LAFFIN, M. HERMÍNIA L. F.. Educação de Jovens e Adultos e Educação na Diversidade. 1. ed. Florianópolis: Núcleo de Publicação do CED, 2011. v. 500. 330p .lis, NUP -Núcleo de Publicações do CED 2011

May 27, 2017 | Autor: M. Lage Fernandes... | Categoria: Educação de Jovens e Adultos
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Descrição do Produto

Organizadora Maria Hermínia Lage Fernandes Laffin

Florianópolis, NUP - Núcleo de Publicações do CED 2011

Ministério da Educação /MEC Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão - SECADI

GOVERNO FEDERAL PRESIDENTA DA REPÚBLICA Dilma Vana Rousseff VICE-PRESIDENTE DA REPÚBLICA Michel Miguel Elias Temer Lulia MINISTRO DA EDUCAÇÃO Fernando Haddad UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA (UFSC) Reitor

Álvaro Toubes Prata

Vice-Reitor

Carlos Alberto Justo da Silva

Pró-Reitoria de Pesquisa e Extensão

Débora Peres Menezes

Catalogação na fonte pela Biblioteca Universitária da Universidade Federal de Santa Catarina

E24 Educação de jovens e adultos e educação na diversidade / organizadora Maria Hermínia Lage Fernandes Laffin. – Florianópolis : Universidade Federal de Santa Catarina, 2011. 330 p. ISBN: 978-85-87103-64-2

Inclui bibliografia 1. Educação de adultos. 2. Educação do adolescente. 3. Direito à educação. I. Laffin, Maria Hermínia Lage Fernandes. CDU: 374.7

Todos os direitos reservados. É permitida a reprodução parcial e total desta obra, desde que citada a fonte e que não seja para a venda ou qualquer fim comercial. A responsabilidade pelos conteúdos técnicos dos textos e imagens desta obra é dos autores. Tiragem 500 exemplares. 1a edição ano 2011.

Coleção Cadernos CED 15 Universidade Federal de Santa Catarina Núcleo de Publicações do CED / NUP Centro de Ciências da Educação Campus Universitário -Trindade CEP 88010-970 Florianópolis/Santa Catarina Tel.: (048) 3721-9586 Fax: (48) 3721-9752 http://www.perspectiva.ufsc.br/

Coordenadora do NUP Patrícia L. Torriglia Organização deste número Maria Hermínia Lage Fernandes Laffin Editor Técnico Maria Hermínia Lage Fernandes Laffin Revisão Adriana Cristina F. L. Castoldi Normatização Tatiana Rossi Projeto Gráfico e Editoração Eletrônica Camila Paz Fotografias Maria Hermínia Lage Fernandes Laffin (arquivo pessoal)

Comissão Editorial do Nup Araci Isaltina de Andrade Hillesheim Diana Carvalho de Carvalho Edel Ern Eneida Oto Shiroma Francisco das Chagas de Souza José André Peres Angotti Leda Scheibe Lucídio Bianchetti Maria das Dores Daros Marlene de Souza Dozol Marli Auras Olinda Evangelista Patrícia Laura Torriglia Rosely Perez Xavier Vera Lúcia Bazzo Wladimir Antônio Costa Garcia

SUMÁRIO

4 | Educação de Jovens e Adultos e Educação na Diversidade

 

09

Apresentação

12

01 | Legislação, Políticas Públicas e Concepções de Educação de Jovens e Adultos Anderson Sartori

126

02 | Projeto de Intervenção e Metodologia da Pesquisa em Educação de Jovens e Adultos na Diversidade Adriana da Costa

158

03 | Sujeitos da Educação de Jovens e Adultos, Espaços e Múltiplos Saberes Dóris Regina Marroni Furini Olga Celestina da Silva Durand Pollyana dos Santos

04 | Mediações Pedagógicas na Educação de Jovens e Adultos Mar ia Her mínia L ag e Fer nand es Laffin

280

05 | Prática Docente e Currículo na Educação de Jovens e Adultos Regina Bittencourt Souto

312

06 | Educação a Distância: Expansão e Inovação Araci Hack Catapan

Educação de Jovens e Adultos e Educação na Diversidade | 5

246

Organizadora: Maria Hermínia Lage Fernandes Laffin

APRESENTAÇÃO

Apresentação

Este livro integra um conjunto de proposições e produção de saberes de um grupo de estudiosos e pesquisadores em Educação de Jovens e Adultos da Universidade Federal de Santa Catarina que atuam no curso de Especialização em Educação de Jovens e Adultos e Educação na Diversidade, o qual faz parte da Rede de Educação para a Diversidade, que tem como objetivo principal a implementação de um programa de formação continuada por parte da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão/SECADI/MEC para professores e profissionais da educação nas áreas da diversidade. Nesse contexto, nos debates relacionados à formação de professores de EJA esses pesquisadores apresentam os seguintes textos: Legislação, Políticas Públicas e Concepções de Educação de Jovens e Adultos de Anderson Sartori; Projeto de Intervenção e Metodologia da Pesquisa em Educação de Jovens e Adultos e Educação na Diversidade, organizado por Adriana da Costa; Dóris Marroni Furini, Olga Celestina da Silva Durand e Pollyana dos Santos desenvolvem reflexões acerca dos Sujeitos da Educação de Jovens e Adultos, Espaços e Múltiplos Saberes; Maria Hermínia Lage Fernandes Laffin sistematiza debates sobre a prática

docente no texto Mediações Pedagógicas na Educação de Jovens e Adultos e Regina Bittencourt Souto problematiza a Prática Docente e Currículo na Educação de Jovens e Adultos. Por último, no texto Educação a Distância: Expansão e Inovação, Araci Hack Catapan traz contribuições para a reflexão sobre as mediações das tecnologias para o ensino. No conjunto desses textos tem-se como finalidade contribuir com a formação de professores e demais sujeitos que atuam junto aos movimentos de educação para a diversidade, visando a apropriação de novos conhecimentos, a proposição de práticas pedagógicas, a articulação de conhecimentos escolares e cotidianos, e o diálogo com os currículos no sentido de pensarmos a educação na diversidade. Objetiva-se assim, o comprometimento dos sujeitos por práticas de inclusão e de multiplicação em redes de formação que visualizem a docência e a participação social em busca de oportunidades de ensino, aprendizagem e de acesso a bens culturais e materiais e à produção do trabalho docente.

Apresentação

Maria Hermínia Lage Fernandes Laffin Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação de Jovens e Adultos - EPEJA/UFSC

01.

LEGISLAÇÃO, POLÍTICAS PÚBLICAS E CONCEPÇÕES DE EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS

LEGISLAÇÃO, POLÍTICAS PÚBLICAS   E CONCEPÇÕES DE EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS Anderson Sartori1

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1. Introdução A educação brasileira sofreu alterações significativas ao longo do século XX, saindo de uma situação na qual, legalmente e socialmente, o sujeito ser escolarizado não era algo necessário e obrigatório, para tornar-se um direito fundamental de todos e todas. A educação escolar não era prioridade para a maioria dos filhos e filhas dos trabalhadores ou demais pessoas que viviam em condições econômicas desfavoráveis, sendo a mão-de-obra das crianças e jovens necessárias para o sustento da família. Uma relação de produção, exploração e exclusão, que infelizmente, perdura ainda na sociedade brasileira. Esta condição histórica, atrelada a outros fatores, 1. Mestre em Educação, pós-graduado em História de Santa Catarina e graduado em História (licenciado e bacharel) pela UNIVALI , foi professor do curso de história da UNIVALI, coordenador do curso de EJA nessa mesma instituição, coordenador do Fórum Estadual de EJA de SC (2008-2009) e coordenador do Fórum Regional de EJA de Itajaí – SC (2005-2007; 2008-2009). Atualmente é Professor no Instituto Federal Ciência e Tecnologia Catarinense – Campus Sombrio.

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gerou um processo de exclusão ao processo educacional de milhões de brasileiro, em todas as regiões brasileiras, sendo mais complexa esta situação nos espaços no qual a urbanização e o desenvolvimento industrial ocorreram de forma menos significativa. As populações das áreas rurais acabaram sendo as mais prejudicadas e o fluxo populacional que passou a se efetivar no país, com o êxodo rural, a partir da década de 1950. Com o aumento da migração do campo para as cidades, o acesso escolar, pelas próprias dificuldades de infraestrutura e atendimento desses novos centros urbanos, não foi facilitado, pelo contrário, muitas vezes tornou-se ainda mais difícil. As décadas seguintes, que marcam o período em que o Brasil passa a modernizar-se, a tornar-se industrializado, através da entrada de capitais e empresas estrangeiras, marca um início, tímido, da preocupação com a qualificação do trabalhador. Mas, uma qualificação voltada para a indústria e não a formação do sujeito enquanto um ator social e histórico. A importação de métodos e modelos educativos pautados na repetição de conteúdos, com currículos distantes das realidades locais e nacionais, faz com que os processos educativos sejam, como bem caracterizados pelo educador Paulo Freire, como uma educação bancária. Mesmo com os investimentos na educação, milhões de brasileiros, ou não tiveram acesso a escola ou concluíam somente as primeiras séries primárias, com um domínio parcial ou insuficiente, da escrita, leitura e princípios

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matemáticos.   Neste breve retrato da realidade nacional, percebe-se como o Estado gerou uma dívida histórica com a população, ao não ofertar a educação escolarizada como um direito de todos e todas. Com a crescente necessidade da certificação para diferentes setores da economia e outros espaços sociais, milhões de jovens e adultos, que não haviam frequentado a escola, passaram a estar em uma condição de inferioridade social. Apresentamos a seguir uma tabela, organizado a partir das informações disponibilizadas pelos Censos e estimativas do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) referente ao analfabetismo na sociedade ao longo do século XX e início do século XXI, na população com 15 anos ou mais de idade. Tabela1: População Analfabeta - Séculos XX - XXI e idade de 15 anos ou mais. TAXA DE

ANO

POPULAÇÃO

POPULAÇÃO ANALFABETA

ANALFABETISMO (%)

1900 1920 1940 1950 1960 1970 1980

9.728.000 17.564.000 23.648.000 30.188.000 40.233.000 53.633.000 74.600.000

6.348.000 11.409.000 13.269.000 15.272.000 15.964.000 18.100.000 19.356.000

65,3 65,0 56,1 50,6 39,7 33,7 25,9

1991 2000

94.891.000 119.533.000

18.682.000 16.295.000

19,7 13,6

2006

138.600.000

14.391.000

10,4

Fonte: Censos Demográficos e Síntese de Indicadores Sociais de 2007 (BRASIL, 2007 a)

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Analisando a tabela temos uma redução nos dados percentuais, mas observa-se que se levarmos em conta os números absolutos, ponderando com o crescimento populacional, não temos uma redução significativa dos dados. Uma das hipóteses refere-se a dificuldade em propiciar as condições para os sujeitos permanecerem no ambiente escolar e as dificuldades de acesso dos jovens e adultos que não se alfabetizaram ou os que também não retornam aos bancos escolares. Os programas de alfabetização desenvolvidos pelo governo federal ao longo do século XX não conseguiram efetivamente alfabetizar milhares dos jovens e adultos que passaram pelos seus bancos escolares, seja pela questão do tempo de desenvolvimento de trabalho para a alfabetização ou pelos métodos pedagógicos utilizados. O MOBRAL (Movimento Brasileiro de Alfabetização), promovido a partir da década de 1970 pelo governo militar deixou marcas profundas e significativas na sociedade, sendo um estigma as pessoas não alfabetizadas. Neste contexto histórico, a falta ou precariedade de atendimento educacional por parte do Estado (em suas diferentes estâncias), gerou esta situação histórica de baixo nível de escolarização da população brasileira, que a partir da década de 1980, torna-se um problema social, na qual os governos passam a prestar a atenção e investir, embora nem sempre da forma mais adequada ou atendendo as especificidades destes sujeitos jovens e adultos.

Um dado que se torna alarmante, neste contexto, quando   visualizamos a distância que separa a demanda potencial de EJA (Educação de Jovens e Adultos) para a Educação Básica e a insuficiência de vagas disponíveis para atender esta demanda. Percebe-se que este descompassado histórico é uma divida que o Estado tem para com sua população, para efetivar a garantia do direito à educação. 95.000 90.000

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85.000

86.060

80.000 75.000 70.000 65.000 60.000 55.000 50.000 45.000 40.000 35.000 30.000

34.369

25.000 20.000

26.280

15.000 10.000 5.000 0

4.385 Brasil

12.650

6.734 784

346 Norte

Nordeste

Demanda Potencial

1.920 Sudeste

975 Sul

6.018 361 Centro-Oeste

Nº de pessoas que frequentam EJA

Gráfico 1: Demanda e frenquência de EJA

De uma demanda de um pouco mais de 86 milhões de jovens e adultos que não concluíram a educação básica, o Estado brasileiro atende cerca de quatro milhões

1.1 AS CONSTITUIÇÕES BRASILEIRAS E A EDUCAÇÃO

1.1.1 A EDUCAÇÃO ESCOLAR: DIREITO DE TODOS E TODAS? Embora a legislação seja um tema árido e muitas vezes considerado um tema “chato”, através dos marcos legais de uma sociedade é possível analisar as representações e conceituações sobre diferentes campos da vida e

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e meio deste público. Uma diferença extrema entre a demanda existente e a atendida. Por que estas diferenças tão gritantes nestes números? O que impede que o Estado não consiga garantir o direito constitucional de educação básica para todos? Por que a EJA, frente a esta realidade, continua ainda relegada a um segundo plano nas políticas públicas estatais e nos próprios espaços escolares? Algumas das questões que precisam ser levantadas para compreendermos os caminhos e percursos do desenvolvimento da educação nacional e como a EJA foi se articulando neste processo histórico. Analisar este processo possibilitará o entendimento das concepções que a sociedade e o próprio Estado construíram sobre esta modalidade de ensino.

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das formas de organização da mesma. As representações   sociais acerca da educação de jovens e adultos de hoje, estão alicerçadas nas concepções de décadas atrás. Ou seja, somos herdeiros diretos de um passado, que se não for ressignificado, perdurará suas ideias e convicções por gerações que estão por vir. Os documentos legais, em especial as Constituições, encerram em si as concepções de determinado tempo sobre a forma de ordenação e definição do que é ser sujeito, cidadão e de pertencimento a tal organização e modo de vida social. Analisar as constituições é analisar também uma determinada concepção de direito e de sociedade. A legislação não é somente um ato de legisladores, mas é o reflexo do movimento social daquele momento histórico. Outro ponto fundamental refere-se à distância entre a legislação e sua efetivação, pois ter a legislação não representa efetivamente a garantia do direito dos cidadãos, pois cumprir a lei e fazê-la ser cumprida demanda de uma série de controles e dispositivos, que nem sempre são adequados ou são interessantes naquele momento. As leis necessitam de uma constante fiscalização, tanto dos poderes públicos como da sociedade para se efetivarem e garantirem a ordem que se quer estabelecer. Um dos mais graves problemas da educação em nosso país é sua distância em relação à vida e a processos sociais transformadores. Um excessivo academicismo

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 é um dos marcos legais de uma trajetória histórica de lutas, especialmente por ser a Constituição que substituiu as constituintes do período do governo militar (1964-1985) e que representava a busca da democracia e da representativa da população brasileira. É a Constituição que está em vigor, embora seu texto original tenha recebido uma série de mudanças, seja com supressões ou novas redações. A educação nesta Constituição é assim definida: Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da famí-

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e um anacronismo em relação às transformações existentes no Brasil e no resto do mundo, de um modo geral, condenaram a Educação Fundamental, nestas últimas décadas, a um arcaísmo que deprecia a inteligência e a capacidade de alunos e professores e as características específicas de suas comunidades. Esta diretriz prevê a responsabilidade dos sistemas educacionais e das unidades escolares em relação a uma necessária atualização de conhecimentos e valores, dentro de uma perspectiva crítica, responsável e contextualizada (BRASIL, 1998, p. 11).

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lia, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho (BRASIL, 1989, p. 99).

O Estado e a família são definidos como os responsáveis por garantir a educação, um direito de todos. Entretanto, a educação como um direito de todos e dever do Estado, não se efetivou para milhões de brasileiros ao longo destas décadas que nos separam de 1988. Os dados do IBGE, através da Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios (PNAD) “mostram que a taxa de analfabetismo encontrada para as pessoas de 15 anos e mais, em 2006, foi de 10,4%, o que corresponde a 14,4 milhões de indivíduos” (BRASIL, 2007 a, p. 40). Quanto ao analfabetismo funcional (pessoas com 15 anos ou mais de idade com menos de 4 anos completos de estudo, segundo a UNESCO), temos que “a taxa era de 21,7%, o que representava cerca de 30 milhões de pessoas” (BRASIL, 2008, p. 45). Ou seja, o Estado não conseguiu sequer alcançar um patamar mínimo nos níveis de alfabetismo em sua população. Um dado que, infelizmente, não é tratado com a devida atenção e seriedade dentro dos investimentos e das políticas públicas na área educacional. Um exemplo desta realidade: o Plano Nacional de

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Educação de 2001, no que se refere a EJA, apontava como sua primeira meta “1. Estabelecer, a partir da aprovação do PNE, programas visando alfabetizar 10 milhões de jovens e adultos em cinco anos e, até o final da década, erradicar o analfabetismo” (BRASIL, 2001). Confrontando esta meta com os dados apresentados no IBGE, percebe-se que quase nada foi feito para modificar esta realidade. Poderíamos ainda apresentar aqui outros dados estatísticos que apresentariam com ainda mais gravidade o nosso quadro de exclusão e desigualdade social e as dificuldades de operação por parte do Estado em constituir uma efetiva política pública, e não de governo, para a educação e a EJA, em especial. Temos um quadro estatístico alarmante e que requer medidas dos governos e da sociedade civil para garantir um direito que hoje é imprescindível. Afirmamos que hoje é imprescindível pois se retornarmos a duas, três, quatro décadas atrás, não ter o ensino fundamental era algo que não fazia falta, na maioria das regiões brasileiras, especialmente as rurais, pois o próprio acesso à escola era algo bastante complicado. Efetivamente, as dificuldades com a educação não são parte de um governo em específico, mas sim de uma construção de Estado Nacional Brasileiro, que tem início efetivamente com a independência do Brasil em 1822. Desta forma, o sistema educacional ou a organização escolar brasileira, ganha contornos e direções a partir deste contexto. Falar de educação de jovens e adultos em períodos anteriores a este momento histórico é tratar de uma

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outra forma de educação, que não tem características ou pertencimento ao que temos de conceito de EJA atual  mente. É anacrônico situar as origens da EJA no Brasil, por exemplo, com a vinda dos padres jesuítas no século XVI. Precisamos superar estas visões estereotipadas para avançarmos na construção de uma educação que atenda as especificidades dos sujeitos jovens e adultos, seja ele docente ou discente.

1.1.2 OS TEXTOS CONSTITUCIONAIS E AS CONCEPÇÕES DE EDUCAÇÃO

A 1ª Constituição Brasileira foi produzida no regime imperial, datada de 1824. Essa Constituição manteve-se por todo o governo imperial, sendo substituída somente após a mudança do regime político com a proclamação da República. O Brasil independente herdará o regime político da metrópole portuguesa e também a mesma família real. Um contexto marcado pela legalidade do uso de mão-de-obra escrava, principalmente africana, com clientelismos, repressões violentas as tentativas de rebelião ou separação (Guerra dos Farrapos, por exemplo), busca de modernização da economia, fortalecimento de mercado, entre outro aspectos que não há espaço hábil para serem descritos aqui.

Neste quadro, de um governo centralizado em atender os interesses de uma pequena parte da população com maior poder econômico, a educação, ou nos termos da época, a instrucção estava destinada:

Em um primeiro olhar podemos dizer que o direito à educação estava garantido nessa constituição, mas não efetivamente. Somente aos cidadãos esse direito era assegurado, sendo que os cidadãos eram considerados somente as pessoas livres ou libertas, ou seja, uma pequena parcela da população efetivamente conseguia ter acesso aos níveis elementares de escolarização. A educação, neste contexto histórico, não era objeto de preocupação e investimento político e econômico. A pergunta se faz necessária: se para as crianças ter acesso à “instrucção primaria” era um problema, o que se pode dizer da situação de jovens ou adultos que buscassem querer a alfabetização, por exemplo?

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Art.179. A inviolabilidade dos Direitos Civis, e Políticos dos Cidadãos Brasileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual, e a propriedade, é garantida pela Constituição do Império, pela maneira seguinte. (...) XXXII. A Instrucção primaria, e gratuita a todos os Cidadãos (CAMPANHOLE; CAMPANHOLE, 1998, p. 832-833).

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Com a mudança de regime político, em 1889,   com a proclamação da República, não veio esta mudança acompanhada de melhorias para o quadro educacional; ao contrário, descentralizou-se o direito, colocando ao indivíduo e aos estados o dever de buscar e desenvolver a educação. Na primeira Constituição do Brasil República, fica a cargo, então, de acordo com a Constituição de 1891, do Congresso Nacional o papel de criar os espaços de ensino, conforme descrito a seguir: Art 35 - Incumbe, outrossim, ao Congresso, mas não privativamente: 1º) velar na guarda da Constituição e das leis e providenciar sobre as necessidades de caráter federal; 2º) animar no Pais o desenvolvimento das letras, artes e ciências, bem como a imigração, a agricultura, a indústria e comércio, sem privilégios que tolham a ação dos Governos locais; 3º) criar instituições de ensino superior e secundário nos Estados; 4º) prover a instrução secundária no Distrito Federal (CAMPANHOLE; CAMPANHOLE, 1998, p. 759).



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Uma das formas de mobilizar o cidadão a buscar sua educação escolar foi a vinculação do voto à alfabetização. No artigo 70 da Constituição de 1891, ao tratar “Das Qualidades dos Cidadãos Brasileiros”, define que somente poderão votar os maiores de 21 anos, sendo que em seu parágrafo 2º restringe essa possibilidade somente aos alfabetizados e excluindo os analfabetos. Em um contexto histórico marcado pela entrada maciça de imigrantes europeus, com a libertação dos escravos e o início do processo de urbanização em larga escala, temos uma Constituição que coloca a alguns as possibilidades de requerem e terem acesso a seus direitos, deixando novamente uma maioria de fora. Por sua vez, os processos históricos nos anos finais do século XIX e as duas primeiras décadas do século XX mostraram a necessidade de reformulação do texto legal. Os movimentos políticos e sociais foram outro fator importante nessa trajetória de luta dos brasileiros e brasileiras pela igualdade de acesso a esses direitos. Os ideais anarquistas, comunistas, socialistas, ganham eco no território brasileiro, seja no campo político, seja no social, com a busca pela efetivação de direitos básicos, ganhando espaço assim nos centros urbanos que se desenvolviam, em especial no sudeste brasileiro. Em um contexto em que as inovações tecnológicas chegavam e demarcavam novas formas de relação com o tempo e o espaço: trens, automóveis, telefone, cinema, eletricidade... O filme “Tempos Modernos”, de Charles Chaplin (1936)

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é uma excelente forma de visualizar as mudanças e as for  mas como estas afetavam a estrutura social. A expansão da industrialização, da urbanização e a entrada de ideais de esquerda passaram a mobilizar segmentos da sociedade preocupados com os caminhos e descaminhos pelos quais o Brasil seguia. O impacto causado pela crise de 1929 e os prejuízos gerados pelas perdas na exportação de produtos agrícolas, em especial o café, faz os regimes de contestação ganharem força resultando na Revolução de 1930. Na década de 1920, o Brasil mal alcançava a cifra de 18 milhões de habitantes em todo seu território. O processo constituinte de 1933 terá esse caráter mobilizador e de discussão com diferentes segmentos da sociedade que buscam ter seus direitos garantidos na Lei maior. Assim, a Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1934 reconhece, pela primeira vez, na história independente do país, o direito à educação para todos: Art. 149 - A educação é direito de todos e deve ser ministrada, pela família e pelos Poderes Públicos, cumprindo a estes proporcioná-la a brasileiros e a estrangeiros domiciliados no País, de modo que possibilite eficientes fatores da vida moral e econômica da Nação, e desenvolva num espírito brasileiro a consciência da solidariedade humana (CAMPANHOLE; CAMPANHOLE, 1998, p. 724).

Art 150 - Compete à União: a) fixar o plano nacional de educação, compreensivo do ensino de todos os graus e ramos, comuns e especializados; e coordenar e fiscalizar a sua execução, em todo o território do País; b) determinar as condições de reconhecimento oficial dos estabelecimentos de ensino secundário e complementar deste e dos institutos de ensino superior, exercendo sobre eles a necessária fiscalização; c) organizar e manter, nos Territórios, sistemas educativos apropriados aos mesmos; d) manter no Distrito Federal ensino secundário e complementar deste, superior e universitário;

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Podemos perceber as influências dos movimentos sociais que discutiam e propunham um novo arranjo à educação brasileira, presentes nessa escrita da nova lei. Citamos aqui o “Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova” de 1932. A concepção de uma sociedade democrática passava pela escola ser um desses espaços de integração e discussão fundamentais na educação do cidadão brasileiro. Outro ponto importante desta Constituição, nesse contexto, é seu artigo 150 que coloca como obrigação à União a elaboração do Plano Nacional de Educação, entre outras:

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e) exercer ação supletiva, onde se faça necessária, por deficiência de iniciativa ou de recursos e estimular a obra educativa em todo o País, por meio de estudos, inquéritos, demonstrações e subvenções (CAMPANHOLE; CAMPANHOLE, 1998, p. 724).

Temos expresso o direito de todos à educação, estendendo assim aos adultos através da ação de suplência, como determina o item e o artigo citado. Um avanço no sentido do Estado assumir, efetivamente, na legislação, o não atendimento e acesso desse segmento da população. E ainda nesse artigo, ao referir-se ao Plano Nacional, esse direito aos adultos é novamente reafirmado: Parágrafo único - O plano nacional de educação constante de lei federal, nos termos dos arts. 5º, nº XIV, e 39, nº 8, letras a e e , só se poderá renovar em prazos determinados, e obedecerá às seguintes normas: a) ensino primário integral gratuito e de frequência obrigatória extensivo aos adultos; [...] (CAMPANHOLE; CAMPANHOLE, 1998, p. 724)

Art 125 - A educação integral da prole é o primeiro dever e o direito natural dos pais. O Estado não será estranho a esse dever, colaborando, de maneira principal ou subsidiária, para facilitar a sua execução ou suprir as deficiências

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Com o golpe que instituiu o Estado Novo em 1937, o referido Plano Nacional de Educação, produzido entre 1936/37, não chegou sequer a ser votado. A Constituição oriunda desse golpe procura resguardar determinados segmentos da elite frente às demandas de maior democratização da sociedade, bem como representa a proposta de um projeto modernizador, embora excludente. Na introdução dessa constituição expressam-se as justificativas desse novo texto legal devido, entre outros elementos, aos fatores de desordem gerados pela propaganda ideológica e partidária e a infiltração comunista. No que se refere à educação temos, ao determinar a organização nacional, em seu artigo 15, a competência privativa da União em [...] “IX - fixar as bases e determinar os quadros da educação nacional, traçando as diretrizes a que deve obedecer a formação física, intelectual e moral da infância e da juventude;” (FÁVERO, 2001, p. 307). Outro ponto importante a destacarmos é a preocupação dessa Constituição com a infância e a juventude. Ao referir-se à Família, temos as seguintes obrigações, em consonância com o Estado:

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e lacunas da educação particular. [...] Art 127 - A infância e a juventude devem ser objeto de cuidados e garantias especiais por parte do Estado, que tomará todas as medidas destinadas a assegurar-lhes condições físicas e morais de vida sã e de harmonioso desenvolvimento das suas faculdades. O abandono moral, intelectual ou físico da infância e da juventude importará falta grave dos responsáveis por sua guarda e educação, e cria ao Estado o dever de provê-las do conforto e dos cuidados indispensáveis à preservação física e moral. Aos pais miseráveis assiste o direito de invocar o auxílio e proteção do Estado para a subsistência e educação da sua prole (CAMPANHOLE; CAMPANHOLE, 1998, p. 621-622).

A preocupação com a presença de ideologias comunistas e anarquistas, aliada à expansão do nazismo e fascismo na Europa impregnavam o imaginário com as mais terríveis possibilidades para uma nação como a brasileira. As medidas repressoras e saneadores vieram ao encontro de um modelo de sociedade almejado e proposto

Art 166 - A educação é direito de todos e será dada no lar e na escola. Deve inspirar-se nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana.

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por uma elite, e fica expresso na legislação esse abismo social, com o Estado contribuindo àqueles com menores ou sem as mínimas condições financeiras. As medidas de nacionalização do ensino desse período, com o fechamento das escolas coloniais e aquelas que ministrassem suas aulas em língua que não fosse a pátria gerou um novo processo de exclusão dos espaços escolares e aumentou o analfabetismo, pois muitas crianças, pelas próprias condições sociais e econômicas, abandonavam a escola. O falar e o saber ler e escrever em uma língua estrangeira, como ocorria em larga escala nas colônias de imigrantes no sul do Brasil, era tido como um perigo a ser combatido, se necessário, com o uso da força policial, como efetivamente aconteceu. O período de 1939 a 1945 é marcado pela 2ª Guerra Mundial e todas as consequências que ela desencadeou, gerando com o fim do conflito a volta do regime democrático ao Brasil. Com a democracia, os movimentos sociais e populares retomam suas lutas, agora sem o perigo da repressão por parte dos poderes estatais. A Constituição de 1946 estabelece assim o direito à educação:

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Art 167 - O ensino dos diferentes ramos será ministrado pelos Poderes Públicos e é livre à iniciativa particular, respeitadas as leis que o regulem. Art 168 - A legislação do ensino adotará os seguintes princípios: I - o ensino primário é obrigatório e só será dado na língua nacional; II - o ensino primário oficial é gratuito para todos; o ensino oficial ulterior ao primário sê-lo-á para quantos provarem falta ou insuficiência de recursos; III - as empresas industriais, comerciais e agrícolas, em que trabalhem mais de cem pessoas, são obrigadas a manter ensino primário gratuito para os seus servidores e os filhos destes; IV - as empresas indústrias e comerciais são obrigadas a ministrar, em cooperação, aprendizagem aos seus trabalhadores menores, pela forma que a lei estabelecer, respeitados os direitos dos professores; (CAMPANHOLE; CAMPANHOLE, 1998, p. 517).

Como se pode ver, a concepção de educação como direito de todos é retomada, embora se deva observar, no artigo 168, que somente o ensino primário era obrigató-

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rio, com o comprometimento das empresas em ofertarem também o ensino primário gratuito a seus empregados e filhos. Devido às heranças históricas do período do Estado Novo, não teremos avanços significativos no que se refere a uma legislação que regulamentasse o exposto nessa Constituição. Os conflitos para definição entre público e privado, ensino laico ou religioso, centralizar ou descentralizar, demandaram muito tempo de discussão, gerando assim este descompasso. Somente em 1961 teremos a primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 4.024/61. BRASIL, 1961). O golpe militar de 1964, com a derrubada do governo de João Goulart abre um novo momento da história nacional, retornando a política a um regime autoritário e militar. A democracia, que estava se efetivando, foi novamente abortada em seu processo de consolidação. Com isso, os movimentos sociais se viram atropelados pelos interesses das elites conservadoras, com as portas de diálogo e discussão social sendo fechadas pelo sistema repressor instalado. Táticas e estratégias tiveram que ser efetivadas para tentar romper com o controle militar. Não podemos esquecer que nesse contexto histórico temos os trabalhos do Movimento de Educação de Base (MEB) e o Movimento de Cultura Popular (MCP) como exemplos de atividades que eram desenvolvidas nas comunidades de diferentes regiões do Brasil. A Constituição de 1967, como não poderia deixar de ser, espelha esse contexto em sua redação. No tocante

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à educação, temos os seguintes pontos que merecem ser destacados do texto constitucional:   Art 168 - A educação é direito de todos e será dada no lar e na escola; assegurada a igualdade de oportunidade, deve inspirar-se no princípio da unidade nacional e nos ideais de liberdade e de solidariedade humana. 1º - O ensino será ministrado nos diferentes graus pelos Poderes Públicos. 2º - Respeitadas as disposições legais, o ensino é livre à Iniciativa particular, a qual merecerá o amparo técnico e financeiro dos Poderes Públicos, inclusive bolsas de estudo. 3º - A legislação do ensino adotará os seguintes princípios e normas: I - o ensino primário somente será ministrado na língua nacional; II - o ensino dos sete aos quatorze anos é obrigatório para todos e gratuito nos estabelecimentos primários oficiais; III - o ensino oficial ulterior ao primário será, igualmente, gratuito para quantos, demonstrando efetivo aproveitamento, provarem

Além da manutenção da concepção de educação como direito de todos, esta Constituição define, pela primeira vez, a extensão da escolarização obrigatória até os 14 anos, princípio legal que se mantém na atualidade. A partir dessa proposição cria-se efetivamente a faixa etária “a partir dos 15 anos”, idade que passa a ser considerada aos jovens. Em seu artigo 170 é retomado o princípio da Constituição de 1946 ao definir que: As empresas comerciais, industriais e agrícolas são obrigadas a manter, pela forma que a lei estabelecer, o ensino primário gratuito de seus empregados e dos filhos destes. Parágrafo único - As empresas

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falta ou insuficiência de recursos. Sempre que possível, o Poder Público substituirá o regime de gratuidade pelo de concessão de bolsas de estudo, exigido o posterior reembolso no caso de ensino de grau superior; IV - o ensino religioso, de matrícula facultativa, constituirá disciplina dos horários normais das escolas oficiais de grau primário e médio (CAMPANHOLE; CAMPANHOLE, 1998, p. 438).

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comerciais e industriais são ainda obrigadas a ministrar, em cooperação, aprendizagem aos seus trabalhadores menores (CAMPANHOLE; CAMPANHOLE, 1998, p. 439).

Devido ao aumento da repressão interna, com o Ato Institucional nº 05, de 13 de dezembro de 1968, e a centralização nas mãos do poder executivo, com o “recesso” do Congresso Nacional, em 24 de janeiro de 1969, é promulgada em outubro de 1969 a Emenda Constitucional, modificando a redação da Constituição de 1967. Nessa nova redação, temos mais uma novidade no que se refere ao direito à educação: Art. 176. A educação, inspirada no princípio da unidade nacional e nos ideais de liberdade e solidariedade humana, é direito de todos e dever do Estado, e será dada no lar e na escola. 1º O ensino será ministrado nos diferentes graus pelos Poderes Públicos. 2º Respeitadas as disposições legais, o ensino é livre à iniciativa particular, a qual merecerá o amparo técnico e financeiro dos Poderes Públicos, inclusive mediante bolsas de estudos.

Qual a inovação? Lendo com atenção o artigo 176, temos pela primeira vez o Estado tendo como dever a educação, pois até então garantia se o direito de todos à educação, mas o Estado não era chamado a assumir esse dever.

1.1.3 A CONSTITUIÇÃO DE 1988: AS BASES DO PRINCIPIO LEGAL VIGENTE

Nesta breve trajetória histórica pelos textos constitucionais, a Constituição de 1988, foi redigida em um

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3º A legislação do ensino adotará os seguintes princípios e normas: I - o ensino primário somente será ministrado na língua nacional; II - o ensino primário é obrigatório para todos, dos sete aos quatorze anos, e gratuito nos estabelecimentos oficiais; III - o ensino público será igualmente gratuito para quantos, no nível médio e no superior, demonstrarem efetivo aproveitamento e provarem falta ou insuficiência de recursos; (CAMPANHOLE; CAMPANHOLE, 1998, p. 324-325).

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contexto marcado pelo processo de abertura política e de retomada   da democracia e do amplo direito de manifestação e organização. Um momento histórico no qual buscou-se garantir-se os direitos individuais e coletivos, duramente reprimidos pelos 21 anos de ditadura militar. O preâmbulo da Constituição expressa os sentimentos e desejos reinantes naquele contexto: Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL (BRASIL, 1989, p. 01).

Esta Constituição possui avanços se a compararmos aos textos anteriores, pois a trajetória histórica e o

Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de: I -ensino fundamental, obrigatório e gratuito, inclusive para os que a ele não tiveram acesso na idade própria; II - progressiva extensão da obrigatoriedade e gratuidade ao ensino médio; I - ensino fundamental, obrigatório e gratuito, assegurada, inclusive, sua oferta gratuita para todos os que a ele não tiveram acesso na idade própria; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 14, de 1996) II - progressiva universalização do

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próprio contexto eram favoráveis a ampliação da experiência democrática e republicana de direitos. Embora na legislação os avanços sejam visíveis, na prática o texto legal não se efetivou, com o direito à educação restrito a determinados segmentos sociais, em diferentes regiões do Brasil. O artigo 208 dessa Constituição apresenta as garantias e o do dever do Estado com a educação, sendo que a redação do mesmo foi atualizada, conforme indicado pela Emenda Constitucional nº 14, de 1996. Destacamos que os grifos apresentados abaixo indicam os itens que foram alterados da referida legislação.

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ensino médio gratuito; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 14, de 1996) III - atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino; IV - atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a seis anos de idade; IV - educação infantil, em creche e pré-escola, às crianças até 5 (cinco) anos de idade; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006) V - acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um; VI - oferta de ensino noturno regular, adequado às condições do educando; VII - atendimento ao educando, no ensino fundamental, através de programas suplementares de material didático-escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde. § 1º - O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo. § 2º - O não-oferecimento do

ensino obrigatório pelo Poder Público, ou sua oferta irregular, importa responsabilidade da autoridade competente. § 3º - Compete ao Poder Público recensear os educandos no ensino fundamental, fazer-lhes a chamada e zelar, junto aos pais ou responsáveis, pela frequência à escola (CAMPANHOLE; CAMPANHOLE, 1998, p. 127).

Direito público subjetivo é aquele pelo qual o titular de um direito pode exigir imediatamente o cumprimento de um dever e de uma

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Este é o marco legal que define os caminhos da educação brasileira na atualidade e todas as leis advindas, seja em nível federal, estadual ou municipal, não podem se contrapor à constituição, como já se sabe. Ou seja, qualquer regulamentação proposta em território nacional para a educação não pode ser contrário ao disposto neste artigo. Importante destacar a garantia do direito ao ensino fundamental gratuito a todos, independente da idade. Nesse caso, temos o direito subjetivo, ou seja, aquele direito em que é necessária a expressão do sujeito de querer valer-se dele para sua efetivação. Mas como funciona esse direito subjetivo? Como é definido?

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obrigação. Trata-se de um direito positivado, constitucionalizado e dotado de efetividade. O titular deste direito é qualquer pessoa de qualquer faixa etária que não tenha tido acesso à escolaridade obrigatória. Por isso é um direito subjetivo ou seja ser titular de alguma prerrogativa é algo que é próprio deste indivíduo. O sujeito deste dever é o Estado no nível em que estiver situada esta etapa da escolaridade. Por isso se chama direito público pois, no caso, trata-se de uma regra jurídica que regula a competência, as obrigações e os interesses fundamentais dos poderes públicos, explicitando a extensão do gozo que os cidadãos possuem quanto aos serviços públicos. Assim o direito público subjetivo explicita claramente a vinculação substantiva e jurídica entre o objetivo e o subjetivo. Na prática, isto significa que o titular de um direito público subjetivo tem asseguradas a defesa, a proteção e a efetivação imediata do mesmo quando negado. Em caso de inobservância deste direito, por omissão do órgão incumbido ou pessoa que o represente, qual-

quer criança, adolescente, jovem ou adulto que não tenha entrado no ensino fundamental pode exigi-lo e o juiz deve deferir imediatamente, obrigando as autoridades constituídas a cumpri-lo sem mais demora (BRASIL, 2000, p. 22-23).

De todo modo, pode-se assinalar que, em todas as Constituições, atribui-se, de algum modo, à

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Analisando os textos constitucionais, é possível compreender como os direitos e as exclusões geradas pela letra da lei, foram fruto das historicamente de determinados contextos, produzindo representações e imaginários sobre a educação em geral e criando uma ideia da não prioridade ou necessidade de maiores investimentos na educação de jovens e adultos. A priorização da educação das crianças até os 14 anos e os investimentos no ensino superior, que caracterizaram grande parte da década de 1990 e inícios dos anos 2000, deixaram ainda mais a margem os sujeitos jovens e adultos do acesso à educação básica. A política pública, ou a falta dela, geraram formas de tentar suprir as deficiências no atendimento a esta população. O professor Carlos Roberto Jamil Cury, em seu parecer para o Conselho Nacional de Educação (CNE), referente às Diretrizes Nacionais para a EJA aponta:

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União o papel de suprir as deficiências dos sistemas, de conceder assistência técnica e financeira no desenvolvimento de programas estaduais e municipais, de articular o conjunto das iniciativas exigindo alguma adequação do então supletivo aos princípios gerais do ensino atendido na idade própria (BRASIL, 2000, p. 21).

Mas além do texto constitucional, no caso brasileiro, as leis que regulamentaram a educação nacional também merecem uma análise, mesmo que breve, neste caso a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, mais conhecida pela sigla LDB (LDBEN).

1.2 A LEGISLAÇÃO EDUCACIONAL E AS CONCEPÇÕES DE EJA

As Leis de Diretrizes e Bases da Educação Nacional constituem o marco regulatório da educação, definindo a organização, as formas, as modalidades, as nomenclaturas, tempos, idades, enfim, organizando as práticas nacionais para a oferta da educação em seus diferentes níveis. Isto porque

Diferentemente das constituições, que ao longo da República tiveram várias versões, no que se refere às Leis de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN ou LDB, como é comumente utilizado) temos somente duas nesse mesmo período histórico. A primeira LDB é datada de 20 de dezembro de 1961, conhecida como a Lei 4.024. E a outra LDB é a

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O direito à educação parte do reconhecimento de que o saber sistemático é mais do que uma importante herança cultural. Como parte do patrimônio cultural, o cidadão torna-se capaz de se apossar de padrões cognitivos e formativos pelos quais tem maiores possibilidades de participar dos destinos de sua sociedade e colaborar na sua transformação. Ter o domínio de conhecimentos sistemáticos é também um patamar sinequa non a fim de poder alargar o campo e o horizonte desses e de novos conhecimentos. O acesso à educação é também um meio de abertura que dá ao indivíduo uma chave de autoconstrução, de reconhecimento em relação à capacidade de ter opções conscientes e críticas e de estima de si (CURY, 2005, p. 20).

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vigente atualmente, definida pela Lei 9.394/96, de 20   dezembro de 1996. É comum nos curso de formação de inicial e/ou continuada serem citadas outras duas LDBs, o que não procede, pois o que ocorreu efetivamente foi a reforma da lei 4.024, devido às mudanças provocadas pelo regime militar instaurado em 1964. Esta reforma produziu duas leis: a Lei 5.540 de 1968 e a conhecida Lei 5.692, de 1971. A primeira ateve-se à reforma da estrutura do ensino superior, enquanto a segunda centrou-se em reformar o ensino primário e médio. Para compreendermos este processo, iremos retroceder brevemente no tempo, novamente. No período do Estado Novo e sua Constituição, afirma-se ser da competência da União a fixação das bases e a determinação dos quadros da educação. Partindo desse pressuposto, o ministro da educação da época, Gustavo Capanema, elabora e implanta as Leis Orgânicas do Ensino, através de decretos lei, no período de 1942 a 1946. Através desse conjunto de decretos lei definiu-se o ensino secundário, o ensino industrial, agrícola, primário e normal. Também foram criados o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI) em 1942; o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (SENAC) em 1946, ficando ambos sob o controle do setor empresarial e comercial correspondente. Importante destacar nesse conjunto de leis orgânicas a seguinte, que apresenta o primário supletivo: O Decreto-lei nº 8.529 de 2/1/1946, Lei Orgânica do En-

sino Primário, reserva o capítulo III do Título II ao curso primário supletivo. Voltado para adolescentes e adultos, tinha disciplinas obrigatórias e teria dois anos de duração, devendo seguir os mesmos princípios do ensino primário fundamental (BRASIL, 2000, p. 19).

