Legado em Desenvolvimento: O pensamento desenvolvimentista na política econômica brasileira

July 26, 2017 | Autor: Mariana Yokoya | Categoria: Development Economics, Political Economy and History
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Descrição do Produto

Legado em Desenvolvimento: O pensamento desenvolvimentista na política

Titulo

econômica brasileira Simoni, Mariana Yokoya - Autor/a

Autor(es)

Brasilia

Lugar

CEPPAC/UnB

Editorial/Editor

2011

Fecha

Série Ceppac, n. 033, Brasília: CEPPAC/UnB, 2011.

Colección

Política económica; Desarrollismo; Kubitschek, Juscelino; Frondizi, Arturo ; Crisis

Temas

financiera; Instituciones; Estado; Brasil; Artículo

Tipo de documento

http://bibliotecavirtual.clacso.org.ar/clacso/revista/20110510093213/033_Simoni_Mari

URL

ana_2011.pdf Reconocimiento-No comercial-Sin obras derivadas 2.0 Genérica

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SÉRIE CEPPAC ISSN Formato Eletrônico 19822693

033 Legado em Desenvolvimento: O pensamento desenvolvimentista na política econômica brasileira

Mariana Yokoya Simoni

Centro de Pesquisa e Pós-Graduação sobre as Américas Brasília 2011

Reitor da UnB: José Geraldo de Sousa Júnior Diretor do ICS: Gustavo Lins Ribeiro Diretor do CEPPAC: Lucio Remuzat Rennó Jr. Editor da Série Ceppac: Camilo Negri

A Série Ceppac é editada pelo Centro de Pesquisa e Pós-Graduação sobre as Américas (CEPPAC) desde 2006. Visa a divulgação de artigos, ensaios e dados de pesquisa nas Ciências Sociais na qualidade de textos de trabalho que estejam em diálogo ou sejam resultado das linhas de pesquisa do CEPPAC. A Série Ceppac incentiva e autoriza sua republicação. ISSN formato eletrônico 19822693

Série Ceppac, n. 033, Brasília: CEPPAC/UnB, 2011.

Série Ceppac is edited by the Graduate Center for the Comparative Research on the Americas (CEPPAC) since 2006. Its purpose is to disseminate articles, essays and research data as working papers connected to the lines of investigation of CEPPAC. Série Ceppac encourages and authorizes its republication. ISSN electronic format 19822693

Série Ceppac, n. 033, Brasília: CEPPAC/UnB, 2011.

Legado em Desenvolvimento: O pensamento desenvolvimentista na política econômica brasileira* Mariana Yokoya Simoni**

Resumo: A atual crise financeira e a crise de 1929 marcaram o declínio da hegemonia do modelo econômico neoliberal, o que permitiu a emergência de uma série de empreendimentos, que se colocaram e se colocam à sorte da conjuntura nacional e internacional e que discutem distintas perspectivas sobre desenvolvimento. É interessante refletir a respeito da influência do pensamento desenvolvimentista em momentos de ruptura dessa hegemonia, principalmente no caso do Brasil, onde o desenvolvimentismo provocou mudanças estruturais significativas na economia, na política e na sociedade. O objetivo do artigo é traçar sucintamente as origens do pensamento desenvolvimentista, no Brasil, e indicar alguns dos fatores que levaram ao “imbricamento” do pensamento desenvolvimentista nas instituições econômicas e políticas brasileiras. Palavras-chave: desenvolvimentismo; crise financeira global; Juscelino Kubitschek; Arturo Frondizi.

I. INTRODUÇÃO

Nos últimos cem anos, o Estado nacional passou por ao menos três redefinições no que concerne ao seu papel e à sua relação com a economia, a sociedade e os demais Estados. O primeiro momento diz respeito ao período posterior à crise da Bolsa de Nova York, em 1929, e à Segunda Guerra Mundial, quando, em reação a esse conturbado contexto internacional, erigiu-se o modelo econômico do keynesianismo e do welfare state, os quais logo se tornaram hegemônicos, na Europa e nos Estados Unidos. Essa mudança influenciou diretamente a América Latina, na medida em que proporcionou

*

Ensaio final apresentado como requisito para conclusão do curso “Economia brasileira em perspectiva histórica“, do Curso de Altos Estudos CEPPAC-CAPES. ** Mestranda em Ciências Sociais, no Centro de Estudos, Pesquisa e Pós-Graduação sobre as Américas (CEPPAC), na Universidade de Brasília. Bacharel em Relações Internacionais, pela Universidade de Brasília.

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maior aporte teórico-empírico para contestação às teorias liberais e maior espaço político a grupos e a políticas não-liberais. O pensamento desenvolvimentista desempenhou, nesse momento, papel fundamental ao propor uma leitura da situação política e econômica mundial, do lugar do que, na época, designou-se “Terceiro Mundo” e das alternativas disponíveis para superar a condição de periferia e realizar uma nova inserção internacional. Essa ideologia, ou conjunto de ideias sobre desenvolvimento econômico, caracterizou-se pela defesa da participação do Estado no desenvolvimento econômico, por meio do planejamento e da implementação de estratégias nacionais de desenvolvimento e de políticas econômicas e sociais1. No Brasil e na Argentina, particularmente, a busca do crescimento econômico foi idealizada mediante o processo de industrialização por substituição de importações (ISI), notadamente a indústria pesada. O desenvolvimentismo não era, entretanto, a única possibilidade de modelo econômico a ser escolhida, no período do pós-guerra, pois havia o liberalismo, o socialismo, o “nacional populismo“2 e a industrialização voltada ao setor de exportação – alternativa selecionada pelos países do Leste Asiático, na década de 1950. A adoção do modelo desenvolvimentista por diversos países da América Latina, como Brasil e Argentina, não deve ser considerada o simples e mecânico desfecho do processo decisório, mas o resultado de escolhas feitas perante constrangimentos e oportunidades de ordem interna e internacional, bem como diante da emergência de novas ideias sobre desenvolvimento.3 O segundo momento é marcado pela queda do muro de Berlim, em 1989, o que representou o ocaso do socialismo real, na União Soviética, e a supremacia do sistema econômico capitalista, que se estendeu pelo espaço global e até o “final da história”4. A ausência de uma alternativa da magnitude do capitalismo permitiu a consolidação da hegemonia do liberalismo econômico e político. Os governos que personificaram essas ideias foram o de Ronald Reagan e o de Margaret Thatcher, os quais buscaram diminuir a interferência do governo no mercado e reduzir significativamente os impostos 1

