Justiça de transição e as leis de anistia na Corte Interamericana de Direitos Humanos

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Coordenadoras

Flávia Piovesan  |  Inês Virgínia Prado Soares

Impacto das Decisões da Corte Interamericana de Direitos Humanos na Jurisprudência do STF

2016

Rua Mato Grosso, 175 – Pituba, CEP: 41830-151 – Salvador – Bahia Tel: (71) 3363-8617 / Fax: (71) 3363-5050 • E-mail: [email protected] Copyright: Edições JusPODIVM Conselho Editorial: Dirley da Cunha Jr., Leonardo de Medeiros Garcia, Fredie Didier Jr., José Henrique Mouta, José Marcelo Vigliar, Marcos Ehrhardt Júnior, Nestor Távora, Robério Nunes Filho, Roberval Rocha Ferreira Filho, Rodolfo Pamplona Filho, Rodrigo Reis Mazzei e Rogério Sanches Cunha. Diagramação e Capa: Marcelo S. Brandão ([email protected])

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Impacto das Decisões da Corte Interamericana de Direitos Humanos na Jurisprudência do STF / Coordenadoras: Flávia Piovesan, Inês Virgínia Prado Soares – Salvador: Ed. JusPodivm, 2016. 592 p. Vários autores. Bibliografia. ISBN 978-85-442-1026-0. 1. Direito internacional. 2. Direitos Humanos. 3. Corte Interamericana de Direitos Humanos. I. Piovesan, Flávia. II. Soares, Inês Virgínia Prado. III. Título. CDD 341.27

Todos os direitos desta edição reservados à Edições JusPODIVM. É terminantemente proibida a reprodução total ou parcial desta obra, por qualquer meio ou processo, sem a expressa autorização do autor e da Edições JusPODIVM. A violação dos direitos autorais caracteriza crime descrito na legislação em vigor, sem prejuízo das sanções civis cabíveis.

Justiça de transição e as leis de anistia na Corte Interamericana de Direitos Humanos

Justiça de transição e as leis de anistia na Corte Interamericana de Direitos Humanos Bruno Boti Bernardi1

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Sumário: O modelo de justiça de transição do sistema interamericano – O caso peruano e as razões do impacto da jurisprudência da Corte Interamericana – Comentários Finais – Referências Bibliográfica.

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Porém, a partir de 1948, quando é aprovada a Declaração Universal dos Direitos Humanos, assiste-se à criação e expansão de um regime internacional de direitos humanos que, com o passar dos anos, criou mecanismos de monitoramento das práticas estatais e incorporou, progressivamente, novos tópicos à lista dos direitos humanos que procurava promover e proteger (cf. Freeman, 2002, pp. 42-54; Lauren, 2003, pp. 233-281; Landman, 2005, pp. 59-96; Forsythe, 2006). Nesse sentido, inicialmente em resposta às atrocidades nazistas e aos horrores do Holocausto, emergiu um modelo de promoção e proteção dos direitos humanos cuja meta era 1.

Doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Professor de Relações Internacionais da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD). Pesquisa realizada com suporte financeiro de bolsa de doutorado da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).

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Nas últimas décadas, o tema dos direitos humanos tem se destacado como uma das áreas de maior adensamento institucional e normativo da polí�tica mundial. Até o final da Segunda Guerra Mundial grandes marcos regulatórios para a temática eram praticamente inexistentes, uma vez que os Estados limitavam suas obrigações internacionais com relação à matéria apenas a declarações de intenções e a um pequeno número de tratados e convenções, concluí�dos de maneira ad hoc, frequentemente sem a participação das grandes potências e ainda com base apenas na saliência de certas questões particulares, sem que houvesse estruturas institucionais claras e efetivas para garantir a promoção e efetividade dessas normas e dos direitos nelas contemplados (cf. Hafner-Burton; Tsutsui, 2005, pp. 1373-1374; Simmons, 2009, pp. 38-89).

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prevenir, reparar e responsabilizar o abuso de poder pelo Estado contra seus cidadãos, “atribuindo aos indiví�duos direitos que criavam barreiras ao arbí�trio dos agentes estatais até então protegidos pelo manto da soberania” (Lima, 2012, p. 194). Como resultado, a ideia antes prevalecente de que os governos possuí�am a liberdade soberana de submeter suas populações a práticas abusivas de direitos sem que interferências externas lhes pudessem ser imputadas foi desafiada legal e moralmente por “normas constitutivas de uma prática global cujo objetivo é proteger indiví�duos contra ameaças aos seus mais importantes interesses que se originem dos atos e omissões de seus governos (incluindo falhas para regular a conduta de outros agentes). A prática procura alcançar esse objetivo ao levar esses aspectos da conduta doméstica dos governos para dentro do escopo da preocupação internacional legí�tima” (Beitz, 2009, p. 197).

Na esteira desse processo, no âmbito especí�fico das Américas, a Organização dos Estados Americanos (OEA) foi palco para o surgimento e desenvolvimento de um complexo sistema regional de direitos humanos. Nas suas primeiras décadas, o sistema interamericano de direitos humanos esteve composto apenas pela Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, de 1948, e pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), criada em 1959, mas, com o passar do tempo, a ele foram agregados outros acordos normativos e instâncias decisórias, dentre os quais se destacam a Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH) e a Corte Interamericana de Direitos Humanos (CoIDH), ambas em vigência desde 1978. Inicialmente de perfil baixo e com pouca projeção polí�tica, o sistema interamericano em pouco tempo se notabilizaria por sua atuação durante as décadas de 1970 e 1980, quando graves e massivas violações de direitos humanos eram cometidas na América Latina como consequência tanto das polí�ticas de repressão de governos autoritários quanto da persistência de conflitos armados internos em vários paí�ses da região (cf. Dykmann, 2008; Goldman, 2009; Farer, 1997).

Posteriormente, já desde o importante caso Velásquez Rodrí�guez, de 1988, e de maneira mais clara a partir da emblemática sentença no caso Barrios Altos contra o Peru, de 2001, a CoIDH, e também a CIDH, passariam 412

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O MODELO DE JUSTIÇA DE TRANSIÇÃO DO SISTEMA INTERAMERICANO

Em contraste com o regime europeu de direitos humanos que durante muito tempo se deparou primordialmente com abusos de menor gravidade cometidos por Estados democráticos de Direito, os quais não atentavam contra a vida e integridade fí�sica dos seus cidadãos, o sistema interamericano não só nasceu sob o signo de graves violações de direitos humanos decorrentes de polí�ticas oficiais e sistemáticas de repressão dos Estados, mas também foi moldado decisivamente pelas respostas e caminhos jurí�dicos e polí�ticos que ofereceu aos paí�ses da região a respeito de como os abusos do passado deveriam ser enfrentados (cf. Harris, 1998; Engstrom, 2.

Segundo Roht-Arriaza (2006, p. 2), “justiça de transição inclui o conjunto de práticas, mecanismos e preocupações que surgem após um período de conflito, luta civil ou repressão, e que visam diretamente confrontar e lidar com violações dos direitos humanos e do direito humanitário cometidas no passado”. Nesse mesmo sentido, Mezarobba (2009, p. 121) afirma que a reflexão “envolve, por um lado, graves violações de direitos humanos, e, por outro, a necessidade de justiça que emerge em períodos de passagem para a democracia ou ao final de conflitos”. Desse modo, ainda de acordo com a autora, a justiça de transição aponta quatro direitos das vítimas e da sociedade: o direito à justiça; o direito à verdade; o direito à compensação; e o direito a instituições reorganizadas e que possam ser responsabilizadas (medidas de não repetição) (cf. Mezarobba, 2009, p. 117).

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a denunciar contextos de impunidade em casos de justiça de transição2, defendendo e difundindo a obrigação dos Estados perante a Convenção Americana de Direitos Humanos de investigar e punir casos de graves violações dos direitos humanos, a despeito de determinações contrárias oriundas de leis de anistia, disposições de prescrição, argumentos de coisa julgada, alegações de respeito ao princí�pio de legalidade e outros excludentes de responsabilidade. Com foco na jurisprudência da CoIDH, o objetivo deste capí�tulo é analisar como, a partir do enquadramento da persecução criminal individual enquanto medida de direitos humanos, esse tribunal tem se posicionado claramente no tocante à invalidade das leis de anistia. Ademais, buscaremos ainda examinar de que maneira, no caso emblemático do Peru, essa normatividade surtiu efeitos domésticos no contexto de justiça de transição inaugurado com a queda do regime autoritário de Alberto Fujimori (1990-2000), salientando para tanto a importância que o papel desempenhado por atores judiciais dissidentes ou de perfil mais progressista e ativista exerceu para que as sentenças da CoIDH tivessem impacto.

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2011; Rodrí�guez-Pinzón, 2011; Morales, 2012a; 2012b). Assim, foi apenas depois da sua atuação frente às ditaduras do Chile, Argentina e Uruguai que a CIDH consolidou sua visibilidade e prestí�gio como a consciência crí�tica do hemisfério (Farer, 1997), deixando para trás a imagem de um órgão irrelevante, sem maior peso e transcendência polí�tica (Dykmann, 2008). De modo similar, no emblemático caso Velásquez Rodrí�guez, a própria Corte Interamericana inaugurou seu sistema de casos contenciosos em 1988 com a tipificação do crime de desaparecimento forçado e com a estipulação do dever tanto de reparar as ví�timas quanto de prevenir, investigar e punir as situações de graves violações de direitos humanos3.

Se inicialmente, em meados dos anos 1980, a CIDH havia considerado contrárias ao direito internacional dos direitos humanos apenas as auto-anistias promulgadas por regimes autoritários, legitimando a adoção dessas leis por governos democráticos interessados na pacificação nacional e estabilidade do sistema polí�tico4, as obrigações de direitos humanos dos Estados constantes nas sentenças dos casos Velásquez Rodrí�guez (1988) e Godí�nez Cruz (1989) contra Honduras fizeram-na rever essa postura no começo dos anos 19905. Nessa ocasião, a Comissão Interamericana 3.

