Justiça, Vontade de Deus e os Decretos Divinos: Uma visão sobre as manifestações da Soberania de Deus

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Justiça, Vontade de Deus e os Decretos Divinos: Uma visão sobre
as manifestações da Soberania de Deus


Ao tratar a respeito dos atributos comunicáveis de Deus, Grudem
leciona que entre eles estão alguns muito interessantes, porque trazem, em
si, conceitos ou noções contemplados e definidos pela natureza humana,
relacionados a emoções que nos são peculiares. Dentre eles, alguns dos mais
questionados, de forma prática, é a Justiça de Deus.


Deus é o fundamento de toda Justiça, e tudo que é justo, somente
o é, por estar em consonância com a moral de Deus. Significa também tratar
e recompensar a cada um conforme a sua atuação. Não podemos conceber, no
entanto, este atributo sozinho, pois, como bem frisa o autor, não bastaria
que Ele fosse a suprema justiça se não pudesse impô-la de uma maneira
soberana, mas fazendo-a prevalecer, de modo manifestar e aliar-se esta
justiça à onipotência de Deus, nada se comparando ao Seu poder.


Da mesma sorte, não se poderia conceber a Justiça de Deus
dissociada de seus demais atributos, uma vez que uma das noções da Justiça
de Deus é aplicar a punição pelo pecado, pois Ele é igualmente santo,
justo, amoroso, misericordioso, mas que se ira contra todo pecado e
desobediência, sendo que pela ira não podemos apenas entender o conceito ou
carga negativa atribuídos da palavra (como ressalta Grudem, um dos
atributos de Deus, é ser impassível, não sendo, portanto, sujeito as mesma
paixões e emoções que nós), mas sim como toda sua reprovação ao pecado,
traduzindo, conjuntamente, Seu Zelo, Santidade e Justiça. Nas palavras de
Grudem: "(...) se Deus ama tudo o que é certo e bom, e tudo o que se
conforma ao seu caráter moral, então não deve admirar que ele odeie tudo o
que se opõe ao seu caráter moral. A ira de Deus diante do pecado está
portanto intimamente associada à santidade e à justiça de Deus. A ira de
Deus pode ser definida assim: dizer que a ira é atributo de Deus é dizer
que ele odeia intensamente todo o pecado."[1]


Este é ponto de maior embate, não apenas teórico, mas prático,
de como conformar o Deus Justo ou Sua vontade, à luz de como Ele se revela
em sua Palavra, nas mais peculiares e diversas situações de aparente
injustiça que nos possamos deparar durante a vida. Neste estudo, podemos
tomar por base situações como as vividas pelas personagens bíblicas José,
filho de Jacó e Jó, tendo, na história de Jó, Deus demonstrado em linhas
tênues como todos estes conceitos de Justiça, vontade e soberania em seus
propósitos andam juntos, seguindo Ele seu próprio conselho, visto que Deus
é independente e suficiente em si mesmo.


Para tanto, é igualmente necessário que entendamos corretamente
o que seria a vontade de Deus e como ela se opera. Segundo o autor, temos
que ter clara a noção de constituir-se esta um atributo de propósito de
Deus, de maneira a não apenas a se autodeterminar, mas também de sustentar
e direcionar toda a criação como queria, como O aprouver. Conforme
demonstram as Escritura, especialmente em Gn 1.26; 2.18 e Ap 4.11, é a
vontade geral de Deus o que cria e mantém todas coisas no universo, sendo
sempre ela a razão para qualquer acontecimento na Terra, justificante em si
mesma.


Há, ainda, dentro deste conceito, que se analisar diversos
aspectos da vontade de Deus, as quais o autor classifica como: vontade
necessária, vontade livre, vontade secreta e vontade revelada de Deus.


A vontade necessária de Deus consubstancia-se na célebre frase:
"EU SOU O QUE SOU" (Ex. 3.14), traduzindo-nos a noção de desejo inerentes a
sua condição, não podendo decidir ou se comportar de forma diferente de sua
natureza, nem mesmo extingui-la, pois Ele é quem é, é o que é, e assim
permanecerá eternamente, Ele é Deus (Cl 1.17); ao passo que a vontade livre
de Deus recai sobre todas as demais decisões que Ele não necessitaria
obrigatoriamente tomar, dentre eles, os dois mais importantes exemplos
fornecidos pelo autor são a criação do homem e da sua natureza, bem como o
desejo de salvar este homem pecador de Sua ira vindoura, tendo Ele decidido
fazer isso por sua livre vontade, como Ele mesmo manifestou a Jó, ao ser
inquirido do porquê ordenará todo aquele sofrimento ( Jó
38.4,18,33,34,35,35,36; 40.2)


A respeito, conclui Grudem: "Seria errado tentar encontrar uma
causa necessária para a criação ou para a redenção no próprio ser divino,
pois isso sonegaria a Deus a sua total independência. Seria como dizer que
sem nós Deus não poderia ser verdadeiramente Deus. As decisões divinas de
criar e remir foram decisões totalmente voluntárias".[2]


Por sua vez, a vontade secreta de Deus liga-se aos desígnios
específicos por Ele projetados, por exemplo, para vida de cada um dos seus
filhos, de tudo o que se seguirá no curso da história, aos quais não
necessariamente revela ou manifesta de forma evidente. Facilmente podemos
ver a vontade secreta de Deus na vida de Noemi e Rute no curso da narrativa
bíblica, pois a ninguém fora revelado que Deus desejaria na linhagem de
Cristo uma estrangeira, o que somente conseguimos entender e observar com
clareza, quando da conclusão da história de Rute e da leitura detida da
genealogia de Cristo narrada em Mateus 1.(1.5). Já a vontade revelada de
Deus tem por finalidade chamar-nos a obediência, como destacado pelo autor,
citando a fala de Moisés em Dt 29.29 ("As coisas encobertas pertencem ao
Senhor, nosso Deus, porém as reveladas nos pertencem, a nós e a nossos
filhos, para sempre, para que cumpramos todas as palavras desta lei"),
tendo como marca distintiva abarcar em seus conteúdos os mandamentos e
preceitos de Deus (vontade mandamental ou preceptiva), impondo por quais
caminhos e posturas devemos nos pautar a cada dia de nossas vidas. 


