Juventudes importância estratégica e vulnerabilidade, p. 32

May 30, 2017 | Autor: Ivar Vasconcelos | Categoria: Sociologia da Educação
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Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 12 Nº29 vol. 02 – 2016 ISSN 1809-3264

UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE Página 1 de 126 FACULDADE DE EDUCAÇÃO

REVISTA QUERUBIM Letras – Ciências Humanas – Ciências Sociais Ano 12 Número 29 Volume 2 ISSN – 1809-3264

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REVISTA QUERUBIM NITERÓI – RIO DE JANEIRO 2016

NITERÓI RJ

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Revista Querubim 2016 – Ano 12 nº 29 – vol. 2 – 126 p. (junho – 2016) Rio de Janeiro: Querubim, 2016 – 1. Linguagem 2. Ciências Humanas 3. Ciências Sociais Periódicos. I - Titulo: Revista Querubim Digital Conselho Científico Alessio Surian (Universidade de Padova - Italia) Darcilia Simoes (UERJ – Brasil) Evarina Deulofeu (Universidade de Havana – Cuba) Madalena Mendes (Universidade de Lisboa - Portugal) Vicente Manzano (Universidade de Sevilla – Espanha) Virginia Fontes (UFF – Brasil) Conselho Editorial Presidente e Editor Aroldo Magno de Oliveira Consultores Alice Akemi Yamasaki Andre Silva Martins Elanir França Carvalho Enéas Farias Tavares Guilherme Wyllie Janete Silva dos Santos João Carlos de Carvalho José Carlos de Freitas Jussara Bittencourt de Sá Luiza Helena Oliveira da Silva Marcos Pinheiro Barreto Mayara Ferreira de Farias Paolo Vittoria Ruth Luz dos Santos Silva Shirley Gomes de Souza Carreira Vanderlei Mendes de Oliveira Venício da Cunha Fernandes

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Reflexão sobre o discurso utilizados nos livros de literatura infantil – Fabíola Fernandes Andrade e Cyntia Graziella Guizelim Simões A violência em Passeio Noturno, de Ruben Fonseca & O Estripador, de Dalton Trevisan – Gabriela Rocha Rodrigues A sala de recursos multifuncionais na educação pública estadual do Rio Grande do Sul: particularidades do funcionamento das salas de recursos multifuncionais da 27ª Coordenadoria Regional de Educação – Gustavo Gonçalves dos Santos e Paulo Fernando Mesquita Junior A prática pedagógica de professores de Educação Física na educação básica: os seus dilemas e sua gestão – Hugo Norberto Krug (et al) A formação inicial em Educação Física: a concepção de licenciandos sobre o ensino/ensinar – Hugo Norberto Krug (et al) Juventudes: importância estratégica e vulnerabilidade – Ivar César Oliveira de Vasconcelos e Candido Alberto da Costa Gomes Pedagogia histórico-crítica e o currículo: tecendo caminhos para a formação humana – Katia Cristina C. Ferreira Brito (et al) Experiência em leitura de A Cartomante – Laura Isabel dos Santos Vieira e Thaís Almeida F. de Souza A fotografia como recurso metodológico em ações de educação ambiental: reflexões acerca do Ribeirão São João Porto Nacional –TO – Lílian Santos Ribeiro e Solange de F. Lolis O vale da promissão: demarcação, mobilização e conflito em Palmeira dos Índios – AL – Luan Moraes dos Santos “Filhos dos outros” e “O filho eterno”: a interface entre a literatura e os direitos humanos – Lucas da Silva Martinez O problema da homogeneização e o desenvolvimento das potencialidades dos alunos na educação básica brasileira: análises e perspectivas – Marcelo Marcon Um gesto de leitura sobre a produção acadêmica: sentidos de gramática que emergem – Marcia Ione Surdi e Munick Maria Hasselstron Tres O gestor, o professor e o aluno: concepções do ensino e aprendizagem em Ciências Naturais e Geografia na escolarização básica no Município de Formosa – Goiás – Marcos Vinicius S. Dourado, Rodrigo Capelle Suess e João Gabriel Gomes A influência de Cervantes na literatura espanhola – Margareth Vieira Melo Rodrigues História e memória da escola pública no sertão potiguar: singularidades da escolarização primária (1953-1980) – Maria da Conceição Fernandes Pereira (et al) A educação escolar no paradigma emergente: a escola sob nova perspectiva – Maria José de Pinho e Juliane Gomes de Sousa Educação ambiental no campo: um dignóstico da prática pedagógica nas escolas municipais de Arraias-TO – Maria Luiza de Freitas Konrad (et al) Profecia bíblica do apocalipse: um olhar sob o viés da análise do discurso – Max Silva da Rocha e Marcos Apolinário Barros O fluxo de caixa na gestão organizacional – Renata de Sampaio Valadão, Edson Ferreira dos Santos e Vitor Martins

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REFLEXÃO SOBRE O DISCURSO UTILIZADO NOS LIVROS DE LITERATURA INFANTIL Fabíola Fernandes Andrade1 Cyntia Graziella Guizelim Simões2 Resumo Este artigo, resultado de um levantamento bibliográfico, possui como objetivo apresentar uma reflexão sobre os tipos de discursos utilizados nos livros de literatura infantil desde a idade média até os dias atuais, possibilitando conhecer a herança cultural que permeia a vida das crianças. Temse como principal norteador Edmir Perrotti (1986), no qual classifica os discursos dos livros infantis em utilitário, instrumental e estético e evidencia a importância dos textos artísticos na formação de crianças críticas. Palavras chave: Literatura Infantil. Educação. Linguagem. Abstract This article, the result of a literature, has aimed to present a reflection on the types of discourse used in children's literature books from the Middle Ages to the present day, making it possible to know the cultural heritage that permeates the lives of children. Has as main guiding Edmir Perrotti (1986), which classifies the speeches of children's books in utility, instrumental and aesthetic and highlights the importance of artistic texts in the formation of critical children. Keywords: Children's Literature. Education. Language. Introdução Este artigo promove uma breve reflexão da literária infantil desde a idade média até os dias atuais com o objetivo de compreender o processo histórico que proporcionou um legado para as gerações atuais. Também, reflete os tipos de discursos utilizados pelos autores nos livros de literatura infantil na visão de Edmir Perrotti (1986). Literatura infantil Na antiguidade e na idade média, as crianças, nas escolas, liam os clássicos greco-latinos para a aprendizagem da língua e para formação moral. Os livros eram utilizados para formar crianças com valores considerados importantes para a sociedade naquela época, conforme afirma Perrotti (1986, p.46) "[...] a literatura é entendida como fonte de aprendizagem de valores morais necessários as crianças e jovens dos grupos privilegiados e nesse sentido é utilizada". Por meio dos livros de literatura, os autores transmitiam mensagens que contribuíam para a formação moral das crianças. Portanto, o olhar para a literatura era de um instrumento moral. A partir da Contra-Reforma, o texto instrumental foi diluído em utilitário, houve uma reorganização do sistema pedagógico, com o surgimento da literatura específica para crianças. Os textos visavam "adaptar o pensamento antigo aos desígnios da Contra-Reforma" (PERROTTI, 1986, p.47). Houve uma mutilação dos textos para adaptar-se as novas realidades, nos quais, a questão principal dos textos referia-se a questão social. O discurso utilitário tornou-se o discurso predominante na literatura infantil com função de doutrinar as crianças (PERROTTI, 1986). Os contos eram escritos com caráter funcional, para ensinar as crianças a viverem, "[...] afastar as crianças dos perigos que as ameaçam, a água, o fogo, a floresta, etc" (PERROTI, 1986, 1 2

Professora do Instituto Federal de Educação, Ciências e Tecnologia do Ceará Professora da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho

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p.50). Tinham-se os textos narrativos com grande diversidade de temas e com a função de advertência. O conto com ênfase na moral predominou o texto literário infantil europeu até o século XIX (PERROTI, 1986). A literatura infantil europeia influenciou diretamente a literatura infantil brasileira, uma vez que, no Brasil, a literatura infantil foi trazida com a chegada dos primeiros colonizadores. As avós contavam histórias que combinavam contribuições europeias (portuguesa), africanas e indígenas para entreter as crianças. O personagem de nome Trancoso era comum e, também, histórias do folclore português. O contato com a cultura indígena enriqueceu o mundo da fantasia com a figura da Iara, o Minhocão, o Matitaperê e muitas outras (SCHARF, 2000). Porém, a circulação de livros infantis em nossa sociedade só foi registrada com a vinda da família real ao Brasil. As histórias contadas durante o período colonial inspirou o conteúdo dos livros até o início do século XX (PERROTTI, 1986). A literatura para criança no Brasil possuía uma dependência cultural de Portugal. Essa dependência estendeu-se até o início do século XX (PERROTTI, 1986). Neste período, a literatura infantil brasileira possuía um caráter instrumental. Os autores Bilac, Coelho Neto, Júlia Lopes de Almeida "aparecem agrupados na área da chamada "moral e cívica", ou seja, no campo da "literatura escolar", de intenções abertamente didáticas" (PERROTTI, 1986, p, 58). Os livros de literatura possuía a função de repassar valores civis. Na Europa, no século XIX, houve a explosão do romantismo, com a valorização da emoção sobre a razão. Este fato influenciou os textos para o público infantil, com destaque para o livro Pinochio de Callodi (1826-1890) em que havia a "valorização da fantasia, do sonho e da emoção, acima de qualquer atividade moralizante ou pedagogizante" (PERROTI, 1986, p.51). Em outros livros havia uma valorização do folclore, com temas nacionais ou regionais. Os textos literários passaram a se opor ao racionalista iluminista. Conquanto, os textos não eram totalmente isentos das preocupações pedagogizantes. A literatura ampla, renovada, sem texto utilitarista, surgiu apartir da década de 1960, sob a interferência da burguesia e da Contra-Reforma. No Brasil, a literatura infantil ganhou corpo e definição no século XX, com as obras de Monteiro Lobato. As crianças se encantaram com a narrativa “das aventuras dos personagens do Sítio do Pica-pau Amarelo quando lá se instalaram todos os personagens do mundo da fábula” (ROCHA, 1981, p.75). As obras são lidas até os dias atuais. Nas palavras de Lajolo (2013, p.84) “Monteiro Lobato escreveu histórias incríveis destinadas ao público infantil”. O “Sítio do Pica-pau Amarelo” constitui uma série de vinte e três livros, com muitos enredos baseados no nosso folclore, mitologia grega ou ainda da literatura universal. Lajolo (2013, p.87) declara que: Os personagens de Lobato, como dona Benta, tia Anastácia, Pedrinho, Narizinho, tio Barnabé, Visconde de Sabugosa e a boneca Emília, fazem parte da infância dos brasileiros desde 1921, ano da publicação de seu primeiro livro infantil. As histórias de Lobato já foram adaptadas várias vezes para a televisão.

Tem-se o mundo do possível, como afirma Aristóteles (apud LAJOLO, 1982, p.45) “enquanto a história narrava o que realmente tinha acontecido, o que podia acontecer ficava por conta da literatura”. As crianças brasileiras puderam ler livros escritos especialmente para elas, com a cultura do nosso país. Para Perrotti (1986, p.61), as obras de Monteiro Lobato, "exceção feita as obras paradidáticas, o discurso estético é visado prioritariamente, coisa não comum - único mesmo - na literatura para crianças e jovens no Brasil da primeira metade deste século". Tem-se a superação do discurso pedagógico-utilitário para um discurso estético. As fábulas escritas por Monteiro Lobato

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 12 Nº29 vol. 02 – 2016 ISSN 1809-3264 Página 6 de 126 [...] evidencia que a preocupação do autor é, antes de mais nada, contribuir para o desenvolvimento do espírito crítico do leitor. E, para tanto, não lhe serve uma narrativa unidirecional, fechada, como a narrativa didática. Ao contrário, é a narrativa aberta, "polifônica", multidirecionada, "artística", que poderá levar o leitor a alcançar o espírito crítico (PERROTTI,1986, p 63).

O discurso estético, aparentemente inútil, possui linguagem rica e complexa capaz de formar leitores críticos, livres e com visão ampla do mundo. Por meio de um discurso polifônico, aberto, multidirecionado, a narrativa artística gera "efeitos secundários muito mais eficazes que a linguagem didática" (PERROTTI, 1986, p.63), uma vez que a narrativa utilitária apresenta um discurso unidirecional, monofônico, com relação narrador-leitor de doutrinação. No discurso utilitário, o narrador é possuidor da verdade e apresenta um mundo acabado (PERROTTI, 1986). João Carlos Marinho classificou as obras de Monteiro Lobato em três vertentes. Na primeira, estariam as obras "onde há uma história livre ou uma história livre bem acasalada com propósitos didáticos" (PERROTTI, 1986, p.64). Entre outras, estão: Reinações de Narizinho, Saci e Caçadas de Pedrinho. Na segunda vertente, estão as obras onde predomina a intenção didática, e não há literatura, tais como Aritmética da Emília, Emília no país da gramática etc (PERROTTI, 1986, p.64). Na terceira vertente, estão as histórias narradas pelo personagem Dona Benta. As histórias acontecem fora do Sítio. Entre muitas histórias estão: D. Quixote das crianças e Peter Pan (PERROTTI, 1986). Na segunda metade do século XX, graças em parte à contribuição da psicanálise, a criança passou a ser vista como um ser complexo. Os autores lançaram livros com a temática endereçada a elas, entre as quais se destacam o mundo dos animais, da fantasia e "outras questões antes excluídas, como a sexualidade, a morte e a violência. As transformações de ordem temática corresponderam a uma adaptação da língua escrita às capacidades de linguagem do público infantil" (BAJARD, 2007, p.34). A visão dos escritores para o público infantil foi ampliada. As crianças foram valorizadas e as obras adaptadas para elas. A partir da década de 1969, no Brasil, surgiram muitos escritores de obras infantis com discurso estético. Pode-se destacar Ziraldo, principais obras “Flicts” (1960), “O menino maluquinho”(1980) e “O bichinho da maça”(1982), Ana Maria Machado, primeira obra “Histórias meio ao contrário” (1977) e Ruth Rocha, com a obra “Marcelo, Marmelo, Martelo”(1976). Esses escritores publicaram mais de vinte obras literárias. Nos dias atuais, a literatura para crianças “abrange diferentes tipos de contos, entre os tradicionais e os modernos” (FARIA, 2006, p. 24). Muitos contos apresentam a nossa história, sendo importante que a criança leia, pois “constrói/estabelece o ser humano como um ser de linguagem e de cultura, para o qual todas as atividades de sobrevivência (alimentos, roupas, relacionamento com animais e plantas) adquirem dimensões imaginárias e simbólicas”. A literatura cria um mundo da imaginação e dos sonhos com um discurso polifônico. Considerações finais Por meio de uma breve história da literatura infantil foram apresentados os tipos de discursos contidos nos livros de literatura infantil desde a idade média até os dias atuais, com destaque para as obras de Monteiro Lobato, nas quais definiu a literatura brasileira. Essa reflexão mostra a importância do discurso estético nos livros de literatura infantil. Referências BAJARD, Élie. Da escuta de textos à leitura. São Paulo: Cortez, 2007. FARIA, Maria. Como usar a literatura infantil na sala de aula. São Paulo: Contexto, 2006. LAJOLO, Marisa. O que é literatura, editora brasiliense, São Paulo, 1982. ______. Descobrindo a literatura. Série saber mais, São Paulo: Átila, 2013.

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PERROTTI, Edmir. O texto sedutor na literatura infantil, São Paulo: Ícone Editora, 1986 ROCHA, Ruth. Monteiro Lobato, São Paulo: Abril Educação, 1981. SCHARF, R. F. A escola e a leitura, dissertação de Mestrado, Universidade do Sul de Santa Catarina, Tubarão, 2000. Enviado em 30/04/2016 Avaliado em 15/06/2016

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A VIOLÊNCIA EM PASSEIO NOTURNO, DE RUBEN FONSECA & O ESTRIPADOR, DE DALTON TREVISAN

Gabriela Rocha Rodrigues3 Oh! Sejamos pornográficos (docemente pornográficos). Drummond Resumo Este trabalho tem por finalidade analisar o conto Passeio Noturno – parte I, de Ruben Fonseca, e O Estripador, de Dalton Trevisan, por serem contos polêmicos e que apresentam formas opostas de praticar a violência: a violência do rico e a violência do pobre. Em ambos os contos a violência é um fator decisivo para a construção das personagens, pois através dos meios e instrumentos utilizados, além da linguagem utilizada, é que se fundamenta a perspectiva de cada narrador. Palavras-chave: Conto. Violência. Linguagem. Abstract This study aims to analyze the Passeio Noturno I, Ruben Fonseca, and O Estripador, Dalton Trevisan, being controversial tales and presenting opposing ways to practice violence: the violence of the rich and the violence of the poor. In both tales violence is a decisive factor for the construction of the characters, for through of the means and instruments, as well as the language used is underlying the perspective of each narrator. Keywords: Tale. Violence. Language. Este trabalho tem por finalidade analisar o conto O Estripador, de Dalton Trevisan e Passeio Noturno – parte I, de Ruben Fonseca, por serem contos polêmicos e que apresentam formas opostas de praticar a violência: a violência do rico e a violência do pobre. Nos contos, a linguagem da violência é fator decisivo para a construção das personagens, pois através dos meios e instrumentos utilizados por elas, é que se estrutura a perspectiva de cada narrador. De acordo com Sarah Diva da Silva Ipiranga: [...] a violência, polifônica e compulsiva, é recuperada em sua força e estilo ficcionalmente elaborada por uma prosa concisa, depurada e pulsante. O mais importante é que a violência é elemento fundante do enredo (quase todos os contos têm sua história iniciada com um ato de violência) e, principalmente, da palavra (IPIRANGA, 1997, p. 23). A violência no conto de Rubem Fonseca – Passeio Noturno I – representa a violência operada pelo rico/abastado; é o narrador-personagem que conta como, noite após noite, alivia o cansaço diário e esquece os problemas do trabalho: sai em seu carro importado, escolhe uma vítima de forma aleatória e a mata. Após, volta para casa e dorme, pois, segundo ele: “amanhã vou ter um dia terrível na companhia” (FONSECA, 2001, p.283). O conto inicia com o narrador-personagem chegando em casa carregando um amontoado de papéis do escritório; a mulher joga paciência enquanto toma uísque, a filha treina a voz e o filho 3Doutoranda

do Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Integrante do Grupo de Pesquisa Estudos Comparados de Literatura, Cultura e História. Bolsista CNPq.

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escuta música. Todos estão absortos em seus mundos, a atmosfera é de completo alheamento. A mulher ainda diz (sem olhar para o homem): “tira essa roupa, bebe um uisquinho, você precisa aprender a relaxar” (p. 283); logo adiante, a esposa vai até o escritório onde o homem gosta de ficar isolado: “Você não pára de trabalhar, aposto que os teus sócios não trabalham nem a metade e ganham a mesma coisa” (p. 283). Por meio da fala da mulher percebe-se que o homem é considerado um executivo e que está sempre nervoso, tenso. O narrador de Passeio Noturno I não possui problemas financeiros, visto que o enredo revela que a condição econômica da família é extremamente confortável: durante o jantar os filhos pedem dinheiro e possuem carros próprios, o homem tem conta conjunta com a esposa, o jantar é à francesa, o vinho é bom. O protagonista, no entanto, quer se isolar de tudo isso, pois sua carência e angústia somente serão minimizadas por meio da transgressão a esse mundo burguês, vazio e aparentemente perfeito. Até este momento do conto, o leitor não percebe o que este homem tão cansado e quieto espera. Logo começa a agir: vai até à garagem pegar o carro para dar seu passeio habitual. Os carros dos filhos atrapalham a saída e isso aumenta a aflição do homem: “Tirei os carros dos dois, botei na rua, tirei o meu, botei na rua, coloquei os dois carros novamente na garagem, fechei a porta, essas manobras todas me deixaram levemente irritado” (p. 284). A tarefa cansativa logo é compensada: “ao ver os pára-choques salientes do meu carro, o reforço especial duplo de aço cromado, senti o coração bater apressado de euforia” (p.284). As armas utilizadas em Passeio Noturno são bem diferentes das utilizadas pelos marginais menos favorecidos economicamente: o carro importado com pára-choques grandes e reforço de aço cromado, o motor poderoso, o capô aerodinâmico, são os instrumentos de luxo usados por um criminoso que comete seus crimes com perícia e requintada crueldade. O motor do carro aparece como uma personificação da personagem: ele é poderoso, mas trabalha em silêncio e escondido. Tal como o carro, o executivo que mata possui uma força interna devastadora que tem que ser contida durante o dia para ser liberada na escuridão da noite, em silêncio e impunemente. O executivo procura suas vítimas em ruas mal iluminadas. Quando não aparece “ninguém em condições” sua ansiedade aumenta, o que, para a personagem, proporciona um alívio posterior maior: Homem ou mulher? Realmente não fazia grande diferença, mas não aparecia ninguém em condições, comecei a ficar tenso, isso sempre acontecia, eu até gostava, o alívio era maior. Então vi a mulher, podia ser ela, ainda que mulher fosse menos emocionante, por ser mais fácil (FONSECA, 2001, p. 284).

Após escolher a vítima – uma mulher – os obstáculos encontrados pelo narrador para alcançá-la fazem com que seu prazer aumente ainda mais: havia árvores na calçada e ele tem que agir com grande perícia para não bater nelas – “um interessante problema a exigir uma grande dose de perícia”. O momento do crime é narrado pelo protagonista com extremo deleite: Peguei a mulher acima dos joelhos, bem no meio das duas pernas, um pouco mais sobre a esquerda, um golpe perfeito, ouvi o barulho do impacto partindo os dois ossões, dei uma guinada rápida para a esquerda, passei como um foguete rente a uma das árvores e deslizei com os pneus cantando, de volta para o asfalto (FONSECA, 2001, p. 284).

Mais uma vez observa-se que o carro personifica a personagem central da trama, desta vez, sob o aspecto sexual: “pegar a mulher acima dos joelhos, bem no meio das duas pernas”. O veículo figura como instrumento de liberação sexual transmutada em violência, desta vez por meio do ato sexual forçoso, não consentido.

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O conto termina com o narrador voltando para casa. Ainda na garagem, orgulha-se de seu feito: “Corri orgulhosamente a mão pelo pára-lamas, os pára-choques sem marca” (p.284); encontra a família vendo televisão e avisa: “Vou dormir, boa noite para todos,respondi, amanhã vou ter um dia terrível na companhia” (p.284). A última frase do conto anuncia novos assassinatos: o dia a dia moderno pode massificar as pessoas, mas, à noite, o personagem se distingue dos demais devido a uma habilidade rara, pois, segundo ele: “Poucas pessoas, no mundo inteiro, se igualavam a minha habilidade no uso daquelas máquinas” (p.284). O conto de Dalton Trevisan – O Estripador – relata um estupro; há apenas dois personagens: o tipo mal encarado e a moça que volta da igreja. A narrativa é carregada de linguagens de baixo calão, ironia e sarcasmo; o autor constrói o universo do conto expondo a violência das classes populares urbanas, sua revolta, seu mascaramento e desejos contraditórios. Segundo Douglas Tufano: Essa abordagem, por vezes, realiza-se de forma direta, numa linguagem objetiva e forte, conduzindo o leitor ao âmago das misérias do quotidiano e aos mecanismos de opressão do mundo contemporâneo (TUFANO, 1997, p.273).

O conto inicia com uma mulher voltando da igreja que frequentava e dirigindo-se ao trabalho: “No sábado, pelas cinco da tarde, a moça voltava da Igreja Adventista Filhos de Jesus. Pouco antes da casa da patroa, viu o tipo mal-encarado” (TREVISAN, p.1). A mulher tenta fugir, mas logo é alcançada pelo homem; ele encosta a faca em sua cintura e ameaça: “Nem um pio! Que eu te furo!” (p.1). A seguir começa a via-crucis dos dois: um casal passa por eles; depois, um caminhão de lixo; logo após, um ônibus se aproxima. A moça reza sem parar. Mas o homem obrigou-a a entrar no ônibus e ninguém percebe o perigo pelo qual moça está passando. Os dois descem após três paradas. O estuprador tem dificuldade de encontrar o lugar ideal para o crime: terrenos pouco habitados, casas, a luz do dia... até que localiza um barraco: “- É aqui. Tudo deserto. Noitinha. Um barraco sem ninguém”. A moça entra em desespero e pede em nome de “Jesus Cristinho”. Em vão. As armas usadas pelo estuprador: uma faca, uma arma, o próprio corpo. Pensa que teve dó, o bruto? Daí ela foi obrigada. Tanta confusão, a pobre tinha andado pra cá pra lá, sem parar. Assim cansada, onde as forças de lutar e se defender? E fez com ela o que bem quis. Fez isso. - Os dentes, não. Sem os dentes, sua... Mais isso. - Abra. Mais. Senão eu... Rasgou e rebentou. Uma brasa viva entre as pernas. Mais aquilo. - Se vire. Não. Assim. Estripou. A coitada que, virgem, se guardava para o noivo, cuja vida era de casa para a igreja e da igreja para casa. Só a deixou depois de toda ensanguentada. Foi de tal violência. Aproveitou o mais que pôde. Uma carnificina (TREVISAN, p.2).

Trevisan expõe a afirmação do homem pela sexualidade cruel, sanguinária, covarde – a violência é gratuita, sem arrependimentos. O personagem fora abandonado pela mãe e pela esposa e “Para se vingar, caçava as moças na rua. Se não fosse ela, tinha sido outra. Às vezes, atacava duas no mesmo dia” (p.2). Diana Marchi assinala que: O sexo, em Trevisan, é visto como um relacionamento desumano. Em uma versão menos idealizada, a sexualidade acaba adquirindo um sentido de negar as imagens eróticas como promotoras de delícias que nos são vendidas pela publicidade. Na sua obra, o sexo sempre tem um fundo problemático. Assim, se o sexo teve um papel transgressor nas sociedades conservadoras, ele é, agora, um dos instrumentos da

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 12 Nº29 vol. 02 – 2016 ISSN 1809-3264 Página 11 de 126 publicidade de um sistema fundado na comercialização, no consumo, reduzido a uma função publicitária de incentivo ao consumo. O indivíduo é substituível, desvalorizado, não é mais imprescindível (MARCHI, 2003, p.84).

Com a chegada da noite, a mulher ouve um casal passando pela rua e pensa em gritar, mas: O bandido adivinhou na hora: - Nem pense nisso! E espetando a maldita faca no peito nu: - Quer ver sangue? Sem ela esperar, começou tudo outra vez. O tipo se serviu bem direitinho. Ainda mais ferida e machucada (TREVISAN, p.2).

Um carro para adiante na rua e o homem fica preocupado. Já vestidos, pede que mulher leia o Salmo 130, mas foi tal o espanto da moça que “Ele então buscou a sua no bolso, pequena assim. Ao clarão da lua, movia os lábios, sem palavras – estava lendo ou sabia-o de cor?” (p.2). A questão da religiosidade permeia todo o conto. As personagens são religiosas: ela, adventista; ele, evangélico. A atmosfera de religiosidade entrelaçada à violência chega a causar vertigens, mas no mundo ficcional de Trevisan não há espaço para pudores e modéstias, sejam eles falsos ou verdadeiros. Quanto a esse aspecto, Marchi explana que a literatura de Trevisan é: [...] é problematizadora e problematizante, uma vez que nada lhe escapa, inclusive a dissecação do seu próprio discurso. A preocupação é a de desmascarar o que se encobre sob o nome de uma moral preconceituosa e de valores arbitrários, abrindo as chagas que permaneciam silenciadas, num realismo cruel, que toca em pontos nevrálgicos da sociedade brasileira falocrática (MARCHI, 2003, p.92).

Assim, a mulher é condenada no tribunal hipócrita de todos que a rodeiam: não é poupada pelo estuprador, afinal, “todas as mulheres são vagabundas” (p.2). Também não é absolvida pela patroa, que a demite; menos ainda pelo noivo, que “sumiu”, ferido em seu orgulho machista, também ele um covarde. Está estigmatizada para sempre, como se ela mesma tivesse provocado o estupro. O final do conto expõe a tortura particular da moça: E como evitar a hora fatídica das cinco da tarde? Que se repete, sem falta. O dia inteiro são sempre cinco da tarde. Cinco horas paradas no seu reloginho de pulso. Os ferimentos cicatrizaram, é verdade. Mas nunca ficou boa. E nunca mais foi a mesma (TREVISAN, p.2).

Desesperança? Humilhação? Amargura? Desejo? Loucura? Stael Moura da Paixão Ferreira explica que os contos de Trevisan expõem a solidão humana em todos os seus matizes, onde apenas há espaço para frustração e desalento: Envoltos na tensão permanente do amor e do sexo, os protagonistas de Dalton Trevisan saem freqüentemente destroçados. Nesse momento, o leitor começa a perceber que o tema fundamental dos contos não é propriamente o embate entre homens e mulheres, mas a grande solidão e a perda. Dores infindas. Algozes ou vítimas dos crimes da paixão, todos, ou quase todos, terminam presos a um círculo de infelicidade. (...) No fundo dos relatos de Dalton Trevisan, emerge a concepção do absurdo da existência e, enfim, fecha-se o ciclo (FERREIRA, 2010, p.9).

O Salmo 130 diz: “Das profundezas a ti clamo, ó Senhor. Senhor, escuta a minha voz; sejam os teus ouvidos atentos à voz das minhas súplicas”. Trevisan, ao longo de todo o conto, parece expor que a fé é um ato de ignorância diante da ferocidade dos atos humanos; para o autor, fé alguma salva o homem de sua própria brutalidade e degradação.

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Considerações Finais Nos contos Passeio Noturno I, de Rubem Fonseca, e O Estripador, de Dalton Trevisan, a cidade é o palco onde se desenrola a violência em suas diferentes faces: a que é praticada pelo mais favorecido na escala social e a violência praticada pelo menos favorecido. Em um primeiro momento, a violência surge como resposta a um obstáculo, válvula de escape às frustrações ou via para purgar recalques inconscientes. No entanto, ao longo da narrativa, cresce em força semântica para o insólito (e horror) dos crimes. Os autores expõem o descrédito em relação às instituições tradicionais – igrejas e empresas – que outrora figuravam como alicerces da sociedade, e também escancaram a vulnerabilidade das crenças e a suposta segurança apregoada nas esferas do público e do privado. Assim, a literatura de Rubem Fonseca e Dalton Trevisan acusa – sem piedade e meias palavras – a decadência moral que impera no país, reflexo da extrema desigualdade que fundamenta a nação brasileira. Deste modo, o discurso literário que utiliza a linguagem da violência revela-se como crítica feroz à hipocrisia dos papeis sociais e à degradação das relações humanas, que configuram as misérias que assolam o mundo contemporâneo. Referências bibliográficas FERREIRA, Stael Moura da Paixão. Uma leitura dos contos de Dalton Trevisan: sexualidade, ironia, conflitos e desastres amorosos. Revista Interletras (Dourados), v.2, p.01-12, 2010. FONSECA, Rubem. Passeio noturno – Parte 1(p. 283). In: MORICONI, Italo (organizador). Os cem melhores contos brasileiros do século. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001. IPIRANGA, Sarah Diva da Silva. O mal da língua: a violência como linguagem nos contos de Rubem Fonseca. Belo Horizonte: FALE/UFMG, 1997. (Dissertação de mestrado). MARCHI, Diana. Dalton Trevisan – Ah, é? In: Ciências e Letras – Momentos do conto brasileiro. Nº34, Porto Alegre, 2003. SOUZA, Valmir de. Violência e Resistência na Literatura Brasileira. In: Os sentidos da violência na literatura. São Paulo: LCTE Editora, 2007. TREVISAN, Dalton. 33 contos escolhidos. São Paulo: Record, 2005. TUFANO, Douglas. Estudos de Literatura Brasileira. São Paulo: Moderna, 1997. Enviado em 30/04/2016 Avaliado em 15/06/2016

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A SALA DE RECURSOS MULTIFUNCIONAIS NA EDUCAÇÃO PÚBLICA ESTADUAL DO RIO GRANDE DO SUL: PARTICULARIDADES DO FUNCIONAMENTO DAS SALAS DE RECURSOS MULTIFUNCIONAIS DA 27ª COORDENADORIA REGIONAL DE EDUCAÇÃO Gustavo Gonçalves dos Santos Especialista em Educação Psicomotora: Psicomotricidade Relacional - UNILASALLE Graduado em Educação Física – Licenciatura Plena Universidade do Vale do Rio dos Sinos, UNISINOS Paulo Fernando Mesquita Junior Mestre em Educação – UFSC Especialista em Metodologia e pesquisa em Educação Física - FIA/SP Licenciado em Educação Física – UNISINOS Resumo O presente artigo é resultado de uma pesquisa aplicada, a partir de um levantamento das informações pertinentes nas atuais Salas de Recursos Multifuncionais (SRM) em funcionamento da 27ª Coordenadoria Regional de Educação do Estado do Rio Grande do Sul. Iniciamos com uma breve conceptualização sobre a definição de sala de recursos multifuncionais. Após situarmos as SRM em funcionamento, debatemos o perfil dos profissionais que nelas atuam, bem como dos alunos atendidos. Por fim, discutimos o desenvolvimento do trabalho realizado nestas salas. Palavras-Chave: Sala de Recursos Multifuncionais. Educação Especial. Inclusão. Abstract This article is the result of an applied research, from a survey of relevant information on current Multifunction Resource Rooms in place of the 27th Regional Coordination of the Rio Grande do Sul State Education. We begin with a brief conceptualization on the definition of multifunctional resource room. After situating the Multifunction Resource Rooms in place, we will discuss the profile of professionals who work in them and the students served. Finally, we will discuss the development of the work of these rooms. Key Words: Multifunction Resource Room. Special education. Inclusion. Introdução A questão da educação inclusiva sempre foi um tema polêmico de se discutir no nosso país. Seja dentro das Universidades ou no próprio âmbito da Escola, encontramos diferentes formas de ver a situação, bem como muitas propostas conflitantes entre si de como trabalhar com os alunos com necessidades educacionais especiais (NEE). Segundo Sassaki (1997), a Educação Inclusiva passou por 4 (quatro) fases distintas: exclusão, segregação/separação, integração e inclusão. Dentre as diversas ideias de como e onde trabalhar com os alunos com NEE, desde a exclusão destes de nossa sociedade até as Escolas de Educação Especial, APAEs, entre outras, surgiu a concepção de Sala de Recursos Multifuncionais, também conhecidas pela sigla SRM. “Local com equipamentos, materiais e recursos pedagógicos específicos à natureza das necessidades especiais do alunado, onde se oferece a complementação do atendimento educacional realizado em classes do ensino comum. O aluno deve ser atendido individualmente ou em pequenos grupos, por professor especializado e em horário diferente do que frequenta no ensino regular” (MEC, 1994).

Atualmente (Novembro/14), a 27ª CRE possui 13 salas de recursos em funcionamento. É sobre essas salas que vamos falar nas próximas páginas. Como funcionam? Quem são os

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profissionais que trabalham nelas? Qual o perfil dos alunos que ela atende? A SRM contribui para o sucesso e a permanência escolar deste educando? Como ocorre a relação entre o professor responsável pela sala de recursos e o professor docente, aquele que trabalha diretamente e diariamente com estes alunos? Que pensam a respeito de seu trabalho os profissionais responsáveis pelas salas de recursos? Quais as expectativas e dificuldades? Para respondermos a estas questões e assim traçarmos o retrato contemporâneo destas salas de recursos, aplicamos um questionário a 07 dos professores (A, B, C, D, E, F, G) responsáveis por este atendimento. Também entrevistamos as 02 Assessoras Pedagógicas (Y, Z) da 27ª CRE, que têm como função gerenciar, orientar e dar suporte técnico/pedagógico a esses professores. Sala de recursos da 27ª Coordenadoria Regional de Educação do Estado do Rio Grande do Sul A Secretaria da Educação do Estado do Rio Grande do Sul (SEDUC/RS), a título de organização, divide o Estado em Coordenadorias, estas responsáveis em administrar o Ensino Público Estadual nas cidades sob sua tutela. A 27ª CRE atende 05 Municípios: Canoas, Esteio, Sapucaia do Sul, Nova Santa Rita e Triunfo, totalizando 79 Escolas Estaduais, com aproximadamente 38.968 alunos (CENSO 2014). Conforme já citado, hoje há 13 salas de recursos em funcionamento, sendo que 09 delas em Canoas, 01 em Esteio, 02 em Sapucaia do Sul e 01 em Triunfo. Não há salas de recursos em Nova Santa Rita. Perfil do Profissional Para conseguirmos visualizar as peculiaridades destas salas de recursos multifuncionais, precisamos inicialmente saber quem são os profissionais que atuam nelas, bem como sua capacitação e experiência no assunto. Os profissionais que atuam como responsáveis das SRM da 27ª CRE são do gênero feminino, tendo a média de idade de 45,5 anos. Estas professoras têm em média 06 anos de trabalho no contexto em questão. Todas são, conforme legislação vigente, aptas para desenvolver este trabalho. Em nível superior (graduação), encontramos formadas em Pedagogia Educação Especial - Ênfase em Deficiência Mental, Atendimento Educacional Especial (AEE); Pedagogia Educação Especial, AEE Altas Habilidades e Habilidade Deficiência Mental. Já com pós-graduação (especialização) há professoras com curso de Educação Especial e Inclusiva, Transtornos Invasivos de Desenvolvimento – Autismo, Psicopedagogia Clínica e Institucional, Estudos Adicionais em Deficiência Intelectual, Educação Especial e Inclusão na Escola, Capacitação para Alunos Deficientes Visuais e Extensão AEE – Sala de Recursos Multifuncional. Perfil do Educando Atualmente atende-se 80 crianças e adolescentes nas Salas de Recursos pesquisadas da 27ª CRE, compreendendo idades que variam entre 07 e 19 anos. Ao questionar quais as dificuldades/características que justifiquem o atendimento desses educandos nas salas de recurso, podemos dividir estes alunos em dois grupos.

