Lady Gaga Goddess of Love: um estudo sobre a sacralização do consumo na música pop

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8º Congresso de Estudantes de Pós-graduação em Comunicação do Rio de Janeiro XII Seminário de Alunos de Pós-graduação em Comunicação Social da PUC-Rio Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro Rio de Janeiro, 21 a 23 de outubro de 2015.

Lady Gaga Goddess of Love1 Um estudo sobre a sacralização do consumo na música pop

Resumo Durante o século XX, com a expansão da cultura de massas, as celebridades ganharam espaço no quotidiano popular. Socialmente reconhecidas como líderes, essas figuras célebres e carismáticas tornam-se responsáveis pela disseminação de diversas ideologias entre seus seguidores. A aceitação do papel dessas personas como verdadeiros ídolos verifica-se na mídia, à medida que lhes atribui títulos honoríficos, tais como “Rei”, “Diva”, “Papa”, etc. O objetivo deste artigo é analisar a sacralização do consumo na música pop, mais especificamente em relação à cantora Lady Gaga em seus videoclipes e ações sociais. A metodologia utilizada será a de análise de conteúdo, tendo como fonte uma série matérias jornalísticas, declarações em redes sociais, performances e material audiovisual.

Palavras-chave Consumo; Música pop; Sacralização; Iconoclastia; Cultura de Fãs.

A música pop, desde o surgimento de meios de comunicação de massa como o rádio e a televisão, impôs novas formas e padrões musicais. A música diferenciada e a veiculação em formato eletrônico revolucionaram o meio musical: a inovadora possibilidade de mover a música e levá-la para a casa, para o quarto, em uma caminhada, ou seja, não depender mais de uma orquestra ou apresentação musical para experienciá-la e obter o fator socializante. Essa mobilidade muda a maneira como a música é produzida, propagada e consumida, dando chance a diversos novos estilos ao longo do século XX, e dando também origem aos “fenômenos” do mundo pop. Os artistas “fenomenais” são seguidos e cultuados, e chegam a ocupar o lugar anteriormente ocupado por divindades em sistemas religiosos tradicionais. Para 1

Trabalho apresentado no GT 5 - Práticas de Entretenimento e Consumo do 8º Congresso de Estudantes de Pós-Graduação em Comunicação, na categoria pós-graduação. PUC Rio, Rio de Janeiro, outubro de 2015.

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nortear esta argumentação serão utilizadas noções a respeito da música pop de Simon Frith, Will Straw e John Street (2001) e as teorias de “Representações Sociais” de Stuart Hall (1997), Émile Durkheim (1970) e Serge Moscovici (2003); o conceito de “líder carismático” de Max Weber (1982), que será explorado para basear o pensamento a respeito da influência das celebridades no quotidiano da cultura de massa; e as teorias da antropologia do consumo formuladas por Mary Douglas e Baron Isherwood (2009) e Everardo Rocha (1995), que serão cruciais para o entendimento da esfera do sagrado e sua relação com a sociedade de consumo. O objeto analisado será a cantora Lady Gaga, por sua clara aproximação com a esfera do sagrado no material artístico que produz. O objetivo deste artigo é analisar a sacralização do consumo como possível técnica de expansão da fama e as representações sociais na mídia de ícones da música pop que movimentam significativamente populações ao redor do mundo, além da revisão bibliográfica, composta por a análise de conteúdo e

análise interpretativa das Representações

Sociais em matérias jornalísticas, videoclipes, performances, declarações em redes sociais e letras de músicas. O Pop Para iniciar a análise desse conceito, primeiramente deve-se partir de uma fonte primária e básica: o dicionário. O termo pop se populariza na metade do século XX e, segundo o Dicionário Oxford, tem origem na abreviação de “popular” no fim do século XIX, referindo-se à “música popular comercial; música melodiosa de um estilo popular desde a década de 1950 e, por vezes, contrastada com rock, soul, ou outras formas de música popular.” A palavra pop começa a ser difundida por volta dos anos 1950, e é nessa década que emergem os ritmos como o Rock’n’Roll, o Jazz e o Boogie (ritmo dançante derivado do Blues e comum entre os jovens da referida década). Hatch e Millward (1987) enfatizam o pop como um estilo musical derivado de “canções de famílias”. Os autores verificam os elementos musicais compartilhados como sequências de acordes, composição de letras, técnicas vocais, padrões rítmicos que reúnem estilos e performances, até então, aparentemente extremamente diferentes e distantes. Os autores utilizam o termo “música pop” para se referir a “um corpo de 2

