KARL RICHTER E OS CICLOS BACH DO RIO DE JANEIRO

May 24, 2017 | Autor: Marcelo Nunes | Categoria: J S Bach
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM MÚSICA ESCOLA DE MÚSICA

MARCELO FERREIRA PORTELA NUNES

KARL RICHTER E OS CICLOS BACH DO RIO DE JANEIRO

RIO DE JANEIRO 2016

MARCELO FERREIRA PORTELA NUNES

KARL RICHTER E OS CICLOS BACH DO RIO DE JANEIRO

Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação em Música da Escola de Música da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como requisito parcial à obtenção do grau de Mestre em Música. Área de Concentração: Musicologia: História e Documentação da Música Brasileira e IberoAmericana. Orientador: Prof. Doutor Marcelo Fagerlande

Rio de Janeiro Outubro de 2016

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Nunes, Marcelo Ferreira Portela. Karl Richter e os Ciclos Bach do Rio de Janeiro / Marcelo Ferreira Portela Nunes. Rio de Janeiro -2016. xv, 146p. Orientador: Professor Doutor Marcelo Fagerlande. Dissertação (Mestrado em Música) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Centro de Letras e Artes, Escola de Música, Mestrado em Música Bibliografia: p.147-156 Anexos: p.157- 296. 1.Ciclo Bach. 2.Karl Richter. 3. Sala Cecília Meireles. 4. Rio de Janeiro. I. Fagerlande, Marcelo (Orient.) II. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Programa de Pós-Graduação em Música. III. Karl Richter e os Ciclos Bach do Rio de Janeiro.

Autorizo a cópia de minha dissertação “Karl Richter e os Ciclos Bach do Rio de Janeiro”, para fins didáticos.

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KARL RICHTER E OS CICLOS BACH DO RIO DE JANEIRO

MARCELO FERREIRA PORTELA NUNES

PROF. DR. MARCELO FAGERLANDE

Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-graduação em Música, Escola de Música da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Música.

Rio de Janeiro, 19 de outubro de 2016.

Aprovada por:

__________________________________________________ Prof. Dr. Marcelo Fagerlande (Presidente/Orientador)

__________________________________________________ Profª Drª Maria José Chevitarese (Avaliadora Interna)

__________________________________________________ Profª Drª Helena Jank (Avaliadora Externa)

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Para Petrina e Marina

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Agradecimentos

Ao meu caro orientador, Marcelo Fagerlande pela acolhida inicial à minha proposta de trabalho, à dedicação, entusiasmo, incentivo, apoio e a possibilidade de me ajudar na reflexão de tantos questionamentos relativos ao tema desenvolvido nesta dissertação, e que certamente me fizeram ter uma nova percepção sobre a música e sua interpretação.

Aos Músicos, Professores e Pesquisadores Helena Jank, Marcelo Giannini, Laura Rónai, Rosana Lanzelotte, Carlos Rato, Celso Woltzenlogel, Sandrino Santoro, Peter Dauelsberg, Myrna Herzog, Norton Morozowicz, Bridget de Moura Castro, Rodolfo Caesar, Carlos Alberto Figueiredo, Ronaldo Miranda, Caio Senna, Francesco Buccarella (Itália), Johannes Martin (Alemanha), Uri Golomb (Israel), pelas valiosas colaborações e dados obtidos em minha pesquisa.

À Myrian Dauelsberg pela generosidade, simpatia e pela indispensável e relevante colaboração para a pesquisa sobre Karl Richter.

A Rafael Caldas pelo acesso à pesquisa no arquivo da Associação de Canto Coral do Rio de Janeiro.

À Lisia Fernandez e Isabel Zagury, da Sala Cecília Meireles pelo acesso ao cravo Neupert.

Aos professores do PPGM-UFRJ, Maria Alice Volpe, Vanda Bellard Freire (in memorian), Regina Meirelles e à querida Maya Suemi Lemos com sua admirável sabedoria, na disciplina cursada sob sua orientação no PPGM-UNIRIO.

À Beth Villela e Valéria Penna, profissionais da mais alta competência e que direcionam a secretaria da Pós-Graduação, por toda a assistência oferecida ao longo do curso.

À CAPES, pela concessão de bolsa de estudos no decorrer do curso.

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À minha mãe, Petrina, a quem dedico este trabalho, que com todo amor e paciência me apoia incondicionalmente neste percurso e suportando meus momentos de mau humor e preocupação que por muitas vezes ocorreram.

À Vera Maria da Costa Freitas que acreditou em minha capacidade profissional e me proporcionou oportunidades únicas enquanto coordenadora do Conservatório Brasileiro de Música, e por toda a sua amizade. À “Tia” Cecília Paes Ferreira pelo carinho, apoio, acolhimento, confiança e amizade.

Aos meus alunos, que ajudam no meu crescimento como profissional, na troca de aprendizado, descobertas, realizações e entusiasmo.

Aos amigos, Valéria Soares, Ni da Costa, Mônica do Rego Barros Cardoso, Claudio Costa, Margareth Alves, Daniela de Benedetto, Lizandra Pereira, que tenho a certeza que caminharão comigo por toda a vida.

À querida amiga e irmã de outras vidas, Christina Nunes Vidal, que compartilha comigo o amor pela música, pela Itália, e me ajudou no exaustivo e valioso trabalho de revisão desta dissertação. E Luis Augusto Teixeira de Abreu “Guto”, por toda a sua amizade, representação, companheirismo, lealdade, respeito, apoio, paciência, nesse percurso da vida que caminhamos juntos. Obrigado.

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Resumo

O presente trabalho tem por objetivo descrever, documentar e compreender os Ciclos Bach realizados na Sala Cecília Meireles, na cidade do Rio de Janeiro, nas décadas de 1960 e 1970, abordando a presença no Rio de Janeiro, do regente, organista e cravista alemão Karl Richter. Segundo críticas musicais especializadas consultadas em fontes primárias, entrevistas com músicos participantes e público frequentador dos concertos, estes Ciclos constituíram o maior e mais importante evento já ocorrido na história da referida sala de concertos. Procuramos entender o conceito de "cronocentrismo" proposto por Bruce Haynes, no sentido de localizar o estilo interpretativo de Karl Richter, em contraposição à performance historicamente informada (PHI). Através da pesquisa, realizamos um levantamento de informações para a constatação de uma possível existência ou não de um legado que este evento artístico possa ter deixado para futuras gerações de artistas e público, e a atual inserção da música de Bach nos programas das salas de concerto no Brasil.

Palavras-chave: Ciclo Bach, Karl Richter, Sala Cecília Meireles, Rio de Janeiro.

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Abstract

This main purpose of this work is to describe, document and understand the Bach Cycles performed in the Cecília Meireles Hall in the city of Rio de Janeiro in the 1960s and 1970s, addressing the presence in Rio de Janeiro of the german conductor, organist and harpsichordist Karl Richter. According to specialized music reviews consulted on primary sources, interviews with participating musicians and audience of concerts, these cycles were the largest and most important events ever ocurred in the history of that concert hall. Our purpose is to understand the concept of “cronocentrism” proposed by Bruce Haynes, to locate the interpretative style of Karl Richter as opposed to historically informed performance (HIP). Through research, we conducted a survey aiming at finding a possible existence of a legacy that this artistic event may have left for future generations of artists and audiences, and the current insertion of Bach’s music in the programs of concert halls in Brazil.

Keywords: Bach Cycle, Karl Richter, Cecília Meireles Hall, Rio de Janeiro.

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Lista de figuras Figura 1 – Encontro de Karl Richter e Nikolaus Harnoncourt na Bach-Fest, Munique, 1971. Página 88. Figura 2 – Programação da Bach-Fest de Munique, 1971. Página 89. Figura 3 – Órgão Karl Joseph Riepp, 1776, Ottobeuren, Alemanha. Página 94. Figura 4 – Ott-Orgel, Markuskirche, Munique, 2014. Página 95. Figura 5 – Karl Richter ao cravo Neupert, 1970. Página 96. Figura 6 – Cravo de Karl Richter em sua residência no Lago Zürich, Suiça. Página 96.

Figura 7- Coro e Orquestra Bach de Munique em ensaio, 1968. Página 97. Figura 8 – Ensaio de Karl Richter com o Coro da Associação de Canto Coral, Rio de Janeiro, sem data definida. Página 103. Figura 9 – Ensaio de Karl Richter com o Coro da Associação de Canto Coral, Rio de Janeiro, sem data definida. Página 104. Figura 10 – Ensaio de Karl Richter na sede da Associação de Canto Coral, Rua das Marrecas, Rio de Janeiro, sem data definida. Página 104. Figura 11 – Recital de Karl Richter no Teatro Municipal de São Paulo, 1969. Página 105. Figura 12 – Programação do I Ciclo Bach em 1966. Página 109. Figura 13 – Cravo Neupert da Sala Cecília Meireles, 2016. Página 111. Figura 14 – Anúncio do II Ciclo Bach e inauguração do cravo Neupert, 1968. Página 111. Figura 15 – Programação parcial do III Ciclo Bach de 1969. Página 116.

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Figura 16 – Otto Büchner e o arco redondo “tipo Bach”. Página 117. Figura 17 – Logotipo dos programas dos Ciclos Bach, Sala Cecília Meireles, 1970. Página 119. Figura 18 – Programação parcial do IV Ciclo Bach em 1970. Página 120. Figura 19 – Programação completa do V Ciclo Bach, 1975. Página 123. Figura 20 – Programação do VI Ciclo Bach-Händel, 1976. Página 124. Figura 21 – Concerto do VI Ciclo Bach-Händel. Página 125. Figura 22 – Programação do VII Ciclo Bach-Händel, 1977. Página 127. Figura 23 – Programação do VIII Ciclo Bach-Händel, 1978. Página 128. Figura 24 – Semana Bach da Sala Cecília Meireles, 1984. Página 138. Figura 25 – Festival Bach-Telemann da Sala Cecília Meireles, 1988. Página 139. Figura 26 – Ciclo Bach do CCBB- RJ, 1993. Página 140. Figura 27 – Anúncio do antigo “Hotel Freitas”, anterior ao Grande Hotel, sem data definida. Página 290. Figura 28 – Largo da Lapa com prédio do antigo “Grande Hotel”, sem data definida. Página 291. Figura 29 – “Cine Colonial”, décadas de 1940/1960. Página 291. Figura 30 – Programa de concerto de 1970 com autógrafos de Otto Büchner e Karl Richter. Página 292. Figura 31 – OSB, Coro da ACC e Karl Richter, Ciclo Bach, 1975. Página 293.

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Figura 32 – OSB, Coro da ACC e Karl Richter, Ciclo Bach, 1975. Página 294. Figura 33 – Ariane Pfister, Karl Richter e Norton Morozowicz, 1979. Página 295. Figura 34 – Karl Richter no “Encontro de Instrumentistas de Cordas”, 1979. Página 296.

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Lista de tabelas

Tabela 1- Obras mais repetidas ao longo dos Ciclos Bach. Página 130.

Tabela 2 - Salas de cinema existentes na cidade do Rio de Janeiro nas décadas de 1960 e 1970. Página 160. Tabelas 3 a 50 - Demonstrativos de quantidade de “ciclos”, “séries” ou “festivais” editados pela Sala Cecília Meireles entre os anos de 1966 e 1978. Página 247. Tabela 51 - Quantidade total de ciclos realizados pela Sala Cecília Meireles dedicados a um compositor. Página 273. Tabela 52 - Quantidade total de ciclos realizados pela Sala Cecília Meireles dedicados a um instrumento. Página 274. Tabela 53 - Quantidade total de ciclos realizados pela Sala Cecília Meireles dedicados a um estilo. Página 274. Tabela 54 - Ciclos ou séries com temáticas variadas. Página 274.

Tabela 55 a 64- Quadros demonstrativos do repertório apresentado ao longo dos Ciclos Bach, divididos por: “cantatas/motetos”, “Paixões. Missa, Oratório de Natal”, “Concertos de Brandenburgo”, “concertos diversos”, “Ouvertures”, “peças para violino e cravo”, “peças para viola da gamba e cravo”, “suítes para violoncelo solo”, “peças para flauta a cravo”, “peças para cravo e órgão”. Página 286 .

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Sumário

Introdução ......................................................................................................................... 16

Capítulo 1- Contexto Histórico e Cultural .................................................................... 23 1.1 Conjuntura político-cultural na cidade do Rio de Janeiro nas décadas de 60 e 70........ 23 1.2 Políticas públicas de cultura nas décadas de 60 e 70 ................................................... 25 1.3 Espaços de concerto no Rio de Janeiro ......................................................................... 33 1.4 A Sala Cecília Meireles: síntese histórica ..................................................................... 36 1.5 Tombamento do edifício da Sala Cecília Meireles......................................................... 41 1.6 Os Ciclos Bach na programação da Sala Cecília Meireles nas décadas de 60 e 70....... 44

Capítulo 2- O estilo moderno e a performance historicamente informada ( PHI )..... 52 2.1 O estilo moderno e a performance histórica ................................................................. 52 2.2. O estilo moderno .......................................................................................................... 53 2.3 O estilo moderno em grupos musicais cariocas das décadas de 60 e 70 ....................... 58 2.4 Performance historicamente informada ou estilo de época ........................................... 61 2.5 A PHI em grupos musicais cariocas nas décadas de 60 e 70 .........................................67 2.6 Concomitância de estilos nas décadas de 60 e 70 ..........................................................74

Capítulo 3- Karl Richter .................................................................................................... 81 3.1 Biografia ......................................................................................................................... 81 3.2 Coro e Orquestra Bach de Munique ............................................................................... 85 3.3 O estilo interpretativo de Karl Richter ........................................................................... 90 3.4 Karl Richter no Brasil .................................................................................................... 99 Capítulo 4 – Os Ciclos Bach do Rio de Janeiro .............................................................. 107 4.1 Histórico dos Ciclos Bach ............................................................................................. 107 4.2 Artistas participantes e repertório ................................................................................. 128

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4.3 Legado dos Ciclos Bach ................................................................................................ 134

Considerações Finais ......................................................................................................... 142 Referências Bibliográficas ................................................................................................. 147 Outras fontes ............................................................................................................. 155

Anexos ................................................................................................................................. 157 Anexo 1...................................................................................................................... 157 Anexo 2...................................................................................................................... 159 Anexo 3...................................................................................................................... 160 Anexo 4...................................................................................................................... 162 Entrevista com Francesco Buccarella........................................................................ 164 Depoimento de Helena Jank na Semana do Cravo.................................................... 167 Entrevista com Myrian Dauelsberg........................................................................... 171 Entrevista com Marcelo Giannini.............................................................................. 197 Questionários e respostas........................................................................................... 209 Comunicações enviadas por correio eletrônico......................................................... 246 Tabelas demonstrativas............................................................................................. 247 Artistas e repertório dos Ciclos Bach........................................................................ 275 Imagens em anexo..................................................................................................... 290

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Introdução

Nossa pesquisa abordou a série de concertos ocorridos nas décadas de 1960 e 1970 na cidade do Rio de Janeiro, na Sala Cecília Meireles, denominados “Ciclos Bach”. Tais eventos constituíram-se de um grande panorama abrangendo a obra do compositor alemão, com algumas de suas composições mais representativas, como as Paixões, Missa, Oratório de Natal, cantatas, Concertos de Brandenburgo, repertório camerístico bem como obras para cravo e órgão. Idealizados por Ayres de Andrade, musicólogo e então diretor musical da referida sala de concertos, os Ciclos tiveram sua primeira edição em 1966 e seguiram-se nos anos de 1968, 1969 e 1970. Houve um hiato após a última edição, e em 1975 sob a gestão de Myrian Dauelsberg, a Sala Cecília Meireles traz ao público novamente os Ciclos Bach, que se realizaram em quatro edições consecutivas entre 1975 e 1978 sendo também dedicados a Händel. Para a realização destes Ciclos, esteve à frente o regente, cravista e organista alemão Karl Richter, nome que por várias décadas esteve intimamente ligado à música de J. S. Bach e considerado pela crítica especializada como a maior autoridade mundial à sua época no que diz respeito ao repertório bachiano. Em todas as participações de Richter nos Ciclos, o regente era acompanhado de cantores solistas que faziam parte regular de seu elenco na Alemanha bem como de instrumentistas. Nas edições de 1976 e 1978, Karl Richter trouxe consigo a Orquestra Bach de Munique, conjunto musical fundado por ele em 1954 e que o acompanhou por toda a sua carreira internacional, junto ao Coro Bach de Munique. Houve a participação de artistas brasileiros que à época já desfrutavam do reconhecimento de público, bem como das orquestras sinfônicas existentes na cidade do Rio de Janeiro (Orquestras Sinfônicas do Teatro Municipal, Nacional da Rádio MEC e Brasileira), Orquestra de Câmara da Rádio MEC, e também dos coros do Teatro Municipal do Rio de Janeiro, Canarinhos de Petrópolis e da Associação de Canto Coral, este último sob a direção da regente e musicóloga Cleofe Person de Matos. Investigamos também questões estilísticas relacionadas à interpretação da música barroca ao longo do século XX, suas concepções, desenvolvimento e modificações paradigmáticas de acordo com abordagens musicológicas ocorridas ao longo do referido século. Tentaremos neste contexto, compreender a opção estilística de Karl Richter, que vindo de uma tradição da escola alemã de músicos como Karl Straube e Günther Ramin, não aderiu à nova prática interpretativa

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da música barroca desenvolvida contemporaneamente à sua carreira, prática essa que se distancia dos antigos paradigmas românticos herdados do século XIX. Para tal estudo relacionado às questões estilísticas, teremos Bruce Haynes 1 como nosso principal referencial teórico, e que propõe o conceito de “cronocentrismo” para o entendimento de como a interpretação da música barroca sofreu modificações a partir de 1750 até o século XXI. Por fim, demonstramos através de pesquisa quantitativa, a relevância dos Ciclos Bach no contexto musical carioca nas décadas de 1960 e 1970 e a possível existência de um legado deixado para as gerações posteriores de músicos e ouvintes, bem como o atual estado da inserção da música de Bach nos programas de concerto do Brasil. Segundo conceitos abordados por Richardson (1989) para a pesquisa quantitativa, através da obtenção de dados coletados sistematicamente e analisados comparativamente foi possível a formulação de uma hipótese. Assim, optamos em realizar um balanço de eventos descritos como “ciclos” ou “festivais” realizados ao longo do período delimitado que ocorreram na Sala Cecília Meireles para constatarmos a importância dos Ciclos. Nossa principal motivação para o desenvolvimento da pesquisa, parte de um interesse pessoal pelo personagem “Karl Richter”. Nome que por muito tempo esteve presente junto ao público brasileiro e posteriormente no imaginário da plateia da música de concerto no Rio de Janeiro, Richter foi um artista largamente difundido no Brasil enquanto vivo e após sua morte em 1981, através de relevante material fonográfico existente no mercado nacional à época, e de transmissões radiofônicas regulares na cidade do Rio de Janeiro. Surge assim o nosso interesse pela música de J. S. Bach, principalmente através da interpretação de Karl Richter. Não houve a possibilidade deste pesquisador presenciar os Ciclos Bach por ter nascido em data muito próxima aos eventos, mas como já dito anteriormente, o nome de Karl Richter era frequentemente rememorado pela plateia da Sala Cecília Meireles em relação aos Ciclos que marcaram época, despertando-se assim a necessidade de conhecimento e questões investigativas a respeito de tais eventos. Observamos também, que em especial ao longo da primeira década do século XXI, Karl Richter vem sendo aos poucos recolocado no seu devido lugar como um dos principais nomes relacionados à música de J. S. Bach, através das mídias tecnológicas existentes. Percebe-se um número substancial de vídeos e gravações disponibilizados através do sítio eletrônico Youtube,

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Bruce Haynes (1942-2011), flautista, oboísta e musicólogo norte-americano, dedicou-se à pesquisa da performance historicamente informada (PHI), e autor do livro The End of Early Music, editado em 2007.

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bem como a reedição de CD’s e DVD’s pelo selo Deutsche Grammophon com lendárias gravações de obras primas de J. S. Bach pelo músico alemão e também considerável material textual e iconográfico existente na internet dedicado ao artista. A pesquisa apresentada nesta dissertação nos mostra os Ciclos Bach desempenhando o papel de principal evento ocorrido na cidade do Rio de Janeiro no que diz respeito à divulgação da música de J. S. Bach na segunda metade do século XX. Concluimos essa hipótese após os levantamentos de dados obtidos no período delimitado entre 1966 e 1978. Possivelmente em períodos anteriores a este bem como em outros posteriores, nada tenha ocorrido no Rio de Janeiro ou no Brasil nas mesmas proporções ou que tenha contado com a participação de artistas que possuam um papel referencial na música de J. S. Bach como teve Karl Richter em seu tempo. Por este grau de relevância que os Ciclos representaram para a história da Sala Cecília Meireles bem como da música de concerto no Rio de Janeiro, acreditamos que seja necessário o registro documental e inclusão na memória musical nacional. Buscamos igualmente um entendimento e compreensão do que foram os Ciclos Bach e o que eles representaram para aquelas gerações de músicos que participaram ativamente dos eventos, e por fim um possível legado deixado para estes artistas e público. A justificativa para a pesquisa que se encontra nesta dissertação, se concretiza na observação da carência de registros históricos que abordam a inserção da música de J. S. Bach no universo da música de concerto no Brasil. Encontramos um rico material acadêmico dedicado ao compositor alemão no que diz respeito a questões técnicas, teóricas ou analíticas de suas obras, mas quanto à recepção de Bach no cenário musical brasileiro o material é pouco significativo. Podemos destacar essencialmente as pesquisas do Dr. Álvaro Carlini da Universidade Federal do Paraná (UFPR) que documentam a criação em 1935 e a história da Sociedade Bach de São Paulo no artigo intitulado “A descoberta de J. S. Bach no Brasil” (2000) e no trabalho publicado em 2005, “A Sociedade Bach de São Paulo (1935-1977) e Sociedade de Cultura Artística Brasílio Itiberê (1944-1976): Históricos das Entidades”. Podemos justificar igualmente esta pesquisa no intuito de documentar um momento ocorrido na história da Sala Cecília Meireles que segundo dados levantados, constituiu-se no mais relevante evento realizado durante as décadas de 1960 e 1970. Temos como grande referência bibliográfica a obra de Clóvis Marques (2006), “40 Anos de Música: Sala Cecília Meireles”, que ilustra ricamente a história da Sala nas suas quatro primeiras décadas de existência. No entanto, a obra faz um levantamento histórico e um apanhado geral de todos os eventos realizados durante este período, não se atendo a um artista ou concerto específicos, e com isso, mencionando os Ciclos Bach de forma resumida. Acreditamos também ser de suma

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importância o registro histórico do evento, que no mês de novembro de 2016 coincidentemente completa exato meio século desde sua primeira edição. Buscamos a comprensão do desenvolvimento dos Ciclos no contexto político- cultural da época do regime militar, um período marcado pela censura ao produto cultural e por crises econômicas, mas que aparentemente não inviabilizaram e garantiram o seu sucesso ao longo das edições. No que diz respeito a Karl Richter, desejamos que esta dissertação possa de alguma forma contribuir e acrescentar uma lacuna observada no material biográfico publicado dedicado ao artista. Em pesquisa a este material, observamos que em momento algum é feita qualquer menção aos Ciclos Bach do Rio de Janeiro e a participação de Richter atuando como regente, cravista e organista, com a devida proporção que os eventos tiveram. Até sua primeira vinda ao Brasil, Buenos Aires era a única cidade da América do Sul que recebia regularmente o regente e ali foram feitos registros de suas participações nas temporadas do Teatro Colón. Entendemos que um evento deste porte que contou com a participação decisiva do artista e que obteve relevante representação para a história da música de concertos no Brasil, não poderia ser relegada a pequenas notas em poucas linhas, mas sim, ratificar a notoriedade que Karl Richter gozou em seu tempo e a importância para o público carioca no que diz respeito à recepção do artista e da música de Bach na segunda metade do século XX. A dissertação está estruturada em quatro capítulos que foram desenvolvidos abordando as seguintes temáticas: 1) Contextualização histórica da situação político cultural do Brasil nas décadas de 1960 e 1970 e subsídios para a criação da Sala Cecília Meireles; 2) Histórico das práticas interpretativas, com especial abordagem aos estilos moderno e historicamente informado e como estas práticas se desenvolveram no cenário musical internacional e brasileiro; 3) Estudo biográfico de Karl Richter, histórico do Coro e Orquestra Bach de Munique, questões estilísticas relacionadas ao músico e a atuação de Richter no Brasil; 4) Histórico dos Ciclos Bach.

Sobre a metodologia utilizada e referências bibliográficas, a dissertação foi elaborada sob diversos aspectos: histórico, teórico, documental e coleta de dados através de questionários e por fim conteúdo oral através de depoimentos. No que diz respeito ao conteúdo do primeiro capítulo, fizemos um levantamento sobre a história da cidade do Rio de Janeiro nas décadas de 1960 e 1970 e uma contextualização político-cultural do período vivido sob o regime militar

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(1964-1985). A autora Lia Calabre, pesquisadora da Fundação Casa de Ruy Barbosa no Rio de Janeiro, serviu como referência para o entendimento das legislações culturais vigentes nas décadas acima citadas e como tais legislações deram subsídio a uma ordenação do espaço musical no Brasil, dando assim as diretrizes para as programações de concertos na Sala Cecília Meireles. A pesquisadora Natália Morato Fernandes igualmente colabora para a pesquisa situando o regime militar como elaborador de legislações culturais adotadas e expõe as principais características de tais legislações, que eram baseadas na censura, no incremento da infraestrutura nacional e na criação de órgãos estatais voltados a formular e implementar a política cultural oficial. A história da Sala Cecília Meireles foi levantada através da obra de Marques (2006) e ampla pesquisa em fonte primária, focada em especial no período após sua fundação até os primeiros anos da década de 1980, em reportagens dos grandes jornais existentes no Rio de Janeiro à época, como o Jornal do Brasil, O Globo, Correio da Manhã e Diário de Notícias. A Hemeroteca Digital Brasileira, da Fundação Biblioteca Nacional disponibiliza em seu sítio eletrônico todas as edições dos referidos periódicos (com exceção do jornal “O Globo” que possui seu acervo digital próprio), e serviu de base fundamental para a pesquisa. O segundo capítulo da dissertação que trata das questões estilísticas de performance, possui dois autores como principal referencial teórico: Nikolaus Harnoncourt e Bruce Haynes. Nesta etapa, precisaremos entender como surgiram e se estabeleceram os dois estilos interpretativos existentes à época de atuação de Karl Richter, para que possamos situar no capítulo seguinte nosso personagem dentro das suas características de estilo interpretativo. Podemos considerar o conceito de “cronocentrismo” proposto por Haynes (2007) como o eixo central para o entendimento das diferenciações estilísticas existentes ao longo do século XX e buscando assim o entendimento de como Karl Richter transpôs para o seu tempo a música de J. S. Bach. Observamos também, como as performances da música barroca foram se modificando a partir da década de 1950, desde a predominância do estilo moderno, passando pela afirmação da PHI e a simultaneidade de ambos os estilos e por fim a predominância da PHI como novo paradigma para a interpretação da música barroca. Pesquisamos neste capítulo também o universo musical brasileiro no confronto da performance da música barroca. Ainda utilizando material de fonte primária e a obra de Kristina Augustin (1999), Um olhar sobre a música antiga: 50 anos de história no Brasil, traçamos os caminhos trilhados pelos músicos brasileiros nesta linha temporal que determina os estilos interpretativos. Desde o surgimento do Conjunto de Música Antiga da Rádio MEC como precursor da difusão da música barroca no Brasil, passando por Roberto de Regina como

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referencial para o surgimento da PHI e construção de instrumentos históricos e por fim chegando a conjuntos como o Quadro Cervantes, considerado o primeiro grupo profissional dedicado à PHI. O terceiro capítulo se desenvolve em um dos temas principais do estudo e título da dissertação: o regente, cravista e organista Karl Richter. Optamos em dividir este capítulo em quatro subitens a saber: o primeiro contendo dados biográficos do músico e situando-o cronologicamente para o entendimento de seu estilo e influências. Posteriormente no segundo item, iremos tratar da história dos corpos artísticos fundados por Karl Richter – Coro e Orquestra Bach de Munique- e como desenvolveu sua carreira artística tendo esses grupos como seu instrumento de produção musical. No terceiro item, tratamos do estilo interpretativo de Karl Richter, situando-o dentro dos parâmetros estabelecidos como características do estilo moderno no qual se encontra inserido. O musicólogo Uri Golomb será a nossa principal referência no que diz respeito ao conteúdo estilístico desta dissertação apoiando-se em sua tese intitulada Expression and Meaning in Bach Performance and Reception: An Examination of the B Minor Mass on Record, publicada em 2004. No capítulo três da primeira parte de sua tese, Golomb situa Karl Richter dentro do universo luterano defendendo a influência da Escola de Leipzig em sua interpretação sob a influência de seus predecessores, em especial Karl Straube e Günther Ramin. Podemos aplicar aqui o entendimento do conceito de cronocentrismo proposto por Haynes (2007) explicando a visão romântico/moderna da música barroca, que implantou essa música dentro de uma linguagem vigente tendo o século XIX como ponto de partida, ou seja, os paradigmas românticos subvertendo a eloquência e retórica do período barroco. Enquanto sob alguns aspectos Richter é influenciado por seus predecessores da Escola de Leipzig (que possui elementos herdados do romantismo do século XIX), por outro lado, sua interpretação é marcada pela relação texto-musica luterana originária do século XVI. Por fim o quarto item do nosso terceiro capítulo mostra a atuação de Karl Richter no Brasil. Aqui nossa principal referência bibliográfica foi a fonte primária bem como o uso de respostas obtidas através de questionários direcionados a músicos participantes e espectadores dos Ciclos Bach e depoimento oral de personalidades que de alguma forma se relacionaram com Karl Richter. A pesquisa em fonte primária é algo bastante complexo e por vezes imprecisa, pois mesmo sendo um documento contemporâneo aos eventos, muitas vezes contém informações equivocadas que precisam ser checadas em outras fontes paralelas. Em relação às críticas jornalísticas da época, notamos uma riqueza na variedade de textos oferecidos por nomes que assinavam as colunas musicais da época, como Renzo Massarani, Antonio

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Hernândez, D’Or, Edino Krieger, Luiz Paulo Horta, Ronaldo Miranda, Zito Baptista Filho, Eurico Nogueira França e Andrade Muricy. Tentamos ao máximo buscar uma isenção destes textos, que por muitas vezes mostram-se bastante parciais e tendenciosos, algo que não colabora para a construção de um pensamento crítico. O quarto e último capítulo desta dissertação desenvolve o histórico propriamente dito dos Ciclos ano a ano. Buscamos apresentar os fatos considerados mais relevantes e significativos para cada edição do Ciclo, mostrando assim o crescimento e importância que o evento foi adquirindo a cada ano, seja no que diz respeito ao interesse do público, a representatividade dos artistas participantes, definição do repertório apresentado e a participação de Karl Richter que se inicia em 1966 com uma única apresentação durante o concerto de encerramento e se conclui em 1978, quando os Ciclos Bach-Händel em sua segunda fase foram liderados totalmente pelo regente e contando com a colaboração da Orquestra Bach de Munique (1976 e 1978). Ainda neste capítulo, elaboramos quadros demonstrativos que estão localizados nos anexos, de todos os Ciclos Bach especificando os artistas participantes e repertório executado. Podemos observar assim claramente quais foram as obras mais executadas ao longo dos Ciclos e a variedade do repertório. Por fim fizemos uma reflexão sobre os possíveis legados herdados (ou não) pelos Ciclos Bach e se de alguma forma possa ter havido alguma contribuição para a inclusão da música de J. S. Bach nas temporadas musicais do Brasil nas décadas posteriores chegando à atualidade.

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1.1 Conjuntura político-cultural na cidade do Rio de Janeiro nas décadas de 60 e 70 Em 21 de abril de 1960, com a transferência da sede do Governo Federal para a então recém-inaugurada cidade de Brasília, a cidade do Rio de Janeiro perde definitivamente a condição de capital do país, título que possuía desde 1763. Por ser uma cidade litorânea, era extremamente vulnerável a invasões estrangeiras, vivendo sob condições climáticas desfavoráveis (clima quente e úmido) e juntando-se a s péssimas condições de saneamento, estava constantemente sujeita a epidemias. No novo período Republicano, era uma cidade que sofria constantes revoltas populares e desordem social, fatos esses que já desde o século XVIII faziam com que se pensasse na transferência da capital para o interior do Brasil. Os primeiros estudos de viabilidade da transferência da capital surgem em 1877, e em 1891 com a primeira Constituição Republicana se previu esta mudança. Pensou-se na possibilidade da transferência para a recém-fundada cidade de Belo Horizonte (1897), como também para cidades do Triângulo Mineiro. Já durante o século XX, duas comissões foram criadas, uma em 1946 e a outra em 1953, para que se escolhesse em definitivo a localização da nova capital do Brasil situada no Planalto Central. Em 1956, sob a Lei nº 2874, cria-se a NOVACAP (Companhia Urbanizadora da Nova Capital), que inicia as obras de construção de Brasília inaugurada em 1960 (OLIVEIRA, 2012). Com a perda do status de Capital Federal, a cidade do Rio de Janeiro passa a ser a única cidade-estado2 do Brasil, então denominada Guanabara (FERREIRA; VALE, 2007). Ao perder essa posição, travou-se uma ampla discussão das propostas para o destino da cidade. Passaria a ser mais uma cidade igual a todas as outras no Brasil? E o que seria feito dali em diante? Poderia ser transformada em território da Guanabara, ou a incorporação da cidade, com o nome de Rio de Janeiro, ao já existente estado homônimo; e por fim, a terceira seria a opção vitoriosa (FERREIRA; VALE, 2007, pgs.297, 298).

Vive-se uma situação bastante peculiar tendo como base sua história de sede governamental. Por conta dessa herança, a cidade do Rio de Janeiro possuía um patrimônio político-cultural único no país, fruto de investimentos de quase dois séculos no papel de capital nacional. Dois períodos em especial foram representativos para o desenvolvimento do Rio de 2

Não confundir esta citação "cidade-estado" com a forma política de organização "cidade-Estado", caracterizada por uma autonomia e independência de um governo central, tendo Singapura como exemplo de cidade-Estado nos tempos atuais. O entendimento para a definição da Guanabara, deve dar-se no sentido de que se tornou em 1960 um dos estados da Federação que estava localizado no atual município do Rio de Janeiro.

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Janeiro: primeiro em 1808 com a instalação da Família Real Portuguesa na cidade (FERREIRA; VALE, 2007,) fugida das Guerras Napoleônicas (1803-1815), e posteriormente durante as primeiras décadas do século XX, com a profunda mudança estrutural e modernização empreendidas pelo Prefeito Francisco Pereira Passos (BENCHIMOL, 1992; FERNANDES, 2006). Além do papel de Capital Federal (até 1960) o Rio de Janeiro exerce a função de capital cultural nacional, na qual importantes instituições culturais encontram-se ali sediadas, como a Biblioteca Nacional, o Museu Nacional de Belas Artes, a Academia Brasileira de Letras, o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Museu Histórico Nacional, Museu Nacional (FERREIRA; VALE, 2007). E isso pode ser explicado: pela permanência na cidade de diversas instituições públicas, e que garantia a ela importante lugar de articulação e espaço de eventos políticos. O status de capital se manteve e se mantém até a contemporaneidade. Durante a campanha presidencial de 1994, o candidato Fernando Henrique Cardoso pronunciou a frase “quando o farol do Rio de Janeiro está aceso, o Brasil inteiro se ilumina"(SANTOS, 2013, pg.29).

Tudo isso fez com que a cidade tivesse um caráter cosmopolita, multicultural e era reconhecida como uma cidade nacional, agregadora de todo e qualquer tipo de caráter brasileiro. Após sua transformação em estado da Guanabara, José Sette Câmara Filho fora nomeado pelo Presidente Juscelino Kubitschek como o novo Governador do estado recém-criado, sendo sucedido então por Carlos Lacerda por voto direto, pela primeira vez exercido pela população do antigo Distrito Federal (FERREIRA; VALE, 2007). Lacerda comanda uma política de valorização da cidade, com o intuito de preservá-la como "vitrine da nação". Promove obras viárias, de infraestrutura, e mantém-se firme no propósito de manter o seu status de capital cultural. Suas iniciativas nesse sentido ocorrem na manutenção dos já existentes, e criação de novos centros culturais para a cidade. Nesse âmbito, cria em 1965 o Museu da Imagem e do Som (MIS), a Sala Cecília Meireles também em 1965, o Museu do Primeiro Reinado3, o Arquivo da Cidade do Rio de Janeiro, e a aquisição do Parque Lage, onde ali se instala posteriormente em 1975 a Escola de Artes Visuais (EAV), notável reduto de artistas e intelectuais de vanguarda. Para a criação destes polos culturais Carlos Lacerda opta pela preservação e reutilização de prédios já existentes e que possuíam ligação histórica com a cidade. O MIS é instalado em

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O Museu do Primeiro Reinado tem sua gênese no mesmo ano de 1965, em comemoração ao IV Centenário de fundação da cidade do Rio de Janeiro, mas foi efetivamente inaugurado posteriormente em 12/03/1979 (FERREIRA, VALE, 2007, pg.315)

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um dos antigos pavilhões da Exposição Universal de 1922 próximo à Praça XV, assim como a Sala Cecília Meireles, na construção que anteriormente abrigava o Cine Colonial, no prédio originado em 1896 no Largo da Lapa4. Essa política de incentivo à cultura e manutenção da cidade como polo gerador de cultura nacional se mantém relativamente ao longo dos governos sucessivos a Carlos Lacerda. Por um longo período o Rio de Janeiro manteve seu status de capital cultural do país, lançando modas, ideias, costumes para todo o Brasil, mas que paulatinamente começa a perder esta posição referencial, iniciando um declínio que se acentuaria ao longo da década de 1980. Desde a perda do status de Capital Federal em 1960, com posterior transformação em estado da Guanabara e em 1975 sua fusão com o estado do Rio de Janeiro, a cidade acumula grandes perdas econômicas, políticas, sociais e culturais, com um verdadeiro esvaziamento em suas atividades (URANI; FONTES; CHERMONT; ROCHA, 2006). Binsztok (1999), realiza um estudo da política econômica e analisa o fenômeno do retrocesso do Rio de Janeiro a partir de dados coletados sobre os índices econômicos e sociais, e conclui que alguns fatores foram decisivos para o início do processo de decadência que o Rio de Janeiro viveu ao longo da década de 1980, os quais podemos citar a divisão desequilibrada e desproporcional de receita entre capital/interior, o processo de desmonte de toda a máquina estatal que havia no Rio de Janeiro quando da transferência da capital para Brasília e consequente sucateamento dos serviços públicos existentes na antiga capital. Outra hipótese para o esvaziamento político, econômico e cultural do Rio de Janeiro a partir da década de 1980 pode ser entendida pela conjuntura política instalada na época, na qual o governo estadual da chamada esquerda política, fazia oposição ao governo central, tanto àquele do último período militar quanto ao da chamada Nova República instalado em 1985.

1.2 Políticas públicas de cultura nas décadas de 60 e 70 Devemos sobretudo buscar o entendimento das relações existentes entra a política e a cultura no Brasil neste período específico de mudanças político-sociais ocorridas após o golpe militar de 1964, e que transformaram essas mesmas relações existentes durante os momentos anteriores ao novo regime de governo. Em um âmbito global, a cultura até a primeira metade do século XX era tratada pelas Constituições com uma visão geral, de forma vaga e sintética, e quase sempre como algo que

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Ver detalhes de sua origem no item 1.4 a seguir.

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deveria ser assegurado como uma forma de direito individual e manifestação do pensamento, mas que a partir da década de 1970, começa a ser vista como um dos direitos fundamentais do homem (FERNANDES, 2006). No Brasil, a Constituição Federal de 1934 pela primeira vez abrange o conceito cultural em seu texto, no capítulo dedicado ao tema: "CAPÍTULO II / Da Educação e da Cultura" Art.148 - Cabe à União, aos Estados e aos Municípios favorecer e animar o desenvolvimento das ciências, das artes, das letras e da cultura em geral, proteger os objetos de interesse histórico e o patrimônio artístico do País, bem como prestar assistência ao trabalhador intelectual. E a atual Constituição Federal de 1988 em seu Art. 215, trata da cultura no capítulo dedicado exclusivamente ao tema, já dissociado da educação. Art. 215 - O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais. É também a partir da década de 1970 que começam a despontar os primeiros sinais da integração social, econômica, política e cultural - aquilo que nos dias atuais conhecemos como globalização - e as mudanças naturais das conjunturas dos Estados-nacionais, seja na relação interna bem como naquelas internacionais. Com isso, a cultura passa a ser vista pelas nações ocidentais como elemento de forte poder econômico (no sentido de uma indústria cultural) o que reconfigura de forma drástica as políticas culturais exercidas pelos governos nacionais (FERNANDES, 2006). Em sua tese de doutorado, Fernandes (2006) apresenta a visão de Roberto Schwarz e Octavio Ianni, dois importantes autores que delimitam o ambiente político pós 1964, e como isto se refletia na produção cultural dos governos militares. Roberto Schwarz em seu ensaio escrito em 1978, "Cultura e Política, 1964-1969", afirma que mesmo com a ditadura de direita, existe uma relativa hegemonia cultural de esquerda. Nos momentos subsequentes ao golpe, os militares se posicionam em combater os movimentos sociais organizados, tais como partidos políticos, movimentos estudantis e sindicatos. A música popular, o teatro e a literatura eram os principais opositores ao governo, mas que em um primeiro momento não chegou a representar uma ameaça ao mesmo, pois a ordem era romper a ligação dessas fontes culturais com a população em geral, desarticulando assim qualquer movimento opositor ao regime. Mesmo isolada, a intelectualidade de esquerda continuaria produzindo e consumindo produtos culturais (FERNANDES, 2006).

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O momento posterior ao golpe representava o início de um estrangulamento das manifestações culturais de esquerda pelo regime militar, e que chegou ao seu desfecho com o Ato Institucional nº 5 (AI-5), decretado em 13 de dezembro de 1968, que durou até 1978 com a política de abertura implementada pelo presidente Ernesto Geisel. Foi o momento mais duro e repressor do regime militar, caracterizado pela arbitrariedade, repressão e violência contra os seus opositores. Schwarz (1978) diz que Se em 64 fora possível a direita "preservar" a produção cultural, pois bastaria liquidar seu contato com a massa operária e camponesa, em 68, quando o estudante e o público dos melhores filmes, do melhor teatro, da melhor música e dos melhores livros já constitui massa politicamente perigosa, será necessário trocar ou censurar os professores, os encenadores, os escritores, os músicos, os livros, os editores -noutras palavras-, será necessário liquidar a própria cultura viva do momento.

O segundo autor citado por Fernandes (2006), é Octavio Ianni com seu texto também de 1978, "A organização da cultura", no qual avalia a política cultural adotada pelo regime militar. Ianni afirma que tal política dividiu os intelectuais, sua produção cultural e as organizações nas quais trabalhavam em três categorias distintas: 1) a produção intelectual incentivada ou protegida, que para o governo era a única aceita; 2) a produção consentida ou tolerada; e 3) a produção censurada e proibida (FERNANDES, 2006). Fico (2004) expõe sobre a censura exercida pelo governo em dois âmbitos distintos, uma aplicada à imprensa e outra às diversões públicas. À primeira, usava-se um método tido como "novidade" na prática da censura inspirado em formas de ameaças de cunho quase terrorista, não oficializada, enquanto as diversões públicas sofriam com as tradicionais práticas então institucionalizadas. "Amparava-se em longa e ainda viva tradição de defesa da moral e dos bons costumes, cara a diversos setores da sociedade brasileira". Existia a figura do censor, que se tratava de funcionários especializados. Segundo Fico (2004), a censura à imprensa teve seu auge de ativismo entre finais da década de 1960 e início da década de 1970, quando ocorreram fortes atos de repressão governamental, como as "cassações de mandatos parlamentares, suspensões de direitos políticos, prisões, torturas e assassinatos políticos", enquanto as atividades artísticas foram mais duramente penalizadas no final da década de 1970, já durante o processo de abertura política. Naturalmente a censura afetava qualquer ângulo da produção cultural, no qual aqueles que se opunham ao regime (os proibidos e censurados), criavam sob o efeito do medo, da autocensura, da insegurança. E até mesmo entre os tolerados e os protegidos, estes estavam sob o domínio da ideologia do regime, que deveria determinar o conteúdo do material cultural produzido.

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Após 1964 as políticas culturais são orientadas em: 1) censurar toda e qualquer manifestação artística contrária à ideologia governamental; 2) maciço investimento em infraestrutura, com grandes obras viárias e desenvolvimento em telecomunicação, que iriam favorecer a inter-relação cultural nacional; e 3) a criação de órgãos governamentais, com o intuito de produzir e divulgar o material cultural nacional, sempre em consonância com o caráter das políticas nacionais vigentes (FERNANDES, 2006). O teatro e a música popular foram as manifestações que mais sofreram opressão pela censura do regime militar, o que afastou o público das encenações e causou considerável diminuição de peças em cartaz, bem como a supressão de palavras, de mudanças textuais, tanto no teatro quanto na música. Todo e qualquer material cultural produzido, antes de ser publicado deveria passar anteriormente pelo crivo da censura federal. As grandes obras viárias, bem como o desenvolvimento das telecomunicações, teriam como finalidade a integração e uma unidade nacional do país com suas dimensões continentais. Neste período cria-se a EMBRATEL, e a associação do Brasil ao sistema internacional de satélites, a INTELSAT. As principais redes de televisão igualmente foram criadas neste período em sistema de cadeia nacional, ou seja, uma produção única, geralmente criada nos grandes centros urbanos do Rio de Janeiro e São Paulo, e que iriam colaborar para a integração nacional. O fenômeno brasileiro da telenovela muda profundamente os hábitos e o comportamento do povo em escala nacional (FERNANDES, 2006). Ainda neste campo do desenvolvimento tecnológico e das telecomunicações, o governo cria em 1967 a SUFRAMA, ou Zona Franca de Manaus, um polo de fábricas de bens duráveis, isenta de impostos e que alavancou a produção e consumo de televisores em todo o território nacional. Percebia-se que este meio de comunicação era de maior inserção e eficácia para o público do que o rádio ou o jornal (FERNANDES, 2006). A seguir, veremos algumas diretrizes adotadas e implementadas pelos governos militares nos temas relacionados à cultura. O Conselho Federal De Cultura No campo das políticas culturais, o primeiro passo dado pelo novo regime militar foi a criação do Conselho Federal de Cultura (CFC) em 21 de novembro de 1966, através do Decreto-Lei nº 74. Considera-se este o órgão responsável pela grande maioria das ações levadas a cabo pelo Ministério da Educação e Cultura (MEC), na área da cultura. (CALABRE, 2007). Uma das principais atribuições do CFC, foi a elaboração de um Plano Nacional de Cultura.

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Segundo Barbalho (2007), o Conselho tinha um caráter conservador e buscava uma unidade cultural reverenciando o passado, em especial as políticas culturais da primeira era getulista (décadas de 30 e 40) de forte cunho nacionalista. A estrutura do MEC esteve basicamente direcionada ao tema da educação, e tratava com menos importância os assuntos culturais. Por conta disso, cria-se em 1970 o Departamento de Assuntos Culturais (DAC). Este Departamento tinha a função de implementação de projetos na área cultural. O anterior CFC existente fora criado em 1938, e não possuía força política necessária para implementação de ações culturais no Brasil. Tratava-se apenas de um órgão secundário que propunha ideias para o tema cultural. Josué Montello, primeiro presidente do CFC em 1967, afirma que tal órgão deveria ter um papel fundamentalmente executivo e bem menos acadêmico. Por pertencer à uma estrutura ministerial, era imperativo esta função de caráter executivo (CALABRE, 2007). A estrutura formativa do CFC era constituída de conselheiros que deveriam ser escolhidos "dentre as personalidades eminentes da cultura brasileira e de reconhecida idoneidade". O Conselho era constituído por vinte e quatro membros então nomeados pelo presidente da República, e era dividido em quatro câmaras: artes, letras, ciências humanas e patrimônio histórico e artístico nacional. A primeira formação do CFC, que tomou posse em fevereiro de 1967, era constituída pelos nomes de: Adonias Filho, Afonso Arinos, Ariano Suassuna, Armando Schnoor, Arthur Reis, Augusto Meyer, Cassiano Ricardo, Clarival Valadares, Djacir Lima Menezes, Gilberto Freire, Gustavo Corção, Hélio Vianna, João Guimarães Rosa, José Cândido de Andrade Muricy, Josué Montello (presidente), D. Marcos Barbosa, Manuel Diegues Júnior, Moysés Vellinho, Otávio de Faria, Pedro Calmon (vicepresidente), Rachel de Queiroz, Raymundo de Castro Maia, Roberto Burle Marx e Rodrigo Mello Franco (CALABRE, 2007). O CFC contava com publicações regulares para finalidades informativas de todas as suas atividades e legislação pertinente à cultura. A primeira delas, mensal, denominava-se "Cultura", que circulou por três anos a partir de 1967. Após 1971 muda seu título para "Boletim do Conselho Federal de Cultura", que passa a ter edição trimestral. Outra publicação circulante era a "Revista Brasileira de Cultura", que apresentava ensaios e estudos dos membros da Comissão. O Decreto-Lei nº 74, que institucionalizou o CFC, determina vinte atribuições para o Conselho no sentido de implementar a Política Nacional de Cultura, estabelecer o diálogo entre as esferas com a ideia de promover a cultura, gerar incentivos de criação cultural seja no âmbito

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financeiro quanto político, e defesa da cultura nacional, diretrizes que podem ser observadas no seu texto original, apresentado em anexo (pg. 157). A partir da institucionalização do CFC, estimula-se através de uma de suas atribuições a criação de Conselhos Estaduais de Cultura (CEC). A finalidade para tal, evidencia o posicionamento do CFC de que qualquer convênio que pudesse haver entre os estados e o governo federal se concretizariam somente através de um canal de ligação, que seria exercido justamente por esses Conselhos Estaduais ou secretarias estaduais de cultura que porventura viessem a ser criados. Nesta fase inicial, somente duas unidades da Federação possuíam o CEC: Guanabara e São Paulo. Plano Nacional de Cultura O primeiro anteprojeto para a criação de um Plano Nacional de Cultura começa a ser delineado em 1967, logo após a criação do CFC. A execução deste Plano estava prevista para um período de quatro anos, com programas direcionados tanto em nível nacional quanto regional. Quanto ao âmbito nacional, entendia-se que o objetivo era criar ampla infraestrutura nas instituições nacionais de cultura, que serviriam como uma espécie de "instituição-mãe" que promoveriam suas ações em diversos pontos do território nacional. Incialmente, algumas destas instituições receberiam profundas reformas físicas, como a Biblioteca Nacional, bem como museus federais e centros culturais. Ao final, este anteprojeto não conseguiu sua aprovação. Em fevereiro de 1970 o então Ministro da Educação e Cultura Jarbas Passarinho recebe um novo Plano Nacional de Cultura, que deveria ser encaminhado para aprovação pelo Congresso Nacional. Este plano visava a preservação do acervo cultural nacional e dos valores humanos, e que incluíam a também preservação do patrimônio documental. Buscava-se igualmente uma proteção ao patrimônio cultural, sob uma ótica da diversidade com uma interpretação etnográfica e ambiental. Havia uma significativa preocupação com o crescimento de produtos culturais estrangeiros, em especial norte-americanos no Brasil, como o cinema, a música e o material televisivo ofertado. Por conta disso, o Plano previa a reserva de mercado para o produto nacional que incentivava a produção e valorização dos mesmos. Da mesma forma que o anterior, esse Plano não conseguiu ser apreciado pelo Congresso. Com o fracasso da não aprovação do Plano em 1973, Jarbas Passarinho propõe a criação não mais de planos de cultura, mas sim, de diretrizes que posteriormente seriam apreciadas pela

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presidência da República e a partir de então, servir como base para planos e projetos de governo. Formula-se um documento que enumera dez medidas básicas a serem implementadas para viabilizar a execução de uma política nacional de cultura: criação do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Cultura; criação do Serviço Nacional de Música; criação do Serviço Nacional de Artes Plásticas; criação do Serviço Nacional do Folclore; levantamento e cadastramento dos bens culturais, cuja defesa seja obrigação do poder público; estímulo ao funcionamento e à criação dos conselhos de cultura; criação das casas de cultura; implantação de um sistema de colaboração entre as universidades federais, estaduais e privadas, em seus diversos institutos como estímulo aos estudantes para o estudo e conhecimento da vida cultural do país; recuperação e restauração de bens privados tombados; financiamentos de projetos de natureza cultural (CALABRE, 2007,

pg.168). No que diz respeito à criação do Serviço Nacional de Música já em 1969, o CFC cria um projeto de Lei que dispunha sobre a criação de tal órgão, e que tinha como objetivos:

1) Incentivar a criação musical brasileira e sua difusão; 2) Promover nos centros culturais do país espetáculos de óperas e bailados; concertos sinfônicos, concertos de música de câmara; corais, recitais de música erudita, popular e folclórica; 3) Promover pesquisas sobre Música e Dança no Brasil; 4) Promover a gravação de obras musicais bem como a sua retransmissão em programas radiofônicos e de TV; 5) Promover a organização e criação de orquestras sinfônicas, conjuntos de câmara, bandas e coro; 6) Promover junto com o Itamaraty a difusão da Música Brasileira no exterior; 7) Auxiliar, mediante convênios, a função e assistência de bandas de música e conjuntos musicais nos estados e territórios, auxiliando-os na aquisição e reparo de instrumento respectivo; 8) Estimular em todo o país a formação de musicotecas e fonotecas; 9) Organizar edições periódicas de catálogos musicais, musicográficos e fonográficos de Música Brasileira (VETROMILLA, 2011). No final da gestão do Ministro Jarbas Passarinho, foi criado o "Programa de Ação Cultural" (PAC). O objetivo primordial do Programa era a geração de interesse pela cultura nacional, com circulação de produções, abertura do mercado de trabalho, e o resgate de movimentos culturais regionais. Grande parte das ações promovidas ficaram concentradas em áreas artísticas tradicionalmente estabelecidas, como concertos sinfônicos e de câmara, corais, balé, exposições de pinturas e

32 temporadas teatrais, e uma pequena parte foi dedicada a atividades ligadas mais à cultura popular. (CALABRE, 2007, pg. 172).

Um dos grandes paradoxos deste projeto, porém, era o seu caráter modernizador convivendo com políticas de repressão e censura adotadas pelo governo. A política nacional de cultura de 1975 foi elaborada por técnicos do PAC, do MEC. A visão deste novo projeto era de que uma política cultural não deveria estar relacionada com uma questão de censura ou cerceamento de ideias. Menciona-se também a crise de identidade nacional, que estimula a influência de elementos culturais externos, no que poderia ameaçar a cultura brasileira. No que diz respeito à música, a política de 1975 enumera: 1) o estímulo às manifestações de criatividade através de instrumentos materiais tais como cinema, teatro, TV, salas de concerto, bibliotecas, museus, rádios, editoras, etc; 2) fomentar na juventude o gosto pelas artes, buscando alcançar todos os níveis da população nacional, através da frequência a concertos, exposições, exibições teatrais e cinematográficas. A Funarte A Fundação Nacional de Arte (Funarte) surge através da Lei nº 6312 de 16 de dezembro de 1975, diretamente originada do projeto do Programa de Ação Cultural (PAC) de 1973. Segundo a determinação do PAC, como dito anteriormente, as ações são voltadas para as distintas áreas da produção cultural, tais como o teatro, a música, a dança, as artes plásticas, a literatura e o teatro. Cada uma dessas áreas possuía gestores e políticas próprias. Como atributos da nova fundação, constavam a formulação, coordenação e execução de programas de incentivo às manifestações artísticas, assim como o apoio à preservação dos valores culturais relativos às tradições do povo brasileiro, e por fim, o apoio às instituições culturais, sejam elas públicas ou privadas, que visassem o desenvolvimento artístico brasileiro. Subordinados à Funarte, estavam três institutos que tratavam de temas específicos: O INAP- Instituto Nacional de Artes Plásticas, o INF - Instituto Nacional do Folclore, e o INM Instituto Nacional de Música. Quanto à atuação da Funarte observa-se dois níveis distintos, sendo a primeira através de projetos próprios desenvolvidos pela fundação, através de seus técnicos que elaboravam diagnósticos para sua inserção, ou então apoiando projetos desenvolvidos em todo o país. Especificamente em relação ao Instituto Nacional de Música, há de se entender sua criação e sua importância para o campo da música de concerto no Brasil. Durante o governo Geisel em 1975, houve uma grande discussão no campo da música popular sobre que rumos a mesma deveria tomar ante o regime militar, que despontava para uma abertura gradual, mas

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que ainda sofria com a censura. Simultaneamente à essa discussão, um movimento se acendia no campo da música de concerto, com um debate sobre a produção e circulação desta música no Brasil. Questionava-se a falta de prestígio da referida música pelas instituições governamentais. À época da criação do INM, ouviram-se somente opiniões de músicos populares. Em toda e qualquer mesa redonda instituída para se debater a música, não havia a inclusão de nomes da música de concerto. Os compositores brasileiros destacavam a grande disparidade entre as músicas popular e erudita, sendo a primeira decisivamente beneficiada pelas políticas culturais oficiais, e que a solução se daria com uma possível criação de um órgão, que tratasse com especificidade o tema erudito nacional. Assim, com a criação da Funarte, insere-se o INM como organismo subordinado à fundação, e que trataria com igual importância ambos os setores musicais. Como diretor do INM à sua fundação, estava o compositor Marlos Nobre, e houve a inclusão de uma Divisão de Música Popular Brasileira tendo à frente Hermínio Bello de Carvalho como diretor adjunto (VETROMILLA, 2011). 1.3 Espaços de concerto no Rio de Janeiro Em meados da década de 1960, a cidade do Rio de Janeiro (como já vimos, o então Estado da Guanabara até 1975) possuía uma população que girava em torno dos 4 milhões de habitantes segundo dados estatísticos oficiais do IBGE. Muito se herdou das obras modernizadoras do prefeito Pereira Passos no início do século XX, mas meio século depois, a cidade, por seu porte político, econômico e cultural, precisava de uma nova infraestrutura que promovesse uma interação social mais dinâmica e uma modernidade tecnológica que então despontava naquele período. Grandes obras viárias são realizadas na cidade, como a abertura do túnel Rebouças, a criação do Aterro do Flamengo, alargamento da Avenida Atlântica, os primeiros estudos de viabilidade para o sistema de metrô, a construção do viaduto da Perimetral, a inauguração do Sistema Guandú, que poria fim à falta d'água, um problema crônico da cidade. Enfim, grandes obras que facilitariam a mobilidade urbana e o bem-estar social da população da Guanabara. Em observação a alguns dos principais jornais em circulação da época (O Globo, Jornal do Brasil, Correio da Manhã e Diário de Notícias), e bibliografia especializada, nota-se uma quantidade considerável de salas de cinema na cidade, bem como a de teatros dramáticos, e um número menor de museus e salas de concertos. Gonzaga (1996) diz que a cidade do Rio de Janeiro possuía uma média histórica de cerca de uma centena de salas de cinema em funcionamento, dado este que permanece até a

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publicação de sua obra. A autora traça um balanço geral da quantidade de salas disponíveis, tendo como ponto de partida a última década do século XIX, até a data da publicação de sua pesquisa. O período destacado, para que se faça uma simultaneidade com o estudo desta dissertação, está incluído entre os anos de 1966 e 1979, e podemos observar o considerável número de salas de cinema existentes na cidade na tabela em anexo (pg.159). As salas de cinema estavam distribuídas por quase todas as regiões da cidade, com especial concentração na zona sul, centro da cidade (Cinelândia) e o bairro da Tijuca, onde uma ascendente classe média prestigiava o mercado cinematográfico (FERRAZ, 2015). Assim como o cinema, o teatro dramático possuía forte expressão na cidade. Dias (2012) faz uma completa pesquisa e análise da vida teatral na cidade do Rio de Janeiro, desde a fundação do primeiro edifício oficial para esta finalidade, o Real Theatro de São João, no antigo Largo do Rossio, atual Praça Tiradentes, em 1813, até o ano de 1999. Segundo Dias (2012), o golpe militar de 1964 foi crucial para a reordenação dos teatros na cidade do Rio de Janeiro, quando muitas casas permaneceram fechadas por um longo período, com artistas e intelectuais ameaçados pela censura. O autor em sua obra elenca todos os teatros existentes na cidade, a partir dos primeiros anos até o final do século XX, observandose um total de 126 casas de espetáculos. Dados oficiais do IBGE coletados no ano de 1967, mostram que o antigo estado da Guanabara possuía uma rede de 28 museus sob administração federal, estadual e municipal, bem como de iniciativa privada, perdendo apenas para São Paulo, o estado mais populoso, que contava um total de 69 estabelecimentos museais. Nas décadas de 1960 e 1970, oficialmente, a cidade do Rio de Janeiro contava unicamente com o Teatro Municipal (como sendo o teatro de ópera e ballet) inaugurado cerca de meio século antes, em 1909, o Salão Leopoldo Miguez da Escola de Música da UFRJ, de 1922, e a Sala Cecília Meireles, fundada em 1965. Freire (2013) lista um número considerável de teatros que serviam à ópera, bem como à música de concerto na cidade no século anterior, mas que desapareceram ao longo dos anos. Com uma população relativamente menor, havia uma proporção muito maior de casas de espetáculos que serviam simultaneamente ao teatro dramático e a acima citada música de concerto, o que demonstra o gosto do público para tais manifestações artísticas. A edição do jornal "O Globo" de 26/09/1928, pg.5, nos mostra uma grande publicidade dos eventos dramáticos em cartaz no grande Theatro Lyrico, com a companhia teatral de Leopoldo Fróes e seus comediantes na encenação do grande sucesso do momento: "A Descoberta da América", que prometia "tres actos de gargalhada". Assim como a "Festa da Raça", uma grande

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homenagem à colônia portuguesa no Brasil, com a encenação da peça "O Quebranto", escrita por Coelho Neto em 1908, e "A Ceia dos Cardeais", do escritor português Júlio Dantas, levada à cena também por Leopoldo Fróes. Lê-se na edição de 03/05/1901. pg.6 do Jornal do Brasil, que a programação operística para a temporada do ano que estava iniciando no Teatro Lyrico, incluiria "Manon, Tosca, Boeheme, Mefistofele, Ugonotti, Guarany, Cavalleria Rusticana, Gioconda, Mignon, Carmem, Aída, Sanson e Dalila e as óperas novas Lakmé, de Delibes, e Pescadores de Pérolas, de Bizet". Freire (2013) nos diz ainda que a vida operística (e musical) do século XIX, era muito superior em quantidade de récitas, comparativamente ao que podemos registrar em nossos dias. Óperas de sucesso eram levadas à cena em dezesseis récitas consecutivas, número esse que seria impensável no Rio de Janeiro nos dias de hoje. O Teatro Municipal do Rio de Janeiro, fundado em 14 de julho de 1909, representa um marco cultural para a cidade, pois naquela época a construção se comparava "em beleza, tamanho e conforto, àquelas que se sobressaiam no mundo civilizado no alvorecer do século XX" (ERMAKOFF, 2010). Os antigos teatros de ópera existentes no Rio de Janeiro, ainda que tentassem copiar os modelos europeus, estavam em estágio bastante atrasado no que diz respeito ao conforto e tecnologia existentes então, o que fez com que o Teatro Municipal representasse a real inovação e modernidade para a época. Na transição dos séculos XIX e XX, havia uma forte relação e afinidade cultural entre Brasil e França, e o Rio de Janeiro passava por um processo de reurbanização, comandado pelo prefeito Francisco Pereira Passos em sua gestão entre os anos de 1902 e 1906. Pereira Passos nasce em 1836 vindo de uma família tradicional burguesa. Cria-se em uma grande fazenda de café no interior da então Província do Rio de Janeiro, e em idade escolar seus pais o enviam para a Corte e finalmente gradua-se em matemática. Posteriormente, ingressa na carreira diplomática, quando entre 1857 e 1860 permanece em Paris. Na capital francesa, demonstra grande interesse em obras de engenharia desenvolvidas naquele país, e especial atenção aos projetos de reurbanização parisiense empreendidos pelo prefeito Georges Eugène Haussmann (entre 1853 e 1870) que tinham a finalidade de transformar Paris "no modelo de metrópole industrial imitado em todo o mundo" (BENCHIMOL, 1992). O gosto da época influencia a construção do prédio do Teatro Municipal, inspirado na Ópera Garnier de Paris de 1857, em estilo neobarroco. Formando um conjunto com o prédio da Biblioteca Nacional (1910) e a Escola Nacional de Belas Artes (atual Museu Nacional de Belas Artes, 1908), cria-se um perímetro urbano de total influência arquitetônica francesa, e polo cultural na cidade do Rio de Janeiro, então capital federal.