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O primeiro grupo compreende aqueles que já possuem diagnóstico/laudo que o encaminham para este atendimento. Encontramos alunos com as Síndromes de Silver/Russel, Síndrome de Down, Síndrome de Tourette, Distúrbio Desafiador de Oposição, Distúrbio de Atividade e Atenção, Transtorno Afetivo Bipolar, Transtorno Hipercinéticos, Transtorno Hipercinético Não Especificado, Retardo Mental Leve e Grave, Deficiência Auditiva, Epilepsia,Tiques Vocais e Motores Múltiplos Combinados, Altas Habilidades, Autismo, Deficiência Intelectual, Esquizofrenia, Paralisia Cerebral, Deformidade Adquirida Não Especificada e Mielomeningocele. No segundo grupo estão os educandos sem laudo, que estão em avaliação. As características apresentadas por estes são dificuldade de relacionamento com colegas, não compreensão do que lê, não conseguir escrever e realizar cálculos básicos. Relacionamento Profissional entre Responsáveis da Sala de Recursos e Professores Regentes A metodologia de trabalho compreendida numa sala de recursos prevê suporte/orientação do professor responsável por esta ao professor de ensino regular, que atende esse educando no dia a dia da escola. Deverá acontecer uma troca de informações e combinações, visando sempre a qualificação do atendimento dessa criança, tanto na sala de recursos como no horário de atendimento regular da escola. É sempre bom salientar a importância da articulação do trabalho do professor do ensino regular e do professor do AEE, tendo em vista que trabalham com o mesmo aluno (...) a importância da articulação entre o professor do ensino regular e do atendimento educacional especiali-zado, uma vez que o professor do AEE, além de trabalhar com o aluno na sala de recursos, dará o apoio necessário ao professor do ensino regular que possui em sua sala um aluno incluído. (SILLUK, 2001 p. 39-40)

De certa forma, é praticamente impossível tentar traçar um retrato do funcionamento das salas de recursos sem abordar esse relacionamento entre o professor AEE e o regente de classe, tanto que essa articulação entre estes profissionais está descrita como uma “função do professor de educação especial atuante em sala de recursos multifuncionais” (MENDES, 2006). Em relação ao atendimento ao educando, o mesmo é atendido em um turno na escola regular e em um horário diferente do ensino regular é atendido, individualmente e/ou em pequenos grupos, na SRM. É atributo do professor desta sala orientar, ajudar, sugerir atividades para serem realizadas por este aluno, dentro do horário de ensino regular. Ao questionarmos como os professores das salas de recursos classificariam esse relacionamento profissional, a conclusão é que tal relação possui aspectos positivos, por exemplo, a execução de partes do planejamento elaborado em conjunto, contudo é preciso avançar. Além das Expectativas Iniciais Frente ao Trabalho na Sala de Recursos Ao questionarmos sobre quais eram as expectativas ao iniciarem seus trabalhos como professor responsável pela SRM, percebemos perspectivas positivas, sendo que o início desta nova etapa profissional em suas vidas também gerou em alguns casos um “misto de ansiedade e nervosismo” (Professora D). Também notamos que à questão da integração da família do NEE com os professores da SRM, gerou sentidos/significados além do previsto. Alguns entrevistados manifestaram que sua expectativa inicial era trabalhar apenas com o aluno e auxiliar a professora de sala, não tinham claro que nas orientações para a institucionalização da oferta do atendimento educacional especializado nas salas de recursos multifuncionais implantadas nas escolas regulares, está previsto o atendimento e orientação a estas famílias.

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 12 Nº29 vol. 02 – 2016 ISSN 1809-3264 Página 16 de 126 ...orientar os demais professores e as famílias sobre os recursos pedagógicos e de acessibilidade utilizados pelo aluno de forma a ampliar suas habilidades, promovendo sua autonomia e participação. (BRASIL, 2010) “Acreditava inicialmente que o trabalho atenderia somente os alunos de inclusão, mas percebi que seriam necessárias muitas construções para que possamos realmente beneficiar o aluno”. (Professora B)

Importância da Sala de Recursos para a permanência, inclusão e sucesso escolar A penúltima questão que abordamos em nosso questionário foi sobre a importância das SRM para sucesso escolar e permanência dos alunos com NEE. Todas as professoras entrevistadas, assim como as assessoras pedagógicas da 27ª CRE, atribuíram à SRM vital importância para o sucesso e permanência escolar. Termos como “extrema importância”, “pedra base de sustentabilidade do educando” e “impossível de mensurar como é importante” (Professoras A, D e G) apareceram no questionário. Ao justificar os motivos dessa importância, palavras como “olhar diferenciado”, “atendimento especializado” e “respeito à individualidade do aluno” (Professoras B, D e F) foram destacados. A sala de recursos tem um olhar diferenciado sobre o aluno, traz sempre aspectos positivos respectivos a aprendizagem e avaliação, melhorando a autoestima do aluno. (Professora F)

Esta opinião é compartilhada pelas assessoras pedagógicas da 27ª CRE. ...o sucesso escolar dos alunos está atrelado ao Atendimento Educacional Especializado, pois além do professor do AEE interagir com o professor do ensino comum, ferramentas são disponibilizadas e materiais didáticos são adaptados para que o aluno adquira maior desenvolvimento nas áreas em que encontra dificuldades. (Assessora Y).

Ao avaliar a importância da SRM para o sucesso e permanência dos alunos, a participação da família envolvida com a proposta, também apareceu com destaque. A professora E destaca que a sala de recursos “só funciona com o comprometimento da família, do corpo escolar e com o conhecimento do professor”. ...confirma-se a importância de estabelecer um bom relacionamento com os familiares das crianças atendidas, pois, quando este existe, o desenvolvimento ocorre de maneira mais efetiva e não se restringe apenas à sala de aula. Salienta-se a necessidade de que a família esteja mais presente na escola, informando-lhe não apenas as dificuldades de seus filhos, mas os avanços que alcançam. Até mesmo para que a família dê continuidade e participe de todo o processo de estimulação que é oferecido à criança.” (CIA e RODRIGUES,2014, p.19)

Por fim, destacamos a opinião da Professora B, que aponta que “sem as salas de recursos não ocorreria a inclusão na escola” Dificuldades Encontradas no Desenvolvimento das Atividades na Sala de Recursos Ao questionarmos sobre as dificuldades encontradas para o desenvolvimento do trabalho nas SRM, chamou-nos atenção o destaque dado à questão do atendimento complementar prestado pela área de saúde.

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Entende se por este atendimento complementar o trabalho realizado por profissionais de saúde, como psicólogos, psiquiatras, neurologistas, fonoaudiólogos e demais especialidades que atendem sistematicamente estas crianças e adolescentes. Termos como “lentidão nos atendimentos clínicos públicos” e “demora no atendimento de especialistas em rede pública” (Professoras E, G) são apontados como um grande obstáculo a ser superado. Foi relatada a demora de 08 meses, num determinado caso, para o atendimento de um aluno por um neurologista (Professora A). Também apareceu em alguns depoimentos a questão da resistência da família perante o entendimento da importância desse atendimento complementar. Segundo a Professora D a “aceitação da família em procurar apoio nas redes de ajuda” é um empecilho para sua prática nas SRM. Por fim, destacamos a questão da falta de capacitação profissional por parte dos professores regentes de classe do ensino regular ter sida apontada pelas pesquisadas como uma dificuldade no desenvolvimento do trabalho delas nas salas de recurso. A “falta de conhecimento na área de deficiência mental e intelectual pelos professores” (Professora C) atrapalha na hora do planejamento e na execução da orientação do professor de SRM. A professora G é mais enfática ao afirmar que “não há conhecedores, e sim palpiteiros”. Essa falta de diálogo, debate e troca de ideias, pela falta de capacitação básica dos profissionais do ensino regular nesta área específica, faz que o professor de SRM sinta-se isolado profissionalmente na escola, conforme relata a Professora F: “é um trabalho que deveria ser em grupo, mas ainda é solitário”. Ainda em relação a esta questão, as assessoras pedagógicas da 27ª CRE destacam que a falta de profissionais capacitados também para atuar nas salas de recursos multifuncionais é um empecilho para a incorporação de mais destes espaços pedagógicos dentro das escolas. A maior dificuldade é encontrar professores com habilitação para trabalhar nas nossas salas. (Assessora Y). As maiores dificuldades que enfrentamos em relação às salas de recursos ainda é a falta de profissional para que possamos implementar mais espaços especializados. (Assessora Z).

Considerações finais Através da atual política da inclusão de crianças e adolescentes com necessidades educacionais especiais no ensino regular, o Estado do Rio Grande do Sul tem implementado salas de recursos multifuncionais em algumas escolas de sua rede. Observamos um bom atendimento por parte das salas de recurso pesquisadas aos alunos, professores, familiares e comunidade envolvida no processo. O fato de a 27ª CRE possuir duas assessoras pedagógicas com formação para trabalhar com SRM, servindo como suporte técnico/pedagógico às professoras lotadas nestas salas já demonstra um olhar diferenciado desta coordenadoria para a necessidade de haver profissionais de capacidade técnica, não política, envolvidas no cotidiano deste trabalho. Mesmo havendo apoio por parte do poder público para a inclusão desse espaço dentro das escolas ainda há dificuldades a serem superadas por todos envolvidos no trabalho. Através da pesquisa realizada, percebemos que a falta de preparo teórico/prático por parte dos professores regentes da classe regular em relação aos alunos com necessidades educacionais especiais, a morosidade para o atendimento público dos profissionais da área da saúde que servem de atendimento complementar aos alunos com NEE e a aceitação por parte da família da importância desse atendimento são os principais obstáculos a serem superados atualmente.

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Há ainda um longo caminho a percorrer na educação para conseguirmos atender as demandas dos alunos com NEE. Acreditamos que conhecer os contratempos encontrados no cotidiano destes, de seus professores e familiares, tanto na sala de ensino regular como na sala de recurso multifuncional, seja um dos passos em direção a uma educação plena, libertadora e inclusiva. Referências BRASIL. Ministério da Educação. Nota Técnica SEESP/GAB n. 11/2010 de 7 de maio de 2010. Apresenta orientações para a institucionalização da Oferta do Atendimento Educacional Especializado (AEE) em Salas de Recursos Multifuncionais, implantadas nas escolas regulares. Brasília, 2010. CIA, Fabiana; RODRIGUES, Roberta Karoline Gonçalves. Ações do Professor da Sala de Recursos Multifuncionais com os professores das salas comuns, profissionais e familiares de crianças pré-escolares incluídas. Revista Práxis Educacional, Volume 10, número 16, páginas 81103, Vitória da Conquista, Jan/Jun de 2014. MENDES, E.G. A radicalização do debate sobre inclusão escolar no Brasil. Revista Brasileira de Educação, Campinas, v. 11, n. 33, p. 387-405, 2006. Política Nacional de Educação Especial: Livro 1/MEC/SEESP – Brasília, a Secretaria, 1994. 66f. SASSAKI, Romeu Kazumi. Inclusão: Construindo uma Sociedade para Todos. 3. Edição. Rio de Janeiro: WVA, 1997. Secretaria de Educação do Estado do Rio Grande do Sul: CENSO ESCOLAR 2014 (No prelo) Estará disponível Em: http://www.seduc.rs.gov.br/ SILUK, Ana Cláudia Pavão et ali: Formação de Professores para o Atendimento Educacional Especializado. Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, 2011. 349p. Enviado em 30/04/2016 Avaliado em 15/06/2016

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A PRÁTICA PEDAGÓGICA DE PROFESSORES DE EDUCAÇÃO FÍSICA NA EDUCAÇÃO BÁSICA: OS SEUS DILEMAS E SUA GESTÃO Hugo Norberto Krug4 Victor Julierme Santos da Conceição5 Marilia de Rosso Krug6 Cassiano Telles7 Rodrigo Rosso Krug8 Patric Paludett Flores9 Resumo O estudo objetivou abordar os dilemas que os professores de Educação Física (EF) da Educação Básica (EB) enfrentam na prática pedagógica e como pode ser a sua gestão. Caracterizamos a pesquisa como qualitativa com enfoque bibliográfico tendo como interpretação das informações uma análise documental. Pela análise das informações obtidas na literatura especializada sobre os dilemas na prática pedagógica de professores de EF da EB e sua gestão nos impele a concluir o seguinte: 1) a existência de vários dilemas que se classificam em dois tipos: os ligados à fatores externos e os ligados à fatores internos à ação pedagógica docente. Estes dificultam e/ou impedem que o professor atinja o sucesso pedagógico; e, 2) a gestão pressupõe dois tipos de enfrentamento dos dilemas: tentar a superação ou adotar uma posição de submissão diante dos mesmos. Para a superação dos dilemas é necessário o professor aprender a refletir sobre a sua própria prática pedagógica. Palavras-chave: Educação Física Escolar. Prática Pedagógica. Dilemas. Abstract The study aimed to approachs the dilemmas that physical education (PE) teacher of Basic Education (BE) face in teaching practice and as can be its manage. Characterized the research as qualitative witch foccus bibliographic having as interpretation of the information a document analysis. By analysis of information obtained in especialized terature about the dilemmas in the pedagogical practice of PE teachers of BE and its management us impels to conclude the following: 1) the existence of several dilemmas that if classified into two types: the linked the external factors and the linked the internal factors the teaching pedagogical action. These dificult and/or prevents that teacher reaches the pedagogical success; and, 2) the management requires two types of coping of dilemmas: try the overcoming or adopting a position of submission in front of them. For the overcoming of dilemmas its necessary the teacher to learn about the yourself pedagogical practice. Keywords: Physical Education. Teaching Practice. Dilemmas. As considerações introdutórias Segundo Nóvoa (1995) a tarefa básica do professor é ensinar. Assim, de acordo com Luft (2000), ensinar significa instruir sobre, lecionar, oferecer condições para que alguém aprenda. Já Tardif (2005, p.31) coloca que: “[...] ensinar é trabalhar com seres humanos, sobre seres humanos, para seres humanos. Esta impregnação do trabalho pelo ‘objeto humano’ merece ser problematizada por estar no centro do trabalho docente”.

Doutor em Educação; Professor da UFSM; [email protected]. Doutor em Ciências do Movimento Humano; Professor da UFSC; [email protected]. 6 Doutora em Educação nas Ciências: Química da Vida e Saúde; Professora da UNICRUZ; [email protected]. 7 Doutorando em Educação pela UFSM; [email protected]. 8 Doutorando em Ciências Médicas pela UFSC; Professor da UNICRUZ; [email protected]. 9 Doutorando em Educação Física pela UEM; [email protected]. 4 5

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Libâneo (1994) define o processo de ensino como uma ação conjunta do professor e dos alunos, em que o professor dirige as atividades em função da aprendizagem dos alunos, sendo a aula uma situação didática básica específica, na qual objetivos, conteúdos, métodos e avaliações se combinam visando, fundamentalmente, propiciar a assimilação ativa dos conhecimentos e habilidades pelos alunos. Carreiro da Costa (1988) destaca que a aula representa a unidade pedagógica e organizativa básica essencial ao processo de ensino. Portanto, para Cunha (1992), estudar o que acontece na aula é tarefa daqueles que se encontram envolvidos e comprometidos com uma prática pedagógica competente. Já Conceição et al. (2004) afirmam que o estudo sobre as práticas pedagógicas dos professores pode significar importantes veios para a formação profissional, tanto inicial quanto continuada. Entretanto, Carreiro da Costa (1988) aponta que a prática pedagógica é um problema central na ação educativa que não deve ser realizada em si, mas como expressão de um longo processo que materializa as várias opções tomadas pelo docente durante a organização do ensino. Nesse sentido, Cunha (1992) diz que a prática pedagógica é o cotidiano do professor na preparação e execução do ensino. Assim, embasando-nos nestas premissas descritas e com olhares exclusivamente para a Educação Física (EF), formulamos a seguinte questão problemática norteadora do estudo: quais são os dilemas que os professores de EF da Educação Básica (EB) enfrentam na prática pedagógica e como pode ser a sua gestão? Dessa forma, o objetivo geral foi abordar os dilemas que os professores de EF da EB enfrentam na prática pedagógica e como pode ser a sua gestão. A argumentação sobre a importância do acontecimento deste estudo embasou-se na justificativa de que as informações colhidas poderão possibilitar uma reflexão sobre a Educação Física Escolar, a partir dos dilemas e sua gestão na prática pedagógica dos professores, buscando, assim, uma melhoria do ensino desta disciplina. Os procedimentos metodológicos Caracterizamos esta pesquisa como de abordagem qualitativa com enfoque bibliográfico. Segundo Triviños (1987) a pesquisa qualitativa pretende compreender uma realidade complexa, seus desejos, crenças e interesses, isto é, os acontecimentos que nela se sucedem, os quais precisam ser compreendidos como parte do todo. Então, a partir dos pressupostos da pesquisa qualitativa realizamos uma pesquisa bibliográfica que, conforme Gil (2002, p.44), “é desenvolvida com base em material já elaborado, constituído principalmente de livros, artigos científicos, periódicos e [...] com materiais disponibilizados na internet” que tratam de um determinado assunto. Já Ferrari (1982), destaca que a pesquisa bibliográfica permitirá ao investigador uma visão geral das contribuições científicas de outros pesquisadores sobre determinado assunto, não permitindo que o rumo de uma pesquisa seja semelhante à outra. Assim sendo, no primeiro momento, realizamos um levantamento sobre a literatura que aborda a prática pedagógica de professores em geral, mas principalmente de EF. No segundo momento, fizemos leituras sobre o tema proposto. No terceiro momento, desenvolvemos o presente texto, a partir das reflexões sobre as obras encontradas e estudadas. Dessa forma, utilizamos à análise de documentos. Os resultados e as discussões Os dilemas enfrentados na prática pedagógica dos professores de EF da EB Para Lourencetti e Silva (1996) a prática pedagógica dos professores de EF é carregada de dilemas. Mas, o que é um dilema? Dilema significa uma situação embaraçosa com soluções difíceis (LUFT, 2000). Nesse estudo, dilemas são os problemas/as dificuldades encontradas na prática pedagógica dos professores de EF.

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Ao analisarmos diversas obras sobre esta temática constatamos que alguns autores (KRUG; BELTRAME; MENEZES FILHO, 1998; 2001; MARQUES; KRUG, 2009; KRUG; KRUG; ILHA, 2013) classificam os dilemas na prática pedagógica de professores de EF da EB em dois tipos: 1) os ligados aos fatores externos à ação pedagógica; e, 2) os ligados aos fatores internos à ação pedagógica dos mesmos. De acordo com Krug; Beltrame e Menezes Filho (1998; 2001) e Marques e Krug (2009) os principais dilemas ligados aos fatores externos à prática pedagógica de professores de EF da EB são os seguintes: 1) a falta de condições de trabalho (a falta de espaço físico para as aulas; a falta de materiais para as aulas; o salário baixo; o número excessivo de alunos nas turmas; a enorme quantidade de turmas à atender; a enorme carga horária frente aos alunos; a falta de tempo para o planejamento; a falta de tempo para a qualificação profissional desejada e necessária); 2) as intempéries do tempo; 3) a interferência de pessoas estranhas nas aulas; 4) a falta de acompanhamento da família do aluno; 5) o desajustamento dos programas a serem seguidos; 6) os diferentes papéis/funções exigidos ao professor pelas mudanças sociais; 7) a indisciplina dos alunos; 8) a falta de interesse dos alunos pelas atividades propostas; 9) a resistência dos alunos às atividades propostas, pois somente querem jogo/esporte; 10) a infrequência dos alunos; 11) os alunos hiperativos; 12) os alunos inclusos; e, 14) a atitude de passividade e/ou não colaboração dos colegas professores. Assim, neste rol de quatorze (14) dilemas ligados aos fatores externos à prática pedagógica dos professores, enumerados pela literatura especializada em EF, verificamos que os mesmos são de seis tipos: a) os relacionados ao governo (1; 5 e 6); b) os relacionados à natureza (2); c) os relacionados às pessoas estranhas (3); d) os relacionados à família (4); e) os relacionados aos alunos (7; 8; 9; 10; 11; 12 e 13); e, f) os relacionados aos colegas de profissão (14). Também conforme Krug; Beltrame e Menezes Filho (1998; 2001) e Marques e Krug (2009) os principais dilemas ligados aos fatores relacionados à prática pedagógica dos professores de EF da EB são os seguintes: 1) o choque com a realidade escolar; 2) a falta de controle/domínio da turma de alunos; 3) a falta de conhecimentos sobre o conteúdo a ser ministrado; 4) a dificuldade na elaboração do planejamento de ensino; 5) a insegurança na docência; 6) a dificuldade em ministrar aulas com alunos de ambos os sexos; 7) a falta de planejamento de ensino; e, 8) a dificuldade em trabalhar com alunos em diferentes níveis de aprendizagem. Assim, neste rol de oito (8) dilemas ligados aos fatores relacionados à prática pedagógica dos professores, enumerados pela literatura especializada em EF, verificamos que os mesmos são de quatro (4) tipos: a) os relacionados ao contexto da aula (1); b) os relacionados à direção, organização e execução da aula – gestão de classe (2; 5; 6 e 8); c) os relacionados aos conhecimentos específicos da EF (3); e, d) os relacionados ao planejamento de ensino (4 e 7). Ao analisarmos este quadro dos dilemas constatamos que a maioria (14) dos mesmos estão ligados aos fatores externos e a minoria (8) estão ligados aos fatores internos à prática pedagógica dos professores de EF da EB. Esse fato está em concordância com os estudos de Krug; Beltrame e Menezes Filho (1998; 2001). Convém destacar que os professores de EF da EB não têm atuação sobre os dilemas externos, somente aos internos à sua ação pedagógica. Neste sentido, mencionamos Marques et al. (2015) que destacam que os dilemas da prática pedagógica dificultam e/ou impedem que o professor atinja o sucesso pedagógico em sua atuação. Essa situação, segundo Giesta (1996), gera insatisfação e falta de entusiasmo pelo trabalho, pois aparentemente o professor nada pode fazer para enfrentá-los, contribuindo no aprofundamento de uma crise de identidade profissional. A partir disso, nos reportamos a Krug; Krug e Ilha (2013) que questionam: mas, então, como resolvê-los? O que fazer? Como enfrentá-los? Para responder essas questões, estaremos nos reportando à gestão dos dilemas.

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A gestão dos dilemas enfrentados na prática pedagógica dos professores de EF da EB

Segundo Gimeno Sacristán (1998) o professor é um gestor de dilemas. Giesta (1996) diz que os problemas enfrentados pelos professores em suas aulas, constituem questões a serem resolvidas numa ação conjunta e cooperativa que analise o contexto em que ocorrem visando o aperfeiçoamento do processo ensino e aprendizagem e a valorização da profissão. Já Lourencetti e Silva (1996) apontam para a importância do professor encarar seus dilemas tendo como base a indagação e a reflexão para poder repensar o seu saber, buscando a mudança para o seu fazer. Assim, considerando estas colocações, Krug; Krug e Ilha (2013) concluem que para enfrentar, resolver ou amenizar os dilemas da prática pedagógica os professores devem refletir sobre suas ações. Segundo Krug (1996) ao refletirmos sobre a prática pedagógica estamos aprendendo a melhorá-la, já que ao identificarmos os dilemas surgidos podemos repensar nossas ações, pois, para Furter (1985), a reflexão é um esforço de auto-crítica que permite desfazer-se, tanto das dúvidas, quanto das falsas justificativas e representações. É ainda, crítica, porque dá segurança na escolha das opções, tendo como resultado, maiores possibilidades de realizações. Já Pérez Gómez (1992) destaca que o êxito profissional do professor depende da sua capacidade para manejar a complexidade e resolver problemas práticos (dilemas). Mas é Gimeno Sacristán (1998) quem mostra com clareza os tipos de enfrentamentos possíveis dos dilemas: driblar os limites impostos ou adotar uma posição de submissão diante das situações. E esses dois tipos de enfrentamento dos dilemas realmente foram constatados no estudo de Krug; Krug e Ilha (2013), intitulado “Professores iniciantes de Educação Física Escolar: os seus dilemas e sua gestão”, quando verificaram existência de vários dilemas na prática pedagógica dos professores estudados e que os mesmos os enfrentaram de duas maneiras: a maioria ficou submissa diante dos dilemas e a minoria enfrentou os dilemas. Segundo Krug; Krug e Ilha (2013) os professores de EF da EB na posição de submissão diante dos dilemas da prática pedagógica mostram as seguintes características: a) demonstram uma falta de preparação para o exercício profissional; b) possuem dificuldade ou falta de reflexão sobre a própria prática pedagógica; c) demonstram insegurança na função docente principalmente sobre como proceder diante dos dilemas; d) desenvolvem um processo de acomodação profissional, pois ignoram os próprios dilemas apresentando uma forte tendência à submissão frente aos dilemas, mantendo uma postura de imobilização e/ou paralização diante dos mesmos, o que pode levar ao absenteísmo ou ao abandono da carreira docente. Estes mesmos autores colocam que os professores de EF da EB que procuram driblar os limites impostos pelos dilemas são aqueles que possuem uma principal característica: costumam refletir sobre as suas ações, o que origina uma motivação profissional que detona um processo de aprender a enfrentar os dilemas, pois aceitam os conflitos da prática como desafios a serem vencidos, provocando uma atitude de tentativa de superação dos mesmos. Entretanto, estes autores ainda destacam que, na atitude de tentativa de superação dos dilemas, as opções e/ou alternativas de solução para os dilemas, podem se mostrar, às vezes, mais adequadas e, outras vezes, menos adequadas à situação. Sobre esse fato Mizukami et al. (1998, p.507) salientam que: [...] não se considerando a reflexão como um julgamento sábio, admite-se que a experiência pode conduzir a lições erradas; o professor pode chegar a falsas conclusões a partir de uma experiência nova e, conseqüentemente, alterar seu conhecimento sobre seu trabalho de uma forma equivocada.

Para Krug: Krug e Ilha (2013) as diferentes opções e/ou alternativas de solução para os dilemas utilizados pelos professores de EF da EB estão intimamente relacionadas ao conhecimento prático/saber docente que cada um elaborou/construiu.

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Entretanto, Krug; Krug e Ilha (2013) perguntam: mas os professores de EF da EB quando estão em uma situação de imobilização frente aos seus dilemas, estão perdidos? Eles tendem somente a abandonar a profissão ou a permanecerem na imobilização? Os autores respondem que ‘sim’, mas nem todos estão fadados a esse destino porque podem vir a mudar de atitude, podem em seus processos formativos, aprenderem a enfrentar os dilemas docentes. E, para isso, é fundamental aprenderem a refletir sobre a própria prática pedagógica, pois Nóvoa (1992, p.27) ressalta que “o profissional competente possui a capacidade de autodesenvolvimento reflexivo”. Convém lembramos Lourencetti e Mizukami (2002) que ressaltam que o processo de aprender a enfrentar os dilemas pode ser marcado por momentos de sofrimento, vontade de desistir de tudo, fase de paralisia seguida pelo desejo de ter que fazer alguma coisa, pela necessidade de sobrevivência e provar para si mesmo e para os outros que é capaz. Assim, aprender a enfrentar os dilemas também pode ser consequência da indignação e reação com o insucesso profissional e com a frustração pessoal. Considerações conclusivas Pela análise das informações obtidas na literatura especializada sobre os dilemas na prática pedagógica de professores de EF da educação básica e sua gestão nos impele a concluir o seguinte: 1) a identificação de vários dilemas que se classificam em dois tipos: os ligados à fatores externos (maioria) e os ligados à fatores internos (minoria) à ação pedagógica docente. A existência de dilemas dificulta e/ou impede que o professor atinja o sucesso pedagógico em sua atuação; e, 2) a gestão pressupõe dois tipos de enfrentamento dos dilemas: tentar driblar os limites impostos (minoria dos professores) ou adotar uma posição de submissão diante dos mesmos (maioria dos professores). Para a tentativa de superação dos dilemas é necessário o professor aprender a refletir sobre a sua própria prática pedagógica. Nesse sentido, os professores podem aprender a enfrentar os dilemas docentes por meio da reflexão. Segundo Furter (1985) a reflexão é uma qualidade muito necessária ao professor, sobretudo quando adota uma atitude de busca, sempre mais rigorosa, de pesquisa e de avaliação, de aperfeiçoamento permanente, pois a reflexão é, ao mesmo tempo, crítica, dialética e renovadora. Referências CARREIRO DA COSTA, F.A. Sucesso pedagógico em Educação Física, 1988. Tese (Doutorado em Motricidade Humana) – Universidade Técnica de Lisboa, Lisboa, 1988. CUNHA, M.I. da. O bom professor e sua prática. 6. ed. Campinas: Papirus, 1992. CONCEIÇÃO, V.J.S. da et al. A prática pedagógica do professor de Educação Física no ensino fundamental em Santa Maria. In: SIMPÓSIO NACIONAL DE EDUCAÇÃO FÍSICA, XXIII., 2004, Pelotas. Anais, Pelotas: ESEF/UFPel, 2004. FERRARI, A.T. Método da pesquisa científica. São Paulo: McGraw-Hill do Brasil, 1982. FURTER, P. Educação e reflexão. 15. ed. Petrópolis: Vozes, 1985. GIESTA, N.C. Tomada de decisões pedagógicas no cotidiano escolar. In: ENDIPE, VIII, 1996, Florianópolis, Anais-Volume 1, Florianópolis: UFSC, 1996. GIL, A.C. Métodos e técnicas em pesquisa social. São Paulo: Atlas, 2002. GIMENO SACRISTÁN, J.S. O currículo: uma reflexão sobre a prática. 3. ed. Porto Alegre: ArtMed, 1998. KRUG, H.N.; BELTRAME, V.; MENEZES FILHO, F. dos S. Diagnóstico dos problemas da prática pedagógica dos professores de Educação Física da rede municipal de ensino de Santa Maria. In: SIMPÓSIO NACIONAL DE GINÁSTICA E DESPORTO, XVII., 1998, Pelotas. Livro de Resumos, Pelotas: ESEF/UFPel, 1998. KRUG, H.N.; BELTRAME, V.; MENEZES FILHO, F. dos S. O seminário reflexivo na formação em serviço de professores de Educação Física da rede municipal de ensino de Santa Maria (RS). In: KRUG, H.N. (Org.). Formação de professores reflexivos: ensaios e experiências. Santa Maria: O Autor, 2001.

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A FORMAÇÃO INICIAL EM EDUCAÇÃO FÍSICA: A CONCEPÇÃO DE LICENCIANDOS SOBRE O ENSINO/ENSINAR Hugo Norberto Krug10 Victor Julierme Santos da Conceição11 Marilia de Rosso Krug12 Cassiano Telles13 Rodrigo Rosso Krug14 Patric Paludett Flores15 Resumo Este estudo teve como objetivo analisar as concepções sobre o ensino/ensinar de acadêmicos de um curso de licenciatura em Educação Física de uma universidade pública da região sul do Brasil. Caracterizamos a pesquisa como qualitativa, descritiva do tipo estudo de caso. O instrumento de pesquisa foi um questionário e a interpretação das informações feita por meio da análise de conteúdo. Participaram 80 acadêmicos, sendo 10 de cada semestre (1º ao 8º). Concluímos que as concepções se situaram em duas perspectivas: uma como transmissão de conhecimento, presente do 1º ao 8º semestres, representativa do ensino tradicional, coincidente com o papel/função do professor em uma educação reprodutora da sociedade e, outra, como espaço de construção e reflexão do conhecimento, presente do 6º ao 8º semestres, representativa de um ensino progressista, coincidente com o papel/função do professor em uma educação transformadora da sociedade. Palavras-chave: Educação Física. Formação de Professores. Concepção de Ensino. Abstract This study was witch aim to analyze the conceptions about teaching/teach of academics of a degree course in physical education at a public university in southern Brazil. Characterized the research as qualitative, descriptive of case study type. The instrument of research was a questionnaire and the interpretation of information made through content analysis. Participle 80 academics, being 10 of each semester (1st to 8th). Conclude that the conceptions if located from two perspectives: one as transmission of knowledge, present of the 1st to 8th semesters, representative of traditional teaching, coinciding with the paper/function of teacher in a reproductive education of society and, another, as space of building and reflection of knowledge, presented of 6th to 8th semesters, representative of a progressive education, coinciding with the paper/function of teacher in a transformative education of society. Keywords: Physical Education. Teacher Formation. Teaching Conception. Considerações introdutórias Segundo Morais e Albino (2015, p.251), “[a] formação inicial de professores é uma das temáticas mais recorrentes no cenário educacional brasileiro nas últimas décadas, tendo em vista a problemática envolvendo o ensino nas escolas no país”. Neste direcionamento de pensamento, citamos ainda Morais e Albino (2015) que destacam que no contexto social atual é notória a relevância do papel do professor, pois esse profissional Doutor em Educação; Professor da UFSM; [email protected]. Doutor em Ciências do Movimento Humano; Professor da UFSC; [email protected]. 12 Doutora em Educação nas Ciências: Química da Vida e Saúde; Professora da UNICRUZ; [email protected]. 13 Doutorando em Educação pela UFSM; [email protected]. 14 Doutorando em Ciências Médicas pela UFSC; Professor da UNICRUZ; [email protected]. 15 Doutorando em Educação Física pela UEM; [email protected]. 10 11

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contribui na formação dos cidadãos a partir da principal função do seu trabalho: o ensino. Ghedin; Almeida e Leite (2008) afirmam que ao professor não cabe mais a função apenas de ensinar aos alunos a ler, escrever e contar, mas também de ensiná-los a respeitar e a tolerar as diferenças, a coexistir, a comunicar, a cooperar, a mudar, a agir de forma eficaz. Dessa forma, a função do professor ultrapassa a dimensão do ensinar pautado no repasse de informações. Em tempos mais recentes se exige um profissional articulado que desenvolva seu fazer profissional mobilizando a criticidade e a participação ativa dos alunos. Para alcançar tal intenção, de acordo com Morais e Albino (2015, p.233), “esse profissional do ensino deve vivenciar uma formação inicial que, dentre tantos outros quesitos, proporcione pressupostos teórico-práticos que garantam um domínio sistemático e seguro de conhecimentos para efetivar os processos de ensino e de aprendizagem de modo correspondente às evoluções almejadas”. Para Farias et al. (2009, p.67), “a formação inicial constitui o primeiro passo de um longo e permanente processo formativo, ao longo de toda a carreira, que prepara para a entrada na profissão”. Imbernón (2009) diz que a formação inicial tem sua importância por marcar o início da profissionalização, um período em que as virtudes, os vícios e as rotinas são assumidos como processos usuais da profissão. Complementa afirmando que assim, a partir da constituição dos saberes e significados iniciais, os professores personificam em seu fazer profissional a maioria dessas aprendizagens advindas do processo formativo inicial. Desta maneira, Morais e Albino (2015) reforçam que todos os componentes curriculares devem, juntos, oferecer pressupostos teórico-práticos que assegurem, de modo mais consistente, o fazer profissional do professor. Além disso, destacam que o Estágio Curricular Supervisionado [e as Práticas Curriculares] simbolizam elementos vivenciados pelos futuros docentes que, se voltados para as discussões referentes ao ensino, poderiam proporcionar ao acadêmico uma melhor reflexão sobre o seu futuro trabalho [inserção nossa]. Os autores ainda afirmam que é possível diante destas condições citadas, que se corporifique pelos acadêmicos um conjunto de saberes que, articulados, assegurem o fazer profissional. Para Tardif (2010), o professor mobiliza os seguintes saberes: 1) da formação profissional (da ciência da educação e da ideologia pedagógica), referente ao conjunto de saberes transmitidos pelas instituições de formação de professores; 2) saberes disciplinares, relacionados com aqueles dos diversos campos do conhecimento (por exemplo, a Educação Física); 3) saberes curriculares, associados aos discursos, objetivos, conteúdos e métodos a partir dos quais a instituição escolar categoriza e apresenta os saberes sociais por ela definidos e selecionados como modelo de cultura erudita e de formação para a cultura erudita; 4) saberes experenciais, vinculados ou baseados no trabalho cotidiano do professor e no conhecimento de seu meio, os quais brotam da experiência e são por ela validados. Guimarães (2005) salienta que a relação do professor com esses saberes não deveria acontecer de maneira fragmentada. Tardif (2010) acrescenta que a prática cotidiana dos professores não deve ser permeada pela aplicação de saberes produzido por outros, mas, sim, que seja, um espaço de produção, de transformação e de mobilização de saberes que lhes são próximos, uma vez que o professor lida com saberes disciplinares numa perspectiva pedagógica e de construção de uma profissão, recriando-os conforme o contexto, os recursos, sua história de vida, as opções pessoais e as necessidades dos alunos. Para Morais e Albino (2015), os saberes docentes podem ser construídos durante a formação inicial como na continuada, entretanto, Pereira (2006) defende que o professor, durante a sua formação inicial, precisa compreender o próprio processo de construção e produção do conhecimento escolar, entender as diferenças e semelhanças dos processos de produção do saber

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científico e do saber escolar, conheça as características da cultura escolar, saber a história da ciência e a história do ensino da ciência com que trabalha e em que pontos elas se relacionam. Perante a este quadro idealizado surge a seguinte pergunta: mas será que este é o quadro da formação de professores no Brasil? Respondendo a esta indagação, Morais e Albino (2015) afirmam que os cursos de formação de professores no Brasil ainda não preparam os professores nestes pressupostos anteriormente citados. E, nesse direcionamento de afirmativa citamos Pereira (2006) que diz que existe uma forte dicotomia entre teoria e prática, refletida na separação entre ensino e pesquisa nos cursos de licenciatura no país. O autor ressalta ainda a desvinculação das disciplinas de conteúdo daquelas pedagógicas, além do distanciamento existente entre formação acadêmica e as questões impostas pela prática docente. Desta forma, segundo Morais e Albino (2015, p.234), a formação inicial de professores no Brasil ainda não estimula os futuros professores a articularem os saberes que competem à profissão docente. Esses profissionais são formados, em sua maioria, sem uma relação concreta com sua futura prática; além de os saberes das disciplinas de caráter específicos não se articularem com os conhecimentos da área pedagógica.