Byelschowsky, 2009; Bresser-Pereira, 2007. O modelo nacional populista está referido no livro de Sikkink, Ideas and institutions (1991), p.31. Entretanto, não é ponto pacífico na literatura a adequação desse conceito para explicar as relações entre Estado, sociedade e líder carismático, nos governos Vargas. A invenção do trabalhismo (1994), de Angela de Castro Gomes, por exemplo, critica o conceito de “nacional populismo” e sugere a noção de “trabalhismo” para melhor caracterizar esse governos. 3 Sikkink, op. citada, p. 21. 4 Fukuyama, 1992. O autor argumenta que a queda do muro de Berlim significaria o “fim da história”, na medida que isso representaria o triunfo do liberalismo frente ao socialismo. 2

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federais, o que é, até o presente, uma questão sensível da política interna norteamericana; além disso, o programa de privatizações de Thatcher constituiu uma mudança histórica no setor industrial britânico. Na América Latina, o neoliberalismo foi introduzido, em parte, por causa de pressões externas, principalmente as chamadas “condicionalidades” de maior ortodoxia econômica que foram exigidas, por parte de instituições financeiras internacionais, como o Bando Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI), no momento de renegociação das dívidas externas dos países da região, entre os anos de 1987 e 1989. Além do brutal declínio do crescimento econômico, ao longo da “década perdida“, os países latino-americanos foram obrigados a se adaptar às políticas de estabilização e de liberalização da economia, como: combate à inflação, saída do Estado da economia por meio de programas de privatização, abertura da economia para a concorrência internacional, diminuição de tarifas e de barreiras não-tarifárias à importação. A avaliação de Bresser-Pereira é de que as políticas neoliberais, implantadas na década de 1990, tiveram êxito no controle da inflação, mas não conseguiram promover real estabilidade macroeconômica e desenvolvimento econômico e social, nos países latino-americanos5. A caracterização de Baer sobre o período segue a mesma direção ao apontar os principais problemas decorrentes das políticas neoliberais no Brasil, dentre os quais se destacam a baixa razão entre investimento e PIB, especialmente no setor de infra-estrutura, e o fato de que a privatização foi regressiva, o que levou ao aumento da concentração de renda e de patrimônio. Essa concentração se deve ao fato de que as privatizações brasileiras ocorreram por meio de leilões para grupos tradicionais brasileiros e estrangeiros e, ademais, ao aumento das tarifas de serviços básicos, com o intuito de tornar as estatais mais atrativas ao setor privado. De acordo com Baer, o impulso de liberalização foi parcialmente direcionado para desmantelar as estruturas de mercado monopolísticas do modelo de ISI. A conclusão do autor é de que o propósito de expor o pais às forças de mercado internas e internacionais proveu êxito relativo, pois elevou, de forma paradoxal, a concentração de propriedade das indústrias, no Brasil. Isso se mostrou consistente com o ligeiro aumento da eficiência econômica, em comparação com as antigas firmas ineficientes da ISI, mas o autor aponta que eram necessárias medidas suplementares de melhoria da eficiência empresarial6. 5 6

Bresser-Pereira, 2007. Baer, 2009, p 505-507.

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A hegemonia econômica, política e paradigmática do neoliberalismo foi perturbada pela queda do muro de Wall Street, ao final de 2008, em que a falta de regulamentação dos mercados nos países desenvolvidos ocasionou uma crise no setor imobiliário, nos EUA, o que, posteriormente, transbordou para o resto do mundo, gerando consistente crise financeira internacional. Esse contexto de crise, com grandes empresas norte-americanas declarando concordata, trouxe de volta o Estado na condução da economia, por meio de grandes planos para estimular a economia e aumentar a liquidez, chegando-se a realizar gastos da ordem de um trilhão de dólares, nos EUA, entre 2008 e 2009. Além dos pacotes de estímulo, tem havido contínua redução da taxa de juros, em diversos países, a fim de incentivar o consumo e levar à recuperação das economias. Um efeito não previsto da crise tem sido a exposição de fragilidade econômicas já existentes, com destaque para a situação financeira e fiscal dos países, que só se acentuou com o endividamento público decorrente dos planos de recuperação. O impacto fiscal e monetário desses planos terá que ser equacionado de alguma forma, provavelmente por retenção nos gastos públicos e por ajustes monetários mais rígidos. Na Europa, essa terceira fase da crise é vivida de forma dramática, pois as dificuldades trazidas por países em situação mais frágil – como Portugal, Irlanda, Itália, Grécia e Espanha (PIIGS, no acrônimo, em inglês) – ao bloco europeu e a uma das moedas mais sólidas tanto colocam em questionamento as perspectivas de estabilidade financeira europeia, como demonstram a necessidade de uma reforma estrutural, na zona do euro. A reforma envolve a regulação do mercado de trabalho e a melhor administração dos gastos públicos, com a condução da integração para outro espaço: o da união fiscal. A repercussão da crise é ambígua para os países emergentes, que, nessa conjuntura, têm recebido os fluxos de capitais dos países desenvolvidos. Essa ampliação de investimentos, juntamente às taxas reais de juros negativas, pode levar a um aumento significativo do nível de preços nas economias emergentes. As taxas de inflação vêm crescendo consideravelmente desde 2009, nos BRICS, nos Tigres Asiáticos e na Turquia. Entretanto, a crise também abriu espaço para esses países atuarem de forma mais intensa na economia mundial e nas instituições econômicas internacionais, pois se percebeu que a superação da crise depende, em boa parte, do mundo emergente, e, assim, fortaleceu-se a posição de que uma reforma deve passar por órgãos mais representativos que o G-8. A crise colocou em xeque não apenas o funcionamento da economias nacionais, 6