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O Salão Leopoldo Miguez é inaugurado no prédio do antigo Instituto Nacional de Música (atual Escola de Música da UFRJ) em 1922. Igualmente de influência francesa, foi projetado pelo arquiteto Cipriano Lemos, segundo solicitação ao Governo Federal do então diretor do INM, Alberto Nepomuceno. Segue semelhante estilo arquitetônico à Sala Gaveau, de Paris, esta fundada em 1905. No interior do Salão Leopoldo Miguez é instalado em 1954 o órgão Tamburini, de fabricação italiana, dotado de 4620 tubos. Apesar do Rio de Janeiro dos anos 60 e 70 contar somente com três casas oficiais de concertos, havia um número razoável de espaços ditos "alternativos" para a difusão da música, e que podemos citar, como o Museu Nacional de Belas Artes, o Auditório da ABI, o Auditório Mesbla, Teatro Maison de France, Auditório da TV Globo, Teatro Novo (atuais estúdios da TV Brasil, no centro), Auditório do MEC, Museu da Cidade na Gávea, Clube de Engenharia, Auditório do IBAM, Teatro do Hotel Nacional, Auditório do IBEU, Aliança Francesa, Planetário da Gávea, Teatro João Caetano, entre outros. A cidade não contava nesta época com um espaço de concerto com acústicas adequadas para a música de câmara, a qual era feita nos referidos teatros que abrigavam tais manifestações, ou inapropriadamente na amplitude do Teatro Municipal. Como já dito anteriormente, o Rio de Janeiro ao longo do século XIX, era uma cidade que valorizava o repertório operístico, o qual era tocado nos salões aristocráticos da cidade ou divulgado pelas dezenas de teatros de ópera que existiam à época. Tal tradição se manteve ao longo do século, e com o declínio deste gênero musical, a chegada do século XX registra uma quantidade significativa de teatros fechados que serviam à ópera. Segundo Freire (2013), o Theatro Lyrico, localizado na Rua da Guarda Velha (atual Av. Treze de Maio), foi o último grande teatro de ópera da cidade, tendo sido demolido em 1934 para a remodelação do Largo da Carioca. Com isso, o Rio de Janeiro perde a tradição da ópera vivida de forma cotidiana, e juntamente sofre uma diminuição considerável dos espaços públicos para a música de concerto, tendo chegado à década de 1960 com as poucas salas oficiais já citadas anteriormente. 1.4 A Sala Cecília Meireles: síntese histórica É de grande importância o conhecimento de todo o contexto político e cultural a partir da segunda metade da década de 1960, para se compreender a fundação da Sala Cecília Meireles em 1965 como principal espaço de concertos para a música de câmara da cidade do Rio de Janeiro e possivelmente do Brasil. O Rio de Janeiro, como polo nacional irradiador de cultura,

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como já dito anteriormente, possuía uma grande oferta de espaços cinematográficos, assim como de teatros dramáticos e somente duas salas apropriadas à música de concerto (o Teatro Municipal, e o Salão Leopoldo Miguez). A cidade não contava com um espaço adequado para a especificidade da música de câmara. O crítico Andrade Muricy do "Jornal do Commercio", citado por Marques (2006, pgs.20, 21), corrobora a antiga tese de uma necessária urgência na construção deste espaço, dizendo: "Há quanto tempo temos reclamado para o Rio de Janeiro, [capital cultural do país], um auditório de concertos!" Muricy, ao longo de seu discurso, enumera alguns dos espaços alternativos -e inapropriados- para a prática da música de câmara, desde o auditório da ABI, o teatro Maison de France, o teatro Mesbla, até o Salão Leopoldo Miguez, um auditório predominantemente escolar que não possuía condições básicas de conforto, seja para os artistas, seja para a plateia, pois"[...] é o recinto mais quente do Rio. Arrasadoramente abafado e quente." Andrade Muricy considera ainda o Salão Leopoldo Miguez, um palco que abrigava artistas com poucas qualificações, dizendo que "[...] afasta o público conhecedor devido ao uso que há decênios dele se faz para manifestações musicais da mais chapada e ofensiva mediocridade." Sob o ponto de vista político, entende-se que o então governador Carlos Lacerda, um homem profundamente ligado à temática cultural, estava em seu último ano de mandato e pretendia deixar sua marca no campo da música, promovendo em tempo rápido e hábil as diretrizes para a fundação da nova sala de concertos para a cidade. Surge então neste contexto, a Sala Cecília Meireles. Com o já citado esvaziamento econômico, político e cultural do Rio de Janeiro no início da década de 1980, a cidade aos poucos diminui sua importância como polo cultural do Brasil. Apesar disso, a Sala Cecília Meireles continua exercendo um papel determinante para a música de concerto no país, com uma programação intensa e diversificada. Ao final da década de 1990, a cidade de São Paulo investe maciçamente na criação de uma sede para a Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo (OSESP), e restaura uma antiga estação de trens no complexo da Estação da Luz, criando assim a Sala São Paulo, inaugurada em 1999. Segundo o site do jornal inglês The Guardian, a Sala São Paulo está classificada como uma das dez melhores salas de concerto do mundo, com a possibilidade de se apresentar tanto a música sinfônica, como também o repertório camerístico. Em termos comparativos, através da observação de sua programação anual, nota-se que a Sala São Paulo concentra suas temporadas no repertório sinfônico e em quantidade menor

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apresenta a música vocal e camerística, ao passo que a Sala Cecília Meireles, seja no período em estudo ou na atualidade, opta em oferecer ao público uma vasta gama com diversas formações orquestrais, vocais e camerísticas, sem que haja distinção em nenhum gênero específico da música de concerto. À época das futuras comemorações do IV Centenário da Cidade do Rio de Janeiro (1965), o Governador Carlos Lacerda, "homem de cultura, ex-estudante de violino e amante da música" (MARQUES, 2006), decide atender as solicitações do público carioca que ansiava por uma sala dedicada exclusivamente à música de concerto. O Rio de Janeiro até então não possuía um espaço para formações camerísticas. Segundo o crítico Renzo Massarani, a construção de uma nova sala iria descongestionar o super ocupado Teatro Municipal, criada exclusivamente para a orquestra e o coro (e a música de câmara) e para dar à vida concertística do Rio uma intensidade maior e portanto uma mais fecunda variedade de repertórios (Jornal do Brasil, Caderno B, edição de 16/03/1965,

pg.2). Ao anúncio do então Governador Lacerda em dezembro de 1964 da desapropriação do edifício onde se instalaria a nova sala, Andrade Muricy entusiasticamente saúda a iniciativa, ratificando a verdadeira falta de uma sala de concertos adequada para a cidade. Apesar dos "pequenos e simpáticos" espaços alternativos de concerto, estes continuavam inapropriados, seja pelo tamanho reduzido, pela acústica, e pela falta de um piano em boas condições (MARQUES, 2006). A história da sala de concertos tem sua origem na localização onde ainda no século XIX encontrava-se a confeitaria denominada Armazém do Romão, "com entrada pelo Beco do Império, rua lateral da Sala e que o passar do tempo batizou como Teotônio Regadas". 5 Pouco ou nada se sabe sobre tal estabelecimento que inicialmente ocupava o terreno onde hoje se encontra a Sala Cecília Meireles. As primeiras notícias sobre o prédio que deu origem ao edifício remontam às últimas décadas do século XIX, localizado no Largo da Lapa para abrigar o Hotel Freitas construído em 1887 e que posteriormente, mudando de administração, passa a denominar-se Grande Hotel em 1896. Estabelecimento respeitável, costumava receber como hóspedes políticos da época em que a cidade era o Distrito Federal, rivalizando em qualidade de serviços com o tradicional e renomado Hotel dos Estrangeiros, localizado próximo ao Largo do Machado. Por sua excelente localização próximo ao Passeio Público, à Biblioteca Nacional (esta teve seu atual

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Ver: sítio eletrônico da Sala Cecília Meireles http://salaceciliameireles.rj.gov.br/

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prédio fundado posteriormente, em 1910), ao Cassino Fluminense (atual prédio do Automóvel Clube do Brasil à Rua do Passeio, 90), era frequentado pela burguesia e políticos nacionais. A história do Grande Hotel é escrita até o ano de 1939, quando a região da Lapa entra em franca decadência, em uma zona que abrigava a prostituição e a malandragem carioca. Neste ano o hotel fecha suas portas, conforme notícia do "Jornal do Brasil" em sua edição de 12 de maio de 1939, na pg.6: "Apogeu e Decadência" -Você não se recorda do velho Grande Hotel no Largo da Lapa? -Podemos considerá-lo uma tradição da cidade. -Ali tomaram aposentos o Campos Sales e o Afonso Pena, antes de assumirem a Presidência da República. Nele se hospedaram os parlamentares mineiros em sua quase totalidade, bem como os representantes de várias bancadas do Norte. Em suas dependências foram escolhidos novos Ministérios e resolvidas graves crises políticas... -Pois está fechado há muitos anos, após ter funcionado em seu andar térreo, uma tavolagem... -Que não o transformem em habitação coletiva!...

No mesmo ano de 1939, na edição de 6 de julho em sua matéria capa, o jornal "O Globo" noticia que o velho Grande Hotel será transformado em um grande cinema O famoso edifício onde foi o Grande Hotel, situado no largo da Lapa, centro de reunião dos proceres políticos do passado (...?), foi adquirido, há tempos, em leilão pela Beneficencia Portugueza. Hoje, a directoria daquella benemerita instituição, firmou com o empresário Ponce & Irmãos, de que fazem parte o Sr. Generoso Ponce Filho e seu irmão Altamiro Ponce, contrato de arrendamento do já célebre edifício. Ali, esses conhecidos cinematographistas brasileiros que são os proprietários do cinema Broadway, farão erguer um portentoso cine-theatro, cujo nome, será, ao que nos informam, escolhido pelo voto popular em um grande concurso.

Assim surge o Cine Colonial, inaugurado em 1941 e destacado pela matéria do dia 8 de março do mesmo ano no jornal "O Globo" No grande e moderno edifício que se ergue no largo da Lapa, no local do antigo Grande Hotel da Lapa, está installado o confortavel Cinema Colonial, dotado de efficientes instalações. O Cinema Colonial é mais uma grande casa de diversões que surge, concorrendo ao mesmo tempo para o embellezamento da cidade e offerecendo ao publico grandes filmes a preços populares. Dotado de apparelhos de som e projecção, construidos e montados pela Western Eletric, do ultimo typo "Myraphonic", que é o que ha de mais moderno e perfeito. Afim de que a apparelhagem moderna alcance os melhores resultados, foi construida, pelo Sr. Arnold Rosemayer, uma tela inteiramente de procellana (sic), innovação na construcção de cinemas, pelo seu brilho incomparavel e pela selecção dos detalhes de photographia. Durante a primeira quinzena do mez corrente, será inaugurada a nova tela.

Durante vinte e quatro anos, o Cine Colonial mantém suas portas abertas em uma região em franca decadência, que teve seu início na década de 1940, logo após a Segunda Guerra Mundial. Marques (2006, pg. 35) diz que Segundo a reportagem do jornal O Dia, a última grande festa foi realizada na noite que comemorou o fim do conflito. Transcorridos mais de dez anos, o

40 chefe de polícia do estado da Guanabara, general Etchegoyen, começou nos anos 60 outra guerra - dessa vez, contra a prostituição no bairro. Fechou logo dois pontos bastante concorridos: o Mangue e o Conde de Lage.

O Jornal do Brasil, na sua edição de 29 de janeiro de 1965, pg. 9, traz a notícia da transformação do Cine Colonial em um teatro sinfônico: O Cinema Colonial, na Lapa, que será transformado em teatro de espetáculos sinfônicos para o IV Centenário do Rio, reabrirá no dia 4 de abril com um concêrto de peças do padre José Maurício executado pela Orquestra Sinfônica Nacional, sob a regência do maestro Francisco Mignone.

Após vários adiamentos, em 1º de dezembro de 1965 a Sala finalmente é aberta ao público, sob a direção do maestro Henrique Morelembaum e com uma programação diversificada, na qual a primeira parte estava a cargo da atriz Maria Fernanda, filha da poetisa Cecília Meireles, e de Paulo Padilha, seguidos da execução da Bachianas Brasileiras nº 5 de Heitor Villa-Lobos. A segunda parte da inauguração contou com a participação da Orquestra Sinfônica do Teatro Municipal, com a regência de Mário Tavares, e Nelson Freire como solista. Renzo Massarani, em sua crítica musical do "Jornal do Brasil" de 8 de dezembro de 1965, deixa claro a que veio a Sala Cecília Meireles, qual sua função para a música de concerto no Brasil, e quais diretrizes deverá ter sua programação. Verificar nos anexos (pg. 160). As palavras de Massarani mostram com total clareza o perfil da nova sala de concertos inaugurada na cidade: um espaço democrático, inovador, irradiador de cultura e que acima de tudo, deveria primar por sua programação. A Sala deveria ser um espaço para todos os músicos do Brasil (e do mundo), não sendo sede de uma ou outra orquestra sinfônica ou conjunto musical. Logo após sua inauguração, o Rio de Janeiro é atingido por fortes chuvas em janeiro de 1966, que causam alagamentos e sérios danos no interior da Sala Cecília Meireles, o que fez com que permanecesse interditada por oito meses. Marques (2006, pg. 39) relata que Surgiram complicações na construção, depois que a tremenda chuva que desabou sobre o Rio, inundou todo o recinto, como inundadas ficaram inúmeras residências e casas comerciais, pela simples razão de ninguém se lembrar de que se torna imprescindível desobstruir bueiros das ruas.

Henrique Morelenbaum deixa a direção da Sala em março de 1966 com o término do governo de Carlos Lacerda, sucedendo-o então o jornalista José Mauro Gonçalves, durante o novo governo Negrão de Lima. Gonçalves, ao tomar posse como diretor da Sala, decide criar o cargo de direção musical para a casa, e convida o crítico musical Ayres de Andrade para que assumisse a nova função. Ambos permanecem na direção da sala até o ano de 1971, quando então são convidados para a direção do Teatro Municipal do Rio de Janeiro.

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Em 23 de agosto de 1966, é feita a segunda inauguração da Sala, que contou com um concerto do Coro e Orquestra Sinfônica do Teatro Municipal, com a regência de Eleazar de Carvalho e a execução da "Nona Sinfonia de Beethoven" e da "Fantasia Coral" para piano e orquestra do mesmo compositor, obra essa ainda inédita no Brasil. Inaugura-se então a primeira temporada de concertos da Sala, que se estenderia ao longo do ano de 1967, e então confirmando em sua programação aquilo que Renzo Massarini profetizava em sua crítica de 1965, ou seja, o ecletismo artístico e o alto nível dos músicos que por ali iriam passar. Após os contratempos de sua primeira inauguração em 1965, a Sala mantém o alto padrão no elenco de artistas, e apesar do reduzido orçamento recebido pelo governo estadual, conta com a ajuda de patrocínios privados. Após a fusão do estado da Guanabara com o estado do Rio de Janeiro em 1975, a Sala Cecília Meireles passa a ser administrada pela Funterj (Fundação de Teatros do Estado do Rio de Janeiro). Posteriormente, no ano de 1974, a então diretora artística da Sala, Myrian Dauelsberg, inaugura um espaço em homenagem à pianista Guiomar Novaes, que se trata de um anexo à sala principal de concertos e que seria utilizada para palestras, conferências e pequenos recitais, devido a sua reduzida dimensão que comportava aproximadamente cem espectadores (Jornal do Brasil, Caderno B, 16/10/1974, pg. 8). Contudo, o espaço foi pouco utilizado por possuir condições não muito adequadas de acesso e conforto, e permaneceu fechado por quase quinze anos, sendo reativado somente com a grande reforma ocorrida em 1989 (MARQUES, 2006). 1.5 Tombamento do edifício da Sala Cecília Meireles Havia um plano de revitalização da região da Lapa, denominado Plano de Alinhamento (PA), aprovado pelo Decreto Estadual nº 5351/72 que consistia na demolição de todo o casario existente nas imediações da Sala, para a abertura de novas e largas avenidas e que implicaria na demolição da sala de concertos. No início da década de 1970, com a possibilidade desta demolição, abriu-se um grande debate pela preservação do Patrimônio Histórico do Rio de Janeiro. Em novembro de 1972 é anunciado o destino da Sala, que seria substituída por um Centro de Artes que se localizaria atrás do prédio do Museu de Arte Moderna (MAM), no Aterro do Flamengo. No meio artístico, especulava-se a perda de funcionalidade da Sala com o novo centro que seria então inaugurado e que com isso, naturalmente ela seria desativada. Para muitos, a notícia da abertura deste novo polo cultural era muito bem-vinda, e segundo depoimento de Jacques Klein, o Centro de Artes

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seria "uma obra magnífica, que marcará o governo do Sr. Chagas Freitas" (Jornal do Brasil, 23/11/1972, pg.5). Tal projeto, ainda segundo Klein, contava com o apoio de toda a classe artística, em especial dos músicos, já que o Centro previa a existência de três salas de concertos, uma com 2500 lugares, uma segunda com 1200, e a outra com 500 lugares, e que com tamanha disponibilidade de assentos para o público, os preços dos ingressos iriam sofrer uma redução considerável. Klein defende que as artes em geral precisam de subvenção estatal para que possam se desenvolver plenamente. Ao mesmo tempo, a construção do Centro iria desafogar o tão sobrecarregado Teatro Municipal, e iria devolvê-lo a sua verdadeira função, de produzir ópera e ballet. Em outro projeto então defendido pelo deputado estadual João Gonçalves Xavier, que fora submetido à Assembleia Legislativa da Guanabara em 1973, havia a proposta da construção de quatro novas salas de concertos nas quatro regiões da cidade do Rio de Janeiro, nas Zonas Sul, Norte, Centro e Oeste, e que deveriam funcionar nos mesmos moldes da Sala Cecília Meireles. O diretor teatral Yan Michalski, em matéria publicada no Jornal do Brasil, saúda vivamente a iniciativa, mas questiona a prioridade sempre dada pelos governos à música em detrimento ao teatro dramático, e sugerindo que tais salas de concertos pudessem ser adaptadas igualmente para o teatro (Caderno B, 18/06/1973, pg.2). Essas salas seriam batizadas com os nomes de Magdalena Tagliaferro, Claudio Santoro, Ari Barroso e Assis Chateaubriand. Renzo Massarani, crítico ferrenho da vida musical do Rio de Janeiro nas primeiras décadas dos anos 70, em especial da direção da Sala Cecília Meireles, aponta com uma visão favorável pela expansão das salas de concertos nas quatro regiões da cidade. Em sua coluna do Jornal do Brasil (Caderno B, 20/06/1973, pg.2), deixa a sugestão de alguns itens para que haja o sucesso esperado em tal empreendimento pelo Governo do estado, dizendo que: Primeiro, é de total utilidade a construção de novas salas de concertos para uma população de cinco milhões de habitantes, e que assim, iria "absorver as numerosíssimas saletas menores da cidade, nascidas pela rápida decadência das duas maiores: o Municipal e a Cecília Meireles." Segundo, as seis salas (as duas já existentes e as quatro novas), "deverão ter uma organização central, única, séria, de gente decidida a trabalhar muito, e de pessoas musicalmente preparadas, atuando com temporadas programadas e pré-anunciadas." Terceiro, o fim das entradas francas, que segundo Massarani, desvaloriza o artista, mas sim, cobrar preços populares.

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Quarto, as escolhas artísticas e culturais dependerão dos quatro (ou seis) diretores administrativos e artísticos das casas, "lembrem o que significou para o Rio, a presença de Ayres de Andrade na Sala Cecília Meireles”. Quinto, somente concertos, óperas e bailados sérios "com a maior variedade estilística possível e o menor número possível de pianistas que esquecem o século XX e a música de sua pátria”. Da mesma forma, não incluir em sua programação canções populares, bailes de carnaval ou bandas, já que o Rio oferece inúmeras praças ao ar livre para tais eventos. E por fim, Massarani critica a escolha dos nomes que batizariam as quatro novas salas, os quais Assis Chateaubriand e Ari Barroso, "com todo e devido respeito", deveriam ser trocadas por VillaLobos e Carlos Gomes. Ainda há a esperança (segundo Massarani), de que a Sala Cecília Meireles tenha seu nome trocado pelo de Padre José Maurício, o "pai reconhecido de nossa música"(Caderno B, 20/06/1973, pg.2). O assunto recorrente da demolição do prédio da Sala Cecília Meireles volta à tona em setembro de 1977. Na mesma semana, notícia publicada no Jornal do Brasil afirmava que a Sala definitivamente seria derrubada, e um dia após uma outra nota com a confirmação de que ela seria preservada, apesar de estar localizada em uma área planejada de expansão viária. Em 27 de setembro, a notícia na página 16 era que Cecília Meireles vai mesmo abaixo: a demolição da Sala Cecília Meireles para a ampliação de ruas, foi confirmada pelo Prefeito Marcos Tamoyo [...] mas o Sr. Marcelo Ipanema informou que vai pedir ao Conselho estadual de Tombamento, para o qual foi recentemente nomeado, o tombamento da Sala.

Na edição do dia seguinte (28/09/1977), em matéria de capa o mesmo Jornal do Brasil informava que Sala Cecília Meireles não será demolida: o Prefeito Marcos Tamoyo informou que a Sala Cecília Meireles não será demolida no momento, muito embora esteja localizada em área que tem um projeto de alinhamento (recuo) que atinge metade dos prédios da região.

Rebatendo toda essa polêmica, Ronaldo Miranda escreve um artigo também no Jornal do Brasil, publicado no dia 29 de setembro, intitulado "Deixem a Sala em Paz", no qual faz uma defesa sobre a manutenção e preservação do já histórico prédio da Sala Cecília Meireles. O referido artigo encontra-se transcrito integralmente nos anexos (pg. 162). Alguns anos depois, segundo o artigo também de Ronaldo Miranda intitulado: "O futuro da Sala", publicado na edição do Jornal do Brasil, de 6 de fevereiro de 1980, Caderno B, pg,2, o então diretor da Sala Cecilia Meireles, o violonista Turíbio Santos, teria como tarefa manter

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um excelente nível de programação de concertos (assim como o "exemplar modelo administrativo") e a garantia do futuro do prédio, então ameaçado de demolição. Em 1980, o então presidente da FUNAERJ Guilherme Figueiredo mostrava-se a favor da derrubada da Sala e da construção do "Centro de Artes" com projeto de Oscar Niemeyer, sediado no Aterro do Flamengo. O argumento era de que "a Sala Cecília Meireles não é mais uma boa sala de visitas, nem uma boa sala de espetáculos[...]e que lá, um conjunto de câmara toca com lugares vazios." Miranda rebate os argumentos, dizendo que certamente não há conhecimento do quanto a Sala representou para a vida cultural do Rio de Janeiro nas últimas décadas. Com o fechamento temporário do Teatro Municipal para reformas (de 20/10/1975 até 14/03/1978), a Sala foi a principal opção para o público de concertos na cidade, e que havia uma plateia formada desde os tempos de Ayres de Andrade, e que se manteve durante a administração de Myrian Dauelsberg. Ainda no mesmo artigo, em defesa da manutenção do prédio da Sala, o então diretor do IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), Aloysio Magalhães, diz que a preservação de um imóvel não deve ser feita apenas pelo valor estético da construção e sim, pela sua representação cultural e social. O debate sobre a demolição da Sala se estende ainda por toda a década de 1980, mas diferentemente dos motivos até então suscitados de remodelação da Lapa, a nova tese defendida por uns era a de pouca funcionalidade da sala de concertos e que algo de mais moderno deveria ser construído na cidade: o então futuro "Centro de Artes", planejado pelo arquiteto Oscar Niemeyer, que seria erguido ao lado do Museu de Arte Moderna no Aterro do Flamengo. Em 5 de julho de 2005, por decisão unânime do Conselho Estadual de Tombamento do Rio de Janeiro, a Sala Cecília Meireles torna-se um bem tombado, garantindo assim sua manutenção e preservação.

1.6 Os Ciclos Bach na programação da Sala Cecília Meireles nas décadas de 60 e 70 Segundo observações realizadas em jornais da época (O Globo, Jornal do Brasil, Correio da Manhã e Diário de Notícias 6 ) entre os anos de 1966 e 1978, percebe-se o ecletismo e variedade de artistas que atuaram na Sala Cecília Meireles. Há uma abrangência do repertório sinfônico, camerístico, música contemporânea, música popular, e até mesmo o teatro 6

O jornal "Correio de Manhã" circulou no Rio de Janeiro até 1974, e o "Diário de Notícias" também na mesma cidade até 1976.

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dramático. Não há um compositor predominante na sua programação, bem como instrumentos ou estilos interpretativos, mas sim, o interesse em trazer aos palcos do Rio de Janeiro nomes da música que naquele momento estavam atuando em um contexto internacional, bem como de artistas nacionais. O ano de abertura oficial da Sala é 1965 em 1º de dezembro, mas como já descrito anteriormente, alagamentos causados por fortes chuvas naquele início de verão fizeram com que o prédio fosse interditado por oito meses consecutivos. Em agosto do ano seguinte é feita a reinauguração da Sala com uma temporada de concertos que se prolongou por todo o ano de 1967. Em um curto espaço de tempo, desde a sua reinauguração em agosto até o subsequente mês de dezembro, José Mauro Gonçalves e Ayres de Andrade criaram séries de concertos que se tornaram constantes durante a história da Sala. O ano de 1966 fica registrado por uma novidade na agenda musical carioca e que posteriormente tornou-se um evento tradicional da cidade e marca da Sala Cecília Meireles. Ayres de Andrade, observando a grande difusão que a música barroca vivia naquela época e o gosto do público por tal música, cria o "Ciclo Bach do Rio de Janeiro", uma série de concertos dedicados ao compositor alemão, com um apanhado de suas obras mais representativas, seja na música vocal quanto instrumental. Músicos nacionais já consagrados faziam parte do elenco do Ciclo, como os violinistas Oscar Borgerth, Alberto Jaffé, ou o pianista Jacques Klein, e também conjuntos orquestrais da cidade. Porém, Ayres de Andrade convida para o encerramento do I Ciclo, em dezembro deste ano, o Maestro Karl Richter, que viria dirigir o inédito "Oratório de Natal". Richter, à época, era considerado pela crítica especializada como "um dos mais autorizados intérpretes bachianos da atualidade" (Jornal do Brasil, 6/11/66, Caderno B pg.6). Karl Richter, frequentemente fazia tounèes que incluíam Buenos Aires em seu roteiro, e era um nome que aos poucos se tornava bastante conhecido no Brasil. A cidade do Rio de Janeiro recebe o regente pela primeira vez neste ano de 1966, algo que se tornou uma constante até sua última vinda no ano de 1979, pouco antes de sua morte prematura em fevereiro de 1981. Neste mesmo ano a Sala trouxe ao Rio de Janeiro Luciano Berio, Iannis Xenakis e Witold Lutoslawski para a realização da "II Semana de Música de Vanguarda", mostrando suas obras inovadoras em termos composicionais da época. Ao longo do final da década de 1960 percebe-se um aumento gradativo na quantidade de concertos promovidos pela Sala, que viriam certificar a necessidade do espaço de concertos dedicado à música de câmara na cidade do Rio de Janeiro. Mantém-se a diversidade estilística.

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A Sala Cecília Meireles contava com o apoio de entidades artísticas promotoras de concertos e de relevância no cenário musical. Diversas séries foram criadas e patrocinadas pela Aulus, dirigida por Walter Santos, Abrarte, o Istituto Italiano di Cultura, o Instituto Cultural Brasil-Alemanha, o Goethe Institut, o British Council, Embaixada dos Estados Unidos, Sociedade de Cultura Inglesa, e a Sociedade Pró-Arte, esta última conhecida em especial por seus cursos de música em Teresópolis e por seus cursos inovadores nos Seminários Pró-Arte, no Rio de Janeiro. Nota-se, com isso, uma proposta de programação de considerável amplitude estilística que estará presente ao longo das décadas como política da Sala Cecília Meireles, apresentando artistas de diferentes segmentos, estilos e gêneros composicionais. Na temporada de 1968, a Sala reedita o II Ciclo Bach, que dobrou em quantidade de récitas, comparativamente à edição anterior de 1966. Enquanto a primeira fora constituída de quatro concertos, a segunda edição desenvolveu-se ao longo de nove encontros e a participação mais efetiva de Karl Richter. Uma das principais propostas estabelecidas pelos Ciclos, era a interpretação também de obras inéditas na sua integralidade para o público carioca. Richter, neste ano, rege a Paixão Segundo São João (Jornal do Brasil, Caderno B, 19/02/1968, pg.4). Por volta do final da década de 1960, o público carioca começa aos poucos a conhecer a música barroca através da performance historicamente informada, movimento que se solidifica no início desta década, principalmente através do ativismo de Nikolaus Harnoncourt em Viena. Em 1969 a Sala recebe o Trio Conrad de Hannover, que utilizava os chamados instrumentos de época (viola da gamba, cravo e flauta doce), e nos anos subsequentes a interpretação histórica começa a ter mais visibilidade entre o público da Sala, com a vinda de artistas como Alfred Deller, Cappella Coloniensis (Alemanha), La Grand Ecurie et la Chambre du Roy, de Jean Claude Malgoire, Waverly Consort (EUA), Collegium Aureum, e a estreia do conjunto carioca Quadro Cervantes em 1974, entre outros. Ainda em 1969, realiza-se o III Ciclo Bach. A edição deste ano conta novamente e de forma mais intensa com a participação de Karl Richter e solistas cantores alemães, como Edda Moser e a húngara Julia Hamari. Richter dirige então a versão integral da "Paixão Segundo São Mateus" e utiliza instrumentos antigos, como a viola d'amore e a viola da gamba, algo bastante peculiar para o estilo moderno do regente. A temporada de 1970 promove o Ciclo Beethoven, em comemoração ao bicentenário de nascimento do compositor, com concertos que se realizaram ao longo de sete meses com um panorama do repertório camerístico que apresentou a integral de sonatas para piano, violino e

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piano, violoncelo e piano, trios e quartetos, enquanto no Teatro Municipal foram programadas obras sinfônicas. O IV Ciclo Bach acontece durante duas semanas do mês de agosto, novamente com Karl Richter à frente dos concertos, bem como o violoncelista Paul Tortelier. Ayres de Andrade afirma que um dos objetivos dos Ciclos era mudar o interesse da plateia, a qual costuma frequentar concertos para prestigiar o artista, "colocando o compositor num plano um tanto inferior ao intérprete" (Jornal do Brasil, Caderno B, 17/08/1970, pg.4). Mesmo com esta linha de pensamento promovida por Ayres, percebe-se que o interesse despertado pelos Ciclos ainda está no seu elenco de artistas. Em matéria publicada no jornal "O Globo" (18/08/1970, pg. 20), o crítico musical Antonio Hernandez comenta o concerto do violoncelista Paul Tortelier, então participante do Ciclo Bach, edição do mesmo ano e abre com o seguinte comentário: Melômano algum, bem informado, trocaria neste mês de agôsto o Rio de Janeiro por qualquer outra cidade do mundo: primeiro, o Beethoven de Arrau; depois as seis Suítes/Bach que Paul Tortelier completou ontem; hoje, o Trio de Trieste; amanhã, Karl Richter. São todos astros de primeira grandeza. E o público está correspondendo. A Sala Cecília Meireles estava quase lotada para aplaudir a seriedade total: no palco, um compositor - a essência da música-, um instrumento - o menos popular dos homofônicos -, um intérprete, um sábio, um poeta - o próprio Don Quixote, de Richard Strauss e, também, visualmente, de Cervantes, com tôdas as qualidades e sem os defeitos.

Após a edição realizada em 1970, o Ciclo Bach não acontece por quatro anos seguidos, voltando à Sala posteriormente em 1975 para mais quatro edições, encerrando em definitivo no ano de 1978. No início do ano de 1971, José Mauro Gonçalves e Ayres de Andrade deixam a direção da Sala Cecília Meireles e assumem o Teatro Municipal do Rio de Janeiro. Chagas Freitas, o novo governador do estado da Guanabara, toma posse neste mesmo ano e decide aplicar o mesmo modelo de gestão adotado na Sala no então decadente Teatro Municipal. Ali, as temporadas se tornavam cada vez mais empobrecidas, os corpos artísticos necessitavam de renovação e a Sala era o grande espaço de concertos que refletia esse desejo de mudanças e modernidade no tradicional teatro carioca. Ao longo de seis meses a Sala permanece sem um diretor oficial, e nesse período José Mauro Gonçalves e Ayres de Andrade acumulam as diretorias das duas casas até que fosse escolhido o novo gestor para a sala de concertos e sua posse definitiva. Finalmente, com a transferência de Ayres e Gonçalves, a direção da Sala Cecília Meireles fica, então, a cargo do pianista Jacques Klein, que toma posse somente em 7 de julho de 1971 tendo Isaac Karabtchevsky como diretor musical. Em seu discurso, Klein promete adotar

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medidas que colaborem com a modernização da Sala, promover uma revitalização da programação e abolir em definitivo o uso do terno e gravata para a frequência do público nos concertos (Jornal do Brasil, 07/07/1971, pg. 10). O crítico musical do Jornal do Brasil Renzo Massarani foi um forte opositor à nova gestão da Sala Cecília Meireles. Massarani, italiano de família judaica, viu-se obrigado a emigrar para o Brasil em 1939 por conta da política fascista na Itália. Formado em composição em Roma, naturaliza-se brasileiro e no Rio de Janeiro atua, inicialmente, como orquestrador da Rádio Nacional e posteriormente como crítico musical do Jornal do Brasil. Grande admirador da direção de José Mauro Gonçalves e Ayres de Andrade, Massarani expressa de forma ácida sua insatisfação com a troca de gestores da Sala, em diversas de suas críticas. Na sua coluna publicada em 1º de janeiro de 1971, percebe-se seu desânimo com as incertezas que viriam com a troca de governo. Começa afirmando que a temporada de 1970 foi a melhor das últimas décadas, mas que Desta vez, estamos voltando atrás nos sistemas, e portanto nos resultados. Improvisação em lugar de planejamento. A mudança de Govêrno (sic) estadual, as possíveis substituições de homens e diretrizes e a falta de uma independência financeira dão ao diretor da Sala Cecília Meireles - José Mauro Gonçalves - graves razões para justificar a falta de um programa (Caderno

B, pg.3). Analisando a apresentação da companhia francesa de dança Ballet-Théâtre Contemporain, Massarani ressalta a beleza da música de Gyorgy Ligeti, que havia sido reproduzida mecanicamente e não executada ao vivo Composição que seria muito agradável conhecer ao vivo; e que não conheceremos tão cedo pois os quatro anos de milagrosa tradição artística da Sala Cecília Meireles se perderam repentinamente em especulações antimusicais baratíssimas (Caderno B, 11/06/1971).

Dias após a posse de Jacques Klein e de seu discurso, a coluna de Massarani ironiza a nova direção dizendo que Ela (a Sala) está entrando no oitavo mês de 1971 sem um programa seu, hospedando iniciativas alheias e preocupada com problemas extramusicais: a gravata, uma pinacoteca, a troca da sede já agora tradicional, da Lapa, por outra nos confins da Lagoa (Caderno B, 27/07/1971 pg.2).

Os meses de janeiro e fevereiro de 1972 foram reservados unicamente para a música popular e jazz, com shows de Gal Costa, Milton Nascimento, Egberto Gismonti, Toninho Horta, Paulo Moura, e a Traditional Jazz Band, de São Paulo. Após esses eventos, a Sala Cecília Meireles permanece fechada por todo o ano de 1972, para que fossem feitas reformas no teto e obras estruturais. Houve um grande atraso para o

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início das obras que começaram somente em junho, o que impediu qualquer programação para o resto do ano. Com o fechamento da Sala, cogitou-se que toda a programação fosse transferida para o teatro João Caetano, o que não foi possível, já que este encontrava-se com toda a sua agenda fechada para aquela temporada. Por conta disso, o Teatro Municipal recebe parte da programação da Sala, o que naturalmente o deixa sobrecarregado com um total de duzentas e quarenta e duas apresentações ao longo de todo o ano, com concertos, óperas e ballets (Jornal do Brasil, 30/06/1972, pg.20). Ao final de 1973, Isaac Karabtchevsky deixa a direção musical da Sala Cecília Meireles e Jacques Klein convida a pianista e professora Myrian Dauelsberg para assumir o cargo que ficara vago na ocasião. Em novembro de 1973, Renzo Massarani escreve uma de suas últimas críticas antes de sua aposentadoria do Jornal do Brasil, tendo esperança em uma boa gestão que será feita por Myrian Dauelsberg Eis uma novidade promissora para a música em 1974: Miriam (sic) Dauelsberg acaba de ser nomeada diretora artística da Sala Cecília Meireles. Trata-se de uma pianista inteligente, preparada, e com a necessária autoridade para projetar e realizar uma temporada concertística que elimine as grandes falhas atuais, que deixe de lado uns 50% de pianistas e todas as festinhas populares; que amplie os repertórios, reconquistando o público que Aires de Andrade soube criar, público perdido na tão fraca temporada de 1973 (Caderno B

22/11/1973 pg.2). Em 23 de dezembro de 1973 Massarani se despede de sua coluna musical do JB após vinte e dois anos de críticas a respeito da vida musical carioca, cedendo o lugar para o compositor Edino Krieger. O polêmico crítico musical morre no Rio de Janeiro em março de 1975. Na coluna de música assinada por Ronaldo Miranda na edição do Jornal do Brasil no último dia do ano de 1974, alguns dos nomes do cenário musical brasileiro prestam um depoimento a respeito do balanço da temporada musical do ano. Personalidades como Isaac Karabtchevsky, Riva Finenberg, Marlos Nobre, Heitor Alimonda, Esther Scliar, Nelson Portela, Ricardo Tacuchian, Hermann Turtur, Jerzy Milewsky e Myrian Daulsberg apontam os aspectos negativos e positivos da temporada. Dauelsberg ressalta que a grande dificuldade foi a falta de verbas para o orçamento da Sala, o que prejudicou de forma considerável sua programação, impedindo a realização de séries como o "Panorama da Música Brasileira" assim como a impossibilidade de encomendas pela Sala de obras inéditas de compositores nacionais. Os planejamentos que a Sala desenvolveu em 1974 foram significativos segundo Dauelsberg, e tiveram como resultado a volta do seu público já tradicional, e a formação de

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plateia com jovens demonstrando grande interesse pela música. Um consenso entre todas as opiniões, foi o reconhecimento de que a Sala Cecília Meireles havia realizado uma programação de altíssima qualidade, "em vários pontos, proveitosa para a vida cultural da cidade" (Jornal do Brasil, Caderno B, 31/12/1974 pg.2). Em 1975 a Sala Cecília Meireles promove a I Bienal de Música Contemporânea Brasileira, sob a coordenação de Edino Krieger e que posteriormente passa a ser organizada com a colaboração da FUNARTE. A Bienal torna-se um dos eventos de maior representatividade para a música brasileira e chega na XXI edição no ano de 2015 de forma ininterrupta. Segundo matéria publicada no Jornal do Brasil de 08/10/75, que discorria sobre a I Bienal, há a informação de que uma pesquisa de opinião feita em 1974 na Sala Cecília Meireles, comprovou que "o barroco está em primeiro lugar no gosto do público. E que a música contemporânea vem logo em seguida, sobretudo junto ao público jovem, que constitui 80% da frequência média da Casa" (Caderno B, pg.8), Marques (2006) ratifica a informação de que o público frequentador dos concertos da Sala era constituído primordialmente de jovens universitários e que 85% preferiam música barroca e contemporânea. Neste ano volta o Ciclo Bach, em sua quinta edição após o intervalo de cinco anos. Seria a continuidade do legado de Ayres de Andrade, falecido no ano anterior e traz novamente Karl Richter acompanhado por Aurèle Nicolet e Pierre Fournier, Nos três anos seguintes de 1976 a 1978, os Ciclos Bach passam a incluir Händel em seu repertório, e Karl Richter vem acompanhado da Orquestra Bach de Munique. Richter faz inéditos concertos no órgão do Salão Leopoldo Miguez da Escola de Música da UFRJ. O período abordado para pesquisa por esta dissertação encerra-se em 1978, ano que se realiza o último Ciclo Bach do Rio de Janeiro. Porém, há de se registrar a última vinda de Karl Richter à Sala Cecília Meireles no ano de 1979, quando participa do "I Encontro de Instrumentistas de Cordas" realizado no mês de dezembro. Neste evento, Richter conta com a participação do flautista Norton Morozowicz e da violinista alemã Ariane Pfister-Benda na versão do Concerto de Brandenburgo nº 5 de J. S. Bach, e uma orquestra de cordas formada por alguns dos principais músicos brasileiros em atividade na época. Naturalmente, a história da Sala prossegue após esse período, passando por diversas gestões. Após Myrian Dauelsberg, assumem a direção Peter Dauelsberg (1979), Turíbio Santos (1980), Lilian Barretto (1982-1984), Miguel Proença (1984-1987), Arthur Moreira Lima

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(1991-1994), Ronaldo Miranda (1995-2002; 2003-2004), Ilze Trindade (2002), Edino Krieger (2004), João Guilherme Ripper (2004-2015)7 e atualmente o pianista Jean Louis Steuerman.

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Ver: Marques (2006), pgs. 150-159.

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2.1 O estilo moderno e a performance histórica O estilo interpretativo de Karl Richter está intimamente ligado à prática vigente que teve seu auge, em especial, no período pós II Guerra Mundial, o que podemos entender e classificar como estilo moderno, este, sucessor direto do estilo romântico surgido no anterior século XIX. Haynes (2007) classifica especificamente três formas distintas de interpretação da música histórica 8 : o estilo romântico, o moderno e o "estilo de época" 9 , este último também denominado performance historicamente informada (PHI) e o modo como suas influências determinaram a interpretação da referida música em um contexto temporal, ou seja, o gosto da época. Este autor pretende explicar as distintas visões interpretativas existentes, situando as práticas vigentes entre a segunda metade do século XIX e as primeiras décadas do século XX refletindo na performance, e trazendo para si as características próprias do período em que era executada. Haynes utiliza a palavra "estilo" de uma maneira ampla, para definir as distinções e/ou generalidades existentes nas três formas interpretativas por ele classificadas. O autor utiliza também o conceito de "cronocentrismo", para um entendimento de como a música histórica pode sofrer sérias modificações em um contexto interpretativo, segundo a visão de mundo da época em que a mesma vinha a público. O cronocentrismo, segundo Haynes (2007), seria equivalente ao etnocentrismo dentro do campo sociológico. Este pensamento ocorre a partir da constatação de que historicamente, os indivíduos tendem a não diferenciar o passado do presente, como se o primeiro fizesse ainda parte do atual momento vivido, até mesmo em relação aos eventos mais remotos. Importando esta ideia para o campo musical, podemos entendê-la no sentido de que para os músicos de formação tradicional existe apenas um único estilo de interpretação, que será o seu próprio estilo e nenhum outro além deste. Em linhas gerais, o estilo romântico, segundo Haynes (2007), é o único que não se perpetuou contemporaneamente, tornando-se de fato extinto. Sua origem remonta às primeiras décadas do século XIX, sob o domínio das novas estéticas que surgiam entre os artistas e intelectuais da época com o movimento romântico. Por um longo período, o estilo romântico influenciou gerações de músicos em interpretações permeadas de elementos do caráter da época, não havendo qualquer tipo de preservação e preocupação com os modelos representativos dos séculos anteriores, ou seja, as

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Harnoncourt(1998) define "música histórica" como: "[...] qualquer música que não tenha sido composta pelas gerações atualmente vivas" (pg.14). 9 Haynes (2007, pg.32) utiliza o termo Period Style.

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características próprias da música originária destes períodos foram substituídas pelo gosto do século XIX.

2.2 O estilo moderno Na ordem sucessória proposta por Haynes (2007), o novo estilo moderno (então posterior ao estilo romântico) começa a despontar por volta dos últimos anos do século XIX. Segundo a definição do The New Grove Dictionary of Music & Musicians, o verbete modernism é entendido como sendo a mais nova forma em teoria estética, composição e práticas interpretativas próprias da tradição do século XX. Richard Wagner é tido como o marco delimitador entre a estética romântica e a moderna. Anteriormente a Wagner, modernismo era entendido como aquilo que fosse "novo", "recente", "contemporâneo", e dentro da estética wagneriana, moderno é entendido como a contraposição à música absoluta10. Em qualquer das definições citadas, o significado de "moderno", "modernismo" ou "modernidade", nos remete ao ideal de um rompimento com o passado, a suplantação de estéticas, ideias ou paradigmas que se encontram exauridos e que já não correspondem ao gosto vigente. No contexto desta dissertação, o "moderno" será entendido como o novo estilo de interpretação da música histórica, que sucedeu àquela estética anteriormente em prática do século XIX com seus ideais românticos e a adequação da referida música dos séculos anteriores para esta linguagem de cunho cronocentrista. Devemos entender em capítulo posterior como o estilo de Karl Richter esteve permeado do conceito estético existente no estilo moderno. Segundo Haynes (2007): "O modo que tocamos hoje reflete diretamente uma polêmica luta que transpareceu há três quartos de século (apud HILL, 1994, tradução nossa).11 O estilo moderno, que então estava em vigor nas primeiras décadas do século XX, era claramente uma reação à estética romântica que por muitos já era considerado como algo ultrapassado e de caráter extremamente sentimental, o que não condizia com a nova visão de mundo despertada no século XX, especialmente após a Primeira Guerra Mundial.

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O termo "música absoluta" denota diversos significados, desde a música sendo uma arte independente, até então subordinada à palavra em seu uso nas canções ou na ópera, ou ao pensamento de Hanslick, que defende o belo na arte musical como algo dissociado de sentimentos. A música existe por si só, sua beleza está na estética própria e não nos sentimentos que ela possa despertar e suscitar. 11 The way we play today directly reflects a polemical struggle that transpired three-quarters of a century ago.

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Harnoncourt (1998) descarta a abordagem evolucionista da musicologia do século XIX no que diz respeito à composição, mas que naturalmente poderia ser aplicada ao entendimento de uma suposta "evolução" dos estilos de performance ao longo dos séculos. O autor diz que O erro está numa concepção de um "desenvolvimento" a partir de formas originais primitivas passando por etapas intermediárias mais ou menos deficientes até chegar a uma forma definitiva "ideal" que, sob todos os aspectos, seria superior às "etapas preliminares (pg.20).

Com isso, fica bastante evidente que sob um olhar atual não há um pensamento de superações estéticas ao longo dos séculos, mas sim mudanças naturalmente ocorridas com a distinção dos gostos da época, ainda que os músicos no seu tempo pudessem acreditar que estavam "evoluindo" musical e tecnicamente, bem como a existência de um desenvolvimento tecnológico dos instrumentos musicais. Quanto a estes últimos, o autor igualmente defende que não vigora o conceito de "progresso" dos instrumentos e que a técnica, na verdade, se adapta às exigências e possibilidades do momento. Inegavelmente, diz Harnoncourt, a técnica cresce de acordo com as exigências, mas elas se mantêm complexas independentemente do tempo em que surgiram. Como exemplo, percebe-se as dificuldades que um músico do século XVII teria em executar o repertório de complexidade técnica do século XIX e vice-versa. Cada época teve as suas particularidades em relação à técnica e nenhuma delas poderá ser comparada no sentido de uma superioridade em relação entre si. Haynes (2007) sugere que o novo estilo moderno, comparativamente, surgiu como total forma de antagonismo ao estilo romântico, e tudo nele era visto como uma reação à prática vinda do século XIX que estava por se extinguir. Questões agógicas, rítimicas, fidelidade à partitura, um caráter impessoal de interpretação, eram marcas registradas do estilo moderno que aflorava nas primeiras décadas do século XX. Os modernistas são caracterizados pela rigidez e criticam o sentimentalismo e excessiva liberdade expressiva atribuídos aos românticos. O autor destaca algumas das características próprias do estilo moderno: 1) Legato sem emendas; 2) Vibrato contínuo e forte; 3) Falta de hierarquia nos tempos; 4) Longo fraseado; 5) Tempos inflexíveis e precisos;

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6) Dissonâncias não acentuadas; 7) Igualdade nas semicolcheias; 8) Austeridade; 9) Antissentimentalismo. Haynes estabelece o período pós Segunda Guerra Mundial como sendo aquele no qual o estilo moderno se afirma, e então passa a ser o modelo de execução para toda e qualquer música, seja ela a música retórica, a romântica, ou a contemporânea, ignorando as particularidades de cada uma delas e criando um padrão interpretativo. Em sua concepção, ele (o estilo) tem a força de represar as singularidades tanto do estilo romântico ou da música eloquente, que com suas especificidades se caracterizam pela liberdade interpretativa. É bastante oportuno observarmos que até os dias de hoje o estilo moderno está presente nas performances orquestrais, na música camerística, na técnica solística. Afinal, como diz Haynes (2007): "O estilo moderno é a principal forma de performance ensinada atualmente nos conservatórios em todo o mundo" (pg.48, tradução nossa)12. Elementos comparativos entre o estilo moderno e seu antecessor, o romântico, mostram as diferenças entre si diametralmente opostas. Ou seja, o estilo romântico caracteriza-se pela execução "pesada, pessoal, orgânica, livre, espontânea, impulsiva, irregular, desorganizada e inexata", enquanto o estilo moderno se mostra "leve, impessoal, mecânico, literal, correto, deliberado, consistente, metronômico e regular". Os modernistas se preocupam com a linearidade, enquanto os românticos valorizam o "excessivo rubato, sua arrogância, sua postura comodista e seu sentimentalismo"(HAYNES, 2007, pg.48). O novo estilo em voga representa, indubitavelmente, a contrariedade e a mudança em relação aos paradigmas até então vigentes. Para os modernistas, a precisão dos tempos é de fundamental importância. Como essa forma interpretativa poderia se adequar à interpretação da música barroca, sendo que um dos princípios básicos deste estilo é exatamente a liberdade e a flexibilidade dos tempos? O resultado nos mostra, de fato, que a rigidez interpretativa altera a essência da música barroca, que perde muito de suas características próprias, por conta desta precisão estabelecida e insuperável. Para os modernistas, a partitura é soberana, ou seja, absolutamente nenhum tipo de modificação, ornamentação ou improvisação poderão ser feitas se as mesmas não estiverem indicadas na música escrita (HAYNES, 2007). Cria-se com isto um outro paradoxo em relação

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Modern style is the principal performing protocol presently taught in conservatories all over the world.

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à interpretação da música retórica13. O músico dos séculos XVII e XVIII tinha entendimentos sobre a partitura para saber como executar as obras. A própria tradição do ensino musical até então enfatizava essa regra, orientada quase que por uma tradição oral. Com o advento dos conservatórios oficiais de educação musical pós Revolução Francesa, o aprendizado se tornou algo normatizado, com adoção de métodos e repertórios pré-estabelecidos em pé de igualdade para todos os alunos. Anterior a este período, o aluno era guiado por um mestre, ocorrendo quase um aprendizado individualizado, respeitando suas particularidades e desenvolvendo o domínio da interpretação musical com todas as suas nuances próprias daquela época (HARNONCOURT, 1998). Corroborando os pensamentos de Harnoncourt e Haynes no que diz respeito às formas interpretativas da música barroca sob os paradigmas modernos, Kerman (1985) sugere que para o modernista, sua "sensibilidade favorece que se ouçam apenas as notas do compositor original, nem mais nem menos" (pg. 266). Uma forte indicação de que, para o artista do pós-Guerra, pouco ou nada pode-se fazer em relação ao que indica a partitura na sua forma mais estrita possível. Ainda assim, Kerman defende a ideia da existência, ainda que sutil, de elementos interpretativos próprios do músico, quando diz que: " Sempre há pelo menos algum elemento pessoal na interpretação; a interpretação é uma questão individual, idiossincrásica até" (pág. 268). Segundo Haynes (2007), o estilo moderno impôs à música uma precisão matemática, quase que um modelo autômato de interpretação. Existe ainda pouca expressividade do artista em relação à obra. A partitura, por sua natureza imprecisa, colabora com este fato, já que o músico precisa ser fiel a ela. O autor diz que os princípios modernistas "provavelmente distorcem seriamente a fisionomia e a "mensagem" dos antigos repertórios, e consequentemente seu efeito sobre os ouvintes" (HAYNES, 2007, apud HILL, 1994, pg.49, tradução nossa)14. O estilo moderno pode ser denominado como o período "máquina de costura" (BABITZ, 1974; KERMAN, 1985; HAYNES, 2007) As orquestras alemãs adotaram entusiasticamente uma "dinâmica aplainada", quando regentes de mentalidade histórica exigiram dos músicos que parassem de "frasear" (KERMAN 1985, pg.272, apud DREYFUS, 1983).

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Haynes (2007, pg.8) define "retórica" como a arte da persuasão e comunicação com o público, surgida na Grécia antiga, desenvolvida por Roma e revivida na Renascença. A retórica é aplicada à música composta até por volta de 1800 e tem como objetivo evocar e provocar emoções, os "afetos", ou "paixões. 14 Probably seriously distort the countenance and the "message" of earlier repertories and consequently their effects on the listener.

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Em meados de 1960 no Conservatório de Viena, cria-se a Stillkommission, um movimento que vinha ao encontro do pensamento moderno e que tinha como objetivo a desmoralização dos exageros românticos que pudessem ainda contaminar as interpretações modernas. Esta Comissão representava o pensamento do estilo moderno em rejeição ao romantismo. Combatia-se a liberdade agógica e as demonstrações virtuosísticas da escola de Liszt. Tais elementos interpretativos não se comungavam com a modernidade15. No aspecto referente à igualdade das semicolcheias no estilo moderno, é algo a ser amplamente ressaltado. Nos períodos barroco e clássico, a execução dessas figuras possuía uma irregularidade entre si, podendo existir ao menos três formas distintas de execução da semicolcheia: 1) a primeira das quatro notas deveria ser ligeiramente alongada; 2) as primeiras e terceiras semicolcheias poderiam sofrer este prolongamento e; 3) as segundas e quartas semicolcheias poderiam também seguir este padrão de prolongamento. Estas "instabilidades" auxiliavam na observação da existência de uma evidente divisão de tempo. Eram chamadas as notes inégales16. A interpretação moderna ignora essa diferença, buscando com isso o equilíbrio rítmico que tanto caracteriza o estilo do século XX. O verbete notes inègales, registrado no The New Grove Dictionary of Music and Musicians, é entendido como um elemento surgido historicamente na França no século XVI que perdurou até final do século XVIII, e que possuía um caráter essencialmente ornamentativo. Com o passar do tempo e a mudança dos estilos, a desigualdade passou a ser caracterizada como uma variante rítmica ligada especialmente ao caráter interpretativo e expressivo da música. Essa desigualdade pode transitar entre uma larga gama de mudanças, as quais podem ser quase imperceptíveis ou atingirem quase o dobro da figura contrastante. As notes inègales podem sofrer diferenças dentro do mesmo texto musical, variando de acordo com as necessidades expressivas Nas questões inerentes à sonoridade, o estilo moderno aplica o vibrato com bastante regularidade, que segundo Haynes, causa uma sensação de nervosismo. O vibrato é executado com uma linearidade, com uma intensidade homogênea e expressão musical contínua. Se comparado ao estilo romântico, este o utilizava com mais parcimônia e discrição. Outras heranças adquiridas do estilo romântico pelos modernistas se referem à articulação, como o legato ininterrupto (o que dá uma sensação de amplitude), o longo fraseado (alterando sensivelmente o discurso musical) e a desconsideração de uma hierarquia entre os tempos, em

15 16

Ver: Hill (1994, pg.46) Ver: Moelant (2011).

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especial no que diz respeito às semicolcheias, onde todas são executadas de maneira igualitária gerando com isso a sensação de uma articulação altamente mecanizada. Existe ainda uma outra variação do estilo moderno quando este é aplicado especificamente à música barroca. Haynes cita Taruskin ao definir o termo straight style, ou "estilo reto" que pode ser entendido exatamente como a interpretação modernista da música histórica. Taruskin explica este conceito no qual a execução da música barroca pelos modernistas é realizada com uma exagerada precisão do tempo, a falta das irregularidades tão próprias da música deste período e a negação das flutuações rítmicas características da eloquência, ou seja, não poderia haver qualquer desvio interpretativo que fugisse às indicações da partitura. Haynes sugere um trocadilho de palavras da língua inglesa, no qual o termo strait se adequaria melhor para definir o estilo moderno de interpretação, entendendo-se com isso, um estilo "apertado", "estreito", dando pouca ou nenhuma liberdade interpretativa ao músico. Para Taruskin, o straight style possui qualidades como a previsibilidade e cumprimento das regras, quase como algo disciplinador. Haynes complementa com a sugestão de que a "sedução" originada pela interpretação moderna com sua frieza típica, nada mais é do que um elemento cultivado pelos modernistas e que foge completamente ao espírito barroco. O estilo moderno sobrevive até os dias de hoje, sendo notado em especial nas orquestras sinfônicas ou conjuntos camerísticos que se dedicam particularmente ao repertório romântico, porém com menor intensidade e menos convicção dos intérpretes de que a música histórica pode ser tocada de forma atemporal, sem que se reconheça as diferenças estilísticas de gerações de compositores, bem como dos períodos históricos. É possível que atualmente haja uma aceitação maior do público da execução da música barroca sob a ótica da performance historicamente informada, contrariamente ao estilo moderno. 2.3 O estilo moderno em grupos musicais cariocas das décadas de 60 e 70 No Rio de Janeiro das décadas de 1960 e 1970 podemos citar ao menos dois grupos locais que se dedicaram à divulgação da música barroca e que podem ser reconhecidos pelas características do estilo moderno: o Conjunto de Música Antiga da Rádio MEC e o quarteto Ars Barroca. Augustin (1999) diz que Hans-Joachim Koellreutter ao se radicar no Brasil vindo da Alemanha em 1937, fixou-se no Rio de Janeiro desenvolvendo paralelamente atividades de educador, compositor e concertista, e incluía em seu repertório as músicas dos séculos XVII e XVIII, tocando flauta e acompanhado por uma cravista e uma harpista, ambas italianas.

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Ainda segundo Augustin (1999), é possível estabelecer uma data inicial para o início do desenvolvimento efetivo da prática da música barroca no Brasil, 23 de junho de 1949. Considera-se uma data simbólica, pois neste dia chegam ao país dois dos mais importantes nomes expoentes deste gênero: o búlgaro Borislav Tschorbow e a ucraniana Violetta Kundert. A vinda de ambos para o Brasil (bem como de outros trinta músicos), fazia parte do projeto do Maestro José Siqueira em fundar uma nova orquestra sinfônica no Rio de Janeiro, e músicos europeus foram convidados para compor o grupo. A gênese do Conjunto ocorre com a vinda para o Brasil de Kundert e Tschorbow, então colegas na Academia de Música de Munique. Tschorbow, ainda na Alemanha, dirigia um conjunto de música de câmara e demonstrava interesse em criar um grupo que pudesse divulgar a música barroca. Aos dois músicos já estabelecidos no Brasil, juntou-se o contrabaixista russo Wasilij Jeremejev e em outubro de 1949 apresentam-se pela primeira vez na Rádio Globo, no Rio de Janeiro. Posteriormente, a Orquestra do Rio de Janeiro se dissolve na década de 1950, fazendo com que os músicos estrangeiros voltassem para a Europa. Tschorbow, Kundert e seu marido, o violoncelista Eugen Ranevsky, permanecem no Brasil. Neste período, Tschorbow transferese para São Paulo, sendo contratado como violinista na orquestra da Rádio Gazeta e desenvolvendo simultaneamente um trabalho camerístico com a cravista e organista Alda Hollnagel. Kundert e seu marido permanecem no Rio de Janeiro. Em 1954 Tschorbow retorna ao Rio e retoma o trabalho com a música barroca, e posteriormente, em 1957, obtém apoio oficial da Rádio Ministério da Educação e Cultura do Rio de Janeiro (antigo Distrito Federal) para manter o seu Conjunto de Música Antiga como um dos corpos artísticos estáveis da Rádio, que contava também com uma orquestra sinfônica, orquestra de câmara, trio, quarteto, quinteto de sopros, coro e um quarteto vocal. (AUGUSTIN, 1999). O grupo tinha em sua formação original Violetta Kundert (cravo), Erik Von Davidson (flauta), Maria Rosália Besenbach (violino), Rudolph Leye (viola), Borislav Tschorbow (viola d'amore) e Frederico Tirler (viola da gamba). Ao longo de sua existência novos membros se juntaram, e no início da década de 1960 contava também com a participação de Helle Tirler, Dircéia de Amorim, Ruy Wanderley e Helder Parente. O Conjunto possuía uma atividade intensa para os padrões nacionais, com concertos no Rio e cidades próximas, tocando nos mais diversos ambientes possíveis e sempre despertando o interesse do público para o repertório barroco. Gravaram quatro discos ao longo de sua existência, e a crítica se mostrava bastante favorável à sua sonoridade e nível técnico.

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É possível ouvir algumas gravações do Conjunto na internet, onde percebe-se com clareza o seu estilo interpretativo sob as características do estilo moderno, no qual há ao mesmo tempo a junção de instrumentos barrocos (viola da gamba e viola d'amore) com instrumentos não barrocos (família do violino com cordas de aço, e arcos modernizados). Pode-se considerar o Conjunto como o pioneiro e introdutor da prática da música barroca no Brasil, inspirando nas décadas seguintes outros artistas no mesmo repertório. Permaneceram em atividade até 1990, quando dissolveu-se todo o quadro artístico estável da Rádio MEC. Sabe-se que existiu paralelamente a este conjunto, o Collegium Musicum da Rádio MEC, fundado e dirigido pelo violinista húngaro George Kiszely, então radicado no Brasil. Não foram encontradas informações mais detalhadas sobre a orquestra nos jornais da época, além de uma participação em um Festival Vivaldi ocorrido em 196517 e a transmissão radiofônica em 1966 de dois discos gravados pela orquestra "O Vice-Reinado" e "Na Corte de D. João VI", em um programa dedicado à música da corte brasileira18. Duas décadas após a fundação do Conjunto de Música Antiga da Rádio MEC, surge o quarteto Ars Barroca, criado em 1969 e tendo como integrantes Celso Woltzenlogel (flauta), Paulo Nardi (oboé), Antonio Guerra Vicente (violoncelo) e Heitor Alimonda (cravo). Foi considerado o primeiro grupo profissional de música barroca no Rio de Janeiro e vinham com ideias trazidas da Europa, também com um perfil renovador. Ainda assim, possuíam a dicotomia entre o estilo moderno e a estética histórica, bastante evidente em seu discurso. É um conjunto barroco com instrumentos modernos. Os da época prejudicam muito o virtuosismo da execução. E a simplicidade da música barroca exige um grande apuro em sua interpretação. Como é uma música fácil, os menores deslizes na afinação, uma nota trocada, são defeitos que todo mundo nota. Muitos conjuntos amadores utilizam instrumentos antigos, mas poucos são os que alcançam o virtuosismo (Jornal do Brasil, Caderno B, 06/10/1969

pg.1). Tinham a percepção de que a música barroca deveria ser algo menos formal, território livre para uma improvisação disciplinada e regrada, e segundo eles: "queremos fazer a música barroca reviver. Os conjuntos que existem tocam como um professor mostrando as peças de um museu". Posteriormente na década de 1970, o fagotista Noel Devos e o violoncelista Watson Clis passam a integrar a formação do Ars Barroca. O crítico Luiz Paulo Horta define o trabalho desenvolvido pelo conjunto em reportagem de 1980, quando diz: [...]que é fora de dúvida um

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Ver: Diário de Notícias, Coluna de Música, 2ª seção, 14/08/1965, pg.3 Id. 01/01/1966, pg.3

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de nossos melhores conjuntos instrumentais, especializado na execução da música da era de Bach e adjacências (Jornal do Brasil Caderno B, 14/03/1980, pg.11). Os últimos concertos que se têm notícias do Conjunto datam do ano de 1985. Em gravações disponíveis na internet, percebe-se claramente o estilo moderno de performance, tanto pela instrumentação utilizada, padrão de afinação, fraseado e fidelidade à partitura. No capítulo específico que iremos tratar adiante, convém ressaltar que a Orquestra Sinfônica Nacional da Rádio MEC (OSN), Orquestra Sinfônica do Teatro Municipal (OSTM) e Orquestra Sinfônica Brasileira (OSB), todas estas sediadas no Rio de Janeiro, eventualmente se direcionavam para o repertório barroco sob a ótica do estilo moderno, tendo como exemplo a participação de tais grupos nas edições dos Ciclos Bach, em festivais de música barroca ou registros fonográficos da música colonial brasileira. Na exata transição entre as décadas de 1950 e 1960, devemos lembrar notadamente as gravações feitas pela Orquestra Sinfônica Brasileira, regida por Edoardo de Guarnieri 19 junto ao Coro da Associação de Canto Coral de Cleofe Person de Matos 20que trouxeram a público obras dos compositores mineiros e José Maurício Nunes Garcia21. 2.4 Performance historicamente informada ou estilo de época O novo estilo interpretativo que ora surge tem como justificativa a ideia de que a música é uma arte que está intimamente relacionada com o seu tempo, com o momento de sua criação. O compositor está imerso em um mundo com um pensamento próprio do seu tempo, com ideologias, filosofias, gostos, tendências. Portanto, sua arte invariavelmente será influenciada por esses elementos que estão em vigor dentro do contexto social no qual está imerso. Harnoncourt (1998, pg.20), a respeito da temporalidade da música e do artista, diz que A música, como toda arte, é ligada a seu tempo, ela é a expressão viva de sua época e só é perfeitamente compreendida por seus contemporâneos. Nossa "compreensão" da música antiga 22, só nos deixa adivinhar o espírito no qual ela nasceu.

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(1899-1968) Regente italiano radicado no Brasil na década de 1930. (1913-2002) Regente coral e musicóloga, pesquisadora da obra de José Maurício Nunes Garcia. 21 1- "Missa de Santa Cecília" de Nunes Garcia. Orquestra Sinfônica Brasileira e Associação de Canto Coral, 1959 2- LP- Mestres do Barroco Mineiro, Volumes 1 e 2, 1960. 22 O termo "música antiga", quando usado para definir a música barroca, atualmente pode ser questionado. Música antiga pode ser entendida como toda música composta a partir da Idade Média em diante, mas sua ênfase maior foi na música barroca. Com isso o termo "antigo" pode abranger toda e qualquer criação musical surgida desde aquela época até o século XIX, e não somente aquelas dos séculos XVII e XVIII. Haynes (2007) questiona o termo, entendendo que "early music" passou a ser adotado no momento em que o movimento da música histórica surge para se diferenciar daquilo que até então estava em prática em termos de repertório e performance, ou seja, a performance romântica. Haynes propõe que a nomenclatura mais adequada seja "música retórica". 20

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Diferentemente dos estilos romântico e moderno, que traziam a música histórica para o seu tempo e a reproduziam conforme seus parâmetros próprios, o movimento da performance historicamente informada reconhece que a reprodução da música do passado jamais será feita da forma exata como fora executada em seu tempo. Os únicos elementos existentes para que o intérprete atual se aproxime ao máximo do pensamento do compositor são os registros das partituras, suas indicações de execução, a instrumentação e os tratados. Todo o resto virá com a boa intuição e bom senso do intérprete. Essa é a diferença da PHI, sob o olhar apenas da musicologia, e daquela do músico com senso histórico. Os elementos teóricos por si só não são suficientes para uma interpretação com exatidão, mas sim, o entendimento de que aquela música pertence a um passado remoto e que dificilmente será possível trazê-la para os nossos dias com o mesmo espírito daquela época (HARNONCOURT, 1998; KERMAN, 1985). Os primeiros passos dados para a criação da PHI surgem no início do século XX. Harnoncourt (1998) diz que a música do passado não costuma fazer parte de um contexto em que haja uma música realmente viva. Aplicando-se este pensamento para a visão do compositor ou público dos séculos XVII e XVIII, a contemporaneidade era a regra, ou seja, o consumo cultural se dava no exato momento em que a obra era criada. Harnoncourt acredita que o último período da música no qual houve esse espírito criativo de uma época verdadeiramente viva, foi na fase final do romantismo, "a música de Bruckner, Brahms, Tchaikovsky, Richard Strauss, entre outros, ainda constitui uma expressão viva de seu tempo" (pg.19). Passado esse período, segundo Harnoncourt, nada mais de significativo e relevante foi produzido, fazendo com que pudesse existir uma música contemporânea de fato cultuada e presente de maneira constante nos programas das salas de concertos. Com esta realidade na qual a música atual não atende às expectativas do ouvinte, a tendência é o começo por uma busca da música do passado, resgatar e reviver aquilo que possa preencher as necessidades que a contemporaneidade não é capaz de realizar. Os dois grandes precursores do ressurgimento da música dos séculos XVII e XVIII em especial foram Arnold Dolmetsch (1858-1940) e Wanda Landowska (1879-1959), que através de suas performances e escritos, influenciaram algumas décadas depois, artistas que em definitivo estabeleceram a PHI. Dolmetsch, nasce em uma família de músicos e artesãos, aprendendo sobre a construção de pianos e órgãos. Sua formação musical é orientada para o violino, frequentando o Conservatório de Bruxelas e posteriormente o Royal College of Music em Londres. A partir de 1889 começa efetivamente a ter contato com "instrumentos antigos", quando desenvolve pesquisa em repertório para viola d'amore e então começa a adquirir e restaurar instrumentos

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barrocos. Nesta época, Dolmetsch inicia uma série de concertos privados em sua casa, utilizando os chamados “instrumentos de época”, tocando através de partituras copiadas de manuscritos originais ou primeiras edições. Como construtor, Dolmetsch inicia-se em 1893 com a fabricação de um alaúde, em 1894 desenvolve um clavicórdio e em 1896 constrói seu primeiro cravo. Em 1904 transfere-se para os Estados Unidos, onde na cidade de Boston se estabelece como construtor de instrumentos antigos, os quais são considerados os melhores que conseguiu fazer neste ofício. Posteriormente, em 1911 trabalha na firma Gaveau em Paris23. Um de seus grandes legados foi a publicação da obra The Interpretation of the Music of the XVII and XVIII Centuries, editado em 1915. Este foi o primeiro livro escrito na era moderna para a compreensão e execução da música barroca, e que serviu de fonte de inspiração para teóricos que mais tarde iriam definitivamente institucionalizar a prática da música barroca sob a orientação histórica. Wanda Landowska pode ser considerada a grande pioneira no ressurgimento da música barroca no início do século XX, em um momento no qual a sociedade passava por profundas transformações tecnológicas e culturais, e um novo pensamento entrava em vigor com o rompimento de tradições do passado. A modernidade era a força motriz e a música (bem como as artes em geral) estava incluída nessa nova visão de mundo. Como já dito anteriormente, a contemporaneidade musical até fins do século XIX era a prática natural, ou seja, ouvia-se e valorizava-se aquilo que estava sendo produzido no momento, quando a música do passado era vista como de fato algo fora de moda e de pouco acréscimo para o público de então. Quando esta música eventualmente aflorava, era adaptada à linguagem da época, modernizada e com isso perdendo completamente seu caráter, suas características próprias que seriam perfeitamente entendidas de acordo com o contexto do período em que fora composta, seja em sonoridades, nuances, instrumentação, articulação, elementos de retórica. A música do passado, em especial a música barroca, era pouco conhecida nos períodos subsequentes à sua concepção, e Bach e Händel eram os compositores mais conhecidos, porém muito aquém de sua real importância e quando interpretados, era segundo a visão moderna da época. Landowska teve uma formação pianística tradicional, especializada no repertório de Mozart e Chopin, mas com interesse em especial pela obra de J. S. Bach, a qual notava um

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Firma francesa construtora de pianos e cravos fundada em Paris no ano de 1847 por Joseph Gaveau.

