claro que Hume negou que o conceito realista de causalidade tenha qualquer validade em nossa experiência de processos causais. Como foi dito em Tratado da natureza humana (HUME, 2000, 1.3.2.12 // 1.3.14.22):

Aqui, examino novamente o objeto de todos os lados com o intuito de descobrir a natureza dessa conexão necessária e encontrar a impressão (ou impressões) da qual sua ideia possa ser derivada. Quando olho para as qualidades conhecidas dos objetos, descubro imediatamente que a relação de causa e efeito em nada depende delas. Quando considero suas relações, não encontro nada além de contiguidade e sucessão, as quais já considerei como sendo imperfeitas e insatisfatórias 4. Dito isso, necessidade é algo que existe na mente, e não nos objetos; nem é possível que formemos a mais distante ideia de necessidade enquanto uma qualidade presente nos corpos. Ou não possuímos ideia alguma de necessidade, ou a necessidade é nada além da determinação do pensamento de passar das causas para os efeitos e dos efeitos para as causas, de acordo com a união experimentada dos mesmos5.

Assim, quando pensamos ter alguma espécie de acesso a uma conexão necessária entre causas e efeitos, nada mais estamos fazendo do que sentir essa passagem determinada do pensamento. Se quisermos continuar a falar em conexões causais e necessárias entre objetos, teremos de abandonar a ideia de causalidade ou de necessidade enquanto algo que está presente na natureza. O fundamento último de nossas inferências causais não seria algo que possamos descobrir no mundo, mas certo movimento da mente que sentimos em determinados contextos. Assim, o que quer que signifiquem nossos juízos causais, eles certamente não fazem referência alguma a conexões causais independentes de nossas mentes. No entanto, é um fato inegável que pensamos estar falando de relações causais presentes na natureza quando emitimos nossos juízos causais. E isso não é um problema apenas desse tipo de juízos; de acordo com Hume, também caímos em ilusão quando falamos de propriedades estéticas ou morais como presentes nas coisas, por mais que essa nos pareça a maneira correta de pensar essas propriedades: Considere uma ação qualquer admitida como viciosa – Homicídio doloso, por exemplo. Examine-a de todas as formas, e veja se consegue encontrar aquela questão de fato, ou existência real, que você chama de vício. Como quer que o faça, achará somente certas paixões, motivos, volições e pensamentos. Não há outra questão de fato nesse caso. O vício escapa-lhe completamente enquanto considera o objeto. Nunca o achará enquanto não dirigir sua reflexão para o próprio peito, e encontrar um sentimento de desaprovação voltado para tal ação que surge em você. Aqui temos uma questão de fato, mas que é objeto de sentimento, e não da razão. Ela encontra-se em você mesmo, não no objeto 6 (2000, 3.1.1.26).

4 “Here again I turn the object on all sides, in order to discover the nature of this necessary connexion, and find the impression, or impressions, from which its idea may be deriv’d. When I cast my eye on the known qualities of objects, I immediately discover that the relation of cause and effect depends not in the least on them. When I consider their relations, I can find none but those of contiguity and succession; which I have already regarded as imperfect and unsatisfactory”. 5 “Upon the whole, necessity is something, that exist in the mind, not in the objects; nor is it possible for us ever to form the most distant idea of necessity, consider'd as a quality in bodies. Either we have no idea of necessity, or necessity is nothing but that determination of the thought to pass from causes to effects and from effects to causes, according to their experienc'd union”.

6 “Take any action allow'd to be vicious: Wilful murder, for instance. Examine it in all lights, and see if you can find that matter of fact, or real existence, which you call vice. In which-ever way you take it, you find only certain passions, motives, volitions and thoughts. There is no other matter of fact in the case. The vice entirely escapes you, as long as you consider the object. You can never find it, till you turn your reflection into your own breast, and find a sentiment of disapprobation, which arises in you, towards this action. Here is a matter of fact; but 'tis the object of feeling, not of reason. It lies in yourself, not in the object”.

Embora seja certo que beleza e deformidade, mais do que doçura e amargura, não são qualidades nos objetos, mas pertencem inteiramente ao sentimento, interno ou externo; ainda assim deve-se admitir que existem certas qualidades nos objetos que estão naturalmente aptas a produzir esses sentimentos particulares7 (1987, I, XXIII.17).

Segundo Hume, a mente humana possui essa tendência a projetar nas coisas propriedades que nunca teríamos como saber se elas realmente as possuem, já que não podemos encontrar as impressões correspondentes a certas ideias que pensamos ter, como a ideia de vício ou conexão necessária enquanto algo que encontra-se nas coisas de modo independente da mente humana. Isso pode explicar o fato de que as opiniões do senso comum nos assuntos tratados aqui geralmente apresentam tendências mais realistas de pensar o mundo, como o próprio Hume percebeu ao colocar como uma espécie de senso comum a posição que defende distinções reais de beleza e gosto, distinções essas que normalmente são pensadas como fundamentadas em propriedades estéticas que encontram-se nos objetos de nossa consideração, e que nada teriam a ver com a estrutura da mente e com o modo da mesma se relacionar com o mundo de nossa experiência. Porém, a posição completamente oposta a essa, que consistiria em considerar todas as propriedades estéticas, morais ou causais como sendo simplesmente estados ou eventos mentais que dariam-se de modo inteiramente independente da constituição das próprias coisas, também foi rejeitada por Hume, como podemos ver na última citação feita. Da premissa de que a beleza não está nos objetos, por exemplo, não deveríamos concluir que ela não possui relação alguma com a constituição ou natureza dos mesmos. Afinal, seria uma conjunção entre a constituição da mente e do objeto que resultaria no sentimento do belo, não sendo esse sentimento algo puramente arbitrário. Ora, podemos dizer igualmente que os objetos também contribuem para a determinação da mente que Hume estabeleceu como sendo a única “essência” possível da conexão necessária, mesmo que essa conexão seja algo sentido na mente e não apreendido nos objetos. Sem a união constante de tais objetos em nossa experiência, nunca formaríamos qualquer ideia de causalidade. Assim como no caso da beleza, será uma conjunção de certa configuração da mente com um determinado estado de coisas que provocará aquilo que sentiremos como uma relação causal. A descoberta de relações causais não seria somente uma questão de fato, de constatação da existência das mesmas em determinados estados de coisas no campo de nossa experiência possível, pois teríamos de levar em consideração o papel da mente nas inferências causais que realizamos tanto quotidianamente quanto no contexto da experimentação científica. As próprias crenças em questões de fato, ou seja, crenças na existência de efeitos ou causas que não estão presentes aos nossos sentidos, só fazem sentido levando-se em consideração nosso hábito de conectar causalmente objetos em nossa imaginação. Assim, nunca poderíamos inferir a existência de relações causais a 7 “Though it be certain, that beauty and deformity, more than sweet and bitter, are not qualities in objects, but belong entirely to the sentiment, internal or external; it must be allowed, that there are certain qualities in objects, which are fitted by nature to produce those particular feelings”.

