LEGISLAR SOBRE \" MULHERES \" : RELAÇÕES DE PODER NA CÂMARA FEDERAL

June 8, 2017 | Autor: Maíra Kubík Mano | Categoria: Political Sociology, Gender Studies, Gender Equality, Legislative Studies
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MAÍRA KUBÍK TAVEIRA MANO

LEGISLAR SOBRE “MULHERES”: RELAÇÕES DE PODER NA CÂMARA FEDERAL

CAMPINAS 2015

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Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e Ciências Humanas

MAÍRA KUBÍK TAVEIRA MANO

LEGISLAR SOBRE “MULHERES”: RELAÇÕES DE PODER NA CÂMARAFEDERAL

Orientadora: Profa. Dra. Maria Lygia Quartim de Moraes

Tese de Doutorado apresentada ao Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas para obtenção do Título de Doutora em Ciências Sociais.

Esse exemplar corresponde à versão final da tese, defendida pela aluna Maíra Kubík Taveira Mano orientada pela Profa. Dra. Maria Lygia Quartim de Moraes e aprovada no dia 06/02/2015.

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CAMPINAS 2015

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Resumo

Nessa tese, investigo a atuação da Bancada Feminina na Câmara dos Deputados na 54a Legislatura (2011-2014). Considero as parlamentares que a integram como sujeitos posicionados do mesmo lado da divisão sexual do trabalho e que se agrupam para fazer uma oposição sistemática à sua inferioridade hierárquica socialmente construída. São também, contudo, um coletivo heterogêneo. Dessa maneira, debruço-me sobre sua atuação para compreender suas convergências, divergências e limitações.

Palavras-chave: hegemonia; classe; mulheres; sexo; deputados; Parlamento

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Abstract

In this thesis, I investigate the activities of the “Bancada Feminina” of the House of Representatives in the 54th Legislature (from 2011 to 2014). I believeparliamentarian womenare positioned on the same side of the sexual division of labor and that they formed this group to make a systematic opposition to its socially constructed hierarchical inferiority. They are, however, a heterogeneous collective. Therefore, I researchtheir actions in order to understand their similarities and differences, as well as their limitations.

Keywords: hegemony; class; women; sex; representatives; Parliament

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Sumário

INTRODUÇÃO ......................................................................................................................................... 1 PROBLEMATIZAÇÃO ............................................................................................................................................. 3 OBJETO, OBJETIVOS E HIPÓTESES ....................................................................................................................13 METODOLOGIA ....................................................................................................................................................16 “MULHERES” .......................................................................................................................................................20 TRADUÇÃO DOS CONCEITOS ..............................................................................................................................27

PARTE I...................................................................................................................................................29 CAPÍTULO 1 ..........................................................................................................................................31 UMA HISTÓRIA DAS MULHERES NA POLÍTICA INSTITUCIONAL BRASILEIRA ..............31 1.1 ENTRE O PATRIARCADO E A PATRONAGEM .............................................................................................34 1.2. A LUTA PELO SUFRÁGIO.............................................................................................................................40 1.3. O DIREITO CONQUISTADO .........................................................................................................................46 1.4. ANOS DE CHUMBO ......................................................................................................................................53 1.5. REDEMOCRATIZAÇÃO E O LOBBY DO BATOM .........................................................................................62 1.6. CONSOLIDAÇÃO DA BANCADA FEMININA E A PRESIDENTA.................................................................72 1.7. ALGUMAS CONSIDERAÇÕES.......................................................................................................................76

CAPÍTULO 2 ..........................................................................................................................................79 PRÁTICAS SOCIAIS E GÊNERO NO LEGISLATIVO......................................................................79 2.1. VOZES INSISTENTES, VOZES REPETITIVAS ..............................................................................................82 2.2. MATERNIDADE E FAMÍLIA ........................................................................................................................85 2.3. A DISCRIMINAÇÃO NOS PARLAMENTOS ..................................................................................................98 2.4. QUEM MANDA AQUI? .............................................................................................................................. 101 2.4.1. Mesa Diretora da Câmara Federal ............................................................................................ 102 2.4.2. Colégio de Líderes.............................................................................................................................. 103 2.4.3. Comissões .............................................................................................................................................. 105 2.4.5. Frentes parlamentares e bancadas ........................................................................................... 115 2.5. ALGUMAS CONSIDERAÇÕES.................................................................................................................... 119

PARTE II .............................................................................................................................................. 122 CAPÍTULO 3 ....................................................................................................................................... 124 AGÊNCIA INDIVIDUAL E A ORGANIZAÇÃO DA BANCADA FEMININA ............................. 124 3.1 – CONSCIÊNCIAS DIFERENCIADAS.......................................................................................................... 125 3.2 – ORGANIZAÇÃO COMO BANCADA FEMININA...................................................................................... 134 3.2.1 – Só mulheres, nada mais do que mulheres............................................................................ 134 3.2.2. Participação ativa............................................................................................................................. 137

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3.2.3. A coordenação .................................................................................................................................... 142 3.2.4 – Uma nova formatação: a Secretaria da Mulher ............................................................... 145 3.2.5. Assento no Colégio de Líderes ...................................................................................................... 156 3.3 – OS LIMITES DA UNIDADE BIOLOGIZANTE .......................................................................................... 160 3.3.1 – Onde elas concordam .................................................................................................................... 160 3.3.2 – Onde elas discordam ..................................................................................................................... 179 3.4 – ALGUMAS CONSIDERAÇÕES ................................................................................................................. 187

CAPÍTULO 4 ....................................................................................................................................... 190 O AMÁLGAMA CONJUGAL SOB A ÓTICA DO LEGISLATIVO: TRÊS CASOS EM ESTUDO190 4.1. AS AMARRAS SOCIAIS, ECONÔMICAS E PSÍQUICAS DO AMÁLGAMA CONJUGAL ............................... 193 4.1.1. A conscientização sobre a violência ........................................................................................ 197 4.1.2. Os meios para apropriação do corpo feminino ................................................................... 203 4.1.3. Em busca de uma saída .................................................................................................................. 212 4.1.4. A frente ideológica ............................................................................................................................ 221 4.2. AS AMARRAS RELIGIOSAS DO AMÁLGAMA CONJUGAL ........................................................................ 225 4.2.1. As oscilações ideológicas................................................................................................................ 230 4.3. AS AMARRAS DE CLASSE E “RAÇA” DO AMÁLGAMA CONJUGAL ......................................................... 243 4.3.1. Trabalho reprodutivo durante o Brasil escravocrata ...................................................... 245 4.3.2. Unanimidade? ..................................................................................................................................... 250 4.3.3. A perda da mucama ......................................................................................................................... 259 4.4. ALGUMAS CONSIDERAÇÕES.................................................................................................................... 263

CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................................... 266 BIBLIOGRAFIA .................................................................................................................................. 278 ANEXOS ............................................................................................................................................... 290

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Para as feministas, por todos os ensinamentos, bravura e caminhos abertos.

Para a tia Zony, cujas atitudes cotidianas de coragem também contribuíram para um futuro sem opressões.

Ao Plinio de Arruda Sampaio, camarada incansável na luta por um mundo melhor e que nos deixou em 2014.

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Agradecimentos À Maria Lygia, que pacientemente orientou essa jornalista pelos caminhos das Ciências Sociais. À Jules, pela leitura atenta, a crítica sincera e o exemplo de empenho político. À CAPES, pelo financiamento a essa pesquisa. Ao NEILS (Núcleo de Estudos e Ideologias em Lutas Sociais), pela coerência permanente, em especial à Renata Gonçalves e Lúcio Flávio Rodrigues de Almeida. Axs amigxs que durante esses anos de pesquisa se mantiveram presentes, mesmo com todas as minhas ausências: Adriana Fernandes, Agnes Tymoszczenko,Ana Claudia Mielke, Ana Maria Straube, Bia Pasqualino, Henrique Costa, José Erasmo Campello, Juliana Sada,Lívia Nascimento,Luciana Fukui (e ao Glauco e ao Pedroca), Maíra Soares, Mariana Pires, Patricia Cornils, Rodrigo Valente e Tamara Menezes. Ao meu núcleo soteropolitano do coração: Fabrício Souza, Jalusa Arruda e Luis Antonio Costa. Ao núcleo parisiense, minha morada durante parte da tese: Adriana Azevedo, Carolina Arantes, David Rosier, Fernanda Sucupira, Gissela Mate, Julián Fuks, Juliano Ribeiro Salgado,Melissa Chagoya, Paula Scarpin, Tais Viudes e Rodolfo Vianna. Um brinde! À Mariana Martins, Rodolfo Cabral e Rogério Tomaz pelo alojamento – e acolhimento – em Brasília durante os períodos de trabalho de campo. Ao pai Idelson, pela proteção. À Liana, Newton e Carol, pelos pães de queijos, massagens e almoços de domingo. À Maruska, minha mãe, e ao Vinicius, meu pai, por toda a força, o incentivo epor não me deixarem esmorecer. Essa tese não teria sido possível sem vocês. Ao Felipe, meu companheiro, que desde o primeiro momento segurou a minha mão e me incentivou durante todo esse percurso. Não foi fácil, mas foi uma delícia viver essa intensidade contigo.

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Confira Tudo que respira Conspira (Paulo Leminski)

Féministe tant qu‟il le faudra (Mouvement pour la Libération des Femmes - MLF)

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Lista de tabelas TABELA 1. COMISSÕES PERMANENTES DA CÂMARA DOS DEPUTADOS ............................................................................. 110 TABELA 2: FRENTES PARLAMENTARES PRESIDIDAS POR MULHERES ............................................................................... 116 TABELA 3: FREQUÊNCIA DAS DEPUTADAS FEDERAIS EM REUNIÕES DA BANCADA FEMININA ...................................... 138 TABELA 4: ESPECTRO POLÍTICO PARTIDÁRIO BRASILEIRO.................................................................................................. 144 TABELA 5: MORTES DE MULHERES NO BRASIL (A CADA 100 MIL HABITANTES) .......................................................... 200 TABELA 6. PROPOSTAS DE ALTERAÇÃO DA LEGISLAÇÃO APRESENTADAS PELA CPMI................................................... 213

Lista de gráficos GRÁFICO 1: HOMENS E MULHERES CANDIDATOS/AS NAS ELEIÇÕES DE 2014 ......................................................................5 GRÁFICO 2: HOMENS E MULHERES NA CÂMARA DOS DEPUTADOS ELEITOS/AS EM 2014 ..................................................6 GRÁFICO 3. EVOLUÇÃO DAS MULHERES NAS ASSEMBLEIAS LEGISLATIVAS ESTADUAL E FEDERAL 1974-2006. ....... 72 GRÁFICO 4: PROPORCIONALIDADE NAS PRESIDÊNCIAS DE COMISSÕES ............................................................................ 108 GRÁFICO 5: PROPORCIONALIDADE NAS VICE-PRESIDÊNCIAS DAS COMISSÕES. ............................................................... 109

Lista de imagens IMAGEM 1: ESTRUTURA DA SECRETARIA DA MULHER ........................................................................................................ 152 IMAGEM 2 – ORGANOGRAMA DA CÂMARA DOS DEPUTADOS. ............................................................................................ 157 IMAGEM 3: CAPA DO LIVRETO “MULHER, TOME PARTIDO!”, PRIMEIRA PUBLICAÇÃO DA SECRETARIA DA MULHER DA CÂMARA FEDERAL .......................................................................................................................................................... 167 IMAGEM 4: PUBLICAÇÃO DO CFEMEA EM PARCERIA COM A ARTICULAÇÃO DE MULHERES BRASILEIRAS (AMB) . 168 IMAGEM 5: DEPUTADAS DA BANCADA FEMININA ACOMPANHAM MARA RÚBIA (DE ÓCULOS AO CENTRO) EM SEU TESTEMUNHO NO PLENÁRIO DA CÂMARA FEDERAL ................................................................................................. 172 IMAGEM 6: “NENHUMA DE NÓS MERECE SER ESTUPRADA”. ............................................................................................... 219 IMAGEM 7: BERNARDI, ENTRE A CRUZ E CALDEIRINHA ....................................................................................................... 236 IMAGEM 8: EXTRATO DE ASSINATURAS APRESENTADAS NA CARTA ENTREGUE PELAS REPRESENTANTES DAS TRABALHADORAS DOMÉSTICAS À ANC. ...................................................................................................................... 249 IMAGEM 9: DEPUTADA BENEDITA DA SILVA VESTIDA DE DOMÉSTICA EM 29/04/2014. ........................................... 259

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Siglas

CFEMEA – Centro Feminista de Estudos e Assessoria PMDB - Partido do Movimento Democrático Brasileiro PTB - Partido Trabalhista Brasileiro PDT - Partido Democrático Trabalhista PT - Partido dos Trabalhadores DEM – Democratas PCdoB - Partido Comunista do Brasil PSB - Partido Socialista Brasileiro PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira PTC - Partido Trabalhista Cristão PSC - Partido Social Cristão PMN - Partido da Mobilização Nacional PRP - Partido Republicano Progressista PPS - Partido Popular Socialista PV - Partido Verde PTdoB - Partido Trabalhista do Brasil PP - Partido Progressista PCB - Partido Comunista Brasileiro PHS - Partido Humanista Da Solidariedade PTN - Partido Trabalhista Nacional PSL - Partido Social Liberal PRB - Partido Republicano Brasileiro PSOL - Partido Socialismo e Liberdade PR - Partido da República PSD - Partido Social Democrático PEN - Partido Ecológico Nacional PROS - Partido Republicano da Ordem Social

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SD - Solidariedade

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Introdução

Em um país onde cerca de 800 mil interrupções voluntárias de gravidez1 são realizadas por ano, boa parte delas em condições sanitárias precárias, por que o aborto não é legalizado? Como combater a violência contra as mulheres diante de dados tão aterradores como o de cinco espancamentos acada dois minutos no Brasil2? Se os homens recebem 30% a mais para ocupar as mesmas funções que as mulheres 3, como sanar as disparidades salariais de gênero? Essasquestões, para lá de inquietantes, movem essa pesquisa.Longe de procurar respondê-las, a tese é uma tentativa de agregar elementos que possam contribuir tanto para uma análise crítica da posição hierarquicamente inferior das mulheres em nossa sociedade, quanto para a possibilidade de transformá-la. Uma das trincheiras políticas para manutenção da desigualdade, é, ironicamente, aquela que afirmou que todas as pessoas são iguais perante a lei ao redigir a Constituição Brasileira de 1988: o Parlamento. Falar sobre o Poder Legislativo é refletir diretamente sobre a regulamentação da nossa vida cotidiana. É de lá que saem as principais normas que determinam, para o conjunto da sociedade, o que nos é permitido – por exemplo, a disparidade salarial de gênero – e o que não se pode tolerar – como a legalização do aborto.

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SUWWAN, Leila. “País tem quase 2 abortos ilegais por minuto”. Folha de S. Paulo. Disponível em: . Acesso em 23/12/2014. 2 Mapa da Violência, São Paulo: Instituto Sangari, 2010. 3 ATAL, Juan Pablo et. al. New Century, old disparities : gender and ethnic wage gaps in Latin America. Washington: Inter-American Development Bank, 2009, p. 12.

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O Parlamentoparticularmente me interessa porque minha militância está vinculada ao pertencimento a um partido político – o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), localizado à esquerda no espectro político brasileiro – e à participação direta e regular em suas campanhas para o Legislativo, que tem como uma das preocupações a proximidade com a agenda feminista. Anteriormente, até 2005, eu integrava o Partido dos Trabalhadores (PT), que ao longo da escritura dessa tese, esteve na Presidência da República e tinha maioria no Congresso Nacional.A história da saída de algumas correntes que faziam parte do PT nesse período – e que eu acompanhei – é também um pouco da história das perspectivas de mudança social no Brasil ou da ausência delas, o que afetaria diretamente os movimentos feministas e a concretização de suas reivindicações. O feminismo, para escolher apenas uma das suas definições possíveis, se apoia no reconhecimento de que as mulheres são oprimidas específica e sistematicamente e que essa opressão não está inscrita na natureza, colocando a possibilidade política de sua transformação 4 . Nessa perspectiva, as leis, como tecnologias de estabelecimento de hegemonia e poder5, podem ser um dos alvo de sua luta política 6. Como aponta Sylvia Walby, as conquistas advindas da cidadania política impactaram diretamente a vida das mulheres: ela cita a lei do divórcio para exemplificar como esta foi a base da mudança na relação social entre homens e mulheres, tirando-as do domínio exclusivamente privado. Segundo Walby, ainda que a desigualdade permaneça, “sem essas vitórias políticas, nem a cidadania civil nem a cidadania social seriam possíveis”7. Por outro lado, a nova expansão

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MATHIEU, Nicole-Claude. L’anatomie politique. Donnemarie-Dontilly: Éditions iXe, 2013, p. 125. PICHARDO, Rosa Ynés (Ochy) Curiel. “El régimen heterosexual de la nación”. 2010. 144f. Dissertação (Mestrado) em Antropologia. Facultad de Ciencias Humanas, Departamento de Antropología. Universidad Nacional de Colombia. Bogotá. p. 16. 6 GRAMSCI, Antonio. Cadernos do Cárcere. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007, p. 124. 7 WALBY, Sylvia. “La citoyenneté est-elle sexuée?”. In: SGIER, Lea et. al. Genre et politique. Paris: Gallimard, 2000, p. 65-75. 5

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mundial das relações capitalistas traz em seu bojo “leis sangrentas” (Bloody Laws), sublinha Silvia Federici. Algumas delas contra imigrantes, uma porcentagem significativa deles constituída por mulheres do care8. Jules Falquet também ressalta como os discursos da cidadania, da democracia e da ética do care, em um contexto de relações entre colonização, escravidão, políticas migratórias e privatizações de direitos, formam um novo modelo pós-social democrata que busca legitimar-se9.

Problematização O sujeito hegemônico da política institucional brasileira é o homem, branco, heterossexual e com alta renda. As presença das mulheres é baixa – elas nunca conseguemultrapassar o patamar de 14% de representantes parlamentares nas esferas municipal, estadual e federal10, números que fazem do Brasil um dos países do mundo com menor participação das mulheres no Legislativo 11 . Como afirma Eleni Varikas, há “incapacidade manifesta, apesar da instituição da igualdade do direito e do sufrágio universal, de integrar, no quadro da democracia representativa, uma metade dos

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FEDERICI, Silvia. Caliban et la Sorcière. Genebra/Paris: Entremonde, 2014. p. 18. FALQUET, Jules. Repensar as relações sociais de sexo, classe e “raça” na globalização neoliberal. Mediações. v. 13, n.1-2, p. 121-142, Jan/Jun e Jul/Dez. 2008, p. 129. 10 Números relativos às últimas três décadas, após a redemocratização. ALVES, José Eustáquio Diniz; CAVENAGHI, Suzana Marta. “Mulheres sem espaço no poder”. IPEA, 2010. Disponível em: http://www.ipea.gov.br/sites/000/2/pdf/09_03_17_MulherPolitica_Ipea_Jeda_Smc.pdf Acesso em 12/04/2013; “Número de mulheres eleitas em todo Brasil registra recorde”. Portal Terra. Disponível em: http://noticias.terra.com.br/brasil/politica/eleicoes/numero-de-mulheres-eleitas-em-todo-brasil-registrarecorde,82b81cc32a55b310VgnCLD200000bbcceb0aRCRD.html Acesso em 10/03/2013. 11 Ver, por exemplo, os relatórios do Global Gender Gap – World Economic Forum (2014), onde o país ocupa a 123a posição de 142 países, e da Inter-Parlamentary Union (2010), onde está em 106 o lugar de 187 Estados analisados. 9

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cidadãos”12. Na academia, a baixa presença de mulheres na política institucional tem sido objeto de diversas investigações científicas que alertam para sua intrincada complexidade. Destacam-se, entre outras, as pesquisas de Clara Araújo, José Eustáquio Diniz Alves, Céli Regina Jardim Pinto, Rachel Meneguello, Bruno W. Speck e Teresa Sacchet – com estes três últimos, desenvolvi, entre 2011 e 2012, um estudo exploratório sobre a participação de mulheres e negros na política e que considero um pré-campo para a tese13. Em termos de práticas sociais, encontramos a desigualdade de gênero materializada em uma série de obstáculos tais como a dificuldade das mulheres obterem legenda e financiamento de campanha, a distribuição desigual do fundo partidário e do tempo de propaganda em rádio e televisão14 e a acumulação das jornadas de trabalho são alguns deles. Desde 1995, o Brasil adota a lei de cotas paracandidaturas a cargos proporcionais – inicialmente, a Lei nº. 9.100 previa cota mínima de 20% e, em 1997, foi ampliada para 30% por meio da Lei nº. 9.504. Porém, até 2012 ela não havia sido cumprida para a eleição de vereadoras/es e apenas em 2014 ela foi atingida para os cargos de deputada/o estadual e federal15. Nota-se que para os governos estaduais e o Senado, que são

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A autora faz sua análise no contexto da aprovação da Lei da Paridade, na França, mas sua interpretação também cabe ao cenário brasileiro. VARIKAS, Eleni. “Une représentation en tant que femme? Réflexions Critiques sur la Demande de la Parité entre les Sexes”. Lausanne: Nouvelles Questions Féministes, v. 16, n. 2, 1995, p. 82. É importante destacar que Varikas não tem nesta sua principal área de atuação. 13 MENEGUELLO, Rachel; SPECK, Bruno; SACCHET, Teresa; MANO, Maíra Kubík T.;SANTOS, Fernando Henrique; GORSKI, Caroline. Mulheres e negros na política: estudo exploratório sobre o desempenho eleitoral em quatro estados brasileiros. Campinas: UNICAMP, Cesop, 2012. 14 Em 2009 foi feita uma mini reforma política onde incorporou-se à lei 9.096 (1995), que dispõe sobre os partidos políticos, o seguinte item no artigo 44, referente à aplicação dos recursos do fundo partidário: “na criação e manutenção de programas de promoção e difusão da participação política das mulheres conforme percentual que será fixado pelo órgão nacional de direção partidária, observado o mínimo de 5% (cinco por cento) do total”. 15 Seria necessário fazer uma análise mais aprofundada desse pleito. É possível que parte das candidaturas de mulheres fossem “laranjas”, ou seja, foram apresentadas pelos partidos apenas para cumprir a cota, sem haver

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cargos majoritários e, portanto, onde não há exigência de cotas, as mulheres não ultrapassaram 20% das candidaturas.

Gráfico 1: Homens e mulheres candidatos/as nas eleições de 2014

SPECK; MANO, 2014, op.cit.

Passado o escrutínio, constatou-se pouca alteração em relação aos pleitos anteriores e a consequência é que, entre os eleitos, continua a haver uma maioria de homens, brancos, pouco representativa do corpo político16 . Para ilustrar o exemplo, em 2015 as mulheres passaram para 51 deputadas federais entre 513 representantes, um aumento de 1%, chegando a 10% do total, em relação à legislatura 2011-2014 da Câmara

campanha para elegê-las. MANO, Maíra Kubík T.; SPECK, Bruno W. “Quem está disputando a eleição?”. CartaCapital, 04/09/2014. Disponível em: . Acesso em 05/09/2014. 16 VARIKAS, op.cit., p. 90, nota 12.

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dos Deputados, em que havia 91% de deputados federais e 9% de deputadas federais. Não à toa, o nome da Câmara dos Deputados está no masculino plural.

Gráfico 2: Homens e mulheres na Câmara dos Deputados eleitos/as em 2014

Diante de tal cenário de baixo sucesso eleitoral, existe hoje um discurso naturalizado17 sobre a necessidade de ampliar o número de mulheres nos cargos eletivos, tanto no poder Executivo quanto no Legislativo. Esse discurso articula-se com determinadas práticas e instituições ganhando, por meio destas, densidade material 18 .

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FOUCAULT, Michel. Arqueologia do Saber. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008 (1969). 7ª ed., p. 35-37. 18 LACLAU, Ernesto; MOUFFE, Chantal. Hegemony and Socialist Strategy - Towards a Radical Democratic Politics. Londres/Nova York: Verso, 2001 (1985). 2ª ed., p. 109.

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Traduzido e exemplificado, vislumbro ele: 1) nos pronunciamentos da presidenta da República, Dilma Rousseff, a primeira a ocupar esse cargo, que colocava-se na posição de “abrir portas para que muitas outras mulheres, também possam, no futuro, ser presidenta”19; 2) nas diferentes sondagens com o eleitorado 20 , representantes de partidos políticos e pessoas eleitas 21 , que acreditam que uma maior participação das mulheres na política institucional poderia trazer “mudanças positivas” para a democracia brasileira; 3) em movimentações da sociedade civil, como a Marcha Mundial de Mulheres, que em 2014 reivindicou,

juntamente

com

outros

movimentos

sociais

e

organizações

não-

governamentais, um plebiscito popular para uma constituinte exclusiva do sistema político em que uma das propostas a ser discutida era lista fechada com alternância de sexo; 4) em campanhas publicitárias como a “Mulheres na política”, promovida pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) com o apoio da Secretaria Nacional de Políticas para Mulheres (SPM), do governo federal, para “incentivar as mulheres a participar da política do país, candidatandose aos cargos eletivos”22; e 5) nos projetos apresentados no Congresso Nacional, como a Proposta de Emenda à Constituição que prevê reserva de vagas na mesa diretora da Câmara, do Senado e nas comissões (PEC 590/06). Um debate semelhante ocorre em função do baixo sucesso eleitoral de negros e negras na política institucional e ambos estão imbricados por outras relações estruturantes

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“Leia íntegra do discurso de posse de Dilma Rousseff no Congresso”. Folha de S. Paulo, 01/01/2011. Disponível em:. Acesso em 08/03/2013. 20 Na pesquisa Barômetro Global de Otimismo, feita pelo IBOPE Inteligência e a Worldwide Independent Network of Market Research, divulgada em 2014, 41% da população brasileira acredita que “se os políticos fossem em sua maioria mulheres, o mudo seria um lugar melhor”. A média mundial é 34% (IBOPE, 2014). 21 MENEGUELLO et al. op.cit., nota 13. 22 TSE lança no Congresso Nacional campanha que convoca mulheres para a política. Tribunal Superior Eleitoral. 19/03/2014. Disponível em: . Acesso em 05/05/2014.

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da sociedade, em especial as de “raça” e classe social, formando um nó 2324. Tais propostas para ampliar a participação dos grupos ditos minoritários põem em xeque a legitimidade das democracias liberais e, de certa maneira, estão presentes desde seu princípio, como demonstram as críticas à exclusão das mulheres da cidadania na irrupção das revoluções democráticas do final do século XVIII feitas por feministas pioneiras como Olympe de Gouges, na Déclaration des droits de la femme et de la citoyenne, e como Mary Wollstonecraft em A Vindication of the Rights of Woman25. Será que esse déficit democrático de gênero têm consequências diretas na quantidade de propostas legislativas que contribuiriamcom a diminuição das hierarquias sociais? Trabalharei com a ideia de que existem localizações sociais diferenciadas para os/as oprimidos/as, entre os/as quais as mulheres, repletas de história e vida social, e que podem trazer contribuições distintas à atuação na política institucional, como sugere certa epistemologia feminista.Em 1985, Nicole-Claude Mathieu “refletiu muito sobre o que ela chama de a „consciência‟ e que outros mais recentemente denominaram „ponto de vista situado‟” 26 . Em seu conhecido artigoQuand céder n’est pas consentir, Mathieu analisa, entre outras questões, a crítica que Derek Freeman faz sobre o trabalho de Margaret Mead em Samoa. Freeman afirma que Mead, então com 23 anos e descrita por ele como uma

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SAFFIOTI, Heleieth I. B. “Ontogênese e filogênese do gênero”. FLACSO-Brasil, junho de 2009, p. 19. Danièle Kergoat também usa a imagem de nó ao propor seu conceito de co-substancialidade: “as relações sociais [rapports sociaux, no original, expressão para a qual não há tradução no português] são cosubstanciais: elas formam um nó que não pode ter uma sequência no nível das práticas sociais (...) e eles são co-extensivos: (...) as relações sociais de classe, de gênero e de „raça‟ se reproduzem e se co-produzem mutuamente”. KERGOAT, Danièle. Se battre, disent-elles... Paris: La Dispute, 2012. p. 126-127. 25 SCAVONE, Lucila. Dar a vida e cuidar da vida – Feminismo e Ciências Sociais. São Paulo: Editora Unesp, 2003, p. 26. 26 FALQUET, Jules. Pour une anatomie des classes de sexe : Nicole-Claude Mathieu ou la conscience des opprimé·e·s [Lecture d'une œuvre], Cahiers du Genre, n° 50, p. 193-217, 2011. 24

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“jovem liberada”, não percebeu a cultura do estupro que estava instaurada ali e teria se enganado27. Porém, o mesmo Freeman avaliou como “esquizofrênica” uma sociedade que, por um lado, estimulava que os jovens violassem, e por outro, valorizava a virgindade das meninas, sem compreender que tudo fazia parte da mesma opressão vivenciada pelas mulheres durante a corte. Mathieu utiliza esse exemplo para demonstrar que o dominante conhece os meios de exploração e de dominação, mas que não conhece a vivência da opressão, ou seja, o outro lado. “É por isso que as „explicações‟ dadas e as noções que as acompanham são, frequentemente, decepcionantes”28. Trata-se, afinal, do difícil exercício de manter a compreensão de que as mulheres não existem naturalmente e, ao mesmo tempo, de reconhecer a existência material de um conjunto de opressões que historicamente atinge uma parte específica da população mundial. Ou seja, da possibilidade de existência de posições coletivas de sujeitos ao mesmo tempo que de experimentações subjetivas individuais29. Patricia Hill Collins viu nas experiências das mulheres negras uma maneira de situar os sujeitos30. Collins denominou “as forasteiras de dentro” (outsiders within) aquelas que, ao cuidar de crianças de famílias brancas e trabalhar como empregadas domésticas viam, por um lado, o white power a partir de dentro, desmistificando-o e percebendo que “não era o intelecto, talento e humanidade dos seus empregadores que sustentava o seu estatuto superior, mas na maioria das vezes apenas a vantagem do racismo”31; mas que, por

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Para Mathieu, Mead, ao contrário do que supõe Freeman, não era liberada porque não tinha conhecimento da realidade cotidiana do estupro em numerosas sociedades, entre as quais a sua. MATHIEU, 2011, p. 135,. 28 Ibidem, p. 136. 29 BOURDIEU, Pierre. Un Art moyen. Paris: Ed. de Minuit, 1970 (1965), 2ª ed., p. 18. 30 SARDENBERG, Cecilia Maria Bacellar. “Da Crítica Feminista à Ciência a uma Ciência Feminista?”. Versão revisada da intervenção feita à Mesa “Crítica Epistemológica Feminista”, que teve lugar durante o X Encontro da REDOR, NEIM/UFBA, Salvador, 29 de outubro a 1 de novembro de 2001. 31 COLLINS, Patricia Hill. “Learning from the Outsider Within: The Sociological Significance of Black Feminist Thought”. Social Problems, v. 36, n.6, p. S14-S32, Out-Dez 1986, p. S14.

9

outro lado, apesar de terem um grande envolvimento com esse mundo, nunca conseguiam pertencer a ele. Voltando-se para George Simmel e Karl Mannheim, ela afirma que as pessoas com status de “forasteiras de dentro” podem potencialmente beneficiar-se tanto de uma objetividade, que seria “composição peculiar entre proximidade e distanciamento”, quanto da habilidade de enxergar padrões que talvez sejam mais difíceis de serem vistos por aqueles que estão imersos em determinadas situações32. Assim, ao deparar-se com a Sociologia, o black feminist thought pode ver o “pensamento sociológico usual” como contraditório e questionar suas receitas, marcadas pelas observações e interpretações do homem branco inserido no grupo dominante 33 . Segundo Collins, uma variedade de indivíduos poderia aprender com as experiências das mulheres negras: “homens negros, trabalhadores, mulheres brancas, outras pessoas de cor, religiões e minorias sexuais e outros indivíduos que (…) nunca se sentiram confortáveis com concepções dadas como certas”34. A partir das observações de Collins, penso que as mulheres parlamentares, como sujeitos que historicamente estiveram na política institucional em um número muito inferior ao dos homens – quando não inexistente –,podem conseguir enxergar situações que estes não veem, em especial aquelas que dizem respeito às próprias posições de sujeito dasmulheres. Ao mesmo tempo, é preciso levar em consideração que o estímulo a uma maior participação das mulheres e negros/as pode ser uma maneira de dar alguma credibilidade a um sistema político representativo que cai cada vez mais em descrédito35. As manifestações

32

Ibidem, p. S15. Ibidem, p. S27. 34 Ibidem, p. S29. 35 VARIKAS, ibidem, p. 83, nota 12. Varikas utiliza essa análise para os altos índices de abstenção nas eleições europeias. 33

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de junho de 2013 no Brasil, que levaram milhões de pessoas às ruas, assim como uma série de movimentos e mobilizações que têm ocorrido pelo mundo – Praça Taksim, na Turquia; Praça Tahrir, no Egito; Puerta del Sol, na Espanha; Occupy Wall Street, nos Estados Unidos – trouxeram como uma das pautas a transformação da estruturação política da vida “contra a governança exclusiva, oligárquica e consensual de uma aliança de elites tecnocratas, políticas e econômicas determinadas a defender a ordem neoliberal de qualquer maneira”36. No Brasil, essa conjuntura ganha contornos muitoinstigantes porque quem está há mais de 12 anos na Presidência da República e na liderança do Congresso Nacional é o Partido dos Trabalhadores (PT). Fundado em 1980, durante a ascensão das mobilizações sociais e o final da ditadura civil-militar, o PT tinha como vetores significativos para a sua formação as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), o movimento sindical 37 e alguns agrupamentos de esquerda que atuaram na resistência ao regime, que tinham como representantes pessoas oriundas do movimento estudantil e do funcionalismo público. No horizonte, o socialismo.Disputou a eleição de 1989 à Presidência da República com o metalúrgicoLuiz Inácio Lula da Silva como candidato. Apesar da derrota, o PT saiu do pleito como o mais importante partido de esquerda do país 38 . Porém, afastou-se dos movimentos sociais e foi perdendo militantes ao longo de seu processo de institucionalização como oposição, primeiro a Collor, vitorioso em 1989, e depois a Fernando Henrique Cardoso (PSDB, 1994-2002), cujo governo era de orientação neoliberal. De acordo com Lincoln Secco, “a militância pode ter se retraído por razões de

36

SWYNGEDOUW, Eric; WILSON, Japhy. The Post-Political and its Discontents: Spaces of Depoliticization, Spectres of Radical Politics. Edimburgo: University of Edinburgh Press, 2014. Introdução. 37 SECCO, Lincoln. A história do PT. Cotia: Ateliê Editorial, 2012, 3a ed., p. 49. 38 Ibidem, p. 150.

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burocratização e profissionalização internas ao PT. Mas elas só adquirem sentido quando são correlacionadas com as mudanças externas”39. As mudanças externas a que o autor se refere são o avanço do individualismo, transformação no mundo do trabalho – entre 1981 e 1990, desapareceram no Brasil 43% dos empregos industriais, e entre 1990 e 1997, outros 39% do que havia restado de postos – e o enfraquecimento dos sindicatos – que receberam tratamento bastante desfavorável durante o governo FHC. Além disso, houve um crescimento das igrejas evangélicas e, dentro da Igreja Católica, da “Renovação Carismática”, grupo que40 inseriu novos elementos litúrgicos mesmo nas CEBs e uma certa “Teologia da Prosperidade” sancionou o desejo de ascensão social e o individualismo em contraposição a formas comunitárias que animaram o PT e o MST nas suas origens. Em 1994, os evangélicos eram 14% da população e em 2010, chegaram a 25%.

A última campanha de massa militante que o Brasil e particularmente o PT experimentaram, afirma Secco, foi o impeachment de Collor, em 1992. Depois disso, ela foi substituída pelos cabos eleitorais pagos. Ao finalmente vencer as eleições, em 2002, com Lula, o PT já havia se transformado em um “partido socialdemocrata, reformista e aberto a um amplo arco de alianças político-eleitorais”41.A “Carta ao Povo Brasileiro”, lançada pelo então candidato petista para tranquilizar o mercado financeiro – apelidada pela esquerda partidária de “Carta aos Banqueiros” –, foi o “coroamento” desse processo de moderação ideológica do partido. É com a expectativa de trazer mais elementos a esse debate que emerge o

39

SECCO, op.cit, p. 179, nota 37. Ibidem, p. 181. 41 Ibidem, p. 200. 40

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seguinte problema: como as parlamentares atuam, enquanto grupo oprimido, na política institucional brasileira, em pautas relacionadas às mulheres, durante uma legislatura com maioria capitaneada pela centro-esquerda, historicamente vinculada aos movimentos feministas?

Objeto, objetivos e hipóteses À luz do problema levantado, escolhi, entre as instituições do Poder Legislativo que poderiam ser analisadas, a Câmara dos Deputados – a “Casa do povo” no sistema político brasileiro. É lá onde podemos ver nitidamente as consequências de ter um governo federal de centro-esquerda – nas assembleias estaduais e câmaras de vereadores, a conjuntura nacional fica mais diluída – e, ao mesmo tempo, é onde as mulheres parlamentares, há algumas décadas, se agrupam entorno da Bancada Feminina. Durante o pré-campo, nas entrevistas realizadas com parlamentares que integravam o Congresso Nacional, houve repetidas menções à Bancada Feminina da Câmara dos Deputados. Ainda no levantamento preliminar de material, constatei que sua atuação ganhou visibilidade no processo da Constituinte de 1988, quando fora chamada de “Bancada do batom” – destaco as pesquisas de Doutoramento de Salete Maria da Silva42 e de Rita Luzia Occhiuze dos Santos43 especificamente sobre esse momento da Constituinte, mas também, acerca das mulheres e a política institucional nos anos 1980, os trabalhos de

42

SILVA, Salete Maria. A Carta que elas escreveram: participação das mulheres no processo de elaboração da Constituição Federal de 1988. 2011. 321 f. Tese (Doutorado) – Programa de Pós Graduação em Estudos Interdisciplinares sobre as Mulheres, Gênero e Feminismo, Universidade Federal da Bahia (UFBA), Salvador. 43 SANTOS, Rita Luzia Occhiuse dos Santos. A participação da mulher no Congresso Nacional Constituinte de 1987 a 1988. 2004, 287 f. Tese (Doutorado em Ciências Sociais) – Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais, Universidade de Campinas, Campinas.

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Fanny Tabak e Sonia Alvarez. Abordarei essa literatura no capítulo 1. Trata-se de um marco, pois em seu artigo 5o a nova Constituição trouxe a conquista da igualdade de direitos e deveres entre homens e mulheres, até então inexistente no ordenamento jurídico brasileiro44. Nos anos 1990, porém, a Bancada experimentou uma certa estagnação e voltou a ter em um momento de maior destaque nas últimas duas legislaturas (2006-2014), quando foi criada, em 2009, a Procuradoria da Mulher, e em 2013, a Secretaria da Mulher da Câmara dos Deputados. Esses dois órgãos contribuíram para a institucionalização da Bancada Feminina, que ganhou funcionários e uma sede, o que poderia ser uma nova maneira de articular as deputadas federais. Diante disso, traço três objetivos: 1) Identificar quais são as estratégias da Bancada Feminina para atuar em assuntos prioritariamente relacionados às mulheres enquanto “classe de „sexo‟”; 2) Traçar linhas de convergência e de divergência entre elas; 3) Analisar quais são os resultados dessa atuação à luz da conjuntura de uma maioria governista na Câmara dos Deputados e com o PT na Presidência da República.

Defino, como hipótese central da tese, que o advento da Secretaria de Mulheres reforçou a articulação política já existente entre as parlamentares da Bancada Feminina, mas que essa atuação conjunta tem limitações em função de orientações partidárias e de outras relações sociais estruturantes – “raça” e classe –, assim como a religião.Haveria também um limite em função do arco de alianças feito pelos/as governistas, que teriam se distanciado de bandeiras históricas dos movimentos feministasem prol do apoio de setores mais conservadores.Trata-se de uma hipótese de relação recíproca, cujas variáveis

44

RODRIGUES, Almira; CORTÊS, Iáris (org). Os direitos das mulheres na Legislação brasileira pósConstituinte. Brasília: LetrasLivres/CFEMEA, 2006, p. 12.

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interagem e reforçam-se mutuamente45. Para formulá-la, apoio-me no trabalho de Maxine Molyneux sobre a participação das mulheres nicaraguenses no processo revolucionário para depor o ditador Anastasio Somoza e o período imediatamente posterior, quando os sandinistas assumem o Estado. Apesar de ser uma conjuntura distinta, ela discute, nesse estudo, a impossibilidade de as mulheres terem interesses comuns devido à múltipla natureza de sua opressão e a extrema variação de suas formas de existência através das classes e nações 46. “Porque as mulheres estão posicionadas em suas sociedades através de meios diferentes – entre eles, classe, etnia e gênero – os interesses que elas têm como grupo são moldados de maneira complexa e, por vezes, conflitantes”, afirma Molyneux. Além de interesses “de mulheres”, ela também discute “interesses estratégicos de gênero” e “interesses práticos de gênero”. O primeiro parte da análise “da subordinação das mulheres e da formulação de um arranjo alternativo, mais satisfatório do que o que existe”; o segundo, “emerge de condições concretas” a partir do posicionamento das mulheres “na divisão de gênero do trabalho”47. Anne Phillips aponta algo semelhante ao afirmar que “interesses de grupo” têm um caráter escorregadio, ainda que48 possam estar relacionados ao gênero, sem qualquer implicação que todas as mulheres compartilhem o mesmo tipo de interesse; minorias raciais e étnicas podem ter uma forte noção de si mesmos como um grupo social distinto, mas isso pode coincidir com uma igualmente forte divisão sobre metas políticas; minorias territoriais podem ver seus próprios interesses e preocupações ignorados pela comunidade mais ampla, mas ainda têm que digladiar-se com sua diversidade interna. (...) Eu tenho tratado isso como

45

GIL, Antonio Carlos. Métodos e Técnicas de Pesquisa Social. São Paulo: Editora Atlas, 2008 (6 a ed.), p. 45. 46 MOLYNEUX, Maxine. “Mobilization without Emancipation? Women‟s Interests, the State and Revolution in Nicaragua”. Feminists Studies, v. 11, n. 2, p. 227-254, 1985. p. 231-232. 47 Ibidem, p. 233. 48 PHILLIPS, Anne. The Politics of Presence. Oxford: Oxford University Press, 1995, p. 145.

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parte da dinâmica entre ideias e presença, argumentando que qualquer asserção simplista de um grupo unificado de interesse subestima a importância do debate político.

Trabalharei com a hipótese secundária de que as integrantes de partidos de esquerda e centro-esquerda adotarão posicionamentos mais próximos àqueles ligados à agenda feminista, mesmo que o arco de alianças governista comprometa sua possibilidade de atuação. Além dos já mencionados trabalhos sobre a Constituinte, ressalto também como relevante estudo na áreaa dissertação de mestrado de Luana Simões Pinheiro49, impressa pela Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres do governo federal (SPM), sobre o pós-Constituinte. Luana Pinheiro analisa as trajetórias políticas das deputadas federais e traça um perfil de sua produção em quatro legislaturas (48ª, 49ª, 50ª e 51ª). Ela, contudo, não estuda a Bancada Feminina e as articulações entre essas parlamentares. Outra pesquisa que encontrei relacionada ao tema foi adissertação de mestrado de Marina Brito Pinheiro50, que se debruça sobre as diversas bancadas e frentes parlamentares que compõem a Câmara dos Deputados. O espaço reservado à Bancada Feminina, porém, é bastante restrito. Dessa maneira, compreendo que não há estudo semelhante no Brasil ao que proponho com esta tese.

Metodologia

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PINHEIRO, Luana Simões. Vozes femininas na política: uma análise sobre mulheres parlamentares no pós-Constituinte. Brasília: Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, 2007. (Série Documentos). 50 PINHEIRO, Marina Brito. OS DILEMAS DA INCLUSÃO DE MINORIAS NO PARLAMENTO BRASILEIRO: A atuação das frentes parlamentares e bancadas temáticas no congresso nacional. 2010. 199f. Dissertação (Mestrado) – Programa de Pós Graduação em Ciência Política.UFMG, Belo Horizonte.

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Tendo em vista os objetivos e as hipóteses da pesquisa, optei por combinar as metodologias qualitativa e quantitativa. A metodologia quantitativa foi utilizada para obter o diagnóstico de um aspecto da divisão sexual do trabalho na Câmara Federal: a presença de mulheres na mesa diretora, na presidência ou relatoria das comissões permanentes. Os dados foram levantados a partir de material da própria instituição, por meio do site http://www.camara.leg.br. Já a metodologia qualitativa foi utilizada para analisar a Secretaria da Mulher e a Bancada Feminina e foi dividida em: 1)

Pesquisa documental, com análise do acervo da

Secretaria da Mulher e também da Câmara Federal, tais como atas de reuniões, listas de presença, notas taquigráficas, anais, materiais produzidos para o público em geral e discursos na tribuna; 2)

Entrevistas

de

caráter

semi-estruturado

com

funcionárias/os da Secretaria da Mulher e deputadas federais. Porém, preocupada em não “particularizar” a Bancada Feminina, a pesquisa não aborda apenas ela – capítulo 3 –, mas também sua relação com a legislatura 2011-2014 – o que Heleieth Saffioti denominaria ironicamente como a “descoberta de um pleonasmo”51. Mathieu alerta para os riscos de restringir o estudo52: se os trabalhos sociológicos sobre „as mulheres‟ têm a vantagem metodológica de tender mais ao rigor científico, constituindo-as cada vez mais em categoria sociológica, e não mais em uma mistura fisiológicapsicológica-sociológica, se eles têm também o mérito de colocar em evidência as realidades que até aqui permaneceram sob silêncio, eles correm, contudo, o risco – contrário à sua proposta – de serem

51 52

SAFFIOTI, Heleieth. op. cit. p. 9, nota 23. MATHIEU, 2011, p. 36.

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reintegrados e reapropriados pelo sistema de pensamento da sociedade global em que um dos mecanismos fundamentais é justamente a particularização das mulheres.

Para tanto, inspiro-me no trabalho de Debra Dodson sobre o Congresso estadunidense, em que ela compara o comportamento de parlamentares em diferentes áreas de policy making53. Três projetos pareceram-me particularmente propícios para analisar as diferentes posições, articulações e embates, tanto dos/as deputados/as quanto da Bancada Feminina, no que diz respeito às mulheres: a CPMI (Comissão Parlamentar Mista de Inquérito) da Violência contra Mulher; a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) das Domésticas (478/2010), que equipara os direitos trabalhistas de empregadas/os domésticas/os aos dos trabalhadores formais; e o Projeto de Lei de Atendimento às Vítimas de Violência Sexual (PL 60/99). Acrescento, então, aos métodos já descritos: 1) Para contextualizar o processo de aprovação da PEC e do PL e das atividades da CPMI, utilizo a análise pragmática da narrativa jornalística. Segundo Luiz Gonzaga Motta, “ao estabelecer sequências de continuidade (...), as narrativas integram ações no passado, presente e futuro, dotando-as de seqüenciação”54. Esse método também possibilita identificar conflitos presentes nos episódios narrados, que por vezes podem não aparecer nas entrevistas. Foram escolhidos os dois maiores jornais impressos de circulação nacional, a Folha de S.Paulo e O Globo, cujas sedes também são nas duas maiores cidades do país, São Paulo e Rio de Janeiro, respectivamente (Instituto Verificador de Circulação, 2014). Busquei, entre 01/01/2011 e 01/07/2014, as notícias a partir das palavras-chave “CPMI+Violência”; “Domésticas”; e “Profilaxia” – este último, o ponto mais debatido do

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DODSON, Debra. The impact of women in Congress. Oxford: Oxford University Press, 2006, p. 20. MOTTA, Luiz Gonzaga. “Análise pragmática da narrativa jornalística”. In: BENETTI, Marcia; LAGO, Claudia. Metodologia de Pesquisa em Jornalismo. Petrópolis: Vozes, 2007, p. 151. 54

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PL 60/99. 2) Pesquisa documental sobre os processos de tramitação do PL e da PEC, assim como o relatório final da CPMI da Violência contra a Mulher; 3) Entrevistas caráter semi-estruturado com representantes da sociedade civil que tenham acompanhado um ou mais casos analisados.

Acredito que a comparação do material das entrevistas com o que está nos registros da Câmara Federal e na imprensa é uma maneira de garantir a vigilância epistemológica. Como aponta François Simiand, quando estudamos instituições, “documentos não são tratados mais como algo subjetivo, mas como indícios a partir dos quais o questionamento científico pode constituir objetos de estudo específicos, costumes, representações coletivas, formas sociais”55. Fiz dois campos em Brasília, no Congresso Nacional, onde pude visitar a Secretaria da Mulher, ter acesso ao seu acervo e entrevistar a equipe de funcionários/as, além da deputada Benedita da Silva (PT/RJ) e Jolúzia Batista, do CFEMEA (Centro Feminista de Estudos e Assessoria). A deputada Jô Moraes (PCdoB/MG), coordenadora da Bancada Feminina, foi entrevistada em São Paulo, assim como Rachel Moreno (Articulação Mulher e Mídia e Conselho Nacional dos Direitos da

Mulher). Já as

deputadas Keiko Ota (PSB/SP), Rosane Ferreira (PV/PR), Luiza Erundina (PSB/SP), Lilian de Sá (PROS/RJ) e Érika Kokay (PT/DF) foram entrevistadas pelo telefone, assim como a presidenta da Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas, Creuza Oliveira, que reside em Salvador/BA. Realizá-las à distância implica em recolher uma menor quantidade de informações e não poder descrever as circunstâncias nas quais as entrevistas foram

55

BOURDIEU, P.; CHAMDOREDON, J.C.; PASSERON, J.C. Le métier de sociologue. Paris: EHESS, 1983 [1968], p. 159.

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feitas56. Porém, como as deputadas federais têm acesso bastante restrito, na maioria dos casos foi a única maneira de ter contato com elas. Pela lista, é também possível perceber que privilegiei as entrevistas com mulheres. O intuito foi escutá-las como protagonistas prioritárias.

“Mulheres” Antes de avançar, porém, faz-se necessário definir “mulheres” como categoria de análise tal como será considerada nessa tese: a partir da perspectiva do feminismo materialista, ou seja, da compreensão de que elas compartilham, enquanto grupo, o “mesmo lado” na divisão sexual do trabalho, “ainda que entre elas existam, simultaneamente, grandes diferenças sociais e políticas” 57 . Tal divisão, como aponta Danièle Kergoat, é modelada histórica e socialmente e se baseia em dois princípios: 1) o princípio da separação (há trabalhos de homens e trabalhos de mulheres); 2) e o princípio da hierarquia (um trabalho de homem “vale” mais que um trabalho de mulher)58. Dessa maneira, os homens ocupam majoritariamente funções com forte valor social agregado, como a política, e as mulheres são responsáveis pela realização dos trabalhos doméstico, de procriação, psicológico/de cuidado e sexual 59 , acumulando o trabalho produtivo e o reprodutivo. A divisão sexual do trabalho cria as “classes de sexo”, como aponta Jules Falquet, e as relações sociais estruturantes de “sexo” – no vocabulário francês, rapports sociaux de sexe,

56

GIL, op. cit., p. 133, nota 45. FALQUET, Jules. Division sexuelle du travail révolutionnaire: réflexions à partir de la participation des femmes salvadoriennes à la lutte armée (1981-1992). Cahiers d’Amérique Latine, Paris, n. 40, p. 109-128, 2003, p. 110. 58 KERGOAT, Danièle. “Divisão sexual do trabalho e relações sociais de sexo”. In HIRATA, Helena et. al. Dicionário Crítico do Feminismo. São Paulo: Editora Unesp, 2009 [2001], p. 67. 59 TABET, Paola. La grande arnaque. Paris: Harmatann, 2004. 57

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sem tradução possível no português60 – se organizam de maneira antagônica a depender da posição que cada classe ocupa na divisão do trabalho61. Seguindo a explicação de Kergoat62, Esses princípios podem ser aplicados graças a um processo específico de legitimação – a ideologia naturalista –, que relega o gênero ao sexo biológico e reduz as práticas sociais a “papeis sociais” sexuados, os quais remetem ao destino natural da espécie. No sentido oposto, a teorização em termos de divisão sexual do trabalho afirma que as práticas sexuadas são construções sociais, elas mesmas resultados de relações sociais.

A ideologia naturalista citada por Kergoat foi esmiuçada por outra pesquisadora francesa, Colette Guillaumin, no artigoPratique du pouvoir et idée de Nature. Nesse texto, ela propõe que os rapports sociaux de sexe têm dois efeitos simultâneos, um no campo da superestrutura e outro da infraestrutura, influenciando-se mutuamente: 1) o efeito ideológico, onde a “natureza” supostamente explica o que são as mulheres. Constrói-se um enunciado em que “uma mulher é uma mulher porque ela é uma fêmea”63, e não o contrário, anteriormente colocado por Simone de Beauvoir (“não se nasce mulher, torna-se”64). As mulheres seriam o “sexo” inteiro, enquanto os homens possuiriam um sexo. “Mulher”, portanto, não seria apenas mais um qualificativo entre outros, mas sim sua definição social65:

60

A tradução usual de “rapports” para o português é “relações” (de classe, “raça”, sexo etc.), mas ela não é suficiente para explicitar a intenção da autora. Em francês, “rapports” trata das ligações estruturais da sociedade, em nível macro, enquanto a expressão “relations”, que também é traduzida “relações”, diz respeito às relações cotidianas, em nível micro. Assim, “rapports”, conceitualmente, não é sinônimo de “relações”. 61 FALQUET, Jules. Habilitation à diriger des recherches. “Les mouvements sociaux dans la mondialisation néoliberale: imbrication des rapports sociaux et classe de sexe”. Capítulo 5 - extratos. 2012, p. 2. 62 KERGOAT, op.cit., p. 68, nota 58. 63 GUILLAUMIN, Colette. Sexe, Race et Pratique du pouvoir - L’idée de Nature. Paris: Côté-Femmes, 1992, p. 51. 64 BEAUVOIR, Simone. El segundo sexo. Buenos Aires: 1999, Editorial Sudamericana, p. 207. 65 GUILLAUMIN, ibidem, p. 15, nota 63.

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Diante de um patrão, há sempre uma „mulher‟, diante de um „politécnico‟, há uma „mulher‟, diante de um operário há uma „mulher‟. Mulheres nós somos, não é um qualificativo entre outros, é nossa definição social. Tolas as que acreditam que é apenas um traço físico, uma „diferença‟ – e que a partir desse „dado‟ múltiplas possibilidades nos seriam abertas. (…) Não é o começo de um processo (uma „partida‟, como acreditamos), é o fim, é o fechamento. (…) Uma mulher é sempre uma mulher, um objeto intercambiável sem outra característica que a feminilidade, onde a característica fundamental é pertencer à classe de mulheres.

A definição dada por Guillaumin é particularmente útil para analisar a política institucional uma vez que as eleitas são, antes de tudo e sobretudo, mulheres. 2) O segundo efeito é uma relação de poder onde há a apropriação das mulheres pela classe de “sexo” dos homens, que ocorre de maneira física e direta, por meio do monopólio não só da sua força de trabalho, mas da “máquina-de-força-de-trabalho” (“machine-à-force-de-travail”), ou seja, seu corpo. A autora acredita que esse tipo de apropriação, denominada por ela de relação de “sexagem”, assemelhe-se apenas à escravidão e, em alguma medida, à servidão, ainda que nessa última as pessoas sejam apropriadas por estarem vinculadas à terra, portanto indiretamente. De acordo com Guillaumin, sua expressão concreta ocorre pela 1) apropriação do tempo – no casamento, não há dias de descanso remunerado; 2) apropriação dos “produtos” do corpo – bebês, leite etc.; 3) pela obrigação sexual; 4) por encarregar-se fisicamente da saúde dos membros do grupo – marido, crianças, idosos. Os meios pelos quais essa apropriação da classe de mulheres ocorre seriam o mercado de trabalho; o confinamento doméstico; o uso da força; o constrangimento sexual por meio de assédio, estupro e provocações; e o arsenal jurídico. Com sua definição de “relação social de sexagem”, Guillaumin parece-me sintetizar o que Saffioti buscana “soma/mescla de dominação e exploração”, que ela entende como “opressão” num regime em que as mulheres são “objetos da satisfação sexual

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dos homens, reprodutoras de herdeiros, de força de trabalho e de novas reprodutoras”. Em um de seus últimos textos, Saffioti afirma que66: se Marx construiu uma teoria da dominação-exploração de classe, ninguém se dispôs, até o momento e até onde alcançam as informações da autora deste paper, uma teoria coerente e rigorosa da opressão feminina. Desta sorte, usa-se e abusa-se do termo opressão sem que deste processo, ou desta relação, haja sequer uma definição. Isto basta para questionar o rigor de suas(seus) utilizadoras(es). Eis porque se recusa a usar este termo sem expressar aquilo que se entende por seu significado. Voltando-se ao sistema que oprime a categoria mulheres, não há como deixar de retomar a discussão dele próprio e do conceito que lhe corresponde.

Não encontrei informações que Saffioti tenha entrado em contato com o trabalho de Guillaumin, ainda que conhecesse as pesquisas das feministas materialistas francesas, em especial Kergoat e Mathieu. Mathieu argumenta que utilizar a palavra “oprimida” tem também uma dimensão simbólica67 As palavras por si só estão longe de serem comuns entre o opressor e o oprimido. Nota-se que se do lado do pensamento dominante (homens e mulheres) fala-se de vontade de dominação (e de consentimento), do lado dos movimentos de mulheres fala-se sobretudo de opressão (e de cooperação, ou mesmo de “colaboração”). A palavra “dominação” leva a atenção para aspectos relativamente estáticos: de “posição acima”, tal qual a montanha que domina; de “autoridade” e de “maior importância”. Enquanto o termo opressão implica e insiste sobre a ideia de violência exercida, de excesso, de sufocamento – o que não tem nada de estático.

Concordo ainda com Iris Young quando ela diz que o uso de “opressão” não está relacionado à decisão de uns poucos tiranos, como fora em outras épocas, mas com

66 67

SAFFIOTI, op.cit., p. 10, nota 23, grifo meu. MATHIEU, 2011, p. 207, nota 4.

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desvantagens e injustiças que aparecem nas práticas cotidianas de nossas sociedades. A opressão é estrutural, afirma Young, em vez do resultado da escolha ou das políticas de algumas pessoas. “Suas causas estão incorporadas em normas não questionadas, hábitos e símbolos, em premissas subjacentes às regras institucionais e nas consequências coletivas de seguir essas regras”68. Dentro dessa chave teórica, analisar a atuação das parlamentares a partir da divisão sexual do trabalho significa não só pesquisar os fenômenos ligados à sua reprodução, mas também suas possibilidades de deslocamentos e rupturas, “bem como a emergência de novas configurações que podem questionar a existência mesma dessa divisão”69, inscrevendo-a, portanto, em uma abordagem dialética. Contudo, estar do mesmo lado da divisão sexual do trabalho não significa oporse sistemática e conscientemente a ela. Assim como as classes sociais, entendo que as classes de sexo possam ter posições internas a elas distintas em função de critérios políticoideológicos e econômicos, e formarem frações 70 – Guillaumin cita brevemente frações, porém sem defini-las. De acordo com Chantal Mouffe, ao analisar o pensamento de Antonio Gramsci, há dois métodos para uma classe se tornar hegemônica – e aqui penso nos homens, que são também burgueses e brancos: transformismo (absorção e neutralização das massas) e hegemonia expansiva (consenso ativo, direto, resultante da adoção genuína dos interesses das classes de baixo pela classe hegemônica)71. Dado o tempo histórico em que há uma hegemonia da classe dos homens – pelo menos 7 mil anos –, penso que podemos considerá-

68

YOUNG, Iris Marion. Justice and the Politics of Difference. Princeton: Princeton University Press, 1990, p. 41. 69 KERGOAT, op.cit., p. 68, nota 58. 70 POULANTZAS, Nicos. “As classes sociais”. Estudos Cebrap, no3, p.6-39, 1973, p. 21-22. 71 MOUFFE, Chantal (org). Gramsci and marxist theory. Londres: Routledge & Kegan Paul, 1979, p. 194.

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la “expansiva”. Mouffe ressalta que a hegemonia não é apenas a articulação das demandas da classe fundamental com as demais, mas envolve a criação de uma síntese maior, para que todos os seus elementos se fundam em uma vontade coletiva que se torna a nova protagonista da ação política 72 . É por meio da ideologia que essa vontade coletiva é formada, já que sua própria existência depende da criação de uma unidade ideológica que vai servir de argamassa. Gramsci formula sua definição de ideologia como o terreno no qual alguém se move, adquire consciência de sua posição e luta. É um campo de batalha, uma luta contínua, já que a aquisição de consciência na ideologia não vem individualmente, mas sempre por meio do terreno ideológico, onde os dois princípios hegemônicos se confrontam (a direção política depende de liderança intelectual e moral).Os sujeitos não são dados, mas produzidos pela ideologia, por meio de um determinado campo ideológico e a subjetividade é sempre produto das práticas sociais. Segundo Mouffe, em sua descrição de Gramsci, a ideologia tem uma existência material. Organiza as ações. E as visões de mundo são resultado da vida em comum em um bloco social de ideologia orgânica (alta filosofia, alto grau de abstração e filosofia das ruas, senso comum). É isso que organiza as massas humanas e serve como princípio formativo de todas as atividades individuais e coletivas. “Isso permite a Gramsci fazer a equação filosofia = ideologia = política. A ideologia cria os sujeitos e os faz agir, produzindo subjetividades”73. Nicole-Claude Mathieu comenta sobre o campo de consciência dos dominantes e a fragmentação e contradições no campo das “dominadas”, as mulheres74:

72

Ibidem, p. 184. MOUFFE, op.cit., p. 186, nota 71. 74 MATHIEU, 2011, p. 130, grifo meu. 73

25

Não há, no que diz respeito às relações estruturais de sexo, a “posição de consciência” dos homens e a posição de consciência das mulheres, mas a posição dos homens (com variações mais ou menos sutis) e as posições das mulheres. Há um campo de consciência estruturado e dado para os dominantes, e de toda forma coerente diante da mínima ameaça contra seu poder; e diversas modalidades de fragmentação, de contradição, de adaptação ou de recusa… mais ou menos (des)estruturadas do lado das/os dominadas/os, modalidades cujo entendimento parece particularmente difícil para um dominante.

Assim, sendo o sujeito hegemônico da política institucional o homem, branco, heterossexual, as mulheres podem fazer parte da síntese maior que legitima essa posição superior ou adquirir diferentes níveis de consciência que permitam combatê-lo. A classe hegemônica, diz Mouffe, para exercer hegemonia deve levar em consideração interesses e tendências de grupos sobre os quais ela será aplicada. Ou seja, fazer alguns sacrifícios75, mas não a ponto de prejudicar seus próprios interesses. Debruçar-me-ei sobre a atuação da Bancada Feminina para buscar compreender se ela consegue disputar hegemonia com a classe de homens ou, pelo contrário, se mantémse no bloco hegemônico, aceitando alguns acordos que podem significar pequenos avanços, mas que não contribuem para modificar a estrutura da desigualdade. Outro ponto relevante a ser definido ainda na caracterização do problema é minha escolha em não descartar o conceito “gênero”, mesmo tendo como referencial teórico principal o feminismo materialista francês, que utiliza mais comumente a expressão “rapports sociaux de sexe”. Como mencionado acima, não há tradução para o português de “rapport social” uma vez que não se trata simplesmente de uma “relação”, mas de nomear as ligações estruturais da sociedade, em nível macro. Contudo, não é apenas de uma questão de estrangeirismo. Afinal, no Brasil, assim como na França, também houve uma

75

MOUFFE, ibidem, p. 182.

26

dificuldade semântica inicial em aceitar o conceito “gender” (gênero) vindo do inglês. Como afirma Maria Lygia Quartim de Moraes: enquanto que, em inglês, gender é um substantivo que designa exatamente a condição física e/ou social do masculino e do feminino, a palavra “gênero”, em português, é um substantivo masculino que designa uma classe que se divide em outras, chamadas de espécies76.

“Gênero” ganha força a partir dos anos 1980 vindo de uma perspectiva culturalista, o que não coincide com a literatura utilizada nessa tese. Porém, concordando com Moraes77, gênero pode ser incorporada ao marxismo, assim como à psicanálise. Inversamente, por ser uma categoria meramente descritiva, o gênero não sobrevive sem o sustentáculo das teorias sociais e/ou psicanalíticas.

Tradução dos conceitos Parte significativa do referencial teórico dessa tese éestrangeiro e sem tradução disponível para a língua portuguesa, o que para mim representa um contato riquíssimo com teorias produzidas alhures, mas, ao mesmo tempo, étambém motivo de preocupação. Como observa a indiana Tejaswini Niranjana78, a tradução cultural não assume a priori qualquer simetria entre linguagens marcando o contexto da tradução, mas parte da premissa de que qualquer processo de descrição, de interpretação e de disseminação de ideias e

76

MORAES, Maria Lygia Quartim de. “Marxismo e feminismo: afinidades e diferenças. Crítica Marxista, no 11, p. 89-97, São Paulo, outubro/2000, p. 96. 77 Ibidem, p. 97. 78 NIRANJANA, Tejaswini. Siting Translation: History, Post-structuralism, and the Colonial Subject. Berkeley: University of California Press, 1992. apudCOSTA, Claudia de Lima. “As teorias feministas nas Américas e as políticas transnacionais de traduções”. Rev. Estud. Fem. Vol. 11, no1, Florianópolis, p. 254264, Jan./Junho, 2003.

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perspectivas está inevitavelmente entrelaçado nas relações de poder e assimetrias entre linguagens, regiões e povos.

Tentarei seguir os passos da também indiana Gayatri Spivak, para quem a pessoa que faz a tradução deve conseguir discriminar o terreno de onde parte o texto original. Contudo, não tenho expectativas de que isso seja suficiente para que eu deixe de “falar as línguas imperiais”79 ao utilizar conceitos produzidos pelo Ocidente. Levarei em consideração também os questionamentos de Chandra Mohanty sobre a dificuldade em utilizar categorias generalizantes forjadas no Ocidente, sob uma perspectiva colonialista, para analisar a complexidade do chamado Terceiro Mundo. De acordo com Mohanty, “apenas a análise dos contextos locais particulares permitirá estabelecer se a divisão sexual do trabalho significa uma desvalorização do trabalho das mulheres”80.