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Cumpre observar, porém, que embora declarasse que os Estados tinham um dever de processar e punir, na seção da sentença destinada à reparação a CoIDH ordenou a Honduras apenas o pagamento de compensação financeira às vítimas (cf. Huneeus, 2013, p. 8). Será somente a partir de 1996, com a decisão no caso El Amparo contra a Venezuela, que a Corte começou a incluir em suas sentenças ordens específicas relativas à investigação e persecução criminal de indivíduos envolvidos em casos de violações, estipulando de maneira clara e precisa ações concretas que deveriam ser tomadas pelos Estados, de modo a subtrair dos entes estatais a liberdade de escolher maneiras próprias e discricionais de garantir a não repetição das violações (ibidem). Nessa ocasião, a CIDH afirmou, por um lado, que “não podem ter validade jurídica as anistias decretadas (...) pelos próprios responsáveis das violações” (Comissão Interamericana de Direitos Humanos, Relatório Anual 1985-1986, p. 205). Porém, por outro lado, a CIDH permitia a adoção de anistias por governos democráticos. Segundo a Comissão, “Um difícil problema que as recentes democracias têm de afrontar é o da investigação das violações de direitos humanos anteriores e o da eventual sanção dos responsáveis de tais violações. A Comissão reconhece que esta é uma matéria sensível e extremamente delicada, na qual pouco é o aporte que ela – assim como qualquer outro órgão internacional – pode efetuar. Trata-se, portanto, de um assunto cuja resposta deve emanar dos próprios setores nacionais afetados e donde a urgência de uma reconciliação nacional e de uma pacificação social devem se harmonizar com as ineludíveis exigências do conhecimento da verdade e da justiça. (...) os órgãos democráticos apropriados – usualmente o Parlamento – depois de um debate com a participação de todos os setores representativos, são os únicos chamados a determinar a procedência de uma anistia ou a extensão desta” (ibidem). As sentenças não se referiam à questão das leis de anistia, mas a casos de desaparecimentos forçados. Todavia, dada a estipulação do dever de prevenir, investigar e sancionar todos os

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declarou como inválidas as leis de anistia promulgadas tanto pelos governos democráticos da Argentina e Uruguai quanto por El Salvador que, em meio a um conflito armado interno, havia aprovado uma legislação para impedir qualquer sanção penal de militares envolvidos em um massacre6.

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abusos dos direitos humanos reconhecidos pela CADH, tais decisões tiveram impacto direto sobre a posição da CIDH no tema das anistias, uma vez que, ao garantir a impunidade, essas leis violariam a obrigação de garantir o exercício dos direitos humanos de fonte convencional. A esse respeito, ver o Relatório Anual da Comissão Interamericana de Direitos Humanos de 19921993, com destaque para os casos Herrera et. al. v. Argentina (No. 28/29, Casos 10.147, 10.181, 10.240, 10.262, 10.309 e 10.311); Hugo Leonardo de los Santos Mendoza et. al. v. Uruguay (No. 29/92, Casos 10.029, 10.036, 10.145, 10.305, 10.372, 10.373, 10.374 e 10.375); e Masacre de Las Hojas v. El Salvador (No. 26/92, Caso 10.147). Ainda nos anos 1990, a CIDH se pronunciaria também contrariamente à lei de anistia chilena em três informes de mérito, quais sejam: Comisión Interamericana de Derechos Humanos, Informe de Fondo 34/96, Casos 11.228, 11.229, 11.231 e 11.282 (Chile), 15 de outubro de 1996; Informe de Fondo 36/96, Caso 10.843 (Chile), de 15 de outubro de 1996; e Informe de Fondo 25/98, Casos 11.505, 11.532, 11.541, 11.546, 11.549, 11.569, 11.572, 11.573, 11.583, 11.585, 11.595, 11.652, 11.657, 11.675 e 11.705, 7 de abril de 1998. Posteriormente, em 1999, a CIDH condenaria ainda uma segunda lei de anistia salvadorenha, de caráter geral e absoluto, implementada após o término da guerra civil no país, diferentemente do caso Las Hojas, cuja anistia havia sido promulgada ainda durante o conflito armado interno (cf. Comisión Interamericana de Derechos Humanos, Informe de Fondo 1/99, Caso 10.480 (El Salvador), 27 de janeiro de 1999). Todos esses documentos podem ser consultados em: http:// www.oas.org/es/cidh/informes/anuales.asp. Acesso: 12 de maio de 2015. Corte Interamericana de Derechos Humanos, Ciertas Atribuciones de la Comisión Interamericana de Derechos Humanos (Arts. 41, 42, 46, 47, 50 y 51 de la Convención Americana sobre Derechos Humanos). Opinião Consultiva OC-13/93 de 16 de julho de 1993, Série A, No. 13, parágrafos 30, 37 e 57 (1). No caso Zambrano Vélez, por exemplo, a Corte afirmou que as verdades históricas decorrentes dos trabalhos das Comissões da Verdade “não devem ser entendidas como um substituto do dever do Estado de assegurar a determinação judicial de responsabilidades individuais ou

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Instada por Argentina e Uruguai a se declarar sobre a competência da CIDH de decidir a respeito da validade das leis domésticas dos Estados, a CoIDH emitiu em 1993 uma opinião consultiva favorável à Comissão Interamericana que confirmava suas atribuições nesse campo e afastava as crí�ticas de que o organismo havia se excedido em suas funções ao se pronunciar sobre a legislação de anistia dos paí�ses7. A partir de então, os direitos à verdade, reparações e medidas de não repetição seriam sempre invocados tanto pela Comissão quanto pela Corte, mas se insistiria particularmente na necessidade de justiça e sanções penais para graves violações e crimes de lesa-humanidade, negando a possibilidade de que os julgamentos possam ser substituí�dos por outros mecanismos de justiça de transição ou sacrificados em nome da paz, reconciliação nacional ou estabilidade democrática8.

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Ademais, outro elemento preconizado pelo sistema em vários contextos de justiça de transição tem sido a inaplicabilidade da jurisdição castrense frente a civis e casos de violações de direitos humanos cometidas por militares, o que gera em muitos contextos exigências adicionais para a realização de novos julgamentos de acordo com o devido processo legal. Como resultado, dada a natureza desse modelo de justiça de transição, o posicionamento dos atores judiciais domésticos torna-se central, já que o impacto do sistema interamericano depende da judicialização de casos concretos e das estratégias, escolhas e decisões jurí�dico-legais de juí�zes e promotores durante a tramitação dos processos. Ainda que o Executivo e o Legislativo sejam favoráveis às decisões do sistema interamericano, o âmbito privilegiado para dirimir as controvérsias que elas implicam está reservado ao Judiciário e à esfera do Direito. Assim, em suma, desde finais dos anos 1980, a Comissão e a Corte Interamericanas têm consolidado uma vasta e clara jurisprudência a respeito do tema da justiça de transição que tem servido de referência até mesmo para os sistemas europeu e africano de direitos humanos, ademais da sua contribuição para a formulação dos princí�pios de Joinet no âmbito das Nações Unidas (cf. Neuman, 2011; Morales, 2012a, p. 273). O acumulado de decisões do sistema interamericano bane a validade de leis de anistia, firmando a obrigação de investigar, processar e punir9; fixa

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estatais pelos meios jurisdicionais correspondentes” (Corte Interamericana de Derechos Humanos, Caso Zambrano Vélez vs. Equador, Sentença de mérito, reparações e custos, parágrafo 128, 4 de julho de 2007). Em sentenças mais recentes essa posição foi reforçada pela CoIDH, como no caso Gomes Lund, de 2010, no qual também se deixou claro que a concessão de reparações econômicas e realização de atividades concernentes à preservação da memória histórica não substituem a obrigação de investigar e sancionar penalmente os responsáveis por graves violações de direitos humanos. A primeira vez em que a CoIDH se pronunciou explicitamente a respeito da invalidade das leis de anistia foi em 2001, no caso Barrios Altos contra o Peru. Posteriormente, essa postura foi reafirmada nos seguintes litígios: caso Moiwana, contra o Suriname (2005); caso Almonacid Arellano, contra o Chile (2006); caso Gomes Lund (Guerrilha do Araguaia), contra o Brasil (2010); e caso Gelman (2011), contra o Uruguai. Embora não envolvessem a existência de uma lei de anistia, pelo menos dois outros casos com contextos análogos de impunidade também foram importantes para a construção da jurisprudência da CoIDH nesse tema, quais sejam Goiburú contra Paraguai, de 2006, e Massacre de la Rochela, contra a Colômbia, de 2007. Por fim, em vários outros casos – caso del Caracazo (2002), Trujillo Oroza (2002), Myrna Mack Chang (2003), Masacre Plan de Sánchez (2004), Carpio Nicolle y otros (2004), Tibi (2004), Hermanos Gómez Paquiyauri (2004), 19 Comerciantes (2004), Molina Theissen (2004), Hermanas Serrano Cruz (2005), Masacre de las Dos Erres (2007), Ticona Estrada (2008), Anzualdo Castro (2009), Contreras y otros (2011) – a CoIDH reforçou sua posição contrária às leis de anistia, ainda que nesses litígios as violações não envolvessem diretamente a aplicação desse tipo de legislação.

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o dever de superar obstáculos processuais como os regimes de prescrição e os princí�pios de legalidade, coisa julgada (non bis in idem) e não irretroatividade da lei penal em casos de graves abusos de direitos humanos; proí�be a realização de julgamentos de civis por tribunais militares, prática comum em regimes autoritários que fere o devido processo legal; define os desaparecimentos forçados como um crime continuado10 e veta a aplicação da jurisdição militar para membros das Forças Armadas acusados de violações de direitos humanos, já que tal procedimento induz à impunidade11 (cf. Morales, 2012a; 2012b; Binder, 2011; Rodrí�guez-Pinzón, 2011; Gutiérrez; Cantú, 2010; Modolell, 2010; Tittemore, 2006).

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São inúmeras as sentenças da CoIDH sobre esse tema, a começar pelo caso Velásquez Rodríguez contra Honduras, de 1988. Em decisões mais recentes, a Corte reafirma sua jurisprudência no caso Gomes Lund, contra o Brasil, e no caso Rosendo Radilla, contra o México. 11. A respeito dos limites à jurisdição militar, tanto no tocante ao julgamento de civis quanto no que diz respeito ao processamento de abusos de direitos humanos cometidos por militares, a CoIDH possui uma vasta jurisprudência. Dentre os muitos litígios sobre esse tema, podem ser consultados os seguintes casos: Loayza Tamayo (1997), Castillo Petruzzi e outros (1999), Cesti-Hurtado (1999), Durand e Ugarte (2000), Cantoral Benavides (2000), Lori Berenson Mejía (2004) e La Cantuta (2006), todos contra o Peru; Las Palmeras (2000), 19 Comerciantes (2002), Massacre de Mapiripán (2005), Massacre de Pueblo Bello (2006), Massacre da Rochela (2008) e Escué Zapata (2008), todos contra a Colômbia; Tiu Tojín (2008), contra a Guatemala; e Rosendo Radilla, contra o México (2009). 12. Cumpre notar, porém, que as decisões da CIDH tiveram repercussões internacionais importantes a despeito da falta de impacto imediato nesses três países. Os órgãos da ONU começaram a adotar os mesmos parâmetros da CIDH nos anos seguintes e o informe final de Louis Joinet, especialista independente nomeado pela Comissão de Direitos Humanos, incorporou os critérios da Comissão Interamericana (Morales, 2012a, p. 273). 13. Vale observar que nessas duas sentenças e na sua jurisprudência sobre as leis de anistia a CoIDH não obriga as autoridades domésticas a alterar ou anular esse tipo de legislação, já que ela

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No tocante especificamente às leis de anistia, embora em 1992 a CIDH já tivesse declarado a incompatibilidade dessas normas legais com as obrigações internacionais de direitos humanos do Uruguai, Argentina e El Salvador, naquele momento o ambiente polí�tico nesses paí�ses “permanecia hostil às visões do sistema [interamericano] sobre as leis de anistia” (Cavallaro; Brewer, 2008, p. 820), e o pronunciamento da Comissão não fomentou nem desencadeou nenhuma resposta doméstica nesses paí�ses tendente à abertura de investigações e processos criminais12. A invalidade das leis de anistia somente ganharia destaque e visibilidade na agenda regional de direitos humanos em 2001, com a sentença no caso Barrios Altos, contra o Peru, e, depois, em 2006, na decisão sobre o caso Almonacid Arellano, contra o Chile13.

