Klaxon e Estética: O modernismo brasileiro em revistas

May 28, 2017 | Autor: André Villela | Categoria: Historia Intelectual, modernismo no Brasil, Sérgio Buarque De Holanda, Revistas Modernistas
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Klaxon e Estética: O modernismo brasileiro em revistas “Principiar é trabalho leviano que qualquer ombro de piá carrega porém em seguida a gente percebe que não pode ficar nessa promessa de menino-prodígio, que tem mesmo de ir além e sobretudo ir mais profundo e que-dê estudo, que-dê base, que-dê treino e fôlego para isso?”. (Carta de Mário de Andrade de 8 de novembro de 1927, a Rosário Fusco).

André Augusto Abreu Villela Graduado Centro Universitário UNI-BH [email protected] RESUMO: Este presente artigo tem como pretensão analisar a importância das revistas modernistas lançadas no período de 1922 a 1928. Período esse conhecido como "modernismo heroico", destacando principalmente as revistas Klaxon e Estética, e a atuação dos jovens modernistas Sérgio Buarque de Holanda e Prudente de Moraes, neto, tanto na representação de Klaxon, e na criação de Estética no Rio de Janeiro em 1924. Neste artigo destaca-se o legado deixado por essas publicações, servindo anos mais tarde como inspiradores de movimentos como a Tropicália e o Cinema Novo Brasileiro. PALAVRAS-CHAVE: Modernismo, Klaxon, Estética, Sérgio Buarque de Holanda, Prudente de Moraes, neto e Mário de Andrade. Introdução Segundo o pensamento de Sirinelli (1988), os intelectuais são produtores de bens simbólicos, mediadores culturais e atores do político, relativamente engajados na vida da cidade ou nos locais de produção e divulgação do conhecimento e de promoção dos debates. Segundo ainda Jean-François Sirinelli (1988), são também criadores e mediadores culturais, empenhados na elaboração de várias interpretações sobre a sua realidade social, ou seja, ao estudarmos os intelectuais, estaremos estudando, de certa forma, uma história política produzida por eles. Os grupos de sociabilidade derivam das experiências e das relações sociais vividas por esses indivíduos intelectuais em locais específicos, lugares e redes de sociabilidade, através do tempo. (SIRINELLI, 1988). Relações estruturadas em rede que falam de lugares mais ou menos formais de aprendizagem e de troca, de laços que se atam, de contatos e articulações fundamentais... a noção de rede remete ao microssomo particular de um grupo,

Temporalidades – Revista Discente do Programa de Pós-Graduação em História da UFMG. v. 7 (Suplemento, 2015) – Belo Horizonte: Departamento de História, FAFICH/UFMG, 2016. ISSN: 1984-6150 www.fafich.ufmg.br/temporalidades

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no qual se estabelece vínculos afetivos e se produz uma sensibilidade que se constitui marca desse grupo. (SIRINELLI, 1988, p. 248).524

Segundo o autor, os lugares onde se fermenta esse ideário de sociabilidade e de redes são muitas vezes cafés, bares, revistas, editoras, correspondências, livrarias entre outros. Nesse ponto, Sirinelli (1988) dá uma atenção especial à revista, pois segundo ele, a revista é antes de tudo um lugar de fermentação intelectual e de relação afetiva, ao mesmo tempo viveiro e espaço de sociabilidade, e pode, entre outras abordagens, estudada nesta dupla dimensão. (SIRINELLI, 1988). As “redes” secretam, na verdade, microclimas a sombra dos quais a atividade e o comportamento dos intelectuais envolvidos frequentemente apresentam traços específicos. E, assim entendida, a palavra sociabilidade reveste-se portanto de uma dupla acepção, ao mesmo tempo “redes” que estruturam e “microclima” que caracteriza um microssomo intelectual particular. (SIRINELLI, 1988, p. 252-253).

