LAFFIN, M. HERMÍNIA L. F.. Educação de Jovens e Adultos na Diversidade - Livro 1. 1. ed. Florianópolis: NUP, 2009. v. 500. 200p .

May 27, 2017 | Autor: M. Lage Fernandes... | Categoria: Educação de Jovens e Adultos
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Descrição do Produto

Educação de Jovens e Adultos e

na Diversidade

2010 MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO

ISBN: 978-85-87103-54-3 Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade Rede de Educação para a Diversidade Universidade Federal de Santa Catarina Centro de Ciências da Educação Departamento de Metodologia de Ensino Laboratório de Novas Tecnologias NUP - Núcleo de Publicações do CED

Livro 2

Ministério da Educação /MEC

Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade/SECAD

Rede de Educação para a Diversidade

Centro de Ciências da Educação/ Universidade Federal de Santa Catarina

Educação de Jovens e Adultos na Diversidade

Todos os direitos reservados. É permitida a reprodução parcial e total desta obra, desde que citada a fonte e que não seja para a venda ou qualquer fim comercial. A responsabilidade pelos conteúdos técnicos dos textos e imagens desta obra é dos autores.

Tiragem 500 exemplares.

1a edição ano 2010.

ISBN:978-85-87-103-54-3

Catalogação na fonte pela Biblioteca Universitária da Universidade Federal de Santa Catarina L163e Laffin, Maria Hermínia Lage Fernandes Educação de jovens e adultos na diversidade / Maria Hermínia Lage Fernandes Laffin. – Florianópolis : Núcleo de Publicações do CED : UFSC, 2010. Livro 2 : il. Grafs., Tabs., Plantas Inclui referências 1 . E d u c a ç ã o d e a d u l t o s . 2 . P ro f e s s o re s – Fo r m a ç ã o. 3. Alfabetização de adultos. I. Título. CDU: 374.7

Coordenação do Curso: Maria Hermínia Lage Fernandes Laffin Coordenação de Tutoria: Vanessa Amorim Milioli Bittencourt e Inês Soares Poggio Secretaria do Curso: Maurici de Oliveira e Nathália Helena Fernandes Laffin Apoio de Produção de Materiais: Mara Cristina Fischer Rese Design Instrucional: Verônica Ribas Cúrcio Design Gráfico: Márcio Augusto Furtado da Silva Apoio de Rede: Tiago Mazzutti Ambiente Virtual: Lucas Zago

Elaboração/autoria dos módulos: APRESENTAÇÃO DO CURSO Maria Hermínia Lage Fernandes Laffin e Mara Cristina Fischer Rese MÓDULO 1 - INTRODUÇÃO À EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA Araci Catapan e Dóris Roncarelli MÓDULO 2 - PROJETO DE INTERVENÇÃO Adriana da Costa e Silvia Maria Martins MÓDULO 3 – SUJEITOS DA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS E DIVERSIDADE Dóris Regina Marroni Furini, Olga Celestina da Silva Durand e Vânia Beatriz Monteiro da Silva MÓDULO 4 – CONCEPÇÕES DE EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS Joana Célia dos Passos MÓDULO 5 - EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS E O MUNDO DO TRABALHO Rita de Cássia Pacheco Gonçalves MÓDULO 6 - DESENVOLVIMENTO HISTÓRICO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS E EDUCACIONAIS EM EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS NA LEGISLAÇÃO NACIONAL Anderson Sartori MÓDULO 7 - ASPECTOS PEDAGÓGICOS DA EJA Regina Bittencourt Souto e Maria Hermínia Lage Fernandes Laffin MÓDULO 8 - A IMPORTÂNCIA DA LEITURA NA EJA Silvia Maria de Oliveria Apoio: Fórum Estadual de Educação de Jovens e Adultos/SC Equipe Técnica: Apoio de Produção de Materiais Prof.ª Mara Cristina Fischer Rese Design Instrucional Verônica Ribas Cúrcio Design Gráfico Marcio Augusto Furtado da Silva

Sumário

Apresentação .................................................................... 10 Módulo 05 - EJA e o Mundo do Trabalho ................................. 14 Apresentação ................................................................................. 17 Unidade 1: EJA o mundo do trabalho ...................................... 21 1.1 Conceitos (sentidos) de trabalho ............................................. 22 1.2 O trabalho e os sujeitos da EJA ................................................. 24 1.3 A legislação educacional brasileira e especificidade da EJA e o trabalho ................................................................................ 25 1.4 As aprendizagens do trabalho para os alunos da EJA ............... 26 1.5 Trabalho e desigualdade social ................................................ 29 1.6 Não trabalho também é trabalho ............................................. 31 Unidade 2: Qualificação Profissional ..................................... 34 Unidade 3. Conceitos (Sentidos) de Economia Solidária ............ 45 Algumas Palavras .............................................................. 51 Referências ...................................................................... 52

Módulo 6 - Desenvolvimento Histórico das Políticas Públicas e Educacionais em EJA na Legislação Nacional ........ 54

Unidade 1: A Educação nas Constituições Brasileiras ............... 58 1.1 A educação escolar: direito de todos e todas? .......................... 59 1.2 As constituições brasileiras e a educação ................................. 61 1.3 A Constituição de 1988: o princípio legal atual ......................... 71

Unidade 2. A Legislação Educacional e as Concepções de EJA ... 76 2.1 A legislação educacional e as concepções de EJA .................... 77 2.2 A Reforma da LDB de 1971 ........................................................ 80 2.3 A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional: a atual ........ 83

Unidade 3. Gestão e Financiamento na Educação de Jovens e Adultos .......................................................... 95 3.1 EJA e as possibilidades atuais ................................................. 96 3.2 FUNDEF X FUNDEB ................................................................... 97

Palavras Finais ................................................................ 108 Referências ..................................................................... 109

Módulo 7 - Aspectos Pedagógicos da EJA ............................ 112 Apresentação ................................................................... 116 Unidade 01: Reflexões Iniciais ............................................ 117 1.1 Para quem são destinadas as práticas docentes? .................... 120 1.2 A concepção de EJA: para pensarmos as práticas pedagógicas .......................................................................... 124

Unidade 02: Reflexões sobre o Currículo .............................. 126 2.1 A EJA a partir da CONFINTEA .................................................128

Unidade 03: Mediações e Prática Docente ............................ 135 3.1 Sujeitos-professores da EJA: a construção da docência .......... 135 3.2 A organização do trabalho pedagógico na EJA ....................... 138 3.3 A questão da seleção dos conteúdos ...................................... 138 3.4 Diferentes mediações da organização do trabalho pedagógico na Educação de Jovens e Adultos ........................................... 140 3.5 A valorização do sujeito da aprendizagem: uma outra construção social a relação com o saber ............................... 146 3.6 Reciprocidade e acolhimento: ações intencionais no processo ensino-aprendizagem ............................................................ 150 Algumas Considerações ................................................... 154 Referências .................................................................... 155

Módulo 08 - A Importância da Leitura na EJA ........................ 160 Apresentação ................................................................... 164

Unidade 01: Alfabetismo Jovem e Adulto ............................... 166 1.1 Analfabetismo e alfabetismo funcional no Brasil ..................... 166 1.2 O INAF – Indicador Nacional de Alfabetismo Funcional .......... 169 1.3 Sobre o Alfabetismo Funcional ................................................ 171

Unidade 02: O Papel da Escola ............................................ 175 2.1 O que fazer ............................................................................. 179 2.2 Como fazer ............................................................................. 185

Unidade 03: O professor como leitor .................................... 195

Unidade 04: Para além da escola ......................................... 203

Palavras Finais ................................................................ 211 Referências ..................................................................... 212

Apresentação do Livro

Apresentação

Plantei um pé de mim em terra alheia, chão sem papel, sem escritura. Nem posseira eu era. Brotei. E agora já nem sei de quem é meu pé de mim florindo ali... Nem sei, sequer, quem colherá meus frutos. - E isso dói. Mila Ramos. Em Surdina. Poemas. Joinville. Ipê, 1989.

Prezado(a) professor(a), colega do curso de EJA na diversidade, Apresentamos o segundo livro do Curso de Educação de Jovens, Adultos e Idosos na Diversidade, realizado na modalidade à distância, sob a coordenação do Centro de Ciências da Educação da Universidade Federal de Santa Catarina1. Neste volume apresentam-se os conhecimentos dos módulos: Educação de Jovens e Adultos e o Mundo do Trabalho (Rita de Cássia Pacheco Gonçalves), Desenvolvimento Histórico das Políticas Públicas e Educacionais em Educação de Jovens e Adultos na Legislação Nacional (Anderson Sartori), Aspectos Pedagógicos da EJA (Maria Hermínia Lage Fernandes Laffin e Regina Bittencourt Souto) e a Importância da Leitura na EJA (Silvia Maria de Oliveira), um módulo criado como tópico especial com carga horária de 20 horas, com o qual o seu curso passará a contar com o total 200 horas. Desse modo, dá-se continuidade ao debate acerca da���������������� Educação de Jovens e Adultos sob a ótica da diversidade no âmbito da formação continuada de professores. Relembramos que o Curso Educação de Jovens e Adultos e Idosos na Diversidade tem como objetivo principal a formação continuada de professores e outros profissionais da educação das redes públicas (prioritariamente) e particular que atuam na Educação de Jovens e Adultos e Idosos e de alfabetizadores populares que atuam no Programa Brasil Alfabetizado, bem como o de criar condições para a construção local de uma educação contextualizada de acordo com suas especificidades e constituição da Comunidade de Trabalho/Aprendizagem em rede na 1 O curso conta com a parceria/colaboração do Fórum Estadual de Educação de Jovens e Adultos (FEEJA/SC) pela participação de vários de seus integrantes na elaboração dos módulos e na docência.

Diversidade – CTARD. Para tanto, neste livro focalizam-se conceitos importantes para alcançarmos seus objetivos principalmente no que se refere a: ampliar os fundamentos teóricos e práticos que permeiam os conceitos de diversidade na Educação de Jovens, Adultos e Idosos; debater a Intersetorialidade da EJA; discutir a EJA no Brasil partindo do contexto histórico; entender a EJA no Sistema Nacional de Educação: gestão, recursos e financiamento, discutindo elementos das políticas públicas de EJA; analisar aspectos pedagógicos específicos da EJA no exercício da diversidade, assim como articular o debate acerca da relação EJA e o mundo do trabalho.

Maria Hermínia Lage Fernandes Laffin

Entenda a iconografia do livro São três os ícones utlizados ao longo do livro:

Links: dicas sitios e páginas disponíveis na internete com contéudo complementar

Saiba mais: dicas de leitura, vídeos ou músicas

Fala professor: Dicas dos professores dos módulos

EJA E O MUNDO DO TRABALHO:

Rita de Cássia Pacheco Gonçalves

Doutoranda em Ciências da Educação pela Universidade de Lisboa; Mestre em Educação pela Universidade Federal de Santa Catarina; professora colaboradora da Universidade do Estado de Santa Catarina – UDESC; Coordenadora do Curso de Especialização Lato Sensu em Educação de Jovens e Adultos desenvolvido pelo IEP – Instituto de Educação Permanente em convênio com o CESUSC- Centro de Ensino Superior de Santa Catarina; consultora da Fundação UNITRABALHO para elaboração de material didático para jovens e adultos; consultora no programa de jovens e adultos da Prefeitura Municipal de Blumenau nos anos de 2002 a 2004; consultora do DIEESE para elaboração de material didático para formação de dirigentes sindicais nos anos de 2001 a 2004.

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Módulo 05

APRESENTAÇÃO

Este material pretende ser um roteiro para os professores estudantes do curso de EJA e pretende servir de apoio para as reflexões sobre a problemática vivenciada pelos alunos dos cursos de EJA, relativamente ao mundo do trabalho. Nossa opção teórico-metodológica levou-nos a escrever um texto que dialogue com a/o professora/professor na sua prática pedagógica ajudando-a/o a pensá-la. Ou seja, procuraremos fazer aqui o que acreditamos deva ser feito na sala de aula de EJA. O ponto de partida é sempre a vivência do jovem e adulto, pois é ela que dará sentido ao conhecimento trabalhado na sala de aula. Enfrentamos o desafio de, a partir de Paulo Freire, trabalhar com a ideia do diálogo como elemento fundamental da relação pedagógica. A princípio parece estranho falar em diálogo quando se está diante de uma livro. Mas vamos encará-la como o meio pelo qual podemos nos encontrar. E, nesse encontro, mesmo que nosso diálogo não se processe em tempo real, uma vez que escrevo, aguardo ansiosa sua resposta, e depois você aguarda ansioso(a) minha resposta (assim espero), meu esforço será o de constantemente imaginar respostas possíveis, sabendo de antemão que elas nunca serão tal qual eu pensei. O resultado deve ser a produção de um conhecimento da prática pedagógica, sua com seus alunos; minha com você, sobre o mundo de trabalho e a EJA. Vamos ao desafio cujo melhor resultado será tanto o quanto você responda com sincero desejo de aprender as coisas que aqui proponho e me desafie a rever o que escrevi, assim como rever sua própria prática. Um objetivo importante que busco alcançar é que os textos, as indicações de sítios no ambiente de ensino-aprendizagem, as animações, as imagens, enfim, apresentados neste curso sirvam de motivo para incitála(o) e ajudá-la(o) a desafiar seus alunos a avançarem no seu processo de conhecimento e ação sobre a realidade em que vivem, ao mesmo tempo que possa provocar e desafiar mobilizando-a(o) para transfor-

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EJA E O MUNDO DO TRABALHO:

mar a sua prática pedagógica. Aquelas(es) que já estão realizando um trabalho diferenciado, por sua vez, encontrarão neste livro elementos que podem enriquecer e aprimorar ainda mais seu trabalho. Nesta primeira unidade, o que pretendemos é apresentar a categoria trabalho para construirmos mediações/diálogos com as múltiplas dimensões da realidade social em que estão inseridos os alunos da EJA. Para perseguir esse objetivo, optei por tomar como ponto de partida a sua própria experiência e as dos seus alunos para discutir os sentidos e os vários campos semânticos presentes no conceito de trabalho. Isso porque cada pessoa significa o trabalho a partir de sua própria história de vida, do seu trajeto profissional e sóciocultural. Partimos do princípio de que o trabalho é uma atividade essencial para o ser humano, que não vale apenas pelo que representa como meio de sobrevivência, mas possui também o valor de assegurar ao sujeito a posse de um predicado que o torna humano, como os outros homens/ mulheres. Porém, não desejamos tratar essa categoria de uma forma abstrata. Queremos deixar explícito que concebemos o trabalho como algo complexo e contraditório: ao mesmo tempo em que é liberdade, é serviNas relações capitalistas, o trabalho assalariado é predominante. Nelas, o objetivo do trabalho é obter lucro constantemente, o que vai além da satisfação de necessidades. O principal meio de troca é o dinheiro, que facilitou bastante o comércio. Os investimentos se regem pela lei da oferta e da procura, que é lei e a essência da economia de mercado.

