“La United Press y Nosotros”: O diário La Tribuna e a UPI em meio a transformação do jornalismo paraguaio (1944-1964)

June 2, 2017 | Autor: Emilio Colmán | Categoria: Latin American Studies, Paraguayan History, Press and media history, História Da Imprensa
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“La United Press y Nosotros”: O diário La Tribuna e a UPI em meio a transformação do jornalismo paraguaio (1944-1964)

Este trabalho é um desdobramento da minha pesquisa de mestrado intitulada: “Identidades em Confronto: O caso dos Saltos das Sete Quedas/Guairá e as imagens do Brasil e do Paraguai nos jornais O Estado de São Paulo e La Tribuna (1963-1966) ”. Durante a pesquisa do jornal paraguaio La Tribuna me deparei com uma questão: a construção do “ideal da objetividade” pelo periódico durante a década de 1960 1. De alguma forma, essa busca por construir uma “objetividade” jornalística se relacionava com o contrato de exclusividade que a agência de notícias United Press International possuía com o jornal sul-americano. Um primeiro indício pode ser encontrado em um editorial, de agosto de 1964, intitulado La United Press y Nosotros. O editorial celebrava o acordo firmado vinte anos antes entre o seu proprietário e presidente Arturo Schaerer e o então gerente da UP Thomas Rafael Curran. O acordo foi representado como um símbolo da mudança editorial pela qual passara o periódico paraguaio nas décadas de 1950 e 1960 2. As ideias de “objetividade” e “independência” foram centrais na transformação do La Tribuna e do jornalismo paraguaio. O modelo de “objetividade” jornalística que a UP ajudou a estabelecer no Paraguai, foi fundamental para a sua transformação do jornalismo paraguaio, porém limitou o alcance de sua crítica aos governos. Ainda que essa fosse uma tendência do jornalismo paraguaio, e latino-americano, o modelo de “objetividade” que o La Tribuna buscava consolidar, ajudou a legitimar a ditadura do General Stroessner (1954-1989), um reconhecido aliado dos E.U.A. na América do Sul. Nesta comunicação, busco apresentar como esse modelo de “objetividade” da imprensa norte-americana contribuiu para as transformações do jornalismo paraguaio, e como estas acompanharam os processos políticos e sociais dessa sociedade entre 1944 e 1964. A agência de notícias United Press foi fundada em 1907, por Edward Willis Scripps (1854-1926) que fundou seu primeiro jornal, o The Cleveland News (inicialmente The Penny Press) em 1878. A narrativa construída pelos jornalistas da UP diz que Scripps enxergou o espaço deixado pelo primeiro e principal serviço telegráfico dos EUA, a Associated Press (1848). A maioria dos clientes da AP eram jornais matutinos, logo a agência deixou de vender para os principais concorrentes de seus assinantes, os jornais vespertinos, gerando uma demanda de mercado ocupada pela nova agência 3.

Com a invenção do telégrafo, na década de 1840, a imprensa norte-americana assistiu a ascensão da AP, durante a segunda metade do século XIX, que coletava e publicava “notícias” para jornais de diversos posicionamentos políticos. Segundo Michael Schudson, a partir daí começou a ser construído o “ideal da objetividade”. As agências de notícias construíram, na narrativa que fizeram sobre elas próprias, a ideia que introduziram um modelo de jornalismo diário seguido pela imprensa norte-americana e do mundo todo. A própria UP se considerou “na vanguarda das práticas jornalísticas, estabelecendo novas regras de estilo e método” 4. Schudson questionou se não haveria uma afinidade das agências com os projetos políticos dos seus jornais-clientes, seus “interesses e necessidades”, questionou assim, a própria ideia de “objetividade” e “independência” construída por elas 5. A UP assumiu a concorrência com a AP através de um discurso extremamente competitivo que era compartilhado pelos seus jornalistas ao redor mundo. A UP, sediada em Washington, buscou se firmar no mercado das agências de notícias internacionais, disputando clientes com a AP, sediada em Nova York. Voltou-se, então, para a América do Sul onde os E.U.A. consolidavam a sua hegemonia. Em 1958, a UP se fundiu com uma de suas concorrentes, a International News Services, transformando-se em United Press International. Alcançou com isso, um lugar de destaque no mercado das agências internacionais de notícias e se aproximou da posição ocupado pela AP durante a década de 1960 6. La Tribuna, por sua vez, foi o periódico paraguaio de maior duração no século XX. Foi fundado em 31 de dezembro de 1925 por Eduardo Schaerer Vera y Aragón (1873-1941), e seus aliados políticos em Assunção 7. Em seus primeiros anos, o periódico se posicionava como órgão representante de uma das facções do Partido Liberal Radical, os radicais conservadores, que tinham em Schaerer uma importante liderança. Sua facção traduzia os interesses de grandes proprietários de terra e de comerciantes da capital no interior do Partido Liberal 8. A concepção de imprensa dominante no Paraguai até a década de 1950 era a do jornalismo artesanal e partidário, ligado às facções dos principais partidos do país 9. Após a morte de seu proprietário, em 1941, o jornal La Tribuna se afastou do antigo modelo de jornalismo partidário, o que não significou neutralidade. O herdeiro do jornal, Arturo Óscar Schaerer (1907-79) e seus redatores passaram a construir a imagem de um novo jornal. O então diretor, personificou o processo de mudança passando a declarar que o órgão se tornara “independente, objetivo e livre de interesses” 10. O “ideal