Outro ponto que merece ser destacado para Sirinelli (1988), além das revistas, são as correspondências trocadas entre determinados personagens. Por essas cartas, percebe-se a formação de um núcleo, de um grupo coeso em uma mesma sintonia, em que até a linguagem se torna um referencial entre os pares para definir o conceito de redes. Como cita Sirinelli : “A linguagem comum homologou o termo “redes” para definir tais estruturas. Elas são mais difíceis de perceber do que parece”. (SIRINELLI, 1988). Percebe-se, então, não só uma rede, mas várias redes formadas, pois Sérgio Buarque também se mantinha atualizado através de correspondências com o movimento modernista mineiro, de Recife, e se mantinha atualizado principalmente com o que acontecia na Europa. Pois, para a elaboração de suas obras, vai dialogar mais com escritores europeus do que propriamente com os brasileiros. Arcanjo (2013) nos mostra como essa relação de troca de correspondências entre intelectuais vai ser importante na construção das identidades e na legitimação das redes de sociabilidade: As cartas expressam a presença de redes de comunicação entre indivíduos e grupos, sendo a partir destas, necessário pensar a construção de redes de sociabilidade por meio das quais os correspondentes constroem, implícita ou explicitamente aproximações, distanciamentos, rupturas, pactos, tensões e afetos. (ARCANJO, 2010, p. 72).525

SIRINELLI, François. Por uma História Política, in: RÉMONDE, Réne. Rio de Janeiro: Editora UFRJ / Editora FGV, 1988. 525 ARCANJO, Loque. Os Sons de uma Nação Imaginada: As Identidades Musicais de Heitor Villa-Lobos. (Doutorado em História). Universidade Federal de Minas Gerais, Programa de Pós Graduação em História, Belo Horizonte, 2013. Temporalidades – Revista Discente do Programa de Pós-Graduação em História da UFMG. v. 7 (Suplemento, 2015) – Belo Horizonte: Departamento de História, FAFICH/UFMG, 2016. ISSN: 1984-6150 www.fafich.ufmg.br/temporalidades 524

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Torna-se importante refletir sobre o pronunciamento de Malatian (2009) acerca da importância da análise das cartas trocadas entre esses grupos de intelectuais, na formação das redes de sociabilidade. Segundo a historiadora, são significativas: As intricadas redes de relações sociais que reúnem seus autores. Isto é importante particularmente para o caso dos intelectuais, pois envolve sua rede profissional, onde ocorrem trocas de livros, opiniões, sentimentos diversos e firmam-se estratégias de atuação entre os pares. (...) Pelas cartas trocadas, percebe-se a organização de um grupo em torno de certos indivíduos que desempenham papel central a partir de um projeto ou objetivo comum (...) O grupo comporta amizades e ódios, disputas e alianças a que está sujeito. Tais informações serão de grande utilidade também para a compreensão da personalidade de um determinado autor, da construção da sua obra, da recepção das suas ideias. (MALATIAN, 2009, p. 195).526

O Modernismo nas revistas Klaxon e Estética Em 2012, celebrou-se 90 anos da Semana de Arte Moderna, mais do que isso, celebrou-se também 90 anos do lançamento da primeira revista de cunho modernista, a Klaxon, revista paulista voltada para as publicações da Semana de 22. Era uma revista de combate, cujo nome foi inspirado na vanguarda futurista. Segundo explica Mário de Andrade, o fundador da revista, Klaxon foi criada para organizar a “bagunça” que houve durante a semana, que aconteceu nos dias 13, 15 e 17 de fevereiro. Além da Klaxon, cabe destacar que muitas outras revistas foram criadas durante o período que vai de 1922 a 1928, sendo esses anos muito produtivos em relação a publicação de materiais voltados para o modernismo. Destaca-se que o eixo sudeste dominou o mercado, tendo as cidades de São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte, os principais polos construtores no Brasil em relação às publicações das revistas. (VELLOSO, 2006).527 Segundo Marques (2013), por meio das revistas, as ideias se propagam, superam fronteiras e novos movimentos são deflagrados. Esse período que vai de 1922 a 1928, também é conhecido como “modernismo heroico”, pois segundo consta, somente a revista Festa, tinha um mecenas, que sustentava suas publicações. Enquanto as demais tiveram uma vida bem curta, pois não havia dinheiro suficiente para a produção, o que havia, segundo Marques (2013), eram vaquinhas literárias, apoios localizados, sendo assim, elas acabavam por falta de condições financeiras. Como cita Marques. MALATIAN, Teresa. Cartas: Narrador, Registro e Arquivo. O Historiador e Suas Fontes. São Paulo: Contexto, 2009. VELLOSO, Monica Pimenta. As Modernas Sensibilidades Brasileiras: Uma Leitura das Revistas Literárias e de Humor na Primeira República. França: Nuevo Mundo Mundo Nuevo, 2006. (Artigo Científico). Temporalidades – Revista Discente do Programa de Pós-Graduação em História da UFMG. v. 7 (Suplemento, 2015) – Belo Horizonte: Departamento de História, FAFICH/UFMG, 2016. ISSN: 1984-6150 www.fafich.ufmg.br/temporalidades 526 527