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dão; ao mesmo tempo em que forma, deforma. Assim, o trabalho não pode ser tratado de modo uno, mas na sua dupla dimensão: uma que diz respeito ao seu caráter corpóreo e que repercute no tempo subjetivo (curiosidade, criatividade, realização, prazer etc...) e outra que se refere à sua realidade objetiva no interior da estrutura social (relações capitalistas de trabalho). Essas duas dimensões coexistem no processo de trabalho e estão presentes quando o capital assume mecanismos que constroem o caráter abstrato do trabalho, pois subtrai do trabalhador, de cada um de nós, sua identidade. Mas, há também um processo de resistência, de criação, que resgata a individualidade e a possibilidade de libertação do sujeito, que é chamado de trabalho concreto.

Módulo 05

O processo de trabalho não se restringe à mera produção de coisas “úteis” (dimensão econômica). Envolve ao mesmo tempo a produção, reprodução, a transformação das relações sociais (dimensão política) e a elaboração de uma experiência sobre elas (dimensão simbólica). Portanto, o processo de trabalho comporta sentidos distintos: um prático e outro relacional. O prático diz respeito àquelas atividades que transformam matérias-primas em objetos úteis, mobilizando instrumentos e meios de produção (base técnica). O segundo refere-se às relações sociais tecidas no processo de trabalho e se reveste de significados e sentidos partilhados; ele permite aproximações e distanciamentos, conformismos e resistências. Ao problematizar o conceito de trabalho nesses termos, pretendemos iniciar uma discussão que busca se diferenciar do debate restrito ao tema do (des)emprego que, dentre outras coisas, tem colocado as pessoas numa posição defensiva. Queremos também discutir os diferentes sentidos que o trabalho adquire na sociedade atual para os diferentes grupos culturais, etários: (emprego, sucesso, fracasso etc.) articulado ao sistema de exclusão social. Convém lembrar que os sujeitos da EJA são vítimas de um ciclo vicioso de exclusão: frequentemente são acusados de que não têm trabalho ou têm um salário menor porque não estudaram, porém, maior parte das vezes, não estudaram porque trabalharam. Mas, eles sabem que o estudo não garante o trabalho. Essa situação vale também para os jovens que não têm experiência de trabalho, mas buscam na EJA a possibilidade de tê-lo. Os sujeitos da EJA, de modo geral, são também vítimas do trabalho precário, da instabilidade e dos baixos salários. Acreditamos, assim, que a categoria trabalho pode se transformar numa excelente chave de aprendizagem, pois seu conceito faz sentido para os alunos da EJA. Nossa perspectiva é construir um processo educativo em que os cida-

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EJA E O MUNDO DO TRABALHO:

dãos e cidadãs tenham ciência da produção de sua existência material e simbólica, no processo de transformação da natureza, enfrentando o reducionismo do que se convencionou chamar de mercado de trabalho. Negamos continuar pensando que jovens e adultos devam exclusivamente se preparar para competir no mercado de trabalho, em uma sociedade marcada pela dinâmica excludente do capitalismo. Acreditamos ser possível construir outros espaços de produção de existência material e imaterial baseados, não no individualismo e na competição, mas na cooperação e solidariedade, imaginado a possibilidade de construir novas relações humanas no trabalho e na vida.

Um forte abraço, Rita de Cássia

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Módulo 05

Unidade 01 EJA E O MUNDO DO TRABALHO: Os sujeitos da EJA e a especificidade dada pelas suas inserções no mundo do trabalho. Objetivos de aprendizagem: Nosso estudo inicia por uma atividade em que cada um de vocês vai refletir sobre suas próprias concepções de trabalho para, em seguida, articular aos conceitos e reflexões aqui propostos. O objetivo é construir o conceito de trabalho reconhecendo, ao mesmo tempo, que os alunos da EJA nele aprenderam muito, assim como todos – nós jovens e adultos – inseridos no mundo do trabalho. Esse reconhecimento confere especificidade metodológica e curricular à EJA. Para desenvolver esta unidade tomei quatro textos como referência, que estão enumerados a seguir. Recomendo que você os leia na íntegra à medida que for realizando seus estudos nesta unidade. Ao lado você encontra o endereço virtual de acesso. LEIA: TEXTO 1: OLIVEIRA, Marta Kohl de (1999). Jovens e adultos como sujeitos de conhecimento e aprendizagem. Trabalho encomendado pelo GT “Educação de pessoas jovens e adultas” e apresentado na 22a Reunião Anual da ANPEd – 26 a 30 de setembro de 1999, Caxambu.

www.anped.org.br/ rbe/rbedigital/ RBDE12/RBDE12_06_ MARTA_KOHL_DE_ OLIVEIRA.pdf

TEXTO 2: CURY, Jamil.(2000). Parecer CNE/CEB nº 11/00. 2000. TEXTO 3: CASTILHO, Ana Paula Leite (2007). A articulação entre o mundo do trabalho e a educação de jovens e adultos: reflexões sobre a incorporação dos saberes de alunos trabalhadores à prática pedagógica,

http://www.cee. pr.gov.br/arquivos/ File/pdf/CNE_EAD_ EJA/PA_CEB_11_00. pdf

– UFMG. www.anped.org.br/ reunioes/28/textos/ gt18/gt18209int. rtf, acessado no dia 15 de junho de 2009.

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EJA E O MUNDO DO TRABALHO:

TEXTO 4: ARROYO, Miguel (2007). Balanço da EJA: o que mudou nos http://www.reveja. com.br/revista/0/ artigos/REVEJ@_0_ MiguelArroyo.pdf

modos de vida dos jovens-adultos populares? In. REVEJ@ - Revista de Educação de Jovens e Adultos, v. 1, n. 0, p. 1-108, ago.

1.1 Conceitos (sentidos) de trabalho As atividades aqui propostas podem ser realizadas em conjunto com outro colega que trabalhe com você e também faz o curso de EJA. Uma atividade compartilhada geralmente é mais rica, proveitosa e divertida para a aprendizagem. Inicialmente convido você a refletir ao observar as imagens a seguir. Escreva os sentidos de trabalho que você consegue designar:

Serra Pelada - Sebastião Salgado, 1993.

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Mulher desenhando nos vasos Belém do Pará.

Módulo 05

Fotos de Roberto Luiz Colaço.

Lavadoras de roupa.

Trabalhadores da cana de açucar.

Relacione a seguir suas anotações com a seguinte afirmativa e escreva um pequeno texto, idéias, palavras-chave enfim, escreva o que você percebe em cada imagem e poste na ferramenta “tarefa”: “Trabalho como atividade por meio do qual o ser humano se relaciona com a natureza, consigo mesmo e com os outros, ao produzir a sua existência”. Ao final do módulo convidamos você a retornar a essas fotos, reler o que escreveu, e reescrever percebendo as novas significações que você foi capaz de construir. Essa será a nossa avaliação final.

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EJA E O MUNDO DO TRABALHO:

1.2 O trabalho e os sujeitos da EJA Na EJA, o trabalho é uma questão muito presente, seja porque os alunos estão tentando manter seus empregos, seja porque estão procurando se qualificar para conseguir um, seja porque acreditam que só com educação poderão consegui-lo mais adiante. Mesmo os jovens que nunca Marta Kohl de Oliveira possui graduação

tiveram experiência de trabalho atribuem grande importância à escola a profissão.

em Pedagogia pela Universidade de São Paulo (1975), mestrado em

Diz Marta Oliveira no TEXTO 1: No texto 1, já estudado no Módulo 3,

Psicologia Educacional

que o tema “educação de pessoas jovens e adultas” não nos remete

- Stanford University (1977) e doutorado em

apenas a uma questão de especificidade etária mas, primordialmente, a

Psicologia Educacional

uma questão de especificidade cultural. Para ela, refletir sobre como es-

- Stanford University

ses jovens e adultos pensam e aprendem envolve transitar pelo menos

(1982). É professora associada da Universidade de São Paulo. Seus estudos sáo na área de Educação, com ênfase em Psicologia Educacional,

por três campos que contribuem para a definição de seu lugar social: •    a condição de “não-crianças”; •    a condição de excluídos da escola; •    a condição de membros de determinados grupos culturais.

principalmente nos seguintes temas: desenvolvimento cognitivo,

Podemos arrolar algumas características dessa etapa da vida que dis-

desenvolvimento,

tinguiriam, de maneira geral, o adulto da criança e do adolescente. O

aprendizagem,

adulto está inserido no mundo do trabalho e das relações interpesso-

desenvolvimento

ais de um modo diferente daquele da criança e do adolescente. Traz

humano e pensamento vigotskyiano. Dados

consigo uma história mais longa (e provavelmente mais complexa) de

obtidos em Acessado em

experiências, conhecimentos acumulados e reflexões sobre o mundo

janeiro de 2010) .

de vida em que se encontra o adulto fazem com que ele traga consi-

Acessado em janeiro de

go diferentes habilidades e dificuldades (em comparação à criança) e,

2010)

provavelmente, maior capacidade de reflexão sobre o conhecimento e sobre seus próprios processos de aprendizagem. O importante a se considerar é que os alunos da EJA são diferentes dos alunos presentes nos anos considerados com a faixa etária estabelecida para o ensino regular, pois muitos deles são trabalhadores, maduros, com larga experiência profissional ou com expectativa de (re)inserção no mercado de trabalho e com um olhar diferenciado sobre as coisas

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Módulo 05

da existência. Para eles, foi a ausência de uma escola ou a evasão da mesma que os dirigiu para um retorno nem sempre tardio à busca do direito ao saber.

1.3 A legislação educacional brasileira e a especificidade da EJA e o trabalho (Estudando o texto 2) Os artigos 1º, 35, 39 e 41, da LDB reconhecendo a especificidade dos sujeitos da EJA dada pelas suas inserções no mundo do trabalho orientam que os currículos e métodos dos programas levem em conta tal especificidade na sua organização. A leitura de determinados artigos deve ser vista sob a especificidade dessa modalidade de ensino. Veja-se, como exemplo, este parágrafo do art. 1º da LDB: § 2º A educação escolar deverá vincular-se ao mundo do trabalho e à prática social. Leia este inciso II do art. 35: II - a preparação básica para o trabalho e a cidadania do educando, para continuar aprendendo, de modo a ser capaz de se adaptar com flexibilidade a novas condições de ocupação ou aperfeiçoamento posteriores; E, ainda, o que está dito no art. 41: O conhecimento adquirido na educação profissional, inclusive no trabalho, poderá ser objeto de avaliação, reconhecimento e certificação para prosseguimento ou conclusão de estudos. O conselheiro Jamil Cury, em seu parecer, afirma: A LDB incentiva o aproveitamento de estudos e sendo esta orientação válida para todo e qualquer aluno, ela vale mais para os jovens e adultos

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EJA E O MUNDO DO TRABALHO:

cujas práticas possibilitaram um saber em vários aspectos da vida ativa Após a leitura destes artigos e pareceres, reflita de que modo o programa em que você trabalha leva essas orientações em consideração.

e os tornaram capazes de tomar decisões ainda que, muitas vezes, não hajam tematizado ou elaborado estas competências. A EJA é momento significativo de reconstruir estas experiências da vida ativa e ressignificar conhecimentos de etapas anteriores da escolarização articulandoos com os saberes escolares. A validação do que se aprendeu “fora” dos bancos escolares é uma das características da flexibilidade responsável que pode aproveitar estes “saberes” nascidos destes “fazeres”. O Parecer CEB nº 15/98 para o ensino médio afirma:

O trabalho é o contexto mais importante da experiência curricular [...] O significado desse destaque deve ser devidamente considerado: na medida em que o ensino médio é parte integrante da educação básica e que o trabalho é princípio organizador do currículo, muda inteiramente a noção tradicional da educação geral acadêmica ou, melhor dito, academicista. O trabalho já não é mais limitado ao ensino profissionalizante. Muito ao contrário, a lei reconhece que, nas sociedades contemporâneas, todos, independentemente de sua origem ou destino profissional, devem ser educados na perspectiva do trabalho.