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música que é distinguível de popular, jazz e músicas folclóricas, apesar de obviamente ter conexões com todos esses no seu desenvolvimento” (HATCH & MILLWARD, p.1, 1987). A música pop, para os autores, é uma resultante híbrida, sem ritmo ou melodia pré-definidas, uma bricolagem de estilos musicais diferentes, que se tornou popular com a difusão dos aparelhos de rádio a partir da década de 1920, nos Estados Unidos. Umberto Eco (2010 [1964]) fala da música pop como um fenômeno decorrente da invenção dos meios de difusão massiva da informação, especialmente o rádio. Para ele, o aparelho teria inventado uma nova maneira de se fruir a música, sem total atenção. Diferentemente do que ocorria nos teatros, salas de concerto ou rodas íntimas, para ele o pop se apresenta como massa sonora indistinta que serve de trilha e de companhia para os afazeres cotidianos. Assim, a música pop teria surgido como um gênero que "se presta ao uso", que possui uma função específica. É fundamental que, para cumprir com o seu dever, segundo o autor, ela seja previsível e repita padrões - a música inesperada, complexa ou repleta de elementos originais, que exigisse a plena atenção do ouvinte, não estaria cumprindo corretamente o seu propósito. A música pop é aquela em que "a fórmula se antepõe à forma" (ECO, 2010, p.298), que gera o prazer da repetição de um padrão conhecido, assim como as séries de TV ou os romances policiais. Talvez justamente por esse caráter padronizado, repetitivo – semelhante ao dos ritos –, e também por seu caráter massivo, a música pop se presta à criação de modelos de comportamento, de valores e de conduta – a criação de "mitos", segundo Eco (2010, p. 311). Esse processo torna-se mais eficiente na medida em que se faz imperceptível. O autor cita jovens de 1964 que, segundo as pesquisas, acreditavam na espontaneidade de seus gostos e valores, que na verdade haviam sido retirados do ambiente da música pop. Pela ausência de outros modelos disponíveis, os da música pop se tornam onipresentes, e, por isso, invisíveis como modelos e percebidos como mera realidade dada. Além disso, Eco apresenta o exemplo da cantora Rita Pavone. Ela teria se tornado o mito da adolescência da década de 1960, e fornecido todos os

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seus elementos constitutivos - paixão, intensidade, rebeldia, rejeição do mundo adulto - no seu repertório de canções (ECO, 2010, p. 312). O Fantástico Mundo do Pop Na sociedade contemporânea, o assédio às celebridades da TV é o tema central de diversos veículos de comunicação. O foco de atenção são personalidades da música, do teatro, do cinema, ou até mesmo aquelas que se tornam célebres “por consequência”, como as chamadas “subcelebridades”, que acabam estampando as páginas repletas de estrelas, seja por namorarem um ator famoso ou por subirem no palco de um show de rock. Há sites, revistas, tabloides, jornais e uma variada quantidade de mídias exclusivamente dedicadas ao assunto das celebridades. O que vestiram, onde tomaram o café da manhã, quem namoram, quantos quilos perderam na dieta, quanto gastaram em uma festa e, até mesmo, quantos litros de determinado champanhe2 que foram servidos e quanto gastaram com flores decorativas3. Esses fatos alimentam consumidores vorazes por notícias sobre as personalidades que mais admiram ou sobre as que mais desgostam. O pop parece ter uma atmosfera própria, ser um mundo à parte. É o lugar em que vestir-se com um vestido feito de bifes de carne de boi ultrapassa os limites do razoável, mas é perfeitamente aceito por quem está inserido nessa esfera ou por seus simpatizantes. Afinal, chocar faz parte do show business. Edgar Morin (1989) relata, desde a década de 1940 e até o final da década de 1960, alguns casos de excentricidades "toleradas", no sentido de que nenhuma estrela de Hollywood foi diagnosticada com doenças de origem neurológica ou "interditada" após alguma aparição ou atitude com propósito de afrontar o status quo. No mundo pop tudo (ou quase tudo) é possível.

