KARIPUNAS DE RONDÔNIA: APONTAMENTOS PARA UMA EDUCAÇÃO INTERCULTURAL ETNOTERRITORIALIZADA

July 24, 2017 | Autor: Emilio Sarde | Categoria: Pedagogy, Historia, Antropología, Geografía Humana, Educação
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KARIPUNAS DE RONDÔNIA: APONTAMENTOS PARA UMA EDUCAÇÃO INTERCULTURAL ETNOTERRITORIALIZADA Emílio Sarde Neto Cristiane de Almeida Anastassioy Adnilson de Almeida Silva

RESUMO O presente artigo discute o processo histórico dos Karipuna em torno de uma educação intercultural e etnoterritorializada. Para tanto, abordamos algumas questões relacionadas à educação indígena, no estado de Rondônia, bem como o conceito geográfico de territorialização. A Terra Indígena Karipuna está localizada na margem direita do rio Jaci Paraná. Os Karipuna são falantes da língua Karipuna, tronco Tupi, família kawahib. A escola Karipuna constitui-se como a primeira experiência em educação escolar indígena de Porto Velho. Atualmente, o povo Karipuna passa por uma série de mudanças provenientes da nova realidade social como, por exemplo, a construção do complexo hidrelétrico do Rio Madeira. Além disso, há constantes ameaças de invasão de seus territórios por fazendeiros, madeireiros, aventureiros, caçadores, pescadores e aliciadores, que tentam a cooptação do povo para que exerça exploração ilegal dos recursos naturais no território. Palavras-chave: Karipuna. Educação Intercultural. Etnoterritorialização.

INTRODUÇÃO O processo histórico da escolarização indígena no Brasil tem início no século XVI com a chegada dos primeiros jesuítas. José de Anchieta é considerado o primeiro idealizador da educação dos indígenas. Durante muito tempo os indígenas eram julgados como sem cultura pelos colonizadores; para o trato com os indígenas, os jesuítas incentivavam catecúmenos europeus e filhos de colonos a língua tupi. As escolas criadas, na época, tinham cunho católico, baseado nas virtudes da fé e da caridade. Logo, a vertente cristã estava impregnada nos romances, teatros e músicas; os clérigos entoavam hinos sagrados e os meninos e meninas indígenas repetiam para desenvolver neles o amor pela religião e a inclinação para a música. Dizia o padre Manoel da Nóbrega: “Com a música e a harmonia atrevo-me a atrair a mim todos os índios da América”. (NISKIER, 1989, p. 37). No período colonial, a educação de indígenas ficou restrita ao preparo, ao trabalho compulsório na extração e produção de materiais de importância econômica para as metrópoles. O cristianismo católico era a base ideológica para justificar a submissão dos indígenas.

Nesse sentido nunca é redundante lembrar o papel das missões religiosas, sombra permanente da “educação escolar indígena”. Educação escolar e atuação missionária sempre foram e continuam sendo os meios principais e mais eficazes de assimilação ou integração. No trabalho das missões, as questões culturais e linguísticas se separam estrategicamente numa mais aparente dicotomia. Sabemos que as missões católicas foram até não muito tempo atrás, fortemente marcadas por práticas de destruição tanto cultural como linguística [...] (FRANCHETTO In: SILVA e FERREIRA, 1997, p. 72).

O povo Karipuna, então, não ficou imune ao processo de educação, em que as missões religiosas cristãs surgem como suporte indutor do conhecimento formal para sua inserção na sociedade envolvente, ainda que com uma influência direta sobre a cultura indígena, consequentemente, produzindo novas representações de mundo. Intentamos, assim, discutir acerca do processo histórico dos Karipuna em torno de uma educação intercultural e etnoterritorializada. Para tanto, abordamos algumas questões relacionadas à questão da educação indígena, no estado de Rondônia, bem como o conceito geográfico de territorialização.

