Kleist, Craig, Kantor, a Morte e as Vanguardas do século XX

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KLEIST, CRAIG, KANTOR, A MORTE E AS VANGUARDAS

Gostaria de iniciar este ensaio relatando acerca do seu caráter informal e relacional, o que se busca aqui é fazer uma conexão entre os temas "Heinrich Von Kleist, Gordon Craig, Tadeusz Kantor, a Morte e as Vanguardas da século XX" relacionando a influência e entrelaçamento concomitante entre estes, sem levantar uma grade quantidade de explicações conteudistas, para aqueles que quiserem uma maior bagagem informacional, indico os livros/textos "Dadá e Surrealismo" de Dawn Ades, "O Teatro da Morte" de Tadeusz Kantor, "Sobre o Teatro de Marionetes" de Heinrich Von Kleist, "O ator e a Supermarionete" de Edward Gordon Craig e "Metafísica do Amor/Metafísica da Morte" de Schopenhauer.
O século XX além de ser um século de grandes transformações, também foi um século de diversas destruições, tanto físicas quanto ideológicas, e por que não dizer, de ambas concomitantemente. Enquanto o mundo se via completamente transformado pelas inovações provindas das revoluções industriais, como o automóvel, a eletricidade, as diversas maquinarias e o novo estilo de vida que era oferecido, vemos a decadência provir destas mesmas criações que foram tão promissoras, tais como a criação de armas, maquinas de tortura e a eclosão de duas guerras mundiais que marcaram profundamente um período de decadência durante certa parte do século, as quais ainda refletem até a atualidade, vemos surgir aí a literatura de Franz Kafka, o niilismo de Friederich Nietzche, o teatro de Tadeusz Kantor, a dança de Kurt Jooss, a pintura expressionista e impressionista, além dos movimentos vanguardistas: o futurismo, o dadaísmo e o surrealismo, todos buscando uma reestruturação ou novo modo de abordagem da realidade, já que a realidade pura e concreta com suas contradições marcadas por uma filosofia metafísica em uma ambiente absolutamente desumano, não eram mais suficientes, e já que movimentos artísticos como o realismo no teatro e o classicismo na pintura chegavam a ser hipócritas, irônicos e insuficientes, pois a realidade não precisava ser idealizada e, muito menos copiada, ela precisava SER.
No início do século XX, o mundo já observava o surgimento do automóvel, a eletricidade, o motor a combustão e a criação de diversas máquinas, o homem assim consegue transcender sua natureza humana e atingir limites, velocidades e ações que jamais conseguiria sem tais recursos, há então por parte de alguns artistas uma exaltação de tais transformações, o homem era visto agora como ilimitado e deveria se focar no futuro, na velocidade, na força, no poder, surge assim o Futurismo; o movimento futurista – que depois se ramificou em outros como o cubo-futurismo – foi marcado exatamente por uma busca do homem do futuro, o homem inovador e ilimitado, a velocidade, a ação, a guerra, a força, a misoginia, a completa destruição de museus, bibliotecas e academias eram todos declarados no chamado "Manifesto Futurista", onde se buscava esquecer o passado, assim destruindo realmente museus e bibliotecas, de modo que estes eram associados constantemente a cemitérios onde o conhecimento e a arte estão mortos, já a academia, assim como nas outras vanguardas e no teatro de Tadeusz Kantor, era completamente negada devido ao seu caráter institucional, formatado e seletivo, os futuristas viam a guerra como uma ajuda na limpeza da raça humana (uma espécie de "seleção natural" de Darwin, onde o mais forte prevalece) e nas artes primavam pela velocidade e pela objetividade. Muitas peças futuristas foram criadas ou adaptadas para não ultrapassar cinquenta palavras e cerca de dois minutos, assim era apresentado apenas o conflito principal, sendo que a criação psicológica até então construída no realismo foi absolutamente negada; com a eclosão da Primeira Guerra Mundial e o surgimento de um cenário decadentemente mórbido porém, se percebeu os futuristas entrarem em conflito com diversos de seus conceitos como a exaltação da máquina e da guerra, assim os fascistas italianos, os quais até então tinham os futuristas associados a si, acabaram destruir o movimento; vários dos conceitos deixados pelo futurismo porém ecoaram futuramente e ecoam até hoje, ao lermos o Manifesto Futurista, por mais que possamos observar diversos pontos de vista extremamente destrutivos de modo negativo, também vemos a destruição e reconstrução de um pensamento altamente revolucionário, o qual resolve acabar com a arte institucional e acadêmica, permitindo uma expansão da criação artística, sem a qual talvez não existisse atualmente a arte contemporânea, sendo assim, mesmo que julguemos mal e vejamos alguns conceitos do movimento como ingênuos, não podemos negar seu caráter revolucionário e genial, e em certa medida, essencial