JULIANA CARDOSO MARQUES

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JULIANA CARDOSO MARQUES

Às armas e às artes, O espaço sob a tensão da ruptura ou Uma reflexão sobre a questão da política e a produção arquitetônica na modernidade

BELO HORIZONTE, MINAS GERAIS ESCOLA DE ARQUITETURA DA UFMG 2015

JULIANA CARDOSO MARQUES

Às armas e às artes, O espaço sob a tensão da ruptura ou Uma reflexão sobre a questão da política e a produção arquitetônica na modernidade

Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado da Escola de Arquitetura da Universidade Federal de Minas Gerais, como requisito à obtenção do título de Mestre em Arquitetura. Área de Concentração: Teoria, produção e experiência do espaço Orientadora Celina Borges Lemos

BELO HORIZONTE, MINAS GERAIS ESCOLA DE ARQUITETURA DA UFMG 2015

Autorizo a reprodução e divulgação total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio convencional ou eletrônico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a fonte. Assinatura: E-mail: [email protected]

Para Célia e Euclides.

Agradecimentos

Agradeço às professoras Celina Borges e Rita Velloso pelo apoio em todas as etapas desse trabalho. Agradeço aos meus pais pelo suporte emocional e material. Agradeço ao programa de Pós Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Minas Gerais pelas condições para a realização desse trabalho. Agradeço ao CNPQ pelo suporte financeiro indispensável.

Louvor do Revolucionário Quando a opressão aumenta Muitos se desencorajam Mas a coragem dele cresce. Ele organiza a luta Pelo tostão do salário, pela água do chá E pelo poder no Estado. Pergunta à propriedade: Donde vens tu? Pergunta às opiniões: A quem aproveitais? Onde quer que todos calem Ali falará ele E onde reina a opressão e se fala do Destino Ele nomeará os nomes. Onde se senta à mesa Senta-se a insatisfação à mesa A comida estraga-se E reconhece-se que o quarto acanhado.

é

Pra onde quer que o expulsem, para lá Vai a revolta, e donde é escorraçado Fica ainda lá o desassossego. Bertolt Brecht, in 'Lendas, Parábolas, Crônicas, Sátiras e outros Poemas' Tradução de Paulo Quintela

Resumo Este estudo realiza uma revisão da literatura teórica de arquitetura referente ao final do século XVIII, e busca uma compreensão, para além dos fatores econômicos ou técnicos, da questão política como também parte das forças que atuam na produção arquitetônica. Ela trata da relação entre política e produção arquitetônica em épocas de ruptura à revolução francesa. É considerada a questão da ruptura política como propulsora de mudanças na relação com o espaço, símbolos, a relação como próprio fazer e o pensar da arquitetura. Em especial, é refletida a questão da própria narrativa histórica, e de como a modernidade nos coloca num novo regime de historicidade, e, portanto de novas relações entre passado e futuro. As implicações desse fato se dão na narrativa factual de estilos ou formas, e se torna também parte da produção do objeto arquitetônico. Palavras chave: arquitetura, política, século XVIII, revolução, teoria da arquitetura

Abstract: This study conducted a review of the theoretical literature concerning architecture at the end of the eighteenth century, and seeks an understanding, in addition to economic factors or technical, the political issue but also of the forces at work in architectural production. It deals with the relationship between politics and architectural production in break times of the French Revolution. It is considered the question of political disruption as a driver of change in relation to space, symbols, the relationship as own doing and thinking architecture. In particular, it reflected the issue of own historical narrative, and how modernity puts us in a new regime of historicity, and therefore new relationships between past and future. The implications of this are given in the factual narrative of styles or shapes, and also becomes part of the production of the architectural object. Keywords: architecture, politics, eighteenth century revolution, architectural theory

L

ista de Figuras

FIGURA 1- Paul Klee, Angelus Novus, 1920- página 12 FIGURA 2- William Blake, The Ancient of Days, 1794- página 22 FIGURA 3- William Blake, Newton, 1795-c1805- página 23 FIGURA 4- Mapa da Paris Revolucionária- página 29 FIGURA 5- Ilustração da cabana primordial do tratado sobre arquitetura do abade Laugier- páginas 34 FIGURA 6- Nicolas-Antoine Taunay_ Triunfo da Guilhotina, 1795-página 40 FIGURA 7 –Capa de Aux Armes ET Aux Arts, Journal de La Societé Republicaine dês Artes, 1793-página 56 FIGURA 8- Jean Louis David, A morte de Marat, 1793-página 58 FIGURA 9- Cenotáfio de Newton, Étienne-Louis Boullée, página 61 FIGURA 10-Claude-Nicolas Ledoux- Salinas de Chaux- página 62 FIGURA 11- Claude-Nicolas Ledoux- Salinas de Chaux- página 64 FIGURA 12- Claude-Nicolas Ledoux- Salina de Chaux- Barriére do Parc Monceaux, Paris-página 70 FIGURA 13- Claude-Nicolas Ledoux- Salina de Chaux- página 71 FIGURA 14- Claude-Nicolas Ledoux- Salina de Chaux- página 72 FIGURA 15- Claude-Nicolas Ledoux- Salina de Chaux- página 73 FIGURA 16- Claude-Nicolas Ledoux- Salina de Chaux- página 74

S

umário

INTRODUÇÃO ................................................................................................. 11

CAPÍTULO 1 OU DAS FUNDAÇÕES ............................................................. 21 1.1-Sobre a modernidade ............................................................................. 22 1.2-Da Forma Política Moderna .................................................................... 29 1.3-Do Historicismo ....................................................................................... 40

CAPÍTULO 2 OU DA LIBERDADE .................................................................. 44 2.2-A liberdade dos Modernos ...................................................................... 49 2.1-A questão da representatividade na República- Aux Armes et Aux Arts . 52

CAPÍTULO 3 OU DA RAZÃO .......................................................................... 59 3.1-São os arquitetos geômetras? ................................................................ 60 3.2-Arquitetura e uma função educadora ...................................................... 67

CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................. 76

ANEXOS .......................................................................................................... 80

REVISÃO BIBLIOGRÁFICA ............................................................................ 82

Às armas e às artes: o espaço sob a tensão da ruptura

I

ntrodução

“A causa revolucionária é a liberdade (ao contrário da causa das guerras)” Hanna Arendt

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Às armas e às artes: o espaço sob a tensão da ruptura

Figura 1 Há um quadro de Klee que se chama Angelus Novus. Representa um anjo que parece querer afastar-se de algo que ele encara fixamente. Seus olhos estão escancarados, sua boca dilatada, suas asas abertas. O anjo da história deve ter esse aspecto. Seu rosto está dirigido para o passado. Onde nós vemos uma cadeia de acontecimentos, ele vê uma catástrofe única, que acumula incansavelmente ruína sobre ruína e as dispersa a nossos pés. Ele gostaria de deter-se para acordar os mortos e juntar os fragmentos. Mas uma tempestade sopra do paraíso e prende-se em suas asas com tanta força que ele não pode mais fechá-las. Essa tempestade o impele irresistivelmente para o futuro, ao qual ele vira as costas, enquanto o amontoado de ruínas cresce até o céu. Essa tempestade é o que chamamos progresso. Walter Benjamim, Teses sobre o conceito de história, 1940

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Às armas e às artes: o espaço sob a tensão da ruptura

Diferentemente do Anjo da História, olhamos para o final do século XVIII com a distância que a tempestade do progresso impõe. Suas catástrofes são fatos que obliteramos como parte do amontoado de fragmentos. A pergunta que será feita ao longo desse texto é: qual ruína está sob nossos pés? E sobre essa ruína nos detemos na relação entre a produção e pensamento da arquitetura a partir do advento revolucionário no final do século XVIII. Usualmente a questão da política, na história da arquitetura, é tratada como parte do contexto sócio econômico, promotor de novas formas de representação e técnicas que influenciam a produção arquitetônica, bem como as demais belas artes. A proposta dessa pesquisa é, diferentemente, colocar a política (especialmente no que tange ao poder) num plano dialógico com a produção arquitetônica. Por tratar-se de uma história do pensamento, esse período foi escolhido por tratar do ponto crítico da prática política iluminista e por inaugurar a forma política da Revolução Moderna1. O projeto iluminista propõe um sujeito que ultrapassasse uma relação com o mundo heterônoma (regras de conduta são exteriores à consciência) para a autônoma (capacidade de legislar a si mesmo, na definição kantiana)2. A autonomia é uma conseqüência da plenitude do uso da razão na vida quotidiana em seus diversos aspectos, desde a relação interpessoal até a relação com as várias esferas hierárquicas. Podemos concluir assim que o ideário iluminista atua na produção do espaço em duas condicionantes

1

Como afirma Hanna Arendt em Sobre a Revolução. Kant define o conceito de heteronomia e autonomia primeiramente na Fundamentação Metafísica dos Costumes 2

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Às armas e às artes: o espaço sob a tensão da ruptura

essenciais para seu pensamento e organização: primeiramente teríamos as condições do uso e da recepção, expressas na elaboração de programas de uso, na funcionalidade das edificações, nas experimentações estéticas e em especial na questão do gosto -conceito esse caro ao período- que são do campo quotidiano e subjetivo. Segundamente as condicionantes da imagem das instituições, organização de novas formas de poder pós revolução e, não obstante, as novas formas de controle social, essas formuladas pelo poder político. Busca-se aqui imaginar se uma mudança na forma de se conceber a política não poderia proceder também em mudanças na forma de se produzir arquitetura3. Hannah Arendt, em ”O que é a política” define política como o que trata da convivência entre diferentes4. Se para a ciência o Homem, ou a Humanidade, é uma espécie de ente uno, a política é o local teórico onde se considera a relação entre os componentes desse corpo, afirmando que “a política organiza, de antemão, as diversidades absolutas de acordo com uma igualdade relativa e em contrapartida diferenças relativas5. Ao se pensar o convívio das diferenças proposto por essa definição de político, o espaço produzido pelo homem, ou seja, o produto da arquitetura- promove a existência de diferenças e subjetividades ou é criado para um indivíduo universal? Caso se pense arquitetura para o homem universal, é retirado de sua essência o 3

Impossível não se referir aqui à famosa frase de Marx : “As revoluções são a locomotiva da história” 4 Hannah Arendt, em O que é política, define política justamente como a ciência que trata das subjetividades em sua diferença, ao contrário das demais ciências que tratam de um objeto em suas semelhanças como grupo. 5 Ibdem

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Às armas e às artes: o espaço sob a tensão da ruptura

político e portanto, a possibilidade de contemplação do dissenso. Porém seria possível entender na produção da arquitetura um pensamento sobre o convívio da diversidade? Pensar-se-á aqui o pensamento da arquitetura inserido nas linguagens capazes de relacionar o poder estabelecido com a vida comum, tal qual o poder econômico e o poder político. Ao inserirmos a arquitetura como linguagem e forma de pensamento que incide na vida quotidiana das pessoas, ela passa a compor a máquina de produção de uma sociedade, sendo, portanto não só resultado formal de uma estrutura heterônoma, mas ela mesma parte pra reprodução política e econômica. A revolução política francesa e a revolução industrial inglesa são marcos do princípio da modernidade que aqui se trata. Como o foco desse trabalho é a ruptura política, será analisado, portanto, o pensamento a respeito da produção do espaço para uma nova ordem sócio-política. Assim será trabalhada a espacialização dos ideais contidos nas expressões políticas dos ideais revolucionários como na declaração dos direitos do Homem e do Cidadão de igualdade, liberdade, individualidade e subjetividade, distinção, autonomia e propriedade, controle social e espaço da aparência.6 A ação política da teoria iluminista é a Revolução. A Revolução que termina por acontecer, a revolução moderna, como Hannah Arendt irá definir em Sobre a Revolução, ou a forma de ação política moderna nasce da idéia de pela 6

Espaço da aparência é o conceito criado por Hannah Arendt que distingue a forma moderna do social da antiga do público.