1.4 As aprendizagens do trabalho para os alunos da EJA Os saberes que os alunos da EJA trazem para a escola são de uma riqueza evidente. São saberes produzidos em diversos espaços de formação, onde se destacam aqueles produzidos/adquiridos no trabalho. São saberes de conteúdos, conceitos, habilidades e também da ordem dos valores. Reconhecer que o jovem e o adulto trabalhador trazem conhecimentos que vão além daqueles ditos científicos significa valorizar outros sabe-

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Módulo 05

res que formam esses sujeitos. Reconhecer que esse trabalhador produz saber e é capaz de adquirir novos conhecimentos significa reconhecer a sua dimensão humana. Reconhecer que o trabalhador como sujeito do conhecimento e do saber é capaz de aprender e, principalmente, que já aprendeu coisas apesar da escola, traz enormes desafios pedagógicos, uma vez que exige metodologias que possam fazer brotar o conhecimento tácito do trabalhador. Implica o reconhecimento da escola como local de ingresso dos alunos trabalhadores numa modalidade especial desse processo humano, que não começa nem termina na escola, mas se prolonga pela vida afora.

Ana Paula Castilho no Texto 3, em sua pesquisa realizada com 26 alunos da EJA no Estado de Minas Gerais nos dá uma ideia da especificidade dos sujeitos da EJA dada pelas suas relações com o trabalho. Ela aponta a centralidade conferida ao trabalho no que se refere tanto à evasão dos educandos quanto ao retorno dos mesmos aos estudos. Nas entrevistas realizadas, os alunos relataram a dificuldade em conci-

Você certamente poderá reconhecer se fizer um levantamento semelhante com seus alunos.

liar escola e trabalho em decorrência da falta de cursos noturnos, do cansaço pela longa jornada de trabalho e dos afazeres domésticos, da distância entre a casa e a escola e da necessidade de trabalhar se impondo diante das dificuldades financeiras, levando os alunos a priorizarem o trabalho em detrimento dos estudos. Isso os levou a interromper seus estudos. A pesquisadora encontrou a busca de um trabalho como o motivo mais apontado, seguido pelo desejo de aprender coisas novas, como motivos para o retorno dos alunos à escola. Embora a expectativa de melhorias profissionais seja um dos fatores que motivam o público da EJA a dar continuidade aos estudos, não podemos desprezar outros motivos que confirmam a importância do espaço educacional na vida de um sujeito. A preocupação em se manter empregado, ou mesmo conseguir um emprego, pôde ser constatada. A autora identificou no público pesquisado um pouco da realidade da característica do mercado de trabalho atual, conhecida como acu-

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EJA E O MUNDO DO TRABALHO:

mulação flexível: o desemprego, os contratos temporários, a desregulamentação dos direitos trabalhistas, a transferência da mão-de-obra assalariada para o setor de serviços e para a economia informal e a dificuldade dos jovens de se inserirem no mundo do trabalho e de adultos mais velhos para nele permanecerem. Dos 26 alunos pesquisados, 20 deles conciliam o trabalho com o estudo. Quanto à situação profissional desses alunos, 46,15% trabalham com carteira assinada. A jornada diária de trabalho de 55% dos alunos é de oito horas. E, quanto ao setor em que trabalham, a prestação de serviços abrange 55% deles. Quanto ao aspecto contraditório do trabalho, ela constatou que os alunos vivenciaram situações formadoras e deformadoras, atribuindo aspectos positivos e negativos ao que aprenderam nos trabalhos por eles desempenhados. Além disso, percebeu que tais vivências trouxeram uma riqueza de vida para esses sujeitos, em suas trajetórias profissionais. Quanto aos aspectos positivos, formadores, que os alunos da EJA adquiriram no trabalho, a autora cita um dos alunos como exemplo, quando se referiu à habilidade de dirigir, mas também aos conhecimentos que se articulam com as aprendizagens escolares. Outros alunos relataram aprendizagens que os surpreenderam, pois não imaginavam ter capacidades para o desempenho de algumas funções. Houve relatos que se referiam às relações estabelecidas no trabalho, que se tornaram formas de reconhecimento positivo do desempenho profissional do aluno. Sobre o que aprenderam de ruim no trabalho, a pesquisadora destaca a fala de um aluno sobre aspectos relacionados às atitudes, como a agressão, impulsionada pela irritação provocada no ambiente de trabalho. A maioria dos relatos, quanto às aprendizagens que consideraram negativas, se refere aos aspectos das relações no trabalho, principalmente aqueles que remetem às relações permeadas pela falsidade, pessimismo, competição, desonestidade, exploração etc.

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Módulo 05

1.5 Trabalho e desigualdade social Miguel Arroyo, no Texto 4, faz uma longa reflexão convidando-nos a olhar “a especificidade de ser povo, de ser trabalhador, desempregado, de ser jovem e adulto dos setores populares. Quais seriam os traços dessas pessoas que poderíamos destacar?” Ele assinala que o primeiro traço é o desemprego e que os jovens e adultos da EJA, certamente, estão entre os que ajudaram a triplicar o trabalho informal: “Esses jovens e adultos não estão se incorporando no trabalho formal, porque não há oferta de trabalho formal. Ao

Miguel Arroyo é o sexto

contrário, eles têm que sobreviver do trabalho informal. O

ocupante da Cadeira nº 5

horizonte para eles, inclusive ao terminarem alguma fase

da Academia Brasileira de Letras, eleito em 11 de

da educação básica, seja o que chamam de quarta série, de

março de 2004, na sucessão

oitava série, ou até a educação média, talvez seja o traba-

de Rachel de Queiroz. É

lho informal, o subemprego, a sobrevivência mais imediata”. (2007, p.13)

bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq Nível 1B. Possui graduação em Ciências Sociais pela

Miguel Arroyo nos convida a perguntar pelo significado de nem se-

Universidade Federal de Minas Gerais (1970),

quer poder se considerar trabalhador formal. Ele acredita que “o traço

mestrado em Ciência

mais sério de tudo isso é a insegurança”.

Política pela Universidade Federal de Minas Gerais (1974) e doutorado (PhD

E você, conhecendo seus alunos, o que responderia? Ele sintetiza: o fu-

em Educação) - Stanford

turo se distanciou e o presente cresceu.

University (1976). É Professor Titular Emérito da Faculdade de Educação

Ele nos provoca a dialogar com os jovens e adultos sobre a vida, sobre

da UFMG. Acompanha

a sua condição, sobre seu futuro, sobre a cidade, a sociedade, o lugar

propostas educativas em

em que foram jogados como se fossem restos, entulhos de construção

várias redes estaduais e municipais do país. Tem

de seres humanos. E diz que esta, talvez, seria uma das questões mais

experiência na área de

sérias na área do currículo e que o trato teórico dessas indagações seja

Educação, com ênfase em

o núcleo fundante.

Política Educacional e Administração de Sistemas Educacionais, atuando

No livro O que é trabalho (São Paulo: Brasiliense, 1998), de Suzana de Albornoz, encontrarmos uma vasta pesquisa sobre os diferentes senti-

principalmente nos seguintes temas: educação, cultura escolar, gestão

dos do trabalho. Ela sugere que se faça uma reflexão sobre essas con-

escolar, educação básica

tradições e diferenças propondo que se analisem os significados ignificados da pa-

e currículo. (Texto

lavra “trabalho” em diferentes culturas:

informado pelo autor em seu currículo Lattes)

29

EJA E O MUNDO DO TRABALHO:

O grego tem uma palavra para fabricação e outra para esforço, oposto a Eu pediria a você, aceitando o desafio de Miguel Arroyo, que conversasse com seus alunos sobre estas questões, perguntando a eles sobre suas experiências com o desemprego, a demissão, os empregos temporários, informais, suas expectativas etc. Sugiro que organize uma atividade formal, em que você possa solicitar a eles escreverem um texto, uma crônica, entrevista, conto, narrativa, um desenho, uma colagem, enfim uma forma de expressão que possa levar os alunos a revelarem suas experiências. Analise o material coletado pelos relatos de seus alunos. Pois, convidamos você a voltar ao texto de Miguel Arroyo e escrever para nós suas próprias conclusões. Diga o que você pensa, Miguel Arroyo tem razão? O presentismo é uma marca destes jovens e adultos? O que esta situação diz a você, como educador(a) da EJA? Que currículos seriam necessários para essa juventude e vida adulta nesses níveis de vulnerabilidade, nesse trabalho informal?

30

ócio; também apresenta pena, que é próxima da fadiga. O latim distingue entre laborare, a ação de labor, e operare, o verbo que corresponde a opus, obra. No francês é possível reconhecer pelo menos a diferença entre travailler e ouvrer ou oeuvrer, sobrando ainda o conteúdo de tache, tarefa. No italiano encontramos lavorare e operare. Em espanhol: trabajar e obrar; em inglês: la-bour e work, em alemão: Arbeit e Werk. Work (em inglês), como Werk, contém a ativa criação da obra, que está também em Schaffen, criar, enquanto em labour e Arbeit se acentuam os conteúdos de esforço e cansaço. No português, apesar de haver labor e trabalho, é possível achar na mesma palavra trabalho ambas as significações: a de realizar uma obra que te expresse, que dê reconhecimento social e permaneça além da tua vida; e a de esforço rotineiro e repetitivo, sem liberdade, de resultado consumível e incômodo inevitável. No dicionário, aparece em primeiro lugar o significado de aplicação das forças e faculdades humanas para alcançar determinado fim; atividade coordenada de caráter físico ou intelectual, necessária a qualquer tarefa, serviço ou empreendimento; exercício dessa atividade como ocupação permanente, ofício, profissão. Mas trabalho tem outros significados mais particulares, como o de esforço aplicado à produção e utilidades ou obras de arte, mesmo dissertação ou discurso. Pode significar o conjunto das discussões e deliberações de uma sociedade ou assembléia convocada para tratar de interesse público, coletivo ou particular: “Os trabalhos da assembleia do sindicato tiveram como resultado a greve”. Pode significar o serviço de uma repartição burocrática, e ainda os deveres escolares dos alunos a serem verificados pelos professores. Como pode indicar o processo do nascimento da criança: “a mulher entrou em trabalho de parto”. Além de atividade e exercício, trabalho também significa dificuldade e incômodo: “aqui vieram passar trabalho”; “a última enchente deu muito trabalho”. Pois junto a todas as suas significações ativas, trabalho, em português e no plural, quer dizer preocupações, desgostos e aflições. É

Módulo 05

o conteúdo que predomina em labor mas ainda está presente em trabalho. Isso se compreende melhor ao descobrir que em nossa língua a palavra trabalho se origina do latim tripalium, embora outras hipóteses a associem a trabaculum. Tripalium era um instrumento feito de três paus aguçados, algumas vezes ainda munidos de pontas de ferro, no qual os agricultores bateriam o trigo, as espigas de milho, o linho, para rasgálos e esfiapá-los. A maioria dos dicionários, contudo, registra tripalium apenas como instrumento de tortura, o que teria sido originalmente, ou se tornado depois. A tripalium se liga ao verbo do latim vulgar tripaliare, que significa justamente torturar. Ainda que originalmente o tripalium fosse usado no trabalho do agricultor, no trato do cereal, é do uso desse instrumento como meio de tortura que a palavra trabalho significou, por muito tempo — e ainda conota — algo como padecimento e cativeiro. Desse conteúdo semântico de sofrer passou-se ao de esforçar-se, laborar e obrar. O primeiro sentido teria perdurado até inícios do século XV. Essa evolução de sentido se teria dado ao mesmo tempo em outras línguas latinas, como trabajo em espanhol, trabaílo em catalão, travail em francês e travaglio em italiano. Max Scheler, filósofo alemão do início do século que se preocupou

Max Scheler (1874 - 1928)

com este assunto, distinguia três sentidos da palavra trabalho:

é Filósofo alemão, de

•    atividade humana, às vezes também animal ou mecânica (“esta máquina trabalha bem”; “este burro faz um bom trabalho”); •    produto coisificado de uma atividade (“este quadro é um belo

importância fundamental para a filosofia sociológica e é

considerado um

filósofo da fenomenologia .

trabalho”; “este livro é um trabalho bem acabado”); •    tarefa ou fim apenas imaginado (“resta-nos muito trabalho para fazer uma democracia no Brasil”).

1.6 Não-trabalho também é trabalho O trabalho também ganha um significado diferente a partir do não-trabalho, a partir da dimensão do desemprego, salientando-se as implicações dessa condição no que diz respeito ao sofrimento gerado por ela. Mas, o não trabalho também pode significar ócio ou descanso e lazer, como nos finais de semana ou feriado ou férias.