Estruturação

A tese está dividida em duas partes. Na primeira, subdividida em dois capítulos, apresento um diagnóstico das condições de acesso e permanência das mulheres na Câmara dos Deputados. Na segunda parte, estudo a maneira como as deputadas federais se agrupam em torno da Bancada Feminina e como elas agiram nos casos distintos já citados – CPMI, PEC e PL.

79

SPIVAK, Gayatri. Outside in the Teaching Machine. Nova York/Londres: Routledge, 1993, p. 190. MOHANTY, Chandra Talpade. “Sous le regard de l‟Occident: recherche féministe et discours colonial”. In: DORLIN, Elsa (dir.) Sexe, race, classe: pour une épistemologie de la domination. Paris: PUF, 2009, p. 170. 80

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PARTE I

29

30

Capítulo 1

Uma história das mulheres na política institucional brasileira

Esse capítulo inicial tem dois objetivos. O primeiro é contextualizar historicamente a participação das mulheres na prática democrática brasileira, prática esta que é relativamente recente e intercalada por períodos de interrupção. O segundo é verificar a permanência de algumas de suas reivindicações na agenda pública, em especial do Legislativo, tais como a ampliação de seus espaços de participação política, de direitos sexuais e reprodutivos e de direitos trabalhistas, o que pode indicar pouco sucesso em propor medidas que tivessem efeito na transformação de sua posição hierarquicamente inferior na sociedade. As críticas das mulheres à sua própria ausência no que viria a se configurar como a “democracia representativa ocidental” têm início ainda nos períodos de revoluções dos séculos XVII e XVIII81, na transição do Antigo Regime para a Modernidade. Se o ideal iluminista valorizava a ciência, o progresso e a modernização, criou também um descompasso evidente: a igualdade política proposta não era, ao menos concretamente, estendida à toda a população, pois além da não participação das mulheres, a escravidão e a colonização permaneciam82. Talvez as duas feministas avant-garde mais simbólicas desse período sejam a francesa Olympe de Gouges e a inglesa Mary Wollstonecraft. Gouges tem uma trajetória

81

Marie de Gournay publica, na França, em 1622, Égalite des hommes et des femmes. COSTA, Emília Viotti da. Da Monarquia à República – Momentos decisivos. 8. ed. São Paulo: Unesp, 1998a. p. 504. 82

31

bastante similar a de outras mulheres de sua época: ficou viúva muito jovem, mãe de um menino e, era autodidata. Quando se mudou do sudoeste francês para Paris, começou a atuar no teatro. “No fim das Luzes, Olympe de Gouges perseguia seu [modesto] caminho de mulher das letras”, escreve Martine Reid, “atenta aos problemas mais próximos (filha bastarda, a condição da mulher e sua relação com os homens) tanto quanto às questões que ocupavam os espíritos progressistas” 83 . Ela era, por exemplo, integrante da Société des Amis des Noirs (Sociedade dos Amigos dos Negros), que militava pelo fim da escravidão. Com a Revolução Francesa de 1789, ela começa a participar ativamente do debate de ideias que se instaura e fica conhecida por escrever cartas e panfletos incitando a população sobre os mais diversos temas, como as finanças públicas e o direito ao divórcio. Em setembro de 1791, publica a Déclaration des droits de la femme et de la citoyenne (Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã), dedicada à rainha Maria Antonieta, presa pela Revolução. Tratava-se de uma resposta à Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, lançada dois anos antes. Com seu texto, Gouges “lembra o estatuto problemático das mulheres na Revolução que começa e reclama uma verdadeira igualdade entre os dois sexos, inscrita na lei” 84 . Com essa declaração, argumenta Eleni Varikas, De Gouges “inaugurava uma tradição crítica que mostrava não somente o lugar problemático das mulheres na democracia histórica, mas também a própria natureza desta democracia” 85 . Em 3 de novembro de 1793, Gouges é julgada por seus escritos, considerados antirrevolucionários, e condenada à morte. Inspirada também pela Revolução Francesa, Mary Wollstonecraft publica, em

83

REID, Martine. Présentation. In: GOUGES, Olympe de. Femme, réveille-toi! – Déclaration des droits de la femme et de la citoyenne. Paris: Gallimard, 2014. p. 9. 84 Ibidem, p. 12. 85 VARIKAS, Eleni. “La nature politique du genre ou les limites de la démocratie historique”. Cahiers du GEDISST, no 14. Paris: IRESCO, CNRS, 1995, p. 44. apud SCAVONE, op. cit., nota 25.

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179286, A Vindication of the Rights of Woman (Vindicação dos Direitos da Mulher). “A revolução encorajou-a a conceber que „direitos‟ deveriam se estendidos às mulheres”, escreve Sheila Rowbotham, mas “as medidas adotadas pelos homens que eram lideranças decepcionaram-na – as mulheres foram excluídas da cidadania na Constituição”87. Nascida em 1759, “imbuída do espírito do Iluminismo”, diz Rowbotham, Wollstonecraft saiu de casa aos 19 anos para trabalhar como dama de companhia e, pouco depois, em 1784, começou a administrar uma escola. Nesse período, entrou em contato com reformistas radicais que se opunham à escravidão – entre eles, Joseph Johnson, que viria a ser seu editor, e Jacques Brissot, fundador da Société des Amis des Noirs – da qual De Gouges fazia parte. Lança, em 1786, seu primeiro livro, Toughts on the Education of Daughters (Pensamentos sobre a Educação das Filhas), onde argumentava em prol de uma educação mais ampla para as meninas. Rowbotham observa que “a Revolução mandou ondas de choque para o outro lado do Canal [da Mancha] e criou um clima de excitação entre os radicais”, como em Wollstonecraft e Edmund Burke. Em novembro de 1790, Burke escreveu Reflections on the Revolution in France (Reflexões sobre a Revolução na França). Entre as mais de 50 respostas críticas que o livro recebeu estava A Vindication of the Rights of Woman – a primeira delas. Reivindicando as liberdades civis e políticas para as mulheres, Wollstonecraft “conecta as esferas pública e pessoal, concebendo uma nova ordem na qual a razão e o sentimento seriam integralmente entrelaçados” 88. Mais uma vez

86

Comumente, refere-se à data de publicação como 1792, mas de acordo com Janet Todd (1993), uma edição apócrifa teria sido publicada ainda em novembro de 1790. TODD, Janet. Mary Wollstonecraft Political Writings. Londres: Pickering, 1993. 87 ROWBOTHAM, Sheila. Introduction. In: WOLLSTONECRAFT, Mary. A Vindication of the Rights of Woman. Londres: Verso, 2010. p. XIV. 88 Ibidem, p. XVIII.

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segundo Varikas, nas palavras de Lucila Scavone, o livro89 representa as reivindicações e elaborações das mulheres diante das contradições do ideal democrático igualitário nascente, o qual excluía dos direitos de cidadania não só as mulheres, mas também os negros e judeus.

Outra passagem de Wollstonecraft registrada por Varikas é a carta enviada a Charles Talleyrand comentando seu Rapport sur l’instruction publique fait au nom du comité de Constitution à l’assemblée nationale

(Relatório sobre a instrução pública feito

em nome do comitê de Constituição da Assembleia Nacional), de 1791, que excluía as mulheres da instrução pública. Wollstonecraft escreve ao então administrador de Paris : “a exclusão [...] de uma metade do gênero humano pela outra é algo impossível de explicar segundo o princípio abstrato [dos direitos do homem], [...] em que se baseia vossa constituição?”90.

1.1 Entre o patriarcado e a patronagem A potiguar Nísia Floresta, pseudônimo de Dionísia Faria da Rocha, fez, no século XIX, uma tradução comentada de A Vindication of the Rights of Woman no Brasil. A historiadora Emília Viotti da Costa conta que Nísia era a “mais conhecida das escritoras brasileiras da primeira metade do século [XIX]” e “advogava a igualdade de educação para homens e mulheres. Era republicana e abolicionista”91. Posições, portanto, semelhantes às de Wollstonecraft (Gouges, também abolicionista, declarava-se, no entanto, monarquista).

89

VARIKAS, Eleni. “„O, Why I was born with a different face?‟ Corps physique et corps politique pendant la Révolution Française”. Cahries du GEDISST, n. 6. Paris: IRESCO/CNRS, 1993, p. 41-54. apud SCAVONE, op. cit., nota 25. 90 VARIKAS, Eleni. Refugos do mundo – Figuras do pária. Estudos Avançados, São Paulo, v.24, n. 69, p. 3160, 2010, p. 40. 91 COSTA, op. cit., p. 512, nota 82.

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Floresta tinha bastante contato com a intelectualidade europeia, como Auguste Comte e Alexandre Dumas, e depois de diversas viagens para a França, faleceu lá em 1885. É interessante notar como os ventos Iluministas também sopraram por aqui, empurrados pelo desenvolvimento capitalista. Assim como Floresta, diversas mulheres das classes mais abastadas tiveram algum acesso à educação, ainda bastante precária no país, e aos ideais que espalharam-se pelo Velho Continente. Escreveram suas opiniões em jornais e revistas da época. Entre os temas debatidos nas páginas dessas publicações estavam o direito ao voto e a ampliação da educação para as mulheres. Abordavam desde a possibilidade de as meninas continuarem frequentando a escola após os treze anos de idade até o conteúdo dos currículos escolares e o acesso feminino ao ensino superior. Segundo Costa92, As mulheres brasileiras, diziam as protofeministas que começaram a surgir no século XIX, eram oprimidas, vítimas passivas de seus senhores. Sem acesso à educação não dispunham de meios para se emancipar: não tinham oportunidades de trabalho nem direito ao sufrágio e à cidadania. Estavam presas num círculo vicioso. Como lhes faltava o poder político, não tinham acesso à educação, e sem educação jamais teriam o poder político. É bem verdade que tanto as protofeministas quanto os viajantes mencionavam algumas mulheres notáveis, que conseguiam vencer os obstáculos que a sociedade lhes impunha, mas essas eram vistas como exceção que confirmava a regra.

É evidente que existia uma pluralidade de situações ou posições às quais as mulheres estavam submetidas, não formando um grupo homogêneo. Havia, de acordo com Costa, as mulheres de classes média e alta, com mais oportunidades de participar “em um mundo de mercadorias, de símbolos e modelos de comportamento que correspondia, até certo ponto, à experiência das mulheres de países desenvolvidos”93. A preocupação central dessas mulheres era a independência e a autonomia, algumas tentando empregar-se como

92 93

Ibidem, p. 496. Ibidem, p. 500.

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professoras ou jornalistas. Mas a grande maioria pertencia às camadas subalternas e era composta por escravas e livres que trabalhavam como costureiras, lavadeiras, cozinheiras, amas-de-leite, meeiras, parteiras, cabelereiras, vendeiras, prostitutas, trabalhadoras de artesanato e das tecelagens, comércio informal e outras atividades decorrentes do desenvolvimento do capitalismo 94 . Aqui, a questão principal era a liberdade (para as escravas) e a sobrevivência (para as demais). Porém, todas estavam submetidas às estruturas do patriarcado e da patronagem – patrimonialismo ou clientelismo, a depender da abordagem –, que corriam paralelas. Ao lado da escravidão e da grande propriedade, esses eram os pilares de sustentação da sociedade brasileira à época do Império. Por patronagem, sigo aqui a definição de Alexandre Mendes Cunha, que a compreende como sendo “a conformação dos espaços da política a partir de relações privadas de cunho clientelístico” 95 . Já em relação ao patriarcado, na literatura analisada sobre o Brasil imperial, não encontrei outra referência para denominar a opressão das mulheres senão por esse termo. Assim, considerarei, como aponta Heieleth Saffioti, que patriarcado é um caso específico dentro das relações de gênero e que tem período histórico delimitado. Segundo Saffioti, o patriarcado “ancora-se em uma maneira de os homens assegurarem para si mesmos e para seus dependentes, os meios necessários à produção diária da vida e à sua reprodução”, onde há uma economia doméstica que sustenta a ordem patriarcal96. Como afirma Costa97 Patriarcalismo e patronagem eram essenciais para a reprodução das elites

94

Ibidem, p. 507. CUNHA, Alexandre Mendes. Patronagem, Clientelismo e Redes Clientelares: a aparente duração alargada de um mesmo conceito na história política brasileira. Revista História, São Paulo, v. 25, n. 1, p. 226-247, 2006, p. 226. 96 SAFFIOTI, op.cit., p. 10, nota 25. 97 COSTA, op. cit., p. 523, nota 82. 95

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imperiais. Ambos tinham sua base no monopólio da terra, no controle da força de trabalho e do poder político por uns poucos homens, o que implicava na exclusão da maioria da população. [...] Seu sucesso dependia da subordinação da mulher ao homem e da exploração das camadas subalternas.

O Império era então regido por uma Constituição outorgada em 1824 por D. Pedro I e que “continha todos os direitos civis e políticos reconhecidos nos países europeus”, diz José Murilo de Carvalho98. A Constituição, a primeira na história do Brasil e logo posterior à Independência (1822), criou a Assembleia Geral, composta pelo Senado e a Câmara dos Deputados, e instituiu o Poder Moderador. Eram eleitores os homens, acima de 25 anos e com certa renda. Com uma alteração em 1834 – o chamado Ato Adicional, que permitiu, por exemplo, a criação das Assembleias Legislativas, mas que eram subordinadas aos presidentes das províncias, indicados pelo governo central –, a Carta sobreviveu até 1889, data da Proclamação da República. Carvalho aponta que99 A abertura do direito ao voto a outras camadas da população [na época colonial só votavam os chamados „homens bons‟, ou seja, os proprietários de terra, e apenas em eleições para administrações municipais] não resultou de imediato no bom funcionamento do sistema representativo. Mulheres e escravos não votavam. A dependência social da população impedia que os cidadãos exercessem com autonomia o direito do voto. O controle dos senhores de terra no interior e a pressão das autoridades nas cidades falseavam as eleições. A situação agravou-se quando os analfabetos foram proibidos de votar, em 1881.

Um fato marcante de questionamento dessa condição foi, em 1878, a apresentação da peça “O voto feminino”, da escritora Josefina Álvares de Azevedo, que

98

CARVALHO, José Murilo de. Fundamentos da política e da sociedade brasileira. In: AVELAR, Lúcia. CINTRA, Antônio Octávio. Sistema político brasileiro: uma introdução. Rio de Janeiro: Fundação Konrad Adenauer; São Paulo: Unesp, 2007. p. 20. 99 Ibidem, p. 26.

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conseguiu lotar o teatro Recreio Dramático, no centro do Rio de Janeiro. Apesar de bem aceita pelo público, a peça não conseguiu ser reencenada100. Em 1879, há outra passagem digna de menção: uma discussão na Assembleia Provincial de Recife sobre a solicitação de uma jovem para ter subsídios públicos para estudar Medicina nos Estados Unidos, já que no Brasil, por lei, não lhe era permitido. O republicano e abolicionista Tobias Barreto, poeta e advogado, mulato, fez a defesa da educação da mulher nessa ocasião: “tomamos como efeito da natureza o que é o resultado da sociedade”, declarou 101. Porém, apesar de seu posicionamento, ele “deixou claro que não era a favor da concessão de direitos iguais a elas, nem de sua emancipação. [...] Não desejaria vê-las, disse ele, deputadas ou presidentes de províncias”102. Nesse mesmo ano, as mulheres obtiveram autorização do governo para estudar em instituições de ensino superior. Pouco depois, a dentista Isabel de Mattos Dilon tentou, com base na Lei Saraiva, de 1881, obter para si o direito ao voto já que este era garantido aos portadores de títulos científicos e com renda comprovada103. Nessa mesma lei, o voto foi proibido aos analfabetos. Essas duas movimentações – de solicitar o financiamento de estudos no exterior, pois às mulheres não era possível cursar uma faculdade no Brasil, e de solicitar o reconhecimento como cidadã apta ao voto por ser profissional reconhecida e com rendimentos próprios – inscrevem-se em uma série de estratégias adotadas, em geral de forma individual, pelas mulheres até conquistarem a obtenção desses direitos. Esses precedentes foram, ao que indica o curso dos acontecimentos, tornando-se cada vez mais

100

OLIVEIRA, Karine da Rocha. Josefina Álvares de Azevedo: a voz feminina no século XIX através das páginas do jornal A Família. Rio de Janeiro: Fundação Biblioteca Nacional; Ministério da Cultura, 2009. p. 61. 101 COSTA, op. cit., p. 520-521, nota 82. 102 Ibidem. 103 COSTA, Ana Alice Alcântara. As donas do poder: mulher e política na Bahia. Salvador: NEIM/UFBA; Assembleia Legislativa da Bahia, 1998b, p. 92.

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recorrentes e baseiam-se no diagnóstico consciente das incongruências entre as proposições legais e suas experiências como mulheres. Nesse período começamos também a ver, ainda incipiente, o que Sylvia Walby denominaria como a passagem do patriarcado privado para o público104: Algumas feministas do começo do século [XX] pensavam que essas transformações [de adquirir cidadania] fariam desaparecer a desigualdade entre homens e mulheres. É mais justo dizer que essas transformações modificaram a forma e o grau do patriarcado, sem, no entanto, eliminá-lo. (...) O confinamento das mulheres à esfera doméstica foi reduzido, mas a desigualdade estruturada entre homens e mulheres na esfera pública permanece.

Assim, questões que antes diziam respeito ao espaço privado, como a educação de meninas e jovens mulheres, tornaram-se de interesse público. Penso que um exemplo é o relato de Costa sobre uma proposta de expansão curricular em uma escola de moças no Rio de Janeiro: o ensino de astronomia, botânica e história natural causou resistências e um intenso debate na sociedade carioca. Apesar do esforço da instituição em justificar que tais melhorias eram as mesmas que “as meninas usufruíam nos países mais desenvolvidos” e que o propósito não era “promover a emancipação das mulheres”, mas sim educar futuras mães para cuidar melhor dos filhos, o projeto não foi para frente105. A grande mudança social e econômica do fim do século XIX foi a abolição da escravatura, em 1888, precedida pelo fim do tráfico (1850), a Lei do Ventre Livre (1871) e a Lei dos Sexagenários (1887). Como destaca Carvalho, a abolição significou um passo fundamental na história do país por ter incorporado à sociedade parcela substancial de pessoas antes excluídas. “Só a partir da abolição é que se pôde falar na existência, ainda

104 105

WALBY, op.cit., p. 75, nota 7. COSTA, op.cit., p. 504, nota 82.

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embrionária, de uma nação”106. Passou-se a estimular a vinda de mão-de-obra livre do Japão e da Europa, em especial da Itália, o que mudou a composição demográfica, principalmente no Sul e no Sudeste do Brasil. Abdias Nascimento sublinha que tratava-se de uma política deliberada de embranquecimento da população107. Em meio a essa leva de imigrantes estavam militantes anarquistas, comunistas e socialistas, que aqui fundaram sindicatos e sociedades de auxílio mútuo responsáveis por dar assistência médica, instrução e recreação aos trabalhadores da indústria. As mulheres eram a maior parte da mão de obra têxtil e foram incorporadas a essas estruturas. Em 1888, organiza-se o Partido Operário do Rio Grande do Sul, autodenominado republicano e socialista. No seu programa, o partido enfatizava “a importância da emancipação da mulher e afirmava [...] que a mulher deveria gozar dos mesmos direitos e ocupar todos os postos, do mais insignificante ao de chefe de Estado”108. Em 1889 é finalmente proclamada a República. “Para as mulheres”, porém, “assim como para muitos outros setores da sociedade, a proclamação da República representou apenas uma mudança de guardas”109, diz Costa.

1.2. A luta pelo sufrágio Após a Proclamação, foi instaurada o que convencionou-se chamar de República Café com Leite, uma referência à produção agropecuária de São Paulo eMinas Gerais, os dois estados mais populosos e ricos do país, e que passaram a centralizar a

106

CARVALHO, op.cit., p. 27, nota 98. NASCIMENTO, Abdias. O genocídio do negro brasileiro. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978, p. 71. 108 COSTA, op.cit., p. 516, nota 82. 109 Ibidem,p. 523. 107

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política nacional 110 . Na Constituinte republicana de 1891, as principais alterações em relação ao período anterior de Império foram a passagem para o presidencialismo e a eleição do presidente e governadores a cada quatro anos. O voto continuou não sendo secreto. As mulheres, os analfabetos, os sem renda, os vigários e os praças mantiveram-se sem direito a participar da política institucional. De acordo com Céli Regina Pinto111, A Constituição não proibiu explicitamente o voto das mulheres. A nãoexclusão da mulher do texto constitucional não foi um mero esquecimento. A mulher não foi citada porque simplesmente não existia na cabeça dos constituintes como um indivíduo dotado de direitos.

Algumas tentaram utilizar a brecha da não menção às mulheres para solicitar seu alistamento eleitoral, como a estudante de Direito do Largo São Francisco Diva Nolf Nazário112. Outras juntaram-se ao Partido Republicano Feminino (PRF) fundado em 1910 pela professora Leolinda de Figueiredo Daltro. Uma iniciativa surpreendente, se considerarmos que as mulheres não poderiam concorrer às eleições. As fundadoras do PRF “poderiam ter criado um clube ou uma associação, mas prefeririam organizar um partido, tomando assim uma posição clara em relação ao objetivo [...] de representar os interesses das mulheres na esfera política”113. O PRF durou pouco menos de uma década. Uma de suas principais ações foi uma marcha com 90 mulheres no centro do Rio de Janeiro, em 1917, que teve grande repercussão. Em seu regimento, o partido propunha “pugnar para que sejam consideradas extensivas à mulher as disposições constitucionais da República [...],

110

CARVALHO, op.cit., p. 26, nota 98. PINTO, Céli Regina Jardim. Uma história do feminismo no Brasil. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2003. p. 16. 112 Em 1923 ela publicou o livro Voto Feminino e Feminismo, onde narra sua tentativa infrutífera de solicitar alistamento eleitoral no ano anterior. NAZÁRIO, Diva Nolf. Voto Feminino e Feminismo. São Paulo: IMESP, 2009. 113 PINTO, op.cit., p. 18, nota 111. 111

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desse modo incorporando-a na sociedade brasileira” 114 . A chamada primeira onda do feminismo chegava ao Brasil. A Federação Brasileira para o Progresso Feminino (FBPF) apareceu em seguida como sucessora do PRF. O nome de maior destaque era Bertha Lutz e tinha como principal reivindicação o direito ao voto das mulheres. Oriunda de uma família erudita, detentora de títulos universitários e com poder econômico, Bertha integrava a oligarquia da época. Filha de Adolfo Lutz, renomado cientista brasileiro, Bertha pôde estudar em Paris, onde entrou em contato com as sufragistas. Após regressar ao Brasil, em 1918, já formada em Biologia, Lutz foi aprovada em concurso público para bióloga no Museu Nacional. Para Céli Pinto115, temos aqui três condições excepcionais e fundamentais da construção desta liderança: condições econômicas – só os muito abastados poderiam sustentar uma filha em Paris –, condições culturais dos pais – que permitiram essa trajetória tão rara a uma mulher brasileira – e finalmente atuação profissional, também rara, de uma cientista no serviço público da época.

Em 1919, ela fundou, junto com a escritora Maria Lacerda de Moura, a Liga para a Emancipação Intelectual da Mulher, embrião da FBPF. À época, o Reino Unido e os Estados Unidos já tinham aprovado o sufrágio feminino, em 1918 e 1920, respectivamente, algo que teria forte influência no cenário internacional, em geral, e no Brasil, em particular 116 , já que Lutz representou o Brasil no Conselho Feminino da Organização Internacional do Trabalho, na Europa, e na I Conferência Pan-Americana da Mulher, nos Estados Unidos. Depois de seu regresso dessas viagens, ela organizou no Rio de Janeiro, em 1922, o I Congresso Internacional Feminista, dando início de fato à FBPF. Este evento contou com a participação de alguns políticos e teve o apoio de um em especial: o senador

114

Ibidem, p. 19. PINTO, op.cit., p. 21-22, nota 111. 116 Antes ainda, em 1893, a Nova Zelândia tornou-se o primeiro país a garantir o sufrágio feminino. 115

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Juvenal Lamartine, do Rio Grande do Norte. A FBPF espalhou-se pelos estados e perdurou durante toda a década de 1920. Em 1927, Lamartine foi eleito governador e articulou, antes mesmo de sua posse, que os deputados estaduais elaborassem a primeira lei do voto feminino. Assim, em 25 de outubro de 1927, passou a vigorar a Lei Estadual nº 660, com uma emenda que estabelecia a não distinção de sexo “para o exercício do sufrágio e, tampouco, como condição básica de elegibilidade. Celina Guimarães Viana e Julia Alves Barbosa foram as primeiras mulheres a requererem o alistamento”117. No mesmo ano, Julia Barbosa, que não era filiada à FBPF, foi eleita para a Câmara Municipal de Natal, tornando-se a primeira vereadora do Brasil. Em 1o de janeiro de 1929, Luiza Alzira Soreano Teixeira, do Partido Republicano, tornouse a primeira prefeita da América Latina. Ganhou a eleição no município de Lajes (RN) com 60% dos votos, permitido apenas para delegados. Uma informação relevante é que Alzira era viúva. Não há registro da participação de seu marido na política institucional. De acordo com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), sua administração à frente da Prefeitura resultou na construção de “novas estradas, como a que fazia a ligação entre os municípios de Cachoeira do Sapo e Jardim de Angicos” e de mercados públicos distritais. Alzira também “fez escolas e cuidou da iluminação pública a motor” 118 . Porém, permaneceu pouco tempo no cargo: foi deposta com a Revolução de 1930. Com a redemocratização, em 1945, Alzira voltou à vida pública e tornou-se vereadora pela União Democrática Nacional (UDN) de Jardim de Angicos, sua terra natal, onde também presidiu a Câmara Municipal.

117

VAINSENCHER, Semira Adler. Julia Alves Barbosa. Site da Fundação Joaquim Nabuco, São Paulo, 29 ago. 2010. Disponível em: . Acesso em: 22 ago. 2012. 118 TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL (Brasil) Primeira prefeita eleita no Brasil foi a potiguar Alzira Soriano, Brasília, 5 mar. 2013. Disponível em: . Acesso em: 4 mai. 2014.

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Foi reeleita outras duas vezes. Como aponta Margareth Rago, essas eram mulheres “liberais, que lutavam pelo direito ao voto, mantendo intacta toda a estrutura hierárquica social e patriarcal” 119 , bastante diferentes das mulheres anarquistas, comunistas e socialistas, outras relevantes protagonistas políticas naquele momento. Entre as anarquistas, destacam-se as integrantes da União das Costureiras, Chapeleiras e Classes Anexas do Rio de Janeiro, que em 1920 divulgaram um manifesto pela emancipação da mulher. A emancipação era, segundo elas, “alguma coisa absolutamente necessária” para concorrer “mais eficazmente para o fim desejado por todos os sofredores”. O texto chamava os homens à reflexão: “Homens conscientes! Se refletirdes um momento, vereis quão dolorida é a situação da mulher, nas fábricas, nas oficinas, constantemente amesquinhada por seres repelentes e vis!”120. Começava também nesse momento a tímida participação das mulheres no Partido Comunista do Brasil (PCB)121, que seria expandida durante a década de 1930. Suas mais reconhecidas integrantes são Olga Benário, Patrícia Galvão, Raquel de Queiroz, Tarsila do Amaral e Eneida Moraes. Em 1922, data da fundação do partido, nenhuma mulher estava entre suas fileiras, que contavam com 73 membros, mas em 1929, os dados do comitê central indicavam haver 50 filiadas. Isso representaria menos de 3% do total de militantes e, para Augusto Buonicore e Fernando Garcia, os números mostram o quanto, ainda que notável, “era pequena a participação feminina no interior do Partido Comunista

119

RAGO, Margareth. Luci Fabbri, o anarquismo e as mulheres. Revista Textos de História, Brasília, v. 8, n. 1-2 p. 219-244, junho de 2000. p. 221. 120 COSTA, op.cit., p. 35, nota 82. 121 Posteriormente, em 1960, o PCB passou a se chamar Partido Comunista Brasileiro. Em 18 de fevereiro de 1962, uma ala dissidente do partido forma nova agremiação partidária denominada Partido Comunista do Brasil e adota a sigla PCdoB, para diferenciar-se do primeiro.TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL (Brasil). Cancelamento do registro do Partido Comunista Brasileiro, Brasília, 14 set. 2014. Disponível em: . Acesso em: 4 dez. 2014.

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naqueles primeiros anos”122. Em 1930, Getúlio Vargas chegou ao poder apoiado, entre outros, por Elvira Komel, que criou o Batalhão Feminino João Pessoa, onde alistou 8 mil mulheres para trabalhar na retaguarda do movimento revolucionário. Um ano antes, Komel havia se tornado a primeira mulher a advogar no Fórum de Belo Horizonte (MG). Outra entusiasta de Vargas era a advogada gaúcha Natércia Silveira, que disputava com Bertha Lutz a liderança da FBPF 123 . A ascensão de Vargas foi decorrência de inúmeros fatores. O primeiro entre eles era o esgotamento da divisão do poder entre Minas Gerais e São Paulo. Havia setores descontentes da oligarquia nos demais estados, assim como parte do operariado e da classe média. Tal insatisfação já havia sido expressa em acontecimentos anteriores como a Revolta dos 18 do Forte, em 1922 – data também da Semana de Arte Moderna, que teve Anita Malfatti como uma de suas protagonistas; e o levante tenentista que deu origem à Coluna Prestes em 1924. Ao mesmo tempo, a conjuntura estrangeira também mudava com rapidez: a Primeira Guerra Mundial (1914-1918) e a carestia subsequente; a Revolução Russa (1917); a quebra da Bolsa de Nova York (1929), que arruinou parte dos produtores de café paulistas; e, finalmente, a chegada ao poder do nazismo e do fascismo na Europa. Ainda que não fosse uma revolução propriamente dita, apesar do nome, a deposição da Primeira República precipitou “mudanças que, a médio prazo, deslancharam profundas transformações políticas, sociais e econômicas no país agrário-exportador-oligárquico que o Brasil tinha sido até então”124.

122

BUONICORE, Augusto; GARCIA, Fernando. As mulheres e os noventa anos do comunismo no Brasil. Centro de Memória Sindical, 2012. Disponível em: http://www.memoriasindical.com.br/lermais_materias.php?cd_materias=183&friurl=:-As-mulheres-e-osnoventa-anos-do-comunismo-no-Brasil-:#.UDVUy0Q_c4M. Acesso em: 16 ago. 2012. 123 PINTO, op.cit., p 27, nota 111. 124 CARVALHO, op. cit., p 27, nota 98.

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1.3.O direito conquistado Em 1932, foi feito um novo Código Eleitoral, provisório – o decreto nº 21.076, com uma primeira edição em fevereiro e uma segunda em setembro –, que instaurou a Justiça Eleitoral. O Código definia, em seu segundo artigo, que era “eleitor o cidadão maior de 21 anos sem distinção de sexo”. As mulheres finalmente conquistavam o direito ao voto, porém de maneira parcial: ele era permitido – não obrigatório – apenas às casadas com autorização dos maridos, às solteiras com renda própria e às viúvas. As restrições só terminariam em 1934, com a nova Constituição. Ao comentar o Código Eleitoral, João C. da Rocha Cabral, catedrático da faculdade de Direito da Universidade do Rio de Janeiro e membro da Comissão Legislativa instituída pelo Governo Provisório, onde foi relator do Projeto de Reforma da Lei e Processo eleitorais, argumentou que125 Com respeito à mulher, confessamos que, em princípio, é a parte feminina da sociedade tão capaz de exercer esse direito e digno dele quanto a masculina. O ponto delicado é saber em que condições se deve arrojar a mulher no turbilhão dos comícios e na agitação dos parlamentos; se, em geral, e abertamente, como os homens, aliás, também sujeitos a condições de alfabetização, meios de vida, etc., ou se especificamente, sob certas condições especiais, atendendo mais à conveniência e aos costumes da atual sociedade civil, do que aos interesses ou desejos de algumas representantes do belo sexo, ou dos tendenciosos propagandistas da igualdade política entre os dois.

Cabral ressaltou que faria “bem” ao Brasil seguir o exemplo de países europeus onde o sufrágio universal já havia sido instaurado, o que classificava como “teorias de Estados moderníssimos”. Criticava o Uruguai, considerado por ele “avançado em muito requinte de civilização”, por ter concedido o direito ao voto aos analfabetos e não às

125

CABRAL, João C. da Rocha. Código Eleitoral da República dos Estados Unidos do Brasil. Edição Especial. Brasília: Tribunal Superior Eleitoral, 2004. p. 20.

46

mulheres, “por mais cultas e economicamente autônomas” que elas fossem. Esse era um período turbulento, em que cresciam as movimentações contrárias a Vargas, em especial em São Paulo, onde lutava-se pelo fim do governo provisório. Em 9 de julho de 1932, eclodiu a Revolução Constitucionalista, da qual os paulistas saíram derrotados. Conquistaram, porém, a convocação de eleições gerais, que ocorreram em 1933. Nesse ano também foi aprovado o decreto nº 22.269, que previa a eleição, para o Congresso Nacional, de representantes das associações profissionais patronais e de empregados sem distinção de sexo126. A médica paulista Carlota Pereira de Queirós tornou-se a primeira mulher eleita deputada federal e participou dos trabalhos da Assembleia Nacional Constituinte. Sobre esta eleição, Ângela Borba afirma que “o preconceito contra as sufragistas, o não envolvimento de mulheres de outras classes e o pequeno número de candidatas [quatro a deputadas federais] pode explicar o fraco resultado” 127 . Nove mulheres elegeram-se deputadas estaduais constituintes, algumas delas da FBPF: Quintina Ribeiro (SE); Antonieta de Barros (SC), 1ª deputada negra; Lili Lages (AL); Maria do Céu Fernandes (RN); Maria Luísa Bittencourt (BA); Maria Teresa Nogueira e Maria Teresa Camargo (SP); Rosa Castro (MA); e Zuleide Bogéa (MA)128. Após a Constituinte, que aprovou o voto secreto para descontentamento dos coronéis, foram convocadas novas eleições. Entre as candidatas nas vagas de representação dos trabalhadores estava Almerinda Farias Gama, negra, viúva e presidenta do Sindicato dos Datilógrafos e Taquígrafos do Rio de Janeiro.

126

AZEVEDO, Débora B.; RABAT, Márcio N. Palavra de mulher – oito décadas do direito ao voto. Brasília: Câmara dos Deputados, 2012. p. 51. 127 BORBA, Ângela. Legislando para mulheres. In BORBA, A.; FARIA, N.; GODINHO, T. Mulher e política – gênero e feminismo no Partido dos Trabalhadores. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 1998. p.155. 128 SCHUMAHER, Schuma. A primeira onda feminista. In: O feminismo nos 500 anos de dominação. João Pessoa: Coenf, 2003. p. 36.

47

Anarquista, seu panfleto de campanha de 1934 apresentava-a como “feminista de ação. Lutando pela independência econômica da mulher, pela garantia legal do trabalhador e pelo ensino obrigatório e gratuito de todos os brasileiros em todos os graus” 129 . Ela não conseguiu se eleger. Em 1935, nas eleições municipais, algumas mulheres foram eleitas vereadores. Em Pernambuco, por exemplo, foram oito130. O PCB não pode participar dos pleitos por ter sido considerado um partido “de caráter internacionalista”. Em 1935, acontece a Intentona Comunista, empreendida pela Aliança Nacional Libertadora (ANL). A ANL, cujo presidente de honra era Luís Carlos Prestes, surgiu como uma reação à fundação da Ação Integralista Brasileira (AIB), capitaneada por Plínio Salgado e de ideologia fascista. A ANL reunia não apenas comunistas, mas também socialistas, liberais, reformistas, sindicalistas e a União Feminina, fundada em 1934. Seu programa pregava a nacionalização das empresas estrangeiras e a constituição de um governo popular. A Intentona foi um levante armado e rapidamente sufocado que acontece após o fechamento das sedes da ANL e o retorno de Prestes ao Brasil após uma viagem à União Soviética. Desse episódio é importante reter a perseguição política e a repressão às mulheres integrantes ou próximas à ANL, entre elas, a deportação para um campo de concentração nazista de Olga Benário, judia, comunista e então companheira de Prestes, onde faleceu. Benário e Prestes se conheceram na União Soviética, onde ela estava refugiada após intensa militância na Alemanha. Em 1936, com o apoio do PCB, Laudelina de Campos Mello fundou a Associação

das

Empregadas

Domésticas

129

do

Brasil,

o

primeiro

sindicato

da

SCHUMAHER, Schuma; BRAZIL, Érico Vital (Org.). Dicionário das mulheres do Brasil: de 1500 até a atualidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2000. p. 33-34. 130 SILVA, Maria Ladjane Cavalcante; CARMO, Maria Marli da Silva. Participação das mulheres: gênero e política na Assembleia Legislativa de Pernambuco. 2008. 57f. Monografia (Especialização em Gestão Pública) – Curso de Pós-Graduação em Gestão Pública e Legislativa, Faculdade de Ciências, Educação e Tecnologia de Garanhuns (FACETEG), Universidade de Pernambuco – UPE, Recife, 2008.

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categoria131.Nesse mesmo ano, Bertha Lutz, suplente, assumiu como deputada após a morte de um congressista. A FBPF realizou então o III Congresso Nacional Feminista. Heleieth Saffioti faz um registro sobre a atuação de Lutz como parlamentar: ela teria “identificação com os ideais dos estratos sociais médios no que tange à emancipação social”. Dessa maneira132, Toda sua ação se desenrola no sentido de obter uma expansão da estrutura capitalista no Brasil, de modo a se abrirem novas vias à emancipação econômica da mulher, inclusive através do desempenho, por parte do Estado, de funções que o caracterizariam como o Estado de Bem-estar social.

A postura reformista impulsionava-a então a propor leis que igualassem o estatuto político, social e econômico das mulheres ao dos homens. Ela apresentou um anteprojeto do Estatuto da Mulher, que garantiria que “a mulher não terá sua capacidade restringida em virtude de mudança de estado civil. Ficam revogadas as restrições à capacidade econômica e civil da mulher decorrentes do sexo e do casamento”. No caso de filhos e filhas, o Estatuto obrigaria a transmissão do sobrenome materno, além do paterno, e garantiria a pai e mãe os mesmos direitos e deveres. O marido também não poderia impedir a mulher de exercer “profissão lucrativa”. Ao mesmo tempo, o texto elaborado por Lutz admitia a redução do salário das trabalhadoras de empresa privada que estivessem em licença maternidade133. O projeto, porém, não foi à votação. Céli Pinto registra que “constavam na

131

“Fundadora do primeiro sindicato de trabalhadoras domésticas do Brasil, Laudelina de Campos Mello lutou por sua categoria durante 70 anos”. Agência Senado. 27/04/2010. Disponível em: . Acesso em 03/04/2012. 132 SAFFIOTI, Heleieth I. B. A mulher na sociedade de classes: mito e realidade. Petrópolis: Vozes, 1979. p. 271. 133 Ibidem, p. 265.

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pauta, naquele ano, projetos para pressionar o Legislativo a aumentar os direitos das mulheres, mas o golpe de 1937 calou toda a movimentação. A FBPF não foi extinta, mas perdeu [...] seu espaço”134. Com o Estado Novo e a promulgação de uma nova Carta, de inspiração fascista, desapareciam as liberdades individuais e as garantias constitucionais anteriores. O governo passa a ter direito de invadir domicílios, violar correspondência e suspender imunidades parlamentares. Em 1943, Vargas assinou a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) – sobre a qual voltarei a falar na Constituinte de 1988 – e o Brasil entrou na Segunda Guerra Mundial (1939-1945) ao lado dos Aliados, mudando, portanto, a orientação política do governo. Assim como na Europa, as mulheres contribuíram com os esforço de guerra fazendo parte do Departamento Feminino da Liga de Defesa Nacional. O PCB adotou então um discurso de união nacional. Em 1945, Vargas concedeu anistia a Luís Carlos Prestes e outros presos políticos e o partido voltou à legalidade, mas já em 1947 teve novamente seu registro cassado, acusado de estar “à serviço da União Soviética” e que, “em caso de guerra, seus militantes lutariam contra o Brasil”135. Em 29 de outubro de 1945, um golpe tira o já enfraquecido Vargas do poder. Com a volta da democracia, são fundados alguns partidos políticos. Além do PCB, há o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), a União Democrática Nacional (UDN) e o Partido Social Democrático (PSD). Em 1946, nenhuma mulher foi eleita para a Câmara. Na nova Constituição aprovada naquele ano, o voto feminino passou a ser obrigatório. Em 1950, apenas uma mulher conquistou o cargo de deputada federal, Ivete Vargas, do PTB por São Paulo, aos 22 anos. Sobrinha-neta de Getúlio Vargas, ela começou a interessar-se pela política no seio familiar136. Ela se reelegeria novamente em 1954, 1958, 1962 e, em

134

PINTO, op. cit., p. 28, nota 111. TSE, op. cit., nota 121. 136 COSTA, op.cit., p. 101, nota 111. 135

50

1966, quando mudou para o MDB, até que foi cassada em 1969 pelo governo militar. Em 1954, além de Ivete, elegeu-se a baiana Nita Costa, também do PTB. Em 1962, Ivete e outra baiana, Necy Novaes, chegaram à Câmara Federal. Necy era igualmente da Aliança Trabalhista, coligação formada pelo PTB, o Partido Republicano (PR) e o Partido Libertador (PL). Era esposa de Manoel Novaes, ex-deputado federal pelo PSD (19341935), deputado federal pela UDN e, posteriormente, pelo Partido Republicano (mandatos em 1945-1950-1954-1958-1962). Em 1966, Manoel foi reeleito pela ARENA, assim como em 1970, 1974 e 1978. Em 1979, ele ingressou no PDS e foi eleito em 1982 para o seu décimo segundo mandato consecutivo. Tanto Ivete Vargas como Necy Novaes são exemplos típicos da participação da mulher brasileira na política institucional: eram oriundas de famílias que já tinham um reconhecimento político e um histórico de sucesso eleitoral quando apresentaram suas candidaturas. Nas representações estaduais, registraram-se números semelhantes. Em Goiás, por exemplo, em 1950, foi eleita a primeira deputada estadual, Berenice Teixeira Artiaga (PSD). Em 1955, ela se reelegeu e Almerinda Magalhães Arantes (PTB) se elegeu pela primeira vez. Entre 1959 e 1962, Almerinda legislou junto com Ana Braga de Queiroz (PSD). Em 1963, período de grande agitação social e política no país, apenas Almerinda foi eleita137. Mas se a representação institucional era baixa, a participação das mulheres nas ruas foi decisiva para os rumos do país. Enquanto o governo João Goulart (1961-1964) propunha as reformas de base (agrária – com o apoio das Ligas Camponesas – tributária, educacional etc.) as mulheres e filhas de militares, industriais e latifundiários fundaram,

137

VELAZQUES, Raimunda Almeida dos Santos; FERREIRA, Denise Paiva. A presença das mulheres na Assembleia Legislativa do Estado de Goiás. In: SEMINÁRIO DE PÓS-GRADUAÇÃO DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS, VIII, 2011, Goiânia. Anais... Goiânia: SBPC, 2011.

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inspiradas por ideologias conservadoras contrárias ao governo, a Campanha da Mulher pela Democracia (CAMDE). Junto com outros grupos de mulheres de direita138 como a Liga da Mulher Democrática (LIMDE), o Movimento de Arregimentação Feminina (MAF) e a União Cívica Feminina (UCF), a CAMDE organizou grandes manifestações contra Goulart nos meses que antecederam o golpe civil-militar de 1964. Como relata Sonia Alvarez139 Armadas com crucifixos e rosários, milhares de mulheres de classes média e alta desfilaram pelas ruas das maiores cidades brasileiras implorando que os militares cumprissem seu “papel principal” e restaurassem a ordem e a estabilidade da nação. A última marcha das mulheres contra o regime populista ocorreu no Rio de Janeiro na véspera do golpe.

Movimentação semelhante veio a ocorrer no Chile pouco antes de Salvador Allende ser derrubado da Presidência da República, em 11 de Setembro de 1973. Apesar de terem sido mandadas “de volta para a cozinha” após o golpe, ressalta Alvarez, a “moral Cristã e os valores familiares” que serviram de fundamento para os protestos das mulheres de direita “não foram abandonados pelos novos mandatários militares e, na verdade, tornaram-se bases para a ideologia de gênero do novo regime autoritário” 140 . Assim, a sequência de golpes militares na América Latina não teria apenas sua origem em problemas econômicos e políticos, mas também nas estruturas sociais, conteúdos que antes eram atribuídos meramente à vida cotidiana e privada. “A violência e o militarismo institucionalizado repousavam sobre o patriarcado”141, ressalta Julieta Kirkwood. José Murilo de Carvalho analisa o golpe como uma interrupção da participação

138

ALVAREZ, Sonia E. Engendering Democracy in Brazil – Women’s Movements in Transition Politics. Princeton: Princeton University Press, 1990. p. 6. 139 Ibidem, p. 6. 140 Ibidem, p. 6. 141 KIRKWOOD, Julieta. Feminario. Santiago: Ediciones Documentas, 1987, p. 126-127,apud ALVAREZ, op. cit., p. 7, nota 138.

52

do povo na política142: A entrada do povo na política não foi tranquila. Ela se deu, de início, dentro de um processo chamado de populista, iniciado por Getúlio Vargas na década de 1940. Além de votar, o povo começou a manifestar-se também nas organizações sindicais, nas greves operárias, nos comícios e em campanhas nacionais, como a defesa do petróleo. A participação foi interrompida em 1964 [...] quando as elites se juntaram aos militares para por fim ao regime democrático”.

1.4. Anos de chumbo Enquanto nos Estados Unidos e na Europa as mulheres experimentavam uma intensa transformação com sua entrada em massa no mercado de trabalho e a expansão do ensino superior, que foram o pano de fundo para o reflorescimento dos movimentos feministas143, o Brasil ingressava, em 1o de abril de 1964, na Ditadura Civil-Militar. Daqui em diante, é importante mencionar, tratarei tanto de movimentos de mulheres quanto feministas. Em algumas passagens eles estarão juntos, em outras aparecerão sozinhos. Para definir os movimentos feministas, adotarei a abordagem de Dominique Fougeyrollas-Schwebel144: O feminismo como movimento coletivo de luta só se manifesta como tal na segunda metade do século XX. Essas lutas partem do reconhecimento das mulheres como específica e sistematicamente oprimidas, na certeza de que as relações entre homens e mulheres não estão inscritas na natureza, e que existe a possibilidade política de sua transformação.

142

CARVALHO, op. cit., p. 28, nota 98. HOBSBAWM, Eric. A era dos extremos. São Paulo: Cia. das Letras, 1997. p. 305. 144 FOUGEYROLLAS-SCHWBEL, Dominique. Movimentos Feministas. In: HIRATA, Helena et. al. Dicionário Crítico do Feminismo. São Paulo: Unesp, 2009. p. 144. 143

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Os movimentos de mulheres podem agregar tanto grupos feministas propriamente ditos como “movimentos femininos”, tais como clubes de mães, associações de bairro e grupos de mulheres articulados em sindicatos, partidos políticos, entidades religiosas, dentre outras agremiações145, que não necessariamente lutam pela mudança da hierarquia e contra a desigualdade entre homens e mulheres. O Ato Institucional no 1 (AI-1), de 9 de abril de 1964, ampliou as prerrogativas do Executivo sobre o Legislativo e deu início a um ciclo de cassações de mandatos parlamentares que só teria fim na década de 1970. O bipartidarismo entrou em vigor em 1965, com o Ato Institucional no 2 (AI-2), e perdurou até a reforma política de 1979. Nesse ínterim, foram realizadas quatro eleições majoritárias, 1966, 1970, 1974 e 1978, onde apenas Aliança Renovadora Nacional (ARENA), de situação, e Movimento Democrático Brasileiro (MDB), de oposição, poderiam concorrer. Os partidos foram formados via Congresso Nacional, pelos parlamentares, uma exigência do AI-4, complementar ao AI-2. Em 1966, às vésperas da eleição, o Parlamento foi ocupado pelos militares porque uma parte dos parlamentares, entre eles o presidente da Câmara, Adauto Cardoso, recusava-se a aceitar a cassação de seis deputados federais com base no AI-2146. Assim, como observa Carvalho, “embora o voto não tenha sido suprimido, foi eliminado o direito de expressão e de organização, essenciais à participação política”147. Em 1966, 11 mulheres foram eleitas para os Legislativos estaduais e a Câmara passou de duas para seis deputadas federais: as já citadas Ivete Vargas (MDB/SP) e Necy Novaes (ARENA/BA), e também Júlia Steinbruch, Maria L. M. Araújo, Lígia Doutel e Nysia Carone, todas do MDB. Em 13 de dezembro de 1968, com o AI-5, as parlamentares

145

SILVA, op.cit. p. 60, nota 42. AZEVEDO; RABAT, op. cit., p. 84, nota 126. 147 CARVALHO, op. cit., p. 28, nota 98. 146

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do MDB tiveram seus mandatos cassados. Em 1970, apenas uma mulher,Necy Novaes, chegou à Câmara Federal e oito às assembleias estaduais. Em 1974, novamente apenas uma mulher elegeu-se deputada federal, Lygia Lessa Bastos (ARENA/RJ), e 14 elegeram-se deputadas estaduais. A trajetória política de Lygia Lessa Bastos repete a tradição familiar já apontada, mais recorrente em partidos de centro-direita e direita: ela é filha do coronel José Lessa Bastos e seu avô materno, general João Gomes, foi ministro da Guerra de 1935 a 1936. Diplomada em Educação Física, Lygia foi eleita em 1947 para vereadora do Rio de Janeiro pela UDN, sendo reeleita em 1950, 1954 e 1958. Em 1960, elegeu-se deputada estadual, reeleita em 1966 148 . Notamos, portanto, que nos períodos de maior repressão, foram eleitas apenas mulheres da ARENA, partido de apoio ao regime militar. A resistência ao regime foi imediata e perdurou durante todo o período ditatorial. A partir de 1967, com a formação da Ação Libertadora Nacional (ALN), liderada pelo baiano Carlos Marighella, ex-deputado federal pelo PCB (1946), precipitaram-se as organizações armadas. Parte das pessoas que antes atuavam na política institucional passaram para a clandestinidade. Maria Lygia Quartim de Moraes destaca a participação de jovens estudantes e das mulheres na luta armada149: No Brasil dos anos 60 e 70, a presença das mulheres na luta armada representou uma profunda transgressão ao que era designado como próprio ao sexo feminino. Mesmo sem formular uma proposta feminista deliberada, as militantes “comportaram-se como homens”: pegaram em armas e assumiram um comportamento sexual que punha em questão a virgindade e a instituição do casamento, transformando-se, como apontou Garcia (1997), “[...] em um instrumento em si de emancipação.”

Ainda segundo Moraes, a mulher extrapolou seu universo doméstico e feminino

148

SCHUMAHER; BRAZIL, op. cit., p. 332, nota 129. MORAES, Maria Lygia Quartim. Feminismo e política: dos anos 60 aos nossos dias. Revista Estud. sociol., Araraquara, v.17, n.32, p. 107-121. 2012. p. 110. 149

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para “agir como homem” e recebeu “uma estigmatização adicional por desafiar o „código de gênero de sua época‟”. As mudanças nesses códigos, afirma, instauraram uma nova ordem de relação entre homens e mulheres. Sobre o exílio, ela relata que150 As queixas das ex-guerrilheiras não se diferenciavam muito do normal das mulheres, especialmente no tocante às tarefas domésticas e aos cuidados com os filhos. Por outro lado, ante o machismo reinante nas concepções dos partidos comunistas oficiais, a participação das mulheres na luta armada foi uma enorme ruptura com relação às lutas e movimentos sociais anteriores, nos quais predominavam os homens.

Quando, nos anos 1970, os movimentos feministas europeus “liberaram a sexualidade e descriminalizaram o aborto”151, prolongando o movimento de contracultura dos anos 1960 e afirmando que “o privado é político”152, no Brasil, uma parte das mulheres foi para o exílio, com destaque para França e Cuba. Segundo Moraes, em Cuba elas puderam fazer treinamento de guerrilha. Na França, epicentro do asilo político, as exiladas entraram em contato com os movimentos de mulheres e feminista, que estavam em seu auge153. Grupos formados pelas exiladas, como o Debate, o Grupo Latino-Americano de Mulheres em Paris e o Círculo de Mulheres Brasileiras em Paris foram espaços importantes para que elas aprofundassem suas análises teóricas e politizassem as relações de gênero, em especial dentro do campo da esquerda154. Em 1975, a Organização das Nações Unidas (ONU) decretou aquele como o Ano Internacional da Mulher. Foi celebrada no México a I Conferência Mundial sobre a Mulher, onde teve início o Decênio da ONU para a Mulher, que ainda teria encontros em Copenhague (1980), Nairóbi (1985) e Pequim (1995). No Brasil, o ano de 1975 tem sido

150

Ibidem, p. 110. RIOT-SARCEY. Histoire du féminisme. Paris: Éditions La Découverte, 2008. p. 97. 152 FOUGEYROLLAS-SCHWBEL, op. cit., p. 146, nota 144. 153 MORAES, op. cit. p. 114, nota 149. 154 Ibidem, p. 115. 151

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considerado um “momento inaugural do feminismo brasileiro”. O general Ernesto Geisel era o mandatário e prometia então uma distensão política. Em função do Ano Internacional da Mulher, foi realizado no Rio de Janeiro, com o apoio da ONU, o evento “O papel e o comportamento da mulher na realidade brasileira”. Na ocasião, foi criado o Centro de Desenvolvimento da Mulher Brasileira (CDMB), que propunha-se a ser um “centro de estudo, reflexão, pesquisa e análise e um departamento de ação comunitária para tratar concretamente e em nível local dos problemas da mulher”155. O CDMB durou cinco anos e abrigou diversas tendências dos movimentos feministas e de mulheres 156 . Segundo Céli Pinto157, Até então o movimento estava restrito a grupos muito específicos, fechados e intelectualizados, chegando mesmo a se configurar mais como uma atividade privada, que acontecia na casa de algumas pessoas. [Além disso], nos últimos anos da década de 1960 e nos primeiros da década de 1970, [...] o espaço para qualquer manifestação pública fora praticamente reduzido a zero e a repressão chegava a níveis de violência antes não imaginados.

Em 1975 também foi fundado, por Therezinha Zerbini, o Movimento Feminino pela Anistia. Therezinha era esposa do general Euryale Zerbini, um dos quatro generais contrários ao golpe militar. Ela havia sido presa alguns anos antes por seu envolvimento com a organização do congresso clandestino da União Nacional dos Estudantes (UNE) em Ibiúna, em 1968 158. Pinto ressalta que “não resta dúvida [...] de que o movimento pela

155

GOLDBERG, Anette. Feminismo e autoritarismo: a metamorfose de uma utopia de liberação em ideologia liberalizante. 1987. Dissertação (Mestrado em Sociologia) – Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, UFRJ, Rio de Janeiro, p. 106. apud PINTO, op.cit., p. 58, nota 111. 156 PINTO, op.cit., p. 59-60, nota 111. 157 Ibidem, p. 56. 158 A UNE era então uma das principais organizações de resistência ao regime e em 26 de junho de 1968 tinha liderado uma das maiores demonstrações de rua contrárias ao regime, a Passeata dos Cem Mil, no Rio de

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anistia no Brasil esteve ligado ao Ano Internacional da Mulher e à própria reunião da ONU”159. Maria Lygia Quartim de Moraes destaca a relevância dos primeiros passos do movimento de mulheres desse período160: O Ano Internacional da Mulher constitui um ponto de referência fundamental para a compreensão do movimento de mulheres [...]. A iniciativa da ONU foi particularmente importante para as mulheres brasileiras por ter propiciado um espaço de discussão e organização, numa conjuntura política marcada pelo cerceamento das liberdades democráticas. Assim, 1975 foi um ano em que as mulheres, principalmente nos estados de São Paulo e Rio de Janeiro, puderam falar de seus problemas específicos e dar os primeiros passos no sentido de ampliar este debate para outros setores sociais.

Em seguida, tem início a imprensa feita por mulheres como os jornais Nós Mulheres

161

e o Brasil Mulher162, que funcionaram de 1975 a 1980. Para se ter uma noção

do impacto dessas publicações, algumas edições especiais do BM chegaram a 10 mil exemplares, cifra bastante significativa, sendo que o jornal sustentava-se apenas com a colaboração de suas redatoras e do público leitor. Em uma pesquisa extensa no acervo do BM e do Nós Mulheres, Amelinha Teles e Rosalina Leite, integrantes da redação do BM, analisaram cada uma das edições publicadas – 20 do BM, três delas especiais, e 8 do Nós Mulheres. Elas destacaram os principais assuntos tratados pelo BM e o Nós Mulheres, o que contribui para percebermos as questões em debate à época e que pareciam relevantes a essas mulheres e, entre elas, às feministas: 1) a luta pela anistia às/aos presas/os e

Janeiro.VILLAMÉA, Luiza. A filha do general. Revista Brasileiros, set. 2013. Disponível em: . Acesso em: 8 out. 2014. 159 Ibidem, p. 63. 160 MORAES, Maria Lygia Quartim. Mulheres em movimento. São Paulo: Nobel, 1985, p.1. 161 MORAES, Maria Lygia Quartim. O feminismo político do século XX. Margem Esquerda, São Paulo, n. 9, p. 129-143, 2007, p. 136. 162 MANO, Maira Kubík T. A ousadia feminista de falar. Lutas Sociais, São Paulo, v.18 n. 32, p. 259-261, jan./jun. 2014.

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perseguidas/os políticas/os – o BM tem entre suas fundadoras Therezinha Zerbini; 2) o movimento contra a carestia, ou seja, contra o aumento do custo de vida, a inflação e a ausência de equipamentos públicos, em especial de creches, assuntos frequentes nas redes de mulheres e clubes de mães que se formavam nos meios populares; 3) as articulações das mulheres trabalhadoras, como as costureiras e as metalúrgicas, em especial o Congresso de Metalúrgicas, realizado em São Bernardo em 1978, somando-se à ebulição na região, tomada pelas greves do ABC; 4) denúncias contra os programas de controle de natalidade em larga escala implementados pelo governo, ao mesmo tempo em que se discutia o impacto da pílula anticoncepcional na saúde; 5) as estudantes que sofreram queimaduras com bombas lançadas pela Polícia Militar na invasão da PUC-SP em 1977, criticadas pelo coronel Erasmo Dias, Secretário de Segurança Pública do Estado de São Paulo, por usarem “calcinhas e sutiãs de náilon” em uma manifestação “ilegal”; e 6) a reivindicação de uma Constituinte livre e soberana; 7) o racismo como opressão; entre outros. Se dependesse exclusivamente das pautas e do público-alvo, avaliam as autoras, o BM e o Nós Mulheres até poderiam ser o mesmo jornal. No entanto, os bastidores contam outras histórias. Enquanto o BM reunia a esquerda que permaneceu no Brasil e era recém egressa das prisões, o Nós Mulheres – apresentado a partir da perspectiva de quem produzia o BM –, é visto como de esquerda, mas mais vinculado a exiladas que puderam retornar antes da Anistia. As divergências, que partiam das vivências de cada uma, traduziam-se em posicionamentos nos editoriais: no número zero, o BM se apresentava como um jornal pela equidade. Rachel Moreno conta que esse foi o estopim para publicar o Nós Mulheres, que já estava em gestação: “Abri [o jornal BM] e o editorial tinha assim: Este não é um jornal feminista! Bom a gente fechou e disse: não, nós temos que lançar um jornal feminista que

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se assuma enquanto tal”163.À época, a “questão da mulher” era vista pelas organizações de esquerda como algo menor e, por vezes, como um desvio ao enfrentamento principal, o de classes, como se as duas opressões não estivessem imbricadas. Muitas das participantes tinham dupla militância e precisaram provar que poderiam participar de um jornal enquanto mantinham outras tarefas. Para Moraes, o final da Década da Mulher iniciada pela ONU em 1975 foi marcado por “Campanhas nacionais denunciando a morte de mulheres por crimes „de honra‟, a denúncia do sexismo dos livros escolares, as campanhas contra o assédio sexual 164

. Ela ressalta que a transformação do contexto político resultante destas novas militâncias – em que o feminismo marcou presença – ampliou o cenário do embate político e a relação dos movimentos sociais com o Estado. A visibilidade e a capacidade de mobilização do feminismo político nos anos 70 reordenou de alguma maneira o espaço político.

No bojo do processo de redemocratização, a eleição de 1978 foi marcante. O CBDM, então mais próximo às marxistas, lançou uma “Carta às mulheres”, que trazia reivindicações que as candidaturas deveriam atender. Entre as reclamações gerais estavam anistia ampla e irrestrita, eleições livres e diretas, a instauração de uma Assembleia Nacional Constituinte e o fim da carestia. Entre as específicas, encontramos a criação de creches, ampliação e melhoria da merenda escolar na rede pública de ensino e igualdade salarial 165 – pautas que seriam mantidas na agenda das parlamentares nas décadas seguintes. Quatro mulheres chegaram à Câmara Federal, Cristina Tavares (MDB/PE, jornalista, foi assessora de Ulysses Guimarães, sendo responsável pela interlocução dele

163

TELES, Amelinha; LEITE, Rosalina Santa Cruz. Da guerrilha à imprensa feminista - a construção do feminismo pós luta armada no Brasil (1975-1980). São Paulo: Intermeios, 2013. p. 84. 164 Ibidem. 165 GOLDBERG, op.cit, p. 128, nota 155.

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com os movimentos sociais

166

); Júnia Marise (MDB/MG, advogada, jornalista e

professora); Lúcia Viveiros (MDB/PA, fundadora do Núcleo da Legião da Boa Vontade em Belém/PA, em 1954) e a já citada Lygia Lessa Bastos, da ARENA/RJ. Para as assembleias estaduais foram eleitas, no total, 20 mulheres. Mas o dado mais significativo não está tanto no sucesso eleitoral e sim nas candidaturas: enquanto nas eleições anteriores poucas mulheres pleitearam uma vaga no legislativo federal, nesta foram nada menos que 83167. Escolhido como sucessor do regime, o general João Figueiredo tomou posse em outubro e, em dezembro, extinguiu o AI-5, 10 anos após sua promulgação pelo general Costa e Silva. Em novembro de 1978 é fundado o Movimento Negro Unificado (MNU). Segundo Alex Ratts e Flavia Rios168, por haver uma vasta e diversificada cultura de sociabilidade negra espalhada pelo país, quando o movimento negro voltou a se fortalecer, na década de 1970, já existiam muitas associações, organizações e clubes negros ativos

Parte dessas associações e clubes negros assinou o Manifesto Negro Unificado contra a Discriminação Racial (MNUCDR), que foi lido publicamente em frente ao Teatro Municipal de São Paulo e marcou o nascimento do MNU. Da ascensão do movimento negro nesse período sairiam nomes que ocupariam a política institucional nas décadas seguintes, tais como Lélia González, Benedita da Silva e Luiza Barrios. “Daquele momento em diante”, afirmam Ratts e Rios, “as ruas das grandes capitais do país foram gradativamente se transformando em espaços de marchas, passeatas, caminhadas e atos

166

SECRETARIA DA MULHER DO ESTADO DE PERNAMBUCO. Cristina Taveres. Recife. Disponível em: . Acesso em: 14 ago. 2012. 167 RABAY, Gloria Freire; CARVALHO, Maria Eulina Pessoa. Participação da mulher no Parlamento brasileiro e paraibano. Revista ORG & DEMO, Marília, v.12, n.1, p. 81-94, jan./jun., 2011. p. 87. 168 RATTS, Alex; RIOS, Flavia. Lélia González. São Paulo: Selo Negro, 2010. p. 78.

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públicos contra o racismo”169. Sem pretender fazer uma ampla revisão histórica, cabe destacar ainda sobre esse momento o papel das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), que contribuíram para impulsionar a retomada das ocupações de terra. Essas mobilizações constituiriam a base para a fundação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) na década seguinte (em 1985), que terá a agricultora Luci Choinacki, de Santa Catarina, como uma de suas representantes no Parlamento. Em 1979, o governo decretou uma reforma que terminou com o bipartidarismo e trouxe de volta o pluripartidarismo. A ARENA reuniu-se em torno do Partido Democrático Social (PDS) e o MDB acrescentou um “P” à sigla, virando Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB). Seguiram-se as fundações do novo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), do Partido Democrático Trabalhista (PDT), do Partido Popular (PP) e do Partido dos Trabalhadores (PT). Vindas de diferentes setores, como dos movimentos negro, sem terra, pela anistia, dos grupos de exiladas e presas políticas e do feminismo, essas mulheres foram protagonistas da redemocratização. Sua atuação, dentro e fora da institucionalidade, foi fundamental no processo de abertura e na construção da Constituição de 1988.

1.5. Redemocratização e o lobby do Batom José Eustáquio Diniz Alves aponta que “até 1982, o número de mulheres eleitas para o Legislativo brasileiro poderia ser contado nos dedos da mão”170. Com avaliação

169

Ibidem, p. 85. ALVES, José Eustáquio Diniz. 80 anos do voto feminino. Agência Patrícia Galvão, São Paulo, 23 fev. 2012. Disponível em: 170

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semelhante, Ângela Borba afirma que “entre 1946 e 1982 não há alteração significativa na representação feminina no Congresso Nacional, a não ser pela presença de duas senadoras. [...] [Nem] nas assembleias estaduais” 171 . As duas senadoras a que Borba se refere, no entanto, eram suplentes e só ocuparam os cargos com o falecimento dos titulares. A primeira mulher a assumir uma cadeira no Senado, em 1979, foi Eunice Michiles (PDS), que posteriormente seria deputada federal constituinte. Ela era suplente do senador João Bosco, do Amazonas, que morreu durante a legislatura. Segundo Borba, Michiles dedicouse com empenho a questões de “interesse feminino”, como o direito à informação e à contracepção e defendeu a necessidade de um amplo debate sobre a descriminalização do aborto. A segunda mulher – e a primeira negra – a ocupar uma cadeira no Senado foi a médica Laélia de Alcântara (PMDB/AC) em 1981, em função do afastamento e, posteriormente, da morte do titular da vaga, Adalberto Sena. Nessa eleição para Senado havia sido implementada a Emenda Constitucional no 8, de 14/04/1977, que instituía a figura do “senador biônico”, em que metade da Casa foi indicada pelo governo militar e não eleita. Não era esse o caso das vagas ocupadas por Michiles e Alcântara. Em 1982, o Brasil experimentou a primeira eleição geral direta (exceto para o cargo de presidente da República) desde 1966. Foram eleitas oito mulheres para a Câmara Federal e 28 deputadas estaduais. Céli Pinto lembra que “a volta à normalidade política [...] levou as militantes feministas até então identificadas com o MDB a se dividirem entre PMDB e PT”172. A autora sublinha que, a partir daí, o movimento feminista caminharia em três campos complementares: conquista de espaços institucionais, por meio de Conselhos da Mulher e Delegacias da Mulher; formas alternativas de participação política, como a

. Acesso em: 15 ago. 2012. 171 BORBA, op.cit., p. 156, nota 127. 172 PINTO, op. cit., p. 68, nota 111.