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Às armas e às artes: o espaço sob a tensão da ruptura

primeira vez o povo entrar em luta para depor um sistema político vigente. Como

Arendt

explica,

até

então

as

disputas

políticas

aconteciam

separadamente da vida comum. A mudança de uma casa feudal ou a deposição de um rei podia gerar conseqüências como fome, doença e morte, porém a forma política não tinha conseqüência direta para essa mesma população. A revolução francesa inaugura essa possibilidade de tomada de poder pelo povo. Tal mudança na relação com o governo, a representação e a produção de leis provocará uma mudança inequívoca na forma de se pensar e entender o mundo sensível7, o que Jacques Rancière irá denominar de Revolução Estética8. Minha hipótese aqui é a de que existe uma relação intrínseca entre a maneira de se experienciar o mundo e a maneira de se agir nesse mundo, e, portanto, na forma de se compreender o próprio ato da produção arquitetônica. Tomo aqui a noção de que produzir espaço é uma ação no mundo, e portanto, um ato político, imbuído evidentemente de valores estéticos, ou da sensibilidade. Portanto deveríamos relacionar os dois sistemas de produção de pensamento, que produzem experiências e ao mesmo tempo são produtos dos conjuntos de forças atuantes no mundo. Apesar do desenrolar da Revolução Francesa não necessariamente tenha culminado com a plena República na

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Tal mudança é tão impactante em meados do século XVIII que o próprio termo estética será criado por Baumgarten em 1735 e posteriormente desenvolvido pelo mesmo em 1750. Posteriormente Kant irá definitivamente criar a formulação do pensamento sobre o gosto, na terceira crítica, consolidando assim uma filosofia da sensibilidade humana, para além de definições clássicas sobre o Belo ou o Sublime, mas sobre o sujeito entendendo subjetivamente os efeitos da beleza. 8 Rancière utiliza a expressão revolução estética em diversos textos, destaco aqui a Partilha do sensível.

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Às armas e às artes: o espaço sob a tensão da ruptura

França, que efetivamente só conseguirá ser realmente implementada ao final do século XIX, a proposta da forma política revolucionária é a República. E no espírito de liberdade e autonomia iluminista surge a forma representativa. Pela primeira vez serão eleitos representantes do povo que deverão governar e legislar de acordo com os interesses da população. Anthony Vidler, em The Scenes of the Street, dá nome ao capítulo de 1750-1871 de Transformações no Ideal e na Realidade9, e ao tratar das transformações

radicais

desempenhadas

pelas

revoluções

econômica

(industrial) e política (francesa) afirma que filósofos e arquitetos irão divergir em suas propostas para o mundo em rápida transformação de acordo com os interesses que serviam, sendo relegado aos arquitetos o ato de recriar a forma ideal, forma essa herdada da tradição renascentista. Enquanto isso aos filósofos coube ou sonhar utopias anti-urbanas, de jardins do Éden perdidos ou criar esquemas que contradiziam seus ideais de civilização. A questão aqui é: se para os filósofos restava negar a cidade e aos arquitetos atingir um ideal que já não era mais possível, o que essa ruptura criou na forma de se imaginar o espaço? A metodologia desse trabalho se constitui em uma relação entre a história da arquitetura, na figura de autores modernos e contemporâneos como Emil Kaufmann, Anthony Vidler, Lewis Mumford, Leonardo Benévolo, Hanno Kruft e Richard Etlin, e do final do século XVIII, como o já citado Abade Laugier, e textos e projetos de arquitetos revolucionários como Claude Nicolas Ledoux. 9

No original Tranformations in Ideal and Reality, tradução minha

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Às armas e às artes: o espaço sob a tensão da ruptura

Essa relação propõe a construção de um panorama da arquitetura neoclássica em relação aos conceitos fundamentais para a política revolucionária, ou como os ideais de liberdade, igualdade, propriedade, e social. Pretende-se aqui pensar na ação do pensamento sobre o espaço diante das novas formas de se agir no mundo, (ou como gostaria Kant, na chegada do homem à sua maioridade). E será seguida a sugestão de Anthony Vidler no artigo Pesquisando Arquitetura Revolucionária10, na qual ele afirma “(...) sugeriria que seria possível se escrever uma história da arquitetura durante a Revolução que estaria menos preocupada em encontrar uma alusiva “arquitetura da revolução”, mas ao invés disso estudar os vários papéis, modos e usos da arquitetura durante o período revolucionário.” Partindo, portanto, dos referidos marcos teóricos, e consideramos a Revolução moderna é a forma de ação política Iluminista, cujos princípios norteadores são Liberdade e Razão. Essa ação se dá tanto no domínio do quotidiano quanto na organização política. Na arquitetura a ação quotidiana se dá no uso, recepção e experiência estética. No campo político, na imagem, novas formas de poder e controle social. Portanto propomos investigar em qual forma a construção do pensamento Iluminista, fundamentalmente nas idéias de Liberdade, Razão e Autonomia se manifesta na formulação arquitetônica a partir, das suas relações com Gosto, Educação e Controle Social. Assim serão analisadas: A fundamentação teórica da arquitetura do final do século XVIII, a conceituação do Gosto, a fundação de uma simbologia que superasse a 10

Tradução da autora, original Researching Revolutionary Architecture de 1991

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Às armas e às artes: o espaço sob a tensão da ruptura

simbologia religiosa para uma simbologia da Razão. A questão da idéia de arquitetura educadora, com a proposta de arquitetura parlante de Claude Nicolas Ledoux, particularmente no projeto da cidade industrial de Chaux. O texto foi estruturado em três capítulos, cada um representando um ideal revolucionário e sua reverberação na produção arquitetônica do final do século XVIII. Essa estrutura não esgota o assunto, apenas traz a luz possíveis relações entre o pensamento revolucionário e suas representações. O primeiro capítulo apresenta as fundações teóricas que servirão de base para a análise, ou seja modernidade do final do século XVIII, a Revolução Política Moderna e as mudanças no regime de temporalidade através das noções de historicismo. O segundo capítulo trata da Liberdade. O ideal de Liberdade, conceito central ao pensamento iluminista e um dos principais motes não só da revolução francesa, mas das revoluções seguintes durante o século XIX se expressa espacialmente? Para tanto serão analisadas as idéias em ralação ao trabalho do arquiteto contidos no Journal de La societé dês Arts, e em seguida a transição do rococó e o nascimento do Neoclassicismo, estilo que temporalmente se compreende no período revolucionário. Finalmente poderse-á aqui fazer uma tentativa de compreender a emergência da questão do gosto como parte de um sistema de valores republicanos. No terceiro capítulo será introduzida a idéia de Razão e sua relação com o conceito de potencial educador da arquitetura, ilustrado principalmente na arquitetura parlante de Claude Nicolas Ledoux em seus projetos para a cidade industrial de Chaux, projeto em que simultaneamente são repensadas tanto as questões da

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Às armas e às artes: o espaço sob a tensão da ruptura

hierarquia e suas relações com um novo tipo de cidade (a industrial) e simultaneamente, apara essa convivência com novas formas sociais é proposta uma função educadora para as edificações.

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Às armas e às artes: o espaço sob a tensão da ruptura

C

apítulo 1

“Um presente que se compreende, a partir do horizonte dos novos tempos, como a atualidade da época mais recente, tem de reconstituir a ruptura com o passado como uma renovação contínua. É nesse sentido que os conceitos de movimento,

que

juntamente

com

no as

século

XVIII,

expressões

“modernidade” ou “novos” tempos, se inserem

ou

significados, revolução,

adquirem

seus

novos

válidos

até

hoje:

progresso,

desenvolvimento,

crise,

emancipação, espírito

do

tempo, etc.“ Jürgen Habermas

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1.1 Sobre a Modernidade

Sobre qual período da modernidade será trabalhado nesse texto e o que é o período revolucionário

Figura 2 Sick the mountains! and all their vineyards weep, in the eyes of the kingly mourner; Pale is the morning cloud in his visage. Rise, Necker! the ancient dawn calls us To awake from slumbers of five thousand years. I awake, but my soul is in dreams; From my window I see the old mountains of France, like agèd men, fading away. William Blake, The French Revolution

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Na figura 2, William Blake, pintor e poeta inglês que viveu entre 1757 e 1827, ilustra O Ancião dos dias como um deus que se coloca sobre o mundo com raios que se assemelham a um compasso, ou seja, um deus que atua a partir de princípios da matemática e da física. O deus de Blake, portanto, não cria as regras que regem o universo, mas trabalha a partir delas. A teoria newtoniana que unifica a movimentação dos pequenos objetos quotidianos à dos corpos estelares precede até mesmo a existência divina. A ciência após Newton unifica, portanto, o homem ao cosmos. Willliam Blake canta a Revolução Francesa num poema em sete partes e olha, de sua janela na Inglaterra, o mundo antigo evanescer. Seu mundo nasceu como idéia na revolução cientifica do século XVI (como podemos ver na figura 3 Newton cravado em pedra, como um deus grego que é feito da própria natureza enquanto simultaneamente a cria), porém só se torna concreto na queda da Bastilha.

Figura 3

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Às armas e às artes: o espaço sob a tensão da ruptura

A Modernidade e todas as suas implicações na razão, no modelo científico, nas relações de poder e suas visibilidades e invisibilidades é a fundação clássica do olhar contemporâneo. E, como toda fundação, possui uma mitologia profusa, inspira horror admiração e de forma contumaz o desejo de sua superação. Ao mesmo tempo em que nos debruçamos em, ora analisar a genealogia da modernidade e ora buscar enunciados teóricos que nos permitam desconstruí-la, elaboramos várias hipóteses da sua origem. Frederic Jameson, no início de Ancients e Post Moderns, por exemplo, afirma que para ele o início da modernidade é precisamente o Concílio de Trento11. Ele irá analisar a arte barroca como fundamental como início de nossa modernidade ocidental: a contra reforma católica iria expressar tanto artisticamente quanto como repressão (a Santa Inquisição) uma expressão que ele considera fundamental para entender nossa contemporaneidade. Já ao tratar de literatura, Antoine Compagnon em Os cinco paradoxos da Modernidade, determina seu início a partir do final do século XIX, especialmente na flanêrie de Baudelaire. Dos livros de história da arquitetura utilizados nesse trabalho, de Frampton, e o de Benévolo, iniciam sua história da arquitetura moderna em meados do século XVIII e rapidamente analisam o período entre 1750 e 1850 como espécie de ante-câmera da modernidade, ou os primeiros movimentos formais, teóricos e técnicos que resultariam, precisamente, no Modernismo. Jünger Habermas, no célebre discurso Modernidade: um projeto inacabado, afirma que a palavra “moderno” foi primeiramente empregada no final do século

11 Realizado de 1545 à 1563

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Quinto, para distinguir o presente Cristão do passado Romano e Pagão. O autor prossegue explicando que a partir de então, em todo momento na Europa que surge uma consciência de nova era, através da relação com um passado clássico, o termo moderno emerge. Porém é com o Iluminismo e a idéia de ciência em eterno progresso do pensamento, que levaria também a progresso social e moral, que a idealização de uma era clássica é substituída pelo entusiasmo da novidade. O historiador e filósofo francês Marcel Gauchet em “Quand les droits de l’homme deviennent une politique”12, define essas diversas etapas de modenidades como “três ondas”: “O que especifica modernidade desde o século XVI é a derrubada da estruturação religiosa da organização humana, a mudança gradual para a autonomia da organização, em lugar da organização heterônoma. É neste processo, e também como vetores desse processo, que a política, o direito e a história adquirirem seu teor especificamente moderno. Eles são os três eixos da saída da religião, três eixos que estão ocorrendo em três ondas sucessivas, a partir do século XVI ao século XIX.”