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Em novembro de 1991, o grupo Colina, um destacamento paramilitar que atuava sob o controle direto do governo peruano, invadiu na cidade de Lima um edifí�cio no bairro de Barrios Altos no qual se realizava uma festa, matando 15 civis desarmados e ferindo gravemente outras quatro pessoas. Já em julho de 1992, o mesmo grupo foi responsável pelo sequestro, desaparecimento e assassinato de nove estudantes e um professor da Universidade Nacional de Educação Enrique Guzmán y Valle, conhecida como La Cantuta14. Quando os esforços de investigação desses casos começaram a avançar, o governo autoritário do presidente Alberto Fujimori (1990-2000) reagiu com a aprovação de duas leis de anistia por parte de sua maioria aliada no Congresso que, desse modo, concedia perdão total aos membros das forças de segurança envolvidos em violações de direitos humanos entre 1980 e 199515. Embora a CADH não lide explicitamente com o problema das leis de anistia, tal qual fizera antes a CIDH ao longo da década de 1990, no caso Barrios Altos a Corte Interamericana derivou o dever de investigar e punir os responsáveis por graves violações de uma interpretação do parágrafo 1º do artigo 1º da Convenção, concernente à obrigação dos Estados de respeitar os direitos nela previstos, garantindo o seu livre e pleno exercí�cio16.

própria “atribui força supranacional às suas determinações e atua como [se fosse] um tribunal constitucional doméstico” (Binder, 2011, p. 1212). Nesse sentido, na sentença do caso Barrios Altos, a CoIDH decidiu que “as mencionadas leis [de anistia] carecem de efeitos jurídicos e não podem seguir representando um obstáculo para a investigação dos fatos que constituem este caso nem para a identificação e castigo dos responsáveis, nem podem ter igual ou semelhante impacto com relação a outros casos de violação dos direitos consagrados na Convenção Americana (Corte Interamericana de Derechos Humanos, Sentença do caso Barrios Altos, 2001, parágrafo 44). 14. O grupo Colina tinha como principal propósito eliminar pessoas supostamente envolvidas em atividades subversivas. Seus membros eram originários das forças de segurança e serviços de inteligência e estavam totalmente imbricados dentro da estrutura de poder construída por Fujimori e Vladimiro Montesinos. 15. A lei 26.479, aprovada em 14 de junho de 1995, concedia uma anistia geral a todos os membros das forças armadas e civis supostamente envolvidos em violações de direitos humanos entre maio de 1980 e 15 de junho de 1995. Um dia após a promulgação da lei, a juíza encarregada da investigação do massacre de Barrios Altos declarou que a lei de anistia não era aplicável a esse caso, e antes que sua resolução fosse ratificada ou anulada por um tribunal superior o Congresso promulgou uma segunda e nova lei de anistia, de número 26.492 que reforçava as disposições da primeira lei ao proibir que juízes se pronunciassem sobre a legalidade ou aplicabilidade da lei de anistia. 16. O Artigo 1º., intitulado “Obrigação de respeitar os direitos”, determina no seu 1º. parágrafo que “Os Estados Partes nesta Convenção comprometem-se a respeitar os direitos e liberdades nela reconhecidos e a garantir seu livre e pleno exercício a toda pessoa que esteja sujeita à sua

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Nesse caso, salientou-se, em particular, que a impunidade decorrente das anistias feria as garantias judicias das ví�timas e familiares bem como seu direito de acesso à justiça e proteção judicial, previstos nos artigos 8º. e 25 da CADH17 (CoIDH, Sentença do caso Barrios Altos, 2001, parágrafos 42-43), com o que se firmou a concepção do direito processual penal como forma de reparação às ví�timas (Lima, 2012, p. 211).

jurisdição, sem discriminação alguma por motivo de raça, cor, sexo, idioma, religião, opiniões políticas ou de qualquer outra natureza, origem nacional ou social, posição econômica, nascimento ou qualquer outra condição social”. Cf. Convenção Americana de Direitos Humanos, disponível em: http://www.cidh.oas.org/basicos/portugues/c.Convencao_Americana.htm. Acesso: 14.jul.2015. 17. O parágrafo 1º. do Artigo 8º., sobre garantias judiciais, estipula que “Toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou para que se determinem seus direitos ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza”. Já o parágrafo 1º. do Artigo 25, sobre proteção judicial, determina que “Toda pessoa tem direito a um recurso simples e rápido ou a qualquer outro recurso efetivo, perante os juízes ou tribunais competentes, que a proteja contra atos que violem seus direitos fundamentais reconhecidos pela constituição, pela lei ou pela presente Convenção, mesmo quando tal violação seja cometida por pessoas que estejam atuando no exercício de suas funções oficiais”. Cf. Convenção Americana de Direitos Humanos, disponível em: http://www.cidh.oas.org/basicos/portugues/c.Convencao_Americana.htm. Acesso: 14.jul.2015. 18. No parágrafo 1º. do seu Artigo 2º.  sobre o dever de adotar disposições de direito interno, a CADH afirma que “Se o exercício dos direitos e liberdades mencionados no artigo 1 ainda não estiver garantido por disposições legislativas ou de outra natureza, os Estados Partes comprometem-se a adotar, de acordo com as suas normas constitucionais e com as disposições desta Convenção, as medidas legislativas ou de outra natureza que forem necessárias para tornar efetivos tais direitos e liberdades”. Cf. Convenção Americana de Direitos Humanos, disponível em: http:// www.cidh.oas.org/basicos/portugues/c.Convencao_Americana.htm. Acesso: 14.jul.2015.  19. Assim, a CoIDH determinou que “são inadmissíveis as disposições de anistia, as disposições de prescrição e o estabelecimento de excludentes de responsabilidade que pretendam impedir a investigação e sanção dos responsáveis das graves violações dos direitos humanos, tais como a tortura, as execuções sumárias, extra-legais ou arbitrárias e os desaparecimentos forçados, todas elas proibidas por desrespeitar direitos inderrogáveis reconhecidos pelo Direito Internacional

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De maneira complementar, a Corte reforçou essa posição ao afirmar que a adoção de auto-anistias era incompatí�vel com o artigo 2º da CADH que obriga os Estados a adotarem medidas de direito interno para tornar efetivos os direitos da Convenção18, dentre os quais os estipulados nos artigos 8º e 25 (cf. CoIDH, Sentença do caso Barrios Altos, 2001, parágrafos 42-43). Em outras palavras, a impunidade resultante das leis de anistia não só feria o direito dos familiares das ví�timas e sobreviventes de serem ouvidos por um juiz, mas também a obrigação do Estado de adequar o seu direito interno à CADH19. Por fim, valendo-se mais uma vez dos artigos

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8º e 25, a Corte derivou ainda a necessidade de satisfação do direito à verdade (ibidem, parágrafo 48)20, o qual seria obstaculizado pelas anistias, gerando uma situação de desamparo das ví�timas e perpetuação da impunidade, em clara oposição aos objetivos e natureza da CADH (ibidem, parágrafo 43). Nesse sentido, para além de sua função reparatória e de sua contribuição para a consecução da verdade, o dever de investigar, processar e punir seria ainda uma importante ferramenta de prevenção contra a repetição de novas violações.

No caso Moiwana contra o Suriname, concernente à aplicação de uma lei de anistia para encobrir os responsáveis por uma operação militar que resultou no assassinato de 39 membros da comunidade Moiwana, a CoIDH afirmou novamente o dever dos Estados de levar a cabo investigações e um processo judicial de forma efetiva e rápida, a fim de sancionar os responsáveis, reparar as ví�timas e esclarecer os fatos (cf. CoIDH, Sentença do caso Moiwana, 2005, parágrafos 167-168; 202-207), frisando que a invocação de dispositivos do direito interno não era uma justificativa aceitável para o não cumprimento das obrigações internacionais de respeito aos direitos inscritos na CADH (ibidem, parágrafo 167). Porém, depois do caso Barrios Altos, seria apenas em setembro de 2006, em outra sentença de grande importância, que a Corte Interamericana aprofundaria de maneira mais clara a sua fundamentação jurí�dica no tema das leis de anistia ao condenar o Chile no caso Almonacid Arellano, o qual se referia à aplicação da lei de anistia chilena de 1978 para barrar as investigações e responsabilização penal da execução extrajudicial do professor Luis Alfredo Almonacid Arellano em 1973. Ao alegar novamente que a violação dos artigos 1º, 2º, 8º e 25 da CADH feria tanto os direitos das ví�timas quanto o direito à verdade (CoIDH, Sentença do caso Almonacid Arellano, 2006, parágrafos 146-148), a CoIDH determinou que a lei de anistia chilena carecia de efeitos jurí�dicos, reforçando assim a invalidade das anistias manifestada anteriormente na

dos Direitos Humanos” (Corte Interamericana de Derechos Humanos, Sentença do caso Barrios Altos, 2001, parágrafo 41). Essa posição foi reafirmada na sentença do caso La Cantuta contra o Peru, publicada pela Corte Interamericana em 2006. 20. Para a Corte, “o direito à verdade se encontra subsumido no direito da vítima ou seus familiares de obter dos órgãos competentes do Estado o esclarecimento dos fatos violatórios e das responsabilidades correspondentes através da investigação e julgamento que preveem os artigos 8 e 25 da Convenção” (Corte Interamericana de Derechos Humanos, Sentença do caso Barrios Altos, 2001, parágrafo 48).