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fundação de organizações não governamentais; e a ocupação de cargos eletivos – foco de nossa análise nessa tese. Desse momento também nasceram ou foram forjadas as bases para movimentos e organizações que se desenvolveriam nas próximas décadas, como Movimento de Mulheres Camponesas (MMC), União Brasileira de Mulheres (UBM), Marcha Mundial de Mulheres no Brasil (MMM), a secretaria de Mulheres do MST. Em 1984, uma reunião convocada pelo então governador de Minas Gerais Tancredo Neves (PMDB) e pela atriz e deputada estadual Ruth Escobar (PMDB/SP) juntou mulheres de todo o país com o objetivo de criar um órgão institucional para “discutir e desenvolver ações relativas ao movimento organizado de mulheres”173. No ano seguinte, foi criado o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher, sancionado em lei pelo novo presidente José Sarney (ex-ARENA e PDS, então no recém fundado Partido da Frente Liberal – PFL, um racha do PDS). Sarney assumiu a Presidência no lugar de Tancredo, eleito em janeiro e falecido em abril de 1985. Além de Escobar, participaram como conselheiras do CNDM Ruth Cardoso, Jackeline Pitanguy, Rose Marie Muraro, Lélia González e Benedita da Silva, entre outras. Vinculado ao Ministério da Justiça, o Conselho tem orçamento próprio e autonomia administrativa e suas cadeiras são preenchidas por meio de voto das entidades, redes e organizações habilitadas pelo governo. As conselheiras são divididas entre 14 oriundas de redes e articulações feministas e de defesa dos direitos das mulheres; e 7 vindas de organizações de caráter sindical, associativa, profissional ou de classe174. Céli Pinto destaca que175

173

RATTS; RIOS, op. cit, p. 105, nota 168. MINISTÉRIO DA JUSTIÇA (Brasil). Conselho Nacional dos Direitos da Mulher define representantes, 25/04/2014.Disponível em . Acesso em: 25/12/2014. 175 PINTO, op. cit., p. 72, nota 111. 174

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Entre 1985 e 1989, o CNDM tratou de quase todos os temas que centralizavam a luta feminista brasileira, desde questões consensuais como a luta por creches até as polêmicas ligadas à sexualidade e ao direito reprodutivo. Entretanto, sua maior e mais bem-sucedida intervenção aconteceu junto à Assembleia Nacional Constituinte, êxito concretizado na própria Constituição de 1988.

Em 1985, estava em curso uma campanha nacional em prol de uma nova Constituição democraticamente construída. O CNDM lança então a campanha “Mulher e Constituinte”, cujo lema, nos lembra Salete Maria da Silva, era “Constituinte prá valer tem que ter palavra de mulher”176. Faço uma breve observação em relação ao uso do “prá”: sendo Lélia González integrante do CDNM, é inevitável não pensar que ela tenha participado na escolha desse termo, comumente utilizado no que chamava de “pretuguês”. González dizia que a cultura brasileira “é uma cultura negra por excelência, até o português que falamos aqui é diferente do português de Portugal. Nosso português não é o português, é o „pretuguês‟”177. Mesmo em textos acadêmicos – González era professora universitária – ela não abria mão uso do “prá”178, entre outras palavras, uma atitude bastante corajosa. “Palavra de mulher” também é uma expressão que merece reflexão: oque as conselheiras do CDNM entendiam como uma fala “de mulher”? Haveria, para elas, apenas uma única opinião? E a fala das mulheres seria diferente daquela dos homens? Em quê? Dado o intenso processo nacional de debates que antecedeu a Constituinte 179 , não me

176

SILVA, op.cit., p. 42, nota 42. RATTS; RIOS, op. cit, p. 72, nota 168. 178 GONZÁLEZ, Lélia. Racismo e sexismo na cultura brasileira. In: Revista Ciências Sociais Hoje, Anpocs, p. 223-244, 1984. 179 “O CNDM desdobrou-se no sentido de dar assistência aos Conselhos estaduais e municipais da condição feminina, bem como, onde estes não existissem, às diversas entidades e grupos de mulheres dos mais variados estados da federação. O resultado deste trabalho foi a surpreendente realização, de maneira criativa e bastante eficaz, de inúmeros atos públicos, seminários, debates, palestras, e atividades artísticas e culturais pelo Brasil afora”.. SILVA, op.cit., p. 137, nota 42. 177

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parece que elas entendiam-se como uma unidade, como o slogan poderia dar a entender. Mas há uma compreensão de um papel diferenciado que as mulheres poderiam cumprir na elaboração da nova Carta. De acordo com Silva180, Esta campanha favoreceu discussões e debates entre as mulheres, durante meses, por todo o país, resultando na elaboração da Carta das Mulheres aos Constituintes, que fora entregue ao Congresso Nacional no dia 26 de agosto de 1986, pelas mãosde mais de mil mulheres, numa atuação que, no processo constituinte, ficoupublicamente caracterizada como o lobby do batom.

A Carta das Mulheres, aponta Silva, continha demandas históricas das mulheres por plena cidadania e tinha como objetivo maior inserir na Constituição “preceitos legais que permitissem mudanças nas relações entre mulheres e homens; construindo, assim, a partir do compromisso estatal, um novo paradigma social”181. Para a legislatura 1986-1990, que conformaria a Assembleia Nacional Constituinte, foram eleitas 26 mulheres, ou seja, mais do que o triplo em relação à eleição anterior. Fanny Tabak, porém, ameniza a conquista de 1986:182 Esse número tem que ser relativizado, pois correspondia a somente pouco mais de 5% do total de deputados para a Câmara Federal. Existe ainda o agravante de que nenhuma mulher foi eleita para o Senado. Ou seja, a nova Constituição que seria elaborada no país, e que se presume deveria prepará-lo para ingressar no século XXI, teve a colaboração de um número extremamente reduzido de mulheres.

A região Norte foi a que mais se destacou, com 8 representantes em um total de

180

Ibidem, p. 42. SILVA, op.cit., p. 25, nota 42. 182 TABAK, Fanny. Mulheres públicas – participação política e poder. Rio de Janeiro: Letra Capital, 2002. p. 156. 181

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49. Já o Sul não elegeu uma mulher entre seus 77 representantes. Chama atenção a diferença entre as duas regiões já que o Sul é considerado, em geral, economicamente mais desenvolvido

183

– não entrarei aqui no mérito do problemático conceito de

“desenvolvimento” – e com grau de politização mais alto – mais acesso à informação, escolaridade mais alta e alto interesse pela política e valorização da institucionalidade democrática 184 –, ao contrário do Norte. O Sudeste, com 169 eleitos, teve apenas 7 mulheres. O Nordeste, com 151, elegeu também 7. E o Centro-Oeste tinha 3 mulheres entre seus 141 deputadas/os constituintes185. As 26 constituintes estavam divididas em 9 partidos distintos: PMDB (11); PFL (6); PT (2) e PDS (2); tinham uma deputada cada um PDT, PSB, PSC, PTB e PCdoB – que voltou à legalidade em 1985. Os dois partidos com mais votos, PMDB e PFL, constituíam a Aliança Democrática que dava sustentação ao governo. Posteriormente, 7 delas migraram para o PSDB, fundado em junho de 1988. Desse grupo, permaneciam no Congresso Nacional no momento de redação dessa tese as hoje senadoras Lídice da Mata (PSB/BA) e Lúcia Vânia (PSDB/GO) e as deputadas Benedita da Silva (PT/RJ) e Rose de Freitas (PMDB/ES), primeira mulher a ocupar a 1ª vice-presidência da Câmara dos Deputados186. Apesar das diferenças ideológicas, as 26 mulheres constituintes reuniram-se na

183

A generalização não torna visível as contradições internas às macrorregiões. Enquanto Belém, capital do Pará, no Norte, figura entre as cidades mais desenvolvidas, o vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais, Sudeste, permanece à margem do desenvolvimento econômico. CHEIN, Flavia; LEMOS, Mauro Borges; ASSUNÇÃO, Juliano Junqueira. Desenvolvimento desigual: evidências para o Brasil. Rev. Bras. Econ. Rio de Janeiro, v. 61 n.3, p. 301-330, jul/set. 2007, p. 304. 184 CARDOSO, A.M.; COMIN, A.A. Centrais sindicais e atitudes democráticas. RevistaLua Nova, LOCAL, n. 40/41, p.167-192, agosto, 1997. p. 181-182. 185 SAMPAIO, Marcondes. Há 25 anos era eleita a Assembleia Nacional Constituinte, Brasília, 1º fev. 2007. Disponível em: . Acesso em 20 ago. 2012. 186 CÂMARA DOS DEPUTADOS (Brasil). Constituição Federal - 25 anos, Brasília, 2013. Disponível em: . Acesso em: 20/08/2014.

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Bancada Feminina, que “não obstante este desequilíbrio na distribuição e exercício do poder entre os e as parlamentares, [...] contribuiu de modo decisivo para a inserçãodas demandas das mulheres nos diversos momentos e espaços de sua atuação na ANC”, analisa Silva187. A discriminação foi o fator agregador. Apenas seis delas já haviam sido deputadas e nenhuma havia participado enquanto tal da elaboração de uma nova Constituição. “Não resta dúvida”, diz Silva, “que se encontravam como „estranhas no ninho‟, tendo, desde o princípio, experimentado o estranhamento e, sobretudo, a „inadequação feminina‟ no espaço da ANC”188. De acordo com Ana Alice Costa189, Foi na defesa das propostas do movimento de mulheres que esse grupo [de deputadas constituintes] se destacou e mereceu o reconhecimento de todas as mulheres do país. Atuando como um verdadeiro “bloco de gênero”, a bancada feminina, independentemente de sua filiação partidária e de seus distintos matizes políticos, que iam da esquerda radical à extrema direita, superando suas divergências ideológicas, apresentou, em bloco, a maioria das emendas propostas de forma suprapartidária, garantindo a aprovação, na nova Constituição, de aproximadamente 80% das demandas do movimento de mulheres.

O grupo de pressão capitaneado pelo CNDM durante a Constituinte ficou conhecido como lobby do batom, uma denominação pejorativa dada por alguns deputados e que foi apropriada pelas mulheres – movimentos semelhantes de ressignificação de expressões degradantes ocorreram nos Estados Unidos com as palavras “gay”, “queer” e “slut” (vadia). Em entrevista para Silva, Schuma Schumaher, secretária-executiva e diretora de articulação política do CNDM, lembra que190:

187

SILVA, op. cit., p. 208-209, nota 42. SILVA, op.cit., p. 203, nota 42. 189 COSTA, 1998b, p. 117. 190 SILVA, op. cit., p. 94, nota 42. 188

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um dia nós estávamos num corredor, andando pelas comissões, tinha um grupo de quatro ou cinco deputados, e aí a gente escutou um cara falar com os outros, “hum, lá vem o lobby do batom” […] a gente na hora ficou muito nervosa, queria brigar (…) fazer uma carta, denunciar o deputado (…) isso durou uns dois dias, até que a gente foi mastigando essa bronca e nos veio a luz. E então falamos assim: vamos transformar essa afirmação, que é uma afirmação ofensiva, pejorativa, numa afirmação, numa coisa que dê visibilidade política, que dê uma força política. (…) e aí a gente chamou a nossa agência de propaganda e pedimos para fazer, num primeiro momento, adesivos para as pessoas, para os carros, tudo escrito assim: “lobby do batom”.

Chama a atenção o fato de elas terem contratado uma agência de propaganda, o que demonstra seu elevado grau de organização para o lobby e, ao mesmo tempo, que tinham estrutura financeira à disposição. À Bancada Feminina, denominou-se, por extensão, a “Bancada do Batom”. O resultado fez com que “esta Lei das leis, ao contráriode suas antecessoras, comporte, expressamente, uma perspectiva de gênero”, afirma Silva191. Tanto que, em seu artigo 5o, parágrafo primeiro, a Constituição afirma que “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações”, algo até então inexistente no ordenamento jurídico brasileiro192. Silva destaca a atuação do “movimento feminista” nesse processo como “ator social interessado na redemocratização” e na cidadania das mulheres:193 O movimento feminista brasileiro [...], levando em conta o momento histórico, consciente de sua responsabilidade e capacidade mobilizadora, conforme consta dos termos da Campanha Mulher e Constituinte, envidar todos os esforços possíveis, para inscrever não apenas nas páginas de história, mas do próprio texto constitucional brasileiro, as demandas específicas das mulheres, convertidas em direitos fundamentais, vez que,

191

Ibidem, p. 37. RODRIGUES; CÔRTES, op.cit., p. 12, nota 44. 193 SILVA, op. cit., p. 111, nota 42. 192

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como membros da sociedade brasileira, a estas também deveriam ser garantidas todas as prerrogativas sociais inerentes a sua condição de humanas.

Moraes comenta algumas mudanças fundamentais nas relações jurídicas em relação à família194: O artigo 226 da Constituição Federal de 1988 desmantelou toda a estrutura jurídica patriarcalista do Código Civil de 1916, baseado no Direito Canônico e que fazia do casamento o único modo de constituição de uma família. A família que aparece na Constituição de 1988 fundamenta-se no princípio de igualdade entre homens e mulheres, sendo que ambos os cônjuges têm os mesmos direitos e deveres. Também fica estabelecido o princípio da igualdade jurídica entre todas as crianças, nascidas ou não dentro de um casamento, naturais ou adotadas. Ademais, a família legal inclui a comunidade formada por um dos pais e sua progenitura, existindo o reconhecimento de diferentes situações familiares.

Não há, no artigo 226, uma definição de família, mas afirma-se que ela é a “base da sociedade”. Consta ainda que o casamento é civil (artigo 1 o), mas que o religioso também tem efeitos nos termos da lei (artigo 2o). É reconhecida a união estável, no artigo 3o, entre “homens e mulheres”. A não menção a “homens e mulheres” nos artigos 1 o e 2o não se deve a uma abertura a casais homossexuais, mas sim à presunção de que todos os casais seriam heterossexuais. O avanço, como sublinha Moraes, é no artigo 4o, que compreende como “entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes”; e no artigo 5o, que prevê a igualdade de direitos e deveres: “os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher”. Apesar de poder ser interpretado como uma redistribuição igualitária das tarefas no seio familiar, é muito

194

MORAES, op. cit., p. 119, nota 149.

70

vago o significado desses “direitos” e “deveres”. “A abordagem „da família‟ na Constituição [...] indica que os assuntos sobre a lei não têm a ver apenas com questões de Estado, mas que reflete e regula também a moral privada e pública”, reflete Ochy Curiel Pichardo ao analisar, à luz de Michel Foucault, a Constituinte colombiana de 1991 195, o que é válido também para o Brasil. Assim, desse trecho da Constituição é possível apreender ainda que permanece a pressuposição da heterossexualidade. “Definir se as relações de parentesco são legítimas ou não” é uma influência das “ideologias de quem dita as leis”, unificadas ao discurso científico e eclesiástico, afirma Pichardo196. A Constituição garante ainda, no que diz respeito à Previdência Social, proteção à maternidade com pagamento de salário integral durante a licença; e a manutenção da diferença de 5 anos entre homens e mulheres para a aposentadoria em função da diferença de tarefas domésticas entre uns e outras197. Nas décadas seguintes, conforme as mulheres permaneceram em número cada vez maior no mercado de trabalho e, em especial, depois que galgaram posições de destaque nele, o reconhecimento da dupla jornada de trabalho pela Constituição voltou a ser questionado pelos homens, como se a ampliação da experiência profissional formal correspondesse automaticamente a uma diminuição das tarefas domésticas e de cuidado. Em relação à Habitação, foi estabelecido que os títulos de domínio e a concessão de uso poderiam ser conferidos ao homem, à mulher ou a ambos independentemente de seu estado civil 198 . Na área de Educação, “a consideração da educação infantil, mediante creches e pré-escolas para crianças de 0-6 anos, foi um grande avanço”199. Sobre a Saúde, a Constituição foi “bastante avançada ao prever o planejamento

195

PICHARDO, op. cit., p. 96, nota 5. Ibidem. 197 RODRIGUES; CÔRTES, op. cit., p. 28-29, nota 44. 198 Ibidem, p. 31. 199 Ibidem, p. 24. 196

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familiar como livre decisão do casal, cabendo ao Estado proporcionar recursos educacionais e científicos para o seu exercício”200. A descriminalização ou legalização do aborto, apesar de discutidas, não foram aprovadas. No capítulo 4, em que tratarei de direitos sexuais e reprodutivos, comentarei esse ponto.

1.6. Consolidação da Bancada Feminina e a presidenta No pleito seguinte, em 1990, 29 mulheres foram eleitas para a Câmara Federal e uma para o Senado. Em 1994, 32 mulheres foram eleitas deputadas federais e seis senadoras. Em 1998, houve uma diminuição: 29 mulheres foram para a Câmara Federal e a apenas duas para o Senado. Em 2002, foram 42, e seis senadoras. Em 2006, 46 deputadas e quatro senadoras; e 2010, 44 deputadas e oito senadoras201. Abaixo, a evolução do número de mulheres nas Assembleias Legislativas Estadual e Federal:

Gráfico 3. Evolução das mulheres nas Assembleias Legislativas Estadual e Federal 1974-2006.

200 201

Ibidem, p. 21. TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL, 2010 apud MAIS MULHERES NO PODER, 2010.

72

ALVEZ, CAVENAGHI, op. cit., nota 10; Fonte dos dados: IBAM, 1997 e TSE, 2006.

Ao lado do aumento numérico significativo em relação às décadas anteriores, outro elemento permaneceu a partir da legislatura 1986-1990: a atuação enquanto Bancada Feminina, que detalharei no capítulo 3. Outro ponto relevante é que, em 1995, foi implementada a Lei nº 9.100 de cota mínima de 20% de candidatas mulheres, posteriormente ampliada para 30% com a Lei nº 9.504 de 1997. A primeira tentativa de inserir um artigo desse tipo na legislação eleitoral foi em 1993, numa emendade autoria do deputado Marco Penaforte (PSDB/CE). “Naquela época a propostafoi rejeitada, sem discussão. As próprias organizações do movimento de mulheresestiveram ausentes do debate. A questão do empoderamento, não era ainda [...] central”, lembra Sônia Malheiros Miguel202. Em 1995, após participar de um encontro das

202

MALHEIROS, Sônia Miguel. A política de cotas por sexo: um estudo das primeiras experiências no Legislativo brasileiro. Brasília: CFEMEA, 2000. p. 24.

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mulheres do Parlamento Latino-Americano (Parlatino), a deputada federal Marta Suplicy (PT/SP) propôs um projeto de lei com 30% de cotas para as eleições municipais seguintes, de 1996. Ao anunciá-lo, Marta falou sobre o encontro do Parlatino: “ação afirmativa é [...] um instrumento adotado em muitos países. Demorei para ser convencida disso, mas agora não tenho a menor dúvida. É o caminho para que consigamos transformar efetivamente a situação da mulher nesse país”203. Marta Suplicy apresentou o projeto de lei com a assinatura de outras 26 deputadas – em um total de 29 mulheres eleitas: Esther Grossi (PT/RS), Marinha Raupp (PMDB/RO), Alzira Ewerton (PSDB/AM), Ceci Cunha (PSDB/AL), Maria Elvira (PMDB/MG), Nair Xavier Lobo (PMDB/GO), Cidinha Campos (PDT/RJ), Elcione Barbalho (PMDB/PA), Fátima Pelaes (PFL/AP), Jandira Feghali (PCdoB/RJ), Maria Valadão (PFL/GO), Ana Júlia (PT/PA), Marisa Serrano (PMDB/MS), Socorro Gomes (PCdoB/PA), Tete Bezerra (PMDB/MT), Yeda Crusius (PSDB/RS), Simara Ellery (PMDB/BA), Zila Bezerra (PFL/AC), Zulaiê Cobra Ribeiro (PSDB/SP), Marilú Guimarães (PFL/MS), Alcione Athayde (PPB/RJ), Sandra Starling (PT/MG), Laura Carneiro (PFL/RJ), Telma de Souza (PT/SP), Conceição Tavares (PT/RJ) e Lídia Quinan (PMDB/GO). Como pode-se ver pela lista, são parlamentares que vão da direita (PFL) à centro-esquerda (PT e PCdoB), o que indica que a proposta de Marta Suplicy contava com o apoio de um amplo espectro ideológico. No Senado, uma emenda baixou a cota mínima para 20%. Os parlamentares adotaram posições variadas sobre o tema, mas o PPS foi o único que votou em bloco contra a emenda por ser contra “qualquer forma de intervenção na autonomia partidária”, como justificou o então deputado Sérgio Arouca (PPS/RJ) 204 . Em 1997, novamente por uma

203 204

Ibidem, p.41. Ibidem, p. 44.

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proposta de Marta Suplicy, a lei para as eleições de 1998 aumentou para 30% a reserva de vagas por sexo para cargos proporcionais, estabelecendo também uma cota máxima de 70%. Ainda que o sucesso eleitoral das mulheres não tenha sido substancialmente ampliado, a existência dessa medida de ação afirmativa “provocou movimentos no sentido de trazer as mulheres para dentro dos partidos e instrumentalizá-las para a vida política”205, afirma Céli Pinto. Para ela, “se antes as mulheres eram barradas nas listas partidárias, agora os partidos buscam mulheres para compô-las. Isso, entretanto, não garantiu qualquer condição de disputa real por cargos eletivos” 206 . Isso porque as cotas não são para eleitos/as, mas sim para candidaturas. Não há, portanto, uma reserva de vagas no Parlamento, como ocorre com a paridade. Em 2000, as mulheres passaram a ser a maioria do eleitorado (IPEA, 2010). Estudos anteriores demonstraram que a participação eleitoral das mulheres não diferia da dos homens 207 , mas havia preconceito de parte do eleitorado feminino em votar em mulheres. Segundo Tatau Godinho, pouco mais da metade das mulheres brasileiras consideram que a política influencia a sua vida, mas 42% acreditam que não influenciam e 23% não lhe atribuem nenhuma importância. Ainda para Godinho208 Instadas a dar sua opinião sobre as mulheres que governam, desta vez a idade tem forte incidência sobre a afirmação da capacidade das mulheres. As jovens e adultas até 34 anos são as mais confiantes: 63% consideram que as mulheres estão preparadas para governar em todos os níveis: o país, o estado, a cidade; entre as mulheres acima de 60 anos, apenas 43%

205

PINTO, Céli. Paradoxos da participação política da mulher no Brasil. Revista USP, São Paulo, n. 49, p. 98112, março/maio. 2001. p. 102. 206 Ibidem. 207 AVELAR, 1989,apud SANTOS, op.cit., p. 3, nota 42. 208 GODINHO, Tatau. Democracia e política no cotidiano das mulheres brasileiras. In VENTURI, Gustavo; RECAMÁN, Marisol; OLIVEIRA, Sueli (Org.). A mulher brasileira nos espaços públicos e privados. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2004, p. 158.

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concordam com tal afirmação. A taxa é ainda menor entre as mulheres que nunca foram à escola (34%), mas atinge 87% entre as mulheres com curso superior ou mais. O que se destaca, de todas as formas, é o que tais índices espelham, ou seja, a significativa quantidade de mulheres que ainda aceitam a direção política como tarefa a ser desempenhada pelos homens.

Em 2003, com a vitória do Partido dos Trabalhadores (PT) para a Presidência da República, foi criada a Secretaria de Políticas para as Mulheres, no governo de Luiz Inácio Lula da Silva. Desde sua fundação, o PT foi um espaço de articulação das feministas e foi o primeiro partido a adotar cotas, de 30%, para os cargos de direção, em 1991. Em 2010, com a lei 12.314/2010, a SPM passou a gozar do mesmo status que os Ministérios, mas tendo orçamento e estrutura muito inferiores a esses. Em 2010, é realizada a eleição da primeira mulher à Presidência da República, Dilma Rousseff, também do PT. Sobre esse último momento, José Eustáquio Diniz Alves observa que “com a alternância de gênero no Palácio do Planalto, o número de ministras cresceu e aumentou a presença de mulheres na presidência de empresas e órgãos públicos, como no IBGE e na Petrobrás”209. Ressalta-se aqui a presença Gleisi Hoffmann na chefia da Casa Civil e de Ideli Salvatti como ministra da Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República, dois cargos-chave na articulação política do governo federal com o Legislativo durante o mandato de Dilma Rousseff.

1.7. Algumas considerações Pela trajetória da participação das mulheres na política institucional, relatada brevemente acima, é possível notar que, desde o início, elas problematizaram a natureza do

209

ALVES, op. cit., nota 170.

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funcionamento dessa democracia e, por meio de precedentes jurídicos e mobilizações, pressionaram por seu ingresso nela. A questão que as movia passou a ser outra: por que, mesmo com o direito de participar dos pleitos, elas permaneceram em um número significativamente inferior aos homens, não ultrapassando cinco ou seis eleitas para o Congresso Nacional? No capítulo a seguir, discutirei algumas dificuldades para as mulheres competirem eleitoralmente. No entanto, é possível detectar desde já que é a partir do final da década de 1970, com o fortalecimento dos movimentos de mulheres e feministas, que a participação institucional é impulsionada e, sobretudo, respaldada, o que culmina na inscrição de diversas demandas específicas das mulheres na Constituição de 1988. Como afirma Silva210 O processo constituinte, para as mulheres brasileiras, começou muito antes da instalação da Constituinte em si, haja vista que, no caso destas, a construção de seus direitos e, com estes, a conquista da cidadania, não foi algo que se articulou exclusiva e formalmente no âmbito do poder institucional, mas se deu como uma construção social e histórica, de caráter feminista, paulatinamente tecida, ora silenciosa, ora ruidosamente, nas esferas públicas e privadas do país.

Ao fazer um balanço dos assuntos tratados pelas parlamentares desde o Estatuto da Mulher, proposto por Bertha Lutz em 1936, nota-se que alguns são recorrentes como, por exemplo, criar possibilidades para ampliar a participação política das mulheres; garantias para o cuidado com as/os filhas/os – licenças maternidade e paternidade, creche etc.; e o mercado de trabalho – da não interferência do marido até a contestação das diferenças salariais para a ocupação dos mesmos postos de trabalho e o trabalho doméstico. A partir da segunda onda do feminismo, o direito ao aborto torna-se também uma pauta

210

SILVA, op. cit., 196, nota 42.

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debatida no Parlamento. Todos esses pontos remetem à divisão sexual do trabalho e ao discurso de Natureza, que coloca o grupo dominante, os homens, como a referência abstrata da igualdade211. Saffioti questiona se as leis deveriam ser iguais para homens e mulheres quando “se sabe que estas últimas sofrem mais vexatórias discriminações” e conclui pelo princípio da isonomia, ou seja, pela necessidade de um Direito desigual no tratamento de seres humanos socialmente desiguais, com objetivo de eliminar, ou pelo menos reduzir, as desigualdades. Se as mulheres já se defrontam com grandes dificuldades de reter seus empregos quando se casam ou engravidam, qual seria sua situação caso as leis não proibissem sua demissão em razão do casamento e da gravidez? Seguramente, a condição da mulher seria pior.

Assim, no Parlamento brasileiro, parece-me que as mulheres estiveram e estão diante da “antinomia entre o „direito natural‟ [...] e a „lei natural‟” em um espaço onde elas podem intervir sobre o fato empírico de serem sujeitos “diferentes”212. Dessa maneira, sua atuação no Legislativo, seja como grupo de pressão, seja como uma Bancada, buscaria construir um Direito desigual. No capítulo 3, ao analisar mais detalhadamente a atuação da Bancada Feminina na legislatura 2011-2014, também discorrerei mais sobre esse que ficou conhecido como o “dilema de Mary Wollstonecraft”.

211 212

VARIKAS, Eleni. Igualdade. In: HIRATA, et.al., op.cit., p. 119-120, nota 58. VARIKA, op.cit., p. 118, nota 58.

78

Capítulo 2

Práticas sociais e gênero no Legislativo

Para analisar a Bancada Feminina da Câmara Federal, objeto dessa pesquisa, considero ser necessário observar três dimensões distintas: 1) as agentes sociais individuais; 2) a organização; e 3) o sistema social geral. Claus Offe apresenta essas três dimensões ao estudar organizações de interesse externas ao Legislativo, mas acredito que tal abordagem possa ser estendida também aos grupos internos a ele213. No caso da Bancada Feminina, por sua filiação ser calcada na biologia, como apresentarei a seguir, não é possível considerá-la exatamente como um grupo apenas de interesse, mas certamente ela se configura como um grupo. De acordo com o autor, “a forma e o conteúdo concretos da representação de interesse organizada é sempre um resultado do interesse mais a oportunidade mais o status individual”214, ou seja, uma somatória dos parâmetros ideológicos, econômicos e políticos, cujo peso é relativo dependendo do momento histórico observado. Assim, no segundo capítulo procurarei tratar do sistema social geral, “das formas e as práticas institucionais que são proporcionadas ao grupo de interesse pelo sistema político e que conferem um status particular à sua base de operação”. 215 Minha intenção foi compreender como as estruturas sociais operam na prática cotidiana das legisladoras. No capítulo 3, abordarei as agentes sociais individuais – suas intenções, valores e expectativas – e a organização da

213

OFFE, Claus. Capitalismo desorganizado. 2. ed. São Paulo: Brasiliense, 1994, p. 223. Ibidem, p. 225. 215 Ibidem, p. 224. 214

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Bancada Feminina – a produção de seus recursos, crescimento, burocratização e diferenciações internas, assim como suas relações com outras organizações, sejam elas o grupo de homens, outras bancadas, frentes parlamentares, partidos políticos ou entidades e instituições externas ao Parlamento brasileiro. Além do gênero, entre os políticos em tempo integral 216 há, assim como na sociedade que representam, diferenciações tais quais as partidárias, ideológicas, de classes sociais, de etnia, geracionais e de origem geográfica 217 –a Câmara Federal deveria representar diretamente o povo enquanto o Senado, os Estados. Porém, os/as deputados/as não são representantes nacionais, eleitos na circunscrição do país, mas compõem bancadas estaduais de deputados federais, “o que faz com que estes também se vejam como representantes das unidades da Federação no plano nacional”. Tais dimensões estão imbricadas e têm, para cada legislador/a, um peso distinto, o que faz com que seus mandatos sejam próximos de determinadas áreas temáticas e distantes de outras, ou que se posicionem mais à esquerda, ao centro ou à direita 218. No caso da dimensão de gênero, ela é comumente analisada no interior das demais, como uma especificidade que as mulheres teriam – o mesmo estende-se, acredito, para a questão étnico-racial. Estudá-las como particularidades, porém, pressupõe também a existência e um modelo geral ao qual elas seriam comparadas. “E aí tocamos no coração do problema”, diz Danièle Kergoat, porque o que seria o modelo neutro de ser humano “nada mais é que

216

Quando falo em tempo integral penso aqui na definição de Max Weber sobre as pessoas que vivem para e da política. Obviamente esse não é o caso de todas/os parlamentares analisadas/os: há aquelas/es cuja renda independe de sua remuneração no Parlamento. WEBER, Max. A política como vocação. In: WRIGHT MILLS, C. E GERTH, H.H. (Org.).Ensaios de Sociologia. Rio de Janeiro: Guanabara,1982. 217 CINTRA, Antônio Octavio; LACOMBE, Marcelo Barroso. A Câmara dos Deputados na Nova República: a visão da Ciência Política. In: AVELAR, Lúcia; CINTRA, Antônio Octavio. Sistema Político Brasileiro: uma introdução. Rio de Janeiro: Konrad-Adenauer-Stiftung; São Paulo: Unesp, 2007. p. 146. 218 LEONI, Eduardo. “Ideologia, Democracia e Comportamento Parlamentar: A Câmara dos Deputados (1991-1998)”. In: DADOS – Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, Vol. 45, nº 3, p. 361-386, 2002.

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um discurso masculino sobre práticas masculinas”.219 No artigo citado, Kergoat analisa o operariado, mas acredito que suas considerações possam ser estendidas para a política institucional. Em “Notes pour une définition sociologique des catégories de sexe”, NicoleClaude Mathieu reflete sobre as condições em que as categorias emergem, comparando o “sexo” a classe social e a geração. Ela percebe que, por vezes, não há uma marcação diferenciada de categorias de “sexo” e quando há, as mulheres são relegadas a observações de rodapé ou são consideradas “modalidades particulares de pertencimento de sexo em um dado domínio”220, o que é recorrente na Sociologia Política. O oposto também é problemático, alerta Mathieu: há pesquisas que tomam as mulheres como único sujeito de estudo – “tentando definir seu estatuto legal, jurídico ou cotidiano nos principais aspectos da realidade social: estatuto matrimonial, cívico, „condição‟ da mulher, trabalho feminino, papel da mulher etc.”221 –, perdendo de vista seu caráter relacional. Segundo Mathieu, as sociólogas mulheres produzem a maior parte das pesquisas que se consagra a apenas uma das duas categorias sexuais. Os sociólogos homens fazem a maioria dos estudos teóricos ou descritivos gerais, em que não há alusão à categoria sociológica de “sexo”222. Como já citado, apesar da vantagem epistemológica de partida das pesquisadoras mulheres, elas podem incorrer numa particularização, justamente um mecanismo do sistema de pensamento da sociedade global. Em outro artigo, “Homme-culture et femme-nature?” (Homem-cultura e mulher-cultura), Mathieu afirma que em uma relação sociológica concreta, quem detém o

219

KERGOAT, 2012, p. 34. MATHIEU, 2013, p. 27. 221 Ibidem. 222 Ibidem, p. 30. 220

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poder, detém a palavra. E este “quem”, no caso, são os homens223. Assim, tentarei escutar as mulheres – na Ciência Moderna, ressalta Boaventura de Sousa Santos,fomos treinados para não “escutar” os “outros” e as “outras”224. Explorarei também dados quantitativos para examinar se há uma ocupação distinta entre homens e mulheres nos postos diretivos da Câmara dos Deputados. O intuito é entender como a divisão sexual do trabalho se expressa em práticas sociais. Conforme a definição de Kergoat, isso contribui225 - para permitir ir do abstrato ao concreto (o grupo, o indivíduo); - para definir os atores diferentemente do que como puros produtos das relações sociais estruturais; - para poder pensar simultaneamente o material e o simbólico; - para restituir aos atores sociais o sentido de suas práticas, para que o sentido não seja dado do exterior por um puro determinismo.

2.1. Vozes insistentes, vozes repetitivas Nos próximos itens, apresentarei relatos recolhidos por mim, mas também de pesquisas anteriores, desde 1982, ou seja, do período da redemocratização até 2014. Acredito que seja importante avaliar a recorrência de determinadas falas, uma vez que, após a revisão bibliográfica e as entrevistas de campo, pude perceber que havia mais semelhanças do que diferenças entre o que escutei e aquilo que havia lido em estudos

223

MATHIEU, Nicole-Claude.Homme-culture et femme-nature?. L’Homme, Paris, v. t. 3, n. 13, p. 101-113, jul/set, 1973, p. 102-103. 224 SANTOS, Boaventura de Sousa. Por que as epistemologias do Sul?. Coimbra, 14 mar. 2014. Aula Magistral ofertada aos alunos do Centro de Estudos Sociais, Universidade de Coimbra. 225 KERGOAT, 2012, p. 104.

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prévios. Para não incorrer em uma mera repetição de dados, opto então por traçar esses paralelos, demonstrando, outrossim, suas divergências. Os relatos estão em: a) Duas pesquisas de Fanny Tabak 226 nos anos 1980. A primeira pesquisa realizada por Tabak no Núcleo de Estudos sobre a Mulher (NEM) da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ) traçou um perfil das vereadoras eleitas em 1982. O estudo foi feito em 11 estados que tinham um total de 1179 vereadoras. Deste universo, 87 responderam aos questionários, enviados pelos Correios. As perguntas versavam sobre idade; estado civil; atividade profissional; nível de instrução; razões para optar pelo mandato; início da carreira política; motivo de escolha da legenda; votação obtida; características da campanha; e ação parlamentar. Sua segunda pesquisa, feita para a Unesco em 1986, analisou, por meio de entrevistas, as 48 candidatas a deputadas constituintes pelo estado do Rio de Janeiro. O texto final traz também apontamentos e considerações de Tabak sobre as deputadas eleitas pelos demais estados da Federação.

b) Anais do Congresso na Constituinte

227

, de 1988, que reúne

pronunciamentos feitos na tribuna da Câmara Federal pelas deputadas constituintes228. c) A tese de Doutoramento de Rita Luzia Occhiuse dos Santos, “A

226

TABAK, op.cit., nota 182. CÂMARA DOS DEPUTADOS. Mulheres Constituintes de 1988. Brasília: Departamento de Taquigrafia, Revisão e Redação Coordenação de Histórico de Debates, 2011. 228 Ibidem. 227

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participação da mulher no Congresso Nacional Constituinte de 1987 a 1988” 229 , defendida em 2004.Santos entrevistou as então deputadas federais Rita Furtado (PFL/RO), Raquel Cândido (PFL/RO), Benedita da Silva (PT/RJ), Rita Camata (PMDB/ES), Eunice Michiles (PFL/AM), Maria de Lourdes Abadia (PFL/DF), Lídice da Mata (PCdoB/BA), Ana Maria Rattes (PMDB/RJ), Sandra Cavalcanti (PFL/RJ), Lúcia Braga (PFL/PB) e Myriam Portella (PSD/PI). De maneira geral, os questionamentos colocados às parlamentares foram sobre como elas ingressaram na carreira parlamentar; quais foram as experiências que as levaram a candidatarem-se ao Legislativo; quais foram os fatores que, direta ou indiretamente, interferiram na participação das deputadas constituintes na atividade parlamentar. d) O estudo “Mulheres na Política, Mulheres no Poder”, publicado por Miriam Grossi e Sônia Miguel Malheiros na Revista de Estudos Feministas em 2001230. Essa pesquisa é decorrente de uma reunião de depoimentos e falas dos/as participantes no Seminário “Mulheres na Política – Mulheres no Poder”, a partir das notas taquigráficas da Câmara dos Deputados. Segundo as autoras, “o seminário teve como proposta avaliar as primeiras experiências com a política de cotas [...] e pensar outras estratégias para o empoderamento das mulheres” 231 . O evento foi organizado pelo Centro Feminista de Estudos e Assessoria (CFEMEA), pela Bancada Feminina no Congresso Nacional e pelo Conselho Nacional dos Direitos da Mulher. Cerca de 100 pessoas, entre parlamentares, prefeitas, candidatas, representantes de partidos políticos e pesquisadoras, participaram do encontro, que

229

SANTOS, op.cit., nota 42. GROSSI, Miriam Pillar; MIGUEL, Sônia Malheiros (org). Dossiê – Mulheres na Política, Mulheres no Poder. Revista Estud. Fem.Florianópolis, v. 9, n.1, p.164-298, 2001. 231 Ibidem, p.168. 230

84

ocorreu entre 16 e 18 de maio de 2000.

e) Entrevistas feitas por mim e pela equipe do Centro de Estudos de Opinião Pública (Cesop/Unicamp) para pesquisa para a ONU Mulheres e cujos dados foram publicados no livro “Mulheres e negros na política: estudo exploratório sobre o desempenho eleitoral em quatro estados brasileiros” 232 , do qual sou coautora. A metodologia utilizada foi um questionário de caráter fechado, aplicado a 42 pessoas, entre representantes partidários e legislativos. Os estados escolhidos para análise foram Bahia, Pará, Santa Catarina e São Paulo. Nove partidos integraram o estudo, localizados em um amplo espectro ideológico: PP, DEM, PSDB e PMDB (considerados como direita e centro-direita); PT, PCdoB, PSOL, PSB e PDT (considerados como esquerda e centro-esquerda).

f) Entrevistas feitas por mim em 2014, como descrevo na introdução, em caráter semiestruturado com as deputadas Benedita da Silva (PT/RJ), Erika Kokay (PT/DF), Jô Moraes (PCdoB/MG), Keiko Ota (PSB/SP), Lilian de Sá (PROS/RJ) e Rosane Ferreira (PV/PR).

g) Um breve relato de Ângela Borba, ativista feminista e uma das fundadoras do PT, sobre o período em que assessorou a deputada estadual Lúcia Arruda (1982-1986; 1996-1990; PT/RJ).233

2.2. Maternidade e família

232 233

MENEGUELLO, op.cit., nota 13. BORBA, op. cit, nota 127.

85

Entre 1982 e 2014, há falas muito semelhantes sobre casamento e maternidade, que aparecem como questões centrais a serem equacionadas quando a mulher dedica-se à política institucional. Uma observação: dentro da ótica materialista adotada aqui, o casamento e as demais formas de união heterossexuais são compreendidas como parte de um continuum econômico-sexual, em que há uma transação entre homens e mulheres onde essas últimas só tem uma coisa a trocar: elas mesmas. Na negociação contratual do amálgama conjugal está implícito o cumprimento de determinadas tarefas pelas mulheres – domésticas, sexuais, emocionais e de procriação –, com alguma margem de decisão e de escolha delas. Na ponta oposta das esposas estão as prostituídas, que “trocam elas mesmas diretamente seus atos sexuais, recebendo elas mesmas diretamente a remuneração por esses atos”.234 Porém, elas não necessariamente detêm o dinheiro ou pagamento recebido por esse trabalho específico fornecido. A antropóloga italiana Paola Tabet denomina o casamento como uma relação de “sexualidade de serviços em geral” e a prostituição como “trabalho ou serviço sexual estrito e retribuído”, ambos submetidos à dominação masculina.235 Nas pesquisas de Fanny Tabak, a “dupla jornada de trabalho” e o “casamento” são apontados como algo que prejudicaria a atuação política da mulher236. Como “dupla jornada de trabalho”, ainda que Tabak não a defina, compreendo a somatória das jornadas de trabalho produtivo e reprodutivo. De acordo com Helena Hirata e Danièle Kergoat237 a divisão do trabalho entre os homens e as mulheres é, em primeiro lugar,

234

TABET, op. cit., p. 20, nota 59. Ibidem, p. 51. 236 TABAK, op. cit., p. 139, nota 182. 237 HIRATA, Helena. KERGOAT, Danièle. A divisão sexual do trabalho revisita. In: HIRATA, Helena; MARUANI, Margareth (Org.). As novas fronteiras da desigualdade – homens e mulheres no mercado de trabalho. São Paulo: Senac, 2003. p. 113. 235

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a imputação aos homens do trabalho produtivo – e a dispensa do trabalho doméstico – e a atribuição do trabalho doméstico às mulheres, ao passo que são cada vez mais numerosas na nossa sociedade salarial as mulheres que querem se manter no mercado de trabalho.

Em outro artigo, Kergoat pondera que a utilização de “dupla jornada”, de “acumulação” ou de “conciliação de tarefas” têm, cada vez mais, aparecido como se fosse um “apêndice do trabalho assalariado”, o que contribuiria para o “declínio da força subversiva do conceito de divisão sexual do trabalho”.238 No mesmo período estudado por Fanny Tabak, a deputada constituinte Benedita da Silva (PT/RJ), que antes de ingressar na política institucional trabalhava como empregada doméstica e atuava no movimento negro, reivindicou o reconhecimento da dupla jornada de trabalho das mulheres, em um pronunciamento realizado em 30/09/1987: “Gostaríamos de estender a todas as mulheres a compreensão social e política na sua dupla jornada de trabalho. [...]. Não queremos privilégios; o que queremos apenas é que reconheçam essa dupla jornada”. 239 O contexto era a aprovação da manutenção da aposentadoria diferenciada entre homens e mulheres pela Constituição de 1988. A justificativa dos movimentos feministas e de mulheres para tal proposta era justamente a divisão sexual do trabalho e a constatação de que o Estado “não assume a oferta de equipamentos de educação infantil, bem como outros equipamentos a exemplo de restaurantes populares e lavanderias públicas, o que poderia aliviar a dupla jornada das mulheres”.240 No levantamento realizado em 2001 por Grossi e Miguel, aparecem vários depoimentos de mulheres políticas que “mostram que os maridos acabam se separando uma

238

KERGOAT, 2009, p. 70. CÂMARA DOS DEPUTADOS, op.cit., p. 49, nota 227. 240 RODRIGUES; CORTÊS, op. cit., p. 29, nota 44. 239

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vez que elas são eleitas, porque os homens não suportam estar em segundo plano”.241 Elas concluem que “a separação entre maridos e companheiros, como consequência da inserção na vida política, é um dos problemas subjetivos que parece fundamental para as mulheres se elegerem”. A pesquisa aborda apenas relações heterossexuais. Wilma Maia de Faria (PSB/RN), ex-deputada federal constituinte, à época prefeita de Natal, posteriormente governadora do Rio Grande do Norte, riu ao falar para Grossi e Miguel sobre seus dois casamentos desmanchados: “a mulher na vida política tem que ter muito idealismo [...] deve saber que vai deixar filhos e família, vai perder o marido, terá que arranjar outro que, provavelmente, perderá também”.242 Wilma foi casada até os anos 1990 com o ex-senador Lavoiser Maia, de uma família com longa trajetória na política regional. A então vereadora e radialista Darcy Vera (depois prefeita de Ribeirão Preto, ex-DEM hoje PSD) disse que seu primeiro casamento havia acabado em função da concorrência entre ela e o ex-marido e que a solução encontrada para a atual relação havia sido tornar o companheiro seu assessor. “Ele faz a minha agenda, obriga-me a cumpri-la e acompanha-me. [...] Estou conseguindo conciliar a vida familiar e a vida pública”.243 Ainda no levantamento de Grossi e Miguel, a ex-deputada distrital Lúcia Carvalho (PT/DF)244 fala em “prazer” de cuidar da casa: “Tenho o maior prazer de estar na minha casa, de cuidar de meus filhos, de fazer a tarefa com eles, de cozinhar. Não temos de inverter nossos paradigmas, mas fazer com que os companheiros também participem”. Segundo Grossi e Miguel, “a temática da maternidade foi uma das que mais mobilizou a fala das participantes”. As autoras ressaltam que “em vários depoimentos as mulheres

241

GROSSI; MIGUEL, op. cit., p. 183, nota 230. Ibidem. 243 GROSSI; MIGUEL, p. 184, nota 230. 244 Ibidem. 242

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afirmavam quantos filhos tinham”.245 Já na pesquisa de 2012, aparecem novamente relatos sobre o fim de relações por incompreensão dos companheiros, mas também surgem maridos “solidários”, como no depoimento da advogada Ada de Luca, então deputada estadual (PMDB/SC) e secretária de Justiça e Cidadania de Santa Catarina: “Eu sempre tive um marido que me apoiou muito. O mesmo apoio que eu dei todos esses anos pra ele. Então sempre foi uma troca muito grande”. A entrevistada não detalhou o “apoio” que o marido fornecia e que ela dava em troca, deixando em aberto o que poderia ser a divisão das tarefas domésticas entre o casal e se haveria outras pessoas responsáveis pelos cuidados dos/as filhos/as e do lar. Ada de Luca ressaltou ainda que era “culpa da própria mulher” sua dificuldade em participar da política institucional: Não só minha [a dificuldade], mas de todas as mulheres: não é fácil. Às vezes a gente anima as mulheres a participar da vida ativa política, mas não é fácil. Não é fácil, realmente a mulher ainda tem muito a conquistar e às vezes eu acho que a culpa é da própria mulher porque ela tem que conquistar, na minha ótica, primeiro o espaço dentro de casa. Ela tem que conquistar primeiro a independência econômica.

O posicionamento de Ada de Luca vem de um lugar de fala privilegiado: oriunda de uma família de classe alta catarinense, seu pai, Ado Vânio Faraco, havia sido deputado estadual, e seu avô, prefeito de Criciúma (SC). O marido, Walmor de Luca (PSDB/SC), conforme a entrevistada sublinhou, foi deputado federal durante 16 anos, presidente da Telesc Telecomunicações de Santa Catarina (Telesc), presidente da Companhia Catarinense de Água e Saneamento (Casan) e secretário de Saúde do Estado de Santa Catarina246. Com tradição familiar na política institucional e respaldo econômico, ela

245 246

Ibidem, p. 181. MENEGUELLO et. al., op. cit., p. 24, nota 13.

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foi a única entrevistada a responsabilizar as mulheres por não conseguirem conquistar espaços. A deputada estadual Eliana Boaventura, do PP/BA, economista, ressaltou que foi “casada com um homem machista” que não compreendeu seu papel na política. A relação durou 15 anos. “Ele nunca atuou na política e ele não conseguia entender porque que eu fui para a política. Ele achava que o papel da mulher não era na política”.Sobre a maternidade, a candidata compartilha o sentimento de culpa de trabalhar fora de casa: que “ninguém deixa o filho em casa sozinho e vai trabalhar com a cabeça no lugar. Não tem condições.” Sua percepção de não cumprir com o que lhe foi atribuído como responsabilidade na divisão sexual do trabalho porque se dedica à política institucional é recorrente entre as entrevistadas. Diferentemente de Eliane, Célia Fernandes, ex-prefeita de Gravatal (SC), professora, relatou ter 5 filhos e que “conciliava tudo”: “Eu administrava casa, filhos, o trabalho de, eu não quero exagerar, 17, 18 horas por dia”. 247 A figura da mulher que consegue, com exaustão, executar todas as tarefas é exaltada por Célia como uma espécie de heroína que cumpre sua jornada hercúlea de 12 trabalhos – ou muitos mais. Seu marido também atua na política institucional e tem a agenda bastante ocupada, mas isso não gera nenhuma alteração na divisão sexual do trabalho: a responsabilidade sobre as tarefas reprodutivas recaia toda sobre ela. “Na medida em que você vai formando família, os filhos chegam, você tem que se desdobrar. Eu passei a atuar muito no movimento sindical [...] acabei tendo que me desdobrar mais e tomar conta do PCdoB, dos sindicatos e dos filhos”, relata Kelly Magalhães, então deputada estadual (PCdoB/BA). Magalhães é uma das duas

247

MENEGUELLO et. al., op. cit., p. 24, nota 13, p. 32.

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parlamentares, entre 18 entrevistadas na pesquisa de 2012, a se autodeclarar negra. Ana Julia Carepa (PT), ex-senadora e ex-governadora do Pará lembrou que, quando sua filha nasceu, ela já era vereadora: “no plenário, quando a sessão se prorrogava, minha roupa começa a sujar do leite. Aí chegou um ponto de eu mandar buscar minha filha para dar de mamar para ela, eu corria no gabinete”248. Seu ex-marido, Marcílio Monteiro, foi Secretário de Projetos Estratégicos do Pará durante sua gestão como governadora. Bernadete Caten, deputada estadual do PT/PA, afirmou que os filhos e as filhas são “responsabilidade das mulheres [...], a educação do filho, a escola, e a dupla jornada, quando não tripla, porque nós temos mulheres que estudam, trabalham e tem uma militância ainda no movimento. Às vezes no movimento social, ou partidário”.249 Bernadete iniciou sua militância no Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do Pará (SINTEPP). O marido de Bernadete, Luiz Carlos Pies, era, à ocasião da entrevista, viceprefeito de Marabá (PA). Processada e condenada à inelegibilidade por três anos, Bernadete não obteve certidão de quitação eleitoral para candidatar-se à reeleição em 2014 e indicou seu filho, Dirceu, que venceu o pleito. Uma outra dificuldade levantada por Bernadete é a “cultural”: “a sociedade machista, onde o homem é que historicamente tem atividade muito mais para fora do que a mulher. As mulheres, em geral, trazem uma grande timidez, que foi muito o meu caso”. Bernadete relatou que se sentia tímida ao pedir financiamento para sua campanha250: Eu achava que eu não tinha capacidade, não tinha condições, eu realmente me subestimei, „não é para mim‟. [...] Eu tive muitos momentos de desespero, de choro mesmo. Eu já saí chorando de frente de empresários, de comerciantes, onde a gente ia pedir ajuda, onde mandava eu voltar uma, duas, três, quatro, na quinta vez ninguém aguentava mais, eu me

248

Ibidem, p. 28. MENEGUELLO et. al., op. cit., p. 26-27, nota 13. 250 Ibidem, p. 32. 249

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estourei na frente de alguns, porque eu me senti desrespeitada. Talvez com homens eles não fariam o que fizeram comigo mulher.

A sensação de não pertencer ao universo das campanhas políticas e dos poderes Executivo e Legislativo, de não conhecer os mecanismos partidários, é recorrente e remete à separação entre os espaços públicos e privados que os movimentos feministas têm denunciado há décadas. “O pessoal também é político”, já bradavam as mulheres na década de 1970. Luiza Maia (PT/BA), então deputada estadual, explicita como essa separação de espaços aparece no seu cotidiano: “[Os homens dizem] você é a rainha do lar, você tem o seu legado, você já tem a sua tarefa. O que é que você quer se meter aqui? Aqui é coisa de homem”. Maia contou que tem que “brigar todo dia para dizer: „Eu estou aqui, sou mulher. Preciso estar neste espaço‟”. Olivia Santana, que no momento da entrevista era vereadora (PCdoB/BA), comentava que é chefe de família e que conciliar esse papel com a atuação política “é uma batalha muito grande porque você fica de arrimo de família, tem de cuidar de tudo, de tratar de tudo, e você não tem aquele apoio”. Santana fala sobre o problema de levar a vida privada para dentro da pública251: Os homens vão para a política e têm suas esposas, as mulheres sempre são extremamente solidárias com os homens. Mas a recíproca não é verdadeira. Em geral, o cara não está a fim de estar ali junto, de apoiar, de conviver com a mulher que tem uma vida pública, de assumir o ônus e o bônus dessa situação. Eu ouço isso também de outras colegas que são parlamentares. As poucas que conseguem furar o cerco não têm aquele apoio e aquela presença de um parceiro e poder compartilhar. Você vai para a vida pública levando junto a vida privada, as responsabilidades da vida privada. E isso é barra pesada.

251

MENEGUELLO et. al., op. cit., p. 29, nota 13.

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Em seu depoimento, fica nítida a continuidade entre os espaços públicos e privados, onde o que ocorre no segundo influencia a atuação no primeiro. Santana, que se autodeclarou negra na entrevista, relata como uma das dificuldades de sua permanência na política institucional o baixo financiamento de campanha – o que não é novidade para as mulheres –, mas o conecta ao racismo e às pautas à esquerda de suas campanhas: “por ser mulher, negra, cuidar de questões de miséria, de pobreza, de enfrentamento ao racismo, isso não interessa ao empresariado”. Ela explica ainda que encontrou dificuldade em falar sobre questão racial252: No começo eu ficava falando sozinha, parecia que eu estava fora do lugar, falando de coisas estratosféricas. E era assim: „Ah Olívia, você só fala de negros. Você só fala de questão racial. Você precisa ampliar o discurso. Você precisa tratar de outras questões‟. E a gente sempre fazia esforço, estudando e buscando contribuir com o debate mais amplo sem perder a perspectiva da questão racial que é a questão que, para mim, é crucial nesse debate.

Ângela Amin (PP/SC), ex-deputada federal e ex-prefeita de Florianópolis, tem três filhos e avaliou ter sido “uma mãe ausente, mas presente”. Quando ela era prefeita, diz que253 Eu nunca abri mão de alguns aspectos. Por exemplo, levar as crianças ao colégio. Levantava cedo, arrumava, levava ao colégio. Era um momento que eu entendia que eu podia manter a conversa, o diálogo. O almoço era em casa, com eles. Era muito raro não ser assim, só quando tinha um compromisso oficial mesmo. Já o jantar é mais difícil de conciliar já que cada um tem seu horário para chegar, então esse é mais complicado. Nunca deixava de ir à reunião do colégio, para cumprir avaliação. São alguns detalhes que eu nunca abri mão.

Ela é casada com Espiridião Amin, que foi prefeito de Florianópolis (SC)

252 253

MENEGUELLO et. al., op. cit., p. 35, nota 13. Ibidem, p. 26.

93

durante o regime militar (1977-1978) e, posteriormente, por voto direto, governador de Santa Catarina (1983-1986/1999-2002), senador (1991-1999) e deputado federal (20112014). No início de sua participação na política, Espiridião não a apoiou, mas depois mudou de posição: O Esperidião, quando eu comecei a namorar com ele, não admitia que mulher trabalhasse fora. Eu já trabalhava, morava [em Florianópolis] sozinha. Eu estudava, sou do interior do Estado, e ele é daqui. Sou de uma família de nove filhos e para poder estudar, eu tinha que me virar. E de repente ele veio com essa conversa e eu disse: „olha então tu estás no caminho errado... porque eu moro sozinha, tenho minha vida independente, casar já vai me frear algumas coisas... Quer dizer, aí não poder trabalhar? Eu não vou poder tolher totalmente a aspiração para aquilo que eu vim para cá, para Florianópolis, buscar essa independência‟. A partir daquilo nunca mais discutimos e hoje ele é um incentivador não só na minha carreira política como em qualquer intervalo da política que eu volte à universidade.

Luciane Carminatti, deputada estadual (PT/SC), diz que consegueestar com os filhos apenas aos sábados à noite e aos domingos, o que dificulta o acompanhamento do cotidiano deles. “Mas também causa um outro desafio que eu estou experimentando que é o desafio de [...[ ressignificar esses tempos que a gente não está presente”, afirma ela, que encara a participação na política como uma mudança de vida254: Eu acho que eu tenho conseguido fazer isso, eu brinco com as minhas filhas que eu sou mais mãe hoje do que quando eu estava perto delas, porque eu estou o tempo todo conectada com os problemas que elas têm, com as angústias. Mudou a vida e você tem que repensar e repensar o seu tempo e organizar tua vida de forma diferente. Essa é uma parte mais difícil, e eu acho que muitas mulheres também não conseguem chegar na política porque têm medo de que os companheiros não vão entender, diz

254

Trecho estendido da entrevista que não aparece na íntegra na publicação. MENEGUELLO et. al., op. cit., p. 28, nota 13.

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que a mulher que entra na política tá fadada a ser separada, eu escuto muito isso, tá fadada a ser separada, ser solteira.

Estar em um matrimônio e cumprir as expectativas da sociedade sobre o lugar da mulher na família, além de trabalhar fora, pode ser um fator que as afasta da política institucional. Quando a parlamentar foge à regra, sente-se julgada. Iara Bernardi, exdeputada federal (PT/SP), relatou o quanto se sentia cobrada por ter optadonão ter filhos: “Já ouvi dizerem „coitada‟. [...] A mulher tem que viver provando se é ou não normal essa questão”.255 Luci Choinacki, deputada federal (PT/SC), oriunda do movimento sem terra, citou a necessidade de ter outras mulheres ajudando no cuidado com os filhos. Percebe-se que mesmo as mulheres que vêm das classes baixas recorrem ao serviço de terceiras para cumprir as tarefas domésticas que seriam de sua responsabilidade, de acordo com a divisão sexual do trabalho. “Quando eu comecei a fazer política, tive que botar ali sempre alguém pra cuidar dos meus filhos e ajudar em casa. Uma empregada para cuidar”, diz ela. Os filhos da parlamentar também cumprem agendas do mandato:“levava e continuo levando os meus filhos para passar o final de semana e fazer uma agenda. Todos eles me acompanharam minha militância política, levava eles junto porque era uma forma de ficarem comigo”. Um de seus filhos tem deficiência, exigindo cuidados diferenciados: “é bem difícil porque eu tenho um filho especial e não existia quase nada de atenção para ele, o partido trata todo mundo igual. Não teve uma política solidária, você tem que se virar”. Choinacki explica que, desde 1989, criou os filhos sozinha porque “o pai deles não aguentava”, relatando sua separação do então marido. “Achava que a gente brilhava mais que ele”. O comprometimento com a luta das mulheres e com o partido político a

255

MENEGUELLO et. al., op. cit., p. 23, nota 13.

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estimulavam256: Nem sei de onde eu adquiri essa força, uma força interna tão grande, que eu colocava como uma responsabilidade com as mulheres, com o PT, e eu precisava honrar aquele mandato porque era o início de uma caminhada que se eu não desse conta, ia se perder.

A consideração de

um mandato mais coletivo, de reponsabilidade

compartilhada, não apareceu em outras falas e é bastante sintomático que venha de uma deputada que surge da organização de base do MST, onde há um forte sentimento de comunitarismo. Antes de se dedicar à política, Choinacki, que era a filha mais velha entre 7 irmãos, ajudou a cuidar deles: “meu sonho de menina era ser professora [...] eu era uma aluna bastante estudiosa e bem disciplinada, mas aí meu pai não gostou da sala de aula e me pôs para trabalhar na roça [...[ e para cuidar dos meus irmãos”. Choinacki passou a ocupar uma posição bastante recorrente entre as mulheres de família de baixa renda: foi obrigada a largar os estudos para criar os irmãos/as mais novos/as.“Parecia que o mundo tinha acabado”257, diz ela. Assim como outras entrevistadas, Choinacki relata a dificuldade em falar em público: “eu ia lá, falava e defendia, com medo e engolindo metade das palavras, mas falava”258.A sensação era de não pertencimento à roda de conversa política. Simone Morgado, deputada estadual pelo PMDB/PA, relata ter contado com outras pessoas para cuidar de seus filhos: “Quando eu entrei na política eu tinha me separado, eu sou divorciada, eles [os filhos] eram pequenos. Eu tive que conciliar bastante.

256

Ibidem, p. 31. MENEGUELLO et. al., op. cit., p. 23, nota 13. 258 Ibidem, p. 24. 257

96

Eu tive sorte com as minhas funcionárias que me ajudam em casa”.259 Na pesquisa de 2001, Grossi e Miguel ressaltam essa rede de apoio feminina para cumprir o mandato – mães, irmãs, amigas, comadres etc. –, como uma demonstração de um “trabalho coletivo” para possibilitar a representação política das mulheres. Vi, no entanto, em 2011 e 2012, que a figura da empregada doméstica aparece com mais frequência, indicando que há delegação de tarefas de cuidados de crianças, pessoas idosas e com o lar para profissionais, também mulheres. Os primeiros a transferir as tarefas são os homens, evidentemente, seja para suas esposas, seja para familiares ou para funcionárias. As mulheres os seguem, com frequência, financiadas pelos maridos, que têm renda superior à delas. Como afirma Lélia González, a doméstica atual “nada mais é do que a mucama permitida, a da prestação de bens e serviços, ou seja, o burro de carga que carrega sua família e a dos outros nas costas”. 260 Apoiando-se em Saffioti, González propõe então analisar essa “transferência” dos serviços domésticos não apenas pela ótica da divisão sexual do trabalho, mas também da divisão racial do trabalho, uma vez que no Brasil, a categoria de empregadas domésticas é formada majoritariamente por mulheres negras 261, o que remonta à escravidão, quando nas classes médias e altas esses serviços já eram realizados pela mucama. A conexão entre racismo e atuação política das mulheres, porém, apareceu nitidamente em apenas uma das falas, em 2012, a de Olívia Santana (PCdoB/BA), que é negra. De maneira semelhante, a relação com classe social fica bem marcada somente na

259

Ibidem, p. 28. GONZÁLEZ, 1984, p. 229. 261 DEPARTAMENTO INTERSINDICAL DE ESTATÍSTICAS E ESTUDOS SOCIOECONÔMICOS (DIEESE). O emprego doméstico no Brasil.Estudos e Pesquisas, Rio de Janeiro, n. 68, p 1-27, ago. 2013. p. 4. 260

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entrevista com Luci Choinacki (PT/SP), que vem do movimento sem terra. Não é à toa que ambas, que estão em posição minoritária no espaço da política institucional, são as que mais sofrem asopressões na estrutura social, enxergando, portanto, as hierarquias. A produção e a coprodução mútuas dessas relações sociais e sua imbricação – o nó analítico de Saffioti e Kergoat – trazem dificuldades distintas à atuação política dessas mulheres quando comparadas àquelas das mulheres brancas de classes média e alta.

2.3. A discriminação nos parlamentos Entre as dificuldades para o exercício dos mandatos, as vereadoras da pesquisa de 1982 elencaram como primeira limitação o “machismo” – sem defini-lo. Outras disseram que sua atuação parlamentar foi prejudicada pela falta de experiência e pela falta de tempo, decorrentes da dupla ou tripla jornada de trabalho mencionadas nos relatos acima. A deputada federal Rose de Freitas (PMDB/ES), em um pronunciamento de 23/11/1987, explicita as “piadas” de bastidores ouvidas pelas mulheres a respeito da aposentadoria diferenciada durante a Constituinte: Estamos ouvindo até as pequenas piadas contadas nos corredores da Casa, quando dizem: „Vocês querem direitos iguais, mas, na hora da aposentadoria, querem a diferença‟. Queremos direitos iguais e que, no futuro, exista uma aposentadoria igual. Mas, por enquanto, dentro da atual sociedade, cultural e politicamente formada como está, as mulheres continuam desempenhando a sua dupla jornada de trabalho. Somos nós, as mulheres, que, depois de um dia exaustivo trabalho, ainda vamos para casa administrar o lar, cuidar dos filhos, acompanhar o marido ou, então, solucionar as pequenas crises que temos, através dessa cultura secular que nos aprimora nos nossos deveres, rotulados por essa cultura machista que perdura na nossa sociedade.262

262

CÂMARA DOS DEPUTADOS, op. cit., p. 180, nota 227.

98

Trata-se aqui daexplicitação da divisão sexual do trabalho. No discurso masculino relatado por Freitas, não há espaço para as ações afirmativas como uma maneira de remediar a discrepância hierárquica entre os sexos. Única mulher entre os deputados constituintes em Santa Catarina, Luci Choinacki, afirmou, na pesquisa de 2012, que teve de “enfrentar todo o preconceito de classe social e também cultural e de gênero” por ter sido a única eleita do PT no estado e a única mulher entre 39 homens para a Assembleia Legislativa. “Eu passei pelos piores preconceitos que uma política, uma cidadã, pode passar, de tratamento, que eu não tinha capacidade, como não tinha conhecimento, não ia dar conta”263. Os espaços físicos por vezes também não incorporam a dimensão de gênero. Em 1983, Lúcia Arruda, uma das seis deputadas estaduais no Rio de Janeiro, constatou a falta de banheiro feminino no plenário da Assembleia Legislativa e empreendeu uma campanha para que o banheiro então masculino fosse dividido em dois.