Para Gauchet a primeira onda se dá na redefinição de política a partir da consolidação dos estados nacionais da Europa entre 1500 e 1650. Nesse momento existe tanto uma redefinição política quanto religiosa com a Reforma, e no seio da matriz religiosa e política se funde confusamente estado nacional. 12

(…)Ce qui spécifie la modernité depuis le XVIe siècle, c´est le renversement de la structuration religieuse de l´établissement humain, le passage progressif à l´organisation de l´autonomie au lieu et place de l´organisation selon l´hétéronomie. C´est dans ce processus et en tant que vecteurs de ce processus que le politique, le droit et l´histoire acquièrent leur teneur spécifiquement moderne. Ils sont les trois axes de la sortie de la religion, trois axes qui se mettent en place en trois vagues successives, du XVIe au XIXe siècle. (tradução da autora)

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A segunda onda se dará na explicitação jurídica dos fundamentos da forma política do Estado soberano, durante dos séculos XVII e XVIII. A forma jurídica cria um problema de justificação e legitimação, pois se afasta da ordem divina e cósmica. A solução nesse momento é a idéia de que a razão dos atos políticos se dá no interior dele mesmo, entendendo que não há, na origem dos atos, nada além do indivíduo. Conhecemos esse pensamento com o nome de “direito natural moderno”, uma doutrina contratualista, ancorada na idéia de direitos subjetivos. Nessa segunda onda da modernidade, também segundo Gauchet, a partir dos anos 1750 irá haver a emergência do tema progresso, e durante a revolução francesa um novo vetor suplementar a autonomia aparece: a historicidade. A historicidade devolve ao homem a ordem da construção material da cidade. Como afirma Vico “ a obra da humanidade é ela mesma”13. “A história da modernidade é a história da implantação independente de cada um desses três vetores como eixos de concretização da autonomia, e a história de sua entrada na composição.” 14

Política, direito e história, portanto fundamentam a modernidade em seus diversos sistemas, porém com um objetivo único em prol da autonomia. A terceira onda de Gauchet se dá no final do século XIX e início do século XX, como ponto crucial da saída da religião e fim da idéia de heterononomia. O que podemos afirmar a partir dessa amplitude teórica é que 13

APUD GAUCHET L´histoire de la modernité est l´histoire du déploiement indépendant de chacun de ces trois vecteurs comme autant díaxes de concrétisation de l´autonomie, et l´histoire de leur entrée en composition. GAUCHET PG. 264

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o início de nossa modernidade residiria em um período entre o século XVI e o século XIX. A variação de três séculos engloba, como marcos principais fatos diversos como a ascensão do protestantismo e a reação católica, o mercantilismo, a mudança entre mercantilismo e capitalismo, a ascensão burguesa, a revolução científica, a teoria de Galileu sobre a rotação da terra ou as teorias kantianas quanto a recepção estética. Em comum temos principalmente: o modelo econômico de acúmulo de capital e a consolidação da ciência moderna em sua metodologia. Esses dois sistemas, o econômico e o científico serão a base do sistema filosófico que marcará todo o período, mas principalmente o século XVIII, o Iluminismo. Entre o Renascimento, a revolução científica do século XVI e a revolução política do final do século XVIII, há um aprofundamento na idéia de ciência como propulsora do desenvolvimento humano, e que busca, para isso, a verdade nos fatos e sua comprovação rigorosa. Assim surge a crença em um futuro que significa melhorias e relação ao passado que estaria atrasado, rompendo-se paulatinamente com a idéia da civilização clássica como ápice. Quando Jean Meslier diz, na citação comumente atribuída a Voltaire, que "O homem só será livre quando o último rei for enforcado nas tripas do último padre" diz que o sistema político monárquico, despótico, é igual ao sistema de crenças baseado em explicações sobrenaturais da religião. A monarquia se iguala a fé, e, portanto ambas se opõe à ciência e por conseqüência, ao mundo moderno. O Iluminismo se estabelece filosoficamente na racionalidade contra a superstição religiosa.

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Graças a isso sua ação prática, ou moral, será politicamente contra a monarquia. Ou seja, podemos afirmar que a práxis política iluminista é, portanto, a Revolução.

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1.2 Da Forma Política Moderna

Figura 4 Un esprit révolutionnaire est un esprit propre à produire, à diriger une révolution faite en faveur de la liberté. Condorcet, Sur Le sens du mot révolutionnaire

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O século XVIII testemunhou uma série de acontecimentos que pareceriam, aos seus contemporâneos, o fim de todo mundo conhecido para o surgimento de uma nova forma de humanidade. O imenso progresso científico que se desenrolava desde o século XVII, juntamente ao progresso do capitalismo e expansão comercial européia trouxe a idéia de que a razão científica, sem mistificações e superstição era o destino do progresso do homem. Livrar-se de todo tipo de prisão, desde a religião até a de um governo despótico tornaramse imperativos e urgentes. Tal agitação atingiu seu ápice com os acontecimentos na França a partir de 1789. O ideal de esclarecimento e razão destronou os governantes que se consideravam representantes de Deus, para tentar fazer-se governar com um poder vindo do próprio povo. Durante o próximo século o mundo entraria em convulsão como conseqüência desses eventos. “Aquele foi o melhor dos tempos, foi o pior dos tempos; aquela foi a idade da sabedoria, foi a idade da insensatez, foi a época da crença, foi a época da descrença, foi a estação da Luz, a estação das Trevas, a primavera da esperança, o inverno do desespero”15. Dickens descreve aqui a oposição entre a esperança da revolução e a situação dos trabalhadores da revolução industrial, e essa dicotomia interna a própria revolução política, em que para se construir o novo é preciso a destruição do que é familiar- irá permanecer como o grande dilema da modernidade. A partir desse momento será preciso se optar entre conservar ou revolucionar. A

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DICKENS, Charles, Um conto de duas cidades

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discussão vem de toda a parte, não só da França. O ensaísta e político conservador inglês Edmund Burke, em “Sobre a revolução francesa”16, expressa seu desgosto pelo que ele julga uma tomada do poder por rotos e ignorantes. Ao mesmo tempo William Blake

17

, irá escrever “Levante-se,

Necker18 , a aurora anciã nos conclama a acordar de um sono de cinco mil anos.” (tradução da autora). Os contemporâneos a Revolução, independente de seu posicionamento quanto a ela, entendem a imensa ruptura que ela representa. Como Lynn Hunt descreve em Política, cultura e classe na Revolução Francesa : “O desmoronamento do estado francês após 1786 provocou uma avalanche de palavras na imprensa, nas conversas e nas reuniões políticas. Circulavam em Paris na década de 1780 algumas dezenas de publicações periódicas, raras delas destinadas ao que chamamos de notícias; entre 14 de julho de 1789 e 10 de agosto de 1792 apareceram mais de 500. Coisa semelhante aconteceu com o teatro: em contraste com o punhado de novas peças produzidas anualmente antes da revolução, pelo menos 1500 novas obras, muitas delas sobre temas revolucionários, foram encenadas apensa entre os anos de 1792-4”19

O papel da filosofia iluminista para o que o historiador Eric Hobsbawn irá denominar de Era das Revoluções, se dá tanto a partir da mudança na percepção do papel quotidiano da política quanto na questão do indivíduo como centro das narrativas históricas. Como coloca também Lynn Hunt, agora

16

Edmund Burke, Reflections on the Revolution in France, publicado em novembro de 1790 BLAKE, William The French Revolution, a poem “Rise, Necker! the ancient dawn calls us To awake from slumbers of five thousand years” 18 JACQUES NECKER, ministro do governo de Luis XVI 19 HUNT, pg. 42 17

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em “O nascimento dos direitos humanos”, “As mudanças nas reações aos corpos e individualidades das outras pessoas forneceram um suporte crítico para o novo fundamento secular da autoridade política”20 , ou seja, o governo deixa de depender de Deus ou da interpretação dessa vontade divina por uma igreja, para serem instituídos entre os governados. O poder passa a emanar do povo. A análise crítica da arquitetura em meados do século XVIII passa a refletir, conseqüentemente, as preocupações com a criação dos domínios da atividade humana urbana e voltada para o sujeito que atua no espaço. Já não há necessariamente uma primazia das grandes edificações heterônomas (igrejas e palácios), mas há o olhar da construção urbana, o edifício residencial, o comércio, a ponte e a rua. Talvez o mais conhecido tratado de arquitetura do século XVIII, escrito pelo Abade Laugier, intelectual católico francês interessado principalmente na questão da beleza e sua repercussão na arquitetura, começa justamente com a elaboração sobre a arquitetura primordial, a fundação do que será toda a construção: sem nenhum apelo metafísico Laugier coloca o primordial da arquitetura justamente no básico abrigo humano contra as intempéries. Como vemos na figura 5, que ilustra o início de “Sur l’architecture”, nessa cabana essencial ele entende que estão os elementos fundamentais da arquitetura: os pilares, as vigas, a cobertura, o frontão como sustentáculo da cobertura. O abade busca uma arquitetura para o homem natural.21 Starobinski irá

20 21

HUNT, A invenção dos direitos humanos, página 30 Essai sur l’architecture" de Marc-Antoine Laugier

32

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denominar o abade de teórico da reação anti-rococó22, ao passo que Hanno Kruft considera que em comum as teorias da segunda metade do século XVIII tinham justamente uma posição anti-rococó. Porém Kruft destaca Laugier como o mais importante teórico rousseauniano, seguindo a idéia expressa por Rousseau no Discurso sobre as ciências e as artes no qual evoca um homem num estado natural.

22

STAROBINSKI pg 49.

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Figura 5

34

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Arendt, em Sobre a Revolução faz uma genealogia do termo Revolução e afirma que “as revoluções propriamente ditas não existiam antes da era moderna; entre todos os fenômenos políticos elas são os mais recentes. Diferentemente da revolução são raros os casos em que o objetivo da guerra esteve ligado à noção de liberdade(...)”23 Arendt afirma que o que marca a revolução e sua modernidade são essencialmente a questão da emancipação, e a noção de que todos devem igualmente gozar de bem-estar, não sendo a diferença de classes um dado constituinte das sociedades (ao contrário das sociedades absolutistas onde a estrutura de classes era organizacional e imutável). Outro fator importante é o de que a revolução atua diretamente na vida dos sujeitos - o cidadão comum passa a ter o poder de alterar o sistema político e essa mudança passa a influenciar diretamente na forma em que esse cidadão vive, ao contrário do que as mudanças políticas realizavam até então, já que até o século XVIII para um cidadão fora da nobreza a alternância de poder nas casas reais não trazia reais conseqüências no modo de vida. E finalmente a grande particularidade da Revolução moderna: a criação de um novo começo, a substituição de sistema político. A ruptura revolucionária é, antes de tudo, uma ruptura com a história. Simbolicamente, a revolução trata de dois aspectos: 1-Uma cisão radical entre o passado como experiência a ser superada, e o futuro como ápice a ser alcançado. (o que se constitui como aspecto essencial da modernidade) 23