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Nesse sentido, a CoIDH asseverou que “os Estados não podem se subtrair do dever de investigar, determinar e sancionar os responsáveis dos crimes de lesa-humanidade aplicando leis de anistia ou outro tipo de normativa interna” (ibidem, parágrafo 114), como regimes de prescrição, irretroatividade da lei penal, exceções de coisa julgada (ne bis in idem) e demais dispositivos orientados à extinção de responsabilidades21. Ademais, pela primeira vez, a CoIDH formulou sua doutrina sobre o controle de convencionalidade, mediante a qual tribunais domésticos estariam obrigados a deixar de aplicar normas que contrariem não só a CADH, mas também a interpretação realizada pela CoIDH a respeito dos dispositivos e direitos da Convenção (ibidem, parágrafo 124). Com base no artigo 2º da CADH que expressa a necessidade de conformidade da 21. Desse modo, a CoIDH afirmou que “a proibição de cometer crimes de lesa-humanidade é uma norma de ius cogens, e a penalização destes crimes é obrigatória conforme o direito internacional geral” (CoIDH, Sentença do caso Almonacid Arellano, 2006, parágrafo 99). Em outro trecho, o tribunal esclarece que “Ainda quando o Chile não tenha ratificado tal Convenção [Convenção sobre a imprescritibilidade dos crimes de guerra e de lesa-humanidade], esta Corte considera que a imprescritibilidade dos crimes de lesa-humanidade surge como categoria de norma de Direito Internacional Geral (ius cogens), que não nasce com tal Convenção, mas que está reconhecida nela. Consequentemente, o Chile não pode deixar de cumprir esta norma imperativa” (ibidem, parágrafo 153). Ainda em 2006, em consonância com essas determinações, no caso Goiburú contra o Paraguai, sobre a detenção arbitrária, tortura e desaparecimento forçado de várias pessoas, a CoIDH afirmou que “Uma vez estabelecido o amplo alcance das obrigações internacionais erga omnes contra a impunidade das graves violações de direitos humanos, a Corte reitera que, nos termos do artigo 1.1 da Convenção Americana, os Estados estão obrigados a investigar as violações de direitos humanos e a julgar e sancionar os responsáveis” (CoIDH, Sentença do caso Goiburú, 2006, parágrafo 129).

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sentença do caso Barrios Altos, de 2001. Salientou-se, em particular, que, independentemente do tipo de anistia, uma regra imperativa de ius cogens implicaria o dever permanente de punir crimes contra a humanidade, não anistiáveis e imprescrití�veis por sua própria natureza de afronta à humanidade como um todo (ibidem, parágrafos 99, 105, 111). Dessa forma, baseando-se nos Estatutos dos tribunais militares de Nuremberg e Tóquio, assim como em desenvolvimentos posteriores no campo do Direito Penal Internacional, como os Estatutos de Roma e dos Tribunais Penais sobre a ex-Iugoslávia e Ruanda, a CoIDH afirmou que os crimes de lesa-humanidade diziam respeito a “atos desumanos, como o assassinato, cometidos em um contexto de ataque generalizado ou sistemático contra uma população civil” (ibidem parágrafo 96), categoria na qual se incluí�a a execução extrajudicial em análise.

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legislação interna dos Estados à Convenção e firma, consequentemente, a regra segunda a qual dispositivos de direito interno contrários às obrigações do tratado devem ser suprimidos, a Corte decidiu que “quando o Legislativo falha na sua tarefa de suprimir e/ou não adotar leis contrárias à Convenção Americana, o [poder] Judicial permanece vinculado ao dever de garantia estabelecida no artigo 1.1 da mesma, e, consequentemente, deve se abster de aplicar qualquer normativa contrária a ela (ibidem, parágrafo 123). Assim, em conjunto, se se soma essa decisão à sentença anterior do caso Barrios Altos, tem-se que, “[i]nterpretando seus próprios poderes de maneira ampla, a Corte não só declarou leis nacionais de anistia contrárias à Convenção como desprovidas de efeitos legais, mas também obrigou juí�zes domésticos a exercer um controle de convencionalidade descentralizado em acordo com a sua própria interpretação da CADH” (Binder, 2011, p. 1226). Em casos subsequentes essa posição foi mantida, consolidando a jurisprudência do tribunal. No caso do Massacre da Rochela, frente ao contexto de desmobilização dos paramilitares das AUC (Autodefesas Unidas da Colômbia) que em 2007 se encontrava ainda em fase inicial na Colômbia, a CoIDH elencou uma série de parâmetros e critérios derivados da sua jurisprudência que deveriam guiar esse processo, com vistas a impedir que indultos, anistias ou outros benefí�cios penais fossem concedidos para os responsáveis pelo massacre. Nesse sentido, a Corte salientou que “[p]ara que o Estado satisfaça o dever de garantir adequadamente diversos direitos protegidos na Convenção, entre eles o direito de acesso à justiça e o conhecimento e acesso à verdade, é necessário que cumpra seu dever de investigar, julgar e, quando necessário, sancionar e reparar as graves violações” (CoIDH, Sentença do caso Masacre de la Rochela, 2007, parágrafo 193). Para tanto, o Estado estaria obrigado a “observar o devido processo e garantir, entre outros, o princí�pio do prazo razoável, o princí�pio do contraditório, o princí�pio de proporcionalidade da pena, os recursos efetivos e o cumprimento da sentença” (ibidem)22. 22. Ademais, a CoIDH decidiu que “o Estado tem o dever ineludível de reparar de forma direta e principal aquelas violações de direitos humanos das quais é responsável”, assegurando que “as reclamações de reparação formuladas pelas vítimas (...) e seus familiares não enfrentem complexidade nem cargas processuais excessivas” (CoIDH, Sentença do caso Masacre de la Rochela, 2007, parágrafo 198). Nesta mesma sentença a CoIDH determina ainda de modo importante

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Diferentemente dos casos do Peru, Suriname, Chile e Brasil, nos quais as anistias haviam sido aprovadas em contextos polí�ticos autoritários, nessa decisão sobre o Uruguai o dever de investigar e punir da CoIDH se chocou com uma decisão popular majoritária, o que desencadeou uma tensão com o princí�pio de autodeterminação democrática. A esse respeito, a Corte esclareceu que “A legitimação democrática de determinados fatos ou atos em uma sociedade está limitada pelas normas e obrigações internacionais de proteção dos direitos humanos” (CoIDH, Sentença do caso Gelman, 2011, parágrafo 239), de modo que “a proteção dos direitos humanos constitui um limite infranqueável à regra de maiorias, isto é, à o alcance do princípio da coisa julgada (res judicata). Para o tribunal, “o princípio de coisa julgada implica a intangibilidade de uma sentença só quando se chega a esta respeitando-se o devido processo de acordo com a jurisprudência deste Tribunal na matéria. Por outro lado, se aparecerem novos fatos ou provas que possam permitir a determinação dos responsáveis dessas graves violações de direitos humanos, as investigações podem ser reabertas, inclusive se existir uma sentença de absolvição em qualidade de coisa julgada” (ibidem, parágrafo 197). 23. A esse respeito, a CoIDH afirmou que “Quanto à alegação das partes a respeito de que se tratou de uma anistia, uma auto-anistia ou um “acordo político”, a Corte observa (...) que a incompatibilidade em relação à Convenção inclui as anistias de graves violações de direitos humanos e não se restringe somente às denominadas “autoanistias”. (...) o Tribunal, mais que ao processo de adoção e à autoridade que emitiu a Lei de Anistia, se atém à sua ratio legis: deixar impunes graves violações ao direito internacional cometidas pelo regime militar. A incompatibilidade das leis de anistia com a Convenção Americana nos casos de graves violações de direitos humanos não deriva de uma questão formal, como sua origem, mas sim do aspecto material na medida em que violam direitos consagrados nos artigos 8 e 25, em relação com os artigos 1.1. e 2 da Convenção” (CoIDH, Sentença do caso Gomes Lund, 2010, parágrafo 175).

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Já no caso Gomes Lund e outros sobre a guerrilha do Araguaia, referente à detenção arbitrária, tortura e desaparecimento forçado de 70 pessoas, dentre as quais guerrilheiros do Partido Comunista do Brasil (PC do B) e camponeses, a CoIDH afirmou que independentemente de sua origem, natureza, processo de adoção e caracterização, seja como auto-anistia ou “acordo polí�tico” supostamente bilateral, qualquer anistia que resulte na impunidade de graves violações de direitos humanos implica o desrespeito às obrigações da CADH e, portanto, carece de efeitos jurí�dicos23. Finalmente, no caso Gelman, a CoIDH reafirmou sua jurisprudência de combate à impunidade ao declarar como inválida e desprovida de efeitos jurí�dicos a lei de caducidade da pretensão punitiva do Estado, i.e., a anistia uruguaia de 1985, cuja manutenção e vigor haviam sido aprovados por dois referendos populares distintos em 1989 e 2009.

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esfera do “suscetí�vel de ser decidido” por parte das maiorias em instâncias democráticas” (ibidem)24.

Em todas essas sentenças, embora a CoIDH não seja um tribunal criminal habilitado a imputar responsabilidades individuais por crimes internacionais, ela fixa o dever de investigar, processar e punir penalmente como uma forma de reparação justa às ví�timas, abandonando um papel meramente declarativo em que poderia apenas sinalizar a existência das violações e deixar que os Estados escolhessem discricionariamente as maneiras de garantir a sua não repetição, exigindo-lhes somente o pagamento de compensações financeiras aos afetados (Huneeus, 2013, p. 8). Além disso, “ela supervisiona a implementação pelos Estados das suas ordens: realiza audiências obrigatórias e publica relatórios de cumprimento que buscam agilizar e guiar o andamento dos processos criminais nacionais” (ibidem), cristalizando assim uma “jurisdição quase-criminal” (Huneeus, 2013)25. Frente a esse fenômeno, e adotando uma perspectiva crí�tica, Malarino (2010, pp. 56-57) argumenta que “A afirmação constante da Corte Interamericana de que não é um tribunal de última instância das jurisdições nacionais e especificamente que “não é um tribunal penal” perde sentido se depois [ela] ordena aos tribunais nacionais (...) reabrir um processo para voltar a julgar uma pessoa condenada ou absolvida com sentença definitiva, anular ou declarar inválida uma lei ou deixar de lado limites temporais ao castigo, como a prescrição”.

Desse modo, em outras palavras, o sistema interamericano de direitos humanos se notabilizou por afirmar nas últimas duas décadas um modelo de justiça de transição de caráter altamente judicializado que privilegia a regra de persecução criminal individual e um enfoque de justiça retributiva, reforçando assim, dentre as várias maneiras possí�veis de enfrentar os abusos do passado, exigências de julgamentos e punições bem como respostas e estratégias judiciais e legais que ditam a necessidade de investigação e processamento das graves violações sem qualquer exceção 24. Para uma crítica à postura da CoIDH nesse caso, ver Gargarella, 2015. 25. Para Huneeus (2013, p. 6) “É a combinação do uso das compensações equitativas para ordenar o processamento criminal, por um lado, com o estágio de supervisão, por outro, que forma a base da jurisdição quase-criminal da Corte [Interamericana]”.

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(cf. Huneeus 2013; Morales 2012a; 2012b; Lima 2012)26. Como consequência, a fim de promover o cânone da justiça penal dentro de um sistema emergente de justiça criminal internacional que expõe a faceta punitiva do direito internacional dos direitos humanos (Almqvist; Espósito, 2012), restringe-se a liberdade de ação soberana dos Estados, uma vez que o tratamento da questão já não é entendido como um domí�nio exclusivo e discricional da polí�tica doméstica27.