264

Se

considerarmos que este prédio era onde anteriormente funcionava a Câmara Federal, quando o Rio de Janeiro ainda era a capital, afirma Ângela Borba, “concluiremos que nossas deputadas federais, até a mudança do Congresso para Brasília [em 1960], não podiam usufruir de sanitários próprios no plenário”.265 Na pesquisa de Grossi e Miguel, uma das questões levantadas foi o sexismo expresso por meio da linguagem: “elas ainda são tratadas pelo masculino, remetendo para a recente entrada das mulheres neste campo. Um exemplo disso foi a inexistência de

263

MENEGUELLO et. al., op. cit., p. 30, nota 13. BORBA, op. cit., p. 156, nota 127. 265 Ibidem. 264

99

diplomas e carteiras com os cargos eletivos no feminino”. 266 O depoimento da então vereadora por São José do Rio Preto (SP), Eni Fernandes (PT), assistente social, demonstra o desconforto: Quando recebi esta carteira estava escrito: Poder Legislativo, Vereador Eni Fernandes. Primeiro, por questão de respeito à mulher e, segundo, por que meu nome pode ser confundido, não aceitei a carteira. Fiz requerimento pedindo ao Presidente da Câmara que imprimisse nova carteira. Assim foi feito: Eni Fernandes, Vereadora.267

Incorremos em uma linguagem sexista, indica Sonia Santoro, ao explicitar, na língua, a desigualdade entre homens e mulheres: “incorre-se em linguagem sexista quando uma pessoa emite uma mensagem que, por suas formas, palavras ou o modo de estruturálas, resulta discriminatória por razão de sexo”.268 A língua não é neutra, afirma Santoro. Ela “reflete a relação dos sexos na sociedade e a posição da mulher na dita relação”. Esse predomínio do masculino é, esclarece Colette Guillaumin, resultado de uma situação em que ser mulher não é um qualificativo entre outros, mas uma definição social. Ela cita alguns exemplos de frases: “um estudante foi punido com um mês de confinamento e uma jovem mulher foi repreendida” (informações sobre sanções na Escola Politécnica de Paris); “eles assassinaram dezenas de milhares de trabalhadores, de estudantes e mulheres” (Fidel Castro sobre o regime ditatorial de Fulgêncio Batista em Cuba nos anos 1950).269 Em 2012, Marinor Brito (PSOL/PA), ex-senadora, relembrou um caso semelhante, quando, ao ser eleita vereadora em Belém, em 2000, teve de solicitar que

266

GROSSI, MIGUEL, op. cit., p. 180, nota 230. Ibidem. 268 SANTORO, Sonia. La práctica del periodismo de género. In CHARE, Sandra; SANTORO, Sonia (Org.). Las palabras tienen sexo – introducción a un periodismo con perspectiva de género. Buenos Aires: Artemisa Comunicación Ediciones, 2007. p. 141. 269 GUILLAUMIN, op. cit., p. 15, nota 63. 267

100

trocassem a placa de sua porta de “vereador Marinor Brito” para “vereadora Marinor Brito”. Da mesma maneira, ela relatou que devolveu todos os ofícios que vinham escritos no masculino, até que a presidência da Casa utilizasse o “a” para se referir às mulheres. Luciane Carminatti (PT/SC), por sua vez, diz perceber que “muitos homens não têm coragem de dizer, mas no olhar a gente percebe. „Ah, mulher, [...] tão frágil‟. Tem um olhar de piedade também por parte de alguns e de machismo dos que não tem coragem de admitir”. Nas palavras de Ângela Amin (PP/SC): “a única coisa que eu percebi, de quem participou do Legislativo e do Executivo, são atitudes de intimidação que a gente sofre, que eu tenho certeza que eu não sei se um homem sofreria”270, sem entrar em mais detalhes. Os relatos recolhidos indicam situações de discriminação, ou seja, de limitações impostas às mulheres que impedem o desenvolvimento pleno de suas possibilidades como pessoas e cidadãs atuantes na política institucional. Segundo María Julia Palacios A discriminação de gênero na família se origina com a divisão sexual do trabalho, se prolonga para a escola e os diferentes âmbitos sociais – política, trabalho, economia, saúde, direito, moral, meios de comunicação – se manifesta na linguagem e nas distintas expressões da cultura etc.; impõe papeis e responsabilidades diferentes e determina espaços sociais hierarquicamente diferenciados com dano paras as mulheres.271

2.4. Quem manda aqui? Nos itens a seguir, apresentarei alguns dados sobre a ocupação dos cargos diretores. Vou me concentrar na Câmara Federal durante a Legislatura 2011-2014,

270

MENEGUELLO et. al., op. cit., p. 30, nota 13. PALACIOS, María Julia. Discriminación de género. In: CHARE, Sandra; SANTORO, Sonia (Org.)., op. cit., p. 95-96, nota 268. 271

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conforme recorte espaço-temporal definido na tese. Minha intenção é verificar se as mulheres têm alguma posição de destaque, dado o quadro de discriminação e duplas ou triplas jornadas de trabalho traçado acima.

2.4.1. Mesa Diretora da Câmara Federal

A Câmara Federal é formada por 513 integrantes e, como afirmam Cintra e Lacombe, precisa organizar-se para poder operar, o que significa “divisão do trabalho e hierarquia”.272 O poder formal reside, primeiramente, na Mesa Diretora, que de acordo com o 14º artigo do Regimento Interno da Câmara é composta pelo Presidente, por dois Vicepresidentes e quatro secretários. Na Legislatura 2011-2014, pela primeira vez na história da Câmara, uma mulher ocupou um lugar na Mesa: foi a deputada federal Rose de Freitas (PMDB/ES), 1a vice-presidenta, entre 2011 e 2012. O presidente era Marco Maia (PT/RS), e em sua ausência, Freitas presidiu 218 sessões. O princípio seguido para a eleição da Mesa Diretora é a proporcionalidade. De acordo com o 8o artigo do Regimento Interno da Câmara, na composição da Mesa “será assegurada, tanto quanto possível, a representação proporcional dos Partidos ou Blocos Parlamentares que participem da Câmara, os quais escolherão os respectivos candidatos aos cargos”.273 O mandato é de dois anos. PT e PMDB, partidos aos quais estão filiados Maia e Rose de Freitas, formavam parte da base de apoio do Governo Federal em 2011-2014 e tinham maioria na Câmara – 311 deputados/as no início da Legislatura; posteriormente, alguns deixaram a base.

272 273

CINTRA; LACOMBE, op. cit., p.. 148, nota 217. CÂMARA DOS DEPUTADOS. Regimento Interno. 13 ed. Brasília: Edições Câmara, 2014. p.19.

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Na eleição seguinte para a Mesa Diretora, para o mandato 2013-2014, o rodízio entre os partidos inverteu as posições dos cargos: ao PMDB cabia à presidência e ao PT, a 1a vice-presidência. Foram eleitos, respectivamente, Henrique Eduardo Alves (PMDB/RN) e Arlindo Chinaglia Júnior (PT/SP). Rose de Freitas lançou-se como candidata independente à Presidência da Casa, contrariando a base governista. Ao comentar, em entrevista realizada por mim, a ocupação do posto de vicepresidenta por uma mulher, Jô Moraes (PCdoB/MG), coordenadora da Bancada Feminina (2013-2014), avaliou que São raras as mulheres que assumem uma posição de uma Rose de Freitas. As mulheres que chegam na Câmara levadas por circunstâncias que são parentesco, dinheiro, às vezes elas são muito tímidas. A maioria das mulheres são muito tímidas em sua ação. Mesmo dedicadas, estudam fazem um esforço, mas elas não se sentem empoderadas. Se sentem realmente pouco respeitadas. Já ocorreram fenômenos como a Rose de Freitas presidindo a Câmara aos berros.274

Mais uma vez, a timidez e a discriminação já identificadas nos itens anteriores surgem nos relatos.

2.4.2. Colégio de Líderes

A pauta da Mesa Diretora, ou seja, os temas que serão postos em votação e sua ordem, é decidida na reunião do Colégio de Líderes. Esssa instância é responsável, segundo o Regimento Interno da Câmara, por “organizar a agenda com a previsão das propostas a serem apreciadas”,275 além de nomear Comissões Especiais e os presidentes e relatores das

274 275

MORAES, Jô. Entrevista. 2014. Entrevista concedida a Maíra Kubík Mano. São Paulo. 09/10/2014. CÂMARA DOS DEPUTADOS, op.cit., p. 27, nota 273.

103

Comissões Permanentes. O artigo 20o do Regimento Interno prevê que as deliberações do Colégio de Líderes, “sempre que possível”, serão tomadas por consenso. “Quando isto não for possível, prevalecerá o critério da maioria absoluta, ponderados os votos dos Líderes em função da expressão numérica de cada bancada”.276 O Colégio é composto pelos líderes da Maioria, da Minoria, dos Partidos, dos Blocos Parlamentares e do Governo. Os líderes de Partidos que participam de Bloco Parlamentar e o líder do governo têm direito a voz, mas não a voto. Cada partido pode indicar uma liderança desde que tenha eleito representantes com o apoio de “no mínimo, 5% dos votos apurados, não computados brancos ou nulos, distribuídos em, pelo menos, um terço dos Estados, com um mínimo de 2% do total de cada um deles”.277 A presença das mulheres nesses espaço para assumirem posições de liderança depende, portanto, do apoio de seus partidos. Jô Moraes, que já foi líder do PCdoB, narra a primeira vez em que participou de uma reunião do Colégio de Líderes: Era eu e Luciana Genro (PSOL). E nós chegamos na primeira reunião, todo mundo sentado, em torno da mesa. Os funcionários sentados. E nenhum funcionário percebeu. Como eu tinha uma relação com o líder do PHS porque ele é de Minas Gerais – e aí essa questão muito própria de Minas, de delicadeza – ele me viu em pé e me disse “olha, senta aqui um pouco”. E aí me revezei com Luciana. Nem o presidente nem os funcionários da casa providenciaram cadeiras para nós duas, e nós éramos líderes de partidos políticos. São esses gestos pequenos que mostram que ali não é o seu lugar. 278

A importância desses espaços é tamanha no funcionamento da Câmara que, segundo Nelson Jobim, ex-deputado federal (19987/1991 – 1991/1995) e ex-ministro da Justiça (1995-1997) e da Defesa (2007-2011), quem não participa da Mesa Diretora e das

276

Ibidem, nota 273. CINTRA; LACOMBE, op. cit., p. 149, nota 217. 278 MORAES, op.cit., nota 274. 277

104

Lideranças não participa “conscientemente da produção da norma”: Esse conjunto Mesa-Lideranças é o conjuto que controla o poder no legislativo brasileiro. Quem não participa da intimidade desse conjunto, quem está na periferia ou na marginalidade desse conjunto é considerado como um número a ser computado quando da verificação de quórum, e não como alguém que possa participar conscientemente da produção da norma. É por isso que se concentra o poder.279

De acordo Cintra e Lacombe O papel do Líder é crucial na atividade legislativa, pois ele expressa e faz valer, perante a bancada, a perspectiva partidária nas discussões e deliberações. É quem, por exemplo, orienta a bancada nas votações de Plenário e indica à Mesa os membros dessa bancada para compor as Comissões, podendo, também, „a qualquer tempo‟, substiuí-los.280

2.4.3. Comissões

Às Comissões Permanentes da Câmara Federal cabem, segundo o artigo 22o do Regimento Interno da Câmara, apreciar os assuntos ou proposições submetidos ao seu exame e sobre eles deliberar, assim como exercer o acompanhamento dos planos e programas governamentais e fiscalização orçamentária da União no âmbito dos respectivos campos temáticos281.

Já as Comissões Temporárias são “criadas para apreciar determinado assunto, que se extinguem ao término da legislatura, ou antes dele, quando alcançado o fim a que se destinam ou expirado seu prazo de duração”. Entre as temporárias estão as “Especiais”, que

279

JOBIM, Nelson. Colégio de Líderes e a Câmara dos Deputados. In: O Desafio do Congresso Nacional. Cadernos de Pesquisa no 3, 1994, p. 49. 280 CINTRA; LACOMBE, op. cit., p. 150, nota 217. 281 CÂMARA DOS DEPUTADOS, op.cit., p. 38, nota 273.

105

dão parecer sobre as propostas de Emenda à Constituição (PECs) e as de Inquérito (CPIs). Sobre as CPIs, Cintra e Lacombe comentam que “salta aos olhos a sua relevância para o desempenho de uma das funções fundamentais que a teoria atribui ao Poder Legislativo, a de fiscalização”. 282 Isso porque as CPIs tem poderes de investigação próprios das autoridades judiciais. As Comissões, assim como a Mesa Diretora e o Colégio de Líderes, também funcionam com base na proporcionalidade e a indicação de sua composição é feita no início de cada sessão legislativa, ou seja, anualmente.283 Seus integrantes dependem de decisão partidária ou de bloco parlamentar. No Regimento Interno está estipulado que nenhum/a parlamentar “poderá fazer parte, como membro titular, de mais de uma Comissão Permanente, ressalvada a Comissão de Legislação Participativa e de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado”.284 Afora esses parâmetros, a escolha se dá por afinidade com os temas. Entre as Comissões Permanentes analisadas no ano de 2013, apenas uma tinha uma mulher na Presidência, Jandira Feghali, na Comissão de Cultura (Gráfico 3), um assunto mais próximo ao que poderia ser caracterizado como um universo feminino. Já os cargos de vice-presidência – três em cada comissão – são um pouco mais frequentes: são 8 deputadas entre 60 parlamentares. Em porcentagem, isso significa uma ocupação ligeiramente superior ao total de mulheres na Câmara Federal: 13% eram vice-presidentas de Comissões – como mostra o Gráfico 4 – enquanto o total de mulheres na Câmara na legislatura 2011-2014 era de 9% . Luci Choinacki (PT/SC), agricultora, era 2a vice-presidenta da Comissão de

282

CINTRA; LACOMBE, op.cit., p. 151, nota 217. Ibidem. 284 CÂMARA DOS DEPUTADOS, op. cit., p. 41, nota 273. 283

106

Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural. Já Antônia Lúcia (PSC/AC), da Bancada Evangélica, era 1a vice-presidenta da Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM). Sua gestão, que teve como presidente o pastor Marco Feliciano (PSC/SP), foi bastante controversa: aprovou, nessa Comissão, autorizar um projeto para chamada “cura gay” – tratamentos psicológicos que prometem reverter a homossexualidade, proibido pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP); e aprovou proposta que susta os efeitos de resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que proíbe cartórios de negar pedidos de casamento entre pessoas do mesmo sexo.285 Opondose aos posicionamentos dos evangélicos na CDHM, alguns/as deputados/as lançaram uma Frente de Direitos Humanos para atuar de maneira paralela à comissão. 286 Entre eles/as, as deputadas Érika Kokay (PT/DF), eleita coordenadora da Frente, Janete Rocha Pietá (PT/SP) e Luiza Erundina (PSB/SP). Em 2014, em uma nova eleição, a coordenação da CDHM voltou para as mãos do PT, sendo seu presidente o deputado Assis do Couto, do Paraná. A CDHM foi parar na mão da Bancada Evangélica, é importante dizer, por responsabilidade do próprio PT. O PSC, partido de Feliciano, integrava a base governista e, como membro dela, participou da distribuição das presidências de comissões. A CDHM, historicamente presidida pelo PT, naquele momento foi considerada de menor importância em detrimento do controle de outras, como a CCJC. Apesar da oposição feita por Érika Kokay e Janete Pietá, também integrantes da Bancada Feminina, ao pastor Marco

285

PASSARINHO, Natalia. Petista derrota Bolsonaro na eleição da Comissão de Direitos Humanos. Portal G1. Brasília, 26 fev. 2014. Disponível em: . Acesso em: 26 out. 2014. 286 CAMPANERUT, Camila. Deputados lançam frente de direitos humanos paralela à comissão.Portal UOL. Brasília, 20 mar. 2013. Disponível em: . Acesso em: 26 out. 2014.

107

Feliciano, seu próprio partido colocou-o lá. Suas críticas, portanto, estavam limitadas pela falta de apoio dentro de seu agrupamento político. O país viu à época uma sequência de manifestações de rua287 contra o pastor Marco Feliciano, que a meu ver foi uma das sementes que precederam as jornadas de Junho de 2013. Tamanha importância para uma Comissão mostra que parte da população não está alheia aos acontecimentos do Congresso Nacional. Demonstra também o impacto da internet como principal instrumento para convocar atos, o que posteriormente se confirmaria em Junho. O relativamente alto número de parlamentares que compõem a Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional, com duas mulheres na vice-presidência – Perpétua de Almeida, (PCdoB/AC), 1a vice-presidenta, e Íris de Araújo, (PMDB/GO), 2a vice-presidenta – chama a atenção se considerarmos que são os homens, e não as mulheres, quem tem o monopólio das armas e, portanto, da violência.288

Gráfico 4: Proporcionalidade nas presidências de Comissões

287

Pelo menos 10 capitais fazem ato de repúdio a Marco Feliciano (PSC-SP) neste sábado. Portal G1. Disponível em: . Acesso em 05/08/2013. 288 TABET, op.cit, nota 59.

108

Gráfico 5: Proporcionalidade nas vice-presidências das Comissões.

109

Pode-se ver na Tabela 1 as respectivas Comissões com cargos diretivos ocupados por mulheres:

Tabela 1. Comissões permanentes da Câmara dos Deputados

Comissão Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania - CCJC Comissão de Cultura - CCULT Comissão de Defesa do Consumidor CDC Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria e Comércio CDEIC Comissão de Desenvolvimento Urbano - CDU Comissão de

Homens

Presidência Homem Mulher

Mulheres

Mulher em cargo ou de direção: sim ou não

37

1

Homem

Sim (2a vicepresidenta, Luci Choinacki PT/SC)

30

6

Homem

Não

63

2

Homem

Não

17

2

Mulher

Sim (presidência, Jandira Feghali, PCdoB-RJ)

19

1

Homem

Não

15

2

Homem

Sim (2a vicepresidenta, Suely Vidigal PDT/ES)

15

0

Homem

Não

7

3

Homem

Sim (1a vice-

110

Direitos Humanos e Minorias CDHM Comissão de Educação - CE Comissão de Finanças e Tributação - CFT Comissão de Fiscalização Financeira e Controle - CFFC Comissão de Integração Nacional, Desenvolvimento Regional e da Amazônia CINDRA Comissão de Legislação Participativa CLP Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável CMADS Comissão de Minas e Energia CME

presidente, Antônia Lúcia PSC/AC) 28

4

Homem

Não

31

1

Homem

Não

20

0

Homem

Não

15

1

Homem

Não

14

3

Homem

Não

16

1

Homem

Não

30

2

Homem

Não

Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional CREDN

26

5

Homem

Sim, duas (Perpétua de Almeida, PCdoB/AC; 1a vice-presidenta; Íris de Araújo, PMDB/GO, 2a vice-presidenta)

Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime

18

2

Homem

Não

111

Organizado CSPCCO Comissão de Seguridade Social e Família - CSSF

28

6

Homem

Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público CTASP

19

3

Homem

Comissão de Turismo e Desporto - CTD

19

2

Homem

Não Sim, duas (Gorete Pereira, PR/CE, 1a vicepresidenta; Andreia Zito, PSDB/RJ; 3a vice-presidenta) Sim, Jô Moraes (PCdoB/MG, 3a vice-presidência)

A Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) é a que tem mais integrantes – 63 membros – e é considerada a mais importante por examinar “aspectos de constitucionalidade, legalidade, juricidade, regimentalidade e técnica legislativa”. 289 No período analisado, nenhuma mulher ocupava um lugar de destaque nessa comissão e apenas duas eram membros. A CCJC, ao lado da Comissão de Finanças e Tributação (CFT) – que verifica a compatibilidade ou adequação da matéria junto ao plano plurianual, lei de diretrizes orçamentárias e o orçamento anual – tem o poder de dar pareceres terminativos, ou seja, que determinam o arquivamento dos projetos. Na CFT, com 31 assentos, também não há mulheres em cargos de presidência ou vice e há apenas uma como membro participativo. Nelson Jobim diminui o papel das comissões: o processo legislativo brasileiro

289

CINTRA; LACOMBE, op. cit., p. 153, nota 217.

112

“privilegia a „urgência-urgentíssima‟ porque aí se deixa a periferia de fora, senão as comissões vão opiniar, vão se referir. Quando, por exemplo, querem evitar a CCJC”290. “Urgência-urgentíssima” é o termo usado quando pede-se tramitação prioritária de determinada matéria, incluindo-a na ordem do dia para discussão e votação imediata, o que “implica dispensas de exigências, interstícios ou algumas formalidades regimentais”. 291 Para solicitá-la, é preciso um requerimento da maioria absoluta da composição da Câmara ou de seus líderes. O expediente é utilizado com frequência pela base governista para fazer prevalecer a agenda do Executivo no Legislativo.292 Como resposta à baixa presença das parlamentares na CCJC e dada a importância desse espaço no funcionamento da Câmara,Jô Moraes (PCdoB/MG) decidiu tomar posse da Bancada Feminina em uma sessão da CCJC. O objetivo, como ela explica em entrevista, foi valorizar projetos de lei redigidos pelas parlamentares (Cf. Anexo 1): Na minha posse, quando eu fui eleita, nós fizemos a posse no dia de um jogo da Copa das Confederações. Todo mundo com muito receio de fazer uma posse insignificante. Eu optei para que a minha posse fosse na Comissão de Constituição e Justiça. E na posse, cada uma de nós entregou ao presidente da Comissão o seu projeto prioritário para que pudesse ter 293 uma dinâmica de maior aceleração .

Érika Kokay (PT/SP), 3a vice-coordenadora da Bancada Feminina, apresentou o projeto de lei nº 4665/2012, sobre o consentimento e a ocorrência de relações sexuais anteriores não descaracterizar e não abrandar a pena do crime de estupro em que a vítima seja menor de quatorze anos. A deputada Janete Capiberibe (PSB/AP), com pouca

290

JOBIM, 1994, p. 49. Idem. 292 FIGUEIREDO, Juliana Baldoni. “O colégio de líderes: surgimento e evolução”. In E-legis, Brasília, n. 8, p. 6-33, 1º semestre 2012, p. 11. 293 MORAES, op.cit., nota 274. 291

113

participação no cotidiano da Bancada e que vem do Amapá, onde a floresta Amazônica está mais conservada, trouxe o projeto de lei nº 3341/2012, que declara o ambientalista Chico Mendes patrono do meio ambiente brasileiro. A deputada Keiko Ota (PSB/SP), que é mais atuante na Bancada e tem um mandato mais relacionado ao enfrentamento à violência urbana, apresentou o projeto de lei nº 3565/2012, que aumenta a pena mínima aplicada ao crime de homicídio simples para dez anos e substitui a pena de reclusão por prisão. Já a deputada Rosinha da Adefal (PTdoB/AL), que tem como principal bandeira do mandato a inclusão de pessoas com deficiência – ela mesma é cadeirante –, propôs o projeto de lei nº 5461/2013, para reduzir a contribuição previdenciária das empresas que contratarem pessoas com deficiência. A deputada Lauriete (PSC/ES) apresentou o projeto de lei nº 797/2011, que inclui nos programas Sociais e Financeiros do Governo federal, projeto específico de apoio à mulher e à adolescente, nos casos de gravidez oriunda de estupro e nos casos de comprovada má formação do feto. Vemos, portanto, que numa ação orquestrada pela coordenação da Bancada Feminina prevaleceram os interesses de cada mandato, que não necessariamente estão ligados a questões de gênero. A unidade na entrega dos projetos de lei não significa que elas tenham concordância com todas as propostas. Há até mesmo projetos que colocam as deputadas em oposição direta entre si: o projeto de lei nº 797/2011, da deputada Lauriete (PSC/ES), é considerado uma “bolsa estupro” pela deputada Érika Kokay (PT/DF), para quem ele deve ser arquivado. As Comissões aparecem também como local de disputa entre a Bancada Feminina e as demais. Kokay (PT/SP), cujo mandato tem uma atuação próxima aos movimentos feministas, narra uma passagem sobre o PL de Igualdade de Gênero no Trabalho (PL 4857/2009), proposto pela deputada Iriny Lopes (PT/ES), em tramitação na

114

Comissão de Direitos Humanos e Minorias, já de volta às mãos do PT, e questionado pela Bancada Evangélica: Está sendo avaliado na Comissão de Direitos Humanos [...] e fala, dentre outras discriminações que não podem ser aceitas no mundo do trabalho, a discriminação por gênero, por identidade de gênero ou por orientação sexual. E a gente não consegue avançar nesse projeto porque a bancada obscurantista tem derrubado as reuniões da Comissão de Direitos Humanos294.

Seria interessante também, ainda no que diz respeito às Comissões, avaliar quantas mulheres ocupam cargos de relatoria, já que é também uma posição que tem certo poder de decisão sobre os processos legislativos: um parecer favorável ou contrário pode modificar o percurso de uma proposição. Contudo, como há, para cada projeto de lei apresentado nas comissões, um/a relator/a diferente designado/a, o volume de dados impossibilitou a análise.

2.4.5. Frentes parlamentares e bancadas

A Câmara Federal é composta ainda por frentes parlamentares e bancadas. Cabe aqui explicitar a diferença entre as bancadas temáticas e as frentes parlamentares. Ambas, de acordo com Marina Brito Pinheiro, são utilizadas para “promover a inclusão dos mais variados temas no parlamento” e se caracterizam “pela tentativa de unir os esforços dos parlamentares no intuito de dar encaminhamento e aprovar iniciativas legislativas que, por sua vez, possam favorecer os grupos aos quais estão ligados”. 295 Porém, para ser considerada uma frente e registrada como tal é preciso ter, em sua composição, um terço

294 295

KOKAY, Érika. Entrevista. 2014. Entrevista à distância concedida a Maíra Kubík Mano. 12/12/2014. PINHEIRO, op.cit., p. 14, nota 50.

115

dos/as parlamentares, ou seja, 33%; 296 Como a Bancada Feminina tinha, na Legislatura analisada, 9% de integrantes, estava bastante distante de poder configurar-se como frente e permanecia em certa informalidade até a criação da Secretaria da Mulher, que apresentarei no capítulo 3. As demais bancadas não são oficialmente registradas e tampouco têm estatuto, como a Feminina, mas as mais conhecidas são a Evangélica, com 70 deputados/as297, e a Ruralista, dos/as proprietários/as de terra, que é a maior bancada de interesse do Congresso298, com 160 representantes299. Na 54ª Legislatura (2011-2014), a Câmara teve 177 frentes parlamentares registradas (24 em 2011; 38 em 2012; 43 em 2013; e 12 em 2014, cf. anexo 1). As coordenadas ou presididas por mulheres representam 12 frentes, o que significa 10,25% deste total. Mesmo que já existam, a cada nova Legislatura as frentes são, mais uma vez, registradas.

Tabela 2: Frentes Parlamentares presididas por mulheres

Ano de registro

Nome

Coordenadora/Presidenta

2011

Família e Apoio à Vida

Fátima Pelaes (PMDB-AP)

296

Ibidem, p. 100. DEPARTAMENTO INTERSINDICAL DE ASSESSORIA PARLAMENTAR (Diap). Radiografia do Novo Congresso - Legislatura 2011/2015. Série Estudos Políticos, p. 38-52. Brasília: 2011, p .44. 298 INSTITUTO DE ESTUDOS SOCIOECONÔMICOS (INESC).Bancada Ruralista: o maior grupo de interesse no Congresso Nacional. Publicação do INESC, p. 1-16, Brasília, outubro 2007 - Ano VII - nº 12, p5. 299 DEPARTAMENTO INTERSINDICAL DE ASSESSORIA PARLAMENTAR (Diap), op.cit., p .39, nota 296. 297

116

2012

2012 2012

2012

2012

2013

2013

2013 2013 2013 2014

Incentivo ao Desenvolvimento Socioeconômico da Região Jaqueline Roriz (PMN-DF) do Entorno do Distrito Federal Defesa das Ciclovias e das Marina Santanna Calçadas Sustentáveis (PT-GO) Fátima Bezerra Mista do Livro e da Leitura (PT-RN) Mista para o Desenvolvimento da Janete Capiberibe Navegação Fluvial na (PSB-AP) Amazônia Desenvolvimento da Luci Choinacki Agroecologia e Produção (PT-SC) Orgânica Causa QESA (Quadro Gorete Pereira Especial de Sargentos da (PR-CE) Aeronáutica) Defesa dos Pensionistas das Forças Armadas e Forças Liliam Sá (PRÓS-RJ) Auxiliares Defesa do Sistema Nacional de Trabalho, Fátima Palaes (PMDB-AP) Emprego e Renda Defesa dos Direitos Erika Kokay (PT-DF) Humanos Mista de Enfrentamento às Erika Kokay (PT-DF), Paulo DST/HIV/AIDS Teixeira e Jean Willys Valorização das Margarida Salomão (PT-MG) Universidades Federais

Assim como nas comissões, vemos que as deputadas dividem-se por áreas de atuação e preferência temática. Luci Choinacki (PT/SC), agricultora, é coordenadora da Frente da Desenvolvimento da Agroecologia e Produção Orgânica. Janete Capiberibe, do Amapá, (PSB-AP), dirige a Frente Mista para o Desenvolvimento da Navegação Fluvial na Amazônia. Fátima Pelaes (PMDB/AP), evangélica, é presidenta da Frente da Família e Apoio à Vida, que tem 202 membros, nem todos/as adeptos/as de sua religião: dividem-se

117

também entre católicos/as e kardecistas, principalmente.A primeira aparição dessa frente é na 53a Legislatura (2007-2010)300. Antes, na 52a Legislatura (2003-2006), havia o registro da Frente Parlamentar Evangélica. A mudança me parece uma nova estratégia para agregar parlamentares de outros grupos religiosos e/ou conservadores.

No que diz respeito à etnia, existe a Frente Parlamentar Mista pela Igualdade Racial e em Defesa dos Quilombos, coordenada pelo deputado Luiz Alberto (PT/BA), quetem 201 deputados/as e 9 senadores/as.Segundo Marina Brito Pinheiro, a FMIRDQ é recente, data de 2003. Ela atribui sua criação à influência sobre o Parlamento da Secretaria Especial de Políticas para Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR), do governo federal 301. Outra estudada por Pinheiro é a Frente Parlamentar de Defesa da Cidadania Gay, Lésbica, Bissexual e Trans (FPDCGLBT). Registrada inicialmente como Frente Parlamentar de Livre Expressão Sexual, nasceu em outubro de 2003 e era composta por 44 parlamentares. Sua coordenadora era a deputada federal Iara Bernardi (PT/SP). Pinheiro também atribui sua criação à influência do governo federal, à Secretaria Nacional de Direitos Humanos (SNDH), que coordenou nesse período o programa Brasil Sem Homofobia.Na Legislatura analisada por mim, no entanto, essa frente não existiu. No trabalho de Pinheiro encontramos uma pista para sua inexistência: a Frente foi perdendo “gradativamente a intensidade de atuação, realizando poucas reuniões. Um dos motivos para isso, apontados pelos próprios atores [...] é a falta de representantes originários da comunidade LGBT”302.

300

CÂMARA DOS DEPUTADOS. Frentes Parlamentares da 52 a Legislatura. Disponível em: < http://www.camara.gov.br/internet/deputado/frentes52.asp>. Acesso em 20/04/2014. 301 PINHEIRO, op. cit., p. 95, nota 50. 302 PINHEIRO, op. cit., p. 165-166, nota 50.

118

As considerações feitas por Brito a respeito da FMIRDQ e da FPDCGLBT sobre suas criações tardias são pertinentes: de fato, os movimentos negro e LGBT*, assim como os movimentos feminista e de mulheres, estavam bastante fortalecidos nos anos 1980 e, no entanto, isso não se refletiu em uma organização no Parlamento. Suas datas de articulação coincidem com a chegada do PT à Presidência da República.

2.5. Algumas considerações

Ao longo das três décadas de pesquisas sobre as mulheres no Legislativo brasileiro aqui analisadas, identifiquei depoimentos semelhantes, como explicitei na abertura do capítulo. A aparição sistemática de determinados temas nos relatos é reflexo da permanência de situações e questões que permeiam a atuação das mulheres no Legislativo e na política institucional em geral e que tem, como relação estruturante, a divisão sexual do trabalho. Os estudos têm limitações e uma das mais gritantes é a invisibilidade das uniões homoafetivas entre lésbicas. Ainda dentro da perspectiva materialista, a categoria de sexo é uma categoria política que funda a sociedade como heterossexual. 303 As lésbicas, afirma Monique Wittig, estariam além das categorias de sexo – ou seja, dos homens e das mulheres – porque “o sujeito designado (lésbica) não é uma mulher, nem economicamente, nem politicamente, nem ideologicamente”.

303 304

304

Como consequência, se houvesse

WITTIG, Monique. La pensée straight. Paris: Éditions Amsterdam, 2013. p. 39-40. Ibidem, p. 56.

119

testemunhos de parlamentares que se identificassem como lésbicas para as enquetes, as solteiras ou as religiosas, a relação com as tarefas domésticas poderia ser relatada de outra maneira. Ao mesmo tempo, há características recorrentes no que diz respeito às trajetórias das mulheres. Seu ingresso na política institucional ocorre, principalmente, por meio de famílias tradicionais, o que é mais frequente no caso de mulheres filiadas aos partidos de direita e centro-direita ou por meio da atuação em movimentos sindicais, camponeses e estudantil, o que é mais comum àquelas ligadas aos partidos de esquerda e centro-esquerda. Apenas uma das analisadas, a deputada Jô Moraes, coordenadora da Bancada Feminina, tem uma trajetória diretamente ligada ao movimento de mulheres. Moraes começou sua militância no movimento estudantil secundarista, na Paraíba. Quando estava na faculdade, em 1969, foi impedida pelo regime militar de continuar presidindo o Centro Acadêmico de Serviço Social. Filiada ao PCdoB desde então, foi presa duas vezes e julgada à sua revelia. Após a Anistia, integrou a Comissão Pró-Federação de Mulheres de Minas Gerais (1982) e foi a primeira presidenta da União Brasileira de Mulheres (UBM), em 1989. À constatação da continuidade da acumulação da dupla jornada de trabalho, soma-se o ambiente de hostilidade e sexismo no Parlamento brasileiro e a baixa presença de mulheres em seus cargos de direção. Tais vivências geram uma compreensão do compartilhamento de experiências comuns. Estas experiências, contudo, são também atravessadas por outras relações sociais, como de etnia e classe social, que por vezes se sobrepõem em termos de prioridade nos mandatos parlamentares àquelas de mulheres. Na Legislatura 2011-2014, a religiosidade foi um fator de antagonismo entre algumas deputadas. No capítulo 3, apresentarei de maneira mais detalhada suas convergências e divergências enquanto Bancada Feminina.

120

121

PARTE II

122

123

Capítulo 3

Agência individual e a organização da Bancada Feminina

Continuando a análise da Bancada Feminina a partir das dimensões estabelecidas por Claus Offe, no terceiro capítulo tratarei das motivações individuais que podem levar as parlamentares a integrar ativamente esse grupo e da “própria organização, a produção de seus recursos, seu crescimento, sua burocratização e diferenciações internas e suas relações com outras organizações”305. Para tanto, utilizarei documentos coletados durante o trabalho de campo, realizado na Câmara Federal, em Brasília (DF) – atas de reuniões, relatórios, listas de presença e materiais de divulgação – assim como entrevistas com quatro funcionário/as da Secretaria da Mulher – Lin Israel Santos (Chefe de Gabinete), Luciana Rubino (assessora da coordenação da Bancada Feminina), Marília Ribas (assessora da Procuradoria da Mulher) e Talita Victor (assessora da Secretaria da Mulher); e com Joluzia Batista, representante do CFEMEA (Centro Feminista de Estudos e Assessoria), grupo de pressão306

305

OFFE, op. cit., p. 223, nota 213. Utilizo aqui “grupo de pressão” em detrimento de lobby por concordar com Salete Maria da Silva, segundo quem o termo lobby não é muito utilizado na tradição literária brasileira e se afigura como pejorativo, proveniente de setores econômicos que “„se utilizam não apenas de meios legais, mas abundantemente da corrupção‟ para garantir suas ambições, posições e interesses, notadamente financeiros”. SILVA, op. cit., p. 60, nota 42. 306

124

que atua junto à Bancada Feminina a partir dos anos 1980 307 e que aparece em ata de reunião como consultoria convidada. Recorrerei também às pesquisas já mencionadas no capítulo 2, assim como às entrevistas com deputadas federais feitas por mim. Em primeiro lugar, apresentarei compreensões individuais sobre as posições diferenciadas das mulheres na política institucional para, depois, analisar suas práticas, mais precisamente sua organização enquanto Bancada Feminina na Câmara dos Deputados.

3.1 – Consciências diferenciadas

Diagnosticar a divisão sexual do trabalho e seus impactos nas práticas sociais, como proposto no capítulo 2, é muito útil para refletir sobre as maneiras como estrutura-se a opressão sobre as mulheres. Porém, ouvir os relatos daquelas que atuam na política institucional também mostra o quanto não é simples criticar a dicotomia homemcultura/mulher-natureza308. Citando Harding, até que sejam mudadas nossas práticas dualistas (separação da experiência social em mental e manual, em abstrata e concreta, emocional e negadora das emoções), somos forçadas a pensar e a existir no interior da própria dicotomização que criticamos309.

Parte das falas das deputadas federais indica compreensões que podem ser atribuídas a uma aproximação com que Linda Nicholson denominaria como

307

PINTO, Céli Regina. “Feminismo, História e Poder”. Revista de Sociologia e Política, São Paulo, v. 18, nº 36: 15-23, jun. 2010, p. 17. 308 MATHIEU, 1973, p. 101-113. 309 HARDING, Sandra. “A instabilidade das categorias analíticas na teoria feminista”. Revista Estudos Feministas, v.1., n.1., Florianópolis, p.7-32, 1993, p. 26.

125

“fundacionalismo biológico”310. De acordo com Nicholson, “o fundacionalismo biológico não equivale ao determinismo biológico porque, ao contrário deste, inclui algum elemento de construcionismo social, [mas o] faz de forma problemática”311. O argumento fartamente utilizado pelas parlamentares é que elas atuariam de maneira positivamente diferenciada em relação aos homens porque possuem determinadas “características femininas” decorrentes de uma composição anatômico-fisiológica própria – o sistema reprodutivo – e de condições sociais específicas – a possibilidade de exercer a maternidade social. Ao advogar em favor da “sensibilidade”, do “cuidado” e da “paixão” que moveriam as mulheres, as parlamentares se apropriam das mesmas justificativas que historicamente serviam para mantê-las fora da vida pública, como a de que não seriam capazes de atuar com racionalidade em um ambiente tão “duro” quanto a política institucional. Essa abordagemé problemática em ao menos dois pontos: o primeiro, porque generaliza as mulheres como um coletivo abstrato e sujeito às intempéries da natureza, apagando suas diferenciações, como de “raça”, etnia, classe social, geração etc., ou até mesmo antagonismos, e também apagando as raízes culturais da desigualdade entre elas e os homens; o segundo, porque a reivindicação das mulheres para ampliar sua participação na política institucional repousa sobre o não cumprimento pleno do ideal republicano de igualdade mas, ao aderir ao fundacionalismo biológico, esse discurso torna-se contraditório. Para manter a coerência, seria preciso mudar o princípio da cidadania de neutra para uma que fosse sexuada, como sugere, entre outras, Carole Pateman.

310

NICHOLSON, Linda. “Interpretando o gênero”. Rev. Estud. Fem. vol. 8, n. 2, Florianópolis, p.11-33, 2000, p. 5. 311 Ibidem.

126

Essa posição ocupada pelas mulheres gera o que Pateman chamou de “dilema de Mary Wollstonecraft” 312 , em que, diante da cidadania patriarcal, ou as mulheres integram a política institucional enquanto indivíduos, e a igualdade as torna semelhantes aos homens, negando suas experiências e suas vidas de mulheres; ou elas são inclusas na cidadania como mulheres e a diferença sexual ratifica a separação entre o público e o privado, representada pelo domínios político e doméstico, respectivamente, o que as deixaria com atributos e em atividades que são justamente aquelas excluídas pela cidadania patriarcal: por um lado, elas [as mulheres] exigiram que o ideal de cidadania deveria ser estendido a elas e que a conclusão lógica dessa forma de demanda é um mundo social “neutro” em termos de gênero, de acordo com a agenda do feminismo liberal. Por outro lado, as mulheres também insistiram nas suas capacidades específicas, talentos, necessidades e preocupações, tanto que a expressão de sua cidadania seria diferenciada daquela dos homens. [...] A compreensão da cidadania patriarcal significa que as duas demandas são incompatíveis.313

Esse debate, registra Pateman, começou há mais de 300 anos e seria imperativo “para que cheguemos a conclusões felizes (...) avançar para conceitualizações radicais que permitam a elaboração de uma teoria compreensiva da verdadeira prática democrática”314. Ela encontra como saída ao dilema de Wollstonecraft a valorização da maternidade, com uma cidadania diferenciada segundo o gênero, que daria “uma significação política à maternidade, colocando-a diante do equivalente das virtudes cívicas da cidadania

312

PATEMAN, Carole, The Sexual Contract. Stanford: Stanford University Press, 1988, cap. 4, p. 30. Ibidem, p. 30. 314 PATEMAN, “Féminisme et démocratie”. In: SGIER, Lea, 2000, p. 118. 313

127

republicana fundada sobre a habilidade de manejar armas” e desconstruiria a separação entre o privado e o público315. A também anglófona Mary Dietz rebate Pateman dizendo que a relação entre cidadãos conclama a igualdade, a distância e a inclusão e que o peso político dado à maternidade levaria a um essencialismo que coloca homens e mulheres em duas categorias homogêneas no campo da cidadania: ao cidadão soldado corresponderia a mãe-cidadã316. Como se todas as mulheres quisessem/pudessem ser mães e não gostassem de portar armas, e como se todos os homens estivessem pré-dispostos à violência e não se relacionassem com crianças. Para Dietz317 Essa premissa sugeriria como ponto de partida precisamente o que uma atitude democrática tem que negar – que as vozes de um grupo de cidadãos é geralmente melhor, merece mais atenção, mais valiosa para emulação, mais moral que quaisquer outras. Uma feminista democrática não pode dar espaço para esse tipo de tentação com o receio de que a democracia em si perca seu sentido e a cidadania, seu nome especial.

Concordando com Dietz, no Brasil, o pressuposto do qual parte a Constituição é a igualdade de todas as pessoas perante a lei e o que há de divergência prática em sua concretização não deve ser vista como uma distinção permanente a ser valorizada, mas sim algo a ser combatido em busca da efetiva equidade entre todos/as. No levantamento de Grossi e Miguel, na articulação entre o desejo do poder e formas culturalmente construídas com o do gênero feminino, “há uma recorrência ao exemplo da maternidade (...). Seria [por ela] que muitas mulheres se habilitariam para o

315

MARQUES-PEREIRA, Bérengère. L‟inclusion des femmes en politique et la théorie politique anglosaxonne. In: BARD, Christine; BAUDELOT, Christian; MOSSUZ-LAVAU, Janine. Quand les femmes s’en mêlent - genre et pouvoir. Paris: Éditions de La Martinière, 2004,p. 131-132. 316 DIETZ, 1998, apud MARQUES-PEREIRA, ibidem. 317 DIETZ, 1987, apud PHILLIPS, Anne. The Politics of Presence. Nova York: Oxford University Press, 2003, p. 75.

128

social”318. A então deputada federal Maria Elvira (PMDB/MG), por exemplo, afirma ter certeza de que as mulheres exercem o poder considerando suas qualidades intrínsecas, como a “maternidade, sua preocupação com o Outro, seu sentimento social”. Tal inerência aparece também nas respostas das 87 vereadoras entrevistadas por Fanny Tabak em 1982: ela perguntou se “ser mulher” influenciaria na atuação política e obteve como resposta que as mulheres “têm mais sensibilidade” e mais “criatividade” 319 . Na pesquisa de 2012, questionadas sobre se a mulher “faria política” diferente dos homens, a maioria respondeu que sim, utilizando argumentos como a sensibilidade, a feminilidade e o cuidado. “Queira ou não, nós temos mais sensibilidade que os homens”, afirmou Simone Morgado (PMDB/PA). O depoimento de Morgado mostra como, para ela, a sensibilidade não é uma opção, mas algo que é “próprio” das mulheres. No relato de Ângela Amin (PP/SC), a sensibilidade vêm junto com atributos como a preocupação com a beleza da cidade e as crianças. O cuidado materno é estendido ao cuidado com a coisa pública e gera uma nova noção “estética”320: [a diferença das mulheres] é o cuidado com a cidade (...). Tinha coisas com as quais eu era muito impertinente [quando prefeita]: a limpeza, a flor, o zelo, se tinha uma criança na cidade eu criava encrenca com as assistentes sociais.

Pela fala de Amin fica dúbia sua intenção em relação à referida criança: se é acolhê-la ou limpar as ruas da cidade – a política higienista que envolve expulsão de pessoas em situação de rua é recorrente nos representantes da direita brasileira, como ela. Na pesquisa de Grossi e Miguel, de 2001, a deputada federal e ex-prefeita de São Paulo Luiza Erundina (PSB/SP) afirma que ela e suas colegas teriam de modificar a

318

GROSSI, MIGUEL, ibidem, p. 188, nota 230. TABAK, ibidem, p. 139, nota 182. 320 MENEGUELLO et. al., op. cit., p. 37, nota 13. 319

129

cultura política e o exercício do poder fazendo-o de “forma feminina”, que seria “ética, sensível, solidária e democrática”. As mulheres não poderiam, segundo ela, “reproduzir a forma autoritária, centralizadora, dominadora e patriarcal de exercer o poder, o padrão masculino vigente em sociedades como a nossa”. Não é por acaso, dizem Grossi e Miguel, que essas questões aparecem quando se discute o papel das mulheres na política, que seria o de tornar os espaços de poder menos “áridos” e cruéis, ao mesmo tempo mais dignos, com a diminuição da corrupção. Outro atributo que foi historicamente utilizado para coibir a participação das mulheres na vida pública é seu suposto temperamento passional. A paixão, porém, antes um estigma, surge como algo positivo no relato da ex-governadora e ex-senadora Ana Julia Carepa (PT/PA): “as mulheres são muito apaixonadas, a gente põe muito o coração no que a gente faz, em tudo. Eu sou assim, eu faço o que eu faço por amor e ponto”. Mas ela faz uma ressalva: “Não são todas as mulheres claro, mas que eu vejo isso em muitas mulheres que se faz a política com mais paixão, mais emoção”. É interessante perceber que apesar de apelar para a essencialização, Carepa não generaliza, percebendo diferenças entre as mulheres. A vereadora paulista Sandra Tadeu Mudalen (DEM/SP) fala da sensibilidade, que surgiria a partir de condições de vida das mulheres, mas também de seu “coração grande”: “acho que muitas vezes as mulheres, já logo cedo, vão tendo uma certa responsabilidade, desde o berço: se a mãe é trabalhadora e tem uma filha mais velha, ela fica gerenciando; ela tem a sensibilidade”. Para Tadeu, a mulher tem a “sensibilidade, o coração dela é maior em termos de sentimento, nós temos uma capacidade”. Na perspectiva da divisão sexual do trabalho, ocorre exatamente o contrário: a tal sensibilidade, na verdade

130

um treinamento, não vem de uma aptidão sentimental, mas da responsabilidade em exercer tais tarefas. O fundacionalismo biológico pode implicar em posicionamentos que advoguem pela exclusividade da formulação de projetos de lei a respeito de mulheres pelas próprias mulheres.Em 22/02/1988, Abigail Feitosa, deputada federal constituinte pelo PSB/BA, afirmava ser contrária a homens legislarem sobre assuntos relacionados às mulheres321: O aborto não coloca a mulher mais liberada. Aqui discuto e discordo do nobre Constituinte José Genoino: primeiro, porque foi um acordo de toda a bancada das mulheres, que esse assunto não viria a ser constitucional. O Constituinte José Genoino não tem mais direito de defender os interesses das mulheres do que a bancada das mulheres.

Na ocasião, o deputado petista havia defendido a descriminalização do aborto, que não era vista por Feitosa como uma questão a ser discutida por toda a sociedade e seus representantes, mas sim pelas mulheres. Médica obstetra e ginecologista, nesse pronunciamento ela trouxe sua experiência de trabalho em hospitais da rede pública, onde teria conhecido “de perto a miséria e a carência das mulheres da Bahia, que é a mesma das mulheres de todo o Brasil”. Feitosa afirmou ainda que se candidatou “pela luta das mulheres” e “pela sua emancipação, porque entendo que a mulher tem que ter um lugar na sociedade igual ao do homem e, para isso, defendemos a necessidade dela se capacitar para disputar com ele em condições de igualdade”. A igualdade aqui é compreendida como uma condição que permite às mulheres disputar, em nível equivalente, a política institucional com os homens para aprovar pautas que sejam formuladas por elas e de seu interesse. No estudo de Rita Santos, a deputada Anna Maria Rattes (PMDB/RJ) fez “um apelo às características da mulher, que na sua opinião justificam a necessidade de elas se

321

CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2011, p. 16.

131

identificarem como representantes do sexo feminino” 322 . Seu argumento é de que “as políticas públicas são feitas para os homens, que não dão a mínima atenção para as especificidades femininas”323. Há também visões destoantes destas e que se aproximam do construcionismo social, mas são minoritária e predominantemente vindas de parlamentares de partidos de esquerda e centro-esquerda, que tem proximidade histórica com os movimentos feministas. Na pesquisa de Grossi e Miguel, a deputada federal Jandira Feghali (PCdoB-RJ) defende que as mulheres transformaram-se em pessoas bastante sensíveis “por causa de todos os aspectos culturais e subjetivos da realidade”. As características adquiridas por suas experiências distintas, disse Feghali, apareceriam nos “novos espaços”, como a política institucional. Em 2012, Luciane Carminatti (PT/SC), deputada estadual, ressaltou não gostar324 dessa fala de que a mulher é mais sensível, a mulher é mais honesta, eu acho que isso não nos ajuda, tem mulheres que se corrompem, tem mulheres que não são sensíveis, muito pelo contrário, também fazem a política masculina, do olhar masculino, então eu acho que não está pregado isso, por ser mulher eu sou melhor em tudo que eu faço, não, acho que é uma construção social, histórica, coletiva, mas o importante é que a gente ultrapasse o mundo masculino como mulheres, e com mulheres comprometidas com homens e mulheres, esse é o desafio que tá colocado, então eu não sou dessa tese de que basta ter mulher pra política, pro mundo ser melhor, eu acho que não, eu acho que é uma disputa constante.

322

SANTOS, op. cit., p. 202, nota 42. Ibidem. 324 MENEGUELLO et. al., op.cit., p. 39, nota 13, grifo meu. 323

132

Essa perspectiva tende a ser mais recorrente entre parlamentares que identificam-se como de esquerda. Ao compreenderem que não apenas essas, mas todas as relações sociais são passíveis de mudança, elas propõem uma transformação das estruturas de poder, a de gênero inclusive. Marinor Brito (PSOL/PA) disse que o que define homens e mulheres são os “princípios ideológicos”. Para a ex-senadora, as mulheres “são tão fáceis de serem corrompidas quanto os homens. Elas são tão fáceis de ser sensibilizadas para acomodação quanto os homens. Isso não faz diferença.” Marinor defendeu uma política das ideias no lugar de uma política das identidades: “eu torço muito quando uma mulher socialista ocupa um espaço. Mas eu fico triste quando uma mulher conservadora ocupa um espaço na vida pública (...) é melhor que fiquem os homens então”. Compartilhando um ponto de vista semelhante, para a deputada estadual Maria Alves dos Santos (PSDB/PA), de um partido de centro-direita, “depende muito da mulher, [tem] mulher muito dedicada (...), então depende, mas não basta ser mulher, tem também péssimos exemplos do sexo feminino, mulheres corruptas, então não basta ser mulher, é lamentável”. É possível perceber que a perspectiva de uma “unidade” de mulheres desaparece quando as parlamentares aproximam-se do construcionismo social. Não falam mais em nome de um coletivo, mas apontam divisões ideológicas, que podem colocar as mulheres em campos distintos e terem os homens como aliados ou inimigos. Dessa maneira, em geral, não é a apenas a noção de um grupo minoritário que as unifica, mas também, para a maioria delas, a “sensação” de que há algo “feminino intrínseco”. Porém, a mera existência de opiniões divergentes, mesmo que sejam poucas, já demonstra que nenhuma unidade “natural” é possível. Veremos, adiante, como a “sensibilidade”, o “carinho” e outras “características” levantadas pelas parlamentares podem ser traduzidas – ou não – em suas ações legislativas.

133

3.2 – Organização como Bancada Feminina 3.2.1 – Só mulheres, nada mais do que mulheres

A organização da Bancada Feminina é expressão da valorização de uma noção biologizante. O artigo 3ode seu regimento interno, de 2007 (cf. anexo 3) prevê que ela é composta pelas deputadas federais de todos os partidos representados na Câmara dos Deputados. “A Bancada funciona assim: é mulher e está eleita, está dentro” 325 , explica Talita Victor, assessora da Secretaria da Mulher. “Na Bancada aparece quem quiser, mas todas são convocadas”326, isto é, fazem parte, diz Marília Ribas, assessora da Procuradoria da Mulher. O “ser” mulher a que ambas referem-se é embasado no critério biológico da fêmea humana sob o qual são registradas as candidaturas na Justiça Eleitoral para concorrerem ao pleito e, posteriormente, serem diplomadas deputadas 327 . Utilizar tal parâmetro para um recrutamento automático de integrantes da Bancada Feminina é bastante complicado do ponto de vista da elaboração teórica feminista porque remete ao determinismo biológico abordado acima. Afinal, recorrendo à notória elaboração de Simone de Beauvoir328, Não se nasce mulher, torna-se. Nenhum destino biológico, psíquico ou econômico define a figura que reveste no seio da sociedade a fêmea humana; é o conjunto da civilização que elabora esse produto

325

VICTOR, Talita. Entrevista. 2014. Entrevista concedida a Maíra Kubík Mano em Brasília, 17/09/2014. RIBAS, Marília. Entrevista. 2014. Entrevista concedida a Maíra Kubík Mano em Brasília, 17/09/2014. 327 Informações do Tribunal Superior Eleitoral. Disponível em . Acesso em 04/12/2014. 328 BEAUVOIR, 1999 p. 207. 326

134

intermediário entre o macho e o castrado ao qual se qualifica de feminino. Unicamente a mediação de outro pode constituir um indivíduo como Outro.” [grifos meus]

Beauvoir inspirou reflexões329 cuja preocupação tem sido, desde então, fazer a crítica ao essencialismo e à ideia de que existe natureza humana “originária, preservada no fundo das coisas, esperando para algum dia ser desvelada ou libertada, quando levantássemos a tampa da repressão”330. As teorias feministas contribuíram para indicar a construção histórica das identidades sociais como “pontos de apegos temporários às posições-de-sujeito que as práticas discursivas constroem para nós”331. Partindo de Beauvoir e Michel Foucault, cuja genealogia expôs o corpo totalmente marcado pela história332, Judith Butler examinou a “materialidade do corpo” ao analisar os limites discursivos do sexo e as políticas do feminismo. Para Butler, o sujeito é construído mediante atos de diferenciação exteriores, sem haver reflexividade ontologicamente inata. É colocado dentro de um contexto cultural “ready-made” e, dessa maneira, não há sexo que não seja, desde sempre, também o gênero. “Todos os corpos são „generificados‟ desde o começo de sua existência social”333, diz ela, e o gênero é aplicado a pessoas reais como uma “marca” de diferença biológica, linguística e/ou cultural em “um corpo (já) diferenciado sexualmente”334.

329

SCAVONE, 2003, p. 30. RAGO, Margareth. “E se Nietzsche tivesse razão?”. In: SCAVONE, Lucila (org.). Tecnologias reprodutivas: gênero e ciência. São Paulo: Edunesp, Seminários & Debates, 1996, p. 39-40. 331 HALL, Stuart. “Quem precisa de identidade?”. In SILVA, Tomaz Tadeu. Identidade e diferença. Petrópolis: Vozes, 2012, p. 112. 332 Ibidem, p. 121. 333 SALIH, Sara. Judith Butler e a Teoria Queer. Belo Horizonte: Editora Autêntica, 2012, p. 89. 334 BUTLER, Judith. Problemas de gênero - Feminismo e subversão da identidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1990, 3a ed., p. 28. 330

135

Se o sexo, assim como o gênero, é um construto social, a unidade da Bancada Feminina por meio da biologia, tanto quanto da cultura, não faz sentido. Da mesma maneira que existem diferenças de classe, “raça”, etnia, geração etc. que dividem as mulheres e não podem ser ignoradas, seus corpos também tem outras atribuições que as separam, como narizes grandes ou pequenos, orelhas maiores ou menores etc., e que ganhariam tanta ou maior relevância do que o aparelho reprodutivo a depender de cada sociedade e época, pondera Butler. Contudo, e por mais que Butler e Foucault sejam convincentes, concordo com a crítica de Stuart Hall: embora possa se tratar de um falso autorreconhecimento, é sob essa forma que “o corpo tem funcionado como significante da condensação das subjetividades no indivíduo e essa função não pode ser descartada apenas porque, como Foucault tão bem mostra, ela não é „verdadeira‟” 335 . Assim, esses corpos tem realidades anatômicofisiológicas que são utilizadas como justificativa para opressões construídas socialmente, embasando o “discurso de Natureza”. Se “raça” e “sexo” não existem, não se pode dizer o mesmo do racismo e do sexismo. Cito outra autora que inspira-se em Foucault, Joan Scott336: Os eventos que determinam que minorias são minorias o fazem através da atribuição do status de minoria a algumas qualidades inerentes ao grupo minoritário, como se essas qualidades fossem também a racionalização de um tratamento desigual. Por exemplo, a maternidade foi frequentemente oferecida para a exclusão das mulheres da política (...) quando de fato a relação da causalidade se dá ao inverso: processos de diferenciação social produzem exclusões e escravizações que são então justificados em „termos de biologia ou raça‟.

335

HALL, 2012, p. 122, grifo meu. SCOTT, Joan. O enigma da igualdade. Revista de Estudos Feministas, v.1, n.13,Florianópolis, p. 11-30, janeiro-abril/2005, p. 18-19. 336

136

3.2.2. Participação ativa

Apesar de todas integrarem a Bancada Feminina automaticamente, nem todas participam ativamente, ou seja, estão presentes em suas reuniões e atividades. Durante o trabalho de campo, tive acesso a um ano de atas e listas de presença (anexo 4), entre junho de 2013 e maio de 2014, da Bancada Feminina. Ao analisar a documentação, percebe-se que o nível de interesse é variado e a presença das mulheres depende da pauta: a reunião mensal ordinária tem, em média 6 pessoas, menos que 13% do total das parlamentares, que somam 48; enquanto 13 deputadas estiveram em um encontro com o Ministro da Saúde, Arthur Chioro, em 12/03/2014 para discutir prevenção do câncer de colo do útero, vacina de HPV e a mamografia gratuita a partir dos 40 anos; já a primeira reunião do ano, em 06/02/2014, quando foram definidas as prioridades da Bancada, teve até 18 pessoas, quase 40% das parlamentares. “Quando recebemos algumas delegações estrangeiras, temos uma presença grande [das deputadas]. Mas na rotina, elas não costumam ir” 337 , lamenta Jô Moraes (PCdoB-MG). Luciana Rubino, assessora da coordenação da Bancada Feminina, avalia que a Bancada Feminina, no meu ponto de vista, não é um colegiado forte no sentido de que as deputadas não estão priorizando a participação delas nesse espaço. O que acontece é que sempre tem aquele número de deputadas, aquele grupinho de meia dúzia, que sempre vai, no máximo 10, que vão nas reuniões, que têm alguma participação, que se envolvem com os projetos que acontecem aqui, e que 338 tem o resto que atua independente.

337 338

MORAES, 2014. RUBINO, Luciana. Entrevista. 2014. Entrevista concedida à Maíra Kubík Mano em Brasília, 17/09/2014.

137

Ao todo, no período analisado, 36 deputadas compareceram ao menos uma vez em reuniões e atividades da Bancada, entre 48 parlamentares mulheres – o número varia para menos, conforme algumas pedem licença para exercer outros cargos, ou para mais, se ingressam como suplentes de um deputado por algum período. Apesar de 36 deputadas parecer um número bastante elevado, a participação é errática, o que corrobora com o depoimento de Rubino e Jô Moraes citados acima. A tabela de frequência das deputadas federais está organizada por bancadas partidárias, na ordem que consta na lista de presença fornecida pela Secretaria da Mulher. As linhas finais são para aquelas que não participaram em nenhuma atividade da Bancada Feminina.

Tabela 3: Frequência das deputadas federais em reuniões da Bancada Feminina

Deputada federal / Nome

Partido e Unidade da Federação

1. Benedita da Silva

PT-RJ

Frequência em 14 reuniões (entre 06/ 2013 e 05/2014) 3

2. Dalva Figueiredo

PT-AP

1

3. Erika Kokay

PT-DF

8

4. Iara Bernardi

PT-SP

5

5. Janete Rocha Pietá

PT-SP

4

6. Luci Choinacki

PT-SC

1

7. Margarida Salomão

PT-MG

2

8. Maria do Rosário

PT-RS

1

9. Maria Lúcia Prandi

PT-SP

1

10. Marina Santanna

PT-GO

2

11. Elcione Barbalho

PMDB-PA

7

12. Fátima Pelaes

PMDB-AP

1

138

13. Iris de Araújo

PMDB-GO

2

14. Nilda Gondim

PMDB-PB

5

15. Alice Portugal

PCdoB-BA

1

16. Jô Moraes

PCdoB-MG

11

17. Luciana Santos

PCdoB-PE

2

18. Manuela d‟Ávila

PCdoB-RS

1

19. Perpétua Almeida

PCdoB-AC

1

20. Keiko Ota

PSB-SP

6

21. Janete Capiberibe

PSB-AC

2

22. Luiza Erundina

PSB-SP

1

23. Sandra Rosado

PSB-RN

3

24. Flavia Morais

PDT-GO

6

25. Antonia Lucia

PSC-AC

1

26. Gorete Pereira

PR-CE

3

27. Magda Mofatto

PR-GO

4

28. Rosinha da Adefal

PTdoB-AL

7

29. Rosane Ferreira

PV-PR

8

30. Professora Dorinha

DEM-TO

3

31. Carmen Zanotto

PPS-SC

3

32. Cida Borghetti

PROS-PR

1

33. Liliam Sá

PROS-RJ

1

34. Nilmar Ruiz

PEN-TO

3

35. Iracema Portella

PP-PI

1

36. Aline Corrêa

PP-SP

1

37. Andreia Zito

PSDB/RJ

0

38. Bruna Furlan

PSDB/SP

0

39. Mara Gabrilli

PSDB/SP

0

40. Fátima Bezerra

PT/RN

0

41. Goaciara Cruz

PR/TO

0

139

42. Iriny Lopes

PT/ES

0

43. Jandira Feghali

PCdoB/RJ

0

44. Jaqueline Roriz

PMN/DF

0

45. Lauriete

PSC/ES

0

46. Maurinha Raupp

PMDB/RO

0

47. Nice Lobão

PSD/MA

0

48. Rose de Freitas

PSDB/ES

0

Tabela feita a partir de dados recolhidos durante o trabalho de campo. Lista detalhadas de presença no anexo 2.

As deputadas mais presentes são aquelas que integram a direção da Bancada: Jô Moraes (PCdoB-MG), a coordenadora, esteve em 11 reuniões; Rosane Ferreira (PV-PR), primeira coordenadora adjunta, em 8 reuniões; e Érika Kokay (PT-DF), terceira coordenadora adjunta, também em 8 reuniões. Flávia Morais (PDT-GO), segunda coordenadora adjunta, compareceu a 6 encontros. Membros da Procuradoria da Mulher da Câmara Federal, um outro órgão que apresentarei a seguir, também estão entre as que mais figuram nas listas de presença: Elcione Barbalho (PMDB-PA), procuradora, esteve em 7 reuniões, assim como Rosinha da Adefal (PTdoB – AL), primeira procuradora adjunta. Gorete Pereira (PR-CE), segunda procuradora ajunta, apareceu em 3 encontros. A exceção é Liliam Sá (PROS-RJ), terceira procuradora adjunta, que esteve em apenas uma reunião apesar de, em entrevista, ela declarar-se bastante ativa na Bancada. Entre as assessoras, porém, sua presença é uma vaga lembrança. “Tem uma adjunta aqui que eu nunca vi. A

140

Lilian Sá já veio?”, perguntou Talita Victor às outras funcionárias da Secretaria da Mulher339. Rubino confirma que a viu uma vez. A partir dos dados, podemos inferir que a presença na Bancada Feminina é também relacionada à ocupação dos cargos. Participa com mais frequência quem tem um compromisso administrativo. A deputada federal Janete Pietá (PT-SP), que antecedeu Jô Moraes na coordenação, no período analisado foi a 4 reuniões, enquanto anteriormente era, junto com seu gabinete, a principal responsável por convocar as atividades da Bancada Feminina e, portanto, esteve bastante presente. Pelas entrevistas, não há relatos de disputas para a ocupação desses cargos. Jô Moraes, coordenadora, afirma que seu nome foi praticamente consensual porque ela têm como característica pessoal muito forte a mediação, algo que seria fundamental para o exercício da função. Por seu depoimento, percebemos que se não existe uma briga pela direção, existem discussões internas que precisam ser contornadas e ânimos amainados, o que é previsível em uma situação de “balaio de gato” como a da Bancada Feminina. A partir das listas de presença, é possível ainda subdividir as parlamentares membros da Bancada em ao menos quatro grupos internos distintos. São deputadas que:

a) Identificam-se como feministas e participam da Bancada Feminina, em especial em sua direção; b) Têm proximidades com algumas pautas relacionadas às mulheres e participam da Bancada Feminina ocasionalmente ou como direção; c) Não participam da Bancada Feminina;

339

VICTOR, 2014.