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Para o casamento do cantor Naldo com a funkeira Moranguinho, a Revista Quem detalha em quantidades exatas todos os itens que compunham o casamento. Retirado de http://revistaquem.globo.com/QUEM-News/noticia/2013/09/mais-segurancas-do-que-garcons-muitoperfume-e-50-garrafas-de-vodca-os-impressionantes-numeros-do-casamento-de-naldo.html - acessado em 23/05/2015. 3 Para o casamento da real inglês de Príncipe William e Kate Middleton, ocorrido em 2011, o jornal australiano The Herald Sun estima que tenham sido gastos mais de 800 mil dólares australianos em flores, mais de 32 milhões em segurança e aproximadamente 500 mil dólares para o vestido e as joias. Retirado de: http://www.heraldsun.com.au/news/breaking-news/royal-wedding-is-low-key-but-not-lowcost/story-fn888sz0-1226045867880 - acessado em 23/05/2015.

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O sagrado, o profano e suas representações As definições de sagrado são bastante variadas e o foco, aqui, parte de diversas análises4 sobre o conceito, dos mais variados campos de estudos acadêmicos. Definir a noção de "sagrado" não é tarefa simples. Os dicionários vernaculares trazem definições circulares ou bastante óbvias ("que foi consagrado" ou "relativo à religião”5), e as Enciclopédias de Ciências Sociais não se saem melhor, muitas vezes aliás evitando o verbete. Eis a razão pela qual, na presente pesquisa, optou-se por seguir-se a definição de “sagrado” a partir dos estudos sobre o fenômeno religioso e religião empreendidos por Émile Durkheim (2009). Para Durkheim (2009), o sagrado pode estar em uma infinidade de coisas, mas, para que haja distinção entre o sagrado e o profano, há uma série de características gerais definidoras. Apesar de frequentemente serem classificadas as coisas sagradas como aquelas que são superiores em dignidade e em poderes às coisas profanas, não basta haver uma subordinação de um objeto em relação a outro para que o primeiro (subordinado) seja profano e o segundo (superior), sagrado. Assim, Durkheim recorre à heterogeneidade das coisas para, então, classificá-las e distinguilas. O sagrado e o profano são duas esferas radicalmente opostas e absolutas. Não há meio termo. São esferas hostis e rivais uma da outra, mas isso não impede a transição de um objeto profano para o sagrado ou o contrário. Para que tal passagem aconteça, porém, é preciso que o objeto retire-se totalmente do profano para se tornar o completo oposto: “As coisas sagradas são aquelas que as proibições protegem e isolam: as coisas profanas, aquelas a que se aplicam essas proibições e que devem permanecer à distância das primeiras.” (DURKHEIM, 2009, p.24) A religião, para o autor, é um sistema dotado de certa unidade, e constituído por um conjunto de crenças e de ritos correspondentes, além de deter uma pluralidade de cultos a coisas sagradas, com certa autonomia. Quando comparamos a esfera do

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Eliade, Mircea. O sagrado e o profano – São Paulo: Martins Fontes, 1992; Douglas, Mary. Pureza e Perigo. São Paulo: Ed. Perspectiva, 2012. 5 iDicionário Aulete– Dicionário da Língua Portuguesa na Internet. Disponível em: http://aulete.uol.com.br/sagrado - acessado em 23/05/2015.

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sagrado à prática do consumo, é possível perceber elementos de proximidade ora com a magia, ora com a religião, embora possuam em comum o cultivo de mitos e dogmas, Durkheim as distingue por duas razões: pelo fato de ambas se hostilizarem, e também pelo fato de a magia profanar as coisas sagradas. Feitas tais distinções, já temos os elementos para uma comparação entre narrativas e práticas da sociedade de consumo e a esfera do sagrado – seja do totemismo, rituais, mitos, sacrifícios, trocas simbólicas ou magia.