26. Como visto, nem mesmo leis de anistia democraticamente adotadas e confirmadas por referendos populares são consideradas válidas pelo sistema interamericano de direitos humanos. A jurisprudência da CoIDH, em particular, utiliza o direito consuetudinário internacional e o ius cogens, i.e., regras imperativas de direito internacional de caráter universal, cogente e inderrogável, para demonstrar a prevalência de uma norma de cumprimento obrigatório contra a impunidade no caso de graves violações de direitos humanos. Para tanto, a Corte se refere, dentre outros documentos, aos Estatutos dos Tribunais de Nuremberg, Tóquio, Ruanda e ex-Iugoslávia, além de várias resoluções das Nações Unidas, argumentando que tais instrumentos comprovariam a existência de um “consenso social internacional” (Ventura, 2011) proibindo a prática de atos desumanos como tortura, execuções extrajudiciais e desaparecimentos forçados. 27. Vale observar, porém, que, para além da priorização da norma de responsabilização criminal individual, em suas determinações de reparação, a CoIDH também busca constantemente a reabilitação das vítimas, a reconstrução da memória histórica e o reconhecimento dos crimes pela sociedade. 28. Nesse sentido, “O ideal liberal de proteção dos indivíduos perante os poderes imperiosos dos Estados leva a uma forte defesa das virtudes do respeito às leis escritas positivas via leituras textualistas porque é a liberdade dos indivíduos indiciados que está em jogo” (González, 2012, p. 111). Essa crítica sobre o punitivismo da Corte Interamericana se reveste de importância especial se se tem em mente que a doutrina sobre o dever de investigar e punir se expandiu ao longo do tempo para além dos casos de desaparecimentos forçados, graves violações e

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De maneira sucinta, a posição do sistema interamericano é a de que os Estados têm um dever internacional de investigar e punir criminalmente os graves abusos de direitos humanos ainda que, para tanto, seja necessário aplicar regras e procedimentos judiciais especiais que demandem algum grau de flexibilização de certos procedimentos, princí�pios e dogmas do Direito Penal doméstico. Por outro lado, os crí�ticos a essa visão argumentam que as leis de anistia são uma prerrogativa soberana dos Estados e que a utilização tanto de tratados ratificados depois da ocorrência dos crimes quanto de princí�pios e normas não escritas do direito costumeiro internacional violam o devido processo legal, o princí�pio de legalidade e as garantias individuais dos acusados, também consideradas direitos humanos fundamentais que disciplinam e limitam de maneira previsí�vel o poder punitivo do Estado, protegendo a liberdade individual dos cidadãos28.

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Em outros termos, o fato de que os crimes a serem sancionados não estavam criminalizados nos códigos penais nacionais quando da ocorrência dos atos delitivos gera crí�ticas sobre o desrespeito à proibição de aplicação retroativa da lei em prejuí�zo dos réus, ao que se somam ainda os argumentos de prescrição, dada a passagem do tempo, e de coisa julgada, sobretudo porque muitos dos acusados já teriam sido absolvidos por tribunais militares e não poderiam ser submetidos novamente a outro julgamento. Por fim, diferentemente do que ocorre em casos de criminalidade comum, dadas as dificuldades de obtenção de provas diretas sobre crimes cometidos por organizações clandestinas do Estado cujos registros muitas vezes foram destruí�dos, ocultados ou simplesmente não existem, frequentemente é preciso recorrer a evidências materiais indiretas, contextuais e testemunhos orais, empregando ainda teorias não tradicionais e heterodoxas de autoria delitiva – como a autoria mediata29 – para imputar responsabilidades criminais aos agentes da repressão e chefes das cadeias de comando, o que gera crí�ticas adicionais sobre a subversão dos procedimentos clássicos do direito penal em detrimento dos réus.

Para Lima (2012, p. 214), por exemplo, “O amplo escopo da doutrina punitiva da CtIDH [Corte Interamericana], que usa construções pouco delimitadas como a de crimes contra a humanidade e crimes previstos de forma costumeira, pode levar à emergência de um novo direito criminal do inimigo, que usa como referência a figura do violador de direitos humanos para afastar garantias legais dos acusados”30. De maneira similar, criticando a tendência punitivista da Corte Interamericana que, em favor dos direitos das ví�timas, neutralizaria direitos fundamentais das pessoas crimes de lesa-humanidade, e atualmente a CoIDH considera que essa obrigação se estende para qualquer violação da Convenção Americana (Huneeus, 2013, p. 8). 29. A teoria da autoria mediata foi formulada na década de 1960 pelo jurista alemão Claus Roxin. De acordo com González (2012, p. 104), “Ela implica a existência de uma organização ilegal, hierarquicamente estruturada, na qual a equivalência e permutabilidade dos perpetradores imediatos preserva o homem por trás da cena, i.e., o líder e seu domínio sobre a execução do plano (....). O uso de evidência contextual e histórica é crucial para determinar a responsabilidade de comando dada a falta de ordens escritas para a constituição ou operações cotidianas do aparato criminal”. 30. Para os críticos da Corte, essa abordagem é especialmente problemática porque não é oferecido aos acusados o direito de defesa perante a CoIDH, ainda que as decisões desse tribunal possam afetar diretamente seus direitos e liberdade. Somente as vítimas, a CIDH e o Estado acusado de ser responsável pela violação manifestam-se perante o tribunal. Isso aumentaria ainda mais os riscos de que se comprometa o devido processo legal ao fortalecer o poder punitivo do Estado contra os direitos dos réus.

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submetidas a processos penais, desrespeitando os axiomas do direito penal moderno31, Malarino (2010, p. 46) afirma, por exemplo, que “um traço importante observável na jurisprudência da Corte Interamericana é sua tendência punitivista, ou sua compreensão punitivista dos direitos humanos. Paradigmático é o caso do direito da ví�tima à justiça e ao castigo e o dever correlato do Estado de perseguir e sancionar as graves violações dos direitos humanos que, segundo algumas sentenças da Corte, autorizaria deixar de lado direitos fundamentais da pessoa que corre o risco de uma pena criminal. Junto desse super-direito à justiça da ví�tima, a Corte Interamericana está criando um verdadeiro “estatuto da ví�tima” oposto ao “estatuto do acusado” consagrado na Convenção, isto é, um Bill of rights não escrito da ví�tima que neutraliza o Bill of rights escrito do acusado”32.

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31. Para os penalistas, “O respeito a esse axioma constitui uma garantia de certeza legal para o acusado, uma vez que limita os poderes punitivos dos Estados ao proibir a aplicação retroativa da lei; censura a condenação por crimes não definidos inequivocamente em leis escritas à época de ocorrência do crime; restringe a possibilidade de interpretar o direito por analogia, já que a conduta individual deve ser claramente definida para ser considerada crime; e ordena estritamente a aplicação de regimes de prescrição (González, 2012, p. 107). 32. Para o autor, “A justificativa que ela [Corte Interamericana] utiliza para anular direitos fundamentais do acusado, consagrados explicitamente na Convenção, é a especial necessidade de proteção das vítimas, baseada na gravidade do delito. A Corte está criando jurisprudencialmente um direito de exceção para as graves violações de direitos humanos, no qual não só não existe nem ne bis in idem, nem irretroatividade da lei penal, nem prazo razoável de duração do processo, mas tampouco prazo de prescrição e anistia possível. O velho e conhecido princípio do direitos medieval in atrocissima licet iudici iura transgredi aparece novamente para justificar lesões dos direitos humanos em nome dos direitos humanos” (Malarino, 2010, p. 48).

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Além disso, outra crí�tica comumente esgrimida contra a Corte Interamericana é a de que a sua jurisdição quase-criminal é uma expansão ilegí�tima de suas competências e atribuições, já que o tribunal teria sido criado exclusivamente para julgar violações de direitos humanos cometidas pelos Estados. Nesse sentido, argumenta-se que a CADH não menciona crimes internacionais e que o tribunal não possui capacidade institucional nem autoridade legí�tima para julgar a responsabilidade de indiví�duos, indicar quem deve ser investigado ou monitorar processos judiciais domésticos. Por fim, o caráter intrusivo das determinações da CoIDH também gera resistências, na medida em que as ordens de reparações das violações frequentemente estipulam que os Estados devem adotar medidas que

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incidem diretamente sobre polí�ticas, decisões e esferas de competência soberana de autoridades nacionais dos três poderes. Em última instância, essa tendência poderia converter a Corte em “uma espécie de legislador, juiz e administrador supremo dos Estados americanos” (Malarino, 2010, p. 61), ameaçando a prevalência do princí�pio democrático e fazendo com que os paí�ses percam seu poder legí�timo de autogoverno33.

De modo geral, apesar dessas discussões legí�timas no plano da doutrina, no que tange especificamente à prática dos atores judiciais em contextos de justiça de transição e leis de anistia, os argumentos utilizados contra a obrigação internacional de investigar, processar e punir oriunda do sistema interamericano entrelaçam-se em geral mais com os interesses de grupos pró-violações favoráveis à impunidade e com maneiras positivistas e formalistas de compreender e exercer o Direito do que com temores seja de enfraquecimento das garantias individuais dos acusados, seja de excessos do ativismo judicial da CoIDH que poderia pôr em risco a soberania de regimes democráticos. Em convergência com as tradições dominantes e hegemônicas de interpretação legal prevalecentes em toda a América Latina, as quais historicamente concederam pouca atenção à promoção e defesa dos direitos fundamentais e preceitos constitucionais, preocupando-se antes com um papel reduzido de aplicação autômata de normas e códigos positivados, o rechaço aos pronunciamentos do sistema interamericano e ao direito internacional dos direitos humanos, de modo mais geral, reflete, em particular, “a tradicional posição deferente dos tribunais latino-americanos vis-à-vis leis escritas e os poderes polí�ticos autorizados a sancioná-las. (...) Advogados e juí�zes latino-americanos são

33. A esse respeito, no que tange especificamente à jurisprudência da CoIDH sobre invalidade das leis de anistia, Malarino argumenta não estar claro “que a regra judicial Barrios Altos, que proíbe anistiar graves violações de direitos humanos, proteja melhor os direitos humanos que uma regra que autoriza a anistia em circunstâncias excepcionais. A primeira regra prioriza a “justiça”; a segunda, por sua vez, a “paz”. Uma questão tão complexa deveria ser decidida por uma assembleia parlamentar com sustentação democrática e não por um órgão aristocrático” (Malarino, 2010, n. 55, p. 52). Esse tipo de questionamento é particularmente premente na Colômbia no contexto das negociações entre o governo Santos e as FARC (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia). A fim de alcançar a resolução do conflito armado interno que culminaria na paz, o governo e as FARC defendem uma flexibilização da obrigação internacional de investigar e punir para tornar possível algum tipo de anistia, mas têm diante de si a oposição do Tribunal Penal Internacional e a jurisprudência da CoIDH. Para uma discussão sobre o cenário colombiano, ver Uprimny e Sánchez, 2015.