BREVE HISTÓRICO DOS KARIPUNA A Terra Indígena Karipuna está localizada na margem direita do rio Jaci Paraná. Os Karipuna são falantes da língua Karipuna, tronco tupi, família kawahib. Essa etnia foi praticamente dizimada, no século XX, durante os projetos de desenvolvimento da região Norte tais como a construção da Estrada de Ferro Madeira Mamoré, extração de seringa em grande escala, a exploração do garimpo e, nos últimos anos, principalmente, por madeireiros, fazendeiros e grileiros. De acordo com Mauro Leonel (1995), na região do Território Karipuna, entre os rios da bacia do Jaci Paraná houve uma série de conflitos que podem ser caracterizados como guerra dos seringalistas e mineradores contra os indígenas, o que culminou em expedições punitivas e etnocídio dos Karipuna. Freitas e Sarde Neto (2002), afirmam que no ano de 1973 foi encaminhado um pedido à Fundação Nacional do Índio (FUNAI) para a criação de um Posto Indígena de atração para os Karipuna, devido ao constante avanço das frentes pioneiras sobre os seus territórios. Naquele período havia ocorrido a destruição de quatro aldeias do grupo e a morte de centenas de índios. O processo de depopulação do povo indígena não foi revertido até os dias de hoje. Os poucos

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sobreviventes com vínculo ao território indígena, não encontraram alternativa para existência enquanto etnia, senão, por meio de casamentos exogâmicos 1. Atualmente, a etnia se encontra em processo de desagregação social, de modo que permanece por longos períodos em Porto Velho. Os indígenas alegam que são esquecidos pelo poder público e que se faz necessária a presença na cidade, para atender as demandas da Empresa Santo Antônio Energia e demais necessidades burocráticas da associação do referido povo indígena. Há, ainda, as constantes ameaças de invasão de seus territórios por fazendeiros, madeireiros, aventureiros, caçadores, pescadores e aliciadores que tentam a cooptação do povo para que exerça exploração ilegal dos recursos naturais no território.

O PROCESSO DE ESCOLARIZAÇÃO KARIPUNA - DIFICULDADES DE ATENDIMENTO PEDAGÓGICO A Escola PIN Karipuna foi criada em 1998, através do decreto nº. 8494, que passou a funcionar em uma casa de madeira construída na ocasião do contato. No mesmo ano, o indígena Batiti Karipuna iniciou sua formação inicial e continuada em uma experiência de escolarização e formação de professores indígenas, através do Projeto Açaí. Tem-se, assim, o início o processo de escolarização formal dos Karipunas de Rondônia, até então ágrafos, como política pública. A escola passou a funcionar, provisoriamente, em um barracão cedido pela comunidade; esse local até meados de 2011 jamais havia recebido reforma ou sequer reparos. O telhado era de zinco, com goteiras, muito quente e as paredes de madeira bastante deterioradas, sem telas de proteção para insetos além de o local ser habitado por morcegos e ratos. Os estudantes alegavam não gostar da escola, visto que não oferecia conforto como ambiente didático. Desde a criação da escola houve dificuldades de realização das atividades escolares. Esses problemas se deram por um lado pela redução demográfica e falta de pessoas da comunidade para assumir funções educacionais no campo escolar, logo todas as responsabilidades administrativas e educacionais ficavam a cargo do cacique Batiti Karipuna. Por outro lado, os problemas se avolumaram em decorrência da falta de iniciativa e pelo descaso da Secretaria de Estado da 1