ARENDT, Hannah Sobre a Revolução p 36

35

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2- A fundação simbólica própria e a função educadora do símbolo, no qual o espaço e a arquitetura surgem como artefato educativo. Surge, portanto, a necessidade de se decidir entre o que deve ser preservado e o que deve ser destruído. Essa tensão é primordial para a forma de se pensar a arquitetura que surge a partir do final do século XVII. Como Françoise Choay descreve em A Alegoria do Patrimônio, ao mesmo tempo em que edificações foram incendiadas, derrubadas ou vandalizadas, iniciou-se um extenso trabalho de historiografia dos documentos franceses24. A partir da década de 30 do século XX, com a publicação dos estudos do historiador da arquitetura Emil Kaufmann, passa-se a designar a produção arquitetônica do século XVIII, na França, de arquitetura revolucionária. A denominação vem da hipótese de Kaufmann da ligação entre a produção de alguns arquitetos do período da revolução francesa e o pensamento revolucionário que estoura na França em 1789. Kaufmann estabelece o Neoclassicismo (klassizismus) como um período com expressão formal próprio, destacando o desenvolvimento francês como à parte dos demais países barrocos. Ele caracteriza a arquitetura de Ledoux, em seu jogo de formas geométricas, como anti-barroco. Sua primeira referência a autonomia está num estudo sobre o projeto para a igreja da cidade de Chaux, de projeto urbanístico também de Ledoux. Ele identifica a oposição ao Barroco nas formas geométricas com poucos adornos e separadas em funções. “No momento no

24

CHOAY, pg 95

36

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qual, com a declaração dos direitos do Homem, os direitos individuais são afirmados, no momento no qual, no lugar da antiga moralidade heterônoma Kant institui uma ética autônoma, Ledoux lança os fundamentos de uma arquitetura autônoma” 25 A hipótese de Kaufmann não foi unanimidade. Leonardo Benévolo, por exemplo, em sua história da arquitetura moderna, considera que a análise estritamente formal entre as propostas de Boullé, Ledoux e Lequeu, que Kaufmann propõem em “Três arquitetos revolucionários”, não são suficientes para comprovar nenhuma ligação com a ruptura estética do modernismo. No capítulo Engenharia e Neoclassicismo de sua História da Arquitetura Moderna, Benévolo escreve: “Aqueles que parecem ser os inovadores de maior audácia, tais como os arquitetos “revolucionários” Etienne Boullé (17361799) e Claude Nicholas Ledoux (1727-1806), na realidade não saem das convenções acadêmicas e não representam a parte mais avançada da cultura da época”

Benévolo, porém não cita Kaufmann diretamente em seu texto, apesar das aspas estratégicas em revolucionários assinalarem o objeto de sua crítica. Benévolo chama essa linha do neoclássico de ideológica, ou seja a dos arquitetos que propunham uma significação especial a suas escolhas estéticas. Para ele essa linha corresponde a uma minoria e é de certa forma irrelevante em frente a questão técnica e econômica representada pela revolução

25

KAUFMANN, De Ledoux a Le Corbusier

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industrial e no campo acadêmico, pela distinção entre as figuras do arquiteto de do engenheiro, a partir da criação da escola de Ponts et chaussés. 26 Porém podemos considerar, como fará Anthony Vidler, que, apesar das deficiências teóricas que o projeto de Kaufmann apresenta, a apresentação de arquiteturas radicalmente geométricas, pouco adornadas, inspiradas pela ciência e não pela religião trazem a tona sim um empreendimento iluminista na arquitetura, que não é determinado apensas pelas condições materiais do período, mas que as supera num sentido. “No mais, as descobertas de Kaufmann inspiraram gerações de estudiosos a trabalhar na arquitetura do período revolucionário, quer estivessem ou não de acordo com Kaufmann sobre se algo "revolucionário" poderia ser detectado no prérevolucionário e monárquico Ledoux. Isso lançou perguntas ao tratamento historiográfico das "origens" do modernismo, e por implicação de toda a construção da história historicista de Nikolaus Pevsner a Sigfried Giedion. Questionou a natureza da abstração em relação às formas geométricas empregadas pelo Iluminismo e as vanguardas modernistas, e, assim, desafiou as premissas do anacronismo na história e crítica. Abriu os imbricados problemas de forma e política, arquitetura e da sociedade, de forma a desafiar diretamente a ideologia cultural do Nacional Socialismo das década de 1930. Seu livro Três Arquitetos Revolucionários, publicado em 1952, tal como aplicado ao trio de arquitetos Ledoux, Boullée e Lequeu, um trio que ela havia descoberto e, em grande parte, por assim dizer, inventado, embora muito mal compreendido, no entanto, conseguiu chamar atenção de estudiosos sérios. Sua obra póstuma, Arquitetura na Idade da Razão, foi, em sua publicação, considerada a última palavra sobre arquitetura Européia do século XVIII. Finalmente, o trabalho de Kaufmann lança todas estas questões dentro de uma estrutura filosófica que não deixou de intrigar a teoria crítica: a fornecida por Kant em sua insistência da "autonomia" da vontade como uma premissa fundamental da liberdade burguesa. O vínculo estabelecido por Kaufmann entre Ledoux e Kant, como Hubert Damisch observou em seu ensaio introdutório à tradução 26

Ècole National de Ponts et Chaussés, fundada em 1747 por Daniel-Charles Trudaine, é a primeira escola de nível superior na França para formação de engenheiros civis.

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francesa de Von Ledoux bis Le Corbusier, é uma que, se é ou não é historicamente, "verificável", continua sendo um desafio para todos as perguntas sobre a natureza da linguagem arquitetônica e do lugar da disciplina na sociedade moderna.27

Ou seja, independentemente de podermos provar a relação formal que se estabelece nos arquitetos estudados por Kaufmann, a questão da arquitetura revolucionária continua posta em suas relações especialmente com a liberdade, autonomia individual e as relações entre o momento político e a produção do espaço.

27

No original: Further, Kaufmann’s discoveries have inspired generations of scholars to work in the architecture of the revolutionary period, whether or not they agree with Kaufmann that something “revolutionary” was to be detected in the pre-revolutionary and monarchical Ledoux. It posed questions to the historiographical treatment of the “origins” of modernism, and by implication to the entire construction of historicist history from Nikolaus Pevsner to Sigfried Giedion. It interrogated the nature of abstraction in relation to the geometrical forms employed by the Enlightenment and the modernist avant-gardes, and thereby challenged the premises of anachronism in history and criticism. It opened up the imbricated problems of form and politics, architecture and society, in a way that directly challenged the cultural ideology of National Socialism in the 1930s. His sobriquet “revolutionary architect,” in his book Three Revolutionary Architects, published in 1952, as applied to the trio of architects Ledoux, Boullée and Lequeu, a trio he had largely discovered and, so to speak, invented, while much misunderstood, nevertheless succeeded in gaining them the attention of serious scholars.xvi His posthumous book, Architecture in the Age of Reason, was on its publication, considered the last word on eighteenth century European architecture.xvii Finally, Kaufmann’s work set all these questions within a philosophical framework that has not ceased to inform critical theory: that provided by Kant in his insistence of the “autonomy” of the will as a fundamental premise of bourgeois freedom. The link established by Kaufmann between Ledoux and Kant, as Hubert Damisch has noted in his introductory essay to the French translation of Von Ledoux bis Le Corbusier, is one that, whether or not it is historically “verifiable”, remains challenging to all interrogations of the nature of architectural language and of the place of the discipline in modern society. Anthony Vidler pgs. 24-25

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1.3 A relação entre regime histórico, experiência estética e política

A relação entre o regime de temporalidade inaugurado na modernidade e o pensamento da teoria da arquitetura- A forma historiográfica em Vidler e o regime de temporalidades que define tanto “o paradoxo da modernidade” quanto o historicismo.

Figura 6 Além de um novo regime político, o final do século XVIII inaugura um novo regime de temporalidade.

Uma relação nova com a história que se

desenvolverá em duas vertentes: a necessidade do novo e a preservação do passado. Apesar de aparentemente opostas, essa duas relações com o tempo provém de uma mesma matriz de pensamento. Para Jacques Rancière o que determina esse regime é a simultaneidade de temporalidades distintas. Para o filósofo, essa é uma das características fundamentais para a compreensão a

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forma de relação com o sensível que para Ranciére marca o início do regime estético. As formas de lidar com a sensibilidade são formadas por um conjunto formado pela forma do discurso e a temporalidade em que ele é inscrito. A isso ele chama de Regimes28. Segundo o autor regime é a articulação entre; maneiras de fazer, formas de visibilidade dessas maneiras de fazer e modos de pensabilidade de suas relações29.

A modernidade é, para Rancière, iniciada pela revolução causada pela mudança do Regime Poético das imagens para o Regime Estético (a que o autor também denomina de revolução estética). Historicamente ele marca o início dessa revolução justamente no nascimento da disciplina da Estética, o final do século XVIIII e início do século XIX,30 e aponta como os primeiros representantes desse regime os românticos alemães pós kantianos. A denominação de Regime estético vem do fato de que a arte deixa de se distinguir a partir de modos de fazer e passa a se distinguir a partir do que seria justamente o próprio da arte- não o gosto, mas “o modo de ser de seus

28

Em O Inconsciente Estético Rancière propõe seu conceito de estética de forma mais clara: “Para mim, estética não designa a ciência ou a disciplina que se ocupa da arte. Estética designa um modo de pensamento que se desenvolve sobre as coisas da arte e que procura dizer em que elas consiste enquanto coisas do pensamento. De modo mais fundamental, tratase de um regime histórico específico de pensamento da arte, de uma idéia do pensamento segundo a qual a coisas da arte são coisas de pensamento.” p. 11 e p. 12

29

RANCIÈRE, Jacques O espectador Emancipado p. 13 Em O espectador emancipado Rancière também aponta a idéia de revolução estética atrelada aos românticos: “(…)a noção romântica de revolução estética: a idéia de uma revolução que não mudaria apenas as leis e instituições, mas transformaria as formas sensoriais da experiência humana.”

30

41

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objetos”31 Segundo ele o regime sensível fundamental da modernidade é o regime estético. Isso significa que nesse regime a identificação da arte não se faz por uma distinção nos modos de fazer, mas pela distinção de um modo de ser sensível próprio aos produtos da arte. Assim no regime estético existe um regime específico do sensível. Esse conceito seria fundado na idéia kantiana de autonomia, desenvolvida na estética por Schiller na proposição de uma educação estética para um novo homem. Na idéia de formação da humanidade através da arte reside um espaço de suspensão no qual a forma é experimentada por si mesma. O autor faz, então, uma crítica ao conceito de modernidade corrente, que segundo ele oculta a especificidade do regime estético, na medida em que diz que a modernidade é uma ruptura temporal, a “tradição do novo”. Pois na verdade o regime estético não opõe o antigo ao novo, mas opõe regimes de historicidade, na medida em que cria uma nova forma de relação com o antigo. Assim é possível ao mesmo tempo inventar a revolução e o museu.

“A idéia de modernidade é uma noção equívoca que gostaria de produzir um corte na configuração mais complexa do regime estético das artes, reter formas de ruptura, os gestos iconoclastas etc, separando-os do contexto que os autoriza: a reprodução generalizada, a interpretação, a história, o museu, o patrimônio...Ela gostaria que houvesse um sentido único, quando a temporalidade própria ao regime estético das artes é a de uma co-presença de temporalidades heterogêneas.”

Chegamos aqui, portanto, no conceito chave que define o regime das artes que partilhamos em relação ao político: a idéia de que a revolução estética 31

RANCIÈRE, Jacques O espectador Emancipado p.

