Justiça climática e a Política Estadual de Mudanças Climáticas do Estado de São Paulo

May 21, 2017 | Autor: G. Silveira Mantelli | Categoria: Environmental Law, Climate Change, Direito Ambiental, Climate Justice
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21º CONGRESSO BRASILEIRO DE DIREITO AMBIENTAL Teses de Estudantes de Graduação / Papers of Law School Students

19. JUSTIÇA CLIMÁTICA E A POLÍTICA ESTADUAL DE MUDANÇAS CLIMÁTICAS DO ESTADO DE SÃO PAULO1 ANDRÉ FERREIRA DE CASTILHO GRADUANDO DA FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO GABRIEL ANTONIO SILVEIRA MANTELLI BACHAREL EM DIREITO PELA FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO, ADVOGADO EM SÃO PAULO

1. INTRODUÇÃO Desde o final do século XX, as mudanças climáticas passaram a ser foco nas discussões ambientais e econômicas ao redor do globo. Na teoria, os efeitos das alterações no clima, por não respeitarem fronteiras ou qualquer tipo de barreira física, afetariam todos da mesma forma. Todavia não é o que se observa na realidade, em que são as comunidades mais vulneráveis, sob a ótica socioambiental, que arcam com a maior parte das catástrofes e com a diminuição da qualidade de vida. O embate diplomático entre países desenvolvidos e em desenvolvimento praticamente já se tornou praxe nas conferências globais dedicadas às discussões de cunho ambiental. Na abertura da 21ª Conferência das Partes da ConvençãoQuadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP21), em Paris, o presidente francês François Hollande indagou à plateia e ao mundo: “Como aceitar que os países mais pobres, os mais miseráveis, que emitem menos gases, sejam os mais afetados [pelas mudanças climáticas]?”.2 As alterações do clima, desencadeadas pela combinação de forças naturais com a exploração antrópica, trazem instabilidade para a sociedade. O Direito, como poder de transformação, através das normas, tem o papel de corrigir estes impactos, ou então mitigá-los. Deve, para isso, manter-se ligado à realidade socioeconômica e, desse modo, tentar corrigir desproporções entre grupos. Trazer justiça, no contexto climático, portanto, pode ser sinônimo de priorizar 1 Trabalho realizado como exigência para conclusão da Oficina de Direito Ambiental do segundo semestre de 2015, sob orientação da Professora Associada Dra. Ana Maria de Oliveira Nusdeo, da Faculdade de Direito da USP. 2 AGÊNCIA BRASIL. Hollande fala em justiça climática ao convocar governantes a buscarem acordo. 30 nov. 2015. Disponível em: . Acesso em: 27 mar. 2016.

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populações mais vulneráveis, numa ótica socioambiental. Tendo em vista o saber local como forma de mitigação da injustiça ambiental verificada, o presente artigo analisará a Política Estadual de Mudanças Climáticas do Estado de São Paulo (PEMC/SP)3 e, à luz dos preceitos de justiça ambiental, investigará se os instrumentos e mecanismos nessa legislação, especialmente com relação ao Programa de Remanescentes Florestais, objetivam contribuir à diminuição de incongruências socioambientais. No presente artigo, iremos contextualizar os conceitos de socioambientalismo, o surgimento do movimento por justiça ambiental e, enfim, sua vertente de justiça climática. Deste modo, passaremos por um breve histórico sobre as conferências globais de grande relevância para as discussões sobre o clima no globo. Depois, faremos uma análise mais profunda sobre a PEMC/ SP, a fim de identificar conceitos anteriormente levantados. Por fim, faremos um diagnóstico do Programa de Remanescentes Florestais, para buscarmos a conclusão de que este pode ser – ou não – um exemplo de programa que contribui para uma maior justiça climática.

2.