sob um modelo de menor regulamentação, mas também as instituições econômicas e financeiras internacionais. Por um lado, o papel do FMI tem crescido de forma notória, ao longo da crise, uma vez que o Fundo procura recuperar a capacidade de monitorar eficazmente a economia internacional, através da participação no auxílio a países desenvolvidos, fato inédito desde 1978, e da compilação de dados sobre companhias e instituições dos países. Por outro lado, os tradicionais grupos de cúpula da economia mundial não têm sido capazes de reorganizar fluxos, regras e instituições, na transição para um modelo mais adaptado aos riscos das finanças globalizadas, de modo que envolveram os países emergentes e privilegiaram espaços institucionais mais plurais, como o G-20, na tentativa de iniciar a reconstrução do sistema financeiro internacional. O papel de países emergentes, como China, Brasil, Índia, África do Sul, Rússia e Turquia, é crescente na política e na economia internacional, motivo pelo qual as diretrizes de desenvolvimento econômico e a inserção nas trocas internacionais desses países estão sendo acompanhada de perto por países e organizações internacionais. O momento atual é composto, como nos anos do auge do desenvolvimentismo, de constrangimentos e de oportunidades, decorrentes de forças internas e externas ao países, e de novas ideias sobre desenvolvimento, o que enseja intenso debate a respeito da definição do que constitui “desenvolvimento“, de quais as melhores estratégias para sua implementação e qual o Estado que melhor se adéqua a esses objetivos. No Brasil, atualmente, apesar da ausência de um projeto consensual sobre o modelo de desenvolvimento econômico e social a ser perseguido7, discute-se o surgimento de certos padrões de desenvolvimento e se há um retorno ao desenvolvimentismo, em virtude da crescente aplicação de elementos difusos desse modelo

e

do

fortalecimento

do

discurso

neoestruturalista

e

do

novo

desenvolvimentismo. A volta ao desenvolvimentismo, acompanhada de questões e de políticas mais contemporâneas, estaria ocorrendo no contexto de visível crise do neoliberalismo e em que se percebe o esboço de projetos alternativos, o que se acentuou com as medidas de mitigação dos impactos da crise financeira de 2008. Da mesma maneira que hoje, na década de 1930, havia uma série de empreendimentos, colocados à sorte da conjuntura nacional e internacional e que discutiam distintas perspectivas sobre desenvolvimento. É interessante refletir a respeito da influência do pensamento desenvolvimentista em momentos de ruptura da

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Byelschowsky, 2009.

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hegemonia do modelo econômico liberal, principalmente no caso do Brasil, onde tanto a experiência do ciclo desenvolvimentista de 1930 a 1989, quanto do final do governo de Fernando Henrique Cardoso e dos dois governos de Luiz Inácio Lula da Silva conduziram a mudanças fundamentais na estrutura econômica e social do país. O objetivo do artigo é traçar sucintamente as origens do pensamento desenvolvimentista, no Brasil, e indicar alguns dos fatores que levaram ao “imbricamento”8 do pensamento desenvolvimentista nas instituições econômicas e políticas brasileiras. Para tanto, examina-se o estudo de Kathryn Sikkink, publicado em 1991,

sobre

a

adoção,

a

implementação

e

a

consolidação

de

políticas

desenvolvimentistas no Brasil e na Argentina, procurando discernir os elementos mais determinantes para a diferença de performance das ideias desenvolvimentistas e para a discrepância da herança deixada pelos governos de Juscelino Kubitschek (1954-1961) e de Arturo Frondizi (1955-1962). Apesar de a extensão desse trabalho não permitir abordar de forma mais pormenorizada o caso argentino, considera-se que o estudo comparado de Sikkink contribui para esclarecer a importância do contexto político, ideológico e simbólico nacional para a aceitação e a incorporação de novas ideias sobre desenvolvimento, bem como para evidenciar a relevância dos aspectos da estrutura organizacional do Estado. Tais considerações são de valiosa importância para uma reflexão sobre a atual conjuntura brasileira, pois sugere variáveis e etapas distintas, ao longo processo de escolha de um novo modelo de desenvolvimento, sem perder de vista o papel das ideias, das instituições e dos líderes políticos, bem como do imaginário prévio que estrutura o ambiente econômico e político. O ensaio tem como referências principais a bibliografia de Economia Política Internacional e de Economia Brasileira. Primeiramente, estabelece-se a influência das ideias na formação de instituições e de políticas, explorando, especificamente, as ideias que formam o corpo do que se convencionou chamar “desenvolvimentismo“, no Brasil. Na segunda seção, explora-se brevemente os elementos determinantes na diferença de incorporação dessas ideias, nos governos de Kubitschek e de Frondizi para, ao final, concluir o artigo com uma melhor compreensão a respeito da história e da moderna influência do pensamento desenvolvimentista, no Brasil.