partir da experiência de certos objetos quando a formação dessas relações em nossas mentes é o que permite os próprios raciocínios envolvendo questões de fato, ou seja, inferências da existência de causas a partir da experiência dos efeitos (e vice-versa). Essa contribuição da própria mente para a formação de nossos raciocínios envolvendo relações causais acaba gerando o mesmo problema que encontramos no caso de nossas crenças morais e estéticas. Como já mencionado, de acordo com Hume, a mente naturalmente “projeta” alguns de seus elementos constituintes nos objetos da experiência, fazendo-nos acreditar que eles possuem propriedades que não têm existência objetiva alguma, embora a produção do sentimento que deu origem a essa atribuição incorreta de propriedades dependa parcialmente da constituição específica dos objetos. Como a “mente humeana” não passa de um conjunto de estados mentais associados segundo algumas poucas relações que não determinam completamente o que deve estar associado ao quê, parece natural a possibilidade de um grande número de associações inadequadas ocorrer de modo casual. E seria alguma espécie de erro de associação que estaria por trás das projeções problemáticas que realizamos tão frequentemente (HUME, 2000, 1.3.14.25): É uma observação comum que a mente possui uma tendência grande a se expandir para os objetos externos, e a combinar com os mesmos quaisquer impressões internas que eles causem, e que sempre surgem ao mesmo tempo que esses objetos se apresentam aos sentidos. Portanto, como certos sons e odores encontram-se sempre acompanhados de certos objetos visíveis, naturalmente imaginamos uma conjunção, até mesmo espacial, entre os objetos e as qualidades, embora as qualidades sejam de tal natureza que não admitem tal conjunção, e, na verdade, não existam em lugar algum 8.

No entanto, identificar a origem das projeções realizadas pela mente humana não basta para legitimar o aspecto realista de nossas práticas discursivas, embora possa servir para justificá-lo de alguma forma. Essa tentativa de legitimar tal aspecto (entre outras coisas) levou Angela Coventry, uma intérprete de Hume, a classificar seu projeto filosófico como uma instância do quase-realismo defendido por Blackburn. De acordo com a definição de Blackburn no Oxford Dictionary of Philosophy, o quase-realista é o que defende que uma teoria expressivista ou projetivista na Ética pode explicar e dar um sentido legítimo ao nosso discurso de caráter realista nessa área do pensamento, e, consequentemente, não é incompatível com tal caráter. Como vimos no caso de Hume, uma teoria projetivista consiste na tese de que estados mentais não-descritivos acabam sendo expressos (através de um processo mental qualquer) em um discurso proposicional que projeta algo desses mesmos estados no mundo externo e nos objetos encontrados nele, mesmo que não tenhamos justificativa alguma para fazer isso. Obviamente, admitir essa tese não basta para defender o quaserealismo caracterizado por Blackburn e Coventry, pois um expressivista poderia simplesmente 8 “’Tis a common observation, that the mind has a great propensity to spread itself on external objects, and to conjoin with them any internal impressions, which they occasion, and which always make their appearance at the same time that these objects discover themselves to the senses. Thus as certain sounds and smells are always found to attend certain visible objects, we naturally imagine a conjunction, even in place, betwixt the objects and the qualities, tho’ the qualities be of such a nature as to admit of no such conjunction, and really exist no where”.

admitir como falso ou sem sentido todo nosso discurso gerado por essa tendência à projeção, por exemplo. Seria preciso passar para a segunda etapa, que consiste em legitimar o aspecto realista do discurso no caso dos juízos causais, morais e estéticos. A partir da próxima seção, veremos se e como Hume completou essa segunda etapa e em que medida podemos dizer que ele se aproxima do projeto quase-realista, ou pelo menos afasta-se do mero projetivismo.

III

Retornando ao ensaio de Hume sobre o padrão do gosto, podemos considerar o problema de ultrapassar a mera constatação de que projetamos na realidade propriedades que sequer são compatíveis com a mesma através da tentativa de Hume de defender a existência de um padrão do gosto. Sendo possível realizar tal objetivo com sucesso ou não, Hume considerava a busca por tal padrão algo natural dadas as nossas práticas de diferenciar objetos em termos estéticos e julgar o gosto de outros homens. Mesmo que estejamos enganados quanto à existência da beleza nas próprias coisas, por exemplo, isso não significa que não possamos ou devamos buscar alguma forma de julgarmos mais adequadamente sobre assuntos estéticos. E é através da própria experiência que, segundo Hume, podemos encontrar essa forma de aprimorar nossos juízos. Naturalmente, isso só é possível porque podemos verificar conjunções constantes entre o sentimento do belo, por exemplo, e determinadas constituições da mente e do objeto ao qual a propriedade de ser belo será atribuída. Se o sentimento de beleza surgisse sempre de modo aleatório na mente humana, não poderíamos estabelecer qualquer tipo de relação entre o sentimento e os objetos. Hume encontrava-se entre um relativismo extremo no qual todos os sentimentos são corretos e um realismo estético no qual propriedades como beleza são propriedades dos objetos mesmos. Parece natural que sua proposta para resolver certas questões no âmbito estético envolvesse uma análise da relação entre a constituição da mente e dos objetos na formação do sentimento de beleza. No caso das obras de arte, por exemplo, regras de composição teriam o objetivo de guiar a produção de obras mais aptas a gerar no homem esse sentimento. Essas regras seriam fundadas na experiência e na observação dos sentimentos comuns à natureza humana (HUME, 1987, I, XXIII.11). Mesmo no caso de apreciação de obras que não seguem completamente essas regras de composição, o prazer sentido normalmente será gerado por algo na obra que esteja em conformidade com tais regras (HUME, 1987, I, XXIII.10):