O sagrado na sociedade de consumo O estudo antropológico do consumo, inaugurado na década de 1980 por Mary Douglas e Baron Isherwood (2009), e seguido por estudiosos como Everardo Rocha (1995), Daniel Miller (2002) e Collin Campbell (2001), se baseia no olhar do "estranhamento", relativizando interpretações moralistas, biológicas ou utilitaristas sobre essa prática. Há, além disso, um traço comum em todos esses estudos: por ângulos diversos, o consumo é sempre aproximado à esfera do sagrado. Douglas e Isherwood (2009) legitimaram a antropologia do consumo como campo de estudo das ciências sociais, e foram os primeiros a indicar a proximidade entre o consumo e as práticas rituais. Para os autores, o consumo é um "processo ritual", cuja função é conferir sentido ao "fluxo incompleto dos acontecimentos". Um ritual confere significado a uma sociedade. Se o consumo é similar a um ritual, consumir confere significado ao que nós somos. Rocha (1995) também faz a aproximação entre o sagrado e o consumo quando identifica um sistema totêmico a elementos mágicos nos anúncios publicitários, tais como animais falantes ou milagres promovidos por determinados produtos. A publicidade é o intermédio entre esfera da produção e a do consumo, é a narrativa da sociedade de consumo. Duas outras perspectivas que complementam o embasamento teórico necessário para os estudos do consumo são as de Collin Campbell (2010), que analisa como o day-dream, o devaneio, elemento oriundo do romantismo literário burguês, foi crucial para desencadear as práticas de consumo e alavancar o capitalismo no século XVII. Para o 6

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autor, consumo se dá quando o devaneio e o desejo se reúnem para almejar condições sociais mais abastadas, produtos de luxo. O hábito de devanear era comum à época em que se vivia apenas para contemplar as criações de Deus, e o trabalho era realizado sempre que necessário. Uma vez que o devaneio se volta para algo relacionado ao consumo, temos, mais uma vez, uma evidência de que a experiência de consumo perpassa a esfera do sagrado. Outro estudo relevante foi empreendido por Daniel Miller (2002), que, ao estudar o comportamento de donas de casa londrinas, pôde estabelecer uma relação entre certas práticas quotidianas, como idas ao supermercado, e o zelo pela família, comparando-os a pequenos atos sacrificiais religiosos dirigidos à divindade. A partir desse conjunto de ideias, pode-se identificar, no comportamento do fã e também da mídia, em relação aos artistas pop, a reunião de aspectos estudados por essas teorias. Eles estariam presentes em elementos como o sacrifício, o devaneio, os rituais e a atribuição de um novo significado sagrado ao que antes era profano. A figura pública de Michael Jackson, por exemplo, ganhou diversos significados ao longo da sua carreira, iniciada como cantor mirim no grupo Jackson’s 5. De criança prodígio a “Rei do Pop”, morto por overdose acidental de tranquilizantes utilizados para anestesia geral, MJ, como é chamado por seus fãs, ainda estava sob acusações de pedofilia e diagnósticos de distúrbios psicológicos que preocupavam a toda a nação de fãs. Sua cerimônia fúnebre foi televisionada tal qual um espetáculo de premiação da indústria cultural, em um grande teatro, cuja plateia estava repleta de ganhadores de Grammys6 e Oscars7. Milhares de fãs migraram das mais diferentes e distantes cidades dos Estados Unidos, viajaram por horas, abdicaram de família, trabalho e compromissos para estar presentes e testemunhar o início da cerimônia de sepultamento de seu maior ídolo. Preces, flores, velas acesas foram deixadas à porta da mansão em que morava o astro. Dias após a morte, talvez a maior perda do pop em anos, os canais de televisão, os jornais, revistas, portais de notícias, faziam um grande apanhado de homenagens ao “Rei do Pop”. 6 7

É a maior premiação da indústria da música comercial e ocidental. Grande prêmio do cinema, principalmente da indústria cinematográfica de Hollywood.