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Destinadas a um público bem mais restrito, essas publicações não precisavam abusar de apelos visuais, que de qualquer modo seriam inviáveis, por conta da falta de recursos e das enormes dificuldades de produção. (MARQUES, 2013, p. 13).528

Porém em se tratando de revistas, o Brasil sempre teve uma tradição muito forte nesse aspecto, temos a Kosmos (1904-1909), Fon-Fon! (1907-1958), A Careta (1908-1961), O Malho (19021954), O Pirralho (1911-1919) e Paratodos (1919-1932), revistas essas que tiveram uma sobrevida maior, em relação às revistas de cunho modernista. Essa batalha inicia-se em 1922, através da figura proeminente e intelectual de Mário de Andrade, segundo constata os amigos, era ele a consciência mais aguda daquele período, sendo ele leitor ávido de publicações europeias, como L’Esprit Nouveau, Lumiére, La Nouvelle Revue Française e a alemã Der Sturm, além de outras. O próprio Mário, em 1942, em uma conferência de nome “O movimento modernista” assim cita: O que nos igualava, por cima dos nossos despautérios individualistas, era justamente a organicidade de um espírito atualizado, que pesquisava já irrestritamente radicado á sua entidade coletiva nacional. (VELLOSO, 2010).529

A Klaxon, lançada três meses após a Semana de Arte Moderna de 1922, mais precisamente no dia 15 de maio, onde ela se torna consequência de todo aquele movimento inovador, que aconteceu no Teatro de São Paulo, nos dias 13, 15 e 17 de fevereiro em São Paulo. Pode-se dizer, que entre todas, era a mais inovadora, a mais combativa, e a mais radical. Por isso, nem todos entenderam direito sua mensagem, como foi o caso do escritor Lima Barreto, que em carta, critica a publicação da revista. Como relata em seu artigo publicado na carioca A Careta de Julho de 1922, dirigi-se diretamente a Sérgio: São Paulo tem a virtude de descobrir o mel do pão em ninho de coruja. De quando em quando, ele nos manda umas novidades velhas de quarenta anos. Agora por intermédio do meu simpático amigo Sérgio Buarque de Holanda, quer nos impingir como descoberta dele, São Paulo, o tal de “futurismo” (...) Recebi e agradeço, uma revista de São Paulo que se chama Klaxon. Em começo, pensei que se tratasse de uma revista de propaganda de alguma marca de automóveis americanos (...) O que há de azedume neste artiguete não representa nenhuma hostilidade aos moços que fundaram a Klaxon; mas sim, a manifestação da minha sincera antipatia contra o grotesco “futurismo”, que no

MARQUES, Ivan. Modernismo em Revista: Estética e Ideologia dos Periódicos dos anos 1920. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2013. 529 VELLOSO, Monica Pimenta. O Moderno em Revistas: Representações do Rio de Janeiro de 1890 a 1930. OLIVEIRA, Claudia, VELLOSO, Monica Pimenta, LINS, Vera. (Org.). Rio de Janeiro: Garamond Universitária, 2010. Temporalidades – Revista Discente do Programa de Pós-Graduação em História da UFMG. v. 7 (Suplemento, 2015) – Belo Horizonte: Departamento de História, FAFICH/UFMG, 2016. ISSN: 1984-6150 www.fafich.ufmg.br/temporalidades 528

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fundo não é senão brutalidade, grosseria e escatologia, sobretudo esta. (MONTEIRO, 2012, p. 178).530