Casamento com indígenas de outras etnias e não indígenas. 3

Educação – SEDUC no que dizia respeito à construção de uma escola adequada e estrutura logística (transporte, equipamento e pessoal) para acompanhamento pedagógico. O professor, na época, em formação inicial reivindicava atendimento pedagógico e acompanhamento das etapas não presenciais do Projeto Açaí por parte da Representação Estadual de Ensino de Porto Velho (REN), o que ocorreu somente uma vez em 2002, por meio de parceria com a Universidade Federal de Rondônia (UNIR). Durante este período, a escola não foi visitada pela SEDUC e as orientações que o professor recebia eram somente durante as etapas presenciais do Projeto Açaí. O acompanhamento foi prejudicado pela falta de transporte para viabilizar o deslocamento até a aldeia, cuja viagem se dava via fluvial e dependia de embarcações cedidas pela FUNAI. Após várias reivindicações a SEDUC conseguiu um barco para o atendimento, entretanto, o professor Batiti Karipuna e a liderança indígena Adriano Karipuna afirmam que “o casco do barco é mais pesado do que o motor pode aguentar e que iriam devolvê-los quando fossem providenciados outros equipamentos mais adequados”. Com todos os desafios, o professor alfabetizou seus primeiros alunos, no período de 6 anos. Os alunos André, Adriano, Andressa e Carlos eram monolíngues em Tupi Kawahib, mas foram alfabetizados por Batiti Karipuna em português, em razão da não existência de uma grafia definida da língua materna. Com isso, a língua portuguesa tornou-se a língua majoritária, como resultado também das relações interculturais dos indígenas, conforme contextualizado por Cohn (1997, p. 118. In. Silva & Ferreira): A escola aparentemente são atribuídos dois papéis, que em alguns casos parecem contraditórios e, em outros, há um esforço para torna-los complementares: o de espaço de aprendizado do mundo do branco e possibilidade de inserção em um mundo novo e o de resgate e permanência cultural. [...] os índios querem estudar hoje porque perceberam que o mundo mudou e que estudando acham que podem ajudar a comunidade, trabalhando. [...].

Motivado por essa nova realidade e da necessidade de se relacionar com a sociedade envolvente e encaminhar suas demandas, os Karipuna em 2005 criaram a “Karipuna Associação Ecológica da Amazônia - APOIKA” voltada para o planejamento, defesa, articulação e desenvolvimento da Amazônia, com sede na Fundação Nacional do Índio (FUNAI), na cidade de Porto Velho. 4

O objetivo geral é fomentar o desenvolvimento sustentável e a preservação ambiental da região amazônica, realizar pesquisas, elaborar projetos e eventos técnicos que visem divulgar a região amazônica, seu patrimônio natural e cultural e a valorização das populações tradicionais, desenvolvimento do turismo sustentável; programas voltados à criação, implantação e gestão de Unidades de Conservação e Educação Ambiental, prestarem assessoria e atuar em projetos e programas para o Planejamento e Gestão de Recursos Hídricos. (KARIPUNAS, 2005). À época por solicitação da comunidade e por determinação do então chefe do Núcleo de Educação Escolar Indígena, Magno Andrade, foi realizada pela REN de Porto Velho a classificação dos estudantes com a finalidade de identificar as séries, até então organizadas conforme o julgamento do professor indígena. A escola trabalhava em ciclos e a avaliação ocorria conforme processos próprios de ensino e aprendizagem da etnia, portanto, uma organização própria, amparada pela resolução 003/1999 do Conselho Nacional de Educação. Mas estas considerações não foram levadas em conta e os alunos indígenas foram avaliados como alunos das escolas urbanas convencionais, confirmando a situação exposta por Sodré & Trindade (2000, p. 17): A primeira questão que se coloca é a importância de se entender a relação cultura e educação. De um lado está a educação, e do outro a ideia de cultura como lugar, a fonte de que se nutre o processo educacional para formar pessoas para formar consciência. A cultura é, pois, esta dinâmica de relacionamento que o individuo tem com o real dele, com a sua realidade, de onde vêm os conteúdos formativos, ou seja, de formação para o processo educacional. Mas lamentavelmente, as instituições oficiais concebem cultura em termos patrimonialistas.

Por solicitação de lideranças da comunidade e do professor que alegava dificuldades para dar continuidade ao processo de ensino-aprendizagem, foi contratado o pedagogo, Marques Figueiroa para trabalhar junto ao professor Batiti Karipuna. No ano de 2010 houve a necessidade da permanência na cidade do Professor Batiti Karipuna para discutir e reivindicar a construção da Escola Karipuna como compensação da Empresa Santo Antônio Energia pela construção do complexo hidrelétrico do rio Madeira. Este fato contribuiu para dificultar a realização das atividades pedagógicas na aldeia. A falta de contingente populacional para desenvolver atividades relevantes na comunidade levou o professor Batiti a acumular cargos e responsabilidades que prejudicaram o 5