31

EJA E O MUNDO DO TRABALHO:

Na EJA, o desemprego e o sofrimento são vivenciados com muita frequência. Estar desempregado, antes de mais nada, traz à tona a questão da privação. Sentir-se privado refere-se não apenas à sobrevivência física em si – alimentação, roupa, transporte, moradia – mas também à sobrevivência do espírito, do humor, da alma. Refere-se à impossibilidade do lazer, do divertimento, da brincadeira e do sorriso. Como se não bastasse o peso da realidade concreta do desemprego, o sujeito em tal situação está ainda tomado pelo peso do olhar do outro sobre ele, um olhar que, agora, estando desempregado, é sentido como diferente, como tendo mudado a partir do momento da perda do emprego. Emerge o sentimento de inutilidade, de ser supérfluo, de não prestar para nada, de ser uma coisa dispensável, sem propósito, sem serventia, de ser um estorvo, atrapalhando e incomodando o outro. O olhar acusatório do outro configura a problemática da individualização da condição de estar desempregado. É um olhar que legitima e reforça a culpa do sujeito. Surge então uma vivência carregada de culpa. O sujeito sente-se culpado, não somente por ter perdido o emprego mas, ainda, por continuar desempregado. Estar desempregado é sentido como vergonhoso e vexatório. Mostrar os esforços realizados para arrumar um emprego parece se referir a um temor intenso de ser visto como um desocupado, como um vagabundo. Perder o emprego e ficar desempregado implica ainda a perda de uma referência espacial. O sujeito, ao sair de casa, não tem mais um lugar definido para onde ir – seu local de trabalho – e, por vezes, sente como se não tivesse lugar algum onde pudesse ficar. O que fazer então com este tempo que sobra, com este tempo que se mostra inútil, morto, mal aproveitado, um tempo que não passa, que se arrasta, do modo como é sentido o tempo do não-trabalho? O que significa para esses sujeitos o estar parado e o ficar em casa? No percurso realizado pelo sujeito na procura por um emprego, a vivência do fracasso, assim como o desânimo que dela decorre, parece estar sempre presente. Nesse caminho, repleto de dificuldades, o sujeito parece que vai perdendo suas forças e entregando-se à própria sorte. Esgotam-se as fontes. Fica claro que falar de não-trabalho é ainda assim falar de trabalho. Fa-

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Módulo 05

lar da ausência do trabalho, a partir da condição do desemprego, permite-nos ver mais nitidamente a significação do trabalho na vida dos sujeitos. Esse parece se constituir, sem dúvida, num ponto central a partir do qual essas pessoas foram construindo suas identidades, tudo aquilo que elas reconhecem como sendo elas próprias. Texto adaptado de: JOHN, D.; Weingärtner, Carmen. Desemprego e Sofrimento: Uma Referência ao Trabalho a Partir do Não-Trabalho. 1995. Trabalho a apresentado no II Salão de Iniciação Científica promovido pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

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EJA E O MUNDO DO TRABALHO:

Unidade 02 QUALIFICAÇÃO PROFISSIONAL Objetivo de aprendizagem: O objetivo desta unidade é refletir sobre uma tendência que se observa (não apenas no Brasil) de articular EJA com qualificação profissional, verificando as possibilidades e limites que esse movimento coloca para a Educação. Essa tendência, por um lado, atende o direito à educação para todos e, por outro, atende as necessidades do mercado de trabalho. Para desenvolvê-lo tomamos como referência os textos do Plano Nacional de Educação (PNE), do Programa Pró-jovem do Governo Federal e da Declaração de Hamburgo, todos se encontram na íntegra no site do MEC. Usamos ainda um texto de Luiz Percival “Precisa-se de açougueiro. Deixe seu currículo no caixa.”

Brito, um crítico desse movimento. A reestruturação produtiva tem provocado profundas alterações no processo produtivo, que exigem do trabalhador novas habilidades, com-

A frase acima estava exposta em uma vitrine de açougue. Escreva o que ela diz para você relativamente ao mundo do trabalho atual e o registre no ambiente viruta. Você poderá usar a ferramenta wiki para escrever, todos os colegas devem contribuir para a elaboração das ideias.

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petências e saberes. Muitas empresas já não mais admitem em seus quadros pessoas sem o ensino fundamental completo e, muitas delas estão exigindo o ensino médio, ainda que para funções relativamente simples. O mercado requer um trabalhador com iniciativa e autonomia, que saiba investigar e seja capaz de encontrar soluções. Nessa direção, o PNE enfatiza

a necessidade de contínuo desenvolvimento de capacidades e competências para enfrentar essas transformações que alteraram a concepção tradicional de educação de jovens e adultos, não mais restrita a um período particular da vida ou a uma finalidade circunscrita.

Módulo 05

Desenvolve-se o conceito de educação ao longo de toda a vida, que há de se iniciar com a alfabetização. Mas não basta ensinar a ler e a escrever. Para inserir a população no exercício pleno da cidadania, melhorar sua qualidade de vida e de fruição do tempo livre e ampliar suas oportunidades no mercado de trabalho, a educação de jovens e adultos deve compreender no mínimo, a oferta de uma formação equivalente às oito [agora nove] séries iniciais do ensino fundamental. (Fonte: http:// www.mec.gov.br) No mundo globalizado tornou-se lugar-comum falar não apenas em ensino universal do ensino básico, mas também – e principalmente – em elevação da escolaridade e educação de qualidade. O discurso liberal insiste em afirmar que o trabalhador moderno deve ter autonomia, iniciativa e capacidade de análise e decisão. Assim, a educação regular passa a ser uma das características mais significativas das sociedades ocidentais industriais. Ter frequentado a escola e ser capaz de ler, escrever e operar com números, realizar determinadas tarefas em que a leitura e a escrita estão pressupostas é condição fundamental para participar da sociedade com relativa independência e autonomia. Mas esse processo não deve ser compreendido como um processo de redução das desigualdades. A escolarização, do ponto de vista do sistema, se impõe como necessidade pragmática. O não-escolarizado, analfabeto ou com pouca capacidade de leitura é um indivíduo que produz pouco e consome pouco, além de demandar mais serviços públicos assistenciais. Nesse sentido, ele seria um fardo para a sociedade e, por isso mesmo, indesejável. A qualificação resulta das necessidades do próprio modelo de sociedade. A escolarização se faz necessária para que o indivíduo seja mais produtivo ao sistema, para que saiba seguir instruções e movimentar-se no espaço urbano-industrial, para que possa consumir produtos e respeitar ou assumir os valores hegemônicos. Enfim, não é interessante a simples exclusão do sujeito. Mais interessante é que a instrução escolar atue como forma de exclusão relativa ou de inclusão branda. (BRITTO, 2003)

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EJA E O MUNDO DO TRABALHO:

É nesse cenário que o anúncio a seguir faz sentido. Também faz sentido a tendência das políticas públicas de EJA em articular ensino fundamental e médio com qualificação profissional ou mesmo ao ensino de uma profissão. O Ministério da Educação, através da Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica, lançou em 2006 o Programa de Integração da Educação Profissional ao Ensino Médio na modalidade de Educação de Jovens e Adultos – PROEJA, tendo como horizonte a Veja em PROEJA http://portal. mec.gov.br/index. php?option=com_cont ent&view=article&id =12292&Itemid=573, acesso em 19/08/09

universalização da educação básica, aliada à formação para o mundo do trabalho, com acolhimento específico a jovens e adultos com trajetórias escolares descontínuas. Nós entendemos que é possível substituir a ideia de que os sujeitos da EJA estão destinados a postos de trabalho pouco valorizados na sociedade pela ideia de que todos podem desempenhar tarefas importantes e complexas e que, mesmo quem optar ou só puder desempenhar tarefas consideradas de pouca complexidade, podem ter aprendizagens complexas.

Extrato 1: Programa PROJOVEM O programa pretende a formação humana, no seu sentido lato, com acesso ao universo de saberes e conhecimentos científicos e tecnológicos produzidos historicamente pela humanidade, integrada a uma formação profissional que permita compreender o mundo, compreenderse no mundo e nele atuar na busca de melhoria das próprias condições de vida e da construção de uma sociedade socialmente justa. A perspectiva precisa ser, portanto, de formação na vida e para a vida e não apenas de qualificação do mercado ou para ele. Por esse entendimento, não se pode subsumir a cidadania à inclusão no “mercado de trabalho”, mas assumir a formação do cidadão que produz, pelo trabalho, a si e o mundo. Esse largo mundo do trabalho — não

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Módulo 05

apenas das modernas tecnologias, mas de toda a construção histórica que homens e mulheres realizaram, das mais simples, cotidianas, inseridas e oriundas no/do espaço local até as mais complexas, expressas pela revolução da ciência e da tecnologia — força o mundo contemporâneo a rever a própria noção de trabalho (e de desenvolvimento) como inexoravelmente ligado à Revolução Industrial. O declínio sistemático do número de postos de trabalho obriga a redimensionar a própria formação, tornando-a mais abrangente, permitindo ao sujeito, além de conhecer os processos produtivos, constituir instrumentos para inserir-se de modos diversos no mundo do trabalho, inclusive gerando emprego e renda. Nesse sentido, a discussão acerca da identidade “trabalhador” precisa ser matizada por outros aspectos da vida, aspectos constituintes e constitutivos dos sujeitos jovens e adultos como a religiosidade, a participação social e política, familiar, nos mais diversos grupos culturais, entre outros. A formação humana, que entre outros aspectos considera o mundo do trabalho, implica também a compreensão de elementos da macroeconomia — como a estabilização e a retomada do crescimento em curso — mediatizados pelos índices de desenvolvimento humano alcançados e a alcançar. A formação humana aqui tratada impõe produzir um arcabouço reflexivo que não atrele mecanicamente educação-economia, mas que expresse uma política pública de educação profissional técnica de nível médio integrada ao ensino médio para jovens e adultos como direito e como parte da educação básica, em um projeto nacional de desenvolvimento soberano, frente aos desafios de inclusão social e da globalização econômica. Diante do exposto, é necessário ter uma noção mais precisa dos sujeitos que se pretende beneficiar com a implementação dessa política pública educacional. Dessa forma, no próximo item, serão explicitados alguns dados estatísticos da educação nacional, principalmente acerca dos jovens e adultos em questão.

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EJA E O MUNDO DO TRABALHO:

Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD / IBGE), em 2002, o Brasil possuía 23.098.462 de jovens com idade entre 18 e 24 anos. A situação de trabalho desses jovens no mercado formal é preocupante. De acordo com o Registro Anual de Informações Sociais (RAIS/MTE, 2002), apenas 5.388.869 — cerca de 23,3% dos jovens dessa faixa etária — tinham emprego no mercado de trabalho formal no mesmo ano. Também quando se verificam dados de escolaridade da PNAD/IBGE 2003, apresentados na tabela a seguir, pode-se observar que nesse ano cerca de 23 milhões de pessoas possuíam 11 anos de estudo, ou seja, haviam concluído o ensino médio. Esse contingente representava apenas 13% do total da população do país. Por conseguinte, pode-se inferir o baixo nível de escolaridade dos brasileiros que enfrentam o mundo do trabalho.

Tabela 1 – População e anos de estudo: 2003 Anos de estudos

Total da população

Total

173.966.052

0

41.461.092

1

7.089.749

2

9.137.740

3

10.889.367

4

19.129.760

5

11.583.950

6

7.546.165

7

7.757.360

8

13.280.759

9

4.907.149

10

4.845.985

11

22.932.919

12

2.041.844

13

1.587.909

14

1.466.865

15 ou mais

7.515.178

Não Informado

792.261

Fonte: IBGE/PNAD – 2003

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Módulo 05

Ainda segundo o IBGE, em dados referentes à coleta feita pelo Censo 2000, os estudos recentes de Paiva (2005), visando a uma melhor compreensão das demandas potenciais por educação e de como tem sido constituída a política educacional no país, trazem um conjunto de observações indispensáveis à contextualização da EJA. Considerando-se a distribuição da população de 10 anos ou mais de idade, observa-se que uma parcela de 31,4% tem até três anos de estudo. Isso significa que o terço da população brasileira que consegue ir à escola não chega à metade do ensino fundamental de oito anos. O Piauí e o Maranhão detêm as taxas mais altas de população que não completa o ensino fundamental (56,6% e 53,2%, respectivamente) e o Distrito Federal (16,1%) a mais baixa. Levando-se em conta a distribuição dos estudantes por nível de ensino frequentado, verifica-se que o ensino fundamental absorve o maior número de alunos. Nesse nível a matrícula atinge 58,2%, sendo que nas regiões Norte e Nordeste essa proporção é ainda maior, 62,6% e 64,1%, respectivamente. Entre os jovens de 15 a 17 anos de idade, a taxa de escolarização passou de 55,3% para 78,8%. Poder-se-ia dizer que os jovens estão tendo mais acesso à escola e nela permanecem por mais tempo. No entanto, os dados de conclusão do ensino fundamental ainda demonstram um distanciamento forte em relação aos dados de ingresso. Além disso, os dados do ensino médio não revelam que essa escolarização ampliada se faz, nessa etapa de ensino, na faixa etária em questão, como era de se esperar. Em relação às pessoas de 18 e 19 anos de idade, a proporção é menor: apenas 50,3% do grupo estavam estudando e, entre os jovens de 20 a 24 anos, a proporção é de 26,5%. No grupo de 25 anos ou mais de idade, a taxa de escolarização quase triplicou de 1991 para 2000 (passou de 2,2% para 5,9%), mas ainda é baixa. Os dados são insuficientes para revelar algum movimento efetivo de retorno à escola por parte dos que interromperam os estudos. Isso porque, entre outras questões, o indicador inclui desde os estudantes que estão aprendendo a ler e a escrever até os que estão na pós-graduação. Em 2000, pela primeira vez, o Censo IBGE forneceu dados relativos à

Juventude valoriza mais o trabalho do que a educação, diz pesquisa. Pesquisa realizada pelo Ibase e pelo Instituto Pólis mostra juventude sulamericana mais preocupada com trabalho do que com educação. A maioria dos entrevistados no Brasil considera que o mais importante para os jovens é “ter mais oportunidades de trabalho” (61%), opinião partilhada igualmente por jovens e adultos. Mais de 70% discordam da afirmação “os jovens devem apenas estudar e não trabalhar”. Como a juventude é vista nos diferentes países da América do Sul? Como se posicionam jovens e adultos sulamericanos sobre temas morais, éticos e políticos? Quais as principais demandas e problemas dos jovens na região? Estas e outras perguntas guiaram a pesquisa “Juventude e Integração Sulamericana: diálogos para construir a democracia regional”, coordenada Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase) e peloInstituto Pólis.Ver mais detalhes em: http://www.ibase.br/ e” http:// www.polis.org.br As gerações também se aproximam na hora de definir o que é prioridade para a juventude: jovens e adultos acreditam que o mais importante para os jovens hoje é “ter mais oportunidade de trabalho”, embora os adultos acreditem mais nas credenciais da educação do que os jovens (que valorizam mais a experiência e menos a educação como fator de ingresso no mercado de trabalho). 15/06/2009 Fonte: www.cartamaior.com.br

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EJA E O MUNDO DO TRABALHO:

frequência escolar pela rede frequentada: 79% dos alunos estão matriculados na rede pública e gratuita de ensino, o que reforça a necessidade de se conceber a oferta pública de educação como direito. A despeito desses dados, o número absoluto de sujeitos de 15 anos ou mais (que representam 119,5 milhões de pessoas do total da população) sem conclusão do ensino fundamental (oito anos de escolaridade), como etapa constituidora do direito constitucional de todos à educação, é ainda de 65,9 milhões de brasileiros. Da população economicamente ativa, 10 milhões de pessoas maiores de 14 anos e integradas à atividade produtiva são analfabetas ou subescolarizadas.