Giarotto e Diniz (2010 apud MORAIS; ALBINO, 2015) colocam que a melhoria da qualidade do ensino passa, necessariamente, pela revisão dos padrões da formação de professores, pois a maioria dos cursos de licenciatura tem seus currículos apoiados na concepção de professor como um profissional que deverá aplicar conhecimentos adquiridos em situações específicas e, portanto, não forma o professor capaz de ensinar o aluno a pensar. Em meio a este contexto, a presente pesquisa decorre das inquietações dos autores em entender as concepções que os acadêmicos de um curso de licenciatura em Educação Física de uma universidade pública da região sul do Brasil. Para tanto evidenciamos como objetivo analisar as concepções sobre o ensino/ensinar de acadêmicos de um curso de licenciatura em Educação Física de uma universidade pública da região sul do Brasil. Justificamos a realização deste estudo acreditando que pesquisas desta natureza ofereçam subsídios para discussões e reflexões que possam contribuir para modificações no contexto do curso de formação inicial de professores de Educação Física, bem como possibilitar melhoria na qualidade desses profissionais em sua atuação docente na escola. Procedimentos metodológicos Caracterizamos esta pesquisa como qualitativa sob a forma de estudo de caso. Segundo Minayo; Deslandes e Gomes (2007) a pesquisa qualitativa é a que trabalha com o universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis. Já Para Ponte (2006), o estudo de caso é uma investigação sobre uma situação específica, procurando descobrir o que há nela de mais essencial e característico e, desse modo, contribuir para a compreensão global de certo fenômeno de interesse. Assim, neste estudo, o caso investigado referiu-se aos acadêmicos de um curso de licenciatura em Educação Física de uma universidade pública da região sul do Brasil. Nesse sentido, a justificativa da escolha da forma de pesquisa qualitativa e estudo de caso foi devido à possibilidade de se analisar um ambiente em particular, onde se levou em conta o contexto social e sua

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complexidade para compreender e retratar uma realidade em particular e um fenômeno em especial, ‘algumas concepções dos acadêmicos de Educação Física’. Utilizamos como instrumento de coleta de informações um questionário. Justificamos a escolha do questionário como instrumento de pesquisa fundamentados em Gil (1999) que coloca que esse possibilita atingir um grande número de pessoas quase que simultaneamente e, também, em Alves-Mazzotti e Gewandszbajder (1998), que afirmam que o sujeito pode respondê-lo no seu tempo e da forma que escolher. Ainda a cerca do questionário, Triviños (1987), diz que, mesmo sendo de emprego usual no trabalho positivista, também o podemos utilizar na pesquisa qualitativa. Como critério para a interpretação das informações coletadas foi utilizada a técnica de análise de conteúdo (BARDIN, 2011) que prevê etapas. A primeira é uma pré-análise para definir a preparação formal dos dados. Em seguida, ocorre a exploração do material onde são lidos e categorizados. E, por fim, o tratamento dos resultados, ocorrendo a lapidação dos mesmos, dando maior significado, indo além do que está explícito nos documentos. Os participantes do estudo foram oitenta (80) acadêmicos de um curso de licenciatura em Educação Física de uma universidade pública da região sul do Brasil, sendo dez (10) acadêmicos de cada semestre (1º ao 8º) do referido curso. A decisão da participação de todos os semestres do curso deve-se ao fato de que, assim, poderíamos terá possibilidade de uma visão mais ampla da temática estudada. Já a escolha dos participantes aconteceu de forma intencional, em que a disponibilidade foi o fator determinante para ser colaborador da pesquisa. Molina Neto (2004) diz que esse tipo de participação influencia positivamente no volume e credibilidade das informações disponibilizadas pelos informantes. Quanto aos aspectos éticos vinculados às pesquisas científicas, salientamos que todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e as suas identidades foram preservadas, pois foram numerados de 1 a 80. Resultados e discussões Os resultados e as discussões deste estudo foram orientados e explicitados a partir do objetivo geral, pois esse representou a única categoria de análise existente, fato esse em concordância com o afirmado por Minayo; Delardes e Gomes (2007) de que a(s) categoria(s) de análise pode(m) ser gerada(s) previamente à pesquisa de campo. Considerando então que as concepções de ensino/ensinar dos acadêmicos foi a categoria de análise, achamos necessário citar Luft (2000) que coloca que concepção significa modo de ver, ponto de vista. Nesse sentido, emergiram ‘duas unidades de significados’, as quais foram elencadas a seguir. O entendimento do ‘ensino/ensinar como transmissão/repasse de conhecimentos’ foi a primeira e principal concepção de ensino/ensinar manifestada pelos acadêmicos estudados. Constatamos que essa concepção de ensino/ensinar esteve presente nos discursos dos acadêmicos ao longo de todo o curso (do 1º ao 8º semestres). Esse fato está em concordância com o estudo de Morais e Albino (2015) intitulado ‘Formação inicial de professores de Biologia no IFRN: a concepção dos licenciandos sobre o ensino/ensinar’ que constataram que “a perspectiva tradicional encontra-se mais fortemente difundida nos discursos dos estudantes, sejam aqueles matriculados nos primeiros ou nos últimos períodos do curso” (p.235). Algumas falas dos acadêmicos estudados representativas da concepção de ensino/ensinar como transmissão/repasse de conhecimentos foram as seguintes: “Para mim, ensino/ensinar é transferir o conhecimento que se tem para os alunos” (Acadêmico 5 – 1º semestre do curso); “Creio que ensino/ensinar é repassar os conhecimentos para os alunos [...]” (Acadêmico 12 – 2º semestre do curso); “No meu ponto de vista, o professor tem de possibilitar o acesso aos alunos os conhecimentos da disciplina, transmitir [...]”

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(Acadêmico 27 – 3º semestre do curso); “Acredito que ensinar é transmitir os conhecimentos de Educação Física aos alunos” (Acadêmico 33 – 4º semestre do curso); “[...] o professor ao ensinar os alunos deve repassar os seus conhecimentos sobre a matéria [...]” (Acadêmico 46 – 5º semestre do curso); “[...] a função do professor é transmitir seus conhecimentos aos alunos” (Acadêmico 58 – 6º semestre do curso); “[...] claro que ensino/ensinar é mostrar, transmitir o conhecimento específico da profissão aos alunos [...]” (Acadêmico 61 – 7º semestre do curso); e, “No meu entendimento, ensino/ensinar é a tarefa do professor e isto acontece quando ele transfere aos alunos o conhecimento da matéria trabalhada [...]” (Acadêmico 79 – 8º semestre do curso). Esta concepção de ensino/ensinar encontra suporte no ensino tradicional que, segundo Mizukami (1986), se caracteriza por depositar no aluno, conhecimentos, informações, dados, etc., pois a educação é entendida como instrução, caracterizada como transmissão de conhecimentos pelo professor. Já Santos (2005) ao conceituar o ensino tradicional comenta que este é caracterizado por uma prática educativa centrada na transmissão dos conhecimentos acumulados pela humanidade ao longo dos tempos. Essa tarefa cabe essencialmente ao professor em situações da sala de aula, agindo independentemente dos interesses dos alunos em relação aos conteúdos das disciplinas. Desse modo, o ensino tradicional tem como primado o objeto, o conhecimento, e dele o aluno deve ser um simples depositário. De acordo com Morais e Albino (2015), nesta realidade do ensino tradicional, o professor ensina repassando o que aprendeu para os seus alunos, sem que ocorram questionamentos e reflexões a respeito. Além disso, evidencia-se como principal responsável pelo processo de ensino, aquele que domina o conteúdo a ser lecionado. Neste sentido, é importante mencionarmos Gauthier et al. (1998) que dizem que durante muito tempo pensou-se, e muitos, sem dúvida, ainda pensam assim, que ensinar consiste apenas em transmitir um conteúdo a um grupo de alunos. Pensar assim é reduzir uma atividade tão complexa quanto o ensino a uma única dimensão, aquela que é mais evidente, mas, sobretudo, negar-se a refletir de forma mais profunda sobre a natureza desse ofício e de outros saberes que lhe são necessários. O entendimento do ‘ensino/ensinar como espaço de construção e reflexão do conhecimento’ foi a segunda e última concepção de ensino/ensinar manifestada pelos acadêmicos estudados. Vale lembrar que essa concepção de ensino/ensinar esteve presente nos discursos dos acadêmicos estudados somente nos semestres finais do curso (6º ao 8º semestres). Esse fato está em concordância com o estudo de Morais e Albino (2015) denominado ‘Formação inicial de professores de Biologia no IFRN: a concepção dos licenciandos sobre o ensino/ensinar’ que constataram que a perspectiva progressista “é localizada com mais ênfase nos discursos de um determinado grupo de licenciandos vinculados apenas aos últimos períodos” (p.235). Algumas falas dos acadêmicos estudados representativas da concepção de ensino/ensinar como espaço de construção e reflexão do conhecimento foram as seguintes: “[....] creio que a partir do conhecimento já existente, o professor em seu ensino deve estimular o aluno a construir novas possibilidades de intervenção profissional [...]” (Acadêmico 57 – 6º semestre do curso); “[...] ensino/ensinar é a principal função do professor, mas esse ensino/ensinar terá que ser numa perspectiva de que o aluno deve ter capacidade de ir além do conhecimento já existente, deverá a partir de uma reflexão sobre o mesmo, construir novas possibilidades de conhecimentos, adequados a sua época e realidade [...]” (Acadêmico 65 – 7º semestre do curso); e, “O professor ao ensinar deve ir além da transmissão do conhecimento já sistematizado pela profissão, pois deve possibilitar aos alunos uma reflexão sobre estes conhecimentos e a construção de novos conhecimentos [...]” (Acadêmico 78 – 8º semestre do curso). Ao analisarmos as concepções de ensino/ensinar dos acadêmicos estudados percebemos que estas enfatizam perspectivas distintas sobre o papel/função dos professores frente ao ensino. No primeiro caso, ao focalizar-se uma concepção de ensino mais tradicional, verificamos que o papel/função dos professores coincide com uma educação reprodutora da sociedade.

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Segundo Luckesi (1994), o direcionamento ou sentido da educação na sociedade pode ser expresso por tendências filosófico-políticas. São consideradas filosóficas porque compreendem os seus sentidos e políticas porque constituem um direcionamento para a ação. Uma dessas tendências é denominada de educação como reprodutora da sociedade, pois concebe a educação como um elemento da sociedade, determinada por seus condicionantes econômicos, sociais e políticos, portanto, a serviço dessa mesma sociedade e de seus condicionantes. No segundo caso, ao focalizar-se uma concepção de ensino mais progressista, observamos que o papel/função dos professores coincide com uma educação transformadora da sociedade. Para Luckesi (1994), a tendência filosófico-política da educação denominada de transformadora é aquele que pretende demonstrar ser possível compreender a educação dentro da sociedade, com seus determinantes e condicionantes, mas com a possibilidade de trabalhar pela sua democratização. Assim, podemos inferir que no curso de Licenciatura em Educação Física dos acadêmicos estudados permeiam estas duas concepções de ensino/ensinar, possivelmente influências dos professores formadores, bem como dos condicionantes sociais vigentes atualmente. Considerações finais Pela análise das informações obtidas constatamos que as concepções de ensino/ensinar dos acadêmicos estudados se situaram em duas perspectivas: uma de entendimento do ensino/ensinar como transmissão/repasse de conhecimento, presente do 1º ao 8º semestres do curso, representativa do ensino tradicional, coincidente com o papel/função do professor em uma educação reprodutora da sociedade e, outra perspectiva de entendimento do entendimento do ensino/ensinar como espaço de construção e reflexão do conhecimento, presente do 6º ao 8º semestres do curso, representativa de um ensino progressista, coincidente com o papel/função do professor em uma educação transformadora da sociedade. Desta forma, podemos inferir que a formação inicial do referido curso interferiu de alguma forma na concepção de ensino/ensinar dos seus acadêmicos, entretanto, precisa trabalhar mais a respeito das concepções do ensino/ensinar com os seus acadêmicos para que venha oferecer uma formação profissional de maior qualidade, estando em consonância com o apregoado pela educação em nossos tempos atuais. Para finalizar, destacamos a necessidade de se considerar que este estudo fundamentou-se nas especificidades e nos contextos de um curso de formação inicial de professores em específico e que por isso não pode ser generalizado os seus achados. Referências ALVES-MAZZOTTI, A.J.; GEWANDSZNAJDER, F. O método nas ciências naturais e sociais: pesquisas quantitativas e qualitativas. São Paulo: Pioneira, 1998. BARDIN, L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 2011. FARIAS, I.M.S. de et al. Didática e docência: aprendendo a profissão. Brasília: Líber Livro, 2009. GAUTHIER, C. et al. (Org.). Por uma teoria da Pedagogia: pesquisas contemporâneas sobre o saber docente. Tradução de Francisco Pereira. Ijuí: Ed. UNIJUÍ, 1998. GHEDIN, E.; ALMEIDA, M.I.; LEITE, Y.U.F. Formação de professores: caminhos e descaminhos da prática. Brasília: Líber Livros, 2008. GIL, A.C. Métodos e técnicas de pesquisa social. 5. ed. São Paulo: Atlas, 1999. GUIMARÃES, V.S. Os saberes dos professores: ponto de partida para a formação continuada, 2005. Disponível em: http://www.tvbrasil.org.br/fotos/salto/series/150934FormacaoCProf.pdf . Acesso em: 2 fev. 2016. IMBERNÓN, F. Formação docente e profissional: formar-se para a mudança e a incerteza. 7. ed. São Paulo: Cortez, 2009. LUCKESI, C.C. Filosofia da educação. São Paulo: Cortez, 1994. LUFT, C.P. MiniDicionário Luft. São Paulo: Ática/Scipione, 2000.

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JUVENTUDES: IMPORTÂNCIA ESTRATÉGICA E VULNERABILIDADE Ivar César Oliveira de Vasconcelos Doutor em Educação – UCB Pesquisador da Cátedra UNESCO de Juventude, Educação e Sociedade Professor titular do Instituto de Ciências Sociais e Comunicação Universidade Paulista (UNIP) Candido Alberto da Costa Gomes Doutor em Educação - Universidade da Califórnia (EUA) Professor titular do PPGE – UCB Resumo Este trabalho analisa tendências populacionais, do trabalho e de transferências intergeracionais de renda, antecipando mudanças indispensáveis, em particular para as juventudes. Utiliza dados secundários e pesquisas para esboçar os cenários até o limiar do século XXII. Conclui que as juventudes enfrentam situação de desemprego, precariedade no trabalho, pobreza e inflação dos títulos educacionais, bem como aumento do tempo de espera para exercer as plenas funções de adultos. Cava-se, pois, um fosso entre gerações, alterando a situação previdenciária futura, com o risco de ruptura do pacto intergeracional. O Brasil enfrentará dificuldades similares. Palavras-chave: Juventude. Sociologia da Educação. Envelhecimento populacional. Abstract This paper analyzes trends related to population, work and intergenerational transfers of income, anticipating some necessary changes, particularly for the youths. It uses secondary data and uses researches towards to outline the scenarios that reach the twenty-second century. It concludes that the youths are facing unemployment, job insecurity, poverty, inflation of educational titles and the increased waiting time to exercise the full adult functions. Therefore, it opens up a gap between generations, changing the future pension situation with the risk of breaking the intergenerational pact. The Brazil will face similar difficulties. Keywords: Youth. Sociology of Education. Population-Ageing. Introdução As sociedades continuam seus caminhos com a juventude. Desta depende o futuro, incluindo a previdência social a ser paga/recebida. Grandes transformações ocorrem em relativo silêncio, sem a prevenção de políticas de longo prazo. Na verdade, em face das diferentes condições socioeconômicas, consideram-se várias juventudes, que não são frequentadoras habituais dos mesmos locais nem têm os mesmos padrões de consumo, embora possam compartilhar certas características comuns à geração (PAIS, 1990). A situação é tanto mais grave, no panorama mundial, quanto se prolonga a moratória social das juventudes, ou seja, o tempo de espera antes de a sociedade lhes permitir serem adultos. É como se uma onda avançasse e demorasse na praia, enquanto a seguinte não consegue chegar. Ou como se, num tsunami, o mar recuasse para depois avançar com fragor. Neste quadro, o presente trabalho objetiva analisar tendências no mundo e no Brasil. De fato, a fila do elevador social da educação em muitos países é tão longa que a ordem de chegada é preterida pela compra preferencial de passes. O número de jovens diminui, as oportunidades de trabalho parecem escassear mais ainda, porém a educação é cada vez mais necessária: ruim com ela, pior sem ela.

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Longevidade: mais que duração da vida No Pleistoceno tardio um idoso era o que ultrapassava 40 anos de vida; na França napoleônica a expectativa média de vida ao nascer era de 34,4 anos, e anteontem, em 1950-55, a expectativa média de vida da mulher ao nascer era de 47,9 anos. Porém, saltou para 67,6 em 200005 e projeta-se para 84,5 em 2050 (UNITED NATIONS, 2004). Estes fatos não se assemelham a uma sanfona que se expande, mas envolve um remanejamento dos fios verticais e horizontais que tecem as sociedades no espaço social e no tempo. Vidas tão longas se diferenciam em etapas mais ou menos difusas, com áreas cinzentas, que variam em diferentes circunstâncias: em princípio, infância mais curta; pré-adolescência centrada na cultura do quarto, onde o nível de renda permite; longa adolescência, tão idealizada e explorada pela publicidade; juventude ou pós-adolescência ou, ainda, adultez emergente; a idade adulta e as várias etapas das idades avançadas (GOMES, 2012). Nesta dinâmica, os jovens tendem a assumir cada vez mais tarde as responsabilidades adultas, não que o queiram, mas porque, em parte, vivemos em economias poupadoras de trabalho. Assim, as juventudes tendem a se tornar personagens centrais de desemprego e pobreza (ILO, 2013). Mansão do amanhã Se o mundo é nossa casa, esta mansão do amanhã já apresenta traços básicos, que revolucionarão a economia, as relações intergeracionais e as instituições. A tabela 1 descerra cenários que se desdobram até o limiar do século XXII, devendo este ser chamado talvez mansão do depois de amanhã. Muitos dirão que projeções podem não se cumprir, o que é verdade, mas geram opiniões e políticas capazes de mudar o curso dos fatos. A tabela 1 destaca que, depois do inédito crescimento da população no século XX, esta continuará a crescer até cerca de 2100, declinando a partir de então. Mas, antes disso, numerosas regiões do mundo, onde a população envelhece mais rapidamente, precisarão talvez aprender a conviver com o crescimento negativo e, talvez, com a retração do consumo, a falta de trabalhadores, a redução da produtividade e do lucro, a deterioração da situação fiscal, bem como ao menor poder militar, político e civil (EBERSTADT, 2010). Os dados indicam que teremos menos crianças, crescentemente preciosas; mais idosos e um grupo adulto espremido, com papel fulcral na sociedade. Esta revolução se antevê nas regiões de maior desenvolvimento, porém, as de menor desenvolvimento tenderão a mudanças em idênticas direções. Se Balzac (1842) celebrou a mulher de 30, vivendo para o amor, quando a expectativa média de vida ao nascer andava pelos 40, quantos anos teria a balzaquiana de hoje, quando a expectativa de vida ao nascer, na França em 2005, era de 83,8 anos? (FRANÇA, 2013). Tabela 1. Perfil etário da população em mudança, 2000-2200. Grupos etários Mundo 0-14 15-64 65+ Total Milhões Regiões mais desenvolvidas 0-14 15-64 65+ Total Milhões Regiões menos desenvolvidas 0-14 15-64 65+

2000

2050

2100

2150

2200

30,1 63,0 6,9 100,0 6.071

20,1 64,0 15,9 100,0 8.919

16,4 59,2 24,4 100,0 9.064

16,5 56,0 27,5 100,0 8.494

16,5 54,7 28,8 100,0 8.596

18,3 67,4 14,3 100,0 1.194

15,7 58,4 25,9 100,0 1.220

16,9 55,5 27,7 100,0 1.131

16,4 54,4 29,3 100,0 1.161

15,7 52,4 31,9 100,0 1.207

33,0 61,9 5,1

20,8 64,9 14,3

16,4 59,7 23,9

16,5 56,2 27,2

16,6 55,1 28,2

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 12 Nº29 vol. 02 – 2016 ISSN 1809-3264 Total Milhões América Latina e Caribe 0-14 15-64 65+ Total Milhões Brasil 0-14 15-64 65+ Total Milhões

Página 34 de 126 100,0 7.291

100,0 4.877

100,0 7.699

100,0 7.933

100,0 7.333

31,9 62,6 5,5 100,0 520,2

18,1 63,7 18,2 100,0 767,7

15,5 57,0 27,5 100,0 732,5

16,5 54,4 29,1 100,0 675,0

16,3 53,9 29,8 100,0 680,8

29,3 65,5 5,2 100,0 171,8

17,3 62,9 19,8 100,0 233,1

15,9 57,0 27,1 100,0 212,5

16,9 55,2 27,9 100,0 202,2

16,3 54,0 29,7 100,0 208,8

Fonte: elaboração dos autores, com base em United Nations (2004). Obs.: Revisões posteriores podem levar a alterações. Projeções: variante média. A partir de 2050 as migrações internacionais foram consideradas iguais a zero para simplificação. Essas projeções fazem os ciclos eleitorais parecer liliputianos. É o que detalha a tabela 2, com a dependência populacional ou quantas pessoas sustentam quantas na sociedade. Em escala mundial, o teto de dependência juvenil tende a aumentar, chegando a 27 anos em 2200, ou seja, continuará a dilatar-se o tempo de espera das juventudes. Na América Latina e Caribe, o teto começa baixo, com 14 anos, quase duplica em 2050 e atinge o auge em 2100. O mesmo ocorre com o limiar de dependência do idoso, que inicia com 50 anos e vai até aos 80. Igualmente o tempo de vida posterior à aposentadoria cai continuamente para recuperar-se em 2200. Os problemas previdenciários se escondem atrás dos números da duração de vida considerada inativa, que parecem cair para depois crescer. Claro que essas são tendências a se confirmarem ou não. Tabela 2. Idade limiar de dependência e duração do tempo de vida posterior à aposentadoria (em anos), 2000-2200. Área Mundo Teto de dependência dos jovens* Limiar de dependência** Tempo pós-aposentadoria*** Regiões mais desenvolvidas Teto de dependência dos jovens* Limiar de dependência** Tempo pós-aposentadoria*** Regiões menos desenvolvidas Teto de dependência dos jovens* Limiar de dependência** Tempo pós-aposentadoria*** América Latina e Caribe Teto de dependência dos jovens* Limiar de dependência** Tempo pós-aposentadoria***

2000

2050

2100

2200

14 54 11,8

22 66 8,7

26 74 9,0

27 79 13,0

23 65 11,0

27 75 7,5

26 78 10,7

28 82 13,9

13 50 13,4

21 65 9,2

27 73 8,8

27 78 12,9

14 50 19,9

24 69 10,8

28 77 8,3

27 80 12,9

Fonte: elaboração dos autores, com base em United Nations (2004). Obs.: Revisões posteriores podem levar a alterações. * Idade em que deve terminar a dependência se a proporção de jovens dependentes é limitada a até 30,0% da população. ** A menor idade possível para aposentadoria se a proporção de dependentes idosos é limitada a menos de 15,0% da população. *** Diferença entre a expectativa de vida e a menor idade para aposentadoria. Dependência econômica A distribuição da população por idade permite diferenciar os grupos que, do ponto de vista econômico, a) apenas consomem, b) mais consomem do que produzem, c) predominantemente,

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produzem e geram riquezas. Assim, podem ser dependentes crianças, adolescentes, parte dos jovens e os idosos, ou não, como é o caso dos adultos. Essa divisão oculta nuanças, como a dos idosos que ajudam as novas gerações e os trabalhadores infantis e adolescentes, além dos jovens em trabalhos precários. Por sua vez, num mundo onde escasseiam o trabalho e o emprego os adultos podem situar-se em trabalho continuado, precariedade ou desemprego. Se uma população está assim dividida, pode-se visualizar uma balança, em que a população adulta busca equilibrar os dependentes. A balança se expressa como uma fração, em que os dependentes aparecem no numerador e os pilares que os sustentam no denominador. Quanto maior o numerador, com os dependentes, e menor o denominador, maior a relação de dependência manifesta em percentual. Se dois adultos sustentam duas crianças e dois idosos, o resultado é igual a dois ou 200,0%. Se, porém, dois adultos sustentam um filho único, a divisão é igual a 50,0%. Este cenário se aproxima da Europa de hoje, onde uma geração estudou e, em grande parte, não consegue trabalho ou obtém só trabalho precário. Como diminuem relativamente os empregos e se busca o aumento da competitividade pelo uso de tecnologias poupadoras de trabalho (p. ex., robotização), além da precarização das relações de trabalho, o futuro dos jovens aparece comprometido pela possibilidade de o elevador social apenas descer. Como os sistemas previdenciários tendem a pagar os seus benefícios também com base nos recursos que entram, a geração adulta, ao aposentar-se, poderá ter menores segurança e renda. Quanto aos jovens, pior ainda. Brasil: panorama risonho? O Brasil vive o chamado bônus demográfico: diminui o número de crianças, estende-se a duração da vida, mas o número de idosos ainda não atingiu grande vulto. A abertura dessa janela ocorreu em 2000 e tem o fim previsto para 2035, alcançando uma relação total de dependência estimada no início em 52,7% e, ao final, em 49,9% (UNITED NATIONS, 2004). Alves, Vasconcelos e Carvalho (2010) assinalam que as taxas de dependência recomeçarão a crescer com relativa aceleração a partir de 2025 ou, usando a variante baixa (e não mediana como a primeira), mais otimista, 2030 seria o auge do bônus. Destacam também a provável relação crescente da população economicamente ativa sobre a população total, inclusive com o aumento das mulheres no trabalho, como outra dimensão favorável da janela de oportunidades aberta ao país. Tabela 3. Brasil: Relações de dependência computadas com base na população residente, na população ocupada e nos contribuintes para instituto de previdência (%), 2007 e 2012. Relações segundo fórmulas das Nações Unidas Relação de dependência infantil 3.Grupos etários redefinidos para: 0-19 resid. Menos contrib./contrib. 2569 Relação de dependência infantil 1. Grupos etários redefinidos para: 0-14 resid. Menos contrib./contrib. 1564 Relação de dependência dos idosos 4. Grupos etários redefinidos para: 60+ resid. Menos contrib./contrib. 2569

Com população residente

População residente/ População ocupada

População residente/ Contrib. para institutos de previdência

2007

2012

2007

2012

2007

2012

66,7

51,6

94,4

73,5

149,8

131,4

37,9

28,9

56,2

43,0

96,0

82,7

9,0

10,2

12,7

14,5

43,4

49,9

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 12 Nº29 vol. 02 – 2016 ISSN 1809-3264 Página 36 de 126 Relação total de dependência 5. Grupos etários redefinidos para: (0-19 resid. menos contrib.) + (60+ resid. Menos contrib.)/contrib. 20-59

64,6

49,5

92,1

77,3

193,2

181,3

Fonte: elaboração dos autores, com base em IBGE (2014). Obs.: Os contribuintes para instituto de previdência social tiveram os limites dos grupos etários alterados por motivo da apresentação dos dados das PNADs. No caso dos grupos em princípio dependentes (0-14, 0-19 e 60+) decidiu-se subtrair o número de contribuintes. Legenda: Resid. – Residentes; Contrib. – Contribuintes. Utilizando a população residente, os dados indicam relações de dependência populacional, relativamente baixas e em queda no período, como resultado do bônus demográfico. Dado o ainda pequeno número relativo de idosos, tais relações apresentam números menos elevados. A tendência de incremento no caso dos idosos se mantém ao considerar tanto a população ocupada como a de contribuintes para instituto de previdência social. Todavia, ao tomar a população ocupada, as relações de dependência foram substancialmente mais altas que considerando a população residente, pois o ônus recai sobre os ombros da população ocupada. Por fim, esses valores sobem ainda mais ao se tomar apenas os que contribuem para instituto de previdência social. Afinal, mundo e Brasil, a partir do século XXI, precisarão mudar dramaticamente perspectivas. Perdas & ganhos intergeracionais Essas relações são de tal modo complexas que se estabeleceu a pesquisa sistemática de transferências líquidas intergeracionais de recursos. Identificam-se grupos etários, infância e velhice, que consomem mais do que geram renda, interpolando-se a idade adulta, em que a renda não apenas supera o próprio consumo como custeia transferências para os menores e os maiores. Desse modo, verificam-se na vida três períodos: de déficit, superávit e outra vez déficit, na velhice. De fato, segundo o projeto NTA – Net Intergenerational Transfers (LEE; MASON, 2011), em 2010 havia 23 economias envelhecidas; em 2040, haverá 89, e em 2070, 155. Resumindo as implicações, o quadro 1 destaca o que tende a acontecer a esses grupos etários. Sofrendo doloroso rito de passagem, o jovem enfrenta numerosos obstáculos para chegar ao trabalho precário e maiores ainda para alcançar o trabalho relativamente estável. A abundante participação de crianças, adolescentes e jovens contribui para degradar as condições laborais e a remuneração, de modo que, mesmo ocupados, a sua renda não assegura autossuficiência econômica. Assim, parece que a condição juvenil apresenta ônus comuns no mundo. Quadro 1. Alguns efeitos do prolongamento do tempo de espera da juventude. Crianças e jovens Tendência decrescente ← de modo indireto < fertilidade e natalidade. Consumo por mais tempo. Pouca produção ← trabalho precário, baixa remuneração. Escolaridade mais longa, porém tendente a menor retorno. Escola com função custodial. Permanência maior no domicílio parental. Retardamento da natalidade < fertilidade e natalidade. Financiamento do déficit consumo/produção: - necessidade de

Grupo em idade ativa Percentual decrescente em face do envelhecimento populacional. Produzem mais que consomem quando ocupados. Efetuam por mais tempo transferências financeiras privadas intra e interdomiciliares para descendentes (crianças, adolescentes e jovens). Efetuam transferências financeiras intra e interdomiciliares para ascendentes, diretamente ou por vias fiscais (idosos) também por mais tempo (> longevidade). Necessidade de geração de maiores renda e poupança para cobrir: - consumo próprio; - consumo dos descendentes; - consumo dos ascendentes;

Dependentes idosos Proporção crescente da população total. Consomem mais que produzem. Financiamento do déficit: -renda do trabalho (quando ocupados); - realocação de ativos acumulados durante a vida; - transferências privadas inter e intradomiciliares; - outras transferências privadas (ex., instituições filantrópicas); - transferências públicas; Conforme a cultura e outras condições podem

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 12 Nº29 vol. 02 – 2016 ISSN 1809-3264 maiores transferências públicas, cujas principais limitações são: restrições ao seguro desemprego; - limitação do financiamento público à educação e saúde. - necessidade de maiores transferências privadas intra e interdomiciliares → agravamento das condições nas faixas de menor renda.

- sua futura aposentadoria. Tendem a trabalhar por mais tempo por: - aumento geral da longevidade; - mudanças de regras previdenciárias; - necessidade de cobrir maior tempo de espera dos jovens (menor e mais tardio retorno das inversões no seu cuidado). Tendência a menor renda quando a economia desaquece. Dificuldades significativas de reemprego a partir de certa idade.

Página 37 de 126 efetuar transferências privadas inter e intradomiciliares para gerações mais jovens.

Fonte: elaboração dos autores, com base em Lee e Mason (2011). A geração adulta tem exercido papel fulcral hoje como no passado, mas o que se destaca no quadro 1 é ser comprimida por duas gerações, ascendente e descendente. Quanto à primeira, a dos filhos, sua formação precisa ser preservada, se possível aperfeiçoada. Quanto à descendente, a solidariedade é ética e moralmente indispensável. Entretanto, parece cavar-se um fosso intergeracional, com o retardamento forçado da geração jovem na assunção dos papéis da vida adulta, formando-se bolhas diante dos gargalos do trabalho. Além de a precariedade laboral ter efeitos estigmatizantes, atuando como um ferrete capaz de marcar toda a carreira posterior (CHAUVEL, 2010), os jovens podem passar por um período muito mais dilatado de dependência, quando, enfim, a partir de certo momento, seriam chamados a ocupar os lugares remanescentes da geração adulta que passa a idosa. E os jovens que “sobrarem”, não trabalhando, nem estudando? Considerações finais Buscando o que é comum e diferente, verificam-se riscos e advertências no sentido de olhar para frente, não com faróis baixos, mas com faróis altos e radares. Ainda que o bônus demográfico proporcione alívio transitório, é preciso mirar muito adiante, pois a semeadura histórica se faz com gerações de antecedência. Quando os jovens deixam o ninho e se deparam com circunstâncias adversas, tendem a responsabilizar as gerações ascendentes pela herança que são fadados a administrar. Acertos e erros não se podem atribuir a fatalismos históricos, mas a sucessivas decisões. Diante desses horizontes, uma palavra de cautela emerge da pesquisa de Diamond (2006) sobre como as sociedades decidem o seu desaparecimento ou sobrevivência. Cotejando experiências diversas, o autor constatou o rápido esquecimento de experiências passadas, analogias enganosas com situações anteriores, distanciamento dos gestores em relação ao povo, difícil percepção de lentas mudanças, egoísmo como comportamento racional, individualismo de grupos poderosos e outros processos. Se o Brasil tende a reduzir o percentual de jovens na população total, temos um paradoxo: eles passam a ser pilares cada vez mais importantes da economia e sociedade, ainda que parte expressiva deles esteja mal preparada e tenha perspectivas de continuar a receber má preparação. Menos jovens na população requer que eles sejam mais produtivos. O preparo vem em particular da educação básica, muito mal situada no panorama do mundo. Embora tenha ampliado o seu parque escolar em meio século, mais rápido que os países desenvolvidos à sua época, a qualidade e a democratização, ao contrário do acesso, muito precisa avançar. Os jovens precisam de uma escola com currículos do século XXI, para o quê necessitamos de educadores, prédios e equipamentos adequados para conquistar maiores qualidade e democratização. Com a baixa atratividade do magistério, é preciso motivar candidatos, formá-los e retê-los. As juventudes precisam ter um lugar ao sol.

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PEDAGOGIA HISTÓRICO-CRÍTICA E O CURRÍCULO: TECENDO CAMINHOS PARA A FORMAÇÃO HUMANA Katia Cristina C. Ferreira Brito Doutoranda em Educação – UFSCar Nádia Flausino V. Borges Mestre em Educação pela UFT Profª da rede pública estadual do Tocantins Angela Noleto da Silva Mestre em Educação – UFGoiás Profª do curso de Pedagogia – UFT, campus Palmas Otávio César dos S. Borges Graduação em Marketing - Universidade Norte do Paraná Prof. Grupo Escoteiro John Knox

Resumo O presente estudo, elaborado a partir de pesquisa bibliográfica e documental, se propõe a análise sobre concepções de currículo escolar possibilitando a compreensão das prescrições curriculares que originaram os Parâmetros Curriculares Nacionais bem como à Base Nacional Comum Curricular em confronto com a Pedagogia Histórico-Crítica, destacando limitações e posturas impostas pelas políticas públicas em educação no âmbito da teoria do currículo. Observa-se que as reformas curriculares carecem de reflexões a partir da compreensão da educação escolar como espaço de luta, como aparelho ideológico a serviço da ordem capitalista, a partir de propostas pedagógicas que impossibilitam a aprendizagem do conhecimento socialmente construído pela humanidade a toda a sociedade e que superem as desigualdades inerentes ao sistema capitalista construindo uma escola pública, universal, laica, gratuita e de qualidade. Palavras-chave: Currículo, Pedagogia Histórico-Critica, formação humana Abstract The present study, drawn from bibliographical and documentary research, proposes the analysis of curriculum concepts enabling the understanding of curricular prescriptions that led the National Curriculum Standards and the Common National Base Curriculum in confrontation with the Historical-Critical Pedagogy, highlighting limitations and postures imposed by public policies in education within the curriculum theory. It is observed that the curricular reforms require reflections from the understanding of education as a space of struggle as an ideological instrument in the service of the capitalist order, from educational proposals that prevent learning of knowledge socially constructed by humanity throughout society and to overcome the inequalities inherent in the capitalist system by building a public school, universal, secular, free and quality. Keywords: Curriculum, Historical- Critical Pedagogy, human formation Introdução O desafio de construção de uma educação que seja pública em sua essência, embasada na perspectiva dos direitos e das garantias legais e reais de aprendizagem, e que eduque para a democracia, se coloca a toda a sociedade brasileira de forma inequívoca; afinal, busca-se uma educação transformadora, que supere os déficits educacionais e sociais existentes a partir da apropriação do conhecimento historicamente acumulado. Entretanto, a reflexão sobre esta escola, indubitavelmente, nos remete ao estudo do currículo escolar em um contexto em que Malanchen (2014) no campo do currículo entende as políticas educacionais como expressão dos embates que acontecem no âmbito do Estado e seus desdobramentos, percepção que exige o reordenamento das relações sociais sob a égide ideologia neoliberal capitalista.

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Ressalte-se que as orientações curriculares construídas no Brasil a partir da década de 1980 pautaram-se nos embates descritos acima se enquadrando à reestruturação do sistema produtivo capitalista que tiveram como referência as orientações neoliberais com o objetivo de minimizar o papel do Estado e fortalecer a iniciativa privada. Compreender o processo acima descrito é um desafio que inicia-se pela apreensão dos conceitos que fundamentam a teoria do currículo. Segundo Sacristán (2013), define-se currículo como tudo que é possível ensinar e aprender a partir de uma seleção reguladora dos conteúdos. Ou seja, o mesmo desempenha uma função dupla: organizadora e unificadora do ensinar e do aprender, evitando arbitrariedades quanto ao que ensinar, mas ao mesmo tempo, orientando, modelando e limitando as possibilidades de ação autônoma e consciente. Segundo o autor, à capacidade reguladora do currículo foram agregados os conceitos de classe, de grau e os métodos compondo todo o arcabouço para normalização do que deve ser ensinado e como fazê-lo. Uma reflexão importante e necessária neste contexto refere-se à necessidade de desvelar sua natureza reguladora, seus códigos e mecanismos, mas ainda, avaliar e compreender: o que fazemos? para que o fazemos? A busca para essas inquietações nos permitiria identificar o texto curricular enquanto parte de um projeto educacional, no entanto, seu caminho como processo e práxis perpassa pela interpretação dos professores e dos elaboradores de materiais didáticos, pela prática no contexto escolar, até alcançar os efeitos educacionais reais e vivenciados. Assim, constitui-se em um conceito complexo e dinâmico que possibilita e requer a produção de novas dimensões da prática a partir da perspectiva processual do currículo. O presente artigo apresenta o objetivo de analisar as prescrições curriculares difundidas pelo Ministério da Educação a partir da década de 1990 que mobilizaram todos os entes federados na implementação dos Parâmetros Curriculares Nacionais e, a partir de 2014, a elaboração da Base Nacional Comum Curricular confrontando com os preceitos do Materialismo Histórico Dialético que fundamenta a Pedagogia Histórico-Critica. Tal análise foi desenvolvida a partir de estudos bibliográficos e documentais. Currículo: Elementos conceituais e prescrições como objeto de avaliação Silva (2003) apresenta em uma obra clássica os estudos sobre currículo desde a sua origem até os dias atuais, discorrendo desde as teorias tradicionais, que compreendem o currículo em seu aspecto organizacional enfatizando os conteúdos e metodologias, bem como, passando pelas teorias críticas que questionam aquilo que de fato deve ser pensado e desvelado no currículo – os interesses e as relações de poder que privilegiam determinados conhecimentos sobre outros, chegando à teoria pós-crítica que propõe pensar o currículo enquanto relação entre identidade e poder, caracterizando-se como formador da identidade e da subjetividade dos sujeitos. Cabe-nos identificar quais os saberes socialmente relevantes e quais os critérios de organização destes saberes, quais as concepções de educação, de sociedade, de homem que fundamentam as propostas curriculares elaboradas e implementadas? Quem são os sujeitos que poderão definir e organizar o currículo? Quais os pressupostos que defendemos? Nessa linha de raciocínio, Apple (2001) dispõe que o currículo não é neutro e sim um produto de tensões, conflitos culturais, políticos e econômicos que possuem a capacidade de organizar e desorganizar um povo. Nesse sentido, as formas culturais atuam como indicadores de classes e a escola torna-se uma escola de classes sociais. Apesar de não se opor a existência de um Currículo Nacional, o referido autor apresenta em sua obra ponderações acerca das reais intenções e possibilidades de uma construção curricular que devem ser observadas e discutidas, especialmente, em um momento em que se apresenta à sociedade brasileira a possibilidade de conhecer e acompanhar a aprovação de uma nova Base Comum Nacional Curricular. A reflexão sobre a teoria do currículo apresentada acima possibilita compreender historicamente os processos de construção de propostas curriculares no Brasil e sua repercussão

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nos sistemas estaduais e municipais de educação. Identifica-se, ainda, como se institucionaliza um espaço social de diálogo entre os saberes da natureza local e os saberes de natureza universal. Considera-se o currículo local como espaço de integração de saberes, valores e práticas locais no âmbito do currículo nacional, mas sobretudo como um espaço de negociação, avaliação e validação dos saberes locais e nacionais. A centralidade do currículo nas políticas educacionais viabilizam a análise de projetos e programas em desenvolvimento nos estados e municípios, cujo objetivo volta-se prioritariamente, em alcançar os índices e as expectativas fixadas por políticas de avaliação implementadas nos sistemas nacionais e internacionais, fenômeno que, segundo Turra (2012), se faz presente, a partir da década de 1990, no qual vivenciamos novos contextos educacionais em que as demandas por acesso à escola e diminuição dos índices de evasão e repetência foram se reconfigurando e dando lugar a novas expectativas ligadas a competências e indicadores de desempenho, utilizando-se de descritores específicos que delinearam novos caminhos no processo de formação de professores e, consequentemente, no processo de ensino. Ainda nesse aspecto, a mesma autora, analisa propostas curriculares em processo de implantação em uma escola da rede pública do município do Rio de Janeiro, à luz das novas políticas curriculares, em que é possível identificar práticas que se repetem em todo o país configurando-se em uma “exclusão branda” onde, em nova refiguração econômica social e educacional, os alunos não reprovam ou evadem mas, ao continuarem incluídos no sistema de ensino, a aprendizagem não se efetiva, tendo em vista que os fatores que influenciam diretamente no processo de aprendizagem não são o foco das políticas implementadas voltados para a produção de resultados imediatos ao menor custo. Nesse contexto, faz-se necessário pensar a avaliação e seus processos no âmbito das reflexões acerca do currículo escolar. Segundo Cerpa e Callai (2012, p. 393) A avaliação vem sendo um dos principais focos das políticas públicas, tem sido utilizada como instrumento de regulação e controle sobre as práticas pedagógicas, buscando a legitimação do projeto hegemônico construído desde a modernidade para a escola. Políticas educacionais orientadas para a comparação de desempenho entre países, estados e sujeitos de diferentes realidades socioeconômicas e culturais vêm se consolidando como uma prática que reafirma a lógica da exclusão, antecipando e reafirmando o fracasso social desses sujeitos.