MUDANÇAS CLIMÁTICAS E O DIREITO SOCIOAMBIENTAL

As mudanças do clima entraram na pauta internacional no fim do século XX e tornaram-se questão central das discussões globais no início dos anos 2000, com a homologação do Protocolo de Kyoto. A principal individualidade do tema do câmbio climático está no fato de seus efeitos serem intergeracionais, atingindo presentes e futuras gerações, e não respeitarem os limites territoriais, sendo necessária a discussão entre Estados. Em decorrência dessas características, vislumbramos que as consequências das mudanças climáticas não são proporcionais, nem equânimes. Isto é, as populações que mais contribuem com as alterações no clima não são, necessariamente, as que mais sofrerão com elas; na maioria das vezes, acontece exatamente o inverso. O presente tópico irá traçar uma breve contextualização das mudanças do clima com um histórico deste tema nas pautas internacionais, e mostrará como estão ligadas ao socioambientalismo e o surgimento do movimento por Justiça Climática.

2.1

BREVE HISTÓRICO DAS CONFERÊNCIAS GLOBAIS

A destruição do meio ambiente entrou na pauta global a partir da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, realizada em 3

Vide Lei Estadual nº 13.798/2009.

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Estocolmo no ano de 1972.4 Sua realização foi motivada pela crescente poluição atmosférica e pelo aumento significativo no número de tragédias ambientais na década de 1960. Deste encontro, foi criado o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA).5 Em 1987, publicou-se o Relatório Brundtland (Our Common Future)6, documento que trouxe, pela primeira vez, o conceito de “desenvolvimento sustentável”, aquele capaz satisfazer as necessidades presentes, sem comprometer a capacidade das gerações futuras de suprir as suas próprias necessidades. Entendemos que tais “necessidades” são, sobretudo, aquelas essenciais ao ser humano, com ênfase para os setores mais pobres em termos socioeconômicos da sociedade. Ademais, o documento ainda postulou a responsabilidade coletiva para a proteção de recursos universais e convocou os países desenvolvidos a prestarem assistência aos países em desenvolvimento. No ano seguinte ao relatório, em Toronto, criou-se o International Panel on Climate Change (IPCC), órgão integrante das ONU, responsável pela coleta de dados científicos, econômicos e sociais para o entendimento das mudanças climáticas, os quais são apresentados na forma de relatórios. Em termos institucionais, o IPCC é formado por cientistas voluntários e não interfere na tomada de decisões dos Estados. Continuando a análise histórica, a próxima grande conferência se deu em solo brasileiro, no Rio de Janeiro, em 1992. A Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Rio-92), influenciada pelo Relatório Brundtland, teve como tema central o desenvolvimento sustentável. Ela reconheceu que os principais causadores dos danos já causados ao meio ambiente são de autoria dos países industrializados7, fato importante para o socioambientalismo, como será averiguado adiante. O principal produto da Rio92 foi a Agenda 21, documento com uma série de medidas econômicas e sociais a serem adotadas, relacionadas ao meio ambiente e à redução da pobreza, além da Declaração de Princípios sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, essenciais para o direito ambiental como um todo.8

4 MILARÉ, Edis. Direito do ambiente. 8. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013, p. 239. 5 O PNUMA é “a agência do Sistema ONU responsável por catalisar a acção internacional e nacional para a protecção do meio ambiente no contexto do desenvolvimento sustentável. Seu mandato é prover liderança e encorajar parcerias no cuidado ao ambiente, inspirando, informando e capacitando nações e povos a aumentar sua qualidade de vida sem comprometer a das futuras gerações” (Disponível em: < http://pelanatureza.pt/natureza/ecoinfo/pnuma-o-que-e>. Acesso em: 27 mar. 2016). 6 Disponível em: http://www.un-documents.net/our-common-future.pdf 7 ACCIOLY, Hildebrando; SILVA, G.E do Nascimento e; CASELLA, Paulo Borba. Manual de direito internacional público. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 693. 8 ONU. Agenda 21. Disponível em: . Acesso em 5 abr. 2016.

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A Rio-92 criou, ainda, a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP), instituição com o objetivo de estabilizar a concentração de gases contribuintes para o aquecimento global, garantindo um espaço de negociações e debates acerca do tema, de forma permanente e periódica. Importante destacar que na terceira COP, em 1997, foi redigido o Protocolo de Kyoto9, o qual reafirmou o princípio da responsabilidade comum, porém diferenciada. Foram criados mecanismos de flexibilização, como a implementação conjunta, o mercado de carbono e a exportação de tecnologia por parte dos desenvolvidos. Embora outros encontros internacionais pudessem ser aqui citados, optamos por abordar somente estes, pois consideramos que estas importantes conferências trouxeram algum avanço para os preceitos do socioambientalismo, conforme será analisado a seguir.