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anacronismo com os modernos pianos então utilizados para sua execução. Assim, desenvolve uma crítica em relação às interpretações barrocas de sua época. Logo, Landowska começa a observar antigos cravos de museus para entender seus mecanismos e sonoridades. Começa então a empreender pesquisas musicológicas e propor uma nova forma para a interpretação da música barroca. Ainda que conhecedora da sonoridade dos antigos cravos históricos, Landowska orienta a construção de novos instrumentos com um resultado final bastante diferente daquilo que provavelmente se ouvia nos séculos XVII e XVIII, pois acreditava que o público de sua época não "entenderia" a delicada sonoridade dos cravos barrocos. No livro Landowska on Music (RESTOUT, 1969), Landowska se diz absolutamente consciente que a sonoridade e o resultado final de seu moderno cravo deveria ser bastante diferente do que se ouvia no passado. Landowska deixa um importante legado para gerações futuras, seja especificamente para os cravistas bem como para os intérpretes da música histórica em seus estudos musicológicos, interpretativos e na função de pedagoga do instrumento. A Segunda Guerra Mundial (1939-1945) foi o grande marco divisor para o ressurgimento da música histórica. A musicologia europeia sofre grandes perdas com o movimento migratório de alguns dos seus principais representantes para a América, em especial os Estados Unidos, onde ali filiam-se às principais universidades norte-americanas as quais estavam criando suas cadeiras musicológicas. A própria performance histórica passa por modificações ao longo de sua existência, desde o surgimento do movimento nos primeiros anos do século XX, até os dias atuais. Dolmetsch e Landowska foram os precursores, revivendo os instrumentos que não possuíam similares românticos, como os órgãos, cravos, flautas doces. Nos primeiros anos da década de 1960, o movimento da performance histórica adquire um caráter quase revolucionário e combativo ao estilo moderno de interpretação que então vigorava. Segundo o pensamento da época, nenhum movimento teria credibilidade suficiente se não houvesse um caráter contestador e revolucionário (HAYNES, 2007). Questionava-se em especial o status quo da prática musical da época nos conservatórios. A mesma atitude que os modernistas tomavam em relação aos românticos, foi adotada pela performance histórica em relação aos modernistas. Para os músicos históricos pós 1960, houve um pensamento que transpôs aquele dos precursores, no sentido de uma busca por uma sonoridade adequada. Enquanto Dolmetsch e Landowska se interessavam por instrumentos do passado, a performance histórica fez reviver instrumentos já conhecidos da orquestra sinfônica, criando assim as "versões" barrocas dos seus

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similares românticos. Ainda segundo Haynes (2007, pg.43), o uso de "cópias fieis" de instrumentos é um fator existente em quase todas as gerações de músicos da performance histórica. A estrutura e sonoridade destes instrumentos possuem significativa diferença se comparados aos seus similares românticos. Mas o que de fato diferencia esses instrumentos entre si, diz Haynes, é no que diz respeito à sua afinação e o novo padrão utilizado pelos músicos. Enquanto os instrumentos românticos adotam seu padrão de afinação pelo lá-440hz, os instrumentos barrocos estão relacionados ao lá-415hz, o que se acredita era um entre tantos outros padrões de afinação existentes nos séculos XVII e XVIII. Considera-se, este, o grande fator que representou um divisor entre os músicos, pois seria impossível em uma mesma orquestra a união de instrumentos românticos e barrocos com afinações distintas. Isto fez com que os músicos obrigatoriamente se definissem como "modernos" ou "barrocos" (HAYNES, 2007, pg.44). O material que serve de orientação e estruturação para a PHI a partir da década de 1960, divide-se praticamente em literatura disponível em fonte primária e suas reimpressões, ou uma moderna e atualizada bibliografia, que aos poucos foi construída a partir de pesquisas musicológicas. Para esta geração que reconhecia os esforços de Dolmetsch, duas importantes obras foram escritas e que serviram efetivamente de embasamento para a estruturação teórica da PHI: Interpretation of Music escrito por Thurston Dart em 1954, e Interpretation of Early Music, da autoria de Robert Donington, editado em 1963 (HAYNES, 2007). Em linhas gerais, Dart defende em sua tese que a interpretação não é individual, mas sim, normativa, assim como Kerman (1985) que diz "por outro lado, a prática da performance histórica, por sua própria natureza, é normativa (pg.268). Ainda Dart defende que a música seja idiomática, ajustada ao instrumento e ao estilo histórico. Robert Donington aborda de forma sistemática e igualmente normativa o "bem fazer" da prática musical barroca, e apoiado em tratados teóricos e análises composicionais do período, propõe a forma "correta" da execução. Assim como Dolmetsch e Landowska que no início do século XX representaram o pioneirismo no renascimento da música histórica, a nova fase retomada nos pós-Guerra e posteriormente na década de 1960, tem dois dos mais significativos nomes da PHI: Nikolaus Harnoncourt (1929-2016) e Gustav Leonhardt (1928-2012). Harnoncourt desenvolve inicialmente sua carreira musical como violoncelista e por mais de uma década integra a Orquestra Sinfônica de Viena. Neste período, começam suas pesquisas voltadas para a música barroca e sua interpretação histórica. Em 1953 Harnoncourt forma o

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Concentus Musicus Wien, e com a utilização de instrumentos de época, a orquestra inicia a gravação de obras referenciais do período barroco, em especial J. S. Bach, com os Concertos de Brandenburgo, as Suítes Orquestrais, Missa em si menor, as Paixões de São João e São Mateus e o Oratório de Natal. A partir de 1971, em um projeto que durou dezenove anos, Harnoncourt, junto ao cravista Gustav Leonhardt, inicia a gravação da integral das cantatas religiosas de J. S. Bach. Paralelamente à sua carreira de regente, desenvolve carreira acadêmica e publica importantes artigos e livros sobre a interpretação histórica. Gustav Leonhardt atuou como organista, cravista, regente e musicólogo. Em 1950 inicia sua carreira de concertista ao cravo com "A Arte da Fuga", de J. S. Bach e logo após, torna-se professor deste instrumento em Viena e posteriormente em Amsterdam. Teve papel importante na divulgação da música de cravo dos compositores do século XVII, em especial Frescobaldi, Johann Froberger e François Couperin. Seu estilo interpretativo foi caracterizado por refinados ornamentos e rubatos executados com sutileza dentro de uma firmeza rítmica. Leonhardt demonstrava forte interesse pelos instrumentos históricos e total consciência da interpretação historicamente informada24. Haynes (2007), destaca algumas das características de PHI: 1) Notes inègales; 2) Inflexão; 3) Rubato; 4) Variações agógicas; 5) Redefinição do fraseado se comparado ao estilo moderno; 6) Padrão de afinação em lá-415hz; 7) Vibrato seletivo e não constante; 8) Liberdade de improvisação. Em resumo, a história dos estilos de performance segue uma linearidade, percebendo-se com bastante clareza a origem, a distinção e a interseção entre cada um deles. Cada estilo possui suas características próprias que se adequam ao gosto da época. É bastante evidente a observação de que o primeiro deles, o romântico, nasce de uma tradição herdada da antiga forma de abordagem musical desenvolvida segundo os paradigmas e ideais do século XIX. Nota-se uma cisão entre as práticas dos séculos XVIII e XIX devido à 24

Ver: The New Grove Dictionary of Music and Musicians, verbete: LEONHARDT, Gustav, por Howard Schott. 2001.

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contemporaneidade, à valorização do momento atual. O interesse do público era para o que estava sendo produzido pelo compositor vivo e a música do passado, assim como suas práticas naturalmente tornaram-se obsoletas e caíram em desuso. O estilo moderno se desenvolve como uma reação a essas práticas então consideradas ultrapassadas e extremamente sentimentalistas. O cenário cultural em que se estabelece este estilo retrata a busca de novas ideias provocadas pelas revoluções de pensamento e comportamento causadas pelas duas grandes Guerras Mundiais, e a necessidade de uma redescoberta do passado. A contemporaneidade não é mais a vontade do público, que na observância de um distanciamento entre compositor/ouvinte, busca resgatar valores e gostos que correspondiam à essa necessidade. Ressurge então a música dos séculos XVII e XVIII. A performance historicamente informada tem um cunho investigativo na sua origem, durante as primeiras décadas do século XX. Após um hiato causado pela Segunda Guerra Mundial, o movimento ressurge com um caráter revolucionário, como um questionamento ao estilo moderno, contra sua rigidez e seus exageros e o entendimento de que a música não é uma arte atemporal, mas que ela está inerentemente relacionada ao momento de sua criação. Para isso é necessário que se faça uma aproximação com o espírito da época, não com o intuito de "copiar" o que se fazia nos séculos passados, mas sim, despertar um profundo entendimento histórico dos padrões interpretativos e trazê-los para o nosso tempo. Um dos grandes fatores que diferenciam a PHI dos estilos anteriores, é o seu caráter quase que cientificista. Enquanto o romantismo vinha de uma tradição herdada e o modernismo de um combate à essas regras, o movimento histórico tem um comprometimento com a pesquisa, a investigação e a teorização, próprios do método científico. A PHI não é simplesmente a herança de uma tradição, mas a busca de um entendimento de uma filosofia que o distanciamento temporal apagou ao longo de gerações. 2.5 A PHI em grupos musicais cariocas das décadas de 60 e 70 É importante termos o entendimento de como a PHI se desenvolve no Brasil e como o estilo se estabelece entre os intérpretes nacionais da música barroca no período estudado nesta dissertação. Podemos encontrar uma significativa quantidade de estudos (dissertações, teses, artigos) sobre a PHI no sentido da interpretação propriamente dita, seja na abordagem de questões técnicas, interpretativas ou composicionais em um contexto mundial e genérico. Mas em contraposição, quando nos referimos ao desenvolvimento da PHI no Brasil especificamente

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(histórico de artistas, práticas e até mesmo a chegada ao Brasil), o material acadêmico torna-se relativamente escasso, o que foi constatado após pesquisas realizadas em sites específicos, como Google Acadêmico e Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações. Para sabermos como o movimento da performance histórica se desenvolve entre os músicos brasileiros neste referido período, a pesquisa em fonte primária torna-se indispensável. Podemos contar com o apoio da leitura de reportagens jornalísticas, textos críticos musicais da época assinados por nomes como Zito Baptista Filho, Antonio Hernândez, Edino Krieger, Ronaldo Miranda, D'Or, ou Luiz Paulo Horta. Como material bibliográfico disponível, consultamos Kristina Augustin, autora do livro "Um olhar sobre a Música Antiga", editado em 1999 e que aborda os precursores e desenvolvimento da performance historicamente informada no Brasil. Podemos citar igualmente Clara Fernandes Albuquerque, com sua dissertação de mestrado "A Formação do Cravista no Brasil: Um Estudo sobre História, Técnicas e Habilidades", de 2008. A pesquisa aborda a inserção do instrumento no país e com isso naturalmente a relação com a PHI. Ainda em referência à esta dissertação, Albuquerque (2008) nos diz que se faz necessário o uso da História Oral como metodologia, exatamente por se tratar de uma história recente e pouco documentada (pg.138). Lançaremos mão deste pensamento, para a abordagem do desenvolvimento da PHI no Brasil. Como dito anteriormente, a performance histórica surge na Europa como um movimento que buscava recolocar a música barroca em seu devido tempo, trazendo à luz elementos estilísticos que diferenciavam esta música daquela feita então do século XIX em diante. Dolmitsch e Landowska abrem as fronteiras das pesquisas musicológicas neste campo durante as primeiras décadas do século XX, que imediatamente são abandonadas em consequências das duas Grandes Guerras Mundiais que se sucederam. Após tais eventos, a Europa começa a reavivar sua música de épocas passadas e obras esquecidas há quase dois séculos começam a ser redescobertas em bibliotecas ou arquivos musicais europeus. A coleção de manuscritos de Antonio Vivaldi veio à luz na Biblioteca Nacional de Turim algumas décadas antes em 1927 (KOLNEDER, 1978), e posteriormente a partir dos anos 50 conjuntos musicais como I Musici, I Virtuosi di Roma, I Solisti Veneti começam as gravações sistemáticas das obras instrumentais dos compositores barrocos italianos. Neste período abordado ao longo desta dissertação (décadas de 60 e 70), encontram-se em atividade na cidade do Rio de Janeiro alguns grupos especializados na performance histórica, que dedicavam seu repertório em especial às músicas medieval e renascentista e também desenvolvendo em menor intensidade a música barroca. Dentre eles citamos Banda

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Antiqua (1968), Kalenda Maya (1970), Pró-Arte Antiqua (1971) e Kontakia (1975) (AUGUSTIN, 1999). É possível considerar os primórdios da performance historicamente informada no Brasil na década de 1940. Ainda que não seguindo estritamente os paradigmas propostos na sua origem europeia, Roberto de Regina no Rio de Janeiro torna-se o precursor de um movimento que posteriormente irá influenciar gerações que aderiram à PHI. Augustin (1999) divide os grupos ligados à música histórica em duas fases: a primeira pode ser classificada pelos músicos precursores da introdução da música barroca no Brasil, como o Conjunto de Música Antiga da Rádio MEC e seus contemporâneos. Já a segunda fase é representada por uma geração "que não se limitou a concertos, mas assumiu também o papel de professores e organizadores de cursos e festivais"(pg.59). Optamos em citar mais detalhadamente dois grupos específicos, por terem dedicado boa parte de seu repertório à música barroca e por terem uma visão interpretativa mais próxima da PHI: Roberto de Regina e Quadro Cervantes. Na edição do "Jornal do Brasil" encontra-se um anúncio da estreia do Coral Bach, em uma apresentação cenográfica da cantata sacra Christ lag in Todesbanden nº 4, ou "Cantata da Ressurreição" de J. S. Bach. A obra foi interpretada pela Orquestra da Escola Cultural de Arte, com solistas vocais e instrumentais e a regência de Roberto de Regina. Ao final do anúncio lêse: "A estreia do "Coral Bach" representa uma das maiores vitórias da mocidade do Brasil e do Teatro do Estudante" (Jornal do Brasil, 17/04/1949, pg. 26). Augustin (1999) afirma que tais eventos em nada poderiam ser classificados sob os parâmetros da PHI, tal qual a conhecemos hoje. Os músicos nacionais ainda não possuíam as informações musicológicas necessárias já existentes na Europa para a prática da música barroca. Ainda assim, De Regina pode ser considerado um dos precursores da PHI no Brasil, apresentando e divulgando pelo país a música que vem desde a Idade Média até os grandes mestres do barroco. Não sabemos se há notícias até então de qualquer apresentação nos palcos cariocas de uma obra religiosa de J. S. Bach ou qualquer outro compositor barroco com um conjunto vocal, orquestra e solistas. Possivelmente, o conhecimento que o público brasileiro tinha da música do compositor alemão, não passava de algumas peças isoladas, como alguns Prelúdios e Fugas do Das Wohltemperierte Klavier, normalmente executados ao piano. Em poucas ocasiões, foi possível ouvir o cravo por músicos estrangeiros que traziam o instrumento como uma grande novidade em suas tournèes sul-americanas.

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Nascido no Rio de Janeiro em 1927, Regina tem a medicina como formação, especializando-se na anestesiologia. Paralelamente à sua carreira, desenvolve grande interesse pela música e fabricação de instrumentos medievais, renascentistas e barrocos. Cravista autodidata, posteriormente buscou um conhecimento formal para a música histórica, estudando com Noah Greenberg e membros da Pró Musica de Nova York, regência coral com Robert Shaw e construção de cravos com Frank Hubbard25. A música coral foi a primeira iniciativa de Roberto de Regina para a difusão da música histórica no Brasil. Fundou e regeu o já citado Coral Bach do Teatro do Estudante, o Coral Bach de O Tablado, Coro de Câmara Dante Martinez, e posteriormente aplica os conhecimentos adquiridos para a construção e utilização de instrumentos de época no Conjunto Roberto de Regina, e por fim atua junto à Camerata Antiqua de Curitiba, grupo fundado em 1974 na capital paranaense. Além de sua atuação frente a estes grupos musicais, Roberto de Regina empenha-se na gravação e registro da música histórica, obtendo críticas especializadas bastante favoráveis como a escrita por Renzo Massarani A serena pureza destas músicas lindíssimas e a perfeição da gravação da Columbia, são completadas por uma execução digna dos máximos elogios. Roberto de Regina deve ser o herói principal deste milagre gramofônico sobretudo no que se refere aos resultados alcançados pelo Coro de Câmara Dante Martinez - mas todos os intérpretes devem ser enaltecidos, desde o próprio de Regina como cravista[...] (Jornal do Brasil, Caderno B,

06/09/1961, pg.4). Sua importância como construtor de instrumentos ficará eternamente registrada na história da música no Brasil, pelo pioneirismo de ter montado o primeiro cravo do país em 1970. Em sua oficina, à época no bairro do Horto no Rio de Janeiro, Regina desenvolve intensa pesquisa para a construção deste instrumento que seria destinado ao Teatro Municipal do Rio de Janeiro, e que deveria ter a mesma sonoridade e características de um instrumento similar do século XVIII. Segundo Roberto de Regina, o destino do cravo serviria para as montagens do Teatro Municipal [...]que apresentará as óperas de Rossini seguindo estritamente a recomendação do compositor: todos os seus recitativos devem ser acompanhados por um cravo barroco (Jornal do Brasil, Caderno B

09/07/1970, pg.4). Um dos períodos de maior relevância foi a formação do Conjunto Roberto de Regina, criado em meados da década de 1950 e que permaneceu em atividade até 1976. Com várias

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Ver: Dicionário Grove de Música: Edição Concisa, 1994.

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formações ao longo de sua carreira, o grupo foi um dos grandes representantes da divulgação da música medieval e renascentista neste período. Com uma constituição vocal e instrumental, o grupo de Regina fez considerável investigação histórica e introduziu no cenário musical brasileiro os antigos instrumentos, ainda desconhecidos do público nacional, como percussões variadas e naipes de flautas doces. Em 1967 Roberto de Regina constrói o primeiro virginal brasileiro a ser utilizado nos concertos do Conjunto. Instrumento do período renascentista, o modelo construído por Regina foi criado "segundo plantas e modelos originais dos mais famosos instrumentos ingleses do século XVI" (Jornal do Brasil, Caderno B, 20/09/1967, pg.4). No que concerne ao repertório, revela-se profundamente inovador, segundo as escolhas feitas por Roberto de Regina. Além dos ícones da música barroca mais conhecidos pelo público brasileiro, era comum ouvir obras de Orlando di Lasso, Arnolt Schlick, Jacob Obrecht, Jacobus Gallus, Guillaume Costeley, Costanzo Festa, Mateo Flecha, Clément Janequin. Em entrevista concedida ao Jornal do Brasil, foi questionado se a interpretação fiel ao estilo da época no Brasil seria uma utopia e acessível ao público (o que ele afirma ser possível) e Roberto de Regina defende a performance histórica com o seguinte argumento Com a penetração que a música renascentista e barroca tem nos dias de hoje, não [não seria utópico]. Evidente que não tocaremos aqui -com raríssimas exceções- um D'Angleber, um D'Argencourt ou mesmo um Louis Couperin, o alaudista, só divulgado em grandes centros culturais, como Paris (Caderno

B, 07/11/1977 pg.4). José Ramos Tinhorão, em sua coluna de crítica discográfica, tece o seguinte comentário em relação ao LP lançado por Roberto de Regina, La Noce Champêtre do compositor barroco Jean Hotteterre, frente à Academia Antiqua de Curitiba [...] coloca inclusive o Brasil, pela primeira vez, ao nível dos grandes centros de especialistas na recomposição de originais de música pós-renascentista, o que só pode ser feito com a ajuda de grandes conhecedores do instrumental dos séculos XVII e XVIII, e que é exatamente o caso de Roberto de Regina, mestre na construção de instrumentos antigos (Jornal do Brasil, Caderno

B, 24/01/1979, pg.2). Roberto de Regina, que já na década de 1960 começa a realizar pesquisas de repertório para aplicá-las em seu Conjunto, em 1974 cria a Camerata Antiqua de Curitiba. É bastante curioso perceber que por um lado, enquanto se dedicava à "música antiga" e o uso de cópias de instrumentos, por outro lado, ao assumir a direção da Camerata, opta em seguir o estilo moderno. Com esta orquestra e coro, Regina fez gravações de algumas obras vocais de Bach, como a Paixão Segundo São Mateus, Oratório de Natal (ciclo completo), os seis Motetos, e várias cantatas.

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De Regina explica que essa "duplicidade" estilística pode ser entendida quando se coloca em jogo a visão dos músicos "autênticos". Segundo ele, a extrema preocupação na busca de uma sonoridade recriada através de "uma parafernália incrível de instrumentos" e uma "pesquisa arqueológica extenuante", traduz-se em uma falácia. Para Roberto de Regina, a "autenticidade" se resume na emoção acima de tudo, e não nos meios utilizados para os fins interpretativos (AUGUSTIN, 1999, pg.52). Harnoncourt (1998, pg.19) possui o mesmo pensamento expresso por Roberto de Regina dizendo que Os conhecimentos musicológicos não devem constituir-se em um fim em si mesmos, mas apenas proporcionar-nos os meios de chegarmos a uma melhor execução que, em última instância, será autêntica se a obra for expressa de forma bela e clara".

Algumas décadas após o trabalho pioneiro de Roberto de Regina, forma-se um dos conjuntos mais ativos e longevos que representam a performance histórica no Rio de Janeiro, denominado Quadro Cervantes. Formado no Rio de Janeiro, teve seu concerto de estreia em 1974, e tinha em sua formação original Helder Parente (voz), Homero de Magalhães Filho (flauta doce e traverso), Myrna Herzog (viola da gamba) e Rosana Lanzelotte (cravo). O Quadro Cervantes desenvolve principalmente um repertório com grande ênfase nos períodos medieval e renascentista, mas que se expande para os domínios do barroco incluindose o cancioneiro brasileiro do século XIX. Ronaldo Miranda assina uma matéria no Jornal do Brasil em 1975, na qual entrevista membros do conjunto e contam sua história, sua formação e perspectivas de como abordavam a música histórica na década de 197026. O grupo tem sua gênese em 1972, originalmente como Trio Cervantes, formado por Magalhães, Herzog e Lanzelotte em um concurso promovido pela Orquestra Sinfônica Brasileira. Posteriormente, o mesmo trio vence o concurso Jovens Instrumentistas promovido pela Sociedade Artística Villa-Lobos de Petrópolis, possibilitando assim uma série de três concertos na cidade mineira de Juiz de Fora, em maio de 1973. Logo após no início de 1974, o trio apresenta-se com sucesso no auditório da Casa de Ruy Barbosa no Rio de Janeiro que [...]abrigou o dobro de sua lotação constituindo-se num alegre e descontraído cenário povoado de jovens, na sua grande maioria, atentos às obras e explicações fornecidas pelos intérpretes.

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Ver: O Quadro Cervantes nos caminhos da música antiga. Jornal do Brasil, Caderno B, 16/02/1975, pg.4

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Mas a partir de meados de 1974, Helder Parente junta-se ao grupo que logo foi rebatizado como "Quadro" e não "Quarteto", "[...]pois achamos que essa denominação lembra imediatamente o tradicional quarteto de cordas". Com a nova formação, o Quadro Cervantes conta com artistas que possuem o entendimento e comprometimento com a performance historicamente informada, e que ao decorrer dos anos, especializam-se e tornam-se a referência no Brasil para a prática da música histórica. Myrna Herzog, aluna de violoncelo de Iberê Gomes Grosso, ingressa no campo da PHI quando começa a frequentar cursos de viola da gamba nos Estados Unidos, sob a orientação de Judith Davidoff, que segundo Herzog à época, era uma das maiores autoridades mundiais no instrumento. Torna-se membro da American Viola da Gamba Society, que fornece as partituras interpretadas pelo grupo. Em 1983, paralelamente a este trabalho, é fundadora da Academia Antiqua Pró-Arte. Vive em Israel desde 1992, difundindo a prática da música histórica e viola da gamba27. Rosana Lanzelotte começa com uma formação tradicional em piano com Heitor Alimonda e Homero de Magalhães. Gradua-se em piano pela Escola de Música da UFRJ e posteriormente inicia-se ao cravo com Helena Jank, esta, ex-aluna de Karl Richter na Alemanha na década de 1960. Posteriormente, nos anos 90, estuda no Conservatório Real de Haia na Holanda, orientada pelo cravista Jacques Ogg28. Homero de Magalhães Filho estuda violino com Alberto Jaffé, mas considera-se um autodidata em música. À época, Magalhães atuava como professor de flauta dos Seminários de Música Pró-Arte, na Associação de Canto Coral e Pró-Música de Juiz de Fora. Junto a Marcelo Madeira dirigiu o conjunto Pró-Arte Antiqua. Atualmente encontra-se radicado na França, lecionando regência coral em Paris e canto coral no Conservatório de Châtillon. Aos integrantes do grupo, Ronaldo Miranda questiona quais fatores contribuem para a boa execução da música histórica. Magalhães responde que A música da Renascença e do Barroco, desenvolve, como nenhuma outra, o poder criador do intérprete. A partitura lhe permite uma escolha variada da instrumentação e um baixo contínuo é sempre uma fonte de infinitas possibilidades.

Herzog responde dando ênfase ao senso libertário que a música histórica proporciona no que diz respeito à instrumentação e interpretação

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Ver: http://www.phoenixearlymusic.com/index.php/people/myrna-herzog Ver: http://lanzelotte.com

74 No repertório clássico, romântico e moderno, o intérprete se vê irremediavelmente preso a um só instrumento. Ninguém pode ser um virtuose de vários deles. Já na música antiga, o artista pode ter como meio, um instrumento básico e ainda se divertir com uma série de outros tantos, o que desenvolve intensamente a sua criatividade.

Por fim, a cravista Rosana Lanzelotte diz que A criatividade é um fator básico para a boa realização de um baixo contínuo. O cravista, no papel de contínuo, precisa ter forçosamente uma grande imaginação e dar muito de si.

O conjunto passa por diversas mudanças ao longo de sua história com diferentes formações de músicos. Em 1990 a cravista Rosana Lanzelotte se desliga do Quadro Cervantes, fazendo com que seu repertório se direcionasse, então, para a música dos séculos XIII ao XVI. Segundo Clarice Szajbrum, integrante do grupo desde 1976 Enfocávamos mais as cantatas e outras obras do barroco. O que era natural, devido ao cravo de Rosana. Com a entrada dos alaúdes, passamos a um repertório mais medieval e renascentista (Jornal do Brasil, Caderno B

24/05/2000, pg. 2). O Quadro Cervantes permanece em atividade, formado por Helder Parente, Nicolas de Souza Barros e Mário Orlando, sendo um dos poucos grupos do Rio de Janeiro na atualidade dedicados à prática da PHI.

2.6 Concomitância de estilos nas décadas de 60 e 70 Este item do estudo busca mostrar a coexistência dos estilos moderno e de época para a interpretação da música barroca ao longo das décadas de 60 e 70, especialmente. É natural que algo que já está estabelecido (o estilo moderno) e a novidade (estilo de época), possam entrar em conflitos ideológicos e estéticos, no sentido de que um naturalmente suplante o lugar de outro. Como já visto anteriormente, o estilo moderno de interpretação

bastante em voga desde o início do século XX, rompe com os padrões estéticos românticos por considerá-los ultrapassados e exageradamente sentimentalistas para o novo gosto e pensamento da época (HAYNES, 2007). Exatamente neste período, a música perde o seu caráter de contemporaneidade. Aquilo que estava sendo feito na atualidade já não despertava o interesse do público da música de concerto. O gosto se volta para uma espécie de

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neoclassicismo musical, uma reordenação melódica e rítmica que havia se perdido com o vanguardismo e experimentações do século XX. A revolução estética modernista já estava em vigor e a novidade foi a redescoberta, dois séculos depois, da arte musical cultivada pelos amantes da retórica. O grande dilema era: como tocar essa música tão antiga em uma linguagem moderna? Como valorizar esse rico material musical e não deixá-lo cair na estética romântica? A saída encontrada (e não poderia ter sido outra naquele momento), foi a adequação da música barroca à interpretação e instrumentação existentes na época. Para o ouvinte foi a combinação perfeita. A modernidade estética em pleno vigor, aliada ao melodismo e harmonia da música do século XVIII. Na Europa, Wanda Landowska e Arnold Dolmetsch reviveram ao seu tempo a arte barroca, e romperam com o ideologismo em vigor da época. Landowska profere sua famosa frase: "Você toca Bach à sua maneira e eu vou tocar à maneira dele"29 (MARSCHALL, 2011). A ideia de contestação de tradições já estava presente em sua prática. As duas Guerras Mundiais provocaram uma forte desaceleração na pesquisa em música barroca e no seu renascimento, que ocorria nas primeiras décadas do século XX. Ao fim da Segunda Guerra, a Europa procura resgatar seus valores culturais e com isso, ressurge o interesse também pela sua música, a música do seu passado. Sob outros aspectos, a música barroca no Brasil é cultivada inicialmente sob o reflexo do que acontecia paralelamente na Europa, dos registros fonográficos dos autores barrocos que aos poucos eram redescobertos, e dos artistas de renome que registravam tais músicas em gravações. É bastante significativo constatar que no Brasil a música barroca obteve maior sucesso e receptividade entre a faixa etária jovem, exatamente pelo caráter revolucionário que os intérpretes desta música aplicavam às suas execuções e que ia ao encontro do comportamento dos jovens da época (Jornal do Brasil, 08/10/1975, Caderno B, pg.8; MARQUES, 2006). Tentaremos mostrar, através de uma ordenação cronológica, o surgimento de algumas orquestras na Europa que se especializaram no repertório barroco e que se caracterizavam pelo seu estilo de interpretação, seja ele moderno ou histórico. Percebe-se que neste primeiro momento da criação de conjuntos barrocos sob inspiração moderna, Itália, Alemanha e França são os países que desenvolvem tal iniciativa e posteriormente quando tratamos da PHI, vemos

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You play Bach your way and I'll play him his way.

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um predomínio da Holanda, Bélgica, Inglaterra, sem também descartar os países anteriormente citados. A década de 1950 foi decisiva para o surgimento de tais grupos musicais, em um momento no qual a Europa se reerguia após a II Guerra Mundial. Buscava-se a reconstrução moral, econômica, política e cultural. Ainda em plena Guerra em 1941, é fundado o Collegium Musicum Italicum pelo regente Renato Fasano. Compositor e pianista de formação, Fasano dirigiu alguns dos conservatórios mais importantes da Itália e inseriu o curso de pós-graduação na Accademia di Santa Cecilia em Roma. O Collegium Musicum, posteriormente, em 1947, deu origem ao conjunto I Virtuosi di Roma, o qual serviu de inspiração para a formação do conjunto I Musici, alguns anos depois. Fasano e seu conjunto deram grande contribuição para o conhecimento das obras de Vivaldi, e da escola barroca veneziana e napolitana 30. Alguns anos depois, em março de 1952 surge na Accademia di Santa Cecilia em Roma, o conjunto I Musici, formado por alunos do conservatório italiano. A pequena orquestra é constituída por onze instrumentistas de cordas e um cravo. Imediatamente a orquestra é aclamada pela crítica especializada e considerada pelo regente Arturo Toscanini como o melhor grupo do gênero no mundo. Considera-se o I Musici como o grande pioneiro e divulgador do então recém-descoberto Antonio Vivaldi nos anos 50, assim como outros mestres do barroco italiano, com gravações sistemáticas de suas obras. I Musici mostrou ao mundo pela primeira vez, após mais de duzentos anos, a série de quatro concertos intitulada Le Quattro Stagioni, que logo se tornou uma das peças mais célebres do repertório barroco31. Uma grande inovação da orquestra é a execução sem que haja um regente. Todos os músicos são solistas e assim a liderança é distribuída entre eles, sem que haja qualquer tipo de hierarquia. I Musici gozou de enorme prestígio no Brasil nas décadas de 1970 e 1980, e frequentadores assíduos dos palcos cariocas. Marques (2006, pg.71) diz que o grupo era "quase um grupo de câmara da casa" por suas constantes vindas à Sala Cecília Meireles. A orquestra, tradicionalmente, mantém alguns elementos do estilo moderno como característica, mas a partir de 2003 o grupo passa por profundas mudanças estilísticas de forma que mantém um certo hibridismo entre os estilos moderno e de época. Optaram pela continuidade do uso de instrumentos modernos, com afinação em lá-440hz, mas percebe-se atualmente, de forma clara, sua articulação e fraseado bastante próximos ao do estilo de época.

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Ver: The New Grove Dictionary of Music and Musicians, verbete: FASANO, Renato, por Claudio Casini, 2001. Ver: http://www.imusicidiroma.com/

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Adotaram as formas improvisatórias, uma não fidelidade à partitura, um aumento na velocidade do andamento e o uso de cravos copiados de instrumentos históricos32. Duas orquestras francesas também pertencem a este período histórico e continuam dentro da perspectiva modernista de interpretação, a Orquestra Jean François Paillard e a Orquestra de Câmara de Versailles. A Orquestra Jean François Paillard teve sua origem em 1952, inicialmente denominada Ensemble Instrumental Jean Marie-Leclair. Em 1953 é rebatizada com o novo nome do seu mesmo regente. O interesse do grupo foi primordialmente o resgate das obras francesas pouco conhecidas dos séculos XVII e XVIII, e no ano de 1974 realizaram uma das primeiras gravações da obra Les Indes Galantes de J. P. Rameau. Constituída de doze instrumentistas de cordas e um cravo33. A Orquestra de Câmara de Versailles é fundada em 1953 nesta cidade dos arredores de Paris. Possuía uma formação instrumental similar ao I Musici e eram dirigidos por Bernard Wahl, que foi discípulo de composição de Arthur Honegger. Possuia sua sonoridade também orientada para o estilo moderno, pois segundo crítica de Edino Krieger do concerto do grupo no Rio de Janeiro em 1966 A mesma diversidade de estilo que se observa entre o virtuosismo sensual de um Vivaldi, a grandeza expressiva de um Bach, ou a elegância ornamental de um Rameau, observa-se, em relação ao estilo interpretativo e à própria sonoridade das orquestras que se dedicam à divulgação da música barroca italiana, alemã ou francesa e que tornam ainda mais autênticos os grandes conjuntos como os italianissimos I Musici, com sua sonoridade brilhante, promovendo uma verdadeira festa para os sentidos (Jornal do Brasil, Caderno B, 13/09/1966, pg.2).

Ainda neste período da década de 1950, começam a surgir as primeiras orquestras direcionadas à interpretação histórica. Em 1953 Nikolaus Harnoncourt funda, junto com sua esposa Alice, o Concentus Musicus Wien. Na era moderna, a orquestra é considerada como um dos primeiros conjuntos dedicados à música barroca e oferecia terreno para as pesquisas musicológicas de Harnoncourt em instrumentos de época, e investigação das músicas renascentista e barroca 34 . A partir de então, estabelece-se a concomitância estilística de interpretação, seja com a utilização de padrões modernos ou historicamente informados. 32

Em entrevista anexa concedida on-line pelo atual cravista do grupo Francesco Buccarella, entende-se as mudanças estilísticas sofridas por I Musici nos últimos anos confirmando o hibridismo entre o estilo moderno e a performance histórica. 33 Ver: The New Grove Dictionary of Music and Musicians, verbete: PAILLARD, Jean François, por Christiane Spieth Weissenbacher, 2001. http://www.bach-cantatas.com/Bio/Pailliard-Jean-Francois.htm 34 Ver: The New Grove Dictionary of Music and Musicians, verbete: HARNONCOURT, Nikolaus, por Nicholas Anderson, 2001.

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Posteriormente, em 1972, Nikolaus Harnoncourt inicia a lecionar na Universidade Mozarteum de Música e Arte Dramática em Salzburg, dando os primeiros passos na recriação da ópera barroca de Claudio Monteverdi e da ópera clássica de Mozart. Ao longo das décadas, percebe-se as variáveis estilísticas propostas por Harnoncourt dentro da própria PHI. Suas primeiras gravações valiam-se de instrumentos antigos, porém modernizados utilizando cordas metálicas, e as versões mais recentes incluem os chamados "instrumentos autênticos" e coro de meninos. Mesmo sendo um dos grandes teóricos da PHI, Harnoncourt, nas últimas décadas de sua vida, transitou por um vasto repertório que não ficava exclusivo ao barroco ou clássico, mas explorou a linguagem romântica tardia de Verdi, Richard Wagner, bem como operetas de Offenbach ou George Gershwin35. Em 1954 Helmuth Rilling cria em Stuttgart o coro Gächinger Kantorei e posteriormente, em 1965, a orquestra Bach-Collegium Stuttgart36. Ligado à tradição dos kantoren na então Alemanha Ocidental, Rilling valoriza essencialmente a tradição da interpretação de Bach através dos coros e músicos congregacionais, principalmente das igrejas luteranas, porém com nível profissional. O fato de Bach ter sido luterano e trabalhado boa parte de sua vida para uma igreja faz com que na atualidade haja uma crença de que a tradição de sua música se preserve na transmissão de gerações da prática dentro deste universo eclesiástico. (GOLOMB, 2004). Ainda segundo Golomb (2004), desde a década de 1960 até os dias atuais o estilo de Rilling muda consideravelmente, e mesmo sendo um crítico da PHI, na década de 80 é possível perceber alguns elementos da performance histórica em suas interpretações. Em 2000 Rilling conclui a gravação de toda a obra de Bach com o projeto Bachakademie Edition e diversifica o leque de artistas envolvidos neste projeto, utilizando desde os modernos pianos de concerto, ou cravos juntos a instrumentos modernos, bem como instrumentos históricos na execução de Das Wohltemperierte Klavier. Contemporâneo de Helmuth Rilling, em 1954 Karl Richter cria o Coro Bach de Munique, originário do Coro Heirich Schütz da Markuskirche em Munique, onde Richter exercia a função de kantor. Logo após é fundada a Orquestra Bach de Munique. Desde a sua criação até 1981, ambos os corpos musicais foram dirigidos por Richter, que assim como Rilling, assume o estilo moderno para a interpretação da música barroca. Karl Richter foi um dos grandes exponentes da música de Bach na segunda metade do século XX, sendo considerado pela crítica como "o

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Ver: http://www.harnoncourt.info/en/biographie-2/ Ver: http://www.helmuth-rilling.de/vita_E.php

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mais importante intérprete da música coral bachiana naquele tempo" (GARDINER, 2013, pg.20). Na atualidade, Coro e Orquestra Bach de Munique sofreram profundas transformações comparadas à sua origem, aplicando a PHI em suas interpretações 37 . No capítulo a seguir iremos tratar mais detalhadamente o histórico de Karl Richter, ambos os grupos musicais e seu estilo. Percebe-se que neste período há o predomínio de orquestras que seguem os paradigmas da interpretação modernista, ainda que paulatinamente a PHI se firme, fundada nos princípios teóricos propostos principalmente por Nikolaus Harnoncourt no início da década de 1960. A Academy of St. Martin in The Fields surge em 1958 em Londres, fundada por Sir Neville Marriner. Possui um repertório bastante ampliado, com interpretações de música barroca até o período romântico. Sua especialidade é o repertório clássico. É uma das poucas orquestras em atividade atualmente que tocam a música barroca com o estilo moderno. Hoje seu diretor musical é o violinista Joshua Bell. Em 2014 registraram uma gravação dos concertos de violino e cordas de J. S. Bach38. Um dos últimos grupos instrumentais que se formou ainda na década de 1950 na divulgação específica da música barroca italiana foi I Solisti Veneti, fundado em Pádua, Itália por Claudio Scimone em 1959. Comparativamente a I Musici, a orquestra de Scimone possui um número maior de integrantes e se dedicou, ao longo de sua carreira, não só à música instrumental, mas em pesquisar e divulgar o repertório operístico e sacro dos compositores barrocos italianos39. A partir do início da década de 1960, podemos observar um número crescente de grupos musicais que surgem adotando a performance histórica em substituição ao anterior estilo moderno. É exatamente neste período, entre as décadas de 1960 e 1970, que se percebe a concomitância de estilos para a interpretação da música barroca. A orquestra alemã Collegium Aureum surge em 1962 na cidade de Freiburg, utilizando instrumentos de cordas originais dos séculos XVII e XVIII, e cópias para os instrumentos do naipe de sopros conseguindo assim o equilíbrio tímbrico na sua sonoridade. O grupo foi um dos que ajudaram a estabelecer em definitivo o conceito de performance histórica para a música barroca e que se torna o padrão na atualidade40. A partir da década de 1970 surgem novos grupos barrocos, os quais podemos citar alguns:

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Ver: http://www.muenchener-bachchor.de/en/choir Ver: http://www.asmf.org/ 39 Ver: http://www.solistiveneti.it/ 40 Ver:http://www.bach-cantatas.com/Bio/Collegium-Aureum.htm 38

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Collegium Vocale Gent de Philippe Herreweghe (1970), La Petite Bande de Sigiswald Kuijken (1972), Taverner Consort de Andrew Parrot (1973), Academy of Ancient Music de Christopher Hogwood (1973), The English Concert de Trevor Pinnock (1973), Musica Antica Köln de Reinhard Goebel (1973), Hespèrion XX de Jordi Savall (1974), La Chapele Royale de Philippe Herreweghe (1977), English Baroque Soloists de John Eliot Gardiner (1978), Amsterdam Baroque Orchestra de Tom Koopman (1979), Les Arts Florissants de William Christie (1979), Tafelmusik, de Kenneth Solway e Susan Graves (1979). Tendo como base essa observação, realizada do histórico da formação de orquestras e conjuntos musicais dedicados ao repertório barroco em especial, e que discorremos acima em ordem cronológica, é possível que tenhamos o seguinte entendimento: 1) Até meados da década de 1960, o estilo moderno vigorava para a interpretação de música barroca; 2) Por aproximadamente duas décadas, entre final de 1960 e 1980, o estilo moderno e o então novo estilo de interpretação histórica convivem simultaneamente; 3) A partir da década de 1990, a interpretação histórica passa a ser considerada o modelo de performance para a música barroca.

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3.1 Biografia Neste capítulo que irá tratar de Karl Richter, serão abordados alguns aspectos referentes ao músico, em especial questões estilísticas, dados biográficos, a visão de Karl Richter sobre a música de Bach e por fim sua presença no Brasil. Para tal, iremos nos apoiar em material bibliográfico disponível a respeito do artista, material audiovisual, pesquisa em fontes primárias, e relatos de entrevistados. O autor Uri Golomb será a principal referência para a abordagem de questões históricas e estilísticas de Karl Richter, através de sua tese publicada em 2004 intitulada Expression and Meaning in Bach Performance and Reception: An Examination of the B Minor Mass on Record. Declarações do próprio artista serão utilizadas e que foram colhidas no filme em DVD intitulado The Legacy of Karl Richter, dirigido por seu filho Tobias Richter em 2006, assim como material publicado em bibliografia, áudio visual (DVD's) e também na internet através de Johannes Martin, que ao longo de sua carreira como cantor junto ao Coro Bach de Munique, elaborou um importante arquivo textual biográfico e iconográfico de Richter, do Coro e Orquestra Bach de Munique. Não podemos abrir mão de alguns artistas brasileiros que tiveram contato pessoal com Karl Richter e que disponibilizaram impressões sobre o músico, como a cravista e professora Helena Jank (2015) que foi sua aluna na década de 60 na Alemanha, o organista Marcelo Giannini (2014) um de seus últimos alunos no final da década de 1970, e Myrian Dauelsberg (2014) professora, pianista e então diretora da Sala Cecília Meireles quando da edição da segunda fase dos Ciclos Bach nos anos 70, e que manteve, além de relações profissionais, amizade pessoal com Karl Richter. Igualmente relevante foram as declarações obtidas através de questionários elaborados com músicos participantes dos Ciclos Bach. Ainda que com o grande distanciamento temporal das realizações dos eventos, podemos contar com memórias dos músicos Norton Morozowicz, Celso Woltzenlogel, Carlos Rato, Peter Dauelsberg, Sandrino Santoro, Carlos Alberto Figueiredo e Bridget de Moura Castro. Apoiamo-nos também em matérias jornalísticas da época, seja sob a visão de críticas musicais, reportagens especialmente sobre os Ciclos Bach ou entrevistas concedidas por Karl Richter aos jornais cariocas existentes à época, como o Jornal do Brasil, O Globo, Diário de Notícias e Correio da Manhã. Karl Felix Johannes Richter nasce em 15 de outubro de 1926 na cidade de Plauen no estado da Saxônia, sendo o penúltimo dos cinco filhos de Christian Johannes Richter e Clara

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Hedwig Richter. Logo após, a família se transfere para Marienberg, onde seu pai assume um cargo clérigo da Igreja Luterana. Com a morte prematura de Christian, Clara e seus filhos se mudam para Freiberg, cidade próxima a Dresden. Ali, Karl Richter começa a desenvolver extremo interesse pela música e a religião luterana, tendo então seus primeiros contatos com o órgão. Em 1937 começa a sua educação musical formal, ingressando no Kreuzgymnasium e atuando no Kreuzchor em Dresden sob a direção de Rudolf Mauersberger41. Três anos após, Karl Richter torna-se o último aluno de Karl Straube42, e posteriormente discípulo de Günther Ramin43. Passado o período da II Guerra Mundial, fato que temporariamente interrompeu sua carreira, em 1946 Richter ingressa na Staatliche Hochschule für Musik em Leipzig, onde começa a ter contato com a tradição alemã da interpretação de Bach. Em 1949 é nomeado pelo então kantor Günther Ramin como organista na Thomaskirche em Leipzig e que frequentemente o convidava para atuar como cravista junto à orquestra do Gewandhaus. Richter, desde criança, convive sob a opressão do regime nacional-socialista e posteriormente, no período pós-Guerra com a criação da Alemanha Oriental, percebe que sua carreira se tornaria limitada pelo natural estado político vigente naquele momento (WÖRNER, 2005). Durante uma excursão do Thomanerchor dirigido por Ramin à Suiça e sul da então Alemanha Ocidental em 1950, Richter, atuando como organista, conhece Gladys Müller, que se tornaria sua esposa dois anos depois. Em 1951, Karl Richter transfere-se definitivamente para a então Alemanha Ocidental via Zürich, e sob a intervenção de Günther Ramin em uma audição, é nomeado kantor na igreja evangélica Markuskirche em Munique, acumulando as funções de organista e professor de música, além de também ser nomeado diretor do coro da Musikhochschule na mesma cidade. Casa-se em 1952 na Suiça e em 1953 nasce seu filho Tobias, e em 1961, Simone. A família fixa residência em Zürich em fins da década de 1960. Ainda em 1951, Karl Richter faz suas primeiras gravações como cravista, realizando o contínuo sob a regência de Fritz Lehmann, dos Concerti.op.6 de Händel para a Archiv

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Rudolf Mauersberger (1889-1971), regente coral e compositor, intimamente ligado à tradição da música da igreja luterana. Em 1930 é nomeado diretor do Kreuzchor em Dresden, onde permanece na atividade ao longo de 41 anos. 42 Karl Straube (1873-1950) filho de um organista e organeiro de Berlim, teve seu primeiro contato com o instrumento através do pai, mas nunca obteve uma educação formal em música. Seu aprendizado se deu através da experiência com a prática e a vivência no meio musical de Berlim. Em 1902 torna-se organista na Thomaskirche, em Leipzig e em 1918 é nomeado kantor na mesma igreja permanecendo no cargo até 1940. 43 Günther Ramin (1898-1956) organista, começa sua carreira como cantor no coro da Thomaskirche, em Leipzig. Posteriormente em 1918, sucede Karl Straub como organista na mesma igreja e em 1940 assume o cargo de kantor também após Straube, permanecendo ali até sua morte.

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Produktion der Deutsche Grammophon Gesellschaft, um departamento do selo fonográfico alemão dedicado à música barroca e que teve Richter como um dos seus principais contratados. Ao assumir suas funções na Markuskirche, Karl Richter dirige o Heinrich Schütz Chor, um pequeno coro de vozes jovens e que tinha J. S. Bach como principal compositor de seu repertório. Com o sucesso de crítica obtido na época, o coro expandiu-se e em 1954 foi rebatizado como Münchener Bach-Chor (Coro Bach de Munique) (WÖRNER, 2005). Logo após o surgimento do Bach-Chor, Karl Richter funda a Münchener Bach-Orchester (Orquestra Bach de Munique), formada por músicos das três principais orquestras de Munique. Os dois corpos musicais se integram e iniciam então a carreira internacional, especializando-se no repertório sacro e instrumental de J. S. Bach. Richter torna-se mundialmente conhecido como a autoridade na música de Bach (GARDINER, 2013, pg.20) e iniciam os registros fonográficos. 1956 foi um ano decisivo para Richter. Em fevereiro morre Günther Ramin, kantor da Thomaskirche e o sucessor natural e legítimo para o cargo (segundo a Prefeitura de Leipzig) seria Karl Richter, então discípulo de Ramin. Entende-se que este é o mais alto cargo existente nas funções musicais dentro da Igreja Luterana na Alemanha, e Richter não se via capaz em assumir o posto por ser ainda muito jovem para tal função. Ao mesmo tempo, sua carreira em Munique estava em ascensão e seria uma difícil escolha. Abrir mão de uma promissora carreira internacional ou assumir o mais alto posto musical da Igreja Luterana? A reportagem da revista alemã Der Spiegel, de 1965, ressalta que Richter poderia assumir aos trinta anos de idade o mesmo cargo que J. S. Bach conquistou aos trinta e oito, mas ainda assim, Richter, ao reconhecer que este seria o ponto culminante em sua carreira, não poderia destruir tudo aquilo que já havia feito em Munique44. No ano anterior, em 1955, Karl Richter faz sua estreia como regente da Bachwoche em Ansbach e foi seu diretor até 196445, e ali, em 1956, apresenta-se pela primeira vez com o Coro Bach de Munique. Karl Richter ficou conhecido principalmente por sua ligação com as músicas de Bach e Händel, mas nutria grande interesse pelos românticos, em especial Brahms, Bruckner, Max Reger, Dvorak, bem como por Mozart e Haydn. Mas seu contrato fonográfico com a Deutsche Grammophon, fez com que a empresa o apresentasse como um artista especializado unicamente

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Ver: http://www.spiegel.de/spiegel/print/d-46275119.html "Der Spiegel", ed. de 24/11/1965. "Dem 30jährigen Richter wurde angetragen, was erst der 38jährige Johann Sebastian Bach erhalten hatte - das Amt des Leipziger Thomaskantors. "Es wäre", sagt Richter, "die Krönung meiner Karriere gewesen. Aber ich habe in München etwas aufgebaut, was ich nicht mehr aufgeben kann." 45 Ver: http://www.bachwoche.de/en/bachwoche-ansbach/history.html

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no repertório de ambos os compositores barrocos, o que não nos proporciona a exata dimensão de seu pensamento musical (WÖRNER, 2005). Myrian Dauelsberg em entrevista concedida, confirma o interesse de Richter pelo repertório romântico46 [...] Então, uma vez aqui na Sala Cecília Meireles, antes de dirigir uma Paixão Segundo São João, eu vou lá atrás, o que é que ele tinha? Ele estava lendo a sinfonia, estudando as sinfonias de Mendelssohn, que ele amava. As sinfonias de Mendelssohn, de Bruckner, ele queria demais gravar essas obras, e ele se queixava amargamente que a Deutsche Grammophon não permitia, queria que ele ficasse em Bach, Haendel... [...] E ele queria, ele disse -" Eu tenho muita coisa a dizer, as sinfonias de Mendelssohn maravilhosas, Bruckner também". [...] Mas ele morreu com uma tristeza de não ter feito nada de Mendelssohn nem de Bruckner, porque ele acha que ele poderia fazer muito bem, que a Deutsche Grammophon não queria e reclamava muito, mas depois disso...

(DAUELSBERG, 2014) E igualmente Giannini (2014) diz o quanto Richter apreciava os compositores do século XIX [...] Mas ele fez muitas coisas, este é um aspecto que eu gosto muito também, conheço bem. Ele regeu sinfonias de Bruckner, eu tenho algumas gravações, Schumann, oratórios, o Requiem Alemão, Verdi até. Verdi ele regeu. "Elias" de Mendelssohn, Stabat Mater de Dvorak, tudo isso ele fez. [...] Bach ocupou 90% mais da vida dele, mas eu acho que ele era um maravilhoso intérprete de música romântica e como organista, como organista também ele tocava maravilhosamente as obras de Max Regel, que é o compositor romântico alemão mais importante depois de Bach e tocava também Liszt, tem uma gravação do B-A-C-H 47 . Tocava também a Fantasia de Mozart magnificamente. Ele chegou a tocar sob a regência de dois maestros. O Sawallisch (Wolfgang) e Kemp (Rudolf), o Concerto para órgão de Poulenc, ele chegou a tocar isso. Ele como organista, tocou o concerto de Poulenc.

Ainda segundo Wörner (2005), a crítica musical da época foi bastante favorável à sua incursão ao repertório romântico, o que pode ser entendido através do título da crítica "O grande salto do banco do órgão"48, quando Karl Richter dirige a Bayerische Staatsorchester, em 1957. O título metafórico refere-se ao ineditismo de um músico de igreja ter caminhado em direção a um repertório diametralmente distante daquele comumente associado a ele. Nos anos finais da década de 1950, Karl Richter já possuía uma discografia considerável com o repertório de J. S. Bach e começam suas excursões internacionais fora da Europa, acompanhado do Coro e Orquestra Bach de Munique, e solistas cantores e instrumentistas. A partir de 1962, Richter torna-se um regente constante no palco do Teatro Colón de Buenos

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Entrevista concedida no Rio de Janeiro em 13/06/2014. "Präludium und Fuge über das Motiv B-A-C-H". Obra de Franz Liszt para órgão composta em 1855 e revista em 1870. 48 Weistprung von der Orgelbank, tradução nossa. A citação refere-se ao texto de Wörner (2005), não tendo sido encontrada a referida crítica em fonte original. 47

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Aires, conduzindo seu tradicional repertório bachiano, e inserindo-se também na linguagem operística com músicos e orquestras locais, encenando "Giulio Cesare" e "Xerxes" de G. F. Händel. Sua estreia nos Estados Unidos acontece em 1965, e em dezembro do ano seguinte Karl Richter faz sua primeira vinda ao Brasil para realizar o I Ciclo Bach na Sala Cecília Meireles, no Rio de Janeiro. Os Ciclos tiveram oito edições (1966, 1968, 1969, 1970, 1975, 1976, 1977, 1978), e todos eles contaram com a presença de Richter acompanhado de alguns de seus solistas do elenco de cantores, como Julia Hamari, Edda Moser, Ernst-Gerold Schramm, Maria Stader, John Van Kesteren, entre outros. Em duas edições (1976 e 1978), Karl Richter veio acompanhado da Orquestra Bach de Munique e em 1979, dois anos antes de sua morte, volta ao Rio de Janeiro para a participação no "I Encontro de Instrumentistas de Cordas". A partir do início da década de 1970, Karl Richter empreende a gravação de setenta e cinco cantatas de Bach, seguindo o calendário do ritual de cada domingo e dias sagrados da Igreja Luterana, sob o selo da Archiv Produktion. Neste período, sua saúde começa a se fragilizar e em 1971 sofre um infarto, e posteriormente sua visão começa a ser afetada por conta da catarata. A possível cegueira torna-se algo iminente em meados dos anos 70, o que o leva a começar a memorizar sistematicamente as partituras e a crença de que não haveria sucesso em uma cirurgia (WÖRNER, 2005; RICHTER, 2006). Quanto a isso, Dauelsberg (2014) relata Depois, ele decorou praticamente a obra toda de Mendelssohn e depois ele fez a operação da catarata e me telefonou no mesmo dia: -"Estou vendo tudo, que maravilha!!! Sofri tantos anos de medo!" Já tinha técnicas novas, então foi uma maravilha, ele ficou com aquele suplício: "vou ficar cego, vou ficar cego", e foi uma brincadeira, né?

Durante os preparativos para uma extensa tournèe que se realizaria no Japão em maio de 1981, Karl Richter sofre um ataque cardíaco fatal em 15 de fevereiro de 1981, sendo sepultado no cemitério de Enzenbühl, em Zürich. Em 3 de maio de 1981, o regente Leonard Bernstein dirige o Coro e Orquestra Bach de Munique em um concerto em memória de Karl Richter na Hekulessaal, o grande teatro de Munique que por décadas abrigou as performances do artista.

3.2 Coro e Orquestra Bach de Munique Os dois corpos artísticos criados por Karl Richter têm sua gênese em outros grupos musicais já existentes. Com a chegada de Richter a Munique em 1951 para assumir o cargo de diretor do coro da Hochschule für Musik e kantor na Markuskirche, encontra ali o coro afiliado

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à igreja, um pequeno grupo denominado Heinrich-Schütz Kreis, fundado por Michael Schneider49 logo após a II Guerra Mundial. Munique é uma cidade fortemente católica, e à época de Richter o repertório sacro-vocal (cantatas e motetos) de J. S. Bach era praticamente desconhecido do público. Karl Richter começa então a introduzir a música de Bach nos cultos da Markuskirche, e na última sextafeira de cada mês havia um concerto gratuito, no qual a única contribuição do público era a aquisição do programa. O repertório principal do Heinrich-Schütz Kreis então, está essencialmente centralizado nas obras sacras de J. S. Bach (cantatas, Paixões, oratórios), bem como nas composições de Mendelssohn, Brahms, Mozart, Bruckner e outros nomes da escola alemã, como Schütz, Leonhard Lechner, ou compositores do século XX, como Johann Nepomuk David, Zoltan Kodály e Heinrich Kaminski, Hugo Distler e Ernst Pepping50. Ao longo dos três anos seguintes à chegada de Richter, o coro cresce consideravelmente em qualidade e em número de integrantes, transformando-se então no Münchener Bach-Chor (Coro Bach de Munique), tendo sua estreia oficial em 28 de maio de 1954. O Coro, já no ano seguinte, alcança reconhecimento do público em Munique, com uma quantidade inimaginável de apresentações para os dias de hoje, com cerca de trinta apresentações mensais, incluindo as Paixões, Missa em si menor e Oratório de Natal de Bach. Logo após a fundação do Coro, Karl Richter arregimenta músicos das três principais orquestras sinfônicas de Munique, a Bayerisches Staatsorchester, Münchner Philharmoniker e Symphonieorchester des Bayerischen Rundfunks para a formação da Münchener BachOrchester. Segundo Golomb (2004), o Coro Bach de Munique era formado por cerca de cento e vinte integrantes, mas que nos concertos e tournèes, contava com uma média de oitenta cantores. Ainda assim, era considerado pequeno se comparado com outras sociedades corais alemãs, mas relativamente semelhante ao Thomanerchor de Leipzig ou ao Dresden Kreuzchor, e maior que seu antecessor Heinrich- Schütz Keis ou ao coro de Helmuth Rilling, o Gächinger Kantorei, este último formado no mesmo ano do Coro Bach. Durante a direção de Karl Richter, o Coro Bach era por natureza um coro constituído de cantores amadores, mas que, ainda assim, não impedia seu alto nível com características

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(1909-1994), Organista e diretor musical na Markuskirche em Munique. Ver: http://www.bach-cantatas.com/Bio/Munchener-Bach-Chor.htm http://www.muenchener-bachchor.de/archiv 50

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profissionais. Richter exigia que seus alunos cantassem no coro como atestam em depoimento seus dois ex-alunos, Helena Jank e Marcelo Giannini. Jank (2015) diz: [...] Ainda era o começo da fase rica, estava se tornando muito famoso naquela época, e exigia da gente que cantasse no Coro, se não cantasse no Coro ele também não dava aula de instrumento nenhum.[...] muito com o cravo e com Li Stadelmann e um dia eu decidi que não queria mais tocar órgão e então fiquei durante um bom tempo só cantando no Coro, então pedi a ele que me deixasse continuar cantando no Coro porque foi cantando no Coro e participando dos ensaios, ele fazia todas as cantatas de Bach, oratórios, etc, que eu aprendi. Acredito que grande parte do que eu aprendi foi cantando. Talvez por isso que eu acho que o cravista deveria ter aulas de canto também, faz muita diferença.

Assim como Giannini (2014) [...] Ele fazia questão que eu fosse cantar no coro também, fazia questão. E se eu não ia, ele não gostava, ele dava importância a isso. E deu muita importância. Ele era incrível. Eu estava estudando a Tocata em fá com ele e estava numa fila entrando no meio de um concerto na igreja, tava na fila. Sabe, o coro está entrando em cena...Ele vem prá mim e disse: "então, como está a Tocata em fá?", como se fosse uma coisa importantíssima...

O momento de reconhecimento pela crítica e público do trabalho desenvolvido por Karl Richter junto aos dois coros artísticos deu-se em 1956, na Bachwoche de Ansbach, cidade situada no estado da Baviera. Ali, as condições de trabalho eram as mais favoráveis possíveis, onde permaneciam quase que isolados no Mosteiro de Heilbronn na preparação de todo o repertório que seria executado ao longo do festival. O sucesso alcançado por Richter naquela ocasião fez com que começassem a surgir convites para concertos internacionais, inicialmente na Itália e França, e que posteriormente ultrapassaram as fronteiras da Europa, em 1965 nos Estados Unidos, 1968 na antiga União Soviética, 1969 no Japão, e dezenas de outros países. A ida à União Soviética acontece depois de muitos acordos político-culturais, em um momento que o mundo vivia os tempos da Guerra Fria. Afinal, como levar a música sacra de Bach para um país oficialmente ateu? Relatos afirmam o sucesso alcançado por Richter e seus conjuntos naquele país. Os ingressos eram cobrados por um valor relativamente alto e se esgotaram em pouco tempo, provocando até uma tentativa de invasão de público no Conservatório Tchaikovsky, palco dos concertos. Em 1958 Karl Richter assina o contrato com a Deutsche Grammophon, fato que foi decisivo para sua carreira e que durou até a sua morte (BLIESE, 2004). No início da década de 1960, Karl Richter adquire considerável reputação e reconhecimento de seu trabalho, transformando Munique, logo após Leipzig, como a segunda cidade dedicada ao culto de Bach na Alemanha.

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Coro e Orquestra começam a participar de festivais de música na Europa, como o Großes Festspielhaus em Salzburg ou Festival de Ottobeuren, na Alemanha, bem como uma grande agenda de concertos em Munique, que se realizavam em vários locais da cidade, como o Deutsches Museum, a Hochschule für Musik, ou a grande sala de concertos Herkulessaal, esta última, utilizada em grande parte como local das gravações empreendidas por Richter. Após 1964 Karl Richter encerra sua participação na Bachwoche de Ansbach, criando e dirigindo festivais Bach (Bach-Fest) anuais em Munique. Ali, Richter teria maior liberdade na sua concepção artística e poderia contar com uma gama maior na variedade de músicos participantes, inclusive aqueles que desenvolviam uma performance musical completamente antagônica à sua. Com essa filosofia, Karl Richter convida, na edição de 1971, Nikolaus Harnoncourt e o Concentus Musicus Wien, bem como o cravista Gustav Leonhardt, ambos na época dois dos maiores representantes da performance histórica.

Figura 1- Karl Richter e Nikolaus Harnoncourt, Bach-Fest, Munique, 1971.

Em meados dos anos setenta, Coro e Orquestra atingem seu auge, com gravações disponíveis de obras de Mozart, Glück, Händel, Beethoven, as grandes obras vocais de Bach (entende-se as Paixões, Missa, Oratório de Natal) cerca de oitenta cantatas sacras de Bach, editadas pela Deutsche Grammophon. Nesta mesma época, a crise mundial do petróleo e a recessão econômica atingiram as possibilidades de financiamento de empresários e produtores

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culturais que patrocinavam as tournèes, bem como os financiamentos públicos do governo alemão através do Ministério das Relações Exteriores. Assim, tornou-se mais difícil manter as despesas de viagem de cerca de cento e quarenta artistas, que começaram a buscar patrocínio privado, bem como a subvenção dos valores dos ingressos dos concertos. Em seus últimos anos de vida, Karl Richter dedicava-se com mais intensidade à produção de óperas, especialmente em Munique, Viena e Buenos Aires, eventos que coincidiam com suas vindas ao Rio de Janeiro para a realização dos Ciclos Bach.

Figura 2- Programação da Bach-Fest de Munique, 1971.

Ao longo de toda a sua existência, Coro e Orquestra Bach de Munique foram "fielmente leais" a Karl Richter, não tendo sido conduzidos em momento algum por qualquer outro regente. Sob esse aspecto, e nenhum outro mais, Richter foi autoritário51. Após sua morte, o Coro Bach se desliga da Markuskirche, a qual forma um outro coro para atuar na liturgia.

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Karl Schumann. Encarte do CD Bach Messe in h-moll, Münchener Bach-Chor & Münchener Bach-Orchester. Karl Richter. Gravação ao vivo no Japão, 1969 (pg.11).

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Com a morte de Karl Richter em 1981, Coro e Orquestra passam por profundas modificações, e diversos diretores, sendo Ekkehard Tietze seu sucessor (1981-1984), posteriormente Hanns-Martin Schneidt (1984-2001) e atualmente Hansjörg Albrecht. A partir de 2003 adotam oficialmente a performance historicamente informada como estilo interpretativo. 3.3 O estilo interpretativo de Karl Richter Iniciaremos este item com uma abordagem da chamada "Escola de Leipzig" (ou também "Escola da Saxônia") que supostamente possa ter influenciado a visão interpretativa própria de Karl Richter. Essa "Escola" tem sua origem no século XVI, quando da criação do cargo de kantor na Thomaskirche, mas abordaremos aqui em especial o período no qual se insere Karl Richter, ou seja, o século XX, a partir do pensamento de artistas ligados ao Thomanerchor de Leipzig e o Kreuzchor de Dresden (GOLOMB, 2004). Devemos entender que a figura do kantor na Thomaskirche52 surge no século XVI com Georg Rhau (1518-1520) exercendo a função, e sendo sucedido até a atualidade por outros trinta e três kantoren, dentre eles Johann Sebastian Bach (1723-1750), chegando a Gotthold Schwarz a partir de 2016. Portanto, a ideia da existência da tradição de uma "Escola de Leipzig" é anterior a este período citado aqui, especialmente. Nomes que foram diretamente ligados a Karl Richter fazem parte da continuidade desta Escola, como Karl Straube (1918-1940), Günther Ramin (19401956), Kurt Thomas (1956-1960) e Erhard Mauersberger (1961-1971), todos estes em Leipzig e Rudolf Mauersberger (1931-1971), na direção do Kreuzchor em Dresden. Destacamos também os musicólogos Arnold Schering (1877-1941) e Wilibald Gurlitt (1891-1963). Segundo Schering (apud GOLOMB, 2004), há uma proposta de entendimento que a música de Bach é caracterizada por existir nela um rico conteúdo expressivo, simbólico e semântico, e que o ouvinte moderno possui pouco ou nenhum conhecimento sobre o verdadeiro sentido retórico desta música. No que diz respeito à performance, Schering acredita na necessidade de uma "leveza interpretativa", sonoridades que não devem ser projetadas com muita força e uso de coro de meninos, em substituição ao coro misto. Schering ainda diz que a

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A Thomaskirche (Igreja de são Tomás) em Leipzig, tem sua origem em 1212 e em 1518 é criada a função de Thomaskantor, ou seja, o responsável por toda a música e educação dos alunos na referida igreja. Ver: The New Grove Dictionary of Music and Musicians, verbete: Leipzig, §1 Church music, por George B. Stauffer, 2001.