141

d) Atuam contrariamente à direção da Bancada Feminina, mais especificamente integrantes da Bancada Evangélica. Integram o grupo “a” algumas representantes de dois partidos posicionados à esquerda (PT e PCdoB). Já o grupo “b” tem partidos de esquerda, centro e de direita (PT, PCdoB, PMDB, PSB, PROS, PR, PDT, PP, PTdoB, PV, PPS, PEN e DEM). Integram o grupo “c” membros de partidos de centro e centro-esquerda (PSDB, PSD e PMN). E do grupo “d”, um partido de direita, o PSC. Na legislatura analisada, tinham representação na Câmara Federal, mas não feminina, e, portanto não integravam da Bancada, os seguintes partidos: PSOL, SD, PRP, PTB e PRB. As parlamentares entrevistadas por mim durante o trabalho campo pertencem aos grupos “a” e “b”, ou seja, que tem alguma participação na Bancada Feminina. As tentativas feitas para entrevistar as membros do grupo “c” não foram bem sucedidas. Os inúmeros contatos com suas assessorias, embora sempre atenciosos, demonstraram que não havia interesse por parte das deputadas em comentar assuntos relacionados à Bancada Feminina e à questões de gênero na Câmara Federal. Já os gabinetes das parlamentares do grupo “d” não pareciam tão bem estruturados e habituados a estabelecer uma agenda de entrevistas. Figuras com atuação destacada no Congresso, as deputadas Rose de Freitas (PMDB/ES), que foi vice-presidenta da Câmara Federal, e Jandira Feghali (PCdoB/RJ), única mulher presidenta de uma Comissão, a de Cultura, não participaram em nenhuma atividade da Bancada. Outra ausência bastante notável é de Iriny Lopes (PT/ES), que foi ministra da Secretaria Especial de Política para as Mulheres durante um ano, de janeiro de 2011 a fevereiro de 2012 – ela deixou cargo para disputar a prefeitura de Vitória, mas ficou em terceiro lugar.

3.2.3. A coordenação

Desde o lobby do batom, a Bancada Feminina é dirigida por integrantes de partidos de centro e centro-esquerda. O Regimento Interno, de 2007, prevê que a Bancada é

142

coordenada por um colegiado de Deputadas, composto por uma integrante de cada partido com representação feminina na Casa. O colegiado escolhe uma diretoria executiva com mandato de um ano e com três deputadas federais e uma coordenadora-geral. Em 2013, na criação da Secretaria da Mulher, duas alterações foram feitas: estabeleceu-se o voto secreto para a eleição da direção e o mandato passou a ser de dois anos. Jô Moraes comenta a presença majoritária de deputadas à esquerda na coordenação da Bancada: Foi um longo período, que teve seu auge na Bancada do batom, na Constituinte, em que as mulheres tentaram atuar de uma forma agrupada, organizada. A principal característica dessa articulação das mulheres ao longo desse período é que ela foi marcada por ter no eixo a luta por direitos e ter na sua direção representantes de bancadas à esquerda, com todo seu histórico. Em que pese o não crescimento quantitativo, a bancada feminina passou a ter uma força política qualitativa.340

Não é simples localizar os partidos políticos brasileiros na régua ideológica convencional341, mas utilizei aqui as referências de Power e Zucco 342 e, nos casos em que seus dados não se referem a determinada agremiação, recorri aos estatutos partidários para analisar seus ideários (PSOL, PROS, SD, PTdoB, PSC). A única exceção é o PSDB, que Power e Zucco colocam ao centro, mas que parece-me uma informação defasada após uma década da publicação de seu artigo. Recorro à Secco, para quem, nos últimos anos o PSDB passou a identificar-se como um partido de centro-direita343. Cheguei, então, ao seguinte espectro:

340

MORAES, 2014. MENEGUELLO et.al., op. cit., p. 7, nota 13. 342 POWER, Timothy; ZUCCO Jr, Cesar. Estimating Ideology of Brazilian Legislative Parties, 1990 –2005. A Research Communication. Latin American Research Review, Vol. 44, n.1, p. 218-246, 2008. 343 SECCO, op.cit., p. 192 nota 37. 341

143

Tabela 4: Espectro político partidário brasileiro.

LOCALIZAÇÃO NO ESPECTRO

PARTIDOS

Partidos de esquerda com representação na PSOL Câmara Federal Partidos

de

Centro-esquerda

com PCdoB, PSB, PT, PDT, PMN, PROS

representação na Câmara Federal Partidos de Centro com representação na PV, PPS, PMDB, PSD, PRB, PEN, SD Câmara Federal Partidos de Centro-direita com representação na Câmara Federal Partidos de Direita com representação na Câmara Federal

PSDB PTB, PR, PP, DEM, PTdoB, PSC, PHS

Faziam parte da base governista da presidenta Dilma Rousseff (PT), em 2011: PT, PCdoB, PMDB, PP, PSD, PROS, PSB, PDT, PMN, PTC, PSL, PR, PTB, PHS, PSC e PTdoB. Posteriormente, PSB e PTdoB. deixaram a base aliada. Na oposição, estavam PSDB, DEM, PPS, PEN, PSOL e SD. O PV declara-se “independente” – em 2014, o PSC, o PR e o PTB também passaram para esse grupo. Os partidos que, ao longo do tempo, mais integraram a coordenação da Bancada Feminina são PT, PCdoB e PMDB. Além de terem as maiores bancadas de mulheres proporcionalmente ao tamanho de suas legendas, são também aqueles que, desde o período da redemocratização, atuam junto aos movimentos de mulheres e feministas, como visto no capítulo 1. Jô Moraes, por exemplo, foi coordenadora da Comissão Pró-Federação de Mulheres de Minas Gerais, em 1982; presidente fundadora do Movimento Popular da Mulher de Belo Horizonte, em 1983; coordenadora executiva do Conselho Estadual da

144

Mulher, em 1984, e primeira presidente da União Brasileira de Mulheres (UBM), em 1989, entidade ligada ao PCdoB, seu partido. Jô Moraes explica que “a coordenação da Bancada tem uma estatura de falar em nome”, mas que ela “evita muito falar sem uma consulta mais ampla” 344. Contudo, se a maioria das parlamentares não participa com frequência das reuniões e atividades, as decisões ficam a cargo das deputadas de centro-esquerda e centro que dirigem a Bancada, o que pode implicar em posicionamentos mais alinhados com estes interesses, como veremos na discussão sobre pautas. Assim, a ocupação da direção pode ser compreendida não apenas pela proximidade histórica com os movimentos de mulheres e feministas, mas como um espaço estratégico para que representar asdemandas deles. Após 2013, com a criação da Secretaria da Mulher, exposta no próximo item, a coordenaria ganhou mais peso: a Bancada Feminina obteve um assento no Colégio de Líderes, podendo influir na Ordem do Dia da Câmara. O PSOL, único partido de esquerda com representação na Câmara dos Deputados, não tem nenhuma deputada federal – sua bancada resumia-se a três parlamentares na 54a Legislatura.

3.2.4 – Uma nova formatação: a Secretaria da Mulher

Em 2009, foi criada por Michel Temer (PMDB-SP), então presidente da Câmara dos Deputados, a Procuradoria Especial da Mulher, através de uma resolução. A Procuradoria foi pensada pelas próprias parlamentares como um órgão de contato com o

344

MORAES, 2014.

145

meio externo ao Congresso, cumprindo uma das funções atribuídas ao Poder Legislativo, a de fiscalização345, enquanto a Bancada faria a organização das deputadas federais voltada para dentro do próprio Congresso. De acordo com

material de divulgação recolhido

durante o trabalho de campo, a função da Procuradoria é: -

Receber e encaminhar denúncias de violência e discriminação aos órgãos competentes; Fiscalizar e acompanhar a execução de programas federais voltados para a questão de gênero; Cooperar com organismos internacionais para a troca de experiências; Consolidar estudos e pesquisas que possam servir como diretrizes para a formulação de políticas.

A Procuradoria e a Bancada Feminina passaram a funcionar de maneira concomitante e distinta, a primeira com infraestrutura “mínima” e a segunda, sem infraestrutura, como ressalta o Relatório de Atividades da Secretaria da Mulher 2013-2014. Em 2013, Elcione Barbalho, foi eleitaprocuradora pela Bancada Feminina e obteve de Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), recém-empossado presidente da Câmara e membro de seu partido, a promessa de “criar uma estrutura” para a Procuradoria da Mulher funcionar. “A conversa inicial não foi dar estrutura para a Bancada”, diz Rubino, assessora da coordenação. “A conversa inicial foi que existia uma Procuradoria, que é um órgão institucional da Casa. Só que nesse meio tempo, a Janete Pietá cresceu. „Por que vai dar para a Procuradoria? E a gente?‟” 346 , narra Rubino. Pietá (PT-SP) era então a coordenadora da Bancada Feminina e, como explica a assessora, buscou agregá-la na

345 346

CINTRA; LACOMBE, op. cit., p. 152, nota 217. Ibidem.

146

reivindicação de estrutura feita pela Procuradoria da Mulher. “Esse foi o pulo do gato”347, diz Talita Victor, assessora da Secretaria da Mulher, ao referir-se à estratégia adotada por Pietá. Luciano Rubino explica que a Bancada Feminina não tinha uma estrutura até porque “não é da cultura da Câmara ter [...]. Porque senão daqui a pouco ia criar a estrutura dos evangélicos, dos ruralistas. Então a Bancada Feminina atuava como as outras bancadas”348. Nos argumentos que apresentarei a seguir, fornecidos pelas/o funcionarias/o da Secretaria da Mulher, ninguém explica claramente o porquê da obtenção, em 2013, de uma estrutura para a Bancada Feminina e não para as demais. Há informações difusas: a Câmara não teria como acomodar todas, em termos orçamentários e de espaço físico; não faz parte de sua tradição; as mulheres simplesmente conseguiram aproveitar uma oportunidade que as demais bancadas não tiveram etc. No entanto, ficou evidente, pelas conversas, que há uma percepção de um diferencial que justificaria uma estrutura apenas para a Bancada Feminina. Essa percepção lembra bastante o debate sobre a paridade, ainda que não seja tão bem elaborada: mulheres são uma metade das pessoas com direito à cidadania, logo devem ter um espaço diferenciado. Dessa pouca reflexão, podemos presumir que emerge uma vaga compreensão de cidadania diferenciada. “Através da deputada Janete Rocha Pietá, de uma ação, ela conseguiu fazer uma emenda a essa resolução da Câmara e integrar a Bancada Feminina à essa estruturação da

347 348

VICTOR, 2014. RUBINO, op.cit., 2014.

147

Procuradoria da Mulher. E se criou a Secretaria”, narra Lin Israel Santos 349 , Chefe de Gabinete da Secretaria da Mulher. Nesse ínterim, três novos partidos políticos com representação foram criados, o PSD, o PROS e o Solidariedade (SD), e a Câmara Federal teve de disponibilizar salas para suas lideranças. Rubino conta que Foi nesse meio que foi aprovada a estrutura da Procuradoria só que aí mudou a história. O que aconteceu é que começou a se conversar e a Bancada Feminina pediu uma estrutura. Uma vez a deputada Elcione foi numa reunião com o presidente e um outro deputado, que estava de gaiato na conversa, falou „Henrique, por que você não cria uma marca sua? Cria a Secretaria da Mulher. E aí ele „ah, boa ideia!‟. E aí começou a amadurecer a ideia de se criar.350

Talita Victor resume com ironia que a decisão de criar a Secretaria da Mulher foi tomada por dois homens: “As mulheres falaram, falaram e nada. Aí chegou um cara e falou „ó, faz isso aí‟”351. O poder de implementar a estrutura para a autoorganização das mulheres estava nas mãos dos homens, já que eles detinham a Mesa Diretora da Câmara Federal. Pelos depoimentos de Santos, Rubino e Victor, nota-se que o processo de criação da Procuradoria da Mulher e, posteriormente, da Secretaria da Mulher, foram decorrentes de ações individuais de deputados/as que ocupavam cargos de direção. Isso pode ser explicado pela presença errática das demais parlamentares nas atividades da Bancada Feminina, o que reforça a centralização das decisões pela coordenação.

349

SANTOS, Lin Israel. Entrevista. 2014. Entrevista concedida à Maíra Kubík Mano em Brasília, 17/09/2014. 350 RUBINO, 2014. 351 VICTOR, 2014.

148

“Isso foi uma movimentação bancada pelas mulheres mais ligadas ao campo da esquerda [...]. Isso conseguiu dar mais status porque tem a procuradoria, funcionários próprios, mas ela não reverbera diretamente numa qualificação”352, analisa Joluzia Batista, do CFEMEA (Centro Feminista de Estudos e Assessoria). O CFEMEA, que aparece como consultoria convidada em ata de reunião da Bancada Feminina, é a Organização NãoGovernamental (ONG) feminista que mais se destaca no campo da política brasileira353. Criado em 1989, o CFEMEA “constitui-se como o grande articulador das questões das mulheres no Congresso Nacional, defendendo projetos, propondo emendas a comissões, assessorando a bancada de mulheres”, afirma Céli Regina Pinto. Em sua página na internet, o CFEMEA define-se como uma entidade que trabalha junto ao poder legislativo, é suprapartidária, autônoma e “comprometida com o movimento de mulheres”354. Com o advento da Secretaria da Mulher, a Bancada Feminina passou a denominar-se“Coordenadoria dos Direitos da Mulher”. Lin Israel Santos afirma que foi “uma maneira que eles encontraram de institucionalizar a Bancada Feminina”355 sem criar brechas para que as demais bancadas fossem também institucionalizadas. Na entrevista, parece que foi um ato falho de Santos referir-se às mulheres no masculino. Talvez porque o plural sempre represente quem detém o poder de decisão no caso do Parlamento brasileiro e elas terem protagonizado uma ação é a exceção, não a regra. Santos ressalta a tática de mudança de nome: Porque eles tinham que dar um nome, uma direção, porque se você simplesmente institucionaliza a bancada nós temos aqui na Câmara bancadas estaduais, da saúde, das mais diversas temáticas, e se você

352

BATISTA, Joluzia. Entrevista. 2014. Entrevista concedida à Maíra Kubík Mano em Brasília, 17/09/2014. PINTO, 2003, p. 98. 354 CFEMEA: . Acesso em 20/02/2012. 355 SANTOS, 2014. 353

149

institucionaliza uma bancada, você está dando o direito para institucionalizar todas as outras bancadas. Então criou-se um nome, que elas não gostam muito, que é Coordenação dos Direitos da Mulher na Câmara, elas fazem questão de falar Bancada Feminina apesar do nome institucional, a gente usa o nome institucional para as coisas oficias, mas a 356 Bancada tem uma história e elas não querem abrir mão disso.

Assim, apesar de considerarem legítimo obterem uma estrutura diferenciada das demais bancadas porque são a “metade da população”, as mulheres tiveram que fazê-lo de maneira escamoteada. Isso porquenada indica que a compreensão de uma cidadania diferenciada vá além da Bancada Feminina. Tampouco há sinais de que elas estejam dispostas a travar esse debate na Câmara dos Deputados. Preferem encontrar outras alternativas, mais tortuosas. É interessante também atentar para a Secretaria da Mulher ter como chefe de Gabinete um homem. Levando em consideração o quanto elas valorizam as diferenças biológicas entre os sexos, como visto no critério de recrutamento da Bancada, era de se esperar que fosse uma mulher. Lin Israel Santos, que é funcionário concursado da Câmara Federal, admite que esse questionamento é frequente: Essa questão sempre aparece. Secretaria da Mulher e o chefe de gabinete é um homem. Eu fui secretário da Comissão de Seguridade Social e Família por muitos anos e a deputada Elcione [Barbalho] foi presidente da Comissão. E lá nós conseguimos fazer um trabalho bem interessante, ela como presidente. E ela gostou do meu trabalho e pediu que eu viesse pra cá para estruturar a Secretaria. Eu sou funcionário da Câmara. (...) Inicialmente o objetivo foi esse: estruturar a Secretaria da Mulher ao mesmo tempo que dar andamento administrativo para ela, dar andamento político também. E foi assim, através de um convite dela. 357

356 357

Ibidem. SANTOS, 2014.

150

Sua “eficiência” como funcionário, ele menciona, teve um peso maior do que seu sexo e gênero. Não há como comprovar a veracidade de seu comentário, mas é difícil acreditar que não houvesse uma mulher para ocupar a mesma função com eficiência equivalente entre os quadros de funcionários da Casa. Ao mesmo, para além do simbólico, haveria alguma diferença em ser um homem a ocupar o cargo? Talvez sim, já que o ambiente é predominantemente masculino. Talvez seja mais “fácil” para Lin cumprir determinadas tarefas. Mas a própria Secretaria não deveria estimular o empoderamento de mais mulheres? A Secretaria foi criada pela Resolução 31, de 12 de julho de 2013, e abrigou a Procuradoria e a Bancada, renomeada Coordenadoria dos Direitos da Mulher. Rubino esclarece que a figura Secretaria da Mulher é institucional. E daí temos a Procuradora e a Coordenadora da Bancada. E as duas têm o mesmo peso e a mesma medida. São duas chefes. Aqui a gente trabalha com duas cabeças. Então existem alguns projetos que são desenvolvidos pela Procuradoria, alguns pela Bancada Feminina.358

Do que pude apreender durante a pesquisa, de fato não parece haver nenhum enfrentamento, mas uma relação de mútua cooperação horizontal entre Bancada e Procuradoria, exemplificada por meio de diversas ações conjuntas.

358

RUBINO, 2014.

151

No Regimento Interno da Câmara dos Deputados, a Secretaria da Mulher é “composta pela Procuradoria da Mulher e pela Coordenadoria dos Direitos da Mulher, sem relação de subordinação entre elas”359, o que pode ser resumido na imagem abaixo:

Imagem 1: Estrutura da Secretaria da Mulher

SECRETARIA DA MULHER

Coordenadoria

Procuradoria

dos Direitos da Mulher

da Mulher

Bancada Feminina (interna)

(externa)

Desde sua fundação, a Secretaria da Mulher conta com 14 funcionários/as, entre assessores e técnicos/as, quatro deles homens e dez mulheres. A missão da Secretaria, ainda segundo o Regimento Interno da Câmara, é ser um órgão que “atua em benefício da população feminina brasileira, buscando tornar a Câmara dos Deputados um centro de debate das questões relacionadas à igualdade de

359

CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2014, p. 32.

152

gênero e à defesa dos direitos das mulheres no Brasil e no mundo” 360. A Secretaria da Mulher propõe-se, dessa maneira, a ser uma referência para o “debate” sobre a igualdade de gênero – e é significativo que esse seja o verbo, e não “promover” ou “incentivar” a igualdade de gênero, o que poderia indicar um grau de comprometimento maior para adotar iniciativas concretas. Em relação ao Regimento Interno de 2007 da Bancada Feminina, trata-se de uma mudança considerável. O objetivo geral da Bancada em 2007 era “conquistar e ampliar espaços de participação política da mulher no Legislativo, no Executivo e na Sociedade”. Suas finalidades específicas podiam ser, a meu ver, divididas em dois itens distintos: a) ampliação da participação das mulheres na política institucional; e b) diálogo com grupos de interesse relacionados aos direitos das mulheres. Na ampliação da participação das mulheres constam ações internas à Câmara Federal, tais como presença na Mesa Diretora e o empenho para que as diversas Comissões aprovem projetos elaborados pelas legisladoras. Consta do Regimento Interno de 2007361: - Desenvolver campanha em defesa da participação política da mulher na Mesa Diretora da Câmara dos Deputados e nos demais órgãos de direção da Casa; - Lutar pela agilidade na tramitação e na aprovação das proposições relativas e/ou de interesse da mulher nas comissões e no plenário da Casa, bem como lutar pelas suas relatorias; - Acompanhar o processo de elaboração orçamentária e se empenhar para que as diversas comissões da Casa apresentem e aprovem emendas relacionadas às questões de gênero; - Acompanhar o processo de execução orçamentária de forma a garantir a liberação dos recursos correspondentes às emendas de interesse da Bancada Feminina;

360 361

CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2014, p. 32. BANCADA FEMININA, 2007, p. 1.

153

- Propor diretrizes de ação e promover atividades visando garantir os direitos da mulher e sua plena inclusão na vida econômica, social, cultural e política da sociedade;

Sobre o diálogo com grupos de interesses relacionados aos direitos das mulheres, o Regimento Interno propunha362: - Incentivar a participação política das mulheres nos âmbitos Nacional, Estadual e Municipal; - Estimular a participação das entidades da sociedade civil organizada nas diversas iniciativas da Bancada Feminina; - Envolver a participação das entidades de mulheres na discussão e elaboração de propostas legislativas e integrar-se às suas iniciativas; - Promover a divulgação das atividades da Bancada no âmbito do Parlamento e junto à sociedade. - Articular e integrar as iniciativas e atividades da Bancada com as ações das entidades da sociedade civil, voltadas para o interesse das mulheres, através da realização de eventos, como: seminários, debates, audiências públicas, entre outras; - Servir de ponte entre o Parlamento e os movimentos da sociedade civil na luta em defesa da igualdade de gênero.

Em 2013, aparecem como competências da Bancada, ou Coordenadoria363, I – participar, com os Líderes, das reuniões convocadas pelo Presidente da Câmara dos Deputados, com direito a voz e voto; II – usar da palavra, pessoalmente ou por delegação, durante o período destinado às Comunicações de Liderança, por 5 (cinco) minutos, para dar expressão à posição das deputadas da Casa quanto à votação de proposições e conhecimento das ações de interesse da Coordenadoria; III – receber convites e responder a correspondências destinadas à Coordenadoria; IV – convocar periodicamente reunião das deputadas da Casa para debater assuntos pertinentes à Coordenadoria; V – elaborar as prioridades de trabalho e o calendário de reuniões a ser aprovado pela maioria das deputadas da Casa;

362 363

BANCADA FEMININA, 2007, p. 2. CÂMARA DOS DEPUTADOS, 20014, p.35.

154

VI – organizar e coordenar o programa de atividades das deputadas da Casa; VII – constituir e organizar os grupos de trabalho temáticos; VIII – examinar estudos, pareceres, teses e trabalhos que sirvam de subsídios para suas atividades; IX – atender autoridades, no âmbito da sua competência, especialmente parlamentares mulheres e suas delegações nacionais e internacionais, em suas visitas à Câmara dos Deputados e também encaminhar suas demandas; X – promover a divulgação das atividades das deputadas da Casa no âmbito do Parlamento e perante a sociedade; XI – participar, juntamente com a Procuradoria da Mulher, de solenidades e eventos internos na Casa que envolvam políticas para a valorização da mulher; XII – representar a Câmara dos Deputados em solenidades e eventos nacionais ou internacionais especificamente destinados às políticas para a valorização da mulher, mediante designação da Presidência da Câmara dos Deputados.

Embora a Bancada Feminina pareça ter ganho peso institucional com a nova estrutura, suas funções, tal como foram formalizadas no documento citado, dizem respeito mais a procedimentos – responder cartas, participar de encontros, representar a Câmara em solenidades – e menos a ações – “lutar pela agilidade na tramitação e na aprovação das proposições relativas e/ou de interesse da mulher nas comissões e no plenário da Casa, bem como lutar pelas suas relatorias”, como ocorria anteriormente. É possível pensar que no processo de oficialização, a Bancada tenha passado a cumprir um papel mais “neutro”. Quiçá isso está relacionado à postura de não enfrentamento que levou à própria criação da Secretaria da Mulher e a necessidade de que ela passasse “desapercebida” pelos grupos evangélico e ruralista. Assim, o nome Coordenadoria não seria apenas uma maneira de evitar com que outras Bancadas reivindicassem estrutura semelhante, como indicaram as

155

entrevistas, mas também significaria abrir mão, ao menos formalmente, do papel de unir os esforços para aprovar iniciativas legislativas que favoreçam as mulheres 364, perdendo força enquanto grupo. Outra informação, essa de cunho etnográfico, é que, em minhas visitas à Câmara dos Deputados, não percebi nada que caracterizasse de maneira distinta o espaço físico da Secretaria da Mulher daquele das lideranças partidárias. Não havia peças de decoração, flores ou qualquer outro traço que poderia ser considerado como “feminino”, sendo, portanto, um espaço neutro. Tampouco objetos que fizessemmenções a lutas feministas, bandeiras e cartazes, como vi, por exemplo, no gabinete da deputada Janete Pietá (PT/SP), que era bastante lilás – cor símbolo do feminismo. Do outro do corredor, em frente à porta de Pietá, estava o gabiente de Jair Bolsonaro (PP/RJ), lotado de adesivos a favor do armamento da população e louvação ao Exército brasileiro – as paredes dos gabinetes são de vidro, o que facilita a exposição.

3.2.5. Assento no Colégio de Líderes

Com a criação da Secretaria da Mulher, a Bancada Feminina passou a estar presente no Colégio de Líderes com um assento permanente. De acordo com o Regimento Interno da Câmara, no seu artigo 20o, no subitem E, compete à Coordenadoria da Mulher, ou seja à Bancada, “participar, com os Líderes, das reuniões convocadas pelo Presidente da Câmara dos Deputados, com direito a voz e voto” e também “usar da palavra, pessoalmente

364

PINHEIRO, op.cit., p. 14, nota 50.

156

ou por delegação, durante o período destinado às Comunicações de Liderança, por 5 minutos, para dar expressão à posição das deputadas da Casa quanto à votação”365. A deputada Erika Kokay (PT/DF), terceira coordenadora adjunta da Bancada Feminina, avalia que nessa última legislatura nós conseguimos ampliar nossos espaços orgânicos, que são muito importantes. Nós conseguimos nossa participação no colégio de líderes. Nós conseguimos espaços de falas nas sessões, como as lideranças têm366.

O feito é inédito para uma bancada “temática” – lembrando que do Colégio de Líderes participam apenas as bancadas partidárias. As demais – evangélica, ruralista, empresarial, da bola [de futebol] etc. –, assim como as Frentes Parlamentares suprapartidárias – a Frente Parlamentar em Defesa da Igualdade Racial; em Prol da Maioriade Penal; da Indústria de Bebidas; do Esporte etc. –, não têm o mesmo direito. Após sua criação, a Secretaria da Mulher passou a constar no organograma da Câmara Federal:

Imagem 2 – Organograma da Câmara dos Deputados.

365 366

CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2014, p. 32. KOKAY, 2014.

157

Disponível em . Acesso em 12/03/2014.

158

Integrar o organograma da Câmara Federal significa mudar de posição hierárquica no Congresso e passar a pertencer ao seu “alto clero”. De acordo com Débora Messenberg367 De forma irônica, a elite parlamentar brasileira é denominada entre os membros da Câmara dos Deputados como “alto clero”, numa alusão ao Sacro Colégio Pontifício, que congrega os cardeais da Igreja Católica, e em oposição à grande parte do corpo de parlamentares, jocosamente identificados como “baixo clero”. Nesse grupo encontram-se, em geral, os deputados que não exercem, na avaliação dos próprios congressistas, papel relevante na estrutura organizacional da Câmara e nem se destacam durante os trabalhos legislativos. (grifo meu)

Os integrantes do baixo clero ocupam, costumeiramente, “as últimas fileiras de cadeiras no plenário da Câmara” em virtude de “sua inexperiência e inexpressiva atuação parlamentar, em termos de visibilidade de ação e posicionamentos”. Uma distribuição semelhante de cadeiras ocorre no Colégio de Líderes entre os maiores partidos, que sentam-se à frente, e os menores, ao fundo. Ao comentar o simbolismo de “pequenos gestos”, Jô Moraes ressalta que, apesar do novo assento conquistado no Colégio de Líderes, “as bancadas se reúnem pelos seus tamanhos, decrescentes. E a bancada feminina está na ponta última, final, só que temos 45 deputadas.368 E nós estamos no lugar das últimas bancadas”369. Isso significa que, embora

367

MESSENBERG, Débora. “O „Alto‟ e o „Baixo Clero‟ do Parlamento brasileiro”. Artigo completo apresentado ao 33° Encontro Anual da Anpocs, Grupo de Trabalho 18, Elites e Instituições Políticas, 2009, p. 3. 368 O número pode variar ao longo dos meses já que algumas deputadas tiram licença e outras podem assumir suplências. 369 MORAES, 2014.

159

tenha se tornado um organismo oficial na estrutura da Câmara Federal, a Bancada Feminina ainda não adquiriu legitimidade entre os pares.

3.3 – Os limites da unidade biologizante Nos itens a seguir, analisarei, a partir das atas de reuniões da Bancada Feminina e de entrevistas, quais são as pautas e ações em que é possível uma atuação conjunta das deputadas federais e onde existem divergências. O intuito é verificar os limites de sua ação enquanto

grupo, ao mesmo tempo em que identifico agentes externos que

estabeleçamrelação de apoio ou pressão com as parlamentares.

3.3.1 – Onde elas concordam

Poucas pautas parecem ter o apoio da maioria das parlamentares que integram ativamente a Bancada Feminina. Combate à violência, participação na política institucional e ampliação da atenção do sistema de saúde público para as mulheres são os temas de consenso, que recebem apoio de organismos internacionais, como a ONU Mulheres e o Banco Mundial, mas também dos poderes Executivo e Judiciário. “A maioria das pautas de gênero não tem muita unidade, mas violência e representatividade sim. É isso. É o que unifica. Mais que isso você não consegue muito não”, diz Talita Victor370, assessora da Secretaria da Mulher. “Até porque a pauta de gênero não elege ninguém. É uma pauta que as deputadas defendem enquanto mulheres, mas a

370

VICTOR, 2014.

160

grande maioria está ligada [a questões] do seu estado” 371 , completa Luciana Rubino, assessora da Bancada Feminina. “Não tem a deputada de gênero, a feminista”, decreta. Seria proveitoso – mas não cabível no escopo dessa tese – analisar o nível de sucesso de candidaturas cujas principais pautas fossem “gênero”, “mulheres” ou “feminismo”. Estudos semelhantes já são realizados com candidaturas LGBT*. Nesse âmbito, um exemplo de sucesso eleitoral é a campanha de 2014 a deputado federal de Jean Wyllys (PSOL-RJ). Sem uma base regional forte, Wyllys foi eleito pela primeira vez em 2010 com apenas 13.016 votos, graças a um bom desempenho de seu partido e ao sistema de proporcionalidade para o cargo. Em 2014, após ser o primeiro parlamentar gay brasileiro a exercer um mandato ligado prioritariamente às reivindicações dos movimentos LGBT*, obteve 144.770 votos, mais do que o décuplo do pleito anterior.

a) Mais mulheres na política

Pelas atas de reuniões da Bancada Feminina, é possível apreender que uma das prioridades da Bancada Feminina é ampliar a presença numérica de mulheres parlamentares na Câmara Federal, independentemente de sua ideologia. Essa iniciativa parece vir tanto de uma vontade das parlamentares de melhorar suas condições para eleição – agindo, portanto, também em interesse próprio – quanto de uma articulação com organismos internacionais, em especial a ONU Mulheres e o Banco Mundial, este último assinou com elas, em 2011, um acordo de cooperação de cerca de US$ 300 mil372.

371 372

RUBINO, 2014. RUBINO, 2014.

161

Em 2013, a Bancada organizou a campanha “Mulher, Tome Partido. Filie-se!”, com o objetivo de incentivar o processo de filiação de mulheres para participarem das eleições de 2014. Durante a campanha, foram realizadas duas audiências, uma para a entrega do Plano de Comunicação da Campanha de Filiação das Mulheres para a jurista Carmem Lúcia, então presidenta do Tribunal Superior Eleitoral (TSE); outra audiência foi com representantes dos diretórios femininos dos partidos políticos para “discutir a participação feminina nas eleições e a campanha de filiação suprapartidária”, como explicita o Relatório de Atividades da Secretaria da Mulher da Câmara dos Deputados 2013-2014. Como parte da campanha, foi produzido o livro “+ Mulher na Política” (imagem 2), primeira produção da Secretaria da Mulher em parceria com a Procuradoria da Mulher do Senado, lançado em dezembro de 2013. A produção teve como objetivo “mostrar a baixa presença da mulher na política e marcar a segunda fase da campanha (...), movimento de conscientização das mulheres para que ocupem cada vez mais os espaços na política”, cita o relatório373. Em 07/08/2013, as parlamentares reuniram-se com uma representante da ONU Mulheres, Nadine Gasman, e colocaram suas preocupações a respeito desse tema. Marina Santanna (PT/GO) “ressaltou a importância de se efetivarem mudanças na legislação eleitoral” para possibilitar uma maior “participação das mulheres na política para o aprofundamento da democracia” e solicitou que a ONU se aproprie do debate sobre “reforma política”. Já a deputada Nilmar Ruiz (PEN/TO) “apontou a pequena participação feminina no Parlamento e a necessidade de [formular] leis que garantam que as mulheres se

373

RELATÓRIO DE ATIVIDADES DA BANCADA FEMININA 2013-2014, Brasília, 2014, p. 11.

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insiram nesse espaço”374. Ela solicitou ainda que a ONU Mulheres divulgasse “experiências internacionais bem sucedidas no fortalecimento das mulheres na política para serem criadas propostas concretas de ações no Brasil”. A deputada Luciana Santos (PCdoB/PE) “ressaltou a importância do debate sobre a reforma política e mencionou impasses”375. Santos cita que Dilma “defendeu uma Constituinte, mas por questões legais não pode ser concretizada e então se sugeriu o plebiscito”. A defesa de uma nova Constituinte exclusiva para a reforma política foi apresentada pela presidenta Dilma Rousseff como uma resposta às manifestações de Junho de 2013. O plebiscito citado por Luciana Santos (PCdoB/PE) ainda não ocorreu formalmente, sua proposição está em tramitação na Câmara dos Deputados 376. Contudo, em setembro de 2014 uma consulta informal e nacional foi feita por movimentos sociais e organizações não-governamentais, como o CFEMEA. Uma iniciativa que veio, portanto, externa ao Congresso Nacional, para pressioná-lo. A principal organização por trás dele foi o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e um de seus braços, a Consulta Popular 377 . Um dos materiais de divulgação do plebiscito (imagem 3), produzido pelo CFEMEA em parceria com a Articulação de Mulheres Brasileiras (AMB), tratava da paridade como uma das propostas dos movimentos de mulheres para a reforma política que o Congresso deveria fazer. Segundo o documento, recolhido durante o trabalho de campo,

374

BANCADA FEMININA, ata de reunião, Brasília, 07/08/2013, p. 2. Ibidem, p. 2 376 “Câmara analisa plebiscito sobre convocação de constituinte para reforma política”. Câmara notícias. Disponível em . Acesso em 23/12/2014. 377 BENJAMIN, César; GEBRIM, Ricardo. O que propõe o Movimento Consulta Popular?. s/d. Disponível em: . Acesso em 23/12/2014. 375

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A exclusão das mulheres, assim como a exclusão de todas as minorias políticas – negros, indígenas, trabalhador@s, as classes de baixa renda – é um elemento central para a perpetuação dessa engrenagem que mantém o poder nas mãos daqueles que têm posses e exclui a representação política de quem nunca teve. O poder concentra o poder! Por isso reivindicamos a paridade política entre homens e mulheres.

O “plebiscito popular” teve, de acordo com dados dos/as organizadores – entre os quais figurava o mandato da deputada federal Erika Kokay (PT/DF)378 – 7,7 milhões de votos em todo o país, sendo que 97% desse eleitorado foi favorável à realização de uma Constituinte exclusiva para a reforma política 379 . O mote principal da campanha próConstituinte é a exclusão numérica da população da política institucional, dominada por, segundo os materiais de divulgação380, mais de 70% de fazendeiros e empresários (...) sendo que maioria da população é composta de trabalhadores e camponeses;9% de Mulheres, sendo que as mulheres são mais da metade da população brasileira.8,5% de Negros, sendo que 51% dos brasileiros se autodeclaram negros.Menos de 3% de Jovens, sendo que os Jovens (de 16 a 35 anos) representam 40% do eleitorado do Brasil.

A iniciativa da paridade, pelo que pude constatar, parte dos movimentos sociais que organizaram o plebiscito informal, entre eles a representação brasileira Marcha Mundial de Mulheres. Liliam Sá (PROS-RJ) foi a única entrevistada a defendê-la, que a seu ver serve “para fortalecer mesmo a participação política da mulher só fazendo a reforma

378

“Lista das organizações participantes”. Disponível em: . Acesso em 23/12/2014. 379 “Em Brasília, Dilma recebe resultado do plebiscito por uma Constituinte do Sistema Político”. Jornal Brasil de Fato. Disponível em . Acesso em 23/12/2014. 380 “O que é o plebiscito pela Constituinte?”. Disponível em . Acesso em 23/12/2014.

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política com a paridade de gênero. Tem que constar, tem que ser obrigatório. Porque os partidos usam muita gente como laranja”381. “Laranjas” refere-se a candidaturas “foram apresentadas pelos partidos apenas para cumprir a cota, sem haver campanha para elegêlas.” Assim, longe de uma reflexão mais detalhada sobre a paridade, ela vê nessa iniciativa uma forma de cumprir uma deficiência que é consequência da lei de cotas: sem quadros suficientes para apresentarem como candidatas, os partidos recorrem a “laranjas”. Só que uma outra solução bastante factível seria estimular ainda mais os partidos políticos no recrutamento e formação de mulheres, como foi feito com a campanha “Mulher, Tome Partido. Filie-se!” Ao que parece, é por enquanto esse o caminho que as parlamentares irão seguir, sem abrir o debate proposto pelos movimentos de mulheres e feministas. Por outro lado, as cotas, já existentes, são ações “positivas” que visam compensar a desigualdade por meio de condições mais favoráveis a parte da população – no caso, as mulheres – competir para ocupar determinado espaço. Contudo, a existência, no Brasil, de cotas para apenas um grupo levanta já um problema que também existe na paridade: por que ajudar as mulheres, e não pessoas negras ou indígenas, por exemplo, também sub-representados? Parece-me que, como decorrência da força do lobby do batom e também da multiplicidade dessas iniciativas no cenário internacional, havia uma conjuntura política favorável para a sua aprovação para as mulheres em 1995. Tal situação não ocorreu com negros/as e indígenas, mas não quer dizer que não seria possível. A paridade, por sua vez, significa um fechamento dos sujeitos em dois grupos: homens e mulheres. Ao determinar que as mulheres “existem”, a proposta de paridade vai na contramão do que Beauvoir disse sobre tornarmo-nos mulheres: seríamos tal desde o

381

SÁ, Liliam. Entrevista. 2014. Entrevista à distância concedida a Maíra Kubík Mano. 02/11/2014.

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nascimento. Estaríamos presas, pela biologia, nesse ser social, com todas as consequências de desigualdade que isso acarreta. Em 2014, foi realizada outra campanha, a “Mais Mulheres na Política”, uma atuação conjunta do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e da Secretaria da Mulher da Câmara Federal com propagandas no sistema de rádio e televisão. O TSE foi autorizado, por meio da Lei 12.891/2013, a promover a campanha para “incentivar a igualdade de gênero e a participação feminina na política”. Lin Israel Santos, chefe de Gabinete da Secretaria da Mulher, orgulha-se do resultado: Não sei se você chegou a observar as propagandas que foram feitas pelo TSE, dando voz para a mulher. Aquilo ali, pode-se dizer que nasceu aqui. Nasceu de onde? Em reuniões iniciais com a ministra do Supremo. Em seguida foi o ministro Marco Aurélio e em uma atuação conjunta, elas conseguiram que ele determinasse que o tribunal atuasse nesse sentido de dar voz à mulher. Tanto é que a propaganda é uma mulher que chega falando com a voz de homem, e no final ela fala com uma voz feminina e diz que é a hora das mulheres cobrarem. Então a propaganda foi tudo via tribunal, mas a pressão veio daqui. Dessa união de Bancada [Feminina] e Procuradoria [Especial da Mulher].382

A deputada Liliam Sá (PROS-RJ) avaliou que, apesar da realização da campanha ser uma vitória, quando ela de fato saiu do papel, “quando nós conseguimos, já estava em cima das eleições, então não teve muita repercussão”383. Assim, o resultado do pleito não foi animador: houve um aumento de apenas 1% de mulheres na Câmara, o que mostrou que as propagandas praticamente não tiveram efeito.

382 383

SANTOS, 2014. SÁ, 2014.

166

“A gente deu os primeiros passos, fez uma semeadura, e agora que está começando a aparecer alguns resultados. Só não apareceram mais porque (...) começou a campanha [eleitoral] e, lógico, como eu falei, a preocupação passou a ser a reeleição”384, avalia Lin Israel Santos, sem explicar exatamente quais foram os frutos da colheita. “É um resultado decepcionante. Ele mostra que a política de inclusão das mulheres nas instâncias de poder está fadada ao fracasso, está falida”, desabafou Jô Moraes ao Jornal da Câmara385, publicação que ela me entregou durante a entrevista. A deputada federal Rosane Ferreira (PV-PR) é mais otimista: “Claro que nós não alcançamos o avanço que queríamos. (...) Então não posso dizer que estou satisfeita. Mas nós não encolhemos”386. Ferreira pondera que foi a primeira vez que a Coordenadoria dos Direitos da Mulher “teve estrutura, espaço físico dentro da Câmara, servidores disponibilizados para trabalhar, temos recursos humanos dentro da coordenadoria da mulher. E isso representou um grande avanço”. Ressalto aqui que não obtive os dados referentes ao orçamento da Secretaria da Mulher, seja durante o trabalho de campo, seja na área de “transparência” de gastos do site do Congresso Nacional, em que as rubricas não aparecem separadas por órgão (ou seja, há apenas os gastos gerais da Casa com “funcionalismo”, “impressão de materiais” etc.).

Imagem 3: Capa do livreto “Mulher, Tome Partido!”, primeira publicação da Secretaria da Mulher da Câmara Federal

384

SANTOS, 2014. “Numero de deputadas cresce de 45 para 51”. Jornal da Câmara, 7 de outubro de 2014, p. 8. 386 FERREIRA, Rosane. Entrevista. 2014. Entrevista à distância concedida a Maíra Kubík Mano. 05/11/2014. 385

167

Imagem 4: Publicação do CFEMEA em parceria com a Articulação de Mulheres Brasileiras (AMB)

168

b) Mais mulheres nos cargos diretivos da Câmara Federal

A ampliação da participação das mulheres nos cargos diretores da Câmara Federal é outra preocupação que unifica as deputadas atuantes na Bancada Feminina. Em 2006, a deputada federal Luiza Erundina apresentou uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC 590/2006) para garantir a presença obrigatória de pelo menos uma mulher nesses espaços. A PEC tem sido, desde então, prioridade para a Bancada Feminina. Contudo, ainda não foi à votação. “Essa é uma PEC que nós não conseguimos apresentar. A gente não consegue, mesmo tendo estabelecido ela como prioridade da Bancada” 387 , lamentou Erika Kokay. Após a saída de Rose de Freitas, única mulher na Mesa Diretora, Erundina fez uma declaração ao setor de comunicação da Câmara dos Deputados a esse respeito388 Nunca se pensa [os partidos políticos] em uma deputada para preencher essa vaga garantida numa composição com base no princípio da proporcionalidade, o que reforça a afirmação que nós temos um Parlamento machista, partidos machistas e uma exclusão histórica das mulheres nos espaços de poder.

Ao analisar o item “b” juntamente com o item “a”, percebe-se que, mesmo sendo uma pauta prioritária da Bancada Feminina, as ações para ampliação dos espaços das parlamentares, seja pela eleição de mais mulheres, seja por sua presença nos cargos

387

KOKAY, 2014. LUGILIO, Marise. “Bancada Feminina volta a ficar sem representante na mesa diretora”. Câmara dos Deputados, 06/02/2013.Disponível em . Acesso em 15/10/2014. 388

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diretores da Câmara Federal, não tem sido bem sucedida. A obtenção do assento no Colégio de Líderes e a nova estrutura adquirida a partir da criação da Secretaria da Mulher demonstraram-se instrumentos insuficientes, nesse primeiro momento, para modificar o quadro de baixa participação das mulheres na política institucional.

c) Apuração e denúncias de casos de violência

A violência contra a mulher é outra pauta que agrega as deputadas atuantes na Bancada Feminina. “Todas estão preocupadas [com esse tema]”389, diz Lin Israel Santos. “Por sermos poucas, estamos sempre unidas com esse objetivo de dizer não à violência contra a mulher”390, avalia Liliam Sá (PROS/RJ). Em 2012, foi instaurada a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) da Violência contra a Mulher com a finalidade de “investigar a situação da violência contra a mulher e apurar denúncias de omissão por parte do poder público com relação à aplicação de instrumentos instituídos em lei para proteger as mulheres”391. O relatório final tem mais de mil páginas, 14 projetos de lei e 73 recomendações para os 17 estados visitados pelas parlamentares e o Distrito Federal. A CPMI e suas proposições serão analisadas detalhadamente no capítulo 4. Em 2013, as deputadas atuaram diretamente em duas denúncias de violência doméstica. A primeira foi o caso de Fernanda Karla Porto, assassinada em novembro de 2011 diante do filho de 3 anos. O acusado era o ex-marido. Seu processo chegou à Bancada Feminina por meio de correspondência eletrônica (e-mail intitulado “APELO A

389

SANTOS, 2014. SÁ, 2014. 391 RELATÓRIO FINAL DA CPMI DA VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER, junho de 2013, capa. 390

170

BANCADA FEMININA”) da irmã da vítima, Iara Porto 392 . Em outubro de 2013, as deputadas formaram uma Comissão Externa para investigar a denúncia e foram à Comarca de Formosa para uma audiência com o juiz criminal Fernando Samuel, responsável por julgá-la. “Várias deputadas se mobilizaram. A Câmara deu estrutura, tudo, transporte, segurança e elas foram (...) antes do julgamento (...) para conversar com o Promotor, com o Juiz, com várias entidades para mostrar preocupação”393, lembra Lin Israel Santos. Em novembro de 2013, elas se encontraram com Mara Rúbia, outra vítima de violência doméstica. Rúbia, de acordo com uma ata de reunião da Bancada Feminina datada de 26/11/2013, foi casada por sete anos com seu agressor Wilson Bicudo, com quem teve um filho. O casal residia em Corumbá de Goiás (GO). A partir de 2012, ela começou a ser agredida e, apesar de ter procurado a Delegacia local para denunciar a violência sofrida, não obteve apoio. No início de 2013, Mara Rúbia fugiu para Goiânia com o filho. O agressor, porém, seguiu-a até a capital do estado. Lá, ela tampouco foi atendida pelo Judiciário, mesmo tendo solicitado medida protetiva. Ainda segundo a ata de reunião394 Em julho de 2013, 30 dias antes do crime, o ex-marido, inconformado com a separação, tentou matá-la, e uma irmã da vítima, escondida debaixo da cama, ligou para a polícia, que chegou poucos minutos depois, e o prendeu em flagrante, levando-o para a Delegacia da Mulher. Menos de cinco horas depois, segundo a advogada, o agressor foi liberado, e ligou para Mara Rúbia, dizendo que não existia lei no Brasil, e que voltaria para matá-la. No dia 28 de agosto de 2013, ao chegar a casa após o trabalho, Mara Rúbia foi surpreendida pelo exmarido, que a torturou por mais de uma hora, amarrou suas mãos, enrolou seu pescoço com um fio de telefone e encheu sua boca de pano. Como a vítima tentava revidar com as pernas, ele perfurou seus olhos com uma faca de mesa.

392

BANCADA FEMININA, ata de reunião, Brasília, 08/10/2013, p. 2. SANTOS, 2014. 394 BANCADA FEMININA, ata de reunião, Brasília, 26/11/2013, p. 2. 393

171

Em 05/11/2013, Mara Rúbia foi levada, pelas parlamentares, aos plenários da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, onde relatou a tentativa de homicídio. “Estava uma presença muito grande”, lembrou Jô Moraes (PCdoB-MG)395. No dia seguinte, as deputadas acompanharam Mara Rúbia e sua advogada em uma audiência solicitada pela Secretaria da Mulher com o ministro da Justiça José Eduardo Cardoso “para denunciar a gravidade do caso”. Por fim, formaram uma comissão externa para ir à Goiânia acompanhar o desenrolar do caso. Lin Israel Santos também comenta do episódio: Elas foram lá [em Goiânia] no caso daquela senhora Mara Rúbia, que o marido torturou, perfurou os olhos. O juiz tinha dado uma decisão e, com essa pressão, ele voltou atrás. [O caso] estava meio largado. E a partir do momento em que a sociedade, principalmente o Judiciário, viu que havia uma pressão por parte do Legislativo Federal, eles começaram a olhar “opa, peraí, o negócio não está tão largado assim. Estamos sendo 396 observados por parlamentares”.

Imagem 5: Deputadas da Bancada Feminina acompanham Mara Rúbia (de óculos ao centro) em seu testemunho no Plenário da Câmara Federal

395 396

MORAES, 2014. SANTOS, 2014.

172

Foto registrada no Relatório de Atividades da Secretaria da Mulher 2013-2014.

A foto de Mara Rúbia, óculos escuros e cabisbaixa, sendo amparada, é bastante forte. Traz à tona uma imagem de solidariedade e amparo. Vê-se também que a maioria das pessoas presentes na cena é branca, o que é bastante representativo da composição do Parlamento brasileiro. Mesmo a aparição de Rúbia sendo uma ação pontual, o que poderia soar como uma particularização excessiva, foi utilizada pelas deputadas para demonstrar a possibilidade do poder Legislativo pressionar o Judiciário em busca de resultados mais eficientes no combate à violência doméstica, em especial após a aprovação da Lei Maria da Penha (11.340/2006). Ainda em novembro de 2013, as deputadas organizaram a campanha “16 dias pelo fim da violência contra as mulheres”, que teve diversas ações tais como um ato público; exposição fotográfica; desfile com modelos “plus size” (“acima do peso” – mas acima de qual referencial de peso? Daquele da indústria da moda onde o padrão é a quase

173

anorexia?) e roda de capoeira de mulheres no Hall da Taquigrafia da Câmara Federal; apresentação musical para 200 pessoas, entre outros. A Bancada Feminina, em conjunto com as Procuradorias da Mulher da Câmara e do Senado, também realizaram, com o apoio da verba do Banco Mundial mencionada acima, o Concurso Curta Documentários sobre a Lei Maria da Penha. A iniciativa, segundo o Relatório de Atividades da Secretaria da Mulher397, teve o objetivo de chamar a atenção para o problema da violência de gênero de uma forma criativa e inovadora, ao mesmo tempo em que colheu as impressões da sociedade sobre uma das mais importantes legislações brasileiras.

e) Saúde da mulher

“Os temas de saúde para a mulher em geral [unificam as parlamentares]. Jamais os direitos sexuais e reprodutivos”398, afirma Jô Moraes (PCdoB/MG). Claro: os temas de “direitos sexuais e reprodutivos” incluem a legalização do aborto, o assunto que “não se menciona” na Bancada Feminina, como falarei abaixo. O Ministério da Saúde surge aqui como principal parceiro da Bancada. Entre as iniciativas que as deputadas destacaramestá o projeto de “reconstituição da mama para quem perde o seio, pode fazer na hora”399, lembra Liliam Sá (PROS/RJ). Não há, ao que indicam as atas, uma discussão entre as deputadas sobre o que significaria essa reconstrução em si: para quem ela é feita, para as mulheres ou para os homens? Para o

397

RELATÓRIO DE ATIVIDADES DA BANCADA FEMININA 2013-2014, p. 14. MORAES, 2014. 399 SÁ, 2014. 398

174

exercício da sua sexualidade ou da deles? Por vaidade? Mas uma vaidade que têm quais parâmetros? Rosane Ferreira lembrou também do estabelecimento “um prazo para o início do tratamento do câncer [após o diagnóstico na rede pública de saúde], que foi uma pauta defendida pelas deputadas Carmem Zanotto e Flavia Morais”400. Em outubro de 2013, as parlamentares lançaram a campanha “Outubro Rosa”, sobre câncer de mama, com uma exposição de fotos de mulheres mastectomizadas e uma roda de conversa sobre “mitos e verdades sobre o Câncer de Mama”, que teve como convidados o médico do Senado Federal, Dr. Martinho Cândido de Albuquerque dos Santos, e a médica da Câmara dos Deputados, Valeska Marques de Menezes. O câncer de mama é o que mais mata mulheres no Brasil401, o que, de acordo com pesquisas, explica-se pela insuficiência de técnicos e máquinas na rede pública de saúde e também pelo despreparo dos/as profissionais para identificar a doença. Em 12/03/2014, 13 deputadas, em uma atividade oficial da Bancada Feminina, reuniram-se com o ministro da Saúde Arthur Chioro para abordar alguns assuntos: vacina contra HPV para meninas de até 13 anos – cuja transmissão é feita via penetração, ou seja, pelos homens; mamografia gratuita a partir dos 40 anos; tratamento em até 60 dias após diagnóstico do câncer do colo; lentidão na implementação dos serviços de saúde da mulher; e o sucateamento das frotas municipais de ambulância. A deputada Érika Kokay (PT-DF) resume essas iniciativas com a necessidade de “o gênero ser um recorte da Saúde básica”402. Situá-las no campo de “saúde da mulher”

400

FERREIRA, 2014. Apesar de curável, câncer de mama é o que mais mata mulheres no Brasihttp://g1.globo.com/fantastico/quadros/pedra-no-caminho/noticia/2014/05/apesar-de-curavel-cancer-demama-e-o-que-mais-mata-mulheres-no-brasil.html. G1. 04/05/2014. Acesso em 10/01/2015. 402 KOKAY, 2014. 401

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poderia lhe conferir um aspecto de gueto, mas há uma preocupação, ao menos na fala de Kokay, de considerar essa uma questão transversal do atendimento público de saúde.

f) Direitos trabalhistas

Em entrevista, Érika Kokay mencionou como uma proposta que unifica a Bancada Feminina o Projeto de Lei 7.086/2014, da deputada federal Iriny Lopes (PT-ES), que dispõe sobre normas de equidade de gênero e “raça”, de igualdade das condições de trabalho, de oportunidade e de remuneração no serviço público: Nós temos muita dificuldade na aprovação de alguns projetos que continuam na pauta, como por exemplo, a equidade de gênero no mundo do trabalho. Nós não conseguimos avançar no projeto. Ano a ano nós tentamos fazer com que ele possa ser transformado em lei.403

Ao comentar o assunto, a deputada Liliam Sá afirmou genericamente que Hoje nós temos profissões que as mulheres precisam ser valorizadas e respeitadas, como motoristas de ônibus, as taxistas, e nós parlamentares. Nós temos que ser respeitadas dentro daquilo que nós fazemos. Tem muitas coisas que temos que avançar. Olhamos também com carinho para as mulheres do campo, aquelas que estão plantando e colhendo. Tem que ter uma política pública voltada para as mulheres no sentido do 404 fortalecimento de suas carreiras suas profissões.

403 404

Ibidem. SÁ, 2014.

176

Sá têm, a depender dos exemplos que deu, uma visão bastante restrita sobre as profissões ocupadas por mulheres: pensa mais no estereótipo das que estão em algumas poucas vagas em espaços tradicionalmente masculinizados – como as motoristas – do que naquelas que exercem historicamente tarefas femininas, como as empregadas domésticas. Ignora também o operariado. Na ata de reunião de 06/05/2014 da Bancada Feminina consta que o projeto não foi aprovado porque “falta acordo entre os líderes [partidários], que não aceitam o mecanismo de inscrever empresas na „lista suja‟”, ou seja, na divulgação periódica de uma relação de empresas que não cumprissem a legislação – tal proposta é semelhante à “lista suja do trabalho escravo” elaborada pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) em pareceria com organizações não-governamentais. A PEC (Proposta de Emenda à Constituição) das Domésticas, (66/2012), que equipara os direitos trabalhistas de empregadas/os domésticas/os aos dos trabalhadores formais, foi outro tema tratado nas entrevistas e que será examinado com mais detalhes no capítulo 4. Ela foi aprovada por 359 votos a dois, modificando o artigo 7o da Constituição Federal que excluía os/as trabalhadores domésticos/as de alguns direitos concedidos às demais categorias. Sua aprovação envolve também a dimensão de “raça”, já que a maioria das domésticas são mulheres negras.

g) Pensão alimentícia

Na reunião da Bancada Feminina de 03/12/2013, um dos principais pontos de pauta era derrubar uma emenda que anulava a prisão no caso de nãopagamento de pensão alimentícia. A pensão é uma quantia fixada pelo Judiciário para manutenção de filhos/as e/ou cônjuge. A ata registra os diálogos entre a deputada Érika Kokay (PT/DF) e os convidados Paulo Teixeira (PT/SP), relator do projeto a partir do segundo ano – anteriormente, estava a cargo do deputado Sérgio Barradas Carneiro (PT/BA) –, e Fábio Trad (PMDB/MS), presidente Comissão Especial que analisava o projeto do novo Código de Processo Civil (CPC - PL 8046/10). “Quando teve um debate sobre a pensão alimentícia

177

que a gente chamou o Paulo Teixeira para ir lá, também teve uma presença grande das deputadas”405, lembra Jô Moraes (PCdoB/MG). Regina Adami, funcionária da Secretaria Especial de Política para as Mulheres (SPM), do governo federal, foi ao encontro para apoiar a solicitação das parlamentares406. Kokay posicionou-se, em nome da Bancada, contra a flexibilização e pela manutenção de três dias de prisão em regime fechado para aqueles que não pagarem a pensão alimentícia. Paulo Teixeira retrucou que “as mudanças propostas não representavam uma posição dos homens, e sim uma posição do direito brasileiro”407. O deputado Paulo Teixeira, ao colocar a responsabilidade pelo projeto de lei no “direito brasileiro”, e não nos “homens”, apresentou a norma jurídica como um modelo neutro, quando, de fato tratava-se, de um discurso masculino. Porém, após a consulta da Bancada, ele decidiu apresentar a proposta de manter o regime fechado no Plenário da Câmara. Luciana Rubino, assessora da Bancada Feminina, afirma que esse tema foi “consenso” entre as parlamentares que estavam envolvidas: Tem algumas coisas que são consenso. No código de processo civil a gente conseguiu aquela emenda que o relator ia tirar a prisão do pai que não paga pensão alimentícia. Ia aliviar a pena. Hoje é regime fechado e ele ia deixar aberto. A gente conseguiu barrar isso. Aí teve um movimento. Mas sempre tem aquelas que não se envolvem, que não entram no mérito.408

405

MORAES, 2014. Por quatro vezes, tentei entrevistar, sem sucesso, a funcionária Regina Adami, que acompanha, em nome do governo federal (SPM), os assuntos legislativos relativos às mulheres, uma vez que seria bastante interessante obter seu ponto de vista a partir do Executivo. 407 BANCADA FEMININA, ata de reunião, Brasília, 03/12/2013, p. 2. 408 RUBINO, 2014. 406

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Lin Israel Santos, chefe de Gabinete da Secretaria da Mulher, diz que esse era um assunto “que estava meio largado” e que “vários parlamentares tinham interesse naquilo”409. De acordo com ele, “por uma pressão muito grande da bancada feminina, que mobilizou a sociedade civil, várias entidades feministas, de ativismo, mobilizou e veio pra cima dos parlamentares. O resultado foi que eles tiraram aquilo do texto”. Para retirar do texto, contudo, elas tiveram que propor uma “emenda aglutinativa” (anexo 5), já que não era possível mais, dado o adiantado da tramitação, modificar seu conteúdo.

3.3.2 – Onde elas discordam

Apresentarei a seguir algumas pautas que, de acordo com a análise das atas de reunião e com as entrevistas conduzidas por mim, surgiram como passíveis de divergências entre as deputadas federais.As discordâncias parecem residir em pautas que envolvem divisões morais, religiosas e entre esquerda e centro-esquerda, de um lado, e direita e centro-direita, de outro.

a) Prostituição

A prostituição não encontra discordância apenas entre as parlamentares. Tratase de uma pauta polêmica também para os movimentos de mulheres e feministas, que posicionam-se entre reconhecer este como um trabalho a ser regulamentado ou consideram-

409

SANTOS, 2014.

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no como uma situação de violência a ser abolida410, onde o corpo da mulher é um objeto coisificado em prol da sexualidade dos homens411. Na Câmara Federal, o tema veio à tona na 54a Legislatura com a apresentação do Projeto de Lei Gabriela Leite (4211/2012), de autoria do deputado Jean Wyllys (PSOL/RJ), que foi debatido pela Bancada Feminina.O projeto foi escrito em conjunto com as associações de prostitutas, especialmente por Gabriela Leite, uma socióloga e trabalhadora do sexo que faleceu de câncer antes de ver o PL pronto. O argumento das prostitutas é que o projeto contribuirá para diminuir a violência. Em entrevista feita por mim, Cida Vieira, presidenta da Aspromig (Associação das Prostitutas de Minas Gerais), defende que412 Pouco se fala das prostitutas, que são mulheres, cidadãs, que trabalham. O preconceito é demais. Eu defendo o direito, a legalização. Inclusive temos que criar uma lei que vai se chamar „Puta Maria‟, porque a Lei Maria da Penha não abrange as prostitutas.

Na ata da reunião, de 16/07/2013, a deputada Flávia Morais (PDT/GO) discorreu sobre a “importância de ser discutido o tema (...). Na sua visão, a prestação de serviço não é crime, mas a exploração sim” 413 . Convidado a participar do encontro, o deputado Jean Wyllys apresentou seu projeto justificando que 80% das profissionais do sexo dependem de estruturas como as casas de prostituição e que, em sendo estas ilegais, não há segurança jurídica para as trabalhadoras. No artigo 3o do PL, parágrafo único , a

410

PHETERSON, Gail. Prostituição II. In: HIRATA, op.cit., p. 205, nota 56. LEGARDINIER, Claudine. Prostituição I. In: HIRATA, op.cit., p. 198, nota 56. 412 MANO, Maíra Kubík T. Copa, gênero feminino. CartaCapital, 10/06/2014. Disponível em: . Acesso em 01/01/2015. 413 BANCADA FEMININA, ata de reunião, Brasília, 16/07/2013. 411

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“casa de prostituição é permitida desde que nela não se exerça qualquer tipo de exploraç ão sexual”. Rosane Ferreira (PV/PR) solicitou “em face a importância e a complexidade do tema, que a bancada destacasse um dia para poder aprofundar o processo de discussão”414. Sem consenso entre as parlamentares, ficou decidido que Flávia Morais e Jean Wyllys enviariam à Bancada informações sobre o tema e que, posteriormente, agendariam uma reunião. A solução de propor um estudo detalhado sobre questões em que haja divergências é uma conduta recorrente da direção da Bancada.

b) Igualdade na educação

Na reunião de 06/05/2014, consta da ata que a deputada Jô Moraes apresentou um artigo intitulado “A categoria de gênero nas Ciências Sociais”, das professoras Lourdes Bandeira e Tânia Mara Campos de Almeida, da Universidade de Brasília (UnB). A deputada expressou preocupação na “confusão conceitual” que “se tem feito no debate de gênero na Câmara, sobretudo na votação do Plano Nacional de Educação (PNE)”, concluída naquela semana. O PNE estabeleceu metas para a educação a serem cumpridas na próxima década e destinava 10% do Produto Interno Bruto (PIB) para a educação, uma reivindicação dos partidos de esquerda e centro-esquerda desde a Constituinte e que foi finalmente aprovada. Até então, eram investidos no setor 5,3% do PIB brasileiro “Essa deturpação tem provocado um debate muito pesado e a Bancada Feminina deveria „desvestir‟ essa polêmica”415, assinalou Jô Moraes. A “deturpação” a que a deputada se referia era em relação à posição da Bancada Evangélica, que impediu a

414 415

Ibidem. MORAES, 2014.

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votação 416 do PNE até que fosse retirada do texto uma das diretrizes, a que previa a “superação das desigualdades educacionais, com ênfase na promoção de igualdade racial, regional, de gênero e de orientação sexual”. Em entrevista, Jô Moraes lamentou que “até na palavra sobre gênero no Plano Nacional de Educação nós perdemos. É um absurdo”: Para aprovar o PNE nós tivemos que abrir mão de fazer um destaque na palavra “gênero” plenário porque a gente estava precisando aprovar o plano nacional, era uma conquista fundamental, importante. E foi um problema. Um acordo que a gente teve que fazer sob pena de perder o PNE inteiro.417

Érika Kokay (PT/DF) afirmou, também em entrevista, que além da discussão de “ideologia de gênero” no PNE, houve um debate semelhante na CPMI do Tráfico de Pessoas e na reformulação do Estatuto da Família: Ela vai sendo introduzida em qualquer fresta que eles puderem identificar. E o que eu percebo para a próxima legislatura (2015-2018) é que está sendo mais explícita uma aliança entre os segmentos da própria Câmara, todos os segmentos conservadores. Quando eles criam o termo “ideologia de gênero” e se reportam inclusive à [Friedrich] Engels, à Origem da Família, da Propriedade [Privada e do Estado], e dizem que se a família é a reprodução de uma lógica de Estado, de uma sociedade de classes, a partir da propriedade, então se a família é um sustentáculo dessa lógica, a destruição dessa família patriarcal é a tentativa de destruir o capitalismo. Então o raciocínio, de forma bem grosseira, a lógica, é essa.

416

TOKARNIA, Mariana. “Discussão de gênero trava votação do PNE em comissão especial da Câmara”. Agência Brasil. Disponível em . Acesso em 23/12/2014. 417 MORAES, 2014.

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Com a citação à obra de Engels, os evangélicos demonstram terconhecimento, mesmo que de maneira deturpada, do debate colocado pelas feministas marxistas nos anos 1970, tal como Sheila Rowbotham, cujo livro Feminismo e revolução foi publicado no Brasil: o de que era preciso atualizar a reflexão marxista resgatando as análises de Engels “de inspiração antropológica, sobretudo de A origem da família, da propriedade privada e do Estado” 418 . Tal atualização contribuiria para “entrecruzar a questão da dominação econômica entre as classes à questão mais universal da mulher, como o „sexo oprimido‟”419. Presente ao encontro, a professora Tânia Mara Almeida colocou-se à disposição para, em uma outra ocasião, debater o que significa “gênero”, “igualdade de gênero” e “agenda de gênero”. O relacionamento da Bancada com a academia aparece por meio de consultorias, convites para participação em atividades e cursos. Nos anos 1980, como já apresentado no capítulo 1, as universidades e centros de pesquisa foram um dos espaços onde os movimentos de mulheres e feministas inseriram-se durante a redemocratização. Outro foi a política institucional. Não é surpreendente, portanto, que as protagonistas desse mesmo período mantenham um diálogo. Na ata de reunião, não constam outras manifestações senão as de Jô Moraes e da professora Tânia Mara Almeida. Na lista de presença, não aparecem deputadas do PSC (Partido Social Cristão), que esteve à frente da oposição ao gênero no PNE, o que sugere que nesse momento não houve um debate interno à Bancada sobre o tema, mas apenas entre algumas de parlamentares nos demais espaços da Câmara. A solução apresentada é, novamente, “estudar” a questão.