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treinados para invocar e aplicar rigorosamente o princí�pio de legalidade; o seu relaxamento ou simples desconsideração em casos de massivas violações de direitos humanos requer uma mudança na forma como os encarregados pela administração da justiça percebem o sistema normativo que regula suas atividades profissionais. Culturas legais dentro da tradição latino-americana de Direito Civil são de muitas maneiras pré-realistas, e afirmam a supremacia do direito doméstico escrito e do princí�pio de legalidade, promovendo uma visão do direito como uma série de regras a serem aplicadas e não como um conjunto de princí�pios constitucionalmente consagrados que devem ser interpretados, conciliados ou classificados como for exigido pelo caso em consideração. A consciência legal dominante na região, formalista e positivista por natureza, promove a subordinação da discricionariedade interpretativa dos juí�zes aos ditados do legislador, privilegiando os aspectos procedimentais em detrimento dos substantivos (González, 2012, p. 109-110)34.

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34. Após uma extensa e exaustiva revisão da literatura e doutrina produzidas ao longo da maior parte do século XX no campo legal, Couso (2010) conclui que, em toda a América Latina, até a década de 1980 “a dominação do positivismo legal e uma compreensão deferente sobre o papel dos tribunais vis-à-vis o sistema político eram absolutos” (Couso, 2010, p. 152). Para Morales, “Em diversos países da América Latina essa perspectiva formalista se fundou frequentemente em uma visão distorcida do positivismo jurídico. Segundo essa visão, o papel dos juízes na decisão dos casos submetidos ao seu conhecimento estaria reduzido ao de aplicadores das normas jurídicas, entendendo-se “aplicação” como uma tarefa basicamente (quando não exclusivamente) silogística, i.e., lógico-dedutiva, sem que o juiz aporte nada verdadeiramente relevante à decisão final alcançada na grande maioria dos casos” (Morales, 2012a, p. 306). 35. Os grupos pró-violações em geral são compostos por setores das Forças Armadas e poderosas elites econômicas e políticas com grande influência no Estado, responsáveis por práticas abusivas de direitos humanos cometidas em nome da segurança nacional ou de projetos econômicos

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Nesse sentido, o impacto e cumprimento dos pronunciamentos do sistema interamericano passam necessariamente por uma compreensão e exercí�cio do Direito que sejam capazes de superar a tradicional aplicação mecânica de leis e normas escritas em favor da avaliação e aplicação de valores e princí�pios pró-direitos, subvertendo assim os padrões de ensino jurí�dico e a cultura legal positivista e formalista nos quais a maioria dos atores judiciais latino-americanos está imersa. A seguir, analisaremos de que modo, no Peru, após a queda de Fujimori e, portanto, num contexto de debilidade das constituencies pró-violações35 (Cardenas, 2004; 2007) e de

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fortalecimento da relação do Executivo com o sistema interamericano36, juí�zes mais progressistas e abertos ao direito internacional dos direitos humanos contornaram esse desafio, valendo-se da sentença Barrios Altos e de outras decisões da CoIDH como um mecanismo para o seu próprio “empoderamento” e para o fortalecimento do poder judicial. O CASO PERUANO E AS RAZÕES DO IMPACTO DA JURISPRUDÊNCIA DA CORTE INTERAMERICANA

Ao longo das últimas duas décadas do século XX, o Peru foi ví�tima de um prolongado processo de violência polí�tica, marcado por um conflito armado interno de grandes proporções e pelo regime autoritário de Alberto Fujimori (1990-2000). Como resultado, milhares de graves violações de direitos humanos foram cometidas nesse perí�odo, tais como execuções extrajudiciais, desaparecimentos forçados e massacres37. Muitas denúncias relativas a esses episódios foram remetidas ao sistema interamericano por organizações não governamentais (ONGs) peruanas de direitos humanos desde meados dos anos 1980, tal como nos emblemáticos casos Barrios Altos e La Cantuta, e o Peru se converteu no paí�s com mais casos processados pela Comissão e Corte Interamericanas (Hawkins; Jacoby, 2010). No âmbito do sistema judicial peruano, essas decisões e normas do sistema interamericano adquiriram grande importância após a queda de Fujimori e foram cruciais para a reabertura de processos criminais, numa

e políticos específicos. Suas principais ferramentas políticas são recursos tangíveis de poder e táticas de intimidação e coerção. 36. Em 1999, o governo Fujimori havia abandonado unilateralmente a jurisdição contenciosa da Corte Interamericana. Em janeiro de 2001, o governo provisório do oposicionista Valentín Paniagua (2000-2001) reconheceu novamente a jurisdição da Corte e pouco tempo depois aceitou a responsabilidade do Estado em uma série de violações cometidas durante o governo Fujimori. Essas ações e a interação resultante do Estado com o Sistema Interamericano permitiam aos governos Paniagua e Toledo (2001-2006) não só trancar (lock in) e ancorar a recente transição democrática por meio do vínculo com as normas internacionais (Moravcsik, 2000), mas também impulsionar sua agenda democrática e de direitos humanos no âmbito nacional frente a opositores e atores recalcitrantes, como as forças armadas. 37. Segundo as estimativas do Informe da Comissão da Verdade e Reconciliação (CVR) do Peru, 69.280 mortes ocorreram entre 1980 e 2000, das quais 46% foram provocadas pelo Sendero Luminoso e 30% por agentes do Estado (CVR, 2003, Anexo 2). Desse total de vítimas, mais de 40% dos mortos e desaparecidos se concentraram na região andina de Ayacucho, uma zona marcada pela pobreza e exclusão social na qual a população camponesa predominantemente de origem indígena foi a principal vítima da violência.

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fase de restauração da independência do Judiciário. No total, entre 2005 e 2013, foram emitidas 60 sentenças pelo Judiciário peruano em casos de violações de direitos humanos cometidas nos anos 1980 e 1990, das quais 34 foram de absolvição (57% do total), 15 de condenação e as 11 restantes mistas, pois envolviam tanto absolvições quanto condenações. Em termos de indiví�duos processados, 137 foram absolvidos, 67 foram condenados e ao menos 12 estiveram ausentes durante os julgamentos (Burt, 2013, p. 52)38.

38.

Dados produzidos pelo “Human Rights Trials in Peru Project”, coordenado pela professora Jo-Marie Burt (George Mason University). Disponíveis em: http://rightsperu.net. Acesso em: 28.jul.2014. 39. Em resposta às várias sentenças condenatórias da Corte Interamericana sobre a jurisdição militar e os padrões do devido processo legal, o TC declarou nulas todas as sentenças emitidas por juízes militares e civis sem rosto que aplicavam a legislação antiterrorista dos governos de Alberto Fujimori, o que obrigou a realização de centenas de novos julgamentos para os membros do MRTA (Movimento Revolucionário Túpac Amaru) e do Sendero Luminoso, entre eles o próprio Abimael Guzmán. A decisão foi amplamente criticada por vários atores políticos, constituindo-se numa das mais importantes determinações já tomadas pelo TC em toda sua história. 40. As sentenças mais emblemáticas do Tribunal Constitucional sobre esses temas são as seguintes: inconstitucionalidade da legislação antiterrorista – Exp. No. 010-2002-AI/TC (Caso Marcelino Tineo Silva y más de 5,000 ciudadanos); direito à verdade e crime de desaparecimento forçado – STC 2488-2002-HC/TC (Caso Villegas Namuche); caráter vinculante da jurisprudência da Corte Interamericana e invalidez de obstáculos processuais frente ao dever do Estado de investigar, processar e punir casos de violações – STC 2798-2004-HC/TC (Caso Vera Navarrete) e STC 27302006-PA/TC (Caso Castillo Chirinos); status constitucional dos tratados de direitos humanos – STC 0047-2004-AI (Caso Ninaquispe); invalidez das leis de anistia e da competência do foro militar em casos de violações – Exp. No. 679-2005-PA/TC (Caso Martin Rivas) e STC 0024-2010-AI (Caso 25% del número legal de Congresistas contra el Decreto Legislativo 1097). As decisões citadas possuem a nomenclatura oficial do Tribunal e podem ser consultadas em: http://www.tc.gob. pe. Acesso em: 28.jul.2014.

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Nesse sentido, ancorando-se na normatividade do sistema interamericano e do Direito Internacional Penal e dos Direitos Humanos, o Tribunal Constitucional (TC) ordenou a realização de novos julgamentos para todos aqueles que haviam sido sentenciados pela legislação antiterrorista de Fujimori39, reconheceu a natureza contí�nua do crime de desaparecimento forçado, afirmou o direito à verdade e concedeu status constitucional aos tratados de direitos humanos. Ademais, decidiu, em resposta às sentenças da Corte Interamericana, pela inaplicabilidade das leis de anistia e pela falta de validade da competência do foro militar e de argumentos de coisa julgada em casos de graves violações de direitos humanos40. Já no plano dos subsistemas judiciais especializados em direitos humanos, corrupção e também no âmbito da Corte Suprema, esferas responsáveis pela realização dos julgamentos, rotas e soluções jurí�dicas foram

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encontradas para aplicar as normas internacionais e obrigações decorrentes das condenações do Estado41.

Diante desse panorama, como foi possí�vel que o sistema interamericano tenha exercido esse impacto? No que tange à explicação das dinâmicas que levaram os atores judiciais peruanos a desempenhar esse papel, após uma era de enorme cooptação e dominação do Judiciário pelo regime fujimorista42, a reintegração de um grupo de juí�zes dissidentes foi o marco inicial e ao mesmo tempo o primeiro canal para o processo de maior internalização do modelo de justiça de transição do sistema interamericano, contrário às leis de anistia. Em 1997, três juí�zes do Tribunal Constitucional se opuseram às manobras legais de Fujimori para disputar seu terceiro mandato e foram exonerados de seus cargos pelo Congresso43. O caso foi levado ao sistema interamericano e, já no perí�odo pós-transicional, após a queda de Fujimori, a fim de cumprir com a sentença condenatória da Corte Interamericana no caso Tribunal Constitucional44, o Congresso deu iní�cio ao processo de recomposição de quadros do Judiciário ao restituir à corte, em 17 de novembro de 2000, os magistrados que haviam sido expulsos de suas funções, medida essa que, ao ser complementada posteriormente com a entrada de outros novos juí�zes, seria fundamental para a incorporação da normatividade do sistema interamericano. 41. Em 2009, no julgamento que condenou o ex-presidente Alberto Fujimori a 25 anos de prisão por graves violações aos direitos humanos e crimes de lesa humanidade, observa-se a coroação de toda essa nova linha jurisprudencial seguida pelos tribunais peruanos após a transição democrática, quando então eles passaram a se referir e utilizar de maneira expressa as normas e categorias legais emanadas do sistema interamericano e de outras fontes do Direito Internacional. 42. Após o autogolpe de Estado de 1992, o fujimorismo interveio no Judiciário por meio de uma série de reformas que puseram fim a qualquer possibilidade de independência e de funcionamento autônomo desse poder. A decisão de Fujimori de dar o golpe com o apoio das Forças Armadas levou ao fechamento das principais instituições democráticas do país, como o Legislativo e o Tribunal de Garantias Constitucionais, e gerou ainda um processo de reorganização do Judiciário com o fim de que o regime pudesse controlá-lo. Assim, houve um expurgo massivo em que cerca de 80% dos magistrados peruanos perderam seu trabalho (De Belaunde, 2008, p. 129), o que levou à expulsão dos “juízes que eram independentes e que tinham atraído críticas das forças armadas por decisões que eles tinham tomado em defesa dos direitos humanos” (Dargent, 2006, p. 140). Para ocupar os cargos dos juízes destituídos, o governo nomeou então uma série de novos magistrados provisórios que, em razão do status de seus cargos, eram mais vulneráveis às pressões e manipulações políticas. 43. Eram eles Delia Revoredo, Guillermo Rey Terry e Manuel Aguirre Roca. 44. Corte Interamericana de Direitos Humanos. Caso Tribunal Constitucional vs. Peru. Mérito, Reparações e Custos. Sentença de 31 de janeiro de 2001. Série C, n. 71, 2001.