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música na Igreja Luterana tem sua origem na adaptação da seconda pratica53 da escola italiana, na qual o texto está intimamente relacionado com a música. A ênfase estava na representação emocional do texto, ao ponto que o próprio texto poderia interferir nas ordenações de composição. Com isso, os compositores necessitaram de uma adaptação a este estilo. No que confere a Bach, sabe-se que em seu tempo sua música era normalmente executada por músicos amadores, o que certamente pode ter causado relativa dificuldade no que diz respeito a elementos interpretativos ligados à expressão e retórica. Wilibald Gurlitt assume a visão de Bach como uma figura "conservadora", profundamente influenciado pelo espírito religioso em que vivia. Para Gurlitt, as virtudes de Bach se concretizam na "solidez, rigor e severidade" (GOLOMB, 2004). Contenção e sacralidade são características essenciais da personalidade do compositor. O que Gurlitt e Schering compartilham na representação da música de Bach pode estar relacionado a uma suposta ideia de autenticidade, e que se reflete na interpretação adotada em Leipzig. Karl Straube sustenta a mesma ideia da manutenção e utilização do coro de meninos, e também Straube e Ramin eram entusiastas dos esforços de Gurlitt, no sentido de reconstruir órgãos barrocos e introduzi-los na interpretação da música de Bach. Nesse sentido, pode-se dizer que a "Escola de Leipzig", no século XX, foi a vanguarda da performance histórica e era combatida pelos opositores do historicismo. O pensamento de Ramin (apud GOLOMB, 2004) se direciona para uma visão predominantemente religiosa da música de Bach, considerando, com isso, a inexistência de elementos seculares ou operísticos na música de igreja do compositor. Destaca, ainda, o equilíbrio perfeito entre forma e conteúdo, objetividade e expressão. Há, com isso, uma confluência com a tese de Gurlitt, a religiosidade direcionando para a austeridade, e por fim, caracterizando a interpretação. Segundo Golomb (2004), a interpretação de Ramin tem como características severidade e rigor. Esporadicamente, utiliza o rubato, mas outros parâmetros se mostram estáveis, lineares. Tende a uma articulação mais nítida, no sentido de uma clareza melódica e fortes legati e blocos de construção musical, utilizando tempos mais lentos e a performance inflexível.

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O termo seconda pratica surge no início do século XVII em contraposição a prima pratica, para o entendimento de uma nova e moderna forma de composição representada principalmente por Claudio Monteverdi. Ver: The New Grove Dictionary of Music and Musicians, verbete: prima pratica, por Claude V. Palisca, 2001. Claudio Monteverdi edita em 1605 o livro Seconda Pratica, overo Perfettione della moderna musica, no qual explica os princípios da nova "música moderna". HAYNES (2007, pg.121)

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Karl Richter, como discípulo de Günther Ramin, estava diretamente influenciado pela Escola de Leipzig, portanto, tendo absorvido muitas das características interpretativas originais de seu mestre. Richter, ao mesmo tempo, estava profundamente ligado à religião, pois cresce em uma família na qual seu pai era pastor da Igreja Luterana. O cargo de kantor em Markuskirche representa grande significado emocional, o qual exerce com grande dedicação, apesar da dificuldade em conciliá-lo com uma sólida e intensa carreira internacional. Antes de sua partida para Munique, Richter desenvolve sua carreira em Leipzig, na qual percebe-se um estilo próprio de interpretação, ainda que influenciado por Ramin e a Escola de Leipzig. Roland Wörner (apud GOLOMB, 2004) usa o termo Leipzig, der Bundesrepublik, numa alusão ao desenvolvimento da carreira e estilo de Richter, quando da sua transferência da antiga Alemanha Oriental (DDR) para a Alemanha Ocidental (Bundesrepublik Deutschland), ou seja, metaforicamente Leipzig transferindo-se para o Ocidente e transformando Munique em novo centro difusor da música de Bach. Após sua assunção como kantor em Markuskirche e a posterior fundação do Coro Bach de Munique, sua fama de fato se concretiza, devido ao trabalho desenvolvido com este corpo artístico, que continua tomando parte nos serviços litúrgicos da igreja, ainda que com todos os compromissos contratuais de concertos na Alemanha e no exterior. Richter, de fato, acredita na imagem de "Bach-como-luterano", com sua música intimamente ligada ao culto. Para Richter, as cantatas religiosas eram consideradas a espinha dorsal da obra de Bach, pensamento esse que relativamente o afastou das cantatas seculares. A música de Bach, segundo Richter, não pode ter o mesmo tratamento interpretativo dos compositores posteriores a ele, portanto elementos de dinâmica e agógica, como crescendo, diminuendo ou rubati, são considerados excessivamente românticos e inapropriados para a linguagem de Bach. Mas seguindo os mesmos princípios de Straube e Ramin, Karl Richter aplica o legato em sua maneira de articulação, assim como o vibrato nas cordas e contrastes dinâmicos súbitos (GOLOMB, 2004). Como já dito anteriormente, Richter determinava que seus alunos de órgão cantassem no coro para o aprendizado de como cantar Bach e consequentemente transportar a linguagem para o instrumento. Podemos observar que a influência direta da Escola de Leipzig em Karl Richter ocorre primordialmente pela ideia sustentada por Ramin e Gurlitt do "Bach religioso", da sobriedade e austeridade. Ainda que no campo interpretativo, a crença de Straube e Ramin de que a continuidade na tradição em Bach se dava pelo uso do coro de meninos, ou a busca de uma sonoridade barroca através de uso ou reconstrução de órgãos (o que pode-se sugerir, seja um

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pensamento precursor da PHI), Karl Richter não é adepto desta prática, e como já dito, cria um estilo próprio, uma hibridez com elementos da Escola de Leipzig (austeridade), e uma visão particular de como interpretar a música barroca, ou Bach especificamente, Golomb (2004) enumera algumas das características de estilo de Karl Richter. Sabe-se que a opção do artista foi a negação explícita de diferenciações de movimentos agógicos e dinâmica. Entendemos estes elementos como característicos do estilo romântico: a instabilidade da fluidez musical, bem como grandes nuances de intensidade sonora. Richter tinha a consciência de que a interpretação estava intimamente ligada ao emocional. Uma obra jamais seria executada igualmente duas vezes, um concerto jamais seria igual ao outro. Em depoimento no filme produzido por Tobias Richter (2006), The Legacy of Karl Richter, podemos entender seu pensamento: É claro que eu ouvi as pessoas dizerem que a performance da Paixão Segundo São Mateus que realizei este ano, era completamente diferente do ano passado. Isso não é intencional. Eu não sei se tem alguma coisa a ver com minha pressão arterial. E simplesmente acontece quando você sobe ao podium e começa a executar uma peça, a situação é sempre diferente, você está com um humor diferente. Cada dia você tem ideias diferentes sobre o trabalho que você executa. Isto é ruim quando você já não tem mais quaisquer ideias. Quando você não está inspirado é ruim.

Segundo Golomb (2004), a concepção interpretativa de Richter demonstrava real aversão por uma única interpretação da música. Está de acordo com uma visão organicista da performance, algo que está sempre em movimento, em mutação. Ainda que tenha vivido sua infância cantando em um coro de meninos, Karl Richter considera que somente um coro misto seria capaz de demonstrar as forças expressivas da música de Bach, utilizando-se essencialmente de vozes jovens e brancas em seu coro. No contexto orquestral (instrumental), percebe-se um conjunto numeroso e robusto de músicos e uso de instrumentos românticos. Richter, no entanto, fez algumas poucas vezes concessões ao uso de instrumentos antigos, como na Paixão Segundo São João, BWV 245 no arioso do baixo Betrachte, meine Seel, utilizando o alaúde como contínuo, e na ária de tenor seguinte Erwäge, wie sein blutgefärbter Rücken, utilizando ali um par de violas d'amore. É fiel também ao uso da viola da gamba no sexto Concerto de Brandenburgo BWV 1051. Em relação ao órgão, Richter não vai muito além daquilo que lhe foi apresentado em Leipzig (GOLOMB, 2004), mas podemos observar gravações feitas tanto em instrumentos modernos com registros eletrônicos, bem como órgãos históricos, com registros manuais. Richter se apresentava com frequência na Basílica de Ottobeuren, uma pequena cidade próxima de Munique, no órgão construído em 1766 por Karl Joseph Riepp. Em 1967, Karl Richter

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orienta a construção do órgão (Ott-Orgel) na Markuskirche em Munique, em dimensões menores próprio para o repertório barroco.

Figura 3- Órgão Karl Joseph Riepp, 1766. Ottobeuren, Alemanha.

Em relação ao cravo, Karl Richter manteve-se fiel ao uso do cravo Neupert, um instrumento moderno, de pedais, com uma sonoridade bastante peculiar e diferente dos cravos históricos (ou cópias). Ainda assim, Golomb (2004) diz que Richter teve conhecimento dos instrumentos históricos. Jank (2015) reafirma a mesma tese em sua fala, dizendo que ao longo do século XX, os cravistas que utilizaram instrumentos modernos tiveram em algum momento contato com as cópias Todos eles passaram pela transformação a qual os instrumentos passaram e cada um à sua maneira. Eu acho que o próprio Karl Richter por exemplo, eu só soube de ele ter um cravo, uma cópia, que era uma cópia Neupert perto de...no final dos anos 70, mas não sei se ele já tinha faz tempo. Mas nenhum deles ficou sem conhecer a cópia. Nenhum deles ficou só tocando aqueles...

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Figura 4- Ott-Orgel, Markuskirche, Munique 2015

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Figura 5- Karl Richter ao cravo Neupert, 1970.

Karl Richter, ao longo de seus trinta anos de carreira junto ao Coro e Orquestra Bach de Munique, viu a renovação da interpretação da música barroca, desde a tradição romântica vinda de Leipzig, ou de seu contemporâneo Helmuth Rilling, passando por Harnoncourt e Leonhardt, "fundadores" da PHI, e chegando a nomes que consolidaram a PHI, como John Eliot Gardiner, Philippe Herreweghe ou Tom Koopman. Com tudo isso, Richter mantém seu estilo ao longo de toda a sua carreira.

Figura 6- Cravo de Karl Richter em sua residência no Lago Zürich, Suiça.

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Figura 7 - Coro e Orquestra Bach de Munique em ensaio, 1968.

Golomb (2004) diz que Richter questiona qual seria a relevância da musicologia para a prática performática. Segundo matéria de Peter G. Davis, de 1981 publicada no The New York Times, Richter, em uma ocasião, expressa seu pensamento em relação a PHI que aos poucos ganhava espaço, através de uma nova visão interpretativa para a música barroca, dizendo que Muitas das "descobertas" da musicologia moderna apenas levam à confusão. Por exemplo, a descoberta do chamado estilo de ouverture francesa. É importante para a música de Rameau ou Couperin. Mas quando você tenta aplicá-lo para as obras "francesas" de Bach, elas se tornam peças completamente diferentes. É basicamente sem sentido. Nesse caso, os estudiosos que fazem as regras foram longe demais. Você não pode viver só de regras. As pessoas fazem as regras, porque eles não têm vida 54.

As críticas poderiam ser favoráveis, reconhecendo sua alta qualidade artística, como diz ainda a mesma matéria acima citada, relembrando uma crítica de John Rockwell da década de 1980, "foi um concerto altamente eficaz[...] rubatos exuberantes e aumentos nos crescendos e um robusto canto coral". Já um dos nomes mais relevantes na atualidade ligado a PHI, Gardiner (2013, pg.20), relata sua impressão um tanto negativa ao ouvir Karl Richter regendo o coro na Markuskirche em 1967 Nem sequer a audição de suas musculares gravações das cantatas, poderia me preparar para o volume sonoro opressivo e de uma incrível agressividade do moteto Singet dem Herrn, executado por setenta bávaros robustos colocados na galeria da Markuskirche. 54

Ver: http://www.nytimes.com/1981/02/17/obituaries/karl-richter-conductor-dies-at-54-leader-of-munichbach-orchestra.htm The New York Times de 17/01/1981, edição online.

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Antonio Hernândez, na sua crítica de "O Globo" (17/08/1978, Segundo Caderno, pg.37), registra sua impressão sobre um concerto do Ciclo Bach do mesmo ano e diz que Existe porventura um Bach mais autêntico? Seguramente, de maneira nenhuma na letra morta dos pesquisadores de bibliotecas que vez por outra e para perdição dos ouvintes visitam o Rio. Estilo é, sobretudo, vida. O elemento que nunca falta nas exibições de Karl Richter.

Karl Richter, em sua época, foi um artista muito bem-vindo pela crítica e público, por ser visto como um elemento de rompimento com o romantismo do passado, de formas exageradas e sentimentais. Richter se caracterizava pela precisão, clareza e sobriedade (GOLOMB, 2004). Possivelmente, podemos considerar as exigências contratuais de sua gravadora Deutsche Grammophon, como uma das hipóteses da permanência de seu estilo. Como já dito anteriormente, Richter ficou restrito principalmente às gravações de Bach e Händel, e não teve grandes possibilidades em desenvolver uma discografia relevante que ultrapassasse ambos os compositores. Em matéria publicada no Jornal do Brasil, quando de sua vinda ao Rio de Janeiro em 1976, Karl Richter explica sua não adesão à PHI da seguinte forma Gosto de tocar Bach com instrumentos modernos. Apesar de vir de um meio de tradição pura (foi organista na igreja em que Bach foi kantor), tenho certeza de que Bach estaria de acordo com a minha realização. Trata-se de um problema de sonoridades, porque é preciso integrar todos os instrumentos e fazê-los produzir ao máximo. Existem puritanos que lançaram a moda de só tocar-se Bach com instrumentos de época. Infelizmente eles agem muito mais por modismo e esnobismo que por outra razão (04/08/1976, Caderno B,

capa). Posteriormente, de forma paradoxal, Karl Richter passa a ser tratado como um artista romântico em um contexto quase que pejorativo. Considera-se que Richter tenha sido caracterizado como tal, após o surgimento de uma nova geração de artistas representantes da PHI, criando-se assim um parâmetro comparativo de interpretação, já que, conforme dito anteriormente, ao longo da década de 1950 e início da década de 1960, o estilo moderno, o qual classificamos Richter, era a forma vigente da interpretação da música barroca (DAVIS, 1981; GOLOMB, 2004). O que podemos observar é que seu estilo combina simultaneamente elementos que evocam o romantismo (tempos lentos e constantes, articulação rítmica pesada) mas ao mesmo tempo se direcionam para o antissentimentalismo próprio do estilo moderno (um tom de sobriedade, autoridade, precisão da partitura). O estilo de Richter se modifica ao longo do tempo, mas sempre com uma hibridez entre o romântico e o moderno. Em seus primeiros anos, caracteriza-se claramente pela precisão e rigidez, de certa forma francamente influenciado por

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Straube e Ramin. Em outros momentos, encontra seu estilo próprio. Se comparado às gravações de seus mentores, percebe-se em Richter tempos mais rápidos e vigorosos, articulação incisiva, texturas leves e claras e dinâmica variada (GOLOMB, 2004). O andamento adotado por Richter costuma ser mais lento, se comparado a artistas de gerações posteriores, em especial da PHI. A articulação utilizada é caracterizada por uma uniformidade, observada em especial nos movimentos lentos nos quais aplica um legato contínuo, vibrato intenso e longo fraseado. Em movimentos rápidos, contrariamente adota uma articulação mais incisiva, staccato alternado com legato em seções mais expressivas. Encontrase também o uso do tenuto non legato, ou seja, os valores das notas são estendidos, porém estas não se unem às notas subsequentes. A gama de articulação aplicada por Richter é ampla, porém pode-se caracterizar padrões em tipos específicos de movimentos. No que diz respeito à dinâmica, Richter rejeita crescendo/diminuendo por acreditar ser claramente romântico e portanto, inapropriado. Sua forma tradicional é forte/piano podendo alternar a intensidade de um fortissimo para pianissimo súbito, caracterizando com isso enorme dramaticidade (GOLOMB, 2004). Quanto ao tratamento coral, Richter valoriza a clareza e leveza das vozes, algo que certamente herdou do legado de Leipzig (coro de meninos). Utiliza vozes jovens, o que resulta em brilho, fluidez e leveza. Não aplica vibrato excessivo. Poderia alternar entre um agudo severo ou um timbre mais suave, dependendo da necessidade. Seus solistas eram normalmente mais opulentos, com vozes potentes e dramáticas. Richter contraria Schering no que diz respeito à utilização da voz, quando pregava a não utilização de solistas femininos ou cantores de ópera aplicados à música de Bach (GOLOMB, 2004). Neste caso, Richter utiliza experientes cantores líricos, como Peter Schreier, Gundula Janowitz, Edith Mathis, Theo Adam, Dietrich Fischer Dieskau, entre outros.

3.4 Karl Richter no Brasil Se considerarmos as notícias jornalísticas na década de 1950, Karl Richter não era um dos nomes mais conhecidos do público brasileiro, através de pesquisas feitas nos diários cariocas Jornal do Brasil, Correio da Manhã e Diário de Notícias. Na década de 1960 o regente já se torna um nome famoso entre o público nacional, e se consolidou após 1966, ano de sua primeira vinda ao Rio de Janeiro.

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A notícia mais antiga encontrada, data de 1º de abril de 1958 do Correio da Manhã, na coluna de música assinada por Eurico Nogueira França na matéria intitulada "Um brasileiro em Florença". Ali, França narra sua estadia na cidade italiana, e sua descoberta ao acaso da apresentação do "Bach-Chor de Mônaco, dirigido pelo organista Karl Richter na Basílica de Santa Croce. Segundo o narrador, na noite do concerto "o público se amontoava na bilheteria, ao lado da Igreja, disputando as entradas". Ouviu-se a Tocata e Fuga em ré menor, e três motetos de J. S. Bach. O crítico considera o concerto como algo "inolvidável"55. Posteriormente, na edição de 1959 do Diário de Notícias, Aluizio Rocha comenta as gravações lançadas nos Estados Unidos até o final do referido ano. Segundo a matéria, a "Paixão Segundo São Mateus" de J. S. Bach teria cinco versões diferentes: a primeira com Karl Richter, da série Archive da Deutsche Grammophon. A segunda pela gravadora Telefunken com intérpretes ainda não divulgados. A terceira versão seria com Orquestra e Coro da Ópera de Viena, com um grupo de conhecidos solistas sob a regência de Mörgens Wöldike. A quarta gravação, também com músicos de Viena sob a direção de Ferdinand Grossmann, e por fim, a versão de Fritz Werner vinda da Alemanha. Com exceção de Richter, todos os outros regentes nascem no século XIX, o que aponta para possíveis interpretações com fortes elementos românticos56. Três anos depois, o crítico do Jornal do Brasil Renzo Massarani, em sua coluna, noticia que a Associação Wagneriana de Buenos Aires irá realizar no ano de 1962, uma série de concertos na capital argentina, e que contará com a presença dos regentes Heinz Wallberg, Lamberto Baldi e Karl Richter, que iria reger na ocasião a Fantasia para piano e coro de Beethoven e o oratório "Sansão", de Händel57. O que se segue no período até 1966, são críticas de lançamentos de discos gravados por Karl Richter, ou transmissões de suas gravações através da programação diária da Rádio Jornal do Brasil, no Rio de Janeiro. Se considerarmos alguns músicos brasileiros que atuaram com Karl Richter durante os Ciclos Bach, o regente não era um absoluto desconhecido. Norton Morozowicz diz que "conhecia muito bem através de gravações que ouvia desde a minha adolescência. Sempre tive muito apreço pela obra de Bach e as interpretações de Richter". Carlos Rato afirma que "conhecia através de suas gravações, apenas". Celso Woltzenlogel não tinha conhecimento de 55

Ver: Correio da Manhã, edição de 1º de abril de 1958, "Um brasileiro em Florença". 1º Caderno, seção "Música". Pg.15. 56 Ver: Diário de Notícias, edição de 4/10/1959, "Novas gravações da Paixão Segundo São Mateus e do Messias", Suplemento Literário, coluna "No mundo dos discos" pg.6. 57 Ver: Jornal do Brasil, edição de 18/4/1962, Caderno B, seção de música, pg.4.

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Karl Richter. Sandrino Santoro conta que "pessoalmente não conhecia. Conhecia pela sua fama, que todos os colegas falavam dele e fui conhecê-lo em 76 na Sala Cecília Meireles". A cravista inglesa Bridget de Moura Castro, participante do Ciclo Bach de 1968, diz que "desde criança adorava a música de Bach. Conheci as gravações e reputação dele na Inglaterra, onde cresci". Carlos Alberto Figueiredo, que integrava o coro da Associação de Canto Coral na década de 70 diz que conhecia Richter "pouco". E Peter Dauslberg "sim, pela fama e pelas gravações". O público frequentador dos Ciclos Bach era numeroso. Segundo notícias da época, personalidades, políticos, médicos, público em geral, jovens, assistiam aos concertos. Conseguimos o contato com alguns nomes do mundo musical brasileiro que assistiram a pelo menos um concerto dos Ciclos. Rosana Lanzelotte, Rodolfo Caesar e Ronaldo Miranda não conheciam nada a respeito de Karl Richter. Myrna Herzog diz que assistiu apenas um concerto do Ciclo, mas considerava Karl Richter "frio e quadrado", e por conta disso preferiu não assistir aos concertos. Helena Jank naturalmente o conhecia, por ter sido sua aluna na Alemanha. Karl Richter já era então um nome de grande circulação entre o público brasileiro, e tornou-se mais famoso entre nós após sua primeira vinda ao Rio de Janeiro. Enquanto na Alemanha era um artista já renomado, suas gravações começam a surgir no Brasil a partir da década de 60. Renzo Massarani, em 1966, faz uma menção ao lançamento do LP com as "Variações Goldberg" tocadas ao cravo, e diz que "Estas variações, cujo cravo não pode ser mesmo substituído pelo piano e que, também por isso, são tão pouco executadas"58. No mesmo ano é lançado no Brasil o LP com a Paixão Segundo São Mateus, com Dietrich Fischer Dieskau59. Karl Richter, antes de chegar ao Brasil, tinha na América do Sul apenas Buenos Aires como cidade integrante de sua agenda de concertos anual. Desde o início da década de 60, participava ativamente da temporada de óperas do Teatro Colón (WÖRNER, 2005), bem como no Teatro Coliseo na mesma cidade. Ayres de Andrade, então diretor musical da Sala Cecília Meireles em 1966, era um grande admirador da obra de J. S. Bach e atento ao grande interesse que a música barroca despertava no público carioca, em especial os jovens. Marques (2006) cita o texto escrito pelo crítico musical Antonio Hernândez do jornal "O Globo", em homenagem a Ayres no evento de seu falecimento em 1974, dizendo que 58

Ver Jornal do Brasil, 26/7/1966, Caderno B, Coluna de Música, pg.2. Richter gravou cinco versões para a Paixão Segundo São Mateus. A primeira em 1958 acima citada. Em 1963 faz a segunda gravação no Teatro Colón de Buenos Aires. Em 1969, ao vivo em Tokyo. No ano de 1971 é produzido um filme em estúdio, e a última em 1979. Ver: http://www.bach-cantatas.com/Vocal/BWV244-Richter.htm 59

102 [...] e ele, que conhecera em sua juventude o esplendor do Rio de Janeiro rivalizando com Buenos Aires e as capitais européias, se recusava a ver na sua cidade qualquer indício de província.

Certamente ali, na capital argentina, Ayres toma conhecimento da presença frequente da maior autoridade mundial em Bach, e com isso inclui na agenda musical carioca o nome de Karl Richter, que passaria a ser uma das personalidades mais frequentes nos palcos cariocas das décadas de 1960 e 1970. Personalidade introvertida, sério e disciplinado, Karl Richter era tido como um regente absolutamente concentrado e exigente. Segundo declaração de Jank (2016) Nos ensaios, Richter sempre foi muito concentrado e intenso e não tinha nem um pouco de paciência com quem não reagia da mesma maneira. Quando irritado, podia ser muito desagradável e usava de uma ironia às vezes ate ofensiva.

Quanto sua relação com os músicos brasileiros, ainda Jank (2016) diz Sempre tive a impressão que Richter era mais gentil e amigável com os músicos brasileiros, do que com os europeus. Frequentemente comentou comigo o quanto gostava dos músicos sul-americanos, especialmente por sua musicalidade, que ele dizia não encontrar com tanta facilidade nos colegas europeus ou norte-americanos (mas isto não o impedia de ser bem desagradável com aqueles que não correspondiam às suas expectativas). Creio também que em suas vindas ao Brasil, Richter agia de maneira mais descontraída, talvez por não se sentir aqui tão fortemente pressionado pela opinião pública e pelas responsabilidades advindas de uma carreira tão “meteórica” como foi a dele na Europa, Estados Unidos e Japão.

Karl Richter se mostrava bastante reservado em suas declarações sobre sua relação com os músicos brasileiros. Não era comum que concedesse entrevistas aos jornais, e naquelas poucas encontradas, sempre se mostrava favorável à qualidade dos grupos musicais que dirigia. Reconhecia a qualidade do coro da Associação de Canto Coral e de Cleofe Person de Matos dizendo: "Coral de Cleofe não precisa de ensaio", segundo sua declaração publicada no Jornal do Brasil (12/08/1976, Caderno B, pg,2), ou "Sei que o Brasil tem agora uma vida musical em nível internacional e sei que grandes artistas têm vindo aqui com agrado" (Jornal do Brasil, 10/08/1978, Caderno B, capa). Em seus concertos no Rio de Janeiro, costumava fazer poucos ensaios, algo que Dauelsberg (2014) ressalta em sua declaração Ele detestava ensaiar, detestava, prá desespero da Associação de Canto Coral, naquela época era a Cleofe Person de Mattos, e meu amigo, Osmar Ferreira, que era uma das almas. Essa Associação teve muita importância na divulgação de todo esse repertório [...] A princípio os Bachs eram feitos com muita paixão por todo mundo, e isso reflete, mesmo se o coro não tivesse talvez a qualidade dos coros europeus, eles tocavam, porque aquilo era esperado, era o momento da vida musical do Rio, que eu tenho muita saudade. E eles se empenhavam [...] Ele detestava ensaiar, detestava. Mas na hora, ele tinha um domínio sobre todo mundo, todo mundo se empenhava, se empenhava realmente.

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Richter, em suas vindas ao Brasil, não ficava restrito aos concertos no Rio de Janeiro. Eventualmente encaixava em sua agenda alguns recitais de órgão em São Paulo, e há notícias de que em 1971 e 1972, anos que não se realizou o Ciclo Bach na Sala Cecília Meireles, possivelmente de passagem para uma de suas tournèes a Buenos Aires, Richter fez um recital de órgão na capital paulista, conforme notícia veiculada no Jornal do Brasil de 21/08/1972, 1º caderno pg.12 O organista alemão Karl Richter, que no ano passado conseguiu levar ao Teatro Municipal uma plateia que, em grande parte, foi obrigada a sentar-se no chão para ouvilo, volta a se apresentar hoje às 21 horas, com um programa de músicas do mesmo autor da sua primeira audição: J. S. Bach. O programa, organizado pela Sociedade de Cultura Artística, também responsável pela vinda de Karl Richter a São Paulo em 1971, inclui entre outras músicas de Bach, o Prelúdio e Fuga em si menor, Trio-Sonata nº 6 em sol maior, Passacaglia e Prelúdio e Fuga em ré menor.

Figura 8- Ensaio de Karl Richter com o Coro da Associação de Canto Coral.

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Figura 9- Ensaio de Karl Richter com o Coro da Associação de Canto Coral.

Figura 10- Ensaio de Karl Richter na sede da Associação de Canto Coral, Rua das Marrecas.

No ano de 1977, a convite do Arcebispo D. Oscar de Oliveira e do Presidente da CEMIG (Companhia Energética de Minas Gerais) à época, Francisco Afonso Noronha, Karl Richter foi até a cidade de Mariana em Minas Gerais, para avaliar o órgão existente na Catedral da Sé nesta cidade e que necessitava de restauro 60 .Trata-se de um órgão do construtor alemão Arp Schnitiger de Hamburgo, que em 1701 vendeu dois instrumentos para a Corte em Portugal. Um

60

Ver: http://www.orgaodase.com.br/

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deles permaneceu na cidade de Faro, enquanto o outro, posteriormente, fora enviado para o Brasil em prefeitas condições, sendo montado na cidade de Mariana em 1753 (DODERER, 2001). Fora de uso por quase meio século, Richter recomendou que sua restauração fosse realizada pela firma von Beckerath de Hamburgo, na Alemanha61. Sabemos ainda, que durante a segunda edição dos Ciclos Bach, Karl Richter fez um recital organístico promovido pela Sociedade de Cultura Artística, em São Paulo no Mosteiro de São Bento em 22 de agosto de 196862 com um repertório dedicado exclusivamente a Bach, assim como uma apresentação também em Belo Horizonte. Há ainda a notícia de um concerto beneficente realizado no Teatro Municipal de São Paulo anteriormente no ano de 1969, quando Richter interpreta Messiaen, Liszt, Reger e Bach.

Figura 11- Recital de Karl Richter no Teatro Municipal de São Paulo, 1969.

A última vinda de Karl Richter ao Brasil, acontece em dezembro de 1979, quando participa na Sala Cecilia Meireles do "I Encontro de Instrumentistas de Cordas". Foram dois

61 62

Ver: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-47142010000100008 Ver: http://www.revista.brasil-europa.eu/116/1968-Karl-Richter.htm

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concertos realizados por Richter, acompanhado de uma orquestra de câmara formada especialmente para o evento, e que contava com alguns dos solistas de cordas mais relevantes em atividade à época no Brasil, como Erich Lehninger, Michel Bessler, Cussy de Almeida, Peter Dauelsberg, entre outros. Norton Morozowicz e Ariane Pfister juntam-se a Richter na versão do Concerto de Brandenburgo nº 5, BWV 1050.

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4.1 Histórico dos Ciclos Bach Segundo Caldas (2015), uma das primeiras tentativas de realização de um “Ciclo Bach” no Rio de Janeiro que se tem notícias, ocorre no ano de 1948 quando o Coro da Associação de Canto Coral se reordena em um coro misto. A gênese deste coro é um conjunto de vozes femininas denominado “Coral Feminino Pró-Arte” sendo Cleofe Person de Matos uma de suas fundadoras no ano de 1941. Este evento teve um caráter beneficente, realizado na antiga Escola Nacional de Música no mês de novembro do referido ano com a participação de professores da Orquestra Sinfônica Brasileira e do Coro da ACC. Ainda segundo Caldas (2015), um outro “Festival Bach” ocorre em dezembro de 1950 com os mesmos grupos musicais citados acima e o Coro da OSB. Como já vimos na parte inicial deste trabalho, os Ciclos Bach surgem através da iniciativa do musicólogo e então diretor artístico da Sala Cecília Meireles, Ayres de Andrade, que atuou ali entre 1966 (ano da segunda reinauguração da Sala) e 1971, quando então assume com José Mauro Gonçalves, a direção do Teatro Municipal do Rio de Janeiro. Os Ciclos Bach foram realizados em oito edições não consecutivas, divididos em dois períodos na Sala Cecília Meireles: primeiro na gestão de Ayres de Andrade (1966, 1968, 1969 e 1970) e posteriormente sob a direção de Myrian Dauelsberg (1975, 1976, 1977 e 1978). Em todas as edições houve a presença do regente, cravista e organista Karl Richter. Admirador da música de J. S. Bach e frequentador das temporadas musicais de Buenos Aires, cidade que Richter frequentemente incluía em sua agenda de concertos, Ayres de Andrade traz ao Rio de Janeiro pela primeira vez o regente que iria ser a figura principal dos Ciclos. Empenhado em transformar a cidade em uma das capitais internacionais da música, Andrade encontrou apoio em José Mauro Gonçalves, então diretor da Sala Cecília Meireles para a realização do evento que iria abranger obras de J. S. Bach, algumas bastante divulgadas, bem como outras não tão conhecidas pelo público brasileiro Como musicólogo e pesquisador, Ayres de Andrade publica em 1967 o livro em dois volumes "Francisco Manuel da Silva e seu tempo", obra considerada como referência para o estudo da música brasileira, em especial a música do Rio de Janeiro63. Os argumentos utilizados por Ayres para a realização do Ciclo, ficam bastante evidentes na declaração feita, e que diz Neste Ciclo bachiano, o compositor foi propositalmente visado na sua condição de autor de Cantatas religiosas, por ser um gênio bem pouco

63

Academia Brasileira de Música: http://www.abmusica.org.br/academico.php?n=rayres-de-andrade&id=142

108 divulgado entre nós e do qual, como se sabe, ele foi o incomparável mestre

(O Globo, 01/11/1966, pg.7). Continuando em sua argumentação na mesma matéria jornalística, o diretor artístico da Sala Cecília Meireles diz que conta com o apoio de alguns nomes e entidades oficiais que apoiaram a criação de seu projeto Para a realização dos quatro concertos, devo agradecer a colaboração da Embaixada da Alemanha, da Associação de Canto Coral com Cleofe, do Prof. Eremildo Luís Viana, que cedeu a OSN e o Coro MEC, Vieira de Melo e Cláudia Morena do Municipal. Desde o princípio, encontrei também o franco apoio do diretor da Sala, José Mauro, cuja colaboração pessoal muito facilitou as providências que se faziam necessárias para a realização do Ciclo. O ilustre regente Karl Richter e seus cantores chegarão por avião no dia 28 e partirão logo no dia 2 (Jornal do Brasil, 06/11/1966, Caderno B, pg.6).

Renzo Massarani em sua coluna diária da crítica musical, afirma a diminuta inclusão da música de Bach na agenda de concertos da cidade "[...] Bach esquecido no mundo por 100 anos, esquecido no Rio por muitos meses cada ano, logo se agiganta com as matemáticas e os contrapontos" (Jornal do Brasil, 16/11/1966, Caderno B, pg.2). Assim, no mês de novembro de 1966, ao encerramento da segunda temporada de programação da sala de concertos, a direção edita o I Ciclo Bach, trazendo ao público um elenco de artistas nacionais que mostrariam uma série de cantatas religiosas ainda desconhecidas no Brasil, suítes e concertos, finalizando com a primeira audição no Brasil das três primeiras cantatas do "Oratório de Natal", com a regência de Karl Richter. Este mesmo concerto de Richter se repetiu no dia seguinte, no Teatro Municipal do Rio de Janeiro. Antonio Hernândez em sua crítica musical do jornal “O Globo”, nos dá uma idéia da dimensão do que representou para o público carioca em termos de novidade e qualidade, a primeira edição do Ciclo Bach, destacando a participação de cento e trinta e três músicos no total, entre solistas, coro e orquestra O resultado foi o melhor concerto de 1966 no Rio, como podem testemunhar mais de mil pessoas que superlotaram a sala – inúmeras em pé ou bloqueando as escadarias da plateia superior (01/11/1966,

pg.6). Situações semelhantes ocorreram invariavelmente em todas as edições subsequentes dos Ciclos, assinaturas esgotadas com muita antecedência, superlotação da Sala Cecília Meireles e a afirmação da série bachiana como principal evento das temporadas da sala de concertos.

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Figura 12- Programação do I Ciclo Bach em 1966

Percebe-se, pelas críticas jornalísticas da época, a forte influência do estilo moderno, ressaltando-se a instrumentação utilizada E seriam necessários também alguns instrumentos que aqui não temos: o cravo, antes de mais nada, que bem dificilmente pode ser substituído pela voz de um piano que (particularmente no Alegro inicial do Brandenburguês) leva inevitavelmente o intérprete para sonoridades profanas e berrantes, estilo Rachmaninov (Jornal do Brasil, 23/11/1966, Caderno B, pg.2).

Bem como as proporções orquestrais utilizadas ao longo dos concertos, conforme descreve Renzo Massarani A execução, no seu conjunto, contribuiu bastante para a feliz realização do ágape bachiano, graças sobretudo a Alceu Bocchino, às vezes um pouco pesado (aliás, uma orquestra baseada em sete contrabaixos não se teria podido adequar aos preciosos pormenores da suíte) [...] (Jornal do Brasil,

15/11/1966, Caderno B, pg,2). Lembremos que este foi o período no qual a simultaneidade de estilos interpretativos para a música barroca estava em pleno vigor: a performance historicamente informada se afirmava na Europa com novos paradigmas e uma nova visão sobre tal música, mas ao mesmo tempo o estilo moderno continuava a exercer sua influência sobre os artistas da época, seja na Europa como no Brasil.

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Possivelmente, a utilização do piano foi uma opção dos intérpretes, por considerar-se a falta de cravos na cidade, como diz Massarani em sua crítica acima citada. Segundo notícias da época, Karl Richter iria reger o Oratório de Natal ao cravo, restituindo assim a figura do maestro al cembalo como na época de Bach (O Globo, 24/11/1966, pg.9). De forma geral, a crítica jornalística da época se mostrou favorável à esta primeira edição do Ciclo, em especial com o ineditismo de grande parte do repertório apresentado, bem como com a primeira vinda de Karl Richter ao Brasil. A segunda edição do Ciclo Bach não se realizou no ano seguinte, porém em 1968 a direção da Sala Cecília Meireles leva novamente o evento ao seu palco, verificando-se um aumento na quantidade de récitas bem como no número de artistas. O II Ciclo acontece entre os meses de julho e agosto deste ano em nove concertos, e trouxe algumas novidades para o público carioca que aos poucos começava a incluir o festival como parte da programação anual de concertos no Rio de Janeiro, No oitavo concerto do Ciclo, Karl Richter iria inaugurar o "primeiro cravo de concertos do Brasil", um cravo Neupert modelo "Bach" comprado na Alemanha sob a orientação do regente64 (Jornal do Brasil, 21/08/1968, pg.18). Além da estreia do novo cravo, a récita da Paixão Segundo São João foi trazida por Karl Richter pela primeira vez no Brasil em sua versão integral. Myrian Dauelsberg (2014) fala a respeito do cravo da Sala Cecília Meireles Mas por qualquer coisa, o cravo enguiça, e tocava num cravo do Roberto de Regina, que é meu amigo e tudo isso, mas ele queria um Neupert, então era uma atrapalhada. Então, tinha um Neupert na Sala comprado pelo Ayres de Andrade [...].

Richter, de fato, era adepto deste instrumento construído pela empresa alemã J. C. Neupert, da cidade de Bamberg. Possuí recursos modernos, como pedais e uma sonoridade própria do espírito do tempo (Zeitgeist), a década de 1930. Foi construído inspirado no cravo catalogado como nº 316 do Museu de Instrumentos Musicais de Berlim (Musikinstrumenten Museum- Berlin).

64

Segundo ALBUQUERQUE (2008), na era moderna ao longo do século XX, o cravo ressurge no Brasil principalmente pelo conhecimento aqui de Wanda Landowska através de suas gravações. Até a década de 1970, os cravos existentes eram essencialmente os industriais importados e após esse período começam a surgir construtores nacionais que fabricavam cópias de instrumentos originais.

111

Figura 13- Cravo Neupert da Sala Cecília Meireles, 2016.

Figura 14- Anúncio do Ciclo Bach e inauguração do cravo Neupert, 1968

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A participação do coro da Associação de Canto Coral do Rio de Janeiro, ocorreu em todas as edições dos Ciclos, tanto na primeira quanto na segunda fase. Richter, herdeiro da tradição de Leipzig e da visão teológica da música de Bach, contrariamente à esta tradição, utiliza coros mistos ao invés dos coros de meninos, estes amplamente utilizados na Alemanha. O encontro entre Karl Richter e Cleofe Person de Matos- regente e preparadora do coro da ACC-, para a execução do repertório coral de Bach nos Ciclos, representa uma concordância de pensamento e estilo, tal qual Richter desempenha com o Coro Bach de Munique. Cleofe Person de Matos funda, em dezembro de 1941 o Coro Feminino Pró-Música, e cinco anos depois se transformaria em um coro misto rebatizado então como Coro da Associação de Canto Coral. Uma das premissas da Associação seria a divulgação e pesquisa musicológica do repertório brasileiro, em especial do período colonial. Cleofe Person de Matos foi pioneira na pesquisa e catalogação da obra do Padre José Maurício65. Edino Krieger coloca sua impressão sobre o Coro de Cleofe Person de Matos [...]era um coro de nível profissional, mas era um coro amador, quer dizer, eles não eram profissionais na verdade, mas eles tinham além dessa qualidade que a própria Cleofe Person de Mattos estabelecia como padrão no coro, também uma qualidade que é menos comum até nos coros profissionais da própria Europa, que é o entusiasmo que eles tinham, a participação, a paixão na verdade[...] (KRIEGER, 2014).

Coincidentemente, Myrian Dauelsberg possui a mesma percepção de Edino Krieger a respeito das atuações do Coro da Associação de Canto Coral [...]tudo na vida é questão de entusiasmo. Entusiasmo é Deus dentro de você. A princípio os Bachs eram feitos com muita paixão por todo mundo, e isso reflete, mesmo se o coro não tivesse talvez a qualidade dos coros europeus, eles tocavam, porque aquilo era esperado, era o momento da vida musical do Rio, que eu tenho muita saudade (DAUELSBERG, 2014).

Na ocasião deste II Ciclo realizado em 1968, Karl Richter declara o reconhecimento da qualidade do coro com as seguintes palavras O Coro me causou forte impressão através de sua excelente disciplina, belas vozes, inteligência musical e extraordinária capacidade de reagir às intenções do dirigente. Foi para mim -como da vez anterior- especial experiência ouvir e dirigir o Coro. Senti sempre que a regente tem o coro soberanamente nas mãos e graças à sua forte personalidade cria uma boa atmosfera. Bravíssimo e obrigado –agrada-me dizer-lhe, até a volta- Karl Richter (O Globo,

31/08/1968, pg. 4).

65

Ver: http://www.acc.art.br/p/historia_3888.html

113

É importante verificar a inclusão de solistas brasileiros no elenco de artistas de Karl Richter ao longo das edições dos Ciclos. Os cantores solistas faziam parte do elenco regular de Richter na Alemanha e acompanhavam o regente em todas as obras vocais, como Maria Stader, Ernst-Gerold Schramm, Peter Lagger, John Van Kesteren, Edda Moser, Julia Hamari, e juntando-se a eles, alguns instrumentistas brasileiros como Carlos Rato, Odette Ernst Dias, Nelson Nilo Hack, Paolo Nardi, Sandrino Santoro. Sandrino Santoro destaca a utilização do contrabaixo como instrumento realizador do baixo contínuo Tenho lembrança dele que era bem rigoroso com o ritmo e uma coisa interessante é que ele gostava do contrabaixo. Quando tinha algum solista ou alguma solista soprano, contralto, quando tinha solo de acompanhamento, ele gostava do contrabaixo e do violoncelo (SANTORO, 2016).

Junto a Karl Richter ao cravo, o violoncelista Peter Dauelsberg era normalmente solicitado para a realização do baixo contínuo, e relata que participou de todas as edições dos Ciclos Bach. Dauelsberg (2016) caracteriza Richter como um artista emotivo, e comparando-o a Helmut Rilling, centraliza a questão religiosa como uma das características distintas entre ambos. Rilling, enquanto "católico fervoroso", era fiel à composição, enquanto Richter, um "luterano ascético", era fortemente movido pela emoção e expressividade. Ambos os regentes criaram coros excepcionais e reconhecidos mundialmente, o Gächinger Kantorei e o Münchener Bach-Chor. Ainda segundo Peter Dauelsberg (2016) “o público aplaudia Rilling de pé e sorrindo, enquanto Karl Richter também era ovacionado com o público de pé e chorando”. Ainda que Karl Richter fosse a figura principal dos Ciclos Bach, a edição de 1968 teve a participação de artistas que já possuíam reconhecimento da crítica e público. O pianista João Carlos Martins, ao longo de sua carreira, registra fonograficamente toda a obra para teclado de J. S. Bach66. Neste segundo Ciclo, Martins faz o concerto inicial e apresenta sua versão para a obra integral Das Wohltemperierte Klavier. Segundo a crítica de Renzo Massarani, Martins obteve êxito em seu concerto e nos conta o sucesso que o concerto obteve com sua crítica Quem disse que esse gênero de execuções é meramente esnobe e artificioso? Prelúdios e fugas, tocados com tamanho calor humano e tamanha clareza, lotaram a Sala sexta-feira[...] (Jornal

do Brasil, 31/07/1968, pg.5).

A gambista Myrna Herzog declara que não assistiu aos concertos dos Ciclos Bach por considerar Karl Richter um "músico frio e quadrado". Mas ao mesmo tempo afirma que Assisti a um único concerto do Ciclo Bach, mas este marcou minha vida de modo definitivo. Foram as suítes de Bach tocadas pelo Paul Tortelier em 1968. 66

Ver: http://www.fundacaobachiana.org.br/

114 Eu tinha 16 anos. Depois do concerto, arranjei um cello emprestado e comecei a aprender (HERZOG,

2016).

Quanto aos concertos de Tortelier, Edino Krieger, então crítico musical interino do Jornal do Brasil, tece um texto bastante romântico, levando quase ao nível da perfeição a visão do violoncelista francês para as obras de Bach compostas para o instrumento, destacando a superação técnica para a execução das suítes para violoncelo solo (Jornal do Brasil, 09/08/1968, Caderno B, pg.2). Ainda nesta temporada de 1968, a Missa em si menor foi apresentada na versão de Ernst Ulrich von Kameke, então regente e organista da Hauptkirche St. Petri de Hamburgo que veio acompanhado de parte do coro desta igreja, integrado por cerca de sessenta cantores. Ayres de Andrade ressalta a utilização de três trompetes em ré, que segundo ele são "instrumentos da época de Bach, inexistentes no Brasil". Ayres queria garantir a "autenticidade" dos Ciclos (Jornal do Brasil, 05/08/1968, Caderno B, capa). Os concertos dos Ciclos, normalmente tinham suas lotações esgotadas. Tamanho interesse do público, levava a produção do evento a promover concertos extras, fato que ocorreu em todas as edições a partir do II Ciclo. Finalizada a programação oficial do ano de 1968, em 24 de agosto Karl Richter apresenta as "Variações Goldberg" integralmente no novo cravo Neupert recém-inaugurado na Sala Cecília Meireles (Jornal do Brasil, 06/08/1968, Caderno B, pg.3). A crítica de Edino Krieger em ocasião do encerramento do II Ciclo Bach, destaca alguns pontos que marcaram o evento. Reforça o papel da Sala Cecília Meireles que em tão pouco tempo de existência, transformou-se no centro musical mais importante de todo o país e um dos mais dinâmicos em toda a América Latina. Krieger lembra as dificuldades existentes à época, que em tese dificultariam a realização e sucesso do Ciclo, como a falta de verbas públicas de financiamento, as constantes desvalorizações cambiais, a "distância geográfica da civilização", a concorrência com os festivais de música popular que contavam com grande apoio oficial e toda a máquina promocional, mas que com o planejamento de Ayres de Andrade essas dificuldades foram totalmente superadas. Ainda na mesma crítica, seu autor define três quesitos que nortearam o desenvolvimento e sucesso do Ciclo: 1) o impacto psicológico causado pela junção maciça da música de Bach em um ciclo de concertos, o que não ocorre de forma tão evidente em concertos isolados por melhor que estes sejam. Segundo o autor, a tendência mundial (daquela época) era massificar a música e levá-la para o grande público, o que seria essencialmente a função dos ciclos dedicados a um compositor ou algum gênero; 2) a grande mobilização que o Ciclo promoveu

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entre os artistas nacionais e a motivação que resulta em qualidade. A orquestra de câmara formada para o Ciclo com músicos do Teatro Municipal (que segundo Krieger disputavam entre si para participarem deste conjunto) mostrou-se de alta qualidade, certificando que os problemas existentes nas orquestras nacionais estão diretamente ligados aos regentes ou aos dirigentes, e não à qualidade dos músicos; 3) o grande interesse despertado pelo público que lotou todas as apresentações do Ciclo. O crítico afirma que não é necessário baratear a qualidade artística para atrair o público. Pelo contrário, o ouvinte aprecia o que é bem cuidado, "a melhor música", as apresentações selecionadas, a preocupação de fato em agradar ao público, como exemplo apresentar um bom projeto gráfico dos programas que contém a tradução de todos os textos cantados, fato que aproxima de fato, o ouvinte com a significação da obra apresentada (Jornal do Brasil, 28/08/1968, Caderno B, pg.2). O III Ciclo Bach é confirmado para a temporada de 1969 e tem início no dia 24 de julho deste ano. Se na primeira edição, de um total de quatro concertos, Karl Richter participa de apenas um, na segunda edição de nove concertos totalizados, Richter está presente em dois (além de uma récita extra), nesta terceira edição de seis concertos, Karl Richter participará de quatro deles. Ou seja, percebemos um gradativo aumento da inserção do nome de Karl Richter no corpo dos Ciclos, nos quais a partir da edição de 1975, as programações serão totalmente dirigidas pelo regente alemão. O concerto de abertura desta edição apresenta obras de Bach e seus filhos, Johann Christian, Carl Philipp, Johann Christoph Friedrich e Wilhem Friedemann, abrindo assim um espaço que iria além da música barroca, com o conjunto holandês Sonata da Camara. Se até 1968 a Paixão Segundo São João era obra ainda inédita no Brasil, o mesmo não acontece com a Paixão Segundo São Mateus. Temos notícias de duas apresentações realizadas no Rio de Janeiro com a obra de Bach. A primeira acontece em agosto de 1965 no Teatro Municipal. O concerto teria toda a sua renda revertida em benefício da construção da nova Catedral do Rio de Janeiro. Totalmente traduzida para a língua portuguesa, esta versão teve a participação da Orquestra Sinfônica Nacional da Rádio MEC, e os coros da Rádio MEC, Rádio Roquette Pinto e Canarinhos de Petrópolis, sob a direção de Carlos Eduardo Prates, sendo executada em sua versão integral (Jornal do Brasil, 24/08/1965, Caderno B, pg.6). A segunda apresentação é realizada em abril de 1968 e demonstrou-se um tanto inusitada, segundo crítica de Renzo Massarani. A versão apresentada sofreu cortes que reduziu em cerca de uma hora o total da obra. Massarani questiona quais critérios foram utilizados para a “mutilação” da obra, que na ocasião teve seções fundamentais removidas e que desvirtuariam o sentido total da Paixão. Também apresentada no Teatro Municipal, desta vez Eleazar de

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Carvalho dirige o Coro e Orquestra Sinfônica do Teatro Municipal e os Canarinhos de Petrópolis. Segundo Massarani, poucos ensaios foram realizados, nos quais alguns solistas chegaram à cidade com apenas 24 horas de antecedência, e de forma inexplicável, os solistas cantaram o texto em alemão, o Coro em inglês e o Coro Canarinhos de Petrópolis "cantou, com sua linda voz branca, em bom português..." (Jornal do Brasil, 11/04/1968, pg.10). No III Ciclo Bach, Karl Richter apresenta a obra em sua versão integral, em língua alemã original, com o Coro da Associação de Canto Coral, Canarinhos de Petrópolis e a Orquestra Sinfônica Brasileira com "instrumentos antigos" (vide figura 16). Não sabemos exatamente quais instrumentos teriam sido utilizados pelos músicos da OSB, mas possivelmente teriam sido os instrumentos trazidos por Karl Richter, como a viola da gamba ou oboé d’amore que eram tocados por músicos alemães que integravam o grupo de solistas que normalmente Richter trazia em suas tournées à América do Sul.

Figura 15- Programação parcial do III Ciclo Bach de 1969.

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Ainda que não fosse um adepto da PHI, Karl Richter utilizava eventualmente instrumentos históricos em suas gravações ou apresentações, como violas d’amore, violas da gamba, alaúde, oboé d’amore, trompa da caccia, trompete em ré. Neste III Ciclo, o programa fora composto de um recital de câmara no qual Richter, ao lado do violinista Otto Büchner, tocaram sonatas para violino e cravo. Na ocasião, Büchner apresenta sua versão para a Partita nº 2, BWV 1004 utilizando um “arco redondo do tempo de Bach”67 em um violino não barroco.

Figura 16- Otto Büchner e o arco redondo “tipo Bach”.

Em relação a este concerto, Edino Krieger em sua crítica no Jornal do Brasil nos diz que 67

O arco redondo foi utilizado em especial pela escola alemã a partir do século XVII, diferentemente do arco reto da escola italiana. No século XX, o musicólogo Albert Schweitzer defende a execução das Sonatas e Partitas para violino solo de Bach utilizando-se este tipo de arco, para que se ouça os acordes em sua forma completa e não na forma de arpeggio. Ver:http://www.baroquemusic.org/barvlnbo.html

118 A presença de Karl Richter imprime, mais uma vez, o ponto culminante ao Ciclo Bach da Sala Cecília Meireles. Presença que se impôs desde o recital de sonatas para violino e cravo, com o excelente Otto Büchner, cujo arco redondo fez soar como uma primeira audição a Partita em Ré Menor, as cordas duplas, triplas e quádruplas da Chaconne soando simultaneamente, dando ao violino uma dimensão inaudita do órgão. [...] Os acordes quebrados obtidos pelo arco moderno soam como caricatura, comparados à beleza dos sons simultâneos, compactos em sua duração homogênea, produzidos pelo arco redondo colado às quatro cordas. Büechner, como Richter, é um especialista (26/08/1969,

Caderno B, pg.2). Assim como na edição do ano anterior, o enorme sucesso que os Ciclos Bach tinham em relação ao público forçavam os organizadores a inserções de récitas extras ao longo da programação original. Dois dias após o concerto da Paixão Segundo São Mateus que “teve a lotação da Sala totalmente esgotada”, a diretoria repete o programa que igualmente teve seus ingressos todos vendidos em um único dia (Jornal do Brasil, 23/08/69, pg.10). Os Ciclos, além de sua qualidade no elenco de artistas, ao menos nesta primeira fase na década de 1960 oferecia valores bastante acessíveis nas assinaturas dos concertos, o que certamente colaborou para o sucesso dos eventos. Seria impossível atualizarmos para a moeda atual os preços praticados naquela época, mas tomemos como referência o valor de um eletrodoméstico anunciado em uma edição jornalística contemporânea ao evento. Uma geladeira vendida na loja “Sears” custava NCr$ 739,90, enquanto a assinatura para os seis concertos do Ciclo Bach na plateia da Sala Cecília Meireles era vendida a NCr$ 75,00 (Jornal do Brasil, 13/07/1969, Caderno B, pg.12), ou seja, cerca de 1/10 do valor do eletrodoméstico. Podemos assim imaginar aproximadamente os valores nos dias de hoje. O interesse do público crescia proporcionalmente conforme a importância que os Ciclos tomavam no cenário musical carioca. Na primeira edição em 1966, foram vendidas o total de 67 assinaturas, enquanto até julho de 1969, início da terceira edição, a Sala havia contabilizado a venda de 230 assinaturas para o evento (Jornal do Brasil, 18/07/1969, Caderno B, pg.3). O III Ciclo Bach encerra-se em 26 de agosto em um concerto camerístico, no qual tiveram participação uma orquestra de câmara formada com músicos da Orquestra Sinfônica do Teatro Municipal e os flautistas Carlos Rato e Celso Woltzenlogel junto a Otto Büchner no Concerto de Brandenburgo nº4, Karl Richter, Otto Büchner e Celso Woltzenlogel no Concerto de Brandenburgo nº 5, o Concerto para cravo em ré menor BWV 1052 e o Concerto para violino e oboé BWV 1060. O IV Ciclo Bach tem início no dia 13 de agosto de 1970 em uma série de sete concertos, cinco dos quais contam com a participação de Karl Richter. O concerto de abertura conta

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novamente com a participação do violoncelista Paul Tortelier, com o mesmo repertório das Suítes apresentado por ele na segunda edição, em 1968. Nesta edição, percebe-se uma ênfase no repertório coral, com uma considerável quantidade de cantatas (BWV 1, BWV 12, BWV 21, BWV 79, BWV 147 e BWV 182), a Missa em si menor, essa programada para o concerto de aniversário da Sala Cecília Meireles, no dia 23 de agosto. Neste ano, Karl Richter traz duas de suas mais importantes cantoras que constam de seu elenco: Edda Moser e Julia Hamari.

Figura 17- Logotipo dos programas dos Ciclos Bach, Sala Cecília Meireles.

Para esta edição, Renzo Massarani em sua coluna destaca a utilização de “instrumentos antigos” trazidos por Karl Richter e seus solistas Como no tempo de Bach a música era executada por certos instrumentos que hoje desapareceram, para apresentar a obra do mestre alemão, tal como ela era, foram contratados vários executantes de instrumentos antigos como: Johannes Fink (viola da gamba), Kurt Hausmann (oboé d’amore), Johannes Ritzkonski e Hermann Baumann (trompa da caccia), Pierre Thibaud (trompete em ré) e Otto Büchner (violino de arco redondo) (Jornal do Brasil, 16/08/1970,

Caderno B, pg.4). Devemos questionar o quanto Karl Richter estava de fato distante ou não da PHI segundo os parâmetros estabelecidos para o uso de instrumentos barrocos. Segundo o conceito de Bruce Haynes, que define o cronocentrismo, a prática é trazer a música do passado sob uma visão atual, seja na linguagem interpretativa ou instrumental. Indiscutivelmente, Karl Richter se insere nos paradigmas definidos para o estilo moderno, com articulações, sonoridades e instrumental próprios deste estilo. Mas ao mesmo tempo, Richter abre mão de instrumentos

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que facilmente poderiam se adequar à sua linguagem moderna, e recorre a sonoridades barrocas com o uso dos instrumentos acima descritos, mas que ainda assim, não confere uma prática ligada à PHI. Karl Richter revive a usual prática do século XVIII do regente ao cravo frente à orquestra. Percebemos também que 1970 teve uma forte semelhança com a programação de 1968, na qual duas obras monumentais foram apresentadas ao público, as Seis Suítes para Violoncelo, com o mesmo Paul Tortelier e a Missa em si menor, que na segunda edição contou com a versão de Ernst Ulrich von Kameke, acompanhado do coro da Hauptkirche St. Petri de Hamburgo. A cada edição, os Ciclos Bach despertam cada vez mais o interesse do público, tanto com os artistas participantes quanto com o repertório. Ayres de Andrade relata que Na primeira apresentação de 1966, o Oratório de Natal, quase tivemos de chamar a polícia para conter os estudantes e público em geral que teimavam em entrar, embora a Sala estivesse lotada, mesmo nos degraus da escada. Foi um êxito sem precedentes e hoje já faz parte de nossa programação anual

(Jornal do Brasil, 13/08/1970, pg.15).

Figura 18- Programação parcial do IV Ciclo Bach de 1970.

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O início do ano de 1971 é marcado pela saída de Ayres de Andrade e José Mauro Gonçalves da direção da Sala Cecília Meireles, convidados pelo então Governador da Guanabara Chagas Freitas, para assumirem a direção do Teatro Municipal do Rio de Janeiro. Ao longo de seis meses, a Sala permanece sem um diretor oficial, e neste período Gonçalves e Andrade acumulam as diretorias das duas casas, até que fosse escolhido o novo gestor para a sala de concertos e sua posse definitiva. Em 7 de julho deste ano o pianista Jacques Klein é nomeado então diretor da Sala Cecília Meireles, tendo o regente Isaac Karabtchevsky assumindo o cargo de diretor musical, antes ocupado por Ayres de Andrade. Como é já sabido, após sua quarta edição, os Ciclos Bach deixam de fazer parte da grade de programação anual da Sala Cecília Meireles. Não sabemos exatamente quais motivos levaram Klein a não reeditar mais os eventos com a habitual regularidade e a presença de Karl Richter. Segundo comunicação escrita por correio eletrônico de Helena Jank (2015), em 1971 Richter sofre um infarto, e na metade da década de 1970 começa a ter problemas de visão que quase o levaram à cegueira. Concluímos assim, que possivelmente os fatores ligados à sua saúde possam ter colaborado de maneira fundamental para sua ausência, e consequentemente a não realização dos Ciclos Bach, bem como a possibilidade do desinteresse da direção da Sala em reeditar os Ciclos. Foi realizado no ano de 1973 um pequeno Ciclo Bach, promovido pela Orquestra de Câmara da Rádio MEC com apenas duas récitas, e segundo matérias jornalísticas da época, aconteceram em homenagem a Ayres de Andrade, o ex-diretor musical da Sala e idealizador dos ciclos anteriores que apresentaram Karl Richter ao Brasil (Jornal do Brasil 04/11/1973, pg.5). Ao final deste ano de 1973 Isaac Karabtchevsky deixa a direção musical da Sala Cecília Meireles, sendo substituído então por Myrian Dauelsberg. Posteriormente, com a saída de Jacques Klein em 1976, Dauelsberg passa a assumir a direção geral da Sala até o ano de 1979. Após sua posse em 1973, Myrian Dauelsberg opta em dar continuidade ao modelo administrativo realizado por Ayres de Andrade, que revitalizou e dinamizou a vida musical da cidade do Rio de Janeiro. Entre seus projetos estava a reedição do V Ciclo Bach, após cinco anos do último evento ocorrido. Em entrevista concedida, Dauelsberg narra como foi seu primeiro contato com Karl Richter no final do ano de 1974 próximo a Zürich, onde Richter vivia com sua família. Ali, de uma maneira bastante informal ocorre o encontro, conforme o relato

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Ele morava em Zürich. Então fui de trem, e não era bem Zürich, era a uns 10, 15 km de Zürich, peguei um taxi...eu sei que eu cheguei na casa dele, eram vinte para meia-noite, o que na Europa isso é absurdamente inusitado, sobretudo era frio. Eu bati, toquei a campainha da casa dele, e ele me abriu, me lembro como se fosse hoje, de terno preto, terno escuro, gravata, mas de chinelo, então aquilo era engraçado, e ele me olhou assim de cima prá baixo e dizia assim, em alemão: "-Você veio assim mesmo, não acreditei que viria". Aí, eu falava um alemão péssimo, eu nunca tive complexo de falar errado, e eu disse, "-Então será que o senhor pode vir em agosto, vamos fazer um Ciclo?", e ele aceitou. E eu vim pro Rio e comecei a batalhar, prá variar, aliás, a tônica da minha vida...

Mesmo com a boa receptividade do público, com todos os concertos com a casa lotada, percebe-se que o repertório apresentado nesta edição, em muito lembra os Ciclos passados, ainda que com um elenco de artistas diferente, a presença de Karl Richter continua sendo o acontecimento mais importante em todo evento. Junto ao regente vieram o violoncelista Pierre Fournier, que apresentou o mesmo repertório de Tortelier em 1968 e 1970, as Suítes para Violoncelo, e o flautista Aurèle Nicolet para os concertos cameríticos. De um total de cinco concertos, Karl Richter foi presença quase absoluta em quatro récitas, sendo que a Paixão Segundo São João foi apresentada em duas récitas consecutivas, sendo esta segunda em caráter de concerto extra, tamanho o interesse do público pelo evento. Luiz Paulo Horta sintetiza em sua crítica todos os concertos desta quinta edição, abrindo com o pensamento de que “Bach está na moda”. Sugere a hipótese de que o intérprete é capaz de mobilizar o público para a sala de concertos em repertórios bachianos que, em outras ocasiões, poderiam despertar menor interesse, o que deixa evidente quando valoriza todos os artistas envolvidos no Ciclo. Ressalta a maturidade de Karl Richter em relação à música de Bach aplicando um maior tom de dramaticidade em suas interpretações, ou seja, conseguindo alcançar o real objetivo e intenção do compositor em atingir o ápice do sentimento humano e terreno, ainda que imbuído pela sua religiosidade (Jornal do Brasil 01/09/1975, Caderno B, pg. 2). A reedição do Ciclo Bach em 1975, sob a organização de Myrian Dauelsberg, coincide com a constatação de que a música barroca era o gênero preferido da grande maioria do público frequentador da Sala, após uma pesquisa realizada no ano anterior, que afirmava que ao menos “85% preferiam música barroca e contemporânea” (MARQUES, 2006, pg 61). Percebe-se então uma ampla inserção do repertório barroco na programação da Sala Cecília Meireles nas temporadas subsequentes. Em 1975, além do Ciclo Bach, Alfred Deller e seu grupo participaram do Ciclo Barroco, mostrando ao público carioca a PHI então em pleno desenvolvimento na Europa, além de I

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Musici então liderado por Salvatore Accardo, à época um dos mais importantes grupos divulgadores da música barroca italiana, o grupo francês La Grand Écurie et la Chambre du Roy e a orquestra alemã Capella Coloniensis, estes últimos adeptos da PHI.

Figura 19- Programação completa do V Ciclo Bach, 1975.

No final de março de 1976 Jacques Klein se desliga da direção administrativa da Sala Cecília Meireles, e Myrian Dauelsberg passa a assumir as duas funções, tornando-se diretora geral. Segundo matéria jornalística, a nova diretora da Sala, então já subordinada à Funterj, se ressente da inércia da Fundação no sentido de colaboração e financiamento da programação

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para a temporada deste ano. Com isso, torna-se inevitável a busca por patrocinadores ou apoiadores dos concertos promovidos pela Sala, que em relação aos Ciclos Bach, contaram com o auxílio da Embaixada Alemã e Instituto Goethe. No ano de 1976, o Jornal do Brasil iria comemorar seus oitenta e cinco anos de fundação e planejava comemorar com um grande acontecimento musical na Sala. Myrian Dauelsberg prontamente sugeriu a vinda ao Brasil da Orquestra Bach de Munique (Jornal do Brasil, 17/08/1976, Caderno B, pg.4). O VI Ciclo Bach, de fato, foi um dos mais concorridos de toda a sua história. Pela primeira vez, a Orquestra Bach de Munique viria à América do Sul, cláusula imposta por Karl Richter para que pudesse se realizar a edição de 1976. Em termos de repertório houve uma larga abertura, e consequente expansão do que seria oferecido ao público, pois nesse ano o festival é dedicado também a G. F. Händel, passando a denominar-se então Ciclo Bach-Händel.

Figura 20- Programação do VI Ciclo Bach-Händel, 1976.

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O Ciclo deste ano inicia-se em 6 de agosto em um total de seis concertos. A partir desta edição Karl Richter estará presente em todos os concertos, concretizando-se então seu papel de “diretor” e artista principal de toda a série. Assim como nos anos anteriores, a Sala oferece duas récitas extras, devido à alta procura de ingressos pelo público, e pela primeira vez Karl Richter toca no órgão Tamburini do Salão Leopoldo Miguez da Escola de Música da UFRJ, uma programação totalmente dedicada a Bach. Torna-se desnecessário a menção da lotação esgotada em todos os concertos do Ciclo, mas especialmente neste ano, a procura foi consideravelmente maior em relação a outras edições. Enquanto a lotação permite o ingresso de 897 pessoas, no concerto de abertura 1300 pessoas estavam presentes no interior da Sala, com a colocação de 280 cadeiras no palco e a permissão de que o público pudesse se acomodar nas escadas para que assistissem ao concerto (Jornal do Brasil, 08/08/1976, pg.23).

Figura 21- Concerto do VI Ciclo Bach-Händel, 1976.

Assim como em 1968 e 1970, a Missa em si menor é apresentada pela terceira vez na programação do VI Ciclo, e o oratório “O Messias” de Händel é apresentado em sua versão integral com o texto traduzido para a língua alemã.