418

BENOIT, Lelita Oliveira. Feminismo, gênero e revolução. Crítica Marxista, n. 11, p. 76-88, São Paulo, 2000, p. 78. 419 Ibidem.

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c) Direitos sexuais e reprodutivos

Em nenhuma das atas de reunião analisadas, constou qualquer menção à descriminalização ou à legalização do aborto. Chama atenção a ausência do tema, já que ele é recorrente nos períodos eleitorais e é, no Brasil, uma questão de saúde pública: o Sistema Único de Saúde estima que, anualmente, entre 800 mil e 1 milhão de mulheres interrompam de maneira voluntária – e ilegal – gestações420. A lei brasileira garante o direito à interrupção da gestação apenas em decorrência de estupro e em caso de riso de morte da mãe. Em 2012, após uma decisão do Supremo Tribunal Federa (STF), foi incluído o aborto em caso de fetos anencéfalos. Jô Moraes diz que no “problema do aborto não se toca. Até porque nós vamos perder”. Ela narra uma experiência ruim para embasar seu argumento: Eu fui a última relatora na comissão de Seguridade de um projeto que era do Estatuto do Nascituro que a gente perdeu e que só conseguiu parar porque o presidente da próxima comissão era do PT e conseguiu engavetar. Mas nós perdemos. Eu vou fazer oito anos [de Câmara Federal] agora, nós temos perdido sempre. A única forma de a gente ganhar é não 421 pautar.

O Estatuto do Nascituro é um projeto de lei apresentado em 2007 pelos deputados Luiz Bassuma (espírita, então membro do PT/BA, depois PV e PMN) e Miguel Martini (da Renovação Carismática, PHS/MG), ambos da base aliada do governo do então presidente Lula.O Estatuto do Nascituro protege os embriões humanose apoia que aborto

420 421

SUWWAN, op. cit., nota 1. MORAES, 2014.

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seja transformado em crime hediondo – ou seja, inafiançável. Até o final da redação da tese, o PL aguardava parecer do relator, deputado Sergio Zveiter (PSD/RJ), na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJC). Bassumafoi expulso do PT em 2008 por pressão de grupos de mulheres e feministas do próprio partido, que tem como resolução interna congressual a defesa da autodeterminação das mulheres , da discriminalizaçaõ do aborto e regulamentação do atendimento à todos os casos no serviço público “evitando assim a gravidez não desejada e a morte de centenas de mulheres, na sua maioria pobres e negras, em decorrência do aborto clandestino e da falta de responsabilidade do Estado”422. A divergência com parlamentares religiosos/as também veio à tona no debate do Projeto de Lei de Atendimento às Vítimas de Violência Sexual (PL 66/99), de autoria da deputada federal Iara Bernardi (PT/SP), que prevê a “profilaxia da gravidez” às mulheres que tiverem sofrido um estupro e procurarem o SUS, o que significa o fornecimento gratuito da “pílula do dia seguinte”, que permite a contracepção emergencial. Dada a quantidade de material sobre essa questão, o tema será tratado no capítulo 4.

d) Reforma política e financiamento de campanha

O projeto de reforma política elaborado pelos movimentos sociais e ONGs, citado no item “a” das “Concordâncias”, foi apresentado à Bancada Feminina em 03/09/2013, quando ainda estava em elaboração, por Jovita José Rosa, diretora do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral e membro da Coalizão Democrática pela

422

CONGRESSO NACIONAL DO PT, Resoluções do 3° Congresso Partido dos Trabalhadores. Porto Alegre: Partido dos Trabalhadores, 2007, p. 82.

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Reforma Política e Eleições Limpas, e Virgínia Barros, presidenta da União Nacional dos Estudantes, UNE, e também integrante da Coalizão.Nele constava a proposta de paridade em detrimento das cotas para mulheres, que como expliquei acima não têm eco entre as parlamentares. Na ocasião, a deputada Flávia Morais (PDT/GO) manifestou-se contra a eleição por lista fechada com alternância de sexo: “não estamos preparados (...), antes de fazer a eleição por lista é preciso fortalecer os partidos”423. Outro tema apresentado pelos movimentos sociais foi o financiamento público de campanha. A ideia é que, ao não permitir doações de pessoas jurídicas privadas, não haveria “conta a ser cobrada” após a campanha. No Brasil, o que comumente ocorre é o empresariado, com destaque para as empreiteiras, financiar as principais candidaturas e, após a eleição, fecharem contratos com o novo governo que ajudaram a eleger. O financiamento público de campanha seria uma maneira de coibir o “toma lá, dá cá”. Rosane Ferreira (PV/PR) colocou-se contra o financiamento privado de pessoas jurídicas, mas não de pessoas físicas, e diz-se “cética a respeito” e que era preciso “readequar os estatutos dos partidos para que as mulheres possam se sentir capazes de disputar cargos políticos”424. Érika Kokay (PT/SP) posicionou-se a favor do financiamento público de campanha e mencionou “a importância de assegurar a alternância de gênero na composição das listas”425. Apesar de ser um dos principais problemas que impedem o acesso de mais mulheres à política, a falta de acordo entre as parlamentares remete a um embate entre partidos de esquerda e centro-esquerda, favoráveis ao financiamento público por retirar a

423

BANCADA FEMININA, ata de reunião. Brasília, 03/09/2013. Ibidem. 425 Ibidem. 424

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influência econômica dos resultados eleitorais; e de centro e de direita, contrários à proposta por considerá-la incompatível com a legislação eleitoral. A lista fechada com alternância de também resvala nos partidos: enquanto a esquerda e a centro-esquerda defendem-na como uma maneira de valorizar os partidos políticos, o centro e a direita do Parlamento preferem o voto distrital, em que são eleitos os/as mais votados/as de determinada região.

3.4 – Algumas considerações O recrutamento biologizante das mulheres para a Bancada Feminina traz, em seu bojo, as diferenças que compõem a multiplicidade dos sujeitos. Nem todas interessamse por integrar as ações da Bancada e, apesar de identificarem-se majoritariamente com um discurso de fundacionalismo biológico que divide a política institucional entre homens e mulheres, o gênero não aparece como um assunto transversal para elas. Quando há uma presença na Bancada Feminina para além da direção de centro-esquerda, seus posicionamentos não ocorrem de maneira unitária: as parlamentares são atravessadas por dimensões ideológicas, partidárias, de “raça”, geração e religião. A criação da Secretaria da Mulher, em 2013, deu peso institucional à Bancada, que ganhou mais relevância – o que não ocorria desde a Constituinte. Com salas e funcionários/as, as parlamentares puderam desenvolver atividades diversas, como debates, campanhas, exposições fotográficas e até mesmo um desfile de modelos “plus size”. A Secretaria, porém, é muito recente e é difícil dimensionar o impacto seu espaço. Ao analisar suas atas de reuniões, é possível perceber, tanto pelas questões divergentes quanto por aquelas convergentes que as deputadas não conseguem encaminhar, na Casa, as propostas que fariam um enfrentamento mais contundente à divisão sexual do trabalho, como a igualdade de gênero nas condições de trabalho; a reforma política com lista fechada em alternância de sexo e financiamento público de campanha; e o reconhecimento da autonomia das mulheres sobre seus próprios corpos, permitindo o exercício dos direitos sexuais e reprodutivos. O que prevalece como medidas bem sucedidas são pautas mais relacionadas à “contenção de danos” do que à emancipação:

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garantir tratamentos na rede pública de saúde, denunciar a brutalidade da violência doméstica e manter a prisão temporária para pais que não pagam a pensão alimentícia.

188

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Capítulo 4

O amálgama conjugal sob a ótica do Legislativo: três casos em estudo

Neste capítulo, analisarei a atuação da Bancada Feminina em três casos distintos ocorridos durante a Legislatura 2011-2014 que estão diretamente relacionados às mulheres enquanto grupo oprimido dentro da divisão sexual do trabalho: uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) que investigou denúncias de violência contra a mulher e a atuação do poder público nos estados; um Projeto de Lei (60/99) que regulamentou procedimentos de atendimento às vítimas de violência sexual nos hospitais; e uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC 478/2010) que equiparou os direitos do trabalho doméstico remunerado aos das demais categorias trabalhistas – os casos serão apresentados nessa ordem. Cada um deles tem um processo diferente de tramitação, o que permite explorar as formas de funcionamento da Câmara Federal que estão à disposição das parlamentares. Além disso, todos já foram concluídos, o que nos dá uma noção de começo, meio e fim. Trabalharei com a hipótese de que a Bancada Feminina tem um posicionamento conjunto no caso da CPMI da Violência, mas o mesmo não ocorre com o PL 60/99 e a PEC 478/2010. Em alguma medida, todas essas questões fazem parte do conceito de amálgama conjugal elaborado por Paola Tabet. O amálgama, como afirmo no capítulo 2, é um conjunto de atividades que as esposas fornecem em bloco e sem comedimento ao marido, o

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que engloba o trabalho doméstico, emocional, sexual e de procriação. A violência ou a ameaça de violência contra as mulheres, que ocorre em sua maioria no contexto das relações afetivas, é uma das maneiras para impedir a ruptura do amálgama 426 – junto com a falta de informação e renda delas. “[Os homens] sentem como uma ameaça que as mulheres possam adquirir, por seu trabalho independente, uma autonomia pessoal e econômica na ordem masculina. E não lhes faltam reações”.427 A violência contra as mulheres é transversal e cotidiana. Nos últimos 30 anos, mais de 92 mil mulheres foram assassinadas no país, 43 mil delas, quase metade, entre 2000 e 2010428. O Brasil guarda o impressionante número de uma mulher ser espancada a cada 45 segundos, de acordo com pesquisa feita pela Fundação Perseu Abramo em 2010. Duas em cada cinco mulheres (40%), de 2.365 entrevistadas nas 25 unidades da federação, afirmaram já ter sofrido alguma das violências citadas no questionário da pesquisa, em especial controle ou cerceamento (24%), psíquica ou verbal (23%) e ameaça ou violência física (24%). Acredito que diante de cifras tão aterradoras para as mulheres, não havia possibilidade de alguma parlamentar posicionar-se de maneira contrária à existência da CPMI. O estupro é uma dessas formas de violência que, longe de ser um desejo incontrolável dos homens, é uma maneira dos dominantes exprimirem, mas também produzirem, a inferioridade das mulheres.429 No caso do PL 60/99, apesar de tratar-se de um projeto cuja aprovação vem no bojo da CPMI, havia um trecho passível de divergência: inciso IV do artigo 4o, que previa a “profilaxia da gravidez”. Ainda que seja um método

426

SAFFIOTI, Heleieth. Gênero, patriarcado, violência. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2004, p. 83. TABET, op.cit., p. 125, nota 59. 428 Mapa da Violência, São Paulo: Instituto Sangari, 2010. 429 DEPLHY, Christine. Préface. In: RICCI, Sandrine. Avant de tuer les femmes, vous devez les violer ! Rwanda:rapports de sexe et génocide des Tutsi. Paris: Syllepse, 2014. 427

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contraceptivo e não de interrupção da gestação – o que também não seria um problema legal já que o aborto é permitido em caso de estupro desde o Código Penal de 1940 – a Bancada Evangélica se posicionou contrariamente à dita “pílula do dia seguinte” e vinha apresentando como contraproposta o Estatuto do Nascituro e o PL 797/2011, que inclui nos programas Sociais e Financeiros do Governo, medida específica de apoio à mulher e à adolescente nos casos de gravidez oriunda de estupro e nos casos de comprovada má formação do feto. Como algumas deputadas integram o grupo evangélico, minha hipótese é de que não seria possível um consenso interno à Bancada Feminina para defender o PL. Em relação ao serviço doméstico remunerado, ele é uma maneira de sair de parte das tarefas do amálgama e oferecê-las – e contratá-las – no mercado de trabalho. Há aí uma imbricação com as relações sociais de classe e “raça”, já que as trabalhadoras domésticas tem renda baixa, são majoritariamente negras e empregadas por mulheres brancas de classes média e alta. Desde a Constituinte, as domésticas têm reivindicado plenos direitos trabalhistas, mas apenas em 2012, 24 anos depois das demais categorias, a PEC foi aprovada, o que demonstra que a proposta tinha muita resistência na sociedade brasileira, ainda acostumada à figura da mucama. Benedita da Silva (PT/RJ), negra e exdoméstica, foi a parlamentar que mais agiu em prol da PEC. Mas como as demais deputadas federais, oriundas de classes média e alta, se comportaram? É provável que a Bancada Feminina não tenha atuado conjuntamente diante de interesses econômicos que as opunham: empregadas e empregadoras. Apresentarei cada caso separadamente, refletindo sobre suas limitações e contribuições para o rompimento com o amálgama conjugal. Utilizo como metodologia a análise da pesquisa documental sobre os processos de tramitação do PL e da PEC, assim como o relatório final da CPMI da Violência contra a Mulher; os pronunciamentos feitos pelos/as deputados/as sobre os temas; e o acervo da Secretaria da Mulher recolhido durante o trabalho de campo em Brasília. Além das parlamentares já citadas nos capítulos anteriores e de Joluzia Batista, do CFEMEA, apresento também duas entrevistas de caráter semiestruturado realizadas por mim: uma com Creuza Maria Oliveira, presidenta da Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas (FENATRAD), que protagonizou pressões em favor da PEC das Domésticas, inclusive, discursando na tribuna da Câmara

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dos Deputados, e com Rachel Moreno, psicóloga, integrante da Articulação Mulher e Mídia e sua representante no Conselho Nacional dos Direitos da Mulher (CNDM), uma das liderançasno abaixo-assinado dos movimentos feministas e de mulheres em defesa do PL 60/99. Por fim, para contextualizar as atividades da CPMI e os processos de aprovação do PL e da PEC, empreendi uma análise pragmática da narrativa jornalística. Segundo Luiz Gonzaga Motta, “ao estabelecer sequências de continuidade [...], as narrativas integram ações no passado, presente e futuro, dotando-as de sequenciação”. 430 Esse método possibilita ainda identificar conflitos presentes nos episódios narrados, que por vezes podem não aparecer nas entrevistas. Foram escolhidos dois jornais impressos de circulação nacional, a Folha de S.Paulo e O Globo. Busquei, entre 01/01/2011 e 01/07/2014, notícias a partir das palavras-chave “CPMI” e “Violência”, para a CPMI; “Profilaxia da gravidez”, para o PL, em referência ao uso da contracepção de emergência; e “Domésticas”, para a PEC. O resultado indica que a PEC das Domésticas era o assunto que despertava maior interesse da mídia, enquanto a CMPI alcançou menor repercussão nesses veículos. No caso do PL de atendimento às vítimas de violência sexual, o que gerou matérias foi a disputa entre evangélicos e feministas.

4.1. As amarras sociais, econômicas e psíquicas do amálgama conjugal As Comissões Parlamentares de Inquérito (CPI) são instauradas com o requerimento de um terço dos membros da Câmara Federal e tem poderes de investigação próprios de autoridades judiciais para apurar um fato determinado e com prazo certo – até

430

MOTTA, op.cit.,. p. 151, nota 54.

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120 dias, prorrogáveis por mais 60, de acordo com o artigo 36o do Regimento Interno da Câmara dos Deputados. Mas existe jurisprudência do STF estabelecendo que uma CPI possa ter o prazo de funcionamento estendido por toda uma legislatura, ou seja, até quatro anos.431 No caso da Comissão estudada, por englobar também o Senado, ela denominou-se Comissão Parlamentar Mistade Inquérito (CPMI). As CP(M)Is têm capacidade de determinar diligências, ouvir indiciados, inquirir testemunhas sob compromisso, requisitar de órgãos e entidades da administração pública informações e documentos, requerer audiência de deputados e ministros de Estado, tomar depoimentos de autoridades federais, estaduais e municipais, e requisitar os serviços de quaisquer autoridades, inclusive, policiais. Podem ainda deslocar-se para qualquer ponto do território nacional para a realização de investigações e audiências públicas – expediente bastante utilizado na CPMI da Violência contra a Mulher. Após sua conclusão, as CP(M)Is têm o poder de estipular prazos para o atendimento de qualquer providência ou realização de diligência “sob as penas da lei”, como consta no Regimento Interno da Câmara dos Deputados. Instaurada em 8 de fevereiro de 2012, a CPMI da Violência contra a Mulher definiu como finalidade “investigar a situação da violência contra a mulher no Brasil e apurar denúncias de omissão por parte do poder público com relação à aplicação de instrumentos instituídos em lei para proteger as mulheres em situação de violência”.432 Em outras palavras, o objetivo era verificar a implementação da Lei Maria da Penha (11.340/2006) e do Pacto Nacional pelo Enfrentamento à Violência contra Mulheres, de 2007.

431

MORAES, 2003, apudCINTRA; LACOMBE, op.cit., p. 152, nota 217. COMISSÃO PARLAMENTAR MISTA DE INQUÉRITO (Brasil). Relatório Final. Brasília: Câmara dos Deputados; Senado Federal, 2013. 432

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A Lei Maria da Penha foi um marco no sistema jurídico brasileiro, que até os 1980 considerava que um homem poderia matar uma mulher e justificar o ato como em “defesa da honra”433 e que, nos anos 1990, punia “rigorosa” e “exemplarmente” agressões com doação de cestas básicas. Apenas em 1995, com a Lei 9.099/95, a violência doméstica passou a ser enquadrada nos tipos penais com até um ano de detenção.434 Com a Lei Maria da Penha passaram a ser reconhecidas diversas formas de violência doméstica e familiar: física, psicológica, sexual, patrimonial e moral, que ocorrem entre casais hetero ou homossexuais 435 . Foram também estabelecidas medidas de assistência, tais como garantia de proteção policial; manutenção do vínculo trabalhista e afastamento do local de trabalho por até seis meses, quando necessário; restrição ou suspensão de visitas do suposto agressor aos dependentes menores; criação e manutenção de centros de atendimento integral e multidisciplinar para mulheres e dependentes; casasabrigos etc. A farmacêutica Maria da Penha, que dá seu nome à lei, sofreu duas tentativas de assassinato pelo então marido, um professor universitário, em 1983. A primeira, com arma de fogo, deixando-a paraplégica; e a segunda, por choques elétricos e afogamento. Ele teve dois julgamentos, em 1991 e em 1996, mas a decisão definitiva só saiu em 2002. Nesse ínterim, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos responsabilizou o Estado brasileiro por omissão, negligência e tolerância. Preso, o ex-marido ficou apenas dois anos em regime fechado.436 É importante ressaltar, porém, que a Lei trata do âmbito doméstico e familiar, e

433

Notabilizado pelo assassinato de Ângela Diniz por Doca Street. SAFFIOTI, 2004, p. 63. 435 COMISSÃO PARLAMENTAR MISTA [...], op. cit., capítulo 1, artigo 5, nota 402. 436 MANO, Maíra Kubík T.; FONSECA, Mariana. Em briga de marido e mulher, se mete a colher. Le Monde Diplomatique Brasil,São Paulo, ago. 2010. 434

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não de toda forma de violência de gênero. Para “violência de gênero”, utilizo a definição de Amelinha Teles: “é aquela que se dá porque existe uma desigualdade histórica entre homens e mulheres, uma desigualdade nas relações de poder que atinge todas as áreas econômicas, políticas, sociais e religiosas”.437 A utilização de “gênero” aqui pressupõe a neutralidade, isto é, que as mulheres também podem ser violentas com os homens, mas que há uma situação hierárquica em que os últimos estão posicionados acima das primeiras. Em 2007, foi criado, pela Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República (SPM), o Pacto Nacional pelo Enfrentamento à Violência contra Mulheres, que articula públicas federal, estaduais e municipais de enfrentamento à violência contra as mulheres. Ele tem 8 eixos de ação: 1. Garantir implementação e aplicabilidade da Lei Maria da Penha, por meio da difusão da lei e do fortalecimento dos instrumentos de proteção dos direitos das mulheres em situação de violência. 2. Garantir o atendimento às mulheres em situação de violência, com a ampliação e o fortalecimento dos serviços especializados, qualificação, fortalecimento e integração dos serviços da rede de atendimento de forma a promover a capilaridade da oferta de atendimento, a garantia de acesso a todas as mulheres. 3. Criação do Sistema Nacional de Dados sobre Violência contra a Mulher conforme previsto no artigo 38 da Lei Maria da Penha e do Registro Administrativo Unificado, para a construção de indicadores que permitam maior monitoramento, avaliação e elaboração. 4. Garantir a Segurança Cidadã a todas as mulheres. 5. Garantir o acesso à Justiça, de forma que todas as mulheres possam receber atendimento adequado por meio da atuação em rede, e que os equipamentos de justiça promovam sua plena defesa e o exercício da sua cidadania. 6. Garantir os Direitos Sexuais na perspectiva da autonomia das mulheres sobre seu corpo e sua sexualidade, por meio da mudança cultural dos conceitos historicamente construídos na sociedade brasileira, de forma a identificar, responsabilizar e prestar atendimento em situações em que as mulheres têm seus Direitos Humanos e Sexuais violados.

437

Ibidem.

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7. Garantir a inserção das mulheres em situação de violência nos Programas Sociais nas três esferas de governo, de forma a fomentar sua independência e garantir sua autonomia econômica e financeira e o acesso a seus direitos. 8. Garantir a implementação da Política de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres do Campo e da Floresta.

Diferentemente da Lei Maria da Penha, o Pacto é mais amplo e trata não apenas do âmbito privado e familiar. O sexto eixo de ação, por exemplo, fala sobre a garantia da autonomia das mulheres sobre seus corpos e do direito à sexualidade, o que deveria ser obtido por meio “da mudança cultural dos conceitos historicamente construídos na sociedade brasileira”. São palavras fortes que podem até ser interpretadas como em prol também dos direitos reprodutivos e não apenas sexuais, pois com uma mudança cultural o direito ao aborto poderia ser aprovado no Congresso Nacional com o apoio da sociedade. Para essas ações previstas no Pacto serem colocadas em prática, porém, dependem do planejamento de cada estado, que é livre para pensar em iniciativas que possam dar concretude aos eixos.

4.1.1. A conscientização sobre a violência

As iniciativas estaduais, articuladas com as esferas municipais e federal, foram o objeto de investigação da CMPI junto com a Lei Maria da Penha. Jô Moraes (PCdoB/MG), coordenadora da Bancada Feminina, foi escolhida presidenta em reunião em fevereiro de 2012, e a deputada federal Keiko Ota (PSB/SP), vice-presidenta. A relatora era a senadora Ana Rita (PT/ES). Compuseram a CPMI também as senadoras Ângela Portela (PT/RR), Ivonete Dantas (PMDB/RN), Maria do Carmo Alves (DEM/SE), Marta Suplicy (PT/SP), Vanessa Grazziotin (PCdoB/AM), Lídice da Mata (PSB/BA) e Lúcia Vânia (PSDB/GO); os senadores Armando Monteiro (PTB/PE), Humberto Costa (PT/PE) e José Agripino (DEM/RN); as deputadas federais Aline Correa (PP/SP), Carmem Zanotto (PPS/SC), Célia Rocha (PTdoB/AL), Elcione Barbalho (PMDB/PA), Fátima Pelaes (PMDB/AP), Flávia Morais (PDT/GO), Gorete Pereira (PR/CE), Luci Choinacki (PT/SC), Marina Santanna (PT/GO), Sandra Rosado (PSB/RN), Sueli Vidigal (PDT/ES), Dalva

197

Figueiredo (PT/AP), Rebecca Garcia (PP/AM), Profa. Dorinha (DEM/TO), Rosane Ferreira (PV/PR), Rosinha da Adefal (PTdoB/AL) e Teresa Surita (PMDB/RR); e os deputados federais Neilton Mullim (PP/RJ), Dr. Rosinha (PT/PR) e Eduardo Azeredo (PSDB/MG). Temos um primeiro elemento: na CPMI havia tanto partidos da situação (em 2012, composta por PT, PMDB, PSB, PCdoB, PDT, PP, PR, PTB, PRB e PTdoB) quanto da oposição (DEM e PSDB) e, ainda, os que se colocavam independentes (PV e PPS), sendo a ampla maioria da base governista. Um segundo elemento: a CPMI da Violência Contra a Mulher diz respeito também aos homens parlamentares, que participaram de sua composição, ainda que em minoria numérica. São 27 parlamentares mulheres e 6 homens. Diferentemente do que ocorre em geral na Câmara, como visto no capítulo 2, eles não estiveram à frente dos trabalhos. As mulheres foram protagonistas ao menos da Comissão para investigar as violações sofridas por sua própria classe de sexo. A participação dos parlamentares levanta, porém, ao menos uma questão: nos grupos feministas e de mulheres, em especial aqueles que integram outras organizações onde há também homens, como partidos políticos e sindicatos, é comum que os espaços onde relatos de violência são compartilhados sejam auto-organizados. O intuito é que aquelas que denunciam agressões sintam-se mais à vontade e protegidas para fazê-lo. Será que os resultados de alguns depoimentos teriam sido diferentes se apenas parlamentares mulheres participassem da CPMI? Um terceiro elemento é que parte dos/as membros da CPMI integra também a Frente Parlamentar da Família e Apoio à Vida. São eles/as a senadora Lúcia Vânia (PSDB/GO); o senador Armando Monteiro (PTB/PE); as deputadas Fátima Pelaes (PMDB/AP), presidenta dessa Frente Parlamentar, Flávia Morais (PDT/GO), Sandra Rosado (PSB/RN), Sueli Vidigal (PDT/ES), Rosinha da Adefal (PTdoB/AL) e Teresa Surita (PMDB/RR); e o deputado Neilton Mullim (PP/RJ). Como não surgiram discordâncias quando da apresentação do Relatório Final, que teve 1046 páginas, conclui-se que, num primeiro momento, houve um consenso entre esses/as parlamentares e os/as demais sobre a necessidade de proposição de medidas para o enfrentamento da violência contra as mulheres. Isso mesmo entre aqueles/as que reivindicam um modelo de família

198

tradicional, com papeis definidos para homens e mulheres, e cuja existência é, por si só, violenta para as mulheres – o que tornaria apoiar a CPMI um contrassenso ou até hipocrisia. Mas não divergir formalmente do Relatório Final não significa encampá-lo no Congresso Nacional. Uma das propostas apresentadas pela CPMI – a que incluía a igualdade de gênero como conteúdo curricular da educação básica – foi posteriormente derrubada do Plano Nacional de Educação (PNE) pela Bancada Evangélica, com destaque para a deputada federal Antonia Lúcia (PSC/AC), como mostrei no capítulo 3. Até que ponto de fato há disposição em enfrentar as raízes da violência se não é possível ao menos discuti-la nas escolas? A concordância entre governistas, independentistas e oposicionistas também pode demonstrar que essa CPMI, diferentemente de outras que têm um caráter mais forte de fiscalização do governo federal – como a da Petrobras e da Terra –, não é tão relevante a ponto de concentrar esforços da oposição para denunciar falhas e equívocos do Poder Executivo. A Comissão concentrou seus trabalhos nos dez estados brasileiros mais violentos para as mulheres mais o Distrito Federal – seguindo os dados do Mapa da Violência438 – e, ainda, nos quatro estados mais populosos. Assim foram alvo da pesquisa os estados de Alagoas, Bahia, Distrito Federal, Espírito Santo, Goiás, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Pará, Paraíba, Paraná, Pernambuco, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Santa Catarina e São Paulo. Após requerimento de integrantes da própria comissão, foram também visitados os estados do Amazonas, Ceará e Roraima, tendo, esse último, a cidade mais violenta do país para as mulheres, Alto Alegre.

438

WAISELFISZ, Jacobo. Mapa da Violência: Homicídios de Mulheres. São Paulo: Instituto Sangari, 2012.

199

Tabela 5: Mortes

de mulheres no Brasil (a cada 100 mil habitantes)

Mortes de mulheres a cada

Ranking

Município / Estado



Alto Alegre (RR)

22



Silva Jardim (RJ)

18,8



Tailândia (PA)

17,8



Serra (ES)

17,4



Jaguaré (ES)

15,3



Monte Mor (SP)

15,2



Macaé (RJ)

15,2



Viana (ES)

15



Amambai (MS)

15

10º

Rio Branco do Sul (PA)

14,9

100 mil habitantes

Fonte: Mapa da Violência no Brasil 2010, Instituto Zangari.

Os parâmetros para escolher os locais visitados, contudo, são contestáveis. E isso até para quem os estabeleceu: “Eu fui membro da CPMI. Fui no estado Piauí e descobri que, embora ele esteja no último lugar em número de mulheres assassinadas (...), na verdade o que acontece lá é subnotificação dos casos”, disse a deputada federal Rosane Ferreira (PV/PR). “A gente foi nos estados mais violentos [...]. E aí o Piauí era o último lugar no ranking. Só fomos num desdobramento, numa ação de prorrogação da CPMI. Nós

200

levamos um susto com a realidade que encontramos lá. É muito sério”439, lamentou ela, criticando os nítidos limites da Comissão. A subnotificação e a falta de dados foram um problema também enfrentado pela primeira CPI sobre a violência contra a mulher, de 1992. No relatório, consta como principal conclusão a “carência de informações”, considerada “reveladora do descaso por parte das autoridades governamentais que não supriram as comarcas e as delegacias de recursos humanos e tecnológicos para fazer o levantamento necessário”.440 À insuficiência de recursos, de pessoal e de vontade governamental para implementar programas de apoio, soma-se a falta de denúncia por parte das mulheres. O problema da falta de denúncias, afirmou Saffioti, é que era preciso haver uma completa reeducação dos homens e mulheres. “Esta lei [Maria da Penha] apenas criminalizou o fenômeno, por meio de seu enquadramento judicial”.441 Logo depois que a lei foi sancionada, Saffioti participou de um debate no Mato Grosso do Sul, onde apresentou sua posição contrária ao texto. Ao final, uma delegada da região veio conversar com ela dizendo que discordava, mas que tinha se retirado da palestra para resolver exatamente uma situação que Saffioti havia previsto: uma mulher, que denunciara o marido horas antes, voltara à delegacia e tinha conseguido entrar na cela dele, onde o casal fez as pazes. Saffioti descreve esse tipo de caso como de codependência, onde há uma compulsividade das afetividades. 442 A autora generaliza a situação ao afirmar que “sem dúvida, as mulheres que suportam a violência de seus companheiros anos a fio, são codependentes (...) e o relacionamento de ambos é fixado”, isto é, o próprio relacionamento

439

FERREIRA, 2014. COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO. Relatório Final, 2013, p. 18. 441 MANO; FONSECA, op. cit., nota 436. 442 SAFFIOTI, 2004, p. 84. 440

201

é objeto do vício. Citando Anthony Giddens,parece-me que ela toma partido daqueles/as que argumentam que o poder passa pelo consentimento dos dominados à dominação. “É verdade”, pondera Saffioti, “por outro lado, que há mulheres resilientes, que não se deixam abater por condições adversas”. Ela coloca assim dois polos, um onde há as que estão codependentes dos maridos ou companheiros e outro em que há resistência. Causa estranhamento uma percepção tão dualista vinda dessa autora, que vê a sociedade como um emaranhado permanente de processos micro e macros que atravessam a malha social. É preciso complexificar a análise: qual é o grau de liberdade que as mulheres em situação de violência doméstica têm para tomar a decisão de não quererem seus agressores na cadeia? “O „consentimento à dominação‟ implica a consciência plena e inteira da situação e a aceitação das consequências, compreendidas aí as consequências destrutivas, do contrato”, afirma Mathieu.443 É como dizer que a oprimida se oprime. O que é mais frequente, contudo, é que as mulheres cedam à dominação por não terem mecanismos de sair dela ou não compreenderem-na plenamente. Alguns aspectos da consciência e da inconsciência das dominadas são, sublinha Mathieu, “a) a culpabilização, b) a inconsciência das regras não ditas que regem as relações com os dominantes; c) inconsciência do funcionamento real da sociedade para além das aparências das regras, leis, costumes etc.”444 Seria necessário analisar o caso descrito por Saffioti para saber, portanto, se trata-se de uma condição de plena consciência da mulher ou não. Porém, a própria iniciativa de particularizá-lo seria uma maneira de descontextualizar a violência contra as mulheres como algo estrutural. E generalizá-lo, por sua vez, iria reforçar a perspectiva universalista tão criticada pelos estudos feministas.

443 444

MATHIEU, 2013, p. 207. Ibidem, p. 137.

202

Assim, por trás da subnotificação apontada na CPMI, além do precário aparato para registrar as denúncias, há outros problemas: (1) as mulheres não se conscientizam de sua posição de dominadas e de quem está sofrendo violência; (2) quando se conscientizam, ou elas consentem – uma minoria, e com fatores psicológicos a serem analisados, como o masoquismo445 – ou não acreditam que é possível modificar essa posição; (3) e quando acreditam ser possível modificá-la, não é sempre que têm amparo para tanto. Para sair das situações de violência doméstica, as mulheres precisam poder recorrer a instrumentos e mecanismos que lhes permitam viver em condições dignas e seguras, tais como proteção policial, local para abrigar-se e manutenção de emprego em caso de ausência. São instrumentos e mecanismos previstos pela Lei Maria da Penha e pelo Pacto Nacional, mas que, como mostrou o Relatório Final da CPMI, não estão em pleno funcionamento.446

4.1.2. Os meios para apropriação do corpo feminino

Brevemente, apresentarei alguns pontos-chave do texto conclusivo da CPMI. No que diz respeito às delegacias de Polícia, foi constatado “o abandono ou, no mínimo, a pouca importância das delegacias de polícia”,447 uma situação que evidentemente faz parte de um quadro mais amplo em que a segurança pública é um dos principais problemas do país. As Delegacias Especializadas de Atendimento às Mulheres (DEAMs) ou as

445

Penso aqui na referência de Mathieu sobre masoquismo: “Masoquismo no sentido banalizado. Mas, do meu ponto de vista, o masoquismo não é apenas uma simples demanda de sofrimento ou de objetificação, mas uma tentativa do sujeito alienado de agir enquanto sujeito [...] pela teatralização de uma experiência vivida real de agressão e de objetificação que ele não pode dominar na realidade sociológica e que no personagem, a persona, tenta repensar e reapresentar. MATHIEU, 2013, p. 207. 446 Relatório Final, 2013, p. 9. 447 Ibidem, p. 48.

203

Delegacias de Defesa dos Direitos da Mulher (DDMs) estão, “assim como todo o sistema de Segurança Pública dos estados, em processo de sucateamento”. 448 A primeira delegacia especializada data de 1985, durante o período de redemocratização, e foi uma resposta da pressão dos movimentos feministas, que demandavam “a criação de um espaço na polícia na qual o ambiente não fosse hostil à mulher agredida”.449 Nos anos 1990, elas somavam 141 e eram consideradas uma política pública “bem-sucedida”. Uma década depois, entraram em declínio no bojo da precarização de todos os serviços de Segurança Pública do país. Em relação aos Institutos Médicos Legais (IMLs), onde são realizados os exames de corpo de delito, foram visitadas três sedes. Apenas a do Distrito Federal tinha uma sala específica para atender a mulheres. Outro núcleo visitado foi o de Formosa, em Goiás, onde posteriormente as deputadas da Bancada Feminina acompanhariam o julgamento do suposto assassino de Fernanda Karla Porto, exposto no capítulo 3. O IML de Formosa atende a 33 cidades e a CPMI constatou a necessidade de “reforma elétrica e hidráulica, de informatizar o serviço e que as câmaras de segurança existentes não fazem gravação. [...] Não possui telefonista nem motorista e fica em lugar de difícil acesso”.450 Por ser distante do centro do município e sem transporte público no entorno, as mulheres, em especial de baixa renda, que precisassem se locomover até lá enfrentariam dificuldades. Além disso, esse IML não possuía medicação de emergência para a profilaxia em casos de violência sexual. A CPMI concluiu ainda que os serviços de abortamento legal – estupro, risco de morte da mãe e fetos anencéfalos – são muito reduzidos em todo o país. A dificuldade em

448

Ibidem, p. 48. PINTO, 2003, p. 82, nota 30. 450 Relatório final, 2013, p. 51. 449

204

acessar esse recurso, para o qual é necessário ter autorização judicial, pode terminar por manter a mulher em uma gestação indesejada, deixando nítido que o controle do corpo não diz respeito às mulheres violentadas, mas sim ao Estado. Como afirma Colette Guillaumin, o arsenal jurídico, assim como o estupro, é um dos meios de apropriação concretas dos corpos das mulheres. 451 A elaboração de Guillaumin coloca em perspectiva dois pontos aparentemente contraditórios sobre a mobilização de recursos jurídicos para emancipação social. Se é o próprio Estado, por meio de aparatos jurídicos, um dos meios de apropriação dos corpos das mulheres – e estrutura precária para atendimento das mulheres que sofrem violência contribui para isso –, como empreender a luta por sua libertação por dentro dele? Nesse sentido, reivindicar os direitos sexuais e reprodutivos significa também buscar uma emancipação jurídica do corpo e não apenas obter precedentes, como o aborto em caso de estupro. A Comissão apurou a existência de 64 Juizados de Violência no país e 27 Varas Especializadas. A maioria dos serviços, contudo, está concentrada nas capitais e não há “equipe multidisciplinar adequada e completa, [...] os cartórios não possuem servidores em número suficiente e [...] há excesso de processos em tramitação nas Varas e Juizados”.452 Em relação ao Ministério Público, as promotorias têm um papel importante no cumprimento da Lei Maria da Penha, porém “não possuem infraestrutura adequada ao seu funcionamento”. 453 Sobre as Casas-abrigo, a CPMI constatou que ainda são a principal política de acolhimento das mulheres que sofrem violência, mas é o serviço menos procurado: Inúmeras razões contribuem para isso, dentre as quais a concepção de

451

GUILLAUMIN, 1992, p. 15. Relatório final, 2013, p. 52. 453 Ibidem, p. 54. 452

205

confinamento e disciplinamento que norteia as Casas-abrigo; o rompimento, mesmo que temporário, dos vínculos; o não oferecimento de atividades educativas, culturais e laborais que fujam do tradicional „artesanato‟; a falta de privacidade, o rompimento da atividade escolar dos filhos e filhas, dentre outros, fazem com que as mulheres prefiram correr riscos a ficarem na Casa-abrigo. Além disso, as casas-abrigo visitadas, além de abrigarem um número reduzido de mulheres, estavam em péssimas condições materiais, com pinturas descascadas, rachaduras, móveis velhos ou amontoados, fato observado em Maceió/AL e em Boa Vista/RR.454

Por trás da precariedade da infraestrutura está o baixo orçamento. A ministra da SPM Eleonora Menicucci informou, em audiência da CPMI, que até 2006, antes do Pacto e da Lei Maria da Penha, o investimento no combate à violência contra a mulher foi de cerca de R$ 24 milhões. De 2007 a 2011, subiu para R$ 132,5 milhões. Parte dessa verba, porém, veio das emendas parlamentares, que foram – e continuam sendo – contingenciadas. “Todas as emendas parlamentares sobre o tema foram vetadas pelo Ministério do Planejamento, que ficaram contingenciadas”, disse Menicucci. O contingenciamento significa que cerca de 30% 455 do orçamento da SPM foi utilizado para o superávit primário, garantindo o pagamento da dívida pública. Algo semelhante ocorreu com os demais ministérios, já que tal medida faz parte da política macroeconômica do governo federal, mas o impacto foi muito menor porque seus orçamentos são mais de dez vezes superiores ao da SPM, que

454

Ibidem, p. 58. SPM TEM 30% de seu orçamento contingenciado.CFEMEA, Brasília, 25 out. 2008. Disponível em: . Acesso em 20 dez. 2014. 455

206

recebe parcos 0,7% do total do montante previsto para o conjunto dos órgãos.456 As emendas são uma revisão feita pelo Parlamento ao orçamento anual apresentado pelo Executivo e permitem a realocação de recursos para áreas consideradas de maior interesse pelos/as deputados/as (Lei Orçamentária Anual, LOA). Os vetos a essas emendas são uma maneira de o governo negociar apoio: o Executivo libera os recursos que os parlamentares solicitam mediante votem disciplinadamente com a situação ao longo do ano. Carlos Pereira analisa que “ao votarem disciplinadamente, os parlamentares credenciam-se para levar benefícios individualizados ao eleitorado e esses benefícios lhes valem a reeleição”,457 diminuindo a importância dos partidos políticos como intermediários para o sucesso eleitoral. Para esse autor, trata-se de um resquício da patronagem que estruturou, desde o período colonial, o sistema político brasileiro. Argelina Figueiredo e Fernando Limongi discordam dessa tese de Pereira: para eles, é possível articular as vontades individuais dos/as parlamentares com os desígnios governamentais, caso os deputados/as façam parte da coalizão governista e sustentem a política macroeconômica do Executivo. “A alocação de recursos feita pelos legisladores é complementar, e não contrária à do Executivo”.458 No caso das emendas para o combate à violência contra as mulheres, tanto a abordagem de Pereira quanto a de Figueiredo e Limongi fazem sentido. Quando vemos que a maioria das emendas são destinadas para as regiões de origem dos/as deputados/as e que

456

ORÇAMENTO DA SPM representa apenas 7% do total previsto para o conjunto dos órgãos. CFEMEA, Brasília, 27 nov. 2013. Disponível em: . Acesso em: 24 dez. 2014. 457 PEREIRA, s/d, apudCINTRA; LACOMBE, op.cit., p. 161, nota 217. 458 FIGUEIREDO, Argelina; LIMONGI, Fernando. Processo orçamentário e comportamento legislativo: emendas individuais, apoio ao Executivo e Programas de Governo. Revista Dados, São Paulo, v. 48, n.4, p. 737 a 776, 2005. p. 767.

207

não há nenhuma parlamentar que se dedique prioritariamente às pautas de gênero, concluise que o enfrentamento ao contingenciamento desse montante era secundário diante da necessidade de garantir o envio de verbas para os municípios, o que corrobora com a hipótese de Pereira. Por outro lado, no período estudado o partido do governo era o PT, de centro-esquerda, e as deputadas dirigentes da Bancada Feminina faziam parte da base governista. Assim, mesmo que criticassem o corte no orçamento da SPM, havia um interesse delas em viabilizar a política macroeconômica do governo, como apontam Figueiredo e Limongi. E as mulheres, mais uma vez, são rifadas em prol do neoliberalismo que já tanto as explora. Por fim, do relatório apreende-se de forma explícita que as situações de violência contra a mulher são atravessadas pelas relações sociais de “raça” e pela heterossexualidade sistêmica. Das reuniões com os movimentos de mulheres e feministas surgiram, além dos problemas já citados acima, denúncias de casos de racismo contra negras e indígenas459, que destacarama violência obstétrica. O Brasil é recordista mundial em cirurgias cesáreas: 52,3% dos partos são realizados dessa maneira, enquanto a taxa máxima preconizada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) é de 15% 460. Alesbofobia também foi mencionada, em especial na dificuldade de registrar ocorrências de agressões461. Que esse tipo de observação tenha aparecido nas audiências apenas externas aos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário não é surpreendente: essas instituições são instrumentos de manutenção das posições dominantes, cujo sujeito hegemônico é o homem, branco, heterossexual e de alta renda.

459

Ibidem, p. 63. PRAZERES, Michelle; MAIA, Jamila. Corpos roubados. In MANO, Maíra Kubík T.; SAKAMOTO, Leonardo M. A quem pertence o corpo da mulher? Repórter Brasil: São Paulo, 2013, p. 15. 461 Relatório final, 2013, p. 64. 460

208

Para chegar aos dados do relatório, foram visitados governadores, Delegacias da Mulher e Casas-abrigo, entre outras estruturas e órgãos. “Nessa presidência [da CPMI]”, afirmou Jô Moraes (PCdoB/MG), “a primeira coisa que eu fazia era pedir audiência com os governadores”. A estratégia, de acordo com ela, era a de “ganhar aliados”. “Nesse processo, nós conseguimos [...] parcerias com órgãos como o Ministério Público Federal (MPF)”. Por sua fala, é plausível apreender que não seria possível estabelecer um diagnóstico amplo da violência contra as mulheres sem o apoio do poder Executivo, que nesse período, nos estados analisados, estava nas mãos de homens. As únicas exceções eram o Maranhão e o Rio Grande do Norte, com Roseana Sarney (PMDB/MA) e Rosalba Ciarlini Rosado (DEM/RN), respectivamente, mas que não receberam visitas da CPMI. Se os/as parlamentares fossem até esses dois estados, será que a recepção seria diferenciada por serem governadoras? O Pacto Nacional estaria mais bem implementado nessas regiões, por serem comandadas por mulheres, isto é, por representantes do grupo que sofre a violência analisada? Um elemento que pode levantar mais dúvidas: Roseana e Sandra integram famílias que estão há décadas no poder e que localizam-se à direita no espectro político. Será que isso não as colocaria em uma posição de menor interesse em implementar o Pacto Nacional em relação aos governadores de partidos de centro-esquerda, com ideário mais próximo aos movimentos feministas? Nas 24 audiências realizadas nos estados e no Distrito Federal, foram ouvidos/as desembargadores/as; juízes/as; promotores/as de Justiça; delegados/as de Polícia; acadêmicos/as; representantes de movimentos de mulheres e feministas e de ONGs; e secretários/as estaduais de pastas como Saúde, Justiça e Direitos Humanos e Cidadania. Dos ministros do governo federal, apenas Eleonora Menicucci, da SPM, deu seu testemunho. Os demais ministérios, alguns que poderiam ter um papel central na efetivação do Pacto, como o da Justiça, da Saúde e Planejamento, enviaram outros representantes. Ao menos do ponto de vista federal, a CPMI parece ter sido importante apenas para o órgão que já se ocupa da violência contra a mulher, a SPM, que é secundário em termos de estrutura operacional. A senadora Ana Rita (PT/ES) visitou uma aldeia indígena Guarani-Kaiowá, em Água Bonita (MS). Ela ouviu relatos de que havia incompreensão – que passavam também

209

por uma barreira da língua – dos/as delegados/as diante da violência doméstica sofrida pelas indígenas. Sem falar o português, essas mulheres dependem de tradutores, geralmente homens, para expressarem suas demandas ao poder judiciário brasileiro, o que contribui para dificultar a denúncia. A atitude frequente dos/as policiais tem sido não registrar queixa e enviá-las de volta às aldeias. Já a Delegacia específica de Atendimento à Mulher, por ser muito distante, não é procurada. Dos depoimentos, percebe-se o despreparo do poder público em atender às indígenas ao mesmo tempo em que há um questionamento sobre como seria possível realizar uma intervenção na vida sociocultural destes povos visando o combate à violência contra as mulheres. Esse tipo de problema, de enfrentar uma situação sem adotar uma postura colonialista do Estado, mas tampouco ignorando-o sob a justificativa de um relativismo cultural, parece-me estar relacionado a outros discutidos com mais profundidade pelas estudiosas feministas: o da mutilação genital feminina em alguns povos do centro-leste africano. Qual a melhor abordagem para enfrentar essa situação? Como escapar à imposição de valores ocidentais, cujo contato chega não sem conflito, tanto cultural quanto pela força das armas e, ao mesmo tempo, combater a violência contra as mulheres? Penso aqui, também, na justificativa da invasão de tropas estadunidenses ao Afeganistão em 2001 para, entre outros motivos, “libertar” as mulheres; ou na proibição do uso do véu por estudantes do sistema público de ensino francês. Qual a maneira possível de dar assistência às mulheres indígenas em situação de violência, sofrida internamente no grupo, sem fazer uma interpretação desse fenômeno a partir dos olhos ocidentais ebaseada na repressão do Estado? A situação de violência entre os povos Guarani e Kaiowá no Mato Grosso do Sul, local que foi visitado pela CPMI, decorre de diferentes fatores associados ao problema do confinamento em territórios muito pequenos, relacionados à questão da demarcação da terra, e de pressões externas, como o avanço do agronegócio sobre o território tradicional – houve, na audiência com os movimentos de mulheres sul-mato-grossenses, registro do aumento dos casos de estupro de mulheres indígenas em áreas nas quais as aldeias estão situadas muito próximas a usinas de cana-de-açúcar – ou por diferentes formas de exclusão e racismo que sofrem em toda a região. Os índices de violência contra as mulheres são os mais altos registrados entre os

210

povos indígenas no Brasil, mas também sofrem os kaiowás e os guaranis com a taxa mais alta de suicídio e o maior índice de assassinatos, de acordo com levantamento do Conselho Indigenista Missionário (CIMI) relativo aos últimos 30 anos.462 Seria possível articular um combate à violência contra as mulheres indígenas sem levar em consideração o contexto sóciopolítico em que essa violência é produzida? A CPMI fez algumas recomendações463 ao governo do estado do Mato Grosso do Sul – ainda que certos aspectos que envolvam questões indígenas sejam de competência da União Federal – para valorizar as línguas indígenas, o que representaria um avanço na atenção a esses povos no que toca a terem um ambiente mais receptivo das instituições: dotar as delegacias de municípios com população indígena de intérpretes nas línguas indígenas; capacitar os servidores que atendem mulheres em situação de violência para um atendimento qualificado e especializado para as mulheres indígenas; elaborar material de divulgação dos serviços em línguas indígenas para facilitar o conhecimento e acesso das mulheres indígenas; e incluir nas políticas a transversalidade da raça/etnia de modo a beneficiar e atingir as mulheres indígenas. Porém, a CPMI visitou apenas uma aldeia de uma única etnia, sendo que as mulheres indígenas estão presentes em todo o território nacional e fazem parte das 305 etnias reconhecidas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Em outras palavras, as mulheres indígenas vivenciam realidades distintas não apenas em suas organizações autônomas enquanto povos indígenas, mas também ao conviverem com diferentes formas de pressão socioeconômica da sociedade do entorno; são problemas específicos que decorrem de sua realidade diferenciada. Houve, então,por parte da Comissão, pouca ênfase a esses povos, ao mesmo tempo em que houve

462

FASOLO, Carolina. Índice de suicídios entre indígenas no MS é o maior em 28 anos. Cimi, Distrito Federal, 23 mai. 2014. Disponível em: . Acesso em: 3 jan. 2015. 463 Relatório final, 2013, p. 436-437.

211

uma tentativa de universalização de certos mecanismos do Estado, entre eles, as ferramentas de combate à violência contra as mulheres. Em outra audiência bastante simbólica, representantes da CPMI se encontraram com familiares de mulheres que sofreram uma violência brutal no município paraibano de Queimadas. Notório, o caso de Queimadas (PB) ocorreu em 12 de fevereiro de 2012, quando dez homens decidiram “presentear” um amigo aniversariante com o estupro coletivo de cinco mulheres. As vítimas foram convidadas para a festa e, em um dado momento, dois dos participantes se retiraram e voltaram ao recinto usando máscaras, simulando que a casa onde ocorria a comemoração estava sendo assaltada. Duas delas foram torturadas e assassinadas – a recepcionista Michelle Domingos e a professora Izabella Pajuçara. 464 Tamanha brutalidade causou muita comoção. Além das deputadas, representantes da Marcha Mundial de Mulheres foram ao município e organizaram vigílias para pressionar o Poder Judiciário.

4.1.3. Em busca de uma saída

A deputada Keiko Ota (PSB/SP), vice-presidenta, resumiu, em entrevista feita por mim, o trabalho da CPMI: Trabalhamos durante um ano e meio. Realizamos 24 audiências públicas em 18 Estados. O resultado das visitas que fizemos gerou um levantamento da situação em que se encontram as mulheres brasileiras vítimas de violência. Apuramos também denúncias de omissão do poder

464

MANO, Maíra Kubík T. Basta de feminicídios. CartaCapital,São Paulo, 25 set. 2014. Disponível em: . Acesso em: 20 out. 2014.

212

público em relação à aplicação de ferramentas instituídas em lei para proteger essas mulheres465.

“A gente foi muito feliz no diagnóstico, a gente conseguiu traçar um diagnóstico dos problemas brasileiros no que diz respeito à violência contra a mulher”466, complementou Rosane Ferreira (PV/PR). Mas se elas foram “ativas” e “felizes” em conseguir fazer um mapeamento de extensão inédita no país, os dados que levantaram retratam um cenário calamitoso. Diante dele, que tipo de resultados o relatório pode produzir? Em sua conclusão, foram feitas 73 recomendações encaminhadas a diversas instituições dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, nos âmbitos nacional, estadual e municipal; e 13 projetos de lei e um projeto de resolução que torna permanente, no âmbito do Congresso Nacional, a Comissão de Combate à Violência contra a Mulher. Keiko Ota avaliou que “a atuação da bancada feminina foi fundamental para aprovarmos o relatório e avançarmos nas conquistas das mulheres”. As propostas que elas elaboraram foram:

Tabela 6. Propostas de alteração da legislação apresentadas pela CPMI

1.

465 466

Acrescentar parágrafo 7o ao art.121, criando o agravante de feminicídio, como uma forma extrema de violência de gênero contras as mulheres, que se caracteriza pelo assassinato da mulher quando presentes circunstâncias de violência doméstica e familiar, violência sexual ou mutilação ou desfiguração da vítima.

OTA, Keiko. Entrevista. 2014. Entrevista à distância concedida a Maíra Kubík Mano. 29/10/2014. FERREIRA, 2014.

213

2.

Acrescentar preceito normativo na Lei 11.340/2006, dispondo que ao encaminhar as mulheres vítimas para abrigamento, o juiz e membro do Ministério Público devem necessariamente analisar o caso e se manifestarem sobre os requisitos da prisão preventiva do agressor, evitando-se os casos em que o réu permanece solto, enquanto a vítima passa pela restrição de sua liberdade na casa-abrigo.

3.

Acrescentar parágrafo único ao artigo 16, da Lei 11.340/2006, explicitando que nos crimes que dependam de representação da vítima, é vedada a realização de audiência ou qualquer ato oficial em que se questione o interesse da ofendida em renunciar, sem sua prévia e espontânea manifestação nesse sentido, para evitar que se façam perguntas sobre o interesse da vítima em desistir do processo em audiências de conciliação, de medidas de proteção e outras.

4.

Acrescentar parágrafo ao artigo 20, da Lei 11.340/2006, estabelecendo que não é pré-requisito para a decretação da prisão preventiva o prévio deferimento da medida protetiva de urgência ou seu descumprimento. Acrescentar parágrafo ao artigo 14 da Lei 11.340/2006, para esclarecer que a competência cível dos Juizados e Varas de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher inclui as ações de alimentos, guarda, regulamentação de visitas, divórcio, indenização e outras decorrentes das relações domésticas e familiares, para facilitar a busca das mulheres por justiça em um só local e evitar decisões conflitantes de juízes que desconheçam a situação fática das mulheres em situação de violência doméstica.

5.

6.

Acrescentar dispositivo ao Código de Processo Penal para proibir o arbitramento de fiança pela autoridade policial nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, para garantir maior proteção para as vítimas no momento e logo após o conflito delituoso.

7.

Alterar a “Lei de Tortura” (Lei 9.455/1997), de modo a permitir que pessoas em situação de violência doméstica possam ser consideradas vítimas do crime de tortura, quando submetidas a intenso sofrimento físico e mental. Sugerindo-se modificação da alínea “C” do Art. 1o, para a seguinte redação: “c) em razão de discriminação racial, de gênero ou religiosa” e do seu inciso II, para incluir no polo passivo do crime as pessoas de qualquer relação familiar ou afetiva, independentemente de coabitação, que são submetidas a situação de violência doméstica e familiar, com emprego de violência ou grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental, como forma de exercício de domínio. Determina-se também que todos os atos e termos dos procedimentos e

214

processo previsto na Lei Maria da Penha possam ser produzidos, transmitidos, armazenados e assinados por meio eletrônico ou digital, na forma da lei. 8.

Alterar o art. 27 da Lei no 9.394/1996, que “Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional”, para explicitar a necessidade dos conteúdos curriculares da educação básica enfatizarem, como diretriz, o respeito à igualdade de gênero e a prevenção e o combate à violência doméstica e familiar.

9.

Alterar o art. 7o da Lei no 8.080/1990, que dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências, para inserir, entre os princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS), a atribuição de organizar serviços públicos específicos e especializados para atendimento de mulheres e vítimas de violência doméstica em geral.

10. Alterar o art. 2o da Lei no 8.742/1993, que dispõe sobre a organização da Assistência Social e dá outras providências, para instituir um novo benefício assistencial (de 1 salário-mínimo de benefício mensal) à mulher vítima ou em situação de violência doméstica que não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, enquanto durar a causa da violência. 11. Definição de um benefício específico variável e temporário, dentro do escopo do Programa Bolsa Família (PBF) (Lei 10.836/2004), destinado a mulheres vítimas ou em situação de violência doméstica que estejam em condição de pobreza e extrema pobreza, portanto, que atendam aos requisitos para sua inclusão no Programa. Note-se que, assim como os demais benefícios variáveis criados para gestantes, nutrizes, crianças e adolescentes esta proposta admite a cumulatividade, nos termos definidos no §4o do Art. 2o da Lei: “§4o - Os benefícios financeiros previstos nos incisos I, II, III e IV do caput poderão ser pagos cumulativamente às famílias beneficiárias, observados os limites fixados nos citados incisos II, III e IV”. Ainda vale ressaltar que a proposta indica o período de seis meses para percepção do benefício. 12. Alterar a Lei no 8.213/1991, que dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social e dá outras providências, para instituir o auxílio transitório decorrente de risco social provocado por situação de violência doméstica, definindo sua caracterização nos moldes acidentários e vinculando sua comprovação e duração à determinação do juízo processante da causa instituída nos termos da Lei Maria da Penha.

215

Também o projeto propõe como uma das fontes de custeio a criação de uma arrecadação a ser feita pelo agressor. 13. Destinação de recursos para pagamento dos benefícios – propõe-se alterar a Lei Complementar no 79, de 07 de janeiro de 1994, que cria Fundo Penitenciário Nacional, para determinar que recursos arrecadados com multas decorrentes exclusivamente de sentenças condenatórias em processos criminais que envolvam violência doméstica e familiar devem ser aplicados na manutenção de casas de abrigo destinadas a acolher vítimas de violência doméstica e prioritariamente no reembolso de benefícios ou prestações assistenciais ou previdenciárias, pagas com recursos da seguridade social. 14. Ação regressiva – o projeto pretende legalizar a ação regressiva hoje testada vitoriosamente perante o Poder Judiciário para que o agressor da violência doméstica e familiar restitua os recursos pagos pelo INSS em benefícios que atendem à vítima, decorrentes dos danos causados por esse tipo de violência. 15. Ampliação dos meios de prova da violência – a Lei Maria da Penha, em seu § 3o, art. 12, estabelece que “serão admitidos como meios de prova os laudos ou prontuários médicos fornecidos por hospitais e postos de saúde”. Com base em farta jurisprudência, que aceita a chamada “perícia indireta”, restou proposta a alteração do Decreto-Lei no 3.689, de 3 de outubro de 1941 – Código de Processo Penal, para permitir que “os prontuários ou laudo médico assim como a „Ficha de Notificação de Violência Doméstica, Sexual e/ outras Violências‟, instituída pela a Lei 10.778, de 24 de novembro de 2003, nos municípios ou comarcas onde não houver Instituto Médico Legal, perito oficial ou não for possível a realização do exame por 02 (duas) pessoas idôneas, possam substituir o exame de corpo delito nos casos que específica”. 16. Altera o art. 1º da Lei nº 10.714, de 13 de agosto de 2003, que autoriza o Poder Executivo a disponibilizar, em âmbito nacional, número telefônico destinado a atender denúncias de violência contra a mulher. A proposta transfere a operação do serviço telefônico destinado a atender denúncias de violência contra a mulher para a Central de Atendimento à Mulher (Ligue 180), sob a coordenação do Poder Executivo. O serviço era operado pelas Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher ou Delegacias da Polícia Civil. Fonte dos dados de 1 a 15: Em busca de direitos perdidos: uma análise feminista da atuação do Congresso Nacional entre 2011 e 2013. Brasília: Consultoria CFEMEA, 2014. p. 15. Fonte do dado 16: Relatório Final da CPMI.

216

Todas as propostas dizem respeito à melhoria de leis já existentes e abrangem quatro espectros: 1) Criminal: mudança na compreensão de crimes, como a tipificação do feminicídio e de tortura e também a alteração nos pressupostos para prisão preventiva do agressor; estabelecimento da “perícia indireta” onde não há IML; 2) Econômico: explicita as responsabilidades do Poder Judiciário sobre as ações que dizem respeito à pensão alimentícia; amplia assistência social e o acesso ao Programa Bolsa Família; 3) De Saúde: insere entre os princípios e diretrizes do SUS a atribuição de organizar serviços públicos específicos e especializados para atendimento às mulheres e vítimas de violência doméstica em geral; 4) Educacional e de acesso à informação: inserir no ensino básico a igualdade de gênero como uma diretriz; e ampliar as funções da Central de Atendimento à Mulher (Ligue 180).

As medidas, que se complementam, dão conta de um amplo espectro e preveem auxiliar tanto em situações imediatas – atendimento jurídico, de saúde e amparo econômico – quanto em propor mudanças culturais de longo prazo, ampliando o acesso à informação e discutindo a desigualdade de gênero a partir da educação formal. É possível que não haja tanta dificuldade em aprovar as propostas do primeiro grupo, diferentemente daquelas do segundo grupo, que por dizerem respeito a alterações de fundo, talvez não sejam admitidas. Essa hipótese se confirmou, por enquanto, parcialmente: a primeira medida

217

aprovada foi justamente a de garantir mais acesso à informação e o encaminhamento de denúncias ao Ministério Público e às autoridades de Segurança Pública,467 que passou o “Ligue 180” para o Poder Executivo e não mais para as Delegacias Especializadas. Já a inserção de igualdade de gênero no ensino básico foi derrubada em junho de 2014 do Plano Nacional de Educação (PNE) pela Bancada Evangélica, com as galerias e corredores da Câmara lotados de apoiadores/as. Outra proposta aprovada no Senado e que, ao final de 2014, aguardava votação na Câmara federal é a que inclui no Código Penal o crime de feminicídio. O feminicídio é compreendido, pela CPMI, como “assassinato de mulheres pela condição de serem mulheres” e “se refere a um crime de ódio contra as mulheres, justificado socioculturalmente por uma história de dominação da mulher pelo homem e estimulado pela impunidade e indiferença da sociedade e do Estado”.468 A justificativa que consta no relatório para aprovar essa tipificação de crime é que há tolerância estatal em relação à permanência de altos padrões de violência contra mulheres, o que demonstraria “a necessidade urgente de mudanças legais e culturais em nossa sociedade”. 469 O caso de Ciudad Juárez, no México, é citado como o ponto de partida da discussão sobre essa tipificação penal. Contudo, não são explicitados outros elementos que, naquele local, levaram à caracterização do feminicídio como fenômeno sistêmico, como o narco-Estado imbricado ao neoliberalismo.470 Assim, a caracterização dada pela CPMI pode levar a uma interpretação limitada: ao omitir o contexto econômico e de violência crescente na

467

Relatório final, 2013, p.1034. Ibidem, p. 1004. 469 Ibidem, p. 7. 470 FALQUET, Jules. Des assassinats de Ciudad Juárez au phénomène des féminicides: de nouvelles formes de violences contre les femmes?.Contretemps, 01 out. 2014. Disponível em: . Acesso em: 20 dez. 2014. 468

218

sociedade brasileira – que atinge principalmente homens, jovens e negros – e, cujo pano de fundo é a desigualdade social e o tráfico de drogas, pode-se tratar o feminicídio, principalmente, como crime de foro íntimo, ou seja, aquele em que o assassino tinha uma ligação prévia com a vítima, o que seria só um de seus possíveis aspectos. A aprovação do feminicídio no Senado não ocorreu apenas pela relevância do tema, mas como uma reação da Bancada Feminina e das senadoras ao comentário de um deputado federal, Jair Bolsonaro (PP/RJ), de um partido de direita, que disse que “não estupraria” a deputada Maria do Rosário (PT/RS), porque ela “não merece”. O contexto era uma discussão sobre a redução da maioridade penal, a qual Bolsonaro era a favor e Rosário, contra. Logo depois, Bolsonaro chamou-a de “vagabunda” e empurrou-a. As parlamentares fizeram uma representação contra ele, mas a Mesa Diretora da Câmara, composta apenas por homens, arquivou-a. Em nota, a Bancada Feminina criticou o comportamento do deputado e sua impunidade: Não é a primeira vez que o referido deputado usa das prerrogativas do mandato parlamentar para transgredir o Regimento Interno, ficando à vontade para promover diferentes formas de violência. Incitar este ato de barbárie é ainda mais grave quando recordamos que, apenas em 2013, o Brasil registrou 50 mil casos de estupro, podendo ter chegado ao alarmante patamar de 143 mil casos, devido justamente à banalização 471 desta forma de violência.

Imagem 6: “Nenhuma de nós merece ser estuprada”.

471

CÂMARA DOS DEPUTADOS (Brasil). Nota de Repúdio da Bancada Feminina. Brasília, 2014. Disponível em: . Acesso em: 1 jan. 2015.

219

Da esquerda para a direita, Jô Moraes (PCdoB/MG), Janete Rocha Pietá (PT/SP) e Iara Bernardi (PT/SP) protestam na tribuna da Câmara contra o deputado Jair Bolsonaro (PP/RJ) e em solidariedade à Maria do Rosário (PT/RS). Fonte: Câmara dos Deputados.

“Quando você vê uma pessoa como o Bolsonaro fazer uma apologia do crime”, analisou, em entrevista feita por mim, Érika Kokay (PT/DF), “colocando o estupro como prêmio – eu não te estupro porque você não merece – [...] você vai ver que, como diz Nelson Rodrigues, o absurdo está realmente perdendo a modéstia”. A atitude misógina de Bolsonaro acrescenta-se àquelas vistas no capítulo 2, que criam um ambiente hostil, de discriminação, em que as mulheres que estão no Parlamento denunciando a violência terminam por sofrê-la naquele espaço mesmo. Por fazê-lo na tribuna da Câmara, Bolsonaro ganhou destaque na mídia, disputando a opinião pública para o seu ponto de vista. A senadora Gleisi Hoffmann (PT/PR), relatora do projeto de tipificação do feminicídio, disse ao jornal Folha de S.Paulo que o Brasil assistira estarrecido a uma situação envolvendo a “violência contra a mulher, um pronunciamento do deputado Jair Bolsonaro [...] incitando o estupro, ofendendo uma colega. Uma resposta contundente a essa situação é a votação do

220

projeto”.472 Bolsonaro foi o deputado federal mais votado do Rio de Janeiro, reeleito para a Legislatura 2015-2018 com 465 mil votos.