A nossa primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei nº 4.024/61, reconhece a educação como direito de todos e no Título VI, capítulo II, ao tratar do ensino primário diz no art. 27:

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Em 1946, com o fim da ditadura do Estado Novo, com o novo governo e a nova Constituição, temos pela primeira vez a expressão “diretrizes e bases”, remetendo-se à educação nacional. Dessa forma, Clemente Mariani, Ministro da Educação na época, constituiu uma comissão para iniciar os trabalhos de estudos e produção do Projeto de Lei da LDB, que após algumas alterações realizadas pelo Ministério da Educação, foi encaminhado pelo então Presidente da República, Eurico Gaspar Dutra, à Câmara Federal, em outubro de 1948. Com uma tramitação demorada, a primeira LDB brasileira somente é aprovada em 20 de dezembro de 1961.

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O ensino primário é obrigatório a partir dos 7 anos e só será ministrado na língua nacional. Para os que o iniciarem depois dessa idade poderão ser formadas classes especiais [Não confundir esta expressão com o que hoje se entende por classes especiais. Naquele momento, tal expressão se aproxima do que hoje denominamos classes de aceleração] ou cursos supletivos correspondentes ao seu nível de desenvolvimento. A Lei nº 4.024/61 determinava ainda, no seu art. 99: aos maiores de 16 anos será permitida a obtenção de certificados de conclusão do curso ginasial, mediante a prestação de exames de madureza, após estudos realizados sem observância de regime escolar. único: Nas mesmas condições permitir-se-á a obtenção do certificado de conclusão de curso colegial aos maiores de 19 anos (BRASIL, 2000, p. 19).

Os exames citados nessa legislação poderiam ser aplicados tanto pelas escolas oficiais como pelas privadas, desde que devidamente autorizadas pelos respectivos Conselhos ou Secretarias. Importante fazermos a relação desta LDB com a constituição em vigor, pois esta Lei vem

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regulamentar os dispostos no texto constitucional. Vale lembrar que o golpe militar de 1964, como vimos anteriormente, modifica as relações entre a sociedade e o Estado, com um “espírito modernizador” e repressor dos movimentos de contestação. Dentro dessa concepção modernizadora, o analfabetismo dos adultos era um problema a ser enfrentado, pois com a industrialização as exigências por mão deobra mais qualificada tornava-se crescente. Como forma de atender a esta demanda de analfabetos, é criado o Movimento Brasileiro de Alfabetização (MOBRAL) através da Lei 5.379/67, com o objetivo de erradicar o analfabetismo do país, que na década de 1960 contava com uma população de 15.964.000 analfabetos. O MOBRAL existiu durante todo o regime militar, sendo extinto somente com o processo de redemocratização na década de 1980, deixando um estigma para muitos adultos, pois frequentar este “programa” tornou-se, em determinados locais, sinônimo de ignorância e miserabilidade. Ainda hoje, muitas vezes, ouvimos determinadas piadas e brincadeiras que recomendam a pessoa “voltar ao MOBRAL”, dependendo de suas dificuldades de aprendizagem. O regime autoritário implementado em 1964 necessitava adequar também a educação escolar aos princípios do novo governo. Dessa forma, modificou a LDB de 1961: a primeira mudança ocorre em 1968 com a Lei 5.540, mais conhecida como reforma universitária, pois tratava especificamente sobre esse tema.

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Essa Lei foi fruto de um grupo de trabalho nome  pelo Marechal Artur da Costa e Silva (1899-1969), ado presidente do país à época que definiu como prazo para a execução dos estudos 30 dias. Os estudantes universitários foram incluídos oficialmente como participantes deste grupo de trabalho, mas negaram-se a participar mantendo assim o processo de resistência ao regime militar. Como nosso objeto de estudos, no momento, não é desta modalidade, vejamos então as modificações no ensino primário, com a segunda reforma empreendida pelo governo militar.

1.2.1 A REFORMA DA LDB DE 1971 Após ter sido deflagrada e aprovada a reforma do ensino universitário, o ensino primário e o médio tornam-se o alvo dos militares no poder. Temos aqui também a nomeação de um Grupo de Trabalho dentro do Ministério da Educação, pelo presidente General Emílio Garrastazu Médici, que tinha 60 dias para apresentar a conclusão dos estudos. Percorrido o trâmite legal após a entrega do documento pelo grupo de trabalho, em 11 de agosto de 1971 era promulgada a Lei 5.692/71, que alterava a estrutura da educação escolar existente no Brasil até então. Saviani assim escreve sobre o assunto: Em lugar de um curso primário com duração de quatro anos se-

Primeiramente o ensino supletivo, como foi chamado nessa legislação, teve um capítulo próprio com cinco artigos. Vejamos a formulação da Lei 5.692 no que se refere ao ensino de adultos: Um deles dizia que este ensino se destinava a “suprir a escolarização regular para adolescentes e adultos, que não a tinham seguido ou concluído na idade própria”. Este ensino podia, então, abranger o processo de alfabetização, a aprendizagem, a qualificação, algumas disciplinas e também

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guidos de um ensino médio subdividido verticalmente em um curso ginasial de quatro anos e um curso colegial de três anos, passamos a ter um ensino de primeiro grau com a duração de oito anos e um ensino de segundo grau de três anos, como regra geral. Em lugar de um ensino médio subdividido horizontalmente em ramos, instituiu-se um curso de segundo grau unificado, de caráter profissionalizante, albergando, ao menos como possibilidade, um leque amplo de habilitações profissionais (SAVIANI, 2004, p. 31).

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atualização. Os cursos poderiam acontecer via ensino a distância, por correspondência ou por outros meios adequados. Os cursos e os exames seriam organizados dentro dos sistemas estaduais de acordo com seus respectivos Conselhos de Educação. Os exames, de acordo com o art. 26, ou seriam entregues a “estabelecimentos oficiais ou reconhecidos” cuja validade de indicação seria anual, ou “unificados na jurisdição de todo um sistema de ensino ou parte deste”, cujo polo seria um grau maior de centralização administrativa. E o número de horas, consoante o art. 25, ajustar-se-ia de acordo com o “tipo especial de aluno a que se destinam”, resultando daí uma grande flexibilidade curricular (BRASIL, 2000, p. 21).

Nessa legislação abre-se a possibilidade dos cursos acontecerem à distância ou por meios adequados, embora esta concepção não esteja clara no texto. Importante observarmos que muitas das práticas pedagógicas desenvolvidas em EJA, na atualidade, estão com suas bases na concepção de suplência oriundas da Lei 5.692, em especial as que mantêm suas propostas de trabalho à distância ou semipresencialmente. Mesmo com novas legislações e

práticas diferenciadas, as permanências são difíceis de serem rompidas nessa modalidade de ensino, especialmente pela manutenção da concepção de funções da EJA, também oriundas e difundidas por esta legislação, conforme se verifica a seguir:

Dentro do contexto de restrição à participação política e democrática da sociedade e a preocupação modernizadora e industrial do regime militar, a educação de

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Esse Parecer (nº 699/72 do Conselho Federal de Educação) destaca quatro funções do então ensino supletivo: a suplência (substituição compensatória do ensino regular pelo supletivo via cursos e exames com direito à certificação de ensino de 1º grau para maiores de 18 anos e de ensino de 2º grau para maiores de 21 anos), o suprimento (completação do inacabado por meio de cursos de aperfeiçoamento e de atualização.), a aprendizagem e a qualificação. Elas se desenvolviam por fora dos então denominados ensinos de 1º e 2º graus regulares. Este foi um momento de intenso investimento público no ensino supletivo e um início de uma redefinição da aprendizagem e qualificação na órbita do Ministério do Trabalho (BRASIL, 2000, p. 21)

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adultos é tratada de forma técnica, sem uma preocupação   maior com os aspectos de aprendizagem ou especificidades desse público. Estas considerações referem-se, para ficar claro, aos aspectos legais e de sua implementação em muitos espaços escolares, sem ser a regra. Embora o texto legal efetivasse o predomínio desse tipo de ensino, as iniciativas de educação popular, por exemplo e não somente, vão buscar romper com esse conceito de suplência buscando constituir novos saberes e práticas a serem desenvolvidas com os jovens e adultos que não tiverem acesso à educação escolar, não restringindo-se a cidade e atuando também no campo, propondo assim uma outra concepção de educação.

1.2.2 A LE I D E D I R ETR I Z E S E BA S E S DA E D U CAÇÃO N AC I O N A L: 19 9 6

Retomando nossa trajetória legal, com o processo de abertura política na década de 1980 iniciaram-se os debates sobre a educação nesses tempos de democracia, antes mesmo da nova Constituição. Assim esclarece Saviani: A comunidade educacional organizada se mobilizou fortemente em face do tratamento a ser dado à educação na Constituição Federal que iria resultar dos trabalhos do

A redemocratização mobilizou os diferentes setores da sociedade que desejavam estar contemplados no novo texto constitucional. A nova LDB resultante desse

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Congresso Nacional Constituinte instalado em fevereiro de 1987. Antes mesmo que os constituintes entrassem em ação, a IV Conferência Brasileira de Educação, realizada em Goiânia em agosto de 1986, teve como tema central ‘A educação e a constituinte’. E na assembleia de encerramento dessa Conferência foi aprovada a ‘Carta de Goiânia’ contendo as propostas dos educadores para o capítulo da Constituição referido à educação. Aí previa-se a manutenção do artigo que definia como competência da União legislar sobre diretrizes e bases da educação nacional. Mantida a mobilização no sentido de garantir que os pontos da ‘Carta de Goiânia’ fossem incorporados ao texto da Constituição, o que se conseguiu quase totalmente, iniciou-se concomitantemente em 1987 o movimento em torno da elaboração das novas diretrizes e bases da educação nacional (SAVIANI, 2004, p. 35).

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processo passa por um longo caminho até ser aprovada   dezembro de 1996: decorreram-se quase 10 anos. em Um ponto a ser ressaltado inicialmente foi a impossibilidade de efetivação de um sistema nacional de educação que buscasse construir, na atualidade, caminhos para sua implementação e constituição, por diferentes demandas da sociedade civil organizada e do próprio Ministério da Educação. Centrando o olhar acerca da educação de jovens e adultos, um dos grandes avanços foi a EJA finalmente ser compreendida e incorporada como uma modalidade de ensino dentro da Educação Básica, deixando assim de ser considerada uma suplência e de estar fora do chamado ensino regular. Mais uma expressão que herdada da Lei 5.692 e que é preciso desconstruir: a EJA é tão regular como o ensino ministrado às crianças e adolescentes que estão na idade considerada como “correta” na relação idade/série. No texto da LDB 9.394/96 há dois capítulos específicos para a EJA: Art. 37. A educação de jovens e adultos será destinada àqueles que não tiveram acesso ou continuidade de estudos no ensino fundamental e médio na idade própria. 1º Os sistemas de ensino assegurarão gratuitamente aos jovens e aos adultos, que não puderam

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efetuar os estudos na idade regular, oportunidades educacionais apropriadas, consideradas as características do alunado, seus interesses, condições de vida e de trabalho, mediante cursos e exames. 2º O Poder Público viabilizará e estimulará o acesso e a permanência do trabalhador na escola, mediante ações integradas e complementares entre si. 3º A educação de jovens e adultos deverá articular-se, preferencialmente, com a educação profissional, na forma do regulamento. (Nova Redação – Lei 11.471 (18/07/2008) Art. 38. Os sistemas de ensino manterão cursos e exames supletivos, que compreenderão a base nacional comum do currículo, habilitando ao prosseguimento de estudos em caráter regular. 1º Os exames a que se refere este artigo realizar-se-ão: I - no nível de conclusão do ensino fundamental, para os maiores de quinze anos; II - no nível de conclusão do ensino médio, para os maiores de dezoito anos.

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2º Os conhecimentos e habilidades adquiridos pelos educandos por meios informais serão aferidos e reconhecidos mediante exames(BRASIL, 1996).

Em 2008 ocorre a modificação do texto original do artigo 37 na busca pela articulação dos cursos de EJA com a educação profissional, a partir das orientações e encaminhamentos da política do governo federal sobre a expansão das escolas e do ensino técnico e profissionalizante. Vale destacar que temos dois artigos que definem a EJA, mas que foi preciso um marco regulatório do Conselho Nacional de Educação (CNE), através da Câmara de Educação Básica (CEB), para redimir as dúvidas que pairavam sobre a EJA. A questão da idade de ingresso era um desses temas de dúvida, pois a LDB somente cita os exames com a idade mínima de ingresso. O artigo 37 sofria interpretações, como sofre ainda, demonstrando a necessidade de estudos sobre a EJA, marcada historicamente no Brasil por representações variadas, seja por parte dos poderes públicos, seja por parte da população em geral. O relator incumbido pelo Conselho para essa tarefa foi o professor Carlos Roberto Jamil Cury, que redigiu e produziu o Parecer CNE/CEB 2000. A partir desse parecer foi publicada a Resolução CEB/CNE 01, de 01 de julho de 2000, que estabeleceu as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação de Jovens e Adultos.

Segundo o Parecer citado anteriormente, temos uma interessante análise das funções da EJA na forma como foram apresentadas na LDB. É importante compreendermos os cursos e os exames e sua efetividade dentro dos sistemas de ensino. Para isso, vejamos o que dizem os documentos oficiais:

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A proporcionalidade, como orientação de procedimentos, por sua vez, é uma dimensão da equidade que tem a ver com a aplicação circunstanciada da justiça, que impede o aprofundamento das diferenças quando estas inferiorizam as pessoas. Ela impede o crescimento das desigualdades por meio do tratamento desigual dos desiguais, consideradas as condições concretas, a fim de que estes eliminem uma barreira discriminatória e se tornem tão iguais quanto outros que tiveram oportunidades face a um bem indispensável como o é o acesso à educação escolar. Dizer que os cursos da EJA e exames supletivos devem habilitar ao prosseguimento de estudos em caráter regular (art. 38 da LDB) significa que os estudantes da EJA também devem se equiparar aos que sempre tiveram acesso à escolaridade e nela pude-

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ram permanecer. Respeitando-se o princípio de proporcionalidade, a chegada ao patamar igualitário entre os cidadãos se louvaria no tratamento desigual aos desiguais que, nesta medida, mereceriam uma prática política consequente e diferenciada. Por isso o art. 37 diz que a EJA será destinada àqueles que não tiveram acesso ou continuidade de estudos no ensino fundamental e médio na idade própria. Este contingente plural e heterogêneo de jovens e adultos, predominantemente marcado pelo trabalho, é o destinatário primeiro e maior desta modalidade de ensino. Muitos já estão trabalhando, outros tantos querendo e precisando se inserir no mercado de trabalho. Cabe aos sistemas de ensino assegurar a oferta adequada, específica a este contingente, que não teve acesso à escolarização no momento da escolaridade universal obrigatória, via oportunidades educacionais apropriadas. A oferta dos cursos em estabelecimentos oficiais, afirmada pelas normas legais, e a dos exames supletivos da EJA, pelos poderes públicos, é garantida pelo art. 37 § 1º da LDB. A associação entre gratuidade e a oferta periódica mais frequente e

descentralizada da prestação dos exames pode reforçar o dever do Estado para com esta modalidade de educação. Para tanto, os estabelecimentos públicos dos respectivos sistemas deverão viabilizar e estimular a igualdade de oportunidades e de acesso aos cursos e exames supletivos sob o princípio da gratuidade (BRASIL, 2000, p. 27).

Na verdade, o teor da Lei nº

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Como há várias redes de ensino, podemos ter variadas normatizações em estados e municípios, embora não possam ir contra o disposto em nível federal. Encontramos diferentes EJAs sendo constituídas pelas normativas de Conselhos, que nem sempre levam em conta as especificidades dos jovens e adultos, embora atendam à legislação federal. Muitas vezes o próprio desconhecimento das Diretrizes Nacionais para esta modalidade colabora com essa outra dificuldade enfrentada pelos cursos de EJA, sem citarmos aqui as práticas metodológicas, que são das mais diversas. Mas os avanços apresentados pela LDB foram ofuscados, de certa maneira, por uma outra lei, aprovada no mesmo ano (1996), que criava um fundo para a manutenção da educação nacional, além dos investimentos que devem ser priorizados pelos poderes públicos.

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9.424/96 que regulamentou a Emenda nº 14/96 deixa fora do cálculo do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério (FUNDEF) a Educação de Jovens e Adultos. O FUNDEF se aplica tão só ao ensino fundamental no momento em que muitos trabalhadores e mães de família, afastados dos estudos por longos anos, pressionam por uma entrada ou retorno na educação escolar, seja para melhorar a renda familiar, seja para a busca de mobilidade social. O aluno da EJA, integrante da etapa correspondente ao ensino obrigatório da educação básica, na forma de ensino presencial e com avaliação no processo, não é computado para o cálculo dos investimentos próprios deste fundo. É preciso retomar a equidade também sob o foco da alocação de recursos de maneira a encaminhar mais a quem mais necessita, com rigor, eficiência e transparência (BRASIL, 2000, p. 24-25).

Embora considerada uma modalidade, a legislação aprovada na sequência (no caso o FUNDEF), não incorpora a EJA e demais modalidades como o ensino

médio. Mais uma luta que a EJA necessitou e necessita ainda, que é a busca pela equidade no financiamento, pois muitas ações e propostas não são desenvolvidas devido, muitas vezes, à falta de um financiamento maior. Um outro ponto que merecemos destacar desse parecer que normatiza o disposto na LDB refere-se às funções e às necessidades de atendimentos dos grupos marginalizados e excluídos do sistema escolar. Educação de Jovens e Adultos e Educação na Diversidade | 65

De todo modo, o não estar em pé de igualdade no interior de uma sociedade predominantemente grafocêntrica, onde o código escrito ocupa posição privilegiada revela-se como problemática a ser enfrentada. Sendo leitura e escrita bens relevantes, de valor prático e simbólico, o não acesso a graus elevados de letramento é particularmente danoso para a conquista de uma cidadania plena. Suas raízes são de ordem histórico-social. No Brasil, esta realidade resulta do caráter subalterno atribuído pelas elites dirigentes à educação escolar de negros escravizados, índios reduzidos, caboclos migrantes e trabalhadores braçais, entre outros. Impedidos da plena cidadania, os descendentes destes grupos ainda hoje sofrem as consequ-

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ências desta realidade histórica. Disto nos dão prova as inúmeras estatísticas oficiais. A rigor, estes segmentos sociais, com especial razão negros e índios, não eram considerados como titulares do registro maior da modernidade: uma igualdade que não reconhece qualquer forma de discriminação e de preconceito com base em origem, raça, sexo, cor, idade, religião e sangue entre outros. Fazer a reparação desta realidade, dívida inscrita em nossa história social e na vida de tantos indivíduos, é um imperativo e um dos fins da EJA porque reconhece o advento para todos deste princípio de igualdade (BRASIL, 2000, p. 06).

Desse modo, a EJA é entendida como dívida social, um direito negado em determinado momento histórico a jovens e adultos, e os poderes públicos são chamados a buscar formas de recompor esse direito através da legislação. Atender jovens e adultos não mais com campanhas ou programas, mas com propostas apropriadas e de acordo com as necessidades desses sujeitos históricos. Atualmente a concepção proposta para EJA é a busca por metodologias que não venham novamente repetir o processo de fracasso escolar, muito menos formas aligeiradas de reprodução e adequação de conteúdos tra-

balhados no ensino fundamental ou médio, com os sujeitos, na suas respectivas idades/séries correspondentes.

1.2.3 AS CONCEPÇÕES E FUNÇÕES

Face ao deslocamento de atribuições e em que pese a determinação financeira constritiva da Lei nº 9.424/96, uma vez que as matrículas da EJA não fazem parte do cálculo do FUNDEF, a Lei nº 9.394/96 rompe com a concepção posta na Lei nº 5.692/71, seja pelo disposto no art. 92 da nova Lei, seja pela nova concepção da EJA. Desaparece a noção de Ensino Supletivo existente na Lei nº 5.692/71. A atual LDB abriga no seu Título V (Dos Níveis e Modalidades

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O Parecer CNE/CEB 11/2000 aponta a necessidade de compreensão da mudança do estatuto da educação de jovens e adultos, não somente no ordenamento jurídico, mas na própria concepção do que vem a ser esta EJA (BRASIL, 2000). Um ponto de ruptura fundamental para a ressignificação das práticas de escolarização realizadas ao longo do século XX.

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de Educação e Ensino), capítulo II (Da Educação Básica) a seção V denominada Da Educação de Jovens e Adultos. Os artigos 37 e 38 compõem esta seção. Logo, a EJA é uma modalidade da educação básica, nas suas etapas fundamental e média (BRASIL, 2000, p. 26).

Uma outra concepção se torna corrente neste mesmo Parecer: a educação ao longo da vida, ou seja, a educação para além do processo de certificação. Criar condições e oportunidades para que o sujeito possa continuar aprendendo, independente da conclusão de uma determinada etapa de ensino.

A concepção pela qual ninguém deixa de ser um educando, deve contar com a universalização completa do ensino fundamental de modo a combinar idade/ano escolar adequados com o fluxo regularizado, com a progressiva universalização do ensino médio e o prolongamento de sua obrigatoriedade, inclusive possibilitando aos interessados a opção por uma educação profissional. Neste sentido, a EJA é um momento de reflexão sobre o conceito de edu-

Partindo desta mudança de concepção, o Parecer, na relatoria de Cury, apresenta três funções para a EJA nesta nova configuração proposta: reparadora, equalizadora e qualificadora. A função reparadora, como a própria nomenclatura nos remete, busca reparar o direito negado a esses sujeitos, reconhecendo assim a perda do direito a um bem real, social e simbolicamente pertinente. Principalmente os sujeitos privados do acesso ao conhecimento da leitura e da escrita, veem-se assim excluídos de uma determinada comunidade de sentidos, tornando-se invisíveis e sendo invisibilizados nesse processo. As novas competências exigidas pelas transformações da base econômica do mundo contemporâ-

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cação básica que preside a organização da educação nacional em suas etapas. As necessidades contemporâneas se alargaram, exigindo mais e mais educação, por isso, mais do que o ensino fundamental, as pessoas buscam a educação básica como um todo. A nova concepção da EJA significa, pois, algo mais do que uma norma programática ou um desejo piedoso. A sua forma de inserção no corpo legal indica um caminho a seguir (BRASIL, 2000, p. 66).

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neo, o usufruto de direitos próprios da cidadania, a importância de novos critérios de distinção e prestígio, a presença dos meios de comunicação assentados na microeletrônica requerem cada vez mais o acesso a saberes diversificados. A igualdade e a desigualdade continuam a ter relação imediata ou mediata com o trabalho. Mas seja para o trabalho, seja para a multiformidade de inserções sócio-político-culturais, aqueles que se virem privados do saber básico, dos conhecimentos aplicados e das atualizações requeridas podem se ver excluídos das antigas e novas oportunidades do mercado de trabalho e vulneráveis a novas formas de desigualdades. Se as múltiplas modalidades de trabalho informal, o subemprego, o desemprego estrutural, as mudanças no processo de produção e o aumento do setor de serviços geram uma grande instabilidade e insegurança para todos os que estão na vida ativa e quanto mais para os que se veem desprovidos de bens tão básicos como a escrita e a leitura. O acesso ao conhecimento sempre teve um pa-

Mas reparar o acesso dos sujeitos a um direito subjetivo propiciando a inserção em um espaço democrático dentro do ambiente escolar não satisfaz plenamente as necessidades desses jovens e adultos, marcadas pela desigualdade existente e presente na sociedade. É necessário também equalizar o princípio educativo, ou seja, possibilitar aos desfavorecidos maiores oportunidades de acesso, permanência e sucesso escolar. É o chamado feito na

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pel significativo na estratificação social, ainda mais hoje quando novas exigências intelectuais, básicas e aplicadas, vão se tornando exigências até mesmo para a vida cotidiana. Mas a função reparadora deve ser vista, ao mesmo tempo, como uma oportunidade concreta de presença de jovens e adultos na escola e uma alternativa viável em função das especificidades sócio-culturais destes segmentos para os quais se espera uma efetiva atuação das políticas sociais. É por isso que a EJA necessita ser pensada como um modelo pedagógico próprio a fim de criar situações pedagógicas e satisfazer necessidades de aprendizagem de jovens e adultos (BRASIL, 2000, p. 08-09).

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citação anterior ao apontar a necessidade de um modelo   pedagógico próprio para a EJA. A função equalizadora da EJA vai dar cobertura a trabalhadores e a tantos outros segmentos sociais como donas de casa, migrantes, aposentados e encarcerados. A reentrada no sistema educacional dos que tiveram uma interrupção forçada seja pela repetência ou pela evasão, seja pelas desiguais oportunidades de permanência ou outras condições adversas, deve ser saudada como uma reparação corretiva, ainda que tardia, de estruturas arcaicas, possibilitando aos indivíduos novas inserções no mundo do trabalho, na vida social, nos espaços da estética e na abertura dos canais de participação. Para tanto, são necessárias mais vagas para estes ‘novos’ alunos e ‘novas’ alunas, demandantes de uma nova oportunidade de equalização. [...] Pode-se dizer que estamos diante da função equalizadora da EJA. A equidade é a forma pela qual se distribuem os bens sociais de modo a garantir uma redistribuição e alocação em vista de mais igualdade, consideradas as situa-

A educação apresenta-se como uma das potencialidades para o efetivo exercício da cidadania em nossa sociedade atual, cada vez mais marcada pelas rápidas mudanças e as inovações técnicas e tecnológicas, que desafiam os sujeitos a se manterem atualizados a todo o momento. Essa função equalizadora possibilita ao indivíduo jovem e adulto retomar seu potencial, desenvolver suas habilidades, confirmar competências adquiridas na educação extraescolar e na própria vida, possibilitar um nível técnico e profissional mais qualificado (BRASIL, 2000, p. 10).

Fechando as três funções da EJA chegamos à função qualificadora, talvez a mais difícil de ser efetivada, de-

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ções específicas. [...] Neste sentido, os desfavorecidos frente ao acesso e permanência na escola devem receber proporcionalmente maiores oportunidades que os outros. Por esta função, o indivíduo que teve sustada sua formação, qualquer tenha sido a razão, busca restabelecer sua trajetória escolar de modo a readquirir a oportunidade de um ponto igualitário no jogo conflitual da sociedade (BRASIL, 2000, p. 09-10).

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vido ao seu caráter permanente de aprendizagem, que os   sistemas de ensino não propiciam ao centrar suas práticas na certificação escolar. Mas por que dizer que há esse caráter permanente? Esta tarefa de propiciar a todos a atualização de conhecimentos por toda a vida é a função permanente da EJA, que pode se chamar de qualificadora. Mais do que uma função, ela é o próprio sentido da EJA. Ela tem como base o caráter incompleto do ser humano cujo potencial de desenvolvimento e de adequação pode se atualizar em quadros escolares ou não escolares . Mais do que nunca, ela é um apelo para a educação permanente e criação de uma sociedade educada para o universalismo, a solidariedade, a igualdade e a diversidade. [...] Na base da expressão potencial humano sempre esteve o poder se qualificar, se requalificar e descobrir novos campos de atuação como realização de si. Uma oportunidade pode ser a abertura para a emergência de um artista, de um intelectual ou da descoberta de uma vocação pessoal. A realização

Essa função requer ações dos diferentes sujeitos envolvidos no processo, especialmente no apelo feito às instituições para a produção adequada de materiais didáticos, que ainda é muito incipiente frente às demandas e necessidades dos jovens e adultos. Materiais que reflitam

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da pessoa não é um universo fechado e acabado. A função qualificadora, quando ativada, pode ser o caminho destas descobertas. [...] A função qualificadora é também um apelo para as instituições de ensino e pesquisa no sentido da produção adequada de material didático que seja permanente enquanto processo, mutável na variabilidade de conteúdos e contemporânea no uso de e no acesso a meios eletrônicos da comunicação. Dentro deste caráter ampliado, os termos “jovens e adultos” indicam que, em todas as idades e em todas as épocas da vida, é possível se formar, se desenvolver e constituir conhecimentos, habilidades, competências e valores que transcendam os espaços formais da escolaridade e conduzam à realização de si e ao reconhecimento do outro como sujeito (BRASIL, 2000, p. 10-11).

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as realidades e vivências cotidianas de aprendizagem, le  vando em consideração as especificidades locais no qual esse material será utilizado. Trabalhar com essa incompletude do ser humano, aberto às aprendizagens ao longo da vida e além dos espaços formais torna-se um dos compromissos a ser assumido e efetivado tanto pelos poderes públicos como pela sociedade civil, e mais: para além de possibilitar a alfabetização e/ou certificação, construir espaços contínuos de aprendizagem e desenvolvimento das capacidades. O 2º parágrafo da Declaração de Hamburgo sobre a Educação de Adultos, oriunda da conclusão dos trabalhos realizados na V Conferência Internacional sobre a Educação de Adultos (CONFINTEA), realizada em 1997 na Alemanha, apresentou a importância e a necessidade de se repensar as práticas e as formas de desenvolvimento da educação de jovens e adultos. A educação de adultos, dentro desse contexto, torna-se mais que um direito: é a chave para o século XXI; é tanto consequência do exercício da cidadania como condição para uma plena participação na sociedade. Além do mais, é um poderoso argumento em favor do desenvolvimento ecológico sustentável, da democracia, da justiça, da igualdade entre os sexos, do desenvolvimento so-

1.2.4 A EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS NA PRIMEIRA DÉCADA DO SÉCULO XXI



No cenário histórico de desenvolvimento da EJA dentro das redes de ensino, é fundamental analisarmos as mudanças geradas no século XXI, com a eleição de Luis Inácio Lula da Silva (Partido dos Trabalhadores) para a presidência da República em 2002. A eleição de Lula marca o rompimento com os dois mandatos consecutivos de Fernando Henrique Cardoso (Partido da Social Democracia Brasileira), de 1995 a 2002. Não analisaremos aqui, por não ser este o obje-

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cioeconômico e científico, além de ser um requisito fundamental para a construção de um mundo onde a violência cede lugar ao diálogo e à cultura de paz baseada na justiça. A educação de adultos pode modelar a identidade do cidadão e dar um significado à sua vida. A educação ao longo da vida implica repensar o conteúdo que reflita certos fatores, como idade, igualdade entre os sexos, necessidades especiais, idioma, cultura e disparidades econômicas (PAIVA; MACHADO; IRELAND, 2004, p. 41-42).

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tivo, as diferentes medidas tomadas no campo político,   econômico, cultural, social, mas sim como a EJA e as discussões ganharam um novo contorno, embora ainda com incoerências e dificuldades neste processo. Os dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso foram marcados pela entrada efetiva do Brasil dentro da política neoliberal, que passou a predominar na geopolítica mundial, principalmente, com o fim da URSS (União das Repúblicas Socialistas Soviéticas) em 1991. O capitalismo assumia assim a hegemonia, enquanto política econômica, tendo a frente os modelos de governo implementados na Inglaterra e nos EUA a partir da década de 1980. O Brasil assim passa a privatizar seu capital, com a venda de bancos, empresa de telefonia, mineração, entre outras, abrindo o mercado para a livre concorrência internacional. A educação acabou ficando em segundo plano, no sentido do financiamento, devido as outras prioridades governamentais, seguindo o padrão do neoliberalismo, com o privilégio do capital privado em detrimento do público. Essa lógica prevê a diminuição do Estado ao máximo na intervenção na economia e consequentemente na sociedade. As práticas de EJA foram resumidas ao Programa Alfabetização Solidária, a partir de 1997, que pode ser caracterizado com a implantação de práticas de alfabetização por universidades do sul e sudeste brasileiras, em diferentes cidades do nordeste e norte. Destaca-se a

2. Atualmente essa Secretaria intitula-se Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão.

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criação no governo Lula do Programa Brasil Alfabetizado (2003) que seguiu os mesmo passos do programa do governo anterior, sofrendo mudanças ao longo do percurso e das avaliações realizados pelo Ministério da Educação. Com o governo Lula, uma das medidas para além dos programas de alfabetização, buscou a articulação de uma política para atender as demandas da educação continuada, em seus diferentes níveis, e da diversidade, com a criação, dentro da estrutura do Ministério da Educação da SECAD. A Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade2 “nasce” em julho de 2004, reunindo nessa pasta temas como alfabetização e educação de jovens e adultos, educação do campo, educação ambiental, educação escolar indígena, e diversidade étnicoracial, temas antes distribuídos em outras Secretarias. A SECAD tem como objetivo contribuir para a redução das desigualdades educacionais por meio da participação de todos os cidadãos em políticas públicas que assegurem a ampliação do acesso à educação, lançando, nos últimos anos, editais com o objetivo de fomentar a pesquisa e o desenvolvimento da formação inicial continuada de professores e professoras na EJA, por exemplo. Além da SECAD, o governo passa a garantir, através da Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica (SETEC), o direito e o acesso de jovens e adultos na rede federal de ensino, até então ausente ao atendimento desta demanda na maioria dos estados, através do PROEJA.

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Originário do Decreto nº5.478, de 24/06/2005, e denominado inicialmente como Programa de Integração da Educação Profissional ao Ensino Médio na Modalidade Educação de Jovens e Adultos, o PROEJA expôs a decisão governamental de atender à demanda de jovens e adultos pela oferta de educação profissional técnica de nível médio, da qual, em geral, são excluídos, bem como, em muitas situações, do próprio ensino médio. [...] Assim, essas experiências, em diálogo com os pressupostos referenciais do programa, indicavam a necessidade de ampliar seus limites, tendo como horizonte a universalização da educação básica, aliada à formação para o mundo do trabalho, com acolhimento específico a jovens e adultos com trajetórias escolares descontínuas. Em resposta a algumas desses questionamentos, a revogação do Decreto nº 5.478/2005, pela promulgação do Decreto nº 5.840, de 13 de julho de 2006, trouxe diversas mudanças para o programa, entre elas a ampliação da

O PROEJA pode ser oferecido nas seguintes formas: a) Educação profissional técnica integrada ao ensino médio na modalidade de educação de jovens e adultos; b) Educação profissional técnica concomitante ao ensino médio na modalidade de educação de jovens e adultos; c) Formação inicial e continuada ou qualificação profissional integrada ao ensino fundamental na modalidade de educação de jovens e adultos; d) Formação inicial e continuada ou qualificação profissional concomitante ao ensino fundamental na mo-

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abrangência, no que concerne ao nível de ensino, pela inclusão do ensino fundamental, e, em relação à origem das instituições que podem ser proponentes, pela admissão dos sistemas de ensino estaduais e municipais e entidades privadas nacionais de serviço social, aprendizagem e formação profissional, passando a denominação para Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos (BRASIL, 2007 b, p. 12).

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dalidade de educação de jovens e adultos;   e) Formação inicial e continuada ou qualificação profissional integrada ao ensino médio na modalidade de educação de jovens e adultos; f ) Formação inicial e continuada ou qualificação profissional concomitante ao ensino médio na modalidade de educação de jovens e adultos. Um outro programa implementado em 2005 é o Projovem Campo - Saberes da Terra, que oferece qualificação profissional e escolarização aos jovens agricultores de 18 a 29 anos que não concluíram o ensino fundamental. O objetivo é ampliar o acesso e a qualidade da educação à essa população historicamente excluída do processo educacional, mas com o cuidado de respeitar as características, necessidades e pluralidade de gênero, étnico-racial, cultural, geracional, política, econômica, territorial e produtivas dos povos do campo. Originalmente denominado Saberes da Terra, a partir de 2007 integrou-se ao Programa Nacional de Inclusão de Jovens (Projovem), gestado pela Secretaria Nacional de Juventude, possuindo outras três modalidades: Adolescente, Trabalhador e Urbano. Os jovens agricultores participantes recebem uma bolsa de R$ 1.200,00 em 12 parcelas, com a exigência de terem, no mínimo, 75% da frequência no curso. Com duração de dois anos, o curso é oferecido em sistema de alternância, intercalando os dois tempos do aluno: o tempo-escola e o tempo comunidade.

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Segundo dados do MEC, em 2008, foram aprovados projetos de 19 estados e 19 instituições de ensino superior públicas, os quais estão sendo executados com a meta de atender a 35 mil jovens agricultores familiares. Em 2009 foram aprovadas 30.375 novas vagas a serem ofertadas por secretarias estaduais de educação de 13 estados. No espaço das cidades, surge o ProJovem Urbano, destinado a atender jovens entre 18 e 29 anos, alfabetizados, mas que não concluíram o ensino fundamental. O curso tem a duração de 18 meses, que além da formação de ensino fundamental, oferece cursos de iniciação profissional, aulas de informática e um auxilio mensal de R$ 100,00 durante o curso. Este programa tem um caráter emergencial para atender estes jovens que vivem nos centros urbanos e não tiveram acesso a escolarização fundamental. Uma das críticas a este Programa é a sua não identificação com a EJA, pois o público alvo é o mesmo desta modalidade de ensino. Em muitas experiências de Projovem, não se faz qualquer aproximação com práticas e experiências de EJA, dificultando muitas vezes a permanência dos alunos, pois em muitas regiões do Brasil, pelas metodologias empregadas, o nível de desistência e evasão era enorme. A profusão destes programas muitas vezes, na forma de sua efetivação, acaba gerando uma sobreposição, nem sempre benéfica, por atender mesmos públicos, com diferentes formas e financiamentos. O princípio legal bus-

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ca ser atendido, embora não de forma isonômica entre as   instituições e as formas de promoção destes cursos. Outra inovação do governo em fins da primeira década do século XXI foi o lançamento do Programa Nacional do Livro Didático para Educação de Jovens e Adultos (PNLD- EJA), com o objetivo de avaliar, adquirir e distribuir boas obras para todos os alunos do ensino fundamental do sistema educacional público e do Programa Brasil Alfabetizado (PBA). Este programa inclui os anos iniciais e finais do ensino fundamental, distribuindo obras e coleções para alfabetizandos das redes públicas de ensino e do PBA. Além da oferta de cursos a população jovem e adulta, o MEC também articulou, juntamente com um grupo de instituições públicas de ensino superior, a criação da Rede de Educação para a Diversidade. Devido à ausência na maioria das instituições de ensino superior, na formação inicial para os futuros licenciados, de estudos, pesquisas e metodologias para trabalhar com as diversidades e a educação de jovens e adultos, esta Rede procura, de acordo com as diretrizes do Ministério da Educação (2009), disseminar e desenvolver metodologias educacionais para a inserção dos temas da diversidade no cotidiano das salas de aula. São ofertados cursos de formação continuada para professores

da rede pública da educação básica em oito áreas da diversidade: relações étnico-raciais, gênero e diversidade, formação de tutores, jovens e adultos, educação do campo, educação integral e integrada, ambiental e diversidade e cidadania.

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A proposta desta Rede acaba tornando-se uma forma de reparação a ausência de uma política de ensino superior voltada a romper com as perspectivas tradicionais em que estão assentados os currículos, que não incorporaram novas situações sociais que ganharam espaço e eco na sociedade, como o caso da educação de jovens e adultos. Poucas universidades brasileiras possuíam ao longo do século XX, disciplinas voltadas à EJA na formação de seus licenciados. Uma mudança vem ocorrendo gradativamente, com a mudança nos currículos dos cursos de Pedagogia que passam a incorporar a EJA na formação inicial, mas ainda é pouco, frente a ausência desta discussão em outros cursos de licenciatura. O grande desafio é trazer as discussões sobre a educação de jovens e adultos para dentro do curso como um todo, não somente como uma ou duas disciplinas isoladas. Os cursos de formação oferecidos pela Rede são na modalidade semipresencial, utilizando-se do Sistema Universidade Aberta do Brasil (UAB), sendo que estes

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podem ser desenvolvidos nas modalidades de cursos de   extensão, com carga horária de 30 a 120h; cursos de aperfeiçoamento, com carga horária mínima de 180h; e cursos de especialização, com carga horária igual ou superior a 360h. Um ponto de destaque nesta oferta da Rede é a apresentação pelo professor em formação continuada de um projeto de intervenção ao final do curso, que visa incluir na prática do profissional da educação ações que exemplifiquem a aplicação dos conteúdos trabalhados durante o curso para a melhoria da prática educacional na sala de aula. É o retorno à sociedade do investimento público na formação deste professor. Outro ponto de destaque e inovação nas políticas desenvolvidas pelo MEC é a chamada de diferentes segmentos da sociedade para firmar um pacto com o objetivo de melhorar e fortalecer a oferta e o desenvolvimento da educação de jovens e adultos no país. Esta chamada ganhou o nome de Agenda Territorial de Desenvolvimento Integrado de Alfabetização e Educação de Jovens e Adultos, com os trabalhos iniciando em 2008. A proposta do Ministério da Educação, através da SECAD, é reunir periodicamente representantes de diversos segmentos da sociedade, de cada estado brasileiro para trabalhar em conjunto, seguindo a filosofia do compromisso pela educação, impetrada pelo Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE). A intenção é estabelecer uma agenda de compromissos para o ano, em que cada

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estado trace metas para a educação de jovens e adultos. Um dos grandes desafios da Agenda é o processo de “convencimento” dos gestores públicos em participar das discussões e assumirem os compromissos firmados e as metas estabelecidas pelas Agendas em cada estado, pois são estas instâncias que tem a obrigação de oferecer os cursos de EJA. A participação da sociedade civil organizada com os Fóruns Estaduais e regionais de EJA, de representantes de diferentes associações e movimentos sociais busca trazer e fazer os devidos contrapontos para que as melhorias necessárias à EJA se efetivem e o direito do jovem e adulto a educação básica seja garantido. Por último, mas não menos importante, retomamos a questão legal, pois, em 15 de junho de 2010, o Conselho Nacional de Educação institui, através da Resolução CNE/CEB nº 3, as Diretrizes Operacionais para a Educação de Jovens e Adultos nos aspectos relativos à duração dos cursos e idade mínima para ingresso nos cursos de EJA; idade mínima e certificação nos exames de EJA; e Educação de Jovens e Adultos desenvolvida por meio da Educação a Distância. A Resolução nº 3 é fruto do Reexame do Parecer CNE/CEB nº 23/2008, que institui Diretrizes Operacionais para a Educação de Jovens e Adultos – EJA, realizado pelo Parecer CNE/CEB 6/2010 (BRASIL, 2010). Este Reexame foi necessário devido a não homologação do mesmo pelo Ministro da Educação em fins de 2009.

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O Ministério fez ao Conselho Nacional de Educação vá  considerações a serem rediscutidas para que as novas rias Diretrizes Operacionais para EJA fossem homologadas. A questão da idade mínima para ingresso nos curso de EJA era um dos temas em discordância do Ministério pelo proposto pelo CNE. Assim, a Resolução nº 3 é construída desta interface Ministério da Educação, Conselho Nacional de Educação e a sociedade civil, pois em 2007 foram realizadas três audiências públicas para discussão do tema, além da articulação dos Fóruns de EJA e movimentos sociais para a efetivação destas Diretrizes, embora nem todas as demandas da sociedade civil tenham sido contempladas da forma esperada. A mudança de concepção de EJA, tratada anteriormente, é expressa no artigo 2º desta Resolução, deixando explicita as necessidades atuais para esta modalidade: Art. 2º Para o melhor desenvolvimento da EJA, cabe a institucionalização de um sistema educacional público de Educação Básica de jovens e adultos, como política pública de Estado e não apenas de governo, assumindo a gestão democrática, contemplando a diversidade de sujeitos aprendizes, proporcionando a conjugação de políticas públicas setoriais e forta-

lecendo sua vocação como instrumento para a educação ao longo da vida (BRASIL, 2010, p. 01).