Como reflexo das desigualdades, negros e pardos com mais de dez anos de idade também são mais vitimados nesse processo, com menos anos de escolarização do que brancos. Nas Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste as diferenças se apresentam de forma mais aguda, como indicada na Tabela 2. Tabela 2 - Média de anos de estudo da população de 10 anos ou mais de idade, por cor ou raça, segundo as Grandes Regiões. Brasil, 2001.

Grandes Regiões

Média de anos de estudo da população de 10 anos ou mais de idade Total

Cor ou raça Branca

Preta

Parda

Brasil (1)

6,1

7,0

5,0

5,0

Norte (2)

6,1

7,0

5,2

5,7

Nordeste

4,7

5,7

4,2

4,3

Sudeste

6,8

7,4

5,4

5,7

Sul

6,6

6,8

5,5

5,1

C-Oeste

6,3

7,2

5,2

5,6

Fonte: IBGE - Síntese de Indicadores Sociais, 2002. (1) Exclusive a população rural de Rondônia, Acre, Amazonas, Roraima, Pará e Amapá. (2) Exclusive a população rural.

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Módulo 05

A grave situação educacional que os números revelam exige refletir o quanto têm estado equivocadas as políticas públicas para a educação de jovens e adultos, restritas, no mais das vezes, à questão do analfabetismo, sem articulação com a educação básica como um todo, nem com a formação para o trabalho, nem com as especificidades setoriais, traduzidas pelas questões de gênero, raça, espaciais (campo – cidade), geracionais etc. O imenso contingente de jovens que demanda a educação de jovens e adultos, resultante de taxas de abandono de 12% no ensino fundamental regular e de 16,7% no ensino médio, acrescido de distorção idade-série de 39,1% no ensino fundamental e de 53,3% no ensino médio (BRASIL, 2001), revela a urgência de tratamento não fragmentado, mas totalizante e sistêmico, sem o que se corre o risco de manter invisibilizada socialmente essa população, frente ao sistema escolar e, seguramente, no mundo do trabalho formal, exigente de certificações e comprovações de escolaridade formal. Quando as políticas públicas voltam-se para o que tem sido chamado de universalização do atendimento e a escola básica deixa de ser elitizada, passando a atender também as classes populares, torna-se evidente que não é o acesso suficiente para dar conta do saber ler e escrever. Os fundamentos das práticas pedagógicas permanecem reproduzindo modelos culturais de classes sociais diversas das dos alunos, produzindo o fracasso escolar e a chamada “evasão”. Dessa forma, ainda hoje, mesmo os que chegam ao final saem sem dominar a leitura e a escrita. Esse fato tem representado um aumento substantivo de jovens na EJA, todos com escolaridade descontínua, não-concluintes com êxito do ensino fundamental, obrigados a abandonar o percurso, ou pelas reiteradas repetências, indicadoras do próprio “fracasso”, ou pelas exigências de compor renda familiar, insuficiente para a sobrevivência, face ao desemprego crescente, à informalidade e à degradação das relações de trabalho, ao decréscimo do número de postos.

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EJA E O MUNDO DO TRABALHO:

Extrato 2: Declaração de Hamburgo, Tema V. A transformação do mundo do trabalho é uma questão que apresenta aspectos múltiplos, de importância enorme para a educação de adultos. A globalização e as novas tecnologias têm um impacto considerável, e sempre crescente, sobre todas as dimensões da vida individual e coletiva das mulheres e dos homens. A dificuldade de encontrar trabalho e o aumento do desemprego causam crescente inquietude. Nos países em desenvolvimento, além do emprego, trata-se de garantir meios seguros de subsistência para todos. A necessária melhoria da produção e da distribuição na indústria, agricultura e serviços requer aumento de competências, o desenvolvimento de novas habilidades e a capacidade de adaptar-se, de forma produtiva e ao longo de toda a vida, às demandas em constante evolução no tocante ao emprego. O direito ao trabalho, o acesso ao emprego e a responsabilidade de contribuir, em todas as idades da vida, para o desenvolvimento e o bem-estar da sociedade são exigências que a educação de adultos deve procurar satisfazer. Nós nos comprometemos a: 31. Promover o direito ao trabalho e o direito à educação de adultos relacionada com o trabalho: •    reconhecendo o direito de todos ao trabalho e a meios duráveis de subsistência e favorecendo, por novas formas de solidariedade, a diversificação dos modelos de emprego e de atividades produtivas reconhecidas; •    fazendo com que a educação de adultos, com objetivo profissional, desenvolva competências e habilidades específicas que permitam a inserção e a mobilidade profissionais, e melhore a capacidade dos indivíduos para exercer tipos diversificados de empregos; •    estimulando as parcerias entre empregadores e assalariados; •    fazendo com que os conhecimentos e as habilidades desenvolvidas por vias informais sejam plenamente reconhecidos; •    insistindo sobre o papel capital que a educação profissional dos adultos exerce no processo de aprendizagem, ao longo de

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Módulo 05

toda a vida; integrando nos processos informais e não-formais da educação de adultos uma perspectiva analítica e crítica do mundo econômico e seu funcionamento. 32. Garantir a diferentes grupos-alvo o acesso à educação de adultos, com objetivo profissional: •    estimulando os empregadores a apoiar e promover a alfabetização no lugar de trabalho; •    cuidando para que as políticas de educação de adultos voltadas para o trabalho atendam às necessidades dos trabalhadores autônomos e da economia não-formal, e facilitem o acesso da mulher e dos trabalhadores migrantes à formação em ofícios e setores não tradicionais; •    assegurando-se de que as políticas de educação de adultos, com objetivo profissional, tenham em conta a igualdade homem e mulher, as diferenças culturais e etárias, a segurança no local de trabalho, a saúde dos trabalhadores, a proteção contra os tratamentos injustos e contra o assédio, assim como a preservação do meio ambiente e a gestão racional dos recursos naturais, enriquecendo o ambiente de aprendizagem nos lugares de trabalho e oferecendo aos trabalhadores meios flexíveis de aprendizado individual e coletivo e respectivos serviços. 33. Diversificar o conteúdo da educação de adultos com objetivo profissional: •    apoiando uma educação que aborde as questões concernentes à agricultura, à gestão dos recursos naturais e à segurança alimentar; •    incluindo elementos relacionados com os serviços de extensão agropecuária, o estudo dos direitos do cidadão, a criação de organizações, a gestão dos recursos naturais, a educação em matéria de segurança alimentar e de saúde sexual; •    estimulando o espírito de empreendimento por meio da educação de adultos; •    favorecendo, nos serviços de extensão, intentos que levem em

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EJA E O MUNDO DO TRABALHO:

consideração as diferenças entre homens e mulheres, respondendo às necessidades das mulheres que trabalham na agricultura, na indústria e nos serviços, e melhorando sua capacidade de difundir conhecimentos relativos a esses domínios. O Ministério da Educação, em convênio com a UNITRABALHO, elaborou e colocou à disposição das redes de educação um material didático para a EJA, cujo eixo organizador é o trabalho. Além de disponível na forma impressa, (toda secretaria municipal recebeu um exemplar para suas escolas) o material encontra-se on line em: http://www.eja.org.br/.

Sugestões de filmes para discutir o tema TRABALHO com os alunos da EJA. “A Nós, a Liberdade”, de René CLAIR. França, 1931, 104 minutos. Comédia sobre o destino de dois homens que ficaram amigos na prisão. Um fica milionário e o outro vai trabalhar na fábrica dele, submetendo-se a regras tão ou mais rígidas que as da prisão. “Dançando no Escuro”, de Lars VON TRIER. Suécia, 2000, 139 minutos. Conta a história de uma jovem operária que se vê em dificuldades devido à sua frágil saúde e à necessidade de juntar dinheiro para pagar a operação de seu filho. “Ilha das Flores”, de Jorge Furtado. Brasil, 1989, 13 minutos. Um retrato da mecânica da sociedade de consumo. Ao acompanhar a trajetória de um simples tomate, desde a plantação até ser jogado fora, este curta-metragem revela o processo de geração de riqueza e as desigualdades dele decorrentes. “Marias da Castanha”, de Simone RASKIN (vídeo). São Paulo, 1986.Este documentário mostra o trabalho árduo dos trabalhadores em uma fábrica de industrialização de castanha. “Os Companheiros”, Mario MONICELLI. Itália, 1963, 130 minutos. Relata a luta de um professor e ativista durante uma greve em Turim (norte da Itália), retratando os primeiros movimentos operários do fim do século XIX. “Os Libertários”, de Lauro ESCOREL FILHO. São Paulo, 1976, 26 minutos. O filme trata do movimento trabalhista no início do século XX. Foi elaborado com material do arquivo Edgard Leueuroth, considerado o mais completo acervo da imprensa operária brasileira. “Profissão: Criança”, de Sandra Werneck. Brasil, 1993, 34 minutos. Crianças brasileiras são obrigadas a trabalhar para sobreviver e, muitas vezes, garantir o sustento da família. Retrata também outros sentidos do trabalho entre famílias pobres. “Tempos Modernos”, de Charles CHAPLIN. Estados Unidos, 1936, 87 minutos O filme focaliza a vida urbana nos Estados Unidos dos anos 30, imediatamente após a crise de 1929, quando a depressão leva grande parte da população ao desemprego e à fome. Trata-se de uma crítica à “modernidade” e à sociedade industrial, caracterizada pela produção com base no sistema de linha de montagem e especialização do trabalho. Carlitos, figura central do filme, ao conseguir emprego numa grande indústria, transforma-se em líder grevista.

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Módulo 05

Unidade 03

CONCEITOS (SENTIDOS) DE ECONOMIA SOLIDÁRIA Objetivos da aprendizagem: Estamos de tal modo imersos no mundo capitalista e nas suas relações de trabalho que ele nos aparece como natural. O movimento pela economia solidária, no entanto, vem nos mostrando outras possibilidades. Se, por um lado, ele é solução para o desemprego e sub-emprego, ao mesmo tempo nos mostra que as relações de trabalho são culturais e que poderiam ser de outro modo. Poderiam ser de colaboração e não de competição. Nesta unidade pretendemos estimular a discussão nas salas de aula da EJA sobre o individualismo e a competição predominante na sociedade atual, estimulando a cooperação entre os alunos, a colaboração e a ajuda mútua como valores fundamentais na construção da cidadania e de uma sociedade mais justa. Acreditamos que a economia solidária é uma esperança. E você o que acha?

http://www.eja.org. br/cadernosdeeja/ economiasolidaria/ es_txt6.php?acao3_ cod0=04d8a8fc75f530 697b200c6a6bf7eebe

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EJA E O MUNDO DO TRABALHO:

SOLIDARIEDADE Um chamado à união “Solidários, somos gente; Solitários, somos peças. De mão dadas, somos força; Desunidos, impotência. Isolados, somos ilha; Juntos, somos continente. Inconscientes, somos massa; Reflexivos, somos grupo. Organizados, somos pessoas; Sem organização, somos objetos de lucro. Em equipe, ganhamos, libertamo-nos; O texto a seguir, extraído dos cadernos você pode visitar no site: www.eja.org.br/ cadernosdeeja/ economiasolidaria de Eja “Economia solidária e trabalho”, pode ser útil para você discutir essa questão com seus alunos.

Individualmente, perdemos, continuamos presos. Participando, somos povo; Marginalizando-nos, somos rebanho. Unidos, somos soma; Na massa, somos número. Dispersos, somos vozes no deserto; Agrupados, fazemo-nos ouvir. Amontoando palavras, perdemos tempo; “Com ações concretas, construímos sempre”.

O QUE É COOPERAÇÃO? O individualismo é o maior obstáculo às tarefas comunitárias As palavras cooperação e cooperar não são estranhas.Você já deve ter cooperado alguma vez com um doente, mendigo ou com algum trabalho em comunidade. Você também já deve ter solicitado a colaboração de algumas pessoas em momentos de dificuldades ou para realizar um trabalho de interesse coletivo. Cooperar é agir em comum ou individualmente de forma solidária; quando todos ajudam a encontrar saídas para os problemas, trocando ideias e experiências. A cooperação acontece quando um grupo contribui com suas energias para a realização de tarefas de interesse comum.