2.2

O SOCIOAMBIENTALISMO E A LUTA POR JUSTIÇA CLIMÁTICA

A sociedade de risco conceituada por Ulrich Beck10 nos mostra a trajetória histórica do ser humano de controlar os perigos, de origem natural, por meio do desenvolvimento de tecnologias, que, por sua vez, gera riscos. Na lógica pós-industrial em que vivemos, a incerteza do risco é proeminente e, conforme esclarecem Acselrad, Mello e Bezzera, não recai sobre as diferentes populações de forma equânime.11 Na verdade, entendemos que os riscos são altamente seletivos, sendo essenciais para a compreensão do direito socioambiental. Pode-se dizer que os riscos e a vulnerabilidade presente em determinado território estão intrinsecamente ligados. Em relação à conceituação de vulnerabilidade, vê-se que ela possui diversas vertentes, sendo a de maior notoriedade no meio acadêmico a de autoria da International Strategy for Disaster Reduction (UNISDR)12, a qual liga o conceito de vulnerabilidade às condições estabelecidas por fatores e processos físicos, sociais, econômicos e ambientais. Tais fatores, para essa definição, seriam os responsáveis por aumentar a suscetibilidade de determinada comunidade ao impacto de riscos e perigos. A vulnerabilidade seria a probabilidade de dano ao sistema socioambiental de determinada região. Carvalho e Damacena afirmam que ela é determinada não apenas pela pobreza, mas também por um conjunto complexo de fatores 9 UNITED NATIONS. Kyoto Protocol. Disponível em: < http://unfccc.int/kyoto_protocol/ items/2830.php>. Acesso em: 21 mar. 2016. 10 BECK, Ulrich. Sociedade de risco: rumo a uma outra modernidade. São Paulo: Editora 34, 2010. 11 ACSELRAD, Henri; MELLO, Cecilia C.A.; BEZERRA, Gustavo N. O que é justiça ambiental. Rio de Janeiro: Garamond, 2009, p. 16. 12 UNISRD. What is the International Strategy? Disponível em: < http://www.unisdr.org/ who-we-are/international-strategy-for-disaster-reduction>. Acesso em: 17 mar. 2016.

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físicos, econômicos, políticos e sociais.13 Por sua vez, o socioambientalismo consiste na ideia de que os aspectos ambientais e sociais estão entrelaçados para a definição de sustentabilidade.14 Desse modo, a redução da pobreza e das desigualdades sociais está ligada à valorização da diversidade cultural e à ampla participação popular na gestão ambiental, sendo o desenvolvimento sustentável a chave para este problema. Para Leff, as lutas pela reapropriação da natureza são, sobretudo, lutas pelo direito à diferença cultural.15 Por isso, as políticas públi cas devem levar em consideração não apenas a biodiversidade da região, mas também sua sociodiversidade, incluindo e envolvendo comunidades locais, detentoras de conhecimentos e de práticas de manejo dos recursos naturais. Em seu “O Ecologismo dos Pobres”, Alier demonstra o surgimento de uma corrente ambientalista, a qual leva o nome do livro, através da percepção de que as externalidades negativas da produção econômica capitalista não são distribuídas de forma igual para as diferentes populações.16 Elas atingem as diferentes camadas sociais de forma desigual, normalmente em proporção às suas desigualdades sociais. Isto porque o crescimento econômico implica maiores impactos ao meio ambiente. No entanto, este é sinônimo de subsistência, cultura e tradição, e, para estas pessoas, os impactos ambientais são sentidos de forma muito mais intensa. A desigualdade dos efeitos das degradações ambientais sobre diferentes populações é mais sentida quando tratamos de resíduos sólidos e da distribuição de recursos econômicos. As populações mais vulneráveis, que menos se beneficiam da produção econômica e menos contribuem para a degradação ambiental, são as que mais suportam os riscos desta. Ascelrad ainda nos lembra que, principalmente no meio urbano, essas populações se instalam em áreas de maior risco, devido ao mercado imobiliário, e, por terem menor participação política, enfrentam grandes dificuldades para serem ouvidos.17 O resultado acaba em desastre. Os desastres ambientais podem ser conceituados como o resultado de eventos adversos, naturais ou antrópicos, sobre um ecossistema vulnerável, o qual causa danos humanos, materiais e ambientais e geram prejuízos