Ariosto agrada, mas não pelas suas ficções monstruosas e improváveis, por sua mistura bizarra dos estilos cômico e sério, pela falta de coerência em suas estórias, ou pelas interrupções contínuas em sua narrativa. Ele encanta pela força e clareza de sua expressão, pela prontidão e variedade de suas invenções, por suas representações naturais das paixões – especialmente as de tipo alegre e amoroso. E mesmo que suas falhas possam diminuir nossa satisfação, elas não são suficientes para destruí-la completamente. Se nosso prazer realmente viesse dessas partes de sua poesia, que consideramos falhas, isso ainda não seria uma objeção à crítica em geral; seria apenas uma objeção a essas regras particulares de crítica que estabelecem tais circunstâncias como falhas e as representam como universalmente reprováveis 9.

As regras de composição estabelecidas pela crítica de arte são um dos modos de julgarmos o aspecto estético de diferentes obras de maneira razoavelmente objetiva, pois permitem-nos entender de alguma forma como certas obras podem ser constituídas de tal forma que naturalmente causem prazer nos homens. Devido a elas, podemos julgar objetos de acordo com os estados mentais que usualmente acompanham sua experiência, mesmo que os sentimentos dos homens não estejam sempre de acordo com as mesmas. Nesse caso, um cético daquele tipo mencionado no início do texto poderia precipitar-se e negar a validade de tais regras. Mas esse cético não seria muito diferente daquele que conclui que a natureza não se apresenta a nós de modo inteiramente regular porque pensa ter apreendido uma irregularidade em uma consideração superficial de um fenômeno qualquer. Como no caso do relojoeiro que sabe compreender uma falha no funcionamento padrão do relógio segundo uma regularidade causal, temos de estar atentos às circunstâncias particulares que invalidam uma regra geral qualquer, pois a suposta irregularidade só existe enquanto não somos capazes de compreendê-las segundo outras regularidades. Ou seja, não haveria necessidade de abandonarmos a pretensão de descobrir regras para estabelecer a relação causal entre o sentimento do belo e conjunção entre a constituição de uma obra de arte e determinadas circunstâncias mentais. Assim como no caso de regularidades envolvendo corpos na natureza, somente a experiência guiada por regras adequadas para julgar relações causais poderá fornecer as causas apropriadas dos diversos sentimentos de prazer nos homens. Assim, aquele que quiser obter sucesso em julgar obras de artes ou objetos naturais de acordo com o prazer estético que causam no homem, terá de estar atento às circunstâncias particulares que possuem um papel relevante na produção desse mesmo prazer. Seus experimentos devem ser cuidadosamente realizados, pois a mínima alteração na constituição mental de um homem pode atrapalhar a descoberta das regularidades relevantes. Temos aqui o mesmo tipo de problema identificado por Hume na introdução ao Tratado da natureza humana como sendo uma dificuldade da Filosofia Moral em geral (entendida aqui em oposição ao que era chamado na época 9 “ARIOSTO pleases; but not by his monstrous and improbable fictions, by his bizarre mixture of the serious and comic styles, by the want of coherence in his stories, or by the continual interruptions of his narration. He charms by the force and clearness of his expression, by the readiness and variety of his inventions, and by his natural pictures of the passions, especially those of the gay and amorous kind: And however his faults may diminish our satisfaction, they are not able entirely to destroy it. Did our pleasure really arise from those parts of his poem, which we denominate faults, this would be no objection to criticism in general: It would only be an objection to those particular rules of criticism, which would establish such circumstances to be faults, and would represent them as universally blameable”.

de “Filosofia Natural”, o que incluía áreas de investigação filosófica como a Estética e Filosofia da Arte - ou Crítica, como Hume diria): O fato de que homens fazem parte do experimento cria uma dificuldade que é inexistente nos casos de investigações que envolvem objetos não-humanos. Não pode-se realizar tais experimentos em quaisquer circunstâncias, pois a mente humana pode acabar interferindo no processo. Esse problema parece não ser exclusivo do que chamava-se Filosofia Moral na época de Hume; uma investigação adequada de uma relação qualquer entre dois corpos também depende da ausência de certos estados mentais que podem diminuir a eficácia dos experimentos realizados. Um cientista que já possua uma hipótese muito forte em mente ao realizar seus experimentos pode ser levado a não dar-se conta de certos resultados por não conformarem-se às expectativas exageradas que formou devido a sua hipótese falha inicial. O problema das influências negativas da premeditação e reflexão não é exclusivo dos casos nos quais a mente humana faz parte do experimento. No ensaio, Hume apresentou algumas recomendações no que diz respeito à apreciação mais adequada da beleza independentes da regras gerais da arte, mas que devem ser levadas em consideração em conjunção com as mesmas para que um indivíduo venha a tornar-se um crítico de arte ideal: 1) A posse de uma imaginação delicada, ou seja, uma faculdade que torne o crítico mais apto a perceber sentimentos mais sutis em meio a todos outros estados mentais envolvidos na produção do sentimento de prazer estético; 2) a prática em artes particulares e investigação constante de um determinado tipo de beleza; 3) formação de comparações entre diferentes tipos de beleza; 4) ausência de preconceitos que interfiram em uma apreciação neutra do objeto; 5) bomsenso. Essas características determinam o gosto mais refinado que é próprio dos críticos de arte, e devido às mesmas eles se distinguem dos homens comuns em sua capacidade de julgar a beleza de modo mais adequado e estabelecem seu próprio gosto como uma espécie de padrão para o resto dos homens. Que esses críticos estejam mais aptos a providenciar um padrão do gosto, é uma questão de fato para Hume, e não de valor. A existência de gostos suficientemente refinados para servir de padrão pode ser constatada através da experiência; e o intercâmbio entre os vários críticos seria o “ambiente” mais adequado (mas não o único, obviamente) para a correção dos juízos estéticos. No entanto, se um padrão do gosto é necessário para podermos escolher qual de juízos estéticos conflitantes é o verdadeiro, a noção de verdade em questão não pode ser simplesmente a de uma correspondência com fatos independentes da mente humana, dada a natureza intersubjetiva de tal padrão. Seria preciso compreender melhor o funcionamento de tal padrão para esclarecer que tipo de noção de verdade está em jogo, se é que há alguma. Se realmente podemos escolher com razoável segurança um dos dois juízos conflitantes, então há algo no padrão que nos permite considerar o juízo preferido mais apropriado que o outro em algum sentido. Para isso, podemos