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Peter Evans (1995) discute a importância das ideias e de contextos específicos para o desenvolvimento de diferentes formas institucionais de capitalismo.

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II. ORIGENS DO DESENVOLVIMENTISMO

IDÉIAS E INSTITUIÇÕES Um pressuposto fundamental do presente ensaio é que as ideias e a maneira com que elas são introduzidas nas instituições têm papel fundamental na formulação e na formatação das políticas e, em certa medida, no seu grau de sucesso. Além disso, as variações na organização interna do Estado e nas relações entre Estado e sociedade, segundo Evans, geram graus distintos de capacidade para o desenvolvimento. Os resultados políticos e econômicos dependem, por sua vez, da capacidade estatal e de sua ação, bem como da reação de suas contrapartes, na sociedade em geral9. Os resultados das políticas podem ser avaliados a partir de duas perspectivas: a etapa da implementação, que verifica se as políticas foram colocadas em prática e em que medida atingiram os resultados definidos pelos formuladores, duas questões que se relacionam, desse modo, com a maneira pela qual as ideias foram incorporadas nas instituições estatais e com a efetividade do Estado na consecução dessas políticas; e a etapa da consolidação, que observa se as políticas receberam e/ou geraram apoio da população e de grupos econômicos poderosos, o que depende da habilidade de mobilização de capital simbólico10 por parte de lideres políticos, em nome do novo modelo econômico. Um ponto interessante apontado por Sikkink é que a probabilidade de se estabelecer maior consenso político, em torno desse modelo, está associada à préexistência de ideias políticas e econômicas que sejam compatíveis com as novas ideias. Isso fica claro no caso do Brasil, pois parte das ideias que compõem o desenvolvimentismo já existiam na sociedade brasileira muito antes de 1930, a exemplo das noções de nacionalismo e de protecionismo presentes na discussão parlamentar da Lei Alves Branco, de 184411.

DESENVOLVIMENTISMO NO BRASIL De acordo com Fonseca, o “núcleo duro” do desenvolvimentismo, no Brasil, é composto pela defesa da industrialização, do nacionalismo e da intervenção em favor do crescimento. A convergência desses aspectos não é necessária e irá acontecer somente

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Evans, op. citada, p. 73 Conceito de Pierre Bordieu adaptado por Sikkink para se referir ao capital simbólico no campo da política, o qual contribui para a legitimidade política, base para a manutenção do poder político e da condução do programa econômico. 11 Fonseca, 2004; Cervo, 2008. 10

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em meados do século XX, quando se forma um corpo de ideias do que mais tarde seria consagrado como “desenvolvimentismo“. A origem do desenvolvimentismo, como experiência histórica, pode ser remontada ao governo de Getúlio Vargas, no Rio Grande do Sul, onde ele criou o Banco do Estado do Rio Grande do Sul, em 1928. Isso materializou o conjunto comum de ideias que, por meio de políticas conscientes e deliberadas, passou a buscar o desenvolvimento econômico do Estado; além disso, essas ideias passaram a justificar a sua própria existência, conferindo-lhes legitimidade. Um ponto ressaltado pelo autor é que, desde o final do século XIX, no debate entre metalistas e papelistas, havia uma tensão entre aqueles que seguiam os modelos das economias avançadas, as teorias econômicas de Adam Smith, David Ricardo e JeanBaptiste Say, e os que procuravam aprender com a prática e a experiência histórica. Os papelistas criticavam a impossibilidade de economias mais fracas manterem a conversibilidade no padrão-ouro, devido às suas estruturas produtivas e às relações de troca vigentes. Percebe-se, nesse debate, o início do questionamento da aplicação de teorias e de modelos em contextos distintos daqueles em que foram formulados, bem como a importância do ambiente socioeconômico e institucional. Esse será um elemento fundamental para a teoria cepalina, elaborada nos anos 1950 e 1960, e que tem como alicerce o método histórico-estrutural. A Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL) é criada em 1948, pelo Conselho Econômico e Social das Nações Unidas (ECOSOC), com o objetivo de estudar o (sub)desenvolvimento latino-americano e promover a cooperação entre os países da região. Esse é o principal espaço institucional no que se refere à elaboração, à discussão e à difusão de ideias desenvolvimentistas, tendo participado de reuniões da Comissão importantes nomes como: Celso Furtado, Raúl Prebisch, Osvaldo Sunkel, Aníbal Pinto, Maria da Conceição Tavares, Fernando Henrique Cardoso, Enzo Faletto, dentre muitos outros. O ponto de partida desses autores é que o subdesenvolvimento não é um estágio anterior ao desenvolvimento pelo qual passam todos os países, mas um processo per se que, na ausência de intervenção política, tende a se perpetuar. A condição periférica pressupõe, desse modo, uma maneira própria de indução de avanços técnicos, de crescimento, de distribuição de renda e de relacionamento com o resto do mundo, o que exige um esforço de teorização autônoma, voltado para a situação específica dos países latino-americanos. Dentre os autores, Celso Furtado tem notáveis contribuições ao estruturalismo, como: a inclusão da dimensão histórica de longo prazo, na análise da 10

formação econômica do Brasil e da América Latina; o vínculo entre crescimento econômico e distribuição de renda, com a chama “teoria econômica do desenvolvimento“12; e, também, a percepção do subdesenvolvimento como um “sistema de cultura”, envolvendo tanto a dimensão material quanto a não-material.