Observa-se que a avaliação é um dos temas que adquiriram maior destaque no âmbito educacional, visto que, toda a sociedade, em diferentes contextos e níveis de compreensão, são cientes da importância e das repercussões que derivam do fato de avaliar e ser avaliado. O que deve-se ao fato de existir, hoje, contextos de pressão quanto a necessidade de alcançar cotas de qualidade educacional maiores, bem como, de aproveitar ao máximo os recursos disponíveis em uma sociedade que se encontra imersa, cada vez mais, em uma dinâmica competitiva. Esta análise quanto ao papel da avaliação e o papel do ensino se constituem em questões essências para a teoria do currículo. Afinal, se ensina visando a uma avaliação externa, ao ranqueamento a partir de médias nacionais estaduais e locais? Aos incentivos financeiros e salariais? Tais reflexões são necessárias no momento em que se discute o currículo escolar, identificando quem o define? quem avalia? e qual objetivo de sua implementação? Ressalte-se que o currículo é determinado pela visão de um grupo social que elege e legitima os conhecimentos que devem ser compartilhados socialmente, como verdades. O currículo nunca é apenas um conjunto neutro de conhecimentos, que de algum modo aparece nos textos e nas salas de aula de uma nação. Ele é sempre parte de uma tradição seletiva, resultado da seleção de alguém, da visão de algum grupo acerca do que seja conhecimento legítimo. É produto das tensões, conflitos e concessões culturais, políticas e econômicas que organizam e desorganizam um povo. (Apple, 1996, p. 59).

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Ressalte-se que, o conceito de currículo associa-se a concepções diferenciadas que se originam de preceitos educacionais construídos historicamente, assim como, dos postulados teóricos que o embasam. Nesse sentido, o currículo abrange as experiências escolares que se desdobram em torno do conhecimento, em meio a relações sociais e associa-se ao conjunto de esforços pedagógicos desenvolvidos com intenções educativas. É por meio do currículo que o processo de socialização ocorre no espaço escolar. O currículo é o espaço principal em que todos atuam, o que nos torna, nos diferentes níveis do processo educacional, responsáveis por sua elaboração. Até aqui, foram abordados aspectos que permeiam os debates sobre currículo no âmbito histórico, político, econômico e cultural ao buscar definir o currículo e estabelecer um sistema de avaliação nacional em que se retoma a não existência da neutralidade no currículo e a consideração de que este é um campo de tensão em diversos aspectos. Pedagogia Histórico-Crítica como caminho para a escola que queremos A Pedagogia Histórico-Crítica está ancorada no preceito de que se faz necessário a socialização do saber historicamente acumulado a toda a sociedade possibilitando a apropriação do conhecimento. Seu principal objetivo é garantir o acesso ao saber elaborado pelas gerações ao longo da história. Nesta concepção, somente através do conhecimento historicamente acumulado é possível a análise crítica da realidade com vistas a uma ação transformadora. Pensar em construção do currículo nesse sentido parece simples, seria apenas repetir práticas, ensinar, seguir os caminhos da didática e utilizar os recursos de ensino indicados. No entanto, ao observar o contexto escolar desde a década de 1980, os autores e metodologias mais estudados, as posturas metodológicas implementadas e divulgadas nos projetos político pedagógicos das escolas, as palavras mais ditas no contexto escolar e as práticas mais frequentes, observa-se uma facilitação de caminhos com grande ênfase na pedagogia da alegria, sendo recorrente a utilização de expressões como habilidades e competências em substituição à possibilidade de aprendizagem efetiva dos conteúdos escolares. Estas práticas foram implementadas por meio das políticas públicas educacionais brasileiras a partir de acordos internacionais firmados em torno do movimento Educação para Todos, que teve o seu marco na Conferência Mundial sobre Educação para Todos, realizada em Jomtien, na Tailândia, em 1990, Pode-se exemplificar o descrito acima ao se observar a utilização constante da expressão “aprender a aprender” presente em documentos oficiais, como o “Relatório Jacques Delors” – Educação: um tesouro a descobrir, publicado pela UNESCO no ano de 1996 – o relatório apresenta os “quatro pilares da educação mundial para o século XXI”, Segundo esse relatório, o que se espera da escola é que esta seja capaz de gerar em seus alunos “o gosto e prazer de aprender, a capacidade de ainda mais aprender a aprender, a curiosidade intelectual” (DELORS, 2006, p.19). Entretanto, na concepção em estudo, não se trata, de qualquer tipo saber: “a escola diz respeito ao conhecimento elaborado e não ao conhecimento espontâneo; ao saber sistematizado e não ao saber fragmentado; à cultura erudita e não à cultura popular” (SAVIANI, 2006, p.14). Destaca-se, nesse contexto, a importância do domínio do conhecimento científico, artístico e filosófico, historicamente acumulado pelo gênero humano, transmitido via educação escolar. Os autores citados denunciam a consolidação de uma prática em que se faz necessário simplificar ao máximo a vida e, consequentemente, o processo de aprendizagem do aluno considerando seu histórico de privação e expropriação, consolidando a pedagogia do alívio. Ressalte-se que, segundo Saviani, há uma profundidade maior na reflexão sobre currículo é preciso “dominar o que os dominantes dominam” SAVIANI (2006). Compreendemos, dessa forma, que a intencionalidade e a direção no desenvolvimento da ação docente visam garantir que o professor e a escola cumpram legitimamente seu papel, e não se submetam a artifícios criados por teorias pedagógicas “imediatistas, utilitaristas e pragmáticas” (MORAES e JIMENEZ, 2004).

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Na citação acima encontra-se o eixo da definição de currículo para a Pedagogia HistóricoCrítica. Nela, o autor explicita claramente qual é a função da educação, mais especificamente da educação escolar, que é a de identificar quais conteúdos são fundamentais na continuidade do desenvolvimento e evolução do gênero humano, conhecida, no marxismo, como formação humana omnilateral. Saviani (2003 p.13) ainda destaca o que deve ser levado em conta para identificar estes conteúdos, ou seja, qual o grau de relevância desses conteúdos para a formação supracitada, “tratase de distinguir entre o essencial e o acidental, o principal e o secundário, o fundamental e o acessório” na ação de selecionar conteúdos. Dos Parâmetros Curriculares Nacionais à Base Comum Curricular Nacional A partir da década de 1990, diversas propostas curriculares foram implementadas no Brasil, dentre elas, os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) propostos para o ensino fundamental pelo Ministério da Educação (MEC). Os referidos documentos foram encaminhados para consulta e avaliação a professores e acadêmicos de várias instituições do país a partir de parcerias entre as Secretarias Estaduais de Educação e as extintas Delegacias do MEC. Esta parceria viabilizou discussões, análises e a elaboração de pareceres em todos os estados brasileiros a partir de documentos preliminares contemplando todos os componentes curriculares dispostos pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDBEN de 1996. Ao mesmo tempo em que, no campo acadêmico, estudos, debates sobre o currículo escolar geravam um espaço importante de conhecimentos e serviam como referência para a elaboração de pareceres e para a análise das propostas curriculares. A referida versão foi reelaborada a partir das contribuições, críticas e sugestões apresentadas a partir das discussões nos diferentes estados e por diferentes organizações. A nova versão dos PCNs foi então apresentada ao Conselho Nacional de Educação (CNE), em setembro de 1996, para que deliberasse sobre a proposta. De acordo com (CUNHA, 1996 p. 61) os PCNs foram elaborados por um grupo de professores no estado de São Paulo auxiliados por um consultor espanhol. Já se vislumbrava a relação entre a implantação de um currículo nacional e a progressiva adoção de um caminho que atenderia às demandas do mercado e que, após avaliação por testes, resultaria na “publicação dos rendimentos dos alunos por escola para efeito da orientação dos ‘consumidores’ da mercadoria educacional” (CUNHA, 1996, p. 61). Tal iniciativa possibilitou e incentivou os entes federados a organizarem seus currículos com direcionamentos comuns, em nível nacional. De forma específica, no Estado do Tocantins, a partir da orientação de que os Estados elaborassem suas próprias diretrizes, a Secretaria de Educação e Cultura do Estado do Tocantins publicou o Referencial Curricular para o Ensino Fundamental – 1º ao 9º ano (Palmas, 2009). Pode se observar que as principais críticas aos documentos em tela foram os debates aligeirados, a ausência de estudos sobre as propostas já elaborados nos entes federados e a adesão à pedagogia das competências, como decorrência dos princípios neoliberais implementados. Observa-se que, no documento em que se apresentam as referências curriculares para o estado do Tocantins a expressão habilidade(s) é encontrada 401 vezes, enquanto a expressão competência 316 vezes ao longo de todo o documento. Os autores estudados e as pesquisas que tivemos acesso evidenciam que os estudos de currículo são essenciais e definidores de percursos e práticas no contexto educacional, contexto em que as políticas educacionais são construídas visando perpetuar posições de poder e dominação. As evidências mais recentes são a indicação de uma Base Nacional Curricular Comum que foi preparada como minuta de um currículo oficial e está em uma plataforma online do MEC para avaliação da sociedade aguardando análise da comunidade e respectivas propostas. Nesse contexto, as reformas curriculares materializadas nas propostas difundidas nas últimas duas décadas por meio dos documentos oficiais (PCNs, DCNs...), nos sugere a indagar: que me medida as velhas propostas se perpetuam em novas elaborações travestidas numa suposta elaboração de uma Base Nacional Comum Brasileira?

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Conclusão Se considerarmos o processo já vivenciado na elaboração e implementação dos PCNs concluímos que a construção de novos caminhos curriculares no espaço educacional deve se dar em um contexto de estudos mais aprofundados com maior participação e, acima de tudo, com uma fundamentação quanto a real base da Base Curricular Comum que estamos construindo. Em que pressupostos estamos nos fundamentando? Ao defender uma delimitação curricular que seja comum a todo o país sem apresentar as referidas fundamentações corre-se o risco de implementar mínimos que não garantem os direito de aprendizagem, principalmente pela forma arbitraria de sua construção. Contudo, o que se observa são tentativas de implementação de políticas educacionais que priorizam resultados e aspectos econômicos em detrimento da real possibilidade de uma educação com qualidade socialmente referenciada. Faz-se necessário, ainda, compreender a necessidade do fortalecimento de esferas públicas de discussões que consigam mobilizar os grupos sociais, afinal, a não concordância enfraquece as possibilidades da educação pública de qualidade, bem como a compreensão de políticas curriculares como políticas públicas. Neste contexto, vislumbra-se a questão do currículo na Pedagogia Histórico-Crítica que se diferencia da pedagogia tradicional ou do construtivismo neoescolanovista porque está pautada em uma concepção de mundo e sociedade materialista histórica e dialética. Conclui-se assim, que como caminho para a superação do modelo capitalista, faz-se necessário a apreensão dos conteúdos não pelo conteúdo, mas pela possibilidade de se compreender e transformar a sociedade com conhecimentos sólidos sobre a mesma em todos os aspectos da ciência, da arte e da filosofia. Conclui-se que um currículo embasado na Pedagogia Histórico-Crítica, possibilita o acesso aos conteúdos que permitam ao ser humano construir a sociedade que almeja viver. Referências APPLE, Michael. A política do conhecimento oficial: um currículo nacional faz sentido? In: APPLE, M. Política cultural e educação. Tradução de Maria José do Amaral Ferreira. 2ª ed. São Paulo: Cortez, 2001. APPLE. M. W. A presença ausente da raça nas reformas educacionais. In CANEN, A.; MOREIRA, A. F. M. Ênfases e omissões no currículo. Campinas: Papirus, 2001, p. 147-161, 1996. Os Parâmetros Curriculares para o ensino fundamental: convívio social e ética. In: Cadernos de Pesquisa. São Paulo: Fundação Carlos Chagas, nº 99, nov. 1996, p. 60-72. CUNHA, Luiz Antônio. Os Parâmetros Curriculares para o Ensino Fundamental: Convívio Social e Ética. Cadernos de Pesquisa, nº 99, São Paulo, 1996. DELORS, Jacques et al. Educação um Tesouro a Descobrir: relatório para UNESCO da Comissão Internacional sobre educação para o século XXI. Brasília, DF: UNESCO; MEC; Cortez Editora, 1998. DUARTE, Newton (Org.) Crítica ao fetichismo da individualidade. Campinas: Autores Associados, 2004. Disponível Acesso em 10 Fev. 2016. MALANCHEN, Julia. A pedagogia histórico-crítica e o currículo: para além do multiculturalismo das políticas curriculares nacionais. 2014. 234 f. Tese (doutorado) - Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Faculdade de Ciencias e Letras (Campus de Araraquara), 2014. Disponível em: Acesso em 6 Fev. 2016. SACRISTÁN, J. O. G. que significa o currículo? In SACRISTÁN(org.). Saberes e incertezas sobre o currículo. Tradução: Alexandre Salvaterra. Porto Alegre: Penso, 2013, p. 16-35. SAVIANI, D. Pedagogia Histórico-Crítica: Primeiras Aproximações. 8ª ed. Campinas/Autores Associados, 2003. SAVIANI, D. Escola e democracia: teorias da educação, curvatura da vara, onze teses sobre a educação política. 38 ed. Campinas: Autores Associados, 2006.

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EXPERIÊNCIA EM LEITURA DE A CARTOMANTE

Laura Isabel dos Santos Vieir Licencianda em Letras pela Universidade Federal Fluminense Bolsista de Iniciação à docência no subprojeto de Língua Portuguesa Thaís Almeida F. de Souza Licencianda em Letras pela Universidade Federal Fluminense Bolsista de Iniciação à docência no subprojeto de Língua Portuguesa Resumo O presente artigo tem por objetivo analisar e divulgar os resultados das impressões de ouvintes após a leitura oral do conto machadiano feita pelas autoras. A experiência tem como intuito observar a repercussão crítica que o texto de A Cartomante ainda incita na contemporaneidade e como as especificidades da oralidade influenciam no conteúdo do texto literário quando ouvido. Palavras-chaves: Machado de Assis, A Cartomante, leitura oral. Abstract The following paper aims to analyze and publicize the results of listeners’ reactions to the reading of A Cartomante, by Machado de Assis, made by the authors. The experience intends to observe the critical repercussion that the story still incites in the contemporaneity and how the specificities of oral reading influence the content of a literary text when listened. Keywords: Machado de Assis, A Cartomante, oral Reading. Introdução Os textos a seguir apresentam registros de experiências adquiridas através da leitura e interpretação de A Cartomante, de Machado de Assis. Através de relatos das impressões e reflexões proporcionadas pelo conto, das autoras e de ouvintes voluntários, analisaremos o processo de interpretação de um texto literário e suas consequências para o cotidiano do público leitor. Por que Machado de Assis? No livro Gênio: os 100 autores mais criativos da história da Literatura, de acordo com o crítico literário norte-americano Harold Bloom, estão reunidos cem dos maiores escritores de todos os tempos. Machado de Assis, único brasileiro, figura ao lado de Shakespeare, Vitor Hugo e James Joyce como participante do cânone mundial. Este reconhecimento internacional é apenas um dos inúmeros exemplos que poderíamos citar para justificar porque, mesmo que aparentemente já se tenha dito tudo que se há para dizer sobre ele, Machado continua sendo tão aclamado. Compôs múltiplas obras de diferentes gêneros, incluindo crônica, teatro, novela, crítica literária e conto. Desse último, escolhemos um dos títulos de maior difusão, A Cartomante, para o desenvolvimento do presente trabalho por causa da sua linguagem relativamente simples, apesar de se tratar de uma narrativa do século XIX, e temáticas até hoje bastante populares – vida burguesa, adultério, superstição. O prestígio atribuído ao autor confere ao seu legado o status de “clássico”, sendo amplamente estudado nas escolas de nível fundamental à superior de todo o Brasil e conhecido pelo público geral16. Entretanto, a imensa divulgação e popularidade da sua obra não garantem o efetivo conhecimento do público, fato que talvez se justifique pela falta do hábito de ler entre os

A obra completa de Machado de Assis pode está disponível digitalizada, de graça, na internet pelo Ministério da Educação no endereço: http://machado.mec.gov.br/ 16

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brasileiros – pesquisa feita pelo Instituto Pró-Livro (IPL) em 2011 mostrou que a média de leitura era de apenas 4 livros por ano. Ao optarmos por este autor nesta experiência, pretendíamos testar tal hipótese, e também verificar se sua estima teria alguma influência na interpretação do texto feita pelos leitores. Além disso, se partirmos da afirmação de que o texto literário é o texto por excelência, chegaremos à conclusão de que Machado de Assis, por causa de sua genialidade incontestável que atravessa o eixo espaço-temporal, é um excelente autor. Questionamentos em A Cartomante A Cartomante, publicado incialmente em 1884, conta a história de um triângulo amoroso entre Camilo, seu amigo de infância, Villela, e a mulher, Rita. A participação da Cartomante, personagem sem nome e de pouca descrição, é decisiva para o desfecho trágico do conto. Ela serve de conselheira para Rita quando lhe surgem dúvidas a respeito dos sentimentos de Camilo, e também para ele, quando a história atinge o clímax a partir da carta que recebe de Villela, solicitando sua presença urgente. Ao chegar à casa do amigo, tranquilizado pela Cartomante de que seu relacionamento secreto com Rita estava seguro, acontece a grande reviravolta do enredo quando, em um único parágrafo, Villela tira a vida dos dois, contradizendo as previsões da Cartomante desde o começo. Assim como em um dos mais aclamados romances machadianos, Dom Casmurro, o conto deixa em aberto algumas questões que permanecem sem resposta – se Capitu traiu Bentinho ou quem denunciou Rita e Camilo para Villela jamais saberemos. Até onde ia o conhecimento da Cartomante sobre a traição? Teria sido ela quem entregou o caso a Villela ou a própria Rita, num ato de desespero? Villela desconfiara de algo desde que Camilo deixou de frequentar sua casa, e então contratou a Cartomante para investigar a suspeita? Quem era o remetente das cartas anônimas que afligiram Camilo, dizendo que “a aventura era sabida de todos”? A aventura era mesmo sabida? Estas e muitas outras indagações ficam a critério da interpretação do leitor, não exigindo que uma resposta certa seja encontrada, o que caracteriza o alto valor literário deste conto que não se fecha em si mesmo, mas dá espaço para que diferentes perspectivas sejam projetadas sobre suas ambiguidades. Experiência de leitura oral Consideramos que a interpretação de um texto está diretamente relacionada com a experiência e o saber elocucional de cada leitor, o que a torna uma atividade essencialmente individual. Um mesmo texto pode exprimir sentidos completamente diferentes para pessoas diferentes, já que, mesmo que estas pessoas possuam experiências em comum, cada uma tem uma forma única de abstração. Fizemos a leitura oral do conto A Cartomante para dois ouvintes de origens, personalidades e hábitos distintos e observamos as reações de cada um, bem como as ideias que lhes ocorreram durante o processo. Ambos sabiam perfeitamente quem foi e o que fez Machado de Assis, mas disseram nunca ter lido nenhuma de suas obras e que também não se disporiam a lê-la por vontade própria. O primeiro, estudante de arquitetura, 23 anos, disse interessar-se pela leitura principalmente de livros de ficção científica e fantasia. Mostrou-se surpreso ao ouvir a história de Rita, Camilo e Villela, alegando que “esperava que o maior escritor brasileiro falasse sobre temas mais complexos e relevantes do que a vida burguesa”. Comparou o enredo do conto com as telenovelas brasileiras, analisando que nossa cultura ainda não conseguiu se desvincular das raízes do século XIX. Após refletir mais profundamente e repensar algumas passagens do texto, reconheceu que, dentro de um contexto de crítica social ou de registro histórico dos costumes da época, o conto teria um valor maior. Disse que não tinha nenhuma interpretação específica, apenas a de que era a narrativa de um fato corriqueiro, e finalizou indagando se haveria algum “significado oculto” ou “técnica de escrita”

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que ele próprio não conseguia identificar, mas talvez fossem claros para pessoas da área de Letras, habituadas com esse tipo de texto. A segunda ouvinte é profissional da área da saúde, 58 anos, leitora assídua da Bíblia e obras com temática religiosa. Logo após ouvir o conto machadiano, formulou opinião baseada nos conceitos do século XXI ao criticar a atitude dos amantes que não assumiram publicamente o relacionamento, considerando que a “separação seria um ato de coragem de Rita.” Mas depois de uma breve reflexão sobre o perfil da sociedade da época em que a obra foi publicada, reformulou sua interpretação, aludindo à falta de caráter de Camilo por trair a confiança de seu amigo e a atitude covarde de Vilela em matar Rita. Relembrou que em séculos anteriores existia legislação que validava o ato, destacando como o conto serve também de registro histórico que ressalta a evolução da sociedade moderna. Em relação à função da personagem da Cartomante na história, relatou que talvez fosse da intenção do autor fazer uma crítica à supersticiosidade do povo brasileiro. Conclusão Mario Vargas Llosa diz em A Verdade das Mentiras que “(...) a literatura é, por excelência, o reino da ambiguidade. Suas verdades são sempre subjetivas, meias-verdades, relativas, verdades literárias que com frequência constituem inexatidões flagrantes ou mentiras históricas” (LLOSA, 2004, p.19). A Cartomante comprova essa afirmação, ao incutir indagações no leitor, como as apresentadas anteriormente, mesmo após cerca de 130 anos de sua publicação original. Constatamos que o autor Machado de Assis é uma grande referência para o público leitor e não leitor – ocupa a segunda posição na lista dos autores mais admirados pelos brasileiros, atrás somente de Monteiro Lobato, segundo pesquisa do IPL. Reconhecemos também que, assim como o falante procura seguir a variante de prestígio para evitar sanção social, o leitor se empenha em conhecer minimamente os autores renomados da sua sociedade para preservar-se do rótulo de “inculto” ou “ignorante”. Quanto à interpretação, a partir dos relatos dos ouvintes consultados e de experiências anteriores, pudemos perceber que frequentemente surge a pergunta “qual é a interpretação certa?”, mostrando que os leitores, ao dialogarem com alguém da área de Letras, acreditam que as suas próprias ideias acerca do texto literário são incompletas ou insuficientes. Acreditamos que este fenômeno tem base no ensino escolar da literatura, no qual o aluno é levado a acreditar que existe uma “resposta certa” para o segredo por trás dos textos. Ainda segundo Vargas Llosa, a Literatura permite “sair de si mesmo, ser outro, ainda que seja ilusoriamente (...)” (LLOSA, 2004, p.19). Ela tem o poder de criar universos que proporcionam ao leitor a oportunidade de expandir os horizontes da sua imaginação, e ao se afastar da sua realidade ele é capaz de observá-la melhor e fazer reflexões acerca das circunstâncias em que vive. O Brasil é um país ainda precário no incentivo à leitura, mas com enorme potencial criador e riquíssimo acervo de autores, como Machado de Assis, que convidam ao crescimento do ser humano e o progresso da sociedade. Referências

ASSIS, Machado de. Várias Histórias. Rio de Janeiro, Globo, 1997. ______. O Alienista e outras histórias. Rio de Janeiro, Tecnoprint, 1958. BLOOM, Harold. Gênio: os 100 autores mais criativos da história da Literatura. Rio de Janeiro, Objetiva, 2003. VARGAS LLOSA, Mario. A verdade das mentiras. São Paulo: Arx, 2004. COSERIU, Eugenio. Do Sentido do Ensino da Língua Literária. CONFLUÊNCIA, Revista do Instituto de Língua Portuguesa do Liceu Literário Português, nº5, 1°semestre de 1993. INSTITUTO PRÓ-LIVRO: Retratos da Leitura no Brasil, 2011. Disponível em: http://www.prolivro.org.br/ipl/publier4.0/dados/anexos/2834_10.pdf

Enviado em 30/04/2016 Avaliado em 15/06/2016

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A FOTOGRAFIA COMO RECURSO METODOLÓGICO EM AÇÕES DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL – REFLEXÕES ACERCA DO RIBEIRÃO SÃO JOAO PORTO NACIONAL-TO Lílian Santos Ribeiro Licenciada em Ciências Biológicas Universidade Federal do Tocantins – UFT Campus de Porto Nacional - TO Solange de F. Lolis Profa. Dra do Curso de Ciências Biológicas Mestrado em Biodiversidade, Ecologia e Conservação Universidade Federal do Tocantins - UFT Núcleo de Estudos Ambientais - NEAMB Campus de Porto Nacional - TO Resumo Este trabalho tem como objetivo analisar a utilização da fotografia como recurso metodológico em práticas ambientais. Sendo assim, foi realizada uma oficina de fotografia no Ribeirão São João, em Porto Nacional – TO, com alunos da Associação de Canoagem. A maioria das fotos dos alunos retrataram os problemas em que o Ribeirão se encontra, sendo o lixo e a poluição os mais percebidos pelos alunos. Sendo assim, este trabalho tem o objetivo de analisar a utilização da fotografia como recurso metodológico em práticas ambientais, dando ênfase aos temas poluição e lixo. O objetivo é utilização da fotografia como ferramenta didática, na Educação Ambiental, permitindo que o aluno se aproxime do conteúdo. Palavras-chaves: Imagens; Ferramenta didática; Práticas ambientais. Abstract The objective of this paper is to analyze the usage of photography as a metodological resource in environmental activities. Was held a photography workshop in Ribeirão São João in Porto Nacional with students, from eight to seventeen years old, of the Associação de Canoagem (Canoeing Association). The majority of the students´ pictures have portrayed the problems in which the Ribeirão is: garbage, polution were the most perceptions of the students. In this way, this work objetive is to analyze the usage of photography as a methodological resource in environmental practices, enphasyzing the polution and garbage themes. It aims to utilize the photography as a didatic tool in the environmental education; allowing the student to get in contact with the subject. Keywords: Pictures; Didatical tools; Environmental activities. Introdução O uso da fotografia como instrumento do processo de ensino-aprendizagem Uma das importantes tecnologias inventadas pelo homem foi a fotografia. Ela tem diversos significados de acordo com alguns autores. Segundo Dubois (1993, p. 47), a fotografia é a “imitação mais perfeita da realidade”, com a função de conservar os traços do passado. Em contraste, muitos foram os que discordaram da imagem fotografada como cópia do real. Segundo Martins (2002, p. 225) “teremos que admitir que essa realidade não é mais ela mesma e sim uma realidade mediada pelo tempo da fotografia, pelo olhar e pela situação social do próprio fotógrafo, por aquilo que ele socialmente representa e pensa”. A fotografia como um recurso tecnológico trouxe benefícios para diversos âmbitos da sociedade. O seu uso na ortodontia facilitou a utilização do diagnóstico ortodôntico, como também auxiliou a comunicação entre os profissionais e pacientes (MACHADO, 2004). Além desta, outros

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ramos de pesquisas foram facilitados através da imagem fotografada, como por exemplo, na área da Educação. Quando utilizada como recurso didático-pedagógico, a fotografia pode auxiliar os alunos na maneira de ver o passado, é “o ‘congelamento’ de uma situação ou espaço físico inserido na subjetividade de um realismo virtual” (BORGES, 2010, p. 152). A importância maior de se trabalhar com fotos ou outros recursos didáticos em sala de aula se dá pelo fato de vivermos rodeados de tecnologias e, de acordo com Kenski, (1996, p. 133) estes alunos estão acostumados a aprender através dos sons, das cores; através das imagens fixas das fotografias, ou em movimento, nos filmes e programas televisivos, [...] O mundo desses alunos é polifônico e policrômico. É cheio de cores, imagens e sons. Muito distante do espaço quase que exclusivamente monótono, monofônico e monocromático que a escola costuma lhes oferecer.

Sendo assim, cabe tanto aos professores quanto aos alunos e pais saberem ler sons e imagens, pois já se sabe que o professor e o livro didático deixaram de serem as únicas fontes de conhecimento (LIBÂNEO, 1998). A educação ambiental e a temática do lixo e da poluição O crescimento urbano acelerado, o capitalismo, o consumismo e à falta de preservação com o meio ambiente fizeram com que as pessoas se distanciassem da conscientização ambiental (GOMES et al. 2009). Diógenes e Rocha (2009) argumentam que algumas relações desencadeadas com a evolução da população deram origem, com consequência, à crise ambiental, uma transformação intensa dos recursos naturais com interesse no modo de produção capitalista para atender uma classe minoritária da sociedade, visando, sobretudo o acúmulo de capital. Entretanto, os problemas ambientais como, por exemplo, a poluição das águas, gera consequências nas relações entre os homens, pois, uma vez contaminados, os custos dos tratamentos e medicamentos serão de responsabilidade de cada um, e isto se reflete principalmente nas classes pobres, por não possuírem condições financeiras suficientes para contornar o problema (ibid, p. 201). A proposta dos 3 R’s (Reciclar, Reutilizar e Reduzir) seria uma solução efetiva para a poluição gerada pelo lixo se não fosse mais um problema avistado diante da colocação feita por Dacache (2004, p. 32) De fato, apenas o reciclar é estimulado, pois a sociedade tem interesse em recuperar matéria prima e energia. Reutilizar, por outro lado, contraria a lógica do consumo de massa. Reduzir em grande escala também é antagônico a economias que necessitam crescer permanentemente, incentivadas por uma eficiente máquina de marketing. Reduzir ou reutilizar vão de encontro aos interesses da nossa sociedade industrializada e de consumo e, por isso, não são muito pregados.

Assim, analisando o espaço no qual estamos inseridos diariamente, é possível perceber que a prática de reciclar, de fato, não se faz muito presente, caracterizando-se a ausência de valores sociais para com os problemas ambientais. Entretanto, uma nova proposta, o princípio dos 5 R’s (Repensar, Recusar Reciclar, Reutilizar e Reduzir), está se implantando em projetos de Educação Ambiental para reduzir o consumo, ao invés de focar em práticas de reciclagem (Ministério do Meio Ambiente, 2009). Os dois itens a mais, buscam que os indivíduos repensem a necessidade de consumo e, que recusem possibilidades do uso desnecessário, sendo métodos convenientes e, porventura, mais acessíveis em relação às práticas de reciclagem. No Brasil, uma pesquisa foi realizada em 2002 pelo Ministério do Meio Ambiente juntamente com o Instituto de Estudos da Religião (ISER) e identificou o desmatamento e a poluição das águas e do ar como os principais problemas do país (TEIXEIRA, 2007). Diante disso, faz-se necessário desenvolver projetos ambientais nas escolas para mitigar tais problemas e, Knorst

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(2010) salienta que a importância de estudos sobre as questões ambientais nas aulas contribuirá para formar cidadãos conscientes, responsáveis e críticos, porém, este será um desafio aos docentes. O presente trabalho foi desenvolvido a partir da oficina de fotografia realizada no âmbito do programa de extensão universitária “A formação de professores do Ensino Fundamental com vistas ao reconhecimento e conservação dos Recursos Naturais na Amazônia Legal, a partir de um estudo multidisciplinar da Bacia Hidrográfica do Ribeirão São João - Porto Nacional – TO”, tendo como objetivo a análise da utilização da fotografia como recurso metodológico em ações de Educação Ambiental, tendo como base as fotos referentes aos temas “poluição” e “lixo”. Materiais e métodos Caracterização da área de pesquisa O Município de Porto Nacional está localizado na região Central do Estado do Tocantins, possuindo uma área de 4.449,918 km², com uma população estimada em 49.146 habitantes e densidade demográfica de 11,04 habitantes/km², segundo dados do IBGE, censo de 2010. O mesmo é drenado pela bacia do Ribeirão São João (Figura 01), que nasce na região denominada de Serra do Carmo, e desagua no Reservatório da Usina Hidrelétrica Luís Eduardo Magalhães (Lajeado) (ARAÚJO; BARBOSA, 2010). Possui em média uma área de 8.882,1968 hectares e, “o curso principal que dá nome a bacia hidrográfica, Ribeirão São João, têm aproximadamente 20 km de extensão, (...) e a vegetação original é o Cerrado com presença de matas de galeria” (LEITE; ROSA, 2011).

Figura 01: Localização da Bacia do Ribeirão São João, Município de Porto Nacional – TO. Metodologia A oficina de fotografia foi realizada no Ribeirão São João e na Praia Porto Real e, dirigida aos alunos da Associação de Canoagem de Porto Nacional (ACPN), contando com a participação de 34 alunos, com idades que variaram entre 8 e 17 anos, de ambos os sexos. Foram formados três grupos de alunos identificados pelos crachás de cores amarelo, verde e vermelho e, todos fizeram o percurso da Praia Porto Real até o Ribeirão São João por meio de embarcações em momentos distintos. Foram distribuídas duas câmeras digitais para cada grupo e proposto que fizessem o registro, tanto na Praia como no Ribeirão, das quatro temáticas propostas, sendo elas: moradia, lazer, lixo e poluição. Dentre elas, as temáticas “poluição” e “lixo” foram

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escolhidos como base para a discussão do trabalho, uma vez que o Ribeirão São João apresenta tais problemas. As fotografias produzidas na oficina foram analisadas individualmente e classificadas de acordo com os conceitos de Monteiro et al. (2001), destacando que lixo é todo material sólido ou semissólido que será descartado quando considerado inútil e indesejável e, de acordo com a Lei nº 6.938/81, considerando que poluição é a degradação da qualidade ambiental causada pelo homem de forma direta ou indireta, que leva à consequências como, por exemplo, o prejuízo à saúde, à biota, às condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente, além de outros fatores que não condizem com as normas ambientais estabelecidas. Resultados e discussões As fotografias produzidas pelos alunos dos grupos vermelho, verde e amarelo, resultaram em um total de 246, sendo 53,7% para a temática lixo e 46,3% para a poluição. A partir da análise individual das mesmas, notou-se que a maioria foi registrada no Ribeirão São João, o que leva a acreditar que o alto índice de fotos foi ocasionado pela grande ocorrência de ambas as temáticas neste local, fato que pode ter chamado a atenção dos alunos. O quantitativo de fotos referentes à temática poluição apresentou maiores registros com o grupo vermelho, obtendo-se um total de 48%. Para a temática lixo, o grupo amarelo se sobressaiu com 48%, o grupo verde os menores registro para as duas temáticas. Sabendo deste quantitativo, esta realidade torna-se preocupante, tendo em vista que, no Ribeirão São João, a montante do local onde foram feitos os registros fotográficos, localiza-se o reservatório de captação de água que abastece a população de Porto Nacional. Diante disso, um exemplo conhecido nacionalmente é o Rio Tietê, que poderia ser uma fonte rica de abastecimento de água para o Estado de São Paulo, entretanto, tomado pela poluição e devido à falta de saneamento, torna-se inviável (SÁ, 2014). A ausência de vegetação nativa pode ser observada constantemente ao longo do Ribeirão, onde foi realizada a oficina. Nesta região, há um predomínio de mangueiras, goiabeiras (Figura 2A) e coqueiros (Figura 2B) que vão até as margens, onde deveria ser a Área de Preservação Permanente (A.P.P.), segundo a Lei nº 12.651, de 25 de maio de 2012, assegurando a proteção da vegetação nativa. A perda de remanescente de vegetação nativa vem se agravando devido a novos loteamentos no perímetro urbano, o que tem provocado o carreamento de sedimentos para o Ribeirão, causando assim, o assoreamento.

Figura 02: Fotografias demonstrando a ausência de vegetação nativa e presença de mangueias, goiabeiras e coqueiros às margens do Ribeirão São João.

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As fotografias tiveram como foco principal o lixo, presente em toda a extensão percorrida do Ribeirão, destacando-se a grande quantidade de garrafas pet (Figura 3A e 3B), sacos plásticos (Figura 3C e 3D), isopor (Figura 3E) e móveis de madeira (Figura 3F). Este resultado é característico da ação antrópica nesta região, uma vez que algumas casas na zona urbana e também pequenas propriedades rurais estão localizadas às margens do Ribeirão, provocando tais alterações nas condições ambientais. Vale ressaltar que, o tempo que estes produtos levam para que sejam totalmente decompostos pode variar de meses, anos e até milhares de anos, como por exemplo, o plástico que leva em média 100 anos para se decompor e, a lata de alumínio que nunca se decompõe (SMA, 2011).

Figura 03: Fotografias destacando a grande quantidade de lixo presente no Ribeirão São João. A presença de peixes mortos também foi retratada pelos grupos (Figura 4A). A morte destes animais pode ser um indicativo da má qualidade da água por consequência da poluição e que, de acordo com Mercante (2005) isso ocorre, principalmente em decorrência da redução do oxigênio disponível na água, devido a sua utilização pelas bactérias no processo de decomposição da matéria orgânica, provinda dos esgotos. Além disso, também foi registrado um camaleão morto (Figura 4B), contribuindo ainda mais para a má qualidade da água. Diante disso, a poluição das águas deve preocupar não somente os órgãos públicos, mas toda a população que dela depende, pois este é um bem esgotável e de valor inestimável. Não somente a poluição, mas todos os agentes causadores da degradação do meio ambiente devem ser tratados por meio da Educação Ambiental, pois, como sugere Oliveira et al. (2012), é por meio dela que se “busca despertar a população sobre a situação do nosso planeta”, ou seja, ela representa o início da redução dessa crise global, principalmente quando praticada em conjunto.

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Figura 04: Fotografias retratando a presença de animais mortos no Ribeirão São João. Na praia, mesmo com um quantitativo menor de fotografias em relação ao Ribeirão, o resultado de fotos relacionadas à poluição e lixo foi significante. Principalmente às margens da praia, os alunos registraram muitos objetos semelhantes aos que foram encontrados durante o percurso pelo Ribeirão (Figura 5A e 5D), além de copos descartáveis e latas de alumínio (Figura 5B e 5C).