analisar o papel que a ideia de padrão possui em outras partes da filosofia de Hume. No caso da moralidade, também encontramos o problema de decidir entre dois juízos conflitantes, já que não podemos recorrer a fatos morais no mundo ou fundamentos racionais para estabelecer que tipo de qualidade deve ser condenada ou aprovada, por exemplo 10. E, assim como no caso dos juízos estéticos, é preciso ir além do sentimento particular de cada homem para que um juízo seja estabelecido como preferível a outros (HUME, 2000, 3.3.1.15/17): Portanto, com o propósito de evitar essas contradições contínuas e alcançar um juízo mais estável das coisas, estabelecemos alguns pontos de vista estáveis e gerais; e sempre, em nosso pensamento, colocamos-nos neles, não importando nossa situação presente […] abstraímos do nosso próprio interesse nesses juízos gerais, e não censuramos um homem por se colocar como obstáculo a qualquer uma de nossas pretensões, quando seu próprio interesse está em questão. Admitimos certo grau de egoísmo nos homens, pois sabemos que é inseparável da natureza humana, e é inerente à nossa estrutura e à nossa constituição. Através dessa reflexão, corrigimos os sentimentos de censura, que tão naturalmente surgem através de qualquer oposição 11.

Não é possível julgar adequadamente em assuntos morais sem a prática de correção de nossos juízos e das concepções que temos dos objetos em questão. Assim como quando julgamos obras de arte em termos estéticos, precisamos de alguma espécie de padrão que nos permita decidir que o juízo emitido por um indivíduo qualquer seja mais correto do que o juízo conflitante emitido por outro. A prática humana de discutir questões morais depende inteiramente dessa possibilidade, pois, caso ela não exista, o único consenso que poderíamos chegar no que diz respeito a qualquer assunto moral seria o de que não há um juízo melhor do que o outro, não havendo sentimento mais correto do que outro. De acordo com Hume, os homens naturalmente abandonam seu ponto de vista peculiar em direção a algo mais geral, e uma evidência em favor disso é que diferentes indivíduos sequer seriam capazes de discutir determinadas questões de modo razoável se assim não o fizessem, dada a generalidade das mesmas. E o intercâmbio de sentimentos com outros homens nos leva de maneira natural à formação de um padrão segundo o qual julgamos o caráter dos outros (HUME, 2000, 3.3.3.2). Embora esse não seja e nem possa ser um processo infalível, é suficiente para que comecemos a adotar de alguma forma um ponto de vista mais adequado para julgarmos assuntos morais. Tendo esse ponto de partida, basta que aperfeiçoemos o padrão moral através da reflexão crítica, da discussão e da experiência; e um padrão intersubjetivo que nos permitirá decidir entre 10 “A aprovação de qualidades morais certamente não é derivada da razão, ou de qualquer comparação entre ideias, mas procede inteiramente de um gosto moral e de certos sentimentos de prazer ou desgosto, que surgem através da contemplação e apreensão de qualidades ou caracteres particulares” // “The approbation of moral qualities most certainly is not deriv'd from reason, or any comparison of ideas; but proceeds entirely from a moral taste, and from certain sentiments of pleasure or disgust, which arise upon the contemplation and view of particular qualities or characters” (HUME, 2000, 3.3.1.15). 11 “In order, therefore, to prevent those continual contradictions, and arrive at a more stable judgment of things, we fix on some steady and general points of view; and always, in our thoughts, place ourselves in them, whatever may be our present situation […] we overlook our own interest in those general judgements; and blame not a man for opposing us in any of our pretensions, when his own interest is particularly concern'd. We make allowance for a certain degree of selfishness in men; because we know it to be inseparable from human nature, and inherent in our frame and constitution. By this reflection we correct those sentiments of blame, which so naturally arise upon any opposition”.

dois ou mais juízos morais será estabelecido de modo cada vez mais estável. E essa estabilidade, embora não seja absoluta, é a única maneira de sair do ponto de vista particular de cada homem em direção a alguma espécie de verdade que possa ser aceita universalmente no que diz respeito à moralidade. No primeiro livro de Tratado da natureza humana, encontramos outro caso no qual Hume discutiu a necessidade de correção dos nossos juízos através de um padrão gerado na imaginação. Na discussão acerca da natureza de nossas ideias de espaço e tempo (mais precisamente, na quarta seção da segunda parte, onde as possíveis objeções à doutrina exposta são consideradas), encontramos a ideia de um padrão que nos permite julgar adequadamente acerca das relações de igualdade e desigualdade entre quantidades finitas. Aqui, como nos casos dos juízos estéticos e morais, a revisão, correção e comparação constante de nossos juízos move a imaginação de maneira natural em direção à formação de um padrão ideal que nos guiará no julgamento de questões envolvendo as relações mencionadas. De acordo com Hume, a ideia de igualdade consiste em nada mais do que a ideia de uma aparência particular corrigida através da justaposição com outra aparência ou através da comparação com uma medida comum invariável; e é através dessas operações de correção que acabamos gerando um determinado costume de rever criticamente instâncias da relação de igualdade, sendo tal costume responsável por produzir na imaginação um padrão de correção para tal relação. “E embora esse padrão seja apenas imaginário, a ficção é bastante natural; e nem há nada mais usual para a mente do que proceder dessa maneira em qualquer ação, mesmo após o motivo que inicialmente a determinou a fazê-lo deixar de existir 12” (HUME, 2000, 1.2.4.24). Assim, no caso do tempo, por exemplo, “[...] as várias correções de nossas medidas e seus diferentes graus de exatidão têm nos fornecido uma noção implícita e obscura de uma igualdade perfeita e completa” (HUME, 2000, 1.2.4.24) 13. Hume também observou que o mesmo tipo de situação é comum em outros assuntos. Um músico, por exemplo, treina constantemente sua audição com o intuito de melhorar sua performance, e acaba procedendo da mesma forma que os que julgam sobre relações de igualdade, corrigindo a si mesmo através da reflexão e da experiência. Assim, mesmo estando inconsciente do tipo de procedimento no qual está engajado, o músico forma ao longo do tempo um padrão em sua imaginação que servirá de base para futuras correções. Hume também mencionou como exemplos o pintor e o mecânico, que promovem em suas atividades comparações que dependem dessa atividade de correção e formação de um padrão ideal. O interessante é que, nesses três casos, assim como no 12 “But tho' this standard be only imaginary, the fiction however is very natural; nor is any thing more usual, than for the mind to proceed after this manner with any action, even after the reason has ceas'd, which first determin'd it to begin”. 13 “[…] the various corrections of our measures, and their different degrees of exactness, have given us an obscure and implicit notion of a perfect and entire equality”.