para uma verdadeira transformação nos movimentos artísticos; após a destruição do futurismo, vemos então seus ecos atingirem outros artistas que ainda buscavam uma libertação da arte e da realidade, assim em Zurique, no Cabaré Voltaire, vê-se um balburdio dar origem ao chamado atualmente Dadaísmo, muito mais do que um movimento artístico, o dadaísmo representou uma forma de comportamento, ele era em si a destruição de tudo e todos a sua volta, chamado também de "anti-arte", em meio a poemas formados por palavras aleatórias inventadas e sem significado, pinturas de Picabia, instalações polêmicas de Marcel Duchamp – como a instalação de um mictório de um suporte de garrafas e da Monalisa com um bigode em galerias de arte – e os ready-made, onde objetos da realidade eram colocados em galerias aleatoriamente sem preferência estética ou semiótica, vemos uma completa destruição dos parâmetros artísticos até então estabelecidos, altamente extravagantes, escandalosos e polêmicos, os dadaístas buscavam um novo modo de fazer arte, ao mesmo tempo que zombavam dos artistas até então prevalentes – inclusive dos futuristas e expressionistas – utilizando de vários recursos para criar uma espécie de conceito "tudo pode ser arte, assim nada será arte, então tudo será aceito e os parâmetros artísticos não farão sentido", conseguiram criar um novo olhar para a arte, descompromissado, onde a arte existe por existir, e não para cumprir uma função ou ter um significado, tais conceitos futuramente refletirão no teatro de Tadeusz Kantor o qual se diz praticamente um adepto ao dadaísmo, sendo possível inclusive relacionar seus happenings, onde fazia uso da realidade para criar situações quase irreais, com os objetos ready-made, tirados da realidade e colocados em um âmbito artístico, porém sem mudar sua fisicalidade, mas apenas sua essência de acordo com seu ambiente e colocação; muito mais do que um "vale tudo" que atualmente se vê em muitas obras contemporâneas, o dadaísmo significou uma destruição das regras, uma liberdade para o artista criar sua arte com a sua verdade, seja ela qual for, além disso conversou bastante com a realidade ao qual estava inserido, onde em um período decadente nada mais fazia sentido e as pessoas ainda se prendiam a conceitos tradicionais e ultrapassados, onde era necessário transcender o campo de visão e de pensamento para uma busca por uma reestruturação da vida e da arte, o niilismo de Nietzche e seu caráter altamente concreto nunca haviam feito tanto sentido como até então; após determinado tempo porém, com o dadaísmo sendo uma absoluta destruição de tudo aquilo que estava ao seu entorno, o movimento acabou por se autodestruir, dando lugar ao seu sucessor: o Surrealismo; repleto de artistas ex-dadaístas, o surrealismo foi talvez o movimento mais marcante do século XX, durante o período das descobertas sobre o subconsciente, a psicanálise e o sonho de Freud, pôde-se observar então por parte dos artistas o início de uma pesquisa onde prevalecia o fantástico, o transcendental, o onírico, e tudo isso não por gratuidade, mas por uma busca pela realidade chamada "maravilhosa" ou "suprarealidade" (associada ao superhomem de "Assim Falou Zaratustra", livro de Friederich Nietszche), era buscada neste momento a criação de uma nova realidade, uma realidade fantástica e provinda de nosso subconsciente, porém que fosse capaz de dialogar com a realidade, vemos aí então uma associação por parte dos artistas às pesquisas de Freud – o qual odiava os surrealistas e o modo que tratavam suas descobertas, exceto Salvador Dalí, o qual Freud admirava muito – e o surgimento de uma realidade fantástica e sem limites, a realidade agora não possuía limites, assim como no "Teatro i" (Teatro Impossível) o qual Tadeusz Kantor relata em seu livro "Teatro da Morte", vemos a realidade transcendida, o que até então era tomado por impossível, nonsense, absurdo ou irreal, era mostrado e feito, permitindo que o homem pudesse realizar coisas ALÉM; no teatro e na literatura vemos surgir um dos principais nomes teatrais, o de Antonin Artaud, enquanto vemos o surgimento da peça Ubu Rei de Alfred Jarry, a retomada do Teatro do Inanimado – teatro de bonecos, de máscaras, de sombras e de objetos – além da pintura de René Magritte, Salvador Dalí, as colagens de Max Ernest, entre outras obras as quais sempre buscavam transcender a realidade, chegando a criação de uma outra realidade que dialogasse com a nossa, essa busca pela criação de uma nova realidade ao invés da reprodução ou da idealização da nossa pode ser associada ao "Teatro Zero" de Tadeusz Kantor, onde o mesmo propõe uma completa anulação da nossa realidade e a criação de uma realidade nova, onde as coisas são puramente o que são e onde tudo o que se desencadeia, mesmo que do ponto de vista da nossa realidade pareça absurdo, faz total sentido.