Uma concepção de educação de jovens e adultos reforçada na Resolução CNE/CEB n° 4, de 13 de julho de 2010 que define as Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educação Básica, que no 2º parágrafo do artigo 28, define: Educação de Jovens e Adultos e Educação na Diversidade | 89

2º Os cursos de EJA, preferencialmente tendo a Educação Profissional articulada com a Educação Básica, devem pautar-se pela flexibilidade, tanto de currículo quanto de tempo e espaço, para que seja(m): - rompida a simetria com o ensino regular para crianças e adolescentes, de modo a permitir percursos individualizados e conteúdos significativos para os jovens e adultos; II - providos o suporte e a atenção individuais às diferentes necessidades dos estudantes no processo de aprendizagem, mediante atividades diversificadas; III - valorizada a realização de atividades e vivências socializadoras, culturais, recreativas e esportivas, geradoras de enriquecimento do

90 | Educação de Jovens e Adultos e Educação na Diversidade

 

percurso formativo dos estudantes; IV - desenvolvida a agregação de competências para o trabalho; V - promovida a motivação e a orientação permanente dos estudantes, visando maior participação nas aulas e seu melhor aproveitamento e desempenho; VI - realizada, sistematicamente, a formação continuada, destinada, especificamente, aos educadores de jovens e adultos (BRASIL, 2010, p. 10).

A idade mínima para ingresso na EJA, um dos temas “polêmicos” nas redes de ensino, devido as possibilidade de interpretação da legislação, foi desta forma definida pela Resolução nº 3: o sujeito interessado em frequentar um curso de EJA deve ter 15 anos completos para fazer o Ensino Fundamental e 18 anos completos para o Ensino Médio. A Resolução define: Art. 5º Obedecidos o disposto no artigo 4º, incisos I e VII, da Lei nº 9.394/96 (LDB) e a regra da prioridade para o atendimento da escolarização obrigatória, será considerada idade mínima para os cursos de EJA e para a realização de exames de conclusão de EJA

do Ensino Fundamental a de 15 (quinze) anos completos. [...] Art. 6º Observado o disposto no artigo 4º, inciso VII, da Lei nº 9.394/96, a idade mínima para matrícula em cursos de EJA de Ensino Médio e inscrição e realização de exames de conclusão de EJA do Ensino Médio é 18 (dezoito) anos completos (BRASIL, 2010, p. 02).

Parágrafo único. Para que haja oferta variada para o pleno atendimento dos adolescentes, jovens e adultos situados na faixa de 15 (quinze) anos ou mais, com defasagem idade-série, tanto sequencialmente no ensino regular quanto na Educação de Jovens e Adultos, assim como nos cursos destinados à formação profissional, nos termos do § 3o do artigo 37 da Lei nº 9.394/96, torna-se necessário: I - fazer a chamada ampliada de estudantes para o Ensino Funda-

Educação de Jovens e Adultos e Educação na Diversidade | 91

Interesse destacar o parágrafo único deste artigo 5º, pois chama a responsabilidades os gestores públicos a assumirem o compromisso de atendimento dos alunos com defasagem idade/série.

92 | Educação de Jovens e Adultos e Educação na Diversidade

 

mental em todas as modalidades, tal como se faz a chamada das pessoas de faixa etária obrigatória do ensino; II - incentivar e apoiar as redes e sistemas de ensino a estabelecerem, de forma colaborativa, política própria para o atendimento dos estudantes adolescentes de 15 (quinze) a 17 (dezessete) anos, garantindo a utilização de mecanismos específicos para esse tipo de alunado que considerem suas potencialidades, necessidades, expectativas em relação à vida, às culturas juvenis e ao mundo do trabalho, tal como prevê o artigo 37 da Lei nº 9.394/96, inclusive com programas de aceleração da aprendizagem, quando necessário; III - incentivar a oferta de EJA nos períodos escolares diurno e noturno, com avaliação em processo (BRASIL, 2010, p. 02).

Este parágrafo busca iniciar o processo para atender ao disposto na Emenda Constitucional nº 59, de 11 de novembro de 2009, que entre outras medidas, aos incisos I e VII do art. 208 da Constituição Federal de 1988, que determina:

A duração dos cursos também foi definida, mas gera algumas problemáticas pela proposta, pois não leva em consideração as especificidades dos sujeitos jovens e

Educação de Jovens e Adultos e Educação na Diversidade | 93

Art. 1º Os incisos I e VII do art. 208 da Constituição Federal, passam a vigorar com as seguintes alterações: Art. 208. ................................ I - educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade, assegurada inclusive sua oferta gratuita para todos os que a ela não tiveram acesso na idade própria; (NR) ................................................. VII - atendimento ao educando, em todas as etapas da educação básica, por meio de programas suplementares de material didático-escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde.” (NR) [...] Art. 6º O disposto no inciso I do art. 208 da Constituição Federal deverá ser implementado progressivamente, até 2016, nos termos do Plano Nacional de Educação, com apoio técnico e financeiro da União (BRASIL, 2009).

94 | Educação de Jovens e Adultos e Educação na Diversidade

adultos, embora as redes de ensino possam buscar meca  nismos de flexibilização para atender ao estipulado pela legislação na discussão e construção do projeto político-pedagógico com a comunidade escolar e local. O artigo 4º, assim, define:

Art. 4º Quanto à duração dos cursos presenciais de EJA, mantém-se a formulação do Parecer CNE/CEB nº 29/2006, acrescentando o total de horas a serem cumpridas, independentemente da forma de organização curricular: I - para os anos iniciais do Ensino Fundamental, a duração deve ficar a critério dos sistemas de ensino; II - para os anos finais do Ensino Fundamental, a duração mínima deve ser de 1.600 (mil e seiscentas) horas; III - para o Ensino Médio, a duração mínima deve ser de 1.200 (mil e duzentas) horas. Parágrafo único. Para a Educação Profissional Técnica de Nível Médio integrada com o Ensino Médio, reafirma-se a duração de 1.200 (mil e duzentas) horas destinadas à educação geral, cumulativamente com a carga horária mínima para a respectiva habilita-

ção profissional de Nível Médio, tal como estabelece a Resolução CNE/CEB nº 4/2005, e para o ProJovem, a duração estabelecida no Parecer CNE/CEB nº 37/2006 (BRASIL, 2009).

Art. 10. O Sistema Nacional Público de Formação de Professores deverá estabelecer políticas e ações específicas para a formação inicial e continuada de professores de Educação Básica de jovens e adultos, bem como para professores do ensino regular que atuam

Educação de Jovens e Adultos e Educação na Diversidade | 95

O artigo 7º dispõe sobre a realização dos exames de certificação para EJA, que desta forma são mantidos, sendo que os sistemas podem solicitar apoio financeiro e técnico do MEC/INEP para a melhoria dos seus exames. O artigo 8º determina ao poder público a inserção da EJA no Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica, com a ampliação também de avaliações sobre outros indicadores institucionais e o artigo 9º caracteriza a oferta de cursos de EJA por meio da EaD, que devido a forma de financiamento do FUNDEB não torna-se a metodologia mais atraente à gestão pública. (BRASIL, 2009) O artigo 10º apresenta a articulação necessária com a Rede de Educação para a Diversidade, tanto para a formação inicial e continuada dos professores:

96 | Educação de Jovens e Adultos e Educação na Diversidade

 

com adolescentes, cujas idades extrapolam a relação idade-série, desenvolvidas em estreita relação com o Programa Universidade Aberta do Brasil (UAB), com as Universidades Públicas e com os sistemas de ensino (BRASIL, 2010, p. 04).

A Educação de Jovens e Adultos vem sofrendo mudanças significativas no seu estatuto legal, bem como no desenvolvimento e envolvimento de diferentes ações dos poderes públicos, com articulações em nível federal em diferentes Ministérios e Secretarias. As possibilidades de participação da sociedade civil nas discussões com a SECAD/MEC produziram algumas modificações significativas em algumas ações implementadas, bem como geraram a Agenda Territorial, na compreensão que sem a participação dos governos estaduais e municipais, as ações do Ministério da Educação não surtiriam o mesmo efeito. Assim, vive-se um momento rico para a efetivação de práticas na EJA que rompam definitivamente com a concepção de suplência, que ainda vigora infelizmente, em grande parte dos cursos de EJA, e passamos a ter uma concepção de educação ao longo da vida, que garanta a certificação, mas que possibilite mais que isto para o jovem e adulto, excluído, por diferentes motivos, dos processos escolares.

1.3 FINANCIAMENTO NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS

A educação de jovens e adultos ocupou um lugar marginal na reforma da educação brasileira empreendida na segunda metade da década de noventa, pois os condicionamentos do ajuste econômico levaram o governo a adotar uma estratégia de focalização de recursos em favor da educação fundamental de crianças e adolescentes. Não se pode atribuir a isso a falta de um marco jurídico adequado, pois as leis e normas vigentes – Constituição Federal, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei do Plano Nacional de

Educação de Jovens e Adultos e Educação na Diversidade | 97

Uma das dificuldades ainda enfrentadas pela gestão pública para a efetivação de algumas propostas para a EJA esbarra na questão do financiamento. Não somente pela falta de recursos, muitas vezes, mas pela concepção vigente na sociedade e pelos próprios gestores de ser preciso “gastar” muito com os jovens e adultos. Novamente, a concepção de suplência volta a tona, colocando a EJA em segundo ou terceiro plano nas listas de prioridade nos investimentos.

98 | Educação de Jovens e Adultos e Educação na Diversidade

 

Educação, Diretrizes Curriculares para a Educação de Jovens e Adultos – asseguram o direito público subjetivo à Educação, independentemente de idade, e concedem a necessária flexibilidade para organizar o ensino de acordo com as necessidades de aprendizagem dos jovens e adultos. O problema não está nas leis, mas na política educacional (DI PIERRO, 2005, p. 24).

1.3.1 EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS E A POLÍTICA EDUCACIONAL

A legislação vigente define a educação de jovens e adultos como uma modalidade dentro da Educação Básica, com uma regulamentação própria, colocando-a em igualdade com as demais modalidades. A educação de jovens e adultos torna-se, assim, uma modalidade regular, ofertada presencialmente, semipresencialmente ou à distância, levando em consideração para sua oferta as necessidades e especificidades do público de direito. Vale a pena ressaltar que o sujeito jovem e adulto possui o direito ao ensino fundamental ou médio de forma gratuita e não pode ser nomeado, conforme ocorre muitas vezes nas instituições públicas, como “clientela”.

Educação de Jovens e Adultos e Educação na Diversidade | 99

Entretanto, mesmo com os avanços de ordem legal, ainda existem dificuldades no reconhecimento e na implementação dos cursos de EJA nas redes públicas. O financiamento é uma das questões que dificultam, na visão dos gestores públicos, a efetivação da oferta e a manutenção das turmas de EJA. O Fundef (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério) reforçou essa dificuldade ao não incluir a EJA como parte do seu financiamento. Embora o artigo 212 da Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1989) determine que estados, Distrito Federal e municípios devem aplicar, no mínimo, 25% de suas receitas de impostos em educação, a vinculação de atendimento às modalidades prioritárias muitas vezes levou a EJA a ser mantida novamente em segundo plano. O FUNDEF, de certa forma, incorpora as diretrizes da Emenda Constitucional nº 14/96, que estipula que 60% dos recursos (o que representa 15% da arrecadação de um conjunto de impostos de estados e municípios) ficariam reservados ao ensino fundamental. A interpretação da concepção de EJA como não fazendo parte deste ensino fundamental, também reforçou a sua exclusão no que se refere à oferta e manutenção. No decorrer dessa trajetória – desde a LDB de 1996 até a atualidade – tivemos ações e programas variados, de acordo com as políticas efetivadas nos mandatos de diferentes partidos políticos que assumiram a gestão

100 | Educação de Jovens e Adultos e Educação na Diversidade

pública. Tivemos programas de alfabetização em nível na  cional, como o Alfabetização Solidária e no governo Luís Inácio Lula da Silva, o Brasil Alfabetizado; o Programa de Apoio aos Sistemas de Ensino para Atendimento à Educação de Jovens e Adultos, mais conhecido por “Fazendo Escola”, que até 2006, através do FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação), destinava recursos exclusivamente para assistência financeira à aquisição de livro didático destinado aos alunos adultos que buscavam completar o ensino fundamental (1ª a 8ª série), contratação temporária de professores quando necessária a ampliação do quadro, formação continuada de docentes e aquisição de gêneros alimentícios.

1.3.2 A POLÍTICA DE FUNDOS: FUNDEF X FUNDEB

Como forma de ampliar os recursos à educação e suprir estados e municípios com dificuldades orçamentárias, o Estado brasileiro adota na década de 1990 a política de fundos, como forma de redirecionar parte da arrecadação para a manutenção e o desenvolvimento da educação. Com o fim da vigência do FUNDEF em 2006, o desafio do governo era propor uma nova forma de fundo. Assim, em 19 de dezembro de 2006 é instituído, pela Emenda Constitucional nº 53, o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Va-

PARÂMETRO 1. Vigência

fundef De 10 2006).

(até

fundeb De 14 anos (a partir da promulgação da Emenda Constitucional).

2. Alcance

Apenas o ensino fundamental.

Educação Infantil, Ensino Fundamental e Médio.

3. Número de alunos

30,2 milhões de alunos (Censo Escolar de 2005).

48,1 milhões de alunos, a partir do 4º ano de vigência do Fundo (Censo de 2005).

Educação de Jovens e Adultos e Educação na Diversidade | 101

lorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB). Um fundo de natureza contábil, regulamentado pela Medida Provisória nº 339, posteriormente convertida na Lei nº 11.494/2007. A implantação do FUNDEB foi iniciada em 1º de janeiro de 2007, de forma gradual e concluída em 2009, atendendo o universo de alunos da educação básica pública presencial, a partir dos dados do Censo Escolar. Assim os percentuais de receitas que compõem este fundo alcançaram o patamar de 20% da contribuição. Como forma de visualizar as diferenças de financiamento, utilizaremos um quadro comparativo disponibilizado pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE).

  PARÂMETRO 4. Fontes de recursos que compõem o Fundo

fundef

fundeb

15% de contribuição de Estados, DF e Municípios.

Contribuição de Estados, DF e Municípios, de: • 16,66 % no 1º ano; • 18,33 % no 2º ano; • 20% a partir do 3º ano, sobre: • Fundo de Participação dos Estados – FPE. • Fundo de Participação dos Municípios – FPM. • Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS. • Imposto sobre Produtos Industrializados, proporcional às exportações – IPIexp. • Desoneração de Exportações (LC 87/96). • Contribuição de Estados, DF e Municípios, de: • 6,66 no 1º ano; • 13,33 % no 2º ano; • 20% a partir do 3º ano , sobre: • Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doações – ITCMD. • Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores – IPVA. • Quota Parte de 50% do Imposto Territ. Rural devida aos Municípios – ITR. 

102 | Educação de Jovens e Adultos e Educação na Diversidade

Fundo de Participação dos Estados – FPE. Fundo de Participação dos Municípios – FPM. Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS. Imposto sobre Produtos Industrializados, proporcional às exportações – IPIexp. Desoneração de Exportações (LC 87/96).

(continuação)

fundef

fundeb

5. Montante de Recursos previstos (Cotribuição de Estados, DF e Municípios)

R$ 35,2 bilhões (previsão 2006, sem complementação da União).

Considerando estimativas (em valores de 2006) e a escala de implantação gradual do Fundo, os montantes previstos de recursos (contribuição de Estados, DF e Municípios, sem Complementação da União), seriam: • R$ 41,1 bilhões no primeiro ano • R$ 45,9 bilhões no segundo ano • R$ 50,7 bilhões no terceiro ano

6. Complementação da União ao Fundo

• R$313,7 milhões (valor previsto para 2006 - Port/MF nº 40, de 03.03.2006). • Não há definição, na Constituição, de parâmetro que assegure o montante de recursos da União para o Fundo.

Considerando estimativas em valores de 2006: • R$ 2,00 bilhões no primeiro ano; • R$ 3,00 bilhões no segundo ano; • R$ 4,50 bilhões no terceiro ano; • 10% do montante resultante da contribuição dos Estados e Municípios, a partir do quarto ano. • Valores reajustáveis com base no índice oficial da inflação. • Esses valores oneram os 18% da receita de im-

(continuação)

Educação de Jovens e Adultos e Educação na Diversidade | 103

PARÂMETRO

104 | Educação de Jovens e Adultos e Educação na Diversidade

  PARÂMETRO

fundef

fundeb

6. Complementação da União ao Fundo

• R$313,7 milhões (valor previsto para 2006 - Port/MF nº 40, de 03.03.2006). • Não há definição, na Constituição, de parâmetro que assegure o montante de recursos da União para o Fundo.

postos da União vinculada à educação por força do art. 212 da CF, em até 30% do valor da Complementação. • Não poderão ser utilizados recursos do Salário Educação (A contribuição do Salário Educação será estendida à toda educação básica pública). • Até 10% poderá ser distribuída para os Fundos por meio de programas direcionados para melhoria da qualidade da educação.

7. Distribuição dos recursos

Com base no nº de alunos do ensino fundamental regular e especial, de acordo com dados do Censo Escolar do ano anterior.

Com base no nº de alunos da Educação Básica (Creche, Pré-Escolar, Fundamental e Médio), de acordo com dados do Censo Escolar do ano anterior, observada a seguinte escala de inclusão: Alunos do ensino fundamental regular e especial: • 100% a partir do 1º ano; • Alunos da Educação Infantil, Ensino Médio e EJA: • 33,33% no 1º ano; • 66,66% no 2º; • 100% a partir do 3º ano. • Em cada esfera (estadual ou municipal) serão considerados os alunos da educação básica que a respectiva esfera tem prioridade de atendimento, de acordo com a Constituição Federal.

(continuação)

fundef

fundeb

8. Utilização dos recursos

• Mínimo de 60% para remuneração dos profissionais do magistério do ensino fundamental. • O restante dos recursos em outras despesas de manutenção e desenvolvimento do ensino fundamental público.

• Mínimo de 60% para remuneração dos Profissionais do magistério da educação básica. • O restante dos recursos em outras despesas de manutenção e desenvolvimento da Educação Básica pública.

9. Valor mínimo nacional por aluno ao ano (detalhamento a ser definido na regulamentação da PEC)

Fixado anualmente, com as diferenciações: Até 2004: • 1ª à 4ª série; • 5ª à 8ª série e educação especial; A partir de 2005: • Séries iniciais urbanas; • Séries iniciais rurais; • Quatro séries finais urbanas; • Quatro séries finais rurais; • Educação especial.

• Fixado anualmente com diferenciações previstas para: • educação infantil (até três anos); • educação infantil (pré-escola); • séries iniciais urbanas; • séries iniciais rurais; • quatro séries finais urbanas; • quatro séries finais rurais; • ensino médio urbano; • ensino médio rural; • ensino médio profissionalizante; • educação de jovens e adultos; • educação de jovens e adultos integrada à educação profissional; • educação especial; • educação indígena e de Quilombolas.

(continuação)

Educação de Jovens e Adultos e Educação na Diversidade | 105

PARÂMETRO

106 | Educação de Jovens e Adultos e Educação na Diversidade

 

PARÂMETRO

fundef

10. Salárioeducação

Vinculado ao ensino fundamental. Parte da quota federal é utilizada no custeio da complementação da União ao Fundef, permitida até o limite de 20% do valor da complementação.

fundeb Vinculado à educação básica. Não pode ser utilizado para fins de custeio da complementação da União ao Fundeb.

Quadro1: Comparativo FUNDEF e FUNDEB Fonte: FNDE (BRASIL, 2009 b)

Podemos perceber nesse comparativo avanços possibilitados, em grande parte, pela mobilização de diferentes setores da sociedade civil em prol da construção de uma educação com qualidade, embora o fundo por si só não garanta isso. Para tal, o controle social precisa ser efetivado através dos Conselhos de Acompanhamento e Controle Social do FUNDEB, que deve ser instituído em nível federal, estadual e municipal. Uma tabela importante, que complementa as informações sobre o FUNDEB, é referente à distribuição dos recursos, que leva em conta fatores de ponderação, que variam de acordo com os seguintes desdobramentos da Educação Básica: Observando os valores para ponderação, percebe-se que temos ainda um caminho a trilhar na luta pela isonomia da EJA frente às demais modalidade e etapas

de ensino. Embora aumentando 0,10 em relação à proposição inicial, ainda assim a EJA se mantém, junto com a creche, com o fator mais baixo dos 23 níveis de ensino apresentados no quadro.

Tabela 2: Distribuição dos recursos Nível de ensino

2008 (Portaria nº 41, de 27/12/2007)

2009 (Portaria nº 932, de 30/07/2008)

0,80

-

-

Creche em tempo integral

-

1,10

1,10

Creche em tempo parcial

-

0,80

0,80

Pré-escola

0,90

-

-

Pré-escola em tempo integral

-

1,15

1,20

Pré-escola em tempo parcial

-

0,90

1,00

Séries iniciais do ensino fundamental urbano

1,00

1,00

1,00

Séries iniciais do ensino fundamental rural

1,05

1,05

1,05

Séries finais do ensino fundamental urbano

1,10

1,10

1,10

Séries finais do ensino fundamental rural

1,15

1,15

1,15

Educação de Jovens e Adultos e Educação na Diversidade | 107

Creche

2007 (Resolução nº 01, de 15/02/2007)

 

Tabela 2: Distribuição dos recursos

108 | Educação de Jovens e Adultos e Educação na Diversidade

Ensino fundamental em tempo integral Ensino médio urbano Ensino médio rural Ensino médio em tempo integral Ensino médio integrado à educação profissional Educação especial Educação indígena e quilombola Educação de jovens e adultos com avaliação no processo Educação de jovens e adultos integrada à educação profissional de nível médio, com avaliação no processo Creche conveniada em tempo integral

1,25

1,25

1,25

1,20

1,20

1,20

1,25

1,25

1,25

1,30

1,30

1,30

1,30

1,30

1,30

1,20

1,20

1,20

1,20

1,20

1,20

0,70

0,70

0,80

0,70

0,70

1,00

-

0,95

0,95

(continuação)

Tabela 2: Distribuição dos recursos Creche conveniada em tempo parcial

-

0,80

0,80

Pré-escola conveniada em tempo integral

-

1,15

1,20

Pré-escola conveniada em tempo parcial

-

0,90

1,00

Analisando os dados divulgados pelo FNDE temos a seguinte “realidade” em Santa Catarina, ao compararmos o primeiro ano do Fundeb (2007) com o ano de 2010:

Tabela 3: comparação fundeb 2007 e 2010 em santa catarina Valor anual EJA com estimado avaliação no por aluno processo (em reais)

EJA integrada à educação profissional de nível médio

Total da receita estimada do Fundo

2007

973,54

973,54

1.523.963.924,19

2010

1.448,92

1.811,15

2.595.257.038,80 Fonte: FNDE (BRASIL)

Observa-se um aumento significativo no montante de recursos, seja no valor anual por aluno, seja montante do fundo, que é acrescido em quase 1 bilhão

Educação de Jovens e Adultos e Educação na Diversidade | 109

Fonte: FNDE (BRASIL, 2009 b)

110 | Educação de Jovens e Adultos e Educação na Diversidade

de reais. Embora não tenhamos computado os dados de   matricula do PROEJA em Santa Catarina, que atendem a EJA integrada à educação profissional, as redes estaduais e municipais tiveram um acréscimo significativo nas suas matriculas, passando de 38.388 alunos matriculados em 2007, para 82.592 alunos em 2010. Como são dados referentes à matricula, não temos os dados de evasão ou desistência, mas este incremento na procura pelos curso de EJA presenciais, pode estar vinculado as reestruturações operacionalidades nas redes de ensino para o recebimento do financiamento do Fundo. A partir dos dados do Censo Escolar, utilizando-se esses fatores de ponderação que é realizado o cálculo de qual o valor, em cada modalidade e nível de ensino, que será repassado à rede municipal, estadual ou federal receberá por aluno. Importante destacar que o valor que chega à rede é do “bolo” como um todo. Destacamos ainda que o modo como as “fatias” são distribuídas depende das correlações de força e poder dentro das Secretarias e dos Conselhos, que devem, além de estarem constituídos, serem atuantes no sentido de acompanhar a distribuição e a aplicação destes recursos. Observa-se que nas redes onde a EJA possui uma estrutura organizada e a participação e a cobrança da sociedade, os recursos a ela destinados são efetivados; por isso, cada vez mais precisamos ter a clareza e a compreensão da legislação e o entendimento das discussões no âm-

bito da EJA, seja no Brasil ou internacionalmente, para lutarmos por uma EJA de qualidade, com a constante atenção ao cumprimento das legislações vigentes.

Voltando ao FUNDEB, ao priorizar o ensino presencial com avaliação no processo, o Fundo busca valorizar as iniciativas e o desenvolvimento de metodologias, que atendendo às especificidades dos jovens e adultos e que organização seus currículos à vista de superar o caráter

Educação de Jovens e Adultos e Educação na Diversidade | 111

As ações voltadas para EJA revestem-se de uma certeza histórica quanto aos limites e possibilidades de essa modalidade constituir-se como política pública de Estado, na garantia do acesso da educação como direito de todos. Não basta o arcabouço legal, embora ele já exista; não bastam as condições efetivas de financiamento, que já estão inicialmente dadas pelo FUNDEB: é fundamental a permanente inquietação e mobilização dos sujeitos que demandam a EJA, pelos seus mais diversos motivos, por meio dos fóruns. Isso fará com que a vigilância no cumprimento e aprimoramento das leis seja uma constante nessa modalidade (MACHADO, 2009, p. 35).

112 | Educação de Jovens e Adultos e Educação na Diversidade

de suplência, muitas vezes vinculados às propostas de en  sino à distância, realizados de forma a aligeirar o processo de certificação escolar, principalmente por instituições de caráter privado, que tratam a educação como mercadoria e vendem “supletivo em seis meses”, nas faixas fixadas nos estabelecimentos. Um desafio proposto às redes públicas de EJA, este atendimento em forma presencial e com avaliação no processo. Um desafio que foi aceito ainda de forma incipiente. A Rede Estadual de Ensino do Governo do Estado de Santa Catarina pode ser citada como um exemplo, com seus CEJAs (Centro de Educação de Jovens e Adultos) os quais, de certa forma, vêm sofrendo esse processo difícil de lidar com o financiamento sem modificar suas estruturas organizativas e curriculares. A inserção do atendimento a alunos e alunas da EJA no recebimento da merenda escolar, através da Resolução nº 38, de 16 de julho de 2009 (BRASIL, 2009 c), do FNDE, é mais um ponto da conquista da efetivação do direito e busca da isonomia da EJA frente às demais modalidades e níveis de ensino. No artigo 2º da Resolução temos como um dos princípios do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE): “II - a universalidade do atendimento da alimentação escolar gratuita, a qual consiste na atenção aos alunos matriculados na rede pública de educação básica;”. (BRASIL, 2009 c) A realidade dos alunos e alunas trabalhadores demandava, a um certo tempo, a garantia

Art. 22. Pelo menos 60% (sessenta por cento) dos recursos anuais totais dos Fundos serão destinados ao pagamento da remuneração dos profissionais do magistério da educação básica em efetivo exercício na rede pública. Parágrafo único. Para os fins do disposto no caput deste artigo, considera-se: I - remuneração: o total de pagamentos devidos aos profissionais do magistério da educação, em decorrência do efetivo exercício

Educação de Jovens e Adultos e Educação na Diversidade | 113

da alimentação, que muitos, devido as suas condições de pobreza, não a têm de forma efetiva. O outro sujeito da EJA que busca e passa a ser valorizado com legislação vigente é o professor e a professora, que através do FUNDEB passa a ter garantidos, no mínimo, 60% do montante destinado a sua valorização. Deixa-se claro que a valorização de que trata a legislação do FUNDEB não é somente aos professores e professoras, mas aos profissionais do magistério, sendo considerados aqueles que exercem atividades de docência e os que oferecem suporte pedagógico direto ao exercício da docência, incluídas as de direção ou administração escolar, planejamento, inspeção, supervisão, orientação educacional e coordenação pedagógica, de acordo com a definição que consta na Lei nº 11.494/2007, em seu artigo 22.

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em cargo, emprego ou função, integrantes da estrutura, quadro ou tabela de servidores do Estado, Distrito Federal ou Município, conforme o caso, inclusive os encargos sociais incidentes; II - profissionais do magistério da educação: docentes, profissionais que oferecem suporte pedagógico direto ao exercício da docência: direção ou administração escolar, planejamento, inspeção, supervisão, orientação educacional e coordenação pedagógica; III - efetivo exercício: atuação efetiva no desempenho das atividades de magistério previstas no inciso II deste parágrafo associada à sua regular vinculação contratual, temporária ou estatutária, com o ente governamental que o remunera, não sendo descaracterizado por eventuais afastamentos temporários previstos em lei, com ônus para o empregador, que não impliquem rompimento da relação jurídica existente (BRASIL, 2007 b).

Assim, no âmbito dessas mudanças legais, oriundas do FUNDEB, é sancionada a Lei nº 11. 738, de 16 de julho de 2008, que regulamenta o piso salarial profissio-

2° Por profissionais do magistério público da educação básica entendem-se aqueles que desempenham as atividades de docência ou as de suporte pedagógico à docência, isto é, direção ou administração, planejamento, inspeção, supervisão, orientação e coordenação educacionais, exercidas no âmbito das unidades escolares de educação básica, em suas diversas etapas e modalidades, com a formação mínima determinada pela legislação federal de diretrizes e bases da educação nacional (BRASIL, 2008 b).

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nal nacional para os profissionais do magistério público da educação básica (BRASIL, 2008 b). O valor estipulado em seu artigo 2º é de R$ 950,00 (novecentos e cinquenta reais) mensais, para a formação em nível médio, na modalidade Normal (de acordo com o disposto no artigo 62 da LDB). A efetivação do valor do piso nacional totalmente integralizado e atualizado aconteceu em 1º de janeiro de 2010, com os devidos reajustes, chegando a R$ 1.024,67, de acordo com a interpretação da Advocacia Geral da União (AGU), na consulta realizada pelo MEC, em 2009. Até o momento, a AGU conseguiu a garantia do pagamento do piso salarial frente a esta ação. Por profissionais do magistério, esta Lei define, no artigo 2°:

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Mas o que é afinal o piso nacional? De acordo   com o parágrafo 1º do artigo 2º, o piso salarial profissional nacional é o valor abaixo do qual a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios não poderão fixar o vencimento inicial das Carreiras do magistério público da educação básica, para a jornada de, no máximo, 40 horas semanais. Lembra-se aqui que no 4º parágrafo desse mesmo artigo estipula que no máximo dois terços da carga horária serão destinadas à interação com os alunos e alunas (BRASIL, 2008 b). A efetivação do pagamento do piso salarial nacional ainda é uma pauta de luta, pois desde a promulgação da Lei, há resistências por estados e municípios em efetivar este piso. Os estados de Paraná, Santa Catarina, Ceará, Mato Grosso do Sul e Rio Grande do Sul, por exemplo, entraram com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), no Supremo Tribunal Federal, para não pagarem o piso salarial. O desafio para a valorização do magistério e a efetivação das políticas públicas requer o constante acompanhamento e mobilização social, pois as concepções e interesses envolvidos são os mais variados possíveis. As representações acerca do papel da educação na sociedade precisam ir além de discursos e passaram a ações efetivas que contribuam na construção de uma educação de qualidade e para todos. A EJA não foge a esta regra, necessitando ainda serem quebrados uma série de estereótipos que fervilham no imaginário popular e nos próprios espaços escolares.

Eis o desafio de buscarmos forma para intervir na realidade local e estadual da maneira mais eficiente possível, de modo a contribuir para a efetivação do direito de jovens e adultos à educação pública, gratuita e de qualidade e ao longo da vida e a efetiva e digna valorização dos profissionais do magistério, estes também sujeitos da EJA.

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Educação básica para todos significa dar às pessoas, independentemente da idade, a oportunidade de desenvolver seu potencial, coletiva ou individualmente. Não é apenas um direito, mas também um dever e uma responsabilidade para com os outros e com toda a sociedade. É fundamental que o reconhecimento do direito à educação continuada durante a vida seja acompanhado de medidas que garantam as condições necessárias para o exercício desse direito. Os desafios do século XXI não podem ser enfrentados por governos, organizações e instituições isoladamente; a energia, a imaginação e a criatividade das pessoas, bem como sua vigorosa participação em todos os aspectos da vida, são igualmente necessárias. A educação de jovens e adultos é um dos principais meios para se aumentar significativamente

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a criatividade e a produtividade, transformando-as numa condição indispensável para se enfrentar os complexos problemas de um mundo caracterizado por rápidas transformações e crescente complexidade e riscos (PAIVA; MACHADO; IRELAND, 2004, p. 44).

CONSIDERAÇÕES FINAIS Buscamos nestas páginas traçar uma caminhada do desenvolvimento histórico das políticas públicas e educacionais em EJA, a partir da análise e compreensão da legislação nacional. O recorte realizado teve como objetivo apresentar um processo desconhecido para muitos professores, professoras e gestores que atuam com a educação de jovens e adultos. Bem como este mesmo recorte não pretende fechar esta discussão, mas pelo contrário, quer contribuir para que possamos nos questionar e avançar na luta por uma política pública, e não de governo, para a educação, com um olhar especial para a educação de jovens e adultos. Frente ao quadro da educação nacional e da respectiva legislação, é preciso avançar muito mais ainda, devido as demandas que temos e as que estão surgimento no espaço social e que devem ser incorporadas no am-

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biente escola. As lutas de diferentes segmentos e movimento sociais ao longo do século XX e início do século XXI propiciaram um reconhecimento da EJA e das diversidades, embora muito desse reconhecimento ainda não se efetivou na prática. Rompermos com a visão de educação compensatória e supletiva, do aluno e da aluna de EJA como clientela, são alguns dos passos que devemos dar para construir em nosso espaço local uma educação de jovens e adultos que atenda as suas especificidades e necessidades, propiciando a sua escolarização e subsequente certificação, mas também buscando gerar condições para a concepção de aprendizagem ao longo da vida, que se apresenta hoje como um dos grandes desafios. Direitos foram conquistados, mas muitas das vezes não os conhecemos para podermos discutir e propor novos caminhos e/ou novas metodologias para a educação de jovens e adultos. As Diretrizes Nacionais e as Diretrizes Operacionais para a EJA apontam múltiplas possibilidades e os investimentos nessa modalidade, embora ainda restritos e escassos, em algumas situações devem ser molas propulsoras para que possamos, em nossa prática e espaço de trabalho de EJA, garantir uma educação de qualidade. Trabalhar com a educação de jovens e adultos é assumir o compromisso também de utilizar-se do conhecimento adquirido para intervir na realidade e promover uma educação de jovens e adultos pública, gratuita e de qualidade.

 

REFERÊNCIAS

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BRASIL. Conselho Nacional de Educação. Parecer CNE/ CEB n. 04/1998. Institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental. Brasília, 1998. BRASIL. Conselho Nacional de Educação. Resolução CNE/CEB n. 04/2010. Define as Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educação Básica. Brasília, 2010. BRASIL. Conselho Nacional de Educação. Parecer CNE/CEB 06/2010. Reexame do Parecer CNE/CEB nº 23/2008, que institui Diretrizes Operacionais para a Educação de Jovens e Adultos – EJA, nos aspectos relativos à duração dos cursos e idade mínima para ingresso nos cursos de EJA; idade mínima e certificação nos exames de EJA; e Educação de Jovens e Adultos desenvolvida por meio da Educação a Distância. Brasília, 2010. BRASIL. Conselho Nacional de Educação. Parecer CNE/ CEB 11/2000. Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação de Jovens e Adultos. Brasília, 2000. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Rio de Janeiro: FAE, 1989.

BRASIL. Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação. Disponível em: . Acesso em: 10 dez. 2009b. BRASIL. Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação. Resolução n. 38, de 16 de julho de 2009. Dispõe sobre o atendimento da alimentação escolar aos alunos da educação básica no Programa Nacional de Alimentação Escolar - PNAE. Brasília, 2009c. BRASIL. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Síntese de Indicadores Sociais 2007. Brasília, 2007a. BRASIL. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.

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BRASIL. Emenda Constitucional n° 59, de 11 de novembro de 2009. Acrescenta § 3º ao art. 76 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias para reduzir, anualmente, a partir do exercício de 2009, o percentual da Desvinculação das Receitas da União incidente sobre os recursos destinados à manutenção e desenvolvimento do ensino de que trata o art. 212 da Constituição Federal, dá nova redação aos incisos I e VII do art. 208, de forma a prever a obrigatoriedade do ensino de quatro a dezessete anos e ampliar a abrangência dos programas suplementares para todas as etapas da educação básica, e dá nova redação ao § 4º do art. 211 e ao § 3º do art. 212 e ao caput do art. 214, com a inserção neste dispositivo de inciso VI. Brasília, 2009a.

Síntese de Indicadores Sociais 2008. Brasília, 2008a.   BRASIL. Lei n. 4.024, 20 de dezembro de 1961. Fixa as diretrizes e bases da educação nacional. Diário Oficial da União, Brasília, 1961, p. 11429.

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BRASIL. Lei n. 9.394, 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Diário Oficial da União, Brasília, 1996. p. 27833. BRASIL. Lei n. 10.172, de 9 de janeiro de 2001. Aprova o Plano Nacional de Educação e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 2001, p. 1. BRASIL. Lei n. 11.494, de 20 de junho de 2007. Regulamenta o Fundo de Manutenção e desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação - FUNDEB, de que trata o art. 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias; altera a Lei no 10.195, de 14 de fevereiro de 2001; revoga dispositivos das Leis nos 9.424, de 24 de dezembro de 1996, 10.880, de 9 de junho de 2004, e 10.845, de 5 de março de 2004; e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 2007b. p. 7. BRASIL. Lei n. 11. 738, de 16 de julho de 2008. Regulamenta a alínea “e” do inciso III do caput do art. 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, para instituir o piso salarial profissional nacional para os profis-

sionais do magistério público da educação básica. Diário Oficial da União, Brasília, 2008b. p. 1. BRASIL. Ministério da Educação. Rede de Educação para a Diversidade. Ministério da Educação. Brasília, 2009. Disponível em:. Acesso em janeiro de 2011.

CURY, Carlos Roberto Jamil. Os fora de série na escola. Campinas: Autores Associados, 2005. DI PIERRO, Maria Clara. Um balanço da evolução recente da educação de jovens e adultos no Brasil. In: VÓVIO, Cláudia Lemos; IRELAND, Timothy. Construção coletiva: contribuições à educação de jovens e adultos. Brasília: UNESCO, 2008. FÁVERO, Osmar (Org.). A educação nas constituintes brasileiras (1823-1988). 2. ed. São Paulo: Autores Associados, 2001. MACHADO, Maria Margarida. A educação de jovens e adultos no Brasil pós-Lei nº 9.394/96: a possibilidade

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CAMPANHOLE, Hilton Lobo; CAMPANHOLE, Adriano. Código de Processo Civil: compilação e atualização dos textos, notas, revisões e índices. 12. ed. São Paulo: Atlas, 1998.

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BIBLIOGRAFIA CONSULTADA BRASIL, Conselho Nacional de Educação. Resolução CNE/CEB nº.3/2010. Institui Diretrizes Operacionais para a Educação de Jovens e Adultos nos aspectos relativos à duração dos cursos e idade mínima para ingresso nos cursos de EJA; idade mínima e certificação nos exames de EJA; e Educação de Jovens e Adultos desenvolvida por meio da Educação a Distância. Brasília, 2010. Disponível em: . Acesso em: 10 jan. 2011. BRASIL. Lei n. 9.424, de 24 de dezembro de 1996. Dispõe sobre o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério,

na forma prevista no art. 60, § 7º, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 1996. p. 28442. BRASIL. Ministério da Educação. Rede de Apoio à Ação Alfabetizadora do Brasil (RAAAB). Brasília, 2005.

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02.

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PROJETO DE INTERVENÇÃO E METODOLOGIA DA PESQUISA EM EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS E EDUCAÇÃO NA DIVERSIDADE

PROJ ETO DE I NTE RVE NÇÃO E   M ETODOLOGIA DA PESQUISA EM EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS E EDUCAÇÃO NA DIVERSIDADE3

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Adriana da Costa4

Caros professores e professoras, neste texto apresentaremos os pressupostos teóricos e metodológicos de um Projeto de Intervenção fundamentado na perspectiva da pesquisa-ação. Assim, o texto tem por objetivo orientar o processo de elaboração e realização de um projeto de intervenção (PI), que será desenvolvido por você em sua comunidade. O projeto de intervenção precisa estar articulado com alguns (ou algum) dos demais estudos que compõem um curso de pós-graduação e será realizado ao longo da formação.

3. Este texto foi produzido originalmente pelas professoras Adriana da Costa e Silvia Maria Martins e publicado em LAFFIN, M. H. L. F. (Org.) . Educação de Jovens e Adultos na Diversidade: Livro 1. Florianópolis: NUP, 2009. O texto foi revisado, alterado e recebeu colaborações da Professora Mara Cristina Fisher Rese. 4. Possui graduação em Pedagogia pela Fundação Universidade Regional de Blumenau - FURB (1996), Mestrado em Educação (Linha: Educação História e Política) pela Universidade Federal de Santa Catarina (2004). É professora efetiva da Universidade Federal de Santa Catarina no Colégio de Aplicação.

2. TRABALHO DE CONCLUSÃO

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Tipo de trabalho: Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) com a composição de banca examinadora. O Trabalho de Conclusão do Curso (TCC), desenvolvido no Projeto de Intervenção, deverá ser desenvolvido ao longo do curso, sob orientação de um docente. O TCC será concretizado na elaboração de um estudo que apresente e desenvolva uma proposta de ação que articule o referencial teórico norteador do curso, a organização do trabalho pedagógico e a busca de um ensino-aprendizagem de qualidade para Educação de Jovens e Adultos da diversidade em que atua o cursista. Este texto tem por objetivo a orientação teórico-metodológica do Trabalho de Conclusão de Curso e prepara a apresentação deste trabalho, o qual constitui requisito imprescindível à obtenção do grau de especialista em Educação de Jovens e Adultos e Educação na Diversidade. O trabalho desenvolvido nesta etapa pretende, além de uma orientação metodológica, um movimento de reflexão teórico-prático entre os conteúdos e atividades propostas nas disciplinas do curso de pós-graduação com a realidade cotidiana das instituições educacionais. Dessa forma, o TCC deve concluir com a elaboração de materiais pedagógicos para a educação na diversidade e para a organização do trabalho pedagógico na efetividade dos princípios de organização do ensino para a diversidade.

2.1 PROJETO DE INTERVENÇÃO

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Intervenção, segundo o dicionário Aurélio significa ato de intervir, interferência. Interferência quer dizer ato ou efeito de interferir e, por sua vez, interferir significa ter participação, ou poder de decisão, ou meios para poder alterar ou modificar (FERREIRA, 2008). Já a palavra projeto nos remete a algo que será desenvolvido, que ainda será concretizado, que está no horizonte. Enfim, é uma ideia ou um plano que se pretende realizar. Se discorrermos a respeito de Projeto de Intervenção podemos entendê-lo como possibilidade de atuação, em um determinado local, mediante a constatação de uma problemática presente na realidade e que necessita ser modificada. O projeto de intervenção que você irá elaborar precisa estar articulado ao objetivo principal do Curso de Especialização em Educação de Jovens e Adultos e Educação na Diversidade: A formação continuada de professores e outros profissionais da educação das redes públicas (prioritariamente), e demais instituições públicas que atuam na Educação de Jovens e Adultos e Idosos e de alfabetizadores populares e, de instituições carcerárias, de instituições que atendem pes-

soas com deficiência, instituições indígenas e demais instituições da diversidade, bem como o de criar condições para a construção rede de uma educação contextualizada de acordo com suas especificidades e constituição da Comunidade de Trabalho e renda/Aprendizagem em rede na Diversidade (BRASIL, 2010).