desenvolvimento das aulas na escola. Por esse motivo alguns técnicos da SEDUC por não possuírem desenvoltura antropológica e conhecimentos sobre as especificidades da educação escolar indígena chegaram ao ponto de abrirem processo administrativo contra o referido professor. Em 2011, a REN de Porto Velho organizou uma equipe com três pessoas e uma coordenação local para atuar no Projeto de Educação Escolar Indígena, com as finalidades de: atender a demanda de acompanhamento técnico pedagógico nas escolas indígenas da jurisdição; auxiliar no processo de implantação e regularização do Ensino Fundamental e Médio; auxiliar os cursistas do Magistério Indígena Projeto Açaí II na resolução das atividades. No transcorrer dos meses do primeiro semestre de 2011, foram realizadas várias reuniões com o povo Karipuna, a equipe de educação da FUNAI, representantes da Empresa Santo Antônio Energia e SEDUC, tendo em vista a resolução do problema educacional da etnia. Em acordo com o Parecer 14/99 e a legislação indígena o ano letivo não precisa corresponder com o ano civil e o calendário escolar das escolas urbanas convencionais. A indefinição da validação do ano letivo de 2010 deixou os alunos desanimados, sem vontade de continuar os estudos, pois existe o medo da reprovação. A indefinição do término e inicio das aulas e as dificuldades de um acompanhamento direto na comunidade gerou questinamentos e dúvidas da comunidade referente à educação escolar. A comunidade priorizou o processo de mitigação com a empresa Santo Antônio Energia. Os projetos de mitigação são uma forma de compensar às comunidades indígenas pelos impactos resultantes da construção dos complexos hidrelétricos do rio Madeira diminuindo os impactos sociais. No entanto não foi definido soluções para os problemas da escola. A REN de Porto Velho na tentativa de solucionar o problema da escola Indígena Karipuna resolveu enviar no dia 12 de julho de 2011 técnicos à terra indígena Karipuna no distrito de Jaci Paraná para verificar o andamento da obra de construção da nova escola realizada pela empresa Santo Antônio Energia. Constatou-se que a escola antes do inicio das obras funcionava nas dependências da casa do chefe de posto da FUNAI, e que no momento do inicio da construção a “escola” passou a servir de alojamento para os operários da construção da nova escola prejudicando o ano letivo. Em 2011, o número de alunos sem aulas eram 11 6

alunos matriculados e mais seis do povo Kaxinawá residentes à época na comunidade. Várias obras foram construídas: infraestruturas sanitárias, alojamentos para profissionais da saúde e educação, foram comprados veículos traçados entre outros, mas, junto aos benefícios, vieram às consequências como às saídas de diversas famílias das aldeias para as cidades, atraídas pelas novidades e tecnologias, ocasionando impactos sociais que não existiam. Técnicos da empresa Santo Antônio Energia mostraram preocupação e tentam reverter parte deste processo através de programas de desenvolvimento cultural, como oficinas complementares de produção de material didático que respeite as especificidades de cada etnia. Nas reuniões com antropólogos envolvidos no processo de análise de impactos foi ressaltada a falta de experiência, conhecimentos e tato antropológico por parte de alguns profissionais de educação escolar indígena que atuam nas escolas e a falta de atendimento mais efetivo às comunidades por parte da SEDUC. Também ressaltaram que na mitigação deve-se dar importância às partes da cultura indígena como a medicina natural, a música, a educação tradicional, as histórias os mitos, comidas tradicionais entre outros. Existe um roteiro a ser seguido e a continuação do diagnóstico dará corpo ao projeto e justificativa a vários benefícios ainda não aplicados. A data prevista para a efetiva prática dos projetos é delineada para 2012 (RONDÔNIA 2012) e será possível o intercambio cultural com outras etnias através de cursos de formação intercultural, importantes na formação técnica para transferir a maior quantidade de conhecimentos possíveis aos indígenas para empoderálos2. De acordo com a análise técnica da REN os impactos socioculturais ocasionados pela construção do complexo hidrelétrico do Madeira são visíveis. No caso dos Karipuna, as compensações fizeram com que os indígenas passassem a maior parte do tempo na cidade envolvidos em cursos e outras atividades que ajudam no processo de desagregação sociocultural da comunidade. A nova política de educação escolar Indígena no Brasil ficou conhecida como revolucionária, e a principal preocupação é levar a educação escolar indígena para as aldeias

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Dar poder a comunidade, fazer com que tudo seja mais democrático, liberdade de decidir e controlar seu próprio destino. 7

respeitando a interculturalidade e em hipótese alguma levar os indígenas à cidade. O ideal é que as aulas sejam interdisciplinares e multisseriadas.