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Às armas e às artes: o espaço sob a tensão da ruptura

produziu uma nova idéia de revolução política, pois permitia uma idéia de nova forma de vida, criando a idéia de que uma nova forma de estado, governo ou economia apresentavam uma reforma total no modo de viver. Ativistas revolucionários e artistas clamam por liberdade, a república representativa, não mais o regente representando um poder divino e, sobretudo, a supremacia da razão sobre misticismo e práticas despóticas, como coloca Condorcet em junho de 1793 “Quando for questão de estabelecer a liberdade sobre as ruínas do despotismo, a igualdade sobre as da aristocracia (...) se deve fundar sobre as regras eternas da razão e da natureza”32. O Abade Laugier33, em seu ensaio Sobre Arquitetura, exorta a mesma razão pela qual clama Condorcet e coloca na finalidade da arquitetura na proteção contra a natureza e não em uma busca transcendental. Dessa forma acabamos por perceber uma relação entre a mudança de perspectiva na relação com a arte, ao que o filósofo francês Jacques Rancière irá denominar de Revolução Estética34, e as questões postas no confronto com o poder no período, as demandas por liberdade, igualdade, bem estar social, fim da miséria, fim do despotismo, direitos para os cidadãos.

Porém

poderíamos encontrar nas questões estéticas uma associação a esse desejo de liberdade? Tanto Jacques Rancière35, quando afirma que a arte funciona como um dispositivo que reconfigura a experiência comum do sensível, quanto

32

Tradução da autora, em Sur Le sens du mot révolutionnaire An Essay on Architecture in wich it’s true principles are explained, Londres 1755 34 Termo criado por Jacques Rancière e que será discutido na continuidade do trabalho 35 O Espectador Emancipado, São Paulo 2012 33

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Jean Starobinski36, ao observar que o luxo com que se relaciona o século XVIII (Rococó) tira a significação dos símbolos decorativos e os transforma não mais em símbolos legíveis (como os brasões aristocráticos), mas de ostentação, gerando um inevitável conflito com o espectador, entendem que a nova sensibilidade estética surgida no fim do século XVIII esticou de tal maneira a problemática da representação artística que terminou por rompê-la. Essa relação entre a produção da experiência estética a que se propõe a arquitetura em relação com as faces do uso público e do poder. Um outro aspecto a se notar na aproximação da modernidade de Arendt e de Rancière se encontra no fato de que ambos negam a idéia de modernidade como a de novidade ou desejo constante de novidade. Em sua busca do significado da palavra revolução Arendt afirma que em início a palavra estaria mais ligada a uma idéia de retorno ou restauro. Ela afirma também que a idéia de novidade é anterior a modernidade, já sendo presente, por exemplo, na filosofia e ciência do século XVII. Porém para ela o conceito só chega a praça pública quando chega ao político. Ranciére irá dizer, por sua vez, que o regime estético (o regime próprio da modernidade) não opõe o antigo ao moderno, porém opõe regimes de historicidade.37 E conclui: “o regime estético das artes é antes tudo um novo regime em relação ao antigo De fato, ele transforma em princípio de artisticidade essa relação da expressão de um tempo.” e em seguida: “Ele inventa as revoluções baseado na mesma

36 37

A invenção da Liberdade, São Paulo 1994 RANCIÈRE, A Partilha do Sensível, p. 35

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ideia que o leva a inventar o museu e a história da arte”38. Temos, portanto, que ambos os autores colocam a idéia de revolução como uma noção de simultaneamente releitura de um passado através do presente e coexistência de temporalidades distintas. Para Arendt a “conseqüência maior da revolução francesa foi o nascimento do conceito moderno de história na filosofia de Hegel.”39 Temos, portanto que a modernidade até aqui é marcada para os dois autores por duas modificações profundas no mundo: em Rancière a mudança de regime das artes para um regime de igualdade de temas onde a mímese é substituída não pelo fim da figuração, mas sim justamente por uma ruptura com a distância mimética entre objeto e representação. Em Arendt a mudança na idéia de liberdade como possibilitadora de novos inícios, a possibilidade de instauração e pensamento de novos regimes políticos. E sobretudo, em ambos, a relação com a História. Em qual medida esses dois conceitos são complementares e podem criar uma definição do que seria uma política da estética? Rancière define como a partilha do sensível o que evidencia o comum, ou seja, o que é compartilhado e suas partes. Esse sistema é determinado tanto espacialmente, na medida das visibilidades e invisibilidades que se dão no espaço comum, quanto nas competências para o exercício desse comum, determinada por posicionamentos dentro da sociedade. O sistema político,

38 39

RANCIÈRE, A Partilha do Sensível, p. 36 ARENDT, Sobre a Revolução p. 83

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portanto tem uma estética que o fundamenta. É nesse ponto que o autor contrapõe a estética da política ao que seria uma política estetizada: “essa estética não deve ser entendida no sentido de uma captura perversa da política por uma vontade de arte, pelo pensamento do povo como obra de arte”40 Retomando a questão das visibilidades e invisibilidades pode-se tomar a idéia de prática artística para definir a prática do que é tornado visível, e dessa forma o regime simbólico em que a arte se inscreve é o que politiza a arte. Dessa forma temos uma não dissociação entre o fazer artístico e o fazer político, havendo apenas diferenciações no que esse fazer se propõe: na superfície simbólica, no simulacro ou no movimento autêntico. Em O Desentendimento ele iguala a partilha do comum justamente ao que é o político: “O político começa onde justamente se pára de equilibrar lucros e perdas, onde se tenta repartir as parcelas do comum(...)” O comum é o palco do que é visível e do que é compartilhado, do que é político e do que é arte simultaneamente.

40

Rancière, A partilha do sensível, p. 16

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C

apítulo 2 ou da liberdade:

O homem nasce livre, e em toda parte se encontra sob ferros. Quem se julga o senhor dos outros não deixa de ser tão escravo quanto eles. Jean Jacques Rousseau

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2.1- A liberdade dos Modernos A busca pelo significado da modernidade, ou do ser moderno, esbarra constantemente na questão da liberdade. Jean Starobinski irá dizer que liberdade é uma invenção do século XVIII: esteticamente ele a coloca no rococó, ou o adorno flamboyant que escapa do domínio do poder heterônomo da Igreja e recai sobre a maneira de viver, maneira essa que será vista a partir do século XIX como superficial, alegre, sensual e luxuosa. A expressão do gosto se tornará a expressão do fútil, o que existe unicamente para ser contemplado. A estética do baile de máscaras no reinado de Luiz XV e XVI são até hoje vistas como expressões de um poder decadente, alienado da realidade,

ineficiente.

O

rococó

cria

na

representação

arquitetônica,

especialmente de interiores, a expressão de um modo de vida, ao contrário dos estilos anteriores que propunham uma ordem cosmológica.41 Da mesma forma o ideal idílico tira a representação artística a angústia barroca, e esse movimento denota uma mudança no regime de apreciação do espaço arquitetônico- mais do que um expressão externa de ordem uma manifestação quotidiana de prazer. O barroco promove uma arquitetura do poder da Igreja, o poder que Kant denomina e heterônomo. O rococó seria, então, uma transição entre regimes de expereciação da arte. Porém ao contrário de Starobinsky, Emil Kaufmann irá identificar o ponto de ruptura dessas formas de sensibilidade espacial no neoclássico, estilo que se torna lido como próprio, dentro do

41

Ou como irá formular Wilde no prefácio de O Retrato de Dorian Grey: “Podemos perdoar a um homem que faça alguma coisa útil, conquanto que não a admire. A única justificação para uma coisa inútil é que ela seja profundamente admirada.Toda a arte é completamente inútil.”

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período clássico, justamente devido ao estudo e posterior influência do autor. Kaufmann não diferencia o Rococó do Barroco, e opõe o Neoclássico diretamente ao Barroco, portanto. A primeira análise de Kaufmann sobre o papel do Período Neoclássico para a formação da modernidade está em De Ledoux a Le Corbusier. Kaufmann percebe na arquitetura de Ledoux uma origem formal do modernismo em dois pontos: o rompimento de uma unidade na perspectiva clássica e a austeridade forma, que evidencia a geometria em prol do adorno. Ele transpõe para a composição formal o conceito autonomia kantiana, afirmando que os projetos de Ledoux não seguem uma lógica de composição unitária, que seria parte do ponto de vista barroco único, mas uma composição fragmentada, em que as partes podem ser vistas de forma independente. Emil Kaufmann utiliza o termo Autonomia Arquitetural (autonomen architektur), derivando do conceito de Autonomia da Vontade formulado pro Kant em Fundamentação Metafísica dos Costumes. Kant postula que a Autonomia da Vontade é o conceito segundo o qual “todo o ser racional deve considerar-se como legislador universal”, o que segundo ele significava que a moral e, portanto a própria humanidade só se constituiria na possibilidade de uma lei ser possível de ser universal (imperativo categórico). O sujeito de Kant legisla de forma ativa na questão da moralidade, em oposição a estar sujeito a regras heterônomas. Ele possui liberdade para legislar para toda a humanidade, e ser legislado por ela, através da sua razão, a partir do momento em que seja capaz

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de universalizar suas máximas. (Ou como descreveria Anthony Vidler42 a proposição de Kant cria dentro de cada indivíduo um tribunal no qual serão julgadas suas próprias ações.) Para Kaufmann, “ao mesmo tempo em que Kant rejeita toda a filosofia da moral do passado e decreta que a autonomia da vontade é o princípio supremo da ética, uma transformação análoga ocorre na arquitetura. Nos desenhos de Ledoux esses novos objetivos aparecem pela primeira vez em toda sua claridade. Seu trabalho marca o princípio da arquitetura autônoma.”43 Anthony Vidler irá atualizar a hipótese de Kaufmann. Kaufmann se apóia, para criar sua hipótese de fundação da modernidade, numa análise profundamente formal das obras tanto construídas mas especialmente as não construídas de Ledoux, e posteriormente Bouleée (em três arquitetos revolucionários). A sua concepção de autonomia se baseia em perceber na construção neoclássica uma idéia de junção de diversos galpões, o que lhes tiraria a possibilidade de compreensão a partir de um único ponto focal, estratégia importante para o Barroco. Porém Vidler entende que o movimento teórico do século XX tende a entender o passado a partir do modelo de história posterior a esse passado, ou seja o modelo de história do século XIX. Esse equívoco da historiografia do século XX é justificado por um entendimento de história linear, e portanto, tende a um ponto de ápice.44 O projeto dos historiadores modernistas era 42 In Histories of The Immediate Present -Inventing Architectural Modernism, 1930-1975 43 Citação orginal do artigo “Die Stadt”traduzida para o inglês pro Georges Tessot 44 Published in May 1933, two months after Hitler's takeover of power after the March 5 elections, was seemingly deliberately calculated to assert the social democratic values of Enlightenment, republicanism, and modernism, values under severe attack not only from Nazi ideologues who had denounced them, and the modernism that represented them as degenerate

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comprovar esse ápice como sendo a arquitetura moderna. O propósito de Kaufmann ao entender a autonomia na arquitetura revolucionária seria então perceber a arquitetura moderna como tributária desse espírito autônomo. Vidler busca um movimento contrário de interpretação, buscando, portanto, não a confirmação do presente como auge histórico, mas buscando, ao contrário, aspectos do passado que tragam a superfície maneiras de pensarmos tanto a história da arquitetura quanto as formas de produção do pensamento dessa arquitetura. O que poderíamos inferir, portanto, do período revolucionário que dê indícios das formas de visibilidade e sensibilidade do regime estético que compartilhamos contemporaneamente? 45 No surgimento desse novo espaço, mediado agora por uma expressão, para utilizar a terminologia de Rancière, Estética- as forças que se debaterão, portanto são as forças que se surgem no embate da liberdade: A relação entre o individual e a coletividade. Nesse embate surge a luta de cabos da modernidade: quem domina o espaço público? Ele será, a partir de agora,

and Bolshevik, but also from conservative Viennese art historians like Strzygowski and Sedlmayr. The latter, who had joined the National Socialist party in 1932, then to become a loyal supporter throughout the occupation and War, was to wait until Kaufmann's flight to the U.S. before developing his own thesis of the "loss of center" using Kaufmann's own material to set out a despairing thesis of decline and fall where Kaufmann had seen only progress and justice. In 1933, however, as Damisch has pointed out, it was an act of real intellectual, if not physical, courage to set out the continuities between the French Revolution and Modernism, in a moment when Speer and his cohorts were finding monumental solace in the gigantesque revival of German neoclassicism. Ledoux, in this context, was, more than a historical subject, a cover, or metaphor for the explication of liberal bourgeois society, if not a kind of utopian socialism in historical guise. The real subject of the treatise would then be the architecture of Loos, Walter Gropius, Richard Neutra, and Le Corbusier - the architecture of Modernism developed between 1900 and 1929. 45 In this context,a nd returning to our "three revolutionary architects"-Boullee, Ledoux, and Lequeu-we might now reverse the terms in which our question was posed initially, from asking," in what ways might they be considered revolutionary architects?"- Kaufmann's question-to ask, rather, "to what extent did their work after 1789 register the influence of revolutionary events?"