A práxis expressa, justamente, a unidade indissolúvel de duas dimensões distintas, diversas no processo de conhecimento: a teoria e a ação. A reflexão teórica sobre a realidade não é uma reflexão

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O Projeto de Intervenção fundamenta-se nos estudos referentes à pesquisa-ação e apresenta como base a ideia de dialogicidade entre a pesquisa e a prática, ou seja, a ação. Remete também ao conceito de que toda a pesquisa deve ter como função transformar a realidade. Nessa ideia da dialogicidade o que importa realmente não é a crítica pela crítica ou o conhecimento pelo conhecimento, mas a crítica e o conhecimento crítico para uma prática que altere, modifique a realidade (FRIGOTO, 1989). O autor ainda sustenta a ideia de que o conhecimento acontece verdadeiramente quando na junção da teoria e da ação. A esse movimento o autor nomeia como práxis (FRIGOTO, 1989).

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diletante, mas uma reflexão em função da ação para transformar (FRIGOTO, 1989, p. 80).

Desse modo, o Projeto de Intervenção servirá para promover a aproximação com uma educação contextualizada, relacionada às suas especificidades, conforme objetivo proposto neste curso. Segundo Noronha (1989), um estudioso em pesquisa-ação, a produção do conhecimento não pode ser minimizada ao mediatismo de transformá-lo. É necessário diferenciar o campo próprio da produção do conhecimento para que se possa intervir nesta realidade. Uma das formas que podemos considerar eficiente para a elaboração do Projeto de Intervenção refere-se ao conhecimento prévio das dificuldades e problemáticas enfrentadas pelos sujeitos da EJA, já que o pesquisador, quando familiarizado com o tema, terá menos dificuldades para definir seu problema de pesquisa. Assim, torna-se importante que o sujeito do Curso de Especialização em Educação de Jovens e Adultos e Educação na Diversidade vá, no decorrer do curso, pensando e organizando seu projeto para que suas ações sejam realmente importantes e necessárias no espaço em que atua. O Projeto de Intervenção tem como finalidade, segundo a proposta do Curso de Especialização em Educação de Jovens e Adultos e Educação na Diversidade: [...] a formação de professores e demais sujeitos que atuam junto

Pesquisas recentes na área de EJA indicam sobre a necessidadede organizar informações sistemáticas a respeito do desenvolvimento e da qualidade dos cursos atuais, em especial aqueles que acontecem fora do sistema educacional. Tais pesquisas apontam ainda a necessidade de planejar práticas de intervenção no sentido de modificar os métodos pedagógicos adequados às particularidades dos sujeitos da EJA envolvidos na formação. Ao desenvolver o projeto de intervenção você deverá ter como horizonte o cotidiano educacional, mais especificamente, o local que você atua. Vale ressaltar a importância da participação dos envolvidos, ou seja, dos pesquisadores no desenvolvimento desse projeto, haja vista

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aos movimentos de educação para a diversidade, visando a apropriação de novos conhecimentos, a proposição de novas práticas pedagógicas, a revisão dos currículos escolares, a articulação de conhecimentos escolares e cotidianos e a produção de materiais pedagógicos para a educação na diversidade. Objetiva-se nesta proposta o comprometimento dos sujeitos por práticas de inclusão e de multiplicação em redes de formação que visualizem a docência e a participação social e a produção de trabalho e renda em organizações sociais de economia solidária e popular (BRASIL, 2010).

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que estes serão agentes de um processo de mudança, podendo, dessa forma, oportunizar não apenas a resolução   de uma problemática, mas também significativas aprendizagens para todos que compõem esse espaço. Assim, o projeto de intervenção é uma oportunidade de ampliar o olhar referente à área da EJA, possibilitando novas discussões e ampliando debates acerca dessa modalidade de ensino, que se quer cada vez mais significativa e necessária para a construção de uma sociedade igualitária e, consequentemente, mais democrática.

2.2 O MÉTODO DA PESQUISA-AÇÃO A partir das análises realizadas a respeito das possibilidades de intervenção no campo educacional, entendemos que a perspectiva da pesquisa-ação pode indicar um caminho mais dinâmico, pois a pesquisa-ação procura relacionar o conhecimento da realidade da própria prática com a ação e os sujeitos, que na pesquisa “tradicional” atuam simplesmente como informantes, na pesquisa-ação participam também como sujeitos pesquisadores de sua prática (BRACHT, 2002). O projeto de intervenção tem relação direta com o método de pesquisa conhecido como “pesquisa-ação”. Seu princípio fundamenta-se na concepção dialética, entre pesquisa e ação que objetiva a transformação da realidade. Nesse tipo de pesquisa o problema a ser investigado torna-se o objeto de estudo.

De acordo com os estudos de Thiollent (2005, p. 16, grifos do autor):

A pesquisa-ação é um tipo de pesquisa social com base empírica que é concebida e realizada em estreita associação com uma ação ou com a resolução de um problema coletivo e na qual os pesquisadores e os participantes representativos da situação ou do problema estão envolvidos de modo cooperativo ou participativo. Dessa maneira a pesquisa-ação é concebida como um método de pesquisa pautada na análise da realidade, identificação de problemas e busca de possíveis soluções por meio da intervenção dos pesquisadores e sujeitos envolvidos na realidade investigada. Para Thiollent (1985), a pesquisa-ação vincula dois tipos de objetivos: a) objetivo prático: colaborar para a melhor resolução possível do problema considerado central na pesquisa, com levantamento de soluções e possibilidades de ações correspondentes às soluções para auxiliar o sujeito na sua atividade transformadora da si-

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A pesquisa-ação é um tipo de pesquisa social com base empírica que é concebida e realizada em estreita associação com uma ação ou com a resolução de um problema coletivo e na qual os pesquisadores e os participantes representativos da situação ou do problema estão envolvidos de modo cooperativo ou participativo.

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tuação; b) objetivo de conhecimento: obter informações   que seriam de difícil acesso por meio de outros procedimentos, aumentar o conhecimento de determinadas situações (reivindicações, representações, capacidades de ação ou de mobilização, etc), diz respeito à obtenção das informações, aos conhecimentos que serão adquiridos ao logo da pesquisa. A pesquisa-ação é uma forma de pesquisa participante engajada. Como o próprio nome já diz, a pesquisa-ação busca vincular a pesquisa à ação ou prática, isto é, desenvolver o conhecimento e a compreensão como parte da prática. A pesquisa-ação surgiu da necessidade de superar o hiato entre teoria e prática. Uma das características deste tipo de pesquisa é que por meio dela procura-se intervir na prática de maneira inovadora já no decorrer do próprio processo de pesquisa e não apenas como possível consequência de uma indicação na etapa final do projeto (ENGEL, 2000). No projeto de intervenção tanto sua elaboração quanto seu desenvolvimento acontecem ao mesmo tempo. Dessa maneira faz-se necessário entender que o projeto é flexível, isto é, pode ser modificado na medida em que a intervenção vai acontecendo.

AÇÃO

AGIR para implantar a melhora planejada

PLANEJAR uma melhora da prática

Monitorar e DESCREVER os efeitos da ação

AVALIAR os resultados da ação

INVESTIGAÇÃO Diagrama1: Representação em quatro fases no ciclo básico da investigação-ação Fonte: Tripp (2005)

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2.2.1 A INVESTIGAÇÃO-AÇÃO De acordo com Tripp (2005) é conveniente que se reconheça a pesquisa-ação como uma das inúmeras maneiras de investigação-ação, que é um termo genérico para qualquer processo que siga um ciclo no qual se aprimora a prática pelo movimento sistemático entre agir no campo da prática e investigar a respeito dela. Planeja-se, implementa-se, descreve-se e avalia-se uma mudança para a melhora de sua prática, aprendendo mais, no correr do processo, tanto a respeito da prática quanto da própria investigação. Tripp (2005) apresenta no diagrama abaixo uma representação em quatro fases do ciclo básico da investigação-ação.

  O referido autor aponta que a resolução de problemas inicia com a identificação do problema, o planejamento de uma solução, sua implementação, seu monitoramento e a avaliação de sua eficácia.

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2.2.2 AS CARACTERÍSTICAS DA PESQUISA-AÇÃO

Dentre os mais variados significados encontrados na literatura para o termo pesquisa-ação, Tripp (2005) apresenta a seguinte definição: “pesquisa-ação é uma forma de investigação-ação que utiliza técnicas de pesquisa consagradas para informar a ação que se decide tomar para melhorar a prática”, e acrescenta ainda que as técnicas de pesquisa devem atender aos critérios comuns a outros tipos de pesquisa acadêmica (isto é, enfrentar a revisão pelos pares quanto a procedimentos, significância, originalidade, validade etc.). A pesquisa-ação demanda ação tanto nas áreas da prática quanto da pesquisa. O quadro a seguir revela, a partir das pesquisas realizadas por Tripp (2005), algumas das características da pesquisa-ação: Explicitando o quadro anterior:



CARACTERÍSTICAS DA PESQUISA-AÇÃO

LINHA

Inovadora

2

Contínua

3

Pró-Ativa Estrategicamente

4

Participativa

5

Intervencionista

6

Problematizada

7

Deliberada

8

Documentada

9

Compreendida

10

Disseminada

Quadro: Características da pesquisa-ação Fonte: Tripp (2005)

Linhas 1 e 2: A pesquisa-ação deve ser original e contínua, portanto não pode ser repetida ou ocasional, porque não se pode repetidamente fazer pesquisas-ação sobre a prática de alguém, mas deve-se frequentemente trabalhar para melhorar um aspecto dela. Linha 3: A pesquisa-ação é proativa com relação à mudança, e sua mudança é estratégica no sentido de que é ação fundamentada na compreensão alcançada por meio da análise de informações de pesquisa.

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PESQUISA-AÇÃO

1

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Linha 4: A pesquisa-ação é participativa na medi  em que abarca todos os que, de alguma maneira, estão da envolvidos nela e é colaborativa na sua maneira de trabalhar. Linha 5: A pesquisa-ação acontece em cenários sociais não manipulados, portanto pode ser chamada de intervencionista. Linha 6: A pesquisa-ação sempre inicia a partir de algum tipo de problema e muitas vezes se aplica o termo “problematizar”. A pesquisa-ação socialmente crítica começa muitas vezes com um exame sobre a quem cabe o problema, o que é uma forma de problematização. Linha 7: A pesquisa-ação é sempre deliberativa. Linha 8: A pesquisa-ação tende a documentar seu processo, muitas vezes por meio da organização de um portfólio5. Linha 9: Na pesquisa-ação, é indispensável explicar os fenômenos, não é seu objetivo construir o tipo de rede de explicações implicadas na teoria científica. Linha 10: Isso tem a ver com administração do conhecimento: o conhecimento obtido na pesquisa-ação destina-se a ser socializado com outros na mesma organização ou profissão e tende a ser disseminado por meio de rede e ensino. 5. O portfólio pode ser definido [...] como um continente de diferentes classes de documentos (notas pessoais, experiências de aula, trabalhos pontuais, controles de aprendizagem, conexões com outros temas fora da Escola, representações visuais, etc.) que proporciona evidências do conhecimento que foi sendo construído, das estratégias utilizadas para aprender e da disposição de quem o elabora em continuar aprendendo (HERNÀNDEZ, 1998, p. 100).

2.3 ENCAMINHAMENTOS METODOLÓGICOS NA ELABORAÇÃO E DESENVOLVIMENTO DO PROJETO DE INTERVENÇÃO

Tomando como referência os estudos de Thiollent (2005), apresentamos a seguir alguns procedimentos que podem contribuir para a formulação e o desenvolvimento do projeto de intervenção local. 1° Procedimento: Fase Exploratória A fase exploratória é considerada muito importante no processo de elaboração do projeto de intervenção, pois é ela que irá encaminhar os momentos seguintes do trabalho. A seguir apresentamos o que é preciso fazer na fase exploratória: • Analisar o contexto; • Levantar as demandas; • Identificar os sujeitos da EJA e da comunidade local interessados em participar da pesquisa; • Divulgar as propostas; • Corresponsabilizar os sujeitos da EJA e da comunidade na pesquisa. Ainda na fase exploratória existem dois pontos que necessitam de esclarecimentos: o institucional e o metodológico. O institucional diz respeito às relações que serão

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estabelecidas entre pesquisadores e sujeitos envolvidos na   investigação. Aqui é preciso saber quais são suas expectativas, o que esperam com a realização do projeto de intervenção. Já o aspecto metodológico sinaliza a necessidade de certificar que todos os participantes tenham ciência dos objetivos da pesquisa, da divisão das tarefas e da metodologia utilizada. A obtenção das informações mais significativas para a elaboração do projeto constitui centralidade na fase exploratória. Sugere-se que, de forma coletiva, sejam identificados os principais problemas existentes na realidade local. Para Thiollent (2005), o que caracteriza uma pesquisa como sendo “pesquisa-ação” é a ação efetiva de pessoas envolvidas em uma determinada problemática que, coletivamente, objetivam uma suposta intervenção/ transformação. Pode-se considerar findada a fase exploratória quando pesquisadores e sujeitos envolvidos na pesquisa identificarem, de forma consensual, as prioridades, os objetivos que darão base à pesquisa-ação, ou seja, quando obtiverem elementos que posteriormente resultarão na problemática da pesquisa. 2º Procedimento: Tema da Pesquisa Este é o momento de indicar o problema prático que será pesquisado pelos sujeitos da EJA. Aqui é preciso definir quais os principais objetivos do projeto e visualizar

em qual disciplina do curso tal problema se insere. É importante que o tema seja delimitado de maneira simples para permitir, futuramente, o desdobramento em outros problemas que serão pesquisados. Mais uma vez destaca-se que a definição do tema precisa resultar da discussão com o grupo envolvido na pesquisa.

4º Procedimento: O Lugar da Teoria Apesar de focar questões de ordem prática, o projeto de intervenção não elimina a teoria. Ao contrário, definir o campo teórico é essencial, pois o mesmo dará sustentação para analisar as situações e o contexto, formular hipóteses ou diretrizes capazes de orientar a pesquisa. É a luz da teoria que possibilita ler a realidade que está sendo pesquisada e analisada.

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3º Procedimento: Definição da Problemática Feita a demarcação do tema e dos objetivos do projeto de intervenção, é o momento de definir a problemática para dar sentido ao tema. Aqui é o momento de transformar o tema em uma problemática, ou seja, a partir do tema serão apontados os problemas que o grupo, envolvido na pesquisa, pretende solucionar ou intervir. No trabalho com pesquisa-ação e com projeto de intervenção os problemas precisam ser de origem prática, considerando aqui que a pretensão é provocar alguma transformação no contexto investigado.

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  º Procedimento: Hipóteses 5 No projeto de intervenção as hipóteses são formuladas sob forma de orientações que visam a encaminhar a ação dos pesquisadores e dos sujeitos envolvidos na pesquisa, tanto no que diz respeito às estratégias quanto no que se refere aos recursos que serão utilizados. A centralidade das hipóteses consiste em apontar os possíveis meios ou trajetos para alcançar os objetivos dos prováveis resultados. Com a definição das hipóteses, pesquisadores e demais participantes podem supor quais informações serão indispensáveis, quais recursos e técnicas poderão empregar na busca dos dados ou informações. 6º Procedimento: Seminários Esse momento se refere ao trabalho em grupo, diz respeito às discussões que envolvem os principais sujeitos da EJA na pesquisa. Os seminários precisam acontecer durante todo o processo de investigação, ou seja, ocorrem desde a elaboração inicial do projeto de intervenção, passando pela execução até a avaliação da pesquisa realizada. Os seminários são concebidos como espaços para elaboração e reelaboração dos objetivos, definição e redefinição dos rumos da pesquisa, interpretação e análise dos dados, estudos e debates teóricos. Em síntese, é o espaço coletivo para que os sujeitos da EJA e demais envolvidos possam dar direção à pesquisa.

8° Procedimento: Em busca das fontes - Coleta dos dados Esse é o momento de decidir quais técnicas/estratégias serão utilizadas no projeto de intervenção. Na metodologia que privilegia a pesquisa-ação os principais recursos são as entrevistas individuais ou grupais, também conhecidas como grupo focal. Organizar entrevistas com grupos focais torna-se interessante na medida em que incentiva o diálogo entre os entrevistados. De acordo com Gaskell (2002, p. 75), O objetivo do grupo focal é estimular os participantes a falar e a reagir àquilo que outras pessoas

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7° Procedimento: Campo de observação e atuação Para realizar um projeto de intervenção é preciso demarcar o campo de atuação, o local de observação e coleta dos dados no qual será aplicado o tema da pesquisa, ou seja, o lugar em que se dará a intervenção. Um projeto de intervenção pode ser realizado em um espaço concentrado como, por exemplo, numa escola, num bairro, numa associação de moradores ou até mesmo em um espaço maior envolvendo uma cidade. Não esqueçamos, sobretudo, que a delimitação do campo de intervenção precisa estar articulada com o tema, com a problemática e com os objetivos do projeto de intervenção.

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no grupo dizem. É uma interação social mais autêntica [...] os sentidos ou representações que emergem são mais influenciados pela natureza social da interação do grupo em vez de se fundamentarem na perspectiva individual [...]

No entanto, além das entrevistas o pesquisador pode utilizar questionários, análise de documentos, observação participante e diário de campo. Mais uma vez é preciso lembrar que as estratégias para coletar os dados devem ser escolhidas a partir das questões assinaladas anteriormente (tema, problemática, hipóteses e objetivos do projeto de intervenção). Embora estejamos orientando cada etapa de um projeto de intervenção, queremos reforçar que os procedimentos apresentados neste texto não devem ser tomados como prescrição, como receita a ser seguida. O objetivo é fornecer algumas pistas/indicações no processo de elaboração e aplicação do projeto que terá como pano de fundo as discussões realizadas nas disciplinas, ao longo do curso, e que deverá privilegiar a participação ativa dos sujeitos envolvidos na pesquisa. É importante destacar que a participação dos sujeitos da EJA no projeto de intervenção tem por objetivo primeiro possibilitar um processo de mudança no contexto local. O que não significa somente solucionar um problema, mas também oportunizar situações de aprendizagens significativas para todos os sujeitos da EJA.

Tomando como referência as contribuições de Thiollent (2005) apresentamos nos tópicos abaixo, de maneira sintética, algumas características da pesquisa-ação: • Interação entre pesquisadores e demais pessoas envolvidas na situação; • Do processo de interação surge a problemá-

tica que será investigada bem como os encaminhamentos em forma de ação concreta;

• A pesquisa-ação tem por objetivo solucionar

ou esclarecer os problemas da situação investigada;

• Durante todo o processo de desenvolvimen-

to da pesquisa há um acompanhamento das decisões, das ações e dos encaminhamentos por parte de todos os sujeitos implicados na situação pesquisada; A pesquisa-ação extrapola a ideia de realizar uma simples ação (ativismo). Seu objetivo maior é ampliar o conhecimento dos pesquisadores e dos demais sujeitos envolvidos na pesquisa. •

No próximo quadro apresentaremos uma sistematização das ideias tratadas neste texto:

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• O objeto de pesquisa resulta dos problemas, das mais variadas situações, encontrados em um contexto social;

 

1

Fase Exploratória

2

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Tema da Pesquisa

3

Definição da Problemática

4

O Lugar da Teoria

5

Hipóteses

6

Seminários

• Analisar o contexto; • Indicar as demandas; • Identificar os sujeitos da EJA e da comunidade local interessados em participar da pesquisa; • Divulgar as propostas; • Corresponsabilizar os sujeitos da EJA e da comunidade na pesquisa.

• Indicar o problema prático que será pesquisado pelos sujeitos da EJA; • Definir os principais objetivos da pesquisa; • Visualizar em qual/quais disciplinas(s) do curso tal problema se insere. • Transformar o tema em uma problemática; • Os problemas precisam ser de origem prática, pois o objetivo é provocar alguma transformação no contexto investigado.

• Definir o campo teórico; • O campo teórico dará sustentação para analisar as situações e o contexto local, formular hipóteses ou diretrizes capazes de orientar a pesquisa.

• As hipóteses são formuladas sob forma de orientações que visam encaminhar a ação dos pesquisadores e sujeitos envolvidos; • Definir as estratégias e os recursos que serão utilizados na pesquisa.

• Os seminários são os espaços para: * Trabalho em grupo; • Discussões envolvendo os sujeitos da EJA na pesquisa; • Elaboração e reelaboração dos objetivos; • Definição e redefinição dos rumos da pesquisa; • Interpretação e análise dos dados; • Estudos e debates teóricos.

7

Campo de observação/ atuação

8

Coleta dos dados

• Definir o local de observação e da coleta dos dados no qual será realizado o projeto de intervenção.

• Decidir quais técnicas/estratégias serão utilizadas no projeto de intervenção; • Algumas sugestões de técnicas: entrevistas com grupos focais, entrevistas individuais, questionários, diários de campo e análise de documentos da EJA.

(conclusão)

Na sequência constam outros elementos que orientam tanto a organização do Projeto de Intervenção quanto a elaboração do artigo que você irá produzir no curso de Especialização em Educação de Jovens e Adultos e Educação na Diversidade. Elementos para organização do projeto de intervenção e elaboração do seu artigo no curso de especialização em educação de jovens e adultos e educação na diversidade: FASE I - Dados de identificação Nome do acadêmico Escola Cidade onde atua

FASE II - Levantamento inicial dos elementos da capa Instituição Título provisório Autor ou autores do Projeto de Intervenção Município e ano

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Quadro 2: Sistematização de encaminhamentos metodológicos em EJA e educação da diversidade

FASE III - Exploratória

  Análise do contexto (conforme quadro abaixo) Identificação da demanda

Cidade onde atua Corresponsabilização dos sujeitos implicados na pesquisa inicial do diagnóstico e do projeto de intervenção

FASE IV - Tema do Projeto de intervenção

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As atividades de aprofundamento teórico-prático devem iniciar com o estabelecimento de uma temática. O grupo precisa selecionar o tema que irá abordar. O tema deve estar articulado preferencialmente com a atuação profissional do acadêmico e/ ou com a realidade dos seus estudantes. Resumindo: É o tema que motiva você a realizar o projeto.

Introdução/Justificativa da escolha do tema da pesquisa-ação Consiste na apresentação de argumentos em defesa do tema e dos motivos teóricopráticos que motivaram a realização do estudo. Deve apresentar a relevância do problema e a fundamentação – baseada nas leituras dos textos teóricos das disciplinas do Curso que justificarão as razões que levaram à escolha do tema. Caracterizar a comunidade, os sujeitos, o contexto.

Objetivo Geral e Objetivos Específicos Os objetivos devem indicar o que se tem em vista com a atividade teórico-prática a ser realizada. Neste item deve-se dizer objetivamente o que se pretende atingir com o plano de ação (são exemplos de fins: maior participação dos estudantes nas atividades da escola; diminuição da evasão escolar; aumento de rendimento nas disciplinas XX das séries YY; implantação de avaliação institucional etc.) O objetivo geral possui uma dimensão ampla, com a característica de ser único (normalmente a ser atingido a médio ou longo prazo) e deve representar “o lugar aonde se quer chegar”. Os objetivos específicos atingem uma dimensão mais restrita, assumindo uma temporalidade mais imediata (curto prazo) e delimitam as ações complementares para o alcance do objetivo geral. Teremos tantos objetivos específicos quantas forem as ações a serem empreendidas para alcançar o objetivo geral. Resumindo: Objetivo Geral é o grande objetivo a ser alcançado. Objetivos Específicos: são pontuais. Referem-se ao processo a ser desenvolvido, a cada ponto a ser atingido e o que precisa ser feito para que o mesmo seja alcançado.

Situação-Problema identificada O Projeto de intervenção, ao tomar como fundamento metodológico inicial a pesquisa-ação, deve inserir dados sobre o levantamento da realidade, ou seja, o diagnóstico que nos leva a desenvolver uma intervenção na realidade. Assim, inicia-se com uma situação que gera questionamentos ou que nos inquieta, a qual denominamos “situação problema”. Ela origina-se da exposição da situação a ser discutida, problematizada e solucionada projeto de ação/intervenção – para nós, o PI.

A teoria que nos subsidia “analisar a prática”

Estratégias de ação Este item deve materializar (relação teoria-prática) os desdobramentos do trabalho de aprofundamento teórico-prático do grupo no que se refere às ações a serem implementadas na escola ou no local de desenvolvimento do projeto de intervenção. Para isso, o grupo especificará: (1) o alcance dessas ações; (2) os sujeitos envolvidos; (3) o local de aplicação e (4) demais informações pertinentes ao desenvolvimento das ações de execução do Projeto Intervenção. As estratégias devem ser escritas contemplando cada ação (citar uma a uma); o modo como serão realizadas e as pessoa(s) envolvida (s). Também se deve ter bem compreendida e bem aplicada no projeto a ideia de educação como direito social a ser suprido pelo Estado. Sobre isso, por exemplo, se algum PI diagnosticar alguma problemática que implica ações de ordem dos órgãos públicos (governos em suas respectivas esferas), buscar a fundamentação legal para a referida situação.

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Definida a temática, o grupo deve realizar a fundamentação teórica em questão, a fim de aprofundar e fundamentar o seu estudo. Para tanto, deve se apoiar de literatura relevante e atualizada com vistas a buscar compreender o que estudiosos dizem sobre o tema-problema. É neste momento que as leituras dos textos estudados ganham especial relevância. Quanto maior o aprofundamento das leituras do grupo, melhor será a fundamentação da questão-problema escolhida. É preciso saber que aqui o grupo demonstrará sua reflexão sobre o tema e como as leituras servirão para realizar a ação escolhida. As bibliografias (textos estudados para aprofundamento) do nosso curso podem e devem ser a base teórica para fundamentar o PI. Aqui cada grupo escolherá aquelas referências que dizem respeito ao tema da intervenção. Salientamos que as grandes questões norteadoras de nosso curso de EJA na Diversidade são os fundamentos essenciais para todo e qualquer trabalho a ser implantado na escola e/ou comunidade. Lembrem-se dos grandes objetivos do curso e do Projeto de Intervenção ao realizarem este trabalho.

Sujeitos envolvidos na ação

 

Indicar qual é o segmento diretamente implicado na intervenção. Por exemplo: Os alunos da turma XXX; A Câmara de Vereadores do Município YYY; ou ainda: O corpo docente da Escola...; Estudantes de EJA, que também são pais e responsáveis por alunos da turma XXX da Escola XXX etc.

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Cronograma (Datas de quando realizar as diferentes ações) No cronograma deve estar previsto o tempo necessário para execução de cada uma das ações do Projeto Intervenção, considerando todos os períodos e a duração adequada para o desenvolvimento das atividades planejadas. Deve-se estimar objetivamente o início e o término de cada atividade, considerando-se os períodos/tempo para o desenvolvimento de todas as etapas do Projeto. Importante considerar que ao longo do desenvolvimento do PI pode haver mudanças; entretanto, sem um cronograma prévio, corre-se o risco de não conseguir executar o projeto.

Foco do Projeto de Intervenção Aqui serão feitas observações sobre o desenvolvimento da ação. Aqui poderá optar por um destes três focos: 1) Intervenção junto às Práticas Sociais (quando o tema intervir junto aos segmentos da sociedade em geral, fora da esfera escolar. Ex: Um movimento junto à Secretaria de Educação, Câmara de vereadores, Conselho Municipal para a criação de turmas de EJA). 2) Intervenção junto às Práticas Escolares/Educativas (quando a intervenção se der junto a algum segmento que atua na esfera pedagógica de escolas, etc. Exemplo: quando o tema intervir junto à escola para a formação de grupos de estudo para a inclusão da EJA no PPP, para a reformulação curricular da EJA, dos princípios da avaliação). 3) Intervenção junto às Práticas da Aula/da ação educativa (quando o tema intervir junto a uma disciplina específica, a algum conteúdo, aos processos de ensino- aprendizagem e/ou a atuação do professor em suas aulas). Sugere-se que cada grupo defina rapidamente o tema e perceba em qual dos três focos o PI se inclui.

Referências Relacione aqui os autores/textos aproveitados ao longo da elaboração do trabalho. Lembrar de seguir as normas na ABNT quando fizer citações, referenciar algum conceito de autores lidos, etc. Lembre-se, sempre que usar texto de outro autor cite a fonte. Lembretes: 1) Neste momento o grupo deve seguir as normas da ABNT para as citações utilizadas no decorrer da fundamentação teórica, as quais devem ser

apresentadas de acordo com a normalização oficial, tomando o cuidado com a questão dos direitos autorais, conforme estamos trabalhando ao longo do curso. Aproveitem o material disponível no site na Biblioteca Universitária (BU) da UFSC: http://www.bu.ufsc.br/modules/conteudo/index.php?id=14 )

FASE V - Elaboração do Relatório do trabalho e/ou Artigo

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Sobre a organização do relatório e ou Artigo de intervenção do projeto: A relevância de um relatório e /ou artigo está na pertinência e importância dos problemas apresentados, assim como o nível de ampliação e aplicação de procedimentos ou de resultados da intervenção em outras situações similares, ou seja, serve como uma colaboração teórica e metodológica da área à qual pertence. A seguir, apresentamos alguns aspectos formais de um relatório que devemos ter em conta ao apresentar um relato de experiência à comunidade escolar e ou científica e aos nossos leitores. Capa Sumário Introdução/Justificativa Ao iniciarmos devemos ter em conta um marco teórico de referência. Este deve ser apresentado com clareza e em coerência com o assunto da experiência e/ou da intervenção. A pertinência da problemática que está na originalidade, importância da experiência/intervenção e dos objetivos desta será outro ponto importante na elaboração inicial deste tipo de relato. Devemos deixar em evidência a consideração, conhecimento e utilização de outros trabalhos de estudo e ou de intervenção sobre o mesmo tipo de problemática ou com objetivos similares; Além disso, temos de apresentar referências bibliográficas atuais e pertinentes à problemática (considere os estudos desenvolvidos no nosso curso). • Resumindo, vamos indicar qual a motivação inicial e principal para a escolha da proposta de ação? Qual a proposta de ação e sua importância? Quais os objetivos traçados inicialmente pelo grupo participante? Não deixando de indicar as justificativas e referências que fundamentam o trabalho. Metodologia Devemos apresentar uma descrição adequada do contexto institucional e espaço-temporal de onde se realizou a experiência. O procedimento proposto deve ser adequado à intervenção em função da problemática e dos objetivos almejados por esta. Será também importante a relevância e a adequação dos procedimentos utilizados na apresentação dos dados e das ações desenvolvidas. Juntamente com o anterior, ganha relevância a explicitação dos procedimentos de análises dos dados e das ações utilizadas e sua adequação ao projeto de intervenção. • Resumindo: Indicar onde, quem e quantos são os envolvidos direta e indiretamente nessa ação. Qual o período de realização da ação. Quais as

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ações previstas e suas etapas de desenvolvimento. Resultados, discussão e conclusões No decorrer desta seção serão apreciadas a clareza dos resultados e a síntese das conclusões mais relevantes; a interpretação que o autor faz dos resultados deverá ser adequada e coerente com o proposto inicialmente. Um dos pontos mais importantes diz respeito ao interesse e a relevância que têm as conclusões e os resultados para as práticas sociais e para a Educação de Jovens e Adultos, e de que maneira podem ser aplicados a outras situações similares. Em concordância com o item anterior, a existência ou não de comentários críticos por parte do autor das limitações da intervenção e a exposição de propostas alternativas enriquecerá a contribuição do relato de experiência ou de intervenção para a comunidade escolar e científica em geral. • Resumindo: Indicar como foi o processo de desenvolvimento / etapas da ação? • Quais os desdobramentos não previstos, mas constatados durante a ação? • Quais as aprendizagens observadas durante o processo de desenvolvimento da ação? Quais as lições aprendidas pelos diferentes sujeitos envolvidos? • Que impressões, sentimentos e emoções envolveram os fatos vividos durante as ações? • Quais as repercussões dessa ação na comunidade local e / ou outra, lembrando em qual dos eixos de atuação se insere o seu projeto – nas práticas sociais (especificando), nas práticas escolares, e ou da aula? Aspectos formais do relatório: Os aspectos formais que devemos ter em conta são: a) Organização e estrutura do trabalho; b) Redação e estilo; c) Apresentação dos resultados, tabelas, imagens, fotografias e gráficos; d) Correspondência entre as referências citadas no texto e as referências bibliográficas do final do relatório. Nosso Projeto de Intervenção será apresentado em sua versão final em forma de artigo científico, o qual pode ser entendido como: a) segundo a Associação Brasileira de Normas Técnicas - ABNT (2003, p.2), como sendo um “texto com autoria declarada, que apresenta e discute ideias, métodos, processos, técnicas e resultados nas diversas áreas do conhecimento”. b) Tafner, Tafner e Fischer (1999, p.18) afirmam que “esses artigos são publicados, em geral, em revistas, jornais ou outros periódicos especializados que possuam agilidade na divulgação”. Assim sendo, artigo científico permite aos produtores desse gênero textual formalizar a pesquisa, publicizar seu(s) trabalho(s) de modo a dialogar com seus pares acerca do que pesquisa. Ou seja, ao tratarmos do Artigo Científico (AC) como um gênero textual, as-

sumimos a concepção discursiva da linguagem de BAKHTIN (1992), na definição de entender o texto como pertencente ao grupo dos gêneros secundários, ou seja, aqueles gêneros encontrados/produzidos através de uma troca cultural mais complexa, mais elaborada, que exige do produtor respeitar uma estrutura já concebida pelo uso ao longo da produção histórica e cultural dos sujeitos de conhecimento.

FASE VI - Divulgação dos dados Apresentação escrita (artigo) e oral do trabalho.

Fonte: Este quadro foi organizado pelas professoras Maria Hermínia Lage Fernandes Laffin e Mara Cristina Fisher Rese

Referências ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 6022: informação e documentação: artigo em publicação periódica científica impressa: apresentação. Rio de Janeiro: ABNT, 2003. 5 p. BAKHTIN. M. M. Os gêneros do discurso. In: ____. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 1992. BRACHT, V. A prática pedagógica em educação física: a mudança a partir da pesquisa-ação. Revista Brasileira de Ciências do Esporte, Campinas, v. 23, n. 2, p. 9-29, jan, 2002.

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Referências: COSTA, Adriana; MARTINS, Silvia. Projeto de Intervenção. In: LAFFIN, M. HERMÍNIA L. F. (Org.) . Educação de Jovens e Adultos na Diversidade: Livro 1. Florianópolis: NUP, 2009. v. 100. p. 90-109. TAFNER, M.; TAFNER, J.; FISCHER, J. Metodologia do trabalho acadêmico. Curitiba:Juruá, 1999.

BRASIL. Ministério da Educação. Universidade Federal de   Santa Catarina. Proposta de Curso de Jovens, Adultos e Idosos na Diversidade. Florianópolis, 2008.

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COSTA, A.; MARTINS, S. Projeto de Intervenção. In: LAFFIN, M. H. L. F. (Org.). Educação de jovens e adultos na diversidade: livro 1. Florianópolis: NUP, 2009. p. 90109. ENGEL, G. I. Pesquisa-ação. Revista Educar, Curitiba: Ed. da UFPR, n. 16, p. 181-191, 2000. FERREIRA, A. B. de H. Miniaurélio: o minidicionário da língua portuguesa. 7. ed. Curitiba: Positivo, 2008. FRIGOTO, G. O enfoque da dialética materialista histórica na pesquisa educacional. In: FAZENDA, I. Metodologia da pesquisa educacional. São Paulo: Cortez, 1989. HERNÁNDEZ, F. Transgressão e mudança na educação: os projetos de trabalho. Porto Alegre: Artmed, 1998, NORONHA, O. M. Pesquisa participante: repondo questões teórico-metodológicas. In: FAZENDA, I. Metodologia da pesquisa educacional. São Paulo: Cortez, 1989. TAFNER, Malcon; TAFNER, José; FISCHER, Julianne. Metodologia do trabalho acadêmico. Curitiba: Juruá, 1999. THIOLLENT, M. Metodologia da pesquisa-ação. 14. ed.

São Paulo: Cortez, 2005. TRIPP, D. Pesquisa-ação: uma introdução metodológica. Educação e Pesquisa , São Paulo, v. 31, n. 3, p. 443466, set./dez. 2005.

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BAUER, M., W.; GASKELL, G. Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. 3. ed. Petrópolis: Vozes, 2002.

03.

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SUJEITOS DA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS, ESPAÇOS E MÚLTIPLOS SABERES

SUJEITOS DA EDUCAÇÃO DE JOVENS   E ADULTOS, ESPAÇOS E MÚLTIPLOS SABERES DÓris Regina Marroni Furini6

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Olga Celestina da Silva Durand7 Pollyana dos Santos8

6. Graduada em Psicologia (1992), Mestre em Educação pela Universidade Federal de Santa Catarina (1998) e Doutora em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2009),professora da rede de ensino, atua como docente em cursos de pós-graduação e de formação continuada, tendo como temáticas de referências os estudos referentes à juventude e aos seus processos de construção do conhecimento, o aprendizado e o desenvolvimento e a escolarização na EJA. 7. Graduada em Pedagogia pela Universidade Federal de Santa Catarina (1976), Mestrado em Educação Agrícola e Extensão Rural pela Universidade Federal de Santa Maria (1980) e doutorado em Educação pela Universidade de São Paulo (2000). Atualmente é professora voluntária da Universidade Federal de Santa Catarina. Tem experiência na área de Educação, com ênfase nas áreas de Educação e Juventude, atuando principalmente nos seguintes temas: Educação, Juventude, Educação de Jovens e Adultos, Escola, Escolarização e Formação Continuada. 8. Possui graduação em Pedagogia (2005) e Mestrado em Educação pela Universidade Federal do Espírito Santo (2008). Atualmente é aluna do curso de Doutorado em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação do Centro de Ciências da Educação da Universidade Federal de Santa Catarina. Tem experiência na área de Educação, tendo atuado como professora de Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Superior. Desenvolve estudos nos seguintes temas: juventude, medidas socioeducativas, políticas públicas de juventude, escola, educação em espaços prisionais. Participou de congressos e encontros científicos nos quais apresentou trabalhos sobre juventude, medidas socioeducativas de internação.

3. Apresentação

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Ao se pensar a organização de um texto de carater teórico metodológico que subsidie o debate de Educação de Jovens e Adultos e Educação na Diversidade no que tange às suas interfaces com a classe social, gênero, raça/etnia, e o mundo do trabalho, nos chama atenção as relações intergeracionais e suas especificidades, tanto no que se refere aos diversos espaços e tempos onde ela ocorre, quanto ao processo de construção dos múltiplos saberes dos sujeitos da Educação de Jovens e Adultos. Com base nesse entendimento é que nos propomos a discutir neste texto “Os sujeitos da EJA, espaços e seus múltiplos saberes”, abordando a temática sob a seguinte ótica: inicialmente a professora Olga Celestina Durand traz a reflexão sobre os sujeitos da EJA, destacando a questão das gerações e suas relações intergeracionais, bem como as características desses sujeitos, enquanto jovens e os seus processos de Juvenilização da EJA, e os adultos que dão lugar à experiência nesses processos educacionais. A seguir a professora Pollyana dos Santos discute a relação entre esses sujeitos e os diversos espaços e tempos da EJA, considerando-se os estudos sobre os espaços ou lugares praticados, ou seja, sobre os espaços construídos nas relações tecidas pelos sujeitos que os frequentam. Aportados nessa compreensão a professora Dóris Regina Marroni Furini adensa esta discussão ao trazer elementos acerca dos

processos de construção dos conhecimentos destes sujei  e seus múltiplos saberes com base na perspectiva da tos psicologia histórico cultural, apontando a Aprendizagem Dialógica como uma possibilidade de intervenção teórico metodológica.

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PARTE I

3.1 SUJEITOS DA EJA E SUAS RELAÇÕES INTERGERACIONAIS

[...] Sinceramente, pegar o certificado de conclusão do ensino fundamental, para Mim, é o menos importante, se comparado com tudo o que aconteceu depois que eu voltei a estudar na EJA [...] Para mim o contato com os jovens foi fundamental. O dia mais feliz para mim, foi o dia em que o Alexandre (26 anos) conversou comigo. Puxa vida, ele é jovem e me tratou como amiga dele. Tinham tantas pessoas mais novas do que eu, mas ele preferiu se abrir comigo. Eu sinto que eu rejuvenesci com eles. MARISA (55)

[...] No começo eu achava estranho entrar em uma sala com tiozinhos mais velhos até mesmo que meu pai. Depois, convivendo com eles eu percebi que eu estava viajando, levando tudo na brincadeira. Eu amadureci com eles, foi muito bom o contato com adultos. MARCEL (16) Estudantes Jovens do Rio Vermelho-Florianópolis

Os depoimentos acima citados de estudantes jovens do Rio Vermelho em Florianópolis, nos incitam a

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[...] Eu parei de estudar muito criança e sempre sonhei em voltar em estudar. No primeiro dia de aula eu senti muito medo. Afinal foram quase vinte anos fora da escola. Eu achava eu iria conseguir [...] Antes eu falava pouco, era tímida. Agora, se eu não sei, eu vou atrás e procuro saber, a gente independente da idades a gente se ajuda. Se eu chego em um consultório médico e eu pego uma revista, já me interesso por algum assunto importante, quero saber das coisas. A EJA foi a grande chance da minha vida. HELENA (27)

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diversas reflexões e nos remetem a distintas analises. No   entanto, se olharmos para seus autores, de antemão poderíamos dizer que são estudantes da Educação de Jovens e Adultos, homens e mulheres com diferentes idades e trajetórias de vida, que contam fatos, que revelam segmentos das suas constituições, ou seja, condições de classe, etnia, gênero e geração, contextualizados social, histórica, política e economicamente. Mais especificamente, trata-se de sujeitos Jovens e Adultos da EJA9, que produzem conhecimentos e saberes, em espaços e tempo diferenciados, com relações intergeracionais. Situação esta que, a priori, os diferencia dos outros níveis de ensino do sistema brasileiro de educação. (Diretrizes Operacionais de EJA, Resolução 315/junho de 2010, artigo 5º) As falas destes estudantes revelam certa preocupação e insegurança por não saber como o “outro”, parceiro de aprendizagem, lhe identificará enquanto estudante/ aprendiz desta modalidade de ensino. Falamos de sujeitos de gerações diferenciadas que convivem, em mesmo espaço, para construírem seus saberes e conhecimentos Estudos têm revelado, entre outras constatações, duas que particularmente chamam atenção como reveladoras das relações entre os Jovens e Adultos da EJA. A primeira é que estes sujeitos se constituem, segundo Pais (1996), na diversidade em espaço de relações intergeracionais, entre continuidade e descontinuidade, intera9. Por questão de concepções sobre o que entendemos sobre Jovens e Adultos, para este texto, quando falamos em Jovens, também estamos nos referenciando a Adolescentes. O mesmo ocorre quando falamos em Adultos estamos nos referenciando a idosos.