da objetividade” passou assim a ser perseguido no jornalismo paraguaio. Segundo o jornal essa nova orientação era a causa do sucesso do periódico. Nessa imagem, o periódico, sob direção de Arturo, passara por uma “ação renovadora e progressista”, onde os “interesses nacionais” estariam acima dos partidários. Entre 1940 e 1944 La Tribuna esteve sob a direção de diversos interventores designados pela ditadura do General Higinio Morínigo (1940-48), que perseguiu e exilou políticos que representavam o período da hegemonia do Partido Liberal (1904-1936). Entre eles, Eduardo Schaerer e sua família foram enviados ao exílio na Argentina 11. A partir de 1944, quando acabou a intervenção da ditadura de Morínigo no La Tribuna, o jornal passou a construir a ideia da “objetividade” e da “independência”. O acordo com UP acelerou o enquadramento do jornal aos padrões da imprensa norte-americana, que se pretendia mais “objetivo” e “independente”. Nesse modelo, os telegramas da UP não apenas ocupavam as capas do La Tribuna, como era padrão da imprensa internacional. O jornal paraguaio passou a dar mais espaço às notícias internacionais que às notícias nacionais 12. Os “fatos” que o jornal publicava se tornaram, de acordo com o jornal, “livres de interferências” e estavam, portanto, “além das distorções e influencias de qualquer preferência pessoal e individual”. A crença na objetividade é a fé nos “fatos”, porém, a própria escolha dos “fatos” publicados ou nãojá pressupõe um posicionamento político. Nos marcos da política de boa vizinhança, uma série de ações visando estabelecer vínculos econômicos e culturais foram estabelecidos como empréstimos bancários e o estabelecimento do Centro Cultural Paraguaio-Americano, em 1942, que “se converteu em um instrumento chave da Embaixada para a difusão de valores e cultura norteamericana em todo o Paraguai” 13. Após garantir o alinhamento da ditadura paraguaia à Washington, a Embiaxada passou a estimular o intercâmbio cultural e acadêmico, concedendo bolsas para estudantes paraguaios nos EUA e estimulando viagens de intelectuais e jornalistas 14. Os historiadores norte-americanos Frank Mora e Jerry Cooney fazem referência a uma viagem de Arturo Óscar Schaerer aos EUA, “para adquirir um maior conhecimento do país e da atividade jornalística 15”. Apesar de não encontrar nenhuma referência sobre essa viagem no La Tribuna, a própria assinatura do contrato com a UP, em 1944, indica que Schaerer entrou em contato com o jornalismo norteamericano neste período e, portanto, com o “ideal da objetividade” do jornalismo norteamericano. O contrato foi celebrado em 1964 como um símbolo da transformação do diário assunceno. No editorial já citado, a imagem que o jornal constrói do seu passado é a de