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A base da cooperação é a vida em grupo, nele aprendemos a cooperar. A cooperação substitui a dominação e faz aparecer a responsabilidade e o equilíbrio. Numa comunidade, a partir dos interesses das pessoas, elas podem cooperar mais com determinado grupo do que com outro. Por isso, devemos entender que cada grupo tem sua importância e que devemos respeitar a identidade de cada um.

A cooperação e o individualismo A vida em cooperação é um aprendizado. Há gente que tem muita dificuldade de conviver com outras pessoas; se essas tivessem poder, decidiriam as coisas sozinhas e da sua maneira. Essas pessoas ainda têm um grau de individualismo muito grande. O individualismo está presente na história do cooperativismo. Antigamente as pessoas eram mais isoladas, distantes e fechadas em seus lares, ninguém queria participar de nada, era cada um na sua, não havia esforço para se unir. O primeiro trabalho do cooperativismo veio romper com o isolamento. Uma maneira disfarçada de individualismo é a dependência. Há grupos de cooperados que deixam tudo para o coordenador realizar, achando que todos os problemas vão ser resolvidos sem compromisso e responsabilidade de todos. Quando os membros de um grupo não assumem responsabilidades, não compreendem que as mudanças são conquistas coletivas, acabam se afastando do grupo. Enquanto que a pessoa que coopera sabe dividir, gosta de agir com o grupo, é otimista, contribui com novas ideias e chega junto com a turma. A pessoa individualista tem dificuldade de contribuir, dar, repartir e dividir. O individualista

http://www. cultura.ufpa. br/itcpes/ documentos/es_ possibilidades_e_ limites.pdf,

pensa que só os melhores vencem. Você já ouviu o dito: “É tempo de murici, cada um por si”. O que você acha da frase? Extraído e adaptado do texto: Curso Básico de Cooperativismo da Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares e Autogestão da Universidade Federal do Ceará. (2007, p. 36-37)

Para aprofundar seu estudo, sugerimos que você acesse o texto de Márcio Pochman onde ele nos convida a perceber que no

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EJA E O MUNDO DO TRABALHO:

rastro da crise do desenvolvimento capitalista progridem, simultaneamente, modos de produção distintos. Especialmente no interior do segmento não-organizado do trabalho há sinais do desenvolvimento de uma fase embrionária da economia solidária, para além dos estágios da economia doméstica, popular e pré-capitalista. O avanço inicial da economia solidária deve-se à junção de dois movimentos específicos no Brasil. De um lado, o aparecimento de um enorme excedente de mão-de-obra com algumas novidades em relação ao verificado durante o ciclo da industrialização nacional. De outro lado, o movimento composto por um importante conjunto de militantes sociais críticos e engajado na construção de alternativas de organização social e laboral no Brasil. São pessoas representantes de múltiplas ideologias, na maior parte antineoliberais, interessados em constituir alianças com segmentos excluídos da população capazes de oferecer novos caminhos em termos de geração de trabalho, renda e mudança no modo de vida. (2004. Economista brasileiro nascido na

p. 23-24)

Áustria.

O texto de Pochman apresenta brevemente a evolução das principais A Economia Solidária como ato pedagógico, disponível em http://www.inep. gov.br/download/ cibec/2005/titulos_ avulsos/econ_ solidaria_educacao_ JA.pd

tendências do mercado de trabalho no Brasil durante as últimas oito décadas e procura identificar o espaço de manifestação e desenvolvimento e discutir oportunidades, limites e passos necessários nas políticas públicas voltadas ao fortalecimento da economia solidária no Brasil. Um outro texto que convidamos você a ler é o de Paul Singer e cuja conclusão apresentamos a seguir. A Economia Solidária é um ato pedagógico em si mesmo, na medida em que propõe nova prática social e um entendimento novo dessa prática. A única maneira de aprender a construir a Economia Solidária é praticando-a. Mas, seus valores fundamentais precedem sua prática. Não é preciso pertencer a uma cooperativa ou empreendimento solidário para agir solidariamente. Esse tipo de ação é freqüente no campo político e no campo das lutas de classe, sobretudo do lado dos subalternos e desprivilegiados.

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Esses últimos são os dominados e, quando agem, voltam-se contra os dominadores, que detêm o poder e a capacidade de reprimir tais tipos de ação e sancionar quem se atreve a tentá-los. A principal arma dos que desafiam a ordem vigente (como os grevistas, por exemplo) e que lhes oferece alguma perspectiva de sucesso é a união entre todos, ou seja, a solidariedade. Por isso, a solidariedade é ensinada aos fracos e subalternos pela vida que levam e pelas empreitadas em que se engajam. Isso vale também para os pobres, que só conseguem sobreviver graças à prática consistente da ajuda mútua, modalidade essencial da solidariedade. É a vida que ensina aos mais fracos, os social e economicamente debilitados, o valor, na verdade, a imprescindibilidade da solidariedade. A Economia Solidária é um passo decisivo “para além” desse aprendizado pela vivência, pois ela propõe a solidariedade não só como imposição da necessidade mas como opção consciente por outro modo de produção. Essa talvez seja a conclusão principal do acima exposto. A experiência de vida dos inferiorizados lhes ensina a prática da solidariedade como resposta à necessidade, em situações de perigo ou de extrema carência. “A Economia Solidária lhes propõe a solidariedade como prática sistemática, cotidiana, embebida num relacionamento social e econômico especialmente construído para isso”. A Economia Solidária prende-se à experiência de vida pregressa dos trabalhadores, mas ao mesmo tempo a ultrapassa. Isso fica claro quando se examina a saga das empresas recuperadas. No início do processo, no chamado “momento inaugural”, a solidariedade impõe-se tanto pela luta para que a empresa seja entregue aos ex-empregados, como pela necessidade de muita labuta com remuneração mínima, para que a nova cooperativa (ou associação) viabilize-se economicamente.

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EJA E O MUNDO DO TRABALHO:

Mas, ela continua essencial mesmo quando o período heróico é superado, pois um empreendimento coletivo exige a efetiva cooperação entre todos que a compõem. É nesse momento que o ato pedagógico faz-se indispensável. Trata-se pois de uma nova prática solidária, que se alimenta da antiga, mas exige uma formação específica. Trata-se, em essência, da construção de uma nova sociedade, dentro e em oposição à velha. Essa formação exige a interação dos que se envolvem na construção concreta dos empreendimentos solidários, em sua grande variedade, e da articulação deles entre si, e que haurem conhecimentos desta experiência, com os seus intelectuais orgânicos, que pensam, sistematizam e discutem a Economia Solidária numa temporalidade histórica e em uma espacialidade internacional. Assim, a Economia Solidária produz o aprendizado conjunto que a impulsiona em sua trajetória. (2005, p. 36-37)

Propomos que desenvolva com seus alunos duas atividades, sendo uma realizada individualmente e outra em grupos. Discuta com eles os efeitos materiais e não materiais das duas atividades, identificando as vantagens e desvantagens de cada uma. Verifique com eles que o trabalho em grupo possibilita a troca de saberes tornando a aprendizagem muito mais rica. Use essa atividade como mote inicial para refletir com eles sobre a economia solidária e imaginando como seria a sociedade humana se esta se baseasse na solidariedade em vez de na competiPor fim, sugerimos que você assista ao vídeo

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A IMPORTÂNCIA DA LEITURA NA EDUCAÇÃODE JOVENS E ADULTOS

Que posso eu, viciada em livros como sou, repetir aqui, senão que a literatura é terapêutica? Todos nós sabemos que ouvir histórias é parte importante do tratamento médico em algumas culturas. Lembremos na literatura árabe, Sherazade, que consegue curar um assassino ressentido que matava uma donzela por dia, com apenas mil e uma noites de histórias. Isto dá pouco mais de três anos. Se me permitem brincar, conheço pessoas que não mataram nenhuma de suas mulheres e que fazem psicanálise há nove, ainda sem alta. A literatura é ainda uma terapia muito econômica, sobretudo se considerarmos a possibilidade de utilizar nossas bibliotecas. Além do mais, como existem milhares de livros, nós não somos obrigados a tomar nenhum remédio até o fim. Se acontecer a síndrome da página 3 ou 21, uma sonolência repentina, uma dificuldade de concentrar a atenção, basta deixar este livro de lado e buscar outro. Não há porque fazer do prazer um sacrifício. Dizem que conselho ilumina, mas não aquece, e me sinto um pouco canhestra falando do meu receituário particular. Mas gostaria ainda de fazer o elogio dos contos de fada, leitura que reservo para os meus momentos mais difíceis e dolorosos, desde menina até hoje. Acredito que estes contos concentram a mais profunda sabedoria da psique humana. Acredito ainda que esta sabedoria nos é passada de graça e que não há nenhuma necessidade de decifrá-los. Dentro de nós, um saber que não precisa das palavras, é capaz de compreendê-los. Mas se buscamos um sentido para nossa vida, estes contos claramente nos dão: eles nos falam que vale a pena atravessar as montanhas, os perigos, em busca do encontro amoroso, a maior recompensa da aventura humana. Mesa redonda: aspectos psicológicos da literatura infantil e juvenil / BH, junho de 1986. Fonte: http://www.angela-lago.com.br/aulaTer.html

Na sequência, delicie-se com a crônica de Carlos Alberto Libânio Christo (Frei Betto), que trata assim da temática da leitura.

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Módulo 08

LEITURA 7: Eu, o livro Frei Betto Sou muito especial. Minha tecnologia é insuperável. Funciono sem fios, bateria, pilhas ou circuitos eletrônicos. Sou útil até mesmo onde não há energia elétrica. E posso ser usado mesmo por uma criança: basta abrir-me. Nunca falho, não necessito de manual de instruções, nem de técnicos que me consertem. Dispenso oficinas e ferramentas. Sou isento a vírus, embora figure no cardápio das traças. Se algo em mim o leitor não entende, há um similar que explica todos os meus vocábulos. Através de mim as pessoas viajam sem sair do lugar. Não é fantástico? Basta abrir-me e posso levá-las a Roma dos Césares ou à Índia dos brâmanes, aos estúdios de Hollywood ou ao Egito dos faraós, ao modo como as baleias cuidam de seus filhos e aos paradoxos dos buracos negros. Sou feito de papiro, pergaminho, papel, plástico e, hoje, existo até como matéria virtual. Domino todos os ramos do conhecimento humano. E, ao contrário dos seres humanos, jamais esqueço. Se me consultam, elucido dúvidas, respondo indagações, estimulo a reflexão, desperto emoções e idéias. Posso ensinar qualquer idioma: tupi, grego, chinês ou russo. Até línguas mortas, como o latim. Introduzo as pessoas na meditação zen-budista e nos segredos da culinária mineira, nas partículas subatômicas e na história do automóvel, nas maravilhas dos jardins suspensos da Babilônia e nos hábitos dos escorpiões. Para utilizar-me, a pessoa escolhe o lugar mais confortável: cama, sofá da sala, tamborete da cozinha, degrau da escada ou banco do ônibus. Trago a ela os poemas de Fernando Pessoa e os salmos da Bíblia; as noções de como operar um monitor de TV e a biografia de John Lennon; as viagens de Marco Pólo e os cálculos da propulsão das naves espaciais.

Carlos Alberto Libânio Christo é conhecido no Brasil como Frei Betto. Nasceu no ano de 1944, em Belo Horizonte, MG. Em 1965, entrou para o convento dos dominicanos, onde se tornou frade. Estudou jornalismo, antropologia, filosofia e teologia. Como jornalista, atuou na Revista Realidade e no jornal Folha da Tarde desafiando a censura do regime militar. Foi preso político de 1969 até 1973. Foi a partir de um livro publicado nesse período que ganhou renome nacional e internacional. Com o livro Batismo de Sangue, de 1983, ganhou o Jabuti, principal prêmio literário do Brasil. Assessor da Pastoral Operária e de movimentos populares, colabora com vários jornais e revistas. Adaptado de: http:// eejma.blogspot. com/2008/09/biografiade-frei-betto.html, acessado em janeiro de 2010.

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A IMPORTÂNCIA DA LEITURA NA EDUCAÇÃODE JOVENS E ADULTOS

Trabalho em silêncio, e nunca incomodo ninguém, pois jamais insisto. É o meu leitor que se cansa e, neste caso, pode fechar-me e continuar a leitura horas ou dias depois. Não fujo, não saio do lugar, não abandono quem cuida de mim. Fico ali à espera, em cima de uma mesa ou enfiado numa prateleira, sem alterar o meu humor. Exceto quando sou alvo da cobiça de pessoas sem escrúpulos, que me roubam de meus legítimos donos. Revelo a quem me procura o que for de seu interesse: como cuidar do jardim ou detalhes da Guerra do Paraguai; a incrível paixão entre Romeu e Julieta ou a atribulada vida amorosa de Elvis Presley; os segredos de fabricação de um bom vinho ou as mil e uma interpretações de As Mil e Uma Noites. Pode-se estar comigo e, ao mesmo tempo, ouvir música ou viajar de trem, navio ou avião, sem necessidade de pagar a minha passagem. Sou transportável, manipulável e até descartável. Mas costumo enganar a quem confia nas aparências: nem sempre o meu rosto revela o conteúdo. Sem mim, a humanidade teria perdido a memória. E, possivelmente, não ficaria sabendo que Deus se revelou a ela. Sou portador de epifanias e sonhos, tragédias e esperanças, dores e utopias. E sou também uma obra de arte, dependendo de como os meus autores tecem e bordam as letras que preenchem as minhas páginas. Livre e lido, sou livro. Fonte: ADITAL 19 de abril de 2002 http://br.geocities.com/mcrost10/fb20.htm

Não dissemos que era uma leitura agradável? E como são tantos os homens e as mulheres que escrevem sobre a leitura – e cada um a seu modo e prazer! – sugerimos mais um texto com a mesma temática, contudo diferente no modo de se dizer aos leitores.