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arena ou prisão no espetáculo da vida urbana? A Revolução vem antes da idéia de planejamento urbano, conceito esse que só surgirá no século XIX. Não obstante o tema do espaço revolucionário é onipresente nos textos que tratam do tema. Mesmo se, como cita Anthony Vidler46, o espaço vazio seja o monumento da revolução. Como afirma o historiador da arquitetura Richard Etlin, a idéia da revolução de formação de um novo homem para o novo mundo instaurado se estendia, naturalmente, aos espaços construídos, edificações, jardins e espaço públicos. Isso se estende tanto à onomástica, como cita Lynn Hunt de uma comissão que sugere à convenção que se trocasse todos os nomes de praças e ruas para nomes das virtudes necessárias à república47 quanto na sugestão de transformação dos antigos postos de coletas em monumentos às vitórias republicanas.48 A idéia de educação pelo espaço é proposta inclusive, como narrativa de uma caminhada pela cidade: a distribuição das ruas e praças nomeadas com valores republicanos poderia criar uma lição cívica pelo processo de passagem entre os locais. Finalmente o próprio conjunto da cidade poderia se livrar da opressão ao substituir a forma gótica, agora igualada à forma supersticiosa da cultura medieval vista pelo século XVIII. A noção de higiene é associada a supressão da miséria, doença e morte, portanto a higiene se apresenta como um conceito propício cidade republicana. 46

APUD MICHELET “while the Empire had its columns and the Royalty had the Louvre, the Revolution had for its monument . . only the void. Its monument was the sand, as flat as that of Arabia .... A tumulus to the right and a tumulus to the left, like those erected by the Gauls, dark and doubtful witnesses to the memory of heroes”, in Researching Revolutionary Architecture 47 Lyyn Hunt, pg. 43 de Políticam cultura e classe na revolução francesa 48

ETLIN, PG. 33

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2.2: A questão da representatividade na República- Aux Armes et Aux Arts O historiador da arte Larry Shiner, no livro A Invenção da arte49 descreve os seguintes ocorridos no dia 22 de janeiro de 1687 (um século antes dos acontecimentos tratados nesse trabalho): o escritor francês Charles Perrault lê um poema no qual defende que os escritores modernos poderiam ser equiparáveis aos antigos, e como prova de tal afirmação citava a superioridade a ciência moderna sobre Aristóteles. Perrault instaura assim, diante dos imortais membros atônitos, a Querela entre os Antigos e os Modernos. Como afirma Shiner, a querela instaura uma discussão muito mais profunda do que a simples comparação entre clássicos e contemporâneos, mas questiona na verdade a própria organização do sistema das artes vigente no século XVII. Durante esse período se reorganizam as categorias das artes liberais. Até então elas eram determinadas pelo sistema clássico do Trivium (gramática, retórica e lógica) e Quadrivium (aritimética, geometria astronomia e teoria musical). A partir do início do século XVII, essa organização passa a separar as Belas artes, as ciências e as humanidades. Esse processo acaba por unir, no grupo de artes liberais, pintura arquitetura e escultura música e poesia, que se separam da retórica e da matemática, respectivamente- surgindo assim o que denomina-se o Sistema das Belas Artes. Ou seja, a partir do final do século XVII emerge uma afinidade da arquitetura com as artes que compõe o sistema

49

Título original The invention of art, Chicago 2001

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de Belas Artes, ou seja, a percepção de que arquitetura está ligada a produção de objetos Belos como sua finalidade. O que a Querelle traz a tona é um fato que já se apresenta durante o século XVII: enquanto as ciências adquirem reputação de estarem em estágio avançado de progresso, porém arquitetura, pintura e escultura ainda permaneciam como consideradas sempre inferiores ao produzido na Era Clássica. (Ou no máximo tão boas quanto). Isso cria primeiramente a fissão entre os estudos científicos e a produção do Belo. Talvez não seja coincidência o fato de que em 1735 Baumgarten irá cunhar o termo estética para designar o estudo das sensações. As mudanças na percepção da produção do objeto artístico, ou Belo, indicam mudanças no regime de relação com o sensível do mundo.50 Ou seja, está sendo construída uma nova forma de se relacionar no espaço público, de se mostrar e de se expressar, conseqüentemente. No espírito da modernidade do século XVII se insere a Academia Real de Arquitetura, em 1671. Um de seus membros é justamente Claude Perrault, irmão de Charles. Segundo o arquiteto Pedro Paulo Palazzo, em sua tese sobre a fachada oriental do Louvre (projeto de Claude Perrault): “Com a criação da Académie Royale d’Architecture, em 1671, ganha sanção o oficial o entendimento de que é possível estabelecer “padrões corretos” para nortearem o projeto de arquitetura. Existe, portanto, um projeto de exaltação do poder do Estado por meio da constituição, ou da intenção de se constituir, uma linguagem arquitetônica oficial. Usando o epíteto Architecte du Roi, os acadêmicos são imbuídos da autoridade para determinar tais padrões. Mais ainda, constituise uma tradição erudita de estudo da Antigüidade, promovendo 50

Como foi demonstrado anteriormente em referência ao trabalho de Jacques Rancière.

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a documentação extensiva das obras da Roma antiga e, posteriormente, da Grécia. Com isso, busca-se estabelecer, por meio da estética arquitetônica, a aura de autoridade do Estado, isto é, a ficção convencionada que, segundo Pascal, é indissociável do exercício do poder.”

O historiador da arquitetura Hanno Kruft pontua que “a tarefa da academia consistia na criação de resoluções as quais seriam, eventualmente, incorporadas à estética arquitetura normativa”51 Isso é, a Academia francesa produz pesquisas (como os levantamentos dos monumentos clássicos de Roma, produzidos por alunos ganhadores de bolsa para tal) e produziu uma profunda tratadologia de arquitetura. Seus dois expoentes nesse sentido seriam Françoise Blondel e Claude Perrault. Como aponta Kruft, Blondel chega na arquitetura através da engenharia e da matemática, e Perrault era médico antes de arquiteto. Ambos, portanto, cientistas. O século de duração da academia (dissolvida em 1793, durante a Revolução) irá ser perpassado então por uma sistematização de formulações que pudesse elevar a arquitetura ao status progressista da ciência. O uso da história, portanto, passa a ter uma finalidade lógica: o desenvolvimento de um arcabouço formal que pudesse ser desenvolvido até uma estética perfeita. E nesse sentido uma das buscas formais passa a ser o estudo das ordens e do bom gosto. Após a dissolução das Academias em 1793 a Convenção propõe uma nova forma de organização do ensino na França, feita a partir de sociedades. É fundada a Sociedade Republicana de Artes, que se instala no Louvre, da mesma forma que a Academia Real (que também funcionava no palácio). A 51

In a History of Architectural Theory form Vitruvius to the Present

55

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sociedade de Artes inclui Pintura Escultura, Gravura e Arquitetura, confirmando a arquitetura como parte do sistema de Belas Artes, portanto.

Figura 7

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O redator das atas das reuniões a respeito da Sociedade é o arquiteto Athanáse Détournelle (1766-1807), bastante jovem ainda em 1793 e de quem não existe um grande registro de produção. Pelos autos redigidos no Journal as discussões a respeito da sociedade eram bastante animadas, variando entre a questão do pagamento em prêmio de um concurso proposto aos

ideais

estéticos do período. Como nota introdutória ao primeiro volume produzido “A convenção, por um decreto sábio, fez os Programas nos quais todos os gêneros de artistas serão chamados. Essa medida salutar impedirá a Arte de restar inerte, e lhe forçará a fazer o mesmo progresso que a virtude, a fim de poder transmitir a posteridade com o caráter que lhe convém.”52

É interessante notar aqui que há uma noção, pelos revolucionários, de que a Arte não chegou ao nível de virtude necessário aos novos tempos, ou seja, uma arte implicada na produção de objetos condizentes com o novo tempo pós revolução. Isso se dá, em especial, a ligação da Academia com a figura da monarquia, a Académie Royale, e conseqüentemente a sua produção como uma produção da e para as classes mais abastadas. Especialmente na pintura, com David, fundador da nova Sociedade de Artes que tinha uma rixa em particular com os acadêmicos, a quem considerava conservadores. Porém a questão que se coloca aqui é: como a Sociedade irá conseguir alcançar seu projeto de colocar a Arte na mesma virtude da Revolução?Ainda na nota introdutória continua:

52

Réflexions Préliminaires do volume 1 do Journal de La Societé Populaire et Républicaine dês Artes

57

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“É bom que as primeiras obras que atestam nossa revolução, sejam os Festivais públicos, a Decoração do Panteão, os Cenotáfios, em memória de Lepelletier, Marat me Challier, sejam feitos por mãos hábeis! O povo adquiriu grande instrução, logo se acostumou a julgar de forma mais sábia que antigamente.”

Destacam-se nessa passagem duas noções: a de que a Revolução tirou o povo de sua ignorância, e a de que a função da arte está intimamente ligada à memória.

Figura 853

53

A morte do revolucionário Jean-Paul Marat, por Jacque-Lois David, de 1793, representa um marco na representação neoclássica. O fato que sinalizará o rompimento definitivo entre jacobinos e girondinos propiciou o endurecimento da revolução, no período conhecido como

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Se os revolucionários inserem as Belas Artes num sistema que as quer tirar da nobreza e voltá-las ao povo, porém a delimitam num esquema de produção relacionado com a forma produtiva da nova forma de poder, republicana, como seria manifesta a autonomia desse artista? “Corajosos Montangnards: Vocês destruíram os ridículos monumentos erguidos à tirania, devolveram o homem a sua dignidade, proclamaram as leis ditadas pela justiça, lançaram os fundamentos para a felicidade pública, vos resta terminar vossa obra e a consolidar, as Ciências e as Artes, em dar ao povo lições instrutivas (...)”54

Novamente a solução Montangnard para a questão da função das artes reside em seu potencial educador.

Terror. A austeridade formal e o foco no instante da cena inauguram uma idéia jornalística da pintura. Na mão de Marat a Carta entregue por Charlotte Corday, como desculpa para o ataque da assassina, assinada por ela. No apoio da banheira uma espécie de lápide indica a autoria e dedica o quadro à Marat. David tornou-se,a partir da dissolução das academias em 1793 o diretor da Sociedade de pintura.

54

Journal de La Societé Des artes

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C

apítulo 3

"Le mur murant Paris rend Paris murmurant” Dito popular criado em Paris durante a construção das barriéres.

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3.1-São os arquitetos geômetras?