Porém, cabe destacar que o artigo de Lima Barreto, foi imediatamente rebatido no número de agosto de Klaxon, na seção “Luzes e Refrações” na qual os klaxistas ensaiavam respostas a recepção conservadora. Sr. Lima, como seu artigo “não representa Klaxon” amigavelmente tomamos a liberdade de lhe dar um conselho: não deixe mais que os rapazes paulistas vão buscar no Rio edições da Nouvelle Revue, que, apesar de numeradas e valiosissimas pelo conteúdo, são jogadas como inúteis em baixo das bens providas mesas das livrarias cariocas. Não deixe também que as obras de Apollinaire, Cendrars, Epstein, que a livraria Leite Ribeiro de a uns tempos para cá (dezembro, não é?) começou a receber, sejam adquiridas por dinheiros paulistas. Compre estes livros, Sr. Lima, compre estes livros! A propósito dizia o manifesto: “Klaxon não é futurista. Klaxon é klaxista. (MONTEIRO, 2012, p. 178).531

Em um artigo publicado em 1922, chamado Os Novos de São Paulo, 4 meses depois da

Semana de Arte Moderna, Sérgio irá tecer elogios a Mário de Andrade e a revista Klaxon, que fazia um mês de seu lançamento. A Semana de Arte Moderna, aplaudida por todos os homens descentes, consagrou-os definitivamente. Agora aparece a nova revista Klaxon, o órgão do movimento novo de São Paulo, destinado a um grande sucesso. Mas os modernos não se limitam só a palavra. Em poucos dias saíra dos prelos a Paulicéia Desvairada, de Mário de Andrade, um dos talentos mais sérios da nova geração paulista. (...) Em suma, os novos de São Paulo tem tanta confiança no próprio valor como a geração anterior na infalibilidade das regrinhas de Banville. (O MUNDO LITERÁRIO, 5 de Junho de 1922).532

Entre os que faziam parte da revista, podemos citar Mário e Oswald de Andrade, Guilherme de Almeida, Luiz Aranha, Sérgio Milliet, Antônio Carlos Couto de Barros, Tácito de Almeida e Rubens Borba de Moraes. Os encontros eram sempre realizados a tarde no escritório de Tácito de Almeida, localizado na Rua Direita, e depois seguiam para a Confeitaria Vienense, na Praça da República. Segundo Marques (2013), os klaxistas não eram somente aqueles que compunham a redação, mas também aqueles que eram seus representantes fora de São Paulo. Dentre eles podemos destacar Sérgio Buarque de Holanda, no Rio de Janeiro, Joaquim Inojosa,

MONTEIRO, Pedro Meira. Mário de Andrade e Sérgio Buarque de Holanda: Correspondência. São Paulo: Companhia das Letras, Edusp, 2012. 531 ______. Mário de Andrade e Sérgio Buarque de Holanda: Correspondência. São Paulo: Companhia das Letras, Edusp, 2012. 532 HOLANDA, Sérgio Buarque. Os Novos de São Paulo. O Mundo Literário, Rio de Janeiro, 5 de junho de 1922. Temporalidades – Revista Discente do Programa de Pós-Graduação em História da UFMG. v. 7 (Suplemento, 2015) – Belo Horizonte: Departamento de História, FAFICH/UFMG, 2016. ISSN: 1984-6150 www.fafich.ufmg.br/temporalidades 530

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em Recife, L. Charles Beaudoin, na França, Roger Avermaete, na Bélgica, e Antonio Ferro em Portugal. (MARQUES, 2013).533 Como cita Velloso (2010), na revista Estética, predomina o foco urbano. São impressões e imagens sensoriais marcadas pelas novas ritmias da cultura da modernidade. É no Rio de Janeiro, epicentro dessa nova temporalidade, que Prudente de Moraes, neto experimenta, poeticamente, o deslocamento. São camadas de tempo que operam simultaneamente. (VELLOSO, 2010).534 Esses dois jovens irão ser de suma importância para o modernismo carioca, pois através deles, estabeleceu-se uma maior interlocução e diálogo com modernistas paulistas, mineiros e de outros estados. Assim disse Prudente de Moraes, neto no período de lançamento da revista Estética: "Tínhamos a intenção de marcar o inicio de uma fase construtiva e a parte material acompanhava essa intenção (...) Pretendíamos a agressividade interior". (LEONEL, 1984, p. 181).535 Se Klaxon foi um desdobramento da Semana de Arte Moderna, Estética desejou ser - embora a isso não se tenha limitado – a continuação de Klaxon, isto é, o órgão que o modernismo brasileiro deixara de ter desde o desaparecimento da revista de São Paulo, havia quase dois anos. A mesma turma de paulistas e cariocas que tinha feito a Semana reunia-se agora pela terceira vez, o que afasta completamente a ideia de Estética fosse, num campo imaginário de disputas, a arregimentação de um grupo modernista do Rio de Janeiro. (MARQUES, 2013, p. 40).536