13 CARVALHO, Délton Winter de; DAMACENA, Fernanda Dalla Libera. Direito dos desastres. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013, p. 56-59. 14 SANTILLI, Juliana. Socioambientalismo e novos direitos: proteção jurídica à diversidade biológica e cultural. São Paulo: Editora Peirópolis e ISA, 2005, p. 14-15. 15 LEFF, Enrique. Racionalidade ambiental: a reapropriação social da natureza. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006. 16 ALIER, Joan Martínez. O ecologismo dos pobres. São Paulo: Contexto, 2009, p. 33-39. 17 ACSELRAD, Henri. Ambientalização das lutas sociais – o caso do movimento por justiça ambiental. Revista Estudos Avançados. Vol. 24. n. 68. p. 103-119. São Paulo: USP, 2010.

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socioeconômicos.18 É evidente, portanto, que a degradação ambiental potencializa a violação de direitos humanos. Nessa ótica, a luta por justiça ambiental torna-se, sobretudo, uma luta por justiça social por meio de uma concepção ecológica. Rammé ensina que a luta por justiça ambiental teve início nos Estados Unidos da década de 1960, quando as populações afrodescendentes começaram a reivindicar seus direitos sociais, face à contaminação tóxica que os atingia com maior intensidade.19 Esta luta, portanto, era para que nenhum grupo étnico, social ou racial suportasse de forma desproporcional os efeitos da degradação do meio ambiente. A partir do fim do século XX, a preocupação com as mudanças climáticas torna-se o foco nas discussões ambientais e, então, surge uma nova vertente na justiça ambiental, denominada “justiça climática”. Ela demonstra como os efeitos das mudanças climáticas são sentidos de forma diferente pelas diferentes populações.20 Os microclimas de regiões mais pobres são afetados de forma mais intensa, por exemplo, por estarem mais expostas às emanações de gases das indústrias.21 Na mesma linha, as populações tradicionais, que, por um lado são as que menos contribuem para o aquecimento global em razão dos sistemas produtivos que adotam, por outro são as mais afetadas pelos efeitos destes, principalmente em casos de desastres, quando perdem tudo que têm: sua cultura, sua subsistência e sua dignidade. A questão climática pode ser entendida como intergeracional, pois tem potencial para afetar os direitos fundamentais de populações futuras. Nesse aspecto, o paradoxo de Giddens estabelece que, embora não possamos sentir os maiores efeitos das mudanças climáticas atualmente, quando o sentirmos, será tarde demais.22 Se ampliarmos para o contexto global, surgem os refugiados ambientais, em sua maioria, localizados em países em desenvolvimento ou subdesenvolvidos. Suas moradias são devastadas e, em casos extremos, seu território todo é afetado, como é o caso do desaparecimento de pequenas ilhas. Além disso, as 18 LAVRATTI, Paula Cerski; PRESTES, Vanêsca Buzelato. Diagnóstico da legislação: identificação das normas com incidência em mitigação e adaptação às mudanças climáticas – Desastres. São Paulo: Instituto o Direito por um Planeta Verde, 2010, p. 5-6. 19 RAMMÉ, Rogério Santos. A justiça ambiental e sua contribuição para uma abordagem ecológica dos direitos humanos. Revista de Direito Ambiental, vol. 69, p. 85-103, 2013. 20 TOKAR, Brian. Movements for climate justice. Disponível em: < http://www.socialecology.org/wp/wp-content/uploads/2012/12/Tokar-Climate-Justice-2013.pdf>. Acesso em: 4 abr. 2016. 21 RAMMÉ, Rogério Santos. A política da justiça climática: conjugando riscos, vulnerabilidades e injustiças decorrentes das mudanças climáticas. Revista de Direito Ambiental, vol. 65, p. 367, 2012. 22 GIDDENS, Anthony. The politics of climate change. Polity Press: Cambridge, 2011, p. 32.

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mudanças climáticas podem reduzir recursos naturais de certas regiões, afetando na economia e no sustento dessas populações.23 A luta por justiça climática se configura em uma luta socioambiental por uma melhor distribuição das externalidades da produção econômica, para que os efeitos socioambientais das mudanças do clima afetem de maneira equânime as diferentes populações.