Figura 9

O Cenotáfio de Newton, projeto no qual o arquiteto francês ÉtienneLouis Boullée (Paris, 12 de fevereiro de 1728 – 4 de fevereiro de 1799) homenageia o físico inglês Isaac Newton. Boullé propõe uma edificação geométrica, praticamente destituída de ornamentação, numa escala batente desproporcional para uma homenagem fúnebre tradicional, além de longe das condições técnicas construtivas do período. A edificação in-construível, porém,

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assinala uma idéia de construção para um futuro, um futuro racional técnico, o triunfo da ciência. A tese “Architecture and the Crisis of Modern Science”, do historiador da arquitetura Alberto Pérez-Gómez aborda justamente a questão da relação entre os avanços da revolução científica e as proposições arquitetônicas. Em específico o caso dos arquitetos revolucionários franceses ele denomina o capítulo de Geometria Simbólica55. Pérez-Gómez se alinha ao historiador da arquitetura, responsável por cunhar o termo “arquitetos revolucionários” Emil Kaufmann ao dizer que “ um entendimento rigoroso da arquitetura do final do século XVIII na França é crucial para compreender a origem das intenções arquiteturais modernas” 56 .

Figura 10 55

Pérez-gómez PG. 129 No original: “A thorough understanding of late eighteenth-century French architecture is crucial in order to clarify the origins of modern architectural intentions” Tradução da autora

56

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Pérez-Gómez afirma que uma tendência a simplicidade formal, evidente na arquitetura francesa do final do século XVIII, tem sido interpretada como uma reação contra o exagero formal do Rococó, como um aumento do domínio da razão. Ou seja, simbolicamente a extravagância formal da rocalha se coloca num mundo a parte da razão. Tendo em vista que o culto à Newton e à revolução científica são referências ao século XVII, poderíamos considerar que a reação ao luxo se intensifica ao final do século XVIII justamente pela relação do rococó com o poder monárquico. A busca por uma arquitetura da forma racional se dá juntamente com o desgaste político da monarquia, e concomitantemente, o desgaste de sua simbologia. Como afirma Jean Starobinski em A Invenção da Liberdade: “Um monarca absoluto só pode residir na morada de seus antepassados dispondo novos aposentos onde atualizará sob os próprios olhos a marca pessoal de seu reinado. Mas essa relação “narcísica” do príncipe com as obras de que se cerca transmuta-se quase instantaneamente em ato público e em ostentação de soberania. Os monarcas do século XVIII, até mesmo os de pequenas cortes da Alemanha, seguem nesse ponto uma tradição barroca de pompa faustosa. E o espetáculo, pelo menos em sua forma antiga, é mais que um espetáculo. Ele não admite que os espectadores permaneçam distantes e livres, é um empreendimento de deslumbramento que cativa e fascina suas testemunhas, que o faz participar de um rito de submissão: demonstração resplandecente de uma vontade irresistível. O fausto não é somente o sinal da soberania: é a expressão de um poder que se materializa sob espécies sensíveis e que é capaz de renovar continuamente a aparência sob a qual se manifesta. A imagem do príncipe, solenizada por seus adornos e refletida em suas moradas, exige uma testemunha universal. A relação pessoal entre monarca e seus domínios efetua-se perante o mundo: o mito do poder absoluto desejaria que aquela glória expansiva, imediatamente percebida, conquistasse o expectador, o transformasse em súdito agradecido e o englobasse no círculo de posses reais. Assim, a relação possessiva do príncipe com

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a Corte e com o Palácio constitui a imagem analógica da relação que ele deseja ter com o universo inteiro.”57

A Razão, portanto, não significa um abandono de considerações teológicas. Pérez-Gómez afirma que o Cenotáfio é uma imagem do trabalho supremo do criador, porém a partir de uma visão do universo revelada pela ciência. A esfera vazia, para Pérez-Gómez, é a imagem do cosmos de Newton, no qual o vácuo é um fator determinante. Justamente a razão proporciona uma visão teológica que não possui como representante terreno o Rei. A glória divina se manifesta não na imagem do fausto, descrita acima por Starobinski, mas na ordem da Natureza, proporcionada pelo que é desvelado pela ciência.

Figura 11

57

SOTAROBINSKI, pg. 22

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Certamente é necessário compreender, para tanto, a questão do gosto não como uma discussão pontual na história da arquitetura, um verbete em voga durante o século XVIII, mas como uma discussão potencialmente produtora de formas de visibilidades e invisibilidades, construções essas que marcam a forma moderna de se produzir tanto representações quanto discursos, e de se lidar com o poder. O bom gosto sem dúvida só pode existir se substituir ou se sobrepor ao mau gosto. O bom gosto tem como cerne tornar invisível o que seria feio, esteticamente errado. Hanno Kruft na sua História da Teoria Arquitetural detalha a trajetória da academia francesa na tentativa de enunciar o Bom Gosto. Ele narra que em maio de 1712 se chega a um acordo, chegando-se a seguinte definição; “Bom gosto na arquitetura consiste no que manifesta de forma mais simples a relação entre as partes, na qual ao se comunicar mais facilmente com a mente a satisfaz mais profundamente”

58

.

Podemos considerar nessa declaração dois fatos: um assume-se que a arquitetura se faz de partes, não de uma unidade total. E, em segundo lugar, de que o bom gosto deriva da satisfação da razão. O que se esconde nessa enunciação de bom gosto, portanto, é que o mau gosto reside no irracional. O feio é o que não satisfaz a razão, o difícil de ser compreendido. Como elabora o filósofo Michel Foucault em Microfísica do poder: “Um medo assombrou a segunda metade do século XVIII: o espaço escuro, o anteparo de escuridão que impede a total visibilidade das coisas, das pessoas, das verdades. Dissolver os fragmentos de noite que se opõe à luz, fazer com que não 58

IN Kruft, pg. 143, no original “ Bom gôut in architecture consists in that which manifests the simple relationship in AL its parts, and which, communicated more easily to the mind, satisfies it more deeply”

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haja mais espaço escuro na sociedade, demolir essas câmeras escuras onde se fomentam o arbitrário político, os caprichos da monarquia, as superstições religiosas, os complôs dos tiranos e dos padres, as ilusões da ignorância, as epidemias”

Arendt também relaciona com a luz e sombras o que nos permite a percepção da realidade mesma. Para a filósofa, “nossa percepção da realidade depende totalmente da aparência, e, portanto da existência de uma esfera pública na qual as coisas possam emergir da treva da existência resguardada, até a meia luz que ilumina nossa existência privada e íntima, da luz muito mais intensa da esfera pública”59. O espaço da realidade é, portanto, o espaço da aparência. Esse também é o espaço da experiência do comum. Para Arendt, “somente quando as coisas podem ser vistas por muitas pessoas, numa variedade de aspectos, sem mudar de identidade, de sorte que os que estão à sua volta sabem que vêem o mesmo na mais completa diversidade, pode a realidade do mundo manifestar-se de maneira real e fidedigna.” Podemos concluir portanto que a emergência da questão do gosto durante o século XVIII evidencia a necessidade de sistematização racional dos regimes de visibilidade, e portanto, do que é relevante para a matéria real de convivência na vida pública. Por isso o regime estético, para Rancière, se equipara à construção do político, pois a experiência estética irá determinar poderes tornados dominantes na coletividade. Não por acaso relacionamos contemporaneamente os excessos rococós ao mau gosto: a experiência

59

ARENDT, A condição Humana, pg. 61

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estética da monarquia no nosso sistema de aparências, se equipara ao luxo, do frívolo e ao despótico e portanto é contrária a idéia de razão e liberdade.

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3.2- A arquitetura educadora

A escolha de Claude-Nicolas Ledoux se dá no contexto desse trabalho pelo fato do arquiteto ter produzido extensamente no período anterior a revolução, como membro da academia real e arquiteto do rei, e durante a revolução, agora impedido de trabalhar como arquiteto, ele continua produzindo teoria e propostas utópicas. A mudança de um consagrado arquiteto do governo e da alta burguesia para o propositor teórico é importante, aqui, pois salienta o lugar do discurso de Ledoux: relacionado à monarquia, seus projetos não interessam aos jovens revolucionários. Simbolicamente, ainda, Ledoux é o arquiteto responsável pelo projeto das barrières ou postos de coleta de impostos na volta do muro que ainda separava Paris, ainda na configuração medieval. Como lugar das coletas de impostos as barrières simbolizam a arrecadação do dinheiro pelo governo monárquico dos trabalhadores para ostentar o luxo e opulência de Versailles, distantes das reais demandas da população. Elas controlam tanto a entrada de alimentos quanto a saída dos produtos industriais. Não é coincidência, portanto que quase todas as barrières são destruídas, restando apenas atualmente quatro.60 O dito “le mur murant Paris” explicita o burburinho que se instaura na cidade em relação ao pagamento de impostos ao governo francês em relação a real situação da população.

60

A Barrière de la rotonde Chartres, La rotonde de la Villette, La barrière du Trône e La barrière d’Enfer

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Porém simultaneamente como ex-membro da academia ele deixa um legado formal em diversos sucessores. Além do mais o tratado que Ledoux escreve em seus anos de aposentadoria forçada tem uma forte influência rousseauniana e apresenta a idéia que será denominada, por Kaufmann, de arquitetura parlante devido a tentativa de se criar um repertório formal que servisse como educador do novo homem iluminista. Ao escrever o tratado “sur La architecture” Ledoux tenta demonstrar que apesar de sua relação com o poder deposto ele é um homem de seu tempo e tem, ainda, a contribuir com as novas gerações. O título do tratado é arquitetura considerada em sua relação a arte, a moral e a legislação: o tripé no qual se apóia a produção arquitetônica, para o arquiteto, é a capacidade de criar o belo de forma que ele se relacione com o espaço físico e a vida do usuário, dentro de um sistema legal que regule as edificações. Nesse sentido, apesar de ao inserir Ledoux na sua tríade dos arquitetos revolucionários, Kaufmann indicasse o período em que viveu e a ousadia das formas propostas, Ledoux aqui se apresenta como revolucionário também no sentido de que, como os homens da convenção, diante da nova Sociedade de Artes, dá a arquitetura uma finalidade simbólica e educadora. No manual “A arquitetura considerada em sua relação com a arte, a moral e a legislação”, do arquiteto Claude Nicolas Ledoux (Paris, 1804), seu subtítulo Exegi monumentum...(Exegi monumentum aere perennius., Horácio: Erigi um monumento mais perene que o bronze), dá indícios do propósito de Ledoux ao escrever sua obra: erigir um monumento duradouro para a consolidação do mundo que chegava. Como conteúdo do tratado temos

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plantas, elevações, cortes e perspectivas de cidades, fábricas, silos, mercados, faculdades, banhos públicos, igrejas, cemitérios, teatros, hotéis, casa urbanas e de campo, comércio, edifícios públicos, etc. Mas principalmente textos descritivos de seus propósitos: junta à cada projeto existe uma carta de suas intenções. Para Ledoux, esse conjunto de obras era uma “Coleção que reúne todo o tipo de edifício necessário a Ordem Social.”. Seu principal propósito era a formação do Homem para o novo mundo da razão, o homem saído da era de misticismos e ignorância. Baseado numa formação erudita e clássica, conhecedor da história da arte da Grécia e Roma clássicas, Ledoux lê também Rousseau e encontra na relação com a natureza o potencial educador. Acredita no homem como tabula rasa que poderá ser educado pela arquitetura, num ambiente que une a cidade ao campo (sua cidade ideal é próxima à floresta de Chaux, num projeto circular que iguala todos os edifício e os relaciona ao sítio de forma específica, pela relação topográfica e paisagística).

Figura 12

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Figura 13

Os projetos construídos ou projetados do autor concentram-se entre 1768 e 1789. Morre apenas dois anos após sua publicação, segundo o colega Jacques Cellerier61, que lhe dedica uma homenagem à data de sua morte escrevendo um obituário, de forma rápida e inesperada, de uma paralisia.