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Módulo 08

LEITURA 8: Direitos imprescritíveis do leitor Daniel Pennac Daniel Pennac nasceu em Casablanca,

O direito de não ler.

Marrocos,

em

1944,

a

bordo

de

um

navio. É professor de língua francesa, em

O direito de pular páginas.

Paris,

e

um

apaixonado

pela

pedagogia. O sucesso na literatura chegou com a série de romances sobre

O direito de não terminar um livro.

o –

personagem O

paraíso

Benjamim dos

ogros;

Malaussène A

pequena

vendedora de prosa; Senhor Malaussène

O direito de reler.

e

Frutos

1980,

da

Pennac

Paixão. morou

Na por

década dois

de

anos

em Fortaleza (CE).Dados obtidos em:

O direito de ler qualquer coisa.

http://blogdofavre.ig.com.br/tag/ daniel-pennac/, acessado em janeiro

O direito ao bovarismo. O direito de ler em qualquer lugar. O direito de ler uma frase aqui e outra ali. O direito de ler em voz alta. O direito de calar.

Fonte: contracapa do livro Como um romance, de Daniel Pennac, editora Rocco. http:// www.filologia.org.br/vicnlf/anais/caderno06-04.html

Você já havia pensado sobre o fato de o leitor ser um sujeito portador de direitos? Qual desses direitos você mais exerce? E que acha de mais uma leitura agradável sobre o leitor e a leitura?

de 2010.

Referência à personagem Madame Bovary, do livro de mesmo nome, de Gustave Flaubert. Bovarismo, segundo Pennac, é a “satisfação imediata e exclusiva de nossas sensações: a imaginação infla, os nervos vibram, o coração se embala, a adrenalina jorra, a identificação opera em todas as direções e o cérebro troca (momentaneamente) os balões do cotidiano pelas lanternas do romanesco. É nosso primeiro estado de leitor, comum a todos. Delicioso”. Fonte: http://www.dpnet.com.br/ anteriores/2000/09/06/ coluna_pfc.html (doença textualmente transmissível).

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A IMPORTÂNCIA DA LEITURA NA EDUCAÇÃODE JOVENS E ADULTOS

LEITURA 9: O bom leitor Daniel Pizza Costumamos discutir o que é um bom livro e um bom escritor, mas esquecemos de tentar responder o que é um bom leitor. O princípio é: quanto mais livros a pessoa ler, melhor. E esse princípio é equivocado. Daniel Pizza é escritor, tradutor e jornalista no site do Estadão.

É preciso ter o hábito prazeroso de ler muitos livros, mas bons livros; e os bons livros são, como tantas coisas boas nesta vida, minoria. Além disso, há muita gente que lê muito, mas lê mal; não faltam intelectuais para servir de exemplo. Num país onde a arrogância dos ignorantes se alastra por todas as classes sociais, estimular a boa leitura deveria ser fundamental. Mas as escolas em geral, quando tentam estimular a leitura, terminam estimulando a má leitura. Clássicos, por exemplo, são passados como coisas chatas. Na verdade, muitos são realmente chatos e outros tantos só podem ser lidos depois de certa maturidade de leitura; mas alguns podem provocar curto-circuito mental, libertar o senso crítico e criativo, expandir os horizontes existenciais do iniciante. Obrigar um adolescente a ler Senhora, de José de Alencar, pode condenar um futuro leitor. O romance não é só chato por ser obrigatório, mas também porque nem deveria ser chamado de clássico. Clássico não é o mesmo que antigo: é o livro que novidades não esgotam. O gosto pela leitura tem de ser transmitido como uma forma de entender a própria vida. Qualquer livro deslocado de seu poder de perturbar não passa de arquivo. E não são apenas os clássicos que podem perturbar, embora mereçam sempre o crédito de que já perturbaram muitas gerações. O bom leitor, então, não lê para concordar totalmente, ainda que possa vir a concordar com o cerne do que lê. É o que lê para poder refletir sobre o que ainda não conseguiu refletir, sendo capaz de admirar mesmo quando discorda. Não lhe basta o “Puxa, sempre quis dizer isso e não sabia como”. É preciso também o “Eu não havia pensado nisso” - que as frases fiquem zumbindo em sua cabeça depois. Maus leitores também supõem que livro bom é livro grande. Graciliano Ramos disse que a maioria dos livros poderia ser muito menor. O mesmo poderia ter sido dito em

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muito menos páginas. E isso, para mim, começa especialmente pelos romances. A noção de que os romanções sejam o pilar central da leitura, da cultura, é tola. Poucos escritores podem fazer um romance de mais de 300 páginas que valha a pena. E mesmo muitos livros desses autores - de Cervantes a Joyce, passando por Stendhal, Tolstoi, Mann ou Euclides da Cunha - talvez fossem melhores se sofressem alguns cortes. Há muitos grandes livros, muitos clássicos da humanidade, que são livros ou textos pequenos - de Ésquilo a Kafka, passando por Shakespeare, Montaigne, Nietzsche ou Graciliano. O bom leitor não dá preferência a um gênero. Ficção é importante e inclui contos, poemas, peças. Mas, sobretudo num mundo tão inundado de ficção em todas as suas formas (incluindo filmes publicitários), não convém ler muita ficção. Ensaios sobre os mais diversos assuntos, como arte e ciência, e livros de história e pensamento, indo de artigos a biografias, podem ser decisivos. O bom leitor gosta também de cartas, diários, aforismos, memórias - ciente de que boas idéias podem aparecer em qualquer formato e algumas linhas. Já o interesse por diversos assuntos não o impede de se deixar levar por uma fase em que lê “tudo” de um autor ou tema. E ele vê na crítica, na amizade impessoal com alguns críticos culturais, uma forma de aguçar suas escolhas, de enriquecer sua percepção, tal como nos bons livros. Na próxima semana, em São Paulo, começa mais uma Bienal do Livro. O público lota. Mas eu estava lendo Livros Demais!, de Gabriel Zaid, e O Brasil Pode Ser um País de Leitores?, de Felipe Lindoso (ambos da Summus Editorial), e pensando justamente nos problemas do leitor que vai a uma Bienal, vê aquela multidão de livros na maioria caros para ele, não tem orientação nenhuma a não ser suas inclinações pessoais por algum gênero (“Ah, eu adoro romance policial”) ou tema (em geral do momento, como educação paterna, historinha da cidade etc.) e sai de lá sem a oportunidade de se tornar um leitor melhor. O Brasil não chega a ter mil livrarias de verdade, embora tenha a metade desse número de editoras. Afora a carência de dinheiro, política e orientação, há todo o clima cultural que diz que ler é perder tempo, de nada adianta, não serve para ganhar o pão ou governar um país. Do outro lado, que muitas vezes termina sendo o mesmo lado, há a propaganda de

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A IMPORTÂNCIA DA LEITURA NA EDUCAÇÃODE JOVENS E ADULTOS

que ler dá status, é “im-por-tan-te” ou traz a felicidade dos comerciais de refrigerante. O bom leitor não cai nessa. Sabe que a leitura não se mede por vantagens práticas imediatas ou por quesitos falsamente objetivos, como os que andam sendo utilizados nos júris de alguns prêmios literários nacionais. Sabe que a leitura pode adensar sua inteligência e o ajudar a enxergar para além das polarizações sentimentais que marcam tanto o debate subdesenvolvido. E que isso, acima de todas as coisas, lhe dá instrumentos para ao menos resistir à palermização vigente. Fonte: O Estado de São Paulo - 11 de abril de 2004. Disponível em http://www.sul-sc.com.br/afolha/pag/educa_leitor.htm A escritora Ana Maria Machado, em entrevista concedida à Revista Educação, abril de 2002, foi enfática ao criticar a condição nãoleitora dos professores. Disse ela: Gente que não gosta de ler não pode ensinar a ler. É igual a um instrutor de natação que não gosta de nadar, e por isso tenta ensinar os alunos do lado de fora da piscina. Eu questiono a formação do leitor. Quantos livros de literatura não-obrigatória um professor lê por ano? Se o professor lê, não tem como não passar isso para o aluno. Quem gosta de ler está sempre falando de livro, recomendando leituras para outras pessoas, é algo que contagia e flui naturalmente.

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Unidade 04

Para além da escola Objetivos da aprendizagem: perceber que, embora a escola seja sua agência por excelência, o fomento da leitura terá maior alcance se outras instâncias da sociedade também se envolverem com a questão. Para boa parte da população brasileira, o aprendizado da leitura inicia na escola. Se este aprendizado for efetivo e se houver condições favoráveis, permanecerá para toda a vida e será utilizado nas mais diversas situações.

LEITURA 10: Vale mais que um trocado Por Rodrigo Ratier Ambulantes, pedintes e moradores de rua não esperam só por dinheiro dos motoristas parados no sinal vermelho. Sem pagar pra ver, eu vi. A cada livro oferecido em vez de esmola, um leitor descoberto.

“Dinheiro eu não tenho, mas estou aqui com uma caixa cheia de livros. Quer um?” Repeti essa oferta a pedintes, artistas circenses e vendedores ambulantes, pessoas de todas as idades que fazem dos congestionamentos da cidade de São Paulo o cenário de seu ganha-pão. A ideia surgiu de uma combinação com os colegas de NOVA ESCOLA: em vez de dinheiro, eu ofereceria um livro a quem me abordasse - e conferiria as reações. Para começar, acomodei 45 obras variadas - do clássico Auto da Barca do Inferno, escrito por Gil Vicente, ao infantil divertidíssimo Divina Albertina, da contemporânea Christine Davenier - em uma caixa de pape-

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A IMPORTÂNCIA DA LEITURA NA EDUCAÇÃODE JOVENS E ADULTOS

lão no banco do carona de meu Palio preto. Tudo pronto, hora de rodar. Em 13 oferecimentos, nenhuma recusa. E houve gente que pediu mais. Nas ruas, tem de tudo. Diferentemente do que se pode pensar, a maioria dessas pessoas tem, sim, alguma formação escolar. Uma pesquisa do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, realizada só com moradores de rua e divulgada em 2008, revelou que apenas 15% nunca estudaram. Como 74% afirmam ter sido alfabetizados, não é exagero dizer que as vias públicas são um terreno fértil para a leitura. Notei até certa familiaridade com o tema. No primeiro dia, num cruzamento do Itaim, um bairro nobre, encontrei Vitor*, 20 anos, vendedor de balas. Assim que comecei a falar, ele projetou a cabeça para dentro do veículo e examinou o acervo: - Tem aí algum do Sidney Sheldon? Era o que eu mais curtia

quando

estava

na

cadeia.

Foi



que

aprendi

a

ler.

Na ausência do célebre novelista americano, o critério de seleção se tornou mais simples. Vitor pegou o exemplar mais grosso da caixa e aproveitou para escolher outro - “Esse do castelo, que deve ser de mistério” - para presentear a mulher que o esperava na calçada. Aos poucos, fui percebendo que o público mais crítico era formado por jovens, como Micaela*, 15 anos. Ela é parte do contingente de 2 mil ambulantes que batem ponto nos semáforos da cidade, de acordo com números da prefeitura de São Paulo. Num domingo, enfrentava com paçocas a 1 real uma concorrência que apinhava todos os cruzamentos da avenida Tiradentes, no centro. Fiz a pergunta de sempre. E ela respondeu: - Hum, depende do livro. Tem algum de literatura?, provocou, antes de se decidir por Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis. As crianças faziam festa (um dado vergonhoso: segundo a Prefeitura, ainda existem 1,8 mil delas nas ruas de São Paulo). Por estarem sempre acompanhadas, minha coleção diminuía a cada um desses encontros do acaso. Érico*, 9 anos, chegou com ar desconfiado pelo lado do passageiro:

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Módulo 08

- Sabe ler?, perguntei. - Não..., disse ele, enquanto olhava a caixa. Mas, já prevendo o que poderia ganhar, reformulou a resposta: - Sim. Sei, sim. - Em que ano você está? - Na 4ª B.Tio, você pode dar um para mim e outros para meus amigos? , indagou, apontando para um menino e uma menina, que já se aproximavam. Mas o problema, como canta Paulinho da Viola, é que o sinal ia abrir. O motorista do carro da frente, indiferente à corrida desenfreada do trio, arrancou pela Avenida Brasil, levando embora a mercadoria pendurada no retrovisor. Se no momento das entregas que eu realizava se misturavam humor, drama, aventura e certo suspense, observar a reação das pessoas depois de presenteadas era como reler um livro que fica mais saboroso a cada leitura. Esquina após esquina, o enredo se repetia: enquanto eu esperava o sinal abrir, adultos e crianças, sentados no meio-fio, folheavam páginas. Pareciam se esquecer dos produtos, dos malabares, do dinheiro... - Ganhar um livro é sempre bem-vindo.A literatura é maravilhosa,explicou, com sensibilidade,um vendedor de raquetes que dão choques em insetos. Quase chegando ao fim da jornada literária, conheci Maria*. Carregava a pequena Vitória*, 1 ano recém-completado, e cobiçava alguns trocados num canteiro da Zona Norte da cidade. Ganhou um livro infantil e agradeceu. Avancei dois quarteirões e fiz o retorno. Então, a vi novamente. Ela lia para a menininha no colo. Espremi os olhos para tentar ver seu semblante pelo retrovisor. Acho que sorria. * os nomes foram trocados para preservar os personagens. Fonte: REVISTA NOVA ESCOLA - Edição 221 - Abril 2009 http://revistaescola.abril.uol.com.br/gestao-escolar/diretor/vale-mais-trocado-432764. shtml

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A IMPORTÂNCIA DA LEITURA NA EDUCAÇÃODE JOVENS E ADULTOS

Bonita essa reportagem, não? Na sequência, não poderíamos deixar de abordar este aspecto tão presente nos dias atuais: o letramento digital. Vamos ler mais este texto para sabermos de outros olhares sobre a mesma temática. Carla Viana Coscarelli é graduada em Letras pela Universidade Federal de Minas Gerais (1988), com mestrado em Estudos

LEITURA 11: Lan houses: portais de acesso ao letramento digital

Linguísticos pela Universidade Federal de Minas Gerais (1993),

Por Cecília Lana e Carla Coscarelli

doutorado em Estudos Linguísticos pela Universidade Federal de Minas Gerais (1999).