da relação de igualdade, as ideias em questão não possuem correspondentes na natureza. Sons, luz, sombra, rapidez e lentidão não são coisas que encontramos no mundo independente das operações de nossas mentes, mas dependem exclusivamente do modo como percebemos certas coisas. Assim como nos casos da virtude e da beleza, poderíamos passar horas revirando um objeto qualquer e não encontraríamos nada que pudesse servir de origem para essas ideias. Quando o pintor compara dois objetos de sua impressão de acordo com sua luminosidade, não está comparando propriedades que pertençam à própria coisa. A formação de padrões de correção para nossos juízos parece estar ligada à natureza nãoobjetiva de certas coisas sobre as quais temos a necessidade de julgar com certa objetividade. Sem a possibilidade de aperfeiçoamento de nossos juízos morais, não seríamos capazes de estabelecer qualquer tipo de conjunto de regras morais com o intuito de promover o melhoramento da sociedade. Mesmo não havendo verdades absolutas no caso da moralidade, nem fundamentos racionais que nos permitam derivar verdades morais de modo infalível, o progresso moral torna-se possível através do fato de que podemos formar padrões que nos permitem decidir qual é o melhor juízo no caso em questão. Como esses padrões são derivados, em última instância, da experiência de determinadas regularidades e do intercâmbio entre os homens de uma sociedade, eles não podem ser capazes de fornecer uma medida puramente objetiva segundo a qual podemos julgar o que quer que seja, mas devem possuir uma natureza intersubjetiva, já que são produzidos na imaginação dos homens e compartilhados pelos mesmos, não sendo coisas reais mas ficções naturais que permitem a melhor organização da experiência do mundo em seus mais diversos aspectos. Obviamente, eles não seriam necessários se nossas práticas cognitivas não envolvessem coisas como crenças cujo conteúdo faz referência a entidades cuja existência está completamente presa às operações da mente humana. Além disso, parece estranhamente apropriado que uma espécie de ficção seja o melhor guia para julgarmos acerca de coisas que, de certa forma, existem apenas em nossas mentes. No entanto, apesar do propósito desses padrões e operações de correção de nossos juízos, sempre haverá a possibilidade de nossos sentimentos ou impressões iniciais não acompanharem o processo e permanecerem inadequados. De que as concepções associadas a esses sentimentos possam ser modificadas à luz do refinamento de nossos juízos, Hume não parecia ter dúvida. Como podemos ver no caso da moralidade (HUME, 2000, 3.3.3.2): Todos os objetos parecem diminuir com a distância, mas embora a aparência dos objetos aos nossos sentidos seja o padrão original segundo o qual os julgamos, ainda assim não dizemos que eles realmente diminuem com a distância; mas, corrigindo a aparência pela reflexão, chegamos a um julgamento mais constante e firme acerca dos mesmos. De forma semelhante, embora a simpatia seja mais fraca que nossa preocupação com nós mesmos, e a simpatia com pessoas distantes de nós seja bem mais fraca que a que temos com pessoas próximas e em contato conosco; ainda assim ignoramos todas essas diferenças em nossos calmos juízos acerca do caráter dos

homens14.

A reflexão nos permite corrigir nossas concepções iniciais, podendo impedir que os graus de força e vividez das mesmas determinem crenças errôneas acerca de certas situações, e, consequentemente, o tipo inadequado de sentimento moral. Porém, nem sempre os sentimentos e juízos estarão em sintonia. É perfeitamente plausível que não sintamos simpatia por um determinado indivíduo mesmo sabendo que ele a merece, principalmente no caso desse indivíduo possuir alguma espécie de relação negativa conosco ou de ser alguém que consideramos moralmente detestável por motivos pessoais. Mas é justamente na capacidade de abstrair da nossa situação particular e julgar esse indivíduo a partir de um ponto de vista geral que consiste o primeiro passo para o ato de julgar adequadamente assuntos morais. E o fato de nosso sentimento inicial permanecer inalterado não retira a validade do juízo que pronunciarmos, pois o padrão para juízos morais não consiste no sentimento particular de cada um, como diria o cético (ou o expressivista) que não acredita na existência de um sentido qualquer em nossos discursos morais quando não há fatos morais independentes da mente que os tornem verdadeiros. De qualquer forma, a validade de nosso discurso mesmo na ausência dos sentimentos ou impressões adequados é preservada pelo simples fato de que as correções realizadas nos nossos juízos resultarão em um uso mais competente e correto da linguagem. A reformulação dos juízos morais, por exemplo, por derivar do diálogo constante com outros homens, leva naturalmente ao refinamento do uso que fazemos da linguagem no que diz respeito à aplicação de termos que carregam um aspecto moral, principalmente pelo modo como expandimos e reorganizamos os conjuntos de coisas aos quais tais termos podem se referir (HUME, 1998, 5.42): Quanto mais dialogarmos com a humanidade, e quanto maior o intercâmbio social que mantermos, mais estaremos familiarizados com essas preferências e distinções gerais sem as quais nossas conversas e discursos mal poderiam ser inteligíveis uns aos outros 15.