Todos estes movimentos vanguardistas estão absolutamente associados ao conceito de morte da realidade e reestruturação de uma nova realidade, isso pode ser associado ao teatro oriental onde há o conceito de morte da imagem do ator e surgimento da imagem de um novo ser ali, este modo de ver, onde o ator é apenas um "apresentador" de determinadas ações e não um "representador" da natureza humana foi bastante explorado e exaltado por diversos encenadores, dentre os quais: Heinrich Von Kleist, Edward Gordon Craig e Tadeusz Kantor; Kleist já influenciado pela imagem da marionete, relata em seu "Sobre o Teatro de Marionetes" acerca da movimentação perfeita e graciosa da marionete, a qual se contrapõe à movimentação imperfeita e suscetível ao acaso do ator humano, Kleist chegou a propor a retirada do ator de cena e sua substituição pela marionete, já Edward Gordon Craig, bastante influenciado por Kleist, irá ser ainda mais agressivo e revolucionário com relação ao trabalho atoral, bastante conectado às artes plásticas, Craig observava a perfeição e acabamento que se podia observar nas obras das artes plásticas, da música, porém não do teatro, já que o ator humano, suscetível do erro, da emoção e do acaso, nunca conseguiria atuar perfeitamente enquanto fizesse uso do subconsciente e da emoção – já que naquele período, ainda como atualmente, o realismo fazia forte uso da memória emocional e do subconsciente – a não ser que se igualasse ao ator oriental, o qual deixava sua imagem morrer para permitir a criação de uma nova imagem, de uma nova realidade em si, Craig criticou muito o ego e a afetação dos atores ocidentais, propondo uma absoluta exclusão destes do palco para o surgimento em cena da imagem do manequim, o qual para ele era absolutamente perfeito enquanto obra de arte, era humano e matéria ao mesmo tempo, tinha forma acabada, não era suscetível da emoção e do acaso, era ao mesmo tempo vivo e morto, era a vida transmitida através da morte, já que o manequim como forma acabada, poderia facilmente representar a universalidade da vida humana.
Tanto o teatro de Edward Gordon Craig quanto o de Heinrich Von Kleist ecoaram tanto que, juntamente com o Teatro da Crueldade de Antonin Artaud, resultaram em criações teatrais como foram as de Tadeusz Kantor, passando pelo Teatro Independente, Teatro Informal, Teatro Complexo, Teatro Teatro Zero, Teatro Impossível, Happenings, Embalagens e Teatro da Morte, Kantor buscou sempre se desconectar da academia – por mais que tenha dado aulas na Kraków Academy of Fine Arts – renegando completamente os parâmetros artísticos teatrais até então vigentes e, como vindo das artes plásticas, buscando cada vez mais a construção da encenação teatral como uma forma de construção de uma obra de arte completa; a maioria dos conceitos de seu teatro pode ser associada com as vanguardas, a procura pela criação de uma nova realidade autônoma e não representativa, porém que seja associada a nossa realidade, a liberdade do artista para a criação, a subjetividade, o abstrato, a negação do belo, da idealização e da estética, o acabamento, a apresentação – não representação – da morte através da vida, o ator humano tratado como matéria, como objeto, a forte utilização do objeto e do boneco – ambos mortos - e a transcendência do consciente e da realidade lógica e concreta. Enquanto segundo Tadeusz Kantor relata que "toda obra de arte, em alguma medida fala sobre a morte", Schopenhauer afirma que tanto a filosofia quanto a arte não existiriam nem seriam necessárias caso não houvesse a morte. A arte em si é a expressão do nosso interno, mesmo quando falamos sobre terceiros ou sobre determinado assunto há a presença da nossa subjetividade, assim nos expressamos através da arte, extraímos nosso âmago, é como se tirássemos uma camada nossa de pele e permitíssemos que ela possa morrer, para que assim possa nascer uma nova, assim a arte pode ser associada a uma constante morte e (re) nascimento.

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