III. DESENVOLVIMENTISMO NO BRASIL E DESARROLLISMO NA ARGENTINA

No período pós-guerra, enquanto o Brasil cresceu consideravelmente, em termos relativos, e se guiava por um plano assertivo de desenvolvimento econômico, a Argentina pouco avançou. Durante o período de 1955 a 1960, o PIB brasileiro cresceu à média anual de 7,8%, enquanto o PIB argentino cresceu somente 3%. O crescimento do PIB per capita brasileiro, de 2,7% por ano, foi superior se comparado ao argentino, que cresceu apenas 1,2%. É importante notar que, em termos de PIB per capita, o Brasil partiu de um patamar consideravelmente inferior ao da Argentina, uma vez que, em 1955, o PIB per capita brasileiro correspondia à metade do argentino. Uma terceira categoria de dados relevantes é o crescimento industrial dos países, notadamente o setor mais enfatizado pelas políticas desenvolvimentistas, o qual alcançou a média de crescimento de 12,2% ao ano, no Brasil, comparado a 4,6%, na Argentina, entre 1955 e 196013.

TABELA 1 – Crescimento econômico comparado entre Brasil e Argentina, 1955-1962 (percentual por ano). PIB PIB PER CAPITA ANO BRASIL ARGENTINA BRASIL ARGENTINA 1955 6,9 7,1 3,7 5,0 1956 3,2 2,8 0,2 0,9 1957 8,1 5,1 5,0 3,3 12

Bresser-Pereira (2007) afirma que a teoria econômica do desenvolvimento ou development economics surge nos anos 1940, ligada às correntes da teoria econômica clássica, da macroeconomia keynesiana e da teoria estruturalista latino-ameriana. Seus postulados fundamentara a estratégia nacional desenvolvimentista. 13 Dados retirados do estudo de Sikkink (1991, p. 208-211), calculados pelo Sistema de cuentas del producto e ingreso de la Argentina: Cuadro estatísticos, do Banco Central de la República Argentina (Buenos Aires, 1975) e pelo Banco Central do Brasil (pesquisa de Albert Fishlow, “Foreign Trade Regimes and Economic Development: Brasil“, Table A-I, 1975).

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1958 1959 1960 1961 1962

7,7 5,6 9,7 10,3 5,3

6,1 -6,4 7,8 7,1 -1,6

4,6 2,5 6,5 6,7 2,1

4,3 -8,0 6,2 5,5 -3,0

Fonte: Sikkink, 1991. Banco Central de la República Argentina; Fundação Getúlio Vargas, Centro de Contas Nacionais.

Sikkink afirma que a diferença de êxito no programa de Kubitschek se deve, em grande parte, à coerência e à continuidade da política econômica e da política exterior do Brasil, de cunho desenvolvimentista, desde a década de 1930, ao passo que a descontinuidade da política argentina teria prejudicado os seus esforços. A continuidade das políticas está relacionada ao consenso entre elites e grupos sociais importantes, em torno de determinado modelo de desenvolvimento, bem como da capacidade desses grupos de introduzi-lo nas instituições e no universo simbólico nacional. Essa comparação entre Brasil e Argentina é extremamente elucidativa no que concerne às variáveis envolvidas nas etapas de escolha, de adoção, de implementação e de consolidação de um modelo econômico, em dada conjuntura política e econômica nacional e internacional. “METÁFORA SOCIAL“: CONTEXTO POLÍTICO E IDEOLÓGICO

Segundo Sikkink, Arturo Frondizi e Juscelino Kubitschek foram os casos emblemáticos de implementação do desenvolvimentismo, em sua forma mais pura, na América Latina. Apesar da semelhança de suas ideias, os resultados políticos e econômicos desses governos foram bem diferentes. Enquanto JK conseguiu implementar as políticas do seu Plano de Metas, antes do final do seu mandato, Frondizi foi removido do cargo, por um golpe militar, após ter perdido grande parte de seu apoio inicial e ter inviabilizado o seu programa de desenvolvimento. No Brasil, estabeleceu-se maior consenso em torno do desenvolvimentismo tanto dentro das instituições estatais, como entre poderosos grupos da sociedade civil, o que foi resultado, em parte, da robusta capacidade institucional do Estado brasileiro e na maneira com que as ideias desenvolvimentistas tornaram-se enraizadas nas instituições brasileiras. As habilidades de liderança do governo Kubitschek, na mobilização de apoio político, financeiro e técnico, e o fato de que as ideias desenvolvimentistas encontraram maior correspondência no universo simbólico de importantes grupos sociais, conformando uma “metáfora social cativante“, no Brasil, também contribuíram para implementar e