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Ao longo de toda a sua história, os Ciclos Bach se incorporaram na vida do povo do Rio de Janeiro frequentador da sala de concertos. A constante presença de Karl Richter se tornara algo corriqueiro para o público, mas que ainda assim, demonstrava enorme interesse nos programas dos Ciclos. Uma reportagem publicada na Revista de Domingo do Jornal do Brasil nos mostra a exata dimensão do que os Ciclos Bach passaram a representar para a cidade como sendo um entre tantas outras possibilidades de lazer que a cidade oferecia. O então diretor do Departamento Estadual de Cultura, Paulo Afonso Grisolli, define em suas palavras o que seria o conceito de “lazer”, dizendo que E o que é lazer afinal? É jogar pelada no fim de semana? É ir à praia e torrarse ao sol? É assistir a um jogo no Maracanã? É fazer fila para comprar um ingresso e finalmente conseguir assistir aos concertos do Ciclo Bach na Sala Cecília Meireles? (12/09/1976, pg.16)

A penúltima edição do Ciclo acontece no ano sucessivo de 1977, e desta vez a programação é toda criada para a música de câmara de Bach e Händel. Com isso, há uma opção de mudança estética, abordando parte da extensa obra camerística dos dois compositores. Até então, o público ouvinte dos Ciclos se habituou com a produção vocal de Bach e a série de concertos camerísticos, e esta edição seria de fato uma novidade. O VII Ciclo Bach-Händel inicia-se em 12 de agosto em um total de cinco récitas, e posteriormente três récitas extras como acontece normalmente, devido ao grande interesse do público. Novamente Karl Richter é o nome presente em todo os concertos, acompanhado de Jean Pierre Rampal, Aurèle Nicolet, Johannes Fink (viola da gamba) e Kurt Guntner (violino). Segundo a imprensa carioca, neste período Karl Richter ainda era considerado a maior autoridade mundial em Bach (Jornal do Brasil, 12/08/1977, Caderno Serviço), coincidindo com um momento no qual a PHI estava em pleno desenvolvimento, e algumas das mais importantes orquestras especializadas no repertório barroco que surgiram no início da década de 1970 já estavam estabelecidas e reconhecidas sob os paradigmas da interpretação histórica. Haynes (2006) afirma que houve o momento no qual o músico deveria, por natureza, se definir como sendo um artista barroco ou não, pois vários elementos já em prática na PHI entravam em confronto com o então estilo moderno. Haynes (2007) estabelece como simbologia de divisão, o padrão de afinação adotado pelos instrumentos barrocos, o Lá-415, algo que seria incompatível com a afinação padrão vigente para os instrumentos românticos, o Lá -440. Se por algum momento Richter viu-se obrigado a se posicionar quanto a isso, sabemos que sua escolha se deu pelo já estabelecido estilo moderno, por considerar a PHI um “modismo”(Jornal do Brasil, 17/02/1981, Caderno B, pg.1).

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Figura 22- Programação do VII Ciclo Bach-Händel, 1977.

Em 1978 é realizado o VIII Ciclo Bach-Händel, que seria o último de toda a série originada em 1966, concebida por Ayres de Andrade. Encerra-se assim, uma era iniciada logo após a fundação da Sala Cecília Meireles e que resultou em uma ampla mostra do repertório de Bach e Händel e que certamente influenciou gerações de ouvintes e músicos. Recebemos aqui à época, alguns dos nomes mais relevantes no que diz respeito à interpretação da música barroca, seja no cenário brasileiro quanto internacional, e que colocou o Rio de Janeiro em pé de igualdade aos grandes centros musicais do ocidente. Após a primeira vinda em 1976, a Orquestra Bach de Munique retorna ao Rio de Janeiro novamente para participar do Ciclo. Richter domina toda a programação que contém a série integral dos 12 concertos para órgão e orquestra de cordas de Händel, Magnificat de Bach e

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exatamente como em um movimento cíclico, Karl Richter apresenta o Oratório de Natal, assim como em sua primeira vinda ao Rio de Janeiro fechando, o I Ciclo realizado doze anos antes.

Figura 23- Programação do VIII Ciclo Bach-Händel, 1978.

4.2 Artistas participantes e repertório Neste item iremos fazer um levantamento cronológico de todos os artistas participantes de todas as edições do Ciclo Bach. Percebe-se uma grande interação entre músicos brasileiros e os solistas estrangeiros que acompanhavam Karl Richter em suas tournées internacionais. Tivemos acesso a alguns desses artistas que deixaram suas impressões gerais acerca dos Ciclos e a opinião comum entre eles atesta a relevância de Karl Richter como o grande nome

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relacionado à música de Bach na época. Carlos Alberto Figueiredo que atuou como cantor no Coro da Associação de Canto Coral na segunda fase dos Ciclos compartilha a opinião de que “Richter era mais ou menos único em sua época, talvez concorrendo com o jovem Rilling”. Norton Morozowicz que teve participação também na segunda edição dos concertos como primeiro flautista da Orquestra Sinfônica Brasileira acredita na relevância de Richter que “era considerado uma das maiores autoridades na obra de Bach no seu tempo. Conhecedor profundo, e tendo uma memória extraordinária, dirigia e tocava quase todas as obras de cor”. Morozowicz defende a tese de que atualmente Richter está sendo redescoberto, através de reedições em DVD’s e um grande número de vídeos publicados em sítios específicos na internet. O violoncelista Peter Dauelsberg ressalta que “os solistas escolhidos por Karl Richter eram os melhores que existiam na época e cada um se sentiu honrado de participar sob a regência do maestro”. Carlos Rato que atuou como flautista solista diz que “dificilmente teremos oportunidade de ouvir Bach como esta série de Ciclos com grandes e variados conjuntos musicais”. O contrabaixista Sandrino Santoro ressalta a oportunidade que os músicos nacionais tiveram quando diz que “ com certeza foi muito bom (os Ciclos) porque outras orquestras de câmara também apareceram e foi muito bom. Atualmente é uma pena que a Sala Cecília Meireles ou o Teatro ou a Sinfônica Brasileira não façam esse tipo de concerto”. No que diz respeito ao repertório, fizemos um balanço geral de tudo o que foi executado ao longo das oito edições dos Ciclos Bach com as obras de Bach e Händel e algumas poucas exceções como Max Reger, Franz Liszt como repertório organístico, bem como C. P. E. Bach, que foram apresentados na edição de 1977. Percebemos uma ampla variedade nas programações selecionadas, apresentando desde as obras referenciais de Bach, como as Paixões e Concertos de Brandenburgo, passando por um vasto repertório camerístico, e recitais solísticos de cravo e órgão. Em relação às tabelas quantitativas desenvolvidas ao longo da pesquisa, iremos apresentá-las em quadros anexos e que numericamente irão comprovar que os Ciclos, dentro do período abordado, se constituíram no maior evento realizado pela Sala Cecília Meireles nas décadas de 1960 e 1970, se considerarmos os concertos realizados em forma de “ciclo” ou eventos similares. Inicialmente fizemos uma listagem nominativa ano a ano, apresentando os artistas envolvidos nos Ciclos bem como o levantamento de todo o repertório executado. Na seção que diz respeito às tabelas ordenamos da seguinte forma: 1) Balanço com todos os eventos denominados “ciclos”, “séries” ou “festivais” ocorridos na Sala Cecília Meireles entre 1966 e 1978;

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2) Quantidade total destes eventos ocorridos no referido período divididos em ciclos dedicados a compositores específicos, ciclos dedicados a instrumentos específicos, ciclos dedicados a estilos específicos (barroco, romântico, contemporâneo) ou ciclos de temática variada; 3) Demonstração de todo o repertório apresentado ano a ano, totalizando a quantidade de vezes que a obra foi apresentada ao longo de todos os Ciclos ordenados pelo número BWV de forma crescente e dividido em “cantatas e/ou motetos”, “Paixão, Missa e Oratório de Natal”, “Concertos de Brandenburgo”, “concertos diversos”, “aberturas orquestrais”, “peças para violino solo ou acompanhado ao cravo”, “peças para viola da gamba e cravo”, “Suítes para violoncelo solo”, “peças para flauta solo ou acompanhada ao cravo”, e “peças para cravo, piano e órgão”.

Demonstramos na tabela abaixo de forma resumida, as obras de Bach que mais foram executadas ao longo de todas as edições dos Ciclos Bach e que poderá ser observado mais detalhadamente nas tabelas anexas acima citadas.

Tabela 1- Obras mais repetidas ao longo dos Ciclos Bach.

Catálogo BWV

Quantidade de apresentações

BWV 1050 (Brandenburgo nº 5)

5 (1)

BWV 1052 (Concerto para cravo ré menor)

4 (2)

BWV 1060 (Concerto para oboé e violino)

4 (3)

BWV 232 (Missa em si menor)

4

BWV 245 (Paixão Segundo São João)

3 (4)

BWV 1047 (Brandenburgo nº 2)

3

BWV 1049 (Brandenburgo nº4)

2

BWV 244 (Paixão Segundo São Mateus)

2 (5)

BWV 248 (Oratório de Natal)

2

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(1) Se contabilizarmos o Encontro de Instrumentistas de Cordas de 1979, a peça foi executada 6 vezes; (2) Se contabilizarmos o Encontro de Instrumentistas de Cordas de 1979, a peça foi executada 5 vezes; (3) Em 1966 foi apresentada a versão para dois pianos; (4) Deste total, uma récita foi repetição em 1975; (5) Deste total, uma récita foi repetição em 1969.

Queremos ao final deste trabalho, levantar a questão relativa à atual inserção da música de J. S. Bach nos programas de concertos no Brasil, partindo da observação, constatação e declaração de músicos, que de forma considerável o compositor torna-se cada vez mais escasso nas salas de concerto do país, em especial Rio de Janeiro e São Paulo, ainda os grandes centros produtores e divulgadores de música no cenário nacional. Utilizando o site da Hemeroteca Digital Brasileira da Fundação Biblioteca Nacional, fizemos uma pesquisa nas edições do Jornal do Brasil nas décadas de 1980, 1990 e a primeira década do século XXI, tendo como palavra chave de busca “J. S. Bach”, e tendo como interesse uma observação da inserção da música do compositor nos programas de concertos do Rio de Janeiro. Constatamos assim uma diminuição gradativa e considerável de concertos dedicados a Bach na agenda musical da cidade. Através de questionários produzidos e que inclui a pergunta sobre a inclusão da música de Bach na atualidade na programação carioca, obtivemos algumas respostas que ratificam a diminuição na programação. Sob esse aspecto, o compositor Ronaldo Miranda (2016) faz a seguinte observação A música de Bach não tem aparecido nos programas de concerto do Rio de Janeiro, nem nos de São Paulo. Existe uma priorização do classicismo e do romantismo, principalmente nas temporadas das grandes orquestras. Mozart, Beethoven e Mahler são os compositores mais executados.

O regente Carlos Alberto Figueiredo (2016) igualmente constata Pelo que tenho acompanhado da temporada, a música de Bach é praticamente ausente. Um dos grandes divulgadores da música de Bach no Rio de Janeiro, Ricardo Rocha, diminui bastante suas atividades.

Peter Dauelsberg (2016) diz que “não ouviu nenhum concerto com obras de Bach em 2016. Rosana Lanzelotte (2016) acredita que a música barroca atual necessita de uma

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interpretação própria e afirma que Há menos divulgação da música de concerto, o que dificulta a avaliação. As orquestras tradicionais tocam hoje menos Bach ou música barroca, pois exigese hoje, uma especialização em termos de estilo. Mas temos um grupo novo – o Johann Sebastian Rio- que é voltado para os repertórios barrocos.

A flautista Laura Rónai (2016) divide a mesma opinião de Lanzelotte no que diz respeito ao estilo interpretativo atual para a música barroca A pergunta é difícil. Bach não é exatamente um compositor sinfônico, apesar de ter obras de grandes proporções. E o Rio simplesmente não tem mais salas para música de câmara verdadeiramente atuantes. Perdemos o IBEU, o IBAM, as Alianças Francesas, o Palácio S. Clemente, o Consulado da Argentina na Praia de Botafogo, e assim por diante. Então a questão não é nem a inserção de Bach nos programas de concerto. O problema mesmo é a falta de locais e patrocínio para a música de câmara em geral. Bach é apenas mais um que perdeu espaço. Existe também outro fenômeno: com a valorização dos grupos que tocam com instrumentos originais, muitos dos grupos tradicionais simplesmente não têm mais coragem de se aproximar dos barrocos, com medo da reação dos “estilisticamente corretos”.

Por fim, a cravista Helena Jank (2016) participa de um dos poucos concertos dedicados a Bach neste mesmo ano realizado na Sala Cecília Meireles que contou também com Ana Cecília Tavares, Marcelo Fagerlande e Rosana Lanzelotte. Jank relata Participei recentemente do concerto “Bach, Bach, Bach ...” na Sala Cecília Meirelles, que foi uma experiência que, pela qualidade, não deixou nada a desejar com relação aos Ciclos Bach e outros eventos semelhantes dos quais participei, ou que assisti nos últimos tempos. Mas acho que eventos assim deveriam acontecer em muito maior quantidade.

Por se tratar de “orquestras sinfônicas” e naturalmente não possuírem um repertório dedicado à música barroca, ainda assim haveria a possibilidade de uma formação camerística para tal. Consultamos os sítios eletrônicos de algumas das principais orquestras sinfônicas do Brasil, Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo (OSESP), Orquestra Filarmônica de Minas Gerais, Orquestra Sinfônica Brasileira (OSB) e Orquestra Petrobrás Sinfônica (OPES) e igualmente o sítio eletrônico de duas das principais entidades promotoras de concertos internacionais sediadas no Rio de Janeiro e São Paulo, a Dell’Arte e Mozarteum Brasileiro, respectivamente. Constatamos que:

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1) OSESP possui em sua programação dois concertos que incluem Bach: Dias 9, 10, 11 de junho de 2016- Missa Brevis, com Coro e OSESP sob regência de Bohlin Bates. Dias 10, 11, 12, 13 de novembro de 2016- Prelúdio e fuga em mi b maior BWV 552, em transcrição de Arnold Schönberg. OSESP sob a regência de Sir Richard Armstrong. 2) Orquestra Filarmônica de Minas Gerais: Dia 9 de setembro de 2016- Quinteto de Metais da Filarmônica de Minas GeraisPequena fuga em sol menor BWV 578. 3) OSB e OPES não incluíram Bach em nenhum de seus concertos agendados para 2016. 4) Dell’Arte- Concerto da orquestra de câmara norueguesa Trondheim Soloists: Dia 12 de setembro de 2016- Concerto em ré maior transcrito para trompete e cordas BWV 972. 5) Mozarteum Brasileiro não incluiu nenhum grupo musical com músicas de Bach para a temporada 2016.

Com isso podemos afirmar que há uma diminuta inserção da música de Bach na programação de concertos no Brasil na atualidade. O último concerto realizado no Rio de Janeiro dedicado a Bach que contou com um conjunto de renome internacional ocorre em 09/04/2015 no Teatro Municipal, com o Gächinger Kantorei Stuttgart & Bach-Collegium Stuttgart, os grupos fundados por Helmuth Rilling e que aqui contou com a regência de HansChristoph Rademann, na execução da “Missa em si menor”. Eventualmente o regente Ricardo Rocha promove concertos que incluem Bach em seu repertório com a Companhia Bachiana Brasileira, grupo musical carioca formado por coro e orquestra, mas que não possui uma estabilidade. Os concertos acontecem esporadicamente e com isso não há uma regularidade na produção musical dedicada a Bach. Podemos destacar dentro do panorama musical recente, os concertos realizados na Sala Cecília Meireles dedicados a Bach com algumas de suas obras para cravo nos anos de 2015 e 2016 com os cravistas Marcelo Fagerlande, Helena Jank, Rosana Lanzelotte e Ana Cecília Tavares e conjunto camerístico liderado pelo violinista Felipe Prazeres. A disparidade torna-se considerável se constatarmos em uma escala internacional a ênfase dedicada ao repertório bachiano por alguns grupos musicais que se dedicam ao compositor, como a Nederlandse Bachvereniging (Holanda), Bach Collegium Japan (Japão), J. S. Bach- Foundation (Suiça), Münchener Bach Chor, Orchester (Alemanha), Internationale Bachakademie Stuttgart (Alemanha), além de outros grupos que não são nominados “Bach”

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mas que se dedicam ao repertório do compositor, como Amsterdam Baroque Orchestra (Holanda), Musica Antiqua Köln (Alemanha), Freiburger Barockorchester (Alemanha). Incluimos também os festivais anuais realizados na cidade alemã de Leipzig (Bachfest) e o Bachwoche em Ansbach, e a música regular de Bach nos cultos das igrejas Thomaskirche também em Leipzig e Kaiser Wilhelm Gedächtniskirche em Berlim (Alemanha), que junto da Thomaskirche é a segunda igreja na Alemanha que inclui a música de Bach dentro do ritual luterano. Podemos observar através de pesquisa realizada no sítio eletrônico “Bach-cantatas”68, os festivais “Bach” que se desenvolvem regularmente em vários países do continente europeu, da Ásia, Oceania e Américas. Dos países latino-americanos, o Brasil não se encontra mencionado entre os quais desenvolvem regularmente programações dedicadas a Bach na atualidade.

4.3 Legado dos Ciclos Bach

O que esse evento que marcou uma época no cenário da música de concertos no Rio de Janeiro deixou de herança para o grande público e os artistas que ali atuaram? Verificando o balanço de músicos participantes, a variedade de repertório e o conhecimento histórico dos Ciclos, percebemos que se trata de algo em dimensões raras para o contexto carioca (ou até mesmo nacional), seja naquele momento, quanto na atualidade, talvez inimaginável e que possa ocorrer novamente nas mesmas proporções. O que movia o público com tamanha afluência aos concertos dos Ciclos? O que trouxe ao Brasil por nove temporadas o maior nome representante da música de Bach em seu tempo? Como isso se refletiu no desenvolvimento profissional, estético, interpretativo dos músicos brasileiros? Estas são perguntas que não teriam uma difícil resposta, dada a evidência do significado e representatividade da redescoberta e afirmação da música de Bach ao longo do século XX. Tivemos no Rio de Janeiro um evento dos mais importantes, até mesmo no contexto internacional, em um momento no qual a música barroca encontrava-se em grande difusão e possivelmente era a preferida do grande público. 68

O sítio eletrônico promove discussões, análises de obras, disponibiliza partituras, contém biografias de artistas que se dedicam à interpretação de Bach, a discografia existente no mercado fonográfico entre outros itens. Ver: http://www.bach-cantatas.com/Festival/index.htm

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Conforme pudemos observar ao longo do item 2.6 do capítulo II desta dissertação, o período pós II Guerra Mundial foi a alavanca inicial para o renascimento da música barroca. Podemos novamente citar os nomes de Wanda Landowska e Arnold Dolmetsch como os grandes precursores da pesquisa musical que abrange a música dos séculos XVII e XVIII, mas que de fato se desenvolveu e se estabeleceu a partir da década de 1950. Em uma ordenação cronológica, podemos entender que o tempo necessário para a redescoberta do repertório barroco, seu entendimento sob um olhar musicológico, sua divulgação e reconhecimento pelo público, nos levaria às décadas seguinte como o momento de auge da música barroca, e consequentemente a música de Bach. Luiz Paulo Horta em matéria publicada quando da morte de Karl Richter nos fala exatamente isso. Inicialmente a confirmação do interesse despertado pelo público brasileiro, que nas suas palavras podemos entender Quando a Sala Cecília Meireles, sob a bela inspiração de Ayres de Andrade, deu início aos Ciclos Bach, o Barroco já tomava impulso, no Brasil, mas principalmente através de Vivaldi. E houve então aquele ano histórico de 1966

(Jornal do Brasil, 17/02/1981, Caderno B, pg.1). Esse pensamento certamente responde nossa primeira questão. Um público ávido pela música barroca teve à sua disposição em sua cidade, aquilo que havia de melhor na época como exponente deste estilo musical. Bach, um dos ícones do período barroco retratado por um de seus “herdeiros”, de Leipzig. Ainda Horta situa Karl Richter dentro do contexto histórico e nos faz entender sua relevância para o desenvolvimento e estabelecimento da interpretação bachiana. Essa nova era Bach, de que Richter era um símbolo, teve alguns condicionantes históricos. Sendo o primeiro deles o próprio renascimento do interesse pelo Barroco, que vinha substituir-se na afeição do público (ou boa parte do público) a um Romantismo arquiesgotado. Um outro fator é o extraordinário desenvolvimento da musicologia nos anos que se seguiram à Segunda Guerra Mundial. Esta tomou um tal impulso, que nos últimos 15 anos – comentava, recentemente o ilustre cravista Stanislav Heller – acumulou-se maior soma de conhecimentos do que em todo passado da história da música.

Com isso de fato, podemos entender o sucesso alcançado pelos Ciclos Bach naquele período e para aquele público específico e como essa “história” possa ter habitado ainda por algumas décadas posteriores o inconsciente de gerações que vivenciaram ou não, este momento proporcionado pela Sala Cecília Meireles. Muito tempo se passou desde o primeiro contato do público brasileiro com Karl Richter, que neste ano de 2016 completa exatamente meio século, e num arco de quase quatro décadas,

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a última geração que pode presenciar o artista em atividade no Brasil. Em um espaço de tempo relativamente longo, no qual muitas mudanças históricas, conjunturais, estilísticas ocorreram, quais legados até hoje os Ciclos deixaram a nós? Acreditamos que pouco ou nenhum vestígio destes eventos sobreviva ou se reflita de alguma forma no movimento musical brasileiro na atualidade. Certamente apenas de forma documental, como no registro histórico da Sala Cecília Meireles na ocasião de seus quarenta anos de fundação no livro editado por Clóvis Marques (2006), na memória talvez não muito cristalizada de alguns artistas e público que presenciaram os Ciclos, ou na história de personalidades que tiveram uma relação mais próxima a Karl Richter. Para estes, os Ciclos Bach possivelmente ainda existam fortemente em suas lembranças. Através de questionários apresentados a alguns músicos que participaram dos concertos, bem como de frequentadores dos Ciclos, podemos observar o que significa para eles o legado deixado para as futuras gerações. O regente Carlos Alberto Figueiredo que participou do Coro da Associação de Canto Coral na segunda fase do Ciclo afirma que Já passados quase 50 anos, as novas gerações não têm mais uma ideia do que foram os Ciclos. Quem participou deles, como eu, poder ter um grande aprendizado, conhecendo as grandes obras de Bach “por dentro”. Nas atuais condições culturais e econômicas do Brasil e do Rio de Janeiro, seria bem difícil sua reedição nos dias atuais (2016).

Celso Woltzenlogel nos diz que os Ciclos ajudaram a impulsionar sua carreira afirmando que O Conjunto Ars Barroca do qual fui fundador (1968), de um certo modo, foi beneficiado pelo púbico que comparecia aos concertos da Sala, já que Bach era um dos nossos autores preferidos (2016).

Sandrino Santoro afirma que para ele houve um grande enriquecimento profissional e experiência adquirida As boas lembranças elas sempre ficam. A Sala Cecília Meireles apresentava essas programações anuais e naturalmente o Richter foi o mais brilhante, o que deixou o legado, para mim principalmente que toquei com ele. Falta fazerem esse trabalho (os gestores de orquestras), se não tem, criar uma orquestra para essa finalidade

(2016). Helena Jank discípula de Karl Richter não atuou nos Ciclos mas afirma que Sim, não tenho dúvida que os Ciclos Bach deixaram um legado importante, porque trouxeram para o Brasil parte da vivência que tiveram os amantes da música de Bach nos países europeus. Mais importante ainda, a participação nestes ciclos proporcionaram aos músicos brasileiros grandes experiências que deixam marcas e

137 importantes recordações. A busca pela excelência e o impulso em continuar sempre nesta busca tem com certeza algumas raízes em eventos como estes (2016).

Em depoimentos coletados no livro de Marques (2006) “40 anos de música: Sala Cecília Meireles” ainda que não falem claramente em um legado, podemos entender o quanto o Ciclo foi representativo e relevante para os músicos brasileiros que atuaram naquela ocasião. O regente Alceu Bocchino afirma que A primeira grande realização musical deu-se sob a direção do escritor e crítico Ayres de Andrade. Um festival Bach, criteriosamente programado, transcorreu em alto nível, aproveitando excelentes artistas brasileiros. Tive o prazer de dirigir a Cantata 148, com a soprano Olga Maria Schröter, e depois, no mesmo concerto, Oscar Borgerth como solista (pg. 136).

Na mesma obra, o cravista Marcelo Fagerlande relata a importância dos Ciclos que certamente possam ter influenciados futuras gerações de músicos ligados à música barroca A Sala me traz fortes lembranças, tanto como espectador quanto como músico. Na adolescência, quando comecei a frequentar os concertos, ouvi performances memoráveis de Karl Richter nos seus inesquecíveis ciclos dedicados a Bach, que incluíram nomes como Nicolet e Rampal. Eram eventos que tinham a efervescência de um concerto de rock! (pg.138)

Possivelmente Karl Richter não habita na memória das gerações atuais ou possa servir de referência para novos cravistas, organistas ou intérpretes de Bach. Há de se considerar seu valor histórico como um artista que à sua época serviu como um marco e referência para a interpretação de Bach e que por isso será sempre lembrado. Por outro lado, podemos verificar um vasto material áudio visual disponível atualmente na internet com antigos registros de Karl Richter tanto como cravista, organista e regente. Da mesma forma, em 2006 o selo Deutsche Grammophon edita uma coleção de cinco DVD’s de Richter com o Coro e Orquestra Bach de Munique em ocasião à comemoração do seu aniversário de oitenta anos, dentre estes, um documentário produzido por seu filho Tobias Richter incluindo depoimentos do artista, registros de ensaios e dados biográficos. Acreditamos que o legado de seus Ciclos cariocas será um pálido resquício do que foi realizado posteriormente no mesmo gênero nos palcos musicais do Rio de Janeiro. Podemos citar alguns deles que aconteceram nas décadas sucessivas ao último Ciclo Bach editado em 1978 e que talvez tenham tido os antigos Ciclos como fonte de inspiração original. A partir da década de 1980 percebe-se uma diminuição em eventos musicais dedicados ao compositor. Em 1984 a Sala Cecília Meireles realiza uma “Semana Bach” que serviria como preparativos para o ano seguinte, que seria dedicado à comemoração dos trezentos anos de nascimento de Bach. Da mesma forma, houve um intercâmbio entre artistas alemães e

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brasileiros em um repertório não muito diferente do que era apresentado ao público durante os Ciclos Bach. Encerrou-se com uma versão da Paixão Segundo São João, tendo a participação do tenor brasileiro Aldo Baldin, que à época se firmava como um intérprete de Bach na Alemanha.

Figura 24- Semana Bach da Sala Cecília Meireles, agosto de 1984

Ironicamente no ano de 1985, a Sala Cecília Meireles permaneceu fechada durante o primeiro semestre para obras emergenciais e na data de 21 de março nenhum evento de porte ocorreu no Rio de Janeiro em comemoração ao tricentenário de Bach (Jornal do Brasil, 21/03/1985, Caderno B, pg.5, agenda musical). Durante os meses de abril a outubro de 1985 editou-se uma série de oito concertos intitulada “Ciclos Bach- H.Stern”, com a participação de artistas como o Duo Assad, Turíbio Santos, Radamés Gnatalli, Quinteto Villa-Lobos Duo Noel e Ana Devos, Quarteto Bessler, Marcio Mallard e Luis Medalha e que ocorreram no auditório da empresa joalheira no bairro carioca de Ipanema. A Escola de Música da UFRJ apresentou uma pequena programação entre os meses de junho e agosto deste mesmo ano intitulada “J. S. Bach, 300 anos de nascimento” com a participação do Conjunto Ars Barroca e do Quarteto de Cordas da UFRJ, entre outros artistas. Posteriormente em 1º de outubro deste ano, o Teatro Municipal do Rio de Janeiro recebeu o regente Helmuth Rilling com o Bach Collegium Stuttgart e o Gächinger Kantorei em um programa dedicado à Missa em si menor. Três anos depois em agosto de 1988, a Sala Cecília Meireles realiza um festival BachTelemann, com as cantatas I, III e VI do Oratório de Natal de Bach, e a Paixão Segundo São Lucas de Telemann, obra então inédita no Brasil. O elenco de solistas foi composto de músicos alemães aos quais se juntou o Coro da Associação de Canto Coral, preparado por Cleofe Person de Matos.

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Figura 25- Festival Bach-Telemann da Sala Cecília Meireles, 1988.

A década seguinte de 1990 e posteriormente os primeiros anos do século XXI, registram as últimas manifestações em forma de ciclo que homenageiam J. S. Bach na cidade. Em 1993, o Cento Cultural Banco do Brasil (CCBB) do Rio de Janeiro promove o seu Ciclo Bach entre os meses de março e abril abordando o repertório camerístico do compositor. Percebe-se uma junção entre artistas que seguem a PHI e o estilo moderno de performance. Constituído de uma série de oito concertos, abordou um repertório bastante diversificado da música de Bach, concentrandos-e em especial na música de câmara e vocal. A partir de então, por um período de quase uma década, não encontramos qualquer programação apresentada pelas salas de concerto no Rio de Janeiro que fossem dedicadas exclusivamente a Bach, em forma de ciclo. Mas igualmente neste período, começam a ocorrer concertos esporádicos na cidade em espaços ditos alternativos (Consulado de Portugal, Outeiro da Glória, Mosteiro de São Bento, Paço Imperial, Museu Histórico Nacional) com músicos nacionais que incluem Bach no seu repertório, tendo como base a performance historicamente informada.

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Figura 26- Ciclo Bach do CCBB- RJ, 1993.

Em comemoração aos 250 anos da morte do compositor, a Escola de Música da UFRJ promove nos meses de setembro de 2000 um Ciclo Bach que teve a participação da organista Gertrud Mersiovsky, dos cravistas Christiane Daxelhofer e Marcelo Fagerlande e da Orquestra Sinfônica da Escola de Música da UFRJ. O concerto de encerramento deste ciclo realizou-se na Sala Cecília Meireles, com a participação da Orquestra Sinfônica Petrobrás Pró-Música e os cravistas Marcelo Fagerlande, Rosana Lanzelotte, Ana Cecília Tavares e Max Barros que na ocasião apresentaram o concerto para quatro cravos de Bach entre outras peças. Uma década após, acontece uma segunda edição do Ciclo Bach da mesma Escola de Música da UFRJ e que seria o último evento cíclico relacionado a Bach até os dias de hoje. Nesta série de quatro concertos realizados em setembro de 2010 ouviu-se a série integral das sonatas para flauta e cravo, com os flautistas Afonso Oliveira, Eduardo Monteiro, as cravistas Clara Albuquerque e Ana Cecília Tavares e o violoncelista Hugo Pilger. A versão da “Arte da

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Fuga”, BWV 1080 foi apresentada em dois cravos com Marcelo Fagerlande a também Ana Cecília Tavares, e concluindo a série, os seis Concertos de Brandenburgo com solistas e Orquestra Sinfônica da Escola de Música da UFRJ com a direção de André Cardoso. Por fim destacamos a realização de três concertos dedicados a Bach ocorridos na Sala Cecília Meireles nos meses de janeiro e dezembro de 2015, intitulados “Bach, Bach, Bach, duelo de cravos” e “Bach, Bach, Bach, festa dos cravos” respectivamente, e “A Arte da Fuga”, em maio de 2016. Os concertos contaram com a participação dos cravistas Helena Jank, Rosana Lanzelotte, Marcelo Fagerlande e Ana Cecília Tavares, acompanhados por um pequeno conjunto de cordas liderado pelo violinista carioca Felipe Prazeres (janeiro e dezembro de 2015).

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Considerações Finais Neste capítulo conclusivo da dissertação tentaremos expor em uma primeira parte um entendimento do que foram os Ciclos Bach dentro do contexto político, cultural e social da época em que ocorreram e o que representaram para o cenário musical brasileiro naquele momento. Posteriormente levantaremos uma reflexão sobre Karl Richter e uma análise estrutural dos Ciclos, ratificando os legados acima descritos e questões de repertório apresentado ao longo de todas as séries. No que concerne à Sala Cecília Meireles, seus diretores optam por uma programação diversificada com inclusão de artistas já consagrados pelo público bem como de nomes ainda despontando para o reconhecimento. Com isso, cria-se o cenário que no ano seguinte à sua fundação, iria abrigar o evento que se tornou um dos ícones e símbolo da Sala Cecília Meireles, o Ciclo Bach. Porém talvez não teriam imaginado que tal evento iria obter tamanha importância e representatividade, e que o espaço físico da Sala se tornaria por muitas vezes pequeno e inadequado para a grande massa de público que frequentava os concertos. Por algumas vezes foi necessário recorrer ao Teatro Municipal para acolher o público com mais conforto. Assim, sob os auspícios da política cultural implementada pelo então governador Carlos Lacerda, se estabelece aquela sala de concertos que por muitas décadas foi considerada a referência carioca e possivelmente nacional para a música de câmara. No que diz respeito à temática pós 1964, concluímos que as diretrizes governamentais do período tinham como base três metas convergentes: 1) a censura a determinados tipos de produção cultural que de alguma forma pudessem ir de encontro aos interesses governamentais; 2) forte investimento em infraestrutura de telecomunicações que iriam garantir uma integração e segurança nacional, e; 3) criação de órgãos fomentadores de cultura que deveriam implantar a política cultural oficial. Entendemos assim, que a censura era aplicada àquele material artístico que pudesse diretamente oferecer qualquer risco à ideologia política implementada, aos contestadores do regime, como os artistas da música popular, do teatro, escritores e jornalistas. Precisaremos de uma investigação mais profunda para que possamos saber se a música de concerto de alguma forma, em algum momento também possa ter sofrido os efeitos da censura cultural imposta pelo regime militar. Em nosso caso, podemos afirmar que os Ciclos Bach não foram alvo de qualquer tipo de censura pelo regime militar, não havendo motivo para tal e possivelmente nenhum apoio

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financeiro direto dos governos federal ou estadual que viabilizasse sua realização. Contava-se com o apoio de órgãos culturais privados nacionais ou instituições governamentais estrangeiras, sejam elas públicas como as embaixadas, consulados, ou órgãos culturais que poderiam ter incentivo público. Como um órgão pertencente ao governo estadual desde a sua gênese, a Sala Cecília Meireles conta com a verba oficial destinada à sua manutenção e conta com a complementação vinda de recursos privados. Havia em seu orçamento a aplicação do já citado PAC (ver pg. 19), que colaborava para o incentivo da produção de espetáculos de música de câmara, porém de uma maneira imprecisa na escolha de quais artistas seriam contemplados com tais subvenções. Um dos grandes entraves da Sala Cecília Meireles é no que se relaciona ao orçamento pois as regras de financiamento promovidas pelo governo estadual regulamentavam a reversão para os cofres públicos de boa parte dos valores dos ingressos cobrados por cada concerto, o que praticamente inviabiliza a produção de uma agenda anual de programação unicamente com os recursos públicos. Com isso, faz-se necessária a participação de empresas privadas ou órgãos oficiais de governos estrangeiros. Assim eram realizados os Ciclos Bach. Na primeira fase da série, promovida por Ayres de Andrade, grande parte do apoio financeiro provinha da Embaixada da Alemanha, Embaixada dos Estados Unidos e do Instituto Cultural BrasilAlemanha, e na gestão de Dauelsberg na segunda fase, contava com o patrocínio do Jornal do Brasil e do Goethe Institut. Sobre Karl Richter reafirmamos a designação atribuída pelo olhar da crítica da época como sendo então a maior autoridade no que diz respeito à música de Bach. Formado em uma tradição proveniente da Escola de Leipzig, Richter absorve características originárias de seus mestres organistas Straube e Ramin e ao mesmo tempo desenvolve uma performance com um estilo próprio, renegando características que pudessem remeter a elementos considerados românticos para os padrões da época. Richter, por sua ligação com a religião, caracteriza-se fortemente pela relação “texto-música” pregada por Lutero, ou seja, o entendimento de que a música era elemento vital e necessário para o culto, remetendo então à tradição originada no século XVI. O repertório barroco e destacando-se J. S. Bach, viveu seu grande momento de ressurgimento e afirmação durante o século XX, e para muitos, Karl Richter foi seu símbolo. O contexto histórico colaborou para tal. Observa-se o próprio renascimento do estilo barroco, em substituição ao já esgotado estilo romântico. Além disso, a musicologia se desenvolve de forma vertiginosa no período após a Segunda Guerra Mundial, acumulando ilimitados novos conhecimentos e descobertas musicais. E por fim, nota-se neste período o início do movimento

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de interação cultural no mundo ocidental, a grande difusão de material intelectual e cultural, fatos que indubitavelmente colaboraram para a fama e reconhecimento internacionais de Karl Richter. Sua ligação com a música de Bach deu-se da forma mais natural possível, através do início de sua formação musical, tendo o órgão como seu instrumento. Não teve a intenção de se especializar na música do compositor, mas os fatos ocorreram por si só. Richter desenvolve sua carreira em um período no qual surgem os “músicos autênticos”, que se preocupavam em construir uma espécie de arqueologia musical, retirando todos os excessos absorvidos pelo Romantismo e que “contaminaram” o Barroco. No século XIX, Bach era tido como uma figura mítica e divina, e por consequência a interpretação de sua música naquela época se caracterizava por essa forma de adoração, acrescentando a tal, elementos de grandiosidade, potência sonora através de numerosos corpos orquestral e coral. O estilo de Karl Richter pode ser definido como um hibridismo entre estilos. É possível observar ao longo de sua discografia elementos que se direcionam tanto para um “objetivismo” expressivo quanto para um entendimento romântico. Entendemos que a chamada “romantização” de seu estilo retratava-se apenas no que diz respeito ao trato sonoro, ou seja, o uso da grande orquestra e coro, o que remete à uma sonoridade sinfônica e uso de cantores solistas originários da ópera lírica. Podemos dizer que Richter não tenha sido exatamente um adepto do estilo romântico propriamente dito, pois como cita Haynes (2007) este é o único dos estilos interpretativos que de fato não sobreviveu aos dias de hoje. O estilo moderno caracteriza fortemente o estilo de Richter e podemos entender essa classificação de ser um músico “romântico”, tendo a PHI como um novo paradigma interpretativo e com isso, fazendo a devida contraposição estilística. Os músicos “modernos” são chamados de “românticos” após o surgimento da PHI, que com isso cria-se uma base comparativa. Podemos observar igualmente as mudanças ocorridas entre as primeiras gerações da PHI no início da década de 1960 até chegarem aos paradigmas atuais. De fato, Richter cria o seu estilo próprio, impondo sua personalidade e suas características a ponto de podermos classificar suas interpretações como o “Bach de Karl Richter”, ou seja, sua visão interpretativa definindo-o e distinguindo-o de qualquer “padrão” existente de execução da música de Bach naquela época. Certamente poucos artistas internacionais no auge da carreira frequentaram o cenário musical carioca quanto Karl Richter. Participante de todas as oito edições dos Ciclos Bach, encerra suas vindas ao Brasil no ano de 1979, dois anos antes de sua morte, para o I Encontro de Instrumentistas de Cordas, dirigindo dois concertos nos dias 5 e 6 de dezembro daquele ano. Logo em sua primeira vinda no ano de 1966, Richter já era um nome conhecido entre o público

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brasileiro e a crítica nacional o recebe com bastante entusiasmo, haja vista sua receptividade ao longo de suas participações nos Ciclos Bach, que inicia com uma única aparição (1966) e paulatinamente torna-se o principal nome em todas as edições dos Ciclos. Músico de personalidade difícil, muito severo e ríspido, realizava poucos ensaios com os artistas brasileiros, os quais reconhecia seu valor, mas ao mesmo tempo era crítico em relação ao nível de profissionalismo dos grupos musicais cariocas. A indisciplina das orquestras se retrata em questões práticas dos músicos, que além de problemas técnicos, sofriam com a falta de pontualidade, organização e colaboração entre si. Ainda assim, em sua última vinda ao Rio de Janeiro, Karl Richter através de declarações, reconhece a qualidade dos músicos disponibilizados para a formação de uma orquestra ad hoc, os quais eram os principais solistas brasileiros à época. A realização dos Ciclos Bach foi de vital importância para o público, que teve contato com o que havia de mais representativo no campo musical naquele período, mas em especial de grande relevância para os músicos brasileiros que reconhecidamente herdaram relevantes aprendizados sob a orientação de Karl Richter e o intercâmbio com os músicos europeus trazidos por ele. Como previamente observado, foram os eventos mais representativos já existentes no Rio de Janeiro no que diz respeito à divulgação da música de Bach no Brasil. De acordo com os levantamentos realizados e demonstrados em quadros anexos, os concertos dos Ciclos superam em quantidade total em número de edições e récitas todos os outros ciclos ou festivais promovidos pela Sala Cecília Meireles que pesquisamos entre os anos de 1966 e 1978, sejam eles dedicados a compositores, instrumentação específica ou estilos (barroco, romântico, contemporâneo). Observamos que a escolha do repertório apresentado ao longo das oito edições, representa o ineditismo para o público carioca, mas também ocorre um número considerável de reapresentações de determinadas obras com o passar dos anos. Ainda que conhecedor da música de Bach através de edições fonográficas existentes então no mercado ou transmissões radiofônicas, o público carioca não estava habituado a receber ao vivo concertos com as obras primas de Bach em sua versão integral, fato esse que certamente colaborou para o enorme sucesso dos Ciclos Bach. O que moveu grandes massas de público para a Sala Cecília Meireles em concertos com obras de longa duração e alta complexidade de entendimento, como as Paixões? Possivelmente o ineditismo, aliado à presença da maior autoridade em Bach, colaboraram para tal. Através da longa pesquisa realizada, constatamos que a música de Bach está pouco

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presente nos programas de concerto no Brasil, que nos últimos tempos valoriza fortemente o repertório sinfônico romântico em sua quase totalidade. Um dos últimos grandes momentos do contato do público com a música do compositor alemão em forma de ciclo, deu-se há quatro décadas. Por fim podemos afirmar que de fato o legado dos Ciclos Bach permanece na lembrança daqueles que vivenciaram a época, e que irradiaram para o Rio de Janeiro e para o Brasil um momento representativo para a história da música de concerto. Possivelmente a distância temporal do evento tenha colaborado para o esquecimento, em um país que dificilmente consegue preservar sua memória sob diversos aspectos. Conforme constatado através da pesquisa, os Ciclos Bach até sua última edição e possivelmente até os dias de hoje, representaram o evento mais relevante e significativo na história da Sala Cecília Meireles. Às vésperas do cinquentenário da primeira edição em novembro de 2016, não há nenhum evento programado pela referida sala de concertos que de alguma maneira possa rememorar e valorizar aquele evento, que foi o marco na exposição da música de Bach no Brasil.

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Referências bibliográficas

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Igrejas

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Coros ASSOCIAÇÃO DE CANTO CORAL DO RIO DE JANEIRO Disponível em Acesso em 07 de setembro de 2016. INSTITUTO DOS MENINOS CANTORES DE PETRÓPOLIS Disponível em Acesso em 07 de setembro de 2016. KREUZCHOR, DRESDEN- Disponível em Acesso em 07 de setembro de 2016.

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Instituições e acervos

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Selos fonográficos DEUTSCHE GRAMMOPHON- Disponível em Acesso em 07 de setembro de 2016.

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Outras fontes

Entrevistas e questionários

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Palestras e comunicações eletrônicas

BUCCARELLA, Francesco. Comunicação realizada através de meio eletrônico Messenger em 06 de junho de 2016. HERZOG, Myrna. Comunicação realizada através de meio eletrônico em 02 de maio de 2016. JANK, Helena. Palestra realizada durante a XII Semana do Cravo da UFRJ em 06 de outubro de 2015. Arquivo digital formato 3GP (48’35”), transcrição parcial.

156

MARQUES, Clóvis. Comunicação realizada através de meio eletrônico em 20 de julho de 2016. OLIVEIRA, Jocy. Comunicação realizada através de meio eletrônico em 21 de julho de 2016.

Blog em sítio eletrônico

KARL RICHTER IN MÜNCHENDisponível em < http://karlrichtermunich.blogspot.com.br/> Acesso em 2014, 2015, 2016

157

Capítulo 1 (1.2) Anexo 1. Documento de criação do Conselho Federal de Cultura, em 1966 Art. 2º Ao Conselho Federal de Cultura compete: a) formular a política cultural nacional; b) articular-se com os órgãos federais, estaduais e municipais, bem como as Universidades e instituições culturais, de modo a assegurar a coordenação e a execução dos programas culturais; c) decidir sobre o reconhecimento das instituições culturais, mediante a aprovação de seus estatutos; d) promover a defesa e conservação do patrimônio histórico e artístico nacional; e) conceder auxílios e subvenções às instituições culturais oficiais e particulares de utilidade pública, tendo em vista a conservação de seu patrimônio artístico e a execução de projetos específicos para a difusão da cultura científica, literária e artística; f) promover campanhas nacionais que visem ao desenvolvimento cultural e artístico; g) manter atualizado o registro das instituições culturais e oficiais e particulares e dos professores e artistas que militam no campo das ciências, das letras e das artes; h) proceder à publicação de um boletim informativo de natureza cultural; i) informar sobre a situação das instituições particulares de caráter cultural com vistas ao recebimento de subvenções concedidas pelo Governo Federal; j) reconhecer, para efeito de assistência e amparo através do Plano Nacional de Cultura, as instituições culturais do País, cujo reconhecimento se dará mediante solicitação da instituição interessada; k) estimular a criação de Conselhos Estaduais de Cultura e propor convênios com esses órgãos, visando ao levantamento das necessidades regionais e locais, nos diferentes ramos profissionais, e ao desenvolvimento e integração da cultura no País; l) apreciar os planos parciais de trabalho elaborados pelos órgãos culturais do Ministério da Educação e Cultura, com vistas a sua incorporação a um programa anual do Ministério da Educação e Cultura, a ser aprovado pelo Ministro de Estado; m) elaborar o Plano Nacional da Cultura, com os recursos oriundos do Fundo Nacional da Educação, ou de outras fontes, orçamentárias ou não, colocadas ao seu alcance;

158

n) promover sindicâncias, por meio de comissões especiais, nas instituições culturais oficiais ou particulares, estas últimas deste que incluídas no Plano Nacional da Cultura, e sempre tendo em vista o bom emprego dos recursos recebidos; o) elaborar o seu regimento a ser aprovado pelo Presidente da República; p) emitir pareceres sobre assuntos e questões de natureza cultural que lhe sejam submetidos pelo Ministro da Educação e Cultura; q) submeter à homologação do Ministro da Educação e Cultura os atos e resoluções aprovados em plenário, sempre que fixem doutrina ou norma de ordem geral; r) promover intercâmbio com entidades estrangeiras, mediante convênios que possibilitem: exposições, festivais de cultura artística e congressos de caráter científico, artístico e literário; s) superintender, ouvido o Ministério das Relações Exteriores, cursos e exposições de cultura brasileira no exterior; t) promover, articulando-se com os Conselhos Estaduais de Cultura, exposições, espetáculos, conferências e debates, projeções cinematográficas e toda qualquer outra atividade, dando, também, especial atenção o meio de proporcionar melhor conhecimento cultural das diversas regiões brasileiras.

159

Capítulo 1 (1.3)

Anexo 2- Salas de cinema existentes na cidade do Rio de Janeiro nas décadas de 1960 e 1970

Tabela 2.

Ano

Quantidade de salas de cinema

1966

147

1967

144

1968

140

1969

136

1970

129

1971

122

1972

103

1973

102

1974

100

1975

98

1976

93

1977

93

1978

83

1979

82

160

Capítulo 1 (1.4) Anexo 3- Crítica de Renzo Massarani Jornal do Brasil, Caderno B, 8 de dezembro de 1965, pág.2

"É inútil escondê-la (pois isso não deve soar, no mínimo como ofensa à memória e à arte da grande poetisa do Brasil, Cecília Meireles), mas esperávamos que a tão sonhada sala de concertos sinfônicos do Rio, fôsse dedicada à glória de um músico. Lá fora, as casas de música são Bach ou Palestrina ou Mozart ou Beethoven ou Verdi; não conheço casas de música Dante ou Shakespeare ou Goethe. O Rio oferecia o nome de dois músicos cariocas; o maior das Américas, Heitor Villa-Lôbos e (também por estarmos festejando o IV Centenário da Cidade e por encontrar-se a sala a dez passos do lugar onde atuou) padre José Maurício, o primeiro das Américas. Mas o importante, é que quarta-feira, 1 de dezembro, a sala foi inaugurada; depois de um ano de trabalhos intensos, e ainda dentro dos festejos do IV Centenário. A sala que Maurício Quadrio indicou aproveitando o velho Cinema Colonial que Carlos Lacerda quis, que Carlos Calderaro construiu e que agora será administrada por Henrique Morelenbaum, terá suas funções bem demarcadas; "Há que se preservar esta casa", disse Cravo Peixoto, "da esclerose, da rotina, do medalhão; há que se fazer dela um centro dinâmico

e

moderno

de

cultura,

aberto

a

um

público nôvo e

ávido

de

coisas novas".Isso mesmo. Então, deverá ser mantida sempre longe dos amadorismos e das improvisações, das rotinas e dos exibicionismos. Conforme o arquiteto Calderaro, "a sala é eminentemente funcional, criada exclusivamente para a orquestra e o côro e para dar à vida concertística do Rio uma intensidade maior e portanto uma mais fecunda variedade de repertórios". Vista de fora, dominando o Largo da Lapa, apresenta-se nobre e digna, deixando ver apenas dois defeitos, aliás, facilmente elimináveis: o letreiro côr de bala de laranja desafinando com as linhas severas da fachada, e o velho lampião quebrando a abertura da entrada. Por dentro, há um certo desequilíbrio entre o espaço inevitavelmente reservado à orquestra e ao côro, e o do público: as poltronas deveriam ter sido 3000, e não 1000. Independentemente disso, a decoração é corajosamente funcional e moderna, sóbria, elegante, sem fantasias mas limitando-se a aproveitar a orquestra que domina lá do palco, e os vários elementos usados para obter uma acústica melhor. A sala é cômoda e acolhedora; e, o que mais interessa, a acústica é perfeita: sem ecos nem ressonâncias. Uma acústica que, se comparada com a excelente do Municipal, parecerá possivelmente um pouco menos exata e clara, mas com tôda vantagem de

161

uma vibração mais humana, mais quente"... " À novíssima Casa carioca e aos músicos do Brasil, longos anos gloriosos e felizes."

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Capítulo 1 (1.5) Anexo 4- Matéria assinada por Ronaldo Miranda. Jornal do Brasil, Caderno B, 29 de setembro de 1977, pág.2 "Não é a primeira vez que se fala em demolir a Sala Cecília Meireles. Entre afirmações e desmentidos, volta e meia o assunto vem à tona com ameaçadora insistência. Não há contudo, motivo que justifique a sua demolição. O tráfego ao redor é satisfatório e, se estudos urbanísticos prevêem problemas futuros, há muitas soluções para se contornar o problema, sem que seja necessária a derrubada da melhor sala de concertos da América Latina, para a música de câmara. Em pouco mais de uma década, a Sala Cecília Meireles marcou fundamentalmente a vida musical do Rio de Janeiro: abriu perspectivas de mercado para os artistas nacionais e estrangeiros, captou novas platéias para a música erudita e tornou mais informal e descontraído o hábito de ir ao concerto. Poucas vêzes, o Rio de Janeiro viveu temporadas tão musicalmente fecundas quanto as que lá foram programadas por Ayres de Andrade: Os Ciclos Bach e Beethoven, iniciados pelo saudoso crítico carioca, igualaram a cidade aos grandes centros culturais do mundo. Após um breve recesso, o trabalho de Ayres teve em Myriam Dauelsberg, diretora da Sala desde 1973, a continuação desejada. Ela criou a Série Vesperal, reuniu didaticamente os concertos em Ciclos e Panoramas e reformou até mesmo o aspecto visual dos programas de cada apresentação, colocando a sua personalidade esclarecida e decidida em cada detalhe das suas temporadas. Com o fechamento do Municipal e mesmo antes disso (pois os últimos anos foram de completa decadência), a Sala passou a ser o ponto de referência da vida musical carioca. Adquiriu prestígio no exterior (com os artistas e empresários) e monopolizou as atrações mais importantes. O que não desmerece o excelente trabalho dos auditórios paralelos (IBAM, Casa de Rui Barbosa e outros), mas se justifica especialmente pelo fato de só a Sala possuir, no momento, um auditório de boa capacidade, adequado à música erudita. Por um desses milagres - que não só a técnica e a competência profissional conseguem realizar - a equipe de engenheiros que reformou o velho prédio onde hoje funciona a Sala conseguiu projetar um dos melhores espaços acústicos do mundo. Foi um desses achados em que se jogou com a sorte e deu certo. Em seu recinto, o som é tão puro, tão claro, tão belo que o ouvinte que se senta à última fila da platéia superior ouve uma flauta-solo com a mesma nitidez de quem está no palco. Se o espaço não comporta as massas das grandes obras sinfônicas, serve esplendidamente para

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solistas, duos, trios, quartetos e demais grupos de câmara, além de ser também adequado a peças para orquestra e coro, desde que saibam escolher o repertório. Lá podemos ouvir versões esplêndidas das obras barrocas (concertos, suítes orquestrais, paixões, oratórios) e nos deliciar com as minúcias das sinfonias de Haydn, de Mozart, e da primeira fase beethoveniana. Sem falar no repertório contemporâneo, que comporta uma infinidade de títulos apropriados às dimensões sonoras do local: com sua linguagem transparente, a ópera de Stravinsky The Rake's Progress, só para citar um exemplo, soou maravilhosamente na Sala, quando lá executada em forma de oratório. Ainda em relação à acústica, vale lembrar uma lição dos americanos: depois de erguerem no Lincoln Center, o luxuoso Avery Fisher Hall, descobriram que a nova casa gigante da Filarmônica de Nova Iorque tinha uma péssima acústica. E não havia outro remédio, senão a sua reconstrução. O que teria acontecido à vida musical de Nova Iorque se, ao construirem o Avery Fisher Hall, tivessem demolido o velho Carnegie Hall? Com seu passado glorioso, lá está ele firme, abrigando as melhores orquestras do mundo. Reabram o Municipal, construam um novo centro sinfônico, mas deixem a Sala em paz. Respeitem o que ela já fez e o que oferece continuamente de bom e positivo à vida cultural do Rio de Janeiro."

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Capítulo 2 (2.6) Entrevista concedida por Francesco Buccarella via Messenger em 06/06/2016

MARCELO PORTELA- Ciao caro Francesco, ci sei? Disturbo? FRANCESCO BUCCARELLA- Ciao, sì ci sono, almeno spero..

M.P.-Volevo farti uma domanda. Sto qui adesso lavorando sulla mia tesi e sono arrivato al punto che parlo sull’interpretazione storica...

F.B- Dimmi..

M.P.- Naturalmente parlo sulla storia di I Musici anche di altri complessi barocchi italiani. Secondo me, fino il 2003 quando c’era ancora Mariana Sirbu, il vostro stile era ancora il cosidetto “moderno”, ma dall’arrivo di Anselmi si vede che avete fato um “mischio” di stile moderno com stile storico. Mi sbaglio?

F.B.- Eh...qui dovrei darti uma risposta complessa...Dunque, sicuramente Mariana è stata ed è tutora uma fantástica violinista ed uma musicista di alto livello. Il suo stile naturalmente risente della scuola che ha ricevuto, e cioè la grande scuola russa... Quindi quando è entrata nei Musici dopo Agostini, che vogliamo invece aveva uno stile più asciutto non dimentichiamo che è il nipote di Giulli. Mariana há dato al grupo la sua impronta molto chiara. Se vogliamo in quel período si è um poco rivissuto quello che succedeva della Carmirelli. Con le dovute differenze, certo, ma si aveva uno stile del grupo che era molto determinato da quello della spalla e sicuramente non era uno stile che definiremmo oggi “informato”.

M.P.- Esattamente. F.B.- Poi c’è stato in mezzo Antonio Salvatore, altro violinista più clássico italiano di scuola e più votato ala collaborazione con il grupo. Al suo ritiro è subentrato Anselmi che è innanzitutto um super virtuoso del violino, um musicista com un super super orecchio, appassionato dello strumento e della ricerca musicale ed expressiva...

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Ma ovviamente cresciuto in unaltro humus. Lui è molto amico di Carmignola per cui nutre grande ammirazione e le sue prime esecuzioni dell Stagioni risentivano um poco di questa cosa. Poi há cercato uma strada diversa, improntata ad esecuzioni di grande energia, per noi anche molto faticose sai emotivamente che fisicamente, perchè lui è capace di cose molto difficile da riprodurre per il grupo. Sicuramente lo stile attuale non è ancora compiuto, perchè è chiaro che da um lato non possiamo giocare sullo stesso terreno dei cosidetti “barocchisti”... Dall’altro dobbiamo cercare di mantenere alcune peculiarità del grupo che sono ormai storiche. Ma questo equilíbrio è molto, molto difficile da raggiungere e in effetti come dici tu, a volte può risultare um po’ ibrido e strano. Noi cerchiamo di non fermarci mai ma la strada è molto difficile, anche perché da un gr uppo che ormai è sulla piazza da quasi 65 anni ci si aspetta sempre di più. Entrando um poco più nello specifico, noi suoniamo com strumenti antichi ma montati modernamente com accordatura moderna e archi moderno. Qualcuno ogno tanto usa anche um arco clássico, corda di metallo. Generalmente i tempi Allegri sono abbastanza spinti come velocità. In questo seguiamo um po’ i barocchi, ma ad esempio alterniamo momenti di non vibrato ad altri di vibrato. A volte, cerchiamo più degli effetti sonori, seguendo quello che si scrive sul modo di suonare di molti virtuosi italiani del sei e settecento... E teniamo sempre molto alto il livello di energia expressiva... Il rovescio della medaglia è che parte di quel suono che ci há reso famosi si perde, ecco perchè ti dicevo che l’equilibrio è molto difficile.

M.P.- Si, si...

F.B.- Ma ci stiamo lavorando...Non so se più o meno ti sono stato utile. Un altro problema che non possiamo trascurare è che i manager ci chiedono sempre cose nuove, novità, nuove idee e quid i abbiamo allargato il repertorio verso la musica diciamo di contaminazione. Questo sicuramente potrà deludere qualche nostro appassionato di vecchia data ma purtroppo o per fortuna è stato inevitabile.

M.P.- Caro Francesco, era giusto quello che pensavo io, però avevo uma gran paura di mettere i miei pensieri sull’un lavoro accademico. Ma infatti, si vede chiaramente il cambio stilistico di I Musici in questi tempi, proprio um mischio di modernità com stile storico. La modernità

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riguardo l’uso degli stromenti antichi ma modernizzati, anche il “la” al 440 hz, ma uno sguardo ala storicità, all’improviso che avete voi rigurado gli spartiti, la velocità, anche l’uso del clavicembalo storico.

F.B.- Sai, come ti dicevo prima, dopo 65, um grupo non può pensare che per continuare ad operare sia sufficiente offrire il concerto RV 151 invece che il 153...

M.P.- Si, davvero. F.B.- Anselmi è perfettamente in grado di suonare in maneira “clássica”, la sua e quindi anche la nostra, è uma scelta. Delicata, a volte estrema, a volte ibrida, ma comunque di grande impatto sul pubblico anche se certamente non “ecumênica”. Scusa, ho visto che ci sono tanti errori nella scrittura ma sul cellulare ogni tanto mi saltano le lettere.

M.P.- Non ti preoccupare caro mio. Non lo so come ringraziarti per questa meravigliosa dichiarazione sulla vostra storia atuale di I Musici. Come ti ho detto, fa parte dei miei confronti nella ricerca accademica e non potevo mettere scritto qualcosa li se non fossi sicuro. Così anche ti chiedo il permesso di aggiungere al mio lavoro questa piccola intervista che m’hai dato adesso com le informazioni giuste le quali erano ancora soltanto pensieri miei. F.B.- Sì certo, ovviamente sistema le frasi che ho scritto um po’ ala rinfusa come meglio credi per dare um senso chiaro.

M.P.- Non ti preoccupare. Caro Francesco, ti saluto fortissimoe ancora mille grazie per il tuo super extra importantíssimo aiuto che m’hai dato.

F.B.- Ti abbraccio Marcelo. È sempre un piacere... Buon lavoro. A presto.

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Capítulo 3 Depoimento de Helena Jank durante a XII Semana do Cravo da UFRJ, 06/10/201569

[...] Então eu passei por muitas experiências ligadas a estes instrumentos que passaram pela minha vida, e acho que hoje em dia, acredito que possa ser interessante principalmente para os mais jovens que já nasceram em um ambiente que os cravos já existiam no Brasil, já haviam esses cravos, o que não foi o meu caso na época, e nessa pesquisa que eu fiz para o que eu vou falar para vocês, é o meu caso. Muitos cravistas famosos que vocês conhecem de nome, também passaram por isso. Eu trouxe um pequeno roteiro que na verdade eu fiz para mim mesma, mas depois eu coloquei apenas imagens que eu vou mostrar para vocês porque eu acho que o que eu vou falar improvisadamente, pode ficar mais claro para vocês com algumas imagens. Eu comecei, meu primeiro contato com o cravo, minha mãe tinha um cravo. Meu primeiro contato com o cravo foi quando eu fui para a Alemanha. Na verdade, eu fui determinada pela família a estudar órgão, mas eu era muito tímida e órgão é um instrumento muito grande, eu me senti na época assustada com o órgão, mas eu fui estudar com Karl Richter, que era um organista famoso, regente famoso também, cravista não tão famoso, era famoso também, mas ele era organista, e ele queria que eu estudasse cravo porque ele achava que era importante fazer baixo contínuo. Foi muito pelo baixo contínuo. Eu estudei em Munique na Escola Superior de Música, e a professora de cravo era a Li Stadelmann. Daqui a Pouco nós vamos conversar sobre essas figuras. Então ela foi muito importante para mim na relação com o instrumento, até porque também era uma pessoa muito bondosa e que compreendeu bastante bem a minha timidez, mas ao mesmo tempo também, a tendência, o gosto que eu tinha por um instrumento mais suave, não tão poderoso como era o órgão. Eu continuei estudando órgão por um certo tempo, mas depois pelas circunstâncias pessoais na minha vida, não quis mais tocar órgão e fiquei totalmente ligada ao cravo. Bem, eu fiz aqui um levantamento dos cravistas. Vou partir aqui de uma pequena perspectiva histórica, é histórica, mas apenas da época e do ambiente no qual eu vivi, como certeza, há muitos nomes aí, que se eu fosse fazer a coisa muito completa, faltam muitos nomes.

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Neste depoimento Helena Jank conta sua trajetória na formação como cravista. Optamos em destacar especialmente a fala relativa a Karl Richter.

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Os nomes que estão aqui, são os cravistas que significaram alguma coisa para mim, naquele momento de formação. Aí já temos alguma coisa muito interessante, em primeiro lugar eu perceber que Wanda Landowska, que naquela época nos anos 60, 70, quando se falou mais no cravo, era...apenas me foi passada essa informação. Uma pianista que resolveu tocar cravo, um Pleyel... construiram um cravo portentoso, com muito volume de som e que tentava chegar com uma sonoridade perto da sonoridade do piano. O que me surpreende muito, no momento que a gente lê a biografia de Wanda Landowska. Então a gente fica surpreso com a seriedade do trabalho dela, um trabalho musicológico, numa época que não havia tanta facilidade nos acessos aos documentos, aos trabalhos. Então ela foi uma grande pioneira. As biografias dela nos revelam uma pessoa seríssima com propostas incríveis naquele momento. Têm coisas de olhar para o passado com um pouco de...desprezo...é muito interessante. Vocês vão ver que eu separei, eu fiz um risco aí, eu explico já esse risco. Esses nomes aqui estão por ordem cronológica de data de nascimento. Então logo depois de Wanda Landowska veio Li Stadelmann na minha vida, que morreu em 1993, teve uma vida muito longa e uma história bastante interessante. Hoje em dia pesquisando na internet, a gente fica sabendo da biografia dela e na II Guerra ela foi colaboradora do Partido de Hitler. Era antisemita, foi uma espécie de "garota-propaganda" mesmo do regime. Eu vivi na Alemanha por doze anos, sempretive contato com ela e nunca soube algum detalhe nesse sentido e nunca percebi nela qualquer, aliás, com relação a todo o passado dela, o que ficou foi o absoluto silêncio. Quando a conheci, nos anos 60, ela vivia bastante isolada já numa espécie de um sitiozinho, muito discreta, muito suave, casada com um indianista, então ela estudava filosofias orientais, etc, e falava muito pouco. Então eu quase não descobri muito da vida dela. Com relação às aulas...ela foi naquela época o primeiro professor que antes mesmo de se trabalhar repertório, a primeira tarefa era de tirar e conseguir no cravo uma boa sonoridade, o que naquela época não era tão fácil assim. Acho que hoje em dia é mais fácil porque os cravos naquela época eram os cravos industriais que vocês vão ver depois e que têm uma sonoridade bastante diferente destes que estão aqui. Os que estão aqui, aqui está o nome de Karl Richter, foram os meus dois professores. Eu já vou falar de Karl Richter. Eu fui para estudar órgão com ele e logo nos primeiros meses ele falou: "quem estuda comigo tem que cantar e tem que cantar no coro". Era o Coro Bach de Munique, muito recente. Antes era o Coro Schütz, um coro dedicado à obra de Heinrich Schütz, depois se transformou então no Coro Bach de Munique. Ainda era o começo da fase rica, estava

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se tornando muito famoso naquela época, e exigia da gente que cantasse no Coro, se não cantasse no Coro ele também não dava aula de instrumento nenhum. E a primeira fase da minha relação com ele foi por conta de órgão, só que depois eu me envolvi muito com o cravo e com Li Stadelmann e um dia eu decidi que não queria mais tocar órgão e então fiquei durante um bom tempo só cantando no Coro, então pedi a ele que me deixasse continuar cantando no Coro porque foi cantando no Coro e participando dos ensaios, ele fazia todas as cantatas de Bach, oratórios, etc, que eu aprendi. Acredito que grande parte do que eu aprendi foi cantando. Talvez por isso que eu acho que o cravista deveria ter aulas de canto também, faz muita diferença. Depois eu fiz o curso todo de graduação com Li Stadelmann e quando fiz o exame final ela já estava prestes a se aposentar então eu voltei a fazer o master class e Li Stadelmann já estava para se aposentar, então eu pedi a Richter se ele me daria aula de cravo. Ele não era na verdade um professor de cravo, mesmo como cravista então, a gente vê aquelas mãos dele, ele tem um jeito muito tímido, muito tenso de fazer música, mas ele não se preocupava muito com técnica. Então fiz a master class com ele, um repertório bastante rigoroso, etc. Os outros nomes que estão aqui, eram as pessoas com as quais, na verdade eram os grandes modelos próximos a mim, desta lista que eu pus ai, o único que eu nunca vi tocando foi o Kirkpatrick, mas têm as edições dele, então ele foi uma pessoa importante naquela época.[...] Fernando Valenti que tocava muito música ibérica e Scarlatti, contemporâneo de Karl Richter, e aparecendo já com muita força o Nikolaus Harnoncourt, Kenneth Gilbert e Gustav Leonhardt. Agora eu vou explicar esse traço que eu passei aí. De todos esses nomes que eu anotei aqui, todos eles são mais ou menos contemporâneos[...] entre Li Stadelmann e Kenneth Gilberth, todos eles nasceram em 1900, 1911, 14, 17, uma ordem cronológica. E olhando a data de morte deles, todos eles passaram pelo o que eu passei também, que começaram com o cravo de Wanda Landowska, o Pleyel depois todos aqueles modelos conhecidos, o Neupert, etc, e terminaram tocando as cópias. Uma pessoa importante na minha formação e que não está nesta lista é Huguette Dreyfus, mas ela não está nesta lista porque ela não foi parte da minha formação inicial nestes tempos na Alemanha, estes nomes são todos aqui de quando eu estava na Alemanha. Huguette Dreyfus foi uma pessoa, professora importante, depois que ela veio no Brasil, depois que eu também já estava no Brasil, fizemos um curso de interpretação cravística no MASP em São Paulo, que há dois anos atrás fizemos uma homenagem à ela, e aí já começou aquela coisa de você pode se formar, você pode fazer o curso ótimo e maravilhoso, mas você nunca vai deixar

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de ter que continuar aprendendo, porque uma das coisas que a gente vai percebendo, que por mais que a gente estude, por mais que a gente aprenda, sempre tem mais alguma coisa para aprender, e aí essa "uma coisa" fica incomodando a gente e o que mais me incomodou então era na época da Huguette, é que eu tinha estudado na Alemanha com professores que atuavam na Alemanha com um repertório bastante de final do barroco e com influência forte do meu professor, o Karl Richter muito dirigido à obra de Bach, que até hoje é a praia com a qual eu tenho mais familiaridade digamos assim, mas eu percebi uma lacuna grande em relação à música francesa. A única pessoa dessas que eu tive contato pessoal foi Li Stadelmann que fazia música francesa mas muito germanicamente. E então com a Huguette Dreyfus eu conversei com ela e fui passar um mês em Paris só tendo aula com Huguette Dreyfus e foi muito legal porque preencheu então...na época que eu encarava então...não quer dizer que eu previa tocar música francesa naquela época. Eu previa nos próximos 15 ou 20 anos que eu teria muito que aprender. Todos eles passaram pela transformação a qual os instrumentos passaram e cada um a sua maneira. Eu acho que o próprio Karl Richter por exemplo, eu só soube de ele ter um cravo, uma cópia, que era uma cópia Neupert perto de...no final dos anos 70, mas não sei se ele já tinha faz tempo. Mas nenhum deles ficou sem conhecer a cópia. Nenhum deles ficou só tocando aqueles...