2.3 O IDEÁRIO SOCIOAMBIENTAL PRESENTE NAS CONFERÊNCIAS GLOBAIS Como anteriormente citado, as diversas convenções internacionais foram, aos poucos, absorvendo ideais socioambientais. A Conferência de Estocolmo, em 1972, foi a primeira a abarcar temas socioambientais, ao reconhecer o direito humano ao meio ambiente ecologicamente saudável. Este seria positivado na legislação brasileira, com a promulgação da Constituição Federal de 1988, em seu artigo 225.24 Depois, como já mencionado, o Relatório Brundtland conceituou o desenvolvimento sustentável, ligando-o às necessidades intergeracionais. Estas necessidades que deveriam ser atendidas são, sobretudo, as necessidades essenciais dos pobres do mundo. Além disso, o relatório em tela trouxe a ideia da responsabilidade coletiva para a proteção dos recursos universais e estabeleceu que os países desenvolvidos deveriam auxiliar os países em desenvolvimento nesta ação. Deste modo, os custos socioambientais não recariam de forma desproporcional apenas às nações mais pobres. A Rio-92, por sua vez, foi de extrema importância para o movimento de justiça ambiental. De início, ela reconheceu o fato de que os países industrializados são os principais responsáveis pelos danos já causados ao meio ambiente. Além disso, trouxe diversos princípios importantes para a luta socioambiental. O princípio do poluidor-pagador, já positivado no Brasil com a Política Nacional do Meio Ambiente, por meio da Lei Federal nº 6.938/1981, veio com o objetivo de internalizar as externalidades negativas da produção, estabelecendo ao poluidor a obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados ao meio ambiente.

Porém, dentro dessa questão, o princípio proveniente da Conferência

23 FERNANDES, Elizabeth Alves. Meio ambiente e direitos humanos: o deslocamento de pessoas por causas ambientais agravadas pelas mudanças climáticas. Curitiba: Juruá, 2014, p. 43. 24 Constituição Federal, Art. 225: “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações”.

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do Rio que merece maior destaque é o da responsabilidade comum, porém diferenciada.25 Seu fundamento vem do reconhecimento de que a maior parte da degradação ambiental mundial vem do desenvolvimento econômico acelerado de um pequeno grupo de países nos últimos dois séculos e, por isso, eles têm maior responsabilidade para combater os efeitos dos danos ambientais causados e que hoje são sentidos. Para isso, devem prestar assistência aos países em desenvolvimento, através de recursos financeiros, tecnologia e capacitação e terem as obrigações internacionais diferenciadas. Fica claro, portanto, a ligação deste princípio à justiça climática. Como dispõe Ramos, esta seria a “percepção desproporcional dos efeitos negativos das mudanças climáticas pelas populações mais vulneráveis” e, deste modo, a responsabilidade deve ser atribuída àqueles que mais contribuíram para as causas do aquecimento global.26

3. A POLÍTICA ESTADUAL DE MUDANÇAS CLIMÁTICAS DO ESTADO DE SÃO PAULO E OS PRECEITOS SOCIOAMBIENTAIS A Política Estadual de Mudanças Climáticas do Estado de São Paulo (PEMC) está disposta na Lei Estadual nº 13.798/2009. Nela podem ser identificados diversos ideais do socioambientalismo e da Justiça Climática. Ela está de acordo com a Lei Federal nº 12.187/2009, que institui a Política Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC). Logo no seu artigo 2º, a PEMC já institui como objetivo geral a redução ou estabilização da concentração de gases de efeito estufa na atmosfera. Este fato contribui com a justiça climática, uma vez que, como defendido anteriormente, são as populações mais pobres que ficam expostas de forma mais intensa à emanação destes gases. Em seguida, no artigo 3º, observam-se os princípios norteadores da política. É nesse artigo que podemos notar assuntos relevantes, já discutidos aqui anteriormente. O princípio do poluidor-pagador faz com que os causadores dos danos climáticos sejam responsabilizados pela poluição, como forma de internalizar 25 Trata-se do Princípio 7 da Declaração do Rio, conforme disposto a seguir: “7- Os estados devem cooperar, em um espírito de parceria global, para a conservação, proteção e restauração da saúde e da integridade do ecossistema terrestre. Considerando as distintas contribuições para a degradação ambiental global, os estados têm responsabilidades comuns porém diferenciadas. Os países desenvolvidos reconhecem a responsabilidade que têm na busca internacional do desenvolvimento sustentável, em vista das pressões exercidas por suas sociedades sobre o meio ambiente global e das tecnologias e recursos financeiros que controlam.”. 26 RAMOS, Marina Courrol. Políticas públicas de adaptação às mudanças climáticas em face das populações vulneráveis e da justiça climática. 2015. 127 p. Dissertação (Mestrado em Direito Político e Econômico) – Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo.