Figura 05: Fotografias tiradas na Praia Porto Real retratando a poluição e lixo. A partir destes resultados obtidos na oficina de fotografia, fica evidente a necessidade de desenvolver ações voltadas à Educação Ambiental para que a atual situação se reverta, ou ao menos seja mitigada. Para tanto, utilizar da fotografia como uma ferramenta precursora de ações voltadas à Educação Ambiental, poderá despertar nos alunos “a reflexão e crítica para os riscos e danos ambientais” (BORGES et al., 2010, p.153). Segundo Barbosa (2011), a imagem fotografada fará com que o indivíduo descreva suas sensações e sentimentos sobre o que está representado na foto, podendo então ser um instrumento

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útil nas salas de aula. Logo, os professores, fazendo uso das fotos do Ribeirão São João, poderão executar atividades em sala que desenvolvam habilidades resultantes em ações e atitudes nos alunos frente a este recurso tão necessário, mas, que se encontra degradado. A proposta de utilizar tais fotografias como auxílio à Educação Ambiental apresenta-se como uma opção poderosa nas escolas para o incentivo de práticas ambientais, principalmente por estas retratarem a realidade local dos alunos e, ao demostrar a situação do nosso entorno natural, isto poderá resultar na sensibilização dos indivíduos, enaltecendo a relação entre natureza e sociedade, visto que a Educação Ambiental deve se tornar uma prática social efetiva. Além disso, como sugerido por Hofstatter e Oliveira (2013), os próprios professores poderão produzir as fotos e ilustrá-las com maior propriedade nas salas de aula sobre as realidades da qual desejam discutir. Uma foto pode ter diversos significados, uma vez que cada indivíduo se encontra inserido no espaço e tempo distintos de outrem. Entretanto, o propósito é que cada olhar, independente de onde estejam, seja moldado pelos objetos contidos na imagem, consolidando novos hábitos, valores e postura para garantir a integridade do ambiente. Os trabalhos realizados com fotografias, como por exemplo, os de Barbosa e Pires (2011) e o de Borges et al. (2010) mostraram excelentes resultados ao utilizá-las como recurso didático na Educação Ambiental. Sendo assim, cabe proferir as palavras de Hofstatter e Oliveira (2013, p. 4) em que a fotografia “oferece aos educandos maneiras mais lúdicas e poéticas de expressão e construção do conhecimento”, podendo trazer benefícios que muitos anseiam e que poucos conseguem ir à busca de um mundo ecologicamente correto. Considerações finais Educar em prol do ambiente é um processo decisivo para a nossa qualidade de vida e, também, para as gerações futuras, já que o temos hoje, podemos não ter futuramente. Entretanto, mesmo tendo consciência disso, nossos atos não condizem com as nossas certezas. Devido ao consumo exagerado de produtos industrializados, o ser humano é o principal produtor do lixo e, por não saber gerenciá-lo, torna-se visível os diversos impactos ao ambiente. A fotografia como ferramenta didática tem um potencial comunicativo muito explícito, contribuindo para um melhor aprendizado, pois nem sempre os métodos tradicionais de ensino, a escrita ou a própria linguagem, são capazes de descrever diretamente o conteúdo que deseja ensinar e, por isso torna-se indispensável salientar a importância deste estudo com vistas na Educação Ambiental. É importante o desenvolvimento e continuação de novos trabalhos, já que a Educação Ambiental, um processo minucioso e íngreme, é realizada de médio a longo prazo. Sendo assim, as fotografias, a princípio com suas respectivas representações a partir da visão dos alunos, poderão ser utilizadas também para integrar as comunidades acadêmicas, ribeirinhas e a população em geral, ressoando de algum modo na conscientização e preservação do ambiente por meio de novas atitudes da sociedade diante de tal realidade. As possibilidades de uso destas fotos são vastas, tendo em vista que, além do ensino ser inesgotável, este recurso é e sempre será uma forma para se escapar do método tradicional de ensino, possibilitando novas formas para se trabalhar e garantir o desenvolvimento cognitivo e a reflexão crítica dos alunos. Referências bibliográficas

ARAÚJO, E. S.; BARBOSA, M. P. Diagnóstico preliminar de impactos ambientais no trecho urbano do córrego São João em Porto Nacional, Estado do Tocantins. Revista Eletrônica do Curso de Geografia. Jataí, n. 14, p. 158-167, 2010. Disponível em: . Acesso em: 21 mar. 2014. BARBOSA, L. C. A.; PIRES. D. X. O uso da fotografia como recurso didático para a Educação ambiental: uma experiência em busca da educação problematizadora. Experiências em Ensino de Ciências. v. 6, n. 1,

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O VALE DA PROMISSÃO: DEMARCAÇÃO, MOBILIZAÇÃO E CONFLITO EM PALMEIRA DOS ÍNDIOS – AL Luan Moraes dos Santos* Resumo A constituição brasileira de 1988 prevê que as terras de comprovada presença indígena sejam demarcadas. Porém o município de Palmeira dos Índios – AL tem, por muito tempo, sido exceção; seja pela ação das elites da região ou por falta de responsabilidade do poder público. A intenção deste artigo é mostrar e discutir os elementos envolvidos no conturbado processo de demarcação. Assim, partiremos de pressupostos teóricos de Fernand Braudel (1978), Edson Silva (2008) e E. P. Thomson (1998) entre outros autores que discutem história, cultura e território como forma de elucidar as questões do tempo presente. Palavras-chave: Contenda. História. Reflexão. Abstract The Brazilian Constitution of 1988 provides that the lands of proven indigenous presence are marked. However the city of Palmeira dos Indios – AL, for a long time, has been an exception; or by action of the elites of the region or lack of government responsibility. The intent of this article is to show and discuss the elements involved in the troubled process of demarcation. For this, we use theoretical assumptions of Fernand Braudel (1978), Edson Silva (2008) e E. P.Thomsom (1998) and other authors who discuss history, culture and territory in order to elucidate the issues of the present time. Key words: Strife. History. Reflection. Considerações iniciais: o aniversário da cidade Carros de som por todos os lados declamando a esmo: “A FUNAI é uma ameaça! Juntemse a nós e defendam seus direitos! Não à Demarcação!” Era 20 de agosto do ano de 2013. Palmeira dos Índios amanheceu ensolarada, e hiperativa naquele dia, aniversário de emancipação política, momento de comemoração não só para o município, mas também para os fazendeiros da região que se dispunham de maneira aberta a cooptar a população para defender seu ponto de vista, num ato público que denominavam “Movimento Palmeira de Todos”. Uma semana antes, garotos distribuíam panfletos freneticamente. Em tom de convocação, a mensagem impressa no papel apelava para que a população se fizesse presente nesse ato, anunciado como a única forma de protegerem a cidade do atraso econômico e da maldade da FUNAI. As emissoras de rádio, em seus principais programas jornalísticos, já anunciavam o movimento como um ato público do interesse de todos. No panfleto constavam as seguintes inscrições: “Movimento Palmeira de Todos! Contra a demarcação de terras em Palmeira dos índios. Vem pra rua!” Incluir-se-ia também aos apoiadores do movimento, organizações sindicais que representavam os principais segmentos econômicos do município entre eles políticos e magistrados, convocavam também os moradores das zonas urbana e rural. Graduando do curso de História da Universidade Estadual de Alagoas – UNEAL, membro do Grupo de Pesquisa em História dos Povos Indígenas de Alagoas - GPHI/AL e pesquisador voluntário PIBIC/FAPEAL vinculado ao Núcleo de Estudos Políticos Estratégicos Filosóficos - NEPEF. E-mail: [email protected] *

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Um dos monumentos de maior relevância cultural da cidade estava encoberto por faixas que continham mensagens contra a demarcação. A ‘casa museu’ (Foto 1), como é conhecida a residência onde morou o escritor Graciliano Ramos permanece ainda com estilo e arquitetura do início do século XX, suas janelas e portas são de madeira, um tipo bem antigo. No seu quintal fora feito um auditório, a muito tempo abandonado, contudo já não realizam eventos lá, pois o teto cheio de buracos por onde se pode, sem muito esforço, ouvir o som dos morcegos, denuncia a situação de abandono com tão belo patrimônio material. Um aglomerado de pessoas conversava desenfreadamente na calçada; falavam de tudo (da colheita, da vida dos vizinhos, dos filhos, das novelas etc.) menos da demarcação, estavam por lá e pouco sabiam sobre o tema (estavam a crer que perderiam suas terras caso ocorresse demarcação), esperavam pelo prefeito do município e seus aduladores. Duas horas haviam se passado, e nada do prefeito aparecer. Cães perambulavam pelas ruas. As vezes sozinhos, as vezes em matilha. Uns eram um tanto sarnentos, outros grandes e alguns pequenos. Os carros de som anunciaram a chegada dos representes dos sindicatos e demais elites locais. Começaram discursando sobre o disparate da demarcação e os malefícios acarretados com a desapropriação das terras dos pequenos produtores – alegam estar defendendo os menos favorecidos – discursos permeados por erros ortográficos. Após uma hora de discursos infundados, o prefeito é anunciado. Todo arrumado, de terno, gravata e tudo o mais que se exige dos ditos civilizados, acompanhado é claro, de um ar de superioridade e perigo. Os advogados discursaram em apoio à causa dos posseiros, dizendo ser contra a lei, tal delimitação territorial. Aquilo tudo parecia um teatro e uma cena muito comum era representada. Lá estavam o prefeito, seu cunhado deputado – um figurão de aparência truculenta, conhecido na região por sua ligação com uma empresa de rádio local –, como de costume, estavam rodeados de assessores e simpatizantes. Para completar a trupe, acabava de chegar um deputado federal, futuro governador, que apoiava claramente os posseiros, além disso exibiam um documento, era uma ata da reunião que haviam tido com os senadores de Alagoas para discutir o tema; mais uma vez a oligarquia alagoana mostrou a que veio e o clientelismo se fazia lei na prática. Tinha fazendeiro que cogitava atear fogo na propriedade caso fosse ameaçado, o argumento mais utilizado era o de que os índios são preguiçosos e não cultivariam a terra – isso foi proferido aos gritos –, um grande jogo de fingimentos, um verdadeiro teatro, o que aquilo representava; o palco era a casa de Graciliano, os bonecos eram as pessoas e os ventríloquos estavam personificados nos políticos, uma vez que, eram os grandes proprietários da região. Localizando: apontamentos sobre o campo da pesquisa Distante cerca de 135 km de Maceió, Palmeira dos Índios17 é uma cidade da região agreste do Estado de Alagoas cuja a história data do ano de 1773, com o surgimento de uma missão indígena. Adquiriu o status de vila em 1835 e emancipou-se politicamente em 1889. Atualmente, com 126 anos, tem economia fundamentada, principalmente, na agropecuária, com predominância do latifúndio, mas já produziu algodão e foi um dos centros comerciais mais proeminentes de Alagoas, possuindo ferrovia que, outrora, escoava a produção à capital do Estado. O clima é semiárido por estar localizada em uma região de transição entre o litoral e o sertão. Dona de cultura extremamente rica, considerada a terra do escritor Graciliano Ramos, do ator Jofre Soares, do historiador Luiz B. Torres, dos extintos e suntuosos cinemas entre outros ícones do legado cultural.

Para mais informações sobre o município de Palmeira dos índios http://www.cidades.ibge.gov.br/xtras/perfil.php?lang=&codmun=270630&search=alagoas|palmeirados%C3%8Dndios 17

ver:

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Os índios da etnia Xukuru-Kariri, habitam a zona rural do município. Aparecem na história oficial ora como mito, ora como ameaça e, em outros momentos, como slogan de vários estabelecimentos comerciais que se aproveitam da associação do município com os índios, como atrativo, na mesma medida que negam sua existência. Criaram-se lendas, popularizadas na região de forma romanceada e que encobrem os conflitos existentes. Portanto, as elites locais têm reservado “[...] as melhores coisas para si, não concedendo, com raras exceções, nem dignidade nem liderança às aldeias, mas, na verdade, depreciando o seu valor e a sua cultura.” (THOMPSON, 1998, p. 26) Nesse sentido, a lenda é passada por gerações, de forma romantizada para encobrir a situação dos povos que ainda hoje lutam por reconhecimento, pela terra, e pelas matas dessa região dominada por latifúndios. A disputa pela memória é, sem dúvidas, uma constante em nossa abordagem, uma vez que, “[...] negar outrem, já é conhecê-lo.” (BRAUDEL, 1978, p. 42) É nesse contexto que ponderaremos sobre os conflitos territoriais na região, compreendendo que o ato de negar o e sabotar a cultura indígena é, também, uma forma de afirmar a presença desses povos na região, reconhecendo-os como uma ameaça ao status quo. Veredas: um vale inundado de lágrimas O poeta chileno Pablo Neruda é o autor de diversos poemas. Dentre seus versos, alguns dos mais famosos constituem a história de Tupac Amaru (1971), que narra a conquista da América pelos espanhóis. Os versos que seguem, são extraídos dessa obra. Representam os índios que, após pegarem em armas, se encontram como sobreviventes; tem em si as cicatrizes da invasão como memórias dos castigos sofridos com todo o seu corpo sacudido pelo soluço do choro e da perda, gerando uma cascata com as lágrimas. El indio te mostró la espalda en que las nuevas mordeduras brillaban en las cicatrices de otros castigos apagados, y era una espalda y otra espalda, toda la altura sacudida por las cascadas del sollozo. Era un sollozo y otro sollozo. Hasta que armaste la jornada de los pueblos color de tierra, recogiste el llanto en tu copa y endureciste los senderos18 (NERUDA, 1971, p. _)

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O índio te mostrou o ombro no qual as novas mordidas brilhavam nas cicatrizes de outros castigos apagados, e era um ombro e outro ombro, todas as alturas sacudidas pelas cascatas do soluço. Era um soluço e outro soluço. Até que armaste a jornada dos povos cor de terra, recolheste o pranto em tua taça e endureceste as veredas.

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O escritor Luiz B. Torres (1973), em sua obra, se refere a Palmeira dos Índios, por muitas vezes como Vale da Promissão em alusão aos primórdios da ocupação da região, que a todos enchia os olhos pela fertilidade de suas terras. A cidade de fato prosperou, pelo menos até final dos anos 1960. Mas a que custo? Encima de quantos cadáveres estamos pisando? Fazendo uma conexão com os versos de Pablo Neruda é possível comparar a história dos Xukuru-Kariri com a história de Tupac Amaru. Restam-lhe as cicatrizes e uma vontade de lutar, amparada nas lagrimas derramadas por todos aqueles que, como costumam dizer, tombaram na sua causa, parentes que há muito estiveram ombro a ombro em defesa de seu povo. Tendo experimentado a guerra e a morte, os índios se endureceram, silenciaram e blindaram sua cultura dos intentos daqueles que lhes afligiam. E Palmeira dos Índios? Está dividida. Não em dois blocos, mas em três; de um lado os indígenas, reivindicando os seus direitos garantidos constitucionalmente; do outro os posseiros das terras estudadas para o processo de demarcação, movendo seus títeres nas sombras; e por fim e não menos obstante, o povo. Sim os habitantes, os cidadãos, os eleitores. Em suma, o gado que ao aboiar dos vaqueiros é controlado para tomar a direção que seus condutores desejam. O Vale da Promissão tornou-se, enfim, um Vale de Lágrimas. Movimento: os posseiros se organizam contra demarcação Naquela terça-feira, 20 de agosto do ano de 2013, em uma manhã nublada e quente, os posseiros e seus simpatizantes se organizaram contra a eminência de demarcação de terras em Palmeira dos Índios – AL. Dia em que se comemorava 124 anos da emancipação política do munícipio. Nem mesmo às festividades ocasionadas pelo feriado municipal, foram suficientes para acalmar os ânimos, acharam por bem aproveitar a data para realizar uma mobilização contra o reconhecimento e demarcações de terras indígenas pertencentes à etnia dos Xukuru-Kariri. O movimento teve (e ainda tem) à frente, os grandes fazendeiros da cidade; figuras políticas influentes como o prefeito, vários vereadores, alguns deputados e até mesmo senadores, que são grileiros de uma grande parte das terras visionadas no processo demarcatório. A Casa Museu de Graciliano Ramos foi o local escolhido para a concentração dos participantes do manifesto. Escolhida, sobretudo, pela influência de seu nome e por ser, um dos principais pontos turísticos e históricos da cidade. Os argumentos desses posseiros constituem-se, basicamente, na afirmação de que não existem índios na região e na classificação dos habitantes das aldeias pelo simples e arbitrário critério de pureza racial. Fazem referência as características físicas, ressaltando aquelas que ultrapassam os seus limitados conhecimentos. “Amparados pela legislação e utilizando regras estabelecidas por eles próprios, os grandes fazendeiros, pouco a pouco, com a ocupação de cargos, foram impondo o controle político hegemônico [...].” (SILVA, 2008, p. 113) Para manter sua preeminência, buscam apoio de políticos, padres, advogados entre outros que fazem parte de segmentos privilegiados da população e assim alcançam o público maciçamente. Percebemos que não foi por acaso que um ponto turístico de tamanha relevância foi utilizado como sustentáculo de divulgação dos argumentos contra demarcação. Evidenciamos que a disputa territorial sai do campo físico para o ideológico, para conquistar apoio popular, já que os líderes do movimento dispõem das rádios, jornais e demais mídias, podendo atingir o público maciçamente. Assim a população, que não está envolvida no processo demarcatório, é condicionada a aceitar as ideias dos políticos de forma análoga ao período

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eleitoral, que como bem sabemos, baseia-se no jogo de belas palavras, troca de favores e promessas de campanha. Assembleia: A política territorial indígena nas aldeias do povo Xukuru-Kariri Quarta-feira, nono dia do mês de outubro, ano: 2013. Fazia calor. A 7 quilômetros do centro de Palmeira dos Índios, o povo Xukuru-Kariri se reunia em assembleia geral para discutir os rumos que o processo de demarcação territorial tomara. Era também um momento de interação entre o povo e várias organizações que, de uma forma ou de outra, debatiam os mesmos assuntos. Tratar de política na aldeia, tornou-se um elemento do cotidiano dos índios, que desde pequenos aprendem a exercer suas funções dentro da aldeia e a tomar partido pela causa de seu povo. O ar daquele lugar exalava um cheiro doce de fumaça e ervas. Em uma grande faixa, pintada a mão, localizada no centro do local estava escrito “V Assembleia do Povo Xukuru Kariri Terra é mãe, fonte de vida e bem viver!” – um lema muito bem planejado –meses antes, os posseiros haviam se reunido para difamar os mesmos índios que forjaram tal lema. Havia casas de taipa, por todos os lados estávamos em uma propriedade que fora recentemente ocupada pelos índios, como sinal de retomada territorial, pois não se conformavam com a situação, uns com tantos e eles que precisavam da terra para sobreviver dispunham de tão pouco. O piso de barro vermelho batido combinava com as casinhas tão simples, que pareciam ter brotado do chão. As crianças brincavam e corriam, era o encontro de uma geração em plena luta que passava seus valores aos mais novos. Também era possível ver plantações de mandioca, inhame e alguns cajueiros. Fomos recebidos pelo Pajé, um homem alto e sério, estava pintado. Em sua mão direita um maracá, na esquerda um cachimbo e na cabeça um cocar feito com penas brancas e pretas combinado com a pintura corporal. Ele nos levou a um galpão localizado mais ao fundo do local. Uma faixa, grudada na parede, ostentava o lema da assembleia. Era, porém, feita com letras de papel emborrachado coladas em um tecido amarelo, a direita estava uma mesa, ornada com palhas verdes de palmeira Ouricuri. Ao fundo, um banner com fotos e inscrições sobre suas lideranças que já haviam tombado durante a luta por terras na região. Estavam no local, quando a assembleia se iniciou, líderes de algumas aldeias e também um advogado da FUNAI, que nos falou sobre o processo de demarcação das terras de Palmeira dos Índios. Ele disse que o juiz estava demorando para aprovar a proposta pois estava a escrever as justificativas; o ambiente estava repleto de índios e outros estudiosos do tema, inclusive membros do Conselho Indigenista Missionário-CIMI, que é um órgão da Igreja Católica, inserido nas ações dos indígenas. Quem liderava a assembleia era o Pajé e uma mulher de aspecto rígido, muito cautelosa em suas palavras, porém conhecia os temas e sempre fazia perguntas ao advogado. Os dois eram lideranças do povo Xukuru-Kariri e participaram ativamente de sua assembleia. Com isso podemos fazer uma comparação entre os argumentos dos posseiros (que não existem índios) e os dos índios, que provam sua existência agindo como seres pensantes e politizados. A assembleia contou ainda, com a presença do vice-cacique do povo Xucuru de Ororubá juntamente com outros líderes daquele povo do município de Pesqueira – Pernambuco. Tal presença mostra que, os Xukuru-Kariri tem apoio de índios de outra região os quais, servem de exemplo devido seu histórico de lutas e também pelo legado deixado por seu já falecido cacique Xicão Xukuru. Dois jovens índios do povo Xucuru, apresentaram vídeos que foram produzidos em suas aldeias, sobre a história de seu povo e mostraram aos Xukuru-Kariri que é possível se unir para conseguir o que desejam.

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Desde 2013 a demarcação e ações do governo municipal (que vem tentando a qualquer custo, barrar o processo, o que tem funcionado, pois a demarcação ainda não ocorreu oficialmente) são o centro das discussões. Vale lembrar que, existem discordâncias internas entre os XukuruKariri e por isso nem todas as aldeias participam da assembleia. A política palmeirense é imprevisível, ainda existem muitos pormenores; clima típico de cidade pequena onde as ‘autoridades’ mandam e desmandam. Coisas acontecem às escondidas e a população só fica sabendo através da mídia, muito tendenciosa como mencionado anteriormente. Ainda em 2013, o prefeito de Palmeira dos Índios, em sessão no senado proferiu um discurso eloquente, requisitando apoio na sua causa e repetindo que aqui não existe índio e que os poucos que se dizem como tal, não passam de malandros e aproveitadores. Considerações finais: um desfecho para a pesquisa Vimos anteriormente, que as disputas territoriais são parte do cotidiano de Palmeira dos Índios; uma cidade dividida pelo conflito. Em seguida, refletimos sobre a situação desses indígenas nos dias atuais e, ainda, abordamos os principais movimentos perpetrados contra e a favor da demarcação territorial e como as lideranças de ambos os lados atuaram para conseguir apoio. O Movimento Palmeira de Todos foi um momento excêntrico da história que se passa ao nosso redor. Ver as elites se juntando para concretizar seus objetivos revelou que as informações podem ser maquiadas e vendidas nas mídias como se fossem propagandas eleitorais, com o intuito de cooptar as pessoas que estão por fora da questão territorial. Quanto as mobilizações dos indígenas, é importante destacar a sua inserção na política territorial como algo extremamente singular Enfim, para compreendermos um tema que gera tantos conflitos, temos que, conhecer aquilo que queremos criticar, para não incorrer no mesmo erro que os posseiros ao classificar os índios como aculturados e pouco representativos de uma ‘raça’. Temos de ter em mente, que os índios do nordeste têm algo que os define, algo que é desconhecido e que os une como povos aptos para lutar tanto abertamente, quanto politicamente por seus direitos. Referências BRAUDEL, Fernand. Escritos Sobre a História. São Paulo: Editora Perspectiva, 1978. NERUDA, Pablo. Tupac Amaru. In: Canto General. Disponível em: www.cervantesvirtual.com/.../canto-general.../ff2585f4-82b1-11df-acc7-Acesso em: 23 de março de 2016 SILVA, Edson Hely. Xucuru: memórias e história dos índios da Serra do Ororubá (Pesqueira/PE), 1959-1988. Tese (doutorado) apresentada ao Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. Campinas, SP, 2008. THOMPSON, E. P. Costumes em Comum. Revisão técnica: Antônio Negro. Cristina Menguello. Paulo Fontes. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. TORRES, Luiz B. A terra de Tilixi e Txiliá: Palmeira dos índios séculos XVIII e XIX. Maceió: IGASA, 1973. Enviado em 30/04/2016 Avaliado em 15/06/2016

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“FILHOS DOS OUTROS” E “O FILHO ETERNO”: A INTERFACE ENTRE A LITERATURA E OS DIREITOS HUMANOS Lucas da Silva Martinez Pedagogo. Acadêmico da Especialização em Direitos Humanos e Cidadania Universidade Federal do Pampa Educador Ambiental na Prefeitura Municipal de Jaguarão Resumo Neste ensaio tenho por objetivo discutir os direitos humanos a partir da literatura. Principalmente no que se refere ao direito à educação enquanto Educação Especial, atendimento de crianças com deficiências e dificuldades de aprendizagem. Juntamente com estas leituras, trago discussões e excertos retirados de outros textos que se relacionam e de momentos de aula do componente curricular Fundamentos Ético-estéticos dos Direitos Humanos e Cidadania, do curso de Especialização em Direitos Humanos e Cidadania da Universidade Federal do Pampa. Nesse sentido, posso pontuar que as duas obras, e seus respectivos potenciais estéticos declaram e denunciam os direitos humanos no que se refere ao direito à vida e à educação. Tanto “o filho eterno” quando “os filhos dos outros” mostram que as pessoas estão aí, vivem e amam, e a devida interface com os direitos humanos se dá com a denúncia e com o potencial que a literatura tem de nos fazer pensar e, em seu silêncio, muito dizer. Palavras-chave: Literatura; Direitos Humanos; Educação Especial. Abstract In this essay I aim to discuss human rights from the literature. Especially as regards the right to education as special education, care of children with disabilities and learning difficulties. Along with these readings bring taken discussions and excerpts from other texts that relate and curriculum component class moments Ethical-aesthetic Fundamentals of Human Rights and Citizenship of the Specialization Course in Human Rights and Citizenship of the Federal University of Pampa. In this sense, I can point out that the two works, and their potential aesthetic declare and denounce human rights in regard to the right to life and education. Both "eternal child" when "other people's children" show that people are there, live and love, and the necessary interface with human rights is given to the complaint and the potential that literature has to make us think and in his silence, sorry to say. Keywords: Literature; Human rights; Special education. Introdução Neste ensaio tenho por objetivo discutir os direitos humanos a partir da literatura. Principalmente no que se refere ao direito à educação enquanto Educação Especial, atendimento de crianças com deficiências e dificuldades de aprendizagem. Na primeira parte deste escrito, contextualizo a discussão sobre literatura e direitos humanos principalmente a partir das leituras de Antônio Cândido, sendo estas “O direito à literatura” (CANDIDO, 1995) e “A literatura e a formação do homem” (CANDIDO, 2012). Juntamente com estas leituras, trago discussões e excertos retirados de outros textos que se relacionam e de momentos de aula do componente curricular Fundamentos Ético-estéticos dos Direitos Humanos e Cidadania. Após esta primeira parte passo para alguns apontamentos sobre o livro “Filhos dos outros”, de autoria de Torey L. Hayden. A discussão deste livro pode elucidar questões sobre o ensino para pessoas que são público da Educação Especial, bem como justificar a questão dos direitos humanos em diálogo com a literatura, no recorte especialmente da formação docente para essa modalidade. Em contraponto à esta obra, apresento também a obra “O Filho Eterno” de

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Cristovão Tezza, na tentativa de, através de um romance, perceber como a estética da literatura e, da arte, nos provocam e chamam nosso olhar para o diferente e o seu viver. A literatura e os direitos humanos Sem mais a introduzir, começo esta primeira parte do escrito a partir da ideia construída por Candido acerca da função humanizadora da literatura. A literatura confirma a humanidade do homem e lhe auxilia na problematização do mundo e de si próprios. “A literatura confirma e nega, propõe e denuncia, apoia e combate, fornecendo a possibilidade de viver dialeticamente os problemas” (CANDIDO, 1995, p.17). Humanização aqui entendida refere-se ao exercício da reflexão, a possibilidade de aprender, dispor-se ao próximo, a capacidade de problematizar a vida, o senso da beleza, a complexidade do mundo entre tantas outras coisas. Assim, a “literatura desenvolve em nós a quota de humanidade na medida em que nos torna mais compreensivos e abertos para a natureza, a sociedade o semelhante” (CANDIDO, 1995, p.22). A literatura enquanto forma de arte tem uma estética própria e não segue as mesmas regras éticas da humanidade. A catástrofe pode muito bem ser esteticamente bela (ADORNO, 2006, p. 62) e provocar reflexões que servem para humanização e para a desumanização. A arte e a literatura na história da humanidade foram utilizadas para disseminar ideologias e manter o “status quo”, ou seja, deixar tudo como está, oprimidos e opressores cada um em seu lugar, com suas tarefas e seus direitos (ou a ausência destes). Complementando: “a educação pode ser instrumento para convencer as pessoas que o que é indispensável para uma camada social não o é para outra (CANDIDO, 1995, p. 15)”. A estética da arte teria três funções principais: 1) desbanalizar o normal, que passa despercebido aos olhos e aos sentimentos humanos 19; 2) familizar aquilo que para nós é diferente, aquilo que nos incomoda e que pode ser familiarizado e; 3) criar conflitos internos sobre o mundo na tentativa de refletir sobre as coisas, pessoas, relações e o mundo. Assim, a literatura, embora muitas vezes traga um posicionamento ou uma crítica formada em seu interior, sempre dá margens para repensar-se. A arte nunca traz um conceito definido, ao contrário, se algo definir perde em si mesma o seu valor. Essa última afirmação tem justificada ideia no escrito de Larrosa (2006) quando escreve que Toda obra literária cobiça um silêncio, uma obscuridade. E é isso que diferencia sua linguagem da linguagem não literária, dessa linguagem arrogante e dominadora que pretende iluminar e esclarecer, explicar, dar conta das coisas, dizer tudo. (...) Por isso a literatura não esgota aquilo que poeticamente ocupa, aquilo que não deixa, ao expressálo, exausto e saturado. O misterioso expressado poeticamente, ao conservar seu mistério, conserva-se como uma fonte infinita de sentido Por isso, a literatura continua nutrindo-se indefinidamente de seu segredo, de sua obscuridade, de seu silêncio. (LARROSA, 2006, p.75)

A literatura também é considerada uma forma de satisfação das necessidades, como a necessidade de ficção preenchida diariamente através de diferentes formas como anedotas, adivinhas, trocadilhos, narrativas populares, cantos folclóricos, lendas e mitos. Por esta necessidade do homem pela literatura, justifica-a como um direito que todos devem ter, desde as formas mais básicas de literatura quanto às mais eruditas (CANDIDO, 1995) A literatura atua diretamente na formação da personalidade do sujeito. De acordo com Candido O autor Lorenz Marti em seu livro: “Quem te mostrou o caminho? Um cachorro!” chama atenção que nosso cotidiano traz momentos importantes que passam despercebidos como a serenidade das árvores que mesmo com a velocidade do mundo mantém-se calma, o ato de caminhar e contemplar as coisas ao redor como forma de pensar o mundo e se repensar enquanto pessoa, entre outros. MARTI, Lorenz. Quem te mostrou o caminho? Um cachorro!: a mística descoberta no cotidiano. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009 19

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 12 Nº29 vol. 02 – 2016 ISSN 1809-3264 Página 66 de 126 (...) as criações ficcionais e poéticas podem atuar de modo subconsciente e inconsciente, operando uma espécie de inculcamento que não percebemos. Quero dizer que as camadas profundas da nossa personalidade podem sofrer um bombardeio poderoso das obras que lemos e que atuam de maneira que não podemos avaliar. (CANDIDO, 2012, p. 84)

Ainda mais: a literatura é uma aventura e não é nada inofensiva. Por isso, muitas vezes a literatura é utilizada para dominação e para construção e manutenção de ideais. Na escola gera conflitos. Também é segregada por medo do que pode suscitar. A literatura ensina como a vida, mas, é natural muitas vezes ser utilizada como um manual de boas condutas devido à diferentes ideologias e ideais de comportamentos(CANDIDO, 2012). A literatura para Candido também é considerada uma forma de conhecimento. A obra literária embora poética e ficcional parte também da personalidade do autor, da autonomia e das situações do mundo bem como também de fonte de inspirações no real, na concretude da vida. Depois de falar sobre a literatura e suas dimensões na formação, cabe aqui complementá-la com sua interface em relação aos direitos humanos. A literatura hoje possibilita a denuncia destes direitos. Além disso, Said (2007) aponta que a tarefa dos intelectuais e escritores hoje é senão esta: opor-se as ideologias e formas desumanizantes e “apresentar narrativas alternativas e outras perspectivas da história”(p.170). Assim, poderão ser contempladas as coisas de outros ângulos, outras possibilidades, outras interpretações. Nossos tempos hoje são contraditórios e irracionais. Com o avanço da racionalidade técnica e do domínio da natureza, hoje tais condições permitem solucionar grandes problemas. Candido confirma isto afirmando que: a irracionalidade do comportamento é portanto máxima, servida frequentemente pelos mesmos que deveriam realizar os desígnios da racionalidade. Assim, com a energia atômica podemos ao mesmo tempo gerar força criadora e destruir a vida pela guerra; co mo incrível progresso industrial aumentamos o conforto até alcançar níveis nunca sonhados, mas excluímos dele as grandes massas que condenamos à miséria; em certos países como Brasil, quanto mais cresce a riqueza, mais aumenta a péssima distribuição dos bens. Portanto, podemos dizer que os mesmos meios que permitem o progresso podem provocar a degradação da maioria. (CANDIDO, 1995, p.11)

Estes argumentos justificam cada vez mais a questão dos direitos do homem e da humanização. Pensar direitos humanos implica pensar que os mesmos direitos que eu tenho são também indispensáveis ao outro (CANDIDO, 1995) Nilis e Bilibio (2012) apontam que a sociedade está psicologicamente doente, pois o consumismo, o capitalismo e tantos outros ideais mudaram e, portanto, fizeram a humanidade pensar mais em si mesmo e menos nos outros, nas desigualdades com os outros. Neste sentido, os autores advogam que Uma sociedade sadia desenvolve a capacidade do homem para amar o próximo e a natureza, para trabalhar criativamente, para desenvolver sua razão e objetividade e também sua sensibilidade, para que tenha um sentimento de valorização de si mesmo e de suas próprias capacidades produtivas. (NILIS, BILIBIO, 2012, p.52)

Os direitos humanos podem dar uma força insuspeitada para a literatura incutindo a urgência destes problemas (CANDIDO, 1995). O autor dá exemplo de que a obra de Graciliano Ramos contribuiu para incentivar sentimentos raciais de desmascaramento social em determinada época. Outros tantos autores denunciaram a pobreza, a exploração entre outros temas. Então, podemos confirmar que a literatura é um direito inalienável por sua capacidade de problematizar, denunciar e dar voz.

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Os filhos dos outros e o filho eterno: dialogo entre literatura e direitos humanos Por último, contextualizo o livro de Torey L. Hayden, “Filhos dos outros20”. Essa obra apresentada a mim no tempo de formação enquanto bolsista PIBID (Programa de Bolsas de Iniciação à Docência) me ajuda a refletir sobre a atuação do professor na Educação Especial. De forma breve, contextualizo alguns itens que podem nos ajudar a entender como os direitos humanos fazem parte do cotidiano do professor, em especial, os professores que atuam com alunos com deficiência e dificuldades de aprendizagem. Embora em si a obra não tenha um elemento estético e não se configura como ficção, é um relato de uma professora/psicóloga e para mim a obra confere o mesmo valor. Quando leio Filhos dos outros, de maneira alguma penso apenas nas características didáticas ou aplicáveis, por não considerar que a obra seja uma receita ou dê indicações claras de como seguir. Ao contrário, me volto tanto a mim como se fosse uma obra de ficção. Entretanto, para estabelecer um contraponto à visão de Filhos dos Outros, trago fragmentos da obra de Cristovão Tezza, ”O Filho Eterno” (2010). Neste romance, em linhas gerais, o autor problematiza a vivência com seu filho deficiente, onde, através da ficção, demonstra suas dificuldades enquanto pai de uma criança com Síndrome de Down. O Filho Eterno se torna a discussão estética de fundo, que alude às questões principais sobre a literatura no inicio deste escrito. Neste livro, Torey enquanto professora tem cria uma turma clandestina de alunos que não se encaixavam no ensino regular. Torey L. Hayden é uma psicóloga que atuou em escolas e hospitais com sujeitos com deficiência. Ela conta na introdução do livro que os Estados Unidos passavam por um processo de inclusão radical e, por isso, pela incapacitação de muitos profissionais, os alunos ficavam à margem nas salas de aula. Torey possui quatro alunos e descreve suas situações e a descrição dos alunos com tamanha delicadeza que nos permite vê-los: Boothe (mais chamado de Boo), uma criança autista; Lori, com extrema dificuldade em alfabetização; Tomaso, uma criança com extrema agressividade e Cláudia, aparentemente sem nenhum problema cognitivo, mas, em depressão e com gravidez precoce. A literatura e em específico esta obra nos faz refletir sobre a situação das crianças, como esta: Lori viera para mim em circunstâncias muito penosas. Ela e a irmã gêmea tinham sido adotadas com cinco anos. A irmã não tinha nenhum problema de aprendizado. Mas Lori, desde o começo teve dificuldades. Era hiperativa. Não aprendia. Não era capaz nem de copiar o que estava escrito. A realidade arrasadora manifestou-se durante seu segundo ano no jardim de infância, uma repetição de ano provocada pela frustração dessa criança que não podia acompanhar as outras. (p.14)

Do mesmo modo, em “O filho eterno”, Tezza (2010) constrói a imagem do desespero do pai ao saber que o seu filho recém-nascido seria “mongoloide”, quando o personagem começa a refletir sobre a ausência de “mongoloides” na sociedade, seus problemas e a facilidade dos mesmos em morrer. Escreve da seguinte forma: Não há mongoloides na história – relato nenhum – seres ausentes. Leia os diálogos de Platão, as narrativas medievais, Dom Quixote, avance para a Comédia Humana de Balzac, chegue a Dostoiévski, nem este comenta, sempre atento aos humilhados e ofendidos; os mongoloides não existem. (TEZZA, 2010, p.36)

O livro não traz referências da edição brasileira, apenas se sabe que foi a Editora Melhoramentos. Referência original: Torey L. Hayden. Somebody Else’s Kids. Publicado por G. P. Putnam’s Sons – Nova Youk, 1981 20

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Na tentativa de iludir-se sobre a baixa expectativa de seu filho, acreditou que não deveria se preocupar (TEZZA, 2010). Se por um lado as condições objetivas de Torey e a familia de Lori lhes deixava sem esperanças para continuar, Tezza e seu personagem faziam de tudo para acreditar que aquela situação em breve teria fim. O excerto de Torey mostra um estrato de como é de certa forma atuar na Educação Especial e as barreiras enfrentadas. Lembro de quando li a primeira vez este livro: pensei em Lori com um carinho especial, alguém que sem dúvida precisava de muita atenção. Em outro momento, Torey demonstra como Lori chega à sua turma: Embora Lori não constasse de minha lista original de alunos no começo do ano, aparece em minha sala durante a primeira semana, levada por Edna. Tínhamos, segundo Edna, um caso de “lentidão”. Lori era tão densa ela me disse, que não conseguiria fazer com que as letras entrassem em sua cabeça nem com um revólver. (p.23)

A forma com que os professores referem-se aos alunos com dificuldade é notável. Aprender para a professora de Lori, Edna era praticamente impossível, nem com revolver conseguiria. Isso é velado, mas, grande parte dos momentos os professores dizem: “Esse aluno é uma causa perdida!” “Eu não sei porque a escola aceita esta gente!” “Este aluno vem apenas para incomodar”. Não se sabe a veracidade das afirmações, mas, sem dúvida, são impregnadas de preconceitos e dificuldades pessoais. Torey sem dúvida, assume sua dificuldade quando diz: Ensinar Lori era uma tarefa frustrante. Edna, sem dúvida tinha razão nesse ponto. Em três semanas eu já tinha usado toda minha experiência em ensinar a ler. Tentara todo o que se pode imaginar para ensinar aquelas letras a Lori. Usei métodos aos quais acreditava, métodos sobre os quais era cética, métodos que já sabia serem absurdos. Nessa altura eu não era muito exigente na escolha de filosofias. Apenas queria que ela lesse. (p.23)

Torey sofria em sua atuação. Não trago em forma de citação, mas ressalto que sua vida social era relativamente curta. Gastava muito tempo com os alunos. Seu próprio companheiro não conseguia entender como ela investia tanto nas crianças e tão pouco em si, a ponto de deixá-la. Não podemos afirmar que esta é a realidade de todos os casos, mas os professores passam dificuldades na docência e muitos, abnegam de si e dedicam-se ao exercício da sua profissão, muitas vezes entendendo enquanto sua “vocação”. Do mesmo modo, em O filho eterno, o sofrimento mostra sua face. Em um trecho, em que seu filho não conseguia mamar o leite de sua mãe, a mãe desabafa: Numa das crises, ela lhe diz, no desespero do choro alto: Eu acabei com tua vida. E ele não respondeu, como se concordasse - a mão que estendeu os cabelos dela consolava o sofrimento, não a verdade dos atos. Talvez ela tenha razão, ele pensa agora, no escuro da sala – é preciso não falsificar nada. Ela acabou com a minha vida – refugia-se no oco da frase, sentindo-lhe o eco, e isso lhe dá algum conforto. (TEZZA, 2010, p. 42)

Até o presente momento vemos de um lado, uma professora dedicada, mas cheia de dificuldades, de outro, um família sofrendo ao ver a inconclusão de suas expectativas. Quando volto à leitura de Filhos dos Outros, relembro meus momentos com os alunos, como era prazeroso conversar e discutir com eles e como era difícil planejar e criar atividades que eles conseguissem realizar plenamente, desde leitura à matemática. Torey ainda tinha outros alunos. Boo era extremamente complicado devido seu autismo. Em um trecho Torey relata uma das crises de Boo: Então, inesperadamente Boo gritou. Não um pequeno grito. Um berro, que podia ser ouvido m Marte. AHHH-AHHHH! ARRRRRR! Parecia um colho sendo estrangulado.