Destarte, a grande controvérsia prática a que me refiro e
emergente da leitura da obra de Grudem, tem seu cerne em como coadunar
todos os atributos de Deus e a materialização de todas as suas vontades
secretas, com a nuances já expostas anteriormente.


O autor ao tratar da providência de Deus, seus decretos e
propósitos,estabeleceu a divisão em providência de preservação, providência
de cooperação e providência de governo, das quais nos atentamos para as de
cooperação, pois elas dão azo à discussão a respeito da vontade e atributos
com o mal e os acontecimentos de nossa vida, haja vista ser a providencia
da cooperação a explicação da participação e responsabilidade conjunta de
Deus e do homem/da natureza (Jó 1.12-19) em determinado evento sucedido,
cada um em seu plano e na sua proporção.


Ordenaria, Deus, o mal? Sentiria algum prazer nele? Qual a
verdadeira relação entre Deus e o mal? Deus usa o mal em seus propósitos? A
todos estes questionamentos responde Grudem sempre no sentido que não
podemos afirmar que Deus ordena ou sente algum prazer com o mal. Pelo
contrário, Deus, em sua soberana Justiça não pode ser complacente com o
mal, porque se assim admitíssemos acabaríamos por tornar, ao final das
contas, Deus como próprio autor do pecado, o que de maneira alguma é
aceitável, já que sabemos que Seus atributos não se compatibilizam a esta
ideia, mormente em sua Santidade e Justiça (Sl 11:7; 25.8; . Antes,
utiliza-se o Senhor do mal para cumprir seus desígnios, sendo o pecado ato
voluntário de exclusiva responsabilidade do homem, não tendo o condão de
anular os propósitos soberanos de Deus (Jó 42.2).


No entanto, para a compreensão correta do tema, é preciso partir
da premissa de que Deus jamais pratica atos maus, apenas provoca
acontecimentos maus através de ações voluntárias de homens que desejaram o
mal, de maneira que assevera o autor não se poder atribuir a Deus a culpa
pelo mal em qualquer que seja o acontecimento, uma vez que tal linha de
pensamento não encontra amparo nas sagradas escrituras. Isto porque há
sempre uma opção pelo homem pelo mal, havendo apenas a indução de Deus para
que se concretize tal ação.


Grudem menciona neste ponto o caso de Deus endurecer o coração
de Faraó, bem como as escrituras narrarem que o próprio Faraó se endurecia
em seu coração (Ex. 8.15; 10.20), além de concatenar perfeitamente a noção
da relação entre o homem, o mal e Deus em seus propósitos quando
exemplifica o caso de José: "Outro exemplo se encontra em Gênesis 50.20.
José diz aos seus irmãos: "Vós, na verdade, intentastes o mal contra mim;
porém Deus o tomou em bem, para fazer, como vedes agora, que se conserve
muita gente em vida". Aqui a vontade revelada de Deus em relação aos irmãos
de José era que eles o amassem, e não o roubassem nem o vendessem como
escravo ou fizessem planos para assassiná-lo. Mas a vontade secreta de Deus
era que, pela desobediência dos irmãos de José, um bem maior se fizesse
quando José, vendido como escravo aos egípcios, obtivesse autoridade sobre
a terra e pudesse salvar a sua família."[3]


Assim, podemos concluir, junto com Grudem, que mesmo quando
Deus, na sua providência de cooperação, permite ou deseja o sofrimento de
alguém, há um propósito de bondade e solene justiça, muitas vezes oculto a
nossa cognição, o qual se executa por meio daquele sofrimento ou
acontecimento ruim (já que nem sempre o mal que acomete um indivíduo é
causado por outrem, mas também pela natureza – Jó 1.12-19), nunca culpando
Deus pelo mal, ou lhe atribuindo a autoria por este ou pelo pecado. Não
obstante, ressalta que devemos dar graças e glorificá-lo (Jó 1.20-22),
mesmo diante de tais circunstâncias (o que para muitos é demasiadamente
difícil na prática), pois Sua vontade é soberana, além de considerarmos que
Ele é sempre justo, reto e bom. (Sl 119.137; Dt 32.4; Sl 103.9),
estabelecendo para cada um de seus servos um propósito bom, na medida em
que a Bíblia nos ensina que "todas as coisas cooperam para o bem daqueles
que amam a Deus"(Rm 8.28).


Nesta linha, concluindo, o pensamento, afinado com o defendido
pelo autor do texto, tomamos o conselho de Pedro ("Porque, se for da
vontade de Deus, é melhor que sofrais por praticardes o que é bom do que
praticando o mal" 1 Pe 3.7), devemos obedecer aos mandamentos e
ensinamentos de Deus, ainda que nos custe bastante durante a vida terrena,
pois Deus revela-se a nós como perfeitamente Santo, Justo, Bom,
Misericordioso e Soberano, coordenando sempre com graça e poder todos os
aspectos do universo e de nossa vidas, guiando e governando as nossas ações
segundo a Sua vontade, para Sua glória.



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[1] GRUDEM, Wayne A. Teologia Sistemática. São Paulo: Vida Nova, 1999.

[2] Op. Cite, p. 1

[3] Op. Cite p.1
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