Já Estética, além de dar um continuísmo a ideia original da Klaxon, foi inspirada também na revista inglesa The Criterion, de T.S. Eliot, lançada em 1922. Como citou Rubens Borba de Moraes, depois da “revista de combate que lutava, mordia, arranhava, descabelava”. Estética oferecia um “modernismo triunfante, afirmativo, bem instalado na vida”. (LEONEL, 1984, p. 140). Além de Rubens, o próprio Sérgio declarou acerca da revista: Klaxon tinha sido uma revista que rompia com uma porção de coisas. Precisava-se fazer uma revista que passasse a construir alguma coisa, a partir daquela ruptura, com a mesma gente, e gente que foi aparecendo depois,

MARQUES, Ivan. Modernismo em Revista: Estética e Ideologia dos Periódicos dos anos 1920. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2013. 534 VELLOSO, Monica Pimenta. O Moderno em Revistas: Representações do Rio de Janeiro de 1890 a 1930. OLIVEIRA, Claudia, VELLOSO, Monica Pimenta, LINS, Vera. (Org.). Rio de Janeiro: Garamond Universitária, 2010. 535 LEONEL, Maria Célia de Moraes. Estética e o Modernismo. São Paulo / Brasília: Hucitec/INL, 1984. 536 MARQUES, Ivan. Modernismo em Revista: Estética e Ideologia dos Periódicos dos anos 1920. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2013. Temporalidades – Revista Discente do Programa de Pós-Graduação em História da UFMG. v. 7 (Suplemento, 2015) – Belo Horizonte: Departamento de História, FAFICH/UFMG, 2016. ISSN: 1984-6150 www.fafich.ufmg.br/temporalidades 533

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porque muitos não estavam na Semana de Arte Moderna. (LEONEL, 1984, p.173).537

Porém em 1926, Sérgio e Prudente vão para a Revista do Brasil, onde o primeiro se torna seu colaborador de ponta e o segundo o seu secretário, tendo Rodrigo de Mello Franco Andrade na direção, sendo financiada pelo mecenas Paulo Prado. Como bem destaca Velloso (2006), citando a importância da articulação feita entre as elites intelectuais e empresariais na estruturação dessas redes de sociabilidade, e como foram importantes para construir um sentimento de brasilidade. Essa articulação entre as elites empresariais e intelectuais, revela o papel estratégico exercido pelas revistas como lugar de estruturação das redes de sociabilidade, conformando um microcosmo especifico de organização e de atuação em relação ao livro. (...) As revistas apresentaram-se como órgão de ponta na construção, veiculação e difusão do ideário moderno. São elas que ajudam a forjar a moderna sensibilidade brasileira, abrindo-se para diferentes leituras e sentidos. (VELLOSO, 2006).538

Significativo notar, é que nas páginas de Estética, seria o lugar do conflito entre os realizadores das duas revistas e também o grupo liderado por Graça Aranha, Ronald de Carvalho e Renato Almeida, chamando a atenção, que esse foi o primeiro fato de um rompimento e cisão dentro do próprio modernismo. Já o outro grupo era formado por Sérgio, Prudente de Moraes, neto, Alcântara Machado, Manuel Bandeira e Oswald de Andrade, sendo que esses se identificaram com as perspectivas lançadas por Sérgio. (VELLOSO, 2006). Maria Eugenia Boaventura, no prefácio de sua obra, 22 por 22, narra esse acontecimento entre os modernistas e Graça Aranha, quando este atacou a linguagem pau-brasil e recebeu, duras criticas através da crônica intitulada Modernismo Atrasado. Graça Aranha é dos mais perigosos fenômenos de cultura que uma nação analfabeta pode desejar (...) O seu temperamento agitado levou-o aos graciosos excessos da Semana de Arte Moderna. Hoje, quando da revolução encanecida, brotam os caminhos claros de cada povo, ei-lo, importando para a academia uma série de abstrações inúteis e querendo impor, como modernistas, alguns dos espíritos mais tardos do país. (BOAVENTURA, 2000, p. 19).539