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As representações sociais Para tentar compreender o conceito de “representações sociais” e também como se dá o processo de atribuição de significados a determinados elementos “estrangeiros” a uma cultura, utilizaremos a teoria das Representações Sociais de Serge Moscovici (2003), teórico romeno e fundador da nova Psicologia Social, que se baseia em ideias anteriores de Émile Durkheim (1970) para abordar as questões em torno deste fenômeno. O autor romeno conceitua as representações sociais como produtos de uma tentativa de familiarização daquilo que é estranho, a fim de abarcar, e portanto prever, o que é exterior, estrangeiro, àquela sociedade. É possível verificar, dessa maneira, a proximidade do discurso de Moscovici em relação ao assunto abordado nesta pesquisa: a forma como a mídia, principalmente o discurso publicitário, apropria-se de determinados conceitos para tratar do que lhe parece estranho e inusitado. De acordo com o autor, as representações sociais têm um caráter móvel, circulante, elas são como suportes para palavras ou ideias. Seus significados e estruturas são dinâmicos e podem ser deslocados por outros completamente distintos, e mesmo opostos, aos anteriores. Em alguns casos, significados e estruturas podem mesmo desaparecer. Para o teórico, a importância das representações sociais “continua a crescer, em proporção direta com a heterogeneidade e a flutuação dos sistemas unificadores – as ciências, religiões, ideologias oficiais – e com as mudanças da vida cotidiana e se tornar parte da realidade comum” (MOSCOVICI, 2003, p. 48). De acordo com Moscovici, existe uma necessidade contínua de reconstituir o senso comum, ou seja, as representações sociais são modos de recriar a realidade sem a qual nenhuma coletividade operaria. Já para Durkheim (1970), a quem Moscovici atribui a base de sua teoria, o conceito abrange o coletivo, pois um único indivíduo não poderia criar tais circunstâncias e crenças sozinho. É um “fenômeno real”, criado por uma comunidade ou um povo, e é imposto aos indivíduos. As representações coletivas são, portanto, coercitivas, já que o coletivo prevalece sobre o indivídual. De acordo com o sociólogo, quanto menos percebidas, maior é o poder de influência das representações coletivas.

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Ainda de acordo com as ideias do escritor romeno, os sistemas de representação são formas diferentes de classificar conceitos e agregar características determinadas. Uma cultura pode ser vista a partir do compartilhamento massivo de mapas conceituais, ou seja, mapas mentais de um conjunto de ideias e sistemas de representações. Isto é, se uma grande quantidade de indivíduos compreende os mesmos significados a partir das mesmas representações sociais, eles dividem uma mesma identidade. A representação é, em suma, o processo que liga as coisas, conceitos e signos. De forma similar, vemos que é essa a ação da mídia sobre uma cultura: reforçar o senso comum, inserir uma ideia compartilhada massivamente por uma representação social e possibilitar a criação de uma identidade que reúne pessoas, de maneira que elas dividam um mesmo conjunto de ideias. Novamente, ao retomar o exemplo do “Rei do Pop”, Michael Jackson se tornou, após sua morte, uma espécie de mito: uma figura a quem é atribuída, pela unanimidade da crítica musical e dos incontáveis fãs espalhados pelo mundo, a máxima habilidade de fazer a música pop, a precisão na coreografia, a inovação e o talento musical. Um ídolo tal como este Rei, afirma-se, será difícil de ser formado. Da mesma maneira que com as figuras míticas ou sagradas, a mídia e os fãs colaboram para estabelecer uma distância inalcançável entre os “simples mortais” e esses “seres especiais”. Quando a mídia compara ou indaga sobre um artista pop tão talentoso que poderia ser o próximo Michael Jackson, a ira despertada em seus fãs é comparável, em escala reduzida, no entanto, aos ânimos exaltados pela declaração de John Lennon, quando afirmou que os Beatles eram “mais populares que Jesus”, e que só foi perdoada pela Igreja Católica quarenta anos depois. A partir das ideias expostas acima serão abordados processos de construção da representação social dos artistas tanto por iniciativa própria quanto por atribuição da mídia. Os representantes do mundo pop serão aqueles de maior destaque no meio musical e que apresentem comparações simbólicas a conceitos divinos ou sacros, conforme explorado anteriormente. As estrelas: divas, deuses, rainhas e reis 9