4.1.4. A frente ideológica

Essa, aliás, foi uma das poucas vezes que a CPMI da Violência contra a Mulher figurou no noticiário. As Comissões Parlamentares de Inquérito costumam despertar o interesse da imprensa e são alardeadas pela oposição como um instrumento de crítica ao governo, mas essa CPMI teve um impacto muito pequeno na sociedade brasileira. Nos jornais analisados, a Folha de S.Paulo e O Globo, entre janeiro de 2012 e julho de 2014, nenhum destaque foi dado à CPMI: suas investigações e conclusões não foram objetos de reportagens, foto-legenda ou chamadas de capa, nem apresentadas com recursos visuais, tais como mapas e infográficos. No período pesquisado, a Folha de S.Paulo publicou duas colunas da senadora Marta Suplicy (PT/SP) sobre a CPMI, uma em 30/06/2012, intitulada “Para pensar e agir”; e outra em 04/12/2012, intitulada “Violência no Limite”. Marta já era colunista regular do jornal, escrevendo aos sábados na página 2, um local de bastante destaque. Foi, portanto, sua opção e não da publicação, comentar o tema. Em ambas, ela fala sobre a instauração e o desenvolvimento do trabalho da Comissão. Em OGlobo, a CPMI também só aparece duas vezes: a primeira em um artigo assinado pelas senadoras Ana Rita (PT/ES) e Ângela Portela (PT/RR) intitulado “Retrato da violência”, de 05/09/2013, em que elas anunciam a conclusão do relatório; e em uma reportagem de

472

GUERREIRO, Gabriela. Em resposta a Bolsonaro, Senado inclui 'feminicídio' no Código Penal. Folha de S.Paulo, São Paulo, 17 dez. 2014. Disponível em: . Acesso em: 1 jan. 2015.

221

15/06/2014 sobre uma pesquisa encomendada pelo próprio jornal ao sociólogo Jacobo Waiselfisz, do Instituto Sangari, cujo objeto era os atendimentos prestados pelo SUS às mulheres que sofrem violência. O artigo de Ana Rita e Ângela Portela está no primeiro caderno da publicação, assim como a reportagem citada, tendo então algum destaque. A reportagem cita em um parágrafo a CPMI, referindo-se à proposta de alteração da “Lei de Tortura”, e entrevista a deputada federal Jô Moraes (PCdoB/MG). Não por acaso, quando algo foi publicado sobre a Comissão, as porta-vozes foram parlamentares da centro-esquerda, filiadas ao PT e ao PCdoB, e que são também as que historicamente dirigem a Bancada Feminina. Considerando, como afirma Gramsci, que a imprensa integra a estrutura ideológica de uma classe dominante, isto é, “a organização material voltada para manter, defender e desenvolver a „frente‟ teórica ou ideológica”, 473 a CPMI não ser relevante nos meios de comunicação é mais uma comprovação da posição subalternizada das mulheres diante da classe de sexo dos homens, que detém a hegemonia da opinião pública. Quando existem brechas, em que é possível aos oprimidos/as apropriarem-se temporariamente de um espaço hegemônico – as páginas dos jornais –, isso é feito pelas mulheres que se posicionam à esquerda no espectro ideológico partidário. A deputada federal Érika Kokay (PT/SP) ressaltou, em entrevista, que a violência contra a mulher não é uma questão que sofra muito “dissenso” e que, por isso, os demais projetos devem ser aprovados. Porém, questionada sobre a 8a proposta, a de igualdade de gênero na educação básica, que foi derrubada pela Bancada Evangélica, ela retrucou que o “problema é que várias pessoas que acham, vários desses fundamentalistas, que acham que as mulheres não podem sofrer violência doméstica, agressões físicas etc., impõem uma violência institucional à mulher”. Segundo Kokay,

473

GRAMSCI, Antonio. Cadernos do Cárcere. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007. p. 78. (Volume

2)

222

Esses setores fundamentalistas acham que uma família patriarcal é uma família que não é violenta. Não percebem a violência – e que a Lei Maria da Penha tipifica – moral, psicológica, a sexual. Eles negam essa violência, que é concreta. Então a gente avança em alguns projetos da CPMI, mas está sendo urdido um processo extremamente violento, se institucionalizando, contra a mulher, na eleição da família patriarcal como a única. Como é que uma bancada que defenda um projeto que estabelece que a família patriarcal tem que continuar existindo pode dizer que é contra a violência que atinge as mulheres?474

No depoimento de Kokay, percebemos claramente os limites das alianças estabelecidas pela CPMI. Ao mesmo tempo, há uma valorização do que foi possível obter de acordo, que se encaixa mais na política de “contenção de danos” – proteger as mulheres que sofram violência – do que de um enfrentamento concreto às suas causas – a busca por igualdade. Se na prática o que vemos na sociedade são famílias compostas de diversas maneiras – monoparentais, recombinadas, homossexuais, comunitárias, díades sem filhos/as, em coabitação etc. – essa multiplicidade não se exprime no Parlamento porque a classe dirigente faz prevalecer normas de conduta que estão mais ligadas à sua razão de ser e ao seu desenvolvimento.475 O reconhecimento das limitações surge também no Relatório Final, assinado pela presidenta e pela relatora da CPMI, em que há uma chamada ao comprometimento de todos os Poderes e esferas de governo para combater a violência contra a mulher, assim como “a ampla participação da sociedade civil, especialmente do movimento feminista e de mulheres, protagonista no processo de mudança desta realidade”.476

474

KOKAY, 2014. GRAMSCI, 2007, p. 249, nota 43. 476 Relatório final, 2013, p. 9. 475

223

As leis são feitas tanto por pressões internas, a partir da agenda do Parlamento, quanto por reivindicações externas, vindas da sociedade que ele deve representar. O Parlamento pode exercer um papel de proposição de novos costumes à sociedade, mas depende de uma composição favorável a isso. Gramsci observa que É opinião muito difundida, ou melhor, é opinião considerada realista e inteligente que as leis devem ser antecedidas pelo costume, que a lei só é eficaz quando ratifica os costumes. Esta opinião está contra a história real do desenvolvimento do direito, que sempre exigiu uma luta para se afirmar, luta que, na realidade, é pela criação de um novo costume.477

Mas diante de uma Casa onde as bancadas conservadoras têm tido mais força, as parlamentares de centro-esquerda que redigiram o relatório da CPMI veem na mobilização da sociedade a mola propulsora de mudanças, pressionando o Legislativo a avançar para um horizonte mais igualitário – talvez um resquício do experimento do lobby do batom. Em um momento político em que os movimentos sociais estão distantes ou cooptados pelo governo de centro-esquerda do PT e que figuras como Jair Bolsonaro (PP/RJ) e Marco Feliciano (PSC/SP) têm votações gigantescas, contudo, é difícil compreender como será possível depositar neles a expectativa do protagonismo da mudança social que o lulismo e, depois, presidenta Dilma não cumpriram. Após analisar o processo de aprovação do relatório da CPMI da Violência contra a Mulher caiu por terra a hipótese inicial de que o mesmoseria apoiado por todas as deputadas federais. Ainda que houvesse uma aparente concordância com o relatório final da CPMI, ficou evidente que não havia pré-disposição – e nem sei se isso é possível no Parlamento – a chegar à raiz do problema: a desigualdade entre homens e mulheres que é

477

GRAMSCI, 2007, p. 248.

224

materializada pela divisão sexual do trabalho. O que poderia ser o questionamento mais contundente a essa hierarquia, a inclusão do debate de gênero na educação, foi barrado.

4.2. As amarras religiosas do amálgama conjugal O PL 60 foi proposto em 1999 pela deputada Iara Bernardi (PT/SP) com o objetivo de dispor sobre o atendimento imediato e multidisciplinar para o controle e tratamento, tanto do ponto de vista físico quanto emocional, da vítima de violência sexual. Com a aprovação da lei, todos os hospitais integrantes do SUS deveriam: 1) Fazer o diagnóstico e o tratamento das lesões físicas no aparelho genital e demais áreas afetadas; 2) Fornecer amparo médico, psicológico e social; 3) Facilitar o registro da ocorrência e encaminhá-la a órgãos de medicina legal e delegacias especializadas com informações que possam ser úteis à identificação do agressor e à comprovação da violência sexual; 4) Fazer a profilaxia da gravidez e de doenças sexualmente transmissíveis, assim como coleta de material para exame de HIV; e 5) Fornecer informações às vítimas sobre os direitos legais e serviços disponíveis. Até sua aprovação, o PL 60/99 tramitou por apenas duas comissões. 478 Em ambas, os relatores foram do PT, mesmo partido da proponente do PL, o que certamente contribuiu para sua aprovação. A primeira, em 2000, foi a Comissão de Seguridade Social e Família (CSSF), que teve parece favorável do relator, o deputado federal Henrique Fontana (PT/RS), que apensou a ele outras duas propostas, o PL 1278/99 e o PL 2862/00. A

478

CÂMARA DOS DEPUTADOS (Brasil). PL 60/1999 Histórico de Pareceres, Substitutivos e Votos. Projetos de Leis e Outras Proposições. Brasília, 2014. Disponível em: . Acesso em: 9 out. 2013.

225

segunda comissão por onde o PL 60/99 passou, em 2002, foi a de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJC), para verificar sua constitucionalidade, juridicidade e técnica legislativa. O parecer, escrito pelo deputado Luiz Eduardo Greenhalgh (PT/SP), foi acatado por unanimidade. À época, nenhuma deputada era membro da CCCJ, que tinha como integrantes, entre outros, os deputados Jair Bolsonaro (PP/RJ), citado acima, e o Bispo Wanderval (PL/SP), que é da Bancada Evangélica. Eles não discordaram do texto final. Os PLs 1278/99 e 2862/00 foram arquivados e seus conteúdos não constam no acervo virtual da Câmara dos Deputados. Entre 2005 e 2007, outros três PLs foram apensados ao projeto (PL-5799/2005; PL-15/2007; PL-217/2007), mas também foram arquivados por terem conteúdos muito semelhantes ao PL 60/99 e já estarem, portanto, contemplados nele. Em 05/03/2013, 14 anos após sua proposição, o PL 60/99 chegou ao Plenário da Câmara para votação após um requerimento de urgência (no 6906/2013), novamente por ação de um homem petista, o deputado José Guimarães (PT/CE). O motivo era aproveitar a efeméride do 8 de Março, Dia Internacional das Mulheres, para aprovar o projeto. Ou seja, enquanto o dia dos homens é todos os dias, as mulheres precisam recorrer a datas comemorativas para que suas pautas sejam levadas em consideração. E ainda assim, muitas vezes apenas para constar que houve alguma ação nesse período, como que respondendo a uma obrigação moral de reconhecer temporariamente a desigualdade. O 8 de Março, cuja história está vinculada àquela dos partidos comunistas e socialistas da Europa e dos Estados Unidos, foi ressignificado ao longo do tempo. De marco de lutas no final do século XIX e início do XX, que culminaram na Revolução Russa,479 a data adquiriu um caráter mais institucional em 1975, com o Ano Internacional da Mulher proclamado pela ONU. Ao que parece, no Legislativo brasileiro sua celebração

479

COTÉ, Renée. La journée internationale des femmes. Québec: Remue-Ménage, 1984.

226

está vinculada a esse segundo momento, em que problemas são denunciados, ações pontuais reivindicadas e nenhuma mudança estrutural realizada. A alteração do regime de tramitação proposta por Guimarães foi aprovada imediatamente pelas lideranças de todos os partidos e o PL passou a ser discutido no plenário, onde recebeu apenas elogios. A deputada federal Nilda Gondim (PMDB/PB) cumprimentou Iara Bernardi (PT/SP) por, finalmente, depois de mais de uma década, ter conseguido aprová-lo: Isso é uma vitória [...] para as mulheres, uma vitória para nós que formamos a Bancada Feminina e que agora conseguimos ter a nossa Secretaria Especial da Bancada Feminina, num gesto de carinho, de atenção, de consideração do nosso presidente Henrique Eduardo Alves.480

A Secretaria da Mulher, na fala de Gondim, é confundida com a Bancada Feminina, explicitando que sua criação se tratou de uma manobra para dar estrutura à Bancada já existente. Iracema Portella (PP/PI) tomou a palavra para falar que, dali em diante, o foco seria enfrentar o tráfico de mulheres, principalmente para exploração sexual, em parceria com a SPM. Terminou seu discurso dizendo que nós, da Bancada Feminina do Congresso Nacional, queremos reforçar essa luta e todas as outras lutas diretamente ligadas às mulheres. Estamos sempre à disposição dos governos e da sociedade civil para construir, em estreita parceria, as ações destinadas a melhorar a qualidade de vida das mulheres brasileiras481.

480

GONDIM, Nilda. Sessão: 023.3.54.O, Brasília, 5 mar. 2013. Discursos e Notas Taquigráficas da Câmara Federal. Brasília: Câmara dos Deputados, 2013. 481 Ibidem.

227

Iara Bernardi (PT/SP), a autora do PL, ressaltou a importância de transformar o que já era um procedimento do SUS em lei, para garantir o cumprimento da prevenção às doenças sexualmente transmissíveis e à gravidez. Ela também parabenizou a Casa “por ter concordado em colocar em pauta este projeto que está em discussão desde 1999. É uma reivindicação do movimento feminista. Parabenizo a Casa inclusive pelo consenso construído”

482

. O PL aparece então como uma reivindicação externa, vinda dos

movimentos feministas, e que foi acatada sem discordâncias no Parlamento. Sueli Vidigal (PDT/CE) classificou a aprovação como “uma grande vitória contra este grave problema de saúde pública que é a violência sexual”483. Flávia Morais (PDT/GO) lamentou que, “em pleno século XXI, a sociedade brasileira carregue esta mancha de ainda existir a prática da violência contra a mulher. [...] Nós precisamos fazer o enfrentamento sério em relação a isso”484. Morais avaliou que “o Projeto de Lei nº 60, de 1999, com certeza, vai avançar um pouco mais, a exemplo de leis, como a Lei Maria da Penha, que facilitam e aprimoram a repressão a essa prática”. Por fim, Dalva Figueiredo (PT/AP), discursou que muito nos honra hoje poder falar deste projeto tão importante sobre vítimas de violência sexual.
 Nós sabemos o quanto é difícil para as vítimas procurar atendimento médico e psicológico. Precisamos ter à disposição das vítimas e das suas famílias toda uma rede de serviços que funcione e que garanta o tratamento de todas as sequelas oriundas de tamanha violência, de tamanha barbaridade, de que muitas crianças, meninas, rapazes, senhoras são vítimas. Por isso, quero dizer da minha satisfação, na Semana da Mulher, de tratar deste assunto, votar este projeto e colocar para a sociedade e para todos os Governos Estaduais e

482

Ibidem. Ibidem. 484 Ibidem. 483

228

Municipais a importância de se ter uma rede de serviços e de políticas públicas capaz de tratar e acolher essas pessoas que tanto necessitam485.

Encerrados os pronunciamentos, as deputadas Flávia Morais (PDT/GO) e Sueli Vidigal (PDT/CE) fizeram duas sugestões de melhoria de redação: uma que substituía o atendimento obrigatório a “mulheres” e “meninas” para “pessoas em situação de violência sexual”, sob a justificativa de que as violações ocorrem também com “meninos”; e outra que acrescentava o atendimento “social” ao físico e psicológico. As modificações foram acatadas e o PL foi à votação em turno único. “Lembro que a votação não foi nominal, foi consenso”486, disse Keiko Ota (PSB/SP) em entrevista. Pelos pronunciamentos, podemos apreender alguns pontos. O primeiro é que as integrantes da Bancada Feminina estavam muito gratas ao presidente da Câmara Federal, Henrique Eduardo Alves (PMDB/RN), e à Casa Legislativa, por terem “permitido” que o PL 60/99 fosse à votação após tanto tempo, justamente na semana do 8 de Março. Nenhum homem debateu o PL 60/99 no Plenário, mas eles participaram ativamente para a sua aprovação, seja como relatores e presidentes das Comissões por onde ele passou, seja como Mesa Diretora da Câmara. Em termos de disputa de hegemonia, percebemos que a aprovação desse tipo de projeto, que beneficia um dos lados da classe de sexo, as mulheres, em detrimento do outro, depende de alianças com os homens. Sem o apoio deles, que detém a ampla maioria dos cargos diretores da Câmara, o PL 60/99 não teria sido acatado. Defender os direitos das mulheres é, portanto, também um processo permanente de negociação entre a Bancada Feminina e a classe de homens ou ao menos com sua fração mais progressista.

485 486

Ibidem. OTA, 2014.

229

O segundo ponto é que todas as manifestações em plenário foram feitas por deputadas que participam ativamente da Bancada Feminina. Esse coletivo foi ressaltado como empreendedor de ações em prol das mulheres, o que é um indício de que elas agiram conjuntamente e que valorizam essa possibilidade de articulação. O contexto, assim como no exemplo da já mencionada reação ao deputado Jair Bolsonaro (PP/RJ) sobre o estupro, que levou à votação da tipificação de feminicídio, parece ter contribuído para reforçar sua unidade temporária. Naquele momento, outras três parlamentares que não são muito ativas na Bancada fizeram pronunciamentos, mas relativos a temas dos seus estados de origem: Benedita da Silva (PT/RJ) parabenizou o Rio de Janeiro pelo aniversário de 448 anos; Manuela D‟Ávila (PCdoB/RS) falou sobre a tragédia da Boate Kiss, um incêndio que matou 242 pessoas em janeiro de 2013 em Santa Maria (RS); e Marinha Raupp (PMDB/RO) requisitou enquadramento funcional de servidores públicos do estado, antigo Território de Rondônia (em 1981, o Congresso Nacional aprovou sua transformação de “território” para “estado”). Mais uma vez, ressalta-se a frequente priorização da base regional em detrimento de pautas nacionais como o gênero.

4.2.1. As oscilações ideológicas

Outro ponto relevante é que Nilda Gondim (PMDB/PB), Flávia Morais (PDT/GO) e Sueli Vidigal (PDT/CE) são integrantes da Frente Parlamentar da Família e Apoio à Vida e mesmo assim defenderam o projeto de lei. “Todo mundo concordou com o PL 66/99 porque é uma coisa tão óbvia a proteção à mulher vítima de violência sexual que não houve, dentro da bancada, nenhum movimento contrário”, explicou Jô Moraes (PCdoB/MG). Outras, se não apoiaram-no, tampouco interferiram: Benedita da Silva (PT/RJ), por exemplo, é evangélica, enão comentou o assunto ao falar na tribuna da Câmara durante a aprovação do PL. Em entrevista, a deputada Liliam Sá (PROS/RJ), evangélica, confirmou a afirmação de Jô Moraes: É um assunto polêmico. Eu sou evangélica, eu tenho uma posição em relação a esse projeto. Mas como eu sou um agente público, eu tenho que

230

olhar como um todo. Me colocar no lugar daquela família, daquela mãe. Eu sou a favor daquilo que está escrito na Bíblia. Mas não tiro meu apoio dessas mulheres que necessitem dessa intervenção porque eu sei que é muito duro, é muito triste e doloroso. Então eu gosto de separar muito bem as coisas. Aquilo que eu penso, que é da religião, e aquilo que eu 487 tenho que fazer como agente pública.

Chama a atenção Liliam Sá reivindicar a separação entre religião e a representação pública. De fato, a Bancada Evangélica, da qual a deputada faz parte, “trata das relações de parte dos deputados com outra esfera de atividades, ou seja, o campo religioso e, no seu interior, as igrejas pentecostais e suas perspectivas e estratégias próprias”,488 o que significa que não há uma influência direta e muito menos automática dessa esfera sobre a atuação parlamentar. Trata-se, porém, também de um grupo de interesse específico de caráter fortemente ideológico. A Bancada Evangélica começou a articular-se com mais força no período da redemocratização, assim como a Feminina. Durante o período anterior, a Ditadura CivilMilitar, teve início um declínio do número absoluto de católicos e um aumento das religiões neopentecostais. O pluralismo que se seguiu refletiu-se também nas arenas legislativas: Historicamente autoidentificados como apolíticos, os evangélicos do Brasil inicialmente evitaram qualquer envolvimento com o ambiente “mundano”, mas a partir do momento em que o país começou a reconstruir suas instituições democráticas, protestantes de várias denominações começaram a eclodir na cena política. Estudiosos das correntes evangélicas brasileiras situaram esta politização na década de

487

SÁ, 2014. CORADINI, Odaci Luiz. Frentes parlamentares, representação de interesses e alinhamentos políticos. Revista de Sociologia e Política, São Paulo, v. 18, n. 36, p. 241-256, jun. 2010. p. 247, grifo meu. 488

231

1980 e demonstraram que ela adquiriu uma variedade de formas, incluindo traços do progressismo protestante.489

A Bancada Evangélica não deve, portanto, ser vista como homogênea – assim como são diversas as denominações protestantes. Ainda que ela tenha tendência a estar à direita do espectro político,490 a maioria, quando questionada, se autoposiciona ao centro.491 Tiago Daher Padovezi Borges, ao perguntar-se sobre a possibilidade de eventualmente existir um “partido evangélico” politicamente coeso concluiu que “há oscilações diante da preferência majoritária de todos os grupos se localizarem no centro da escala ideológica”.492 Ao considerar que a deputada Liliam Sá é filiada ao PROS, que localiza-se na centro-esquerda no espectro político, supunho que, no caso do PL 60/99, ela ateve-se mais alinhada à disciplina partidária e ao seu cargo como vice-presidenta da Procuradoria da Mulher do que à religião. Por outro lado, se levarmos em conta os posicionamentos da Bancada Evangélica na Constituinte, quando a legalização do aborto foi discutida abertamente no Parlamento, podemos caracterizá-la como um grupo de interesse que pretendeu “zelar pela presença da moral e dos bons costumes” no fazer das leis. 493 O aborto foi debatido na

489

COWAN, Benjamin Arthur. Nosso Terreno – crisemoral, política evangélica e a formação da „Nova Direita‟ brasileira.Varia História, Belo Horizonte, v. 30, n. 52, p.101-125, jan/abr. 2014. p. 158. 490 CORADINI, op.cit., nota 488. 491 Na pesquisa de Borges com deputados estaduais paulistas e evangélicos, foi feita a seguinte pergunta: “Vamos supor que aqui nesta reta o número 1 corresponda à esquerda e o número 10 à direita. Como o Sr.(a) está vendo, uma pessoa que fosse muito de esquerda estaria no número 1, uma muito de direita, no número 10. Onde é que o Sr.(a) se colocaria?”. A resposta obtida foi que enquanto 15,5% se dizem à direita, 8,3% se colocam à esquerda e 76% ao centro.BORGES, Tiago Daher Padovezi. Identidade política evangélica e os deputados estaduais brasileiros.Perspectivas, São Paulo, v. 35, p. 149-171, jan./jun. 2009. p.161. 492 Ibidem, p. 161. 493 PIERUCCI, Antônio Flávio. Representantes de Deus em Brasília: a bancada evangélica na Constituinte. In: PIERUCCI, Antônio Flávio; PRANDI, Reginaldo. (Org.). A realidade social das religiões no Brasil: religião, sociedade e política. São Paulo: HUCITEC, 1996. p.163-191.

232

Comissão da Família, da Educação, Cultura e Esportes. Em reunião em 1o de julho de 1987, o relator da matéria sobre planejamento familiar, deputado federal Eraldo Tinoco (PFL/BA), quadro ativo da Igreja Batista, deu seu parecer contrário à interrupção voluntária da gestação: [A aprovação do uso da] expressão “desde a concepção” significa dizer que a subcomissão entendeu não ser possível adotar o aborto como forma de planejamento familiar. Havia uma emenda, no sentido de se destacar os casos possíveis de aborto, mas entendeu-se que não era o caso de ter essa especificação no texto constitucional. Essa emenda foi derrotada, ficando o princípio geral de que o aborto não pode ser usado como processo, como método de limitação do número de filhos.494

Os batistas, junto com os integrantes da Assembleia de Deus, foram os que mais apoiaram a Ditadura Civil-Militar e “dos 34 delegados evangélicos na ANC, em 1988, 22 vinham apenas dessas duas vertentes”. 495 A compreensão de que a vida começa na concepção é uma das bandeiras permanentes da Bancada Evangélica na Câmara Federal, como mostra o Estatuto do Nascituro, já citado no capítulo 3. À essa percepção aliou-se um discurso de “crise moral” e de necessidade de preservação da “célula familiar”, terreno fértil para a expansão da direita evangélica. Entre a Bancada Feminina o assunto tampouco era consenso nos anos 1980. A maioria das deputadas compreendeu que esse era um assunto para uma lei ordinária, não para a Constituição, e que deveria ser debatido exaustivamente com a sociedade. 496 Mais uma vez, em prol da unidade para algumas ações, a Bancada Feminina propõe “discutir” e “estudar” as propostas, sem posicionar-se a respeito delas.

494

ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE (Brasil). Comissão da Família, da Educação, Cultura e Esportes. Anais..., Brasília: Congresso Nacional, 1987, p. 56. 495 COWAN, op. cit., p. 109, nota 489. 496 SANTOS, 2004, p. 47.

233

4.2.2. Do enfrentamento à mediação

No caso do PL 60/99, a Bancada Evangélica questionou-o publicamente apenas quando o texto foi enviado para sanção da Presidência da República. O problema era o termo “profilaxia da gravidez”, no artigo 4o, inciso IV, entendido como uma interrupção de gestação e não como contracepção. “Entramos em recesso e o período regimental da sanção da presidente Dilma foi no período do recesso. E aí a pressão veio muito forte da Bancada Evangélica, que tem mulheres, mas que não atuam com destaque”, contou Jô Moraes (PCdoB/MG). A presidenta Dilma Rousseff tinha um mês para sancionar ou vetar a lei e, nesse período, ouviu argumentações de ambos os lados. A deputada federal Rosane Ferreira (PV/PR) tem uma narrativa semelhante: o que aconteceu é que isso foi aprovado pela Câmara e passou pelo Senado, chegou para sanção da presidente Dilma. E aí a Bancada Evangélica se levantou contra a questão da anticoncepção de emergência, pois tinha um entendimento que isso seria um método abortivo497.

Na imprensa, as divergências apareceram com algum destaque e a decisão de Dilma Rousseff sobre sancionar o PL foi cercada de pressão. No Globo, foram 5 matérias e uma foto-legenda. A primeira matéria data de 16/07/2013 e é intitulada “Bancada religiosa pressiona Dilma”. O texto afirma que, para os religiosos, o projeto “abre brecha para legalização do aborto”, ao que a deputada Iara Bernardi (PT/SP) nega, respondendo que esse é apenas um detalhamento dos protocolos “a serem seguidos quando uma mulher é vítima de violência sexual. [...] É uma alternativa ao aborto em caso de estupro, previsto na

497

FERREIRA, op.cit., nota 370.

234

Constituição”.498 A reportagem anuncia ainda um ato em frente ao Palácio do Planalto de um grupo de jovens católicos chamado “Promotores da Vida” e abre espaço para o pronunciamento do pastor Eurico (PSB/PE), vice-presidente da Bancada Evangélica: “é surpreendente como as coisas acontecem e a tendência do movimento abortista é legalizar geral. E não é só a bancada evangélica que é contra, o povo não concorda”. A prática de falar em nome de um coletivo que supostamente representa – “todo o povo brasileiro” – aparece com frequência na política institucional, independentemente do posicionamento no espectro ideológico. O “legalizar geral” a que o pastor Eurico se refere é um boato, circulado pelos evangélicos, de que o aborto, caso aprovado, poderia ser realizado até o nono mês de gestação – como isso fosse possível! Na Folha de S. Paulo, foram seis publicações abordando as tensões entre bancadas Evangélica e Feminina – dois artigos, três matérias e uma nota em uma coluna. Dois colunistas escreveram favoravelmente ao PL. Um deles, Hélio Schwartsman evidenciou que se tratava de uma falsa polêmica, já que as mulheres que engravidam em decorrência de estupro já são autorizadas a abortar. “Se as igrejas realmente creem que o aborto não deva ser autorizado nem nas condições previstas em lei, deveriam vir a público e propor claramente que ele seja proibido mesmo em caso de estupro”, instigou o colunista na segunda página do jornal, local de bastante destaque. 499 O outro, o médico Dráuzio Varella, foi mais agressivo ao afirmar que o Estado laico não deveria submeter toda a sociedade brasileira “a uma minoria de fanáticos”.500

498

BRAGA, Isabel; ÉBOLI, Evandro. Bancada religiosa pressiona Dilma. O Globo, Rio de Janeiro, 16 jul. 2013, p. 5. 499 SCHWARTSMAN, Hélio. Justiça divina. Folha de S. Paulo, São Paulo, 6 ago. 2013, p. A2. 500 VARELLA, Dráuzio. Fascismo em nome de Deus. Folha de S. Paulo, São Paulo, 27 jul. 2013, p. E14.

235

Nesse ínterim, ambas as Bancadas reuniram-se com Dilma Rousseff. A presidenta recebeu, em 16/07/2013, 16 cantoras gospel e o então ministro da Pesca Marcelo Crivella (PRB/RJ), bispo evangélico. “É um momento de muita pressão. O Brasil está vivendo um momento muito delicado, e nós viemos aqui representando a Igreja Evangélica no Brasil e a apoiando no que ela precisar”, disse a cantora Damares de Oliveira ao jornal O Globo, referindo-se também ao período subsequente às manifestações de Junho de 2013.501Se as parlamentares evangélicas não reforçaram o coro contrário ao PL, as cantoras gospel cumpriram esse papel para apresentar seu ponto de vista em defesa da dita “família tradicional” e contra o direito ao aborto. Uma questão está diretamente relacionada à outra: se as mulheres permanecem sem poder evitar gestações indesejadas, seguem enfurnadas nas tarefas reprodutivas, o que “preservaria” a célula familiar. Em 22/07/2013, O Globo faz uma montagem carregada de drama com uma foto da deputada federal Iara Bernardi (PT/SP) e duas imagens distribuídas pela internet, uma contra a sanção presidencial (acima) e outra a favor (abaixo):

Imagem 7: Bernardi, entre a cruz e caldeirinha

501

CANTORAS GOSPEL no Planalto.O Globo, Rio de Janeiro, 16 jul. 2013, p. 5.

236

Reportagem sobre o PL 03/12013 no jornal O Globo de 22/07/2013.

Bernardi tem um olhar distante, perdido no horizonte, como se não soubesse o que lhe aguarda no futuro. Já a mulher retratada do lado direito, em cima, está com as mãos cheias de sangue e chorando, com ares de desespero. É como se a sanção ao PL a tivesse obrigado a fazer um aborto, matando uma vida que ela havia gerado. O logotipo no canto direito inferior é mais sóbrio e se destaca apenas pelas letras em lilás, cor-símbolo dos movimentos feministas. A reportagem afirma que os religiosos advertiram Dilma que “se o projeto não for vetado, haverá ampla campanha contra ela na eleição presidencial de 2014”. Um dos integrantes do movimento Pró-Vida, o advogado Paulo Fernando Melo, disse na reunião que “as consequências [da sanção do projeto] chegarão à militância pró-vida, causando grande atrito e desgaste para vossa Excelência [...], que prometeu, em sua campanha eleitoral, nada fazer para instaurar o aborto em nosso país”. A ameaça traz lembranças frescas para os governistas: na campanha de 2010, pouco mais de 19 milhões de panfletos associando Dilma Rousseff à prática do aborto foram apreendidos pela Polícia Federal. A então candidata à Presidência veio a público para garantir que não proporia a

237

descriminalização ou a legalização do aborto caso eleita porque acreditava que esse era um assunto que dizia respeito ao Legislativo (“Mensagem da Dilma”, anexo 8). Nas reuniões citadas pelos jornais, as mulheres parlamentares evangélicas não aparecem como protagonistas. Se havia alguma deputada federal que divergia do PL 60/99, esta se manteve em silêncio durante toda a sua tramitação, votação e, posteriormente, pressão para evitar a sanção. Tal lacuna mostra que não há um acompanhamento cotidiano da Bancada Feminina por parte das possíveis divergentes. As movimentações das feministas e da Bancada Feminina foram registradas pela mesma matéria de OGlobo de 22/07/2013. Elas foram ao encontro de Gleisi Hoffmann, então ministra da Casa Civil, acompanhadas da ministra da SPM, Eleonora Menicucci, que apoiou publicamente o PL. A campanha “Sanciona tudo, Dilma” é atribuída ao CFEMEA. Érika Kokay (PT/DF), que participou do encontro, narra a articulação feita pelas mulheres: Nós fizemos duas reuniões com diversos segmentos, vários representantes do governo, na perspectiva de participação também com entidades femininas da sociedade civil, para que nós pudéssemos assegurar a manutenção ou a sanção sem qualquer tipo de veto ao projeto da deputada Iara Bernardi que estabelece o atendimento às vítimas de violência. Isso é um pouco a demonstração do obscurantismo que nos ronda, que está à espreita, esperando os momentos oportunos e as frestas para poder golpear 502 direitos básicos da mulher.

O Globo menciona ainda que os movimentos feministas lançaram um abaixoassinado online apoiado por 88 organizações503 e aberto a adesões. A estratégia é mesma

502

KOKAY, 2014. MANO, Maíra Kubík. Organizações de mulheres pressionam Dilma para sancionar PL de atendimento às vítimas de violência sexual. CartaCapital, São Paulo, 19 jul. 2013. Disponível em: . Acesso em: 20 mar. 2014. 503

238

utilizada pelas feministas nos anos 1980, salvo o advento tecnológico. Rachel Moreno – já citada no capítulo 1 como integrante do jornal Nós Mulheres no final da década de 1970 –, psicóloga e representante da Articulação Mulher e Mídia, uma rede de jornalistas e comunicadoras populares, no Conselho Nacional dos Direitos da Mulher (CNDM), foi uma das articuladoras do abaixo-assinado. Em entrevista, ela resumiu a atuação dos evangélicos: Primeiro, tomam de assalto a Comissão de Diretos Humanos e Minorias porque nela anteveem a possibilidade de barrar ou aprovar os projetos que lhes interessem. Depois, aceleram o andamento do „Estatuto do Nascituro‟, que cria uma nova personalidade jurídica (o nascituro) a quem atribui mais direitos (à saúde, à vida) do que à mulher em cujo ventre eventualmente se aloje. [...] Depois, tentam penalizar as entidades feministas que têm atuação mais de ponta com relação ao aborto, propondo a CPI do aborto [que não foi aprovada]. [...] Além disso, contrariando o parecer técnico de uma categoria profissional, insistem até onde podem na „Cura Gay‟ [...] Interveem no Ministério de Saúde, no Ministério de Educação, sempre que algum projeto não lhes agrada. E, finalmente, aliando-se às religiões mais organizadas, [...] pretendem infligir um retrocesso sobre as conquistas de metade da população.

Pelo depoimento de Moreno é possível perceber a amplitude da ação da Bancada Evangélica, pressionando o Congresso Nacional, o Executivo e o Judiciário, uma estratégia evidente de se fazer presente em todos os setores. Em 31/07/2013, O Globo trazia uma matéria analisando as duas possibilidades de Dilma Rousseff e indicando que ela poderia vetar parte do projeto a pedido das igrejas.504 No dia-limite para sancionar a lei, 01/08/2013, a Folha de S. Paulo noticiou que, após reunião com os ministros da Saúde, Alexandre Padilha, e da Secretaria-Geral da Presidência, Gilberto Carvalho, ela avaliou que o Executivo não poderia vetar uma lei que

504

Dilma pode vetar parte do projeto a pedido da Igreja. O Globo, Rio de Janeiro, 01 ago. 2013. p. 10.

239

havia sido aprovada por unanimidade no Congresso. 505 Segundo o texto, a presidenta achava que o termo “profilaxia da gravidez” havia sido mal empregado e que cogitava enviar ao Congresso um projeto de lei esclarecendo-o. A admissão de que havia um “problema” de redação foi uma mediação encontrada para apoiar as feministas e, ao mesmo tempo, não tirar a razão da Bancada Evangélica. Rosane Ferreira (PV/PR), que também participou do encontro com o Palácio do Planalto para pressionar o governo a sancionar o PL, admitiu que o artigo estava “mal escrito”, mas pondera que “o estrago do veto iria ser maior do que o problema da redação”: Quando ela vetasse a profilaxia da gravidez, a gente ia acabar com a anticoncepção de emergência não só nos lugares que dão assistência como ia tirar a anticoncepção de emergência dos centros de saúde das unidades básicas. E aí eu fui chamada [...] como técnica, porque sou enfermeira de profissão, para estarmos com a ministra da Casa Civil para fazermos a defesa [de] que fosse mantido. E conseguimos construir uma saída que era sancionar como estava e mandar para cá [Câmara Federal] um projeto de lei do Executivo fazendo uma emenda na lei. Isso é muito melhor que qualquer coisa. E esse projeto está tramitando por aqui. Ele é um projeto tranquilo, para consertar onde está profilaxia da gravidez para profilaxia da gravidez advinda de uma violência do estupro e tal. Então isso a gente acertou. Foi bem importante essa questão porque legalizava uma situação que já existia em alguns lugares.506

Ao final, Dilma Rousseff manteve o PL na íntegra, que se tornou a Lei 12.845/2013. No mesmo dia, a presidenta anunciou que enviaria duas sugestões de alteração ao Congresso Nacional: que o artigo 2o não trate de violência sexual de forma vaga, mas sim a partir das formas já presentes no Código Penal; e que inciso IV do artigo 3o substitua “profilaxia da gravidez” por “medicação com eficiência precoce para prevenir

505 506

Atendimento a vítimas de estupro deve ser aprovado. Folha de S. Paulo, São Paulo, 1 ago. 2013, p. C1. FERREIRA, 2014.

240

gravidez resultante de estupro” – a redação inicialmente pensada por Iara Bernardi (PT/SP).507 Derrotada, a Bancada Evangélica decidiu mudar de estratégia. Em reportagem de 03 de agosto de 2013, intitulada “Evangélicos vão atacar lei da pílula do dia seguinte”, eles anunciam, na Folha de S. Paulo, a apresentação de um Projeto de Lei (PL) para revogá-la. A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) divulgou uma nota, também publicada pelo jornal, em que “lamenta profundamente a sanção da lei”, que “pode interferir no respeito incondicional à vida humana individual já existente e em desenvolvimento no útero materno, facilitando a prática do aborto”508, como se, nesse caso, houvesse alguma outra vida humana em questão senão a da própria mulher. A pílula do dia seguinte, é importante esclarecer, bloqueia a ovulação, não sendo, portanto, abortiva 509 . Eduardo Cunha (PMDB/RJ), evangélico, propôs em seguida o PL 6.033/2013 para revogar a Lei 12.845/2013. “Depois disso, chega à Câmara alguns projetos que na verdade acabam com a pílula do dia seguinte. Então todos os procedimentos que você teria para poder ter acesso à pílula do dia seguinte você faz com que não tenha eficácia”, critica Érika Kokay (PT/DF), mais uma vez referindo-se à “Bancada Fundamentalista”.

507

“Exposição dos motivos do novo PL de Violência Sexual”. Blog do Planalto, 01/08/2013. Disponível em: . Acesso em 01/02/2014. 508 FALCÃO, Márcio; GUERREIRO, Gabriela. “Evangélicos vão atacar lei da pílula do dia seguinte”. Folha de S. Paulo, 03/08/2013, p. C7. 509 VARELLA, Drauzio. Pílula do dia seguinte: perguntas e respostas. Disponível em: . Acesso em 29/11/2014.

241

Joluzia Batista, do CFEMEA, que liderou a campanha “Sanciona tudo, Dilma”, explica que a justificativa de Cunha é que o PL não foi discutido com a sociedade brasileira e que a anticoncepção de emergência seria um método abortivo: A minha esperança pessoal é [...] a sociedade brasileira se revolte, ser pautada por uma suposta maioria de cristãos. A maioria da população brasileira é cristã. Sim, e daí? Todos não é a maioria. Uma política de 510 saúde é universal, para quem é e para quem não é.

Diferentemente do que eu havia pressuposto – e do que ocorreu na CPMI da violência contra a mulher – não houve um dissenso da Bancada Feminina em torno do PL 60/99, ao menos entre aquelas que participaram ativamente de sua aprovação. O enfrentamento veio depois, quando a Bancada Evangélica – sem protagonismo de suas parlamentares –, decidiu pressionar a presidenta Dilma Rousseff, inclusive, chantageando-a com a retirada do apoio à sua reeleição. Talvez isso tenha ocorrido porque a Bancada Evangélica não tinham força para barrar o PL na Câmara ou, simplesmente, porque o debate e a votação ocorreram de maneira muito rápida, em poucas horas – o que pode ter sido uma estratégia dos/as parlamentares favoráveis ao PL. Alteraram então o foco: de pílula do dia seguinte, medida contraceptiva, a discussão foi deslocada para o direito ao aborto. Em ambos os casos estudados, CPMI e PL, a polarização não era entre direita e esquerda, como se poderia esperar no Parlamento, mas sim entre as proposições laicas e as religiosas. Existe uma tendência da esquerda a estar mais próxima às pautas de direitos humanos, enquanto a direita se posiciona junto ao conservadorismo, mas quando se trata de assuntos relevantes para a classe de sexo mulheres, esse horizonte fica mais nebuloso.

510

BATISTA, op. cit., nota 352.

242

Por fim, observa-se, na prática parlamentar, o que já se sabe a partir dos estudos feministas: que as mulheres, enquanto classe oprimida, não detém o poder de decisão sobre seus próprios corpos, que são apropriados como todo, como afirma Guillaumin. Qualquer avanço para romper com o amálgama conjugal é amplamente negociado, tanto com a classe de homens quanto com outras frações da classe de mulheres e, só é permitido desde que não interfira na estrutura da desigualdade. Ao mesmo tempo, existe uma pluralidade de situações de etnia, de classe social e de orientação sexual que exigem diferentes perspectivas de ação.

4.3. As amarras de classe e “raça” do amálgama conjugal A PEC das Domésticas (478/2010, posteriormente Emenda Constitucional 72/2013), que equipara direitos dessa categoria trabalhista aos das demais, é uma conquista tardia. Debatidos na Constituinte, esses direitos só foram aprovados em sua plenitude em 2012, por meio de uma Proposta de Emenda à Constituição, promulgados em 2013 e ainda pendentes de regulamentação ao tempo desta tese. Segundo dados do governo federal, a categoria reunia, à época da aprovação da PEC, 6,6 milhões de pessoas, sendo 6,2 delas mulheres.511 Na Constituinte, a discussão ocorreu na subcomissão de Direitos dos Trabalhadores e Servidores Públicos da Comissão de Ordem Social, em reunião realizada em 05/05/1987. O primeiro a falar sobre o tema foi José Augusto de Carvalho, representante da Confederação Nacional dos Profissionais Liberais e convidado a participar

511

LOURENÇO, Iolando. Câmara aprova PEC das Domésticas em segundo turno. Empresa Brasil de Comunicação (EBC), Brasília, 4 dez. 2012. Disponível em: . Acesso em: 20 dez. 2014.

243

do debate. Ele afirmou a necessidade de valorizar as profissionais do serviço doméstico de maneira equivalente “àquela [valorização] pela qual nós lutamos e pleiteamos nas nossas empresas. Essa é a nossa grande bandeira.”512 Em seguida, Lenira de Carvalho, representante das trabalhadoras domésticas, se pronunciou, segundo ela, “para os poucos Constituintes presentes”. Ela veio do Nordeste, de ônibus. Viajou durante três dias “passando fome e com todas as dificuldades”: Sou Lenira, empregada doméstica, sou do Recife e estou aqui com as companheiras de todo o Brasil. [...] Trabalhamos e fazemos parte deste País, muito embora não queiram reconhecer o nosso trabalho, porque não rendemos e não produzimos. Mas, estamos conscientes de que produzimos e produzimos muito. [...] Não acreditamos que façam uma nova Constituição sem que seja reconhecido o direito de 3 milhões de trabalhadores deste País. Se isso acontecer, achamos que, no Brasil, não há nada de democracia, porque deixam milhares de mulheres no esquecimento. E nós servimos a quem? Servimos aos Deputados, Senadores, ao Presidente e a todas as pessoas. Estamos confiantes e, por isso, vimos [sic] aqui. Queremos dizer aos Srs. Constituintes que não foi 513 fácil isso

Lenira de Carvalho leu para os/as parlamentares uma carta elaborada por ela (Anexo 6) e por 23 Associações de Trabalhadoras Domésticas na qual reivindicavam direito à sindicalização; ao salário mínimo nacional; à jornada de 40 horas semanais; ao descanso semanal remunerado; 13º salário; estabilidade após 10 anos no emprego ou Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS); assim como os demais direitos trabalhistas consolidados. Ela disse ainda que esperava da nova Carta a “proibição da exploração do trabalho do menor como pretexto da criação e educação”, uma situação recorrente na sociedade brasileira.

512

ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE (Brasil). Subcomissão dos Direitos dos Trabalhadores e Servidores Públicos. Anais..., Brasília: Congresso Nacional, 1987. p. 184. 513 Ibidem, p. 189, grifo meu.

244

Chamou-me atenção a contundência com a qual Carvalho questionou os princípios democráticos que estavam em discussão naquele momento, perguntando quais direitos seriam esses que excluiriam milhões de trabalhadores/as. Novamente, a suposta igualdade da democracia, mencionada nos capítulos anteriores, era colocada em xeque, como já havia sido feito tantas vezes pelas mulheres e outros grupos sociais minorizados.

4.3.1. Trabalho reprodutivo durante o Brasil escravocrata

Outra questão relevante é a discussão sobre o que seria considerado um trabalho produtivo. “Fala-se muito que os trabalhadores empregados domésticos não produzem lucro, como se fosse algo que se expressasse, apenas e tão somente, em forma monetária”, afirmaram as domésticas na carta que entregaram.“Nós produzimos saúde, limpeza, boa alimentação e segurança para milhões de pessoas”514. Essa percepção remonta à discussão sobre o que deve ser considerado trabalho produtivo e é possível supor que entre as domésticas houvesse uma necessidade de afirmar a legitimidade de suas reivindicações não apenas para o Congresso, mas também diante dos demais sindicatos de trabalhadores, que tinham muito peso político no período da redemocratização. Vale lembrar que os metalúrgicos das cidades do ABC, no entorno de São Paulo, protagonizaram as primeiras greves do final da Ditadura Civil-Militar, com Lula à frente. Como sublinha a pesquisadora estadunidense Evelyn Nakano Glenn, na passagem para o capitalismo, a unidade relevante de trabalho não é a casa, mas o indivíduo, que é empregado para produzir commodities (bens e serviços) para o mercado, em troca de

514

CARTA lida por Lenira de Carvalho na Comissão de Ordem Social, na subcomissão de Direitos dos Trabalhadores e Servidores Público, da Assembleia Nacional Constituinte (ANC), em reunião realizada em 05/05/1987.

245

salário.515 A casa torna-se uma unidade onde recebe-se e administra-se a renda obtida e, onde o que sobra é o trabalho reprodutivo. Apesar do “grande número de mulheres trabalhando por salários, o modelo do homem como ganha-pão e mulher como dona-decasa, que emergiu primeiro na classe média, tornou-se o ideal prevalecente”.516 Isso, claro, para as mulheres brancas que não integravam o operariado. Já para os/as negros/as, ainda no campo ideológico, não se creditava a existência de uma família. Se a divisão sexual do trabalho já existia antes do capitalismo, o “trabalho doméstico”, tal como o denominamos hoje, é “uma forma histórica particular do trabalho reprodutivo, inseparável da sociedade salarial”.517 Por trabalho doméstico, utilizo a definição de Fougeyrollas-Schwebel: conjunto de tarefas “relacionadas ao cuidado das pessoas e que são executadas no contexto da família – domicílio conjugal e parentela – trabalho gratuito realizado essencialmente por mulheres”.

518

O trabalho doméstico remunerado é a transferência desse serviço a

empregados/as pagos/as, onde há uma outra mulher que é a “patroa” mas em que, acima de ambas, está o patrão. Para refletir sobre o caso brasileiro, não é possível apenas transpor as experiências que referenciaram esses conceitos no Norte global. Há um diferencial fundamental com relação ao espectro europeu, de onde grande parte desses conceitos surgiu: o Brasil só aboliu a escravidão em 1888, enquanto dava início à tardia (e ainda controversa na literatura) revolução burguesa – o que também se distinguedos Estados Unidos, outro país que teve escravidão em seu território e que tem estudos importantes

515

GLENN, Evelyn Nakano. Unequal: How Race and Gender Shaped American Citzenship and Labor. Cambridge/Londres: Harvard University Press, 2004, p. 73-74. 516 Ibidem, p. 73-74. 517 KERGOAT, 2009, p. 74. 518 FOUGEYROLLAS-SCHWEBEL, op. cit., p. 257, nota 144.

246

sobre o tema. A figura da empregada doméstica remonta à mucama do período escravagista e o racismo é um dos componentes estruturantes da desigual sociedade brasileira. Na ordem escravocrata, parte das mulheres negras trabalhava nas casas-grandes e tinham uma função no sistema produtivo de bens e serviços: cozinhava, lavava, passava a ferro, esfregava de joelhos o chão das salas e dos quartos, cuidava dos filhos da senhora e satisfazia as exigências do senhor. Tinha de submeter-se aos castigos corporais.519

Eram também obrigadas a prestar serviços sexuais para os senhores, com quem muitas vezes tinham filhos/as mestiços/as. As brancas da casa grande comandavam e supervisionam as atividades do lar: “o trabalho da escravaria na cozinha, [...] na fiação, na tecelagem, na costura; supervisionava a confecção das rendas e o bordado, a feitura da comida dos escravos, os serviços do pomar e do jardim, o cuidado das crianças e dos animais domésticos”.520 E também tinham outras tarefas dentro da divisão sexual do trabalho, sendo a principal delas parir os descendentes dos homens brancos e proprietários de terras. Florestan Fernandes descreve a abolição como uma revolução social dos “brancos” e para os “brancos”: combatia-se, assim, não a escravidão em si mesma, porém o que ela representava, uma anomalia numa sociedade que extinguira o estatuto colonial, pretendia organizar-se como nação e procurava, por todos os meios, expandir internamente a economia de mercado.521

519

HAHNER, 1978, apud GONZÁLEZ, op. cit., p. 229, nota 178. SAFFIOTI, 1979, p. 170. 521 FERNANDES, Florestan. Revolução Burguesa no Brasil: ensaio de interpretação sociológica.5 ed. São Paulo: Globo, 2006. p. 36. 520

247

Após a abolição, as mulheres negras tinham a liberdade formal, mas não obtiveram a plenitude dos direitos da pessoa humana.522 Continuaram no serviço doméstico ou trabalhando como lavadeiras por falta de alternativas.523 As estatísticas de empregos e da exclusão de negros e negras desmontam o mito da democracia racial no Brasil que previu uma plena integração das diferentes origens étnicas que compõe a ideia de nação. Abdias Nascimento mostra que, no período que se seguiu à abolição, a discriminação na contratação de pessoal era uma prática corrente. Proibida em lei em 1950, tornou-se mais sofisticada com anúncios buscando simplesmente pessoas de “boa aparência”. 524 Sem dinheiro suficiente para garantir condições dignas de vida, essas mulheres foram para as favelas e periferias da malha urbana que começava a se ampliar. Formou-se um círculo vicioso de discriminação: se os negros vivem nas favelas porque não possuem meios para alugar ou comprar residência nas áreas habitáveis, por suas vez, a falta de dinheiro resulta da discriminação no emprego. E a falta de emprego é por causa de carência de preparo técnico e de instrução adequada, a falta desta aptidão 525 se deve à ausência de recurso financeiro.

Nesse cenário de poucas possibilidades para as mulheres negras, a doméstica torna-se a “mucama permitida”, segundo Lélia González.526 E ainda que de maneira menos acintosa, continua cumprindo, em muitos lares, também os serviços sexuais, como mostra

522

SAFFIOTI, 1979, op. cit., p. 176. GLENN, op. cit., p. 107, nota 482. 524 NASCIMENTO, Abdias. O genocídio do negro brasileiro. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978. p. 82. 525 Ibidem, p. 85. 526 GONZÁLEZ, op. cit., p. 233, nota 178. 523

248

pesquisa de Valeria Ribeiro Corrossacz. 527 Segundo ela, “ter a iniciação sexual com a empregada é um hábito reconhecido no Brasil”.528 O documento entregue por Lenira de Carvalho ao presidente da ANC, Ulysses Guimarães (PMDB/SP), tinha as assinaturas das empregadas domésticas das associações que a apoiaram. Observa-se que boa parte delas presume um nível baixo de escolaridade, o que reforça a ideia de círculo vicioso de Abdias Nascimento. Apresento um extrato do documento citado:

Imagem 8: Extrato de assinaturas apresentadas na Carta entregue pelas representantes das trabalhadoras domésticas à ANC.

527

CORROSSACZ, Valéria Ribeiro. O corpo da nação. Rio de Janeiro: EdUFRJ, 2009. MANO, Maíra Kubík T. Violência sexual contra domésticas é folclore no Brasil. CartaCapital, São Paulo, 22 nov. 2013. Disponível em: . Acesso em: 10 fev. 2014. 528

249

Fonte: ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE, 1987(a

íntegra da imagem está no

Anexo 7).

4.3.2. Unanimidade?

Após o discurso de Lenira de Carvalho, alguns parlamentares se manifestaram, parabenizando-a. Destaco apenas dois trechos, ambos registrados nos anais da Constituinte. O primeiro é do deputado Mansueto de Lavor (PMDB/PE): Deixo, aqui, um testemunho pessoal, que é a minha empregada doméstica, Miralva – já nem considero sequer uma doméstica, ela pertence à família e, mais do que isso, é para mim uma assessora em política econômica e até em política nacional. Em política econômica, porque ela coleciona os preços durante a semana e no final me cobra a posição do Sr. Ministro da Fazenda do PMDB. Miralva toda semana me cobra a queda da ilusão do Plano Cruzado.529

O segundo, do deputado constituinte Mario Lima (PMDB/BA): Quem entende o trabalho da empregada doméstica ou tem que entendê-lo sou eu. Sou desquitado, moro sozinho e a minha casa é dirigida por uma empregada doméstica. Não sei quando custa nada. Dificilmente teria uma atuação parlamentar boa, se não tivesse uma pessoa como a Maria que eu tenho.530

Em ambas as falas, percebe-se a estabilidade de sua posição de patrões e, portanto, de superiores. Há ainda uma pretensão de compreender as experiências de vida das trabalhadoras domésticas simplesmente por empregá-las. Mansueto de Lavor menciona que a empregada doméstica é “quase da família”, mascarando a subordinação por meio de

529 530

Anais, 1987, p. 192. Ibidem.

250

laços afetivos – que podem de fato existir. Mario Lima, por sua vez, exprime a propriedade sobre a empregada: “se não tivesse uma pessoa como a Maria que eu tenho”. “O racista numa cultura com racismo é por esta razão normal. Ele atingiu a perfeita harmonia entre relações econômicas e ideológicas”, observa Frantz Fanon.531 As empregadas domésticas não obtiveram todas as reivindicações que apresentaram para a Constituição de 1988. Para garantir a inclusão dos direitos previdenciários, narra Rita Luzia O. Santos, a deputada Benedita da Silva abriu mão de alguns direitos apresentados no texto original de sua emenda.532 Na pesquisa de Santos, a maioria das parlamentares entrevistadas ressaltou como sendo uma conquista ter incluso ao menos esses direitos para as domésticas. O texto do artigo 7o, que em 34 incisos trata dos direitos dos/as trabalhadores/as urbanos e rurais, veio então, no seu final, com um singelo parágrafo único, quase como uma nota de rodapé: “são assegurados à categoria dos trabalhadores domésticos os direitos previstos nos incisos IV, VI, VIII, XV, XVII, XVIII, XIX, XXI e XXIV, bem como sua integração à previdência social”. 533 Foram-lhes concedidos participação em apenas nove dos 34 incisos trabalhistas. São eles, na sequência que aparecem no texto constitucional: os direitos ao salário mínimo; de irredutibilidade do salário; 13o salário; repouso semanal remunerado; gozo de férias anuais remuneradas; licença-gestante; licença-paternidade; aviso prévio; e aposentadoria. As/os trabalhadoras/os domésticas/os não tiveram asseguradas/os, também na ordem disposta na Constituição: relação de emprego protegida contra despedida arbitrária

531

FANON, Frantz. Oeuvres. Paris: La Découverte, 2011, p. 723. SANTOS, 2004, p. 40. 533 Brasil.Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. p. 13. 532

251

ou sem justa causa; seguro-desemprego; FGTS; piso salarial proporcional à extensão e complexidade do trabalho; garantia de salário nunca inferior ao mínimo para os que têm remuneração variável; remuneração do trabalho noturno superior ao diurno; proteção do salário nas formas da lei, constituindo crime sua retenção dolosa; participação nos lucros ou resultados desvinculada de remuneração; salário-família para os seus dependentes; jornadas de até oito horas diárias e 44 semanais; jornada de seis horas para trabalho realizado em turnos ininterruptos de revezamento; proteção do mercado de trabalho da mulher mediante incentivos específicos; redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança; adicional de insalubridade; assistência gratuita aos filhos e dependentes desde o nascimento até os seis anos em creches e pré-escolas; reconhecimento das convenções de acordos coletivos de trabalho; proteção em face da automação; seguro contra acidentes de trabalho; ação quanto a créditos resultantes das relações de trabalho com prazo prescricional; proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivos de sexo, idade, cor ou estado civil; proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência; proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre aos menores de 18 anos e de qualquer trabalho aos menores de 14 anos, salvo na condição de aprendiz; igualdade de direitos entre o trabalhador com vínculo empregatício permanente e o trabalhador avulso. Vê-se que as/os trabalhadoras/os domésticas/os foram excluídas/os da maior parte dos direitos previstos na Constituição de 1988. No Brasil, as casas e apartamentos de classes média e alta costumam ter quarto e banheiro “das domésticas”, porque parte delas vive com as famílias. Nesse contexto, o custo de adicional noturno, por insalubridade e jornadas de até oito horas diárias, que os/as outros/as trabalhadores/as recebiam, parecia financeiramente inviável para os/as patrões/oas. Assim como a escravidão tinha uma motivação inicial econômica e que se transformou num discurso e práticas racistas, o trabalho doméstico, como decorrência, tem também como pano de fundo a economia. O assunto voltou à pauta somente em 2010, quando o deputado federal Carlos Bezerra (PMDB/MT) apresentou a PEC 478/2010, cuja ementa consistia “apenas” em revogar o parágrafo único do art. 7º da Constituição Federal.

252

Para propor uma PEC é preciso do apoio de pelo menos 1/3 dos/as deputados/as federais ou dos/as Senadores/as. As PECs podem também ser apresentadas pela Presidência da República ou por mais da metade das Assembleias Legislativas, manifestando-se cada uma pela maioria dos seus membros. 534 Tem, portanto, um grau de dificuldade de aprovação superior a um projeto de lei (PL), que pode ser apresentado por apenas um/a parlamentar, conforme a hierarquização do sistema jurídico. A PEC, afinal, é uma emenda à Constituição Federal e esse rigor para alterá-la pretende proteger a Carta Magna. A tramitação é também mais complexa. 535 Seu início é na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJC), que em até cinco sessões deve dar um parecer e enviá-lo à Mesa Diretora. Caso a CCJC for contrária à proposta, o/a autor/a da proposta, com o apoio de no mínimo 1/3 dos/as deputados/as pode requerer sua apreciação preliminar em Plenário. Se a proposta for admitida, a presidência da Câmara designa uma Comissão Especial para examinar seu mérito, que tem o prazo de 40 sessões para proferir um parecer. Se houver emendas ou alterações à proposta debatida, elas devem ser feitas nas primeiras 10 sessões e mediante apoio de 1/3 dos/as deputados/as. Após a publicação do parecer, a PEC é incluída na Ordem do Dia da Câmara e submetida a dois turnos de discussão e votação, com interstício de cinco sessões. É aprovada a proposta que obtiver, em ambos os turnos, 3/5 dos votos dos/as membros da Câmara, em votação nominal. Após parecer favorável da CCJC à PEC 478/2010, criou-se a comissão especial para analisá-la. A deputada federal Benedita da Silva (PT/RJ), lembrando que ela é exempregada doméstica, foi designada relatora. Fátima Pelaes (PMDB/AP) foi a única a apresentar emendas, solicitando audiências públicas para discutir a PEC com as ministras Iriny Lopes, então na SPM, e Luiza Bairros, da Secretaria de Políticas de Promoção da

534 535

CÂMARA DOS DEPUTADOS, op.cit., p. 19, nota 273. Idem, artigo 202.

253

Igualdade Racial (SEPPIR); o ministro do Trabalho e Emprego Carlos Lupi; e com uma representante da Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas (Fenatrad). Atendendo aos pedidos da Fenatrad, Benedita modificou o texto original, deixando de fora os incisos V (piso salarial proporcional à extensão e à complexidade do trabalho); XIV (jornada de seis horas para o trabalho realizado em turnos ininterruptos de revezamento); XX (proteção do mercado de trabalho da mulher mediante incentivos específicos); XXIII (adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas); XXVII (proteção face à automação); XXIX (ação quanto a créditos resultantes das relações de trabalho com prazo prescricional); e XXXIV (igualdade de direitos entre o/a trabalhador/a com vínculo empregatício permanente e o/a trabalhador/a avulso). A avaliação da Fenatrad foi que esses incisos poderiam prejudicar a existência dos vínculos empregatícios, inibindo a contratação. Em entrevista, Benedita da Silva avaliou que, da Constituinte até a aprovação da PEC, foi um longo processo, “mas não poderia ser diferente”: Nessa Casa, as coisas são difíceis. Principalmente direitos para os trabalhadores quando a maioria de nós aqui tem uma concepção de que é ótimo, elas são ótimas, mas isso vai onerar. Pelo amor de Deus, o que é que vai onerar para nós empregadores para que nós tenhamos uma trabalhadora na nossa casa com os direitos que são de qualquer categoria profissional que vai chegar e vai poder usufruir daquilo que ela contribuiu?536

“Onerar” as/os empregadoras/es, que em sua maioria são indivíduos e não empresas, era – e continua sendo – o principal impeditivo para ampliar e regulamentar os direitos trabalhistas da categoria das domésticas. Nesse cenário, mobilizar as/os trabalhadoras/es também é mais complexo, já que estão dispersas/os em milhares de lares.

536

SILVA, Benedita da. Entrevista. 2014.Entrevista concedida a Maíra Kubík Mano, Brasília, 14/10/2014.

254

Questionada se a Bancada Feminina havia apoiado à PEC, Benedita respondeu que sim. “Toda a nossa bancada é favorável. A Jô, que é a nossa presidenta, coordenadora da Bancada, não achou nenhuma dificuldade. Nós não encontramos. Nós, as mulheres. Fizemos força, botamos na pauta”.537 Pela fala de Benedita, percebe-se que, para ela, há uma noção de pertencimento à Bancada Feminina, ainda que ela não seja uma de suas participantes mais ativas.

“A PEC das domésticas foi considerada um projeto prioritário

da Bancada Feminina, é lógico que a Bancada Feminina apoiou de forma muito decidida, de forma muito unida”,538 complementou Érika Kokay (PT/DF). Rosane Ferreira (PV/PR) atribui a PEC a uma atuação efetiva de Benedita da Silva. “Nós fechamos junto com ela. Nós entendemos que 99,9% da categoria envolve mulheres, as mulheres mais pobres, muitas mulheres negras, as mulheres mais vulneráveis a todo tipo de violência. Essas mulheres tem que estar protegidas”,539 argumentou. “Eu acredito que foi uma grande vitória da Bancada Feminina, porque fortaleceu o trabalho da doméstica, da mulher que trabalha dentro do lar, que cuida da nossa casa, que cuida dos nossos filhos, ela tem que ser tratada com dignidade”, 540 disse Liliam Sá (PROS/RJ). A partir dos depoimentos das deputadas, a hipótese inicial de que elas estariam divididas por interesses de classes não se confirma.Podemos pensar em duas questões. A primeira, que nessa relação entre patroas e empregadas há um terceiro elemento acima de ambas: o patrão-marido. A segunda, e que vale para todas as relações atravessadas pelas classes sociais,é não há um vínculo direto entre o pertencimento a determinada classe e orientação ideológica.

537

Ibidem, grifos meus. KOKAY, 2014. 539 FERREIRA, 2014. 540 SÁ, 2014. 538

255

Sá e Benedita foram as únicas que, durante as entrevistas, afirmaram ter empregadas domésticas. Benedita narrou uma cena em que o filho de sua empregada sofreu preconceito no prédio onde moram: Eu fico olhando Célia, que trabalha comigo há 16 anos. O filho dela tem 15 anos, vai fazer 16 agora. Eu não me lembro que eu tenha dito para o Vítor: „Vítor, pega essa bolsa de compra minha aqui e leva‟. Duvido. Um dia o Vítor estava entrando pela garagem. Aí eu peguei e disse „ei, por que você está passando por aí, Vítor? Eu quero saber. Por que você está passando pela garagem? Aqui é para passar os carros. Compras, cachorro. E você está passando por aí por quê?‟ E ele: „ah, é que falaram‟. „Falaram não, quem que falaram? Você mora aqui. Você tem que dizer que você mora aqui. Você é filho da Célia que trabalha comigo e vocês moram aqui. Vocês moram aqui. Então vocês tem que passar por aqui‟. Eu brigo mesmo, eu não deixo.