O TERRITÓRIO ETNOEDUCACIONAL (TEE)3 O reconhecimento da diversidade sociocultural dos povos indígenas implicou na construção das especificidades político-pedagógicas em seu sentido mais amplo, com a proposta de construção pedagógica e curricular, elaboração de calendário escolar, formação de professores, processos participativos da gestão escolar,

materiais

didáticos

relevantes

culturalmente.

Os

Territórios

Etnoeducacionais nascem da preocupação do Governo Federal em proporcionar a pratica do direito a uma educação intercultural, bilíngue/multilíngue, específica, diferenciada e comunitária, prezando o direito a uma educação escolar que valorize e afirme as identidades étnicas e proporcione acesso a conhecimentos importantes para a cidadania, o direito das comunidades indígenas em participação e decidir sobre a organização e o funcionamento da escola junto ao sistema de ensino. O Território é concebido como visão política estratégica de governo e de Estado; para construir um plano de desenvolvimento da educação – PDE: reconhecimento das dimensões políticas, culturais e identitárias que definem determinado espaço como território de articulações sociais identitárias. A publicação do Decreto nº 6861, em 27 de maio de 2009: institucionalizou os Territórios Etnoeducacionais, mas para consolidação da proposta se faz necessário à discussão com representantes dos povos indígenas, sistemas de ensino, universidades, organizações governamentais. No TEE o território tradicional é base da organização da vida coletiva: social, cultural, política, econômica e religiosa; é o espaço simbólico (terra, tradições, valores, língua, mitos, rituais e saberes), é a referencia identitária e gestão do presente e futuro do povo, é a base dos Planos de vida para efetivação da autonomia e autodeterminação. A escola indígena etnoterritorializada, intercultural e diferenciada, fortalece a vida coletiva pela consideração e valorização da relação espiritual, sentimental e filosófica dos povos indígenas com o território no processo pedagógico e na organização administrativa da escola, o território proporciona a autonomia da escola. 3

As informações foram baseadas no material informativo do MEC para as equipes interinstitucionais responsáveis pela elaboração dos diagnósticos e criação dos Territórios Etnoeducacionais. 8

Várias mudanças culturais e políticas serão ocasionadas com a pactuação dos TEE. A noção de Terra em contraposição a Território, a tutela será substituída pela autonomia Indígena, as Políticas Gerais darão lugar as Políticas Específicas, os Sistemas de Ensino isolados passarão a ser em regime de colaboração e a divulgação restrita das informações passará para a transparência e controle social. Várias serão as mudanças no Planejamento e na Gestão da Educação Escolar Indígena. Sua organização será em Planos de Ação Etnoterritorializados e contará com a participação indígena em todas as etapas, haverá a definição de responsabilidades e de recursos com a coordenação das políticas pelo Governo Federal em regime de colaboração como prática. (MEC, 2011) O DIAGNÓSTICO E A PACTUAÇÃO DO TERRITÓRIO ETNOEDUCACIONAL YJHUCATU A escola Karipuna recentemente construída através da empresa Santo Antônio Energia como compensação socioambiental de mitigação pela construção do complexo hidrelétrico do rio Madeira possui (04) quatro salas de aulas com capacidade para (40) quarenta estudantes, (02) dois banheiros individuais, (01) uma copa e um almoxarifado. A escola possui ainda, um alojamento para professores com dois quartos, banheiros, sala, cozinha e uma casa de força contendo um gerador de energia elétrica movido a diesel recentemente tombado pela SEDUC, mas infelizmente a escola ainda não entrou em funcionamento, pela falta de materiais permanentes, didáticos, professores e transporte. O TEE YJHUCATU é formado pelos povos Karitiana, Karipuna, Kaxararí, Kassupá e Salamãi que juntos elaboraram o seu Plano de Ação com reivindicações específicas para cada etnia. Os Karipunas reivindicaram no plano de ação do TEE a ampliação das estruturas da escola para melhor atender a comunidade indígena, como a construção de um depósito, auditório, biblioteca, casa de apoio para alunos universitários com inclusão digital, alojamento adequado na aldeia para professores, transportes da cidade para aldeia, quadra coberta poliesportiva, pavimentação, refeitório, parque, cozinha grande, pátio coberto com acessibilidade (escadas rampas), e tecnologias pertinentes como computadores, ar condicionado, armários para livros televisores entre outros aparelhos. Os cursos de formação superior e técnico são os mais solicitados pela etnia como acentuou o cacique e professor Batiti Karipuna da necessidade de 9