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consolidar o desenvolvimentismo no Brasil14. Na Argentina, em contraste, esse foi um período de divergência, em que mesmo grupos que normalmente compartilham crenças a respeito da condução da economia estavam politicamente divididos. Não obstante a semelhança das políticas de ambos os líderes, houve maior convergência no caso brasileiro, porque elas suscitaram diferentes significados nos dois contextos políticos. O significado de novas ideias e de modelos de política econômica não depende somente do seu conteúdo, mas do contexto político e ideológico em que é introduzido. Na Argentina, Sikkink afirma que Frondizi perdeu a “luta por interpretação”, pois, enquanto Frondizi interpretou o desenvolvimentismo como nacionalista, grande parte dos peronistas associou essas ideias ao “entreguismo”, entendendo que o financiamento do capital privado internacional, no projeto desenvolvimento, significava a entrega do potencial nacional para os interesses externos. Na política externa, o desenvolvimentismo é uma metáfora contundente, que se manifesta no pragmatismo da política externa de Kubitschek, que chega a romper com o FMI, em 1959, como reafirmação do seu desígnio desenvolvimentista. A Operação Panamericana (OPA), lançada em 1958, é outro exemplo da projeção externa do desenvolvimentismo, ao buscar securitizar a questão econômica, no contexto de antiamericanismo e de ameaça comunista, na América Latina. A OPA não logrou êxitos de curto prazo, mas, no médio e no longo prazo, pode-se perceber a sua importância como constituindo um dos primeiros passos para a formação da Associação Latino-Americana de Livre Comércio (ALALC), em 1960, do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), em 1959 – instituições hoje de grande importância para a integração regional concebida pelo neoestruturalismo – e da Aliança para o Progresso, no ano de 1961.

CAPACIDADE E PROPÓSITO DO ESTADO O senso comum de que o Brasil tem um Estado forte, em detrimento de uma sociedade civil fraca, ao passo que a vida política argentina se manifesta de forma contrária, com uma forte sociedade civil, centrada nos sindicados e nos partidos políticos, e com um Estado fraco, não é suficiente, de acordo com Sikkink, para explicar porque o desenvolvimentismo foi adotado em ambos os países e a maneira pela qual se sucederam as etapas de implementação e de consolidação. A noção de “capacidade do

14

Sikkink, op. citada.

13

Estado” é mais útil para esses fins, com a ressalva de que esse conceito não equivale ao tamanho absoluto ou ao número de funções públicas do Estado, mas se reporta à estrutura organizacional do Estado, em sentido amplo. Tanto no Brasil quanto na Argentina, houve expansão das funções estatais, mas, no caso da última, foi fatal a disjunção entre capacidade estatal e suas tarefas práticas. A diferença mais importante entre esses Estados está na natureza das estruturas organizacionais, nas normas, nos procedimentos burocráticos e na capacidade técnica dos funcionários públicos. Dessa forma, um elemento fundamental, no Brasil, foi a existência de um pequeno setor insulado da burocracia – como o Conselho de Desenvolvimento, criado em 1956 –, que garantiu critérios de eficiência e de mérito e que centralizou o planejamento econômico do Plano de Metas. Uma segunda diferença em relação ao modo de operação estatal diz respeito aos determinantes organizacionais, procedimentais e intelectuais, que se relacionam, por sua vez, ao nível de atuação das instituições, em que se diferencia os aspectos de concentração e centralização da autoridade, e de especialização de tarefas. Com relação à concentração e centralização da autoridade, Brasil e Argentina não se diferenciam de modo relevante; entretanto, a nível de especialização de tarefas, há uma divergência institucional significativa entre os dois países. Já na da década de 1950, o Estado brasileiro possuía uma rede de instituições estatais mais complexa e especializada para conduzir a política econômica. Nas áreas procedimentais e intelectuais encontram-se as diferenças mais drásticas, particularmente no recrutamento, na contratação e no treinamento de servidores públicos de setores-chave do Estado, dos quais provêm a continuidade das políticas econômicas15.

INSTITUIÇÕES E INDIVÍDUOS Os modelos econômicos são codificados e corporificados nas instituições estatais que, uma vez constituídas, tendem a permanecer ao longo do tempo e passam a influenciar as coalizões políticas e as próprias condições que levaram à sua criação. No nível internacional, o desenvolvimentismo esteve presente em nichos de discussão, nas Nações Unidas, principalmente nas Conferências das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento, e na CEPAL. No nível doméstico, percebe-se significativa diferença entre os países em questão, pois a Argentina teve uma incorporação incompleta das

15

Sikkink, op. citada, p. 186.

14

ideias desenvolvimentistas em suas instituições estatais, o que se concentrou no partido de Frondizi, não sem contestações internas. No caso brasileiro, houve verdadeiras “casas institucionais“ do desenvolvimentismo, como: as associações industriais nacionais e de São Paulo, o BNDE, de 1952, o Conselho de Desenvolvimento e parte do Banco do Brasil e do Ministério de Relações Exteriores. Desse modo, a rede de instituições foi expressivamente mais complexa, o que permitiu a retenção da memória do sistema e a continuidade das políticas. Um outro mecanismo importante para a continuidade e a coerência de políticas é a permanência dos indivíduos nos cargos do governo, não necessariamente na mesma repartição. Enquanto, no Brasil, houve rotatividade dos mesmos indivíduos em diversos cargos, por cerca de dez anos; na Argentina, isso não foi possível com o drástico final do governo de Frondizi, o que limitou a continuidade por meio do aprendizado político e da experiência política acumulada. Por fim, cabe destacar o papel do líder político, que seria responsável por simbolizar as novas ideias, cabendo a ele apresentá-las ao público como a imagem de um futuro desejável, possível e que justifica os sacrifícios de curto e de médio prazo.

MOBILIZAÇÃO DE RECURSOS A mobilização de recursos financeiros, técnicos e políticos constitui fator determinante da implementação bem sucedida de um programa econômico. Os recursos financeiros viabilizam investimentos em setores estratégicos e as capacidades técnicas permitem a formulação e a implementação da política de desenvolvimento, bem como habilidade em persuadir e em legitimar a ação governamental. O recurso político não deve ser deixado de lado, uma vez que envolve o processo por meio do qual os altos oficiais decidem as diretrizes de políticas e as colocam em prática, além do processo de conseguir apoio ou de grupos políticos. Tanto o governo de Kubitschek como o de Frondizi foram bem sucedidos em atrair investimentos estrangeiros diretos, no volume de 566 e de 568 milhões de dólares, respectivamente16. Apesar de as aparentes melhores condições para Frondizi, que à época tinha adotado o programa de estabilização do FMI, o governo de Kubitschek havia recebido maior soma de capital estrangeiro de longo e médio prazo, de fontes

16

Sikkink, op. citada, p. 212. Números baseados em Peter Fischer, “El capital externo en el desarrollo económico de Argentina, 1880-1964 (1973) e Joel Bergsman, “Brazil: Industrialization and Trade Policies”(1970).