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as externalidades negativas da produção. Por isso, é de extrema importância, mesmo que de forma genérica, a reafirmação deste no estado de São Paulo, devido ao grande número de indústrias, principalmente no interior paulista. Deste modo, institucionalmente tem-se que são os verdadeiros poluidores aqueles que arcam com os custos da emanação dos gases do efeito estufa. A participação da sociedade civil nos processos consultivos e deliberativos, com amplo acesso à informação também é assegurada na forma de princípio, indo de acordo com a Declaração de Princípios sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento da Conferência do Rio, de 1992. No estado brasileiro com maior número de habitantes, o fácil acesso às informações da gestão ambiental, de forma transparente, é essencial para a implementação do socioambientalismo, pois permite a participação dos grupos marginalizados e o exercício de sua democracia. Nesse tocante, é importante destacar que seria muito fácil aos empreendedores participar de forma desigual da política ambiental, através de sua influência política unilateral. É necessária a ressalva de que a instituição deste princípio ainda não significou, em termos concretos, uma grande vitória democrática. O que observamos é a realização de audiências públicas, por mera formalidade, onde as instâncias políticas detentoras do saber técnico já têm uma opinião consolidada e não participam, de forma verdadeira, de um debate com os cidadãos interessados, mas apenas de uma exposição de ideias.27 Ainda em relação ao maior acesso popular às informações da gestão ambiental estatal, a PEMC instituiu mais dois princípios: da ampla publicidade e da educação ambiental. O primeiro garante que tais informações não sejam apenas disponibilizadas, mas também, publicizadas. Isto é, não basta que os órgãos do governo as coloquem à disposição do público, mas têm de avisálos disso e permitir um fácil acesso, de forma rápida e desburocratizada. Já o segundo vai mais fundo, pois demanda uma ação positiva maior. A educação ambiental, já regulamentada no ensino fundamental pelo Ministério da Educação e Cultura, em âmbito federal, é essencial para a proteção das comunidades mais vulneráveis.28 É necessário educar as populações mais pobres, pois elas não têm acesso a grande parte de tecnologias ambientais já desenvolvidas, devido ao alto custo. Alternativas, como cisternas para captação da água da chuva e hortas residenciais surgem quando se é educado desde a juventude. Além disso, a educação ambiental permite que as famílias saibam onde devem residir, fugindo, na medida do possível, de áreas de grande risco, ou, pelo menos, adotando 27 Na mesma linha, vide: ALONSO, Angela; COSTA, Valeriano. Dinâmica da participação em questões ambientais: uma análise das audiências públicas para o licenciamento ambiental do Rodoanel. In: COELHO, Vera S.; NOBRE, Marcos. Participação e deliberação. Teoria democrática e experiências institucionais no Brasil Contemporâneo. São Paulo: Editora 34, p. 290-312. 28 Vide Lei Federal nº 9.795/1999.