garantir o futuro dos seus filhos. Os membros da comunidade seguros de suas reivindicações falavam dos cursos de nível superior que desejavam como: contabilidade, direito, engenharia (civil, florestal, agronômica, pesca etc.), administração, arquitetura, gestão de finanças, medicina, enfermagem, zootecnia e veterinária. Cursos técnicos e profissionalizantes como: piscicultura, avicultura, agronomia entre outros. Cursos de marcenaria, mecânica, apicultura. Oficinas de legislação e direito indígena, culinária indígena, turismo entre outros. A comunidade reivindica a produção de material didático específico para etnia como: dicionários, livros didáticos, livros de história e literatura, materiais de áudio e vídeo (filmes, músicas etc.), todos escritos e elaborados em língua materna. Ainda artesanatos e pinturas bem como a produção de materiais didáticos da própria etnia, mapas entre outros. Reivindicam profissionais como professores para

o

ensino

fundamental

e

médio,

diretores

e

secretários,

serviços

administrativos e de apoio (cozinheiro, zelador, auxiliar e serviços gerais, motoristas entre outros). Reivindicaram, também, máquinas pesadas para as oficinas técnicas, equipamentos como motosserra e transportes como caminhões, ônibus, carros traçados etc. O Ministério da Educação, a Fundação Nacional do Índio, a Secretaria de Estado da Educação de Rondônia, a Universidade Federal de Rondônia, representantes dos povos indígenas Karitiana, Karipuna, Kaxararí, Kassupá e Salamãi – professores, lideranças políticas e tradicionais o Conselho Indigenista Missionário – CIMI, o Ministério Público Federal em Rondônia discutiram e pactuaram o Plano de Ação para o desenvolvimento e institucionalização da Educação Escolar Indígena no Território Etnoeducacional YJHUKATU, de forma a respeitar a territorialidade dos povos indígenas em questão. As ações pactuadas devem ser constantemente acompanhadas e avaliadas pela Comissão Gestora do Território, obedecendo às normas estabelecidas pelo Decreto n. 6.861/2009, que será constituída de membros permanentes e convidados. Todas as ações decorrentes

das

demandas

apresentadas

deverão

necessariamente

ser

desenvolvidas em articulação com os povos indígenas que integram o Território Etnoeducacional YJHUKATU com a intenção de garantir o protagonismo indígena no desenvolvimento de políticas públicas para educação escolar indígena.

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Foto: SOUZA, André Luiz Santos de. Escola PIN Karipuna em 2012.

UMA QUESTÃO DE CONCEITO E PRÁTICA EDUCACIONAL O conceito de Educação Indígena é constantemente confundido com o da educação escolar indígena. Educação indígena é aquele passado tradicionalmente pela cultura, normalmente de forma oral, onde os mais jovens recebem dos mais velhos conhecimentos peculiares da cultura. Enquanto a educação escolar indígena é aquela praticada nas escolas indígenas unindo os conhecimentos específicos tradicionais com os conhecimentos teóricos e práticos da sociedade não indígena. A Educação Escolar Indígena, no Brasil está baseada no Parâmetro Curricular para Escolas Indígenas, referencial para as orientações pedagógicas aos professores indígenas: Todo projeto escolar só será escola indígena se for pensado, planejado, construído e mantido pela vontade livre e consciente da comunidade. O papel do Estado e outras instituições de apoio devem ser de reconhecimento, incentivo e reforço para este projeto comunitário. Não se trata apenas de elaborar currículos, mas de permitir e oferecer condições necessárias para que a comunidade gere sua escola. Complemento do processo educativo próprio de cada comunidade, escola deve se constituir a partir dos seus interesses e possibilitar sua participação em todos os momentos da definição da proposta curricular, do seu funcionamento, da escolha dos professores que vão lecionar, do projeto pedagógico que vai ser desenvolvido, enfim, da política educacional que será adotada. (PCNEI, p. 13, 1998).