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públicas, como o Banco Mundial. Já as negociação entre o Banco e a Argentina avançaram somente a partir de 1962, quando já era frágil a situação interna do governo. A estreita relação do Brasil com os EUA e o Export-Import Bank (Eximbank), desde a Segunda Guerra Mundial, também permitiu, por meio da Comissão Mista de Desenvolvimento Econômico Brasil-EUA, o estabelecimento de empréstimos – cerca de duas vezes maior em comparação com a Argentina, entre 1934 e 196317 – e de cooperação técnica com agências norte-americanas de assistência ao desenvolvimento. A continuidade da política externa brasileira e as relações bilaterais e multilaterais explica as diferenças na mobilização de recursos financeiros entre Brasil e Argentina. O governo Kubitschek foi, além disso, melhor sucedido no que concerne à mobilização de recursos técnicos, pois se alicerçou na expertise técnica nacional e na assistência internacional, tirando proveito de experiências de planejamento passadas. Seu plano incorporou medidas econômicos de governos passado, como as Instruções 113 e 70 da SUMOC, e em estudos feitos pela Comissão Mista Brasil-EUA e pelo grupo BNDE-CEPAL. O governo de Frondizi, por outro lado, não logrou mobilizar nem recursos técnicos, presentes dentro do seu próprio partido, nem adotar estudos prévios sobre planejamento, como o Plano Prebisch e o estudo da CEPAL sobre a economia Argentina. Tais dificuldades estão relacionadas com a falta de continuidade da política econômica e da equipe, nas instituições estatais. Uma das grandes diferenças na implementação das ideias desenvolvimentistas, no Brasil e na Argentina, foi o fato de que Kubitschek foi capaz de mobilizar de forma mais eficiente os recursos políticos e simbólicos, angariando maior legitimidade do que Frondizi. Kubitschek mobilizou recursos políticos por meio de uma ação simbólica poderosa – “50 anos em 5“ – e de um estilo político convincente, sustentado ainda pela coalizão PTB-PSD, o que permitiu que ele realizasse uma troca entre acumulação simbólica e econômica de capital, essa última constituiria um dos legados do desenvolvimentismo dos anos JK: altos níveis de inflação e de endividamento externo do país.

IV. DESENVOLVIMENTISMO HOJE: QUAL ESTADO PARA QUAL DESENVOLVIMENTO?

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Sikkink, op. citada, p. 215. O Brasil recebeu crédito da ordem de 732 milhões de dólares, ao passo que a Argentina recebeu, no mesmo período, cerca de 334 milhões. Números baseados no “Cumulative Record of Activities by Country“, Export-Import Bank of Washington, 1963.

16

Nos últimos anos, a discussão sobre o futuro da economia brasileira centrou-se na pergunta sobre as formas de conferir sustentação macroeconômica de longo prazo a um novo ciclo de crescimento. Após a crise, avultou-se o debate a respeito de padrões e de estratégias de desenvolvimento; contudo, segundo Bielschowsky, não há um projeto consensual e ideologicamente hegemônico. O autor identifica sete grupos de formulações sobre desenvolvimento, em disputa hoje no Brasil, as quais se concentram em pontos fundamentais, como: reforma do Estado, crescimento com redistribuição, inovação e competitividade, infra-estrutura, integração territorial, combate à pobreza e à concentração de renda e sustentabilidade ambiental. O presente ensaio percorreu, de forma sucinta, os elementos essenciais para o sucesso da implementação da estratégia nacional de desenvolvimento econômico, no Brasil, na década de 1950 e 1960, em contraste com a Argentina. Tais componentes, em termos analíticos, são: o (1) contexto político e ideológico, que influencia a interpretação do modelo econômico, de acordo com a vida política de cada Estadonação, o que proporciona o surgimento de metáforas sociais que têm gramaticalidade com as ideias e as ideologias presentes na sociedade, provendo, desse modo, apoio social a esse modelo; a (2) capacidade e o propósito do Estado, que se reporta à natureza das estruturas organizacionais do Estado, nas normas, nos procedimentos burocráticos e na capacidade técnica dos funcionários públicos, bem como nos modos de operação estatal. Ademais, é importante salientar o (3) papel das instituições e dos indivíduos, que são fundamentais para a continuidade do modelo por meio da memória institucional e da permanência dos indivíduos, e o indispensável papel da (4) mobilização de recursos financeiros, técnicos e simbólicos, os quais permitem a implementação e a consolidação dos modelos econômicos e políticos. Um dos resultados mais importantes do êxito na implementação e na consolidação dessa estratégia é a construção do legado do desenvolvimentismo na economia e na política, no Brasil. O contexto político e ideológico latino-americano, desde os anos 2000, com a eleição de governos mais à esquerda do espectro político, tem conferido maior apelo à questão redistributiva, de justiça social e de responsabilidade social do Estado, que se tornaram parte significativa da agenda do neoestruturalismo, formulada pela CEPAL, a partir dos anos 1990. O neoestruturalismo propõe uma alternativa ao neoliberalismo, por meio da ação estatal voltada à “transformação produtiva com equidade”, em que 17