LEONEL, Maria Célia de Moraes. Estética e o Modernismo. São Paulo / Brasília: Hucitec/INL, 1984. VELLOSO, Monica Pimenta. As Modernas Sensibilidades Brasileiras: Uma Leitura das Revistas Literárias e de Humor na Primeira República. França: Nuevo Mundo Mundo Nuevo, 2006. (Artigo Científico) 539 BOAVENTURA, Maria Eugenia. 22 por 22: A Semana de Arte Moderna vista pelos seus contemporâneos. São Paulo: Edusp, 2000. Temporalidades – Revista Discente do Programa de Pós-Graduação em História da UFMG. v. 7 (Suplemento, 2015) – Belo Horizonte: Departamento de História, FAFICH/UFMG, 2016. ISSN: 1984-6150 www.fafich.ufmg.br/temporalidades 537 538

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Em 1926, Sérgio irá publicar, talvez o mais radical artigo já publicado por ele, chamado “O Lado Oposto e Outros Lados”, onde ele irá fazer uma critica direta a obra de Ronald de Carvalho, intitulada Toda América, onde Sérgio irá romper dentro do próprio modernismo, criticando aqueles que por ele era chamado de "modernista acadêmico", ou academizante. Como bem citou Prudente de Moraes, neto: “a critica do modernismo ou se fazia dentro do modernismo ou não se fazia”. (LOENOEL, 1984, p. 185). Toda essa situação acabou por desenvolver um mal estar entre os modernistas. Abaixo Mário de Andrade, faz duras criticas a Graça Aranha, e onde Aranha, acusa Sérgio de estar conluiados com os paulistas. Na “Carta aberta a Alberto de Oliveira”, publicada no terceiro número da revista, Mário de Andrade insiste que o Modernismo não foi trazido da Europa por Graça Aranha, pois já havia no Brasil um grupo vanguardista formado por Anita Malfatti, Victor Brecheret e Oswald de Andrade, entre outros.(...) o que provocou a indignação de Graça Aranha e a desconfiança de que os rapazes de Estética estivessem conluiados com os paulistas. (MARQUES, 2013, p. 44, 45).540

Porém nem todos estavam de comum acordo com as criticas feitas por Sérgio aos modernistas "academizantes". Como foi o caso de Esmeraldino Olympio, como cita Velloso, foi possivelmente um pseudônimo usado por Freyre para assinar uma crônica na revista na qual fazia uma critica ferrenha a Sérgio, principalmente pelo artigo O Lado Oposto e Outro lado. Nesse artigo, Freyre se coloca ao lado de Graça Aranha, Ronald de Carvalho, Guilherme de Almeida entre outros, aderindo a uma retórica em que ele se identificava com os modernistas academizantes, que foram extremamente criticados por Sérgio Buarque de Holanda e Prudente de Moraes, neto. Abaixo um trecho do artigo, publicado na Revista do Brasil no ano de 1926, O Lado Oposto e Outros Lados. É indispensável para esse efeito romper com todas as diplomacias nocivas, mandar pro diabo qualquer forma de hipocrisia, suprimir as políticas literárias e conquistar uma profunda sinceridade pra com os outros e pra consigo mesmo. A convicção dessa urgência foi pra mim a melhor conquista até hoje do movimento que chamam de “modernismo”. Foi ela que nos permitiu a intuição de que carecemos, sob pena de morte, de procurar uma arte de expressão nacional. (REVISTA DO BRASIL, p.9-10, 15 de outubro de 1926).541

MARQUES, Ivan. Modernismo em Revista: Estética e Ideologia dos Periódicos dos anos 1920. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2013. 541 HOLANDA, Sérgio Buarque. O Lado Oposto e Outros Lados. Revista do Brasil, São Paulo, p.9-10, 15 de outubro de 1926. Temporalidades – Revista Discente do Programa de Pós-Graduação em História da UFMG. v. 7 (Suplemento, 2015) – Belo Horizonte: Departamento de História, FAFICH/UFMG, 2016. ISSN: 1984-6150 www.fafich.ufmg.br/temporalidades 540