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 12 Nº29 vol. 02 – 2016 ISSN 1809-3264 Página 69 de 126 Levou as mãos aos olhos e caiu no chão, debatendo-se. Depois, levantou-se, antes que eu tivesse tempo de chegar perto dele. Correu ao redor da sala: AHHHHHH! ARRRRR! Uma sirene humana. Os braços erguidos sacudiam-se sobre a cabeça, como um dançarino nativo. Caiu outra vez. Contorcia-se em agonia. Com as mãos ao rosto, batia a cabeça no linóleo que forrava o soalho. E gritava o tempo todo. AHHHHH! IHHHHHHH! (p. 11)

Ao passo que Torey conhecia seus alunos e percebia suas dificuldades, Tezza aprendia a lidar com seu filho, Felipe. Com o passar do tempo aprendeu a conhecê-lo, principalmente sabendo que o mundo, sobretudo, tornava-se um grande obstáculo para a vivência de Felipe. Ha crianças com síndrome de Down que desenvolvem uma boa autonomia nesse sentido - o Felipe, nunca. A odisseia de ir até a esquina comprar um jornal, por exemplo, seria atravessada por milhares de estímulos convidativos incapazes de se controlarem sob um projeto no tempo - caminhar ate a banca, comprar o jornal, pegar o troco, voltar para casa. Teria de enfrentar, também, um mundo despreparado para ele. E eventualmente agressivo: certa vez, crianças vizinhas, a crueldade medida de quem apenas brinca com o clássico bobo da vila, o colocaram no elevador, apertaram o botão do ultimo andar, apagaram a luz e fecharam a porta, deixando-o só. (TEZZA, 2010, p. 185)

Torey no meio do livro recebe Tomaso, uma criança na qual tinha sofrido muito. Sua mãe morreu quando ele era um bebê. O pai casou-se novamente. O irmão mais velho matou o pai à tiros e Tomaso foi testemunha ocular de tudo. Foi colocado à custódia do Estado e acabou indo morar com o tipo. Foi considerado “anti-social” e “incapaz de se apegar às pessoas”. Foi vendido por 500 dólares pelo tio. A família quis devolvê-lo e acabaram prendendo o tio. Foi Parar em um lar adotivo. O senso comum diria que este menino não teria muitas chances de avançar. Vivia constantemente de escola, não conseguia acompanhar os alunos e era incrivelmente agressivo. Mesmo com alguns episódios de xingamentos e raiva, e até uma ameaça de tesoura, Torey encantou-se com Tomaso. Em suas palavras: Comecei a amar o garoto. Com aquele amor poderoso e irracional que algumas crianças despertavam em mim, um amor inexplicável, porém extremamente forte. Amava o modo escandaloso com que Tomaso encarava a vida, sua incrível capacidade de agarrase a um mundo que tinha sido tudo, menos bom, para ele, e até conseguir intercalar algumas risadas no meio disso tudo. (...) Talvez por isso acima de tudo eu o amava. Era um garotinho com tanto espírito de luta. Nem o medo conseguia dominá-lo completamente. Com todos os seus problemas, Tomaso não desistia. (p.69)

Torey ainda tinha Cláudia. Uma menina linda e grávida quase de sua altura. Torey não sabia o que fazer com ela de forma alguma. O livro mostra a indecisão de Torey e a breve passagem de Cláudia pela classe. Cláudia era ainda um enigma para mim. Não tanto pelo que fazia, creio. Mas pelo que não fazia. Não fazia muita coisa. Desde que chegou, até o dia em que foi embora, se consegui que dissesse três sentenças completas, foi muito. Raramente me olhava nos olhos. Seu modo favorito de olhar era para baixo. (p.102)

Finalizando, Torey expressa seu sentimento relativo ao final do ano: “Os animais já tinham sido levados, o tapete enrolado, as cadeiras arrumadas, (...) Porém, as paredes falavam comigo. Tanta coisa tinha acontecido ali. Como acontecia todos os anos, desejei que não estivesse no fim.” (p.251). Tezza, por outro lado, vivencia com Felipe a existência da atemporalidade no seu cotidiano. E se Torey vivencia o final do ano, a transcendência e o findar dos dias, Felipe vive cada dia como único.

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 12 Nº29 vol. 02 – 2016 ISSN 1809-3264 Página 70 de 126 Passaram-se anos. Parece que o pai havia entrada em urn outro limbo do tempo, em que o tempo, passando, esta sempre no mesmo lugar. Uma estabilidade tranquila, uma das pequenas utopias que todos com um pouco de sorte vivem em algum momento de suas vidas. O poder maravilhoso da rotina, ele pensa, irônico. Transforma tudo na mesma coisa, e é exatamente isso que queremos. Mas há uma razão: o seu filho não envelhece. E alem da cabeça, que é sempre a mesma, pelos meandros insondáveis da genética ele crescera pouco, vítima de um nanismo discreto. Peter Pan viverá cada dia exatamente como o anterior - e como o próximo. Incapaz de entrar no mundo da abstração do tempo, a ideia de passado e de futuro jamais se ramifica em sua cabeça alegre; ele vive toda manha, sem saber, o sonho do eterno retorno. (TEZZA, 2010, p. 183)

Embora as dificuldades fossem recorrentes, Torey empenhava em fazer seus alunos aprenderem. O livro nos faz refletir sobre as dificuldades do fazer docente na Educação Especial bem como as crianças que lá estavam, seus sentimentos e sua forma de ser. Considero de grande relevância e visualiza-se claramente os direitos humanos, especialmente o direito à educação de qualidade, em um contexto de dificuldades e diferenças. Com O Filho Eterno e sua narrativa, podemos claramente perceber que a literatura nos faz refletir e, mais do que certezas, aponta questionamentos e dúvidas, mantendo a tensão e nos deixando reflexivos e alertas. Nesse sentido, posso pontuar que as duas obras, e seus respectivos potenciais estéticos declaram e denunciam os direitos humanos no que se refere ao direito à vida e à educação. Tanto “o filho eterno” quando “os filhos dos outros” mostram que as pessoas estão aí, vivem e amam, e a devida interface com os direitos humanos se dá com a denúncia e com o potencial que a literatura tem de nos fazer pensar e, em seu silêncio, muito dizer. Referências ADORNO, Theodor. Teoria estética. Lisboa: Edições 70, 2006 CANDIDO, Antonio. O direito à literatura. In: ______. Vários escritos. 3. ed. São Paulo: Duas cidades, 1995 ______. A literatura e a formação do homem. Revista IEL Unicamp. 2012. Disponível em: . Acesso em 04 Abr. 2016 LARROSA, Jorge. Pedagogia Profana: danças, piruetas e mascaradas. Tradução de Alfredo VeigaNeto. 4 ed. 3ª imp. Belo Horizonte; Autêntica. 2006 NILIS, Alessandra Bortoni; BILIBIO, Marco Aurélio. Homo sapiens, homo demens e homo degradantis: a psique humana e a crise ambiental. Psicologia e Sociedade, n. 24 (1), P. 46-55. 2012. Disponível em: Acesso em: 13. maio. 2014 SAID, Edward W. O papel público dos escritores e intelectuais. In: ______. Humanismo e crítca democrática. São Paulo: Companhia das Letras, 2007 TEZZA, Cristovão. O filho eterno. 10. ed. – Rio de Janeiro: Record, 2010. Enviado em 30/04/2016 Avaliado em 15/06/2016

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O PROBLEMA DA HOMOGENEIZAÇÃO E O DESENVOLVIMENTO DAS POTENCIALIDADES DOS ALUNOS NA EDUCAÇÃO BÁSICA BRASILEIRA: ANÁLISES E PERSPECTIVAS Marcelo Marcon21 Resumo Este artigo tem por objetivo analisar alguns aspectos presentes na educação básica brasileira. Em especial, analisamos um problema que têm trazido consequências negativas a estudantes no processo de aprendizagem, que diz respeito a prática de homogeneização, ou seja, a falta de atenção dos professores nas potencialidades e particularidades de seus alunos. Tendo em vista que cada ser humano é, por essência, diferente, e possui características e habilidades próprias, quando o sistema educacional trata todos os alunos da mesma maneira, ele deixa de incentivá-los a desenvolver suas habilidades, e por consequência, isto afeta em seu desenvolvimento. Palavras-chave: Educação básica. Homogeneização. Potencialidades. Abstract This article objective is to analyze some aspects of the present basic Brazilian education. We specially analyzed a problem that has been bringing negative consequences to the students’ learning process referent to the homogenization practice or the lack of attention from the teachers toward their students’ potential and particularities. Knowing that the essence of every human being is different and they have their own characteristics and abilities, when the educational system treats every student the same, it avoids motivating them to develop their abilities and as consequence it affects their development. Key words: Basic education; Homogenization; Potentialities. Introdução A Educação Básica brasileira sempre é tema de grandes debates e discussões, afinal, ela é responsável pelo processo de ensino-aprendizagem que acompanha e orienta a caminhada do ser humano, desde quando entra na escola, até a conclusão do Ensino Médio, tornando-o não só apto ao mercado de trabalho, mas a continuar desenvolvendo seus estudos em nível superior. Vários são os temas presentes no contexto escolar que merecem nossa discussão. Neste trabalho, apresentaremos alguns, fazendo primeiramente uma abordagem geral sobre a Educação Básica no Brasil, apresentando uma observação de sala de aula e fundamentando teoricamente os aspectos discutidos anteriormente e observados no espaço escolar. Um aspecto que na atualidade vêm causando certa confusão entre os professores é a inserção das novas tecnologias nas aulas. Muitas vezes professores acreditam que o aluno tem uma visão de que tudo que não é muito veloz é chato, e então se troca uma real investigação bibliográfica pela internet, que nem sempre é confiável, e que tende a trazer informações muito superficiais 22. Tendo como base esse problema, é preciso que o professor tenha a capacidade de conciliar o antigo com o novo, ou seja, a utilização dos novos métodos e tecnologias deve ser inserida para aprimorar o ensino de uma forma agradável, e não substituir o professor e a real investigação bibliográfica. Mesmo que o problema da inserção das novas tecnologias mereça uma discussão mais aprofundada, considero que há um problema maior, que está presente na maioria das escolas, e Mestrando em História pela Universidade de Passo Fundo. Graduado em História também pela UPF. Email: [email protected] 22 KARNAL, Leandro. História na Sala de Aula. 3°ed. São Paulo: Ed. Contexto, 2005.p. 17. 21

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dificulta em muito a eficácia do ensino. Trata-se da dificuldade dos professores em lidar com as diferenças presentes na sala de aula, ou seja, perceber que os alunos são seres distintos, que não são uma tabula rasa, mas que ao entrar em contato com o ambiente de ensino trazem consigo um conjunto de conhecimentos, emoções, sentimentos, culturas e experiências vividas. Na perspectiva de evitar preconceito ou qualquer tipo de discriminação, muitos professores adotam a política da homogeneização, que consiste em tratar todos os alunos da mesma maneira. Apesar de o princípio de evitar discriminação ser muito importante, esse método de “igualdade”, acaba por trazer inúmeros prejuízos, uma vez que ignora as diferenças, a cultura e as experiências particulares dos alunos. Como diz Vera Candau, Esta realidade obriga a que, se quisermos potencializar os processos de aprendizagem escolar na perspectiva de garantia a todos/as do direito à educação, teremos de afirmar a urgência de se trabalhar as questões relativas ao reconhecimento e à valorização das diferenças culturais nos contextos escolares23.

Assim, podemos entender que as diferenças culturais dos alunos, não podem de maneira alguma, serem suprimidas por uma política que tenta disfarçar o preconceito procurando nivelar todos os alunos, pois são exatamente essas diferenças que auxiliam o processo de ensinoaprendizagem. É a partir das diferenças que o aluno pode descobrir suas potencialidades, e é dever do professor incentivar o aluno para que ele as desenvolva. Assim, passaremos a discutir esse problema através de uma observação de aula no ensino fundamental, para que possamos conhecer na prática este problema. Desenvolvimento Nesta perspectiva, da relação aluno-professor, nasce a didática, como uma forma de pensar a metodologia de ensino e aprendizagem. A didática, sendo a parte da pedagogia que se ocupa dos métodos e técnicas do ensino, destinados a colocar em prática as diretrizes da teoria pedagógica, estuda os diferentes processos de ensino e aprendizagem e é um ramo da ciência pedagógica que tem como objetivo de ensino técnicas que possibilitam o endereçamento do saber veiculado por intermédio da relação professor-aluno24. Dessa forma, sendo a didática responsável pelos métodos e técnicas de ensino, ela deve atuar no sentido de que estes possam desenvolver as potencialidades particulares de cada aluno, ela não pode compactuar com a homogeneização - pelo contrário, ela deve ser capaz de conseguir, dentro de um conjunto de diferenças, utilizar técnicas que aprimorem o ensino de acordo com cada aluno. Para mostrar como ocorre esta relação que é objeto de estudo da didática, a relação de aprendizagem do aluno por parte do professor, apresentarei uma observação de sala de aula, relatando o que vi e o que conclui, e depois trarei alguns autores para fundamentar esta pesquisa e discutirmos como está ocorrendo o processo de ensino-aprendizagem. Observei uma turma de sétima série em uma Escola Municipal de Ensino Fundamental. Na turma havia 17 alunos presentes, com média de idade de 12 a 15 anos. Observei a turma em uma aula de história, durante dois períodos (1 hora e 30 minutos), que se mostrou, desde o início, muito agitada, com muita conversa, o professor tem dificuldade em iniciar a aula sendo que os mesmos parecem ser indiferentes a eles. CANDAU, Vera Maria. Diferenças culturais, interculturalidade e educação em direitos humanos. Campinas: Educ. Social, 2012. 24 CANDAU, Vera Maria. A Didática em Questão. 14 ed. Petrópolis: Editora Vozes, 1997. 23

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Após ter que gritar com os alunos o professor consegue iniciar a aula, que tem como assunto “O Mundo feudal e a Igreja Católica”, retomando as aulas anteriores o professor explica o conceito de feudalismo, sobre a influência da Igreja na época, fala sobre Lutero, sobre Jesus Cristo, nesta posição defendendo a Igreja Católica, e ao falar de sua relação com a Monarquia ele afirma que “Na medida em que a Igreja se aproxima de um poder, ela se afasta do seu papel”. Em seguida o professor passa oito questões para os alunos pesquisarem no livro didático, parece que o professor passa várias questões para manter seus alunos ocupados, mas a conversa continua constante. Durante esse período, o professor passa nas classes verificar se os alunos fizeram o dever da aula anterior e se trouxeram o livro didático. Para os alunos que não fizeram o dever, ou não trouxeram o livro, o professor faz os alunos assinarem uma folha, e faz o mesmo com os alunos que conversam muito e atrapalham a aula. Esse é um método que parece ser utilizado há um bom tempo e que é consenso em toda a escola, e quando o aluno tem três assinaturas o professor o encaminha a direção, o que acontece com alguns alunos da turma. O horário da aula acaba e as questões ficam para ser corrigidas na próxima aula. Sobre esta aula, podemos analisar alguns pontos. Quanto ao conteúdo, o professor o domina, explica relacionando – o com a nossa atualidade e mostra-se empenhado no entendimento dos alunos. O que aqui merece ser avaliado é a forma que o professor utiliza para punir o “mau comportamento” dos alunos, que fica evidenciado não ser apenas uma prática desse professor, mas de toda a escola. Antes mesmo de começar a aula, ao conversar com o professor, ele me alerta que esta é uma turma difícil de trabalhar, o que realmente comprovo, pois há muita conversa e indiferença com a presença do professor, que precisa aumentar a voz para poder ser escutado. Na tentativa de parar com a conversa e punir os alunos que não fizeram o dever de casa, ou não trouxeram o livro didático, o professor faz os alunos assinarem a folha, que com três assinaturas resulta no encaminhamento do aluno para a direção, que tomará as devidas providências, sendo a mais usual, chamar os pais dos alunos para a escola e conversar sobre o comportamento de seu filho. Podemos associar esta prática, ao que foi dito no início, a política da homogeneização. Ao adotar o sistema de assinaturas e o consequente encaminhamento a direção da escola, prática imposta a todos os alunos, o professor e a escola em geral tendem a usar a mesma atitude para todos os alunos, esquecendo que cada um é um ser diferente. É preciso, portanto, analisa-lo individualmente, investigando qual o problema do seu comportamento, qual o contexto em que ele está inserido, quais os problemas que ele está enfrentando, seja dentro ou fora do espaço escolar. A autora Vera Candau, citando a pesquisadora argentina Emília Ferreira remete as origens da política de homogeneização na escola pública, que no século XIX tem a missão de criar um único povo, uma única nação, homogeneizando as crianças sem se importar com as suas diferenças. A igualdade era concebida como um processo de uniformização, homogeneização, padronização, orientado a afirmação de uma cultura comum a que todos e todas têm direito a ter acesso. Desde o “uniforme” até os processos de ensino-aprendizagem, os materiais didáticos, a avaliação, tudo parece contribuir para construir algo que seja “igual”, isto e, o mesmo para todos os alunos e alunas. Nesta perspectiva, certamente impossível de ser alcançada, as diferenças são invisibilidades, negadas e silenciadas, apresentando os processos pedagógicos um caráter monocultural 25.

Com base nesta afirmação podemos afirmar que o que entendemos por política da homogeneização não surgiu de uma hora para outra, e nem sem uma finalidade, ela é resultado do 25

Idem, p. 238.

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interesse da época. O Brasil foi um país em que o Estado foi criado antes da nação, ou seja, “fizeram” o Brasil, e depois precisaram “fazer os brasileiros”. Era preciso criar um sentimento único em favor da pátria, e as escolas foram os principais intermediários desse processo, onde a criança aprendia, desde seus primeiros anos na escola, a importância do civismo. Esta prática tinha o objetivo de tornar todos brasileiros, e acabou por fazer com que os professores tratassem todos os seus alunos da mesma forma, ignorando as diferenças que são imprescindíveis na descoberta das potencialidades de cada aluno. Na atual Educação Básica brasileira, essa prática ainda persiste, como pudemos comprovar com a observação acima citada. Utilizar-se dos mesmos métodos a fim de repreender determinados comportamentos para todos os alunos, comprova a indiferença do sistema escolar para as particularidades dos alunos. Na turma em que realizei a observação, ao terem que assinar ou ir até a direção os alunos mostram-se despreocupados com as consequências daquele ato. Esta forma de repreensão, não permite que o aluno possa refletir e entender, o porque da importância da realização do dever de casa, de trazer o material para a aula, e de contribuir para que a aula aconteça da melhor maneira possível. Ao contrário, ela acomoda ao aluno, que já sabendo o que lhe vai acontecer, continua a desenvolver seus atos que desagradam a escola. Vera Candau, no livro “A Didática em Questão”, aborda as dimensões técnica e humanista do processo de ensino-aprendizagem. A dimensão técnica refere-se ao processo de ensinoaprendizagem como ação intencional e sistemática, considerando os aspectos objetivos e racionais deste processo. Já a dimensão humanista, aborda as questões subjetivas, individualistas e afetivas do processo ensino-aprendizagem. Faz-se necessário, contudo, a utilização dessas duas abordagens neste processo, uma vez que ao utilizar apenas uma em detrimento da outra, o professor passa a esquecer a importância tanto das questões afetivas, como as questões objetivas no espaço escolar. A perspectiva da multidimensionalidade, abordada por Vera Candau, significa, ser capaz de abranger as diferentes abordagens presentes, sejam elas humanistas, técnicas e político-sociais. Na educação, não podemos partir apenas de uma dessas abordagens, uma vez que os alunos, os professores, e os outros protagonistas do ensino são dotados ao mesmo tempo de emoção e razão. A multidimensionalidade tem por objetivo mostrar a importância de se trabalhar nas várias dimensões presentes no ensino para que assim possamos enquanto professores realizar um ensino mais abrangente, e consequentemente, mais qualificado. Na observação de aula aqui relatada, o professor aborda a dimensão técnica, ele domina o conteúdo, utiliza-se da metodologia da problematização, e relaciona o conteúdo com a realidade dos alunos, de maneira objetiva, sistemática e racional. Mas, a meu ver, esquece-se da visão humanista, pois não procura levar em consideração os aspectos subjetivos, individualistas e afetivos de cada aluno em particular ao adotar o mesmo procedimento para todos os alunos. A utilização de ambas as abordagens, afirmando a perspectiva da multidimensionalidade no processo ensino-aprendizagem, é capaz de considerar os alunos dentro das suas diferenças e igualdades, e desenvolvendo aquilo que aqui chamamos de potencialidades particulares de cada aluno, que terá em seu ambiente de ensino a oportunidade de ser acompanhado em todas as suas particularidades. Todo este processo da política da homogeneização está ligada ao que denominamos como “ensino tradicional”, baseado na memorização de informações como forma de ensinoaprendizagem. Como é sabido, o ensino tradicional, apesar de possuir elementos importantes e essenciais para todos os níveis de ensino, não é capaz de satisfazer uma educação de qualidade, em que os alunos precisam de atenção às suas particularidades e seus interesses individuais.

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Esta questão de “ensino tradicional” versus “ensino inovador”, é tema de muita confusão entre os educadores, que não conseguem chegar a um consenso, principalmente no que diz respeito a criatividade na sala de aula. De acordo com Leandro Karnal, A criatividade não é a etapa posterior que sucede ao conhecimento mais “quadrado”. Criatividade não é o prêmio que se ganha ao passar por tudo que é comum ou inútil. Mas é difícil conceber a novidade sem dialogar com a base que a gerou. Isolado numa ilha e sem a educação formal, duvido que o gênio do Einstein tivesse chegado aonde chegou. Retire da cabeça do aluno que ser criativo é se esforçar menos ou dar “jeitinho” que substitua o método. Ser criativo implica colocar maior energia, pois vai além da repetição dada pelos outros, não aquém. Ser criativo é ultrapassar, não reduzir. Assim, a importância mais notável de um exercício criativo de ensino é fazer com que as imaginações e reflexões de um exercício criativo de ensino é fazer com que as imaginações e reflexões de todos possam voar e expandir-se. Grandes revolucionários, em algum momento, sonharam com algo novo. Esse momento pode ser a escola, quando uma aula ou uma atividade possibilita ao aluno ir além do usual. Estimular que a aula e o aluno sejam criativos é uma maneira de sugerir e reforçar o poder subversivo do conhecimento. Conhecer de verdade, de forma orgânica, é subverter crenças tradicionais. Ser criativo é um diálogo político com a transformação social. Nesse momento, eu entendo que toda educação tem um fim político, no bom e velho sentido que a palavra política tem26.

Percebemos, dessa forma, que a confusão entre os educadores sobre o termo criatividade, inseridos nas questões do ensino tradicional e inovador, ocorre pela falta de esclarecimento do que esta significa. Como afirma Karnal, criatividade na sala de aula refere-se transformação, a revolução. Significa também mostrar aos alunos as suas potencialidades, que eles podem sim fazer a diferença na sociedade. Conclusão Para concluir, vamos retomar alguns pontos aqui destacados. Primeiramente, é importante lembrar que estamos vivendo no mundo das novas tecnologias, e que estas devem ser utilizadas no espaço escolar, mas de uma maneira que venha a auxiliar o professor, e não substituí-lo e nem substituir a investigação e a pesquisa. Deixando bem clara esta questão, e na mesma perspectiva de um ensino inovador, devemos encarar a política da homogeneização como algo que não mais cabe dentro das nossas salas de aula. Como já foi dito, os alunos, ao entrarem em contato com o espaço escolar, trazem consigo os seus sentimentos, suas experiências, suas conclusões e ponto de vistas. Cada aluno traz esses aspectos de forma diferente, visto que todos nós seres humanos somos diferentes uns dos outros, e nestas diferenças descobrimos as potencialidades particulares de cada aluno, que podem permear toda a vida de uma pessoa, e ao professor incentivar o seu desenvolvimento, este está contribuindo para a importância da educação na vida de cada indivíduo. Quanto a perspectiva da multidimensionalidade, e a utilização das abordagens humanista e técnica nas nossas aulas, se faz imprescindível percebe-la como algo que vem a somar para deixarmos de lado a homogeneização e entendermos os alunos como seres distintos, pois ao abordarmos tanto as questões objetivas como as questões afetivas do processo de ensinoaprendizagem, estamos considerando os alunos em suas diferentes personalidades. Também se deve atentar para evitar a confusão sobre ensino tradicional e ensino inovador, no que diz respeito a criatividade. É importante dizer que para tornar as aulas criativas, não é preciso descartar materiais como o livro didático, o quadro-negro, que são importantes no processo de ensino-aprendizagem. 26

KARNAL, Leandro. Conversas com um jovem professor. São Paulo: Contexto, 2012, p. 51.

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Deve-se, portanto, saber utilizar materiais diversificados, como imagens, filmes, músicas, documentos, textos, reportagens, vídeos, enfim, materiais que atuem no processo de tornar a aula mais atrativa aos alunos, mesclando recursos considerados tradicionais e inovadores. Neste sentido, é dever da didática ser capaz de utilizar-se de técnicas e métodos que contribuam para o desenvolvimento das potencialidades de cada aluno, e ao por em prática as diretrizes pedagógicas estas devem estar de acordo com as diferenças de cada aluno, bem como utilizar-se da perspectiva da multidimensionalidade para desenvolver um ensino mais abrangente e qualificado. Contudo, é preciso que os professores tenham em mente a importância de perceber as diferenças dos seus alunos, e utiliza-las como auxiliadoras no processo de ensino-aprendizagem, desenvolvendo as potencialidades de cada aluno e evando em conta os aspectos objetivos e afetivos. Assim, a educação básica brasileira virá a contribuir na formação de um ser que perceba que tem capacidades diferentes dos outros e possa utilizar essas diferenças a seu favor ao longo da sua trajetória. Referências BERBEL, Neusi Aparecida Navas (org.). Metodologia da Problematização: fundamentos e aplicações. Londrina: Ed. UEL, 1999. BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Ensino de História: Fundamentos e Métodos. São Paulo: Cortez, 2008. CANDAU, Vera Maria. A Didática em Questão. Petrópolis: Editora Vozes, 14 ed, 1997. ________, Vera Maria. Diferenças culturais, interculturalidade e educação em direitos humanos. Campinas: Educ. Social, 2012. KARNAL, Leandro. Conversas com um jovem professor. São Paulo: Contexto, 2012 ________, Leandro. História na Sala de Aula. São Paulo: Ed. Contexto, 3 ed, 2005. Enviado em 30/04/2016 Avaliado em 15/06/2016

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UM GESTO DE LEITURA SOBRE A PRODUÇÃO ACADÊMICA: SENTIDOS DE GRAMÁTICA QUE EMERGEM Marcia Ione Surdi Profª da Área de Ciências Humanas e Jurídicas Universidade Comunitária da Região de Chapecó – UNOCHAPECÓ Doutoranda em Letras – Estudos Linguísticos – Universidade Federal de Santa Maria Munick Maria Hasselstron Tres Professora de Língua Portuguesa no Colégio Exponencial, Chapecó – SC. Mestranda em Estudos Linguísticos, pela Universidade Federal da Fronteira Sul - UFFS Resumo Neste trabalho desenvolvemos um gesto de leitura dos discursos presentes na produção acadêmica, que tomam a relação entre gramática e ensino como objeto de reflexão e estudo. A base teórica deste trabalho é transdisciplinar, partindo da Análise do Discurso de corrente francesa, relacionando-se com a História das Ideias Linguísticas e a Linguística Aplicada. Para constituir este corpus de análise, selecionamos dois artigos de publicações dos últimos cinco anos (2009 a 2013) do site da SciELO. Para analisar, foram selecionadas sequências discursivas dos artigos, as quais apresentaram um constante movimento de ida e vinda entre o velho (ensino tradicional de gramática; língua imaginária) e o novo (gramática do texto; língua fluída). Palavras-chave: Produção acadêmica; Análise do Discurso; História das Ideias Linguísticas. Abstract In this study we developed a gesture of reading of discourses present in the academic production, taking the relationship between grammar and teaching as an object of reflection and study. The theoretical basis of this work is interdisciplinary, based on the French Discourse Analysis, relating to the History of Linguistics Ideas and the Applied Linguistics. We selected to constitute this corpus of analysis two articles published within the last five years (2009-2013) of the SciELO site. To analyze, discursive sequences of the articles were selected, which showed a constant movement back and forth between the old (imaginary language; traditional grammar teaching) and the new (grammar text; fluid language). Keywords: Academic production; Discourse Analysis; History of Linguistic Ideas. Introdução No presente artigo apresentamos um gesto de leitura sobre produções acadêmicas que versam sobre a relação ensino e gramática, com o objetivo de analisar as concepções de gramática que emergem em tais produções e as bases teóricas que as orientam. Tal proposta 27 foi desenvolvida na perspectiva da Análise do Discurso (AD), História das Ideias Linguísticas (HIL) e Linguística Aplicada (LA), uma perspectiva transdisciplinar, uma vez que conforme Serrani (1997), "não se trata de incluir ‘contribuições’ de diferentes domínios, mas de evidenciar que o objeto de estudo atravessa as fronteiras das disciplinas, as quais não participam aditivamente, como meras fornecedoras de subsídios, mas cujos campos são, por sua vez, problematizados nesse cruzamento." (1997, p.03).

Este artigo apresenta parte dos resultados do Trabalho de Conclusão de Curso, desenvolvido no Curso de Letras da Unochapecó, em 2014. 27

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O que é produção acadêmica/produção do conhecimento? Segundo Auroux (2008), não há saber sem transmissão. Para que uma produção acadêmicocientífica aconteça, é necessário que haja algum conhecimento elaborado, porém nem todo saber é necessariamente representado, havendo saberes tácitos, simplesmente ocultados nas práticas, mas que são eminentemente transmissíveis. Transmitir/divulgar os conhecimentos é função da produção acadêmica, a qual envolve-se completamente pelo espírito científico. A sociedade é vista, nas palavras de Guimarães (2009), como o destinatário do conhecimento científico, dando assim, ao povo, status de participante no processo de construção do conhecimento. Este começa a ser elaborado nas escolas, universidades e projetos oriundos de instituições públicas ou privadas. A produção científica é construída a partir de pesquisas, as quais são elaboradas na ânsia pela descoberta e reformulação dos caminhos que levam ao conhecimento. Quando se produz um artigo científico, não se esquece dos conhecimentos construídos anteriormente acerca do assunto abordado, nem se desconsidera a reformulação destes no futuro. Auroux (2008) nomeia estes conhecimentos anteriores como horizontes de retrospecção. Guimarães (2009) indica que existem diferentes tipos de circulação do conhecimento. Há aquele que é elaborado para a comunidade científica, em que o locutor e interlocutor são especialistas, para estes, faz-se uso de línguas específicas de cada domínio da ciência. Há também os discursos que buscam alcançar a sociedade, tendo como destinatário o público, o qual espera os resultados das pesquisas científicas. Orlandi (2001, p. 149) considera a divulgação científica como “discursos da ciência fazendo seu percurso na sociedade e na história”, e de acordo com a autora, a produção científica é indissociável da ciência, tecnologia e administração (governo). A sociedade está dividida entre pesquisadores, público e mídia, os quais, segundo Guimarães (2009), têm seus papéis específicos no processo de formulação e circulação do conhecimento. A pesquisa é algo que se vincula diretamente à política, pois existem procedimentos regulamentados que devem ser seguidos. O autor chama esse caráter político de Política Científica, que de algum modo controla o que se deve ou não pesquisar. As produções acadêmicas visam, depois de concluídas, serem divulgadas. Nos dias de hoje, as tecnologias são o centro da construção e transferência de conhecimentos, e as tecnologias da linguagem as responsáveis pela maior parte das divulgações científicas. Auroux (2008) aponta a instrumentação como geradora de novas descobertas e novos objetos, que faz da ciência algo em movimento. Concluímos o que é produção de conhecimento/ciência, com base na exposição de Auroux (2008, p. 152): A ciência, com efeito, não é uma realidade do mundo externo relativamente intangível sob a usura do tempo como são os monumentos; ela depende das aptidões individuais e é necessário que elas sejam produzidas; em outros termos, é necessário reproduzir a ciência.

Então, para produzir conhecimento é preciso que ocorra reprodução e inserção histórica, para que o discurso científico seja possível e não mera ficção. Sobre gramatização e gramática Não é possível datar o início das preocupações sobre a linguagem, pois conforme Auroux (1992), o aparecimento das considerações gramaticais foi resultado de um processo dentro de um

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intervalo de tempo consideravelmente longo. O autor expõe que a primeira análise gramatical não nasceu da necessidade de falar uma língua qualquer, mas da necessidade se de compreender um texto e a gramática propriamente dita só nasce dois séculos antes de nossa era, na atmosfera filológica da Escola de Alexandria. O interesse prático da gramática se estende da filologia, e ela se torna simultaneamente uma técnica pedagógica de aprendizagem das línguas e um meio de descrevê-las. Conforme Auroux (1992, p. 85), “em geral, data-se o aparecimento de considerações gerais sobre a estrutura das línguas ou com a gramática especulativa medieval ou com a gramática de PortRoyal (1660).” Na tentativa de descentralizar o poder linguístico exercido pelo latim, intelectuais passam a se apoiar sobre uma cultura e uma prática codificada de vernáculos. De acordo com o autor, a imprensa permitiu a multiplicação dos textos e a difusão dos mesmos, mudando a dimensão do fenômeno da escrita, o que proporcionou às ciências humanas investimento social e econômico superior às ciências da natureza entre os séculos XV e XVII. O autor argumenta que: “Por gramatização deve-se entender o processo que conduz a descrever e instrumentar uma língua na base de duas tecnologias, que são ainda hoje os pilares de nosso saber metalinguístico: a gramática e o dicionário.” (AUROUX, 1992, p. 65). Segundo Guimarães (1994), a gramatização brasileira surge como um procedimento de independência de Portugal, e se desenvolve na busca de outras filiações teóricas e na medida em que os estudos do Português no Brasil se dedicam a especificidades brasileiras do Português. A discussão a respeito das diferenças entre o português do Brasil e o de Portugal, não foi apenas teórica e descritiva, mas fortemente política e militante. Não podemos deixar de citar aqui, o surgimento da Nomenclatura Gramatical Brasileira (NGB), em 1958, uma ação do governo brasileiro, a qual se destina apenas a organização terminológica, e serviu como base para formulação das gramáticas escolares feitas a partir de então. Surge então a Academia Brasileira de Letras, firmando novos acordos ortográficos e criando-se Faculdades. Conforme afirma Orlandi (2000b), as gramáticas não têm mais a função de formar os limites de identidade brasileira, e sim a função de mantê-los. A partir de então, surgem inúmeras gramáticas, que não se diferenciavam apenas pela autoria dos gramáticos e suas filiações, mas em relação às diferenças descritivas e analíticas da língua. Devido a essa mudança, a autoria do saber sobre a língua deixa de ser uma posição do gramático e passa a ser patrocinada pela linguística, a qual abarca o conhecimento científico sobre a língua, havendo então uma transferência de conhecimento. Um gesto de leitura sobre produções acadêmicas Para desenvolver um gesto de leitura sobre produções acadêmicas que versam sobre a relação ensino e gramática, com o objetivo de analisar as concepções de gramática que emergem em tais produções e as bases teóricas que as orientam, constituímos o corpus de análise tomando como materialidade linguística artigos selecionados de publicações dos últimos cinco anos (2009 a 2013) no site da SciELO. O critério utilizado para encontrar as produções acadêmicas foram as palavras chave ensino; gramática. Neste trabalho, apresentamos as análises de sequências discursivas (SD) retiradas de duas produções acadêmicas e utilizamos o recurso gráfico de realce em itálico para marcar as formulações que serão objeto pontual de análise e uma fonte em tamanho maior para destacar aspectos formadores de algumas palavras.