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Entrevista concedida por Myrian Dauelsberg, realizada no Rio de Janeiro, em 13/06/2014

MYRIAN DAUELSBERG- Eu fui convidada para a direção artística da Sala Cecília Meireles, em 74, pelo Jacques Klein, e eu não tinha a menor experiência, todo mundo me desaconselhou a aceitar o cargo, porque...mas eu sempre gostei de desafios e de áreas novas, então eu entrei para a Sala, e a primeira coisa que me veio na cabeça, eu digo, sempre fui uma bachiana de coração, sempre gostei muito de trabalhar polifonia com meus amigos, fazendo cantar vozes separadas. O Jacques Klein chegava a dizer que eu devia ter alguma...enfim, que eu devia ter alguma deficiência orgânica para gostar tanto de polifonia e ter paciência de ouvir as vozes. Então, o Karl Richter já estivera no Brasil na época do Ayres de Andrade, e eu sonhei em voltar a convidá-lo. Então eu falei com o Klein e ele disse: "Bom, se você quiser..." O Klein não era particularmente um polifônico, vamos dizer assim. E lá fui eu para a Alemanha, meu marido é alemão, nós naquela época passávamos sempre os Natais em Göttingen, e eu entrei em contato com ele, naquela época não tinha, lógico, nem internet, nem nada disso, tudo era a base de...nem fax! A gente escrevia cartas e esperava a carta e tudo isso, eram...e é incrível que se realizava assim mesmo. E marcamos encontro em Zürich, onde ele tinha uma casa. E eu sai de Göttingen de trem, fui até Frankfurt, no aeroporto para pegar o voo para Zürich, mas era em pleno inverno e os aviões não levantaram voo, foram cancelados, e eu dizia: "não posso mais". Então eu liguei prá lá, e perguntei se daria pra eu ir de trem. Ele disse, olha, eu vou chegar um pouco tarde, mas daria assim mesmo, porque eu estava de volta pro Brasil.

MARCELO PORTELA- Ele morava em Zürich, o Richter?

MD- Ele morava em Zürich. Então fui de trem, e não era bem Zürich, era a uns 10, 15 km de Zürich, peguei um taxi...eu sei que eu cheguei na casa dele, eram vinte para meia-noite, o que na Europa isso é absurdamente inusitado, sobretudo era frio. Eu bati, toquei a campainha da casa dele, e ele me abriu, me lembro como se fosse hoje, de terno preto, terno escuro, gravata, mas de chinelo, então aquilo era engraçado, e ele me olhou assim de cima prá baixo e dizia assim, em alemão: "-Você veio assim mesmo, não acreditei que viria". Aí, eu falava um alemão péssimo, eu nunca tive complexo de falar errado, e eu disse, "Então será que o senhor pode vir em agosto, vamos fazer um Ciclo?", e ele aceitou. E eu vim pro Rio e comecei a batalhar, prá variar, aliás, a tônica da minha vida...

MP- Desculpe, isso foi talvez em 74, 75?

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MD- 75

MP-75

MD- Eu não me lembro se foi no Natal de 74, ou se foi no Natal de 75, eu acho que foi no Natal de 74, porque eu tenho que ver lá, os Ciclos começaram...

MP- Em 66, foi o primeiro, já no Ayres de Andrade, com a senhora, teve esse hiato entre 70, e depois reiniciou em 75.

MD- Então foi no Natal de 74...

MP- Era sempre no mês de agosto, que ocorriam os Ciclos, exatamente.

MD- Bom, então se separou, se reservou lá uma verba prá esse primeiro Ciclo, e tudo bem. Quando foi mais ou menos três semanas antes, eu recebo um telegrama, com a palavra, que foi uma das minhas primeiras palavras a aprender em alemão, que é abgesagt, ou seja, "cancelado". Ele havia cancelado o Ciclo. Eu fiquei absolutamente desesperada, fui atrás do meu marido que estava no Japão tocando sonatas de Beethoven com a Ingrid Haebler, e não podia atingi-lo, eu digo, eu vou me virar com meu alemão mesmo, e peguei o telefone, eu estava furiosa, veio meu lado italiano e disse: -Herr Professor! O senhor diz que o Brasil não é um país sério, mas quem não está sendo sério é o senhor. Eu batalhei prá conseguir o dinheiro, e eu consegui o dinheiro, e agora o senhor abgesagt, essa palavra eu não posso ouvir, eu não queria ouvir. Tudo errado, tudo errado!". E eu ainda acho que ele ficou pasmo, porque ele era respeitadíssimo, todo mundo morria de medo dele, e com a coragem da inconsciência, passei-lhe assim, uma lição de moral. Aí ele disse: "-Eu vou pensar até amanhã". Eu fiquei nervosíssima, e no dia seguinte chegou um telegrama, "nessas condições então eu aceito, que eu não quero deixar de cumprir a minha palavra. E ele veio. No início foi tumultuado, porque ele implicava com tudo, ele ficava sempre no Hotel Ouro Verde, que era um hotel pequenininho que ele gostava da comida, aquela coisa toda, e na Sala, coitada, não tinha carros, não tinha nenhuma infraestrutura para recebê-lo, então a gente mandava um aluno, com meu carro lá no Hotel Ouro Verde e tudo. Eu me lembro, chegou na Sala reclamando demais do percurso, que tinha vindo...

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MP- O hotel, é em Copacabana? Desculpe...Ouro Verde é em Copacabana, o hotel?

MD- É, fica na Av. Atlântica, e invés de pegar, prá ir prá Sala, a praia do Flamengo, o carro veio pela Rua do Catete, que ele achou aquilo um horror.

MP- Talvez numa época de construção do metrô, pré construção do metrô, devia estar tudo cheio de tapume...

MD- Exatamente. Aí ele chegou mau humorado. Aí começaram os ensaios, eu já não me lembro os detalhes, porque a gente tinha organizado uma orquestra de câmera com músicos daqui, eu não posso citar nomes, porque ficaria feio, e a uma determinada hora, o spalla, quando chegou, sei lá, uma hora, levantou no meio da frase, e foi de uma grosseria total...

MP- O spalla?

MD- O spalla que nós tinhamos escolhido na época, não deixou nem terminar a frase, sabe como é que é? E ele ficou chocadíssimo. "Assim não vai ser possível, e não sei mais o que", enfim, foi muito difícil, o início. Porque ele estava acostumado àquela disciplina alemã. Eu não me lembro mais os programas que nós fizemos. A seguir, nós passamos a tomar muito mais cuidado com as pessoas que a gente botava. E a glória mesmo, a glória mesmo, foi o último Ciclo Bach, o último concerto Bach que ele fez, em dezembro, e eu já não estava mais na Sala, quem estava era o meu marido.

MP- Isso foi em 79, não foi isso?

MD- Em 79.

MP- Foi um Encontro Internacional de Cordas.

MD- Exatamente. Que ele mandou uma carta, se eu pudesse achar essa carta. Aliás depois eu te conto esse Encontro, que deu uma dor de cabeça pro meu marido, que eu acho que ele nem ia imaginar. Mas deixa eu voltar prá trás. Então, havia os Ciclos Bach, aqui. Foi um sucesso, vinham uns médicos de Belo Horizonte, vinham setenta médicos, sobretudo cardiologistas, então corria o boato que ninguém em Belo Horizonte podia ter um ataque, um

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infarto, porque estavam todos no Ciclo Bach do Rio. Era um verdadeiro culto, que existia, que nós fizemos isso com muito prazer. Aconteceram coisas engraçadíssimas e coisas trágicas também, porque, ele chamava o Auréle, o Auréle Nicolet, em um desses Ciclos Bach, o filho do Auréle Nicolet tinha se suicidado em Genéve, e ele tinha se refugiado na Córsega, e foi preciso o Richter e eu, insistirmos muito, que ele saísse da Córsega, e viesse ao Brasil participar do Ciclo Bach. E foi uma espécie de renascimento, aqui no Rio, que ele retomou.

MP- Foi aquele ano que o Ciclo foi somente camerístico, né?

MD- Eu não me lembro se ele tocou alguma coisa com o Rampal ou não, não me lembro.

MP- Foi o Nicolet, o Jean Pierre Rampal, é...pelo o que eu me lembro acho que foram só esses dois músicos, talvez alguma coisa com violino, não sei, não me lembro exatamente...

MD- Leonid Kogan..

MP- Leonid Kogan, com as sonatas de cravo, violino e cravo.

MD- Exatamente. Bom, aí foi a última vez que eu vi o Kogan. Bom, onde é que eu estava? Então ele veio...ah! Ele reclamou tanto, os dois primeiros dias, que eu já estava desesperada, reclamava disso, reclamava do percurso, reclamava da orquestra, reclamava daquilo. Aí eu não aguentei e chamei ele e disse: -Herr Professor, vamos conversar. Nós vamos passar quinze dias juntos. Nesse clima vai ser horrível pro senhor como prá mim. Vamos tentar encontrar um clima agradável, porque vai ser mais fácil", aquela coisa toda. Falei assim mesmo, no meu alemão todo errado. Aí ele parou, ele era vesgo, olhou de cima prá baixo e disse: -"Estamos de acordo." E se tornou um grande amigo, me ligava pelo menos uma vez por mês, durante todo esse...me ligava prá qualquer coisa. Ele achava que eu era a mulher miraculosa, prá ceder a...Na mentalidade dele, a gente estava no Japão, ele ligou: -Ich habe Zahnschmerzen!, voce fala alemão?

MP- Não.

MD- "Eu tô com dor de dente". E eu não sei o que fazer, só tinha que ouvir. Falar com ele, lenta, "-eu vou pensar". Aí eu disse: -" Eu tive uma idéia". -"Qual?" -" Se você fosse ao

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dentista?" -"Eu não tinha pensado nisso...Por isso que eu sei que você é uma mulher maravilhosa". É completamente...completamente...

MP- Desligado...

MD- Completamente desligado. Bom, aí foi ao dentista e tudo passou. Ele passou anos da vida dele apavorado com a catarata que ele tinha, e do outro olho ele não via, ele era cego de um olho. Então, uma vez aqui na Sala Cecília Meireles, antes de dirigir uma Paixão Segundo São João, eu vou lá atrás, o que é que ele tinha? Ele estava lendo a sinfonia, estudando as sinfonias de Mendelssohn, que ele amava as sinfonias de Mendelssohn, de Bruckner, ele queria demais gravar essas obras, e ele se queixava amargamente que a Deutsche Grammophon, não permitia, queria que ele ficasse em Bach, Haendel...

MP- Exclusivamente em Bach, quando muito Haendel...

MD- E ele queria, ele disse -" Eu tenho muita coisa a dizer, as sinfonias de Mendelssohn maravilhosas, Bruckner também". Ele adiava sempre a operação da catarata e cada vez ele estava vendo pior. Então ele decorava, ficava decorando assim, eu ficava boba de ver que antes de entrar e dirigir o monumento que era a Johannes Passion, ele estava estudando uma coisa completamente diferente. Saia comigo aqui em Ipanema. Quando acabava o Ciclo, ele dizia assim, -"Agora, agora nós vamos fazer sightseeing!". Ele parecia uma criança, ele ficava sempre uns três dias a mais, prá passear, e aquilo era, a alegria de uma criança. Então,-"nós vamos à praia?" -"à praia?" Era como se eu dissesse assim: "Então vamos escalar o Himalaia?". Ai eu peguei, que ele ficava sempre no Ouro Verde...

MP- Ele vinha com a família ou vinha sozinho?

MD- Não. Sempre veio sozinho. Aí, nós fomos para a praia de Ipanema, mas ele estava vestido, de terno preto, gravata escura, com sapato de verniz, tudo preto. Aí chega na praia, eu disse: "Não seria bom você tirar o sapato?" -"Tirar o sapato?". Você entende? Tudo era a descoberta do mundo. Aí pronto, ele tirou o sapato, e botou, eu estou vendo aquele pé branco assim, pisando muito desajeitadamente, mas gostou. Ele gostou. Parecia uma criança que descobriu o mar. Então toda vez que ele vinha nos anos subsequentes, -"Nós vamos andar na praia?" "Vamos". Mas eu nunca consegui que ele botasse um calção...

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MP- Sempre de terno, sempre com uma roupa bem formal...

MD- Quando acabava de tocar, ele não queria ver ninguém, não queria dar autógrafo, já estava o carro preparado com a porta, e ele entrava, e nós íamos prá um restaurante italiano, que tinha lá ao lado mais ou menos da "Fiorentina", um desses restaurantes no Leme, na praia. Ele sentava ali, e eu já sabia que ele ia ficar meia hora absolutamente mudo, ele nem sabia que eu estava lá. Eu pensava nos meus problemas, escrevia no meu diário, de vez em quando eu olhava assim, ele estava completamente fora, fora do ar. E aí, pouco a pouco, era meia hora no mínimo. O garçon já sabia. Aí ele ia baixando, baixando, aí ele olhava: -"Ah, você tá ai?", eu digo: '"Tô!". -"Você quer um macarão?" Ele comia sempre um tagliatelle ao triplo burro, que nem aquele tagliatelle do "Alfredo", em Roma. Ele adorava massa. Ele comia, e aí ficava olhando as pessoas. Volta e meia, quando faziam cooper, ele dizia: -"Como as pessoas podem ser tão estúpidas, ficar correndo assim!". Ele olhava assim...Mas gostava de ver aquela animação.

MP- Uma figura de certa forma extravagante, pra essa realidade...

MD- É..ele quando saia: -"Onde é que eu estou?" O que mais que eu posso te dizer dele? Ah bom...Meu marido, grande amigo dele, fazia sempre o baixo contínuo, ele sempre exigia que fizesse, que é a coisa mais cansativa, que você sabe, ficar "tin-tan-tin-tan" duas horas...

MP- Nas Paixões né? São bastantes...

MD- Tinha que vibrar com a mesma intensidade, e uma vez ele estava lá, ele, descansar um pouquinho, quer dizer, e na mesma hora, ele virou assim, ele vesgado, com um olhar...o olhar dele era uma coisa que penetrava a alma e os intestinos, e na mesma hora, ele queria manter. Isso é que eu achava admirável, que ele conseguia manter o interesse de A a Z, aquelas obras enormes, não caia, não caia o interesse porque ele não deixava. Ele detestava ensaiar, detestava, prá desespero da Associação de Canto Coral, naquela época era a Cleofe Person de Matos, e meu amigo, Osmar Ferreira, que era uma das almas. Essa Associação teve muita importância na divulgação de todo esse repertório. Acho que hoje não existe mais...

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MP- Na verdade eles são talvez um coro mais amador, não sei se realmente tinham um nível muito alto na época. Eu li, pesquisando jornais, que o Richter falava que, não sei se era uma política de boa vizinhança, não sei, mas ele falava que após o Coro Bach, era o coro que ele melhor tinha ouvido na vida dele, o da Associação de Canto Coral.

MD- Marcelo, tudo na vida é questão de entusiasmo. Entusiasmo é Deus dentro de você. A princípio os Bachs eram feitos com muita paixão por todo mundo, e isso reflete, mesmo se o coro não tivesse talvez a qualidade dos coros europeus, eles tocavam, porque aquilo era esperado, era o momento da vida musical do Rio, que eu tenho muita saudade. E eles se empenhavam, e ficavam assim: -"Ele não quer ensaiar". Não quer ensaiar, tratem de estudar na hora, a magia. Eles ficavam muito nervosos, e às vezes ele fazia dois ensaios, era o máximo.

MP- Ele chegava aqui às vésperas dos concertos, né? Praticamente...

MD- Exatamente. Ele detestava ensaiar, detestava. Mas na hora, ele tinha um domínio sobre todo mundo, todo mundo se empenhava, se empenhava realmente. Que mais que tem? Deixa eu me lembrar...Bom, tem a história do gato, tem um oboe, um oboe. Teve um ano? Quem que a gente levou? Ele cismou que queira um oboísta americano, que morava em Munique. Eu não me lembro que obra era. ...não vou poder, porque eu não tenho com quem deixar meu gato, eu digo, -"mas como não tem com quem deixar o gato? Não é possível que você não conheça alguém aí muito amigo que venha. Três dias, depois você volta". Bom, aí o homem ligou: -"Eu tenho uma solução mas vocês não vão querer. Eu tenho uma tia em Los Angeles, que poderia ficar com o gato".

MP- Isso, o oboísta?

MD- O oboísta, o oboe d'amore. Não me lembro o nome dele agora. Aí o jeito é ir para Los Angeles para deixar o gato. Emitimos sua passagem de Munique - Los Angeles, em Los Angeles ele parou dois dias, deixou o gato, Los Angeles - Rio. Tocou aqui, mas quando tocou me lembro que era tão pequena a participação dele, que eu tive ódio do gato, mas sem verba, gastando uma passagem, uma dor de cabeça, pro oboe fazer meia dúzia de notas, eu fiquei indignada, mas então, ele ficou contente. Então ele disse; -" Eu gosto de você porque você é séria". Eu digo, -" é, realmente esse oboísta está aqui, tive que cancelar outros concertos, por

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causa..." Mas ele era assim. Sempre trazia o [Johannes] Fink, o violoncelista, sempre que tocava...

MP- Viola da gamba né?

MD- Viola da gamba e eu acho também que um violinista...

MP- O Otto Büchner, era o spalla da orquestra dele...

MD- Quem eu acho que vai poder talvez te ajudar, é a Maria Bruzzese. Maria Bruzzese foi, secretária dele anos e anos, e foi quem organizava essas tournèes Bach. Ela morava em Munique e é uruguaia. Ela que arregimentava os músicos da orquestra, quando veio a Orquestra Bach prá cá, ela que arregimentava, e ela conviveu muito com o Richter.

MP- A Orquestra veio completa, não?

MD- A Orquestra Bach veio, eu acho que veio...

MP- Porque tem uma foto ali no livro, se eu não me engano, não sei qual é o ano, tem uma orquestra em tamanho bem reduzido. Era uma orquestra grande, me parece aquela foto ali do...

MD- Ah, eu acredito que a gente trouxe inteira. Eu sei que no ano seguinte do incidente com o spalla..peraí, agora tô me lembrando...

MP- A Orquestra veio em 76 e 78, a Orquestra Bach.

MD- Então foi em 78. Em 77 é que houve o incidente, eu acho, com o spalla brasileiro que ficou tão danado, e aí eu disse -" Tá bom, eu vou trazer essa tua orquestra. Aí foi uma coisa muito incrível, porque ele era muito amigo do Aps (?) do Deutsche Bank. Ele tinha muita admiração pelo Richter. Então eu fui, eu sempre fui muito cara de pau. Quando eu penso nas coisas que eu fiz em prol da cultura...eu fui prá Munique, eu passava sempre o Natal em Göttingen com a família do meu marido, peguei um trem, fui com meu marido prá Munique, e pedi um encontro com esse presidente Aps. Todo mundo achando que eu não ia conseguir, porque é uma pessoa...e cheguei lá, e disse, que a gente fazia os Ciclos Bach, mas que estava

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impossível, porque a orquestra não tinha nível pro Richter, e eu sabia, que o Richter tinha me dito, que ele gostava muito dele, que admirava a pessoa dele, se ele não poderia me pagar as passagens pra Orquestra Bach vir ao Rio. E ele pagou. E foi assim, que veio a Orquestra Bach, pelo menos em 78, eu acho.

MP- A segunda vez.

MD- A segunda vez, eu tive que fazer um esforço.

MP- Pelo o que eu pesquisei, havia um patrocínio do Instituto Goethe, né, do Jornal do Brasil...

MD- Mas o Jornal do Brasil dava a mídia, e o Instituto Goethe pagava talvez, ajudava no cachê, mas prá trazer mesmo, eu sei que o maior patrocínio, aliás, por causa desse Ciclo Bach, agora eu tô me lembrando. Eu e meu marido fomos também, ao Goethe Institute, em Munique, falar com o diretor de música, que me recebeu bastante friamente e disse que não tinha nenhuma verba pra poder botar em Ciclo Bach, pra orquestra e tudo isso. E meu marido estava esperando na antesala. Eu saí de lá com o rabo entre as pernas, decepcionada, o tal do homem muito formal veio me levar até à porta, e de repente ele olha pro meu marido e diz-" PETER!!!", "OTTO", e foi aquela surpresa, eu não estava entendendo nada. Tinham sido colegas em Detmold, na Musikakademie, de Detmold. Só que o Peter veio para o Brasil e ele seguiu uma carreira diplomática e foi ser um dos produtores da Deutsche Grammophon. Então, de repente ele reconheceu o Peter, e com aquele encontro mudou tudo, né. Aí eu disse:-" Poxa, em nome da amizade de vocês, você não vai me ajudar? " E ele ajudou. Ele ajudou. Mas eu não me lembro exatamente o que foi. Foram duas ajudas que nós tivemos. Não foi pelo Goethe Institute daqui, foi lá, e o Otto Drechsler pouco depois, foi nomeado Cônsul da Alemanha aqui no Brasil e passou uns 4 ou 5 anos. Ele é casado com a Gertrud, que ensina orgão, e quando acabou a carreira diplomática dele... Então...deixa eu ver....Ah! O Kogan. Teve um ano que ele quis fazer as sonatas para violino. E naquela época, era antes da perestroika, era muito complicado trazer. E eu fui à União Soviética, se não me engano, foi em 75, fui à União Soviética. Só que, era a primeira vez que eu ia à União Soviética. Eu fui da Alemanha à União Soviética, entrei numa agência e comprei um tour que me garantia três dias de hotel em Moscou, a passagem e eu não tinha a menor idéia que precisava de visto de trabalho autorizado por Gosconcert. Mas a coragem da inconsciência, lá fui eu. Cheguei em Moscou, querendo ter um encontro com o

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Gosconcert, que era a agência que permitia que os artistas soviéticos pudessem sair, e disseram: -"Você não tem visto de trabalho, você não pode falar com o Gosconcert". Eu digo, não é possível que eu tenha vindo do Brasil (mentira, que eu fui da Alemanha), e não vai poder conversar com eles? E aí foi que eu consegui que o diretor do Gosconcert viesse me ver no hotel. O Supaguin que era o diretor. E eu disse:-"Pelo menos me autoriza, me faz uma autorização para que o Leonid Kogan vá ao Brasil participar do Ciclo Bach, não me lembro que ano foi. E ele fez isso, e ficou meu amigo a vida toda e a partir dai que eu comecei a trabalhar com os soviéticos, por causa desse gesto generoso do Supaguin que veio ao meu hotel e assinou esse protocolo. Aí o Kogan chegou e eu me lembro como se fosse hoje, que era uma figura muito franzina, ele já estava meio doente, e ele tinha trazido, porque a grande coisa quando a gente trazia artistas soviéticos é que eles botavam o caviar no bolso e nos presenteava. A minha geladeira vivia cheia de caviar, e então ele convidou o Richter e eu, duas noites prá ir lá no apartamento dele no Ouro Verde, comer caviar, porque ele, ou comia caviar ou então arroz sem sal, ele tinha uma alimentação muito esquisita, e era um grande artista. Foi a última vez que eu o vi.

MP- Ele morreu novo também, né?

MD- Ele morreu no dia que devia se encontrar comigo, sabe como? Parado no trem. Ele tinha ido, não sei se a São Petersburgo e tudo, e o trem tinha chegado na estação de Moscou, de manhã, eu acho que ele vinha de São Petersburgo. Nós deveriamos almoçar juntos, e ele não veio, não veio, não veio, e eu liguei para o Gosconcert, que disse que ele tinha sido encontrado morto no trem, um ataque cardíaco. Mas era uma pessoa com quem o Richter se dava muito bem. Com o Rampal, eu adorava quando vinha o Rampal, porque era a antítese dele. O Rampal era um bon vivant francês, que gostava de mulher, gostava de beber, gostava de comer. O Rampal.."Herr professor, dá um lá", animava muito a coisa. E ele era severíssimo com a pronúncia, eu acho que desde então...

MP- O Karl Richter?

MD- É. A pronúncia, ele era muito severo. Não foi uma nem duas vezes que eu vi cantor chorando no ensaio, porque o "Ich dich", com aquela coisa assim, ele não perdoava. E uma vez, eu não posso citar nomes, nem sei se ele vive ainda. O Zuinglio Faustini, que tinha uma voz, era um baixo muito bonito, e fazia uma parte pequena então prá economizar, nós convidamos

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ele. Ele tinha um timbre de voz lindo, mas o diabo da pronúncia não estava bem, e no intervalo, o Richter chegou furioso: -"Isso não é possível, não é possível, vamos ter que tirar o baixo..." "Não, deixa que o Peter pode trabalhar com ele". E foi aí que meu marido começou a trabalhar hoje em dia, de tudo com que é cantor, que quer cantar lieder, porque também entende do texto profundamente, essa coisa toda, e a maioria canta sem saber o que está cantando, e o "nicht, nicht", a dicção tinha que ser muito audível e isso não acontecia. Ele trazia aquela maravilhosa contralto Norma Leerer, aquele holandês, aquele holandês eu acho que veio só uma vez, o que fazia o evangelista, depois.. O nosso Aldo Baldin chegou a cantar com ele?

MP- Não. Nos Ciclos ele nunca cantou. Ele pode depois ter gravado, mas nos Ciclos não.

MD- É, ele não cantou, porque ele estava se firmando como evangelista, foi depois que ele se firmou.

MP- E acho engraçado, como que esses músicos morreram novos, o Aldo Baldin também de forma surpreendente, o Richter...

MD- Eu gostava muito dele. Fizemos muita coisa. Tinha muita cultura, e o Richter foi assim: ele bebia muito e fumava muito. Em 79, eu estava no Ministério, e o Peter ficou mais um ano na Sala, para cumprir meus compromissos com o I MUSICI, com o Richter, com essa coisa toda. Foi o maior aborrecimento que nós tivemos na vida, porque houve essa orquestra que o Peter arregimentou, não havia dinheiro pra trazer a Bach Orchester e ele catou um por um... MP- A nata dos músicos brasileiros...

MD- A nata dos músicos brasileiros.

MP- O Erich Lehninger spalla...

MD- E o Richter adorou a orquestra, adorou e eu não sei onde está a carta que depois ele nos escreveu, que foi a melhor orquestra que ele teve nas mãos, e por causa dessa orquestra, meu marido, não era meu marido que queriam atingir, queriam atingir eu que era chefe do Ministério. O presidente da FUNARJ, e que tinha uma desavença comigo, eu não posso explicar porque, resolveu perseguir o Peter, e disse que ele tinha gasto um dinheirão para proteger

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amigos, que essa orquestra era prá pegar dinheiro, e o Richter soube disso e ele ficou indignado, mandou uma carta dizendo, quem tomava uma atitude? Que isso era um absurdo, que tinha sido a melhor orquestra, e você imagina, essa orquestra, com todo mundo querendo dar o que não tinha, foi um concerto deslumbrante. Mas isso deu muito desgosto a todo mundo e o meu marido, que saiu da Sala. e prá vida de cada um, é o preço no Brasil de você querer a qualidade, esses vieses políticos. Mas, deixa eu contar...mas ele (Richter) fumava, bebia, era uma coisa horrível. E a última vez que eu o vi, foi, eu acho que foi em janeiro de 19...Quando é que ele morreu?

MP- 81, fevereiro de 81.

MD- Então foi em janeiro de 81. Eu fui à Munique, assistir, ele tocava órgão numa igreja em Munique, eu não me lembro qual era, tinha um lugar de organista lá. Ele tocou também em Salzburg (?), e ele ficava sempre no Hotel Vierjahreszeiten, no quarto 638, e foi lá onde ele morreu (Munique). E nós fomos jantar juntos, e ele ainda comentava o desgosto que ele teve de ter ido ao Brasil, sem poder, porque esse ano eu acho que ele foi em dezembro, ou foi em agosto?

MP- Foi no início de dezembro.

MD- É. E ter feito aquele esforço, ter feito aquele concurso....aquele concerto, não sei se foi um ou dois, eu estava em Brasília, tão bons e ter tido tanto aborrecimento prá nós, e tudo isso. Ele estava há muito tempo...e aí começou: -"Você tem que parar de fumar. Você não vê que eu parei de fumar. Você está com a voz..." -" Eu estou ótimo, eu não fumo mais, eu não bebo mais, eu estou ótimo". Morreu, um mês depois. Você vê como que é a vida.

MP- Eu li uma coisa, que eu achei até engraçado em relação a essa última vinda dele aqui, que antes dele vir, ele dizia que tinha muito medo da orquestra que ele ia encontrar, dos músicos que ele ia encontrar aqui, e que ele até fez uma aposta com seu marido, caso a orquestra correspondesse ao que ele esperava, iam apostar uma caixa de cerveja, quem ganhasse, ia ter que pagar uma caixa de cerveja pro outro, e no final, o Sr. Peter recebeu as caixas de cerveja, né?

MD- É verdade, é verdade. ...excepcional que eu acho que infelizmente não foi gravado.

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MP- Pois é, a senhora sabe, nenhum dos Ciclos foi registrado, em áudio, vídeo, não tem nada nos arquivos da Sala?

MD- Nós não tinhamos dinheiro, naquela época quem gravava era o Frank Hacker, que só queria gravar música brasileira, então se fosse música brasileira ele gravava sem custo, mas assim...

MP- Nem no Teatro Municipal, talvez não tenha nada das participações, que foi até anterior talvez...

MD- Foi anterior ao meu período.

MP- Isso. Talvez não deva ter nada...

MD- Eu posso perguntar. Mas se na Rádio MEC, que tem um acervo extraordinário...

MP- Será que tem alguma coisa no MIS, não deve ter nada também não, né?

MD- O MIS não se ocupa de música clássica. Eu tenho os programas, os programas você tem todos, né?

MP- Eu tenho um só.

MD- Então venha cá, que eu separei,

MP- Eu tenho o programa de 1970...

MD- Esse livro você tem, não tem?

MP- Não, eu não tenho. Eu tenho um livro do Johann Martin, que é o mesmo autor desse livro, e aliás até uma coisa que eu vi, me parece que essa é a biografia oficial dele, em momento algum fala da vinda dele ao Brasil.

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MD- Pois é...eu fiquei muito chateada, porque quem fez isso...

MP- Ele na verdade, ele foi um cantor do Coro, então me parece que...

MD- Eu separei aqui, que eu fui olhar e tem uma coisinha à toa, em 79, quer ver? Orchestermusiker aus ganz Brasilien. Só tem isso, entende? Eu fiquei muito...

MP- Não fala nada das vindas dele ao Rio...

MD- Eu fiquei muito aborrecida. Mas enfim...

MP- Porque na verdade, o que eu penso, é que como era um corista que fez a biografia, ele incluiu somente a participação do Coro, todos os concertos onde havia o Coro e a Orquestra juntos, e como o Coro nunca veio ao Brasil...

MP- A senhora também organizou os recitais de órgão dele na Escola de Música?

MD- Ah, deixa eu ver aqui...tem uma carta dele aqui (manuseando o livro que possui um fac simile de uma carta autografada de Karl Richter). Olha, dezembro de 79, mas eu tenho que ver isso. "Para Herr Daueslberg". Isso aqui que eu acho que era bom você ter, não era? Eu posso ver. Outra coisa, se você quiser, saber alguma coisa dessa Maria Bruzzese. Ela voltou por acaso na semana passada, eu soube...Bom, depois que o Richter morreu...Bom, a última vez que eu o vi foi em 1981, ele estava...eu fui vê-lo em Munique, ele estava bem, foi quando ele resolveu que tinha parar de fumar, que ele estava ótimo e não sabia o que, e mal sabia ele que ele ia morrer uns vinte dias depois, e pediu que eu fosse ao concerto, eu acho que ele tocou em Salzburg, eu me lembro que eu tomei um trem de Munique a Salzburg e fui ouvi-lo num recital de órgão, e ele tinha muita preocupação, ele estava tocando de forma ritmada, era a obsessão dele, tocar...porque o órgão é complicado, e eu disse: -"não, foi muito bem..", e ele ficou contente, porque ele tinha sempre essa preocupação.

MP- Ele gostou da qualidade do órgão da Escola? Ele fez alguma observação?

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MD- O órgão, nós resolvemos então uma vez, porque já não sabíamos mais o que inventar, o Ciclo Bach, Matthäus Passion nunca pude levar que eram duas orquestras muito grandes, então resolvemos, vamos fazer o Ciclo com órgão. Quase que eu fui prá prisão por causa disso. Eu chamei o Rigatto, esse grande...

MP- É o consultor do órgão, que fez a restauração há pouco tempo...

MD- Mas a primeira restauração, agora é o filho que trabalha, o pai veio aqui e eu apresentei ao Richter e ele se propôs a fazer a reformar o órgão, e eu, então, a Universidade não tinha dinheiro, resolvi pagar o Rigatto com verba da Sala....

MP- A senhora nessa época era professora da Escola, né?

MD- Eu era professora da Escola. A Escola era federal e eu era estadual. Paguei. Deu um rolo de contas, que era proibido, que eu tive que ir ao governador, que felizmente gostava de música e vinha muito aqui em casa, era o Comandante Faria Lima e disse, -"Fiz uma alta irregularidade, paguei o órgão com verba de coisa, mas senão não ia sair porque a Universidade não tinha verba e não sei o que...e queria saber se o senhor vai me botar na prisão"... Ele disse:" Não, não vou, mas não faça essas coisas, minha filha". Eu disse: -" Mas senão não se pode fazer". Eu andei fazendo altas irregularidades, inclusive com o cravo...Ahhh, não contei a história do cravo. Sempre o grande problema era...o Richter gostou tanto, tanto do conserto que o Rigatto fez que ele disse;-"Olha, na Europa, jamais isso seria possível. Nós não temos um técnico que teria a paciência e o trabalho desse Rigatto". Realmente, botou assim nas nuvens. E foi aí que o Rigatto trouxe um rapaz de São Paulo que era o Marcelo Giannini, que estava começando e eu marquei um horário prá eles lá na Escola de Música, e o Richter não queria de jeito nenhum, "não quero aluno", e eu digo, "mas coitado, o menino veio de São Paulo, ouve um pouquinho, depois diz não". E aí, ele tocou e ele pediu prá fazer uma improvisação, e ele improvisou uma fuga a três vozes e eu sei que o Richter ficou tão impressionado que fez uma carta, e ganhou uma bolsa e foi estudar com ele e se tornou assistente dele e ele é um grande organista hoje. Marcelo Giannini.

MP- Foi o último aluno do Karl Richter. Ele vem aqui agora ao Brasil em setembro que ele vai tocar em São Paulo.

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MD- Ano passado eu consegui trazê-lo aqui, ele tocou lá na catedral em Petrópolis....me desculpe, é o seu instrumento...

MP- Não, eu não sou cravista não...

MP- Eu entrei em contato com o Prof. Ripper e ele falou que está tudo fora da Sala agora por conta da reforma, então os arquivos, tudo, está num depósito.

MD- Na minha época tinha uma jaula, que chamava "jaula do cravo", porque os músicos chegavam e botavam o instrumento.

MP- Até hoje em dia, não sei se esse cravo vai ser tão utilizado, porque por essa corrente da música barroca atual, talvez eles não aceitassem esse cravo, um cravo com pedal, um cravo modernizado. Uma única vez que eu vi esse cravo, foi o David Machado regendo e tocando o Brandenburgo, ele regendo ao cravo.

MD- E ele tocava mesmo?

MP- Tocava. Regia e tocava o cravo.

MD- Eu não sabia que ele tocava.

MP- (comentando sobre os programas) A gente vê que a orquestra está bem reduzida, a Orquestra Bach.

MD- É. Foi isso que a gente conseguiu.

MP- Porque na verdade talvez seja uns cinquenta integrantes a Orquestra completa.

MD- E quem fazia essa arregimentação, era a Maria Bruzzese, que foi secretária dele até morrer, e a última vez que eu a vi...

MP- Ela vive aonde?

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MD- Ela está vivendo agora em Montevidéu. Eu tenho os e-mails, tenho tudo dela, e ele gostava muito dela. Ela era organista, ela era aluna dele, até que num dos últimos concertos, ela veio para tocar órgão, harmônio, né.

MP- A senhora tem contato com o filho do Richter, o Tobias Richter, não?

MD- Eu sei aonde que ele está, há muito tempo que eu não falo com ele, mas não sei agora onde ele estava, mas isso não é difícil. Se você ver na internet, eu chamo ele de "Tchu". Houve muitas confidências do pai dele, que tinha desespero da vida que ele levava, muito jet set e vivia esquiando em Zermatt, muito esnobe, aquela coisa toda, o pai ficava desesperado, mas ele tomou jeito.Tanto é que sempre vem me ver quando vinha ao Brasil. Queria trazer uma ópera, que a gente acertou tudo e depois na última hora os fundos alemães recuaram e a gente não pôde. Ele era casado com a Gladys que era uma pintora, e o que mais que eu posso dizer? Tinha uma filha também. E essa Maria Bruzzese, quando acabou a época Richter, ela foi para Milão, [ela é uruguaia] e trabalhou em Milão até há um ano e meio atrás numa firma chamada "Oria", e agora ela voltou para Montevidéu e está fazendo um pouco de agenciamento de artistas.

MP- A senhora tem o contato dela?

MD- Tenho, tenho, poso te dar isso tudo. Ela então conviveu com ele profundamente, sabia levá-lo muito bem. Ainda bem que eu guardava as coisas, sabe (em relação aos programas de concerto). Você tem que botar sempre no mês de agosto, menos 79 que foi em dezembro. Agora, essa carta...essa carta...

MP- E coincidentemente ele vinha em agosto porque era recesso lá na Europa, férias lá na Europa. Então ele esquematizava as vindas dele nessa época exatamente por isso.

MD- É, férias.

MP- A senhora tem essa carta manuscrita?

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MD- Tenho, meu marido deve ter, porque isso aqui é uma coisa. Isto aqui é uma prova de que nós eramos inocentes, eu já não estava na Sala, mas no fundo era prá me atingir, como Chefe de Gabinete, que tinha um complô. E aí, ele (Richter) ficou indignado.

MP- O Ministro da Cultura era o Guilherme Figueiredo?

MD- Não. O Ministro da Cultura era o Eduardo Portella, que foi posto no Ministério pelo Guilherme Figueiredo, que era o presidente da FUNARJ, então era presidente do Teatro Municipal, da Sala Cecília Meireles, de todos os teatros do Rio de Janeiro. E quando ele botou o Portella, era no fundo porque ele não podia ser nomeado ministro, que era irmão do Figueiredo (Gen. Batista Figueiredo, então Presidente da República), então ele queria botar uma pessoa dele, prá mandar e eu virei uma secretária de luxo. Eram dez pedidos a cada uma hora. Arranja lugar prá não sei quem, bota prá fulano, contrata não sei o que, era um horror, era tudo o que eu não queria fazer.

MP- Burocracia pura, não?

MD- Não, era interesse. Eu aceitei, de largar minha família, de vir para Brasília para fazer alguma coisa pela cultura, e não ser secretária, ou agência de emprego de Guilherme de Figueiredo.

MP- A senhora ficou até o fim do governo?

MD- Não, não. Fiquei dois anos e meio e nem sei como eu aguentei. Então, houve realmente, uma onda...depois...é uma história muito comprida que eu não vou te contar hoje. Uma história que o Marlos Nobre já era da FUNARJ, e aí o Portella que era meu ministro queria botar outra pessoa na presidência da FUNARTE, porque a FUNARTE era o braço executivo do Ministério, e o demitiu sem avisar, foi muito feio. E eu nem estava, eu ainda tocava com meu marido, estava tocando Brahms em Curitiba, quando eu aprendo que tinha sido demitido todo mundo. Era lógico que era atribuido a mim, eu era musicista ao lado do ministro, como é que iam pensar que não tinha meu dedinho lá? Foi uma coisa horrorosa que durou muito tempo, embora ele tivesse casado com uma ex-aluna minha, Maria Luísa Nobre, que eu peguei pequenininha, mas foi um período muito doloroso e conturbado, e essa turma fez onda, dizendo que o Peter tinha roubado verbas pagando muitos músicos e não sei o que e tá-tá-tá. Então foi

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uma situação muito...e o Richter não entendia nada, como é que eu vou explicar isso, essa trapalhada toda? Ele não entendia, porque que você foi prá Brasília, você não tinha que ir prá Brasília, entende? Como também, foi ele que não me deixou assumir a direção artística do Teatro Municipal, que eu fui convidada, e eu queria, porque era um campo novo, ópera, que eu entendia pouco e eu queria. Sempre gostei de coisa lá. E ele estava aqui: "você não vai, porque se você for, você vai ser consumida". Prá resolver problema de coro, problema de aumento de músicos, escolher cast para as óperas, se vai ter influência política, vai ter isso, aquilo. Você quando vê, passou tua vida, não fez nada de artístico, e é verdade, é o que acontece lá, tem tanta política que o que menos o que você faz é a parte artística. Mas aí prá agradá-lo, eu não aceitei. Então ele teve assim muita importância na minha vida, na maneira de ver música, na maneira de ouvir, a seriedade, os andamentos. Ele faz um Bach, vivo, não é chato, não era aquela coisa...Nós estavamos saindo de um período, que eu me lembro, logo após Guerra, houve a Escola de Viena preconizar ornamentos, se não fosse o mordente inferior e fosse superior em banca de concurso, era objeto de uma discussão de duas horas, então era uma espécie de academismo exacerbado, que ele não tinha isso, ele não tinha esse compromisso, sabe, com "grupetto", com a ornamentação, que era muito mais o feitio do Helmut Rilling. E uma vez eu fui criticada, porque todo ano o Richter, porque todo ano o Richter, e nós trouxemos, se não me engano o Rilling, e eu achei assim uma diferença brutal, com todo o respeito que eu tenho pelo Rilling e tudo, ele é serísimo, ele trabalha bem, mas ele é um chato de galocha ao lado do Richter.

MP- Como pessoa?

MD- Não, como pessoa ele é até muito mais agradável que era o Richter, era muito educado e tudo isso, mas ele rege, ele é um bom trabalhador de Bach mas falta centelha de gênio que o outro não ensaiava nem a metade do que o Rilling ensaiava, mas na hora, tinha aquela química, aquela magia. ...Matthäus Passion não aqui no Rio, porque era muito caro pra fazer. O Ayres conseguiu, eu não consegui. Mas ninguém se mexia, quatro horas quase. Então ele sabia manter o interesse, sabia manter. Já, sem querer comparar, o Rilling é um bom kapellmeister, nem se compara. Aí eu trouxe prá...

MP- É, porque se diz assim que o Rilling seria o sucessor do Karl Richter hoje em dia, né? Até em forma estilística realmente lembra muito. A questão do não uso de instrumentos antigos...

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MD- É. Mas só o que estou falando, eu pessoalmente acho que a distância é muito grande. Agora, o Rilling teve uma ajuda que o Richter não teve, porque ele era anti-social, ele era antipático, ele não falava, ele não fazia concessão nenhuma de uma espécie de Ministério da Cultura que tem lá, prá ter passagens, prá pedir...Não fazia nada prá carreira dele, prá se promover, nada. Não tocava nem em Zürich, porque ele dizia que o lugar onde você mora, você não deve trabalhar, porque senão você não tem descanso, e de certa forma é verdade. Nunca ele tocou, nunca deu concertos em Zürich, ou pelo menos evitava, porque ele queria ter paz.

MP- Ele ia de Zürich para Munique sempre? Ele não morava em Munique...

MD- Morava parte do ano. Ele tinha o apartamento dele, 638, era o apartamento dele, deixava as coisas lá e tudo, e fazia a ponte. Na Europa isso tudo é muito perto. Tanto é que ele morreu em Munique, não morreu em Zürich.

MP- É isso que eu não entendi, ele morreu num hotel em Munique...Ele não morava em Munique? Ele tinha um apartamento, mas em um hotel.

MD- É. Vier Jahreszeiten. Ah, depois houve a Maria Bruzzese, que ficou lá. Acho muito importante você falar com ela, e então houve, não sei se foi prá um mês de morte, foi um mês de morte, eu acho, o Concerto Bach de Munique, que foi o Bernstein que regeu.

MP- Foi depois da morte dele.

MD- Foi depois da morte, agora eu não me lembro se foi um mês depois da morte, e depois teve uma cerimônia muito bonita, e o Bernstein estava nervosíssimo, que regeu eu acho, a Missa em si menor. Porque não era do Bernstein reger Bach, mas ele recebeu a homenagem. Muito bonita foi. Eu fui.

MP- A senhora conheceu ele pessoalmente?

MD- O Bernstein, conheci. Fui ao circo com ele. Circo Roncali, ele adorava circo e ele estava na época gravando com Plácido Domingo não sei que ópera. E ao Circo Roncali, então nós fomos todos ao Circo Roncali e eu cheguei ainda a falar com o Richter se ele não queria ir

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ao Circo Roncali, mas ele não quis, porque já que ele descobria as coisas assim, ele acharia talvez...Mas esse aí ele não quis. E o que houve de concerto lá na Herkulessaal de homenagem a ele.

MP- Na Herkulessaal era onde ele fazia as gravações não?

MD- Era onde se faziam a s gravações. Era aquela que se parecia com a Sala São Paulo, tipo um templo grego, com colunas e uma acústica muito boa.

MP- Ele tocava no Deutsches Museum também. E aquele órgão que eu acho que era Ottobeuren, a cidade onde estava esse órgão, que ele costumava fazer os concertos e as gravações de órgão.

MD- Pertinho de Munique, exatamente. Mas ele morreu com uma tristeza de não ter feito nada de Mendelssohn nem de Bruckner, porque ele acha que ele poderia fazer muito bem, que a Deutsche Grammophon não queria e reclamava muito, mas depois disso...

MP- É aquele fato, a imagem do Richter é totalmente associada a Bach, como muito a Händel...

MD- Não quiseram abrir. Depois, ele decorou praticamente a obra toda de Mendelssohn e depois ele fez a operação da catarata e me telefonou no mesmo dia: -"Estou vendo tudo, que maravilha!!! Sofri tantos anos de medo!" Já tinha técnicas novas, então foi uma maravilha, ele ficou com aquele suplício: "vou ficar cego, vou ficar cego", e foi uma brincadeira, né?

MP- A senhora e ele foram realmente grandes amigos...

MD- Fomos muito amigos, muito amigos.

MP- Tudo isso eu li também no jornal, em uma ocasião ele tinha tido um enfarte ou algo e ele estava em repouso, ele disse que ligou prá senhora porque ele queria vir pro Rio descansar, se recuperar da doença.

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MD- É. Ele ganhou assim uma confiança total em mim, e sobretudo, muita confidência, tinha muitos problemas com a família, com o Tobias que na época era um enfant rebelde, e vivia na alta sociedade, a nobreza e só se ocupava disso, tanto é que quando ele veio aqui, eu disse: "teu pai ia ficar muito contente de ver que você tomou jeito". Porque ele agora é intendente, sério respeitado e tudo isso. Mas o lado esnobe continua. E a filha também deu muito trabalho, a filha mais jovem que o Tobias, esqueci o nome dela. E ele adorava vir para o Brasil, porque ele dizia que já no aeroporto tinha um sorriso, coisa que na Europa ele disse: -" A Europa está amarga, está egoista, não quer saber dos problemas de ninguém. Quando ele entrava aqui, eu sempre ia buscá-lo no aeroporto, ele dizia: -" Como é bom ter alguém esperando no aeroporto" e eu ficava espantada porque não me passaria pela cabeça não buscálo. Mas nos outros países ninguém busca ninguém. Você chega, toma um taxi e vai embora. E isso ele adorava. No fundo adorava ser paparicado por todo mundo né. Mas ele dizia que havia um calor humano que ele não sentia mais na Europa, e isso ele gostava. A primeira coisa que ele dizia antes de ensaiar: -" Nós vamos fazer sightseeing né?" Eu dizia: -"Vamos fazer se você tocar bem, se você reger bem". Ele era muito pretensioso, mas ele sabia que eu tinha muita admiração por ele e aprendi demais.

MP- Quando ele vinha ao Brasil ele só tocava no Rio, só regia aqui no Rio?

MD- Algumas vezes ele foi a Belo Horizonte, acho que naquela época era a Norma Silvestre que era a diretora do Palácio das Artes e fez uma grande gestão lá, então muita coisa que eu trazia pra Sala, ela pegava. Ele foi umas duas vezes. Até com Nicolet.

MP- A senhora sabe também se ele antes de vir ao Brasil, se ele ia...eu alguma coisa li que ele tocava em Buenos Aires, que ele também regia lá.

MD- É possível, porque ele tinha amigos. Aliás eu tinha até que saber. Tinha muitos amigos em Buenos Aires e normalmente depois dos Ciclos aqui, muitas vezes ele seguia para Buenos Aires. Buenos Aires eu acho que o Ayres descobriu ele ele Buenos Aires.

MP- Porque eu me lembro de ter lido que ele foi a Buenos Aires em 64, 65 e 66 foi quando ele veio ao Brasil a primeira vez, quando começou a reger aqui os Ciclos. Então é algo que eu queria pesquisar, se ele vinha com regularidade à América do Sul, na Argentina...

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MD- Ao Brasil não. À Argentina ele veio várias vezes e quem era assim admirador fervoroso dele, era o Antonio Hernandez que era o crítico musical do "Globo", temido por todo mundo porque era mau que nem um pica-pau e naquela época tinha coluna diária. Hoje é só uma coluninha de vez em quando, é uma tristeza. Naquela época nós tinhamos sete críticos no Rio, e o Hernandez, ele tinha alguns ídolos: Karl Richter, Arrau, Corteaux, e Arnaldo Estrella, que era meu padastro. Não tinha uma crítica que ele não desse jeito de enfiar um desses nomes, ou comparando, prá bem ou prá mal, era até aflitivo. E o Richter ele era absolutamente vidrado, vidrado no Richter. Mas ficamos muito, muito amigos. Eu estive ouvindo ele em Praga, em outros lugares, em Munique, em Praga, em outras cidades do leste que ele ia de vez em quando. Ele tocava muito em Praga, regia as grandes obras com coro.

MP- Naquela época, eu também soube que alguns músicos tinham essa liberdade de transição entre os países comunistas e o ocidente, e o Richter era um dos poucos que tinham essa...era como um salvo conduto, pela grande qualidade dele, pela importância dele.

MD- É verdade. Eu me lembro. Uma vez nós nos encontramos em Praga para ouvir o Weihnachten Oratorium...

MP- Que ele regeu aqui também no Brasil, inédito né? O Oratório de Natal. A primeira vez no Brasil foi feito com ele.

MD- É verdade. Estou vendo que você está estudando bem mesmo né? Você defende tese quando, esse ano?

MP- Não. Em 2016. Na verdade eu ingressei agora, eu fiz o concurso no ano passado aí comecei agora.

MD- Você toca cravo, não?

MP- Não. Sou violinista.

MD- Ah, que ótimo. Você toca em alguma orquestra?

MP- Não. Hoje em dia na verdade eu não toco mais. Eu ensino no Conservatório.

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MD- E está fazendo musicologia? Mas é o que a gente precisa. Precisa porque o Brasil não registra nada. Eu estive quatro anos no Fórum de Ciência e Cultura, pedindo pelo amor de Deus, registrem as coisas. Houve conferências importantíssimas da ECO, desarmamento, não sei mais o que, porque lá não é só música. Tinha uma espécie de College de France, e eu dizia, tem uma vocação prá anonimato que é uma coisa bárbara. Eu falava mesmo na congregação. Temos altas personalidades, altas coisas e uma vocação prá anonimato, esconde tudo...E eu me lembro que naquela época tinha muita coluna social, e que coluna social me vali muito para dar nota de música porque a gente não tinha dinheiro prá anúncio. Quando eu ligava lá prás colunas prá dar uma nota:-" Olha, conseguimos agora uma transmissão direta, uma vez por mês da Clínica Maio, que reúne os maiores cardiologistas do mundo, e um ponto vai ser aqui no Fórum que eu consegui". E então vinham os cardiologistas do Brasil inteiro para ouvir aquela transmissão. Estou falando isso de quinze anos atrás, porque agora você ouve da sua casa. Bota lá, vem com notícia chapa branca, diz aí qualquer coisa, o Pavarotti o que que ele gosta de comer, gosta de notícias fúteis, comeu queijo, passou mal, quebrou a pata, aí eu negociava o que pode tirar. Tá bom, eu mando uma notícia assim...

MP- O Ciclo Bach não está ligado à música brasileira especificamente mas ele está ligado ao contexto nacional, o que aconteceu aqui. E isso foi de total...pelo o que eu já pesquisei, foi o auge da música de concerto no Brasil, do evento de concerto no Brasil.

MD- Eu acho que fica esquisito eu me elogiar, mas eu sei que eu botei anos da minha vida, a minha alma nesse negócio aqui fazendo ressurgir música de câmera, muita gente tocou e tudo,e fico muito triste dessa...

MP- E como o Marcelo (Fagerlande) falou, quando eu cheguei a ele com o projeto da tese, da pesquisa, ele se entusiasmou logo de primeira e falou assim, você pode até falar, mas não vai ser possível se por exemplo você não tiver a participação da D. Myrian, que realmente foi a pessoa mais importante nessa história toda, na vida musical do Rio, do Brasil ou talvez da América do Sul, a importância que a senhora tem...

MD- Que isso. Tem o Mozarteum...

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MP- Mas o Mozarteum é algo que não é nacional, existe uma filial aqui no Brasil, mas a senhora como empresária, como uma pessoa de visão realmente que defende tanto essa cultura que prá nós aqui no Brasil é tão desvalorizada, tão desprezada, a música erudita, a senhora realmente é...

MD- Aflitivo. Mas enfim, eu acho que a minha missão, eu deixei de tocar e só me foquei em alunos, que eu acho que eu posso ser muito mais útil, formando pessoas, passando a minha vivência, que não é apenas uma vivência de levanta o dedo, acerta o dedilhado e tudo isso, tudo o que eu aprendi dessa turma toda, muito mais útil ensinando e organizando atrás do palco, fazendo os outros tocar, do que mais uma. Eu tocava bem mas seria mais uma, e você diz, quatro horas de estudo iniciais. Então não, é como você, certamente você toca bem violino mas é muito mais útil resgatando a memória, porque o brasileiro não tem memória. E eu me lembro que quando eu aceitei ser chefe de gabinete, foi em 79, quem era reitor, era o Muniz de Aragão, e ele me disse:-" é um conselho que eu te dou, registre tudo, desde o seu primeiro passo, porque mais tarde vai ser importante". E você está entrando num momento que é a volta da democracia, uma tentativa. Então um momento muito criativo, muito delicado da política brasileira. Então eu acho, que registrar os fatos, guardar. Eu tenho a maior dificuldade na Dell'arte. A Dell'arte tem mais de dois mil eventos realizados ao longo de 33 anos (fundada em 1982), tem tanta coisa, tem documentos de Piazzolla...

MP- A senhora conheceu ele?

MD- Demais...Ele tocou lá a suíte para piano, ele tinha escrito não sei prá quem, mas era difícil a leitura, então o Flávio Augusto, que é um aluno meu, toca esse negócio...aliás a música deve estar com ele. Mas muita gente que eu conheci...

MP- A senhora conheceu a Pina Carmirelli também que foi a spalla do I Musici?

MD- Conheci, mas mal. Ela veio aqui ao Brasil, conheci, mas não assim pessoalmente. O I Musici sempre que vinham, vinham fazer uma macarronada aqui e no fundo sujava tudo, era uma coisa tremenda. Meu marido teve muito contato com eles e a Eliana Carneiro, que na época era minha aluna e botei ela como produtora. Então ela pegava os artistas no aeroporto e acabou tendo um caso com o Rampal, viajou o mundo com ele tocando piano e eu disse: -" Isso que é

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uma boa coisa, eu te arranjo um emprego, você tem um caso e aí ainda toca com ele..." Então, conheceu bem ele.

MP- Isso eu me lamento muito, até pela minha idade, eu nasci em 68, então eu não tive contato com isso, eu não vi. Quando eu comecei a me interessar por música, eu comecei a estudar violino com treze anos, nos anos 80, o Richter já tinha morrido, o I Musici vinha aqui mais constantemente e eu nunca tinha visto naquela fase áurea deles, então quanta coisa que eu não pude ver, até pela minha idade, mas que acontecia aqui no Rio, a vida, a efervescência musical, os grandes artistas que vinham aqui.

MD- Mas vocês podem fazer coisas prá empurrar de novo. Eu, enquanto tiver um soprinho eu vou fazendo, mas está muito difícil.

MP- Bom D. Myrian. muito obrigado!

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Entrevista concedida por Marcelo Giannini, São Paulo, 08/09/2014

MARCELO GIANNINI Eu vivia aqui em São Paulo, era um evento para mim ir ao Rio naquela época. O encontro com ele no Rio foi em 78. Um ano depois fui para Munique. MARCELO PORTELA E você ficou com ele até a morte; M.G-Até sua morte, sim. M.P.-Ele morreu em 81; M.G.-Em 81. Eu deveria ter tido aula no dia em que ele faleceu. M.P.- Então você ficou praticamente 1 ano... M.G.- 1 ano e meio. Eu fui para lá em setembro; M.P- E ele faleceu em fevereiro do outro ano. Foi uma pessoa fundamental para você; M.G.- Fundamental; M.P.- Eu assistindo você tocando ontem, eu não entendo absolutamente nada de órgão, como eu te disse, eu senti um pouco a lembrança um resquicio dele. Talvez os seus gestos...Eu me lembro que tem um vídeo dele que tem na internet, ele estava dando uma aula de órgão e ele falava alguma coisa, eu não entendo alemão eu não falo alemão, e ele falava muito da postura a questão do braço e eu vi você em alguns momentos, era uma coisa que eu estava observando antes, não sei exatamente o porque disso. Enfim...Então seu encontro com ele foi em 78... M.G.- Em 78, ele me disse que não dava mais aulas naquela época, em todo caso na Escola de Música, mas que excepcionalmente me aceitava como aluno particular e aí ele me deu uma carta de recomendação para ver se eu conseguia obter uma bolsa... M.P.- Aquela carta que tem no livro...

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M.G.- Aquela carta que tem no livro, exatamente, dizendo que ele me recomendava para ter uma ajuda financeira, para poder estudar na Alemanha, etc. Só que eu nunca obtive bolsa.. M.P.- Foi particular; M.G.- Fui particular mesmo com a cara e a coragem. E ainda bem, porque se eu tivesse esperado talvez teria durado mais dois anos até obter a bolsa, foi uma coisa.... M.P.- As coisas acontecem como tem de ser, nada é por acaso; M.G.-É mesmo... M.P.- E aí ele não estaria mais aqui. M.G.- E quando eu cheguei lá foi surpreendente, ele se lembrava de mim. Fui ao hotel onde ele se hospedava, o Hotel Vier Jahreszeiten, As Quatro estações; M.P.- Quarto 638... M.G.- Quarto 638? Essa eu não sabia... M.P.- A Myrian Dauelsberg falou isso. M.G.- Eu cheguei lá, contatei a secretária, ele sabia que eu vinha... M.P.- A Maria Bruzzese M.G.- Sim, a Maria Bruzzese... M.P.- O senhor tem contato com ela? M.G.- Não, não tenho. Soube que ela foi para a Itália depois. M.P.- Estava morando em Milão. M.G.- Talvez já esteja aposentada. M.P.- Estava agenciando uma empresa de artistas. Pelo o que a Myrian Dauelsberg falou ela mora em Montevidéu agora.

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M.G.- Ela me disse "O professor pede para você passar amanhã a tal horas no hotel que ele quer te ver". Cheguei lá, um hotel muito luxuoso, nunca tinha entrado num hotel assim...É ao lado da Ópera de Munique, onde ficam hospedados os grandes cantores e maestros. E aí na portaria eu disse que gostaria de falar com o senhor Karl Richter no meu alemão ainda rudimentar e eles o chamaram e ele realmente veio! Parecia um milagre estar ali. M.P.- E você já tinha muita admiração por ele antes? M.G.- Ele era meu ídolo, parecia um sonho. Quando eu tive a oportunidade de tocar prá ele no Rio, eu queria ir estudar na Alemanha mas jamais eu imaginei que ia estudar com ele. Eu pensei que ele ia me recomendar para um aluno ou para um colega. Jamais eu pensei que iria ser com ele mesmo, eu não considerava naquela época ter já o nível para tanto. Ele era o maior representante de Bach, o maior organista. Então aquele encotro superou muito as minhas expectativas quando ele disse: "eu dou aulas para você". Eu não esperava tanto... M.P- Então antes ele tinha te ouvido tocar lá no Rio lá na Escola de Música; M.G.- É, ele me ouviu lá na Escola de Música. M.P.- É, estava em mau estado o órgão, ai ela (Myrian Dauelsberg) chamou o Rigatto para fazer uma reforma no órgão... M.G.- Sim, foi o José Carlos Rigatto que já me conhecia, sabia que eu estava estudando, que eu queria ir para a Alemanha, adorava o Richter, adorava Bach, foi ele que conseguiu esse encontro. Falou com a professora Myrian e ela convenceu o Maestro que acabou cedendo e disse:" que ele então venha amanhã tal hora". Era um encontro assim tipo 10 horas da manhã lá no Rio. Eu peguei o ônibus aqui à noite, o leito e fui pra lá e fiquei ao órgão esperando. Aí ele chegou e já disse: "o que é que vai tocar". Só isso parecia um sonho, eu tinha 18 anos, um presente, Karl Richter ali. Ele chegava e deixava sempre cair o paletó de maneira um pouco negligente... "Então o que é que vai tocar?" -"A Trio-Sonata nº 1" "Esta bem, então toca". Aí eu toquei, eu sabia de cor. Depois do primeiro movimento pensei que já bastava mas ele disse em italiano: "secondo movimento". Aí eu toquei o segundo movimento, que é um movimento lento, muito mais fácil tecnicamente do que o primeiro. Eu imaginei que ele queria ver assim um lado mais expressivo. O lado virtuosístico já tinha no primeiro movimento, o segundo movimento é música mais poética, mais fácil de tocar tecnicamente, mas ele fez questão de

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ouvir. Achei isto interessante da parte dele. Depois, o terceiro movimento que é terrivelmente difícil, ele já não fez questão. M.P.- Você lembra o BWV? M.G.- BWV 525, Trio Sonata nº1 em mi bemol. Aí, acho que o Rigatto disse pra ele que eu tinha uma certa facilidade para improvisar, tinha sim, arranhava um pouco na igreja, e ele me perguntou: "o senhor sabe improvisar? Então toma esse tema aqui e improvisa alguma coisa". Era um tema de "ricercare", bastante simples, e eu fiz à minha maneira, algo como um pequeno ricercare a 4 vozes. E parece que ele gostou. Foi aí que ele me disse que ele não dava mais aulas mas que, se eu fosse para Munique, ele me dava aulas particulares. M.P.- Nessa época ele não tinha nenhum aluno mais? M.G.- Em todo caso na Escola Superior de Música não, ele já não ensinava mais. Ele devia ter alguns alunos particulares, mas eu nunca os encontrei. E aí um detalhe engraçado: "vou lhe dar uma carta de recomendação". Então tínhamos que ir ao escritório da professora Myrian que era na Sala Cecília Meireles e nós estávamos em frente, na Escola de Música. Entramos num carro com chofer e tudo, o Maestro Richter e eu e damos uma imensa volta, demorou uns 15 minutos. M.P.- Poderia ter ido a pé... M.G.- A pé não levaria 10 segundos, era só atravessar. Nunca vou esquecer a ida em carro com chofer da Escola de Música para a Sala Cecília Meireles na presença de Karl Richter. Eu nem acreditava. Ele até conversou um pouquinho, ele falava um italiano, eu sabia pouco alemão, uma palavra ou outra, e conseguimos nos entender. Chegamos no escritório da Myrian Dauelsberg, ele pediu papel e caneta e escreveu aquela carta. M.P.- O senhor tem aquela carta? M.G.- Tenho, eu te mandei, tenho o original até hoje. Então aí nos despedimos e ele disse: "se você conseguir ir para Munique, você entra em contato comigo". Um ano depois eu fui. M.P.- Você era bem novo então na época? M.G.- Eu era bem novo, foi em 78, eu tinha 20 anos mas eu estava atrasado na escola porque eu tinha parado os estudos, depois fiz aquele curso acelerado. Terminei o colegial e arrumei

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uma maneira de ir, os padres da igreja onde eu tocava me pagaram a passagem e fui com o suficiente para viver lá 2 ou 3 meses. Uma aventura. Voltamos agora ao ponto onde estávamos. Quando fui me encontrar como ele no Hotel Vier Jahreszeiten, ele veio, pra minha surpresa, com a chave da Igreja de São Marcos, a Markuskirche. "Olha, aqui está a chave da Markuskirche, o senhor sabe onde é? O senhor pode ir lá estudar quando quiser". Só dois dias depois de eu ter chegado em Munique M.P.- Lá tem dois órgãos né? Um maior e um barroco ... M.G.- Tem um órgão Steimayer romântico e um órgão Ott de estética barrôca, que ele próprio fez construir em 67. Os Concertos para órgão de Haendel foram gravados no Steimayer da Markuskirche. No órgão Ott ele não fez disco nenhum, que eu saiba, mas existe um vídeo em preto e branco no qual ele toca a Toccata em ré menor. Faz parte de um documentário que se chama "Karl Richter e o Münchner Bach Chor".. . M.P.- E aí você tinha aula regular com ele, semanalmente? M.G.- Não, não era regular, mas podia ser várias vezes numa semana, depois ele ia viajar. Quando ele estava em Munique, eu tinha aula. E a aula às vezes durava 15 minutos, às vezes durava muito mais, era completamente irregular. M.P.- Só tinha você como aluno então M.G.- Que eu saiba...o curso era individual no caso. M.P.- E a Helena Jank foi antes não? M.G.- Sim, Helena foi bem antes. Aí começaram as aulas que duraram um ano e meio até poucos dias antes dele falecer. O repertório que eu estudei está naquele artigo que eu escrevi. Ele também fazia questão que eu fosse cantar no coro, fazia mesmo questão. Se eu não ia, ele não gostava, ele dava muita importância a isso. Ele era incrível. Eu estava estudando a Tocata em Fá maior e, uma vez, estavamos entrando em cena com o côro para um concerto, ele veio até mim e disse: "Então, como está a Tocata em Fá?", como se fosse uma coisa importantíssima...