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Leonel (1984), em seu livro cita como Sérgio Buarque e Prudente de Moraes, neto, costumavam assinar as criticas, quando já sabiam de antemão as polêmicas que causaria os artigos nas publicações de Estética. Em entrevista, já na década de 1980, ambos destacaram o fato, contando que costumavam assinar juntos as criticas, principalmente quando previam o desencadeamento de polêmicas. E quem costumava assinar em primeiro lugar, era aquele que propunha a chave argumentativa. (LEONEL, 1984, p. 172).542

Já Ângela de Castro Gomes, em seu artigo Essa Gente do Rio, destaca o fato de São Paulo e Rio serem tão parecidos. "Rio e São Paulo eram absolutamente iguais: eles se odiavam". (GOMES, 1993, p. 65). Mostrando assim a rivalidade entre as duas cidades naquele contexto. Segundo Gomes (1993), o Rio de Janeiro convivia, desde os fins do século XIX, com duas presenças fundamentais em termos de referências para o mundo intelectual, primeiro: a Academia Brasileira de Letras, segundo: o grupo de boêmios da Rua do Ouvidor. Enquanto o Rio tinha uma identidade mais voltada para a presença do Estado, do comércio, da boemia, São Paulo era uma cidade marcada com forte tendência pela produção e pelo ehtos do mercado. (GOMES, 1993). A tradição mundana da cidade, que data do século XIX e tem na Rua do Ouvidor e depois na Avenida Central suas artérias principais. (...) Este mundo boêmio que possuía seu ethos e formas de expressão intelectual é o mesmo que abastece a Academia Brasileira de Letras e que igualmente procura formar outras associações com seu monopólio de consagração. (GOMES, 1993, p. 66).543

Assim declara Menotti Del Picchia, em 1922, oito meses após a Semana, a respeito dos "bandeirantes" paulistas, que foram ao Rio de Janeiro fincar o marco da "vitória" paulista sobre o movimento carioca. Entre esses "bandeirantes" estão Mário de Andrade, Oswald de Andrade entre outros. Anteontem partiu para o Rio de Janeiro a primeira "bandeira futurista". Mário Moraes de Andrade - o papa do novo Credo - Oswald de Andrade, o bispo, e Armando Pamplona, o apostolo, foram arrostar o perigo de todas as lanças (...) A façanha é ousada! (...) a "bandeira" futurista terá que afrontar os megatérios, os bizontes, as renas da literatura pátria, toda a fauna antediluviana, que ainda vive, por um milagroso anacronismo. (HÉLIOS, Correio Paulistano, 1922).544

LEONEL, Maria Célia de Moraes. Estética e o Modernismo. São Paulo / Brasília: Hucitec/INL, 1984. GOMES, Angela de Castro. Essa Gente do Rio...Os intelectuais cariocas e o modernismo. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol. 6, n.11, 1993, p. 62-77. 544 HÉLIOS, "A bandeira futurista", Correio Paulistano, 22/10/1922. Temporalidades – Revista Discente do Programa de Pós-Graduação em História da UFMG. v. 7 (Suplemento, 2015) – Belo Horizonte: Departamento de História, FAFICH/UFMG, 2016. ISSN: 1984-6150 www.fafich.ufmg.br/temporalidades 542 543

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Como cita GOMES (2003), acerca do mito da paulistanidade, na imagem da "bandeira" paulista, construída por Del Picchia. Segundo ele "O Rio era espaço da Academia e dos parnasianos e simbolistas, contra os quais essa bandeira investida duramente". Ainda segundo Hélios, "Os cariocas não comportavam a radicalidade paulista". (GOMES, 1993, p. 68). Significativo notar, como o movimento modernista se ligava sobremodo a figura de Sérgio Buarque, sendo esse uma espécie de "elo de ligação" entre o movimento carioca e o paulista, já que em setembro de 1924, O Rio de Janeiro, através da Revista Estética, torna-se o centro simbólico do legado modernista. (NICODEMO, 2012). Desde que chegou ao Rio de Janeiro, em 1921, aos dezenove anos, Sérgio Buarque de Holanda operou como elo entre o circulo de intelectuais modernistas do Rio de Janeiro e de São Paulo. É certo que ajudou muitos na aproximação entre Mário de Andrade e intelectuais como Graça Aranha, Ribeiro Couto e Ronald de Carvalho. Mesmo as primeiras correspondências trocadas entre Mário de Andrade e Manuel Bandeira evidenciavam uma aproximação organizada pela presença de Sérgio. (NICODEMO, 2012, p. 110111).545