O crescimento de lan houses em regiões periféricas amplia a discussão sobre a importância educativa e social das novas tecnologias.

Atualmente é Professora Adjunta da Universidade Federal de Minas Gerais e

Até cinco anos atrás, as lan houses eram exclusividade dos bair-

Membro de corpo editorial

ros mais nobres. No início de 2001, havia apenas 21 estabeleci-

da Língua Escrita.

mentos em todo o Brasil. Atualmente, só o conjunto de favelas da

(Dados obtidos a

Maré, no Rio de Janeiro, possui 150 lojas. As lan houses contribuem

partir do CVLattes, disponível em:

ternet freqüentam esses estabelecimentos. O sucesso das casas é tamanho que a maioria das salas vive lotada e possui filas de espera. A maioria dos jovens das periferias não tem oportunidade de acessar à rede nem em casa, nem na escola. Uma pesquisa do Comitê Gestor da Internet (CGI) revela que menos de 2% das famílias brasileiras das classes D e E têm Internet em casa. Alanderson Rodrigues, atendente de uma lan house no Aglomerado da Serra, em Belo Horizonte, diz que é testemunha dos benefícios trazidos aos moradores pela loja. “Antes da lan house chegar aqui, muita gente não sabia o que era computador. Tinha gente que só tinha ouvido falar de Internet pela televisão. No início, as pessoas confundiam site com email. Mas hoje quase todos já conseguem acessar os sites que querem e checar a caixa de e-mails sem confusão.” Carla Coscarelli, professora da Faculdade de Letras da UFMG e pesquisadora do Ceale, destaca o papel social desempenhado pelas lan houses, na medida em que dão condições de acesso ao letramento digital a baixos custos. “Muitas ve-

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zes, o garoto não tem mil reais para comprar um computador, mas pode gastar um real por dia na lan house perto de casa e se familiarizar com os usos, funções e linguagens do ambiente digital”, explica. Os jovens moradores de periferias reconhecem a importância do conhecimento de informática para a vida profissional. Segundo a pesquisa “Internet na Favela”, realizada pelo sociólogo Bernardo Sorj e pelo pesquisador Luís Eduardo Guedes, praticamente todos consideram que saber computação ajuda na obtenção de um emprego e procuram, por conta própria, cursos oferecidos por telecentros da comunidade. De acordo com Juliana Cristina, dona de lan house no Aglomerado da Serra, os jovens do bairro freqüentam lan houses pelo menos uma vez por semana, por cerca de uma hora. Os sites mais acessados são os de relacionamento, como o Orkut, e os serviços de mensagens instantâneas, como o MSN. Também são muito visitados sites de música e jogos em rede e o site de vídeos Youtube.

Espaço de aprendizado É comum a desvalorização do uso que esses jovens fazem do computador e da Internet, sendo classificado como mero entretenimento. Essa é a opinião de Weverton, de 20 anos, morador do Aglomerado da Serra e monitor de aulas de informática em um telecentro. “Os adolescentes são melhores alunos que os adultos. Eles já chegam aqui com noções de informática porque usam Orkut e MSN em lan houses. Mas essas noções básicas não garantem que eles dominem ferramentas como o Word. Muitos apresentam dificuldades simples, como para abrir um programa. Na minha opinião, o Orkut e o MSN não ajudam em nada. Pelo contrário, eles só atrapalham, pois estimulam a escrever errado.” Carla Coscarelli apresenta uma opinião diferente: “Existe a tendência de falar que a tecnologia é vilã e que, na Internet, os jovens aprendem a escrever errado. Mas a verdade é que com a tecnologia os jovens aprendem e criam o tempo todo”. Muitos pesquisadores do fenômeno da Internet também defendem o seu caráter educativo. Para eles, o que as novas tecnologias inauguram é outra linguagem, própria, menos formal, e que obedece a um conjunto de regras próximo da oralidade.

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As abreviações, o uso de símbolos como smileys e emotions e a letra maiúscula para indicar que um dos interlocutores está gritando são soluções criativas que surgem para tornar mais eficaz a comunicação virtual. “O Orkut, o MSN e chats de uma maneira geral são ambientes ricos, constituem redes sociais intensas onde ocorre um trabalho ininterrupto com a linguagem. Durante todo o tempo em que conversam, os internautas estão utilizando a língua, readaptando-a as suas necessidades, e, nesse movimento, criando novas linguagens”, explica Carla Coscarelli. Outra importância do ambiente das lan houses é a troca de informações e de experiências entre os usuários. Não é pequeno o número de jovens que diz que os contatos que fizeram via Internet foram importantes para que conseguissem indicações de emprego. Além disso, de acordo com dados da pesquisa de Bernardo Sorj e Luís Eduardo Guedes, o uso da Internet como instrumento de contato com pessoas de outros países é alto. Nesse intercâmbio, ocorrem trocas culturais significativas. “Pelo MSN e pelo Orkut, tenho contato com colegas de infância que foram morar nos EUA e parentes da minha cidade”, diz Reginaldo Souza, morador do Aglomerado da Serra e frequentador assíduo de lan houses.

Jogos também ensinam Também tem valor o aprendizado que acontece através dos jogos em rede, opção preferida dos garotos na faixa entre 10 e 15 anos.“Mesmo os que têm computador em casa vêm para cá, porque o jogo é em rede, podem jogar com os amigos”, diz Juliana Cristina. Pesquisas já mostraram que os meninos que jogam video game ou jogos de computador desenvolvem habilidades cognitivas e motoras – como pensamento estratégico e rapidez de reflexo. “Ao contrário do que muitos pensam, os jogos virtuais não são perda de tempo. Jogando, o garoto aprende a analisar relações de causa e conseqüência, compara a realidade do jogo com a sua, troca soluções, ajuda o colega da mesma equipe, salva o companheiro. e Isso contribui para a formação de um espírito de equipe, torna os jovens mais cooperativos”, diz Carla Coscarelli. E a pesquisadora afirma:“A importância da lan house é que ela é um ambiente onde os jovens estão em constante comunicação. Escrevem, lêem, familiarizam-se com

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a máquina, ganham intimidade com o mundo digital. Na pior das hipóteses, está-se aprendendo a digitar, a usar o mouse, a minimizar e maximizar janelas, a acessar sites e a caixa de e-mail. Esse é um conhecimento que a vida profissional exigirá e que a escola nem sempre ensina.” Fonte: http://www.ceale.fae.ufmg.br/noticias_ler_materia.php?txtId=447 Publicado em 18/09/2008

Para concluir, nos valemos da parte igualmente final do texto de Vera Masagão Ribeiro, com o qual iniciamos nosso trabalho.

LEITURA 12: Os compromissos necessários para um Brasil alfabetizado Vera Masagão Ribeiro

Os dados sobre o alfabetismo funcional confirmam que a educação básica é o pilar fundamental para promover a leitura, o acesso à informação, a cultura e a aprendizagem ao longo de toda a vida. Assim, para que tenhamos um Brasil com níveis satisfatórios de participação social e competitividade no mundo globalizado, um primeiro compromisso a ser reafirmado é com a extensão do ensino fundamental a todos os brasileiros, independentemente da faixa etária, com oferta flexível e diversificada aos jovens e adultos que não puderam realizá-lo na idade adequada. É preciso também reconhecer que os resultados da escolarização em termos de aprendizagem ainda são muito insuficientes e que um eixo norteador para a melhoria pedagógica na educação básica deve ser o aprimoramento do trabalho sobre a leitura e a escrita. É preciso superar a visão de que esse é um problema apenas dos professores alfabetizadores e dos professores de Português. Grande parte das aprendizagens escolares depende da capacidade de processar informações escritas, verbais e numéricas, relacionando-as com ima-

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gens, gráficos etc. Todos os educadores precisam atuar de forma coordenada na promoção dessas habilidades, contando com referências claras quanto a estratégias e estágios de progressão desejáveis ao longo do processo, para que os avanços possam ser monitorados. Com apoio dos gestores, todos os professores devem agir sistemática e intensivamente no sentido de desenvolver nos alunos hábitos e procedimentos de leitura para estudo, lazer e informação, assim como proporcionar o acesso e a manipulação das fontes: bibliotecas com bons acervos de livros, revistas e jornais, computador e internet. Finalmente, é preciso reconhecer que a promoção do alfabetismo não é tarefa só da escola. Os países que já conseguiram garantir o acesso universal à educação básica estão conscientes de que é necessário também que os jovens e adultos encontrem, depois da escolarização, oportunidades e estímulos para continuar aprendendo e desenvolvendo as suas habilidades. Os programas de dinamização de bibliotecas e inclusão digital são fundamentais e devem ser levados a sério pelas políticas públicas. Para a população empregada, o próprio local de trabalho pode ser potencializado como espaço de aprendizagem e, nesse caso, os empresários têm uma participação importante nos compromissos a serem assumidos. As empresas podem oferecer e incentivar o uso de acervos de jornais, revistas e livros, assim como de terminais de acesso à internet para fins de pesquisa, além de ampliar as oportunidades de participação em programas educativos relacionados ao desenvolvimento pessoal e profissional dos trabalhadores, dando especial atenção aos que têm menor qualificação e necessitam de mais apoio para superar a exclusão cultural.

Fo n t e : h t t p : / / w w w. i p m . o rg. b r / i p m b _ p a g i n a . php?mpg=4.08.00.00.00&ver=por&q_edicao=inaf_001#4, acessado em dezembro de 2009.

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PALAVRAS FINAIS A leitura é uma exigência da sociedade pós-industrial, fundamental para o desenvolvimento humano, para o exercício da cidadania e à qualificação para o mundo do trabalho. Para poderem avançar nos seus estudos escolares ou autodidatas, as pessoas precisam manejar a leitura como uma ferramenta básica. Embora interligadas, ler e escrever são habilidades distintas. Ler é mais do que decodificar o sistema alfabético, é compreender. Só há, realmente, leitura, quando se dá significado ao texto lido. Ou seja, ler é um processo complexo de compreensão e produção de sentidos. A sociedade delegou esta tarefa à escola, portanto é da responsabilidade não só do conjunto, mas de cada um dos profissionais que lá atuam. Ainda é preciso destacar que neste módulo, embora tenhamos tentado focar a leitura sob diferentes ângulos, pela amplitude do tema, outros tantos ficaram de fora. Propositalmente, usamos diferentes linguagens e variados gêneros textuais e estilos. A partir desse conjunto, esperamos que você tenha conseguido refletir sobre o seu próprio comportamento leitor e sobre o lugar que você tem reservado à leitura em suas aulas. Promover o desenvolvimento da competência leitora entre os alunos é elemento vital para o ensino de qualidade com aprendizagem efetiva. Como tantos, nós também acreditamos que este país tem jeito! Para aprimorar a educação brasileira cabe a cada um de nós fazer o melhor possível. Oportunizamos, aqui, algumas ideias e sugestões. Esperamos que elas se tornem úteis. Teremos prazer em ouvir seu retorno. Até breve! Silvia Maria de Oliveira

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REFERÊNCIAS BENCINI, R. Compreender, eis a questão! Ensine a estabelecer inferência e previsão, estratégias que ajudam a entender melhor um texto. Disponível em: REVISTA NOVA ESCOLA – Edição 160 - 03/2003 . Acessado em dezembro 2009. FILIPOUSKI, A. M. R. et all. Ler e Escrever: compromisso da escola. Disponível em: http://www.tvebrasil.com.br/salto/boletins2002/ler/ler0. htm>. Acessado em dezembro de 2009. FREI BETTO. Eu, o livro. Disponível em: ADITAL 19 de abril de 2002. Disponível em . Acessado em dezembro 2009. LAGO, Ângela. A TERAPIA DA LEITURA. Disponível em . Acessado em dezembro 2009. LANA, Cecília. Lan houses: portais de acesso ao letramento digital. Disponível em: . Publicado em 18/09/2008 e acessado em dezembro de 2009. NÓBREGA, M. J. O jornal na sala de aula. Disponível em: REVISTA CARTA NA ESCOLA - Edição 20 -15/10/2007. Disponível em . em dezembro 2009.

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Acessado

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Acessado

em dezembro de 2009.

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