‘Kultur’ & ‘Zivilisation’ - A partir da citação de Renarde Freire Nobre

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Mónica Mendes Estudos Europeus – Minor em Arte, Literatura e Cultura Sociedade e Cultura Alemã Abril/ 2016

A partir da seguinte citação de Renarde Freire Nobre, a diferenciação entre os termos ‘Kultur’ e ‘Zivilisation’: “O caráter fundamental da luta da intelligentsia alemã indica que a aristocracia do espírito era vista como superior à elite política e econômica, a cultura era superior à política e à economia, a universidade e a troca intelectual de ideais eram superiores aos salões imperiais e às disputas por honra e prestígio, o universal era superior ao provinciano, a interioridade era superior à exterioridade, as atitudes eram superiores aos gestos, a moralidade e a integridade eram superiores à honra e as representações de decoro e decência, a virtude era superior à honra, enfim, a Kultur superior à Zivilization. Por conta dessa luta é que, na época áurea de Napoleão, a “cultura” era alemã e a “civilização” era francesa, sendo que, em contraste com a burguesia alemã cultivadora da Bildung, “o mais alto objetivo do burguês (francês) enquanto indivíduo era obter para si e sua família um título aristocrático, com os privilégios que o acompanhavam.” Debruçando a atenção sobre os conceitos de Kultur e Zivilization tal como propostos por Norbert Elias considerando-se o trajeto histórico da civilização Ocidental, Nobre (2009) no artigo em que se integra a citação que serve de mote ao presente comentário, propõe-se esclarecer e clarificar o que de específico apresenta a Alemanha, por contraste com a França e a Inglaterra no que tange ao ritmo a que evoluiu o processo civilizador. Tendo como base a obra O Processo Civilizador de Norbert Elias, o território Alemão definido por duas correntes, a que age na unidade/união cultural e linguística Habsburigische Länder (estados dos Habsburgo); e outra focada na dispersão política dentro do território Preussische Länder (estados da Prússia), dividido por Estados (todos autónomos) e estados-cidades, eram ligados ao Sacro Imperio Romano-germânico onde o idioma os define, tornou-se fulcral durante o século XVIII que é marcado pela crítica em que o nacionalismo não foi exceção. O termo Kultur, proposto por Elias poderá ser definido enquanto cultura (Carvalho, Guimarães & Zandomênico, 2013), correspondendo ao que poderemos classificar como capital intelectual e cultural da Sociedade Alemã que começou a implementar-se em finais do século XVIII, e que nos trouxe 1

nomes de importantes pensadores e artistas de que são exemplos: Schiller, Kant ou Goethe (cf. Carvalho, Guimarães & Zandomênico, 2013). Johann Goerge Zimmermann realizou críticas radicais, Goethe e Schiller, realizaram críticas menos radicais e referiam-se ao conceito com o seu préstimo em prol da nação. Norbert Elias na teoria deste processo, o conceito de Bildung (formação) ocorrido nos séculos XVIII e XIX, marcando historicamente a Alemanha num processo contínuo de mudança desde a sua origem ao pensamento, no seu percurso e formas do próprio termo, verificamos ainda a existência de duas classes sociais distintas em que uma representa a Zivilization (civilização) e a outra a Kultur (cultura). A primeira classe mencionada era representada por burgueses e indivíduos que exerciam funções públicas com interesses no campo intelectual, artístico e científico; a segunda classe referida era representada pelos cortesãos, cuja preocupação se centrava na conduta moral e na etiqueta e que possuíam uma ligação estreita à política. A França era o Estado mais poderoso na Europa, porém, num processo que viria a redundar na Revolução Francesa de 1789, o absolutismo e a sociedade de ordens hierarquizadas começaram a ser contestados. Os modos da corte foram substituídos pela igualdade dos cidadãos, pela sua soberania e assiste-se ao surgimento do nacionalismo, ao nascimento da política moderna e da divisão da esquerda e direita, em suma, a Revolução Francesa promoveu a nível mundial os direitos do homem (Ferro, 2011). Até à unificação da Alemanha e em pleno século XVIII deu-se a o despertar e reflexão sobre o idioma alemão, não só ao nível académico como noutros campos, como o político, onde se faz a junção entre o passado histórico e a unidade política de um povo com idioma em comum e foi com base na língua Alemã, na cultura da burguesia, na literatura, os conflitos históricos que vencendo à vizinha frança, cresceu a aristocracia do espirito, da superioridade, do patriotismo, e o conceito de nação alemã que é visível ainda nos nossos dias. Fichte afirmou que as “diferenças entre os alemães e outros povos de origem germânica residem na tribo ou na etnia a que pertencem, na língua que falam, no território que ocupam e na memória de um passado histórico comum que partilham. Os alemães teriam permanecido nas terras inicialmente povoadas pela tribo original (Stammvolk) e preservavam assim a língua e a memória de um passado comum”. (Opitz, 1998, pág. 118) Conforme realçam Carvalho, Guimarães e Zandomênico (2013), todo o edifício cultural e intelectual Alemão é fruto da burguesia Alemã que se vai afirmando no seio daquela sociedade e que frequenta as universidades, dando início a um movimento de ostensiva crítica à perspetiva aristocrática que era 2