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medidas preventivas para redução dos riscos. A PEMC também adotou o princípio do Desenvolvimento Sustentável. Na lógica do Relatório Brundtland, anteriormente discutido, reitera-se que as necessidades intergeracionais que devem ser garantidas são, sobretudo, aquelas das populações mais pobres. Já discutidos também foram os princípios da responsabilidade comum, porém diferenciada e o da cooperação, os quais garantem um maior apoio dos desenvolvidos aos menos desenvolvidos. Na lógica estadual, os que são mais responsáveis são os detentores do grande capital e empreendedores industriais, os quais devem contribuir para a redução da vulnerabilidade das populações mais pobres, seja através de mudanças em seu sistema produtivo, seja com ações afirmativas nas comunidades. A sessão III da PEMC trata das definições conceituais e alguns destes merecem destaque para nossa análise. Na descrição de efeitos negativos da mudança do clima, o legislador fez questão de esclarecer que as alterações climáticas afetam o sistema produtivo de índole socioeconômica e declinam a saúde e o bem estar humanos. O foco, portanto, passa para os direitos fundamentais do ser humano, dando maior força à discussão. Finalmente, define-se o conceito de população tradicional, como “aquela que vive em estreita relação com o ambiente natural, dependendo dos recursos naturais para a sua reprodução sociocultural, por meio de atividades de baixo impacto ambiental”. Nota-se, daí, a verdadeira (in)justiça ambiental: as comunidades tradicionais, por viverem com forte vínculo ao meio ambiente, são as mais afetadas pela mudança do clima, embora sejam as que apresentam atividades de menor impacto. As vulnerabilidades também são definidas na PEMC. No entanto, o são por um viés ecológico, sendo ignorados seus fatores sociais. Deste modo, a lei trata das dificuldades que um sistema natural pode apresentar, aumentando seus riscos, mas não menciona os agravantes humanos, como a pobreza e marginalização social. O mesmo ocorre para a definição de resiliência. É nos seus objetivos que a PEMC surpreende e ganha uma redação socioambiental interessante. Logo no primeiro objetivo, é disposta a tentativa de compatibilizar o desenvolvimento socioeconômico com a proteção do sistema climático. Mas é no artigo 5º, inciso V, que os preceitos da justiça climática são melhores observados: trata-se da implementação de ações preventivas para os efeitos das mudanças do clima, “a fim de proteger os estratos mais vulneráveis da população”. É, em si, o reconhecimento da carga desproporcional das externalidades negativas sobre a população mais pobre. A avaliação ambiental estratégica foi disposta na legislação em análise, a fim de estabelecer estratégias para zonas e atividades de maior vulnerabilidade às mudanças do clima. Pescadores, ribeirinhos e populações tradicionais são, dessa forma, personagens centrais, pois suas atividades de sobrevivência e

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subsistência são altamente dependentes de um meio ambiente ecologicamente equilibrado. As populações mais pobres também são favorecidas com esta avaliação, pois ela prevê o incentivo ao transporte sustentável, que, muitas vezes, pode significar o transporte coletivo. Principalmente nas grandes cidades, ônibus e metrôs são o principal meio de locomoção destas pessoas. Por fim, a avaliação menciona a consideração das peculiaridades locais, o que favorece o saber local e, consequentemente, a diversidade cultural. No disciplinamento do uso do solo, a PEMC tenta atenuar os efeitos das mudanças climáticas, sobretudo em áreas de maior vulnerabilidade. Para isso, disciplina a proteção da vegetação arbórea nativa e, mais uma vez, incentiva o saber local para políticas de adaptação e mapeamento das áreas vulneráveis. E, novamente, o transporte sustentável é posto como norte a ser alcançado. Este será disposto, ainda, na seção sobre produção e consumo e, logo depois, ganha sua própria seção, de número XII. O artigo 16 da PEMC trata sobre a valorização do transporte sustentável e versa sobre o transporte coletivo ou não motorizado. Ambos possuem custos menores que o automóvel particular e, por isso, indicam favorecer a utilização por pessoas mais pobres. Além disso, contribuem para uma drástica redução de emissão de gases do efeito estufa por indivíduo. Outro importante sinal de compromisso socioambiental da PEMC é o planejamento emergencial contra catástrofes. Por motivos aqui já óbvios, este dispositivo parece atender, prioritariamente, as populações mais vulneráveis e marginalizadas. Uma destas catástrofes, mais comum nas áreas urbanas, é a inundação de córregos e rios. A ocupação destas áreas é problemática, pois destrói as matas ciliares. É nesse ponto que a PEMC instituiu o Programa de Remanescentes Florestais, em seu artigo 23.

4.