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ções e conflitos, trazendo para coabitação da sala de aula, trajetórias, e experiências diferenciadas e sabedorias acumuladas, tensionadas pelas suas culturas e diversidades. A segunda é que, embora esta relação seja um fator de reconhecimento destes sujeitos, é importante ressaltar que estes também primam pelas suas individualidades, preservação de sua autonomia e o desejo de participação social. No entanto, ambos buscam o seu direito de estudar, completar o ensino fundamental e perspectivar outros níveis de ensino, como substrato de novas e melhores oportunidades de trabalho e de vida. Estas constatações nos instigam à novos questionamentos sobre destes sujeitos jovens e adultos da EJA: Quem são estes estudantes da EJA que ao mesmo tempo são sociais e singulares? Quem são estes sujeitos constituídos na diversidade, que marcam uma geração e vivem sob a égide das relações intergeracionais? Quem são estes sujeitos que têm sua história, cultura, conhecimento e que, pelo seu modo de ser, exigem da sociedade o direito à igualdade e à participação social? Sobre esta ótica, e para melhor entendermos a que nos propomos nesta unidade é que inicialmente, falamos do que entendemos por sujeitos e suas subjetividades, destacando suas relações intergeracionais, para posteriormente discutirmos sobre algumas características destes sujeitos que frequentam a EJA. Referimo-nos aos Jovens que, enquanto estudantes, demarcam a sua Juvenilização nesta modalidade de ensino e aos adultos que, enquanto estudantes, oferecem à EJA, suas experiências acumuladas

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de trabalho e vida. Finalmente levantamos algumas ques  tões sobre a realidade destes sujeitos, para melhor entendermos suas trajetórias, projetos/expectativas, dinâmicas plurais de (con)vivências. Sob essa perspectiva, optamos por dialogar com alguns autores que já vêm se dedicando ao estudo dessa área do conhecimento, na intenção de adensar a reflexão sobre esta temática de forma mais qualificada.

3.1.1 SUJEITO JOVEM, SUJEITO ADULTO

Ao pensarmos sobre o Potencial Humano estamos diante do mundo da criatividade e da potencialidade que se qualifica e requalifica ao descobrir o novo e o inédito. Neste sentido é que os sujeitos da Educação de Jovens e Adultos se constroem no querer e no desejo da conquista de novos conhecimentos, indo de encontro, muitas vezes, a uma sociedade que subtrai e exclui estes estudantes da oportunidade da vivência da estética, da igualdade e da liberdade, que se traduz na perspectiva do mundo de trabalho, da vida social e da participação política. É com este intuito, que de uma forma ou de outra, os sujeitos jovens e adultos se aproximam da EJA em busca do seu direito fundamental, a escolarização. Este pensamento justifica como a relação entre estes jovens e adultos, sujeitos que transitam na EJA, com

diferentes idades e trajetórias de vida, é possível se desenvolverem e constituírem conhecimentos, habilidades, competência e valores que conduzem à realização de si e ao reconhecimento do outro como sujeito. Com este pressuposto é que buscamos (CHARLOT, 2001, p. 33), que nos diz:

Sob essa perspectiva poderemos entender que esse sujeito apresenta algumas características que lhe são inerentes. Melhor dizendo, o sujeito: a) age no e sobre o mundo; b) encontra a questão do saber como necessi-

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Ao se falar de sujeito tratamos de um ser Humano, aberto a um mundo, portador de desejos, movido por esses desejos, em relação com outros seres humanos (também sujeitos); um ser social que nasce e cresce em uma família (ou em um substituto de família), que ocupa uma posição em um espaço social, que está inscrito em relações sociais; e ainda um ser singular, exemplar único da espécie humana, que tem uma história, e que interpreta o mundo, dá um sentido a esse mundo, à posição que ocupa nele, às relações com os outros, à sua própria história e à sua singularidade.

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dade de aprender e como presença no mundo de objetos, de pessoas e de lugares portadores de saber; c) se produz ele mesmo, e é produzido, por outros; d) não admite que possa ser mais ou menos sujeito, nem que possa estar privado da sua capacidade de ser sujeito.

E ainda diz o autor, que quando se trata da ação desse sujeito, esse se aproxima e apropria-se do social, em seus tempos e espaço, sob uma forma específica, apresentando aí sua posição, seus interesses, as normas e os papeis que lhes são propostos ou impostos, que para conhecê-los estes exigem um conhecimento, um estudo, uma análise da sua realidade social (CHARLOT, 2004). Esta síntese das ideias de Charlot nos remete para os estudantes da EJA e a sua realidade, que mostra que, ao mesmo tempo que estes são sociais, buscam suas especificidades como forma de garantir sua autonomia e participação social.

3.1.2 GERAÇÃO E RELAÇÕES INTERGERACIONAIS

Segundo Weller (2010) o conceito de geração em Karl Mannheim, vem sendo retomado pela ótica das análises sociológicas, que apontam não somente para as

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diferenças de classe, mas também para as desigualdades de gênero, étnico-raciais, culturais e geracionais, destacando que não é somente a sucessão de uma geração não é meramente cronológico, mas também o fenômeno da “contemporaneidade” ou “simultaneidade”. Indivíduos que crescem como contemporâneos se experimentam não só nosanos de maior disposição à receptividade, mas também posteriormente, sofrem influências condutoras tanto da cultura intelectual que os impressiona, como da situação político-social. Com isso Mannheim (1993) chama a atenção para o fato de que diferentes grupos etários vivenciam tempos interiores diferentes, em um mesmo período cronológico, pois “ cada um vive com os pares da mesma idade e de idades distintas, em uma plenitude de possibilidades contemporâneas. Para cada um o mesmo tempo é um tempo distinto, quer dizer, uma época distinta de si mesmo, que é partilhada com seus coetâneos” (PINDER apud MANNHEIM, 1993, p. 517). Para Mannheim (apud WELLER, 2010), a noção de geração, em uma sociedade marcada pela mudança deve ser observada por cinco aspectos: a) a constante irrupção de novos portadores de cultura; b) a saída constante dos antigos portadores de cultura; c) a limitação temporal da participação de uma conexão geracional no processo histórico; d) a necessidade de transmissão constante dos bens culturais acumulados; e) o caráter contínuo das mudanças geracionais.

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A constante irrupção de novos portadores de cultura é  vista pelo autor como um fenômeno relevante para a vida social, pois são eles os responsáveis pela vitalidade e dinamicidade das sociedades. Embora a sucessão de gerações implique em perdas de bem culturais acumulados, Mannheim (1993, p. 532) chama a atenção para os aspectos práticos dessas mudanças: a entrada de novas pessoas obstrui os bens constantemente acumulados, mas também produz inconscientemente nova seleção e revisão no campo do que está disponível; ensina-nos a esquecer o que já não é útil e a desejar o que ainda não foi conquistado.

Estes aspectos sobre Teoria de Mannheim nos remetem de certa forma, para a EJA quando a vimos sob a ótica dos processos dinâmicos e interativos. Entendemos que é com esta dinâmica que acontecem as relações na Educação de Jovens e Adultos, pois a presença dos jovens, junto aos adultos e vice versa, faz com que, constantemente, mude a rotina dos processos de escolarização. A saída dos antigos portadores de cultura também é positiva na medida em que suscita a memória ou a recordação social, tão importante quanto o esquecimento daquilo que deixou de ser significativo ou necessário. Em relação à memória, Mannheim (1993) destaca duas modalidades através das quais as vivências pas-

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sadas se fazem presentes. Por um lado, como modelos conscientes, orientadores das ações e condutas dos indivíduos em sociedade; por outro, de forma inconscientemente comprimida, intensiva e virtual. Essa segunda modalidade de memória das vivências passadas remete a um aspecto importante da concepção sobre gerações de Mannheim, no qual o autor ressalta o conhecimento implícito acumulado, elaborando assim uma definição não biológica da velhice e das diferenças entre as velhas e novas gerações: Quando se trata de reconstituição de memórias, a presença dos adultos na EJA faz com que, junto aos jovens, o passado se torne presente e o presente perspective o futuro, aguçando desta forma a troca de experiências na certeza de que situações e novos saberes precisam ser processados (MANNHEIM, 1993). O terceiro aspecto relativo à limitação temporal da participação de uma conexão geracional no processo histórico analisa as características geradoras da posição geracional daqueles nascidos em um mesmo tempo cronológico. De acordo com Mannheim (1993), não basta haver nascido em uma mesma época, ser jovem, adulto ou velho nesse período. O que caracteriza uma posição comum daqueles nascidos em um mesmo tempo cronológico é a potencialidade ou possibilidade de presenciar os mesmos acontecimentos, de vivenciar experiências semelhantes, mas, sobretudo, de processar esses acontecimentos ou experiências de forma semelhante. A relação entre jovens e adultos na EJA tem

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mostrado que ao mesmo tempo em que esta identidade   geracional é feita entre grupos de jovens e adultos, esta também transcende as fronteiras dos tempos e das faixas etárias. Ao discutir a necessidade de transmissão constante dos bens culturais acumulados, Mannheim (1993) destaca o papel e o desafio das gerações mais velhas em relação às mais novas, assim como das instituições de ensino. Em outras palavras, as dificuldades existentes entre jovens e adultos, professores e estudantes estão relacionadas às orientações ou visões de mundo distintas de cada geração, como se “os sedimentos mais profundos não pudessem ser desestabilizados”. A superação dessa tensão implica em uma interação e troca de papeis. Sob esta ótica podemos pensar na interação necessária entre aqueles que ensinam e os que aprendem. No caso dos sujeitos jovens e adultos o caráter contínuo das mudanças geracionais é dado pelo conhecimento implícito acumulado e transmitido de geração para geração com suas devidas releituras e reinterpretações; por outro, aponta para a necessidade de compreensão do problema das gerações como um processo dinâmico. Um outro autor que pode colaborar com esta discussão é Pais (1996, p. 40) quando aborda o entendimento sobre juventude e toma como ponto de partida a corrente geracional. O autor vislumbra a juventude como uma fase de vida, e consequentemente, um aspecto unitário. Dentro desta corrente, a discussão principal se en-

contra na questão da continuidade/descontinuidade dos valores intergeracionais. Pais (1996, p. 40), afirma que:

Sobre o relacionamento entre jovens e adultos apresentam-se duas referências que se enquadram na corrente teórica geracional: o relacionamento do tipo aproblemático e do tipo problemático. O primeiro vai caracterizar uma relação não conflituosa, de modo que seja realizável uma convivência de harmonia entre duas gerações: jovens e adultos. Entretanto, o tipo problemático vai ressaltar o caráter ameaçador que os jovens podem representar para os adultos. Estes se mostram irritados quando se deparam com uma cultura juvenil (muitas vezes apresentada como contracultura), que vem de encontro à cultura adulta. Assim podemos dizer, conforme a corrente gera-

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fala-se de rupturas, conflitos ou crises intergeracionais quando as descontinuidades entre as gerações se traduzem numa clara tensão ou confrontação. Por se encontrarem num estado de disponibilidade, de aprendizagem da vida social e de algumas permeabilidades ideológicas, os jovens viveriam esses processos de uma maneira muito própria, formando-se entre eles uma consciência geracional.

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cional, questões referentes à juventude são polarizadas e   partem de duas posições diferentes. A primeira vai privilegiar sinais de continuidade no qual a geração jovem vivência, interioriza e adquire valores, crenças e normas da geração adulta, garantindo um fluxo contínuo das gerações. Por outro lado, a descontinuidade gera um fracionamento entre as culturas no que diz respeito à transmissão de comportamentos e atitudes da geração adulta para a nova geração. Para compreendermos melhor a condição da relação destes sujeitos,a seguir faremos a análise de aspectos referentes aos sujeitos jovens e adultos, suas características e especificidades.

3.1.3 SUJEITOS JOVENS EM DISCUSSÃO

Começamos esta discussão imprimindo a necessidade de foco sobre os sujeitos jovens que frequentam a EJA, denominado juvenilização da EJA, devido à significativa presença de grupos etários entre 15 a 29, sobre os quais a estatística aponta para percentual de 66% dos educandos da Educação de Jovens e Adultos são Jovens. (INEP, 2006). Histórica e socialmente a juventude vem sendo unanimemente compreendida como uma fase de vida que é construída social e culturalmente e, portanto, modifica-

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-se conforme o contexto histórico, social, econômico e cultural. Dada a sua condição plural e diversificada, não se trata de termos uma juventude, mas juventudes. Abad (2003 a) auxilia a nossa reflexão quando nos traz duas categorias importantes, que de certa forma localizam a Juventude. A primeira trata da condição Juvenil que é expressa conforme cada sociedade, cada grupo social lida e representa seus jovens – o sujeito em determinado período da vida e as transformações psicofísicas e sociais daí advindas. A segunda, a situação Juvenil que traduz os diferentes percursos que esses jovens experimentam a partir dos mais diferentes recortes: de classe, de gênero, de etnia, além das questões regionais, locais e dos grupos culturais os quais estão inseridos. Grupos que fazem parte das suas vivências e que oportunizam ou dificultam a sua constituição e construção do ser jovem. A localização desses sujeitos permite a construção de diversas concepções sobre juventude, que embora se verifique em seu enunciado certa instabilidade, pois ora conferem atributos positivos aos jovens como, por exemplo, a responsabilidade pelas mudanças sociais e ora destacam aspectos negativos ou “problemas sociais” porque estão envolvidos em problemas de inserção profissional, em problemas de drogas, em problemas de violência, em problemas de delinquência, em problemas com a escola, em problemas com os pais, em problemas de gravidez precoce, dentre tantos outros reconhecidos socialmente como sendo juvenis (PAIS, 1996; SPOSITO, 1994, 2003).

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Ao continuarmos a nossa reflexão sobre os jovens,   outra característica que lhe é marcante no seu processo de socialização é que eles vivem em tempos e espaços simultâneos, em um movimento de ruptura e de continuidade, do afastar e do aproximar dos circuitos dos adultos, que ora são representados pelo familiar, ora pelos professores, entre outros. Estudos mostram que esse movimento, do afastar-se dos adultos, dos processos heterônomos, faz parte da constituição da sua autonomia. Os jovens mergulham em um processo de despadronização de valores, de forma de pensar, agir sentir e principalmente, a forma de comunicação. Esse é um período marcado diferentemente, conforme Margulis e Urresti (1996), pelas Moratórias. Esse autor trabalha sob a ótica da Sociologia a noção de moratória social que, no seu entender, essa categoria explica com muita propriedade questões sociais de juventude das classes médias e da elite. Estudos sociológicos têm mostrado que a juventude depende de dinheiro e de tempo – de uma moratória social – para viver um período mais ou menos longo com relativa despreocupação e isenção de responsabilidades. Esse tempo legítimo proporcionado pela família é aquele dedicado a estudar e a se capacitar e durante o qual a sociedade os brinda com uma especial tolerância. É um período de permissividade e legitimidade. Mas quando o desemprego e a crise proporcionam, muitas vezes, o tempo livre aos jovens das classes populares, essas circunstâncias

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não levam à moratória social. Esse tempo livre se constitui em frustração, infelicidade, impotência, culpabilização, sofrimento e mais pobreza. Na verdade então, neste caso o tempo livre exclui, podendo conduzir esses jovens à criminalidade (MARGULIS; URRESTI, 1996). Esse autor aborda também a moratória vital, que considera uma espécie de complemento do conceito de moratória social. A moratória vital é o crédito temporal, um algo a mais e que tem vinculações com o aspecto energético do corpo. Essa moratória se identifica com a sensação de imortalidade tão própria dos jovens. Essa sensação e essa forma de se situar no mundo se associam com a falta de temeridade de alguns atos gratuitos, com condutas autodestrutivas que colocam em risco a saúde que eles julgam inesgotável, com a audácia e o lançar-se em desafios e com a exposição a acidentes, a excessos e a superdoses. A esse respeito corre a mitologia da cultura juvenil de valorizar o morrer jovem, ou seja, morrer jovem para não envelhecer, para permanecer sempre jovem e, portanto, ser imortal. Essa moratória é comum a todos os jovens de todas as classes sociais. Para continuar nossos estudos trazemos outros autores que destacam outras características que constituem esses sujeitos jovens. Novaes (2008) em seu texto Trajetórias Juvenis: Desigualdades Sociais frente aos dilemas de uma geração,frisa que existem muitas maneiras de ser jovem – plural – diversificados – diferentes e que exigem igualdade social,

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que procuram sua identidade individual e coletiva por   meio de um processo de interação e conflito; e ainda que os jovens são sujeitos, que na sua maioria pertencem a grupos culturais juvenis. No que se refere a pertencimento dos jovens a grupos juvenis, grupo de pares, grupos culturais, grupo de fruição, Dayrell (2003), A constituição do Sujeito Jovem nos remete para o entendimento da necessidade que os jovens demonstram, nos seus processos de se constituírem adultos, a participarem de grupos juvenis, onde estes, encontram-se com seus pares para falarem a mesma linguagem e constituírem suas identidades e demarcarem o direito do exercício de sua juventude. Entendemos que as características aqui arroladas exigem nossa atenção à diversidade que constituem os sujeitos da EJA dos quais estamos falando. De acordo com Abad (2003, 2003a), a condição juvenil, hoje, se faz reconhecida e validada, entre outros, por três fatores: a) O primeiro fator seria o fenômeno de alargamento do período da juventude. Primeiro porque a infância tem diminuído, pressionada pela adolescência que desponta muito mais cedo e depois porque a juventude se prolonga até depois dos 30 anos, o que significa que quase um terço da vida, e um terço da população tem rótulo,

impreciso e convencional como todos, mas simbolicamente muito poderoso (ABAD, 2003a, p. 24).

c) O terceiro fator trata do processo que Abad (2003a, 2003b) denomina de desinstitucionalização da condição juvenil, que acaba por lhe conferir uma ausência de responsabilidades de terceiros, de uma forte autonomia individual, de uma avidez por experiências vitais, de precoces exercícios da sexualidade, de maturidade mental e física e de emancipação nos aspectos afetivos e emocionais. Ao mesmo tempo esse processo atrasa a autonomia econômica (ABAD, 2003a, 2003b). A desinstitucionalização pode estar associada ao enfraquecimento do processo de socialização em instituições como a escola, a família e até o próprio Estado.

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b) Como segundo fator temos que a sociedade atual tem encontrado dificuldades para proporcionar um trânsito linear, simétrico e ordenado da juventude pelo circuito família, escola, trabalho/emprego no mundo adulto. Essas dificuldades provocam a relativização da cultura do emprego e do salário que culmina na transformação, na prática, em novos itinerários de transição caracterizados por trajetórias muito mais prolongadas, indeterminadas e descontínuas tanto para os jovens como para os adultos.

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Segundo Abad (2003a, 2003b), se a entrada na   vida adulta era ansiosamente esperada por gerações anteriores de jovens, hoje, cada dia mais, não somente se prolonga a condição juvenil no tempo, como não se verifica nenhuma pressa ou desejo de assumir a condição adulta. A vida adulta significa dependências, obrigações, amarrações, enquanto a condição juvenil possibilita vivenciar diversificadas experiências socializantes. Atualmente ser jovem tornou-se prestigioso, tanto que está ocorrendo um processo de Juvenilização da cultura. Entretanto, as gerações anteriores experimentavam a juventude como uma etapa de espera pelas coisas boas da vida tanto no plano econômico como no político ou no sexual. 3.1.4 SUJEITOS ADULTOS EM DISCUSSÃO

A condição do sujeito adulto está marcada pela sua história, cultura, sua constituição familiar e inserção ou não ao mundo do trabalho. Condições essas que, de certa forma, também se traduzem, assim como no jovem, na sua realidade e localiza as suas diferentes situações de classe, etnia/raça, gênero, nível de escolaridade. Os adultos têm suas trajetórias marcadas pelos pertencimentos às famílias, as quais são constituídas por diferentes múltiplos arranjos sociais. É comum que esses adultos procurem grupos culturais, religiosos e de lazer, grupos esses que vão ao encontro de seus interesses e ex-

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pectativas de realização pessoal e de constituição de sua sociabilidade. A existência desses adultos que não frequentaram ou pouco frequentaram escolas, no tempo e idade regulares, ou melhor, dizendo, quando criança e jovem, os colocam em situação que os dificulta ao acesso ao mundo letrado mas que, de certa forma, tem muito a dizer de suas experiências e sabedorias, elementos constituintes de suas vidas. Laffin (2006) corrobora o nosso pensamento quando se refere aos adultos dizendo que estes são homens e mulheres, na sua maioria oriundos dos segmentos populares, que trazem uma história de vivências de desigualdades sociais perante o mundo e a escola. Sujeitos adultos que precisam ser compreendidos como sujeitos socioculturais constituídos por percursos próprios de inserção no mundo. Nesse sentido é que a autora dialoga com Palacios (1995, p. 312), que aponta para o fato de que a idade adulta tem sido tradicionalmente encarada como um período de estabilidade e ausência de mudanças e não como fase substantiva do desenvolvimento humano. Os pesquisadores alertam para o fato de que é preciso considerar a importância dos elementos socioculturais na constituição das características da idade adulta. Ou seja, as experiências e circunstâncias culturais, históricas e sociais contribuem para promover constantemente situações de aprendizagem e do desenvolvimento psicológico. Com esse entendimento é que salientamos outra característica marcante nos sujeitos adultos que frequen-

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tam a EJA. Trata-se da relação ambígua que ocorre entre o  interesse e o desejo de sucesso com a insegurança e o medo de se deparar com os limites, que constituem o mito que apresenta a escolarização. Santos (2003), em seu texto: Quando os adultos voltam à escola: o delicado equilíbrio para obter o êxito na tentativa de elevação de escolaridade revela que, antes que os adultos retornem aos bancos escolares eles são cercados de constrangimentos sociais diversos e inúmeras barreiras se ergueram em diversas esferas de suas vidas, indicando-lhes a importância da credencial escolarização. E a autora ainda diz: no que se refere à luta que esses adultos empreendem para retomar a trajetória de escolarização, outrora interrompida, inúmera foram os obstáculos que tiveram de ser superados para que eles obtivessem a credencial de serem estudantes. As considerações acima indicam que, para pensarmos sobre o sujeito adulto que frequenta a EJA precisamos nos reportar a algumas características que lhes situam: a heterogeneidade desse público, seus interesses, suas identidades, suas preocupações, necessidades, expectativas em relação à escola, suas habilidades enfim, suas vivências tornam-se de suma importância para a construção de uma proposta educativa, que considere suas especificidades, suas diversidades. É fundamental perceber quem é esse sujeito com o qual lidamos para que os conteúdos a serem trabalhados façam sentido, tenham significado, sejam elementos concretos na sua formação, instrumentalizando-o para uma intervenção significativa na sua realidade.

PARTE II

3.2 SUJEITOS DA EJA E OS ESPAÇOS DE APRENDIZAGEM

A minha casa está onde está o meu coração Ele muda, minha casa não No campo, em minas, terras gerais ou qualquer lugar

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Com base nestes estudos é possível perceber que, os sujeitos jovens, enquanto estudantes que demarcam a Juvenilização da EJA e os sujeitos adultos, enquanto estudantes, que marcam presenças na EJA, pelas suas experiências acumuladas e trabalho e de vida, para a real construção da relação destes sujeitos e a constituição dos seus direitos a educação, faz-se necessário que novos e aguçados olhares sejam feitos, no que tange a organização política pedagógica desta modalidade de ensino. Para continuarmos esta nossa discussão, faz-se necessário ressaltar, conforme anunciamos na introdução, que a complexidade da constituição destes sujeitos é diferenciada segundo o espaço e tempo em que vivem e se constituem para construir seus saberes, conhecimentos. São os espaços que se identificam as “escolhas” ou “possíveis escolhas” destes sujeitos.

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Onde estou, a minha casa está Meu endereço é o sítio estrelado de norte a sul Ele muda a cada estação Na boca do sertão, na varanda do seu olhar Onde estou, a minha casa está A minha carne é feita de tudo que vai e vem Tempo, nuvem, aflição também Encontro e perda ao mesmo tempo, eu não vou parar Onde estou, a minha casa está Porque que eu sou apenas movimento Sou do mundo, sou do vento Nômade Porque quando paro sou ninguém Não declaro onde ou quem Nômade Porque quando passo sou alguém Sou do espaço, sou do bem Nômade (Rosa, Amaral)

A letra da música de Samuel Rosa e Chico Amaral nos propõe diversas reflexões. Destacaremos uma delas para inspirar as análises a serem realizadas a seguir: a relação do sujeito com o espaço. O que “espaço” significa? Um local? Um lugar fixo no qual se dispõem coisas e pessoas? O que significa fazer parte ou estar em um espaço? As relações tecidas entre os sujeitos num dado espaço o modificam? Sujeitos de diversos grupos geracionais se relacionam da mesma forma com um espaço comum a diferentes gerações? Posso ainda pertencer a este espaço

10. Por espaço ou lugar praticado compreende-se o lugar praticado proposto por Certeau (1998). Ou seja, o espaço praticado representa o lugar (dimensão fixa, física que dispõe coisas e pessoas) recriado pelas relações tecidas pelos sujeitos com aquele lugar. É o lugar dotado de sentido e de significado por aqueles que o frequentam. Uma sala de aula pode ser apenas um ambiente físico composto por cadeiras, quadro, mesas, arquitetado com uma finalidade: ser o lugar onde aulas são ministradas. No entanto, esse lugar praticado pelos estudantes pode se desdobrar em vários outros: o lugar da turma do fundão, da turma da frente... Pode ainda, ser um espaço que se configure em ponto de encontro com os amigos. Ou seja, esse lugar praticado pelos seus sujeitos passa a ser dotado de diferentes sentidos que se relacionam, por sua vez, com as expectativas trazidas por cada um para aquele lugar.

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sem ao menos estar presente nele? Ou ainda, sem a necessidade de que ele exista fisicamente? Esses questionamentos estarão presentes para desenvolvermos o estudo sobre os espaços de aprendizagem em que se encontram os sujeitos da Educação de Jovens e Adultos. O foco de análise se volta para o entendimento dos espaços ou lugares praticados10 na EJA. Uma vez que a intenção é compreendê-los, faz-se imprescindível refletir sobre como os sujeitos da Educação de Jovens e Adultos se relacionam e aprendem nos diferentes espaços em que ela acontece. Para tal, alguns conceitos podem auxiliar a realização dessa análise: espaço e lugar; espaço e tempo; produção de subjetividades e redes de sociabilidade. Para tal, esse texto se desenvolve em dois momentos: a) o primeiro trata das reflexões trazidas por pesquisadores que estudam os conceitos de espaço e de lugar; b) o segundo busca compreender como os sujeitos estabelecem suas relações com e nos diferentes espaços em que a Educação de Jovens e Adultos se desenvolve.

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3.2.1 APROXIMAÇÕES À DEFINIÇÃO DE ESPAÇO   Michel De Certeau (1998) elabora interessante análise sobre a distinção existente entre espaço e lugar. Para o autor, o lugar representa a ordem, o estável, a configuração de posição dada aos elementos nas relações de coexistência. O lugar instaura o domínio do próprio, “[…] os elementos considerados se encontram uns ao lado dos outros, cada um situado num lugar ‘próprio’ e distinto que define.”. (CERTEAU, 1998, p. 201). O espaço, por sua vez, representa o encontro e a circulação de móveis. Ou seja, é o movimento inscrito pelas pessoas dentro da ordem colocada pelo lugar. É o que desorganiza os lugares próprios de cada coisa ou ainda, a apropriação que as pessoas fazem do lugar, modificando-o segundo seus modos de interação. As formas de interagir o lugar, de preenchê-lo, são diferenciadas conforme os contextos culturais, históricos e sociais. O espaço seria, então, o “lugar praticado”. Como melhor elucidaria o autor: Em suma, o espaço é um lugar praticado. Assim a rua geometricamente definida por um urbanismo é transformada em espaço pelos pedestres. Do mesmo modo, a leitura é o espaço produzido pela prática do lugar constituído por um sistema de signos – um escrito (CERTEAU, 1998, p. 202).

Formas de percepção do espaço são, pois, relativas, correspondendo a modos diferenciais de sua apropriação. É a prática social de seus habitantes que confere ao espaço urbano sentido e significação. Na urdidura física do espaço da cidade – aparentemente um dado, na fixidez de seus acidentes, matéria de geografia – na verdade se entrelaça outra trama, tecida com os mais variados laços sociais – relações de parentesco e vizinhança, práticas comuns de trabalho, vínculos religiosos, lealdades políticas, hábitos compartilhados de lazer – para compor

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A distinção realizada por Certeau remete de um lado, aos objetos que demarcam a existência do lugar e, por outro lado, às ações dos sujeitos históricos que parecem sempre conferir uma história aos objetos estáveis, criando diferentes espaços. Outros autores não realizam esta distinção, porém, assumem em seus estudos o entendimento de que o espaço não é algo estático, dado no qual se inserem os sujeitos. Ao contrário, o espaço apresenta a flexibilidade das relações humanas que o dotam de sentido. Magnani e Torres (1996) referindo-se aos estudos realizados por Montes (1996) sobre os espaços urbanos, retoma o conceito de espaço desenvolvido pelos autores:

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as extensas redes de sociabilidade que constituem, propriamente a vida social (MONTE, 1996, p. 305).

As redes de sociabilidade tecidas nos espaços os diferenciam, criam sentidos e finalidades. Algumas mais estáveis que outras; algumas mais dependentes da materialidade física do espaço para justificar sua existência que as demais. Paulo César Rodrigues Carrano (2003) considera que essas redes de sociabilidades são também relações educadoras; relações de aprendizagens. Partindo desse pressuposto, o autor analisa os espaços urbanos como possibilidades de tessituras de experiências educadoras. Ele retoma então, de maneira mais generalizada, o conceito de espaço social praticado para análise dos usos dos espaços urbanos. Tal análise pode contribuir para pensar os espaços ou lugares praticados pelos sujeitos nos espaços em que se realizam a EJA. Carrano (2003) compartilha do entendimento de que o espaço não é um dado, mas uma construção social. Constitui-se nas relações tecidas entre os sujeitos e, portanto, também se estabelece pelas e nas representações que eles próprios elaboram sobre os espaços. Isso significa que, para compreender os sentidos produzidos e as formas de apropriação dos espaços pelos sujeitos, faz-se necessário retomar o caráter histórico e cultural de formação dos sujeitos e das relações tecidas entre eles no espaço social. Carrano (2003) retoma uma discussão importan-

te para nossas reflexões neste curso, que trata do fazer-se sujeito nas relações humanas. Para o autor,

Assim como o indivíduo se constitui nas relações e interações sociais, as subjetividades também são construídas dados os contextos histórico, sociais, culturais em que os sujeitos interagem socialmente. E são esses elementos que interagem na constituição e significação dos espaços. Alberto Melucci (2004) nos traz outro dado para compreender o espaço. Para o autor um elemento importante que se alia à representação que fazemos do espaço, seria o tempo. Melucci analisa que a experiência que temos hoje com o tempo é algo fragmentado. Existem dife-

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Os seres humanos não apenas vivem, eles convivem e isso faz com que não existam vidas isoladas. Não há existência, mas coexistência. A vida social é, assim, um dado ontológico. A própria ideia de indivíduo não é construída individualmente, uma vez que sempre está associada a categorias coletivas, tais como espécie, sociedade e grupo. Apesar da existência de coisas individualizadas, o indivíduo não existe no mundo, se considerarmos que indivíduo, na acepção da palavra, é aquilo que não pode ser dividido (CARRANO, 2003, p. 29).

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rentes tempos que interagem no nosso cotidiano: o tempo   social, no qual os eventos “ordenadamente” acontecem – aquele que aliado à marcação de tempo do relógio define a rotina, os períodos de trabalho, de estudo, de dia e noite; e ainda a existência de um tempo interno, o tempo como cada pessoa vivencia sua experiência no mundo, na vida em sociedade – aquele tempo relacionado às emoções, sonhos, projetos, sensações, afetos. Nesse entender, se o tempo exterior, o tempo social é aquele “mensurado” pelas regras sociais, pela forma como se organiza e se estrutura as sociedades, conclui-se que é uma representação também construída. Assim, esse tempo que rege nossa rotina é um tempo social e culturalmente construído. Melucci (2004) atenta ao fato de que nas sociedades do passado esse tempo que de certo modo organizava a vida das pessoas, das produções, era mais homogêneo e as mudanças menos abruptas. Entretanto, nos dias de hoje, como habitualmente se diz, a as transformações acontecem em ritmos mais acelerados com introdução de novas tecnologias, principalmente de comunicação e informação, que introduzem multiplicidades de tempos, “as quais nos permitem migrar instantaneamente do passado para o futuro e nos deslocam continuamente sobre ritmos temporais distintos”. (MELUCCI, 2004, p. 27). Essas mudanças também incidem na forma como os tempos internos se relacionam com os tempos externos. Sendo assim: como nos sentimos e nos posicionamos diante das mudanças do tempo social? Eis algumas indica-

[…] O espaço físico, ao qual tradicionalmente fazemos referência, é uma realidade mensurável, e sua percepção constrói-se em relação a dimensões conhecidas, acumulando experiências e comparações. Hoje em dia, esse modo de definir o espaço é questionado por fenômenos que causam uma perda de nossas referências espaciais habituais. Encontramo-nos na situação paradoxal em que uma dilatação sem limites do

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ções do autor: ou nos atemos excessivamente ao presente com receio de que ele nos escape e perdemos a dimensão de projeção e análise do passado; ou ainda vivemos com os resquícios do que se constituiu como presente (e, no momento, é passado) e na constante projeção do que virá e perdemos a dimensão do “agora”. No entanto, a própria cultura nos possibilita outras formas de fruição do tempo interno e amortiza a tensão existente entre ele e o tempo social. Ela oferece por meio da arte, do jogo, do mito e da sagração, possibilidades de “expressão simbólica do tempo interior” (MELUCCI, 2004). Esses reordenamentos realizados por um tempo multidimensional e a forma como nos relacionamos com ele implica alterações profundas na representação que se tem do espaço, que também, como vimos, é construído nas relações sociais. Como afirma o autor:

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espaço ocorre simultaneamente à sua restrição, também de aparência limitada. Em ambos os casos desaparece toda a relação com as dimensões físicas dos objetos (MELUCCI, 2004, p. 29).

O autor nos provoca, então, a perceber como novos espaços são criados e vividos para além da espacialidade física e como suas dimensões são reconfiguradas: grande e pequeno, perto e longe. Melucci fala então da existência de um espaço vivenciado pelo “registro simbólico”. Como exemplo, tem-se hoje os espaços virtuais que são criados sob novas formas de relacionamento interpessoal. Constituem-se em outras dimensões de produção de subjetividades e implicam mudanças de comportamento e de interação social. Essa experiência com um espaço multidimensional é vivenciada por tensões mais tênues ou mais intensas pelos diferentes grupos etários. Com base na compreensão de que o espaço não é um dado, mas uma construção e que ele toma outros sentidos e significações a partir das relações estabelecidas pelos sujeitos que dele fazem parte; considerando ainda, que outros elementos (também social e culturalmente construídos, como por exemplo, o tempo) interferem e interagem na constituição dos espaços, questiona-se: como se dá a construção do espaço escolar pelos sujeitos? Maria Isabel da Cunha (2008) aponta interessante reflexão acerca dos conceitos de espaço e de lugar ins-

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titucionalizados. A autora apresenta definições inversas às de Certeau para esses dois termos. Porém, a lógica estabelecida na relação entre espaço e lugar se mantém. Ou seja, lugar, segundo Certeau, e espaço, segundo Cunha, representam o ordenamento das coisas e pessoas. Enquanto que espaço, para Certeau, e lugar, para Cunha, exprimem aqueles outros dois resignificados pelas relações tecidas entre os sujeitos, ou ainda, pelo preenchimento a partir dos significados de quem os ocupa. A autora chama atenção para o fato de que, o espaço implica em sua concepção uma finalidade. O espaço implicaria um potencial. No caso da pesquisa realizada pela autora, o espaço de formação de professores (universidade) seria a possibilidade de existência de um programa de formação de professores. No entanto, por ser um potencial, o espaço em si não é a garantia de execução da ideia proposta e pensada inicialmente. Ou seja, o fato de existir o espaço com a missão institucional definida não significa que essa missão seja ali concretizada pelos agentes que fazem parte desse espaço. Eis, então, que a autora recorre à Detoni (2007) para argumentar o fato apresentado: afirma Detoni que “o homem sempre percebeu que espaços deveriam ser criados, antes que por necessidades físicas, pela afinidade com a tarefa a ser neles cumprida” (CUNHA, 2008, p. 184). Esse elemento nos propõe a reflexão sobre quais funções, missões ou potencialidades são impressas aos diferentes espaços em que se desenvolve a EJA. Seriam es-

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ses a possibilidade e garantia de aprendizagem? Todos os   agentes que dele participam buscam o mesmo objetivo? A partir de o momento em que as pessoas atribuem sentidos e significações ao espaço físico ocupado e com ele estabelecem relações subjetivas, culturais, sociais, políticas, institui-se o que a autora denomina de lugar. O lugar “representaria a ocupação do espaço pelas pessoas que lhe atribuem significado e legitimam sua condição”(CUNHA, 2008, p. 184). Ainda segundo a autora, O lugar, então, é o espaço preenchido, não desordenadamente, mas a partir dos significados de quem o ocupa. […] Os lugares são preenchidos por subjetividades. É nesse sentido que os espaços vão se constituindo lentamente como lugares ‘passando a ser dotados de valores e inserindo-se na geografia social de um grupo, que passa a percebê-los como sua base, sua expressão [...]’ (Lopes, 2007, p. 77). Quando nossa subjetividade atribui sentido aos lugares, eles se tornam parte de nós mesmos. Eles constroem nossa história e neles deixamos parte de nós (CUNHA, 2008, p. 185).



O espaço preenchido e transformado em lugar

[…] se refaz a cada dia, as relações se modificam a cada momento, elas se entrelaçam e constroem sentidos diferentes e, dessa forma, podem criar algo novo, um outro tecido ou outra rede. ‘A rede do espaço é uma série de redes interdependentes e superpostas, onde mudanças numa afetam as demais’ (Idem, p. 79). É nessa rede que a vida, no espaço escolar, faz e se faz. Nesse permanente

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não é por sua vez neutro. Nele se estabelecem relações de força entre os grupos que o preenchem e os sentidos e significados, assim como as representações também correspondem a uma disputa de poder. Essas relações de poder que se estabelecem e demarcam fronteiras são, por assim dizer, a constituição do território (CUNHA, 2008). Sueli Salva (2003) também compartilha da compreensão de que o espaço escolar não é algo pronto, dado aos sujeitos e recorre a Santos (1999) para defini-lo como um híbrido. Ou seja, para além das dimensões materiais que o compõem, encontram-se as dimensões do mundo da matéria e do mundo do significado humano. Ou seja, para além da disposição física, estruturas, o espaço escolar é construído pelas teias de relações compartilhadas pelos sujeitos que dele fazem parte. É essa teia que significa, dota de finalidade e possibilita ao outro conhecer-se como membro pertencente do espaço escolar. Tendo essa configuração, o espaço escolar

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fazer-se nascem outros símbolos que tecem os sonhos, inventam a vida, abrem novos caminhos, orvalhados ou pedregosos, não importa (SALVA, 2003, p. 71).

Para além das distinções entre espaço e lugar, ou ainda outras denominações aferidas, os autores trazidos contribuem para pensar o espaço para além da sua materialidade, compreendendo-o como uma teia de relações que o constitui e significa. Em dadas situações, os sentidos atribuídos não necessitam do espaço físico determinado, podendo estender-se para outros lugares desde que o grupo que o significa mantenha sua forma de se expressar e de se relacionar. Sendo o espaço esse constructo das representações, finalidades, relações subjetivas de seus participantes, seria interessante refletir sobre o que é pensado para a EJA em diferentes espaços, a partir dos estudantes, sujeitos da escolarização. Ainda: de que maneira cada grupo significa aquele momento e vivencia tempos e espaços diferenciados em um mesmo ambiente físico.

3.2.2 O S S UJ E ITO S E O S E S PAÇO S / LU G A R E S P R ATI CA D O S DA EJA

A diversidade dos sujeitos da Educação de Jovens

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e Adultos e as peculiaridades referentes a essa modalidade de ensino encontram-se reconhecidas e garantidas nas Diretrizes Para a Educação de Jovens e Adultos (DCNs/ EJA/ Resolução CNE/CEB Nº 1, de 5 de Julho de 2000/ Parecer 11/2000 do CNE). A legislação também tem reconhecido as diversidades e as particularidades dos espaços em que se desenvolvem a EJA e tem se observado a preocupação em garantir por vias legais que o direito à escolarização em qualquer fase da vida seja cumprido. Pensar na escolarização de estudantes da EJA nos remete à historicidade das trajetórias por eles desenvolvidas ao longo da vida. Jovens, adultos e idosos que viveram a experiência de exclusão do e no sistema de ensino. São sujeitos, em sua maioria, envolvidos com mundo do trabalho e que buscam no retorno à escola meios para melhorar suas condições de vida. No entanto, essa é uma visão generalizante acerca dos sujeitos da EJA. Trata-se de um perfil de estudantes inseridos em contextos urbanos ou rurais e de uso do seu pleno direito de ir e vir. E quando pensamos em outros espaços? Como seria pensar as relações estabelecidas entre os estudantes oriundos do campo com o espaço de formação por eles construído? E se analisarmos os espaços de formação pensados para aqueles em privação de liberdade? Quais os sentidos e significados atribuídos pelos diferentes sujeitos aos diferentes espaços de aprendizagem da EJA? Reconhecemos, deste modo, que devido à heterogeneidade dos sujeitos da EJA, seria possível constatar que

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existem diferentes objetivos e expectativas dos sujeitos em   relação ao que desejamdos diferentes espaços da EJA, quando retornam aos estudos. Essas buscas são aquilo que conferem sentidos e significados a esses espaços. Identificar e/ou compreender esses diferentes objetivos pode ser feito por inúmeros recortes. Por exemplo, o recorte geracional. Jovens e adultos podem apresentar diferentes objetivos que dotam o mesmo espaço de vários significados. Assim, em um mesmo espaço, podem ser observadas práticas diferenciadas, estabelecimentos de outras relações, sociabilidades e construção de outras subjetividades. Considerar a heterogeneidade dos estudantes ingressos na EJA (de geração, de gênero, de etnia, de origem rural/urbana), implica em assumir uma forma de perceber os estudantes como sujeitos socioculturais. Segundo Dayrell (2001), isso significa uma mudança de enfoque sobre a escola, o ensino e os estudantes: de uma visão universalizante e homogênea dos sujeitos e dos espaços de aprendizagem, para uma visão heterogênea que compreende que os estudantes “trazem” para o espaço de aprendizagem o que os constituíram como sujeitos ao longo da vida: suas visões de mundo, suas crenças, suas culturas. Como afirma Dayrell (2001, p. 140): Essa outra perspectiva implica em superar a visão homogeneizante e estereotipada da noção de aluno, dando-lhe outro significado. Trata-se de compreendê-lo na sua

diferença, enquanto indivíduo que possui uma historicidade, com visões de mundo, emoções, desejos, projetos, com lógicas de comportamento e hábitos que lhes são próprios.