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Edgar Morin (1989) faz um profundo estudo sobre as “estrelas” do cinema como mito moderno. Ele as analisa desde o surgimento dos astros de cinema, no início do século XX, até o fim da década de 60. O antropólogo compara as estrelas a semideuses, argumentando existirem similitudes tais como o fato de não sucumbirem ao tempo, não terem o rosto “real” conhecido (em suas aparições, as estrelas sempre usam maquiagem, lenços, óculos escuros etc.), ou viverem em um patamar diferente da sociedade “mortal”. As estrelas vivem uma vida mítico-real, morando em mansões excêntricas de Hollywood, construídas com o intuito de serem verdadeiros templos com piscinas de mármore; a realidade na qual estão inseridas aparenta ser distante da realidade “real”, não apenas fisicamente; elas não se submetem ao poder máximo, driblam leis, não esperam em filas ou não se curvam perante a realeza. A invenção da câmera e o advento da indústria cinematográfica são os responsáveis pela criação dessas semidivindades, segundo Morin. O teórico define mito como “um conjunto de condutas e situações imaginárias” que podem ser protagonizadas por personagens sobre-humanos, heróis ou deuses, conforme acontece no mito de Édipo, de Apolo etc. Os heróis míticos são denominados semi-deuses, pois são “mortais em processo de divinização” (Morin, 1989, p.26). As histórias românticas foram as de maior sucesso nas carreiras dos atores que atuaram em filmes do gênero. E, para Morin, este é um fator que catalisa a divinização. “O amor por si só é um mito divinizador: amar é idealizar e adorar.” O amor faz do ator/atriz adorado um objeto mítico. Essa última afirmação não é válida apenas para os artistas do cinema, mas para todas as categorias de artistas que movem e comovem fãs. Um dos fatores divinizadores dos astros é a sua beleza impecável, que aparentemente não sucumbe ao tempo. Outro é a bondade exibida por seus personagens nas narrativas cinematográficas – bondade esta que deve ser mantida na vida privada. Elas não podem ser descuidadas, desatentas, apressadas com seus fãs. Essa idealização das estrelas implica um processo de espiritualização. Essas estrelas são vistas como figuras naturalmente boas, quase como canonizadas. Ator e personagem se tornam indissociáveis: se o ator é o mocinho, ele deverá agir publicamente sempre como um mocinho. 10

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Goddess of Love A história de vida de algumas estrelas, por vezes, é tratada como se fossem mitos, além de se repetirem diversas vezes com estruturas diferentes – ocorrência bastante comum nas estruturas míticas. A história do Rei do Rock, Elvis Presley, é bastante semelhante à de Lady Gaga – a qual, aliás, se diz uma deusa, uma recriadora da arte pop e a quem a mídia conferiu o título de “a próxima Madonna” ancorando e comparando (MOSCOVICI, 2011) a novata à uma figura pop já conhecida. Gaga e Elvis vivenciaram o fracasso antes de serem descobertos e alcançarem a grande fama. Ambas as histórias, assim como a de várias outras celebridades ou “exemplos de vida”, contam como é importante investir no próprio talento, nos sonhos, batalhar pelo que se quer, as virtudes do trabalho, etc. Lady Gaga coloca-se como líder de engajamento social de maneira explícita e direta. A cantora possui uma fundação de combate a todas as formas de discriminação e de bullying, a Born This Way Foundation. Por sua luta e seu contato zeloso com o público serem demasiadamente intensos, ela deu a si própria o codinome Mother Monster (Mãe Monstro), com o intuito de que seus fãs, a quem de little monsters (monstrinhos), pudessem ter uma maneira própria, uma linguagem de grupo para se referir a ela, diferente do linguajar usado pela mídia. Suas músicas, como Born This Way e Scheisse contêm trechos que estimulam a luta em favor das minorias. Não apenas em atos artísticos ou humanitários, Gaga também evitou o suicídio de um garoto em depressão, afetado pelo bullying que sofria diariamente na escola: convidou seus fãs nas redes sociais a mandarem mensagens positivas e dedicou a ele uma canção. Seus esforços foram bem sucedidos não apenas para o garoto em questão, mas para toda uma geração de jovens ao redor do mundo. Influenciada pela “realeza” do pop Michael Jackson e Madonna e, também, por Andy Warhol, artista mais popular do movimento estético-artístico conhecido como pop art, Lady Gaga faz diversas referências – em suas roupas, maquiagens e coreografias – a estes que foram seus maiores ídolos. Não obstante, ela também se empenha em utilizar elementos considerados sacros ou religiosos em suas aparições –