O PROGRAMA DE REMANESCENTES FLORESTAIS

O Programa de Remanescentes Florestais está regulamentado entre os artigos 51 e 67 do Decreto Estadual nº 55.947/2010. Ele objetiva fomentar a delimitação, demarcação e recuperação de matas ciliares e outros tipos de fragmentos florestais, podendo prever, para consecução de suas finalidades, o pagamento por serviços ambientais aos proprietários rurais conservacionistas, bem como incentivos econômicos a políticas voluntárias de redução de desmatamento e proteção ambiental. Em relação aos preceitos da justiça climática e do direito socioambiental, o Programa tem como objetivos específicos: contribuir para a mitigação das mudanças climáticas globais, fomentando projetos de restauração de vegetação nativa e de reflorestamento, voltados a promover a absorção e fixação de carbono

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(artigo 52, I) e contribuir para a redução da pobreza na zona rural, por meio da remuneração pelos serviços ambientais providos pelas florestas nativas e pela capacitação e geração de trabalho e renda associada ao reflorestamento (artigo 52, VIII). Um dos mecanismos de implementação do Programa é o do Pagamento por Serviços Ambientais (PSA) aos projetos realizados por proprietários rurais, de acordo com o artigo 63 do Decreto Estadual e o artigo 23 da Lei Estadual nº 12.798/2009. Conforme Nusdeo, o instrumento do PSA pode ser compreendido como “transações entre duas ou mais partes envolvendo a remuneração àqueles que promovem a conservação, recomposição, incremento ou manejo de áreas de vegetação considerada apta a fornecer certos serviços ambientais”.29 Citam-se dois programas regulamentados pela Secretaria do Meio Ambiente do Estado de São Paulo que adotam o PSA: o Projeto Mina D’água, disposto na Resolução SMA nº 123/2010, e Projeto de PSA para Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPNs), disposto nas Resolução SMA nº 37/2012 e Resolução SMA nº 89/2013. O Projeto Mina D’água é executado em áreas localizadas em mananciais de abastecimento público com ações voltadas à preservação de nascentes. Analisando o quadro normativo para estruturação do projeto, observa-se a complexidade para tal. O Estado de São Paulo atua com fornecimento de recursos financeiros, capacitação e apoio técnico e planejamento de ações e monitoramento; o Município seleciona as áreas prioritárias, realiza a contratação dos serviços ambientais e também acompanhamento o andamento dos projetos; os provedores dos SAs, por sua vez, realizam o trabalho. Importante salientar que o artigo 4º da Resolução SMA 123/2010 dá prioridade para agricultores familiares quando da contratação dos serviços ambientais. Nesse ponto, vê-se que são coadunados os preceitos do direito ambiental e da busca por justiça climática.

5.

CONCLUSÕES ARTICULADAS

5.1 O socioambientalismo compreende a efetiva junção da proteção ambiental com a afirmação dos direitos sociais e o movimento por justiça ambiental enfatiza que as conquistas econômicas de determinados grupos e países afetam de forma injusta determinadas parcelas da população.

29 NUSDEO, Ana Maria de Oliveira. Pagamento por serviços ambientais: sustentabilidade e disciplina jurídica. São Paulo: Atlas, 2012, p. 69.

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21º CONGRESSO BRASILEIRO DE DIREITO AMBIENTAL Teses de Estudantes de Graduação / Papers of Law School Students

5.2 No âmbito das discussões envolvendo mudanças climáticas, emerge o conceito de justiça climática que, ao abarcar o ideário da justiça ambiental, compreende que determinados grupos estão, ou estarão, mais suscetíveis às adversidades da mudança do clima, reflexo da distribuição desigual das externalidades negativas da produção econômica. 5.3 A Política Estadual de Mudanças Climáticas do Estado de São Paulo é um diploma normativo capaz de disponibilizar mecanismos e instrumentos jurídicos potencialmente eficazes na correção de injustiças ambientais e climáticas. Em uma análise mais profunda da PEMC, nota-se alguns deslizes, porém também muitos preceitos socioambientais. Os princípios norteadores da política estadual, majoritariamente, abarcam temas de justiça climática e socioambientalismo. 5.4 O Programa de Remanescentes Florestais possui importantes funções socioambientais. Além de atender áreas de maior vulnerabilidade ambiental e populações mais pobres, garante a preservação de importantes nascentes. Em sua implementação, prioriza a agricultura familiar, contribuindo com o saber local e comunidades tradicionais.

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