61

Cellerier assina como JC, e por isso Kaufmann, em “de Ledoux a Le Corbusier”, o trata como anônimo. Porém consegui recuperar a autoria em pesquisa nos arquivos digitais de Biblioteca Nacional Francesa (gallica.fr)

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Figura 14

Logo Ledoux, antes da Revolução, propunha em seus projetos a celebração da Razão e a igualdade entre os homens, porém sua relação com o poder o torna alijado do ideal revolucionário. Porém

jovens arquitetos que

propoem o projeto para a Paris republicana não se afastam, formalmente, do estilo acadêmico. Anthony Vidler, em seu artigo Researching Revolutionary Architecture aponta que o vocabulário maçônico de motivos egípicios- olhos que tudo vêem, fasces, colunas duplas- usados principalmente por Ledoux tanto anteriormente quanto posteriormente à excursão de Napoleão ao Egito, foram rapidamente assimilados no vocabulário revolucionário.

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Porém após a revolução Ledoux se dedicará a seu trabalho teórico, Architecture consideree sous le rapport de l'art, des moeurs et de la legislation, (a arquitetura considerada em sua relação com a arte, a moral e a legislação). Nesse trabalho surgirá a cidade Utópica de Chaux, não mais o projeto construído para as salinas, mas o projeto completo de uma cidade ideal. Kaufmann irá considerar o projeto da cidade ideal como experimento formal fundador da modernidade, em De Ledoux a Le Corbusier, vendo nas formas geométricas e puras a fundação do que viria a ser a arquitetura do projeto modernista. Simultaneamente, nesse mesmo projeto, Michel Foucault, em Vigiar e Punir, verá o exemplo espacial de um urbanismo panopticista, fundado a partir da sistematização política e jurídica da qual se constitui a Modernidade.

Figura 15

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Figura 16 Para Foucault “As realizações de Claude-Nicolas Ledoux procuram atingir o mesmo efeito de visibilidade (do panopticon), mas com um elemento suplementar: a existência de um ponto central que deve ser o local do exercício do poder, e ao mesmo tempo, o lugar do registro do saber.”62 Como podemos ver nas imagens das Salinas edificadas, sua forma inicial era um meio círculo, cuja edificação de ponto central é a sede administrativa das Salinas. Esse prédio está ligado diretamente ao pórtico de entrada, sendo portanto a primeira visão de quem chega ao espaço. A disposição dos edifícios, tanto das fábricas quanto casas dos trabalhadores e diretores permite a todos uma visão total do local, e simultaneamente os raios focais convergem para o edifício central. Esse mesmo possui no frontão um olho-que–tudo-vê, sinalizando sua função de vigia. Ao contrário de Kaufmann, portanto, que vê autonomia no homem que 62

FOUCAULT, Microfísica do Poder, pg. 211

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habita o espaço proposto por Ledoux, Foucault vê um dispositivo de vigilância . Seria necessário ao homem autônomo, em sua existência no comum, vigiar seus concidadãos? Para Foucault esse problema se dá numa sociedade em que o indivíduo privado se sobrepõe à vida pública,e se opõe ao Estado. Essa sociedade se coloca espacialmente como oposta ao espetáculo: enquanto no espetáculo se assume que um grande número de indivíduos deverá assistir a um pequeno, a questão da Idade Moderna é que um número mínimo de sujeitos consigam ter um vislumbre de uma multidão.

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C

onsiderações finais

Aux armes, citoyens, Formez vos bataillons, Marchons, marchons ! La Marseillaise, 1792

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Em sua tese Histories of the immediate Present: Inventing Architectural Modernism,

Anthony Vidler apresenta quatro

teses

de fundação do

modernismo. A fundação Neoclássica com Emil Kaufmann, o princípio a partir do Maneirismo em Colin Rowe, do Futurismo em Reyner Banham e Renascentista em Manfredo Tafuri. Essas formulações, para Vidler, dizem na verdade não a respeito de hipóteses de fundação do que seria o modernismo, mas sim de um esforço em instrumentalizar o uso da história como ratificadora do presente como ponto de ápice, o ponto a partir do qual a história acaba. Esse teria sido um esforço feito pela crítica e teoria da arquitetura, na década de 30, para consolidar o movimento moderno. Daqui podemos ressaltar duas questões: a primeira é de que só se poderia conceber esse esforço como efetivo ao se fazer uma leitura positivista da história. Em segundo, claramente, que uma narrativa história possui uma teleologia. A finalidade da história, como vimos anteriormente, se dá no campo da simbologia e da construção da memória, assim como a finalidade para as artes. São fins modernos para questões que se impuseram a partir da percepção das artes humanas como um sistema diferenciado dos demais ofícios e das ciências. Essa é a razão da idéia de um estudo que colocasse a história e a arquitetura, como sujeitas a construção dessas teleologias, em diálogo com o poder que as propõe.

No dicionário de termos políticos Norberto Bobbio, no verbete política, define três poderes que os homens podem exercer: o poder econômico, o poder ideológico e o poder político. O poder econômico é o poder que passa

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pelas relações de trabalho e de produção, controlando a fartura e a escassez. O poder ideológico é o poder exercido a partir de idéias, agindo sobre a conduta dos sujeitos. O poder político é onde está a primazia da força. O detentor do poder político é o único que poder usar a força para garantir o cumprimento da lei63. Na produção do espaço podemos aplicar a trilogia dos poderes de Bobbio plenamente: no planejamento do espaço atuam de forma equivalente o poder econômico, na forma de financiamento/contratação, o poder ideológico, no discurso do planejamento e o poder político, da figura das regulamentações do estado. Ou seja, todas as formas possíveis de controle entre indivíduos se relacionam nessa arena. Sendo assim não é possível se pensar na produção do Estado sem pensar na finalidade de todas essas forças que o envolvem. Nesse trabalho foram abordados alguns pensamentos iniciais sobre a idéia de política moderna representativa, iniciada com a Revolução Francesa, e sua reverberação no pensamento a respeito da produção do espaço. Buscouse entender se algumas noções que regem a forma de relacionamento na vida pública e social, nesse espaço em que se compartilha, como define Jacques Rancière, o sensível (ou seja, nossa experiência diante do mundo) moldariam também a forma de se elaborar o discurso sobre esse espaço produzido.

Vimos aqui dialogicamente as definições da filosofia política, da estética, das artes e da produção arquitetônica no recorte temporal revolucionário.

63

Hobbes

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Buscamos escavar as ruínas de um momento já distante para nós, observadores do século XXI, mas que pressentimos, a cada levante, a cada insurreição, a instabilidade na vida da metrópole em face a forma como são postas as visibilidades e invisibilidades. A tensão no espaço diz sempre de vir a tona o que se tentava, a partir de planejamento estratégico, esconder. A tomada do povo, desde a crítica de Burke ao que notícia a imprensa hodierna resvala sempre no que nos é permitido partilhar, e cujo palco se dá, inevitavelmente, na praça pública.

A Revolução Francesa tornou visível que para além de uma Europa Iluminada, de pompa e distinção, rococó e luxo, havia uma Europa faminta. E a partir de então a revolução passou ser o instrumento de tornar visível o que a política tornava invisível. O motor da história serviria para arrancar da ordem natural o que ela estava desnaturalizando. A partir de então o espaço passou a existir na tensão entre controlar as irrupções e abrigar os dessemelhantes. Se arquitetos e planejadores tentam criar democracia espacial estão sujeitos a legislação e poder econômico. A figura do arquiteto e urbanista em meio a essa sombra nunca mais se tornou a mesma: do mestre construtor passou a se dividir em ora visto como fútil, embelezador, ora como um mero braço técnico de uma pequena parte do ato de construir. Em meio aos escombros das revoluções jaz uma parte de um ofício tão antigo quanto a humanidade: o de erigir um monumento, como pretendia Ledoux, em seu último suspiro contra o novo mundo que se impunha.

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ANEXO 1-DECLARAÇÃO DOS DIREITOS DOS HOMENS E DO CIDADÃO64(1789)

Art.1º. Os homens nascem e são livres e iguais em direitos. As distinções sociais só podem fundamentar-se na utilidade comum. Art. 2º. A finalidade de toda associação política é a conservação dos direitos naturais e imprescritíveis do homem. Esses direitos são a liberdade, a propriedade a segurança e a resistência à opressão. Art. 3º. O princípio de toda a soberania reside, essencialmente, na nação. Nenhuma operação, nenhum indivíduo pode exercer autoridade que dela não emane expressamente. Art. 4º. A liberdade consiste em poder fazer tudo que não prejudique o próximo. Assim, o exercício dos direitos naturais de cada homem não tem por limites senão aqueles que asseguram aos outros membros da sociedade o gozo dos mesmos direitos. Estes limites apenas podem ser determinados pela lei.

64

Déclaration des Droits de l'Homme et du Citoyen no original

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Art. 5º. A lei não proíbe senão as ações nocivas à sociedade. Tudo que não é vedado pela lei não pode ser obstado e ninguém pode ser constrangido a fazer o que ela não ordene. Art. 6º. A lei é a expressão da vontade geral. Todos os cidadãos têm o direito de concorrer, pessoalmente ou através de mandatários, para a sua formação. Ela deve ser a mesma para todos, seja para proteger, seja para punir. Todos os cidadãos são iguais a seus olhos e igualmente admissíveis a todas as dignidades, lugares e empregos públicos, segundo a sua capacidade e sem outra distinção que não seja a das suas virtudes e dos seus talentos. Art. 7º. Ninguém pode ser acusado, preso ou detido senão nos casos determinados pela lei e de acordo com as formas por esta prescritas. Os que solicitam, expedem, executam ou mandam executar ordens arbitrárias devem ser punidos; mas qualquer cidadão convocado ou detido em virtude da lei deve obedecer imediatamente, caso contrário torna-se culpado de resistência. Art. 8º. A lei apenas deve estabelecer penas estrita e evidentemente necessárias e ninguém pode ser punido senão por força de uma lei estabelecida e promulgada antes do delito e legalmente aplicada. Art. 9º. Todo acusado é considerado inocente até ser declarado culpado e, se julgar indispensável prendê-lo, todo o rigor desnecessário à guarda da sua pessoa deverá ser severamente reprimido pela lei. Art. 10º. Ninguém pode ser molestado por suas opiniões, incluindo opiniões religiosas, desde que sua manifestação não perturbe a ordem pública estabelecida pela lei. Art. 11º. A livre comunicação das idéias e das opiniões é um dos mais preciosos direitos do homem. Todo cidadão pode, portanto, falar, escrever, imprimir livremente, respondendo, todavia, pelos abusos desta liberdade nos termos previstos na lei. Art. 12º. A garantia dos direitos do homem e do cidadão necessita de uma força pública. Esta força é, pois, instituída para fruição por todos, e não para utilidade particular daqueles a quem é confiada. Art. 13º. Para a manutenção da força pública e para as despesas de administração é indispensável uma contribuição comum que deve ser dividida entre os cidadãos de acordo com suas possibilidades. Art. 14º. Todos os cidadãos têm direito de verificar, por si ou pelos seus representantes, da necessidade da contribuição pública, de consenti-la livremente, de observar o seu emprego e de lhe fixar a repartição, a coleta, a cobrança e a duração.

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Art. 15º. A sociedade tem o direito de pedir contas a todo agente público pela sua administração. Art. 16.º A sociedade em que não esteja assegurada a garantia dos direitos nem estabelecida a separação dos poderes não tem Constituição. Art. 17.º Como a propriedade é um direito inviolável e sagrado, ninguém dela pode ser privado, a não ser quando a necessidade pública legalmente comprovada o exigir e sob condição de justa e prévia indenização.

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R

eferências bibliográficas

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