É importante que os técnicos em Educação Escolar indígena tomem o Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas, como subsídio para a orientação pedagógica nas escolas indígenas. Pois o mesmo se propõe ser um 11

documento que sirva como base para que cada escola indígena construa o seu próprio referencial de análise e a avaliação do que nela está sendo feito, ao mesmo tempo, elabore um planejamento adequado para o que nela se quer realizar. Diante desse ponto é necessário fazer as seguintes considerações sobre Educação e conhecimentos Indígenas, baseadas no Referencial Curricular Para as Escolas Indígenas: Desde muito antes da introdução da escola, os povos indígenas vêm elaborando, ao longo de sua história, complexos sistemas de pensamento e modos próprios de produzir, armazenar, expressar transmitir, avaliar e reelaborar seus conhecimentos e suas concepções sobre o mundo, o homem e o sobrenatural. O resultado são valores, concepções e conhecimentos científicos e filosóficos próprios, elaborados em condições únicas e formulados a partir de pesquisa e reflexões originais. Observar, experimentar, estabelecer relações de causalidade, formular princípios, definir métodos adequados, são alguns dos mecanismos que possibilitam a esses povos, a produção de ricos acervos de informação e reflexões sobre a natureza, sobre a vida social e sobre os mistérios da existência humana. Desenvolveram uma atitude de investigação científica, procurando estabelecer um ordenamento do mundo natural que serve para classificar os diversos elementos. Esse fundamento implica necessariamente pensar a escola a partir das concepções indígenas do mundo e do homem e das formas de organização social, política, cultural, econômica e religiosa desses povos. (RCN – para Escolas Indígenas, p. 22)

Nesse sentido, deve se levar em consideração o conhecimento tradicional do Povo Karipuna na elaboração do calendário escolar, o qual deve se adequar a realidade da organização da vida da comunidade e não ao calendário oficial do ano letivo proposto para as escolas não indígenas. A cultura dos povos indígenas é mantida milenarmente pela oralidade e a Educação Escolar Indígena é uma necessidade formada após o contato com a cultura ocidental. De acordo com o que foi verificado sobre Educação Escolar Indígena na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LEI 9.394), no artigo 32, é estabelecido que o ensino fundamental seja ministrado em língua portuguesa, mas que será assegurado às comunidades indígenas a utilização de suas línguas maternas e processos próprios de aprendizagem. Reproduz-se aqui o direito inscrito no Capitulo 210 da Constituição Federal. Sendo assim, entende-se que deve ser considerado de forma específica o contexto histórico de redução demográfica que os levou a estabelecer relações interetnicas de casamentos com não indígenas, ameaças de invasão do seu território, impactos atuais e necessidades burocráticas que os levam a ir e vir constantemente da aldeia para a cidade havendo um processo próprio de aprendizagem de acordo com a dinâmica 12

de suas vidas. De acordo com o que preconiza a Constituição da República Federal no artigo 210, serão fixados conteúdos mínimos para o ensino fundamental, de maneira a assegurar a formação básica comum e o respeito aos valores culturais e artísticos, nacionais e regionais (CF, 1988). O Núcleo de Educação Escolar Indígena (NEEI) em conjunto com a coordenação de Educação Escolar Indígena da REN/PVH deveria ter elaborado um plano de ação levando em consideração o contexto histórico, cultural, populacional e político do Povo Karipuna e estar presente na execução desse plano, tendo em vista que, segundo estudos antropológicos e topográficos FUNAI (1997), realizados em 1981, foi constatado que num período de 5 (cinco) anos houve uma grande depopulação