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M.P.- O Coro hoje não existe mais né, mas não como era, talvez tenha se adaptado à linguagem barroca de hoje em dia. Estranhamente eu fiz contato com o Philipp Eder que é o regente da orquestra hoje e ele me falou que ele não tem muito material sobre Richter lá, eu achei estranho. M.G.- Nem todo mundo gostava do Richter. Ele era um músico um pouco polêmico, depois houve a questão da interpretação histórica, dos instrumentos antigos e todo mundo começou a critica-lo, a dizer que estava tudo errado, etc. M.P.- Pois é, ele estava no auge quando surge esse movimento barroco, em 50 quando ele surge, nos anos 60 ou 70 é o auge dele, paralelo ao movimento da música barroca. M.G.- Como ele era o mais conhecido, ele era aquele que estava errado por excelência. M.P.- Ele tinha convicção, ele dizia que não ia mudar para este novo estilo. M.G.- Pelo contrário, eu acho até que ele exagerou um pouco no sentido nos últimos anos. Ele era mais, digamos, “barroco” no início da sua carreira do que no fim. M.P.- A Myrian falava que ele tinha paixão pelo Mendelssohn e pelo Bruckner que ele gostaria muito d eter gravado, mas a Deutsche Grammophon não permitia, que queria que ele gravasse só Bach, Haendel, mas os românticos ele nunca pode gravar, não o quanto ele gostaria. M.G.- Mas ele fez muitas coisas, este é um aspecto que eu gosto muito também e conheço bastante. Ele regeu sinfonias de Bruckner, eu tenho algumas gravações, de Schumann, o Requiem Alemão de Brahms, e até o Requiem de Verdi! O "Elias" de Mendelssohn, o “Stabat Mater” de Dvorak, tudo isso ele fez. M.P.- Engraçado porque não tem como...quer dizer, um bom artista ele é capaz de fazer tudo mas não tem como separar Karl Richter e Bach, são coisas tão intrínsecas... M.G.- Bach ocupou, sem dúvida, uns 90% da vida dele, mas eu acho que ele era um ótimo intérprete de música romântica e, como organista, tocava magnificamente as obras de Max Reger, que é o compositor alemão para orgão mais importante depois de Bach. Tocava também Liszt, a Fantasia sobre B-A-C-H e a incrivel Fantasia de Mozart em fa menor. Ele chegou a tocar o Concerto para órgão e orquestra de Francis Poulenc sob a regência de outros maestros mas, como organista, tocava essencialmente Bach, mas não a obra completa de Bach. Ele

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tocava todas as grandes obras de Bach e as 6 Trio-Sonatas de memória. Também alguns antigos, Buxtehude, Lübeck, Pachelbel. Tocava também, surpreendentemente, o “Dieu parmi nous” de Messiaen. Os concertos para órgão de Haendel, ele tocava regendo a orquestra ao mesmo tempo.. Então, como organista ele foi absolutamente sensacional dentro do estilo dele e da música alemã. Fora o "Dieu parmi nous" de Messiaen e o Concerto de Poulenc, creio que ele não tocava música francesa, que faz parte também do repertório de um organista. Cesar Franck, etc, ele não tocava. Tocava só os alemães e poucas exceções. Aliás como regente também. A exceção do Requiem de Verdi, ele só regia música alemã. Ele nunca regeu uma obra italiana ou francesa. Era tipicamente alemão. Ele me disse uma vez num curso: "depois, mais tarde, você tem quer ir para Genebra estudar música francesa com Pierre Segond porque que eu não lhe posso ensinar". M.P.- Esse movimento da música barroca existiu no órgão também? M.G.- Exisitiu, existiu. Hoje em dia não se toca como Karl Richter tocava, os estilos mudaram muito. M.P.- Mas aqueles órgãos que ele tocava em Ottobeuren por exemplo, são órgãos antigos, barrocos, mas são modernizados? M.G.- Não, não são modernizados. Ele conhecia e dominava perfeitamente o órgão barroco mas ele tocava de uma maneira, mesmo sendo um órgão barroco, que hoje em dia não se toca mais. Ele tocava muito mais ligado, fazia muita mudança de registro. Essas coisas hoje em dia são menos usadas mas eu acho que ele sempre muito claro, não era confuso[..] M.P.- E lá nos Ciclos, você assistiu dois concertos, você lembra de alguma coisa? M.G.- Eu me lembro, eu estive num concerto da Orquetra Bach na Sala Cecília Meireles, concertos para violino com Leonid Kogan e o quarto Brandenburgues no qual o Leonid Kogan tocava também o violino solo. Depois eram os Concerti Grossi de Haendel. A Sala sempre hiper lotada. Aquilo era um evento impressionante, acho que só os stars de rock têm alguma coisa assim. Era uma coisa incrível. Acho até que se vendiam bilhetes no câmbio negro. E sempre me impressionou. Ele fazia também essas "semanas" em Munique, fez em Ansbach. Em uma semana ela fazia tudo, dava um recital de

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órgão, regia a Missa em si, acompanhava Sonatas, depois vinham as Cantatas, os Brandenburgos e terminava com uma Paixâo, tudo isso em 6, 7 dias. Às vezes, um concerto de manhã, as Variações Goldberg por exemplo, e às 5 da tarde a Missa em si menor. Sempre me pareceu uma coisa quase inumana. Muito poucos são regentes e grandes virtuoses ao mesmo tempo . M.P - E os recitais dele na Escola de Música, você lembra também? M.G.- Eu me lembro. Quando eu toquei prá ele em 78, fui ouvir os Concertos de Haendel para órgão e orquestra na Escola de Música. Anos antes, tinha ido a recitais Bach no Teatro Municipal de São Paulo . M.P.- Você lembra qual foi o ano? M.G.- Eu era mesmo criança, devia ter uns 12 anos, início dos anos 70, também era um evento incrível, o Teatro Municipal lotado. Uma vez também o ouvi aqui, na Sociedade de Cultura Artística acompanhando as Sonatas para viola da gamba, ele no cravo com o Johannes Fink, que era um dos violoncelistas da orquestra. M.P.- Ele foi também uma vez a Mariana para ver aquele órgão Arp Schnitger, ele foi lá para fazer uma vistoria do órgão para recomendar como fosse feita a restauração, ele foi avaliar o órgão. M.G.- Que eu saiba, foi ele que supôs que aquele órgão podia ser do Arp Schnitger que era um dos organeiros favoritos de Bach. Ele ficou impressionado com isto e depois ajudou para que fosse revivificado. M.P.- Eu vi que tem um órgão similar àquele em Portugal, no Faro, igual a esse que tem em Mariana. M.G.- No Faro. Mas hoje em dia crê-se que se trata de um discípulo de Arp Schnitiger, não sería de Arp Schnitiger mesmo. M.P..- Isso seria como se fosse um Stradivarius para o violino? M.G.- É...algo semelhante. Um organeiro, um construtor de órgãos famosíssimo da Alemanha.

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M.P.- E foi constatado que o que existe em Mariana é original? M.G- Supõe-se que seja de um discípulo de Arp Schnitiger, mas mesmo assim é um instrumento valiosíssimo. M.P.- Você já tocou lá? M.G- Sim, já toquei, há muitos anos. É fabuloso. M.P.- Eu queria realmente saber como se procediam, como foram suas lembranças dos eventos, dos concertos em especial dos recitais de órgão lá na Escola de Música. Me parece que foram recitais extras, não estavam programados, devido a demanda do público, de tanto que eles queriam ouvir que a Myrian decidiu fazer essas séries extras dos concertos. M.G.- Exatamente. Eu me lembro de um deles, só com Bach. Era impressionante como ele tocava tudo de memória, depois de uma semana daquelas onde ele trabalhava terrivelmente. M.P.- Ele tocava de memória por problemas de visão, não? M.G.- Olha, eu ouvi dizer que quando ele era jovem, ele passava noites inteiras repetindo as obras na igreja. Ele estudou muito. Ele regia as Paixões de Bach de memória. Isto pode não parecer tão extraordinário. Mas ele tocava os recitativos no cravo de memória. Isso já é outra coisa. Quer dizer, reger de memória é uma coisa, agora tocar e reger de memória é outra coisa, você precisa saber mesmo . M.P.- E falava-se que, havia críticas sobre as Paixões por exemplo, que algumas edições que ele regeu foram muito ruins, outras foram muito boas. Ele falava "Eu nunca rejo igual. Um dia minha pressão sanguínea está diferente, então eu vou sentir a música diferente". Havia sempre essa variação. M.G.- Ele começou cantando no Thomanerchor, em Leipzig. Cantou como soprano, contralto, tenor e baixo. Depois ele passou a tocar o contínuo na orquestra. M.P.- Mas ele começou não foi lá em Dresden?

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M.G.- Em Dresden primeiro, no Kreuzchor e depois foi prá Leipzig. Ele conhecia estas obras do interior, detalhe por detalhe. Lá ele foi aluno do Günther Ramin e do Karl Straube. Primeiro Karl Straube depois Günther Ramin. M.P.- Como era ele como pessoa? M.G.- Havia uma enorme distância, era um estilo de pedagogia antiga. Hoje existe muito mais proximidade entre professor e aluno, às vezes se trata por "você", etc. Era tudo mais formal, eu o chamava de "Herr Professor", todo mundo o chamava de "Herr Professor". Havia aquela distância. Mas ao mesmo tempo, o interesse dele pela minha pessoa, quando ele me perguntava na fila como estava a Tocata em Fá ou queria saber se eu comia bem, se tinha roupas para enfrentar o inverno na Alemanha, uma preocupação quase paternal pelo aluno que indica uma certa afeição. Não era assim tão frio. É um estilo diferente do nosso, mas ao mesmo tempo extremamente generoso. Ele me incentivou muito a fazer uma coisa que acabou sendo realmente útil para mim, que foi estudar seriamente o contraponto, o baixo contínuo e a improvisação. Ele, um dia em um curso, queria que eu improvisasse sobre um coral luterano e que começasse com uma harmonização. Aí ele me deu o livro de corais que eu comecei a folhear para escolher um que eu conhecesse e que eu gostasse. Aí ele disse; "Não. Não tem que escolher, tem que abrir em qualquer página". Aí, sem estar preparado para isso, harmonizei da minha maneira, com erros e tudo e ele disse; "Ah, isso não é possível! Isto aqui é indispensável. Você pode tocar perfeitamente todas as obras mais difícieis que existem, se você não sabe fazer isto, você é como um analfabeto" (Foi o termo amavel que ele usou...). Eu fiquei com o moral lá embaixo. Então ele disse: "Olha, eu vou te dar o endereço..." Olha a generosidade ao mesmo tempo. Ele pegou um papel e escreveu o nome de um professor de harmonia, Sr. Helmschrott que era um compositor conhecido lá em Munique, escreveu o nome e o telefone deste professor e disse: "Eu não tenho tempo de ensinar isso para você mas você telefona para ele da minha parte e diz que você quer tomar cursos com ele e eu ofereço esses cursos". Acabou não acontecendo, porque ele faleceu pouco tempo depois. Acabei não indo. Mas aquele ensinamento ficou na minha cabeça e eu comecei a estudar estes assuntos com muito zelo e é graças a isso que hoje eu tenho um posto de ensino nesse campo, lá em Genève. M.P.- E quando ele morreu como você fez, você foi indicado para algum outro professor? M.G.- Foi um transtorno naquela época, porque estava tudo programado para que eu ficasse lá com ele mas eu tinha uma amiga que morava em Genève e estudava com outro grande organista

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e intérprete de Bach, Lionel Rogg, e ela me disse; "Vem pra cá, o Lionel Rogg é ótimo, você vai se entender com ele". Aí fui para Genève e terminei lá os meus estudos de órgão, de contraponto, de improvisação e estudei todos esses assuntos, sob os conselhos de Richter. Aquela “bronca” foi extremamente útil no fim das contas. M.P.- E lá em Munique hoje, o que a gente pode encontrar sobre Richter, você sabe? Os lugares por onde ele passou... M.G.- Pouca coisa infelizmente. Pontos importantes são Ottobeuren, a Markuskirche, a Herkulessaal, o Deutsches Museum. Eu fui à casa dele em Zurique uma vez, depois que ele faleceu. A esposa dele, Gladys, teve e a gentileza de me convidar. E depois conheci o filho dele que mora em Genève também, o Tobias. Ele é diretor da Ópera de Genève que coincidência é em frente ao Conservatório onde eu leciono. Olha como o mundo é pequeno: às vezes da minha sala de aulas eu vejo passar Tobias Richter. O que eu posso falar mais sobre o organista Richter? Acho que eu já disse bastante. Era um organista e um músico em geral extremamente intenso. Não tinha ali uma nota que era tocada prá não dizer nada. Tudo tem o seu sentido, tudo tem que ser cantado interiormente, tem que ser expressivo. Esse era um termo que ele usava muito "espressivo” ou “cantabile". Uma vez num ensaio da Paixão Segundo São Mateus, antes de um coral ele disse para todos: "Alles geben", que quer dizer, "Deem tudo". Ele era assim, era um pouco excessivo, mas era isso justamente que era maravilhoso. Sua música nunca era neutra e bonitinha, nunca. Era sempre interessante, mesmo que uma opção ou outra eu não viesse a apreciar, nunca deixava indiferente. Parecia que ele não se preocupava muito com as diferenças de estilo, ele se preocupava mais com o lado, digamos, metafísico. Ele conhecia o estilo mas não era a preocupação primeira dele. .. M.P.- Existe hoje assim alguém que possa ser parecido? M.G.- Trabalho muito com Michel Corboz que tem um lado assim, místico, e é inspirado. Gosto muito de certas gravações de Tom Koopman que é um grande músico mas, se não me engano, o repertório dele termina com Mozart, não tem esse lado romântico. Tem vários grandes músicos, mas o Richer tem uma cor inconfundível, a personalidade, a versatilidade, a memória. Tudo isso junto faz com que seja especial. Agora, naturalmente, existem muitos músicos e coros e orquestras barrocas de altíssima qualidade.... M.P.- E você começou com a Helena Jank, começou como cravista com ela?

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M.G.- Tive aulas de cravo com ela sim, quando eu era jovem, e de órgão com Angelo Camin. O meu início foi com estes dois magníficos professores aos quais sou infinitamente grato. Mas eu já naquela época tinha uma paixão especial pelas Cantatas de Bach, mais até do que pelo órgão e o cravo. Então chegavam aos poucos os discos do Karl Richter e eu ia comprar assim que chegavam. Ele teve uma importância enorme na redescoberta de Bach, das Cantatas de Bach. E hoje em dia na Europa quando falam em Richter, já não é com aquela agressividade de antigamente. Já o veem como uma etapa da interpretação, um meio termo entre a tradição realmente romântica de Klemperer e Furtwängler e os especialistas de hoje. Mas eu acho que ele foi um pouco culpado também por esta agressividade, porque ele radicalizou uma certa forma de romantismo durante os anos. Eu não aprecio tanto, por exemplo, a segunda gravação da Paixão Segundo São Mateus de 1978. Eu prefiro a primeira, que é de 1957, creio. É mais pura e mais simples. Eu acho que depois ele exagerou muito na lentidão e no número de instrumentos. O estilo inicial dele era um estilo mais barroco entre aspas do que mais tarde, . M.P.- Você acha que hoje tocando, você tem muito ainda dos ensinamentos dele? M.G.- Tenho sim. Eu acho que uma pessoa que conhece vê a influência, mas ao mesmo tempo, se você for ouvir objetivamente, é bem diferente, mas há certos detalhes que ficaram. Eu me interessei também por outros repertórios. Apesar de Bach ser o centro do meu percurso musical, eu também gosto de música francesa, de Cesar Franck em particular e de muitos outros. Em Genève estudei com Lionel Rogg que foi aluno do organista Pierre Segond do qual Richter me tinha falado. Richter era ao mesmo tempo distante e generoso. Eu o definiria assim. M.P.- Muito obrigado pela entrevista.

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Questionários e respostas referentes ao capítulo 4.

PERGUNTAS PARA MÚSICOS PARTICIPANTES

1) O (a) sr.(a) conhecia Karl Richter antes de suas vindas ao Brasil? 2) Ao longo dos Ciclos Bach, em quantos deles o (a) sr.(a) teve participação, como solista ou membro de coro ou orquestra? Neste caso, especifique qual. 3) O(a) sr.(a) possuí alguma lembrança de como procediam os ensaios? 4) O(a) sr.(a) possui alguma lembrança de como era a relação de Karl Richter com os músicos brasileiros participantes dos Ciclos? 5) Como situaria a visão interpretativa de Karl Richter nos parâmetros atuais da interpretação da música bachiana? 6) Como o(a) sr.(a) avalia os Ciclos Bach no contexto dos eventos ocorridos no cenário da música de concerto no Rio de Janeiro da época? 7) O (a) sr.(a) possuí algum registro material (programas, fotos, áudios, etc) de alguma edição do Ciclo Bach? 8) Acredita que caso os Ciclos Bach fossem reeditados nos dias de hoje, haveria algum artista em atividade que pudesse ocupar o mesmo papel que Karl Richter teve durante as décadas de 1960 e 1970? 9) Como o(a) sr.(a) percebe a inserção da música de Bach nos programas de concertos no Rio de Janeiro atualmente, seja em quantidade bem como em qualidade? 10) Como avaliaria o valor das gravações de Karl Richter nos dias atuais? 11) O(a) sr.(a) crê que possa haver algum legado deixado pelos Ciclos Bach?

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RESPOSTAS:

Celso Woltzenlogel- 24 de abril de 2016

1) O (a) sr.(a) conhecia Karl Richter antes de suas vindas ao Brasil? Não.

2) Ao longo dos Ciclos Bach, em quantos deles o (a) sr.(a) teve participação, como solista ou membro de coro ou orquestra? Neste caso, especifique qual. Não me lembro em que ano o Ciclo começou, e também quando comecei a participar. Acredito que tenha sido a partir de meu regresso de Paris em 1969. Participei de todos eles. Como solista foi nos concertos de Brandemburgo números 4 e 5.

3) O(a) sr.(a) possuí alguma lembrança de como procediam os ensaios? Ritcher trazia uma boa parte dos músicos da Alemanha. Os ensaios eram mais para os músicos brasileiros que eram convidados pelo Peter Dauelsberg.

4) O(a) sr.(a) possui alguma lembrança de como era a relação de Karl Richter com os músicos brasileiros participantes dos Ciclos? Não era muito simpática, talvez por ele mesmo ser muito “fechado”.

5) Como situaria a visão interpretativa de Karl Richter nos parâmetros atuais da interpretação da música bachiana?

Não respondeu.

6) Como o(a) sr.(a) avalia os Ciclos Bach no contexto dos eventos ocorridos no cenário da música de concerto no Rio de Janeiro da época? Era um dos pontos altos da programação da Sala Cecilia Meireles.

7) O (a) sr.(a) possuí algum registro material (programas, fotos, áudios, etc) de alguma edição do Ciclo Bach?

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Devo ter alguns dos programas dos quais participei.

8) Acredita que caso os Ciclos Bach fossem reeditados nos dias de hoje, haveria algum artista em atividade que pudesse ocupar o mesmo papel que Karl Richter teve durante as décadas de 1960 e 1970? Certamente.

9) Como o(a) sr.(a) percebe a inserção da música de Bach nos programas de concertos no Rio de Janeiro atualmente, seja em quantidade bem como em qualidade ? Muito pouco em relação aos Ciclos Bach à época de Richter.

10) Como avaliaria o valor das gravações de Karl Richter nos dias atuais? Não respondeu.

11) O(a) sr.(a) crê que possa haver algum legado deixado pelos Ciclos Bach ? O conjunto Ars Barroca do qual fui fundador (1968), de um certo modo, foi beneficiado pelo público que comparecia aos concertos da Sala, já que Bach era um dos nossos autores preferidos.

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Norton Morozowicz- 28 de maio de 2016

1) O (a) sr.(a) conhecia Karl Richter antes de suas vindas ao Brasil?

Conhecia muito bem através de gravações que ouvia desde minha adolescência. Sempre tive muito apreço pela obra de Bach e as interpretações de Richter.

2) Ao longo dos Ciclos Bach, em quantos deles o (a) sr.(a) teve participação, como solista ou membro de coro ou orquestra? Neste caso, especifique qual.

Pelo que me lembro participei de vários Ciclos Bach, como membro de orquestra e como solista. Também quando veio a Orquestra Bach de Munich, o Maestro Karl, que gostou da minha atuação em anos anteriores, não trouxe flautista e me convidou para participar da Orquestra Bach.

3) O(a) sr.(a) possuí alguma lembrança de como procediam os ensaios?

Os ensaios com Richter eram sempre tensos, pois ele era uma personalidade difícil, muito severo e ríspido e não tinha muita paciência com músicos que ele achasse sem capacidade ou empenho suficientes para estar no grupo. Temos que considerar que naquela época não tínhamos ainda excelentes cordas nas nossas orquestras, se comparado ao nível no qual ele estava habituado na Europa.

4) O(a) sr.(a) possui alguma lembrança de como era a relação de Karl Richter com os músicos brasileiros participantes dos Ciclos?

De um modo geral ele não tinha muito contato com os músicos e, como já disse, Richter era de um temperamento mais fechado; no entanto, quando gostava de algum músico tratava com muita consideração, como, por exemplo alguns poucos solistas da OSB; comigo, particularmente, o Maestro sempre teve especial consideração, tanto que me convidou para tocar alguns Concertos com a Orquestra Bach de Munich, na Alemanha (anexo cópia do convite).

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Primeiramente, gostaria de tecer alguns comentários sobre Karl Richter, lembrando da sua enorme bagagem e tradição interpretativa na obra de Bach. Tendo iniciado seus estudos musicais em Dresden, logo participou do histórico Coro de Meninos Dresden Kreuzchor (fundado em 1234), mais tarde foi organista da igreja de St.Thomas de Leipzig, onde o próprio Bach foi diretor musical por 27 anos! Em 1951 muda-se para Munich ocupando o posto de Kantor da igreja St.Mark e de professor no Conservatório. Dirigiu o Coro Bach de Munich e em 1954 criou a Orquestra Bach de Munich, que veio a tornar-se uma referência internacional. Richter era considerado uma das maiores autoridades na obra de Bach do seu tempo. Conhecedor profundo, e tendo uma memória extraordinária, dirigia e tocava quase todas as obras de cor! 5) Como situaria a visão interpretativa de Karl Richter nos parâmetros atuais da interpretação da música bachiana? Quero ressaltar agora que o parâmetro interpretativo tem sofrido mudanças cíclicas em torno de cada 20 anos. Nestes anos pós Richter surgiram várias correntes de interpretações, entre elas as chamadas concepções autenticistas que atualmente, ao meu ver, começam a perder sua força. Harnoncourt, um dos primeiros a alertar para o perigo do uso do conceito de “autenticidade” na música, pondera A música de museu não me interessa e não tenho nenhuma intenção de realizar visitas guiadas à obra de Bach.... Portanto, as interpretações de Richter passam a despertar novo interesse e grande procura das reedições e vídeos constantemente postados nos meios virtuais. 6) Como o(a) sr.(a) avalia os Ciclos Bach no contexto dos eventos ocorridos no cenário da música de concerto no Rio de Janeiro da época? Creio que foram concertos memoráveis e importantes não só pela qualidade musical, mas também pela aproximação do público carioca com a música barroca e particularmente com Bach. Os frequentadores de concertos tomaram um novo interesse surgindo uma grande identificação com o gênero, incluindo músicos da Orquestra Sinfônica Brasileira e a tradicional Associação de Canto Coral do Rio de Janeiro, dirigida pela maestrina Cléofe Person de Matos. Sem dúvida, foi uma fase de ouro de concertos, amplamente divulgados, realizados na Sala Cecilia Meireles, sempre lotada.

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7) O (a) sr.(a) possuí algum registro material (programas, fotos, áudios, etc) de alguma edição do Ciclo Bach? Sim, possuo farto material, inclusive a gravação do último concerto de Richter no Rio de Janeiro em 1979, quando fui um dos solistas no V Concerto de Brandemburgo para flauta, violino e cravo, juntamente com a violinista Ariadne Pfister e Richter regendo e tocando cravo. Ressalto que para este concerto foi formada uma orquestra composta de todos os spallas atuantes nas orquestras brasileiras. 8) Acredita que caso os Ciclos Bach fossem reeditados nos dias de hoje, haveria algum artista em atividade que pudesse ocupar o mesmo papel que Karl Richter teve durante as décadas de 1960 e 1970? Certamente existem alguns nomes no cenário internacional; lembro aqui o de Helmuth Rilling, renomado intérprete de Bach, que já esteve no Rio dirigindo concertos - nos quais eu inclusive participei - com a colaboração do conjunto inglês Deller Consort , no qual pai e filho, Alfred e Mark Deller, eram renomados contra tenores No Brasil, nos anos 80, a Orquestra de Câmara de Blumenau, que eu criei e dirigi por 12 anos inspirada no modelo da Orquestra Bach de Munich, realizou inúmeras séries de Concertos contando com a colaboração de excelentes músicos nacionais e estrangeiros entre os quais a cravista Helena Jank, que foi aluna do próprio Richter na Alemanha. Gostaria também de relembrar que durante vários anos trabalhei o repertório barroco com Helena Jank, em duo flauta e cravo, culminando em 1985, ano Bach, com Trios Sonatas ao lado do ilustre flautista Jean Pierre Rampal em concertos na Sala Cecília Meireles, no Rio de Janeiro e na Sociedade Cultura Artística em São Paulo. Sempre que tive oportunidade de apresentar música barroca, nas mais diversas formações comerísticas, em concertos e festivais de todo o país, obtivemos grande alcance e sucesso de público e crítica.

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9) Como o(a) sr.(a) percebe a inserção da música de Bach nos programas de concertos no Rio de Janeiro atualmente, seja em quantidade bem como em qualidade? Não posso responder a esta pergunta, uma vez que há muitos anos mudei-me do Rio e não tenho acompanhado esta atividade de concertos atualmente. Entretanto, tenho notícias que uma nova geração de músicos vem se dedicando ao gênero. 10) Como avaliaria o valor das gravações de Karl Richter nos dias atuais? Acho que o acervo de gravações de Richter é um legado importantíssimo. Seus registros de todas as Cantatas, Paixões assim como da obra para cravo e órgão, são um marco na história fonográfica. Sobretudo verificando o que já comentamos na sua pergunta sobre a visão interpretativa de Richter, que tinha este conceito de que a música não é estática e uma performance pode e deve variar, dependendo de vários fatores físicos ou emocionais, de locais de concertos como salas ou igrejas. Cada execução pode soar diferente, pois a música é, sobretudo, fruto da emoção que deve ser passada ao público, não podendo ser, de maneira nenhuma, estática ou dependente de uma fórmula rotineira, impedindo o intérprete de ter novos conceitos ou ideias sobre o mesmo texto musical. 11) O(a) sr.(a) crê que possa haver algum legado deixado pelos Ciclos Bach? Não respondeu.

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Peter Dauelsberg- 04 de maio de 2016 1) O (a) sr.(a) conhecia Karl Richter antes de suas vindas ao Brasil? Sim, pela fama e pelas gravações. 2) Ao longo dos Ciclos Bach, em quantos deles o (a) sr.(a) teve participação, como solista ou membro de coro ou orquestra? Neste caso, especifique qual.

Participei de todos os ciclos Bach, Bach-Haendel, e aos concertos que foram organizados pela SCM com Karl Richter. Favor de fotocopiar os programas na minha casa, após combinar dia e horário.

3) O(a) sr.(a) possuí alguma lembrança de como procediam os ensaios? Devido à forte personalidade e à fama que precederam Karl Richter, todos os músicos haviam um profundo respeito para o “maestro”. 4) O(a) sr.(a) possui alguma lembrança de como era a relação de Karl Richter com os músicos brasileiros participantes dos Ciclos? Quando os trompetistas do Teatro Municipal não tinham os instrumentos adequados para a execução do Oratório de Natal, Karl Richter nem pestanejou, embora que o resultado foi desastroso. Ao contrário, ele elogiou o esforço e disse que numa próxima vez certamente haverá os instrumentos necessários. Mesmo assim lembro um detalhe num ensaio com a OSB, quando um violoncelista investiu de arco em punho contra Karl Richter! Ele tinha confundido um pedido do Maestro com uma ofensa. Graças a Deus o recitalista e tenor Jan van Kesteren jogou os seus quase dois metros de altura entre os combatentes. Como assisti não apenas aos ensaios das orquestras, mas também aos dos cantores solistas entendi logo a importância imensa que Richter dava a uma dicção perfeita. Nenhum vogal passou sem a coloração certa, os consoantes eram importantissimas para mudanças de atmosferas, palavras expressivas, momentos íntimos. Lembro um ensaio com o coro, onde ele ensaiava “os quatro inesquecíveis compassos” da Paixão S.Mateus, quando após o terremoto o coro canta: “Wahrlich, dieser ist Gottes Sohn gewesen” (Deveras, este foi o filho de Deus). Em alemão o ‘foi’ é colocado no fim da frase, e Richter fazia questão que o ‘n’, da palavra

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‘gewesen’, fosse cantado ‘pianíssimo morrendo’. O efeito dava ao ‘n’ uma vibração etérea que lembrava a eternidade. Não me lembro de relações maiores dos músicos brasileiros com o Maestro. Também havia poucas perguntas a fazer, já que sua maneira de dirigir era extremamente clara, e qualquer “menos forte” ou “mais piano” dizia a viva voz. Quando eu estava na orquestra, ele pediu de vez em quando para traduzir qualquer coisa. Havia uma comunicação muito boa com a Myrian, organizadora dos Ciclos Bach. Karl Richter estava extremamente exausto após aa apresentações de grandes obras, como as Paixões ou do Oratório de Natal. Não querendo os “parabéns” do público, ele fugiu quase sempre com meu carro, ficando em silêncio, e somente quando a enorme tensão da apresentação se dissolvia ele tomava duas cervejas e recomeçou a falar. 5) Como situaria a visão interpretativa de Karl Richter nos parâmetros atuais da interpretação da música bachiana? A interpretação da época que era altamente emotivo, tendo por exemplo a de Karl Richter extremamente expressiva e remexendo com os sentimentos do ouvinte. Outro especialista em Bach, o alemão Helmut Rilling, era da facção “fiel às notas compostas”. O primeiro o católico fervendo, o segundo um pastor luterano ascético. Os dois regentes haviam criados coros excepcionais e mundialmente conhecidos, o “Bachchor de Munique” e a “Gächinger Kantorei”. Após uma apresentação do Rilling o público aplaudiou em pé, rindo. Após o Richter o público aplaudiu também em pé, chorando. Richter era o melhor regente de orquestra, realizando o melhor do que os músicos brasileiros conseguiam dar de si (o que não era de regra). Rilling, menos dotado como regente (e sem “aura”) sentia a falta da sua orquestra disciplinada de Stuttgart, não conseguindo resultados qualitativamente parecidos aos de Richter. 6) Como o(a) sr.(a) avalia os Ciclos Bach no contexto dos eventos ocorridos no cenário da música de concerto no Rio de Janeiro da época? Os Ciclos Bach da Sala Cecilia Meireles, eram um “must” para os musicófilos brasileiros, que vieram de muitos dos estados do Brasil para assistir. Pode-se dizer que foi do evento musical do ano. Os solistas escolhidos por Karl Richter eram os melhores que na época existiam, e cada um se sentiu honrado de participar sob a regência do maestro . 7) O (a) sr.(a) possuí algum registro material (programas, fotos, áudios, etc) de alguma edição do Ciclo Bach?

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Vide nº 2

8) Acredita que caso os Ciclos Bach fossem reeditados nos dias de hoje, haveria algum artista em atividade que pudesse ocupar o mesmo papel que Karl Richter teve durante as décadas de 1960 e 1970? Certamente não! A concentração do trabalho de Karl Richter e sua capacidade de dar forma à obra através de sua regência e de seu olhar eram inacreditáveis. Ele – literalmente – tirava o couro dos solistas, do coro e da orquestra, criando cada vez uma obra inesquecível. Todos os participantes de uma noite desta se sentiram extremamente cansados, como após um dia de trabalho pesado! Hoje em dia existem excelentes conjuntos, muitas vezes executando as obras de Bach com instrumentos da época, conjuntos extremamente pequenos com corais bem menores dos que foram usados da época. É um outro Bach, mais sereno, menos revolvido, menos excitado, mais estático. O holandês Philippe Herreweghe, por exemplo, trabalha os Paixões e Oratórios de Bach como joias preciosas, e os resultados são excelentes! Tem que esquecer, no entanto, a imensa multidão que se movimenta no início da Paixão S.Mateus nas ruas de Jerusalem, quando Jesus entra na cidade. Esquecer as perguntas e as respostas que este povo se joga através de dois coros e duas orquestras. Esquecer a dramaticidade dos momentos da crucificação de Jesus, e, e, e, e..... ! Vale a pena de ouvir a Paixão Seg. S.Mateus, ou a de S.João para entender a diferença das Interpretações (Deutsche Grammophon com Karl Richter, orquestra Bach e Coro Bach de Munique). 9) Como o(a) sr.(a) percebe a inserção da música de Bach nos programas de concertos no Rio de Janeiro atualmente, seja em quantidade bem como em qualidade? Não ouvi nenhum concerto com obras de Bach em 2016. Talvez estava fora do Brasil. 10) Como avaliaria o valor das gravações de Karl Richter nos dias atuais? Vide nº 8.

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11) O(a) sr.(a) crê que possa haver algum legado deixado pelos Ciclos Bach? Você deve julgar.

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Carlos Alberto Figueiredo- 30 de abril de 2016 1) O (a) sr.(a) conhecia Karl Richter antes de suas vindas ao Brasil? Pouco. 2) Ao longo dos Ciclos Bach, em quantos deles o (a) sr.(a) teve participação, como solista ou membro de coro ou orquestra? Neste caso, especifique qual. Participei como cantor do coro da Associação de Canto Coral nos Ciclos Bach ocorridos nos anos de 1975, 1976 e 1978. 3) O(a) sr.(a) possuí alguma lembrança de como procediam os ensaios? Lembro apenas que ele fazia tudo de cor. 4) O(a) sr.(a) possui alguma lembrança de como era a relação de Karl Richter com os músicos brasileiros participantes dos Ciclos? Richter era um “star”, pouco acessível e até arrogante . 5) Como situaria a visão interpretativa de Karl Richter nos parâmetros atuais da interpretação da música bachiana? Ele pertence a uma vertente antiga da interpretação de Bach, que eu acho que dificilmente teria espaço hoje. 6) Como o(a) sr.(a) avalia os Ciclos Bach no contexto dos eventos ocorridos no cenário da música de concerto no Rio de Janeiro da época? Era um evento de grande destaque. 7) O (a) sr.(a) possuí algum registro material (programas, fotos, áudios, etc) de alguma edição do Ciclo Bach? Tenho os dois programas de 1975.

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8) Acredita que caso os Ciclos Bach fossem reeditados nos dias de hoje, haveria algum artista em atividade que pudesse ocupar o mesmo papel que Karl Richter teve durante as décadas de 1960 e 1970? Richter era mais ou menos único em sua época, talvez concorrendo com o jovem Rilling. Hoje em dia a diversidade de músicos e tendências é muito grande e não vejo um nome especialmente emblemático. 9) Como o(a) sr.(a) percebe a inserção da música de Bach nos programas de concertos no Rio de Janeiro atualmente, seja em quantidade bem como em qualidade? Pelo que tenho acompanhado da temporada, a música de Bach é praticamente ausente. Um dos grandes divulgadores da música de Bach no Rio de janeiro, Ricardo Rocha, diminui bastante sua atividade. 10) Como avaliaria o valor das gravações de Karl Richter nos dias atuais?

São gravações de valor histórico, importantes dentro do processo de recepção das obras de Bach.

11) O(a) sr.(a) crê que possa haver algum legado deixado pelos Ciclos Bach? Já passados quase 50 anos, as novas gerações não têm mais uma ideia do que foram os ciclos. Quem participou deles, como eu, pode ter um grande aprendizado, conhecendo as grandes obras de Bach “por dentro”. Nas atuais condições culturais e econômicas do Brasil e do Rio de janeiro, seria bem difícil sua reedição nos dias atuais.

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Bridget de Moura Castro- 26 de junho de 2016 1) O (a) sr.(a) conhecia Karl Richter antes de suas vindas ao Brasil? Desde criança adorei a música de Bach. Conheci as gravações e reputação dele desde Inglaterra onde cresci. Também meu cunhado, Herbert Dutter, 1st Horn player, tocou com ele regendo na sua orquestra sinfônica de Innsbruck. 2) Ao longo dos Ciclos Bach, em quantos deles o (a) sr.(a) teve participação, como solista ou membro de coro ou orquestra? Neste caso, especifique qual. Participei com entusiasmo com cravista em 1968 na Sala. Cecília Meireles. 3) O(a) sr.(a) possuí alguma lembrança de como procediam os ensaios? Ensaios.. Pontuais, bem organizados, invigorating, energia, ótimo uso do tempo. 4) O(a) sr.(a) possui alguma lembrança de como era a relação de Karl Richter com os músicos brasileiros participantes dos Ciclos? Não sei. 5) Como situaria a visão interpretativa de Karl Richter nos parâmetros atuais da interpretação da música bachiana? Quando vivo seus tempos foram considerados os mais rápidos que existiam. Agora virou moda. Ele ainda é um nome muito respeitado. 6) Como o(a) sr.(a) avalia os Ciclos Bach no contexto dos eventos ocorridos no cenário da música de concerto no Rio de Janeiro da época? A Série Ciclo Bach claro foi muito importante para a vida musical do Rio. Infelizmente não têm pessoas querendo fazer uma programação parecida hoje muitos músicos estão sem muito trabalho. 7) O (a) sr.(a) possuí algum registro material (programas, fotos, áudios, etc) de alguma edição do Ciclo Bach?

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Devo ter um programa nos EUA onde moro. 8) Acredita que caso os Ciclos Bach fossem reeditados nos dias de hoje, haveria algum artista em atividade que pudesse ocupar o mesmo papel que Karl Richter teve durante as décadas de 1960 e 1970? Sim, mas poucos. Nos EUA por exemplo Robert Levin, só. 9) Como o(a) sr.(a) percebe a inserção da música de Bach nos programas de concertos no Rio de Janeiro atualmente, seja em quantidade bem como em qualidade? Sendo que não moro aqui não posso avaliar. Seria bom incluir mais Bach nos programas. Sempre toco Bach nos meus recitais de órgão, por exemplo. No recital privado aqui em casa ontem à noite em Ipanema in memoriam da nossa querida amiga Eleusa Magalhaes, o meu marido concluiu a noite tocando um Preludio e Fuga de Bach. 10) Como avaliaria o valor das gravações de Karl Richter nos dias atuais? Continua sendo muito importante como por exemplo Pablo Casals nas gravações de violoncelo. 11) O(a) sr.(a) crê que possa haver algum legado deixado pelos Ciclos Bach? Não respondeu.

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Carlos Rato- 16 de junho de 2016 1) O (a) sr.(a) conhecia Karl Richter antes de suas vindas ao Brasil? Conhecia através de suas gravações apenas. 2) Ao longo dos Ciclos Bach, em quantos deles o (a) sr.(a) teve participação, como solista ou membro de coro ou orquestra? Neste caso, especifique qual. Fazia parte da Orquestra Sinfônica do Teatro Municipal do Rio de Janeiro desde 1963. Participei como solista no II e III Ciclos. No II Ciclo no 8º concerto em 23/08/1968 na “Paixão Segundo São João” e no 9º concerto em 25/08/1968, na cantata BWV 189 Meine Seeler rümht und preist. No III Ciclo no 6º concerto em 26/08/1969 no Concerto de Brandenburgo nº 4. 3) O(a) sr.(a) possuí alguma lembrança de como procediam os ensaios? Os ensaios de toda a programação sempre transcorreram calmos. O que ele pedia logo a orquestra respondia da melhor forma. Eram músicos excelentes acostumados a tocar Bach e outros compositores da época com a Orquestra de Cordas. Na Paixão Segundo São João os demais instrumentos, flautas, oboés e corne inglês eram solistas. Os demais, viola d’amore, viola da gamba vieram com Richter. Excelentes músicos. 4) O(a) sr.(a) possui alguma lembrança de como era a relação de Karl Richter com os músicos brasileiros participantes dos Ciclos? Conforme falei anteriormente era uma relação ótima entre todos os componentes do grupo. Foi excelente poder trabalhar com Richter. Na época dos Ciclos Bach a lembrança foi muito boa pois não têm programações iguais às de Richter. Foi uma época nas décadas de 60 e 70 que tivemos a sorte desta série de concertos com obras importantes de Bach.

5) Como situaria a visão interpretativa de Karl Richter nos parâmetros atuais da interpretação da música bachiana?

Quem pode afirmar que Richter não aderiu historicamente ao tratar-se como uma moda passageira? Para mim foi de grande valor artístico todos os Ciclos Bach. É difícil conseguir meios para a realização de três séries com obras de J. S. Bach. Escreveu ele tantas que é

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impossível apresentar 1/10 delas. Hoje temos pouca divulgação da música clássica. Só como informação, na época destes Ciclos, tinhamso em alguns jornais críticos musicais como Edino Krieger (Jornal do Brasil), Antonio Hernândez (O Globo), D’Or (Diário de Notícias), Luiz Paulo Horta, Antonio José Faro. Hoje, não tem nenhum que frequente concertos. 6) Como o(a) sr.(a) avalia os Ciclos Bach no contexto dos eventos ocorridos no cenário da música de concerto no Rio de Janeiro da época? Foi positivo, pois dificilmente teremos oportunidade de ouvir Bach como esta série de três Ciclos com grandes e variados conjuntos musicais, tais como Recital de Cravo por Richter no III Ciclo, Brandenburguês nº 5 para cravo, violino e flauta, Brandenburguês nº 4 para violino e duas flautas. 7) O (a) sr.(a) possuí algum registro material (programas, fotos, áudios, etc) de alguma edição do Ciclo Bach? Da época tenho dois programas do II Ciclo (1968) e um do III Ciclo (1969) nos quais eu participei. Espero que ajude na sua tese. Segue também uma crítica do Jornal do Brasil escrita pelo maestro Edino Krieger e outra d’O Globo por Antonio Hernândez. 8) Acredita que caso os Ciclos Bach fossem reeditados nos dias de hoje, haveria algum artista em atividade que pudesse ocupar o mesmo papel que Karl Richter teve durante as décadas de 1960 e 1970? Karl Richter foi um grande músico que se especializou em J. S. Bach e sempre teve apoio em sua terra natal. O Rio de Janeiro ganhou muito com os Ciclos Bach há 49 anos atrás. 9) Como o(a) sr.(a) percebe a inserção da música de Bach nos programas de concertos no Rio de Janeiro atualmente, seja em quantidade bem como em qualidade? Nos programas de concertos não são apresentadas muitas obras de Bach, são difíceis a poucos artistas as incluem. O pianista João Carlos Martins gravou grandes obras do Cravo Bem Temperado. Excelente trabalho. Na UNIRIO (Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro) tem uma orquestra barroca (com instrumentos barrocos) dirigida pela flautista e professora da UNIRIO Laura Rónai. Assisti em 2014 à apresentação da ópera Acis and

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Galathea composta em 1717 por G. F. Händel. Foi um ótimo trabalho e continuam em atividade. 10) Como avaliaria o valor das gravações de Karl Richter nos dias atuais? Acredito que as gravações realizadas por Karl Richter são de valor artístico para qualquer músico que estude Bach com seriedade, seja violino, violoncelo, flauta, oboé ou cravo que era o instrumento do mestre. De alguns (cravistas) lembro de Roberto de Regina e mais atuais Rosana Lanzelotte, Marcelo Fagerlande e Eduardo Antonello do Rio de Janeiro.

11) O(a) sr.(a) crê que possa haver algum legado deixado pelos Ciclos Bach? No cravo, os quatro acima citados.

227

Helena Jank- 27 de junho de 2016

1) O (a) sr.(a) conhecia Karl Richter antes de suas vindas ao Brasil? Sim. Em 1957 fui à Alemanha para estudar música. Inicialmente, a intenção era estudar órgão, uma vez que minha mãe era organista. Por recomendação de Günther Ramin (professor de Karl Richter, em Leipzig), que havia estado no Brasil em 1955 (um ano antes de sua morte), tive a oportunidade de me apresentar a Karl Richter em München e fui aceita na classe de órgão da Staatliche Hochschule für Musik, na qual Richter era professor titular. Comecei estudando órgão, mas no ano seguinte ao início dos meus estudos, passei a estudar cravo e baixo contínuo com Li Stadelmann. Nesta época interrompi o estudo de órgão, mas continuei sempre ligada a Karl Richter, cantando no coro (Münchener Bach-Chor), o que me permitiu participar de inúmeras apresentações a capella e com a Münchener Bach-Orchester. Voltei a ser aluna de Richter (desta vez ao cravo) quando fui aceita na “Meisterklasse”, após o exame final de graduação. 2) Ao longo dos Ciclos Bach, em quantos deles o (a) sr.(a) teve participação, como solista ou membro de coro ou orquestra? Neste caso, especifique qual. Nunca participei ativamente dos ciclos Bach, nestas apresentações Richter sempre tocava o cravo ele mesmo, tanto como solista, quanto fazendo contínuo. Mas estive no Rio de Janeiro todas as vezes em que foram apresentados os ciclos. Eu sempre preparava algum repertório, que tocava para ele após os ensaios. 3) O(a) sr.(a) possuí alguma lembrança de como procediam os ensaios? Acho que posso falar com mais propriedade dos ensaios dos quais participei na Alemanha, seja quando cantava no coro, seja quando, mais tarde, participei algumas vezes da orquestra, como continuo. Nos ensaios, Richter sempre foi muito concentrado e intenso e não tinha nem um pouco de paciência com quem não reagia da mesma maneira. Quando irritado, podia ser muito desagradável e usava de uma ironia às vezes bastante ofensiva. Por outro lado, quem demonstrasse respeito e interesse pela intensa dinâmica dos ensaios, era tratado com respeito por parte dele também e podia contar com uma imensa gama de informações, momentos

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extremamente ricos, tanto na seriedade com que eram tratadas as questões técnicas e de conteúdo, quanto nas decisões das questões interpretativas. 4) O(a) sr.(a) possui alguma lembrança de como era a relação de Karl Richter com os músicos brasileiros participantes dos Ciclos? Sempre tive a impressão que Richter era mais gentil e amigável com os músicos brasileiros, do que com os europeus. Frequentemente comentou comigo o quanto gostava dos músicos sulamericanos, especialmente por sua musicalidade, que ele dizia não encontrar com tanta facilidade nos colegas europeus ou norte-americanos (mas isto não o impedia de ser bem desagradável com aqueles que não correspondiam às suas expectativas). Creio também que em suas vindas ao Brasil, Richter agia de maneira mais descontraída, talvez por não se sentir aqui tão fortemente pressionado pela opinião pública e pelas responsabilidades advindas de uma carreira tão “meteórica” como foi a dele na Europa, Estados Unidos e Japão. 5) Como situaria a visão interpretativa de Karl Richter nos parâmetros atuais da interpretação da música bachiana? Eu acho que não se pode avaliar a visão interpretativa de Richter com base nos parâmetros atuais. Nesta avaliação, é inevitável que se compare com aqueles que são hoje em dia considerados

os

grandes

mestres e

inquestionáveis

paradigmas da

interpretação

historicamente orientada, principalmente Nicolaus Harnoncourt e Gustav Leonhardt. Embora esses três gigantes da música barroca nasceram na mesma época (Richter: 1926 - Leonhardt: 1928 – Harnoncourt: 1929) parece que são produtos de épocas absolutamente distintas, como se Richter pertencesse a um período claramente anterior aos dois mestres, hoje considerados ícones da interpretação historicamente orientada. Este fato me levou a muita reflexão sobre a questão. Vou pesquisar mais e pretendo escrever um artigo sobre isso. Assim que estiver pronto, mandarei a você. Mas vou resumir um pouco o que observei. a) Richter morreu em 1981, Leonhardt em 2012, Harnoncourt recentemente, em 2016. Entre a morte de Richter e o que consideramos a visão interpretativa atual há uma distância de 30-35 anos, período durante o qual Leonhardt, Harnoncourt e muitos outros desenvolveram importante trabalho de pesquisa, não só documental, como também na restauração de instrumentos e da técnica adequada à sua interpretação. Isto aconteceu também com relação à técnica vocal e à edição e divulgação de manuscritos e repertório anterior ao século XVIII

229

b) A formação de Richter foi integralmente baseada na tradição da Igreja São Tomás, em Leipzig.

Se não fosse

a

Segunda

Guerra Mundial,

Richter

teria

sucedido Günther Ramin no posto de Kantor da Igreja S.Tomas, representando, assim com o próprio Bach, a tradição luterana do Kantor, responsável pelo “sermão sonoro”, como determinado por Lutero. A formação musical dele foi, por isso mesmo, fortemente direcionada às questões teológicas. O principal instrumento de trabalho do Kantor era o órgão e o coro de meninos e na Alemanha oriental, já tragicamente pressionada pelas questões políticas e a proximidade da guerra, não havia para ele a preocupação com instrumentos originais ou novas técnicas. A interpretação era pautada pela teologia e pela retórica do discurso teológico. c) Para ter uma idéia da importância de Richter e da dimensão trazida por ele para a interpretação da música barroca nesta época, é interessante ouvir gravações datadas dos anos 60/70 com Harnoncourt (Concentus Musicus) e compará-las às de Karl Richter. Richter vai aparecer como um inovador, principalmente na interpretação da música sacra. Por outro lado, considerado o enorme avanço que teve a interpretação historicamente e orientada nos 30 anos que se sucederam à sua morte, há, sim, uma grande diferença. Inúmeros detalhes fazem a interpretação de Richter nos parecer pesada, operística demais mas tenho certeza que se Richter tivesse vivido até os 80 anos, teria também mudado bastante sua interpretação, sem nunca perder a intensidade e a enorme convicção.

6) Como o(a) sr.(a) avalia os Ciclos Bach no contexto dos eventos ocorridos no cenário da música de concerto no Rio de Janeiro da época?

Na carreira de Karl Richter os festivais de Ansbach iniciados em 1954, tiveram uma enorme importância. Foi com esses festivais que Richter adquiriu fama e notoriedade internacional. Sempre tive a impressão que Richter desejava trazer aos sul-americanos um pouco da intensidade que se vivenciava nestes festivais.

7) O (a) sr.(a) possuí algum registro material (programas, fotos, áudios, etc) de alguma edição do Ciclo Bach?

Não tenho certeza. Preciso procurar.

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8) Acredita que caso os Ciclos Bach fossem reeditados nos dias de hoje, haveria algum artista em atividade que pudesse ocupar o mesmo papel que Karl Richter teve durante as décadas de 1960 e 1970?

Acredito que os Ciclos Bach poderiam (e deveriam) ser reeditados, mas não acho que seja possível alguém ocupar o mesmo papel que Karl Richter teve. Os tempos são outros, as necessidades e expectativas dos músicos e também do público são outras. Hoje em dia, acho que os ciclos Bach deveriam ter a participação prioritária de grupos e solistas brasileiros, eventualmente com artistas convidados, estimulando a troca de experiências e opiniões.

9) Como o(a) sr.(a) percebe a inserção da música de Bach nos programas de concertos no Rio de Janeiro atualmente, seja em quantidade bem como em qualidade? Sou suspeita para responder a essa pergunta. Participei recentemente do concerto “Bach, Bach, Bach ...” na Sala Cecília Meirelles, que foi uma experiência que, pela qualidade, não deixou nada a desejar com relação aos Ciclos Bach e outros eventos semelhantes dos quais participei, ou que assisti nos últimos tempos. Mas acho que eventos assim deveriam acontecer em muito maior quantidade.

10) Como avaliaria o valor das gravações de Karl Richter nos dias atuais?

Já desde o início de sua carreira internacional, Richter recebeu vários convites para gravar a obra de Bach. Em 1957, a “Deutsche Grammophon-Gesellschaft”, em sua série “Archiv”, deu início à produção de música medieval e renascentista, focalizando em seguida o repertório barroco, do qual Richter logo se tornou o principal intérprete atingindo enorme prestígio. Algum tempo após a morte de Richter, suas gravações passaram por um período de muita crítica, sempre comparadas às mais recentes, que traziam novos parâmetros para a interpretação da música barroca. Hoje em dia, há uma boa percepção de que ninguém vai chegar à interpretação perfeita e que muito do que é oferecido como a última palavra no assunto rapidamente passa a ser obsoleto. Assim também, há uma melhor consciência do valor intrínseco a cada interpretação em seu contexto histórico (desde que honesta e bem fundamentada). Com isso, Richter parece recuperar o importante papel que teve na divulgação e interpretação da música barroca, principalmente a de Bach.

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11) O(a) sr.(a) crê que possa haver algum legado deixado pelos Ciclos Bach? Sim, não tenho dúvida que os Ciclos Bach deixaram um legado importante, porque trouxeram para o Brasil parte da vivência que tiveram os amantes da música de Bach nos países europeus. Mais importante ainda, a participação nestes ciclos proporcionou aos músicos brasileiros grandes experiências que deixam marcas e importantes recordações. A busca pela excelência e o impulso em continuar sempre nesta busca tem com certeza algumas raízes em eventos como estes.

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Sandrino Santoro- 31 de maio de 2016

1) O (a) sr.(a) conhecia Karl Richter antes de suas vindas ao Brasil?

Pessoalmente não. Conhecia pela sua fama, que todos os colegas falavam dele e fui conhecêlo em 76 na Sala Cecília Meireles regendo obra de Bach.

2) Ao longo dos Ciclos Bach, em quantos deles o (a) sr.(a) teve participação, como solista ou membro de coro ou orquestra? Neste caso, especifique qual.

Eu tive, como eu falei no início em 76 tocando na Orquestra de Munique, eu e o Balek. Ele gostava muito de contrabaixo, o Karl Richter. Então foi uma honra para mim também trabalhar com ele, mas eu devo ter feito uns 3 ou 4 concertos, não me lembro bem se foram 3 ou 4.

3) O(a) sr.(a) possuí alguma lembrança de como procediam os ensaios? Com certeza. Tenho lembrança dele que era bem rigoroso com o ritmo e uma coisa interessante é que ele gostava do contrabaixo. Quando tinha algum solista ou alguma solista soprano, contralto, quando tinha solo de acompanhamento, ele gostava do contrabaixo e do violoncelo.

4) O(a) sr.(a) possui alguma lembrança de como era a relação de Karl Richter com os músicos brasileiros participantes dos Ciclos?

Era muito sério, e quando a coisa não saia ele pegava o cravo e começava a tocar. Era uma pessoa assim, como regente, fantástico. Era rígido, mas era social, não era explosivo, não era perturbador como alguns maestros que perturbam o músico. Ele não, ele queria a coisa certa, apenas.

5) Como situaria a visão interpretativa de Karl Richter nos parâmetros atuais da interpretação da música bachiana? Pelo o que eu me lembro ele era perfeito, ele sabia o que queria cada naipe. As atuais, naturalmente que hoje os maestros querem às vezes coisas muito rápidas ou então coisa muito lenta e não condiz como ele fazia.

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6) Como o(a) sr.(a) avalia os Ciclos Bach no contexto dos eventos ocorridos no cenário da música de concerto no Rio de Janeiro da época?

Com certeza foi muito bom, porque outras orquestras de câmara também apareceram e foi muito bom. Atualmente é uma pena que a Sala Cecília Meireles ou o Teatro ou a Sinfônica Brasileira não façam esse tipo de concerto.

7) O (a) sr.(a) possuí algum registro material (programas, fotos, áudios, etc) de alguma edição do Ciclo Bach? Tenho dois programas de 74 e 76 que você pode tirar uma cópia para você ver a programação.

8) Acredita que caso os Ciclos Bach fossem reeditados nos dias de hoje, haveria algum artista em atividade que pudesse ocupar o mesmo papel que Karl Richter teve durante as décadas de 1960 e 1970?

70 e mais um pouco também. Eu acredito que teríamos, mas ele era um especialista. Mas de qualquer maneira está faltando aqui no Rio de Janeiro e no Brasil, gente que faça esse tipo de programa. Infelizmente pensam em outras coisas.

9) Como o(a) sr.(a) percebe a inserção da música de Bach nos programas de concertos no Rio de Janeiro atualmente, seja em quantidade bem como em qualidade?

É muito pouco, quase não tem nada infelizmente, a não ser quando toca algum violoncelista que apresenta no bis alguma Suíte ou andamento de alguma Suíte de Bach. Falta colocar música de Bach, Händel e outros mais compositores barrocos.

10) Como avaliaria o valor das gravações de Karl Richter nos dias atuais? O que é bom vai ser sempre bom e nos dias atuais com certeza ele continua muito bom.

11) O(a) sr.(a) crê que possa haver algum legado deixado pelos Ciclos Bach?

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As boas lembranças elas sempre ficam. A Sala Cecília Meireles apresentava essas programações anuais e naturalmente o Richter foi o mais brilhante, o que deixou o legado, para mim, principalmente que toquei com ele, pro Renato Sbraggio que hoje não está mais aqui também, pro Balek e prá tantos outros colegas que tocaram nestes Ciclos. Falta fazerem esse trabalho, se não tem, criar uma orquestra para essa finalidade.

235

PERGUNTAS PARA PÚBLICO DOS CICLOS

1) O (a) sr.(a) conhecia Karl Richter antes de suas vindas ao Brasil? 2) Assistiu alguma edição do Ciclo Bach o(a) sr.(a)? Quando? 3) Poderia avaliar os Ciclos Bach no contexto dos eventos ocorridos no cenário da música de concerto no Rio de Janeiro? 4) O (a) sr.(a) possuí algum registro material (programas, fotos, áudios, etc) de alguma edição do Ciclo Bach? 5) O(a) sr.(a) possuí alguma lembrança de como era a relação de Karl Richter com o público? 6) Reportagens jornalísticas da época, mostravam a Sala Cecília Meireles tomada pelo público durante os concertos do Ciclo. O(a) sr.(a) tem alguma lembrança de outros concertos realizados na Sala que possam ter mobilizado um público nesta mesma dimensão? 7) Os Ciclos Bach tiveram oito edições no Rio de Janeiro (com um hiato entre 1970 e 1975) e nove vindas de Karl Richter ao país. O(a) sr.(a) poderia avaliar o interesse do público ao longo destes anos? 8) O(a) sr.(a) acredita que em relação ao gosto do público, os Ciclos Bach despertariam o mesmo interesse como ocorrido nas décadas de 1960 e 1970? 9) Como o(a) sr.(a) percebe a inserção da música de Bach nos programas de concertos no Rio de Janeiro atualmente, seja em quantidade bem como em qualidade? 10) Acredita que caso os Ciclos Bach fossem reeditados nos dias de hoje, haveria algum artista em atividade que pudesse ocupar o mesmo papel que Karl Richter teve durante as décadas de 1960 e 1970?

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RESPOSTAS: Rodolfo Caesar- 08 de maio de 2016 1) O (a) sr.(a) conhecia Karl Richter antes de suas vindas ao Brasil? Não.

2) Assistiu alguma edição do Ciclo Bach o(a) sr.(a)? Quando? Sim. Creio que em 1969 e/ou 1970.

3) Poderia avaliar os Ciclos Bach no contexto dos eventos ocorridos no cenário da música de concerto no Rio de Janeiro?

Assim como todos os que vinham do exterior, tinham maior destaque na imprensa (a palavra mídia não era usada...) que os demais eventos. Visavam a um público menos ‘especialista’, e nisso eram bem eficazes. O ritual do concerto era muito teatralizado.

4) O (a) sr.(a) possuí algum registro material (programas, fotos, áudios, etc) de alguma edição do Ciclo Bach?

Não.

5) O(a) sr.(a) possuí alguma lembrança de como era a relação de Karl Richter com o público?

Creio que não diferia muito da de outros artistas. Não era mais ou menos simpático. 6) Reportagens jornalísticas da época, mostravam a Sala Cecília Meireles tomada pelo público durante os concertos do Ciclo. O(a) sr.(a) tem alguma lembrança de outros concertos realizados na Sala que possam ter mobilizado um público nesta mesma dimensão?

Sim. Fui a muitos concertos na SCM, acompanhando meus pais, que tinham assinatura. Dessa época lembro de alguns bem frequentados.

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Mais tarde: alguns concertos de Bienais, um concerto esquisito (1970?) em que Imrat Khan tocou

uma

peça de Koellreutter p/ sitar e

orquestra, e eventos

não

musicais

como Mummenschanz... Teve um Oratório de Haendel, não lembro quem fez, que lotou a sala. Lembro

tb.

de

uma

apresentação super-concorrida de

um

saxofonista

de

jazz, Mengelsdorff.

7) Os Ciclos Bach tiveram oito edições no Rio de Janeiro (com um hiato entre 1970 e 1975) e nove vindas de Karl Richter ao país. O(a) sr.(a) poderia avaliar o interesse do público ao longo destes anos?

Não posso avaliar. Só fui a dois dos concertos, creio que pouco antes ou no início de 1970.

8) O(a) sr.(a) acredita que em relação ao gosto do público, os Ciclos Bach despertariam o mesmo interesse como ocorrido nas décadas de 1960 e 1970?

Não saberia dizer.

9) Como o(a) sr.(a) percebe a inserção da música de Bach nos programas de concertos no Rio de Janeiro atualmente, seja em quantidade bem como em qualidade? Não posso avaliar. Tenho estado afastado da cidade, passando a maior parte do tempo longe da ‘vida cultural’... 10) Acredita que caso os Ciclos Bach fossem reeditados nos dias de hoje, haveria algum artista em atividade que pudesse ocupar o mesmo papel que Karl Richter teve durante as décadas de 1960 e 1970?

Havia algo de espetaculoso, afetado, sobretudo no penteado dos músicos, que ajudava na construção de sua popularidade. Lembro especialmente do tenor, cujo nome esqueci, de cachos louros talvez presos por grampos. Era, aliás, excelente, naquele contexto. Possivelmente hoje esse tipo de ‘gancho’ esteja sendo revivido na safra de jovens artistas bonitos e sedutores, que se servem de decotes e tatuagens p/ repor ‘charme’ num espetáculo que - acreditam eles – só assim poderá sobreviver.

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Ronaldo Miranda- 01 de maio de 2016

1) O (a) sr.(a) conhecia Karl Richter antes de suas vindas ao Brasil? Não.

2) Assistiu alguma edição do Ciclo Bach o(a) sr.(a)? Quando?

Sim. Não me lembro dos anos exatos. Vi Richter regendo a Missa em Si Menor e a Paixão Segundo Sâo Mateus. Também ouvi um concerto de música instrumental (Ouvertures, Brandenburgos) E acho que um recital dele com Jean Pierre Rampal.

3) Poderia avaliar os Ciclos Bach no contexto dos eventos ocorridos no cenário da música de concerto no Rio de Janeiro? Os ciclos refletem um período áureo da Sala Cecília Meireles, nas gestões de Ayres de Andrade e Myrian Dauelsberg. Era uma festa poder ver e ouvir Rampal, Tortellier e o próprio Richter. Havia outros eventos de porte semelhante. O governo do Estado de fato se preocupava com a cultura e a música de concerto.

4) O (a) sr.(a) possuí algum registro material (programas, fotos, áudios, etc) de alguma edição do Ciclo Bach?

Não

5) O(a) sr.(a) possuí alguma lembrança de como era a relação de Karl Richter com o público? Não.

6) Reportagens jornalísticas da época, mostravam a Sala Cecília Meireles tomada pelo público durante os concertos do Ciclo. O(a) sr.(a) tem alguma lembrança de outros concertos realizados na Sala que possam ter mobilizado um público nesta mesma dimensão?

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Sim. Muitos outros. O Ciclo Beethoven, organizado por Ayres de Andrade em 1972 (acho eu), comemorando

o bi-centenário do

autor.

O

Ciclo Rostropovich,

feito

por Myrian Dauelsberg comigo (no Jornal do Brasil – Setor de Promoções Culturais), a OSB e o Municipal. Foi no final da década de 1970 ou início da década de 1980. Com a participação de Martha Argerich e da família Rostropovich (a filha e a mulher dele, Galina Viechnewskaia). Ele tocava cello (recital e solo com orquestra) e regia. O Teatro Municipal entrou no ciclo com Rostropovich solando o Concerto de Dvorak (Karabtchevsky regendo a OSB). O evento começou em São Paulo e veio para o Rio, onde foi maior e mais cintilante. Era uma outra época para a cultura e para a música, no Rio de Janeiro. Posteriormente, o Ciclo Bach virou Ciclo Bach-Haendel, ainda sob a direção de Myrian Dauelsberg.

7) Os Ciclos Bach tiveram oito edições no Rio de Janeiro (com um hiato entre 1970 e 1975) e nove vindas de Karl Richter ao país. O(a) sr.(a) poderia avaliar o interesse do público ao longo destes anos? Como já disse, o Rio de Janeiro vivia uma outra época, em relação à cultura e à música clássica. Quanto ao público, as instituições musicais e o governo do estado.

8) O(a) sr.(a) acredita que em relação ao gosto do público, os Ciclos Bach despertariam o mesmo interesse como ocorrido nas décadas de 1960 e 1970?

Não sei dizer. Mas quando trouxemos, na segunda metade da década de 1990, Helmut Rilling para a Sala Cecília Meireles (eu era o diretor), na Série Concert Hall, o interesse foi semelhante. Só que foi apenas um concerto, não um ciclo. Idem ocorreu com Jordi Saval e Les Arts Florissants

9) Como o(a) sr.(a) percebe a inserção da música de Bach nos programas de concertos no Rio de Janeiro atualmente, seja em quantidade bem como em qualidade?

A música de Bach não tem aparecido nos programas de concerto do Rio de Janeiro, nem nos de São Paulo. Existe uma priorização do classicismo e do romantismo, principalmente nas temporadas das grandes orquestras. Mozart, Beethoven e Mahler são os compositores mais executados.

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10) Acredita que caso os Ciclos Bach fossem reeditados nos dias de hoje, haveria algum artista em atividade que pudesse ocupar o mesmo papel que Karl Richter teve durante as décadas de 1960 e 1970?

Certamente haveria um regente de igual carisma, mas não necessariamente exclusivo ao repertório de Bach. Kurt Masur fez memoráveis Ciclos Beethoven e Brahms no Rio de Janeiro, regendo tanto a OSB quanto a Orquestra Gewandhaus de Leipzig. Como regente, foi melhor do que Richter. Já Helmut Rilling, que é também um especialista em Bach, para mim não chega a ser tão carismático quanto Richter, na sua abordagem da obra bachiana.

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Rosana Lanzelotte- 08 de maio de 2016

1) O (a) sr.(a) conhecia Karl Richter antes de suas vindas ao Brasil? Não.

2) Assistiu alguma edição do Ciclo Bach o(a) sr.(a)? Quando?

Sim, 1975.

3) Poderia avaliar os Ciclos Bach no contexto dos eventos ocorridos no cenário da música de concerto no Rio de Janeiro? Tiveram uma grande repercussão na mídia, o que contribuiu para ampliar o movimento de música barroca, então em grande florescimento no Brasil.

4) O (a) sr.(a) possuí algum registro material (programas, fotos, áudios, etc) de alguma edição do Ciclo Bach? Não.

5) O(a) sr.(a) possuí alguma lembrança de como era a relação de Karl Richter com o público? Ele era muito carismático, o que contribuiu para o sucesso dos Ciclos Bach . 6) Reportagens jornalísticas da época, mostravam a Sala Cecília Meireles tomada pelo público durante os concertos do Ciclo. O(a) sr.(a) tem alguma lembrança de outros concertos realizados na Sala que possam ter mobilizado um público nesta mesma dimensão?

Estive à frente da primeira apresentação do Concerto de 4 cravos de Bach, na Sala, em 1987, quando mais de 300 pessoas ficaram de fora de uma Sala lotada, inclusive com cadeiras no palco.