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Nesse contexto, “havia um incentivo polí�tico que unia os membros do Congresso a adotar uma posição inicialmente agressiva em favor de investigações completas das ilegalidades do Estado” (Root, 2012, p. 43). A oportunidade para desacreditar a era fujimorista estava posta e essas bancadas parlamentares que haviam estado antes na oposição denunciando os abusos do Estado sabiam que sua legitimidade bem como seus futuros polí�ticos “dependiam de sua habilidade de estabelecer distinções éticas claras entre eles e os aliados de Fujimori” (Root, 2012, p. 43). Esse clima polí�tico influenciou decisivamente o processo de escolha dos magistrados e a futura composição do Tribunal, a qual seria essencial, por sua vez, para a aderência do sistema interamericano. Quatro novos integrantes do Tribunal Constitucional foram então eleitos. Eles não eram magistrados de carreira do sistema judicial tradicional e tinham ligações com os partidos polí�ticos duramente golpeados durante o perí�odo autoritário46. Assim como os três juí�zes destituí�dos, esses no-

45. 46.

Todos esses magistrados estavam vinculados em maior ou menor grau com o regime autoritário. O Presidente do Tribunal entre 2002 e 2005, Javier Alva Orlandini, afiliado e dirigente histórico do partido Ação Popular, era advogado e havia sido segundo vice-presidente durante o segundo mandato de Belaúnde (1980-1985), senador pela AP até o golpe fujimorista de 1992 e congressista opositor ao governo entre 1995 e 2000. Víctor García Toma, por sua vez, era um advogado e jurista que havia sido secretário geral da Presidência do Conselho de Ministros no governo

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Esse grupo de juí�zes dissidentes tinha uma agenda democrática muito clara em razão da experiência de ataque ao Tribunal realizada pelo fujimorismo, do qual haviam sido ví�timas diretas. Além disso, o próprio fato de que tivessem buscado sua reposição junto ao sistema interamericano assinalava a sua maior abertura a esse tipo de jurisdição internacional e à sua jurisprudência. Em setembro de 2001, um dos juí�zes do perí�odo fujimorista renunciou ao seu cargo em meio a um escândalo de corrupção, e em 2002 os três outros juí�zes do Tribunal ainda restantes da conformação inicial da corte finalmente terminaram os seus mandatos de cinco anos45. Assim, um novo conjunto de magistrados teve então de ser designado para se unir aos juí�zes anteriormente exonerados que haviam retomado suas posições. No Congresso, responsável pela nomeação dos magistrados do Tribunal, houve uma negociação polí�tica com relação ao preenchimento das vagas envolvendo quatro das bancadas legislativas mais fortes nesse momento – Peru Possí�vel, APRA (Aliança Popular Revolucionária Americana), PPC (Partido Popular Cristão) e AP (Ação Popular) (Dargent, 2009).

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vos magistrados haviam passado, portanto, pelo trauma autoritário dos governos fujimoristas e tinham, como consequência, uma abertura grande à agenda de recuperação da institucionalidade democrática e de proteção dos direitos fundamentais, com vistas a que subversões da democracia não voltassem a se repetir no paí�s.

Assim, nessa conjuntura crí�tica de reconstrução do Tribunal Constitucional e de renovação de seus quadros, tais atores judiciais puderam se valer dos recursos jurí�dico-legais do Direito Internacional oferecidos pelo sistema interamericano e difundidos pelas ONGs tanto como uma ferramenta de segurança, a fim de “trancar” (lock in) a nova situação democrática e impedir regressões autoritárias, quanto como um canal de “empoderamento”, o qual contribuí�a para recuperar a capacidade institucional e a autonomia de um Judiciário tradicionalmente enfraquecido, cooptado e sem legitimidade. Nesse sentido, como bem assinala César Landa, ex-magistrado do Tribunal Constitucional (2005-2010), o processo de fortalecimento da justiça nacional tinha como um dos seus pilares a incorporação da jurisprudência e dos compromissos internacionais sobre direitos humanos47.

Dessa forma, tendo em vista a afirmação de sua independência e o afastamento definitivo do seu passado de submissão a um poder autoritário, sentenças e decisões de grande impacto foram proferidas pelo tribunal, nas quais os juí�zes se utilizavam aberta e explicitamente das

de Alan García (1985-1990) e havia participado da Comissão de plano de governo do APRA durante a campanha eleitoral de 2001. Já Juan Bardelli Lartirigoyen era membro do escritório de advocacia de Antero Flores-Aráoz, advogado, político e presidente do PPC, enquanto Magdiel Gonzales tinha um passado de militância marxista, vínculos com a esquerda e foi apoiado pela bancada governista do partido Peru Possível do presidente Alejandro Toledo. 47. Entrevista concedida ao autor por César Landa em 9 de outubro de 2012 em Lima, Peru. Em dezembro de 2004, como resultado das mortes de Guilhermo Rey e Manuel Aguirre, dois novos magistrados foram eleitos para o Tribunal Constitucional, dentre eles César Landa. Com um perfil mais acadêmico e em sintonia com as discussões mais recentes no campo da doutrina legal, ele pôde então apresentar e convencer os outros juízes da possibilidade e legitimidade da interpretação que concedia status constitucional aos tratados de direitos humanos. Assim, foram validadas em definitivo as aplicações do Direito Internacional que os juízes já vinham fazendo de maneira mais ou menos explícita desde 2002 por meio da utilização da Quarta Disposição Final e Transitória da Constituição. Segundo esse dispositivo, “As normas relativas aos direitos e às liberdades que a Constituição reconhece se interpretam em conformidade com a Declaração Universal de Direitos Humanos e com os tratados e acordos internacionais sobre as mesmas matérias ratificados pelo Peru”. Cf. Peru, 1993. Constitución Política del Perú. Lima. Disponível em: http://www.tc.gob.pe/legconperu/constitucion.html. Acesso em: 30 ago. 2013.

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formulações, argumentações e construções jurí�dicas fornecidas tanto pela Comissão quanto pela Corte Interamericanas. Tamanha era a decomposição do sistema judicial e a falta de credibilidade das cortes peruanas que não havia espaço para que outros atores judiciais eventualmente se opusessem ao sistema interamericano, ainda mais diante da forte pressão social e de um Executivo que possuí�a uma clara agenda democrática de ví�nculo com o regime internacional de direitos humanos48. Pelo contrário, o caminho adotado por esses magistrados foi antes o de seguir os direcionamentos da Comissão e Corte, e, como resultado, o padrão de aplicação dos tratados internacionais de direitos humanos na jurisprudência constitucional peruana se alterou profundamente.

48.

A revelação dos escândalos de corrupção e da extensão do aparato de poder criminoso chefiado por Fujimori e Montesinos gerou um rechaço disseminado dos mais diversos grupos e atores sociais, o que levou inclusive à queda abrupta do regime e à fuga de Fujimori para o Japão. Segundo pesquisas de opinião da Ipsos Perú, antes da veiculação do primeiro vladivideo, Fujimori tinha 47% de aprovação. Após a divulgação das primeiras partes desse material, o índice despencou para 24%, e, ao fugir para o Japão, Fujimori terminou seu mandato com apenas 8% de apoio do eleitorado. 49. São três as esferas judiciais de cúpula encarregadas pelos processos criminais. Por um lado, no subsistema especializado para casos de terrorismo e violações de direitos humanos, encontra-se a Sala Penal Nacional, enquanto que os casos de corrupção e abusos de direitos humanos cometidos durante o governo Fujimori são julgados pelas Salas Penais Especiais Anticorrupção da Corte Superior de Lima. Depois que esses tribunais emitem suas sentenças, a Corte Suprema de Justiça pode ainda ratificar ou não essas decisões nos casos em que os réus, Ministério Público ou as partes civis apelem das sentenças. Por fim, é possível ainda levar os casos até o Tribunal Constitucional que, apesar de não poder se pronunciar em temas de aplicação do Direito Penal, pode avaliar se foram respeitadas as garantias constitucionais e do devido processo legal nas instâncias judiciais competentes. No julgamento do ex-presidente Fujimori, nem a Sala Penal Nacional nem as Salas Penais Especiais Anticorrupção foram as responsáveis pelo processo criminal. Nesse caso, um painel de três juízes da Corte Suprema foi montado para conduzir

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Toda essa nova doutrina constitucional formada pelo Tribunal Constitucional após a transição democrática se disseminaria em direção a outros tribunais responsáveis pela esfera penal. Nesse sentido, a influência das normas internacionais e da jurisprudência do sistema interamericano, em particular, refletir-se-iam também na atuação da Corte Suprema e dos subsistemas especializados em violações de direitos humanos e delitos de corrupção, tribunais centrais para o processo de justiça de transição porque eram eles os responsáveis pela reabertura dos processos e realização dos julgamentos, tanto de novos casos quanto daqueles que haviam sido arquivados, extintos, anistiados ou julgados incorretamente no passado em razão da aplicação do foro militar e dos tribunais de juí�zes sem rosto49.

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Como resultado novamente do processo de depuração institucional, renovação de quadros, abertura de concursos e reconstrução do Judiciário, novos juí�zes mais progressistas e receptivos ao direito internacional dos direitos humanos foram incorporados à Corte Suprema, como nos casos dos magistrados Victor Prado Saldarriaga e César San Martí�n, dois dos juí�zes que, anos mais tarde, em 2009, condenariam Fujimori por graves violações contra os direitos humanos. Alguns desses juí�zes haviam sido expulsos do Poder Judicial pelo governo fujimorista quando do autogolpe de 1992, enquanto que outros magistrados independentes haviam permanecido e resistido em suas posições no sistema de justiça mesmo nos momentos de maior pressão e controle governamental, e puderam, então, ser resgatados e alçados à Corte Suprema e outras instâncias judiciais com a saí�da, quando não prisão, dos magistrados fujimoristas.