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poses de uma santa, crucifixos, coroas, entre outros, de forma bastante intensa. Após o lançamento de seu segundo álbum, The Fame Monster, Lady Gaga começou a fazer uso de estilos ligeiramente monstruosos (Figura 1), por exemplo ao exibir falsos implantes na maquiagem, cabelos despenteados, dentaduras etc. Além disso passou a utilizar a computação gráfica para alterar sua imagem nos videoclipes, fazendo-a parecer um ser humano deformado, com ossos protuberantes, quase como chifres ou barbatanas. Trata-se de uma provocação: ao se apresentar como um ser sobrenatural ou como uma pessoa com deformidades, a cantora chama atenção para a luta contra o bullying, e reforça sua imagem de partidária da “beleza verdadeira”, contrária à discriminação de pessoas que não atendam ao padrão de beleza vigente, quer seja por questão de cor, origem, tamanho, gênero, orientação sexual, religião, etnia ou condição física.

Figura 1 - Lady Gaga durante entrevista em 2011. Aparência monstruosa para evidenciar sua causa.

Na canção e single de seu terceiro álbum, Born This Way, que se tornou hino em prol dessa causa e também da luta a favor dos direitos gays: Minha mãe me disse quando eu era jovem / Que todos nós nascemos super estrelas (...)/ "Não há nada de errado em amar quem você é" / Ela dizia, "pois Ele te fez perfeita, querida" / "Então levante a sua

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cabeça, garota, e você irá longe / Me escute quando eu digo" / Eu sou bonita do meu jeito / Pois Deus não comete erros / Estou na trilha certa, baby / Eu nasci desse jeito/ Não se cubra de arrependimentos / Apenas ame a si mesma e você estará bem (...) (Lady Gaga - Born This Way, 2012)

Gaga, no videoclipe da canção em questão, apresenta, durante a introdução, um discurso que ela mesma chama de “O Manifesto da Mãe Monstro” (The Manifesto of Mother Monster). Faz-se necessário esclarecer que, durante o segundo álbum, Lady Gaga intitulou a si própria como Mother Monster (“Mãe Monstro”) como little monsters (“Mostrinhos”) frente. No Manifesto, Lady Gaga conta a história de um território extraterrestre em que um dia se deu “o nascimento infinito e de proporções mágicas e magníficas”, onde “nasce, por meio de mitose uma nova raça humana, dentro da mesma humanidade que não faz julgamentos e não possui preconceitos; somente possui a liberdade sem limites”. Prossegue a cantora: no mesmo dia, no entanto, conforme “a mãe eterna” (é eterna por parir eternamente esses seres infinitos) “pairava no multiverso” (uma versão plural do universo), “um nascimento aterrorizante ocorreu: o nascimento do mal”. Em seguida, a artista conta que a mãeeterna se encontra em um dilema: como proteger sua prole tão perfeita de algo terrível, sem fazer o mal. Este discurso é apresentado com uma série de jogos de imagens espelhadas que simbolizam a “mitose” citada, e parece retratar um dilema que se espelha nas diversas causas sociais a que a artista se dedica: como combater bullies, preconceituosos e segregadores sem, no entanto, apelar para nenhum tipo de violência. A nova raça de Gaga, que é livre, que não sofre, seria aquela composta por seus little monsters, representados no vídeo por pequenas cabeças da cantora ainda em formação. É pelos socialmente oprimidos que Lady Gaga baseia todo seu engajamento social. A cantora, em diversas aparições públicas e em seus videoclipes faz menções a rituais e estéticas associadas à esfera do sagrado. Como no videoclipe da música “Venus”, a cantora aparece como um anjo negro, caído dos céus, abatido por flechas de homens de ternos correndo atrás de notas de dinheiro. Em outro videoclipe (Figura 2), Gaga encarna uma figura divinizada: Vênus ou Afrodite, deusas do amor, como uma verdadeira divindade grega.

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8º Congresso de Estudantes de Pós-graduação em Comunicação do Rio de Janeiro XII Seminário de Alunos de Pós-graduação em Comunicação Social da PUC-Rio Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro Rio de Janeiro, 21 a 23 de outubro de 2015.

Figura 2 - Lady Gaga no videoclipe Venus, colocando-se como a deusa do amor.