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A reconstrução de sentidos entre a teoria e a prática no ensino de gramática Iniciamos nosso gesto de leitura pelo artigo 1, “O ensino de gramática na contemporaneidade: delimitando e atravessando as fronteiras na formação inicial de professores de língua portuguesa”. Como Introdução, os autores fazem as seguintes afirmações: SD1 – [...] o ensino de gramática aparece desligado de qualquer utilização prática, tendo o seu objetivo final centrado em si mesmo e os mesmos tópicos gramaticais são repetidos [...]. (SILVA; PILATI; DIAS, 2010). SD2 – [...] visando, por sua vez, a (re)construção de uma abordagem para o ensino de gramática na contemporaneidade. (SILVA; PILATI; DIAS, 2010). Na SD1, os autores apontam o panorama do ensino da gramática no contexto investigado: desligado de qualquer utilização prática; tópicos gramaticais são repetidos. Antunes (2003) explica que o problema do ensino da gramática de “nomes” está na abordagem desvinculada do uso real da língua escrita e falada no dia a dia. É uma gramática fragmentada e irrelevante à função comunicativa, a qual desenvolve nos alunos apenas a capacidade de reconhecer e nomear unidades, sem compreender para que servem. Na SD2, as expressões destacadas propõe a (re)construção e uma abordagem eficaz para o ensino da gramática na contemporaneidade: a transdisciplinaridade. Para Antunes (2003), o professor deve privilegiar a aplicação da língua em textos de diferentes gêneros referenciando estes às relações semânticas das regras. “[...] certo é aquilo que se diz na situação certa.” (ANTUNES, 2003, p. 98). Como resultado, os autores fazem as seguintes Considerações Finais: SD3 – [...] apesar dos significativos avanços no campo das pesquisas sobre a linguagem e da constante presença dos estudos linguísticos nos curso de graduação, parece estar havendo certa dificuldade na transposição e adequação dos conhecimentos obtidos na universidade para a sala de aula. (SILVA; PILATI; DIAS, 2010). Aqui foram elencados os motivos da descontextualização do ensino da gramática: dificuldade na transposição e adequação dos conhecimentos. Antunes (2003, p. 40) afirma que: “Não se pode haver uma prática eficiente sem fundamentação num corpo de princípios teóricos sólidos e objetivos”. Isso explica que o conhecimento teórico é, de veras, muito importante, porém, conforme expõe Uchôa (2007), a criticidade na hora de ensinar gramática é imprescindível, por isso o professor não pode reduzir-se a mero receptor de conhecimentos. Ele precisa dominar o conteúdo e ser capaz de argumentar sobre o mesmo, expressando a relevância e o objetivo pretendido com determinado estudo, assim, despertará nos alunos o interesse pela ampliação do conhecimento. O que se pretende é ensinar gramática como atividades epilinguísticas, focalizada nas práticas de linguagem e não como o objeto de ensino da língua, considerando o conhecimento prévio dos alunos e a comunicação efetiva como processo de aprendizagem. Das SDs apresentadas, destaca-se a repetição do uso de prefixos nas palavras (re)construção, desligado, e transposição. Os prefixos são elementos, ou morfemas, que se juntam a um radical e aparecem antes dele, modificando-lhe o sentido e formando uma nova palavra. Conforme o Dicionário Priberam da Língua Portuguesa (online), as palavras destacadas apresentam os seguintes significados:

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Palavras

Significados 1. Ação ou efeito de reconstruir; Reconstrução 2. A obra reconstruída. 1. Que se desligou. Desligado 2. Que está afastado, distante. Transposição/ Transpor 1. Passar além de ou por cima de. 2. Ultrapassar; exceder. 3. Pôr uma coisa noutro lugar. 4. Trocar o lugar que ocupam dois membros. 5. Desaparecer; ocultar-se. Fonte: elaborado pelas autoras Segundo as palavras de Eckert-hoff (2002), as palavras não significam por si só, elas tomam sentido porque o sujeito as tece. Isso significa que, ao escolher uma determinada palavra para expressar-se, o sujeito exclui a utilização de todas as outras. Analisando o efeito de sentido produzido por essas palavras, ao propor a remodelação dos conteúdos, quer-se então, que estes sejam pensados sob uma nova forma, mas sem desconsiderar a forma antiga, apenas adaptando-os ao novo contexto histórico e ideológico dos sujeitos que ensinam e dos sujeitos que aprendem. Já que, segundo os autores, o ensino da gramática encontrase desligado de qualquer contexto, isto é, sem um sentido relevante atribuído à prática, é necessário reconstruir a abordagem enquadrando-a nos princípios contemporâneos. A reconstrução aconteceria com a transposição e adequação dos conhecimentos obtidos na universidade para a sala de aula, transformando a teoria em prática. Tradição x Novo Sobre o artigo 2, “A gramática no ensino de língua portuguesa: à busca de compreensão”, destacamos que: SD4 – RESUMO –Foi possível verificar que a permanência de uma tradição e a instauração de novas posturas coexistiram num mesmo período de tempo, havendo espaço para posturas distintas no ensino da gramática. (ANGELO, 2010). Destacamos nesta SD o uso da conjunção e, na formulação permanência de uma tradição e a instauração de novas posturas. A conjunção e é classificada como coordenativa aditiva e seu sentido é de soma/adição, assim temos em funcionamento a dicotomia tradição e novo, não se tratando de oposição, mas, sim, de coexistência de posturas distintas. Esses dois termos marcam o funcionamento simultâneo de diferentes concepções quanto ao processo de ensino de gramática e remetem à afirmação de Bachelard (1996, p. 6) que “mesmo no novo homem, permanecem vestígios de homem velho”. Também entendemos que no funcionamento dessa relação aditiva, tradição e novo, temos ao mesmo tempo, a retomada de saberes que emergem do interdiscurso e saberes que se constituem no processo de atualização da memória do ensino de gramática, sempre determinados pelas condições de produção. Em relação aos resultados, a autora faz as seguintes Considerações Finais: SD5 – [...] foi possível reconhecer a voz da 'tradição' ao lado de outras, como a da transição e do novo, também em circulação na esfera escolar. (ANGELO, 2010). SD6 - [...] a existência dessas diferentes posturas avaliativas [...] como a da transição e a do novo, tiveram a função, de certa forma, de arejar, transformar progressivamente o ensino gramatical ao longo do tempo. (ANGELO, 2010).

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Ao longo do resumo e das considerações finais as definições se apresentam de forma contraditória, porém somatória. Há nos discursos a dicotomia entre a permanência de uma tradição e a instauração de novas posturas, e também entre os termos a voz da ‘tradição’ e os verbos arejar e transformar progressivamente. A partir desses apontamentos, concluímos que o ensino de língua portuguesa que vigorava na época, caracterizava-se pela alternância entre o “mesmo” e o “diferente”, a tradição e a transformação. Destacamos aqui a presença de dois modos de funcionamento da língua, apresentados por Orlandi e Souza (1988), como língua imaginária e língua fluída. A primeira refere-se às “línguas-sistemas, normas, coerções, as línguas-instituição, ahistóricas. Construção. É a sistematização que faz com que elas percam a fluidez e se fixem em línguas-imaginárias.” (ORLANDI; SOUZA, 1988, p. 28). A língua imaginária é então a linguagem dos letrados, da literatura, a língua dos gramáticos, da tradição, do padrão e da prescrição. Este tipo de língua se relaciona à permanência de uma tradição; a voz da ‘tradição’, apresentados por este artigo. Já a língua fluída é a língua da oralidade, a que admite “erros”, é coloquial, discursiva. Segundo Orlandi e Souza (1988), a língua fluída é aquela que não se restringe a sistemas e fórmulas. Esta, então, está conectada à instauração de novas posturas, a transformação. A língua fluida é a que pode ser observada e reconhecida quando focalizamos os processos discursivos, através da história da constituição de formas e sentidos, tomando os textos como unidade (significativas) de produção. (ORLANDI; SOUZA, 1988, p. 34)

Em relação à Língua Portuguesa, segundo Uchôa (2007), o ensino no Brasil sempre esteve mais voltado aos estudos gramaticais. A gramática normativa foi objeto de ensino da língua portuguesa até a década de 1960, mantendo a língua imaginária como padrão de ensino, fortemente ligada à permanência de uma tradição. Em contrapartida, os documentos oficiais, juntamente com a linguística aplicada deram abertura a um novo discurso referente ao ensino da gramática, na tentativa de arejar, transformar progressivamente a prática, privilegiando o discurso, pois é a partir deste que o indivíduo participa plenamente do seu meio social. Algumas relações Assim como fez Serrani (1997), desenvolvemos este estudo na perspectiva transdisciplinar, AD, HIL e LA, e salientamos que "não se trata de incluir "contribuições" de diferentes domínios, mas de evidenciar que o objeto de estudo atravessa as fronteiras das disciplinas, as quais não participam aditivamente, como meras fornecedoras de subsídios, mas cujos campos são, por sua vez, problematizados nesse cruzamento". (SERRANI, 1997, p.03). Com base nisso, identificamos as concepções de gramática que dão base às produções analisadas, bem como, que tipos de ensino marcavam cada época, esquematicamente apresentados a seguir: Artigo 1 Gramática normativa x Gramática funcional Ensino transdisciplinar Língua imaginária Reconstrução de uma abordagem F Fonte: elaborado pelas autoras

Artigo 2 Gramática normativa Ensino prescritivo Língua imaginária Tradição

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Com base no intradiscurso, observamos também o uso frequente de prefixos, em palavras pontuais nos artigos, apresentadas a seguir, com base em Sacconi (2008): Prefixo

Origem Re Latina Des Latina Trans Latina Co Latina In Latina Fonte: elaborado pelas autoras

Significado Repetição; intensidade; oposição; negação. Negação; açãocontrária; aumento. Movimento através de; mudança de estado. Companhia; sociedade. Negação; intensidade.

A análise da materialidade discursiva permitiu-nos verificar que a entrada da Linguística nos currículos de Letras provocou um conflito entre as concepções de gramática a partir da década de 70. A Linguística, não é a mesma coisa que a gramática tradicional, normativa, conforme afirma Orlandi (2009). Ela não tem o objetivo de prescrever regras de correção para o uso da linguagem, mas, sim, reflete sobre a linguagem de forma generalizada, porém interessa-se apenas pela linguagem verbal, oral ou escrita. Depreendemos, assim, um movimento que parte da gramática normativa para um trabalho com as práticas de linguagem. O foco não é mais a gramática normativa, esta passa a fazer parte do estudo da língua, como um dos elementos que constituem a língua. Compreendemos com base em Orlandi (2000b), que o ensino também ganha nova perspectiva, pois o que se ressalta não é mais a função da gramática, produz-se um deslocamento em que se passa a ressaltar o funcionamento de um saber sobre a língua. Constatamos, nos artigos analisados, uma tendência de discurso de mudança no processo de ensino da gramática. Esta mudança mostrou-se contínua e inacabada, pois está associada a três segmentos que se modificam constantemente: a língua, a ciência e a administração. Compreendemos, nesse viés, que o ensino de base gramatical é heterogêneo, e que há um espaço em aberto, a ser preenchido, em relação à gramática, à linguística e à prática. Este espaço está aberto a interpretações múltiplas, de acordo com a história, formação, memória e relações com a linguagem construídas pelo sujeito atuante no ensino de línguas. Referências ANGELO, Graziela. A gramática no ensino de língua portuguesa: à busca de compreensão. Rev. Bras. Linguist. Apl., 2010, vol.10, no.4, p.931-947. ISSN 1984-6398. ANTUNES, Irandé. Aula de Português: encontro e interação. São Paulo: Parábola Editorial, 2003. AUROUX, Sylvain. A questão da origem das línguas, seguido de A historicidade das ciências. Campinas: Editora RG, 2008. ________________. A revolução tecnológica da gramatização. Tradução: Eni Puccinelli Orlandi. Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 1992. BACHELARD, Gaston. A formação do espírito científico: contribuição para uma psicanálise do conhecimento. Rio de Janeiro: Contraponto, 1996. Dicionário Priberam da Língua Portuguesa. Disponível em: . Acesso em: 11 mai. 2014. ECKERT-HOFF, Beatriz Maria. O dizer da prática na formação do professor. Chapecó: Argos, 2002. 122 p. GUIMARÃES, Eduardo. Linguagem e Conhecimento: Produção e Circulação da Ciência. RUA [online]. 2009, no. 15. Volume 2 – ISSN 1413 – 2009. _____________________. Sinopse sobre os Estudos Do Português no Brasil - Relatos 1. Campinas. Unicamp, 1994. ORLANDI, Eni P. Análise do discurso: princípios e procedimentos. Campinas, SP: Pontes, 4ª edição, 2002. _______________. Discurso e texto: formulação e circulação dos sentidos. Campinas: Pontes, 2001. _______________. Metalinguagem e gramatização no Brasil: gramática-filologia-linguística. ANPOLL, 2000a.

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_______________. O estado, a gramática, a autoria: língua e conhecimento linguístico. In: Línguas e Instrumentos Linguísticos. Campinas, v. 4 e 5, p. 19-34, 2000b. _______________. O que é linguística. 2ª ed. São Paulo: Brasiliense, 2009. ORLANDI, Eni P.; SOUZA, Tania C. C. A língua imaginária e a língua fluida: dois métodos de trabalho com a linguagem. In: ORLANDI, Eni P. Política Linguística na América Latina. Campinas, SP: Pontes,1988. SACCONI, Luiz Antonio. Novíssima gramática ilustrada Sacconi. São Paulo: Nova Geração, 2008. SciELO - Scientific Electronic Library Online. Disponível em: . Acesso em: 01 dez. 2013. SERRANI, Silvana. Formações discursivas e processos identificatórios na aquisição de línguas. São Paulo: DELTA, 1997.Vol. 13, n. 1. SILVA, Kleber Aparecido da; PILATI, Eloisa; DIAS, Juliana de Freitas. O ensino de gramática na contemporaneidade: delimitando e atravessando as fronteiras na formação inicial de professores de língua portuguesa. Rev. Bras. Linguist. Apl., 2010, vol.10, no.4, p.975-994. ISSN 1984-6398. UCHÔA, Carlos Eduardo Falcão. O ensino da gramática: caminhos e descaminhos. Rio de Janeiro: Lucerna, 2007. Enviado em 30/04/2016 Avaliado em 15/06/2016

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O GESTOR, O PROFESSOR E O ALUNO: CONCEPÇÕES DO ENSINO E APRENDIZAGEM EM CIÊNCIAS NATURAIS E GEOGRAFIA NA ESCOLARIZAÇÃO BÁSICA NO MUNICÍPIO DE FORMOSA – GOIÁS Marcos Vinicius S. Dourado28 Rodrigo Capelle Suess29 João Gabriel Gomes30 Resumo Este trabalho objetivou conhecer um pouco a estrutura de leis normativas e documentos que regem a educação básica, em especial o ensino fundamental anos inicias, interligando com as respostas encontradas na aplicação de questionário e entrevistas. Dessa forma, objetivou-se conhecer como o processo de ensino-aprendizagem está sendo levado em uma escola pública municipal de Formosa. Aspectos como o interesse dos alunos por determinadas áreas de Ciências Naturais e de Geografia, o gosto dos alunos pelas matérias, os procedimentos metodológicos aplicados pelo professor no processo de ensino-aprendizagem, a visão do coordenador a respeito do sistema de ensino, em especial do ensino fundamental, foram pontos debatidos nesse trabalho. Finalizando este trabalho, percebe-se em um primeiro momento uma forte insegurança dos gestores no que tange as informações transmitidas, os questionários dos alunos mostram que ainda o processo de ensino e aprendizagem, bem como as atividades propostas estão muito vinculadas para os alunos com a obtenção de notas, e não conhecimentos. A interdisciplinaridade entre Geografia e Ciências Naturais é evidente nas respostas. Apesar de diversos aspectos positivos encontrados, como a valorização do cotidiano, observou-se algumas práticas tradicionais que acabam contribuindo para um processo de ensino-aprendizagem limitado. Palavras-Chave: Concepção, ensino, aprendizagem. Abstract This work seeked some understanding about the structure of normative laws and documents that guide basic education, especially primary education’s earliest years, connecting with the answers found through questionnaire and interviews. Following this, the objective turns to understand how the process of teaching and learning is being taken in a public school of Formosa. Aspects such as student interest in certain areas of Natural Science and Geography, the students’ liking for these areas, the methodological procedures applied by the teacher in the teaching and learning process, the coordinator’s vision about the education system, specially the primary school, these were the points discussed inside this work. Concluding, it is perceived at first a strong insecurity from the managers regarding the information provided, the students’ questionnaires show also that the process of teaching and learning as well as the proposed activities are very linked to students when obtaining notes, and not knowledge. The interdisciplinarity among Geography and Natural Science is evident in the replies. Despite many positives results were found, like daily’s appreciation, there are some traditional practices that end up contributing to a process of restricted teaching and learning. Key-Words: Conception, teaching, learning.

Mestrando em Ciências da Educação pela Universidad Autónoma de Asunción – (UAA), Professor de Geografia da Educação básica (Formosa Goiás, Brasil). E-mail: [email protected]; 29 Mestrando em Geografia pela Universidade de Brasília – (UNB), Professor de Geografia da Educação Básica (Brasília Distrito Federal, Brasil). E-mail: [email protected]; 30 Graduado em Geografia pela Universidade Estadual de Goiás – (UEG), Professor de Geografia da Educação Básica (Formosa Goiás, Brasil). E-mail: [email protected]. 28

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Introdução O conhecimento das estruturas que regem o sistema de ensino é de extrema importância, fazer uma ponte de todas essas estruturas com o chão da sala de aula, acaba elencando o professor de ferramentas e meios para desempenhar um melhor processo de ensino-aprendizagem. Portanto, esse trabalho procurou conhecer um pouco a estrutura de leis, normativos e documentos que regem a educação básica, em especial o ensino fundamental anos inicias, interligando com as respostas encontradas na aplicação de questionário e entrevistas. Dessa forma, objetivou-se conhecer como o processo de ensino-aprendizagem está sendo levado em uma escola pública municipal de Formosa. Aspectos como o interesse dos alunos por determinadas áreas de Ciências Naturais e de Geografia, o gosto dos alunos pelas matérias, os procedimentos metodológicos aplicados pelo professor no processo de ensino-aprendizagem, a visão do coordenador a respeito do sistema de ensino, em especial do ensino fundamental, foram pontos debatidos nesse trabalho. No primeiro momento neste trabalho foi feita uma discussão sobre os PCN's (Parâmetros Curriculares Nacionais) e o ensino de Ciências Naturais e Geografia no Ensino Fundamental Anos Iniciais. Em um segundo momento, buscou-se fazer a descrição e a caracterização do objeto e área de estudo, a escola e seu contexto, bem como apresentar os resultados da pesquisa pretendida nesse trabalho, apresentando a visão dos alunos, coordenação pedagógica geral da rede Municipal de Educação e dos professores regente e de apoio a respeito do processo de ensino-aprendizagem em Ciências Naturais e Geografia no Ensino Fundamental Anos Iniciais. Metodologia Trata-se de uma pesquisa qualitativa. O caráter dessa pesquisa foi o exploratório, tendo em vista o conhecimento e a familiarização com o objeto de estudo. A pesquisa se deu através de pesquisa bibliográfica e coleta de dados e informações por meio de questionários com perguntas abertas e fechadas, e por meio de entrevistas que foram avaliadas, principalmente, a luz do método qualitativo. Assim, foi aplicado questionários com os alunos e professores (apoio e regente) de uma escola pública municipal, e com a coordenadora pedagógica pertencente à Secretaria Municipal de Educação de Formosa. Para aplicação do questionário direcionado aos alunos, foi escolhida a turma do 4º ano, devido ao grau de maturidade e alfabetização necessária para responder as questões de forma mais coerente, acredita-se que as turmas de 3º e 2º anos ainda estão em um processo inicial ou mediano de alfabetização. O Ensino de Ciências Naturais e Geografia Como coloca o PCN de Ciências Naturais (BRASIL, 1997a) o papel da disciplina é o de colaborar para a compreensão do mundo e suas transformações, situando o homem como indivíduo participativo e parte integrante do Universo, contribuindo assim, para a ampliação das explicações e compreensão dos fenômenos da natureza e das diversas formas de utilização dos recursos naturais. Processos do qual o homem se faz pertencente e atuante. Uma postura reflexiva, crítica, questionadora e investigativa, além do aspecto de considerar a vivência dos alunos são indicadas no documento como características fundamentais para o ensino de Ciências Naturais. No documento, o professor também encontra orientações sobre o processo de ensino e aprendizagem adequado para a disciplina. Análise psicológica e epistemológica do processo de ensino e aprendizagem de Ciências Naturais são apontadas como importantes segundo avanços das pesquisas em Didática das Ciências, portanto, são altamente recomendadas (BRASIL, 1997a).

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Processo no qual se deve considerar o aluno como sujeito da aprendizagem significativa, do qual o professor tem o papel de intervir e mediar a aprendizagem, para que os conhecimentos historicamente acumulados e a formação de uma concepção de Ciência, integrada com a Tecnologia e com a Sociedade seja de fato compreendida e debatida pelo aluno (BRASIL, 1997a). Para que esse processo seja efetivo de acordo com o documento (BRASIL, 1997a), algumas observações e procedimentos são fundamentais, tais como: a observação; a experimentação; a comparação, as relações entre fatos ou fenômenos e ideias; a leitura e a escrita de textos informativos; a organização de informações por meio de desenhos, tabelas, gráficos, esquemas e textos; a proposição de suposições; o confronto entre suposições e entre elas, os dados obtidos por investigação e a proposição e a solução de problemas, são diferentes procedimentos que possibilitam a aprendizagem. De modo geral, são quatro os blocos temáticos propostos para o ensino fundamental: Ambiente; Ser humano e saúde; Recursos tecnológicos e Terra e Universo. Cada bloco sugere conteúdos, indicando também as perspectivas de abordagem. Esses conteúdos podem ser organizados em temas, que podem ser articulados com conteúdos de diferentes blocos. Conforme expõe o PCN de Ciências Naturais (BRASIL, 1997a), a disciplina possibilita a formação de diversos temas, que podem ser vistos sob diversos enfoques científicos e socioculturais. Temas e conceitos como: solo, ar, água, poluição, higiene, plantas e animais entre outros, são facilmente correlacionados e ensinados sob a perspectiva desses três blocos temáticos no ensino de Ciências Naturais. Sabe-se da importância desse documento para formulação de conteúdos, estratégias de ensino, políticas públicas e matérias indispensáveis para debater a educação e até mesmo nos casos específicos às disciplinas e os temas transversais. Portanto, fazer análise desse documento se torna imprescindível para a abordagem que essa pesquisa quer abordar. De acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais (1998, p. 87), "a Geografia é uma área de conhecimento comprometida em tornar o mundo compreensível para os alunos, explicável e passível de transformações”. Neste sentido, assume grande relevância dentro do contexto dos Parâmetros Curriculares Nacionais, em sua meta de buscar um ensino para a conquista da cidadania brasileira. A ideia principal dos PCNs do ensino de Geografia é abordar como a Geografia é tratada nos bancos escolares no Ensino Fundamental. Para isso é necessário verificar as propostas feitas pelo PCN na importância social dos conhecimentos geográficos. Segundo (BRASIL, 1998), ao analisar o espaço deve-se considerar de uma maneira subjetiva a paisagem como lugar, o que vale como reflexão: "a paisagem ganhando significados para aqueles que a constroem e nela vivem; as percepções que os indivíduos, grupos ou sociedades têm da paisagem em que se encontram e as relações singulares que com ela estabelecem. As percepções, as vivências e a memória dos indivíduos e dos grupos sociais são, portanto, elementos importantes na constituição do saber geográfico". A Escola e sua Estrutura A escola funciona nos períodos matutino, vespertino e noturno atendendo o Ensino Fundamental do 3º ao 9º ano, o que compreende do 1º ao 4º ciclo dessa modalidade. No período noturno a escola recebe os alunos da modalidade da EJA. Segundo autoridades da escola, a mesma recebe 329 alunos no turno matutino e 287 no vespertino, ou seja, 616 alunos na modalidade regular, já no noturno que corresponde a EJA, ela recebe 148 alunos, totalizando 765 alunos atendidos pela escola. Em seu primeiro piso, conforme averiguado e exposto no PPP (Projeto PolíticoPedagógico) se localiza 10 salas de aulas, 1 sala de professores, 1 sala da direção, 1 secretaria, 1 sala da coordenação, 1 cantina, 1 depósito de material didático e 1 de merenda, um total de 7 banheiros (entre eles 1 administrativo), 2 áreas de circulação, 1 área coberta, 1 pátio concretado e coberto, 1

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quadra coberta, apesar de identificada no PPP (Projeto Político Pedagógico) foi observado que a mesma corresponde ao pátio concretado e coberto, que por sinal é multiuso, e 1 sala de recursos multifuncional tipo I e II (sala de inclusão), no piso superior encontra-se apenas 1 sala de aula, 1 laboratório de informática e 1 biblioteca. Visão Discente: Com a palavra, os alunos. Foram aplicados questionários a 16 alunos, sendo 62% (10) meninos e 38% (06) meninas (Figura 1), apesar de bairros como Setor Sul aparecerem na resposta de onde residiam, a maioria deles declararam residir no bairro Formosinha (Bairro que norteia a escola). Os alunos possuíam uma faixa etária média de 8,8 anos, com variação de 08 a 10 anos, apresentando 43% (7) de distorção idade-série, ou seja, 7 alunos apresentavam idade superior ao normal, que é de 9 anos para o 4º ano do Ensino Fundamental. Sobre o interesse no estudo de ciências naturais, 81% (13) dos alunos afirmaram que gostavam e somente 19% (03) dos alunos afirmaram que não gostavam, mostrando assim, que a maioria dos alunos tem interesse no estudo da disciplina. Entre as justificativas favoráveis, podem-se destacar algumas: Em uma das respostas, um aluno justificou que gosta da disciplina, deixando explicita a ideia que em sala de aula são realizadas algumas experiências científicas. Em outras, demonstram que os alunos percebem a interdisciplinaridade e a conectividade dos conteúdos de Ciências Naturais e Geografia. Sobre os trabalhos propostos pela professora, 62,5% (10) dos alunos afirmaram que gostavam e 37,5% (06) dos alunos afirmaram que não gostavam. Observa-se pela análise de algumas respostas que os trabalhos são feitos muito mais na perspectiva de aumentar a nota do que em desenvolver outras habilidades através do processo de avaliação, o que é um final preocupante devido a quantidade de respostas semelhantes e como nos alerta Luckesi (1998) a avaliação não pode ser resumida apenas em números. Um dos aspectos positivos detectados são os trabalhos em grupos e o seu poder de socialização entre os alunos. Entre as respostas negativas, as reclamações se sintetizam na extensão dos trabalhos e a pouca atratividades desses perante aos alunos. Dando assim, um sentido de obrigação. A respeito dos conteúdos aplicados no decorrer do ano, os alunos citaram: O ecossistema; a fotossíntese; os componentes vivos e os não-vivos; poluição; solo e higiene; Cerrado: Fauna e Flora; os animais onívoros, herbívoros e carnívoros; energia; fungos e bactérias; micro-organismos; cadeia alimentar; o corpo humano; efeito estufa e A localização das regiões Centro-Oeste e Sul, todos de uma forma direta ou indireta relacionados com o PCN's de Ciências Naturais e de Geografia. As descrições desses conteúdos se tornam relevantes, pois, a medida que descrevem os conteúdos realmente trabalhados pelo professor ao decorrer do ano, também, de certa forma, absorverem conteúdos que acabaram lhe marcando, seja negativamente ou positivamente no decorrer do ano. Questionados sobre o que veem em sua imaginação quando se fala em ciências, as respostas foram as mais variadas, de diversos gostos e colocações. Alguns concentraram em descrever algumas dificuldades e até mesmo o processo de ensino e aprendizagem em sala de aula. Outros se atentam a elogiar a disciplina, todavia a disciplina não escapa do juízo de valor negativo. Porém, a maioria quando perguntados se os conteúdos que se atenta na disciplina. Na última pergunta realizada, deixou-se o aluno um pouco livre para comentar a respeito do que mais gostava de estudar em ciências. Encontrou-se uma gama de respostas e justificativas, das mais simples as mais elaboradas, das mais sóbrias as mais emotivas. Apesar, da diversidade das respostas, observase que o tema que despertavam mais curiosidade nos alunos em Ciências Naturais, foi o corpo humano. Acredita-se que tal influência se justifica devido aos esforços da professora e pelo

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interesse dela na área, ela possui um curso técnico de Enfermagem, apesar de não atuar na área, segundo ela, possui um grande carisma pela área da saúde, transmitindo-a para os seus alunos. Visão da Coordenação Pedagógica Geral da Rede Municipal de Educação Foi aplicado, conforme a metodologia proposta, um questionário com a coordenadora pedagógica da Secretaria Municipal de Educação com o intuito de perceber a visão dela sobre o ensino de Ciências e Geografia no Ensino Fundamental Anos Iniciais ou 1º e 2º ciclo. A respeito do acompanhamento da aplicação dos PCNs em relação ao planejamento das escolas municipais, a coordenadora geral colocou que esse processo é realizado através de visita in loco, do acompanhamento do Planejamento feito pelo professor e culminância de projetos, destacou também que algumas ações pedagógicas envolvem parcerias com a SME, em especial, palestras sobre temas transversais atualizados. Questionada sobre o incentivo a formação continuada pela Secretaria de Educação, a coordenadora respondeu que a Secretaria "oferece Formação Continuada em diversos temas para debates, Oportuniza Fórum Municipal de educação, visando a reflexão sobre as Políticas Educacionais municipais, estaduais e nacionais.". A respeito da valorização dos profissionais ela afirmou que o Plano de Cargos e Salários do Magistério está sendo reformulado, tendo discussões e debates com diversos setores da sociedade, como o legislativo, executivo, o sindicato dos profissionais da educação e os próprios professores. De acordo a coordenação geral a maior dificuldade da SME é o transporte escolar, em destaque aos alunos do campo, principalmente em época da chuva. E ainda, a falta de professores na rede básica de ensino municipal e a manutenção desses, pois muitos vão para Brasília atrás de melhores oportunidades de empregos. Sobre o trabalho específico direcionado ao ensino de Ciências e Geografia, a coordenadora afirma que são executados projetos durante todo o ano letivo: Projeto de Meio Ambiente através da Horta Orgânica, onde abastece algumas escolas do município com alimentos naturais, Projeto Astronomia que foi desenvolvido pela secretaria Municipal de Educação (SME) ocorrendo a participação de algumas escolas. Visão Docente: Professor Regente e Professor Apoio Foram elaborados 02 questionários para serem aplicadas as professoras responsáveis pela turma do 4º ano, que foi o principal objeto de estudo da pesquisa. São duas professoras com idade entre 33 e 47 anos, ambas com formação em Letras pela Universidade Estadual de Goiás (UEG) entre os anos de 2004 e 2005, respectivamente. A média de atuação no magistério é de 20 anos, 25 e 15 anos respectivamente. Sobre a forma e o método utilizados para o planejamento, ambas responderam que o planejamento é feito por hora/aula prevalecendo duas áreas de conhecimento por dia. Elas destacaram que nem sempre, se é possível trabalhar interdisciplinaridade dentro da sala de aula. Sobre as formas e os métodos para diversificar o ensino, afirmaram que utilizam de vários instrumentos pedagógicos para melhorar o processo de ensino e aprendizagem (Seminários, jogos, dinâmicas, trabalhos em grupo, maquete, jogos em equipe - gincanas, jogos de memória com temas das aulas ministradas). A professora de apoio em especial, revelou que o trabalho em equipe é fundamental para a interação e aprendizagem do aluno especial. Segundo as professoras o conteúdo que mais chamam atenção é o estudo do corpo humano e recursos naturais, confirmando as indagações levantadas na análise das respostas dos alunos, que por sinal dão grande destaque ao corpo humano.

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Ao serem questionadas sobre medidas que poderiam ser tomadas pelas autoridades para melhorar a educação, elas destacam o investimento em estrutura da escola, ampliação de bibliotecas, laboratórios, e a redução de número de alunos por sala, além de investimentos que possam realmente contribuir para o processo de ensino-aprendizagem e refletir em sala de aula. Segundo a professora regente, o ensino de ciências naturais é fundamentado no plano de curso e livro didático. Segundo Suess, Sobrinho & Alonso (2013) o livro didático não pode e não deve ser a única fonte de consulta e meio de ensino do professor, citando Freire (1996, p. 16) "não há ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino", os autores afirmam que ensinar exige pesquisa, não se justificando o professor, que é o principal responsável pela condução do processo de ensino-aprendizagem, se concentrar em apenas uma fonte de pesquisa, ou seja, no livro didático, não ignorando aqui a relevância do livro didático na escola brasileira. De acordo a professora de apoio para melhorar a inclusão, deveriam ter mais cursos de capacitação para os professores, melhora na estrutura física da escola, tais como: banheiros adaptados, sala de recursos com mais equipamentos didático-pedagógicos (tendo em vista, que a escola é um polo de atendimento especializado em alunos da inclusão). Na visão da professora cada semestre poderia investir mais em equipamentos pedagógicos. Segundo Castellar (2010, p. 45) "a aprendizagem será significativa quando a referência do conteúdo estiver presente no cotidiano da sala de aula, quando se considerar o conhecimento que a criança traz consigo, a partir de sua vivência". Nesse sentido se encontra os Parâmetros Curriculares Nacionais - PCNs em valorizar o cotidiano do aluno para se realizar uma aprendizagem significativa. Dessa forma buscou-se avaliar a forma como o mundo vivido dos alunos é considerado pelo professor regente. No planejamento ela afirmou que se preocupa em abordar o mundo vivido. A professora afirmou ainda que ao trabalhar os aspectos do cotidiano para contextualizar o conhecimento teórico abordado, notou-se um desenvolvimento perceptível da potencialidade de alguns alunos. Considerações Finais Finalizando este trabalho, percebe-se em um primeiro momento uma forte insegurança dos gestores no que tange as informações transmitidas, mostrando pouco conhecimento à cerca do processo de ensino e aprendizagem de Ciências Naturais e Geografia, isto ficou claro durante todo o trabalho de colheita de informações. Os questionários dos alunos mostram que ainda o processo de ensino e aprendizagem, bem como as atividades propostas estão muito vinculadas para os alunos com a obtenção de notas, e não conhecimentos. A interdisciplinaridade entre Geografia e Ciências Naturais é evidente nas respostas. A maioria dos alunos gostam da disciplina (outros acham as metodologias pelos professores, muito pouco atrativas) o que ajudam a efetivação do processo de ensino-aprendizagem pelo aluno. O corpo humano foi o conteúdo mais frisado entre os alunos, talvez seja influência pela inclinação da professora regente, visto que ela gosta e é técnica de enfermagem. Observa-se que ambos os professores possuem muito tempo de experiência na educação básica, o desgaste com a profissão devido a falta de valorização da profissão docente e de incentivos para capacitação, além de materiais de trabalho (principalmente, para a educação inclusiva), é evidente. Apesar de aspectos positivos terem sidos encontrados, como a valorização do cotidiano, e a contextualização dos conteúdos com as realidades vividas dos alunos, observa algumas práticas tradicionais que acabam contribuindo para um processo de ensino-aprendizagem limitado, apesar de todas as qualidades identificadas. A concentração no livro didático e a forma de aplicar algumas metodologias de ensino como alguns alunos alertaram, acabam interferindo negativamente nesse processo.

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E, para finalizar, um terceiro ponto em que cabe salientar, a boa noção dos alunos e a percepção dos conteúdos e da prática escolar, mostrando que muitos dos conteúdos trabalhados dentro do ensino de Ciências Naturais e Geografia apresentam grande similaridade dentro do contexto das competências e habilidades, isso ajuda no trabalho da interdisciplinaridade e faz com que o aluno tenha uma visão do conhecimento como um todo e não como áreas isoladas sem qualquer conexão, possibilitando assim com que o mesmo possa adquirir certa criticidade, desde os anos iniciais do ensino fundamental. Referências BRASIL.(1996). Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei nº 9394, de 20 de dezembro de 1996. Brasília: Planalto; BRASIL.(1997a). Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais : ciências naturais. Brasília: MEC/SEF; BRASIL (1997b). Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais : introdução aos parâmetros curriculares nacionais. Brasília : MEC/SEF; BRASIL (1998). Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: Historia, Geografia / Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC/ SEF; CARNEIRO, M. A. (2010). LDB fácil – leitura crítico-compreensiva artigo a artigo. Petrópolis, RJ: Vozes; CASTELLAR, S. M. V. (2010). Educação Geográfica: Formação e didática. In: MORAIS, E. M. B.; MORAES, L. B. Formação de professores: conteúdos e metodologias no ensino de Geografia. Goiânia: Nepeg; LIBÂNEO, José Carlos; OLIVEIRA, João Ferreira; TOSCHI, Mirza Seabra (2012). Educação Escolar: Políticas, estrutura e organização. 10º ed. São Paulo: Editora Cortez; _________, José Carlos (1994)., São Paulo: Cortez. 1994; LUCKESI, C. C. (1998). Avaliação da Aprendizagem Escolar: Estudos e proposições. São Paulo: Cortez; SAVIANI, Demerval (2002). Escola e Democracia: teorias da educação, curvatura da vara, onze teses sobre a educação política. 35ª ed. revisada, Campinas, SP: Autores Associados; SUESS, R. C.; BEZERRA, R. G.; SOBRINHO, H. C. (2013). Um único espaço escolar e duas realidades diferentes de ensino: considerações acerca da situação da modalidade regular e da EJA no município de Formosa, Goiás. Revista Lugares de Educação, Bananeiras-PB, v. 3, n. 6, p. 214-229. Enviado em 30/04/2016 Avaliado em 15/06/2016

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A INFLUÊNCIA DE CERVANTES NA LITERATURA ESPANHOLA Margareth Vieira Melo Rodrigues Graduanda em Letras – Universidade Estácio – Pólo Alcântara – RJ Resumo Este artigo visa discorrer através de uma breve pesquisa relatos sobre a vida de Miguel de Cervantes,considerado por muitos o maior escritor espanhol de todos os tempos, destacando a sua obra mais marcantes e conhecida mundialmente (el ingenioso Hidalgo Don Quixote) e a sua influencia na literatura espanhola ,e a expansão que teve para o desenvolvimento educacional , tendo nos tempos atuais o grande instituto de Cervantes que promove e ensina espanhol e divulga a cultura da Espanha e dos países hispanohablantes através de nomes como o de Cervantes a língua espanhola vem rompendo fronteiras e tornando-se um idioma com uma boa acessibilidade para a comunicação entre povos e nações. Palavras chave: Cervantes, influência,literatura Resumen Este artículo tiene como objetivo discutir a través de unas breves informes de investigación sobre la vida de Miguel de Cervantes , considerado por muchos el más grande escritor español de todos los tiempos , destacando su obra más llamativo y conocido en todo el mundo (el ingenioso Hidalgo Don Quijote ) y su influencia en la literatura española , y la expansión que tuvo para el desarrollo educativo , y en los tiempos modernos el gran instituto de Cervantes , que promueve y enseña español y difunde la cultura de España y de los países hispanohablantes a través de nombres como Cervantes la lengua española se está rompiendo fronteras y convertirse en un lenguaje con una buena accesibilidad para la comunicación entre los pueblos y las naciones . Palabras clave: Cervantes influencias, la literatura Introdução O espanhol é uma língua de muita importância para relações comerciais , estando entre as três línguas mais faladas do mundo, pois é um idioma falado por vinte e um países a maioria situada na América latina . Parte da vontade de aprender essa língua esta relacionada a conquista feita em meio a literatura, chegando a ser uma das mais belas, temos como exemplo a obra de Cervantes “Don quijote de la mancha” considerado primeiro romance escrito e publicado no mundo através desta obra muitos estrangeiros tiveram que aprender a língua para fazer a sua leitura o que causou a consolidação do idioma se expandindo pelo mundo. Essa obra foi traduzida para 60 países, e tratase da narrativa do século 17 sobre um cavaleiro que vive no mundo da fantasia e realidade acompanhado do seu fiel amigo e companheiro Sancho Panças que tem uma visão mais realista; esta obra foi de grande influência na literatura espanhola. A educação formal de Cervantes deve muito a Juan López de Hoyos erasmiano da época e três temas são comuns ao filosofo e ao romancista (a dualidade da verdade, a ilusão das aparências e o elogio da loucura. os conjuntos de textos críticos da obra de Cervantes situa-se na encruzilhada entre um mundo que desaparece e outro que surge no período de transição histórica filosófica correspondendo entre a baixa idade media e as primeiras luzes da Renascencia , sendo um idealista cuja consciência lhe ensina que a sua fé é pura ilusão diante da realidade. Cervantes transforma o seu protesto de humanista plebeu contra o aristocrático numa visão humorista da vida ,permitindo resolver contradições entre prosa e poesia , ficção e verdade realidade e ficção ,no Brasil Cervantes chega durante o florescentino Barroco. Cervantes sempre foi um exemplo com sua obra não só ensinou sua língua ao mundo, mas também difundiu muito da sua cultura,uma cultura que se enriqueceu de muitas outras, como é o caso da cultura árabe que, entre os séculos Vlll e XlV deixou marcas no léxico do idioma espanhol.