E, como notou Coventry em seu trabalho sobre a interpretação de Hume como um quase-realista (2006, p. 132): A partir do momento no qual nós desenvolvemos as ideias abstratas relevantes e tornamo-nos conversadores habilidosos, aprendemos o truque de tomar uma posição no que diz respeito ao que cada um está inclinado a inferir a partir do quê, mesmo quando não sentimos ou acreditamos em tudo o que dizemos ou ouvimos ao exercitar essa habilidade. Assim, mesmo que nossos sentimentos e paixões mudem lentamente em contraste com as determinações de nossos juízos, o 14 “All objects seem to diminish by the distance, but tho' the appearance of objects to our senses be the original standard, by which we judge them, yet we do not say, that they actually diminish by the distance; but correcting the appearance by reflexion, arrive at a more constant and establish'd judgement concerning them. In a like manner, tho' sympathy be much fainter than our concern for ourselves, and a sympathy with persons remote from us much fainter than with persons near and contiguous; yet we neglect all these differences in our calm judgements concerning the characters of men”. 15 “The more we converse with mankind, and the greater social intercourse we maintain, the more shall we be familiarized to these general preferences and distinctions, without which our conversation and discourse could scarcely be rendered intelligible to each other”.

processo de ajustar nossos sentimentos através do uso de regras pode, apesar disso, alterar nossas ideias abstratas, e podemos corrigir o uso de termos gerais na linguagem para que se alinhem às determinações dos juízos. O padrão imaginário, portanto, determina quando podemos dizer que emitimos um juízo verdadeiro, e quando podemos usar apropriadamente os termos gerais relevantes no nosso discurso quotidiano16.

Dito isso, podemos passar para a consideração do caso supostamente problemático: O caso dos juízos que expressam relações causais.

IV

Como foi dito anteriormente, a produção de padrões na imaginação humana parece estar ligada ao caráter não-objetivo das coisas acerca das quais temos certa necessidade de julgar, e com o fato de não contentarmo-nos com a mera expressão de nossas crenças, pois pretendemos que os juízos que emitimos sejam verdadeiros. A experiência dos objetos que consideramos belos ou das pessoas que consideramos virtuosas não seria suficiente para julgarmos adequadamente sobre beleza e virtude, pois tais qualidades existiriam somente na mente humana e não nas próprias coisas. Apesar disso, podemos encontrar através da experiência uma série de regularidades conectando a aparição dos sentimentos de prazer estético ou moral e certas circunstâncias envolvendo a constituição da mente humana e dos objetos relevantes. A constatação dessas regularidades garante a formulação de regras que nos permitem avaliar, como diria Hume, a relação natural entre forma e sentimento que está por trás de todo o sentimento envolvendo beleza ou aprovação moral. Também foi considerada anteriormente a tese de Hume de que a necessidade causal não passa de uma espécie de sentimento que temos quando a mente é determinada a passar da causa para o efeito ou do efeito para a causa. Embora os objetos que estão na relação causal sejam objetos de nossa experiência do mundo e não produções de nossa mente, não há impressão alguma que corresponda à ideia de conexão causal. A conexão em si está em nossa imaginação, mas não o que está conectado. Uma das consequencias desse fato é a inexistência de qualquer garantia puramente objetiva que nos permita identificar e distinguir casos genuínos de relações entre causas e efeitos de meras conjunções arbitrárias entre objetos que nos afetem de modo razoavelmente frequente. Como 16 “Once we have developed the relevant abstract ideas and become skilled conversationalists, we learn the trick of taking a stance with regard to what one is inclined to infer from what even if we do not feel or believe everything we say or hear in exercising this ability. Thus, even though our sentiments and passions might change slowly in contrast to the determinations made by judgement, the process of adjusting our sentiments by the use of rules can nonetheless alter our abstract ideas, and we can correct our usage of general terms in language accordingly to align with the determinations of judgement. The imaginary standard thus establishes when one can be said to make a true judgement, and when one can appropriately use the relevant general terms in everyday discourse”.

afirmou o próprio Hume, “Quando objetos não são contrários, nada os impede de não ter aquela conjunção constante na qual a relação de causa e efeito depende completamente” 17 (2000, 1.3.15.1). Por esse motivo, Hume apresentou como uma solução para tal problema um conjunto de regras para julgar de modo mais adequado sobre relações causais. Essas regras permitiriam a identificação correta das causas e efeitos que realmente estão em questão, além de estabelecer alguns princípios que nos diriam como funcionam as relações entre tais causas e efeitos. Além disso, as regras devem nos ensinar como distinguir as circunstâncias relevantes das supérfluas na ocorrência do evento causal, o que seria sua vantagem mais importante. Assim como o homem de gosto refinado deve ser capaz de distinguir de modo mais exato possível os componentes (da mente e do objeto) relevantes para a produção do sentimento do belo, alguém que pretenda julgar bem sobre relações causais deve saber identificar os mais sutis fatores causais na rede complexa de elementos envolvidos na situação examinada. Na verdade, o que o crítico de arte faz no que diz respeito à aplicação das regras da arte nada mais é do que uma versão mais específica do que faz aquele que se aplica no julgamento correto acerca de causas e efeitos; afinal, toda a relação entre o sentimento e forma deve ser analisada em termos causais para que faça algum sentido. O mesmo pode ser dito daquele que pretende estabelecer regras gerais no âmbito da moralidade, pois deve estar atento à relação entre determinados tipos de caráter e o sentimento de aprovação ou censura em determinados contextos mentais. Assim como nos casos considerados anteriormente, também precisamos revisar constantemente nossas concepções envolvendo conexões causais. A mera observação de objetos frequentemente unidos pode levar a uma série de enganos e preconceitos, e por isso é preciso atenção aos detalhes das relações que consideramos. Nesse sentido, as regras apresentadas por Hume servem de guia para a correção e elaboração mais cuidadosa de nossos juízos causais. Como nos casos anteriores, é plausível pensar que a prática de correção segundo regras leve à formação natural de um padrão na imaginação que esteja relacionado com os juízos de caráter causal. Ora, de certo modo, aqueles que estão em uma situação apta a julgar corretamente acerca de assuntos morais e estéticos também devem estar no caso dos juízos causais, já que o que estaria sendo julgado nos outros dois casos seria a tendência de certa conjunção entre a constituição mental e a estrutura do objeto a produzir o sentimento relevante, ou seja, uma relação causal em última instância. A diferença seria a de que, em um caso, haveria apenas um sentimento envolvido, que é o sentimento de determinação da mente. Obviamente, os detalhes adicionais que encontramos no caso dos juízos estéticos e morais não são irrelevantes, mas o ponto aqui é que estamos fazendo basicamente a mesma coisa quando 17 “Where objects are not contrary, nothing hinders them from having that constant conjunction, on which the relation of cause and effect totally depends”.