Apesar dos óbvios e claros esforços de Lady Gaga em ser vista como e figura divinizada e uma líder carismática (WEBER, 1982) de um povo, os little monsters – sua legião de seguidores, a artista não é tão admirada pela mídia especializada como uma verdadeira “diva”. Suas polêmicas e o uso de técnicas pouco convencionais acabam gerando interpretações negativas por parte da imprensa. Em outras palavras, é possível constatar que os esforços para transferir os atributos da esfera do sagrado para a esfera do consumo, mais especificamente, na música pop, são extremamente eficazes. As estrelas e celebridades são idolatradas por seus fãs, possuem uma causa política e lutam por uma minoria. Dessa forma é possível dizer, então, que as Divas, Rainhas, Reis e Deuses de fato são venerados e adorados, tais como figuras sagradas. Por eles são feitos sacrifícios (compras de ingressos, abstinência), a eles são conferidas expectativas (uma causa) e deles recebem a graça (canções e discursos motivadores, agradecimentos e declarações de amor aos fãs). Referências CAMPBELL, Collin. A ética romântica e o espírito do consumismo moderno. Rio de Janeiro: Rocco, 2001. DOUGLAS, Mary; ISHERWOOD, Baron. O mundo dos bens: para uma antropologia do consumo. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2009. ECO, Umberto. Apocalípticos e integrados. Ed. Perspectiva, SP: 2010. DURKHEIM, Émile. As formas elementares da vida religiosa. São Paulo: Martins Fontes, 2009. _______________. Representações sociais e representações coletivas in: Sociologia e Filosofia. Rio de Janeiro: Editora Forense-Universitária, 1970. FRITH, Simon; STRAW, Will; STREET, John. Cambridge Companion to Pop and Rock. Cambridge: University Press, 2001.

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HATCH, David; Millward, Stephen. From Blues to Rock: An Analytical History of Pop Music. Manchester: University Press, 1987. HOBBES, Thomas. Leviatã. In: Os Pensadores. São Paulo, Abril Cultural, 1983. JAY-Z, Decoded. New York: Spiegel & Grau, 2010. MAUSS, Marcel. Sociologia e antropologia. São Paulo: Cosac Naify, 2003. McCracken, Grant. Cultura e consumo. Rio de Janeiro: MAUAD, 2010. MILLER, Daniel. Teoria das compras. São Paulo: Nobel, 2002. MORIN, Edgar. As estrelas - Mito e sedução no cinema. Rio de Janeiro: José Olympio, 1989. MOSCOVICI, Serge. Representações sociais: investigações em psicologia social. Petrópolis: Vozes, 2011. ROCHA, Everardo P. Guimarães. Magia e capitalismo: um estudo antropológico da publicidade. São Paulo: Brasiliense, 1995. WEBER, Max. Ensaios de Sociologia. LTC, Rio de Janeiro: 1982. Matérias jornalísticas e sites consultados - acessados em 22/08/2015 “Deusa Monstro” http://rollingstone.uol.com.br/edicao/57/lady-gaga-deusa-monstro “Lady Gaga at The Tonight Show” http://www.nbc.com/the-tonight-show/classic/jayleno/photos/lady-gaga-gallery “A Morte do Rei do Pop” http://ultimosegundo.ig.com.br/michaeljackson/ “Lady Gaga explica por que veste roupas de carne” http://veja.abril.com.br/noticia/celebridades/lady-gaga-de-biquini-de-carne-a-vestidode-alface “Vatican forgives Lennon for ‘more popular than jesus’” http://www.telegraph.co.uk/news/newstopics/howaboutthat/3497623/Vaticanforgives-Lennon-for-more-popular-than-Jesus-remark.html “Jamey Rodemeyer Honored By Lady Gaga In Tribute Song To Fight Bullying” http://www.huffingtonpost.com/2011/09/25/jamey-rodemeyer-lady-gagabullying_n_980144.html “Madonna Above the Buzz: Pop Queen” http://www.mtv.com/news/1681693/madonna-above-the-buzz-pop-queen “Elvis, The King”http://www.elvis.com/about-the-king/ - acessado em 23/05/2015. “Lady Gaga has the potential to be the next Madonna” http://www.mtv.com/news/articles/1634041/lady-gaga-has-potential-be-nextmadonna-director.jhtml - acessado em 23/05/2015.

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