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Trajetória da vida de Cervantes

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Miguel de Cervantes Saavedra nascido na cidade de Alcalá de Henares Espanha em 29 de setembro de 1547, naquele tempo havia o costume de colocar o nome do recém-nascido com o nome do santo daquele dia, e nesta data havia as comemorações ao santo San Miguel. Foi o quarto de sete filhos nascido do nobre cirurgião castelliano Dom Rodrigo de Cervantes e Dona Leonor de Cortinas. Cervantes escolheu a carreira no exercito em 1569, durante um duelo atinge Antonio Vai a Itália trabalhar ao lado de um cardeal o que contribui para a sua formação cultural, e em 1570 alista-se em Nápoles como soldado. Em1571 na batalha de lepanto se fere sendo atingido com um tiro de mosquete perdendo os movimentos da mão esquerda, tendo através deste episodio o apelido de “o manco de lepanto”. Em 1575 foi aprisionado por piratas sendo escravo junto com muitos outros, foi liberto após cinco anos depois do pagamento de seu resgate. Miguel Cervantes foi viver em Madri onde teve um caso com Ana de Vilafranca ao qual nasce uma filha Isabel de Saavedra. Em 1584 casou-se com Catalina de Palacios e começou a escrever poesias e peças. Sua primeira obra foi um romance pastoral em verso e prosa “La galatea” de 1585, como as publicações das obras lhe rendia pouco salario e não conseguindo viver da literatura, Cervantes conseguiu um cargo no governo como coletor de impostos para o exercito espanhol más passou a passar por dificuldades sendo preso dez anos depois, acusado de se apropriar de uma fração da renda arrecadada, então na prisão ele inicia o projeto mais ilustre ”Dom Quixote”. Em seus 1605 aos seus cinquenta e oito anos Cervantes publica a primeira parte da sua obra-prima, narrando ás aventuras de Dom Quixote um fidalgo cuja nacionalidade castellana que perdeu o seu juízo depois de ter lido muitos livros de romance e cavalaria (considerado louco pela maioria) e Sancho Panças seu vizinho, lavrador transformado em seu fiel escudeiro, como todo cavaleiro Dom Quixote precisava de uma dama a quem honrar então ele elege uma lavradora que só conhece de vista e a chama de Dulcinéia. Outra obra de Cervantes foi “novelas exemplares” publicado em 1613 que incluía experiências de vida de Cervantes contando histórias de piratas. Em 1614 apareceu uma falsificação de sua obra suposta sequencia de seu livro de Dom Quixote, Então em 1615 ele continua a sua obra em um tom mais irônico e em seguida a obra de “los trabajos depersiles ysegismunda. Miguel de Cervantes morre em 1616 sendo sepultado em uma igreja de Madri, esta igreja acabou sendo demolida anos depois para a construção do convento de Santo Ildefonso das madres trinitárias, que existe até os dias de hoje. Principais obras de Cervantes ordem cronológica : la numancia (1582) el trato de Argel (1582) la galatea (1585) el igenioso Hidalgo DON Quijote de la mancha (1605) novelas ejemplares (1613) viaje al parnaso (1614) la segunda parte de Don Quijote (1615) los trabajos de persiles y segismunda ( 1617) obra póstuma historia septentrional. Também há oito comedias e oito entremeses novos nunca representados Considerações finais Após estas pesquisas para a elaboração do artigo podemos perceber a importância da existência da vida de Miguel de Cervantes para a literatura espanhola, com a sua obra de Dom Quixote considerado o melhor romance atingindo as culturas sendo traduzida em muitos idiomas e apresentada futuramente em filmes e series; Seus romances são a melhor forma de aprender o espanhol na Espanha, tornando de grande ajuda no aprendizado nas escolas.

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Cervantes é um símbolo do idioma sua influencia sobre a língua castelhana tem sido tão grande que a língua é chamada de “La lengua de Cervantes” e a sua importância na Espanha e exaltada em inúmeras estatuas, esculturas e instituições. Temos como Um grande exemplo instituto Cervantes, que promove e ensina espanhol e divulga a cultura da Espanha e dos países hispanohablantes, a sede dele se encontra em Madri e algumas das suas filiais se encontra também aqui no Brasil, o instituto é responsável pela formação de professores brasileiros e torna disponível recursos didático e técnico para o ensino do espanhol nas escolas publicas. Neste ano para comemorar os 400 anos da sua morte a orquestra sinfônica de campinas realizou nos dias 2 e 3 de abril uma apresentação retratando o personagem de Dom Quixote e a biblioteca de São Paulo neste mês de abril terá uma programação voltada para conhecer a obra e a vida de Miguel de Cervantes Saavedra. Referências Instituto Cervantes, riodejaneirocervantes. Disponível em: Acesso em 20 dezembro. 2010. _______. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais – Temas Transversais: Meio Ambiente. Brasília: SEF/MEC, 1998. Disponível em: . Acesso em 21dezembro. 2011. GUIMARÃES, M. A formação de educadores ambientais. Campinas, SP: Papirus (Coleção Papirus Educação) 2007, 174p. LOUREIRO, C. F. B Trajetória e fundamentos da educação ambiental. São Paulo: Cortez, 2004. SILVIA CZAPSKI. Brasília Ministério da Educação, Secad: Meio Ambiente, Saic, 2008. 24p. (MUDANÇAS AMBIENTAIS GLOBAIS. Pensar + agir na escola e na comunidade). SOUZA, Marinêz de. Educação ambiental: concepções de meio ambiente de professores e alunos do meio rural do município de Cascavel – PR. 2014. 46 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Especialização) - Universidade Tecnológica Federal do Paraná, Medianeira, 2014. Enviado em 30/04/2016 Avaliado em 15/06/2016

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PROFECIA BÍBLICA DO APOCALIPSE: UM OLHAR SOB O VIÉS DA ANÁLISE DO DISCURSO Max Silva da Rocha45 Marcos Apolinário Barros46 Resumo Este artigo tem por objetivo analisar e compreender o que está implícito no quarto versículo da profecia do livro Apocalipse, já que se trata de uma linguagem profético-simbólica. Para a interpretação dos simbolismos proféticos e de sua linguagem figurada tomou-se como base a Análise do Discurso com origem na escola francesa inaugurada por Michel Pêcheux, mas não vamos seguir, integralmente, as suas formulações e teorias. Também recorremos a outros autores, como Cavalcante (2007), Florêncio (2009), Marx (2005). Portanto, constatou-se que as profecias não se entendem como se lê e que é necessário desvendar os mistérios dessa linguagem figurativa. Palavras-chave: Análise do Discurso. Profecia do Apocalipse. Conversão. Abstract This article aims to analyze and understand what is implied in the fourth verse of the Book of Revelation prophecy, since it is a prophetic-symbolic language. For the interpretation of the prophetic symbolism and its figurative language was taken as basis for discourse analysis originating in the French school inaugurated by Pêcheux but we will not follow, in full, their formulations and theories. Also resorted to other authors such as Cavalcante (2007), Florencio (2009), Marx (2005). Therefore, it was found that the prophecies do not understand how to read and it is necessary to unravel the mysteries of this figurative language. Keywords: Discourse Analysis. Prophecy of the Apocalypse. Conversion. Introdução A Análise do Discurso aqui proposta, parte, como foi dito, de observações de um versículo do capítulo doze do livro Apocalipse, cujo significado é Revelação. Portanto, trata-se de revelações feitas por Jesus Cristo ao apóstolo João, que em cumprimento às determinações do Senhor, resolveu escrevê-las para conhecimento de todos os homens. O apóstolo João estava na ilha de Patmos, na Grécia, onde escreveu tudo que viu e ouviu. Essas revelações são de grande importância para todas as pessoas, porque tratam dos tempos vindouros, ou seja, da consumação dos séculos (APOCALIPSE, cap. 1:1-2, p.284). O Apocalipse é o último livro da Bíblia Sagrada e o mais fascinante de todos os livros por sua linguagem profética e repleta de simbolismos. Esse livro é de difícil compreensão por ter sido escrito numa linguagem figurada e profética, por meio da qual o Senhor Javé permitiu que se discorresse sobre diversos assuntos de grande importância, como: as dominações, movimentos religiosos e até mesmo pessoas. Se as profecias falassem claramente destas pessoas, elas facilmente destruiriam a Bíblia Sagrada. A respeito disso, o apóstolo Lucas (cap.8:10, p.80) afirma: “A vós vos é dado conhecer os mistérios do reino de Deus, mas aos outros por parábolas, para que, vendo, não vejam, e, ouvindo, não entendam”. Essa é a resposta para a linguagem figurada adotada nos textos proféticos bíblicos e, especificamente, no livro Apocalipse.

Graduando do 5° período do curso de Letras – Português pela Universidade Estadual de Alagoas – UNEAL, Campus III em Palmeira dos Índios – AL. E-mail: [email protected] 46Graduando do 7° período do curso de Letras – Português pela Universidade Estadual de Alagoas – UNEAL, Campus III em Palmeira dos Índios – AL. Bolsista do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência – PIBID/CAPES/UNEAL. E-mail: [email protected] 45

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Esse estudo irá analisar o quarto versículo do capítulo doze do livro da Revelação, como já dito, e dará relevante contribuição para a melhor compreensão e entendimento das profecias bíblicas, inclusive servirá como modelo para se interpretar outras profecias presentes em outros livros da própria Bíblia Sagrada. Com vistas a realizar da melhor maneira possível este estudo, servimo-nos de textos bíblicos extraídos dos livros47 de Daniel, Efésios, Isaías, Marcos e Lucas. Foi feita uma análise minuciosa, com o intuito de compreender um dos sentidos que está por trás dessa linguagem figurada que encontramos no quarto versículo estudado. As profecias bíblicas do Apocalipse ou de outros livros proféticos, podem ser interpretadas livremente, sem considerar suas conexões com o conjunto de escritos bíblicos, já que estão escritas numa linguagem figurativa, simbólica e profética. Esse estudo vai desvendar um possível significado da profecia do quarto versículo do capítulo doze do Apocalipse e o que ela está representando. Metodologia Para essa pesquisa qualitativa tomamos como ponto de partida a Análise do Discurso, pois como se sabe a AD busca explicar e entender como está constituído todo o discurso e como ele se relaciona com o meio social. É justamente desse ponto de partida que esse estudo está alicerçado. As profecias, aqui estudadas, estão transmitindo uma mensagem implícita e é esse enigma que o trabalho irá abordar. Sobre esse entendimento de dito e não-dito nessas profecias bíblicas é imprescindível citar o que afirma Orlandi (2005, p.34): [...] consiste em considerar o que é dito em um discurso e o que é dito em outro, o que é dito de um modo e o que é dito de outro modo, procurando escutar o não-dito naquilo que é dito como, uma presença de uma ausência necessária [...] porque [...] só uma parte do dizível é acessível ao sujeito, pois mesmo o que ele não diz (e que muitas vezes ele desconhece) significa em suas palavras.

Vê-se, pois, quão grande é a problemática nesses textos simbólicos para compreendermos o que realmente eles estão querendo nos dizer. Para desvendar e entender os sentidos que se encontram nas profecias bíblicas, a nosso ver, é necessário fazermos conversões de algumas palavras. A profecia é a única parte da Bíblia que não se entende como está escrita, e que necessita do método da conversão. Esse método consiste em buscar significados para palavras que não são compreendidas como estão escritas literalmente. Com esse método podemos explicar o que, possivelmente, tais passagens bíblicas estão representando. As conversões não podem ser aplicadas as histórias, poesias, cartas e evangelhos, sendo somente utilizadas nas profecias, porque só elas estão escritas numa linguagem figurada e profética. Adiante, nos próximos itens, veremos como se deu todo esse processo de desvelamento profético-simbólico. Breves considerações sobre análise do discurso Nesta pesquisa iremos tomar como base a Análise do Discurso para tentar compreender essa complexidade profética que encontramos num discurso religioso transmitido por uma mensagem bíblica. De acordo com Cavalcante et al. (2009, p.25-26) sabemos que: Não há, pois, discurso neutro ou inocente, uma vez que ao produzi-lo, o sujeito o faz, a partir de um lugar social, de uma perspectiva ideológica e, assim, veicula valores, crenças, visões de mundo que representa os lugares sociais que ocupa.

Tais livros serviram apenas como um suporte para buscar novos significados para algumas palavras. Desse modo, o foco exclusivo é o livro Apocalipse. 47

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É através da Análise do Discurso que será possível compreendermos o nosso tema problema, uma vez que com a AD conseguimos realizar uma análise tanto interna, quanto externa do conteúdo abordado. Interna no que diz respeito ao que o discurso está dizendo e também de que forma está sendo dito. E na externa iremos abordar, necessariamente, o motivo pelo qual o discurso foi posto. Neste sentido, é importante destacar o que afirmam Fiorin e Platão (2000, p.241): Um dos aspectos mais intrigantes da leitura de um texto é a verificação de que ele pode dizer coisas que parece não estar dizendo: além das informações explicitamente enunciadas, existem outras que ficam subentendidas ou pressupostas. Para realizar uma leitura eficiente, o leitor deve captar tanto os dados explícitos quanto os implícitos.

É justamente a partir dessa perspectiva de analisar não só o que nos está evidente, mas também o sentido do que não está dito que realizamos esse trabalho. Nesse aspecto, a nossa percepção de leitura não pode se delimitar apenas no que está explícito, mas sempre procurando fazer uma análise crítica de determinado discurso. Utilizar a Análise do Discurso é tentar explicar e entender como está constituído todo o discurso e como esse texto se relaciona com a sociedade. O nosso objeto de pesquisa, ou seja, o versículo da profecia do livro Apocalipse trata também de uma linguagem e esse estudo, aqui realizado, não está visando o lado gramatical da linguagem, mas principalmente, a ideologia existente em nosso tema problema e o que ele transmite para seus respectivos destinatários. O estudo observa a língua de um ponto de vista discursivo e também vai além das perspectivas que ela nos oferece. A AD, como já está mencionado no seu próprio nome, analisa o discurso, o qual é entendido como a palavra em movimento, prática de linguagem, na qual se analisa o homem falando. É importante ressaltar o que pontua Orlandi (2001, p.26): “A AD visa à compreensão de como um objeto simbólico produz sentidos, como ele está investido de significância para e por sujeitos”. Desta forma, podemos entender e compreender como o discurso religioso tem ideologias, público alvo, silenciamentos em alguns aspectos semânticos, isto é, do sentido ao que o conteúdo se refere. Desse modo, Não há como esquivar-se de trabalhar com a linguagem sem levar em consideração a interpretação, a ideologia, o inconsciente, a história e, sobretudo, os sujeitos nos seus limites e possibilidades (CAVALCANTE et al. 2009, p.35)

Dessa forma, a análise minuciosa do texto mostra que os efeitos e as escolhas feitas e a causa que produzem dependem e estão interligadas com a maneira pela qual o discurso foi construído, ou seja, há sempre uma ideologia por trás do implícito. Nesses implícitos podemos identificar a grande complexidade em decifrá-los porque esses simbolismos requerem uma grande atenção e estudo para não cometermos erro e, consequentemente, distorcer o que na verdade a passagem bíblica está se referindo. Alguns líderes religiosos ao interpretarem esses textos demonstram, claramente, que não leem e não conseguem fazer uma eficaz interpretação desse simbolismo profético. Um bom exemplo disso é uma passagem do próprio livro Apocalipse (cap. 13:1, p.357) que diz: “[...] e vi subir do mar uma besta que tinha sete cabeças e dez chifres, e sobre os seus chifres dez diademas, e sobre as suas cabeças um nome de blasfêmia”. Alguns líderes por não conhecerem o que realmente está querendo afirmar o texto fazem a seguinte interpretação em suas denominações: “olhem irmãos a Bíblia está dizendo que é pecado ir à praia porque a besta vai sair do mar”. Vê-se, pois, quão grande é essa problemática por não estudarem os textos Sagrados. Logo mais, utilizaremos a Análise do Discurso para identificarmos como se deve proceder de forma coerente no momento da interpretação desses textos simbólicos. Também, provavelmente, poderemos identificar o porquê Deus permitiu que se escrevessem as profecias numa linguagem figurada.

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Desvelando a profecia do apocalipse Em consequência do que foi dito até agora, e já introduzindo o nosso ponto central de estudos, comecemos a nossa análise com a citação de Apocalipse (cap. 12:4, p.293): “E a sua cauda levou após si a terça parte das estrelas do céu, e lançou-as sobre a terra; e o dragão parou diante da mulher que havia de dar à luz, para que, dando ela a luz, lhe tragasse o filho”. Sabe-se que desta forma não conseguimos compreender o que a profecia está nos dizendo. Então como entender o que esse texto simbólico e profético está nos revelando? Algumas palavras precisam ser convertidas, ou seja, elas têm outros significados em versículos de outros livros bíblicos. A palavra cauda tem outro significado e está em Isaías (cap. 9:15, p.708) que diz: “O ancião e o varão de respeito é a cabeça, e o profeta que ensina a falsidade é a cauda”. Neste caso, a cauda representa um profeta mentiroso, isto é, um falso profeta. Para o significado das estrelas encontraremos a resposta no livro de Daniel (cap. 12:3, p.900) ao dizer: “Os entendidos, pois, resplandecerão, como o resplendor do firmamento; e os que a muitos ensinam a justiça refugiarão como as estrelas sempre e eternamente”. Agora sabemos que as estrelas representam os mensageiros, ou seja, os anjos que tem a função de notificar as boas novas de Deus. O versículo também fala de um dragão. Para esse, a resposta está em Apocalipse (cap. 12:9, p.293) no qual diz: “E foi precipitado o grande dragão, a antiga serpente, chamada o diabo, e satanás, que engana todo o mundo; ele foi precipitado na terra, e os seus anjos foram lançados com ele”. Com isso o dragão está representando, simbolicamente, o diabo. Na profecia também fala de uma mulher. Quem seria esta mulher? Para essa resposta iremos até o livro de Efésios (cap. 5:23, p.229) que diz: “Porque o marido é a cabeça da mulher, como também Cristo é a cabeça da igreja; sendo ele próprio o salvador do corpo”. Portanto, mulher em profecia, significa Igreja. O filho dessa mulher é Jesus Cristo o qual é o Salvador do mundo. Condições de produção do discurso Nenhum discurso é uma produção neutra, desvinculada da história humana. No mais “não há um sentido dado, único, verdadeiro, mas vários sentidos que estão além das evidências” (FLORÊNCIO, 2009, p.65). As condições de produção se apresentam em sentidos amplos e estritos. Em nosso corpus também percebemos esses segmentos, uma vez que o texto bíblico num sentido estrito nos traz apenas uma visão superficial do enunciado, porém o amplo é mais aprofundado e percebemos, com a análise dos textos sagrados, que se trata de um discurso histórico e que teve um marco grandioso na história do cristianismo. Memória discursiva Integra o conjunto de categorias essenciais da Análise do Discurso. “Todo discurso dialoga com discursos que o precederam, incorpora elementos pré-construídos produzidos em outros discursos, em outras épocas, que constituem uma memória discursiva”. (CAVALCANTE, 2007, p.48). Assim, a memória discursiva refaz a linha do tempo subjetivamente e traz para o tempo o que se chama hoje os pré-construídos, com vistas a explicitar uma situação abundante de forças ideológicas, tanto quanto os implícitos embutidos no discurso. Os componentes da memória discursiva entram num processo de ressignificação para trazer ao debate os motivos históricos constitutivos do dito. No caso em estudo, a memória discursiva indica perseguição, por parte de Lúcifer, à Igreja cristã primitiva a fim de impedir a sua propagação. Implícitos Também denominados de pré-construídos são determinações presentes no discurso, porém sorrateiramente. É através do dito que se percebe o implícito, ou seja, aquele discurso que não é assumido pelo enunciante, no entanto, está presente. Os sujeitos estão “condenados” a lerem de maneira contínua a realidade. Qualquer leitura feita carrega em si as permanências subjetivas, as quais se originaram das relações intersubjetivas

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anteriores, que são por si só ideológicas, podendo, desse modo, esconder ou clarificar a realidade, dependendo do grau de consciência e comprometimento dos indivíduos com o meio a que pertencem. Uma concepção da realidade deformada se dá com sujeitos de todas os tipos, ou até mesmo o contrário. (FLORÊNCIO, 2002, p.238) No entanto, a AD possibilita olhares para além do dito, buscando outros sentidos, com destaque para aqueles sentidos encobertos nos mais variados discursos e, neste caso, o religiosoprofético. Utilizando esses mecanismos, identificamos um possível sentido para a profecia. A mensagem bíblica está falando de uma Igreja vitoriosa apesar de todas as perseguições e que o diabo como falso profeta que é, conseguiu persuadir um terço dos anjos do Reino de Deus e os converteu em demônios. Satanás também perseguiu a Igreja de Cristo na terra e tentou matar Jesus, quando o Cristo ainda era uma criança, porém Deus não permitiu. Esses sujeitos do discurso como o diabo, a Igreja, o falso profeta, os Anjos e Jesus Cristo foram postos no discurso, porém de uma forma totalmente metafórica para silenciar toda a profecia bíblica. A mulher da profecia é a Igreja de Cristo, ela é iluminada por Jesus e teve como líderes os doze apóstolos. A origem dessa Igreja se faz presente desde o Velho Testamento, simbolizada pelos sacrifícios de cordeirinhos, os quais já antecipavam o sacrifício real e único do Cordeiro de Deus que tira todo o pecado do mundo, Jesus Cristo. Desse modo, o texto bíblico fala de uma perseguição sem êxito, representada pelos personagens encobertos do versículo ora estudado. Considerações finais A Análise do Discurso (AD) se presta a esclarecer as entrelinhas das falas, relevando seus aspectos camuflados. No presente trabalho se analisou o discurso profético do livro da Revelação abordando o quarto versículo do capítulo doze. Evidenciou-se também, na profecia, a grande perseguição que os cristãos sofreram durante toda história. Viu-se também que as condições do discurso têm base ideológica, pois como sabemos não há discurso neutro e nem inocente. Outro elemento importante é a memória discursiva por meio da qual o indivíduo dialoga com os discursos precedentes. Por último, vem os implícitos caracterizados por falas préconstituídas, mas direcionadas a conservação do status quo. Desse modo, o texto divulgado pelo versículo bíblico nos remete a um tempo longínquo e de tristes acontecimentos com o povo de Deus. Como os sentidos implícitos podem ser revelados, é válido ressaltar o que afirma o livro de Marcos (cap. 4:22, p.56) quando diz: “Porque nada há encoberto que não haja de ser manifesto; e nada se faz para ficar oculto, mas para ser descoberto”. Nesse sentido, é que tomamos a iniciativa de analisar esse discurso profético-simbólico. Com esse estudo, compreende-se que as profecias bíblicas não se entendem como se lê e que necessitam de conversões para serem interpretadas, pois a linguagem adotada nesses textos é simbólica, figurada e profética. Caso não seja feita essas conversões das palavras, os leitores não conseguirão entender o que está escrito nas profecias bíblicas. Se o leitor não entender determinado versículo de alguma profecia, deve procurar respostas em versículos de outros livros da própria Bíblia Sagrada porque a Bíblia consegue explicar ela mesma. A esse respeito, diz o profeta Isaías (cap.28:10, p.722): “Porque é mandamento sobre mandamento, mandamento sobre mandamento regra sobre regra, regra sobre regra; um pouco aqui, um pouco ali”. É esse, a nosso ver, o modo eficaz de se interpretar as profecias bíblicas e desvendar um dos sentidos que estão por trás dos simbolismos proféticos. Quanto à pesquisa realizada, vale salientar ter sido fascinante, sem a pretensão de querer esgotar o assunto aqui tratado. Constituindo-se num pontapé inicial para a realização de outros futuros estudos, inclusive destacando elementos discursivos em outros textos religiosos. No mais, vale dizer que temos um sentimento de dever cumprido ao realizar esta pesquisa, pois analisamos um gênero discursivo religioso que, às vezes, é pouco estudado no meio acadêmico e com essa análise detectamos quão complicado é a interpretação de textos proféticos, porque são dotados de

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simbolismos e vários significados. E ainda despertamos para o significado e a importância da realização de pesquisa nessa área, para a obtenção de conhecimentos e estimulando outras pesquisas a fim de podermos manter um diálogo com líderes religiosos, na tentativa de contribuir na revisão de seus métodos de interpretação de textos proféticos de difíceis compreensões. Enfim, a Análise do Discurso nos permite vislumbrar as manobras discursivas e as entrelinhas das mais variadas falas, aqui com destaque para o discurso religioso. Em conclusão, vale ressaltar a satisfação obtida com esta pesquisa, por meio da qual podemos lançar outros olhares sobre as profecias bíblicas, contribuindo com os cristãos e o público em geral no tocante a exegese dos textos sagrados. Referências Bíblia Sagrada. (Apocalipse, Daniel, Efésios, Isaías, Marcos e Lucas). Traduzida por ALMEIDA, João Ferreira de. 5ª ed. revista e corrigida. São Paulo-SP: Juerp, King’s Cross, 2007. CAVALCANTE, Maria do Socorro de Oliveira, et al. Análise do Discurso: Fundamentos e Prática. 1ª ed. Maceió: Edufal, 2009. _______. Qualidade e Cidadania nas Reformas da Educação Brasileira: o Simulacro de um Discurso Modernizador. 1ª ed. Maceió: Edufal, 2007. _______. FLORÊNCIO, Ana Maria Gama. (et.al.). – Maceió: EDUFAL, 2009. Qualidade e Cidadania nas reformas da educação brasileira: o simulacro de um discurso modernizador. Maceió: EDUFAL, 2007. DANIEL. Livro de Daniel. Traduzido por ALMEIDA, João Ferreira d e. 5ª ed. revista e corrigida. São Paulo-SP: Juerp, King’s Cross, 2007. FIORIN, José Luiz; PLATÃO, Francisco Savioli. Lições de Texto: Leitura e Redação. 4ª ed. São Paulo: Ática, 2000. ISAÍAS. Livro de Isaías. Traduzido por ALMEIDA, João Ferreira de. 5ª ed. revista e corrigida. São Paulo-SP: Juerp, King’s Cross, 2007. JOÃO. Apocalipse. Traduzido por ALMEIDA, João Ferreira de. 5ª ed. revista e corrigida. São Paulo-SP: Juerp, King’s Cross, 2007. LUCAS. Livro de Lucas. Traduzido por ALMEIDA, João Ferreira de. 5ª ed. revista e corrigida. São Paulo-SP: Juerp, King’s Cross, 2007. MARCOS. Livro de Marcos. Traduzido por ALMEIDA, João Ferreira de. 5ª ed. revista e corrigida. São Paulo-SP: Juerp, King’s Cross, 2007. ORLANDI, Eni Pulcinelli. Análise do Discurso: Princípios e Procedimentos. 6ª ed. Campinas: Pontes, 2005. ______. Discurso e Leitura. 7ª ed. São Paulo: Cortez, 2006. PAULO. Efésios. Traduzido por ALMEIDA, João Ferreira de. 5ª ed. revista e corrigida. São Paulo-SP: Juerp, King’s Cross, 2007. Enviado em 30/04/2016 Avaliado em 15/06/2016

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O FLUXO DE CAIXA NA GESTÃO ORGANIZACIONAL

Renata de Sampaio Valadão Mestra em Educação – PPGE da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS/Paranaíba). Membro do Grupo de Estudos e Pesquisas em História e Historiografia da Educação Brasileira (GEPHEB). Docente das Faculdades Integradas Urubupungá (FIU) Edson Ferreira dos Santos Graduando em Ciências Contábeis das Faculdades Integradas Urubupungá Vitor Martins Graduando em Ciências Contábeis das Faculdades Integradas Urubupungá

Resumo O fluxo de caixa é considerado como uma ferramenta capaz de apoiar os empreendedores para uma gestão organizacional mais eficiente. Ao utilizar o fluxo de caixa, o empreendedor terá condição de avaliar e controlar as entradas e saídas dos recursos da empresa, além de ter ciência do saldo disponível para o pagamento dos investimentos realizados, assim como verificar se a organização está em condições de saldar seus débitos em um determinado período de tempo. Desse modo, este artigo teve como objetivo destacar a relevância do Fluxo de Caixa para uma gestão eficiente dos negócios, e como procedimento metodológico utilizou-se pesquisa bibliográfica. Palavras-chave: Gestão Organizacional. Gestão Financeira. Fluxo de Caixa; Abstract Cash flow is considered as a tool to support entrepreneurs for more efficient organizational management. When using the cash flow, the entrepreneur will have condition to assess and control the inputs and outputs of the company's resources, and be aware of the balance available for the payment of investments, as well as verify that the organization is able to pay off your debits a certain period of time. Thus, this article aims to highlight the importance of cash flow for efficient business management, and as a methodological procedure was used literature. Keywords: Organizational Management . Financial management. Cash flow; Introdução Há décadas o homem buscava organizar seus recursos para que por meio deles fosse possível evoluir e alcançar as riquezas necessárias para a sua sobrevivência. E nesse processo de organização ocorria a contagem, ou seja, o inventário dos bens que ele possuía para que decisões de compra e venda fossem mais acertadas. Desse modo, ao longo da história da humanidade foram investigadas várias formas de controle para que o indivíduo pudesse utilizar para registrar de fatos, e posteriormente tomar decisões. Esses registros davam origem a relatórios, nos quais eram apuradas as riquezas adquiridas, ocorrendo os registros contábeis, surgindo desta maneira a contabilidade. (MARION, 2009) A contabilidade tem como objetivo controlar o patrimônio de uma organização e para isso é necessário que o contador ou o gestor tenha conhecimento dos processos contábeis e utilize as ferramentas necessárias para que as decisões sejam tomadas de maneira eficaz. Desse modo, compreendendo a importância do processo contábil para o gerenciamento das organizações, elegemos a ferramenta Fluxo de Caixa para o delineamento desta investigação, considerando que a sua função é de dar informações ao empreendedor sobre a movimentação diária dos recursos financeiros da empresa, ou seja, a demonstração dos Fluxos de Caixa, segundo Marion (2009, p. 451), “[...] indica a origem de todo o dinheiro que entrou no Caixa, bem como a

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aplicação de todo o dinheiro que saiu do caixa em determinado período, e, ainda, o resultado do fluxo financeiro” da organização. O gestor que utiliza as informações do demonstrativo do Fluxo de Caixa tem uma visão sistêmica de seu negócio, podendo tomar decisões eficientes de curto, médio e longo prazo. Portanto, o objetivo desta pesquisa é destacar a relevância do Fluxo de Caixa para uma gestão eficiente dos negócios. Para atender ao objetivo desta investigação, definimos como procedimento metodológico a pesquisa bibliográfica, que se configura por meio de informações já publicadas sobre o assunto, seja em livros, revistas e/ou artigos disponibilizados na internet. O Fluxo de Caixa e a sua importância para as organizações No universo competitivo em que as organizações estão inseridas, é necessário que seus gestores busquem meios eficientes para o gerenciamento dos recursos e para a tomada de decisões. A maneira como estes gestores gerenciam seus negócios é que irá diferenciá-los no mercado, proporcionando desta maneira, resultados satisfatórios que resultará no desenvolvimento e crescimento da organização. Segundo Coelho (2004) as organizações existem para atender por meio de produtos ou serviços, as necessidades básicas e essenciais dos indivíduos que vivem em uma sociedade. Guedes (2008), afirma que essas organizações são constituídas com a união de pessoas, ideias e recursos para atingir aos objetivos preestabelecidos por seus gestores. Para atingir aos objetivos organizacionais e consequentemente atender as necessidades de seu público alvo, é necessário que os gestores utilizem de maneira eficiente as funções básicas da administração que estão atreladas ao processo de planejamento, organização, comando, coordenação e controle das atividades diárias de seus colaboradores. Além disso, é necessário que as empresas tenham acesso a ferramentas capazes de auxiliar no processo de gestão do negócio, sendo o Fluxo de Caixa, um instrumento que permite ao empreendedor, [...] planejar, organizar, coordenar, dirigir e controlar os recursos financeiros de sua empresa para um determinado período. Esse controle é útil tanto quando a empresa está crescendo e aumentando suas atividades, quanto no momento em que apresenta prejuízo, tornando mais fácil a visualização de problemas que estão levando a esse prejuízo. (ZDANOWICZ, 1992, p. 78).

Quando o gestor não tem conhecimento do Fluxo de Caixa ou não o utiliza de maneira correta as informações disponibilizadas por meio dos demonstrativos, os resultados financeiros serão sempre desastrosos, pois sem um controle eficiente a avaliação das atividades organizacionais será difícil de ser mensurada, tendo em vista que não existirão informações claras sobre a rentabilidade e sobre o grau de liquidez da empresa. Zdanowicz (1992), afirma que o Fluxo de Caixa é uma ferramenta que deve ser utilizada para tomada de decisões. A utilização dessa ferramenta possibilita uma boa gestão dos recursos financeiros, e auxilia o empreendedor a ter ciência da capacidade de pagamento e a situação financeira da sua empresa. O autor enfatiza ainda que todas as operações desenvolvidas no âmbito organizacional devem ser controladas para uma melhor gestão dos recursos disponíveis. Este controle refere-se a todo recurso financeiro que sai ou que entra no caixa da organização, desse modo, a administração dos ativos é de fundamental importância para que os objetivos simultâneos da administração financeira sejam satisfatórios. Procedimentos básicos para elaboração do Fluxo de Caixa Como foi destacado anteriormente o Fluxo de Caixa é uma ferramenta de extrema importância para o controle financeiro das organizações e está intimamente ligado as tomadas de decisões, assim, conforme destaca Zdanowicz (2004, p.125), o Fluxo de Caixa consiste na

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implantação de uma estrutura de informações úteis, práticas e que esteja relacionada a vida financeira da organização, cuja proposta é dispor de um “[...] mecanismo seguro para estimar os futuros ingressos e desembolsos de caixa na empresa”. O fluxo de caixa como ferramenta de controle permite aos administradores de uma empresa ter uma avaliação mais ampla da real capacidade de geração de caixa com o fim de honrarem compromissos e das necessidades de financiamentos além de demonstrarem a origem e o destino dos valores, isto é, onde estão sendo investidos. (SANABRIA et al, 2106, p. 03).

O Fluxo de Caixa deverá ser planejado de acordo com as necessidades da empresa, portanto, ele varia de acordo com o tamanho e as atividades organizacionais. (SABABRIA et al, 2016). Zdanowicz (2000), afirma que para elaborar o Fluxo de Caixa é necessário que o gestor delimite alguns objetivos, dentre eles o autor destaca: - Facilitar a análise e o cálculo na seleção das linhas de crédito a serem obtidas junto às instituições financeiras; - Programar os ingressos e desembolsos de caixa, de forma criteriosa, permitindo determinar o período em que deverá ocorrer carência de recursos e o montante, havendo tempo suficiente para as medidas necessárias; - Permitir o planejamento dos desembolsos de acordo com as disponibilidades de caixa, evitando-se o acúmulo de compromissos vultosos em época de pouco encaixe; - Determinar quanto de recursos próprios a empresa dispõe em dado período e aplicálos de forma mais rentável possível, bem como analisar os recursos de terceiros que satisfaçam as necessidades da empresa; - Proporcionar o intercâmbio dos diversos departamentos da empresa com a área financeira; - Desenvolver o uso eficiente e racional do disponível; - Financiar as necessidades sazonais ou cíclicas da empresa; - Providenciar os recursos para atender aos projetos de implantação, expansão, modernização ou relocalização industrial e/ou comercial; - Fixar o nível de caixa, em termos de capital de giro; - Auxiliar na análise dos valores a receber e estoques, para que se possa julgar a conveniência em aplicar nesses itens ou não; - Verificar a possibilidade de aplicar possíveis excedentes de caixa; - Estudar um programa saudável de empréstimos ou financiamentos; - Projetar um plano efetivo de pagamento de débitos; - Analisar a viabilidade de serem comprometidos os recursos pela empresa; - Participar e integrar todas as atividades da empresa, facilitando assim os controles financeiros. (ZDANOWICZ (2000, p.41).

Após a definição dos objetivos, e diante da complexidade desse processo, é perceptível que a organização tenha em seu quadro funcional um gestor de confiança, que seja capaz de desenvolver um trabalho eficiente, e que saiba planejar e gerenciar o Fluxo de Caixa, a fim de organizar ou (re) organizar a vida financeira da empresa. Para a projeção do Fluxo de Caixa, Zdanowicz (2000, p. 126), apresenta uma fórmula básica que auxiliará o gestor para a elaboração do demonstrativo. Sendo: SFC = Saldo Final de Caixa; SIC = Saldo Inicial de Caixa; I = Ingressos; D = Desembolsos. SFC = SIC + I – D Ao obter os resultados, o gestor terá acesso as informações relativas as questões financeiras da empresa correspondentes aos anos anteriores, assim como a projeção presente e futura das atividades financeiras da empresa.

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Para que os resultados apresentados nos demonstrativos de Fluxo de Caixa sejam fidedignos e próximos da realidade, é necessário que exista transparência e autenticidade com as informações contábeis da empresa, ou seja, o controle financeiro realizado por meio do Fluxo de Caixa não pode apresentar erros, pois ele servirá como parâmetro para as decisões que deverão ser tomadas e que surtirão efeito a curto, médio ou longo prazo. Portanto, um Fluxo de Caixa bem planejado, com um gerenciamento correto e transparente, pode evitar que a empresa tenha prejuízos financeiros e chegue a uma possível falência. Considerações finais Diante do que foi apresentado ao longo desse artigo, é possível destacar a relevância do Fluxo de Caixa, quando ele é tratado pelo gestor financeiro, como uma ferramenta de gestão capaz de auxiliar o empreendedor nas tomadas de decisões organizacionais, tendo em vista que por meio desse demonstrativo será possível planejar, organizar, coordenar, dirigir e controlar os recursos financeiros da empresa por um determinado período. A tomada de decisão do gestor terá como base as informações relativas as entradas e saídas de capital do caixa da empresa, sendo possível prever situações benéficas ou prejudiciais para o desenvolvimento organizacional, dessa maneira as informações precisam ser baseadas em dados contábeis reais. Desse modo, consideramos que a ausência do Fluxo de Caixa ou uma má gestão desse demonstrativo, pode ser um fator determinante para que a empresa não atinja seus objetivos ou não tenha noção exata da sua vida financeira, assim fará investimentos ou previsões que poderá leva-la ao seu fechamento. Referências

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Enviado em 30/04/2016 Enviado em 15/06/2016

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