uma “época em que não se pensava ainda em teletipos e em telefotos”. Na narrativa, tudo mudou quando “chegou ao jornal um estrangeiro, alto, loiro e com bons modos”, Thomas Curran da UP, que ofereceu gratuitamente o serviço telegráfico por seis meses, “e assim nasceu uma amizade”. Para o jornal, graças ao acordo “La Tribuna deixou de ser essa tímida empresa de vinte anos atrás” e passou a oferecer aos seus leitores, junto com a United Press, “segurança na informação, rapidez em seu conhecimento e plena objetividade em sua interpretação”. Durante a consolidação da ditadura do general Alfredo Stroessner (1954-1967), a “objetividade” do La Tribuna contribuiu para legitimar o seu regime. Em 1958, quando Stroessner ainda enfrentava resistências dentro do seu próprio partido, o Partido Colorado, e também no interior das Forças Armadas, os sindicatos paraguaios convocaram uma greve geral. O maior movimento de trabalhadores durante a consolidação da ditadura foi duramente reprimido pelo regime. Em toda a mobilização, o La Tribuna não publicou uma simples nota em referência ao movimento, ocupando-se do noticiário internacional e da cobertura “oficial” da posse do segundo mandato de Stroessner, o que legitimava uma “eleição” realizada sem oposição e com o estado de sítio levantado. Já no auge da repressão aos trabalhadores, no final de agosto de 1958, os tipógrafos da gráfica do jornal também paralisaram suas atividades, sendo o jornal obrigado a dar alguma satisfação aos seus leitores. Publicou, assim uma breve nota que esclarecia a participação de seus trabalhadores no movimento geral e informava que “o problema foi, em parte, solucionado, mas ainda sofreemos com as consequências da paralisação que afetou integralmente a equipe operária do jornal” 16. A resistência dos tipógrafos do La Tribuna é um exemplo de que, apesar do controle exercido pelo regime na imprensa, havia formas de resistência dentro do jornal. Durante a consolidação da ditadura, o controle do jornal se dava por meio da autocensura que limitava a sua crítica ao regime. O medo dos espiões colorados reforçava o controle e a vigilância nas redações paraguaias 17. A mudança editorial, que era legitimada pela “independência”, pela “objetividade” e pela “modernidade”, também fazia parte da estratégia de Arturo Schaerer para sobrevivencia de sua empresa em meio à repressão policial liderada pelo ministro do Interior Edgar L. Ynsfrán (1956-1966) 18. Entre 1954 e 1960, o regime de Stroessner enfrentou as maiores ameaças internacionais e nacionais, porém, o suporte político, econômico e militar que Washington ofereceu à Stroessner foram fundamentais para a sobrevivência e consolidação do “governo mais anticomunista do mundo”, segundo o próprio

presidente 19. A UP também aumentou a sua influência no Paraguai, em 1958 o presidente da empresa desembarcou no país para dois encontros, um com Arturo Schaerer e outro com o próprio presidente Stroessner 20 A recepção à Charles Scripps indica, por um lado, a preocupação da ditadura com o que era publicado sobre o Paraguai pelas agências de notícias internacionais, e por outro, o importante papel desempenhado pelo La Tribuna na consolidação da UP na América do Sul, em concorrência direta com a AP que não possuía clientes no Paraguai. Depois do Paraguai Scripps seguiu para a Argentina, um mercado editorial bastante disputado pelas agências internacionais de notícias. Outro norte-americano visitou o Paraguai em 1958 foi diretor da Graduate School of Journalism da Universidade de Columbia, Edward W. Barret. O professor, além de visitar diversas redações sul-americanas, atuou como juiz do prêmio “Maria Moors Cabot”, que a sua universidade oferecia aos jornais e jornalistas das Américas 21. O La Tribuna recebeu o prêmio em 1953, estabelecendo uma relação com jornalismo norteamericano que ia além do modelo de “objetividade” jornalística que a padronização do texto, introduzida no La Tribuna pela UP, representava para os jornalistas paraguaios. A universidade de jornalismo, representando e formando a comunidade profissional, legitimava a “técnica jornalística”. A “técnica”, por sua vez, representava a crença na objetividade do texto jornalístico. Para Schudosn, a “objetividade” da imprensa norte-americana, significa que “as declarações de uma pessoa sobre o mundo podem ser confiáveis se forem submetidas a regras estabelecidas, consideradas legítimas por uma comunidade profissional” 22. O La Tribuna além de adotar o modelo de texto “objetivo” da imprensa norte-americana, também passou a defender e financiar a criação de um Instituto de Jornalismo no Paraguai, fundado em 1965 na Universidade Nacional de Assunção 23. Para Schaerer e os redatores do La Tribuna, a padronização do texto jornalístico, que a UPI havia introduzido, era o modelo que estava em seus horizontes. Representava a “imprensa independente, moderna e adequadamente informativa” que Arturo Schaerer defendia, oposta ao antigo modelo da imprensa partidária. A adoção de um padrão internacional e a pretensa prevalência da informação sobre a opinião, a “objetividade”, foram fundamentais para a legitimação do jornal como um órgão a serviço do progresso e do interesse nacional paraguaio. Ao se apresentar como um projeto apolítico, La Tribuna conseguiu construir legitimidade para o seu projeto político. O acordo, assinado entre o La Tribuna e a UP, contribuiu para a transformação do primeiro em imprensaempresa e para a consolidação da agência norte-americana na América do Sul. A