crescimento econômico, equidade e democracia se reforçariam reciprocamente, dentro de um estratégia de inserção internacional na economia globalizada18. No Brasil, a metáfora social do desenvolvimentismo tem-se tornado mais relevante, ao longo do governo de Luis Inácio Lula da Silva, por causa da retomada do protagonismo do Estado na condução da política econômica nacional, com destaque para o setor energético, e da ampliação de programas sociais e de assistência social, visando ao aumento do consumo de massa. É notório o papel do carisma de Lula, em âmbito nacional, regional e internacional, o que permite a mobilização de recursos políticos e simbólicos, responsáveis pela arregimentação de certo consenso político e social em torno, não de um projeto delimitado, mas de linhas gerais que a economia brasileira deveria seguir nos seus dois mandatos. A proposta do novo-desenvolvimentismo, defendida por Bresser-Pereira, surge nesse marco, com semelhante diagnóstico a respeito dos efeitos da globalização, que eleva a interdependência e a competição entre países e empresas nacionais, e da necessidade de fortalecimento do Estado, com a finalidade de neutralizar os efeitos perversos das “falhas de mercado“ e de permitir o desenvolvimento econômico sustentável com maior equidade social. Trata-se de uma proposição que reconhece a ineficiência do mercado para alocação de recursos em determinados setores da economia e da sociedade, principalmente no que concerne à distribuição de renda e de propriedade, bem como assimila os instrumentos de política industrial e de eficiência na gestão pública. Segundo essa perspectiva, a abertura comercial e competitiva é necessária, porém não deve ser total, pois a exportação de produtos manufaturados e de alto valor agregado é o que sustenta o crescimento econômico, o qual deve ser retroalimentado com investimento, inovação e progresso técnico19. Uma nova função e raison d’être do Estado na América do Sul, no século XXI, delineia-se e aponta para uma crescente responsabilidade social de Estados e de sociedades nacionais, o que passa a demandar consistente rearranjo das instituições e funções estatais. Isso demonstra a importância das noções de capacidade e de propósito do Estado, que necessitam adaptar-se a esse novo perfil do Estado, não necessariamente coerente por todos os países da região. O paradigma de Estado logístico, elaborado por Cervo, auxilia na melhor compreensão dessa mudança ao comparar esse “novo Estado“, o Estado logístico, com o Estado desenvolvimentista. A principal diferença seria o 18 19

Leiva, 2008. Bresser-Pereira, 2007.

18

repasse de responsabilidades do Estado empresário à sociedade, de modo que o Estado concede apoio logístico aos empreendimentos públicos e privados, com o objetivo de fortalecê-los para, então, alçá-los na arena de competição internacional. A crise financeira global pode ser interpretada em paralelo à crise de 1929, uma vez que ambos os acontecimentos se referem a contextos nacionais e internacionais marcados pela incessante busca e disputa de modelos econômicos que garantissem estabilidade e crescimento econômico, bem como podem ser caracterizados pela emergência de novas ideias sobre desenvolvimento. Para a economia brasileira, a crise pode ser vista como uma oportunidade, em virtude da alternativa de eliminação da prática de juros elevados para controle da inflação, e/ou como um eminente risco, na medida em que há a possibilidade de interrupção de um processo virtuoso de crescimento com distribuição de renda, via consumo de massa, o qual tem se estendido pelos últimos anos20. Nesse contexto de mudança, é mais do que oportuno a reflexão sobre as características de um novo padrão de desenvolvimento no Brasil, que tanto se adapte ao contexto pós-crise, como coloque em pauta as relações que se estabeleceriam entre economia, Estado, sociedade e meio ambiente.

V. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Bielschowky, 2009.

19

CERVO, Amado. Relações Internacionais da América Latina: velhos e novos paradigmas. São Paulo: Saraiva, 2007. CERVO, A. & BUENO, C. História da política exterior do Brasil. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2008. EVANS, P. Embedded autonomy: states and insdustrial transformation, New Jersey: Princeton University Press, 1995. FERNANDES, Ana Maria & RANINCHESKI, S. (Org.). Américas Compartilhadas. Brasília: Francis, 2009. FUKUYAMA, F. O fim da história e o último homem. Rio de Janeiro: Editora Rocco, 1992. FONSECA, P. C. D. “Gênese e precursores do desenvolvimentismo no Brasil”. Pesquisa & debate. São Paulo, PUCSP, v. 15, n. 2(26), jul./dez. 2004, p.225-56. http://www.ufrgs.br/decon/publionline/textosprofessores/fonseca/Origens_do_Desenvol vim entismo.pdf __________. “Sobre a intencionalidade da política industrializante no Brasil na década de 1930”. Revista de economia política, São Paulo, jan/mar 2003, n. 89, p.133-148. [http://www.rep.org.br/pdf/89-9.pdf] FURTADO, C. Formação Econômica do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2007. LEIVA, Fernando Ignacio Toward a critique of Latin American Neostructuralism. In Latin American Politics and Society, 2008. LIMA, M. & COUTINHO, M. “Uma versão estrutural do regionalismo”. In: DINIZ, Eli (Org.) Globalização, Estado e desenvolvimento: dilemas do Brasil no novo milênio. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2007. SIKKINK, K. Ideas and Institutions: Developmentalism in Brazil and Argentina. New York: Cornell University Press, 1991. VIDIGAL, C. E. Relações Brasil-Argentina: A construção do entendimento (19581986). Curitiba: Juruá, 2009.

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