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Da mesma maneira, os diferentes espaços geográficos em que seu situam osda EJA implicam diferentes formas de se relacionar com o espaço escolar. A proposta para esse momento seria apresentar alguns trabalhos realizados que venham a contribuir para a reflexão sobre como os sujeitos da EJA constroem suas teias de sentidos e significados em diferentes espaços de aprendizagem. Dada a amplitude das pesquisas sobre os espaços da EJA, arbitrariamente, foram destacados quatro espaços diferenciados, a fim de apresentar as expectativas dos sujeitos em relação a cada um deles. Desses quatro, dois se referem a espaços em que os sujeitos gozam da liberdade e do direito de ir e vir, são escolas das cidades e do campo. Os demais são espaços em que os sujeitos vivenciam um retorno à escolarização que não se configura, na maioria dos casos, em uma “livre escolha”, pois, trata-se de espaços de privação de liberdade. Prigol (2006), Santos (2003), Woiciechowski (2006) trazem em suas pesquisas o processo de retorno à escolarização de estudantes da EJA em meios urbanos. Essas autoras apresentam o que os estudantes apontaram como expectativas em relação ao retorno à escola, a saber:

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desejo de saber; melhoria das chances de inserção no mer  cado de trabalho; a ascensão social por meio do domínio dos saberes considerados socialmente legítimos, que os tornariam aptos a prestar concursos públicos; superação do preconceito sofrido por eles por não dominarem esses mesmos saberes e, consequentemente, elevação da autoestima; encontro de espaços de sociabilidade. A melhoria nas condições de empregabilidade no mundo do trabalho também foi apontada por jovens de uma escola rural como motivação principal ao retorno à escolarização. Os autores responsáveis por essa pesquisa afirmam: A importância da necessidade profissional como razão para continuar os estudos parece indicar que ser escolarizado, na sociedade atual, é condição básica para participação autônoma e independente na vida social. Essa condição possibilita a inserção no mercado de trabalho e o acesso aos bens culturais. No que se refere à necessidade pessoal, ao que tudo indica, os alunos consideram que estudar amplia seu espaço de socialização, de convivência social, de reconstrução da autoestima. Segundo Carneiro (2005), a escola não tem importância apenas como um meio facilitador do

acesso ao mercado de trabalho é também um espaço onde se fazem amigos (SILVA JUNIOR; MENEZES, 2009, p. 9).

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A relação estabelecida entre o retorno à escolarização e o exercício do trabalho nos coloca a seguinte questão: sob qual perspectiva o trabalho tem sido compreendido ou como se tem feito presente no processo de aprendizagem desses sujeitos? Para esses estudantes, embora as dificuldades em conciliar emprego, família, lazer e estudos seja um fator agravante para a continuidade na EJA, as estratégias realizadas para que se mantenham no curso garantem a sua conclusão. Essas estratégias são construídas e desenvolvidas por meio das relações tecidas entre os sujeitos (estudantes e professores) que fazem do espaço destinado à escolarização um espaço reconhecidamente de aprendizagem. O espaço praticado da EJA se concretiza quando esses sujeitos se percebem como sujeitos de direitos, valorizados em suas trajetórias de vida, sonhos e projetos frente à escolarização. Outra relação é estabelecida com o espaço de escolarização quando analisamos a experiência vivida por jovens um cumprimento de medida socioeducativa de internação. Para eles, o espaço escolar (que muitas vezes não se constitui em sua materialidade) ganha sentido nas relações de afeto e amizade possíveis de serem entrelaçadas

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com seus pares e com os professores e, a possibilidade de   serem ouvidos se torna motivação principal para frequência às aulas (Rocha; Cruz, 2010; Silva; Salles, 2009; Santos, 2008). No entanto, a crença na possibilidade de melhoria de vida por meio dos estudos não é compartilhada em sua maioria. São jovens que se perceberam, precocemente, vítimas do que Bourdieu e Champagne (1998) denominam engodo do processo de escolarização das classes populares11. Ou seja, esses jovens percebem muito cedo que a promessa de certificação escolar como garantia de obtenção de um melhor emprego, ou o ingresso na faculdade não é tão substancial como o discurso escolar apregoa. Eles presumem que é possível que estejam a investir tem11. Para esses autores o sistema de ensino, embora estendido às classes populares, mantém mecanismos sutis de reprodução da ordem social. Por serem sutis, esses mecanismos não são claramente percebidos por aqueles que fazem parte do sistema de ensino e pela sociedade. Os sucessos ou insucessos escolares são explicados pelos “dons” que os alunos apresentam para o estudo ou ainda pelo empenho e esforço individual. No entanto, os autores demonstram que para os alunos das classes populares a “linguagem” sob a qual a escola está organizada, os conteúdos transmitidos estão estruturados a partir da cultura considerada legítima, que é a das classes dominantes. Para as crianças oriundas dessas camadas, o aprendizado desses conhecimentos se dá ainda na família e, portanto, encontram na escola pouca ou nenhuma dificuldade em lidar com a “linguagem” do sistema escolar. Ou seja, esses conhecimentos anteriores à vivência escolar são obtidos na socialização primeira, na família, na vivência com o grupo de origem. Para esses alunos de classes populares, não detentoras dessa cultura, a escola se constitui o primeiro espaço de contato com esses saberes. No entanto, isso nos é naturalizado. Como se todos já tivessem a obrigação de ter posse desses saberes antes de entrar à escola. Isso significa que os alunos das camadas populares precisam investir maiores esforços para primeiro entender a “linguagem”em que funciona a escola, depois para compreender os conteúdos propriamente ditos das disciplinas. Dentre outros motivos, esse se apresenta como um fortemente favorável para que o aluno pense que “aquilo não é para ele”; ou ainda como ouvimos “que não dá para a coisa”. Esse é um mecanismo perverso, pois, por ser tão sutil, nem mesmo os professores que têm a intenção de que a escola possibilite outros horizontes de futuro o percebem.

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po em uma formação escolar que lhes garantirá um diploma já defasado e um cargo que pouco promoverá sua mobilidade social. Assim, vítimas desse engodo, esses e outros estudantes têm dado sinais de descrença nas funções defendidas pelo sistema de ensino e têm se manifestado em ações contra o que representa a escolarização: o respeito ao espaço escolar, aos professores e a dedicação às aulas. Assim, as trajetórias escolares, em sua maioria, marcadas pelo conflito e pela exclusão da/na escola, encontram durante o cumprimento da medida socioeducativa de internação um reencontro com um outro espaço de escolarização, criando outras relações com ele (Rocha; Cruz, 2010; Silva; Salles, 2009; Santos, 2008). Aqueles que vivenciam a experiência de escolarização em espaços prisionais compartilham de outros sentimentos em relação ao espaço por eles apropriado. Esse espaço ainda se insere num campo de forças e de disputas com a estruturação dos espaços penitenciários e o sistema prisional. Assim, enquanto o sistema prisional prioriza a repressão, a perda de identidade do preso, o confinamento, a vigilância, a violência e a punição (embora a existência destes últimos não seja assumida como prática recorrente em presídios); a educação formal prima por promover a liberdade, a comunicação e a promoção humana. Julião (2007) considera que a escola constitui-se em um espaço importante de produção e difusão do conhecimento

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formal, desempenhando um papel diferenciado do que é  por ela desempenhado no espaço extra-muro. Para o autor, […] Ali [no sistema penitenciário] ela [a escola] continua sendo um espaço fundamental para o resgate da cidadania, visto ser praticamente o único para os internos penitenciários, pois eles não têm acesso aos diversos meios tecnológicos de comunicação. Nesse sentido, a escola nos presídios tem uma enorme responsabilidade na formação de indivíduos autônomos, na ampliação do acesso aos bens culturais em geral, no fortalecimento da autoestima desses sujeitos, assim como na consciência de seus deveres e direitos, criando oportunidades para seu reingresso na sociedade (JULIÃO, 2007, p. 47).

Os pequenos recortes aqui trazidos nos convidam a pensar como os sujeitos da EJA se inter-relacionam nos diferentes espaços em que ela se desenvolvem. Quais os sentidos e as expectativas em relação a esses espaços que, em si, já exprimem uma finalidade. No entanto, como pode ser observado, os diferentes recortes etários não foram contemplados em cada espaço trabalhado por este

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texto, o que nos instiga a outro ponto de análise: como os sujeitos participantes de um mesmo espaço de aprendizagem vivenciam o processo de escolarização e significam o espaço escolar? Retomemos, ainda que brevemente, a relação tempo e espaço apontada por Melucci (2004). As formas de apropriação dos espaços se relacionam de forma intensa, como mencionado anteriormente, com o elemento tempo. Os tempos internos dos estudantes promovem formas diferenciadas de lidar com o tempo externo da escola. O tempo homogeneizado para a aprendizagem, o ritmo das aulas, o tempo em que se faz a escola tensiona-se com os sonhos, desejos, expectativas de cada estudante. O tempo da organização da rotina escolar e o tempo que organiza a rotina da vida dos estudantes impõe diferentes maneiras de interação com o espaço de aprendizagem: ou o espaço somente destinado ao estudo marcado pelo tempo do entrar e sair para assistir às aulas; ou o espaço único do descanso (e também do cansaço) para aqueles que vêm de uma jornada de trabalho; ou a possibilidade de um espaço para encontrar os amigos e tecer outras sociabilidades. Assim, são inúmeras as formas de se relacionarem com o espaço escolar quando incluímos na dimensão da análise o elemento tempo. E é importante não esquecer que a relação tempo e espaço é entrecortada por outros aspectos, como por exemplo: o geracional, o de gênero, o de etnia, o ocupacional, o familiar, o de moradia. A heterogeneidade que caracteriza os sujeitos da EJA (estudantes e professores) produzem também formas heterogêneas de

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interação com os espaços de aprendizagem.   3.2.3 TECENDO ALGUNS ALINHAVOS

A proposta desse texto não é a de ser conclusivo. Pelo contrário, ele tem a intenção de promover e de se desdobrar em novas reflexões e análises dada a diversidade das experiências vividas no contexto da EJA. Sendo assim, nos dispusemos a fazer alguns alinhavos sobre as discussões levantadas por esse momento e pretendemos deixar ainda algumas questões em suspensão. Os autores trazidos para essa conversa nos ajudam a compreender que o entendimento do espaço escolar implica assumi-lo como um lugar em que, para além de sua estrutura física, jurídica, legal, existe um mundo de relações que o dotam de sentido e fazem com que sua finalidade “existencial” seja de fato cumprida. Pensar no espaço escolar como um lugar praticado significa pensar para além do que é expresso pelos documentos que orientam a escola para isto ou para aquilo. Implica buscar também nos estudantes o que eles esperam e buscam na escola. O que eles constroem nas relações diárias naquele espaço que o dotam de sentido e significado. Como se constroem, criam e recriam subjetividades. Como se constroem como sujeitos da Educação de jovens e Adultos. Significa pensar, ainda, o que jovens e adultos buscam no retorno à escolarização depois de experiências de exclusão desse/ nesse espaço. Leva-nos a questionar como esses lugares são

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significados pelos seus sujeitos seja na aldeia indígena, nas comunidades quilombolas, no campo, nas cidades, nos presídios, nos institutos profissionalizantes, nos espaços não escolares. Ampliar o conceito de espaço para esse entendimento significa ainda buscar compreender como esse espaço se interage com os demais espaços praticados por esses sujeitos fora da esfera escolar (espaço do trabalho, do lazer, dentre outros). Como afirmado anteriormente, esta não é uma proposta de uma análise conclusiva sobre os sujeitos e os espaços de aprendizagem na EJA. Por essa razão, deixaremos algumas questões para posteriores reflexões e desdobramentos: - os locais de escolarização observam para além da organização de seu espaço e tempo, as relações que os sujeitos tecem naquele lugar?; - de que maneira é possível percebê-lo como um espaço ou lugar praticado?; os sujeitos reconhecem-se partícipes dos espaços de aprendizagem?; - como os sujeitos da EJA apreendem o espaço e como aprendem nesses espaços?

 PARTE iii

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3.3 OS SUJEITOS DA EJA SEUS MÚLTIPLOS SABERES

Todo ponto de vista é a vista de um ponto. Ler significa reler e compreender, interpretar. Cada um lê com os olhos que tem. E interpreta a partir de onde os pés pisam. Todo ponto de vista é a vista de um ponto. Para entender como alguém lê, é necessário saber como são seus olhos e qual é a sua visão de mundo. Isso faz da leitura sempre uma releitura. A cabeça pensa a partir de onde os pés pisam. Para compreender, é essencial conhecer o lugar social de quem olha. Vale dizer: como alguém vive, com quem convive, em que trabalha, que desejos alimenta, como assume os dramas da vida e da morte e que esperanças o animam. Isso faz da compreensão sempre uma interpretação. Sendo assim, fica evidente que cada leitor é co-autor. Porque cada um lê com os olhos que tem. Porque compreende e interpreta a partir do mundo que habita. (Boff, 1997, p. 9-10)

Para compreender, é essencial conhecer o lugar social de quem olha. Vale dizer: como alguém vive, com quem convive, em que trabalha, que desejos alimenta, como assume os dramas da vida e da morte e que esperanças o animam.

Inicialmente, discutiremos conceitos referentes ao processo de aprender para além dos muros da escola, a

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Nas duas primeiras partes deste texto foi possível identificar alguns aspectos das condições sócio-históricas e culturais constituidoras da diversidade dos sujeitos jovens e adultos da EJA, bem como os espaços que a constituem. Com o intuito de contribuir e qualificar a discussão acerca de quem são os sujeitos da EJA e como se dá sua relação com o conhecimento, propomos a análise de alguns conceitos referentes ao processo de construção do conhecimento desses sujeitos e seus múltiplos saberes. Certamente olhar para essas questões nos propicia perceber os sujeitos que existem para além do aluno e, precisamente, esse é o desafio que nos propomos. Do mesmo modo, ao fazermos o exercício de compreender a importância dos percursos de aprendizado, de construção do conhecimento desses sujeitos jovens e adultos, para além dos muros da escola, reafirmamos o que escreve Boff (1997, p. 10):

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seguir serão discutidas algumas características desse pro  cesso em se tratando de jovens e adultos da EJA e da especificidade histórico cultural dos percursos destes sujeitos. Para finalizar trazemos alguns conceitos da Aprendizagem Dialógica como uma possibilidade de intervenção teóricometodológica que, consideramos, contribui sobremaneira para a superação de alguns dos desafios vividos na atualidade pelos profissionais comprometidos com a Educação de Jovens e Adultos.

3.3.1 TODO PONTO DE VISTA É A VISTA DE UM PONTO: OS CAMINHOS DO APRENDER DE JOVENS E ADULTOS DA EJA

Um dos elementos importantes para iniciar esta reflexão é reconhecer que muito antes de entrar para a escola, estes sujeitos constroem conhecimento. Podemos aqui fazer uma digressão para analisar como isso ocorre, demarcando algumas características desse processo de aprender, anterior ao ingresso na escola; para tanto, temos como referencia os estudos de Charlot (2000, p. 52) ao afirmar que “quem se torna um sujeito, é educado e se educa, é um filho do homem”. Deste modo, o autor principia sua discussão sobre a obrigação de aprender, condição sinequa non para que o filho do homem, candidato à humanidade, realize essa possibilidade. Diferente de qual-

quer outra espécie, que tem no instinto o fundamento de toda sua existência, o ser humano desde o nascimento depende de outros para sobreviver; do mesmo modo, necessita dos outros para tornar-se o que deve/pode ser. Para tal, deve ser educado por aqueles que suprem sua fraqueza inicial e deve educar-se, tornar-se por si mesmo:

O autor traz elementos fundamentais para que explicitemos nosso entendimento acerca do processo de

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Nascer significa ver-se submetido à obrigação de aprender. Aprender para construir-se em um triplo processo de hominização (tornar-se homem), de singularização (tornar-se um exemplar único de homem) e de socialização (tornar-se membro de uma comunidade, partilhando seus valores e ocupando um lugar nela. Aprender para viver com outros homens com quem o mundo é partilhado, aprender para apropriar-se do mundo, de uma parte desse mundo, e para participar da construção de um mundo pré-existente. Aprender em uma história que é ao mesmo tempo profundamente minha, no que tem de única, mas que me escoa por toda a parte (CHARLOT, 2000, p. 52).

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aprender de qualquer ser humano e, mais especificamente,   jovens e adultos frequentadores da EJA (CHARLOT, dos 2000). A partir do aprender então, realizamos o processo de hominização, de singularização e de socialização, o que nos permite perceber a importância das relações com os outros humanos e com o mundo que nos cerca como fundamento para a construção e apropriação dos modos tipicamente humanos de ser e existir. Charlot (2000) afirma ainda que são muitas as maneiras de se apropriar do mundo, pois existem muitas coisas para aprender. Aprender pode ser adquirir um saber, no sentido estrito da palavra, isto é, um conteúdo intelectual; mas aprender pode ser também dominar um objeto, ou uma atividade, ou entrar em formas relacionais. A questão do aprender é então mais ampla que a questão do saber em dois sentidos: primeiro, existem maneiras de aprender que não consistem em apropriar-se de um saber, entendido como conteúdo do pensamento, e segundo, ao mesmo tempo em que se procura adquirir esse tipo de saber, mantém-se também outras formas de relação com o mundo. Ao discorrer sobre as figuras do aprender o autor distingue aprender de saber12: aprender não equivale a adquirir um saber, entendido como conteúdo intelectual. A apropriação de um saber-objeto não é senão uma das figuras do aprender. Num inventário das figuras sob as 12 Charlot (2000, p. 74-75) afirma que a relação com o aprender é mais ampla que a relação com o saber, mas utiliza a expressão relação com o saber, posto que ela já entrou no vocabulário de pesquisa. Porém, para ele, trata-se de maneira mais geral de uma relação com o aprender.

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quais o saber e o aprender se apresenta aos sujeitos, ele assim as descreve: objetos-saberes – objetos aos quais um saber está incorporado (livros, obras de arte, obras culturais, fazer cálculos,aprender datas, etc.); ∙objetos cujo uso deve ser aprendido - desde os mais familiares aos mais sofisticados (escovas, cordões do sapato, até computadores); ∙atividades a serem dominadas – nadar, ler, desmontar uma máquina; ∙dispositivos relacionais, nos quais há que entrar e formas relacionais das quais se deve apropriar, quer se trate de agradecer, de iniciar uma relação amorosa, de cumprimentar, seduzir, mentir (CHARLOT, 2000). Ante esses objetos, atividades, dispositivos e formas do aprender, quem aprende não faz a mesma coisa; o aprendizado não passa pelos mesmos processos. Existe aí um problema cuja dimensão não é apenas cognitiva e didática, mas uma relação epistêmica. Aprender é, portanto, exercer uma atividade em situação, em um local, em um momento da sua história e em condições de tempos diversos, com a ajuda de pessoas que ajudam a aprender. A relação com o saber é relação com o mundo mais geral, mas é também relação com esse mundo mais particular nos quais se vive e aprende. Acerca desses mundos não é possível aqui fazer um inventário como o que fez Charlot, mas se pode fazer alguns destaques, desde os locais onde se vive (prédios), passando por locais onde se faz alguma atividade específica que não é educação ou instrução (empresa). Outros espaços têm função central de educar e instruir (como a

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família e a escola, respectivamente). Se aceita que existam   locais mais adequados do que outros para implementar tal ou qual forma do aprender e nesses locais as pessoas aprendem no contato com outras pessoas que se relacionam, de formas diversas (sejam pais, professores, vizinhos ou amigos). Mesmo que essas pessoas tenham por tarefa específica instruir, como no caso dos professores, elas não podem ser reduzidas a tais tarefas, pois outros elementos compõem este universo (por exemplo, relações afetivas, de simpatia, de solidariedade ou não). Além disso, a relação de aprendizado não é apenas marcada pelo local e pelas pessoas, mas também pelo momento da história individual e coletiva, é um momento, um conjunto de percepções, de representações de projetos atuais que se inscrevem em uma apropriação do passado individual e das projeções que cada um constrói do futuro (CHARLOT, 2000, p. 68). Quando nos voltamos para essa relação do aprender e do processo de constituir-se sujeitos jovens e adultos da EJA, constatamos que ambos estão imbricados o tempo todo: quem sou eu, para os outros e para mim mesmo? Eu que sou capaz de aprender isso ou eu que não consigo aprender? Esses elementos constituem um mosaico no qual nos sentimos aptos a fazer/aprender determinados coisas e incapazes de fazer/aprender outras. Se entendermos que nascer e aprender, como afirma o autor, é entrar em um conjunto de relações e processos que constituem um sistema de sentido, no qual se diz quem eu sou, quem

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é o mundo e quem são os outros, é necessário que olhemos para o universo que constitui a vivência dos jovens e adultos da EJA. Quando da chegada dos jovens e adultos na EJA, constatamos também que eles têm, diferentemente das crianças, um percurso maior de experiências de vida, bem como de conhecimentos já construídos. No entanto, é fundamental questionar o que os jovens e adultos trazem ao chegar na EJA. Para responder de modo qualificado a essa questão, podemos recorrer a algumas ciências, dentre elas a Psicologia da Educação. Tomando a perspectiva histórico cultural como fundamento, é possível afirmar que não há o ser humano genérico, universal, modelo abstrato que corresponderia a todos os seres humanos indistintamente, mas um ser humano é sempre localizado histórica e socialmente, de modo diverso e específico, deste modo, é necessário conhecer quais as trajetórias dos aprendizados de cada jovem e adulto que frequenta a EJA. Com o intuito de compreender a diversidade que constitui os percursos desses sujeitos, trazemos alguns elementos que consideramos importantes. Estes jovens e adultos trazem conhecimentos construídos em diversos espaços de socialização (que inclui, mas encontra-se além dos muros da escola), desejo de serem ouvidos, experiências de culturas específicas (vestimentas – adereços – músicas), percursos de pertencimentos a grupos juvenis e de adultos (grupos de jovens, grupos religiosos, de futebol, de mulheres, dentre outros). Além disso, estes sujeitos

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possuem códigos de linguagem e comunicação, modos   expressão, gírias próprias (DURAND, 2008). A parde tir destes elementos, podemos refletir, tanto sobre os diversos percursos de construção do conhecimento quanto da diversidade de experiências vividas além dos muros da escola, experiências constituidoras de identidades, de modos específicos de ser e se mover no mundo. Entretanto, constata-se que, quando do ingresso dos jovens e adultos na EJA, por vezes encontram uma estrutura que não está organizada de modo a considerar e contemplar os diversos percursos de aprendizado por eles realizados. É possível perceber um descompasso entre o modo como aprendem (e como se ensina), no contexto mais amplo da vida, e o modo escolar de ensino-aprendizagem. Podemos constatar essa lógica no modo como a escola está organizada: há toda uma série de rituais e normas que devem ser cumpridas, desde o lugar a ser ocupado por quem sabe e por quem não sabe, os horários a serem respeitados, as metas a serem atingidas, ao controle de presenças e ausências, além das provas e das exigências mínimas para ingresso. Esse aparato permite às instituições o controle tanto dos corpos quanto do espaço e do aprendizado13. Este aparato define também um modelo de aluno (e de trabalhador) que deve enquadrar-se nessa 13. Referindo-se especificamente à questão da disciplina, Foucault (1977, p. 130), ao analisar instituições como a escola, o quartel, o presídio, entre outros, considera que ela procede à distribuição dos indivíduos no espaço; ao controle das atividades; a organização das gêneses e à composição das forças Para garantir um bom adestramento torna-se necessária: a vigilância, a sanção normalizadora e o exame.

organização: disciplinado, obediente, paciente, passivo, educado, limpo. Constata-se que esse modelo serve ou pode ser atingido apenas por uma parcela da população, deixando a maioria como “incapacitada” de se adaptar. O depoimento de uma ex-aluna de EJA nos instiga:

É possível perceber que há um modo de ser jovem e um modo de ser aluno que parecem dicotômicos. Há toda uma série de formas (e fôrmas) a serem apropriadas pelas crianças e jovens para adentrar, permanecer e principalmente ter sucesso na escola. Esses mecanismos incluem controle dos tempos, das atividades, dos corpos, dos espaços a serem ocupados pelos alunos (e também pelos professores). Xavier (2003, p. 44), ao discutir os processos de 14. Este relato, bem como algumas reflexões contidas neste artigo, fazem parte de minha tese de doutorado, intitulada O paradoxo da Sereia: um estudo longitudinal sobre viver de jovens em Florianópolis, UFRGS/2009.

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Eu tinha vontade mas, não tinha cabeça pra ficar numa sala de aula estudando, não tinha! Porque se eu tivesse só em casa, da casa pra escola, tudo bem, mas eu era uma guria que logo fui pra rua, tu acha que eu tinha cabeça de ficar estudando? Aí eu fui e voltei um monte de vez […] se eu soubesse escrever eu ia escrever a história da minha vida (Nadir, 200714).

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disciplinamento no discurso pedagógico, traz para refle  os dispositivos escolares de controle, os rituais de uso xão do corpo, do tempo e do espaço e também problematiza as práticas escolares de disciplinamento. O desdobramento desse aparato disciplinar é que os alunos terão que aprender: o seu lugar, sua posição, sua hora de falar e suas muitas horas de calar (o que pode-se demarcar como oficio de aluno). A escola contemporânea continua fazendo a transformação da infância/juventude em alunância15. Eu não dou pra aprender as coisas da escola. Eu fui pra escola algumas vezes quando era criança mas as professoras diziam que eu era burra, que não dava pra escola, que eu era ruim de aprender, que o que não prestava eu aprendia rápido, mas o que devia eu não sabia, uma tinha paciência comigo, mas a maioria não. Até hoje não sei ler. Eu assino meu nome e disfarço pros outros que sei ler, mas eu não sei (Shirley, 2007).

Charlot (2000) ao referir-se ao fracasso escolar, problematiza a construção deste conceito e afirma sua impertinência, por se tratar de um nome genérico que pouco a pouco se reifica, dando a impressão de que existe uma coisa chamada “fracasso escolar”. Charlot (2000, p. 16) diz 15. Desde Kant em Sobre a Pedagogia, temos a discussão acerca da necessidade de disciplinamento do homem, a fim de que ele não se desvie do seu destino, de sua humanidade, deixando-se dominar por instintos animais.

textualmente:

Mais do que buscar o fracasso escolar, é importante considerar a relação com o saber estabelecida por estes jovens e adultos. Fica explícito também nesse relato, o que Lahire e Vicent (2001, p. 56) define como forma escolar nos processos de socialização das crianças e jovens, […] que se caracterizaria por um conjunto coerente de traços: a constituição de um universo separado para a infância e juventude; uma forma própria de relação social entre um especialista, um “mestre”, e um aprendiz, um

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O fracasso escolar não é um monstro escondido no fundo das escolas e que se joga sobre as crianças mais frágeis, um monstro que a pesquisa deveria desemboscar, domesticar, abater. O fracasso escolar não existe; o que existe são alunos fracassados, situações de fracasso, histórias escolares que terminam mal. Esses alunos, essas situações, essas histórias é que devem ser analisadas e não algum objeto misterioso, ou algum vírus resistente chamado fracasso escolar.

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“aluno”; a importância das regras na aprendizagem; a organização racional do tempo; a multiplicação e a repetição de exercícios, cuja única função consiste em aprender e aprender conforme as regras, tendo por fim seu próprio fim.

Nesse contexto, pode haver também um movimento de resistência velada a tal situação: Os alunos partilham – com os prisioneiros, os militares, alguns indivíduos internados ou os trabalhadores mais desqualificados – a condição daqueles que não tem, para se defenderem contra o poder da instituição e dos chefes, nenhum outro meio que não sejam a astúcia, a subserviência, o fingimento. O exercício do oficio de aluno pode gerar efeitos perversos: trabalhar só por uma nota, construir uma relação utilitarista com o saber, com o trabalho, com o outro (PERRENOUD 1995, p. 16-17).

Certamente a instituição escolar não se reduz a essas características, tampouco o professor. O fato de trazermos essas questões para refletirmos, de modo algum

tem a intenção de desqualificar ou desconsiderar a importância dos conhecimentos construídos na escola, bem como o papel do professor nesse processo. O aprendizado escolar produz algo fundamentalmente novo no desenvolvimento humano: é o espaço privilegiado de superação do conhecimento espontâneo, de entrada no conhecimento científico, além de ser espaço de socialização, de construção de vínculos. O relato de uma jovem moradora de Florianópolis e frequentadora da EJA explicita esta situação

Por considerarmos fundamental a ação docente como mediadora qualificada nesse percurso é que olhamos criticamente para essa situação, com o propósito de 16. Companhia de Melhoramentos da Capital

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To fazendo supletivo ali na COMCAP16! Quer ver meu caderno? Terça e quinta da 12 as 14!, Mas eu to por baixo ainda, minha letra é feia! Eu parei na quarta [...] né? eu to retornando por que fazia muito tempo que eu tava fora da escola, mas agora deu certo, ganhei o livro lá na creche do meu filho [...] Eu sou meia coisa ainda, mas leio! eu não quero ficar mais atrasada que meu filho, quando ele souber ler, eu também quero saber, pra não passar vergonha (Marisete, 2007).

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contribuir para superá-la. Precisamente por isso, voltamos   nosso olhar para a cultura escolar. Quando mergulhamos no universo escolar confrontamo-nos com mecanismos de reprodução e manutenção de uma cultura que é própria dessa instituição: A escola impõe, mas de maneira tenaz, certos modos de conduta, pensamento e relações próprios de uma instituição que se reproduz a si mesma, independentemente das mudanças radicais que ocorrem ao seu redor. Os docentes e estudantes, mesmo vivendo as contradições e os desajustes evidentes das práticas escolares dominantes, acabam reproduzindo as rotinas que geram a cultura da escola, com o objetivo de conseguir a aceitação institucional (GÓMEZ, 2001, p. 12).

Camacho (2004) discute o ofício de aluno e traz importantes considerações afirmando a especificidade, dessa atividade sui generis: não é pago, é menos livremente escolhido que qualquer outro; depende e exerce-se sob olhar e controle de terceiro (professor) e, por fim, está constantemente sujeito à avaliação das suas qualidades e defeitos, sua inteligência, cultura e caráter. Mais especificamente com relação ao processo de escolarização de jovens, percebemos que há uma visão míope da escola, que não vê o jovem para além do aluno. Nessa direção, o reco-

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nhecimento de que a condição juvenil precede a de aluno e que ambas estão ligadas poderia ser o primeiro passo a ser dado pela escola em direção à visibilidade da juventude no espaço escolar e a transformação dos seus alunos em jovens alunos. Podemos constatar que esta forma escolar não é privilegio da instituição Escola, mas se estende as várias instâncias educativas. Historicamente, foi a partir do século XVI que se impôs a forma escolar às relações sociais. A escola veio se constituindo como um espaço específico, separado de outras práticas sociais; a escolarização das relações sociais de aprendizagem passa a ser indissociável de uma escrituralização/codificação dos saberes e das práticas, o que torna possível uma determinada sistematização do ensino; a escola passa a ser um dos lugares da aprendizagem de formas próprias de exercício do poder e a instituição escolar passa a ser o lugar de aprendizagem da língua, principalmente da escrita, que se torna condição de acesso a qualquer tipo de saber escolar (DAYRELL 2005, p. 34). Até chegar aos nossos dias – quando o modo escolar de socialização, ou seja, a socialização pensada e praticada como educação – se impôs como referência, (consciente ou não) – passou a ser difundido nas diversas instâncias de socialização. É essa hegemonia que naturaliza a forma escolar como a única forma possível de estabelecer relações e informar a estruturação de atividades

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voltadas aos jovens/adultos (DAYRELL, 2005).   Com o intuito de qualificar o entendimento de como ocorre a aprendizagem e a construção do conhecimento dos sujeitos da EJA, faremos a seguir a discussão desta temática sob o ponto de vista da psicologia histórico cultural para, a seguir, tecermos esta discussão com a Aprendizagem Dialógica.

3.3.2 A CABEÇA PENSA A PARTIR DE ONDE OS PÉS PISAM: CONTRIBUIÇÕES DA PSICOLOGIA H I S T Ó R I C O C U LTU R A L E DA TEO R I A DA A P R E N D I Z A G E M D I A LÓG I CA Dentre os estudos que tomam o processo de aprendizado de jovens adultos como objeto de analise, destacamos o texto produzido por OLIVEIRA (1995), como uma referência para se refletir acerca das especificidades deste processo. A partir desta análise, reafirmamos que o tema educação de jovens e adultos não remete somente à questão etária, mas a uma especificidade cultural. Afirma a autora que refletir sobre como esses jovens e adultos pensam e aprendem envolve transitar por alguns campos: Umas das primeiras características, refere-se à condição de não criança: Apesar de óbvio, esta situação muitas vezes não é considerada relevante no cotidiano da EJA, especialmente quando se utilizam as mesmas metodologias utilizadas na alfabetização das crianças com os

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jovens. O adulto (e o jovem) está inserido no mundo do trabalho, traz uma história mais longa de experiências, conhecimentos e reflexões sobre o mundo, sobre si mesmo e sobre as outras pessoas. Consequentemente, em relação à inserção em situações de aprendizagem, traz consigo diferentes habilidades e dificuldades. Outro elemento importante é a condição de excluídos da escola, faz-se necessário deste modo, compreender como essa situação contribui para delinear a especificidade desses sujeitos como sujeitos de aprendizagem. Retomemos dois elementos já discutidos, constitutivos desse processo: a) inadequação da escola aos sujeitos da EJA; b) a escola possui uma linguagem e um modo específico de realizar as atividades e tarefas. Além disso, temos sua condição de membros de determinados grupos culturais, o que implica a necessidade de historicizar os sujeitos da EJA. A questão que se coloca aqui é: os sujeitos de EJA operam de uma forma que é universal ou que é marcada por uma pertinência cultural específica? Na Psicologia da Educação, temos três grandes linhas de pensamento sobre as possíveis relações entre a cultura e a produção de diferentes modos de funcionamento intelectual (OLIVEIRA, 1995). Uma primeira, que afirma a existência de diferenças entre membros de diferentes grupos culturais – grupos humanos seriam diferentes entre si. Essa abordagem gera uma postulação determinista, que correlaciona traços do psiquismo com fatores culturais que o condicionariam.

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Uma segunda linha, que nega a importância da diferença –  busca os mecanismos que fundamentam o desempenho de diferentes sujeitos em diferentes tarefas, buscando o que é comum em todos os seres humanos. Essa abordagem nega a relevância das diferenças culturais para o funcionamento psicológico – perspectiva relativista (restaria pouco espaço para a intervenção educativa). A terceira linha, denominada sócio-histórica ou histórico cultural, recupera a ideia de diferença, mas em outro plano. Postula o psiquismo como sendo construído ao longo de sua própria história, numa interação entre quatro planos: filogênese, sociogênese, ontogênese, microgênese. Nessa perspectiva, não há um único caminho de desenvolvimento ou uma única forma de bom funcionamento psicológico para o ser humano. A opção por esta linha de pensamento exige que voltemos nosso olhar para as especificidades desses sujeitos. Como afirmamos no decorrer desse texto, não temos O jovem, O adulto genérico, temos UM jovem, UM adulto com sua diversidade, especificidade. Como afirma BOFF (2001): a cabeça pensa a partir de onde os pés pisam. Para entender como pensam e para auxiliá-los a pensar o próprio pensamento precisamos entender: a) como se organizam as diferentes práticas culturais das quais ele participa; b) como se constroem e compartilham significados e sentidos no contexto cultural do qual provêm; c) como se ensina e se aprende o fazer no seu grupo cultural (OLIVEIRA, 1995). Esses devem ser os pressupostos que

17. Metacognição se refere ao controle da produção cognitiva, para OLIVEIRA (1995), está estreitamente relacionado aos procedimentos metacognitivos, os quais são operações deliberadas do sujeito sobre suas próprias ações intelectuais. Esses são procedimentos que indicam consciência do sujeito a respeito de seus processos de pensamento, a qual lhe permite descrever e explicar esses processos a outras pessoas; envolvem, também, uma busca intencional de estratégias adequadas a cada tarefa específica a partir da consciência de que há diversas regras e princípios possíveis de serem utilizados na solução de problemas 18. A Aprendizagem Dialógica trata-se de uma elaboração de Ramón Flecha, em conjunto com o Centro Especial de Investigação em Teorias e Práticas Superadoras de Desigualdades – CREA, da Universidade de Barcelona (FLECHA, 2003).

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norteiam nossa discussão sobre o processo de construção do conhecimento destes sujeitos. É possível destacar ao menos dois aspectos acerca das habilidades e dificuldades dos jovens e adultos com relação a situações de aprendizado: 1) por já terem desenvolvido a capacidade de refletir sobre seus próprios processos de aprendizagem (metacognição17), normalmente as habilidades e dificuldades dos adultos são muito diferentes das dificuldades das crianças e mesmo dos jovens; 2) a inteligência do adulto se expressa de modo diferente: mais focada, especializada, referida a domínios específicos, os quais, por sua vez, são relacionados a procedimentos e necessidades práticas. Jovens tendem a ser mais generalistas. Nesse sentido, a organização das atividades pedagógicas desenvolvidas na EJA deve possibilitar o desenvolvimento de capacidades de análise e de reflexão, de articulação do pensamento verbal, de planejamento e tomada de decisão, de transcendência das condições objetivamente vivenciadas (OLIVEIRA, 1995). No percurso de superação de práticas autoritárias e vazias de sentido para os sujeitos da EJA, emerge a perspectiva da Aprendizagem Dialógica18 como uma possibi-

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lidade ao se conceber as pessoas como sujeitos constitutivos do   diálogo intersubjetivo, além de atuantes no contexto social e, por isso, capazes de transformá-la” (FRANZI, 2009). Dentre os autores19 que compõem esta teoria, destacamos a contribuição de Freire (1994, 2005) com o conceito de ação dialógica ou dialogicidade20, pois o concebemos como fundamento para qualquer ação pedagógica que se pretenda democrática e libertadora. Com intuito de compreender o processo ensino-aprendizagem aos jovens e adultos da EJA precisamos antes compreender seu processo de construção do conhecimento. Mesmo que pareça óbvio, esse não é um empreendimento simples. Exige olhar de pesquisador, perguntador que não se conforma com modelos pré-definidos de fazer educação e de ser professor. Exige disponibilidade em ouvir e partilhar saberes, sabores sobre o vivido, sobre sonhos realizados e sonhos desfeitos. Quando tratamos de Jovens e Adultos da EJA, precisamos lembrar que tanto a juventude quanto a adultícia devem ser consideradasciclos culturalmente organizados de passagem dos sujeitos pela existência humana. Portanto, diferentes atividades exigem diferentes aprendizagens, diferentes ci19. Na elaboração desta teoria, para além da filosofia de Habermas e da pedagogia de PAULO FREIRE, encontram-se contribuições de distintas áreas do conhecimento e bases de autores, tais como: Psicologia (interacionismo simbólico de Mead, psicologia sócio-histórica de VYGOTSKY), dentre outros. Nos deteremos neste texto à contribuição de Paulo Freie, por considerar que esta é o fundamento do que pretendemos como processo educativo em EJA 20. Em FREIRE, o diálogo é compreendido como fenômeno humano constituído pela palavra verdadeira, a qual guarda duas dimensões radicalmente imbricadas: a ação e a reflexão. Não há palavra verdadeira que não seja práxis. Daí que dizer a palavra verdadeira seja transformar o mundo (FRANZI, 2009, p. 89).

- Diálogo igualitário: o diálogo é igualitário quando são considerados os diferentes argumentos, pela sua função de validade, independente da posição de poder que ocupam as pessoas que estão na interlocução, o que permite uma mudança de postura, buscando reflexão e ação nas relações estabelecidas; - Inteligência Cultural: todas as pessoas possuem as mesmas capacidades para participar de um diálogo, porém cada pessoa demonstra seus aprendizados em ambientes distintos.

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clos de vida exigem diferentes atividades mediadoras da relação homem-mundo, diferentes diálogos: O diálogo corresponde a uma postura ético-política, localizada ontologicamente: “existir, humanamente, é pronunciar o mundo, é modificá-lo. O mundo pronunciado, por sua vez, se volta problematizado aos sujeitos pronunciantes, a exigir deles novo pronunciar” (Freire, 2005, p. 33). Fazer diálogo é então uma opção e uma disposição das pessoas para, em conjunto, denunciar e anunciar o mundo, como afirma Freire. Dessa forma, a dialogicidade não pode ser entendida como um instrumento, mas como uma exigência da natureza humana, uma exigência epistemológica (FREIRE, 2005, p. 74), o que implica maturidade, segurança no ato de perguntar e seriedade na resposta. A partir do conceito de dialogicidade de Freire e de ação comunicativa de Habermans. Ramon Flexa (1997)apresenta sete princípios norteadores da Aprendizagem Dialógica:

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Para Flecha (1997, p. 20), “os grupos privilegiados impõem a valorização social de suas formas de comunicação como inteligentes e as de outros setores como deficientes”. Dessa forma, projetam teorias dos déficits para todos/as aqueles/as que fogem do padrão dominante branco, masculino, ocidental, ou seja, a maioria da população mundial. - Transformação: Para Freire somos seres de transformação e não de adaptação, o que implica na recusa de uma visão fatalista da realidade. - Dimensão Instrumental: Este princípio está relacionado com os conhecimentos escolares, os quais também se articulam com os sentimentos. Em nossas interações, todas e todos podemos aprender juntas/os e definir diferentes temas a serem discutidos nos movimentos de luta. A reflexão é imprescindível para compreender com profundidade as tarefas a realizar e para ter criatividade na construção de novas respostas aos problemas que se vão questionando (FLECHA, 1997, p. 33). Não é porque falamos em aprendizagens dialógicas que excluímos a necessidade dos aprendizados técnicos e científicos, muito pelo contrário; a aprendizagem dialógica opõe-se apenas à colonização tecnocrática da aprendizagem. A aprendizagem dialógica inclui a instrumental, na perspectiva dos conhecimentos e habilidades que se consideram necessários possuir. A diferença está em que



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os objetivos e procedimentos destes aprendizados são definidos com as pessoas e não sobre ou para elas (FLECHA, 1997, p. 33). - Criação de sentido: Mesmo vivendo em um sistema que provoca a perda de sentido, podemos superar, juntas e juntos, as dificuldades, recuperando os sentidos de nossas ações, porque assumimos a condução de nossas relações. O conceito da aprendizagem dialógica aponta para que sejam as pessoas que criem os meios, as mensagens e os sentidos para a sua existência. Nessa direção, recompor espaços de vida comunitária é essencial para que as pessoas configurem os sonhos pelos quais querem lutar, ajudadas pelo coletivo. - Solidariedade: Emerge do reconhecimento de que juntas/os somos mais fortes. Em solidariedade, podemos nos colocar a favor da participação, luta e esforços para melhores condições de vida. - Igualdade de diferenças: Este princípio parte do pressuposto que todas as pessoas são iguais e diferentes, porque todas têm o direito de viver e pensar de maneira diferente e ser respeitadas por isso. Em diálogo, podemos refletir sobre essas diferenças, para a criação de acordos e possibilidade de respeito. Dessa forma, a igualdade e a diferença que propõe a aprendizagem dialógica nunca aparecem ilhadas (FRANZI, 2009, p. 174).