formulamos os três tipos de juízo: Estamos julgando objetos de acordo com propriedades que eles não possuem na realidade, e cuja existência se dá inteiramente na mente humana. E é através da revisão e correção constante de nossos juízos e das relações com outros homens que podemos nos afastar de nossa experiência particular e passar para um ponto de vista mais genérico, a partir do qual podemos julgar mais adequadamente mesmo que não o façamos de modo puramente objetivo, já a natureza daquilo sobre o qual estamos julgando não nos permite tal coisa. No entanto, a ausência de qualquer menção à produção de um padrão que sirva para garantir que um juízo causal seja preferível a outro parece certamente estranha se consideramos tão natural a semelhança entre esses juízos e os morais e estéticos. Por outro lado, podemos imaginar sem muita dificuldade o análogo do crítico de arte no caso da causalidade – o “practiced causalist”, como Coventry o chamou. Assim, como o crítico, o “practiced causalist” deve ser alguém em posse de uma imaginação delicada, apta a perceber certas sutilezas em meio à confusão de dados que a experiência nos fornece, e deve realizar seus julgamentos apenas quando encontrar-se na situação ideal, para que não haja nenhuma espécie de obstáculo interno à estrutura da mente que entre no caminho de um bom julgamento. Além dessa e de outras semelhanças, tais especialistas em assuntos causais ainda seriam responsáveis por fornecer à humanidade um padrão de verdade para os juízos causais, da mesma forma que o padrão de verdade para questões de gosto nos é dado pelos críticos de arte humeanos. No entanto, não há indicações nos textos de Hume que nos permitam concluir que ele pensava dessa forma, embora essa figura criada por Coventry nada mais seja do que um cientista ou qualquer outro tipo de pessoa que se empenhe em refinar suas análises causais. De qualquer forma, a questão parece ser acerca da necessidade de um padrão que nos indique os juízos corretos ou verdadeiros no que diz respeito às relações causais. Se voltamos nossa atenção novamente ao caso dos juízos estéticos e morais, vemos que, mesmo havendo algo de natural na relação entre os sentimentos e certos estados de coisas, o modo como estabelecemos a verdade de nossos juízos nesses casos depende de um padrão intersubjetivo e não da descoberta de propriedades nos próprios objetos. No caso dos juízos causais, poderíamos dizer, assim como os que interpretam Hume como um realista nesse âmbito de sua filosofia, que são as regularidades encontradas na natureza que nos permitem considerar alguns juízos como verdadeiros e outros como falsos. O problema é que Hume foi bastante claro em sua defesa de que a fonte de nossa ideia de causalidade não é natureza, mas um sentimento. Seria minimamente estranho que também defendesse que a verdade de um juízo causal é dada pela correspondência com uma estrutura causal da natureza independente de nossa mente, já que tal estrutura sequer desempenha algum papel em nossas crenças sobre relações causais, sendo completamente

inacessível a nós. Não há uma fonte puramente objetiva para a verdade de nossos juízos nesse caso. E, como também não faria sentido afirmar que o padrão de verdade de tais juízos é dado unicamente pelo sentimento de cada um, pois assim a ciência sequer seria possível, a alternativa mais consistente com o pensamento humeano parece ser a de que a preferência por certos juízos causais em detrimento de outros é dada por um padrão constituído intersubjetivamente; seja esse padrão o sentimento do “practiced causalist” descrito por Coventry ou qualquer outra coisa semelhante. Além disso, o fato de que submetemos nossos juízos à revisão e à correção constante deveria levar ao mesmo tipo de consequencia que encontramos nos outros casos nos quais tal prática é necessária para o refinamento das concepções humanas: A formação de um padrão ideal que utilizamos para estabelecer quais julgamentos são mais apropriados no caso que estivermos a considerar. Afinal, a mente humana funciona segundo certas leis, e mesmo que Hume não tenha sido explícito sobre a existência de qualquer padrão para juízos causais, é natural esperarmos que obteremos o mesmo tipo de efeito do mesmo tipo de causas, como nos diria a quarta regra de Hume para julgamos sobre relações causais. Além disso, a ideia de padrão parece desempenhar um papel interessante para um filósofo como Hume. Como vimos no início deste texto, o problema que Hume se colocou para resolver envolvia a busca por uma posição consistente e eficaz entre dois extremos que, devido aos seus problemas particulares, não poderiam fornecer a melhor teoria. De um lado, o cético que nega qualquer possibilidade de julgarmos corretamente acerca da beleza devido ao fato de que ela existe somente no sentimento dos homens; de outro, o senso comum que afirma a existência de distinções reais de gosto e beleza. A negação da beleza como propriedade das coisas mesmas deixou Hume com a complicada tarefa de encontrar um caminho intermediário que desse legitimidade a nossas intuições e práticas mais básicas sem perder-se em um ceticismo que nada diz ou uma posição metafísica que diz mais do que poderia dizer, e esse caminho passava por um padrão do gosto constituído intersubjetivamente. Pensando na questão da causalidade, seria razoável pensar que a solução fosse a mesma, mesmo que tivesse sido deixada implícita. O apelo a um padrão de verdade intersubjetivo parece a solução ideal (ou uma delas) para quem não quer se comprometer com a ideia de que a verdade de nossos juízos causais é fundamentada na estrutura real do mundo, e nem chegar ao ponto de negar toda validade a tais juízos devido ao fato de que a causalidade é algo meramente psicológico. Isso nos leva a um outro ponto que foi deixado de lado até aqui – será que realmente podemos falar em verdade ou padrões de verdade de juízos causais, estéticos ou morais? Caso consideremos que a noção exclusiva de verdade seja aquela encontrada nas teorias realistas, a resposta deve obviamente ser “não”. A ideia de verdade enquanto correspondência entre o que é expresso em nossos juízos e algum estado de coisas no mundo não faz sentido algum no que diz respeito a esses três tipos de