Um processo semelhante ocorria nas Salas Penais Especiais Anticorrupção da Corte Superior de Lima, encarregadas de julgar os abusos cometidos durante o governo Fujimori, e no subsistema especializado para casos de terrorismo e violações de direitos humanos, encabeçado pela Sala Penal Nacional (SPN)50. Foram designados para esses tribunais alguns dos mais destacados e capacitados juí�zes de então, como Inés Villa Bonilla, Inés Tello, Pablo Talavera e Jimena Cayo, e tais magistrados demonstraram também rapidamente uma abertura à aplicação dos padrões internacionais e critérios do sistema interamericano nesses dois subsistemas que, ao concentrarem as competências nos temas de terrorismo e direitos humanos, foram os responsáveis pelos julgamentos dos membros do Sendero Luminoso, MRTA (Movimento Revolucionário Túpac Amaru), do grupo Colina e de emblemáticos casos de desaparecimentos forçados, execuções extrajudiciais, torturas e massacres das décadas de 1980 e 1990. Nesse sentido, o subsistema anticorrupção se notabilizaria pelas sentenças condenatórias nos casos Barrios Altos e La Cantuta, ambos analisados pela Corte Interamericana, enquanto que a SPN sancionou agentes do Estado em casos como o da execução extrajudicial de Hugo Bustí�os, da tortura e morte de Efraí�n Aponte e dos desaparecimentos forçados de Castillo o julgamento, enquanto outro painel de juízes dessa mesma Corte atuou como tribunal de apelação. 50. A SPN é o principal tribunal responsável pela judicalização de casos de direitos humanos. Das 60 sentenças emitidas em casos de justiça de transição, 47 foram da Sala Penal Nacional (Burt, 2013, p. 52).

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Páez e das autoridades municipais de Chuschi. Havia assim, portanto, em outras palavras, tanto na Corte Suprema quanto nos subsistemas especializados, uma minoria comprometida de juí�zes com perfil mais progressista e ativista, que seriam centrais para aplicar e pôr em marcha, no andamento prático dos julgamentos e processos, os novos entendimentos do Tribunal Constitucional e os critérios da Corte Interamericana51. Embora o governo Toledo não tenha promovido ativamente esse processo, ele manteve uma postura de respeito à independência e autonomia dos tribunais durante o processamento dos casos de abusos de direitos humanos, permitindo assim a sua judicialização sem interferências.

COMENTÁRIOS FINAIS

No campo da justiça de transição, desde finais da década de 1980, o sistema interamericano de direitos humanos tem combatido o padrão histórico prevalecente na América Latina, segundo o qual os agentes 51. Vale destacar que no âmbito do Ministério Público se formou também uma massa crítica de tendência mais progressista e permeável aos padrões internacionais de direitos humanos, com figuras destacadas como Avelino Guillén, Victor Cubas Villanueva e Pablo Sanchéz Velarde. 52. Ainda que os governos de Valentín Paniagua (2000-2001) e Alejandro Toledo (2001-2006) fossem favoráveis à agenda de direitos humanos do sistema interamericano e da CoIDH, nenhuma dessas administrações transformou o processo interno de judicialização de casos em uma prioridade ou plataforma de seus governos como ocorreu, por exemplo, com os governos Kirchner na Argentina. Para uma análise sobre o processo de judicialização de casos de justiça de transição no período posterior a 2008, ver Bernardi, 2015, pp. 560-572. Após os avanços observados nos governos Paniagua e Toledo, esse período tem sido marcado por problemas e retrocessos no que diz respeito à aplicação das normas internacionais de direitos humanos.

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Assim, em suma, entre 2001 e 2008, a queda abrupta do regime autoritário construí�do por Fujimori e o resultante vácuo de poder gerado pelo enfraquecimento das constituencies pró-violações permitiu que um grupo interno de atores domésticos estatais e não-estatais interessados no cumprimento de normas internacionais engajasse o Peru de maneira importante com o SIDH, tal como as ONGs peruanas vinham reivindicando de maneira incisiva desde o iní�cio dos anos 1990. Nesse processo, o grande impulso de internalização do modelo de justiça de transição do sistema interamericano coube a um grupo minoritário de atores judiciais progressistas, uma vez que os constrangimentos polí�ticos enfrentados pelo Executivo bem como a complexidade das exigências impostas pela transição impediu esse ator de converter o tema em uma prioridade da sua agenda52.

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do Estado e grupos paramilitares envolvidos em redes de cumplicidade com o aparato de repressão estatal foram tradicionalmente capazes de evadir-se de qualquer tipo de responsabilização criminal a respeito das graves violações e abusos com os quais estavam implicados. O sistema deixou de se focar no naming e shaming das ditaduras militares para se engajar progressivamente com os novos regimes democráticos da região por meio de um processo judicial ou quase-judicial, com destaque para a CoIDH que, depois de adotar um papel declarativo, no qual apenas elencava a violação cometida e fixava os deveres e obrigações dos Estados, reservando-lhes a decisão de como reparar, passou a se pronunciar mais taxativamente em temas penais, ordenando especificamente que os casos de graves violações fossem investigados e castigados penalmente.

Essa mudança configurava uma inovação sem paralelos na atuação de outros tribunais internacionais de direitos humanos, e, além disso, como outro sinal do seu ativismo judicial, a CoIDH começou também a supervisionar o cumprimento e implementação das suas sentenças, acompanhando a instauração e andamento dos processos criminais. Tal comportamento tem gerado queixas não só a respeito da perspectiva punitivista da Corte, que violaria os direitos dos acusados, mas também no que diz respeito ao alcance de suas sentenças, visto que, para os crí�ticos, sua jurisdição quase-criminal não encontra fundamentos jurí�dicos na Convenção Americana e ainda ameaça a soberania e o princí�pio democrático de autogoverno dos Estados.

Ainda que se reconheçam esses riscos, e a despeito de todas as suas limitações, custos e da demora de suas decisões, é preciso salientar que em toda a América Latina, em contextos marcados historicamente por impunidade, injustiças e abusos, o sistema interamericano e a CoIDH, em particular, converteram-se em um dos poucos caminhos abertos para que inúmeras ví�timas das atrocidades dos crimes de lesa-humanidade pudessem confrontar seus Estados e lutar em favor de verdade, justiça, reparações e medidas de não-repetição. Desse modo, tais grupos têm instrumentalizado a normatividade do regime regional de direitos humanos para se empoderar e fortalecer suas reivindicações de direitos diante de contextos nacionais cujas barreiras legais e polí�ticas impediriam qualquer forma de avanço das suas demandas. Nesse sentido, diante do cenário desolador de injustiças das nossas terras latino-americanas, tão bem descrito pelo escritor mexicano Carlos Fuentes como “teñido de rí�os 438

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ensangrentados y cavado de barrancas fúnebres y sembrado de cadáveres insepultos” (Fuentes, 2007, p. 15), a CoIDH e sua jurisprudência contrária à validade das leis de anistia transformaram-se indiscutivelmente numa importante e relevante força jurí�dico-polí�tica favorável ao avanço da agenda de direitos humanos frente aos casos de graves violações perpetradas pelos Estados.

No caso emblemático do Peru, analisado no capí�tulo, a ruptura institucional ocasionada pela queda abrupta do regime autoritário fujimorista abriu espaço para a atuação de juí�zes progressistas interessados na aplicação e instrumentalização do direito internacional dos direitos humanos como ferramenta de afirmação de uma nova era de promoção de direitos que se distanciasse das práticas jurisdicionais pregressas do paí�s. Se os juí�zes e promotores dissidentes tivessem entendido as decisões da Corte Interamericana não como um mecanismo e uma oportunidade para incrementar e fortalecer seus recursos e argumentos jurí�dico-legais, mas antes como uma ameaça e incursão indevida no seu terreno legal que usurpava suas competências e distorcia a hierarquia do ordenamento jurí�dico nacional, então as determinações da CoIDH teriam sido rechaçadas e seus princí�pios reitores jamais teriam guiado a reabertura e posta em marcha de inúmeros processos criminais. Mesmo um Executivo e Legislativo favoráveis à agenda da justiça de transição enfrentariam sérias dificuldades para vencer essas resistências do aparato judicial e muito provavelmente prevaleceriam os obstáculos processuais, a aplicação da jurisdição militar e o uso dos princí�pios clássicos do direito penal interno, impossibilitando assim o avanço de julgamentos e a aplicação de sanções penais, tal como ordenado na sentença do caso Barrios Altos.

Ainda que restrito no seu poder de generalização, o caso peruano mostra como contextos especí�ficos de mudanças e rupturas institucionais dentro do Judiciário podem abrir janelas de oportunidade para a atuação de lideranças judiciais outsiders, i.e., juí�zes progressistas que vêm de 439

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No tocante ao impacto das sentenças e da jurisprudência da CoIDH sobre as leis de anistia no plano interno dos Estados, é central a postura assumida pelos atores judiciais domésticos. Os Judiciários nacionais são atores fundamentais para viabilizar o enforcement local e a integração legal dessas obrigações internacionais de direitos humanos à polí�tica doméstica dos Estados, já que grande parte dos pontos ordenados põe em primeiro plano a exigência de novos julgamentos e punições.

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comunidades legais situadas fora do establishment legal dominante e são capazes de romper práticas institucionais tradicionais, atuando como empreendedores de normas da CoIDH e do sistema interamericano, de modo mais geral. Nesse sentido, o sistema foi um instrumento por eles utilizado para afastar o Judiciário do seu próprio passado e conceder-lhe novas missões institucionais inéditas pró-direitos, ademais de servir ainda para vencer ou contornar a resistências de magistrados conservadores e fortalecer o sistema judicial frente aos outros poderes do Estado. Tal conclusão é particularmente interessante para pensarmos a respeito do Brasil, onde a agência desse tipo de magistrados segue simplesmente inexistente, dada a continuidade institucional do STF (Supremo Tribunal Federal) (cf. Pereira, 2010; Koerner; Freitas, 2013; Rí�o, 2014), sua composição herdada da ditadura e a persistência do mesmo padrão de nomeações para a corte em curso desde a década de 1930 (cf. Kapiszewski, 2012), o qual se vale dos cí�rculos jurí�dico-legais dominantes. Como resultado, não é de se estranhar que prevaleça no Brasil o apego ao positivismo jurí�dico e à postura tradicionalmente fechada e soberanista frente ao direito internacional dos direitos humanos e à jurisprudência da CoIDH sobre leis de anistia. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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