defendida pela nobreza e pelas classes políticas, onde imperavam as aparências, o saber estar socialmente, e o uso de expressões em Francês que eram apanágio das classes mais altas do panorama social de então ao nível da Europa. Também numa afirmação do espírito cultural e intelectual Alemão, os autores burgueses fizeram questão de cimentar os seus ideais expressando-se na sua língua materna – o Alemão – que era encarada como fria e desengraçada por parte das classes aristocráticas. O povo alemão foi certamente aquele que mais valorizou a construção de uma sociedade culta, educada, instruída comparativamente às outras sociedades europeias da época. Revelou ser uma sociedade culta e empenhada na literatura e cultura, evoluída no sentido do espirito critico, provavelmente, graças ao apoio do protestantismo no meio académico que a nação Alemã foi construída. (Opitz, 1998). A Alemanha embora tenha tido um ritmo mais lento comparativamente a sociedade industrial numa primeira fase, foi superior na segunda metade do seculo XVIII e primeira do século XIX na cultivação de valores com a unificação dos Estados sob o comando de Otto Von Bismarck. Num primeiro momento o movimento humanista que Norbert Elias denomina de Intelligentsia alemã que se pauta pela valorização do idioma alemão, pelo amor à natureza, deixou um legado riquíssimo na literatura, artes, filosofia e dai a Alemanha ser conhecida pela terra dos poetas e dos pensadores. Deste legado, encontramos Herder (que rejeitava o entusiasmo pela ideia de progresso), Kant, Lessing, Schiller entre outros que embora não pertençam à corte, e sim à classe média metropolitana, desempenharam um papel fundamental para a educação e da difusão do idioma alemão enquanto a aristocracia valorizava o francês. A forma como a Alemanha em muito poucas décadas se tornou uma das maiores potências a nível mundial foi brilhante, sobretudo na área da educação e transportes. O caminhar para o nacionalismo alemão consolidou-se efetivamente pelo idioma em comum, pela sua história, cultura e por consanguinidade. Apesar dos excessos do nacionalismo terem resultado em acontecimentos verdadeiramente dramáticos como as duas grandes guerras, o Holocausto Nazi e os princípios de xenofobia e racismo extremo ao mesmo associados, a verdade é que a Alemanha conseguiu afirmar a sua cultura e identidade muito próprias, encontrando-se muito bem posicionada no panorama intelectual Europeu, e tendo acabado por se transformar numa grande potência económica e política com uma posição de destaque ao nível internacional. Para concluir, entendo que Elias defende que as mudanças comportamentais e emocionais em sociedades europeias distintas, todas caminharam no mesmo sentido de civilização com um aumento da autoconsciência e autocontrole. Como refere o mesmo autor, há um ganho de liberdade e privacidade do individuo mas não na autonomia. A finalidade de uma civilização é terminantemente 3

a continuidade de plena consciência para a autodisciplina e progresso de contenção da agressividade de um povo e para com o(s) povo(s) e o mundo num todo e lutar contra a descivilização na transformação em direção oposta, i.e., quando não é colocado em marcha, um projeto coletivo com prioridade nos interesses da nação. A Alemanha contribui para a Unidade Europeia num planeamento conjunto mais consciencioso dos cidadãos, do legado histórico, da sua cultura, dos direitos fundamentais e valores morais do continente Europeu e das suas nações, uma preocupação de merece acrescer a Unidade Europeia é a proteção dos seus cidadãos. Bibliografia: Alfred OPITZ (Coord.): Sociedade e Cultura Alemãs, Lisboa, Universidade Aberta, 1998 Maria Laura Bettencourt PIRES (coord.): Estudos Europeus I, Universidade Aberta, 2001 FERRO, Marc, História de França, Lisboa, Edições 70, 2011 Aquino, S. L. (2012). Considerações sobre o conceito de civilização em Norbert Elias. Revista Espaço Acadêmico, 138, 138-148.

Webgrafia: Carvalho, C., Guimarães, L., & Zandomênico, R. (2013). Entre Kultur e Civilization: uma análise da formação do conceito de civilização e cultura na transição do feudalismo para o capitalismo, a partir dos textos de Norbert Elias (Between Kultur and Civilization: an analysis of the formation of the concept...). História Em Curso, 3(3), 34-48. Recuperado de http://periodicos.pucminas.br/index.php/historiaemcurso/article/view/5344 (15/04/2016) 1 - Nobre, Renarde Freire (2009) Kultur versus Zivilisation: A Crítica da Intelligentsia Alemã ao Processo Civilizador, UFMG. Kultur versus zivilization: a crítica da intelligentsia alemã ao processo civilizador: http://www.uel.br/grupoestudo/processoscivilizadores/portugues/sitesanais/anais12/artigos/pdfs/mesas_redondas/MR_Nobr e.pdf (15/04/2016) “Kultur” versus “Zivilisation”: http://www.espacoacademico.com.br/049/49cmoraes.htm (15/04/2016) Fenomenologia e cultura: Husserl, Levinas e a motivação ética do pensar, p.33, Por Marcelo Fabri: https://books.google.pt/books?id=FfE4lXcNqaUC&pg=PA33&lpg=PA33&dq=filosofia+de+herder +cultura+e+civiliza%C3%A7%C3%A3o&source=bl&ots=oo9wBv2mdM&sig=C_3MMwZAi4Gt BLnLVNjXE_TDRG8&hl=ptPT&sa=X&ved=0ahUKEwjBvNaI147MAhUCwBQKHTQVBvkQ6AEILjAD#v=onepage&q=filos ofia%20de%20herder%20cultura%20e%20civiliza%C3%A7%C3%A3o&f=false (15/04/2016)

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