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Conhecer os sujeitos jovens e adultos da EJA im  plica (re)conhecer que: eles constroem conhecimentos e experiências21 fora da escola; que fazem parte da construção do seu próprio conhecimento; que são jovens e adultos e não crianças; que o acesso e a permanência na EJA é um direito social. (Re)conhecendo nossos Jovens e Adultos como sujeitos do conhecimento, copartícipes no processo de ensino aprendizagem da EJA, (re)conhecendo as diversas maneiras através das quais eles constroem seus conhecimentos, como se dá a sua aprendizagem no ambiente concreto em que vivem e entendendo os mecanismos que propiciam a apropriação de conhecimentos, podemos qualificar nossa relação com esses sujeitos jovens e adultos e podemos fundamentalmente qualificar nossa ação docente. Nas palavras de Franzi (2009, p. 174) A constituição do desenvolvimento humano passa pela ampliação das liberdades, o que, especialmente no Brasil, exige ampliar a concepção de educação e reconhecê-la como direito ao longo da 21. Utilizamos o termo experiência tendo LARROSA (2001, p. 3) como referência. Para este autor, a experiência, ou seja, a possibilidade de que algo nos aconteça ou nos toque, requer parar para pensar, parar para olhar, parar para escutar, pensar mais devagar, olhar mais devagar, e escutar mais devagar; parar para sentir, sentir mais devagar, demorar-se nos detalhes, suspender a opinião, suspender o juízo, suspender a vontade, suspender o automatismo da ação, cultivar a atenção e a delicadeza, abrir os olhos e os ouvidos, falar sobre o que nos acontece, aprender a lentidão, escutar aos outros, cultivar a arte do encontro, calar muito, ter paciência e dar-se tempo e espaço. Um dos componentes fundamentais da experiência para ele, é sua potencialidade formativa. Em suas palavras: experiência “é aquilo que ‘nos passa’, ou que nos toca, ou que nos acontece, e ao passar-nos forma e nos transforma. Somente o sujeito da experiência está, portanto, aberto a sua própria transformação”(LARROSA, 2001, p. 6)

Com essa perspectiva é que trazemos a Aprendizagem Dialógica para EJA, como um referencial teórico metodológico que auxilie os profissionais da área a pensar, tanto a escola, quanto outros espaços de educação de pessoas jovens e adultas, no sentido de ampliar as liberdades destas pessoas e, portanto, o desenvolvimento de toda a sociedade brasileira. Isso porque, como aponta Freire, o Ser Mais de alguns não existe sem que as/os outras/os também o sejam, e, para isso, é preciso a garantia do direito à educação de qualidade para todas/os. (FRANZI, 2009, p. 72). O convite deste texto permanece, para além do texto, nas palavras de Boff (1997, p. 10): “Sendo assim, fica evidente que cada leitor é coautor. Porque cada um lê com os olhos que tem. Porque compreende e interpreta a partir do mundo que habita”.

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vida. Isso passa pela consolidação de status próprio à Educação de pessoas Jovens e Adultas no sistema escolar, na perspectiva dual e democrática, a qual, tomando o diálogo como fundamento da aprendizagem, e esta como foco da EJA, apresenta a necessidade e a viabilidade de um entrelaçamento transformador entre sistema e mundo da vida.

3.4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

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Nesse texto realizamos, primeiramente, a discussão sobre os sujeitos da EJA, na constituição de suas relações intergeracionais. Com estas reflexões, entendemos que, ao mesmo tempo que estes sujeitos ao interagirem, trazem suas experiência e trajetórias de vida, exigem destes espaços educativos, o reconhecimento de suas especificidades, na busca de sua autonomia e participação social. Posteriormente, preocupamo-nos com os espaços e tempos de aprendizagem em que interagem os sujeitos da EJA. O entendimento do espaço de escolarização como um espaço praticado contribui para pensar além do que é expresso pelos documentos que orientam a escola para isto ou para aquilo; busca compreender, a partir dos sujeitos, o que eles esperam da e o que buscam na escola; e ainda, o que eles constroem nas relações diárias naquele espaço que o dotam de sentido e significado. Ao finalizar o texto, discutimos as relações do aprender, e as características da construção dos múltiplos saberes dos sujeitos da EJA, considerando a perspectiva da Aprendizagem Dialógica, como uma possibilidade de intervenção político pedagógica de compromisso ético e de superação da desigualdade social. Ao tratarmos neste texto de temas de fundamental importância sobre a Educação de Jovens e Adultos, trouxemos reflexões que localizam os sujeitos jovens e adultos

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da EJA e suas trajetórias, indicando desta forma, os pressupostos e a continuidade desta perspectiva nos próximos texto que abordam temática EJA, diversidade e trabalho; bem como apontamos subsídios para os possíveis projetos de intervenção. Ao nos dispormos a refletir sobre essas temáticas, reconhecemos os limites desta analise, no entanto, apostamos nas suas possibilidades ao assumirmos juntas o desafio de compartilhar saberes e reflexões, na perspectiva de construção de uma identidade político educacional como base para a intervenção nesses processos educativos. Para tanto, participaremos desses encontros formativos com a expectativa de construir diálogos teórico metodológicos que nos aproximem, a partir de nossos interesses, desejos e reconhecimentos das práticas cotidianas da Educação de Jovens e Adultos.

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04.

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MEDIAÇÕES PEDAGÓGICAS NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS

MEDIAÇÕES PEDAGÓGICAS NA   EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS22

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Maria Hermínia Lage Fernandes Laffin23

4. SUJEITOS PROFESSORES DA EJA: A CONSTRUÇÃO DA DOCÊNCIA Para situar a prática docente iniciamos nossa conversa pensando os sujeitos que organizam as mediações da prática pedagógica: as/os docentes, pois [...] “para ser educador de jovens e adultos é preciso ter coragem” (Mariléia).Talvez uma das características que conforme a Educação de Jovens e Adultos como modalidade diferente do ensino regular seja a diversidade de contextos em que ela se desenvolve 22 Texto adaptado de LAFFIN, M. H. L. F. (Org.) Educação de Jovens e Adultos na Diversidade: Livro 2. Florianópolis: NUP/CED, 2010. 23 Graduada em Pedagogia, Habilitação em Orientação Educacional (1985), mestrado em Educação pela Universidade Estadual de Campinas (1996) e doutorado em Educação pela Universidade Federal de Santa Catarina (2006). Atualmente é professora adjunta I da Universidade Federal de Santa Catarina. Tem experiência na área de Educação, com ênfase em Didática, atuando principalmente nos seguintes temas: Educação de Jovens e Adultos, Formação de Professores e Práticas Pedagógicas.

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e a pluralidade de seus sujeitos. Com suas histórias de vida, que reúnem marcas identitárias semelhantes e ao mesmo tempo singulares, é como se esses sujeitos educandos e educadores compartilhassem, na relação pedagógica, o encontro de diversas experiências: o encontro da desigualdade de oportunidades; da negação do direito à educação e à formação; o encontro das jornadas duplas ou triplas de trabalho; o encontro do desemprego ou do subemprego; das lutas na cidade e no campo por uma educação de qualidade; e, consequentemente, o encontro da luta pela afirmação do direito na busca de construção de um projeto apropriado aos diferentes segmentos marginalizados a quem a EJA se destina. Nessa leitura aparentemente comum, feita a partir da pluralidade de cenários de atuação como escolas, empresas, associações, penitenciárias, igrejas, canteiros de obra, acampamentos e assentamentos rurais, vamos encontrando elementos que nos ajudam a compreender como os sujeitos educadores da EJA se veem e como veem seus

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alunos, quais as suas perspectivas sobre a assunção da profissão professor e da importância de se reconhecerem juntamente com outras e outros, que atuam na área, como educadores-educandos de pessoas jovens e adultas (OLIVEIRA, 2009, p. 1).

Ao pensarmos nos sujeitos da EJA é necessário considerar as particularidades que se configuram no exercício da docência de Educação de Jovens e Adultos (EJA), as quais vêm constituindo questão central de vários estudos e pesquisas. Na pesquisa de doutorado, “A constituição da docência entre professores da escolarização inicial de Jovens e Adultos”, tomando como referência 23 professoras da Rede Municipal de São José/SC, Laffin (2006) examinou os modos de lidar não só com os estudantes como também com as práticas pedagógicas de EJA. Tais estudos se justificam, uma vez que a escola representa o lugar socialmente organizado com a função de trabalhar intencionalmente no processo de desenvolvimento e aprendizagem da cultura humana. Sabemos que esse desenvolvimento não se dá apenas no âmbito da escolarização, mas também em outras práticas e atividades culturais. Destaca-se nos estudos que uma primeira necessidade/interesse apontada pelos estudantes jovens, adultos

É preciso considerar que os alunos da EJA já têm uma história que já viveram. O aluno da EJA

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e idosos ao procurarem a EJA é percebida pelos docentes como uma necessidade ligada ao conhecimento – ler, escrever, saberes para suas vidas cotidianas e de trabalho – não necessariamente numa situação utilitarista, havendo uma preocupação com o conhecimento e saberes valorizados socialmente. Os estudantes da EJA em sua maioria vivenciam cotidianamente desigualdades sociais e raciais perante o mundo, no qual se inclui a escola, que também é desigual, o que não pode traduzir-se num determinismo causal de condições de sucesso na escola, e, no caso da EJA, não pode significar uma fragilização e aligeiramento da escolarização na relação com o saber científico, com o conhecimento. Então, indica-se no processo da EJA que as propostas, ao lidarem com o conhecimento, não sejam utilitaristas, imediatistas, ou seja, selecionar e trabalhar com conteúdos que partem e ficam especificamente somente na realidade próxima dos seus alunos, mas que possam avançar no sentido de aprender os conhecimentos ditos do mundo letrado e que podem ajudar o aluno a fazer, como diz Paulo Freire, uma leitura mais ampliada de mundo. Conforme afirmam os docentes investigados na pesquisa de Laffin (2006)

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traz consigo uma grande bagagem de vida. Pedro – 35 anos. O que diferencia é que o adulto já vem com uma bagagem variada, nosso trabalho é ajudá-lo a desenvolver suas potencialidades. Isabel – 59 anos.

4.1 A O R G A N I Z AÇÃO D O TR A BA LH O P E DAGÓG I C O N A EJA

Visualizando essa história de vida é que se experiência o desafio de analisar, no processo de escolarização de jovens e adultos, a realidade da escola e do contexto social, em que tanto professores como alunos vêm construindo e encontrando objetivos e significados para a aprendizagem. Nesse sentido, muitos docentes salientam a importância de considerar a história de vida e a intencionalidade dos sujeitos ao procurarem a escolarização, ao pensar a organização metodológica da aula, os critérios para a seleção dos conteúdos do ensino e as atividades. Também Medrano (2001), ao abordar a questão da organização metodológica nos chama a atenção sobre a importância das mediações docentes para as aprendizagens dos estudantes, assim como sobre a necessidade de planejarmos boas situações didáticas, com objetivos e

4.2 A QUESTÃO DA SELEÇÃO DOS CONTEÚDOS

Encontramos em pesquisas e conversas com educadores de EJA indicativos de que, ao definirem os conteúdos desenvolvidos na prática pedagógica da Educação de Jovens e Adultos, procuram construir temáticas a partir da escuta dos alunos. Percebem-se, assim, no trabalho da EJA, indicações de um compromisso com a questão do conhecimento, quando os professores situam que procuram ter como critérios principais para a seleção de conhecimentos, dos conteúdos escolares: [...] as necessidades trazidas pelos alunos junto com o conhecimento científico, seus interesses,

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tarefas desafiadoras, com organização das formas de trabalho, tempos e intervenções pedagógicas consistentes e voltadas ao mundo jovem/adulto. Contudo, como isso se realiza na prática pedagógica? – pergunta a professora Sandra Medrano (2001) em seu texto. E questiona ainda: como realmente planejar intervenções pedagógicas adequadas para que os alunos avancem em seus conhecimentos? O que precisamos considerar para que a aprendizagem realmente ocorra? A autora propõe intervenções significativas na apropriação do conhecimento e na seleção de saberes.

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a valorização (pessoal), de acordo com os conhecimentos prévios, seu nível de conhecimento; logo, as necessidades dos mesmos, a partir das quais elencamos um tema comum para os grupos e organizamos as atividades pelos interesses e necessidades dos alunos (depoimentos de professores da rede municipal de São José – 2003/2005).

Capta-se nesses depoimentos o quanto os professores indiciam valorizar a intencionalidade dos sujeitos na constituição da sua relação com o saber ao procurarem a escolarização, uma vez que vivem numa sociedade que valoriza práticas de uso da escrita e do conhecimento sistematizado. Dessa forma, o sujeito se vê inserido num contexto, para o qual Charlot (2000) afirma que isso significa [...] ver-se submetido à obrigação de aprender. Aprender para construir-se, em um triplo processo de ‘hominização’, de singularização, de socialização. Aprender para viver com outros homens com quem o mundo é partilhado. Aprender para apropriar-se do mundo, de uma parte desse mundo, e para participar da construção de um mundo pré-existente.

Aprender em uma história que é, ao mesmo tempo, profundamente minha, no que tem de única, mas que me escapa por toda a parte. Nascer, aprender, é entrar em um conjunto de relações de processos que constituem um sistema de sentido, onde se diz quem eu sou, que é o mundo, quem são os outros (CHARLOT, 2000, p. 53). Educação de Jovens e Adultos e Educação na Diversidade | 255

Para esse pesquisador, essa é uma condição que faz do filho do homem um sujeito, sempre em interação, partilhando o mundo com os outros. Para isso, faz-se necessário que o sujeito “[...] se aproprie do mundo e construa a si mesmo, se eduque e seja educado” (CHARLOT, 2000, p. 49). Um conceito fundamental levantado por esse pesquisador refere-se à noção de devir do sujeito humano. Para ele, o sujeito humano não é, mas “[...] deve ser; para tal, deve ser educado por aqueles que suprem sua fraqueza inicial e deve educar-se, ‘tornar-se por si mesmo’” (CHARLOT, 2000, p. 52). O sujeito constrói sua própria história singular inscrita na história do gênero humano, e dessa forma ocupa um lugar social, no qual exerce uma atividade em que ele produz e se produz a si mesmo. Mas Charlot (2000, p. 54) alerta que essa produção só é possível pela mediação do outro e com sua ajuda. Para que esse processo se efetive, é necessário que o sujeito tenha essa intencionali-

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dade, ou seja, que consinta e que colabore nesse processo.   Para tanto, o sujeito precisa encontrar também mediações e condições objetivas no mundo que oportunizem e possibilitem esse processo educativo. A partir disso, pensa-se uma escola de EJA em que se produzam novos saberes e heranças culturais no sentido de promover maior compreensão sobre o mundo em que se vive.

4.3 DIFERENTES MEDIAÇÕES DA ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO PEDAGÓGICO NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS

Outro aspecto fundamental indicado pelas pesquisas e diálogos com colegas professores de EJA refere-se ao modo como os educadores constroem alternativas para lidar com os diferentes níveis de conhecimento e de ritmos de aprendizagem no espaço da aula. Essas alternativas ficam evidentes nos depoimentos dos professores da pesquisa de Laffin (2006), ao situarem os modos como lidam com seus alunos jovens e adultos, como pensam a aula e como definem as atividades para a sua ação, isto é, como definem as ações específicas de atuação no âmbito da aula como professores de jovens e adultos: – Eu organizo a aula dependendo do grupo, do número de alunos que tem na sala. Eu faço assim,

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tem o plano da aula programado e sempre uma aula de apoio. Maria Heloísa – 38 anos – A minha turma é sempre o mesmo número de alunos, então eu tenho sim, certa rotina. Faço chamada, distribuo atividades e vou vendo quem fez ou o que não fizeram em casa. Vou corrigindo a atividade, as tarefas e ajudando os que não fizeram em casa, uns por falta de tempo, outros porque não conseguiram. Vou ajudar os que não fizeram, sempre tem aquele que já está na terceira atividade. Simone – 34 anos – Mas e quando não temos acesso a xerox, ou mimeógrafo? Maria Heloísa – 38 anos – Não trabalho só com atividades mimeografadas, mas dou uma sequência, deixo atividades no quadro. Simone – 34 anos – Quando os alunos vão terminando suas atividades um vai ajudando o outro, mas mesmo assim eles ficam cobrando o olhar da professora. Foi decidido com a turma, faço sempre a avaliação com eles do que funciona, se tem alguma coisa que eu não estou conseguindo oportunizar. A turma decidiu fazer assim, e muitas vezes reúno a turma para realizar atividades com todos juntos. Mir-

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na – 40 anos – Trabalho muito em grupo, mas sempre estabelecendo pautas de trabalho. Ao final faço a socialização das atividades. Mais ou menos de duas em duas semanas faço atividades relâmpago, eles gostam, e cobram, eles querem saber como estão, me dizem: “Ó Pedro, será que estou melhorando”? É muito importante estabelecer essa relação na sala de aula, seja no EJA ou até mesmo com crianças. Pedro – 33 anos

Materializam-se nas falas indícios de práticas organizadas diferentemente das previstas na escola dita “regular”, na qual temos um conteúdo programático previsto e todos os alunos devem apreendê-lo ao mesmo tempo, como se os sujeitos tivessem os mesmos ritmos de aprendizagens. No processo de escolarização de jovens e adultos situado pelos professores desta investigação percebem-se nos seus dizeres modos de lidar efetiva e objetivamente com esses diferentes ritmos de aprendizagem, em termos de apropriação do conhecimento: – [...] pois tenho aqueles que têm mais necessidades, e outros que vão avançando. Não consigo trabalhar, num movimento em que todos estão fazendo as mesmas

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atividades ao mesmo tempo! Tem uns que fazem mais rápido, com maior autonomia e outros que vão precisando de ajuda, de mediação. Aqueles que conseguem trabalhar sozinhos, vão avançando. Simone – 34 anos – [...] quando tinha as duas fases juntas na mesma sala, eu já me organizava assim também. Eu concordo que é muito mais difícil, mas a gente consegue dividir o quadro em três partes e distribuir as atividades. Muitas vezes trabalho o mesmo texto e os exercícios é que vão sendo desenvolvidos por grau de profundidade, e vou realizando várias produções com base naquele texto. Simone – 34 anos – Eu tenho diferentes níveis e como estou sozinha na escola, não tem outras turmas, muitas vezes dependendo das atividades agrupo os alunos em duas salas diferentes. Eu sou a professora, mas não trabalho sozinha, trabalho no grande grupo, sempre junto com os alunos. Mirna – 40 anos – É o trabalho do professor como mediador, mesmo ele não estando ali eles trabalham. Simone – 34 anos

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O grupo de docentes situa que lidam com pessoas   com mais conhecimento de que outros em determinado momento, com mais experiência no conhecimento e outras pessoas com um pouco menos. Uma das particularidades do trabalho de EJA que emerge nos dados é uma flexibilidade que se constrói em termos de organização metodológica e curricular, possibilitando lidar com os diferentes ritmos de aprendizagem e com as diferenças de apropriação do conhecimento. Destaca-se o fato da ação do docente como mediador nesses diferentes ritmos de aprendizagem, o que os leva a organizarem diferentes modos de lidar com a diversidade ao organizarem as atividades de ensino: – [...] a gente consegue dividir o quadro em três partes e distribuir as atividades. Muitas vezes trabalho o mesmo texto e os exercícios é que vão sendo desenvolvidos por grau de profundidade, e vou realizando várias produções com base naquele texto. Simone – 34 anos – Tenho um grupo bem dinâmico, organizo uma rotina sistematizada com as áreas do conhecimento, mas procuro fazê-lo de forma interdisciplinar. No início das aulas, mostro para os alunos o que eu vou trabalhar. Trabalho texto, as palavras, nada solto, mas

sempre com sentido e significado, vendo o que dá liga com os alunos. Trabalho muito em grupo, mas sempre estabelecendo pautas de trabalho. Ao final faço a socialização das atividades. Pedro – 33 anos – [...] outros que vão precisando de ajuda, de mediação. Simone – 34 anos

– Eu sou a professora, mas não trabalho sozinha, trabalho no grande grupo, sempre junto com os alunos. Mirna – 40 anos, ou seja, – É o trabalho do professor como mediador, mesmo ele não estando ali eles trabalham. Simone – 34 anos

Outra dimensão percebida na mesma pesquisa indicada nas falas do grupo de professores remete aos tempos que os jovens e adultos acabam tendo para dedicar a seus

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Percebe-se assim que os docentes investigados indicam na organização do seu trabalho um movimento de atendimento dos sujeitos jovens e adultos, que não significa constituir um processo de individualização e homogeneização das práticas nesse atendimento, uma vez que os docentes indicam:

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estudos e às ausências que são obrigados a ter em função das necessidades   de trabalho, de questões de sobrevivência e familiares. – O maior problema que enfrento é com uns alunos, senhores e jovens que trabalham com empreiteira. Então quando estão perto, fica fácil, mas quando vão para longe, vêm só umas duas vezes na semana, e eles mesmos trazem livros, eles pedem ajuda e dizem: “Professora, não me tira da chamada que eu preciso estudar”! Mirna – 40 anos – Eles valorizam, querem vir à aula. Maria Heloísa – 38 anos

Destaca-se nas falas destes profissionais a sinalização de um processo de constituição dos processos de escolarização que respeita e procura articular o processo pedagógico às particularidades dos sujeitos jovens e adultos. Essas particularidades remetem a uma necessidade de flexibilização, tanto curricular, como de organização e validação dos tempos escolares, uma vez que, Os sistemas que pretendem garantir [os] direitos [de jovens e adultos] têm de se adaptar à concretude social em que os diversos setores vivem suas exigências,

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sobretudo quando se trata da infância, adolescência e juventude populares a quem não é dado o direito de escolher suas formas de vida e de sobrevivência. Na história da EJA, encontraremos uma constante: partir dessas formas de existência populares, dos limites de opressão e exclusão em que são forçados a ter de fazer suas escolhas entre estudar ou sobreviver, articular o tempo rígido de escola com o tempo imprevisível da sobrevivência. Essa sensibilidade para essa concretude das formas de sobreviver e esses limites a suas escolhas merece ser aprendida pelo sistema escolar se pretende ser mais público. Avançando nessas direções, o diálogo entre EJA e sistema escolar poderá ser mutuamente fecundo. Um diálogo eminentemente político, guiado por opções políticas, por garantias de direitos de sujeitos concretos. Não por direitos abstratos de sujeitos abstratos (ARROYO, 2005, p. 49).

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4 . 4 A VA LO R I Z A Ç Ã O D O S U J E I TO   A APR E N DIZAG E M: U MA OUTRA D CON STR UÇÃO SOCIAL NA R E LAÇÃO COM O SABE R

Pensar uma escola que efetivamente considere os sujeitos jovens e adultos, uma escola que saiba “ensinar considerando a valorização da individualidade sem constranger” (Neli – 35 anos) é fundamental, principalmente ao constatarmos o que afirmam os professores sobre o modo como os sujeitos jovens/adultos se identificam ao se inserirem nos processos de escolarização: – Eles têm muita insegurança neles próprios, em si. Quando eles se sentem mais seguros, parece que a aprendizagem fica mais rápida para eles, as coisas têm mais sentido, têm outras visões. Maria Heloísa – 38 anos – Alguns já vêm de um sofrimento muito grande e bloquearam suas mentes. Mirna – 40 anos – Eles querem melhorar a própria autoestima deles. Mari – 51 anos

Dirigir o olhar para essa questão é perceber o sujeito que procura o conhecimento na escolarização na EJA como um sujeito inscrito nas práticas da história humana, já que os

Sujeitos sócio culturais constituem-se, pois, em suas experiências vividas no mundo da vida, pelas quais se fazem a si mesmos e à história humana. Uma históriapráxis de sujeitos que são, ao mesmo tempo, sua própria história (TEIXEIRA, 1996, p. 183). Educação de Jovens e Adultos e Educação na Diversidade | 265

Nessa perspectiva, ao analisarmos essa imagem apontada pelos docentes, de desvalorização que os alunos de EJA fazem de si, precisamos lembrar que essa imagem é construída socialmente nas próprias relações desses sujeitos com o mundo. Construída na sua relação com o “saber” e com a valorização social desse saber. Desse modo, essa desvalorização não está no sujeito em si, mas é uma imagem que constrói na distância em que ele se percebe cotidianamente com relação às suas vivências com esse saber. Charlot (2000, p. 17-18) evidencia que tal relação é marcada assim por uma percepção de ausência e de diferença ao lidar com dificuldade com situações que impõem o uso desse saber, construindo assim uma imagem desvalorizada de si. Vale lembrar que enquanto o aluno desenvolve ou não ações de aprendizagens com relação a determinados conhecimentos, ele aprende também sobre suas potencialidades, suas capacidades e dificuldades de lidar com o saber e modos de enfrentar tais dificuldades. Desse modo, ao pensarmos os sujeitos jovens adul-

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tos na sua relação com o saber “[...] é estudar esse sujeito   enquanto confrontado com a necessidade de aprender e a presença de ‘saber’ no mundo” (CHARLOT, 2000, p. 34). Nessa relação com o saber, em que se constrói uma imagem desvalorizada de si, precisamos considerar que, [...] o sujeito epistêmico é o sujeito afetivo e relacional, definido por sentimentos e emoções em situação e em ato; isto é – para não recorrer a algo inapreensível – o sujeito como sistemas de condutas relacionais, como conjunto de processos psíquicos implementados nas relações com os outros e consigo mesmo (CHARLOT, 2000, p. 70).

Também Paulo Freire (1980, p. 73), ao falar da marginalidade dos sujeitos, apontada, muitas vezes, em visões equivocadas sobre a situação do sujeito dito analfabeto, afirmava que essa visão dava-se em função do não reconhecimento e da ausência de análise da realidade histórica, social, cultural e econômica em que esse sujeito se encontrava inserido. Sobre essa identificação de que o sujeito estaria “à margem”, “fora de”, Freire interroga: se ele está à margem, quem é o autor desse movimento que o “põe de fora”? É o próprio sujeito marginalizado que decide se colocar à margem? Essa marginalidade consiste em opção do sujeito? Ora,



No seu livro Pedagogia do oprimido (1987, p. 50),

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[...] se a marginalidade não é opção, o homem marginalizado tem sido excluído do sistema social e é mantido fora dele, quer dizer, é objeto de violência. O homem marginalizado não é ‘um ser fora de’. É, ao contrário, um ‘ser no interior de’, em uma estrutura social em relação de dependência para com os que chamamos falsamente de seres autônomos. [...] Na realidade, estes homens analfabetos ou não – não são marginalizados. Repetimos: não estão ‘fora de’, são seres ‘para o outro’. Logo, a solução de seu problema não é converterem-se em ‘seres no interior de’, mas em homens que se libertam, porque não são homens à margem da estrutura, mas homens oprimidos no interior desta mesma estrutura que é responsável por esta mesma dependência. Não há outro caminho para a humanização – a sua própria e a dos outros –, a não ser uma autêntica transformação da estrutura desumanizante (FREIRE,1980, p. 74-75).

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Freire aponta que na sua relação com o mundo os sujei  oprimidos quase sempre não se percebem como quem tos “conhece”, como quem tem um conhecimento, ainda que este seja no nível da pura doxa, descrendo de si mesmo, assumindo assim uma característica de autodesvalia. Os sujeitos têm uma crença difusa, mágica, na invulnerabilidade do opressor. [...] Até o momento em que os oprimidos não tomem consciência das razões de seu estado de opressão ‘aceitam’ fatalisticamente a sua exploração (FREIRE, 1987, p. 51).

Essa noção de desvalia percebida pelo sujeito é, portanto, construída na sua relação com o mundo e com o outro e, segundo Freire (1987, p. 53-54), para que nos processos educativos dialógicos e emancipadores possamos contribuir para a construção de uma outra autoimagem dos sujeitos é fundamental que, acima de tudo [...] creiamos nos homens oprimidos. Que os vejamos como capazes de pensar certo também. [...] A ação política junto aos oprimidos tem de ser, no fundo, ‘ação cultural’para a liberdade, por isto mesmo, ação com eles.

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Dessa forma, para Freire (1987), a sensação de dependência emocional do sujeito constitui-se fruto de uma situação objetiva de dominação em que esse se acha, e que acaba gerando também sua visão inautêntica do mundo. Estas reflexões são extremamente relevantes, pois no cotidiano, principalmente da EJA, ouvimos constantemente indicativos de que primeiro de tudo é preciso trabalhar a autoestima dos educandos. O problema com essa expressão é que, semanticamente, auto remete a “por si próprio”, “de si mesmo”, já estima, indica “sentimento da importância ou do valor de alguém ou de alguma coisa; apreço, consideração, respeito” (FERREIRA, 1975, p. 162, 582). Logo, o termo autoestima nos leva a pensar o valor de si mesmo, considerado por si próprio. Ora, nesse sentido, seria legitimar a visão de que o problema da questão da distância do sujeito na sua relação com o saber estaria centrado no próprio sujeito, quando na realidade essa é efetivamente uma relação construída e inscrita nas práticas excludentes da história humana. Nesse sentido, opta-se por tomar emprestado de Charlot o termo uma imagem desvalorizada que os sujeitos têm de si no contexto das relações sociais. Imagem que é construída sócio-historicamente. E vale agora perguntar: como as professoras e professores de EJA lidam com essa questão no âmbito de sua prática docente?

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4.5 R ECI PROCI DADE E ACOLH I M E NTO:  AÇÕE S I NTE NCIONAI S NO PROCE S SO E N S I NO-APR E N DIZAG E M

Em primeira instância, o trabalho docente está intimamente relacionado ao processo ensino-aprendizagem – a uma ação didática – porém, é marcado também por outros elementos que constituem a docência. Uma questão que se salienta nos dizeres dos professores pesquisados em Laffin (2007) é o envolvimento do trabalho docente com a questão relacional, como uma dimensão primeira desse trabalho na mediação com o conhecimento, pois “professores constituem-se e identificam-se como tais a partir de suas relações com seus alunos. E estes, de igual forma” (TEIXEIRA, 1996, p. 187). As falas dos professores investigados vêm mostrando a sala da aula de EJA como um espaço do fluir dessa intimidade em que “[...] procuro deixá-los bem à vontade e mostrar-me bem aberta para conversar sobre qualquer dúvida ou assunto”. Maria Heloísa – 38 anos Capta-se a sinalização de uma perspectiva em que ensinar e aprender estão intrinsecamente articulados com uma relação de reciprocidade, de diálogo entre os alunos e docentes, uma vez que, – Trabalho o conhecimento, mas converso muito com eles sobre a vida, sobre o exercício. É dife-

É pensar a relação com o saber inscrita numa relação com o outro e consigo mesmo, por compreender que Toda relação consigo é também relação com o outro, e toda relação com o outro é também relação consigo próprio. Há aí um princípio essencial para a construção de uma sociologia do sujeito: é porque cada um leva em si o fantasma do outro e porque, inversamente, as relações sociais geram efeitos sobre os sujeitos que é possível uma sociologia do sujeito. Aí, também, um princípio fundamental para compreen-

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rente, por exemplo, tenho cinco níveis, tenho um aluno que eu já estava alfabetizando, teve toxoplasmose, perdeu grande parte da visão, preciso escrever com letra bem grande para ele enxergar, mas ele continua, é muito inteligente. Tenho uma senhora de 70 anos que está se alfabetizando agora, vou mais cedo para trabalhar com ela individualmente, quando os outros chegam já estou trabalhando com ela. Passo a mão na cabeça, há uma relação de carinho grande. Taís – 42 anos

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der-se a experiência escolar e para analisar-se a relação com o saber: a experiência escolar é, indissociavelmente, relação consigo, relação com os outros (professores e colegas), relação com o saber (CHARLOT, 2000, p. 47).

Essa relação dialógica constatada nas falas do grupo de professores investigados, enquanto uma forma de lidar também com a imagem de desvalorização que os sujeitos têm de si, pelo acolhimento para o processo ensino-aprendizagem, aponta-nos um fazer docente no sentido de criar um espaço de relações apropriadas para esse processo. Essa intencionalidade ao acolhimento é percebida quando as professoras e professor indicam que: – Todos são capazes de aprender, no entanto não acreditam que são capazes de aprender, então preciso ajudar mostrando alternativas para o aluno desenvolver seu potencial. Silvia – 35 – Tudo depende do mediador para despertar o entusiasmo e interesse dos alunos. Laís – 35 anos – Posso ajudar meus alunos, oferecendo-lhes maior tranquilidade e dando mais atenção a eles. Mari – 51 anos

Aponta-se nessas falas um movimento de provimento de condições para o ato de conhecer, como ação de mobilização para, de diálogo no sentido da desmitificação da própria imagem de desvalorização dos alunos, na sua própria relação com o processo de aprendizagem desse saber. O provimento dessas condições pode viabilizar uma outra relação com o saber. Segundo Charlot (2000, p. 54), essa relação implica atividade e para tal o sujeito precisa se mobilizar. Para que haja essa mobilização para com o ato do conhecimento, é necessário que o sujeito perceba sentidos e significados nessa atividade. “Mobilizar-se é também engajar-se em uma atividade originada por móbiles,

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– Posso ajudar meus alunos a superar suas dificuldades, partindo de várias atividades lúdicas. Pedro – 33 anos – É possível ajudar o adulto por meio da confiança do educando no educador. Neli – 35 anos – Podemos ajudar os alunos, dependendo da forma como conduzimos nosso trabalho, pois na maioria dos casos o que falta é aumentar a autoestima de nossos alunos. Simone – 34 anos – O que diferencia a EJA é a forma que se estabelece a relação professor – aluno, que envolve paciência e muita compreensão. Mirna – 40 anos

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porque existem ‘boas razões’ para fazê-lo” (CHARLOT,   2000, p. 55). Nesse sentido, [...] a intervenção educativa teria que atuar sobre os indivíduos necessariamente diversos, no sentido de lhes dar acesso àquela modalidade particular de relação entre sujeitos e objetos de conhecimento que é própria da escola, promovendo transformações específicas no seu percurso de desenvolvimento (OLIVEIRA, 1997, p. 60-61).

Transformações que poderão possibilitar também que o sujeito se perceba como sujeito de conhecimento e, portanto, também de se sentir como capaz de pensar certo também. “[...] A ação política junto aos oprimidos tem de ser, no fundo, ‘ação cultural’ para a liberdade, por isto mesmo, ação com eles” (FREIRE 1987, p. 54). E você como lida e como promove a valorização do sujeito na sua relação com o saber, ou o que geralmente se chama de valorização da autoestima?

4.6 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

REFERÊNCIAS ARROYO, M. G. Educação de jovens-adultos: um campo de direitos e de responsabilidade pública. In: SOARES, L. (Org.). Diálogos na educação de jovens e adultos. São Paulo: Autêntica, 2005. CHARLOT, B. Da relação com o saber. Porto Alegre: Artes Médicas, 2000. FERREIRA, A. B. de H. Novo dicionário da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1975.

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Neste texto analisamos juntos a questão da organização do trabalho docente na EJA, a qual deve constituir uma identidade e um fazer pedagógico destinada a promover a conquista de igualdade e direitos por parte de seus educandos e de seus educadores. Finalizando este artigo, gostaríamos que as reflexões provocadas pelas leituras dos autores que selecionamos e pelas problematizações que foram produzidas por vocês contribuam para práticas docentes humanizadoras, solidárias e de direito dos nossos estudantes jovens, adultos e idosos.

FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.   FREIRE, P. Conscientização: teoria e prática da libertação. São Paulo: Cortez e Moraes, 1980.

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LAFFIN, M. H. L. F. Reciprocidade e acolhimento na educação de jovens e adultos: ações intencionais na relação com o saber. Educar em Revista, Curitiba, v. n 29, p. 29, 2007. LAFFIN, M. H. L. F. A constituição da docência entre professores de escolarização inicial de jovens e adultos. 215 f. 2006. Tese (Doutorado em Educação)-Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2006. Disponível em . Acesso em: 05 dez. 2009. MEDRANO, S. M. M. O professor na construção de conhecimentos dos alunos, 2001. Disponível em: . Acesso em: 05 dez. 2009. OLIVEIRA, M. K. de. Sobre diferenças individuais e diferenças culturais: o lugar da abordagem histórico-cultural. In: AQUINO, J. G. (Org.). Erro e fracasso na escola: alternativas teóricas e práticas. São Paulo, Summus, 1997. TEIXEIRA, I. C. Os professores como sujeitos sócio-culturais. In: DAYRELL, J. T. (Org.). Múltiplos olhares sobre

educação e cultura. Belo Horizonte: UFMG, 1996.

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

CARVALHO, M. P. de. No coração da sala de aula: gênero e trabalho. São Paulo: Xamã, 1999. CHARLOT, B. O sujeito e a relação com o saber. In: BARBOSA, R. L. L. (Org.). Formação de educadores: desafios e perspectivas. São Paulo: Ed. da UNESP, 2003. DAYRELL, J. T. A juventude e a educação de jovens e adultos: reflexões iniciais: novos sujeitos. In: SOARES, L. (Org.). Diálogos na educação de jovens e adultos. São Paulo: Autêntica, 2005. DI PIERRO, M. C. R.; MASAGÃO, V.; JOIA, O. Visões da educação de jovens e adultos no Brasil. Cadernos do CEDES, Campinas, n. 55, p. 58-77, 2001. GIOVANETTI, M. A. G. C. A formação de educadores do EJA: o legado da educação popular. In: SOARES, L.

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BRASIL. Secretaria de Educação Continuada Alfabetização e Diversidade. Documento Base Nacional Preparatório à VI CONFINTEA. Brasília, 2008. Disponível em . Acesso em: 05 dez. 2009.

(Org.). Diálogos na educação de jovens e adultos. São Paulo: Autêntica, 2005.  

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HADDAD, S. Por uma cultura em educação de jovens e adultos, um balanço de experiência de poder local. In: ____. (Coord.). Novos caminhos em educação de jovens e adultos - EJA: um estudo de ações do poder público em cidades de regiões metropolitanas brasileiras. São Paulo: Ação educativa, 2007. HADDAD, S.; DI PIERRO, M. C. Escolarização de jovens e adultos. Revista brasileira de Educação, Rio de Janeiro, n. 14, p. 108-130, maio/ago. 2000. OLIVEIRA, E. C. Sujeitos-professores da EJA: a construção da docência. Disponível em . Acesso em: 05 dez. 2009. OLIVEIRA, M. K. . Jovens e adultos como sujeitos de conhecimento e aprendizagem. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, v. 12, p. 59-73, 1999. RIBEIRO, V. M. (Org.). Educação de Jovens e adultos: novos leitores, novas leituras. Campinas: Mercado de Letras; São Paulo: Ação Educativa, 2001. RIBEIRO, V. M. A formação de educadores e a constituição da educação de jovens e adultos como campo pedagógico. Educação e Sociedade, Campinas, v. 20, n. 68,

p.184-201, dez. 1999. Disponível em: . Acesso em: 28 mar. 2011. SOARES, L. (Org.). Diálogos na educação de jovens e adultos. São Paulo: Autêntica, 2005.

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05.

PráticA DocEntE E currículo nA EDucAção DE JovEns E ADultos

Prática docente e currículo na   Educação de Jovens e Adultos25 Regina Bittencourt Souto26

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A ciência pode classificar e nomear os órgãos de um sabiá, mas não pode medir seus encantos. A ciência não pode calcular quantos cavalos de força existem nos encantos de um sabiá. Quem acumula muita informação perde o condão de adivinhar: divinare. Os sabiás divinam. (Manuel de Barros, 1997, p. 53)

5. INTRODUÇÃO É importante refletir e assumir a Educação de Jovens e Adultos (EJA) na perspectiva do direito, que desde 25. Texto publicado em Laffin, M. HERMÍNIA L. F. (Org.) Educação de Jovens e Adultos na Diversidade : Livro 2. Florianópolis: NUP/CED, 2010, nesta publicação revisto e atualizado. 26. Graduada em História e pós-graduada em História Social pela Universidade Estadual de Santa Catarina. É professora efetiva da Educação de Jovens e Adultos na Secretaria Municipal de Educação de Florianópolis. Atuou na função de Gerente de Articulação Pedagógica/EJA e Coordenação Executiva do Programa do PROJOVEM Urbano, ambos na mesma secretaria. É coordenadora do FEEJA – Fórum de EJA de SC.

A EJA é também espaço de tensionamento e aprendizagem em diferentes ambientes de vivências que contribuem para a formação de jovens e adultos como sujeitos da história. Nesses espaços, a EJA volta-se para um conjunto amplo e heterogêneo de jovens e adultos oriundos de diferentes frações da classe trabalhadora. Por isso, é compreendido na diversidade e multiplicidade de situações relativas às questões étnico-racial, de

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a Constituição de 1988, tornou-se um direito de todos os que não tiveram acesso à elevação da escolaridade ou que tiveram esse acesso, mas não puderam dar continuidade. A esse direito junta-se uma concepção ampliada de Educação de Jovens e Adultos que entende educação pública e gratuita como direito universal de aprender, de ampliar e partilhar conhecimentos e saberes acumulados ao longo da vida, e não apenas de se escolarizar. Isso significa dizer que os educandos passam a maior parte de suas vidas na condição de aprendizes e, portanto, muitas são as situações de aprendizado que vivenciam em seus percursos formativos. Para conhecer as experiências dos diferentes aprendizados relacionados à vida dos jovens e adultos, é preciso conhecer e reconhecer trajetória de vida dos educandos. O documento Base Nacional preparatório a VI CONFINTEA assinala que:

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gênero, geracionais; de aspectos culturais e regionais e geográficos; de orientação sexual; de privação da liberdade; e de condições mentais, físicas e psíquicas — entendida, portanto, nas diferentes formas de produção da existência, sob os aspectos econômico e cultural. Toda essa diversidade institui distintas formas de ser brasileiro, que precisam incidir no planejamento e na execução de diferentes propostas e encaminhamentos na EJA (BRASIL, 2009)27.

Vale nos questionarmos sobre quem são esses sujeitos, tão evocados nos textos e documentos que analisam e propõem políticas para e Educação de Jovens e Adultos. Compartilhamos com a noção de sujeitos, sempre no plural, porque são muitas as dobras que os tecem e que se entrelaçam, e nesse sentido, negam a identidade única, produzida na modernidade na qual o sujeito humano é reconhecido de maneira positiva, científica e racional, e nessa perspectiva, um ser acabado e portador de uma história linear. Por isso, é importante analisar os processos 27. A VI Conferência Internacional de Educação de Adultos - CONFINTEA aconteceu no Brasil no em 2009, e pela primeira vez em um país localizado no hemisfério Sul. Nesse processo, os FÓRUNS de EJA no Brasil, juntamente com as instituições governamentais e não governamentais promoveram, uma série de debates sobre formulações de políticas para a área. O resultado final desses encontros foi a produção do “Documento nacional preparatório a VI Conferência Internacional de Educação de Adultos. Disponível em: http://forumeja.org.br/files/docbrasil.pdf. Acesso em março de 2011.

28. A noção de dobra e de relações de poder e saber são reflexões das leituras e análises feitas de obras do filósofo francês Michel Foucault. Essas noções, ou categorias, contribuem para problematizações nos estudos das práticas e teorias da educação. Se você quer aprofundar a discussão sobre como a modernidade forjou uma identidade humanista e clarear a noção de dobra e a produção do sujeito permeada pelas relações de saber, e suas interferências na educação e nos currículos, sugiro a leitura do livro de Veiga-Neto, Alfredo. Alguns textos de FOUCAUT estão disponíveis em http://vsites. unb.br/fe/tef/filoesco/foucault/biblio.html

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de subjetivação, construídos pelas relações de saber e de poder, na perspectiva de que as experiências cotidianas produzem ao mesmo tempo em que forjam identidades e que moldam os modos de ser e fazer dos sujeitos28. As diferenças e contradições que configuram as identidades dos sujeitos são produzidas por relações de saber e poder que historicamente configuraram a humanidade. O poder aqui é visto como elemento capaz de explicar como os saberes são produzidos e como nos constituímos na articulação entre poder e saber. O pesquisador Alfredo Veiga-Neto (2003, p. 136), ao analisar as contribuições de Foucault para a educação diz que: “Nos tornamos sujeitos pelos modos de investigação, pelas práticas divisórias e pelos modos de transformação que os outros aplicam e que nós aplicamos sobre nós mesmos”. Inúmeros estudos no campo da educação têm permitido que se compreenda como as práticas, os arranjos e os artefatos pedagógicos instituíram e continuam a instituir as múltiplas subjetividades no sujeito. Chamo a reflexão para a questão: a escola na atualidade brasileira consegue acolher essa concepção de sujeito, esse que é produzido nas e pelas relações sociais? Em verdade, o questionamento feito acima é uma

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inquietação que deve fazer parte das reflexões, das elabo  rações dos currículos e das práticas docentes na educação. Nessa direção o pesquisador Roberto Jamil Cury (2011) diz que “Somos todos iguais e diferentes ao mesmo tempo”, e continua o autor: Às vezes, a escola confundiu igualdade com uniformidade e diferença com inferioridade (para muitos) e superioridade (para poucos). Por isso mesmo, houve leis que proibiram o acesso de negros e índios à escola, que só incentivavam escolas da cidade (deixando de lado as escolas da roça) e não se pode deixar de dizer que houve muito preconceito com relação às mulheres, achando que elas deveriam ficar em casa e que não necessitavam de leitura e de escrita. Durante longos anos, quem não sabia escrever seu próprio nome, não podia votar. Hoje, todos sabem da importância da escola.29

Para problematizar a questão é importante saber como fazer isso acontecer, ou seja, como traduzir isso na prática. Importa também nos indagarmos sobre: Como 29. Autor do Parecer CEB 11/2000, que estabelece as Diretrizes Curriculares Nacionais para a EJA.