construção da “independência” e o “ideal da objetividade” reposicionaram o jornal no mercado editorial paraguaio, cada vez mais fechado para críticas aos sucessivos governos autoritários.

1

SCHUDSON, Michael. Discovering the News: a social history of the american newspaper. New York: Basic Books, 1981. p.6. 2 La Tribuna 23.08.1964 La United Press y Nosotros p.3. 3 HARNNET, Richard e FERGUSON, Billy. “UNIPRESS: United Press International--Covering the 20th Century” apud LIEBENSON, Donald. Chicago Tribune 04.05.2003. 4 UPI: 100 years of jornalistc excellence. Disponível em: < http://100years.upi.com/history.html>. Acesso em: novembro de 2015. 5 SCHUDSON, 1981, Op.cit. p.4-5. 6 UPI: 100 years of jornalistc excellence. Disponível em: < http://100years.upi.com/history.html>. Acesso em: novembro de 2015. 7 Cf. CRICHIGNO, Juan. Diários del Paraguay. Assunção: s/e, 2010, p. 344-351 8 DE BOSIO, Beatriz G. Eligio Ayala: Cultura política y democracia en América Latina, Humanismos, perspectivas y prácticas alternativas en la encrucijada. In: V Encuentro del Corredor de las Ideas del Conosur. Universidad Nacional de Río Cuarto, Córdoba, Argentina: Novembro de 2002. Disponível em: http://www.corredordelasideas.org/v2/v_corredor_ponencias.html 9 ORUE POZZO, Anibal “Las Transformaciones en el Periodismo Paraguayo: 1950-1970” In: ORUE POZZO, Anibal. Periodismo em Paraguay: estúdios e interpretaciones. Asunció n: Arandurã, 2007, p. 183-264. 10 La Tribuna 31.12.1965, La Tribuna: Cuarenta años de vida, p.22. 11 La Tribuna Ibd. 12 DE BOSIO, Beatriz G. “Periodismo escrito paraguayo en el siglo XX” In: ____ e DEVÉS-VALDÉS, Eduardo. Pensamento paraguayo del siglo XX. Asunción: Intercontinental/Corredor de las Ide+3as del Cono Sur. 2006. p.216. 13 MORA, Frank O. e COONEY, Jerry W. El Paraguay y Estados Unidos. Assunção: Editora Intercontinental, 2013. p.144-147. 14 MCQUILKIN, Christopher. “An Excellent Laboratory”: U.S. Foreign AID in Paraguay 1942-1954. Tese Departamento de História - University of Oregon 2014. e KESSLER, John. Spruille Braden As a Good Neighbor The Latin American Policy of The United States, 1930-1947. Dissertação Kent State University, 1985. 15 MORA e COONEY, 2013, Op.cit. p.146. 16 La Tribuna 29.08.1958 La edición de Ayer p.3. 17 GONZÁLEZ DELVALLE, Alcibíades. La prensa y la cultura bajo el régimen. Asunción: El Lector, 2014. p.57-81. 18 COLMÁN GUTIERREZ, Andrés. La oposición tolerada y la perseguida. Asunción: El Lector, 2014. p.34 19 ROUQUIÉ, Alain. O Estado Militar na América Latina. São Paulo: Alfa-Ômega, 1982. p.216. e NICKSON, Andrew. La Guerra Fría y el Paraguay. Asunción: El Lector, 2014 20 La Tribuna 01.10.1958 Arribó ayer el presidente de la junta de diretores de la United Press. p.3. 21 La Tribuna 13.10.1958 Visita Asunción el Decano de la Escuela de Periodismo de Universidad de Columbia p.3. 22 SCHUDSON, 1981 Op.cit. p.7. 23 SIMON, Victor. La Enseñaza Universitária de Periodismo en el Paraguay. Assunção: Editorial La Voz, 1973.

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