Mário ainda lamenta o fechamento da revista Estética por falta de recursos financeiros, dessa maneira, acaba-se por criar um tom mais intimista e de proximidade entre Mário de Andrade e os jovens modernistas, dizendo terem eles cumprido muito bem sua missão embora como o próprio Mário diz, a falta de “arame” fosse um problema insolúvel, difícil de resolver. (VELLOSO, 2010). Cabe aqui destacar a primeira carta, trocada ainda em 1922, mais precisamente no dia 08 de maio, onde Mário de Andrade diz a Sérgio: "É preciso que não te esqueças de que fazes parte dela. Trabalha pela nossa Ideia, que é uma causa universal e bela, muito alta". (MONTEIRO, 2012, p. 19). Acerca dessa correspondência, Sérgio 30 anos depois, publica um artigo no Jornal Diário Carioca, intitulado Depois da Semana, onde revela mais detalhes sobre o trecho da carta citada acima, quando se correspondia com Mário de Andrade. De Mário de Andrade guardo uma carta escrita em 8 de maio de 22, onde a recomendação de cooperar ativamente no trabalho comum – “trabalha pela nossa Ideia, que é uma causa universal e bela, muito alta” – não falta sequer a maiúscula de “Ideia” a sugerir uma convicção meio solene e ainda mal polida. Isso justamente as vésperas de sair o primeiro número do Klaxon, dinamite do modernismo de guerra, e ainda em plena fase “desvairista”. (JORNAL DIÁRIO CARIOCA, 24 de fevereiro de 1952).546

NICODEMO, Thiago Lima. Sérgio Buarque de Holanda e a dinâmica das instituições culturais no Brasil 1930-1960. Seminário "Atualidade de Sérgio Buarque de Holanda". Debate promovido pelo IEB/USP. São Paulo, 2012. 546 HOLANDA, Sérgio Buarque. Depois da Semana. Jornal Diário Carioca, Rio de Janeiro, 24 de fevereiro de 1952. Temporalidades – Revista Discente do Programa de Pós-Graduação em História da UFMG. v. 7 (Suplemento, 2015) – Belo Horizonte: Departamento de História, FAFICH/UFMG, 2016. ISSN: 1984-6150 www.fafich.ufmg.br/temporalidades 545

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Conclusão Dessa forma, pode-se concluir como essas produções, mesmo tendo vida curta, foram importantes na construção de uma nova identidade brasileira, e como elas constituíram um novo paradigma em se tratando de modernismo. Como cita Velloso (2006), essas revistas foram importantes para a construção de um novo sentimento de brasilidade. Revistas essas, que circularam em meados dos anos 20, e acabaram por ocupar um papel muito importante no restrito mundo intelectual de seu tempo. Como bem cita LUCA (2010), no prefácio da obra O Modernismo em Revistas, a importância dessas revistas. Debatia-se em suas páginas, a articulação entre modernismo e brasilidade, alargada para além da cultura livresca. E isso, sobretudo, graças a Prudente e Sérgio, intelectuais que mantinham ligações com a cultura boêmia carioca e mostravam-se sensíveis as manifestações populares. (LUCA, 2010, p. 9)547

LUCA, Tânia Regina. O Moderno em Revistas: Representações do Rio de Janeiro de 1890 a 1930. In: OLIVEIRA, Claudia, VELLOSO, Monica Pimenta, LINS, Vera. (Org.). Rio de Janeiro: Garamond Universitária, 2010. 547

Temporalidades – Revista Discente do Programa de Pós-Graduação em História da UFMG. v. 7 (Suplemento, 2015) – Belo Horizonte: Departamento de História, FAFICH/UFMG, 2016. ISSN: 1984-6150 www.fafich.ufmg.br/temporalidades

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