juízo. Não que Hume não tenha utilizado essa noção de verdade. Em dois momentos do seu tratado (HUME, 2000, 2.3.10.2 // 3.1.1.9), encontramos definições semelhantes de “verdade”: “Existem dois tipos de verdade, consistindo na descoberta da proporção entre ideias, consideradas enquanto tais, ou na conformidade de nossas ideias de objetos a sua existência real”; “Verdade ou falsidade consistem em acordo, ou com a real relação entre ideias, ou com a existência e fatos reais”18. A questão é saber se esse tipo de definição de verdade pode esclarecer de algum modo a posição que os juízos causais devem ocupar com relação aos estéticos e morais. Como sabemos, julgar corretamente no âmbito moral nada tem a ver com a descoberta de qualquer relação entre ideias, já que isso é próprio da razão e não possui relação alguma com a moralidade. Mas também não é questão de fato sabermos qual juízo moral deve ser preferido. Segundo Hume, nunca acharemos a virtude no objeto que despertou em nós o sentimento de aprovação moral. Sendo assim, não há correspondência possível entre minha ideia do objeto com a sua existência real enquanto essa ideia envolver qualquer conteúdo moral. O mesmo pode ser dito no caso dos julgamentos estéticos. E, pelo menos aparentemente, também pode ser dito no caso dos juízos causais. Julgar corretamente sobre causas e efeitos não consiste na descoberta de relações formais entre ideias, mas parece envolver o acordo entre o que é dito sobre a conexão causal e as circunstâncias reais. No entanto, não encontramos em tais circunstâncias qualquer coisa que possa corresponder a nossa ideia de causalidade, já que esta somente pode ser encontrada na mente humana sob a forma de um sentimento de determinação da mesma. Se pensarmos (em termos humeanos) no que realmente estamos fazendo quando dizemos que dois objetos A e B estão em uma relação causal determinada, não parece haver nada muito diferente do que ocorre no caso dos juízos estéticos, por exemplo; pois estamos afirmando uma espécie de relação entre A e B e um determinado sentimento. Ou também podemos dizer que estamos expressando uma reação de nossa mente à percepção de A ou B, já que nossas inferências causais consistem na passagem natural da impressão de um objeto para a ideia de outro. Assim, considerando-se a presença necessária de uma referência a algo mental no nosso discurso causal, somos levados à conclusão de que a noção de verdade como adequação que o próprio Hume utilizou em certos momentos não é ela mesma adequada ao que fazemos quando julgamos sobre relações causais. Novamente, o apelo a um padrão intersubjetivo é o que vai nos assegurar a preferência de um juízo a outro, mas significaria isso que o juízo mais apropriado é o verdadeiro? Caso consideremos essa questão em termos mais pragmáticos, não haveria motivo para não falar em padrões de verdade para juízos. O juízo mais apropriado é simplesmente aquele que for mais 18 “Truth is of two kinds, consisting in the discovery of the proportions of ideas, consider'd as such, or in the conformity of our ideas of objects to their real existence” // Truth or falsehood consists in agreement either to the real relations of ideas or to the real existence or matter of fact”.

coerente com o contexto considerado, e, nesse caso, parece pouco importar que deva haver uma correspondência entre fatos e sentenças para que possamos chamar tais juízos de verdadeiros. Na realidade, o mais relevante parece ser o fato de que esses juízos que consideramos como verdadeiros desempenham exatamente o mesmo papel que os juízos que seriam verdadeiros de acordo com a definição utilizada por Hume, e talvez esse tenha sido um motivo que levou o filósofo a não deter-se muito na elaboração de outra definição de verdade. De qualquer modo, caso o uso do termo “verdade” nesses casos não seja apropriado, basta utilizarmos outro. O que importa é que o fato desses juízos não comportarem-se como juízos cuja verdade é dada pela correspondência com estados de coisas no mundo não parece ser suficiente para diminuir sua validade no nosso discurso. Dito isso, podemos retornar à questão presente no fim da segunda seção deste texto: Caso admitamos que a noção de verdade relativa a padrões intersubjetivos é realmente válida, e que tais padrões são indispensáveis mesmo no caso dos juízos causais, então poderemos dizer que Hume ultrapassou os limites do mero expressivismo ou projetivismo com algum sucesso, pelo menos no sentido de que foi capaz de fornecer uma alternativa razoavelmente coerente ao realismo ao mesmo tempo em que conseguiu legitimar nossas práticas tipicamente realistas. O constante envolvimento em discussões cujo objetivo é atingir o consenso em assuntos morais ou estéticos, por exemplo, não seria totalmente destituído de sentido, já que realmente podemos resolver uma boa parte de nossos conflitos nessas áreas através de um padrão que nos garante que um juízo deve ser preferido ao outro. Não precisaríamos sequer reformular todos nossos hábitos discursivos para eliminar qualquer referência à verdade no caso desses juízos, ou a forma sujeito-predicado de nossas sentenças. E, interpretando Hume como uma espécie de quase-realista, podemos ter alguma esperança de conciliar os conflitos existentes dentro de sua obra e que naturalmente deram origem a posições radicalmente opostas entre os seus intérpretes, pois essa posição intermediária nos fornece uma maneira razoável de explicar os elementos realistas e anti-realista presentes em seus textos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BLACKBURN, Simon. Essays in Quasi-Realism. Oxford: Oxford University Press, 1993. ______. Oxford Dictionary of Philosophy (ed.). Oxford: Oxford University Press, 1994. COVENTRY, Angela. Hume’s Theory of Causation: A Quasi-Realist Interpretation. London: Continuum, 2006. HUME, David. A Treatise of Human Nature. D. F. Norton and M. J. Norton (eds.), Oxford: Oxford University Press, 2000. ______. An Enquiry concerning Human Understanding. Edited by Tom L. Beauchamp. Oxford: Oxford University Press, 1999. ______. An Enquiry concerning the Principles of Morals. Edited by Tom L. Beauchamp. Oxford: Oxford University Press, 1998. ______. Essays: Moral, Political, and Literary. Ed. Eugene Miller. Indianapolis: Liberty Fund, 1987.

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