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7) Os Ciclos Bach tiveram oito edições no Rio de Janeiro (com um hiato entre 1970 e 1975) e nove vindas de Karl Richter ao país. O(a) sr.(a) poderia avaliar o interesse do público ao longo destes anos? O interesse foi crescente, a cada edição atraindo maior público.

8) O(a) sr.(a) acredita que em relação ao gosto do público, os Ciclos Bach despertariam o mesmo interesse como ocorrido nas décadas de 1960 e 1970?

Acredito que sim, pois o concerto Bach que fizemos em 2015 atraiu grande público.

9) Como o(a) sr.(a) percebe a inserção da música de Bach nos programas de concertos no Rio de Janeiro atualmente, seja em quantidade bem como em qualidade? Há menos divulgação da música de concerto, o que dificulta a avaliação. As orquestras tradicionais tocam hoje menos Bach ou música barroca, pois exige-se hoje uma especialização em termos de estilo. Mas temos um grupo novo – o Johann Sebastian Rio – que é voltado para os repertórios barrocos.

10) Acredita que caso os Ciclos Bach fossem reeditados nos dias de hoje, haveria algum artista em atividade que pudesse ocupar o mesmo papel que Karl Richter teve durante as décadas de 1960 e 1970?

Acho que não.

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Laura Rónai- 04 de agosto de 2016

1) O (a) sr.(a) conhecia Karl Richter antes de suas vindas ao Brasil? Conhecia sim. Tinha vários LPs dele.

2) Assistiu alguma edição do Ciclo Bach o(a) sr.(a)? Quando?

Assisti a várias. Mas faz tempo, não lembro exatamente da data. Nasci em 1955 e desde meus 14, 15 anos ia a concertos várias vezes por semana. Depois, por volta dos 18, 19, não perdia um. Naquela época eu era estudante de música e “rato” de concertos. Conhecia bem os porteiros da Sala Cecília Meireles e do Theatro Municipal, que frequentemente me deixavam entrar de graça.

3) Poderia avaliar os Ciclos Bach no contexto dos eventos ocorridos no cenário da música de concerto no Rio de Janeiro?

Nessa época eu já era fã de música antiga. Achava os concertos impressionantes... mas nem sempre comovedores. Para mim faltava alguma coisa: mais leveza, mais contraste, menos sisudez.

4) O (a) sr.(a) possuí algum registro material (programas, fotos, áudios, etc) de alguma edição do Ciclo Bach?

Não. Faz uns dez anos decidi jogar fora a coleção de programas de concertos que eu havia guardado. Ocupava lugar demais...

5) O(a) sr.(a) possuí alguma lembrança de como era a relação de Karl Richter com o público?

Me lembro que ele proibia qualquer pessoa de assistir aos ensaios. Mas eu fui (ajudada pelos amigos porteiros) antes do ensaio e me escondi atrás de uma poltrona em cima, no balcão. Fiquei quietinha lá assistindo. De vez em quando o maestro parecia farejar o ar e olhava bem

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para o lugar em que eu estava escondida, com um semblante furioso, de cão dobermann. Juro que não tenho ideia de como ele podia sentir a minha presença. Mas o fato é que ele sentia.

6) Reportagens jornalísticas da época, mostravam a Sala Cecília Meireles tomada pelo público durante os concertos do Ciclo. O(a) sr.(a) tem alguma lembrança de outros concertos realizados na Sala que possam ter mobilizado um público nesta mesma dimensão?

Vários. As pessoas frequentavam muito os concertos do Rio. Lembro (não na mesma época, claro) que os concertos para quatro cravos, de Bach, tocados entre outros pela Rosana e pelo Marcelo, superlotaram a Sala.

7) Os Ciclos Bach tiveram oito edições no Rio de Janeiro (com um hiato entre 1970 e 1975) e nove vindas de Karl Richter ao país. O(a) sr.(a) poderia avaliar o interesse do público ao longo destes anos?

A música barroca tem o poder de encantar multidões. E aqueles ciclos eram muito bem divulgados pela imprensa, criando um interesse enorme. Tenho certeza de que hoje não seria diferente, dado que houvesse a mesma divulgação maciça.

8) O(a) sr.(a) acredita que em relação ao gosto do público, os Ciclos Bach despertariam o mesmo interesse como ocorrido nas décadas de 1960 e 1970?

Sim, mas Richter não faria hoje o mesmo sucesso. Hoje a música historicamente informada já cavou seu lugar no coração da plateia. Mas um grande ciclo Bach com excelentes músicos do Brasil e de fora só poderia dar certo.

9) Como o(a) sr.(a) percebe a inserção da música de Bach nos programas de concertos no Rio de Janeiro atualmente, seja em quantidade bem como em qualidade?

A pergunta é difícil. Bach não é exatamente um compositor sinfônico, apesar de ter obras de grandes proporções. E o Rio simplesmente não tem mais salas para música de câmara verdadeiramente atuantes. Perdemos o IBEU, o IBAM, as Alianças Francesas, o Palácio S. Clemente, o Consulado da Argentina na Praia de Botafogo, e assim por diante. Então a questão

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não é nem a inserção de Bach nos programas de concerto. O problema mesmo é a falta de locais e patrocínio para a música de câmara em geral. Bach é apenas mais um que perdeu espaço. Existe também outro fenômeno: com a valorização dos grupos que tocam com instrumentos originais, muitos dos grupos tradicionais simplesmente não têm mais coragem de se aproximar dos barrocos, com medo da reação dos “estilisticamente corretos”.

10) Acredita que caso os Ciclos Bach fossem reeditados nos dias de hoje, haveria algum artista em atividade que pudesse ocupar o mesmo papel que Karl Richter teve durante as décadas de 1960 e 1970? Com certeza. Há grandes diretores holandeses, belgas, franceses, italianos. Muita gente boa fazendo um lindo trabalho.

246

Comunicações enviadas por correio eletrônico

Myrna Herzog- 02 de maio de 2016

Caro Marcelo, Eu assisti a um único concerto do ciclo Bach, mas este marcou a minha vida de modo definitivo. Foram as suites de Bach tocadas pelo Paul Tortelier em 1968. Eu tinha 16 anos. Depois do concerto, arranjei um cello emprestado e comecei a aprender. Em 1970 comecei a tocar viola da gamba, e a estudar a interpretação da música com instrumentos originais. O Richter me parecia um músico frio e quadrado, de modo que não fui aos concertos Se você achar que é relevante, mande o questionário. Um abraço, Myrna

Clóvis Marques- 20 de julho de 2016 Claro, será um prazer, mas na verdade não cheguei a ver/ouvir Richter...”Não é da minha época”, literalmente. Um abraço, Clóvis

Jocy de Oliveira- 21 de julho de 2016

Querido Marcelo, Terei muito prazer em receber o Marcelo Nunes, porem espero que ele possa aguardar um pouco porque fiz uma pequena cirurgia de coluna e estou me restabelecendo. Quanto ao Richter, durante os periodos que ele visitou o Rio eu morava nos USA e passava tb tempos na Europa, assim, infelizmente não pude acompanhar suas lendárias séries que tanto impacto causaram. Abraço, Jocy

247

Tabelas 3 a 50 demonstrativas de quantidade de “ciclos”, “séries” ou “festivais” editados pela Sala Cecília Meireles entre os anos de 1966 e 1978.

1966 Tabela 3. SÉRIE

30 ANOS DA RÁDIO MEC

DATA

01/09/66 02/09/66 03/09/66

Nº DE CONCERTOS

PARTICIPANTES

Collegium Musicum, George Kiszely Quinteto de Sopros da Rádio MEC. Conjunto Brasileiro de Sopros da Rádio MEC, Lirio Panicalli Conjunto Música Antiga da Rádio MEC, reg. Borislav Tschorbow OSN da Rádio MEC, Alceu Bocchino

5

04/09/66 05/09/66

Tabela 4. SÉRIE

DATA

Nº DE CONCERTOS

08/09/66 II SEMANA DE MÚSICA DE VANGUARDA

PARTICIPANTES

12/09/66

Jocy de Oliveira, piano / Rich O'Donnel, percussão OSB, Eleazar de Carvalho Jocy de Oliveira, piano (2)

09/09/66 11/09/66

Conferência de Luciano Berio Conferência de Iánnis Xenákis

4

248

Tabela 5. SÉRIE

DATA

Nº DE CONCERTOS

PARTICIPANTES

Leda Coelho de Freitas, soprano/ Mariuccia Iacovino, violino/ Arnaldo Estrella, piano/ Fructuoso Viana, piano/ Iberê Gomes Grosso, cello/ Associação Brasileira de Violoncelistas, Mário Tavares

28/09/66

2

MÚSICA MODERNA NO BRASIL

Camerata Ars Nova do Paraná Noel Devos, fagote/ Lenir Siqueira, flauta/ José Botelho, clarinete/ Mariuccia Iacovino, vioino/ Arnaldo Estrella, piano

28/10/66

Tabela 6. SÉRIE

DATA

Nº DE CONCERTOS

10/11/66

16/11/66 I CICLO BACH 4 24/11/66

0/11/66

PARTICIPANTES

OSN e Coro da Rádio MEC, Alceu Bocchino/ Oscar Borgerth, violino/ Olga Maria Schroeter, soprano/ João Alberto Person, tenor/ Vladimir de Kanel, baixo OSN e Coro da Rádio MEC, Henrique Morelembaum/ Dina Gombarg, piano/ Alberto Jaffé, violino/ Moacire Liserra, flauta/ Maria Rivamar, soprano OSN e Coro do Teatro Municipal, Isaac Karabtchevsky/ Jacques Klein, piano/ Gloria Fonseca, piano/ Maria Rivamar, soprano/ Glória Queiros, mezzo-soprano/ João Alberto Person, tenor/ Vladimir de Kanel, baixo OSTM e ACC, Karl Richter/ Antonia Fahberg, soprano/ Norma Lerer, contralto/ John van Kesteren, tenor/ Gunther Morbach, baixo

249

1967 Tabela 7. SÉRIE

MÚSICA MODERNA NO BRASIL

DATA

Nº DE CONCERTOS

28/04/67 2 25/05/67

PARTICIPANTES Coro e OSTM, Mário Tavares/ Noel Devos, fagote/ Airton Barbosa, fagote/ Alice Ribeiro, soprano/ Quarteto de Cordas da UFRJ/ Luciano Perrone, percussão/ Murilo Santos, piano OSN da Rádio MEC, Camargo Guarnieri/ ACC, Cleofe Person de Matos/ Laís de Souza Brasil, piano

Tabela 8. SÉRIE

DATA

Nº DE CONCERTOS

12/05/67 14/05/67 CICLO DE RECITAIS DE CANTO

16/05/67 21/05/67 24/05/67 28/05/67

PARTICIPANTES Gyorgy Mellis, barítono (Hungria) Krystina Jamroz, soprano (Polônia) Louise Parker, contralto (EUA)

6 Arta Floresco, soprano (Romênia) Norma Lerer, soprano (Argentina) Maria Lúcia Godoy, soprano (Brasil)

250

Tabela 9. SÉRIE

DATA

Nº DE CONCERTOS

10/07/67 13/07/67

17/07/67 ENCONTROS COM BEETHOVEN

6 22/07/67

24/07/67

27/07/67

PARTICIPANTES OSB, Eleazar de Carvalho Jacques Klein, piano/ João Jerônimo Menezes, trompa/ Iberê Gomes Grosso, cello/ Oscar Borgerth, violino Moacir Liserra, flauta/ Alberto Jaffé, violino/ Frederick Stephany, viola/ Heitor Alimonda, piano/ Paolo Nardi, oboé/ João Jerônimo Menezes, trompa/ Noel Devos, fagote/ José Botelho, clarinete/ Giuseppe Sergi, clarinete/ Carlos Gomes de Oliveira, trompa/ Airton Barbosa, fagote Arnaldo Estrella, piano/ Mariuccia Iacovino, violino/ George Kiszely, viola/ Peter Dauelsberg, cello Miécio Horszowski, piano/ Alexander Schneider, violino/ Iberê Gomes Grosso, cello OSN da Rádio MEC, Walter Burle Marx/ Miécio Horszowski, piano/ Alexander Schneider, violino/ Iberê Gomes Grosso, cello

Tabela 10. SÉRIE

DATA

FESTIVAL WEBERN

01/09/67

Nº DE CONCERTOS 1

PARTICIPANTES OSB, Eleazar de Carvalho/ Madrigal Renascentista

Tabela 11. SÉRIE

DATA

Nº DE CONCERTOS

09/09/67 I FESTIVAL DE MÚSICA DAS AMÉRICAS

11/09/67 5 13/09/67 15/09/67 16/09/67

PARTICIPANTES OSB, Lukas Foss e Eleazar de Carvalho/ Maria Kareska, soprano/ Lukas Foss, piano (1) Quinteto Villa Lobos/ Noel Devos, fagote/ Vania Maria Soares, piano/ Raimundo Araújo, clarinete Solistas do Rio de Janeiro Quarteto de Cordas da UFRJ OSB, Eleazar de Carvalho, Edino Krieger e Isaac Karabtchevsky/ Marlos Nobre, piano

1) Abertura do Festival ocorreu no Teatro Municipal do Rio de Janeiro

251

Tabela 12. SÉRIE

PANORAMA DO PIANO BRASILEIRO

DATA 20/10/67 23/10/67 28/10/67 06/11/67 08/11/67 24/11/67 27/11/67 30/11/67 05/12/67 08/12/67

Nº DE CONCERTOS

10

PARTICIPANTES Yara Bernette Anna Stella Chic Guiomar Novaes Ivy Improta Arnaldo Estrella Roberto Szidon Nelson Freire Arthur Moreira Lima Jacques Klein João Carlos Martins

252

1968 Tabela 13. SÉRIE

DATA

Nº DE CONCERTOS

25/03/68

MÚSICA MODERNA NO BRASIL

30/04/68 4 31/05/68

26/06/68

PARTICIPANTES Arnaldo Estrella, piano/ Mariuccia Iacovino, violino/ Iberê Gomes Grosso, cello/ Paolo Nardi, oboé/ Noel Devos, fagote/ José Botelho, clarinete/ Duo Abreu, violão ACC, Cleofe Person de Matos/ Norina Barra, soprano/ Lais de S. Brasil, piano/ Celso Woltzenlogel, flauta/ Paolo Nardi, oboé/ José Botelho, clarinete/ Noel Devos, fagote Perez Dworecki, viola/ Luis Carlos de Moura Castro, piano/ Odete Ernst Dias, flauta/ Bridget de Moura Castro, clarinete Francisco Mignone, piano/ Arnaldo Estrella, piano/ Ricardo Kanji, flauta/ Eládio Perez Gonzales, tenor

Tabela 14. SÉRIE

FRANCISCO BRAGA E SEU TEMPO- 100 ANOS DE NASCIMENTO

DATA

Nº DE CONCERTOS

16/05/68 2

24/05/68

PARTICIPANTES Glória Queiros, soprano/ Francisco Mignone, piano/ Heitor Alimonda, piano/ Giancarlo Pareschi, violino/ Watson Cliss, cello/ Celso Woltzenlogel, flauta/ José Botelho, clarinete/ Paolo Nardi, oboé/ Quarteto de Cordas da UFRJ Arnaldo Estrella, piano/ Mariuccia Iacovino, violino/ Iberê Gomes Grosso, cello/ Graciema de Souza, canto/ ACC, Cleofe Person de Matos

253

Tabela 15. SÉRIE

DATA

Nº DE CONCERTOS

26/07/68 30/07/68 02/08/68

João Carlos Martins, piano João Carlos Martins, piano Paul Tortelier, cello OSN da Rádio MEC, St.Petri Kantorei Hamburg, Ernst Ulrich von Kameke/ Dorothea Duerlich, soprano/ Sabine Kirchner, contralto/ Naan Pöld, tenor/ Wolfgang Schoene, baixo Paul Tortelier, cello

03/08/68

II CICLO BACH

06/08/68 09/08/68 16/08/68

23/06/68

25/08/68

PARTICIPANTES

9

João Carlos Martins, piano Lukas Foss, piano/ Mariuccia Iacovino, violino/ Moacir Liserra, flauta/ John Van Kesteren, tenor/ ACC, Cleofe Person de Matos OSTM e ACC, Karl Richter/ Maria Stader, soprano/ Norma Lerer, contralto/ John Van Kesteren, tenor/ Ernest Gerold Schramm, baixo/ Kurt Christian Stier, viola d'amore/ Rhoda Lee, viola d'amore/ Johannes Fink, viola da gamba OSTM (formação camerística), Karl Richter/ John Van Kesteren, tenor/ Carlos Rato, flauta/ Paolo Nardi, oboé

254

Tabela 16. SÉRIE

DATA

Nº DE CONCERTOS

16/09/68 18/09/68

25/09/68

ENCONTROS COM BEETHOVEN

01/10/68

05/10/68 07/10/68 09/10/68 11/10/68

7

PARTICIPANTES Paul Badura-Skoda Paul Badura-Skoda Giancarlo Pareschi, violino/ Frederick Stephany, viola/ José Botelho, clarinete/ Celso Woltzenlogel, flauta/ Paolo Nardi, oboé/ Carlos G. de Oliveira, trompa/ Noel Devos, fagote/ Antonio Guerra Vicente, cello/ Sandrino Santoro, contrabaixo/ Airton Barbosa, fagote/ João J. Menezes, trompa Miécio Horszowsky, piano/ Alexander Schneider, violino/ Leslie Parnas, cello Heather Harper, soprano/ Miécio Horszowsky, piano/ Alexander Schneider, violino/ Leslie Parnas, cello/ OSB, Hans Swarowsky Miécio Horszowsky, piano/ Alexander Schneider, violino/ Leslie Parnas, cello Miécio Horszowsky, piano/ Alexander Schneider, violino/ Leslie Parnas, cello Coro e OSTM, Hans Swarowsky(1)

1) Concerto realizado no Teatro Municipal do Rio de Janeiro

255

1969 Tabela 17. SÉRIE

DATA

Nº DE CONCERTOS

22/03/69 II FESTIVAL MÚSICA DAS AMÉRICAS

PARTICIPANTES OSB, Isaac Karabtchevsky

25/03/69

4

27/03/69 29/03/69

Compositores mostrando suas obras

idem idem

Tabela 18. SÉRIE

DATA

Nº DE CONCERTOS

FESTIVAL STRAVINSKY 25/04/69

1

PARTICIPANTES OSTM e ACC, Wilhelm BruecknerRueggeberg/ Werner Holweg, tenor/ Marie Louise Gilles, mezzo-soprano/ Günther Reich, barítono/ Marius Rintzler, baixo/ Aldo Baldin, tenor

Tabela 19. SÉRIE

DATA

Nº DE CONCERTOS

24/07/69 02/08/69 20/08/69

III CICLO BACH

23/08/69 7 24/08/69 25/08/69 26/08/69

PARTICIPANTES "Sonata da Camera", Holanda Quarteto Dornbüch, Alemanha Otto Büchner, violino/ Karl Richter, cravo OSB, ACC e Canarinhos de Petrópolis, Karl Richter/ Edda Moser, soprano/ Julia Hamari, contralto/ John van Kesteren, tenor/ Peter Lager, baixo/ Ernst Gerold Schramm, baixo Karl Richter, cravo Repetição do elenco do dia 23/08/69 Otto Büchner, violino/ Celso Woltzenlogel, flauta/ Carlos Rato, flauta/ Kurt Hansmann, oboé/ Karl Richter, cravo

256

1970 Tabela 20. SÉRIE

DATA

Nº DE CONCERTOS

08/04/70 27/04/70 06/05/70 19/06/70

CICLO BEETHOVEN CENTENARIO NASCIMENTO

24/06/70 03/07/70 06/07/70 10/07/70 15/07/70 17/07/70 20/07/70 23/07/70 01/08/70

06/08/70 10/08/70 12/08/70 14/09/70 16/09/70 18/09/70 30/09/70 02/10/70 05/10/70 08/10/70 13/10/70 16/10/70 21/11/70

26

PARTICIPANTES Friedrich Goulda, piano Jacques Klein, piano Jacques Klein, piano Arnaldo Estrella, piano/ Mariuccia Iacovino, violino/ Frederick Stephany, viola/ Iberê Gomes Grosso, cello Sexteto do Rio de Janeiro Sexteto do Rio de Janeiro Jacques Klein, piano Quarteto de Praga Quarteto de Praga Quarteto de Praga Quarteto de Praga Hans Graf, piano Berliner Konzert-Chor

Claudio Arrau, piano OSB, Issac Karabtchevsky/ Claudio Arrau, piano Claudio Arrau Pierre Barbizot, piano/ Christian Ferras, violino Pierre Barbizot, piano/ Christian Ferras, violino Pierre Barbizot, piano/ Christian Ferras, violino Peter Serkin, piano/ Alexander Schneider, violino/ Leslie Parras, cello Peter Serkin, piano/ Alexander Schneider, violino/ Leslie Parras, cello Peter Serkin, piano/ Alexander Schneider, violino/ Leslie Parras, cello Jean Fonda, piano/ Pierre Fournier, cello Jean Fonda, piano/ Pierre Fournier, cello Luis Carlos de Moura Castro, piano Arnaldo Estrella, piano

257

Tabela 21. SÉRIE

DATA

Nº DE CONCERTOS

13/08/70 17/08/70 19/08/70

Paul Tortelier, cello Paul Tortelier, cello Otto Büchner, violino/ Karl Richter, cravo OSTM e ACC, Karl Richter/ Edda Moser, soprano/ Julia Hammari, contralto/ Friederich Melzer, tenor/ Ernst Gerold Schramm, baixo OSTM e ACC, Karl Richter/ Edda Moser, soprano/ Julia Hammari, contralto/ Friederich Melzer, tenor/ Ernst Gerold Schramm, baixo OSN da Rádio MEC, Karl Richter/ Hermann Baumann, trompa/ Johannes Ritzkovsky, trompa/ Kurt Hausmann, fagote/ Paolo Nardi, oboé/ Noel Devos, fagote/ Otto Büchner, violino/ Pierre Thibaud, trompete/ Celso Woltzenlogel, flauta OSN da Rádio MEC e ACC, Karl Richter/ Edda Moser, soprano/ Julia Hammari, contralto/ Friederich Melzer, tenor/ Ernst Gerold Schramm, baixo

21/08/70 IV CICLO BACH

PARTICIPANTES

23/08/70

7 25/08/70

28/08/70

Tabela 22. SÉRIE

DATA

Nº DE CONCERTOS

17/11/70 FESTIVAL VILLALOBOS

3 20/11/70 21/11/70

PARTICIPANTES Lia Salgado, soprano/ Mariuccia Iacovino, violino/ Frederick Stephany, viola/ Iberê Gomes Grosso, cello OSN da Rádio MEC, Souza Lima/ Oriano de Almeida, piano OSB, Isaac Karabtchevsky/ Sonia Maria Strutt, piano

258

1971 Tabela 23. SÉRIE

DATA

FESTIVAL HAYDN

17/07/71

Nº DE CONCERTOS 1

PARTICIPANTES OSB, Coro da Universidade de Princeton (EUA), Paulo Komlos/ Ruth Staerke, soprano/ Ana Maria Martins, contralto/ Lester Eirch, tenor/ John Bogart, baixo

Tabela 24. SÉRIE

FESTIVAL BRAHMS

DATA 31/07/71 05/08/71 12/08/71 21/08/71

Nº DE CONCERTOS 4

PARTICIPANTES OSB, Kurt Masur/ Jacques Klein, piano OSB, Kurt Masur OSB, Kurt Masur OSB, Kurt Masur/ Yara Bernette, piano

259

1973 Tabela 25. SÉRIE

DATA

Nº DE CONCERTOS

14/06/73 28/06/73 CICLO VER E OUVIR

23/08/73

27/09/73 11/10/73 18/10/73

6

PARTICIPANTES Conjunto Roberto de Regina Eliane Sampaio, soprano/ Jerzy Milewsky, violino/ Aleida Schwartzer, cravo/ Augusto Duarte, violão Miguel Proença, piano Odete Ernst Dias, flauta/ Alexandre Trik, canto/ Noel Devos, fagote/ Maria Lúcia Pinho, piano Sem indicação de artistas Ailton Escobar/ Fátima Alegria, soprano/ Nora Moura, piano

260

1974 Tabela 26. SÉRIE

CICLO BARROCO

DATA 28/04/74 29/04/74 30/04/74

Nº DE CONCERTOS

6

01/05/74 02/05/74

PARTICIPANTES Deller Consort Joerg Demus, piano Deller Consort Joerg Demus, piano Deller Consort, Orquestra de Câmara da Rádio MEC, ACC/ Maria Lúcia Godoy, soprano Joerg Demus, piano

03/05/74

Tabela 27. SÉRIE

CICLO DE VIOLÃO

DATA 01/06/74 29/06/74 27/07/74

Nº DE CONCERTOS

5

17/07/74 24/07/74

PARTICIPANTES Duo Abreu Irma Costanzo Narciso Yepes Turíbio Santos Turíbio Santos

Tabela 28. SÉRIE

CICLO BEETHOVEN

DATA

Nº DE CONCERTOS

04/07/74 08/07/74 23/07/74 25/07/74 08/08/74 12/08/74

22/08/74

05/09/74

8

PARTICIPANTES Heinz Schunk, violino/ Werner Genuit, piano Andre Navarra, cello/ Werner Genuit, piano James Tocco, piano Jacques Klein, piano/ Cussy de Almeida, violino/ Peter Dauelsberg, cello Quartetto Beethoven di Roma Jacques Klein, piano Maria Lúcia Godoy, soprano/ Dircéia Amorim,,mezzo soprano/ Aldo Baldin, tenor/ Zuinglio Faustini, baixo/ Maria Lúcia Pinho, piano/ João Daltro de Almeida, violino/ Watson Cliss, cello Sexteto do Rio

261

Tabela 29. SÉRIE MÚSICA DO SÉCULO XX

DATA

30/08/74

Nº DE CONCERTOS 1

PARTICIPANTES Norah de Almeida, piano/ Harold Emmert, oboé/ Terry Thompson, trombone/ Norton Morozowicz, flauta

Tabela 30. SÉRIE

DATA

Nº DE CONCERTOS

16/09/74

CICLO SCHÖNBERG

4 18/09/74 20/09/74 22/09/74

PARTICIPANTES Odete Erns Dias, flauta/ Caio Pagano, piano/ João Daltro de Almeida, violino/ Frantisek Bartik, violino/ George Kiszely, viola/ Arlindo Penteado, viola/ Watson Cliss, cello/ Marcio Mallard, cello/ Celso Woltzenlogel, flauta/ José Botelho, clarinete/ Noel Devos, fagote Quarteto de Cordas da UnB/ Elza Gushiken, piano/ Sonia Born, soprano/ Eládio Perez Gonzales, narrador Quarteto Parrerin, França OSN da Rádio MEC, Coro do Instituto Brasileiro Israelita de Cultura e Educação, Henrique Morelenbaum/ Odete Ernst Dias, flauta/ Caio Pagano, piano

Tabela 31. SÉRIE

DATA

Nº DE CONCERTOS

02/09/74 03/09/74 CICLO DE MÚSICA FRANCESA

07/09/74 09/09/74 12/09/74

PARTICIPANTES Quarteto Parrerin, França Hanae Nakajima, piano Hanae Nakajima, piano

5 José Eduardo Martins, piano George Kiszely, viola/ Celso Woltzenlogel, flauta/ Maria Cláudia Machado, harpa/ Maria da Penha, piano/ Maria Lúcia Godoy, soprano/ Zygmunt Kubala, cello

262

Tabela 32. SÉRIE

DATA

Nº DE CONCERTOS

22/10/74

SÉRIE ENCONTROS BARROCOS

4 24/10/74

25/10/74

28/10/74

PARTICIPANTES Orquestra Armorial de Câmara de Pernambuco, Vicente Fittipaldi/ José Carlos Cocarelli, piano/ Edson Elias, piano/ Maria Luisa Coker Cardoso, piano/ Telmo Cortes, piano/ José Duprat, piano/ Marly Moniz, piano/ Alcione Accarino, piano/ Sonia Goulart, piano Orquestra de Câmara Armorial de Pernambuco/ Duo Assad, violão/ Peter Dauelsberg, cello/ Odete Ernst Dias, flauta Orquestra de Câmara Armorial de Pernambuco/ Cussy de Almeida, violino Orquestra de Câmara Armorial de Pernambuco, Oscar Zander/ Aldo Baldin, tenor/ Zuinglio Faustini, baixo/ Cely Moraes/ Jorge Preiss, órgão/ Cassilda Confield/ Werner Isleb

263

1975 Tabela 33. SÉRIE

CICLO DE VIOLONCELO

DATA 16/06/75 20/06/75

Nº DE CONCERTOS

PARTICIPANTES Andre Navarra/ Ileana Carneiro, piano Christine Walevska/ Aleida Schwartzer, piano

3

25/06/75

Leonard Rose/ Miguel Proença, piano

Tabela 34. SÉRIE

SÉRIE ITALIANA

DATA

Nº DE CONCERTOS

02/07/75 11/08/75

PARTICIPANTES Uto Ughi, violino/ Michael Isador, piano Trio di Como

18/09/75 24/09/75 29/09/75

5

DATA

Nº DE CONCERTOS

I Solisti Aquilani I Musici/ Salvatore Accardo, violino I Musici/ Salvatore Accardo, violino

Tabela 35. SÉRIE

21/08/75 23/08/75

25/08/75 V CICLO BACH

6 26/08/75

28/08/75 30/08/75

PARTICIPANTES Aurèle Nicolet, flauta/ Karl Richter, cravo Orquestra de Câmara da Rádio MEC, Karl Richter/ Aurèle Nicolet, flauta/ Johannes Fink, cello/ Jean Rieber/ Christian Fink OSB e ACC, Karl Richter/ Felicity Palmer, soprano/ Norma Lerer, contralto/ Louis Devos, tenor/ Ernst Gerold Schramm, baixo/ Zuinglio Faustini, baixo OSB e ACC, Karl Richter/ Felicity Palmer, soprano/ Norma Lerer, contralto/ Louis Devos, tenor/ Ernst Gerold Schramm, baixo/ Zuinglio Faustini, baixo Pierre Fournier, cello OSTM e ACC, Karl Richter/ Felicity Palmer, soprano/ Norma Lerer, contralto/ Louis Devos, tenor/ Ernst Gerold Schramm, baixo

264

Tabela 36. SÉRIE

DATA

Nº DE CONCERTOS

08/10/75 09/10/75

Conjunto Ars Contemporanea Quinteto de Sopros da UnB/ Sonia Born, soprano Orquestra de Câmara do Brasil, Vicente Fittipaldi/ Gianni Fumagnani, harpa/ Paulo Moura, sax/ Stanislav Smilgin, violino Quarteto de Cordas de Brasília

10/10/75

I BIENAL DE 10/10/75 MÚSICA CONTEMPORÂNEA 5

11/10/75

12/10/75

PARTICIPANTES

Helena Hollnagel, cravo/ José Botelho, clarinete/ Watson Cliss, cello/ Peter Dauelsberg, cello/ Lais de S. Brasil, piano/ Heitor Alimonda, piano/ Kleber Veiga, oboé/ Celso Woltzenlogel, flauta/ George Kiszely, viola/ Nelson Mellin, celesta/ Hugo Tagnin, José Cláudio das Neves, Edgard Nunes Rocca, Eduardo Santos, percussão OSN, Alceu Bocchino/ Gilberto Siqueira, trompete

265

1976 Tabela 37. SÉRIE

CICLO DE MÚSICA DE CÂMARA

DATA

Nº DE CONCERTOS

PARTICIPANTES Conjunto Ars Barroca- Celso Woltzenlogel, flauta/ Noel Devos, fagote/ Watson Cliss, cello/ Heitor Alimonda, cravo

05/04/76 4 20/04/76 20/07/76 20/08/76

Erich Lehninger, violino/ Sônia Goulart, piano Arto Noras, cello/ Miguel Proença, piano Quinteto de Zürich

Tabela 38. SÉRIE

DATA

Nº DE CONCERTOS

11, 12/04/76

DO BARROCO AO CONTEMPORÂNEO

27, 28/04/76 08, 09/05/76 19, 21/05/76 08, 10/06/76 29, 30/06/76 13, 17/07/76 27, 29/07/76

16

PARTICIPANTES Coro e OSTM, Henrique Morelenbaum/ Liege Tozzi, soprano/ Angela Barros, contralto/ Arnaldo Estrella, piano/ Fernando Lopes, piano/ Ruth Staerke, soprano/ Mario Tolla, tenor OSTM, Mário Tavares/ Heitor Alimonda, piano OSTM, Roberto Ricardo Duarte/ Maria Lúcia Godoy, soprano OSTM, Alceu Bocchino OSTM, Mário Tavares/ Giancarlo Pareschi, violino OSTM, Carlos Alberto P. da Fonseca/ Laís de S. Brasil. piano OSTM, David Machado/ Helena Rodrigues, soprano/ Giancarlo Pareschi, violino Coro e OSTM, Henrique Morelenbaum/ Quarteto da Guanabara/ Margarita Shack, soprano/ Aldo Baldin, tenor/ Zuinglio Faustini, baixo

266

Tabela 39. SÉRIE

DATA

Nº DE CONCERTOS

19/04/76 23/04/76 26/04/76 05/05/76 11/05/76 17/05/76 25/05/76 PANORAMA DO PIANO BRASILEIRO

15

PARTICIPANTES Arthur Moreira Lima Caio Pagano Fernando Lopes Jacques Klein Maria da Penha Heitor Alimonda Nelson Freire Roberto Szidon

23/06/76 14/07/76 22/07/76

Roberto Szidon Cristina Ortiz

04/08/76 18/08/76 31/08/76 23/09/76 11/10/76

Magdalena Tagliaferro Antonio Guedes Barbosa Miguel Proença Oriano de Almeida Edson Elias

267

Tabela 40. SÉRIE

DATA

Nº DE CONCERTOS

07/06/76 09/06/76 11/06/76

Wührer String Quartet, Alemanha Wührer String Quartet, Alemanha Wührer String Quartet, Alemanha Miguel Proença piano/ José Botelho, clarinete/ Zygmunt Kubala, cello/ Frantisek Bartik, violino/ Zdenek Svab, trompa ACC/ Gilberto Tinetti, piano/ Giuliano Montini, piano/ Zdenek Svab, trompa/ Thomas Tritle, trompa/ Maria Célia Machado, harpa Andre Navarra, cello/ Alfredo Rossi, piano

16/06/76

24/06/76 28/07/76 CICLO BRAHMS 01/07/76

12

07/07/76

12/07/76 16/07/76 28/07/76 30/07/76

Tabela 41. SÉRIE

DATA

Nº DE CONCERTOS

06/08/76 07/08/76 08/08/76 10/08/76

VI CICLO BACH/HÄNDEL

10 11/08/76

12/08/76

13/08/76 14/08/76 15/08/76 16/08/76

PARTICIPANTES

Salvatore Accardo, violino / Jacques Klein, piano Salvatore Accardo, / Jerzy Milewsky, / Stefan Terz,/ Cussy de Almeida, violino/ George Kiszely, viola/ Peter Dauelsberg, cello/ Jacques Klein, Miguel Proença, piano/ José Botelho, clarinete Quartetto Beethoven di Roma Quartetto Beethoven di Roma Trio di Trieste Eliane Sampaio, soprano/ Lenice Prioli, contralto/ Aldo Baldin, tenor/ Zuinglio Faustini, baixo/ Maria Lúcia Pinho, Lilian Barreto, piano

PARTICIPANTES Orquestra Bach de Munique, Karl Richter/ Leonid Kogan, violino Leonid Kogan, violino/ Karl Richter, cravo Concerto extra, repetição de 06/08/76 Orquestra Bach de Munique, ACC, Karl Richter/ Gabriele Fuchs, soprano/ Ann Reynolds, contralto/ Ernst Haefliger, tenor/ Ernst Gerold Schramm, baixo Orquestra Bach de Munique, Karl Richter/ Kurt Guntner, violino/ Manfred Clement, oboé/ Fritz Ruf, viola/ Paul Meisen, Wolfgang Hang, flauta Orquestra Bach de Munique, ACC, Karl Richter/ Gabriele Fuchs, soprano/ Ann Reynolds, contralto/ Ernst Haefliger, tenor/ Ernst Gerold Schramm, baixo Orquestra Bach de Munique, Karl Richter/ Kurt Guntner, violino/ Paul Meisen, flauta Concerto extra, repetição de 10/08/76 Concerto extra. Orquestra Bach de Munque, Karl Richter/ Paul Meisen, flauta Karl Richter, órgão / Escola de Música da UFRJ

268

Tabela 42. SÉRIE

DATA

Nº DE CONCERTOS

04/11/76

05/11/76

SÉRIE MÚSICA NOVA

6

PARTICIPANTES Maria Vischnia, violino/ Perez Dvorecki, viola/ Barney Lehrer, cello/ Caio Pagano, piano/ Daniel Havens, trompa/ Mike Kelly, trombone/ Olivier Toni, regência Heitor Alimonda, Lidia Alimonda, piano/ Altea Alimonda, violino/ Carlos Rato, flauta/ Kleber Veiga, oboé/ Eládio Gonzales Peres, barítono/ Quinteto Villa-Lobos/ Ruth Staerke, soprano/ Marcos Tadeu, tenor/ Celso Woltzenlogel, flauta/ Carlos Limonge, corneinglês/ Sonia Muniz, piano/ ACC Quarteto da UnB/ Sonia Born, soprano

07/11/76

08/11/76

10/11/76 12/11/76

Maria da Penha, piano/ Conjunto Ars Contemporanea/ Celso Woltzenlogel, flauta/ Acácia Brasil, harpa/ David Johnson, tímpano Grupo de Música Contemporânea Jocy de Oliveira, piano/ Ron Pellegrino, sintetizadores

269

1977 Tabela 43. SÉRIE

DATA

Nº DE CONCERTOS

06/05/77 13/05/77 20/05/77 27/05/77 03/06/77 SÉRIE 10/06/77 GRANDES VESPERAIS 17/06/77 24/06/77 01/07/77 08/07/77 15/07/77 22/07/77 29/07/77

PARTICIPANTES O Barroco na Dança- Grupo Nina Verchinina Duo Assad, violão Panorama do Choro- Quinteto Villa-Lobos Orquestra de Câmara da Rádio MEC Salomão Rabonovitch, violino Duo Instrumentalis- percussão e flauta

13

Quadro Cervantes Orquestra de Câmara da Rádio MEC Jean Claude Elloy, música eletrônica Coral da Universidade Gama Filho Darcy Villa Verde, violão Orquestra de Câmara da Rádio MEC Duo Maria Josefina e Francisco Mignone, piano

Tabela 44. SÉRIE

DATA

Nº DE CONCERTOS

07/05/77 14/05/77 FESTIVAL BEETHOVEN 10/07/77

3

PARTICIPANTES OSB, Roberto Schorrenberger/ Jacques Klein, piano OSB, Isaac Karabtchevsky/ Jacques Klein, piano OSN da Rádio MEC, Souza Lima/ Sonia Goulart, piano

270

Tabela 45. SÉRIE

DATA

Nº DE CONCERTOS

PARTICIPANTES

12/08/77

Johannes Fink, viola da gamba/ Karl Richter, cravo Kurt Guntner, violino/ Johannes Fink, viola da gamba/ Karl Richter, cravo Jean Pierre Rampal, flauta/ Karl Richter, cravo

13/08/77 15/08/77 VII 16/08/77 CICLO BACHHÄNDEL 17/08/77

8 Aurèle Nicolet, Jean Pierre Rampal, flauta/ Karl Richter, cravo Karl Richter, órgão, Escola de Música da UFRJ Récita Extra- Aurèle Nicolet, flauta/ Karl Richter, cravo

18/08/77 19/08/77

Karl Richter, órgão, Escola de Música da UFRJ, récita extra Aurèle Nicolet, conferência

20/08/77 Tabela 46. SÉRIE

DATA

Nº DE CONCERTOS

15/10/77 17/10/77

18/10/77

II BIENAL DE MÚSICA CONTEMPORÂNEA 19/10/77

20/10/77

22/10/77

23/10/77

7

PARTICIPANTES OSTM, Eleazar de Carvaljo Camerata da UGF, Isaac Karabtchevsky Jocy de Oliveira/ Grupo Brasil Camora Três/ Trio Música Viva/ Eládio Perez Gonzales, barítono/ Marcio Mallard, cello/ Sonia Vieira, piano/ Luis Anunciação, percussão/ Maria Lúcia Godoy, soprano/ Norton Morozowicz, flauta/ Paulo Sérgio Santos, clarinete/ Joe Lizama, bateria/ Miguel Proença, piano/ Jacques Morelenbaum, cello/ John Neschling, regência César Guerra Peixe, violino/ Ed Lemos/ Fernando Lopes, piano/ Sonia Muniz/ Helena Hollnagel/ Dirce Knisnik, Quinteto de Metais do Conservatório Brasileiro de Música/ Thomas Trittle/ Alceu Reis, cello/ Paulo Porto Alegre Conjunto Música Nova da UFBA, Pietro Bastianelli Conjunto Ars Contemporânea, Guilherme Bauer/ Maria da Glória Capanema/ Eládio Perez Gonzales, barítono OSN da Rádio MEC, Roberto Ricardo Duarte e Jessé Sadoc

271

1978 Tabela 47. SÉRIE

DATA

Nº DE CONCERTOS

16/05/78

SCHUBERTIADAS

31/05/78 12/06/78

6

20/06/78 28/06/78 17/10/78

PARTICIPANTES Jacques Klein, piano/ Cussy de Almeida, violino/ George Kiszely, viola/ Peter Dauelsberg, cello Joerg Demus, piano Eliane Sampaio, soprano/ Miguel Proença, piano/ José Botelho, clarinete International String Quartet Aldo Baldin, tenor/ Maria Lúcia Pinho, piano Hans Graf, Carmem Vitis Adnet, piano

Tabela 48. SÉRIE

DATA

Nº DE CONCERTOS

14/08/78

Orquestra Bach de Munique, Karl Richter

15/08/78

Orquestra Bach de Munique, Karl Richter, órgão, Escola de Música da UFRJ Orquestra Bach de Munique, Karl Richter/ Kurt Guntner, violino/ Manfred Clement, oboé

16/08/78 VIII CICLO BACHHÄNDEL

PARTICIPANTES

7 17/08/78

18/08/78

Orquestra Bach de Munique e ACC, Karl Richter/ Gabriele Fuchs, soprano/ Glenys Birch, contralto/ Frieder Lang, tenor/ Nikolaus Hildebrand, baixo (1) Orquestra Bach de Munique, Karl Richter, órgão, Escola de Música da UFRJ

19/08/78

Orquestra Bach de Munique e ACC, Karl Richter/ Gabriele Fuchs, soprano/ Glenys Birch, contralto/ Frieder Lang, tenor/ Nikolaus Hildebrand, baixo (1)

22/08/78

Karl Richter, órgão, Escola de Música da UFRJ

(1) Concerto Realizado no Teatro Municipal do Rio de Janeiro

272

Tabela 49. SÉRIE

CICLO CHOPIN

DATA 11/09/78 13/09/78 15/09/78 18/09/78

Nº DE CONCERTOS

8

22/09/78 25/09/78 27/09/78 29/09/78

PARTICIPANTES Arthur Moreira Lima Jacques Klein Fernando Lopes Antonio Guedes Barbosa Arnaldo Cohen Yara Bernette Oriano de Almeida Fernando Lopes e Arthur Moreira Lima

Tabela 50. SÉRIE

DATA

Nº DE CONCERTOS

FESTIVAL 07/12/78 VIVALDI 300 ANOS 09/12/78

2

PARTICIPANTES Cussy de Almeida, Maria Vischnia, Erich Lehnunger, Jerzy Milewsky, violino/ Watson Cliss, cello/ Norton Morozowicz, flauta/ com orquestra formada para o festival, Henrique Gregory Camerata da UGF, ACC, Henrique Gregory/ Ruth Staerke, soprano/ Lauricy Prochet, soprano/ Mario Tolla, tenor

Abreviações: OSB- Orquestra Sinfônica Brasileira OSTM- Orquestra Sinfônica do Teatro Municipal do Rio de Janeiro OSN- Orquestra Sinfônica Nacional da Rádio MEC ACC- Associação de Canto Coral UGF- Universidade Gama Filho

273

Quantidade total de ciclos realizados pela Sala Cecília Meireles dedicados a um compositor Tabela 51. CICLO/SÉRIE

EDIÇÕES

CICLO BACH

1966, 1968, 1969, 1970, 1975, 1976, 1977, 1978 1970, 1974 1967, 1968

CICLO BEETHOVEN ENCONTROS COM BEETHOVEN CICLO BRAHMS CICLO CHOPIN SCHUBERTIADAS FESTIVAL BRAHMS FESTIVAL SCHÖNBERG FESTIVAL VILLA-LOBOS (1) FESTIVAL BEETHOVEN FRANCISCO BRAGA E SEU TEMPO FESTIVAL VIVALDI FESTIVAL WEBERN FESTIVAL STRAVINSKY FESTIVAL HAYDN

Nº TOTAL DE CONCERTOS 58 34 14

1976 1978 1978 1971 1974 1970 1977 1968

12 8 6 4 4 3 3 2

1978 1967 1969 1971

2 1 1 1

(1) O Festival Villa-Lobos é editado desde 1961, ocorrendo em vários espaços simultâneos na cidade do Rio de Janeiro. Apenas esta edição foi computada, por ter ocorrido unicamente na Sala Cecília Meireles.

274

Quantidade total de ciclos realizados pela Sala Cecília Meireles dedicados a um instrumento Tabela 52. CICLO/SÉRIE PANORAMA DO PIANO BRASILEIRO CICLO DE RECITAIS DE CANTO CICLO DE VIOLÃO CICLO DE VIOLINO CICLO DE VIOLONCELO

EDIÇÕES 1967, 1976

Nº TOTAL DE CONCERTOS 25

1967

6

1974 1976 1975

4 4 3

Quantidade total de ciclos realizados pela Sala Cecília Meireles dedicados a um estilo Tabela 53. CICLO/SÉRIE MÚSICA MODERNA NO BRASIL II BIENAL DE MÚS. CONTEMP. CICLO BARROCO I BIENAL DE MÚS. CONTEMP. SÉRIE MÚSICA NOVA II SEMANA DE MÚSICA DE VANGUARDA SÉRIE ENCONTROS BARROCOS MÚSICA DO SÉCULO XX

EDIÇÕES 1966, 1967, 1968 1977 1974 1975 1976 1966

Nº TOTAL DE CONCERTOS 8 7 6 6 6 5

1974

4

1974

1

Ciclos ou séries com temáticas variadas Tabela 54. CICLO/SÉRIE DO BARROCO AO CONTEMP. SÉRIE GRANDES VESPERAIS CICLO VER E OUVIR 30 ANOS DA RÁDIO MEC I FEST.MÚSICA DAS AMÉRICAS CICLO DE MÚSICA FRANCESA SÉRIE ITALIANA II FEST. MÚSICA DAS AMÉRICAS CICLO DE MÚSICA DE CÂMARA

EDIÇÕES 1976 1977 1973 1966 1967 1974 1975 1969

Nº TOTAL DE CONCERTOS 16 13 7 5 5 5 5 4

1976

4

275

Anexos referentes aos artistas participantes e programas dos Ciclos Bach

PRIMEIRA FASE DOS CICLOS

1966 Instrumentistas: Alberto Jaffé, violino Daisy de Luca, piano Dina Gombarg, piano Glória Maria Fonseca Costa, piano Jacques Klein, piano Oscar Borgerth, violino

Solistas Cantores: Antonia Faberg, soprano Glória Queiroz, mezzo-soprano Gunther Morbach, baixo João Alberto Person, tenor John Van Kesteren, tenor Leda Coelho de Freitas, soprano Maria Rivamar, soprano Norina Barra, mezzo-soprano Norma Lerer, contralto Olga Maria Schroeter, soprano Vladimir de Kanel, baixo

Orquestras e Coros: Orquestra Sinfônica Brasileira Orquestra Sinfônica Nacional da Rádio MEC Orquestra Sinfônica do Teatro Municipal do Rio de Janeiro Coro da Associação de Canto Coral, preparadora: Cleofe Person de Matos Coro da Rádio MEC, preparadora: Julieta Strutt Coro do Teatro Municipal do Rio de Janeiro, preparador: Santiago Guerra

Regentes: Alceu Bocchino

276

Henrique Morelenbaum Isaac Karabtchevsky Karl Richter

1968 Instrumentistas: Arnaldo Estrella, piano Braz Limonge Filho, corne inglês Carlos Rato, flauta Fritz Hofer, órgão João Carlos Martins, piano Johannes Fink, viola da gamba José Cocarelli, oboé Karl Richter, cravo Kleber de Souza Veiga, oboé Kurt Christian Stier, viola d’amore Lukas Foss, piano Maria do Carmo da Cunha, flauta Mariuccia Iaccovino, violino Moacyr Liserra, flauta Nelson Nilo Hack, oboé Odette Ernst Dias, flauta Paul Tortelier, violoncelo Paolo Nardi,oboé Peter Dauelsberg, violoncelo Rhoda Lee Rhea, viola d’amore Sandrino Santoro, contrabaixo Solistas Cantores: Dorothea Foester Duerlich, soprano Ernest-Gerold Schramm, baixo John Van Kesteren, tenor Maria Stader, soprano Naan Pold, tenor Norma Lerer, contralto Peter Lagger, baixo Sabine Kirchner, contralto Wolfgang Schoene, baixo

Orquestras e Coros: Orquestra Sinfônica Nacional da Rádio MEC Orquestra Sinfônica do Teatro Municipal do Rio de Janeiro

277

Orquestra de Câmara formada “ad hoc” Coro da Associação de Canto Coral, preparadora: Cleofe Person de Matos St. Petri Kantorei, Hamburgo Regentes: Ernst Ulrich von Kameke Karl Richter

1969 Instrumentistas: Carlos Rato, flauta Celso Woltzenlogel, flauta Karl Richter, cravo Kurt Hausmann, oboé d’amore Otto Büchner, violino Solistas Cantores: Edda Moser, soprano Ernst-Gerold Schramm, baixo John van Kesteren, tenor Julia Hamari, contralto Peter Lagger, baixo Orquestras e coros: Orquestra Sinfônica Brasileira Orquestra de Câmara “ad hoc” Quarteto Dornbüch, Alemanha Sonata da Camera, Holanda Coro da Associação de Canto Coral, preparadora: Cleofe Person de Matos Canarinhos de Petrópolis Regentes: Karl Richter

278

1970 Instrumentistas: Bernard Gabel, trompete Bridget de Moura Castro, órgão Celso Woltzenlogel, flauta Hermann Baumann, trompa Johannes Fink, violoncelo e viola da gamba Johannes Ritzkovsky, trompa Karl Richter, cravo Kurt Hausmann, oboé Noel Devos, fagote Otto Büchner, violino Paolo Nardi, oboé Paul Tortelier, violoncelo Pierre Thibaud, trompete Solistas Cantores: Edda Moser, soprano Ernst-Gerold Schramm, baixo Friedreich Melzer, tenor Julia Hamari, contralto Orquestras e Coros: Orquestra Sinfônica Nacional da Rádio MEC Orquestra Sinfônica do Teatro Municipal do Rio de Janeiro Coro da Associação de Canto Coral, preparadora: Cleofe Person de Matos Regentes: Karl Richter

SEGUNDA FASE DOS CICLOS

1975 Instrumentistas: Aurèle Nicolet, flauta

279

Giancarlo Pareschi, violino Johannes Fink, viola da gamba Karl Richter, cravo Manfred Clement, oboé d’amore Pierre Fournier, violoncelo Solistas Cantores: Ernst-Gerold Schramm, baixo Felicity Palmer, soprano Louis Devos, tenor Norma Lerer, contralto Ruth Hesse, mezzo-soprano* Zuinglio Faustini, baixo Orquestras e Coros: Orquestra de Câmara da Rádio MEC Orquestra Sinfônica Brasileira Orquestra Sinfônica do Teatro Municipal do Rio de Janeiro Coro da Associação de Canto Coral, preparadora: Cleofe Person de Matos Regentes: Karl Richter *No programa oficial do concerto consta o nome de Ruth Hesse, que foi substituída por Norma Lerer.

1976 Instrumentistas: Alceu de Almeida Reis, violoncelo Anne-Marie Binder, viola Arlindo Penteado, viola Celso Woltzenlogel, flauta Frantisek Bartik, violino Fritz Kriskal, violoncelo Fritz Ruf, viola Harold Hemert, oboé Herbert Duft, contrabaixo Jandovy de Almeida, trompa José Pinto, trompa Karl Richter, cravo e órgão Kurt Guntner, violino Ladislav Balek, contrabaixo

280

Leonid Kogan, violino Manfred Clement, oboé Maria Bruzzese, órgão Moacyr de Freitas, oboé Nicolae Ilie, violoncelo Noel Devos, fagote Norton Morozowicz, flauta Paul Meisen, flauta Ricardo Wagner, violino Rubens Geraldi, trompete Sandrino Santoro, contrabaixo Virgílio Arraes, violino Walter Gomes, violino Wolfgang Haag, flauta Solistas Cantores: Anna Reynolds, contralto Ernst-Gerold Schramm, baixo Ernst Haefliger, tenor Gabriele Fuchs, soprano Orquestras e Coros: Münchener Bach-Orchester* Coro da Associação de Canto Coral, preparadora: Cleofe Person de Matos Regentes: Karl Richter *A Münchener Bach-Orchester veio com trinta integrantes, sendo ampliada com a colaboração de músicos brasileiros.

1977 Instrumentistas: Aurèle Nicolet, flauta Jean Pierre Rampal, flauta Johannes Fink, viola da gamba Karl Richter, cravo e órgão Kurt Guntner, violino

281

1978 Instrumentistas: Fritz Kieskalt, violoncelo Gernot Woll, flauta Ingo Sinnhoffer, viola Karl Richter, cravo e órgão Kurt Guntner, violino Manfred Clement, oboé d’amore Susan Goetting, flauta Wolfgang Roeckl, flauta Valter Stangl, viola Solistas Cantores: Frieder Lang, tenor Gabriele Fuchs, soprano Glenys Birch Linos, contralto Nikolaus Hillebrand, baixo Orquestras e Coros: Münchener Bach-Orchester Coro da Associação de Canto Coral, preparadora: Cleofe Person de Matos Regentes: Karl Richter

Repertório dos Ciclos Bach Iremos mostrar todo o repertório de Bach e Händel apresentado ao longo dos Ciclos em ordem cronológica que também será dividido em duas fases, a primeira de 1966 a 1970 e a segunda de 1975 a 1978. Ao final iremos fazer um balanço e observar quais obras foram mais executadas ou repetidas durante todo o evento.

PRIMEIRA FASE DO CICLO

1966 Cantata Jauchzet Gott in allen Landen, BWV 51 Cantata Ich freue mich in dir, BWV 133 Cantata Wachet auf, ruft uns die Stimme, BWV 140 Cantata Herz und Mund und Tat und Leben, BWV 147

282

Oratório de Natal (Weihnachts- Oratorium), Cantatas I, II e III, BWV 248 Concerto para violino, cordas e contínuo em mi maior, BWV 1042 Concerto de Brandenburgo nº 5 em ré maior, BWV 1050 Concerto para piano e orquestra em ré menor, BWV 1052 Concerto para piano e orquestra em fá menor, BWV 1056 Concerto para dois pianos e orquestra em dó menor, BWV 1060 Ouverture nº 1 em dó maior BWV 1066 Ouverture nº 3 em ré maior, BWV 1068

1968 Cantata Ich armer mensch, ich Suedenknecht, BWV 55 Moteto Jesu, meine Freude, BWV 227 Missa em si menor, BWV 232 Paixão Segundo São João (Johannes Passion), BWV 245 O Cravo Bem Temperado (Das Wohltemperierte Klavier) BWV 846-893 (integral) Suítes para violoncelo: nº 1 em sol maior (BWV 1007), nº3 em dó maior (BWV 1009), nº 5 em dó maior (BWV 1011) e nº 6 em ré maior (BWV 1012) Sonatas para violoncelo e cravo (versão em piano), nº1 em sol maior (BWV 1027), nº 2 em ré maior (BWV 1028) e nº3 em sol menor (BWV 1029) Concerto para piano e orquestra em ré menor, BWV 1052 Concerto de Brandenburgo nº 5 em ré maior, BWV 1050

1969 Paixão Segundo São Mateus (Matthäus Passion), BWV 244 Partita nº 1 em si bemol maior, BWV 825 Partita nº 6 em mi menor, BWV 830 Fantasia Cromática e Fuga em ré menor, BWV 903 Tocata em sol menor, BWV 915 Concerto Italiano em fá maior, BWV 971 Partita nº 2 para violino solo em ré menor BWV 1004 Sonata para violino e cravo nº 2 em lá maior, BWV 1015 Sonata para violino e cravo nº 4 em dó menor, BWV 1017 Sonata para violino e cravo nº 5 em fá menor BWV 1018 Concerto de Brandenburgo nº 4 em sol maior BWV 1049 Concerto de Brandenburgo nº 5 em ré maior BWV 1050 Concerto para cravo e orquestra em ré menor, BWV 1052 Concerto em ré menor para violino e oboé, BWV 1060 A Arte da Fuga (Die Kunst der Fuge), BWV 1080

283

1970 Cantata Wie schön leuchtet der Morgenstern, BWV 1 Cantata Weinen, Klagen, Sorgen, Zagen, BWV 12 Cantata Ich hatte viel Bekümmernis, BWV 21 Cantata Gott der Herr ist Sonn und Schild, BWV 79 Cantata Herz und Mund und Taten und Leben, BWV 147 Cantata Himmelskönig, sei willkommen, BWV 182 Missa em si menor, BWV 232 6 Suítes para violoncelo solo, BWV 1007-1012 Sonata para violino e cravo nº 1 em si menor, BWV 1014 Sonata para violino e cravo nº 2 em lá maior, BWV 1015 Sonata para violino e cravo nº 3 em mi maior, BWV 1016 Sonata para violino e cravo nº 4 em dó menor, BWV 1017 Concerto de Brandenburgo nº 1 em fá maior, BWV 1046 Concerto de Brandenburgo nº 2 em fá maior, BWV 1047 Ouverture nº 3 em ré maior, BWV 1068 Ouverture nº 4 em ré maior, BWV 1069

SEGUNDA FASE DO CICLO

1975 Missa em si menor, BWV 232 Paixão Segundo São João (Johannes Passion), BWV 245 Partita em dó menor para cravo, BWV 997 Suítes para violoncelo solo (sem especificação de execução) Partita para flauta solo em lá menor, BWV 1013 Sonata para flauta e cravo em sol menor, BWV 1020 Sonata para flauta e cravo em si menor, BWV 1030 Sonata para flauta e cravo em mi bemol maior, BWV 1031 Sonata para flauta e cravo em mi menor, BWV 1034 Concerto de Brandenburgo nº 5 em ré maior, BWV 1050 Concerto para cravo e orquestra em ré menor, BWV 1052 Ouverture nº 2 em si menor, BWV 1067

1976 J. S. BACH Missa em si menor, BWV 232 Prelúdio e Fuga em ré maior, BWV 532

284

Tocata e Fuga em fá maior, BWV 540 Fantasia e Fuga em sol menor, BWV 542 Prelúdio e Fuga em mi menor, BWV 548 Fantasia em sol maior, BWV 572 Sonata para violino e cravo nº 1 em si menor, BWV 1014 Sonata para violino e cravo nº 3 em mi maior, BWV 1016 Sonata para violino e cravo nº 4 em dó menor, BWV 1017 Sonata para violino e cravo nº 5 em fá menor, BWV 1018 Concerto para violino em mi maior, BWV 1042 Concerto de Brandenburgo nº1 em fá maior, BWV 1046 Concerto de Brandenburgo nº 2 em fá maior, BWV 1047 Concerto de Brandenburgo nº 3 em sol maior, BWV 1048 Concerto de Brandenburgo nº4 em sol maior, BWV 1049 Concerto de Brandenburgo nº 5 em ré maior, BWV 1050 Concerto de Brandenburgo nº 6 em em si b maior, BWV 1051 Concerto para cravo e orquestra em fá menor, BWV 1056 Concerto em ré menor para violino e oboé, BWV 1060 Ouverture nº 2 em si menor, BWV 1067 Ouverture nº 3 em ré maior, BWV 1068 G. F. HÄNDEL O Messias (texto em alemão), HWV 56 Concerto Grosso Op. 6/5 em ré maior, HWV 323 Concerto Grosso Op. 6/8 em dó menor, HWV 326

1977 J. S. BACH

Sonata para flauta e cravo em sol maior, BWV 523 Sonata para flauta e cravo em ré menor, BWV 527 Trio Sonata nº 6 em sol maior, BWV 530 Tocata e Fuga (Dórica), em ré menor, BWV 538 Prelúdio e Fuga em mi menor, BWV 548 Fantasia Cromática e fuga em ré menor, BWV 903 Partita nº 2 para violino solo em ré menor BWV 1004 Partita para flauta em lá menor, BWV 1013 Sonata para violino e cravo nº 1 em si menor, BWV 1014 Sonata para violino e cravo nº 5 em fá menor, BWV 1018 Sonata para flauta e cravo em mi menor, BWV 1023 Sonata para viola da gamba e cravo nº 1 em sol maior, BWV 1027 Sonata para viola da gamba e cravo nº 2 em ré maior, BWV 1028 Sonata para viola da gamba e cravo nº 3 em sol menor, BWV 1029 Sonata para flauta e cravo em si menor, BWV 1030 Sonata para flauta e cravo em lá maior, BWV 1032 Sonata para flauta e cravo em mi menor, BWV 1034

285

Sonata para flauta e cravo em mi maior, BWV 1035 Trio sonata para duas flautas e cravo em ré menor, BWV 1036 Trio sonata para duas flautas e cravo em sol maior, BWV 1039 G. F. HÄNDEL Sonata para viola da gamba e cravo concertante em dó maior Sonata para flauta e cravo em dó maior, op. 1/7 Sonata para flauta e cravo em si menor, op.1/9 Sonata Hallenser para flauta e cravo em lá menor, op. 1/9 Sonata para violino e cravo em ré maior, op.1/13 C. PH. E. BACH Sonata em lá menor para flauta solo FRANZ LISZT Prelúdio e Fuga sobre B-A-C-H

1978 J. S. BACH Cantata Wachet auf, ruft uns die Stimme, BWV 140 Magnificat em ré maior, BWV 243 Oratório de Natal (Weihnachts Oratorium), Cantatas I, II e III, BWV 248 Prelúdio e Fuga em si menor, BWV 544 Prelúdio e Fuga em dó menor, BWV 546 Tocata em dó maior, BWV 564 Fantasia em sol maior, BWV 572 Pastoral em fá maior, BWV 590 Concerto de Brandenburgo nº 2 em fá maior, BWV 1047 Concerto de Brandenburgo nº 6 em si b maior, BWV 1051 Concerto para cravo e orquestra em fá menor, BWV 1056 Concerto para violino e oboé em ré menor, BWV 1060

G. F. HÄNDEL

Concertos para órgão e orquestra, op.4/1-6, HWV 289-294 Concerto Grosso op. 6/2 em fá maior, HWV 320 Concerto Grosso op. 6/6 em sol menor, HWV 324 Concerto Grosso op. 6/7 em si b maior, HWV 325 Concerto Grosso op. 6/10 em ré menor, HWV 328 Concertos para órgão e orquestra, op. 7/1-6, HWV 306-311

286

Quadros demonstrativos do repertório apresentado ao longo dos Ciclos Bach

Tabela 55. CANTATAS MOTETO

BWV 1 BWV 12 BWV 21 BWV 51 BWV 55 BWV 79 BWV 133 BWV 140 BWV 147 BWV 182 BWV 227

1966 1968

1969 1970

1975 1976

1977 1978

X X X

1 1 1 1 1 1 1 2 2 1 1

X X X X X X

TOTAL

X X X X

Tabela 56. PAIXÕES, MISSA, ORATÓRIO

BWV 232 BWV 244 BWV 245 BWV 248

1966

1968

1969

X

1970

1975

X

X

1976

1977

1978

TOTAL

X

4 1 2 2

X

X X

X

X

Tabela 57. CONCERTOS DE BRANDENBURGO

BWV 1046 BWV 1047 BWV 1048 BWV 1049 BWV 1050 BWV 1051

1966

1968

1969 1970

1975

X X

X

X

X X

X

1976

X X X X X X

BWV 232 – Missa em si menor BWV 244 – Matthäus Passion (Paixão Segundo São Mateus) BWV 244- Johannes Passion (Paixão Segundo São João) BWV 248 – Weihnachts Oratorium (Oratório de Natal)

1977

1978 TOTAL

X

X

2 3 1 2 5 2

287

Tabela 58. CONCERTOS DIVERSOS

1966

BWV 1042 BWV 1052 BWV 1056 BWV 1060 BWV 1080*

1968

1969

X

X

X X X X

1970

1975

1976

1977

1978

X

2 4 3 4 1

X X X

X X

TOTAL

X X

Tabela 59. OUVERTURES

1966

BWV 1066 BWV 1067 BWV 1068 BWV 1069

1968

1969

1970

1975

1976

1977

X

X X

1975

1976

1977

X

X X

X X X

X

1976

1977

1978

X X

X X

TOTAL 1 2 3 1

Tabela 60. VIOLINO,CRAVO

1966

BWV 1004 BWV 1014 BWV 1015 BWV 1016 BWV 1017 BWV 1018

1968

1969

1970

X X X X

X X X X

1978

TOTAL 2 3 2 2 3 3

Tabela 61. GAMBA,CRAVO

BWV 1027 BWV 1028 BWV 1029

1966

1968

1969

X X X

* Die Kunst der Fuge (A Arte da Fuga)

1960

1975

X X X

1978

TOTAL 2 2 2

288

Tabela 62. SUITES 1966 VIOLONCELO

1968

BWV 1007 BWV 1008 BWV 1009 BWV 1010 BWV 1011 BWV 1012

X

1969

1970

1975 *

1976

1977

1978

X X X X X X

X X X

TOTAL

2 1 2 1 2 2

Tabela 63. FLAUTA,CRAVO 1966 BWV 523 BWV 527 BWV 1013 BWV 1020 BWV 1030 BWV 1031 BWV 1032 BWV 1034 BWV 1035 BWV 1036 BWV 1039

1968

1969

1970

1975

X X X X X

1976

1977 X X X X X X X X X X

1978

TOTAL 1 1 2 2 2 1 1 2 1 1 1

*Nesta edição de 1975 o programa não especifica as suítes tocadas por Pierre Fournier.

289

Tabela 64. CRAVO,ÓRGÃO BWV 530 BWV 532 BWV 538 BWV 540 BWV 542 BWV 544 BWV 546 BWV 548 BWV 564 BWV 572 BWV 590 BWV 825 BWV 830 BWV 846-893 * BWV 903 BWV 915 BWV 971

1966

1968

1969

1970

1975

1976

1977

1978

X X X X X X X X

X X X X

X X X X X X X

X

TOTAL 1 1 1 1 1 1 1 2 1 2 1 1 1 1 2 1 1

*Integral Das Wohltemperierte Klavier (O Cravo Bem Temperado), executado ao piano.

290

Imagens em anexo

Figura 27- Anúncio do antigo Hotel Freitas, anterior ao Grande Hotel.

291

Figura 28- Largo da Lapa com prédio do antigo “Grande Hotel”.

Figura 29 – Cine Colonial, décadas de 1940/1960.

292

Figura 30- Programa de concerto de 1970 com autógrafos de Otto Büchner e Karl Richter.

293

Figura 31- OSB, Coro da ACC e Karl Richter, Ciclo Bach 1975

294

Figura 32- OSB, Coro da ACC e Karl Richter, Ciclo Bach 1975

295

Figura 33- Ariane Pfister, Karl Richter e Norton Morozowicz, 1979

296

Figura 34- Karl Richter, Encontro de Instrumentistas de Cordas, 1979

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