na

área

habitada

pelo

referido

Povo

Indígena,

com

o

desaparecimento de 75% do grupo, vitimados por surtos sucessivos de gripe e sarampo, processo que ainda não foi revertido e causou consequências irreversíveis na manutenção da tradição cultural do povo. Nesse sentido, o plano de ação da educação escolar indígena desenvolvido pela SEDUC, deveria ter contemplado projetos de reestruturação social, cultural e linguística. Além de acompanhar, de forma assídua, o processo de negociação de construção da escola como compensação da Empresa Santo Antônio Energia, para que a mesma fosse construída em caráter de urgência, tendo em vista que, o projeto de construção da Escola na aldeia pela SEDUC, criado em 2007, conforme informação do NEEI, não foi efetivada. A visão dos técnicos em Educação Escolar Indígena foi unilateral, pois não levaram em conta os contextos da comunidade. A equipe do Núcleo de Educação Escolar Indígena procurou cobrar que o professor Batiti permanecesse na aldeia para ministrar suas aulas, mas não garantiu a estrutura necessária para que a educação específica e diferenciada acontecesse, tendo em vista que, segundo o Referencial Curricular Nacional Para as Escolas Indígenas - PCNEI (1998), o papel do Estado e outras instituições de apoio devem ser de reconhecimento, incentivo e reforço para que o projeto escolar indígena seja elaborado pela vontade livre e consciente da comunidade e se efetive de forma comunitária. [...] as reivindicações indígenas pelo reconhecimento de seu direito à manutenção de suas formas específicas de viver e de pensar, de suas línguas e culturas, de seus modos próprios de produção, reelaboração e transmissão de conhecimentos, uma vez acolhidas pela Constituição 13

de1988, abriram caminho para a oficialização de “escolas indígenas diferenciadas” e para a formação de políticas públicas que respondessem aos direitos educacionais dos índios a uma educação intercultural, bi - ou multilíngue, comunitária e voltada à autodeterminação de seus povos.

(SILVA, 2001, p.10). Foi verificada a necessidade de estrutura para realização das atribuições repassadas pelo Núcleo de Educação Escolar Indígena e um olhar específico e diferenciado para estabelecer os diálogos com a comunidade do povo Karipuna. Nesse caso haverá necessidade de um esforço conjunto da SEDUC independente dos setores, para que a situação da educação escolar indígena possa ser efetivada na Escola PIN Karipuna, cabendo a SEDUC reconhecer o que foi desenvolvido no campo da educação indígena (conhecimento e organização própria do Povo Karipuna) e estruturar juntamente com a comunidade a Educação Escolar Indígena, conforme orienta o Referencial Curricular Nacional Para as Escolas Indígenas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS A escola Karipuna constitui-se como a primeira experiência em educação escolar indígena de Porto Velho. No momento, passa por uma série de mudanças provenientes da nova realidade social, ocasionadas pela construção do complexo hidrelétrico do Rio Madeira. Tais características refletem as modificações do contato com a sociedade capitalista A morosidade da contratação de professores pelo NEEI/SEDUC, setor responsável pela contratação de profissionais para as aldeias indígenas, causou um prejuízo incalculável no que diz respeito ao acesso aos conhecimentos universais e ao direito à escolarização indígena específica e diferenciada, tão valorizada e almejada pela comunidade indígena. O professor é alguém que vai iniciar o indivíduo na radicalidade ética e cultural da vida dele Trindade (2002). Portanto, há uma mudança no papel do professor, ele não é mais o que detém em termos absolutos o saber, é o que detém a porta, uma passagem, o que faz a mediação. E, essa mediação é menos de entupir de informação, e mais de levar o indivíduo a refletir, a imaginar e a criar. A entrada de jovens indígenas Kaxinawa e não indígenas, levados pelas próprias lideranças indígenas para a aldeia, fortaleceram a comunidade ao mesmo 14

tempo em que diversificam e propuseram novas formas de interação e vivência comunitária. A elaboração em conjunto com a comunidade do Projeto Político Pedagógico, dos componentes curriculares e regimento escolar, procedimentos necessários para garantir as especificidades e a autonomia dos Povos Indígenas, de acordo, com as orientações do Parecer 14/90 até o presente momento, ainda, não foi construído. Descaracterizando, assim, a proposta de valorização dos saberes, da oralidade e, principalmente, da história de cada povo.

REFERÊNCIAS BRASIL. LEI Nº 11.645/2008. A Obrigatoriedade do estudo da história Afro-

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