5.1 Para quem são destinadas as práticas docentes?

Por que paraste de estudar? É uma questão que muitos jovens e adultos que precisaram interromper seus estudos já ouviram. Essa pergunta fez parte de uma pesquisa realizada nos anos de 2007 a 2008 com 13 educan-

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estruturar um curso de EJA em que as condições citadas acima sejam respeitadas e articuladas com os processos de aprendizagens que ocorram na escola segundo determinada regras e lógica do que é saber e conhecer, com processos que acontecem com homens e mulheres por toda a vida, em todos os espaços sociais com os quais se relacionam? Como organizar metodologicamente um curso que provoque os educandos à reflexão sobre sua vida, sobre seus conhecimentos, sobre sua condição no mundo? Que relação se estabelece com o conhecimento quando se conceitua que um currículo para a EJA não deve ser previamente definido, se não passar pela mediação com os educandos e seus saberes, e com a prática de seus educadores, o que vai além do regulamentado, do consagrado, do sistematizado? As problematizações acima contribuem para que reflitamos sobre os aspectos pedagógicos na educação e jovens e adultos e serão analisadas nas páginas seguintes.

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dos matriculados no curso de EJA da Secretaria Munici  de Florianópolis, a qual tinha o objetivo analisar os pal sujeitos matriculados no curso. As respostas foram as mais variadas possíveis: porque precisei trabalhar; porque não tinha escola perto da minha casa; porque casei; porque reprovei algumas vezes e então desisti e por aí afora... São respostas simples e diretas, mas que vêm carregadas por imagens guardadas na lembrança. Guardam as lembranças de outros tempos como da infância e da adolescência, de outros colegas, de outros espaços, de outros costumes e de outros valores. Os dois relatos que seguem são resultados dessa pesquisa e demonstram a diversidade de sujeitos que compõem a EJA. Narram sobre os motivos que levam a necessidade de parar de estudar, bem como a decisão de se matricular em um curso de EJA.30 Tenho 54 anos, casada, três filhos, três netos. Hoje estou voltando à escola, há muito tinha vontade de estudar, mas sempre adiava, outro dia ao trazer meus netos à escola vi na entrada o cartaz avisando das aulas para adultos. Confesso que agi por impulso, voltei e fiz minha inscrição, o qual não foi minha surpresa quando me ligaram à noite, confirmando o curso. Há mais de 40 anos parei de 30. Embora o uso das entrevistas e do material escrito tenha sido autorizado pelas entrevistadas e entrevistados, seus nomes foram preservados. (Acervo da autora).

Nota-se que a relação com a escola, destacada pela educanda, é de ruptura, pois ela está “há mais de 40 anos” distante dos processos de escolarização, esses que são considerados de responsabilidade da instituição legitimada socialmente e nomeada Escola. Apesar do tempo que separa a educanda das atividades escolares, o relato demonstra que ela escreve bem, e quanto a isso se percebe que seu texto tem coerência e concordância. Na entrevista da educanda descobriu-se que ela é uma leitora em potencial, adora ler livros, revistas, e nesse sentido, tem a habilidade da leitura e da escrita muito bem desenvolvida, mesmo estando fora da escola há mais de quatro décadas. Essa não é uma realidade hegemônica nos cursos de EJA, principalmente entre os educandos que frequentam os cursos no nível do ensino fundamental. Pois, na maioria das situações, os educandos adultos têm uma

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estudar, fiz até a 6ª série, parei porque somos nove irmãos, apenas meu pai trabalhava, então os mais velhos tinham que trabalhar, destes apenas dois conseguiram terminar o segundo grau. Antigamente havia poucas escolas tudo era mais difícil, hoje temos a opção de escolher a escola mais perto de casa e é um orgulho poder estudar na escola que meus netos estudam. (Florianópolis: Canasvieiras, 05 de março de 2007).

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passagem curta e não sistemática pela escola, são traba  lhadores e trabalhadoras pertencentes às classes populares e desempenham tarefas árduas e duras em seu dia a dia e que não faz parte do cotidiano a prática da leitura. O segundo relato nos revela outro sujeito de EJA e foi recolhido mediante uma entrevista realizada no ano de 2007: – Eu vim, decidi estudar aqui porque eu me atrasei muito né, eu reprovei na primeira, na segunda, na terceira, na quarta e na quinta, daí eu tenho 16 anos e já era para eu estar na primeira série do segundo grau. Daí eu decidi para eu adiantar e ano que vem fazer o normal. Onde você estudava antes de matricular na EJA? – Sempre morei na Cachoeira do Bom Jesus (bairro localizado na região norte do Município de Florianópolis), e estudei no colégio municipal que fica na Cachoeira e depois no Instituto Estadual de Educação, no centro. O que você acha do curso da EJA? A experiência que você tem da escola antes e a experiência que está tendo neste curso? – Eu antes de começar aqui todo

Diferente do relato anterior, esse educando tem 16 anos e nunca parou de estudar, sua relação com a escola ainda está presente em suas lembranças, pois o jovem conta nos dedos a quantidade de vezes que reprovou na escola: “reprovei na primeira, na segunda, na terceira, na quarta e na quinta”. Para os educandos da EJA ainda jovens, a relação com a escola, geralmente, é rememorada com uma situação de desencanto, conflito ou de tensão. Nas paredes, carteiras, corredores, salas de direção estão inscritas as relações estabelecidas no espaço escolar. No caso do relato desse jovem percebe-se sua insatisfação com as insistentes reprovações a cada ano escolar, pois para cada série frequentada ficaram dois anos de sua vida, o que fez com que se “atrasasse muito”. Os dois relatos são exemplos de educandos jovens e adultos que não tiveram acesso à elevação da escolaridade ou que tiveram esse acesso, mas não puderam completar o processo. A Constituição Brasileira de 1988 re-

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mundo falava, ‘não dá nada’, ‘não aprende nada’, mas depois que eu comecei, sim aprende bastante, as professoras ensinam bastante. Não é uma coisa que não ensina que é o que todo mundo falava, ah isso aí não tem estudo. Eu também achava, eu entrei só com o pensamento de pegar o canudo e deu... (Canasvieiras, Florianópolis/SC, 30 de outubro de 2007).

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conheceu que todos os brasileiros em qualquer idade são titulares do direito à educação e a Lei de Diretrizes e Bases   da Educação legitimou a Educação de Jovens e Adultos como uma modalidade da Educação Básica. Alguns autores31 que pesquisam sobre a EJA no Brasil assinalam a importância de compreender que o sujeito de EJA se forma em processos contínuos de aprendizado, não representados necessariamente pela escola, mas pelos múltiplos espaços sociais que interagem nas suas relações sociais, como no mundo do trabalho, na família, na rua, na cidade, nas instituições de ensino, em entidades religiosas, nas associações de bairros, nas manifestações culturais, nos ambientes virtuais multimídias, cotidianamente e o tempo todo. Marta Kohl de Oliveira (1999), ao discutir sobre jovens e adultos como sujeitos de conhecimento, diz que O adulto está inserido no mundo do trabalho e das relações interpessoais de um modo diferente daquele da criança e do adolescente. Traz consigo uma história mais longa (e provavelmente mais complexa) de experiência, conhecimentos acumulados e reflexões sobre o mundo externo, sobre si mesmo e sobre as outras pessoas. 31. Autores como Miguel Arroyo, Jane Paiva, Maria Margarida Machado, Thimoty Ireland, Leôncio Soares, Maria Clara Di Pierro entre outros. A UNESCO tem realizado uma série de publicações voltadas para a EJA. (Acesse a página da UNESCO no Brasil http://www.brasilia.unesco.org/). Destacamos o volume: Educação de Jovens e Adultos: uma memória contemporânea. Disponível em: . Acesso em março de 2011.

32. Para aprofundar essa discussão leia o texto de Machado (2007).

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As questões consideradas pela autora precisam ser refletidas nos currículos e traduzidas nas práticas pedagógicas para a EJA. Ao analisar as ações necessárias para o alcance da educação como direito, Maria Margarida Machado (2007) nos diz que ‘um passo crucial na tessitura de uma rede já se inicia da educação como direito aos seus próprios sujeitos’. Na Conferência de abertura do IX Encontro Nacional de Educação de Jovens e Adultos – ENEJA (MACHADO, 2007), a pesquisadora apresenta algumas problematizações: Como convencer jovens de que é possível voltar para a escola que os expulsou? Como convencer adultos de que o processo de educação ainda faz sentido, mesmo sem estar vinculado imediatamente à melhora nas condições de vida? O que concretamente estamos fazendo neste processo inicial que é o da mobilização para a busca do direito à educação ao longo da vida? As provocações assinaladas pela autora remetem à questão do direito subjetivo (MACHADO, 2001). Pois estamos falando de jovens e adultos portadores da faculdade legal de praticar ou deixar de praticar um ato, e nesse sentido podem escolher se matricular, ou não, nas aulas oferecidas pelos cursos de Educação de Jovens e Adultos, mesmo que a luta histórica tenha sido para que o poder público assuma sua responsabilidade na oferta da educação básica para jovens e adultos32.

 5.2 Reflexões sobre práticas docentes

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na eja

A Educação de Jovens e Adultos ainda é vista por muitos como uma forma de alfabetizar e escolarizar quem não teve oportunidade de estudar na infância e adolescência. Ao longo dos últimos anos esse conceito vem passando por análises e reflexões, apresentando, na atualmente, alguns desafios, dentre eles destacamos a necessidade de pensar a EJA voltada para o mundo do trabalho. O texto EJA e o mundo do trabalho, da autora Rita De Cássia Pacheco Gonçalves (2010), apresenta a categoria trabalho como uma possibilidade de construir “mediações/diálogos com as múltiplas dimensões da realidade social em que estão inseridos os alunos da EJA”. Já o inglês Timothy Ireland (2011) afirma que, “Hoje sabemos do valor da aprendizagem contínua em todas as fases da vida, e não somente durante a infância e a juventude”. Nessa direção destacamos novamente o Documento Nacional Preparatório à Confintea (2008, p. 4), no que se refere à concepção de EJA ao longo da vida: Do ponto de vista do que faz a escola — e do que sempre fez -, embora as expectativas sejam quase as mesmas por parte de jovens e adultos, cabe à EJA repensar o

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papel que deve desempenhar para mobilizar esses sujeitos à retomada de seu percurso educativo. Se muitos deles têm trajetórias escolares descontínuas, de não-aprendizados, de frustrações, não é possível repetir modelos e manter fórmulas de lidar com a infância na relação entre sujeitos jovens e adultos. Se ler e escrever são indispensáveis às sociedades em que a cultura escrita regula a vida social, jovens e adultos precisam apreender, se apropriar e produzir, utilizando essas técnicas. Ao longo da vida, jovens e adultos estiveram sempre aprendendo e, portanto, detêm saberes que não podem ser ignorados. Seus saberes podem dialogar, produtivamente, portanto, com o currículo da escola, reconsiderando tempos de aprendizagem, formas de organização. Articular saberes cotidianos de jovens e adultos a saberes técnicos e científicos sistematizados numa perspectiva de emancipação põe-se como desafio para o currículo da EJA. O que importa como finalidade da ação pedagógica é saber o que sabem e como aprendem jovens e adultos

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e, para isso, o trabalho docente — valendo-se de modos de avaliação processual — deve pôr o aprender acima do certificar.

Quanto a isso, existe um indicativo nacional para as políticas de EJA orientando que os cursos oferecidos nesta modalidade devam se pautar pelo entendimento do direito de aprender, e ampliar conhecimentos ao longo da vida, e não apenas de se escolarizar. Esse indicativo acontece quando o sentido da educação de adultos alargou-se para absorver a ideia do aprender por toda a vida, sentido da EJA a partir da V Conferência Internacional de Educação de Adultos - (CONFINTEA, 2008) como condição indispensável à vida adulta. Em um contexto mais amplo a ideia que o estudante “perdeu algo”, em termos de conteúdos, começa a ser repensada a partir da Declaração de Hamburgo, de 1997, na V CONFINTEA33, realizada na Alemanha, o documento assinala que: Educação básica para todos significa dar às pessoas, independente da idade, a oportunidade de desenvolver seu potencial, coletiva ou individualmente. Não é apenas um direito, mas também um dever e uma responsabilidade para com os outros e a sociedade. 33. Sugerimos a leitura do texto de Soares e Silva (2008).

É fundamental que o reconhecimento à educação continuada durante a vida seja acompanhado de medidas que garantam as condições necessárias para o exercício desse direito (BRASIL, 2004, p. 44).

34. O Movimento de Cultura Popular é tributário do pensamento de Paulo Freire. Conheça mais em Coelho (2011).

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Nessa conferência, especialmente, o sentido da educação de adultos alargou-se para absorver a ideia do aprender por toda a vida, como condição indispensável à vida adulta, porque os sujeitos se formam em processos contínuos de aprendizado, não representado necessariamente pela escola, mas pelos múltiplos espaços sociais que interagem nas relações cotidianas da vida, como as do trabalho, da família, das associações, das igrejas etc. O rompimento da fusão desses dois modelos educacionais (tanto política quanto curricular) na educação às pessoas adultas se dá em 1964, ano do golpe militar no Brasil. Nesse processo, os movimentos34 de educação e cultura populares foram reprimidos e muitos de seus dirigentes presos. Entretanto, o que se observa na atualidade na EJA é que muitas das ideias do movimento popular entraram no estado e muitas das ideias de ‘supletivo’ permaneceram no estado, de modo que hoje existe uma série de tensões dentro desta modalidade de ensino. Existe uma série de disputas de sentidos, principalmente sobre

a natureza do conhecimento que decorrem dessa origem   dupla e histórica desse movimento que a gente chama de EJA. Por isso, não é possível se referir a uma Educação de Jovens e Adultos, pois existem muitos modelos de EJAs no Brasil (SOUTO, 2009).

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5.3 Reflexões sobre o currículo na educação de jovens e adultos nunca sei ao certo se sou um menino de dúvidas ou um homem de fé certezas o vento leva só as dúvidas continuam em pé. (Paulo Leminski, 2008, p. 38)

Culturalmente os currículos, programas e métodos de ensino foram originalmente concebidos para crianças e adolescentes que percorriam o caminho da escolarização na fase da vida tida como a “apropriada socialmente”. Questionamentos como: O que se ensina? Para que sujeito da educação está sendo pensando o currículo? Que sociedade é essa e como ela deve ser? O que é conhecimento e como funciona nessa sociedade? Como se aprende e como se ensina? O que é preciso para poder ensinar? Quem ensina para quem?, devem pautar as discussões, reflexões e encaminhamentos sobre o currículo

na EJA. O pesquisador Tomás Tadeu da Silva provoca algumas reflexões sobre currículo ao destacar que,

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Nas discussões cotidianas, quando pensamos em currículo pensamos apenas em conhecimento, esquecendo-nos de que o conhecimento que constitui o currículo está inextrincavelmente, centralmente, vitalmente envolvido naquilo que somos, naquilo que nos tornamos: na nossa identidade, na nossa subjetividade. Talvez possamos dizer que, além de uma questão de conhecimento, o currículo é também uma questão de identidade. Destacar, entre as múltiplas possibilidades, uma identidade ou subjetividade como sendo a ideal é uma operação de poder. As teorias do currículo não estão, nesse sentido, situadas num campo “puramente” epistemológico, de competição entre “puras” teorias. As teorias do currículo estão envolvidas na atividade de garantir o consenso, de obter hegemonia. As teorias do currículo estão situadas num campo epis-

 

temológico social. As teorias do currículo estão no centro de um território contestado (SILVA, 2007, p. 15).

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Marta Kohl, ao discutir sobre jovens e adultos como sujeitos de conhecimento diz que O adulto está inserido no mundo do trabalho e das relações interpessoais de um modo diferente daquele da criança e do adolescente. Traz consigo uma história mais longa (e provavelmente mais complexa) de experiência, conhecimentos acumulados e reflexões sobre o mundo externo, sobre si mesmo e sobre as outras pessoas (OLIVEIRA, 1999, p. 60).

Nesse sentido faz-se necessário superar uma concepção de EJA pela via da compensação, cujos principais fundamentos são da recuperação de um tempo de escolaridade perdido no passado e a ideia de que o tempo apropriado para o aprendizado é a infância e a adolescência. Vale ressaltar que o modelo de EJA tributário da concepção do supletivo baseia-se na idéia da suplência ao ensino fundamental, a ser preenchida com a recuperação dos conteúdos previstos para esta fase da escolaridade da criança. Esse modelo curricular se volta para as ativida-

Art. 1o - A educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais. Art. 2o - A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ide-

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des educativas compensatórias, portanto a escolarização de jovens e adultos nesse modelo se organiza através das representações dos conteúdos que são direcionados especificamente a crianças e adolescentes, incluindo-se habilidades e compreensões desenvolvidas pelos adultos através de outros canais, como a idéia de pertença a um estado ou país, o sistema monetário, etc. Se o currículo é a expressão do conhecimento e da cultura, percebe-se que essa organização curricular assenta suas bases em uma perspectiva do conhecimento cientificista, excessivamente tecnicista e disciplinarista, dificultando assim o estabelecimento de diálogos entre as experiências vividas e os saberes vivenciados pelos estudantes ao longo de sua trajetória de vida. (OLIVEIRA, 2004, p. 102-103) Os artigos 1º e 2º da LDBEN de 1996 fundamentam essa concepção enfatizando a educação como direito que se afirma independente do limite de idade.

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ais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”.

Nesse sentido, é preciso buscar uma concepção mais ampla das dimensões tempo/espaço de aprendizagem, na qual educadores e educandos estabeleçam uma relação mais dinâmica com o entorno social e com as suas questões, considerando que a juventude e a vida adulta são também tempos de aprendizagens.

5.4 O currículo na Educação de jovens e Adultos a partir da vi CONFINTEA

Para finalizar destaco algumas questões consideradas fundamentais na elaboração dos currículos e nas práticas docentes na EJA, assinaladas no Documento Nacional Preparatório à VI CONFINTEA (BRASIL, 2009 a). a) Sobre a organização do trabalho pedagógico Tempos e espaços na organização da EJA são fundamentais para possibilitar que aprendizados escolares se façam. Para além dos instituídos, cabe instituir tempos e espaços outros, de forma a atender a diversidade de modo que jovens e adultos possam estar na escola sem acelerar/

aligeirar processos de aprendizagem dos educandos, mas ampliando e socializando saberes. São as necessidades da vida, desejos a realizar, metas a cumprir que ditam as disposições desses sujeitos e, por isso, a importância de organizar e assegurar tempos e espaços flexíveis, em todos os segmentos, garantindo o direito à educação e aprendizagens ao longo da vida.

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b) Sobre práticas de letramento As políticas de EJA, dentre essas as de alfabetização, vêm disputando concepções sobre o que é alfabetizar e garantir o direito à educação para jovens e adultos. A perspectiva é de formar leitores e escritores autônomos, que dominem o código linguístico, mas que também sejam capazes de atribuir sentidos e recriar histórias; de compreender criticamente sua realidade intervindo para transformar (a práxis), pela escrita, sem prejuízo de outras formas de expressão como imagens, o que vai além do que tem sido observado em muitas práticas de alfabetização na EJA. O mundo contemporâneo exige o leitor de diversos códigos, do múltiplo, do diverso, perspicaz na interpretação e com capacidade de atribuir sentidos com toda a liberdade, para além da oralidade, campo em que sujeitos jovens e adultos têm domínio.

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c) Sobre a inclusão   O currículo para a EJA requer o reconhecimento do direito à oferta de atendimento educacional especializado, não substitutivo à escolarização, aos alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação, organizado pelos sistemas de ensino e realizado mediante a atuação de profissionais com conhecimentos específicos no ensino da Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS), da língua portuguesa na modalidade escrita como segunda língua, do sistema Braille, do Soroban, da orientação e mobilidade, das atividades de vida autônoma, da comunicação alternativa, do desenvolvimento de processos mentais superiores, de programas de enriquecimento curricular, da adequação e produção de materiais didáticos e pedagógicos, da tecnologia assistiva e de outros conhecimentos específicos. d) Da diversidade A EJA é também espaço de tensionamento e aprendizagem em diferentes ambientes de vivências que contribuem para a formação de jovens e adultos como sujeitos da história. Nesses espaços, a EJA volta-se para um conjunto amplo e heterogêneo de jovens e adultos oriundos de diferentes frações da classe trabalhadora. Por isso, é compreendido na diversidade e multiplicidade de situações relativas às questões étnico-racial, de gênero, geracionais; de aspectos culturais e regionais e geográficos; de orientação sexual; de privação da liberdade; e de con-

e) Da questão intergeracional A EJA, como espaço de relações intergeracionais, de diálogo entre saberes, de compreensão e de reconhecimento da experiência e da sabedoria, tencionados pelas culturas de jovens, adultos e idosos, tem, muitas vezes, essas relações tratadas como problemas. As formas de expressão conflitam com padrões homogêneos, exigindo acolher a discussão de juventudes, do tempo de vida adulta e de velhices, no plural.

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dições mentais, físicas e psíquicas — entendida, portanto, nas diferentes formas de produção da existência, sob os aspectos econômico e cultural. Toda essa diversidade institui distintas formas de ser brasileiro, que precisam incidir no planejamento e na execução de diferentes propostas e encaminhamentos na EJA. A EJA, na medida em que afirma a igualdade de todos como sujeitos de direitos, nega a forma de pensar de que uns valem mais do que outros, enfrentando as desigualdades como desafios a serem superados pela sociedade brasileira. Potencializar a diversidade na educação pode contribuir para a transformação social e para a formulação e execução de propostas educativas em que esses sujeitos de energia, imaginação e criatividade estejam no centro, com seus desejos, necessidades e expectativas de educação, cultura, saberes e práticas - um dos meios imprescindíveis à humanização não só de suas vidas como de toda a sociedade brasileira.

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f ) Das estratégias didático-pedagógicas   As estratégias político-didático-pedagógicas na EJA fundamentam-se em como viabilizar a superação de outros processos ainda marcados pela organização social da instituição escola, hierarquizada em um sistema verticalizado, em uma lógica disciplinar, com saberes e conhecimentos tomados como “conteúdos” fragmentados e estáticos, distantes da realidade e acríticos, que dificultam a legitimação dos saberes historicamente construídos por homens e mulheres. O trabalho na escola com saberes do cotidiano, com a articulação de saberes das classes populares com os conteúdos escolares (técnicos e científicos), exige modos não hierarquizados e não dicotomizados de intervenção pedagógica, dando sentido e significado a esses novos saberes assim produzidos, de forma a construir sistemas conceituais que contribuam para compreender a realidade, analisá-la e transformá-la. g) Da avaliação A avaliação na EJA também implica enfrentar o desafio e a lógica perversa da cultura hierárquica e submissa que formou o povo brasileiro. Cabe agora pensar de que modo cada sujeito se apropria dos conhecimentos e os faz seus, para si, para sua comunidade e sociedade, o que requer avaliação processual, contínua e formativa, que não remete somente à necessidade de certificação, referendo de um sistema de reconhecimento formal na sociedade. Como documento burocrático, o certificado muitas vezes

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tem sido o motor que conduz jovens e adultos de volta à escola, sem que esta se dê conta de estar diante de uma bela oportunidade de transformar a expectativa inicial dos sujeitos, minimizando seu valor e maximizando o valor do conhecer e da capacidade de jovens e adultos pelos aprendizados realizados. h) Sobre o currículo Um currículo para a EJA deve ser construído de forma integrada, respeitando a diversidade de etnias e manifestações regionais da cultura popular; não pode ser previamente definido, e sem passar pela mediação com os estudantes e seus saberes, bem como a prática de seus professores, o que vai além do regulamentado, do consagrado, do sistematizado em referências do ensino fundamental e do ensino médio, para reconhecer e legitimar currículos praticados. Reconfigurar currículos não é desafio individual, mas coletivo, de gestão democrática, que exige pensar mais do que uma intervenção específica: exige projeto político-pedagógico para a escola de EJA como comunidade de trabalho/aprendizagem em rede, em que a diversidade da sociedade esteja presente. É tarefa de diálogo entre educadores, educandos, especialistas, assim como os demais segmentos envolvidos no processo e requer a formação docente continuada, como professor/ pesquisador, pois por meio dela poderão revelar seus fazeres e ressignificar seus dizeres, a partir do que, efetivamente, sabem e pensam. Reitera-se assim neste texto a ideia já colocada

acima de que se aposta em uma concepção mais ampla das   dimensões de currículo, dos tempos, dos espaço e dos processos de aprendizagem, na qual educadores e educandos estabeleçam uma relação mais dinâmica com a vida social e com as questões da sua própria vida.

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06.

EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA: EXPANSÃO E INOVAÇÃO

EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA:   EXPANSÃO E INOVAÇÃO Araci Hack Catapan35 “Todos nós sabemos o que esperar de narrativas tradicionais como literatura, imprensa, televisão, contadas através dos meios de comunicação tradicionais. São histórias apresentadas em linguagens próprias, que permanecem idênticas não importa quantas vezes as ouçamos, as leiamos, ou assistamos a elas. Mas o que esperar de um meio que seja tanto interativo quanto imersivo ou,... Procedimental, participativo, espacial e enciclopédico? As informações nesse meio não são armazenadas com pontos de tinta no papel, nem como cristais sensibilizados em películas. São unidades binárias, zeros e uns que podem ser processados em tempo real de acordo com comandos do usuário. Essa característica permite-nos ir muito além de simplesmente ouvir historias, ler histórias ou assistir a elas...”.

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(MURRAY, 2003)36 35. É pedagoga e doutora em Engenharia de Produção pela Universidade Federal de Santa Catarina na área de Mídia e Conhecimento. É professora adjunta da Universidade Federal de Santa Catarina. Tem experiência em todos os níveis de Educação. Atua em pesquisa e ensino com ênfase nos seguintes temas: Educação a Distância (EaD), Cibercultura, Formação de Professores, Tecnologia de Comunicação Digital e Objetos de Ensino-aprendizagem. Atua nos programas de Pós-graduação da Engenharia e Gestão do Conhecimento e no Programa de Pós-graduação em Educação. É coordenadora do Núcleo de Pesquisa Científica em Educação a Distância CNPq. É coordenadora do projeto interinstitucional: Ateliertcd: tessituras de Linguagens http://www.ateliertcd. com.br/ead/ 36. Com este texto Marcos Cussiol (1997) apresenta a obra de Janet H. Murray “HAMLET no Holodeck: o futuro da narrativa no ciberespaço”, em que anuncia e e denuncia a necessidades de se entender os novos modos de comunicação.

6. INTRODUção

6.1 A EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA COMO FATOR DE EXPANSÃO E INOVAÇÃO Em tempos em que os olhos dos envolvidos no fazer educativo voltam-se para o cenário da educação no sentido da mundialização dos processos, e de modo especial, buscam outras saídas, encontra-se no sistema de Educação a Distância fatores comprovados de expansão, de inovação e de democratização de conhecimentos37. Especialmente quando se trata da necessidade expressa de se investir na formação professores para os tempos atuais. A ampliação de foco que o sistema de Educação a 37. Essa discussão é abordada no texto de Catapan (2003).

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A temática deste artigo é o sentido de expansão e inovação da educação a distância como contribuição às questões educacionais brasileiras. Analisa-se os principais indicadores sociais da educação brasileira segundo a literatura atual e se propõe uma reflexão na intersecção entre as defasagens da educação brasileira e a contribuição inovadora da Tecnologia de Comunicação digital, que é implementada inicialmente no sistema escolar pela educação a Distância e contribui não só para expansão mas com uma intensa inclusão digital.

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Distância provoca, considerando a cultura da Tecnologia   Comunicação Digital, que estende a possibilidade de da acesso ao conhecimento e aos processos educativos formais a um número cada vez maior de cidadãos, faz com que se reconheça esse sistema como uma oportunidade cada vez mais significativa no enfrentamento não só, da defasagem de formação de professores, mas também da necessidade de atualização e mundialização dos processos de comunicação entre as pessoas, os grupos e as nações38. O sistema de Educação a Distância tem se pautado por fatores evidentes de expansão e inovação no sentido do uso dos meios de comunicação digital. A educação superior no Brasil, em âmbito geral, tem hoje o seguinte quadro: 2.165 instituições de ensino superior, 20.407 cursos, 305.960 funções docentes e 5.932.244 milhões de estudantes. O crescimento na educação superior no ano de 2009 foi na media de 10% (BRASIL, 2009 a). A Educação a Distância tem sua contribuição nessa expansão. Entre 2008 e 2009 foram lançados 279 novos cursos a distância em todos os níveis, isto representa um crescimento de 90% no sistema de Educação a Distância. No ensino superior, apresenta um total de 2.020.652 estudantes distribuídos em 1.752 cursos ofere38. Segundo um levantamento da Hitwise realizado durante 12 semanas no Brasil, 4% das pessoas que acessam a internet procuram sites de conteúdo adulto, os demais procuram contatos nas redes sociais. (http://www.mundodomarketing.com.br). As redes sociais já somam mais de 230 milhões de usuários em todo o mundo, principalmente na faixa mais jovem. (http://www.wharton.universia.net/index.cfm?fa=viewArticle&id =1604&language=portuguese).

39. O Plano Nacional de Formação dos Professores da Educação Básica é resultado da ação conjunta do Ministério da Educação (MEC), de Instituições Públicas de Educação Superior (IPES) e das Secretarias de Educação dos estados e municípios, no âmbito do PDE - Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação – que estabeleceu no país um novo regime de colaboração da União com os estados e municípios, respeitando a de autonomia dos entes federados. Fonte: http://freire.mec.gov.br/index/ principal. Acesso em marco de 2011 40. Começaram em 14 de março, nas cidades de Maputo, Beira e Lichinga, em Moçambique, as aulas dos quatro primeiros cursos de graduação a distância da Universidade Aberta do Brasil (UAB) oferecidos na África. A iniciativa do governo brasileiro atende a um dos dispositivos do Acordo de Cooperação Cultural celebrado entre os dois países em julho de 1991.

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cidos por aproximadamente 250 instituições. Assim, em 2005, os estudantes do sistema EaD representavam 2,6% do universo dos estudantes. Em 2009 essa participação passou a ser de 4,4%. Os dados apontam ainda que, entre 2003 e 2009 houve um aumento de 571% em número de cursos e de 315% no número de matrículas. Na educação básica o crescimento é menor, mas já faz diferença, 8% das instituições públicas e 27,3% das privadas oferecem ensino técnico. (CENSOEAD.BR, 2009) Em 2010 o MEC oportunizou 100 mil vagas de formação para professores, na plataforma Freire39, embora apenas um sexto delas tenham sido ocupadas, mesmo assim esta ação expressa a potencialidade de expansão promovida pela Tecnologia Digital. Além da expansão registrada, o sistema Educação a Distância no Brasil tem elegido, prioritariamente, situações de aprendizagem que exploram diferentes metodologias e utilizam as mais avançadas Tecnologia de Comunicação Digital, promovendo de fato uma ação efetiva de inclusão digital. Entre as instituições que oferecem EaD no Brasil 93,6% utilizam os sistemas online síncrono ou assíncrono (CENSOEAD. com, 2009)40.

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O Sistema Nacional de Educação a Distância está   instituído, regulamentado e financiado em nosso país. Estende-se a uma população que vive em locais em que a educação superior e a formação profissional de nível técnico presencial não atingem. Garante oportunidade a uma população que não têm condições de frequentar o ensino presencial. Atualmente, este sistema pretende atingir mais ainda as instituições públicas do Brasil e também países do exterior. A Universidade Aberta do Brasil (UAB) oferece cursos de graduação, especialização e extensão, em mais de mil polos de apoio presencial, e atende aproximadamente 800 mil estudantes no Brasil. Este sistema está estruturado em nível de Ministério da Educação, junto à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) que se atualizou e criou uma diretoria de Educação a Distância. O Sistema Escola Técnica Aberta do Brasil (e-Tec Brasil) implementa 250 polos de apoio presencial e atende aproximadamente 30 mil estudantes em cursos de formação técnica profissional. Inicialmente foi criado e gerenciado pela Secretaria de Educação a Distância (SEED), e hoje está vinculado à Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica (SETEC). A consolidação do sistema de Educação a Distância é uma das políticas educacionais nacionais que mais se expande e inova, tanto no sentido de gestão como no sentido pedagógico.

41. O livro recém lançado e organizado por Alonso, Rodrigues e Barbosa, dá um panorama de como se organizam os processos de gestão e docência na Educação a Distância. 42. Especialistas em política científica e tecnológica afirmam que o processo de inovação requer uma rede de instituições publicas e privadas cujas atividades e interações iniciem, modifiquem e difundam novas tecnologias (BRASIL, 2006).

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A Educação a Distância tem se revelado um agente de inovação tecnológica nos processos de ensino-aprendizagem, fomentando a incorporação das Tecnologias de Informação e Comunicação Digital (TCD) e promovendo de fato a inclusão social. Além disso, promove a pesquisa e o desenvolvimento voltados para a introdução de novos conceitos e práticas nas escolas públicas brasileiras. Acredita-se que o sistema de Educação a Distân41 cia é uma oportunidade a mais para a escolarização da população brasileira e pode ser tão ou mais qualificado que o sistema presencial. O ENADE e os processos de avaliação contínuos do sistema, tanto no sentido diagnóstico de acompanhamento e orientação, como no sentido regulatório, estão indicando essa perspectiva. Embora sim, ainda se faça necessário especial atenção para com os processos de gestão e docência na Educação a Distância, que requer mediação pedagógica diferenciada do presencial, atualização na regulamentação, programa de formação dos professores e equipes multidisciplinares e o reconhecimento amplo desse sistema para sua efetiva avaliação e consolidação. Então, parece evidente e necessário encarar o sistema Educação a Distância como uma grande conquista da população brasileira que representa uma ação visível de expansão e inovação42.

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6.2 OS ÍNDICES DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA E   NECESSIDADE DE FORMAÇÃO PROFISSIONAL A ATUALIZADA NO MUNDO DA EDUCAÇÃO E DO TRABALHO As avaliações mais recentes sinalizam a importância da Educação a Distância ou, em termos mais atuais, a Educação Digital, para que o Brasil supere com maior rapidez e eficiência a defasagem educacional de sua população. Pois não obstante, os esforços e a contribuição de programas inovadores como os da Educação a Distância, os índices de desempenho da educação brasileira são deveras preocupantes. A temática educação tem alimentado grandes polêmicas em nosso tempo. Porém, quando observada pelo prisma dos dados resultantes de pesquisas e avaliações de desempenho, remete o leitor a uma leitura mais objetiva e, não somente especulativa, como muitas vezes acontece no mundo da educação. Pois, os dados quando analisados, devidamente e seriamente, expressam resultados muitas vezes surpreendentes. Observando a questão da educação brasileira no cenário mais amplo, a partir de alguns dados referentes a investimentos, desempenhos e implicações da cultura e das inovações tecnológicas, pode-se ter uma visão mais objetiva do problema. Pode-se olhar para este cenário a partir desses dois ângulos rapidamente: o da expansão e o da inovação.

43. Em média, os países da OCDE dedicam 13,3% do total da despesa pública com a educação, que vão de menos de 10% na República Checa, Itália e Japão, para quase 22% no México (Indicador B4). Os recursos públicos investidos na educação convertem-se em mais desenvolvimento para área. Education at a Glance 2010: OECD Indicators http://www.oecdbookshop.org/ 44. O PISA é um programa internacional de avaliação comparada cuja principal finalidade é produzir indicadores sobre a efetividade dos sistemas educacionais, avaliando o desempenho de alunos na faixa dos 15 anos, idade em que se pressupõe o término da escolaridade básica obrigatória na maioria dos países.

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O investimento público para a educação de 1995 a 2005, em dimensão mundial, cresceu de 11,9% a 13,3%. À exceção do Canadá, França, Hungria, Portugal e Suíça, cujos investimentos igualaram o crescimento das demais despesas públicas de outros setores, ou seja, ficaram bem acima desse índice. Entre os 28 países da Organização e Cooperação para o Desenvolvimento e Econômico (OCDE)43 os investimentos em educação cresceram em uma média de 19% (OECD, 2006). No Brasil ainda se investe em educação menos do que o mínimo recomendado pela OCDE que é de 6% do PIB. Em entre 1994 e 2007 o Brasil cresceu em financiamento em educação. Aumentou de 3,7% no período entre 1994 e 2000 para 5,2% em 2007 (OECD, 2006). A taxa, no entanto, ainda é inferior à média dos países ricos da OCDE, que é de 6,2%. Entre os exames que são aplicados no país para aferir o desempenho dos alunos (SAEB, Prova Brasil e ENEM) todos têm como base a série. A única exceção é o PISA (Programme for Internacional Etuden Assessment)44 que é aplicado aos alunos de 15 anos de idade.

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O índice de desempenho na educação brasilei  registrado pelo PISA (2006) é muito baixo (BRASIL, ra, 2011). Entre os 56 países pesquisados que fazem parte do OCDE a situação de desempenho educacional no Brasil é uma das mais baixas. No desempenho em leitura o Brasil está em 49º lugar, em Matemática em 53º lugar, em ciências no 52º. O PISA é realizado a cada três anos, e em 2009 o Brasil não melhorou sua posição ficando em 53º com 401 pontos, muito próximo de Cazaquistão que fez 300 pontos. A questão é: a que se deve esse baixo desempenho? Os alunos das redes públicas estaduais e municipais tiveram média de 387 pontos. A pontuação coloca os estudantes de 15 anos que frequentam escolas públicas de estados e municípios no mesmo patamar dos países que estão na lanterna da lista da OCDE. A média desses estudantes brasileiros está no mesmo nível da obtida pela Indonésia que ficou com 385 pontos e aparece com a sexta pior nota no Pisa 2009 (MALTCHIK, 2010).

45. IDEB – índice de desenvolvimento do Educação Básica, é o indicador criado pelo INEP/MEC para medir a qualidade dos sistemas de ensino público e privado no Brasil, em uma escala de zero a dez. O IDEB considera as notas dos alunos na prova Brasil/SAEB e aprovação média de desempenho dos estudantes em língua portuguesa e matemática. (BRASIL, 2010)

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Outro dado que deve ser considerado é o Índice de Desenvolvimento de Educação Básica (IDEB)45 que é o resultado da combinação de dois outros indicadores de proficiência que integram: a) a pontuação média dos estudantes em exames padronizados ao final de determinada etapa da educação básica (4ª e 8ª séries do ensino fundamental e 3º ano do ensino médio); b) a taxa média de aprovação dos estudantes da correspondente a etapa de ensino. O que chama a atenção não é só o baixo índice de desempenho, é o decréscimo desse desempenho a longo do processo. Nos resultados oficiais do IDEB de 2007 destacam-se: a) Índice de desempenho de estudantes das séries iniciais do ensino fundamental: 4,1; b) Índice de desempenho de estudantes das séries finais do ensino fundamental: 3,8; c) Índice de desempenho de estudantes do ensino médio: 3,5. Este fato se repete no IDEB 2009, o pior desempenho é alcançado no ensino médio. O ensino fundamental obteve uma elevação de 4,2 para 4,6, as séries finais de 3,8 para 4. Já no ensino médio, o índice desempenho do processo escolar passou de 3,5 para 3,6. Contudo,

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essa elevação relativa no índice de desempenho mantém o   Brasil, ainda muito distante do mínimo desejado que é 6 numa escala de 0 a 10 (BRASIL, 2010). Observando por outro ângulo, no cenário da educação brasileira são mais de 2,5 milhões de professores e 57 milhões de estudantes matriculados em todos os níveis de ensino. No ensino fundamental 97% das crianças de sete a quatorze anos frequentam a escola, entretanto, de acordo com Ruaro (2002, p. 43) do total de 107,1 milhões de brasileiros com 15 anos ou mais, no início dos anos 2000 ainda contavamos com 15,2 milhões de (14,1%) sem qualquer nível de instrução ou com menos de 1 ano de estudo, na atualidade esse percentual pouco se modificou. Tal número só não é pior que o do Haiti, 41,7%, e a Guatemala, 30,9%. (2008). O índice de analfabetismo indicado pelo IBGE (2009 b), para as pessoas de 15 anos ou mais de idade baixou de 13,3% em 1999 para 9,7% em 2009. Se não considerarmos o índice de analfabetismo funcional, parece que evoluímos nesse indicador. Porém, em termos gerais a educação brasileira está nos últimos lugares em quase todas as pesquisas . A média dos estudantes brasileiros das redes públicas no PISA (2009) ficou em 385 pontos colocando o país na sexta pior posição entre os 65 países participantes (BRASIL, 2011). Segundo dados do INEP (2007) aproximadamente 234.000 professores no Brasil atuam sem a devida

Referências ALONSO, Katia M.; RODRIGUES, Rosangela S.; BARBOSA, Joaquim G. (Org.). Educação a distância: práticas, reflexões e cenários plurais. Cuiabá: NEAD/EdUFMT, 2010.

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habilitação (BRASIL, 2009 a). Esses dados foram apresentados e discutidos no Congresso Internacional sobre Gestão Universitária na América do Sul em Assunção (2008) e, têm alimentado, não só nessa ocasião, mas em outros espaços acadêmicos, a necessidade de se propor alternativas não só para atualizar processos, mas para expandir e agilizar os programas de formação de professores. Nesse sentido, um olhar triangular entre os baixos índices da educação brasileira, a defasagem na formação dos professores e as potencialidades de expansão e inovação da modalidade de Educação a Distância, pode ser um ponto de partida para se vislumbrar algumas alternativas viáveis e factíveis na direção de melhorar o índice da educação no Brasil. Mas para isso se faz necessário investir em condições básicas para a educação brasileira e em programas de formação para os docentes. Programas efetivos em que se reflitam as questões culturais e sociais, mas se aprenda processos e métodos de ensino que superem a defasagem de aprendizagem que afeta a escola brasileira.

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BRASIL. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. SIS   2010: mulheres mais escolarizadas são mães mais tarde e têm menos filhos. Disponível em: . Acesso em: 19 nov. 2009b. BRASIL. Ministério da Educação. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anisio Teixeira (INEP). Disponível em: . Acesso em: 19 nov. 2009a. BRASIL. Ministério da Educação. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anisio Teixeira. Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB). Disponível em: . Acesso em: 05 mar. 2010. BRASIL. Ministério da Educação. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anisio Teixeira. Programa Internacional de Avaliação de Alunos (PISA). Disponível em: . Acesso em: 10 jan. 2011. BRASIL. Secretaria de Planejamento de Longo Prazo. Brasil: o estado de uma Nação. Brasília: IPEA, 2006. CATAPAN, A. Pedagogia e tecnologia: a comunicação digital no processo pedagógico publicado. Educação, Porto Alegre, v. 26, n. 50, p. 141-153, 2003.

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BRASIL. Ministério da Educação. Universidade Aberta do Brasil. Disponível em: . Acesso em: 18 abr. 2008e.

Este livro foi impresso pela Gráfica Perito para a Editora NUP - Núcleo de Publicações do CED em abril de 2011. Utilitilizaram-se as fontes AGaramond e Imago na composição, papel offset 75 g/m2 para o miolo e cartão supremo 250 g/m2 para a capa.

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