Ela estava se referindo provavelmente a um tipo de “entrada de serviço”, que assim como os “elevadores de serviço” constituem mecanismos de separação de “raça” e de classe dentro dos ambientes privados. Diferentes leis municipais, sem uma unidade federal, passaram a criminalizar a prática de discriminação na utilização destes acessos na década de 1990. Creuza Maria Oliveira, presidenta da Fenatrad, que acompanhou de perto toda a tramitação da PEC, confirmou ter recebido apoio da Bancada Feminina: “sempre nos atendeu muito bem, ouvindo as nossas questões, as nossas demandas. Sempre encampadas pela deputada Benedita da Silva e Janete Pietá”.541 Benedita e Pietá, é importante ressalvar, estão entre as poucas parlamentares negras. Sendo que a maioria da categoria de domésticas também é afrodescendente, é possível que tenha havido uma proximidade entre aquelas que

541

OLIVEIRA, Creuza Maria. Entrevista. 2014. Entrevista concedida à Maíra Kubík Mano à distância em 17/10/2014.

256

sofrem com racismo e, por isso, o protagonismo de ambas. Benedita, como já afirmei, é ainda ex-empregada doméstica. Mas Oliveira vê outros motivos para o apoio: “São mulheres e também lutam pelos direitos feministas. E a questão do direito das trabalhadoras domésticas também tem a ver com a questão da mulher no mercado de trabalho”542. Em sua fala, há duas percepções. A primeira que pode ser interpretada como uma solidariedade feminista, decorrente do pertencimento à mesma classe de sexo, e que pode ser explicada por sua proximidade com as parlamentares de centro-esquerda – Oliveira foi, segundo ela, durante anos militante do PT e, na eleição de 2014, candidatou-se a deputada federal pelo PSB/BA para “ajudar a mudar as coisas a partir de dentro”. A segunda percepção parece mais pragmática: as mulheres “precisam” das domésticas em casa para permanecerem no mercado de trabalho e, portanto, se interessariam em acompanhar o desenrolar da PEC – uma perspectiva defendida pela Organização Internacional do Trabalho (OIT). A unidade apresentada pela Bancada Feminina repetiu-se no conjunto do Parlamento. A PEC das Domésticas foi aprovada em 04/12/2012, em segundo turno de votação na Câmara Federal, com 347 votos favoráveis e apenas dois contrários, dos deputados Roberto Balestra (PP-GO) e Zé Vieira (PR-MA), e duas abstenções. Foi promulgada em 02/04/2013. Jô Moraes, porém, analisa a quase unanimidade da PEC como falsa. Embora “todo mundo” tivesse apoiado, “uma parte discordava e não tinha coragem de assumir”, tamanha era a evidência de violação dos direitos trabalhistas, da situação precária das domésticas e de pressões feitas pela OIT sobre o governo brasileiro.

542

Ibidem.

257

O argumento de Jô é materializado pela falta de regulamentação dos incisos aprovados na PEC, que há mais de dois anos aguardam votação: jornada máxima de 44 horas semanais; proteção contra demissão arbitrária ou sem justa causa; segurodesemprego; FGTS; adicional por trabalho noturno; salário-família; assistência gratuita a dependentes até 5 anos em creches e pré-escolas; e seguro contra acidentes de trabalho. “As entidades patronais pressionam. Você vê a estrutura do racismo no Brasil e como isso está lá dentro. As pessoas não abrem. Está lá, parada. É um jogo muito grande esse [...] para manter a governabilidade” 543, avalia Joluzia Batista, do CFEMEA. “Uma outra coisa que sempre dizemos: os patrões estão aqui, os maiores empregadores estão aqui, nessa Casa, no Congresso Nacional” 544 , complementa Benedita. Aparecem, nesses dois depoimentos, o que até então não tinha sido explicitado: há uma divisão em que parte dos/as deputados/as opta por priorizar os interesses das classes média e alta, seja por organicidade com sua origem, seja para agradar seu eleitorado.545 A deputada Benedita da Silva acredita que a regulamentação não avança porque a categoria é composta majoritariamente por mulheres e negras: Nós consideramos a dificuldade que tem de passar um projeto dessa natureza principalmente com a mulher e maioria de mulheres negras. Dizem que a gente não deve falar isso, que isso não existe, que é da nossa cabeça. Mas você não tem uma lógica, não tem uma justificativa lógica para por que é que não foi votado se era só isso.546

“Dizer que não deve-se falar” sobre racismo configura parte do mito da democracia racial brasileira, em que todos/as estariam perfeitamente integrados/as e felizes

543

BATISTA, 2014. SILVA, 2014. 545 Consultoria CFEMEA, 2014, p. 22. 546 SILVA, 2014. 544

258

com a vida em sociedade. Para pressionar os/as colegas parlamentares, Benedita vestiu um traje de doméstica e subiu à tribuna da Câmara. A ação não teve resultados práticos no encaminhamento das regulamentações, mas é uma imagem chocante em comparação com a rotina de homens, brancos e engravatados que discursam a partir dali:

Imagem 9: Deputada Benedita da Silva vestida de doméstica em 29/04/2014.

Fonte: Acervo da Câmara dos Deputados/ Foto: Luís Macedo

4.3.3. A perda da mucama

O impacto da PEC das Domésticas na sociedade brasileira pode ser medido pela imprensa. A maioria das reportagens e artigos traziam a seguinte pergunta de fundo: “e

259

agora?”. No Globo são 11 textos; dois, mais próximos da data de aprovação da proposta, especulam se haverá muitas demissões e explicam as novas regras para os/as empregadores/as. Outros dão conta das disputas em torno da regulamentação dos incisos e como os/as empregadores/as que são pessoa física podem contribuir para o Fundo de Garantia com benefícios fiscais semelhantes às empresas. Uma reportagem de 29/03/2013, afirma que, finalmente, o Brasil vai cumprir a Convenção nº 189 da OIT sobre trabalho decente, da qual é signatário. E há ainda uma nota sobre o aumento em 70% na procura de escolas em tempo integral em um bairro da elite carioca, a Barra da Tijuca. Uma coluna intitulada “Negócios” constata algo semelhante: as mães trabalhando fora e o trânsito na cidade ampliariam as matrículas em colégios com mais horas de ensino e atividade. Um ano após a aprovação da PEC, uma reportagem buscou ouvir as domésticas sobre as mudanças sentidas. O destaque é para a trabalhadora Sulamita Marcolino da Silva, de 37 anos, que começou a “correr na Lagoa”, um local frequentado pelas classes média e alta do Rio de Janeiro. “Com a lei, tenho mais tempo para mim – opina a cearense Sulamita, moradora da [favela da] Mangueira. – Agora consigo sair do trabalho na hora e ir para a academia todo dia”.547O texto parece querer escancarar que, agora, as domésticas frequentavam “os mesmos espaços” que o patronato, misturando o que estava tão bem separado pelos elevadores de serviço e quartos dos fundos. Uma ironia bem menos sutil foi utilizada para criticar a PEC pelo colunista Guilherme Fiúza, escritor, em 30/04/2013: O conto de fadas do oprimido continua. Agora, as empregadas domésticas foram libertadas da escravidão. Mas esse capítulo ainda promete fortes emoções. Uma legião de advogados espertos já está de prontidão para o primeiro bote trabalhista num desses “senhores feudais” de Ipanema ou

547

WREDE, Catharina. O novo perfil das profissionais que cuidam do lar. O Globo, Rio de Janeiro, 19 nov. 2013, p. 14.

260

Leblon. Aí a burguesia vai ver o que é bom. Patrões perderão as calças para cozinheiras demitidas sem justa causa. [...] Eles tiveram sorte, porque não apareceu nenhum revolucionário propondo guilhotina em caso de atraso de 13º.548

Representando o discurso das elites, a existência da PEC das Domésticas é apresentada por ele como uma falsa demonização das/os empregadoras/es. Na Folha de S. Paulo foram publicados 16 textos no período pesquisado. Os temas são semelhantes aos de OGlobo. A maioria das matérias trata dos custos e das punições para quem não assinar a carteira de trabalho. Entrevista economistas e advogados que explicam como os/as patrões/oas devem “se proteger” de processos e multas. Um texto inteiro foi escrito para apontar que a lei é falha e que a fiscalização será feita apenas mediante denúncia, o que deve dificultar sua aplicação. Será que era uma dica para os/as patrões/oas? Acredito que a mais simbólica reportagem para compreender o sentimento que transparecia das páginas dos jornais seja uma intitulada “Serviço caro: com a PEC, doméstico pesa mais no gasto das famílias”. O texto calcula que, após a PEC, os custos com as trabalhadoras domésticas subiram mais que o preço dos alimentos – ou seja, estamos lidando com commodities – e “já” representava 4% do orçamento familiar. “Tratase, por exemplo, de despesa similar à feita com gasolina”, 549 dizia a matéria. Comparar a gasolina e alimentos às domésticas dá a tônica de que, para o público leitor desse jornal, estamos a falar de “coisas”, “produtos”, não pessoas, e isso, mais de 120 anos depois da abolição da escravidão.

548

FIUZA, Guilherme. A revolução da empregada. O Globo, Rio de Janeiro, 13 abr. 2013, p. 18. SOARES, Pedro. Com a PEC, doméstico pesa mais no gasto das famílias. Folha de S. Paulo., São Paulo, 2 mar. 2014, p. A20. 549

261

Outro texto, de 03/09/2013, aponta que, após um ano da PEC, o número de empregadas domésticas com carteiras assinadas subiu “assustadores” 1,76%, chegando a quase 32% do total de trabalhadoras/es da categoria. Creuza Oliveira comenta a lentidão nas conquistas de direitos: Essa questão da regulamentação dos direitos da categoria das trabalhadoras domésticas é uma luta histórica nossa. A gente já tem quase 80 anos de organização sindical no Brasil. De lá pra cá, nós viemos em um processo de conquista bem lento, conquistas muito lentas. A gente conquista um direito, aí leva mais 10 anos para outro. Aí mais 10 anos para outro. [...] Teve avanços importantes, não podemos negar. Em 1972 conseguimos o direito à carteira assinada. A carteira assinada da categoria, por sinal, vai fazer 42 anos, e só agora é que vem uma multa 550 para quem não assina a carteira. Só agora.

Não à toa, a única colunista semanal a tratar do tema nesse jornalFolha de S. Paulo foi Marina Silva (PSB/AC), ex-senadora, ex-ministra do Meio Ambiente no governo Lula e duas vezes candidata à Presidência da República, que também é ex-empregada doméstica. O texto é de 22/03/2013, quando a PEC ainda não tinha sido promulgada e foi publicado na página 2 do jornal, local de destaque: Temos até hoje um regime trabalhista que divide cidadãos com mais e com menos direitos em função de sua ocupação. Sempre houve um forte apelo para corrigir essa injustiça, mas os mais refratários à ampliação desses direitos sempre evocavam os custos elevados e o receio que muitos trabalhadores perdessem o emprego. Assim, as conquistas vêm a contagotas. Conheço bem esse drama. Aos 17 anos, quando fui empregada doméstica, não tinha noção do que eram direitos trabalhistas, sentia apenas gratidão pela família que me acolhia em sua casa e me dava emprego.551

550 551

CREUZA, 2014. SILVA, Marina. Trabalho de casa. Folha de S. Paulo, São Paulo, 22 mar. 2013, p. A2.

262

Por fim, a Folha de S. Paulo trata, em seus textos, a PEC, comumente conhecida como “das Domésticas”, como “PEC dos Domésticos”, no masculino. Ainda que essa redação do termo esteja de acordo com o texto da lei, trata-se de um uso sexista da linguagem, pois torna invisível a imensa maioria de mulheres na categoria. Em relação à CPMI da Violência contra a Mulher e ao PL de Atendimento às Vítimas de Violência Sexual, há uma quantidade significativamente maior de textos publicados sobre a PEC das Domésticas. A cobertura da mídia parece tornar explícito o que não surgiu da boca dos deputados durante a votação da PEC, talvez por imaginarem ser um risco às suas imagens: que não se sentiam confortáveis em incorporaras domésticas a uma ampla gama de direitos já concedidos às demais categorias. Podem ter deixado a “defesa ideológica” contrária à PEC a cargo da mídia, já que fazê-la abertamente no Parlamento significaria perder parte do eleitorado de baixa renda.

4.4. Algumas considerações Todas as minhas hipóteses no início desse capítulo não se demonstraram de fácil comprovação, o que traz à tona a complexidade das imbricações de classe, “raça” e “sexo”. Imaginei que haveria consenso entre a Bancada Feminina sobre a CPMI da Violência contra a Mulher e dissenso sobre o PL de Atendimento às Vítimas de Violência Sexual e a PEC das Domésticas. Ao entrevistar as parlamentares, porém, sempre parece haver, entre elas, disposição para a unidade (é preciso admitir também que houve limitações das entrevistas: como apontado no capítulo 3, não foi possível conversar com parlamentares que nunca participaram da Bancada Feminina, o que poderia ter mudado essa equação). É apenas quando analiso as movimentações diversas que ocorreram durante os processos de discussão, tramitação e sanção, aliadas aos comentários de representantes da sociedade civil e às leituras dos jornais, que consigo minimamente enxergar os conflitos internos existentes na Bancada Feminina, que se dão, além das já citadas relações sociais de classe e “raça”, também entre a Bancada Evangélica e defensoras/es do Estado laico.

263

É aí que a posição da Bancada Feminina ganha outra dimensão, a temporária. Ela pode ser unitária em alguns momentos – em especial em entrevistas, porque valoriza a organização desse grupo minoritário na Câmara Federal – e, em outros, em função de desdobramentos da conjuntura, pode ver-se desmembrada em diferentes posições. O que resta, então, das hipóteses iniciais é que não há um agrupamento fixo em que as mulheres se reúnam e que contemple toda a gama de relações e ideologias que as atravessam. Mas, ao mesmo tempo, há uma classe de mulheres que existe “na medida em que existe uma divisão sexual do trabalho”,552 que é expressa, entre outras formas, no amálgama conjugal aqui discutido. E mesmo quando elas atuam em grupo, também não quer dizer que seja uma movimentação “feminista”. Como afirma Mathieu, é preciso diferenciar a “consciência de grupo” da “consciência de classe” de sexo553: Alguns falam muito facilmente de “feminismo” (parece que a utilização desse termo é aprazível, supõe-se), outras subestimam o sentido verdadeiramente político de certas revoltas, mesmo individuais. Mas justamente, parece necessário, para compreender as formas de resistência, de ter a medida da consciência dominada.

552

MOUJOUD, Nasima; FALQUET, Jules. Cent ans de sollicitude en France Domesticité, reproduction sociale, migration & histoire coloniale. Agone, n, 43, p. 169-195,2010. p. 194. 553 MATHIEU, 2013, p. 169.

264

265

Considerações finais

A política institucional não é um espaço de atuação tradicionalmente ocupado pelas mulheres. Na divisão sexual do trabalho, ele cabe prioritariamente aos homens. À base material da desigualdade soma-se o discurso de natureza, que serve de justificativa para a opressão. Assim, enquanto os homens deputados têm um sexo, as mulheres deputadas são o sexo inteiro 554 . A elas, não é permitido ser outra coisa que não, em primeiro lugar, mulheres. Quando elas discursam no plenário da Câmara dos Deputados, antes de haver ali uma política eleita pelo povo brasileiro, há uma mulher. Em uma reunião, antes de haver uma proponente de um projeto de lei, há uma mulher. No Colégio de Líderes, antes de haver uma liderança partidária, há uma mulher.Ao longo dessa pesquisa, ouvi relatos de discriminação e de dificuldades de todos os tipos para o cumprimento de seus objetivos, seja eles quais fossem – aprovar um projeto de lei, reeleger-se, ocupar a mesa diretora da Câmara dos Deputados, conseguir atuar na política e, simultaneamente, criar os/as filhos/as etc. Apesar do discurso fundacionalista biológico da maioria das parlamentares da Bancada Feminina, não encontreiprojetos de lei para obter um país mais “sensível” ou mais “feminino”, mas sim proposições consensuaiscontra a desigualdade: equiparação salarial para ocupação das mesmas funções; ampliação da participação das mulheres na política institucional; combate à violência contra as mulheres.É sua situação enquanto grupo

554

Penso aqui, novamente, no argumento de Colette Guillaumin (1992).

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minoritário, portanto, que elas procuram, por vezes, modificar. Essas proposições, porém, enfrentam limitações para serem aprovadas e sua busca para implementar um direito desigual não avança. Ainda que pertençam à mesma classe de “sexo”, que se contrapõe à classe de “sexo” dominante, a masculina, não há um posicionamento unificado entre as deputadas, mesmo quando elas estão agrupadas enquanto Bancada Feminina. Existe sim uma pluralidade de experiências, imbricadas com outras relações, em especial de classe social e “raça”, que produzem frações nessa classe. Tais frações fazem com que parte delas, conscientes ou não disso, esteja ideologicamente mais próxima à classe dos homens – e aqui acrescento a eles, os brancos, heterossexuais e com alta renda –e que aja em prol da manutenção de sua hegemonia, resultante de um complexo processo de articulação. No Parlamento brasileiro, destaca-se, na Legislatura analisada (2011-2014), a proximidade de algumas das deputadas federaiscom certos agrupamentos religiosos que utilizam o Congresso Nacional, um espaço laico,para defender uma determinada noção de família tradicional que mantém as mulheres em posição de inferioridade. O controle da reprodução está no centro de suas ações, capitaneadas pela Bancada Evangélica, com propostas como o Estatuto do Nascituro e o PL 797/2011, apelidado pelas feministas de “bolsa-estupro”, e movimentações contrárias ao PL 60/99, de atendimento às vítimas de violência sexual, e à inclusão do “gênero” como um elemento transversal na educação básica. Como afirmam Laclau e Mouffe ao analisar a classe operária, mas que também é possível transpor para a classe de mulheres, “a resistência que [o operariado/as mulheres] coloque a certas formas de dominação dependerá das relações que ocupam no conjunto das

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relações sociais” 555 . Não é plausível, portanto, refletir sobre os posicionamentos das mulheres sem levar em consideração as teias de relações que as envolvem em um contexto hegemônico determinado. Na última década, registrou-se o crescimento das bancadas religiosas, militar e ruralista. Em 2014, elegeu-se o Congresso Nacional mais conservador desde 1964, ano do golpe civil-militar556 . Tal cenário é resultado direto da desmobilização dos movimentos sociais posicionados mais à esquerda, incluídas aí as Comunidades Eclesiais de Base, mas também de sua cooptação pelo governo federal petista.Todas as associações, articulações e ONGs citadas ao longo da tese e que dialogam com a Bancada Feminina se enquadram, sem exceção, nesse último caso. Lincoln Secco afirma que a Carta ao Povo Brasileiro, lançada por Lula antes de eleger-se pela primeira vez presidente da República, em 2002, foi, em termos gramscinianos557, a pá de cal do processo de transformismo do PT– ou seja, a absorção do maior partido da esquerda brasileira por aqueles que já detinham a hegemonia do país. Não seria possível vencer o pleito de 2002, diziam os dirigentes petistas, sem fazer um amplo arco de alianças com setores da burguesia nacional e com partidos do centro, da centrodireita e da direita, aí incluso o PSC (Partido Social Cristão).Tais acordos não foram temporários: pelo contrário, permanecem vigentes no governo e no Congresso Nacional, onde foram determinantes para a construção de uma maioria para uma certa “governabilidade”. Porém, discordando em parte de Secco, acredito que o longo processo de

555

LACLAU; MOUFFE, 2001, p. 84. SOUZA, Nivaldo; CARAM, Bernardo. Congresso eleito é o mais conservador desde 1964. O Estado de S. Paulo. 06/10/2014. Disponível em: . Acesso em 06/10/2014. 557 SECCO, 2012, p. 201. 556

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transformismo do PT teve ainda outros dois elementos finais bastante dramáticos: seu envolvimento em denúncias de corrupção, em especial do conhecido caso do Mensalão, em 2005; e a“Mensagem da Dilma” (cf. anexo 8), carta lançada pela à época candidata Dilma Rousseff, em outubro de 2010, em que ela assegura ser “pessoalmente contra o aborto”, uma resposta a boatos espalhados pelo concorrente, José Serra (PSDB). O caso do Mensalão abalou profundamente um dos bastiões do PT desde sua fundação e que diferenciava-o dos partidos tradicionais da política brasileira, afeitos à patronagem: o combate à corrupção. Secco narra um pouco do clima que tomou conta do país nesse período558: Eram raros os militantes que usaram camisa do partido. E eram invariavelmente achincalhados ou agredidos. Durante as eleições internas [do PT], os militantes do PT que se dirigiam aos locais de votação em São Paulo eram ofendidos por pessoas que estavam nos bares ou por transeuntes. Tal era o clima político do país.

O processo de eleições internas ao PT (PED) de 2005 a que Secco se refere foi visto por parte de seus/suas militantes como um momento de “salvar” o partido em meio à adesão petista à política econômica neoliberal e às denúncias de corrupção. Porém, o mesmo Campo Majoritário que já o comandava terminou vitorioso e integrantes dealgumas correntes da esquerda do PT saíram para filiar-se ao PSOL, partido criado em 2003 por parlamentares que haviam sido expulsos do PT após votarem contra a reforma da previdência proposta pelo governo Lula – a deputada federal Luciana Genro (RS), o deputado federal João Batista, o Babá (PA), e a senadora Heloísa Helena (AL). Já a “Mensagem da Dilma” encerrou simbolicamente, a meu ver, a defesa

558

Ibidem, p. 220.

269

pública petista de bandeiras ligadas não apenas ao movimento feminista, mas aos direitos humanos. E é também um fator limitador, assim como a política econômica, ao combate às opressões. Dilmacomeça a sua carta dirigindo-se ao povo “com carinho” e “respeito que merecem os que sonham com o Brasil cada vez mais perto da premissa do Evangelho de desejar ao próximo o que queremos para nós mesmos”559. São muitas concessões feitas para um texto tão pequeno: a defesa da manutenção da legislação atual sobre aborto; o comprometimento de nenhuma “iniciativa que afronte a família” e a não sançãodo PLC 122, que torna a lesbo-homo-transfobia em crime, como já o é o racismo, caso ele viole “liberdade de crença, culto e expressão e demais garantias constitucionais individuais existentes no Brasil”. E que seja uma mulher a fazê-las é carregado de simbolismo. O deputado federal pastor Marco Feliciano (PSC/SP) na presidência da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara foi apenas a continuação desse episódio. Tal posicionamento foi também adotado na SPM, o Ministério das mulheres. No período da 54a Legislatura aqui estudado, a SPM teve duas ministras. A primeira, mencionada ao longo da tese, foi Iriny Lopes, deputada federal pelo PT no Espírito Santo e autora da lei de equidade salarial. Ela foi substituída por Eleonora Menicucci, socióloga e professora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Ao assumir o cargo, ela declarou560: Eu já dei entrevistas, sobretudo nos anos 70, 80 e 90, quando o feminismo necessitava de marcar posições e muitas mulheres ousaram dizer até da sua vida privada. Não me arrependo, mas eu sou governo e a matéria da legalização ou descriminalização do aborto é uma matéria que não diz respeito ao Executivo, diz respeito ao Legislativo.

559

DOCUMENTO DE CAMPANHA DILMA ROUSSEFF. Mensagem da Dilma. Brasília, 15/10/2010. SALOMÃO, Lucas. Eleonora Menicucci foi presa na ditadura e deu aula em universidades. G1. 31/12/2014. Disponível em: < http://g1.globo.com/politica/noticia/2014/12/eleonora-menicucci-foi-presa-naditadura-e-deu-aula-em-universidades.html>. Acesso em 08/01/2015. 560

270

Ter sido favorável à legalização do aborto “quando o feminismo necessitava de marcar posições” é uma frase bastante interessante em um país onde, calcula-se, cerca de 800 mil interrupções voluntárias de gestações ocorrem por ano de maneira ilegal. Não “se necessita” mais de representantes feministas, em especial quando elas estão em uma posição privilegiada de direção, no governo federal, que defendam a autonomia das mulheres sobre os próprios corpos? Outro reflexo do afastamento do PT dos movimentos sociais é a presença destes últimos no cotidiano de suas ações parlamentares. Na Constituinte, o protagonismo do grupo de pressão conhecido comolobby do batom foi fundamental para a aprovação de diversas propostas. Na legislatura analisada por mim, a única organização que estava sistematicamente com a Bancada Feminina era o CFEMEA, uma ONG. Sem tirar os méritos do acompanhamento crítico e contundente que o CFEMEA faz do Congresso Nacional, é bastante sintomático que seja uma organização não-governamental aquela a exercer a maior pressão sobre a Bancada Feminina. O que aconteceu com os/as movimentos de mulheres e feministas? Por que não estão mais atuando no Legislativo de forma diária, mas apenas pontualmente? No período estudado (2011-2014), somente durante a discussão sobre a sanção ou não da presidenta Dilma ao PL 60/99 é que houve alguma mobilização mais contundente, em especial por meio de abaixo-assinado cuja campanha foi liderada pelo CFEMEA. Na PEC das Domésticas, a movimentação ficou exclusivamente à cargo da Fenatrad, sindicato nacional da categoria, sem apoio dos movimentos feministas ou de mulheres. O CFEMEA é herdeiro também do momento da Constituinte, pois sua organização data dos anos 1980. Porém, não é apenas ele: as deputadas federais citadas igualmente tem sua militância oriunda desse momento histórico, mais relacionado ao que convencionou-se chamar da segunda onda do feminismo no Brasil. Pergunto-me então se, aliada à conjuntura de baixa dos movimentos sociais brasileiros, teríamos uma dificuldade específica de transmissão geracional do feminismo brasileiro no que diz respeito às formas de atuação. As jovens feministas, assinalam Eliane Gonçalves e Joana Plaza Pinto, não recusam os princípios ou bandeiras feministas em si – até porque muitas delas ainda nem foram conquistadas, como é o caso do direito ao aborto legal e seguro –, mas recusam certa forma de organização política,

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pouco sensível à mudança geracional. [...] Para algumas jovens feministas o problema que se coloca é de assimetria, de acesso diferenciado a poder, de falta de legitimação de suas falas. 561

Ao mesmo tempo, se há um afastamento do PT dos movimentos sociais, as quatro eleições presidenciais ganhas (2002, 2006, 2010 e 2014) indicam também a manutenção de um apoio popular. Apoio este que vem dos programas sociais como o Bolsa Família, que tirou milhares de pessoas da miséria; o Luz para Todos, que levou energia elétrica aos rincões do país; o aumento real do salário mínimo; e o Prouni, que forneceu bolsas de estudos a pessoas de baixa renda no ensino superior privado; entre outros. Um dos primeiros a avaliar esse fenômeno, André Singer classificou-o como “lulismo”562: A caracterização [...] do surgimento do “lulismo”, nascido “sob o signo da contradição”, sugere justamente que a experiência brasileira ainda se explica como variante da via conservadora de modernização. Nesse modelo de mudança social, estendido ao longo do tempo, o Estado tem papel proeminente na alavancagem dos mais pobres, sem que isso implique ruptura com setores reacionários do mundo rural, tampouco com a atual ordem dominante dos interesses financeiros.

O governo contornou a luta de classes, diz Lincoln Secco, ao “internalizar os conflitos sociais no aparelho de Estado, dando ministérios tanto aos representantes do capital quanto (pela primeira vez) aos representantes do trabalho”563. É a política do “bate e

561

GONÇALVES, Eliane; PINTO, Joana Plaza. Reflexões e problemas da “transmissão” intergeracional no feminismo brasileiro. Cadernos Pagu, Campinas, n. 36, p. 25-46, janeiro-junho de 2011, p. 36-38. 562 KEINERT, Fábio Cardoso. Resenha. Tempo Social, USP, p. 255-260, v. 24, n. 2, novembro de 2012, p. 257. 563 SECCO, 2012, p. 206.

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assopra”. Ou da decepção e da esperança, como afirma André Singer. Lúcio Flávio Rodrigues de Almeida acrescenta a esses dois elementos a “perplexidade”564: é claro que, se entre os dominados não houvesse disposições profundas para se aterem ao reformismo lulista, nenhum governo teria o sucesso que teve. Da mesma forma, caso tal política se confrontasse com os interesses de fortes frações burguesas, tampouco se viabilizariam. Parte fundamental deste sucesso foi a profunda perplexidade, divisão e – este é o ponto – perda de iniciativa em que se encontram as forças que se pretendem antineoliberais e anticapitalistas.

Secco cita ainda que “muitas políticas públicas democratizaram as relações com a sociedade civil”, como as conferências. Eu estive, como parte do trabalho de campo realizado para a tese, na 3a Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres, organizada pela SPM em dezembro de 2011, primeiro ano do governo Dilma. Todas as conferências das mulheres ocorreram durante o governo do PT, foram financiadas por ele e convocadas por meio de decreto.A presidenta fez o discurso de abertura do evento para cerca de2.500 mulheres, representantes de organizações e movimentos sociais de todo o país. Foi recebida sob gritos de “olé, olé, olé, olá, Dilma, Dilma”565, em demonstração de amplo apoio. Ao final de quatro dias de debates, a Conferência produziu um documento com a síntese das propostas que haviam sido elencadas pelas conferências municipais e estaduais. Entre os temas aprovados – não sem uma intensa discussão – estava a legalização do aborto. Mas, passada Conferência, que tinha como função produzir diretrizes, elaboradas pela sociedade para o poder Executivo,e avaliar suas políticas públicas, qual foi

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ALMEIDA, Lúcio Flávio Rodrigues. Já se passaram dez anos: sair da perplexidade e unificar as lutas. Lutas Sociais, PUC-SP, v. 17, p. 9-17, 2013, p. 11. 565 MANO, Maíra Kubík T. “Conferência das Mulheres abre com promessa de Dilma: SPM fica”. Agência Carta Maior. 13/12/2011. Disponível em: < http://cartamaior.com.br/?/Editoria/Politica/Conferencia-dasMulheres-abre-com-promessa-de-Dilma-SPM-fica/4/18289>. Acesso em 01/01/2015.

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realmente o impacto dela?Quais áreas foram prioritárias para o governo federal? Seria necessário verificar,a partir do documento final, o que foi cumprido e o que não foi, o que não era escopo dessa pesquisa. Levanto aqui a hipótese de que a assistência social, com os programas mencionados acima, teve mais destaque que os direitos sexuais e reprodutivos. Outra hipóteseé a de que qualquer uma das ações foi bastante limitada pelo parco orçamento da SPM, muito inferior aos demais ministérios. O “contorno” da luta de classes feito pelo governo também foi visto no Congresso Nacional. Em termos da Bancada Feminina, sendo suas lideranças históricas integrantes do PT e do PCdoB – aliado de primeira hora de Lula e Dilma –, vemos uma tensão permanente entre defender sua classe de sexo e juntar-se ao campo hegemônico ao qual são filiadas e devem disciplina partidária, que demonstrou-se incapaz de realizar transformações nas estruturas de dominação do país. Mandatos como o de Jô Moraes (PCdoB/MG) e Érika Kokay (PT/DF) são valorosos para o que eu chamei de “contenção de danos”, impedindo o avanço de algumas propostas que retiram direitos das mulheres, como o Estatuto do Nascituro, mas não conseguem avançar no enfrentamento às raízes da desigualdade.A Secretaria da Mulher, criada em 2013, pode representar uma ferramenta importante para a manutenção dessa trincheira, já quedá mais peso institucional à Bancada Feminina. Com o Congresso mais conservador, porém, talvez não demore muito para essa estrutura cair nas mãos de outras mulheres, como ocorreu com a Comissão de Direitos Humanos e Minorias. E daí veríamos de maneira mais explícita uma divisão que hoje não é tão evidente quando olhamos apenas para a Bancada Feminina, uma vez que as evangélicas e as parlamentares de direita têm uma atuação secundária nesse espaço. Ao final,o que prevalece desses enfrentamentos é o arco de alianças, onde há algumas concessões para ambos os lados mais “extremos” – feministas e Bancada

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Evangélica – para garantir a unidade em torno de outros temas considerados mais centrais, como a macroeconomia –como se a divisão sexual do trabalho não fosse transversal a tudo isso! Enquanto isso, as parlamentares de centro-direita e de direita, que pouco ou nada participam da Bancada Feminina, parecem alheias a tais questões. Até o dia, preconiza Érika Kokay, em que se confirmar a aliança entre elas e as evangélicas566: Nunca estivemos um obscurantismo tão faceiro se expressando no dia a dia do Congresso. Aí se busca uma ampliação de uma base a partir de uma construção ideológica extrapolando o campo essencialmente religioso. Isso é extremamente perigoso se a gente considerar a composição do Congresso. Não apenas o crescimento da bancada obscurantista, fundamentalista religiosa, mas o crescimento de uma bancada empresarial, latifundiária, e de uma bancada que busca ou que expressa de uma forma muito desavergonhada a necessidade da volta da ditadura militar, do aumento do Estado repressor, do Estado penal. Essas são alianças que estão se formando de forma muito concreta [...]. Elas se unificam porque todas elas tem um diálogo muito intenso com a lógica fascista, que é desumanizar o outro, alguns seres humanos vão ter direitos e outros não

O risco dessas alianças feitas pelo lulismo abandonarem o barco do governo é bastante factível. Segundo Lúcio Flávio Rodrigues de Ameida567, Este risco se amplia na hipótese de ocorrer o mais provável: em um contexto de aprofundamento da crise capitalista, as frações burguesas darem adeus aos anos Lula e se reposicionarem, cada uma ao seu modo, em torno de políticas mais explicitamente neoliberais e autoritárias.

566 567

KOKAY, 2014. ALMEIDA, 2013, p. 15.

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Seria interessante – e acredito que essa éuma das grandes limitações da minha pesquisa – comparar os posicionamentos da Bancada Feminina durante os governos Fernando Henrique Cardoso e Lula, além de Dilma, para acompanhar esses deslocamentos de posição. No governo Lula, temos a aprovação de um marco: a Lei Maria da Penha, em 2006, que abriu caminho para a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito da Violência contra a Mulher, analisada no capítulo 4, e que foi a ação de mais fôlego realizada pela Bancada Feminina ao longo da 54a Legislatura. Em 2008, o PT, por pressão das feministas, expulsou o deputado federal Luiz Bassuma (BA) por não ter cumprido com a ética partidária ao apresentar o projeto do Estatuto do Nascituro. São dois dados que poderiam modificar o peso da balança em prol dos governos petistas, e também fazer a distinção entre os governos Lula e Dilma – esta última teria estreitado suas relações com os setores mais conservadores.

Um novo ciclo histórico brasileiro

Os protestos de Junho de 2013, que começaram contrários ao aumento da tarifa do transporte público, ganharam bandeiras difusas, mas traziam em seu bojo o questionamento à corrupção, que desde a patronagem está arraigada no sistema político brasileiro e é representada pelos aliados do governo federal. Essas mobilizaçõesparecem ser expoentes inaugurais de um novo ciclo histórico brasileiro que se abre após o transformismo do PT. Qual seria o espaço da política institucional nesse novo momento? Com parte da área do Congresso Nacional ocupada durante uma das manifestações, sob pressão, os/as parlamentares prometeram uma reforma política. Em julho de 2013, formaram um grupo de trabalho para discutir o tema e, em novembro do mesmo ano, apresentaram uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC 325/2013) que acaba com a reeleição do/a presidente/a da República, dos/as governadores/as e prefeitos/as, põe fim ao voto obrigatório e flexibiliza as regras das coligações eleitorais.A PEC ainda está em tramitação, mas o financiamento exclusivamente público de campanha, defendido pelas algumas das parlamentares entrevistadas por mim como uma maneira de permitir maior inclusão na política institucional, não foi aceito. Só foi aprovado pela

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Comissão que a redigiu um “limite máximo de gastos”, que deveria ser determinado por lei. Tampouco passou a proposta de lista fechada com alternância de sexo. Somando-se a isso o exercício direto da violência, que em apenas alguns dos protestos não se fez presente, buscando neutralizar a capacidade de ação coletiva antissistêmica 568 , o resultado final parece ser pouco animador para as mulheres e os que vêm “de baixo” vislumbrarem perspectivas profundas de transformação pela via institucional. Após quatro anos de pesquisa sobre a atuação das parlamentares no Congresso Nacional, encerro essa tese com a percepção de que o avanço das pautas feministas e populares só se dará a partir de uma ampla aliança da sociedade, mas não nos termos propostos pelo PT.Uma aliança aberta, sem posições fixas de sujeito – ninguém é “apenas” uma mulher, mas uma pluralidade de situações, ainda que o discurso da natureza queira fazer com que este seja nosso “ser social” –,e que, por isso mesmo, permita a disputa de hegemonia para a criação de um novo bloco histórico a favor daquelas/es que hoje estão subalternizadas/os. Já que “raça” e “sexo” não existem, é possível acabar com o racismo e com o sexismo. A libertação das mulheres de seu papel na divisão sexual do trabalho, assim como das/os negras/os na divisão racial do trabalho, trazem, em si, a potencialidade para ser o estopim dessas mudanças, desencadeando uma crise orgânica no bloco histórico atual nesse ciclo que se abre. Essas opressões são também os pilares de apoio, junto com exploração de classe, para a manutenção das desigualdades. Mudar o amálgama conjugal teria um sentido revolucionário que abalaria as demais estruturas. E justamente por isso é pouco provável queocorra pela via parlamentar, afeita a reformas cada vez mais restritas – quando não retrocessos.

568

ALMEIDA, 2013, p. 11.

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Sites acessados

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Folha de S.Paulo O Globo G1 O Estado de S. Paulo Agência CartaMaior CartaCapital Le Monde Diplomatique Brasil CIMI CFEMEA Contretemps Câmara dos Deputados

289

Anexos

Anexo 1 - Frentes Parlamentares da 54ª Legislatura

REGISTRADAS EM 2014

NOME DA FRENTE PARLAMENTAR Políticas em Prol dos Taxistas Defesa da Redução de Impostos Defesa da Regulamentação de Profissões do Congresso Nacional Defesa das Populações Atingidas por Áreas Protegidas Defesa dos Agentes Municipais de Trânsito Defesa dos Portos, Hidrovias e Navegação do Brasil Mista do Mercado Imobiliário Defesa do Complexo Industrial da Saúde Mista para o Desenvolvimento de Assuntos da Faixa de Fronteira Mista de Fiscalização da Educação Básica Moagem e Consumo do Trigo Valorização das Universidades Federais

DATA DA PUBLICAÇÃO 12/02/2014

COORDENADOR / PRESIDENTE Edson Santos

20/02/2014

Ronaldo Fonseca

04/06/2014

Ricardo Izar

22/04/2014

Weverton Rocha

09/04/2014

Raimundo Gomes de Matos

10/03/2014

Marcos Rogério

18/02/2014

Guilherme Campos

13/08/2014

Francisco Chagas

13/02/2014

Marco Maia

13/05/2014 11/03/2014

Cristovam Buarque e André Figueiredo Luiz Argôlo

10/02/2014

Margarida Salomão

290

TOTAL

12 FRENTES

REGISTRADAS EM 2013

NOME DA FRENTE PARLAMENTAR Seguridade Social para Todos Causa QESA (Quadro Especial de Sargentos da Aeronáutica) Luta Contra a Endometriose Redução da Maioridade Penal Apoio à Reestruturação da Polícia Federal Apoio aos Familiares de Desaparecidos Civis Atenção Integral a Saúde do Homem Combate ao Câncer Congresso Nacional de Apoio aos Produtores de Algodão e Indústrias do Segmento Apoio à Criação do Museu Afro-Brasileiro em Brasília Defesa da Engenharia, Agronomia e Arquitetura Defesa da Fiscalização Agropecuária no Brasil Defesa da Indústria Brasileira de Bebidas Defesa da Segurança e Saúde no Trabalho Defesa dos Pensionistas das Forças Armadas e Forças Auxiliares Defesa das Práticas Integrativas da Saúde (frente

DATA DA PUBLICAÇÃO 05/06/2013

COORDENADOR / PRESIDENTE Saraiva Felipe

17/07/2013

Gorete Pereira

04/09/2013 03/09/2013 28/05/2013

Roberto de Lucena Fernando Francischini Abelardo Camarinha Otoniel Lima

30/01/2013

Onofre Santo Agostini

25/09/2013

Jorge Silva

04/09/2013 28/06/2013

Ruy Carneiro Sérgio Brito

28/06/2013

Edson Santos

24/09/2013

Augusto Coutinho

26/04/2013

Lourival Mendes

12/08/2013

Zeca Dirceu

20/12/2013

Vicentinho

10/09/2013

Liliam Sá

22/08/2013

Giovani Cherini

291

e

Holística) Defesa do Sistema Nacional de Trabalho, Emprego e Renda Defesa dos Conselheiros Tutelares Defesa dos Direitos Humanos Defesa dos Proprietários e Condutores de Veículos sobre Duas Rodas Mista de Combate ao Roubo de Carga Mista de Enfrentamento às DST/HIV/AIDS Mista do Esporte Mista do Marketing Multinível Mista dos Agentes de Abastecimento do Pequeno e Médio Varejo Mista em Defesa da Indústria Marítima Brasileira Mista em Defesa das Pequenas Centrais Hidrelétricas e Microgeração Mista em Defesa das Universidades Públicas, Estaduais e Municipais do Brasil Mista em Defesas dos Canais de TV Comunitários Mista em Defesa dos Comerciários Mista de Fortalecimento das Agências Reguladoras Mista pelos Direitos dos Despachantes Documentais do Brasil Mista Pró-Optometria Mista, Câmara e Senado, em Combate ao Crack

25/09/2013

Fátima Peales

28/11/2013

Márcio Marinho

05/09/2013

Erika Kokay

13/09/2013

Severino Ninho

20/12/2013

George Hilton

20/12/2013 02/09/2013 18/10/2013

Erika Kokay, Paulo Teixeira e Jean Willys Acelino Popó Acelino Popó

10/10/2013

Antonio Balhmann

17/07/2013

Edson Santos

01/10/2013

Pedro Uczai

20/03/2013

Cleber Leite

05/08/2013

Roberto Santiago

09/09/2013

Roberto Santiago

12/11/2013

Glauber Braga

03/03/2013

Cleber Verde

05/09/2013 27/05/2013

Lourival Mendes Delegado Protógenes

292

Mista, Câmara e Senado, em Defesa dos Municípios Sedes de Usinas Hidrelétricas Auto-suficiência do Potássio Valorização da Defesa Civil Valorização do Setor Sulcroenergético Valorização e Incentivo à Mandiocultura Desenvolvimento da Apicultura e Cajucultura FPDAC Direito da Legítima Defesa Pró-Guardas Municipais Mista em Defesa do Setor de Alimentação Fora do Lar – Bares e Restaurantes TOTAL

10/04/2013

Vilson Covatti

19/11/2013 14/03/2013 11/11/2013

Silas Câmara Dr. Ubiali Arnaldo Jardim

11/12/2013

Amauri Teixeira

05/08/2013

Assis Carvalho

20/12/2013 26/02/2013 19/11/2013

Abelardo Lupion Vicentinho Jerônimo Goergen

43 FRENTES

REGISTRADAS EM 2012

NOME DA FRENTE PARLAMENTAR Amigos do Tibete em Defesa do Diálogo ChinaTibete Irrigação Instâncias de Governança Regionais do Turismo Apoio às Entidades de Promoção da Integração ao Mercado de Trabalho Combate à Obesidade Combate às Doenças Raras Incentivo à Cadeia Produtiva da Reciclagem Incentivo ao Desenvolvimento Sócio-

DATA DA PUBLICAÇÃO 20/06/2012

COORDENADOR / PRESIDENTE Walter Feldman

29/05/2012 30/04/2012

Duarte Nogueira Saraiva Felipe

11/06/2012

João Dado

13/03/2012 30/04/2012 07/03/2012

Lincoln Portela Maurício Quintella Lessa Adrian

28/03/2012

Jaqueline Roriz

293

Econômico da Região do Entorno do Distrito Federal Bem Estar da Pessoa, dos 17/08/2012 Produtos e Serviços de Higiene Pessoal do Congresso Nacional Cooperativismo (Frencoop) 23/03/2012 Jovem Empreendedor Apoio e Fortalecimento da Mídia Regional Defesa da Amazônia e do seu Povo Defesa da Competitividade da Cadeia Produtiva do Setor Químico, Petroquímico e Plástico do Brasil Defesa da Indústria Nacional Defesa da Lavoura Cacaueira Defesa da Providência Social Rural Defesa da Reestruturação da Carreira do Perito Médico da Previdência Social Defesa das Ciclovias e das Calçadas Sustentáveis Defesa do Piso Nacional de Jornalista Defesa do Saneamento Ambiental e da Moradia para Todos Defesa dos Consumidores, Distribuidores e Revendedores de Derivados de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis Defesa dos Regimes Próprios de Previdência Social dos Servidores Públicos Defesa dos Servidores

Ricardo Izar

27/08/2012 09/04/2012

Waldemir Moka e Paulo Piau Hugo Motta André Vargas

28/03/2012

Zenaldo Coutinho

22/05/2012

Vanderlei Siraque

22/05/2012

Newton Lira

18/12/2012

Félix Mendonça Júnior

29/03/2012

Bohn Gass

14/08/2012

Manoel Júnior

12/06/2012

Marina Santanna

02/05/2012

André Moura

23/03/2012

André Moura

14/08/2012

Welligton Fagundes

07/03/2012

Saraiva Felipe

10/02/2012

Edson Santos

294

Públicos Federais Mista da Suinocultura Mista de Apoio às Vítimas da Seca no Nordeste Mista do Livro e da Leitura Mista em Defesa da Enfermagem Mista em Defesa das Populações Extrativistas e dos Povos e Comunidades Tradicionais Defesa dos Aposentados e Pensionistas Mista pelo Desenvolvimento da Navegação Fluvial na Amazônia Mista Pró - Gás Natural Desoneração dos Medicamentos Regulamentar a Educação Domiciliar Cooperação Brasil – Tigres Asiáticos Duplicação da Rodovia Belém - Brasília Luta Contra a Tuberculose Desenvolvimento da Agroecologia e Produção Orgânica TOTAL

16/07/2012 03/12/2012

Vilson Covatti José Augusto Maia

20/04/2012 18/06/2012

Fátima Bezerra Wilson Filho

31/05/2012

Afonso Florence

16/04/2012

Cleber Verde

10/02/2012

Janete Capiberibe

17/08/2012 19/12/2012

Antônio Carlos Tame Walter Ihoshi

19/04/2012

Lincoln Portela

15/03/2012

Luiz Argôlo

07/11/2012

César Halum

31/05/2012 31/12/2012

Antonio Brito Luci Choinacki

38 FRENTES

REGISTRADAS EM 2011

NOME DA FRENTE DATA DA PUBLICAÇÃO PARLAMENTAR Ambientalista 25/02/2011

295

COORDENADOR / PRESIDENTE Sarney Filho

Mendes

Brasil com Seguro Contra Taxa dos Terrenos de Marinha Agricultura Familiar Agropecuária - FPA Assistência Técnica e Extensão Rural Cadeia Produtiva do Leite FPCL Comunicação Social FreCom Defesa Nacional Desburocratização - FPD Educação Educação Profissional e Ensino a Distância Família e Apoio a Vida Fruticultura Fruticultura Brasileira Habitação e Desenvolvimento Urbano do Congresso Nacional Mineração Brasileira Primeira Infância Segurança Alimentar e Nutricional Segurança Pública Silvicultura Ferrovias Acompanhamento da Construção da Ferrovia Oeste-Leste e Porto Sul Apoio a PEC 300/08 TOTAL

25/03/2011 07/07/2011

Armando Vergílio Lelo Coimbra

17/03/2011 17/03/2011 18/08/2011

Assis de Couto Luis Carlos Heinze Zé Silva

17/03/2011

Antonio Andrade

24/11/2011

Milton Monti

29/04/2011 19/12/2011 02/06/2011 17/11/2011

Carlos Zarattini Valdir Colatto Alex Canziani Ângelo Agnolin

11/05/2011 08/04/2011 08/04/2011 25/03/2011

Fátima Pelaes Antonio Balhmann Alfonso Hamm Ricardo Izar

15/07/2011 23/05/2011 19/08/2011

Lourival Mendes Osmar Terra Padre João

02/03/2011 22/09/2011 09/05/2011 11/05/2011

Fernando Francischini Paulo Piau Pedro Uczai Arthur Oliveira Maia

12/09/2011

Otoniel Lima 24 FRENTES

296

Anexo 2 Projetos Prioritários apresentados à Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania quando da posse da deputada Jô Moraes (PCdoB/MG) como coordenadora da Bancada Feminina.

Autora

Proposição

Ementa Situação Atual

1. Deputada PL Alice 4.249/2012 Portugal – PCdoB/BA

Altera os arts. 14 a 35 da Lei n. 8.987, 13 de fevereiro de 1995, que dispõe sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos previsto no art. 175 da Constituição Federal, e dá outras providências

2. Deputada PL Aline Corrêa 5576/2013 – PP/SP

Acrescenta dispositivo ao art. 61, do Código Penal para considerar agravante o cometimento do crime em razão da raça, cor, etnia, religião, origem, orientação sexual ou deficiência física que são considerados crimes de ódio.

297

Apensado ao PL 1810/2007 (Apensado ao PL 1292/1995 Aguardando Análise de Parecer na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC))

Apensado ao PL 582/2011 (Aguardando Parecer na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC))

3. Deputada PEC 81/2011 Antônia Lúcia – PSC/AC

Altera o art. 144 da Constituição Federal para criar a Guarda de Fronteira. Aguardando Parecer na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC)

4. Deputada PL Benedita da 2436/2011 Silva – PT/RJ

Acrescenta parágrafo único ao art. 14 da Lei nº 9.096, de 19 de setembro de 1995, para estabelecer a distribuição paritária entre os sexos no preenchimento de cargos nos órgãos de direção e de deliberação partidários.

5. Deputada PL Bruna Furlan 4643/2012 – PSDB/SP

Autoriza a criação de Fundo Patrimonial (endowment fund) nas instituições federais de ensino Pronta para Pauta na superior. Comissão de Educação (CE)

6. Deputada PL 582/2011 Dalva Figueiredo – PT/AP

Acresce dispositivos ao Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 Código Penal, e à Lei no 4.898, de 9 Aguardando Parecer de dezembro de 1965. na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC)

7. Deputada PL Érika Kokay 4665/2012 – PT/DF

O consentimento e a ocorrência de relações sexuais anteriores não descaracteriza e não abranda a pena Pronta para Pauta na do crime de estupro em que a vítima Comissão de seja menor de quatorze anos. Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC)

298

Aguardando Parecer na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC)

8. Deputada PL Fátima 3352/2012 Pelaes – PMDB/AP

9. Deputada PL Flávia 1486/2011 Morais – PDT/GO

Acrescenta parágrafo único ao art. 43 da Lei nº 9.096, de 19 de setembro de 1995, que "dispõe sobre partidos políticos, regulamenta os arts. 17 e 14, § 3º, inciso V, da Constituição Federal", a fim de disciplinar a movimentação do percentual do Fundo Partidário destinado à promoção da participação feminina. Altera a redação do caput, § 1º, 2º e inciso I do § 3º, do art. 6º, e § 3º do art. 15, da Lei Federal nº 9. 504, de 30 de setembro de 1997, vedando a celebração de coligações partidárias na faixa proporcional.

Aguardando Parecer na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC)

Apensado ao PL 4637/2009 ( Aguardando Parecer na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC)

10. Deputada PL Gorete 7769/2010 Pereira – PR/CE

Acrescenta dispositivos à Consolidação das Leis do Trabalho CLT, a fim de dispor sobre a Pronta para Pauta na responsabilidade das partes e de seus Comissão de procuradores por litigância de má-fé. Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC)

11. Deputada PL Iracema 5515/2013 Portela – PP/PI

Autoriza o financiamento pelo programa Minha Casa, Minha Vida, para compra, por um dos cônjuges ou companheiro, da parte do outro cônjuge ou companheiro, em caso de dissolução conjugal.

12. Deputada PL 757/2011 Jandira Feghali – PCdoB/RJ

Institui o Cultura Viva - Programa Nacional de Cultura, Educação e Cidadania, estabelece normas para Aguardando seu funcionamento, e dá outras Deliberação na providências. Comissão de Constituição e Justiça

299

Pronta para Pauta na Comissão de Desenvolvimento Urbano (CDU)

e de Cidadania (CCJC)

13. Deputada PL Janete 3341/2012 Capiberibe – PSB/AP

Declara o ambientalista Chico Mendes patrono do meio ambiente brasileiro.

14. Deputada PRC Janete Pietá 158/2012 – PT/SP

Acrescenta o art. 9º na Resolução nº 17, de 1989, que aprova o Regimento Interno da Câmara dos Deputados. Aguardando Designação de Relator na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC)

15. Deputada PL Jô Moraes – 7441/2010 PCdoB/MG

Prevê o pagamento, pelo Poder Público, de danos morais e pensão indenizatória aos dependentes das vítimas fatais de crimes de violência sexual e violência doméstica, nos casos em que for comprovado erro material do Estado.

16. Deputada PL Keiko Ota – 3565/2012 PSB/SP

Aumenta a pena mínima aplicada ao crime de homicídio simples para dez anos e substitui a pena de reclusão Aguardando por prisão. Encaminhamento na COORDENAÇÃO DE COMISSÕES PERMANENTES (CCP)

300

Aguardando Deliberação na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC)

Aguardando Parecer na Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público (CTASP)

17. Deputada PL 797/2011 Lauriete – PSC/ES

Inclui nos programas Sociais e Financeiros do Governo programa específico de apoio à mulher e a adolescente, nos casos de gravidez oriunda de estupro e nos casos de comprovada má formação do feto.

18. Deputada PEC 90/2011 Luiza Erundina – PSB/SP

Dá nova redação ao art. 6º da Constituição Federal, para introduzir o transporte como direito social. Aguardando criação de Comissão Temporária na Mesa Diretora da Câmara dos Deputados (MESA); Aguardando instalação de Comissão Temporária na Seção de Registro de Comissões (SERCO(SGM)); Aguardando Parecer na Comissão Especial destinada a proferir parecer à Proposta de Emenda à Constituição nº 90-A, de 2011, da Sra Luiza Erundina, que "dá nova redação ao art. 6º da Constituição Federal, para introduzir o transporte como direito social" (PEC09011)

19. Deputada PL Marinha 4448/2004 Raupp – PMDB/RO

Dá nova redação aos arts. 71, 72 e 124 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, para permitir a concessão de Pronta para Pauta na salário-maternidade à segurada Comissão de desempregada. Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC)

301

Pronta para Pauta na Comissão de Seguridade Social e Família (CSSF)

20. Deputada PL Nice Lobão – 7567/2006 PSD/MA

Dispõe sobre desconto da mensalidade das instituições privadas de ensino superior para estudantes Pronta para Pauta na que se dedicarem à pesquisa Comissão de científica. Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC)

21. Deputada PL 660/2011 Nilda Gondim – PMDB/PB

Acrescenta dispositivos ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) Lei nº 8.069, de 1990, para agravar penalidades por crimes e infrações administrativas cometidas contra a criança e o adolescente com deficiência.

22. Deputada PL Professora 1.655/2011 Dorinha Seabra Rezende – DEM/TO

Altera o $ 1º do art. 15 da Lei nº 9.424, de 24 de dezembro de 1996, para dispor sobre a distribuição Aguardando Parecer nacional dos recursos do salário- na Comissão de educação. Educação (CE)

23. Deputada PL 808/2011 Rosane Ferreira – PV/PR

Dispõe sobre a obrigatoriedade da presença de bula em medicamentos manipulados por farmácias e Apensado ao PL ervanárias. 856/2007 (Aguardando Deliberação na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC))

24. Deputada PL Rosinha da 5461/2013 Adefal – PTdoB/AL

Acrescenta dispositivos ao art. 22 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, para reduzir a contribuição Aguardando Parecer previdenciária das empresas que na Comissão de

302

Aguardando Encaminhamento na COORDENAÇÃO DE COMISSÕES PERMANENTES (CCP); Pronta para Pauta no PLENÁRIO (PLEN)

contratarem pessoas com deficiência.

25. Deputada PL Sandra 3888/2012 Rosado – PSB/RN

26. Deputada PL Sueli Vidigal 3901/2008 – PDT/ES

Altera o art. 41 da Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006, que "cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do §8º do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras providências". Dispõe sobre os horários de funcionamento das delegacias de Polícia especializadas em atendimento à mulher.

303

Seguridade Social e Família (CSSF)

Pronta para Pauta na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC)

Aguardando Parecer na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC)

Anexo 3 BANCADA FEMININA DA CÂMARA DOS DEPUTADOS REGIMENTO INTERNO

I - Da Instituição e Suas Finalidades Art. 1° - A Bancada Feminina da Câmara dos Deputados, com atuação em todo o território nacional, tem caráter supra-partidário e rege-se por este Regimento.

Art. 2°- A Bancada Feminina da Câmara dos Deputados tem como objetivos: - Conquistar e ampliar espaços de participação política da mulher no Legislativo, no Executivo e na Sociedade; - Desenvolver campanha em defesa da participação política da mulher na Mesa Diretora da Câmara dos Deputados e nos demais órgãos de direção da Casa; - Lutar pela agilidade na tramitação e na aprovação das proposições relativas e/ou de interesse da mulher nas comissões e no plenário da Casa, bem como lutar pelas suas relatorias; - Acompanhar o processo de elaboração orçamentária e se empenhar para que as diversas comissões da Casa apresentem e aprovem emendas relacionadas às questões de gênero; - Acompanhar o processo de execução orçamentária de forma a garantir a liberação dos recursos correspondentes às emendas de interesse da Bancada Feminina; - Incentivar a participação política das mulheres nos âmbitos Nacional, Estadual e Municipal; - Estimular a participação das entidades da sociedade civil organizada nas diversas iniciativas da Bancada Feminina; - Propor diretrizes de ação e promover atividades visando garantir os direitos da mulher e sua plena inclusão na vida econômica, social, cultural e política da sociedade;

304

- Envolver a participação das entidades de mulheres na discussão e elaboração de propostas legislativas e integrar-se às suas iniciativas; - Promover a divulgação das atividades da Bancada no âmbito do Parlamento e junto à sociedade. - Articular e integrar as iniciativas e atividades da Bancada com as ações das entidades da sociedade civil, voltadas para o interesse das mulheres, através da realização de eventos, como: seminários, debates, audiências públicas, entre outras; - Servir de ponte entre o Parlamento e os movimentos da sociedade civil na luta em defesa da igualdade de gênero. II – Da Estrutura Art. 3° - A Bancada será composta pelas Deputadas Federais de todos os partidos representados na Câmara dos Deputados. II- A – Da Coordenação Colegiada Art. 4° - A Bancada Feminina será coordenada por um colegiado de Deputadas, composto por uma representante de cada partido com representação feminina na Casa, sendo garantido aos partidos com mais de 5 (cinco) Deputadas a indicação de uma parlamentar suplente. §1° A Bancada Feminina elegerá uma Coordenadora-Geral dentre as integrantes da Coordenação Colegiada. §2º O mandato da Coordenação Colegiada será de 1 (um) ano, cabendo às Lideranças dos partidos as novas indicações. §3º Se qualquer integrante da Coordenação Colegiada renunciar ou deixar de comparecer a no máximo, duas reuniões consecutivas sem justificativa (a presença de um assessor ou assessora não suprirá a ausência da parlamentar), a Coordenação solicitará sua substituição à respectiva bancada.

305

II- B – Da Executiva da Coordenação Art. 5º A Coordenação Colegiada escolherá uma Executiva composta por 3 (três) Deputadas dentre suas integrantes. II-C – Dos Grupos de Trabalho Temáticos Art. 6º A Bancada Feminina será estruturada em grupos de trabalho temáticos compostos por Deputadas.

III- Das Competências Art. 7° - A convocação da Bancada Feminina será feita pela Coordenadora-Geral ou por decisão de 1/3 da Coordenação Colegiada. Compete à Coordenação Colegiada: a) Convocar as reuniões da Bancada Feminina; b) Elaborar o Plano Anual de Trabalho a ser aprovado pela maioria da Bancada Feminina; c) Organizar e coordenar o programa de atividades da Bancada; d) Constituir e organizar os grupos de trabalho temáticos; e) Examinar estudos, pareceres, teses e trabalhos que sirvam de subsídios para suas atividades; f) Propor alteração deste Regimento, quando necessário; g) Resolver os casos omissos neste Regimento.

Art. 8° - A Bancada Feminina reunir-se-á, ordinariamente, a cada 15 (quinze) dias e, extraordinariamente, sempre que necessário. § único – A Coordenação Colegiada reunir-se-á previamente às reuniões da Bancada Feminina e, sempre que necessário ao cumprimento de suas funções.

306

IV- Das Disposições Gerais e Transitórias Art. 9° - Após a aprovação deste Regimento, proceder-se-á à eleição dos membros da Coordenação Colegiada nos termos do Art. 4º § 2º. Art. 10° - Com vistas ao alcance de suas finalidades, a Bancada poderá criar, manter e participar de entidades e instituições com finalidades iguais ou similares às suas. Art. 11° - Este Regimento entrará em vigor na data de sua aprovação.

Brasília, de junho de 2007.

307

Anexo 4 – Listas de presença da Secretaria da Mulher 2013/2014 e relação de materiais recolhidos durante o trabalho de campo.

ATIVIDADES DA SECRETARIA DA MULHER EM 2013

DATA 16/07/2013

NATUREZA DO EXTENSÃO DOCUMENTO (nº de páginas) Ata de Reunião 03

07/08/2013

Ata de Reunião

04

03/09/2013 03/09/2013

Pauta Ata de Reunião (01)

01 03

02/10/2013

Pauta

01

08/10/2013

Pauta

01

08/10/2013

Ata de Reunião 08 (Relatório) (02) Pauta 01

05/11/2013 05/11/2013 06/11/2013

Sem Ata de Reunião (03) Pauta

01

13/11/2013

Sem Ata de Reunião (04)

26/11/2013

Pauta

01

26/11/2013

Ata de Reunião (05) Pauta

04

03/12/2013

02

308

OBSERVAÇÕES Reunião da Bancada Feminina 3ª Reunião da Bancada Feminina Audiência Pública Campanha de Filiação de Mulheres Reunião Mensal da Bancada Feminina Reunião Mensal da Bancada Feminina Relatório + Anexo 1 + Anexo 2 Reunião Mensal da Bancada Feminina Reunião Mensal da Bancada Feminina Reunião com Membros do Governo do Quênia e Uganda Reunião com a Rede de Mulheres de Cabo Verde Reunião sobre Orçamento Reunião Mensal da Bancada Feminina Reunião Mensal da

03/12/2013

Ata de Reunião (06)

11/12/2013

Relatório Principais Atividades Realizadas

05

das 07

Bancada Feminina Relatório Reunião Mensal da Bancada Feminina Mês a mês de Agosto a Dezembro de 2013

OBSERVAÇÕES: Material disponibilizado durante a visita efetuada na Câmara Federal em 17/09/2014 (01) - 11 Deputadas presentes em um Colegiado de 46 Deputadas. Presentes: Erika Kokay (PT-DF), Elcione Barbado (PMDB-PA), Iris de Araújo (PMDB- GO), Jô Moraes (PCdoBMG), Sandra Rosato (PSB-RN), Fátima Morais (PDT-GO), Antonia Lucia (PSC-AC), Nilmar Ruiz (PEN-TO), Rosinha da Adefal (PTdoB-AL), Rosane Ferreira (PV-PR) e Carmen Zanotto (PPS-SC). (02) - 06 Deputadas presentes em um Colegiado de 46 Deputadas. Presentes: Eocione Barbalho (PMDB-PA), Fátima Pelaes (PMDB-AP), Jô Moraes (PCdoB-MG), Nilmar Ruiz (PEN-TO), Magda Moffato (PR-GO) e Gorete Pereira (PR-CE). (03) - 13 Deputadas presentes em um Colegiado de 46 Deputadas. Presentes: Benedita da Silva (PT-RJ), Erika Kokay (PT-DF), Iara Bernardi (PT-SP), Marina Santanna (PT-GO), Iris de Araújo (PMDB-GO, Nilda Gondim (PMDB-PB), Alice Portugal (PCdoB-BA), Keiko Ota (PSB-SP), Flávia Morais (PDT-GO), Gorete Pereira (PR-CE), Rosinha da Adefal (PTdoB-AL), Rosane Ferreira (PV-PR) e Lucina de Sá (PRÓS-RJ). (04) - 05 Deputadas presentes em um Colegiado de 46 Deputadas. Presentes: Erika Kokay (PT-DF), Nilda Gondim (PMDB-PB), Jô Moraes (PCdoB-MG), Gorete Pereira (PR-CE) e Rosinha da Adefal (PTdo B-AL). (05) - 03 Deputadas presentes em um Colegiado de 46 Deputadas. Presentes: Erika Kokay (PT-DF), Keiko Ota (PSB-SP) e Rosane Ferreira (PV-PR). (06) - 06 Deputadas presentes em um Colegiado de 46 Deputadas. Presentes:Elcione Barbalho (PMDB-PA), Nilda Gondim (PMDB-PB), Jô Moraes (PCdoB-MG), Sandra Rosado (PSB-RN), Magda Mofatto (PR-GO) e Rosinha da Adefal (PTdoB-AL). - FREQÜÊNCIA MÉDIA: 44 Deputas presentes em 06 reuniões = 7,34 Deputadas/Reunião. Que corresponde a 15,96% a freqüência média do Colegiado de 46 Deputadas.

309

ATIVIDADES DA SECRETARIA DA MULHER EM 2014

DATA 06/02/2014 11/02/2014 11/02/2014 12/03/2014

NATUREZA DO EXTENSÃO DOCUMENTO (nº de páginas) Ata de Reunião 03 Calendário Atividades Ata de Reunião (01) Ata de Reunião (03)

04 03

Sem Ata de Reunião (02)

01/04/2014

Sem Ata de Reunião (04) Sem Ata de Reunião (05) Ata de Reunião 04 (06) Sem Ata de Reunião (07) Relatório de 02 Atividades 2013 / 2014

06/05/2014 20/05/2014 Sem / Data

Reunião com Deputada Jô Moraes

de 05

12/03/2014

29/04/2014

OBSERVAÇÕES

Reunião Mensal da Bancada Feminina Pró-Memória Reunião com Ministro da Saúde 2ª Edição do Concurso de Curta Documentário sobre a Lei Maria da Penha

Reunião Mensal da Bancada Feminina Página 03 – como foi criada a Secretaria da Mulher

OBSERVAÇÕES: Material disponibilizado durante a visita efetuada na Câmara Federal em 17/09/2014. (01) - 18 Deputadas presentes em um Colegiado de 46 Deputadas. Presentes: Benedita da Silva (PR-RJ), Erika Kokay (PT-DF), Iara Bernardi (PT-SP), Janete Rocha Pietá (PT-SP), Luci Choinacki (PT-SC), Margarida Salomão (PT-MG), Nilda Gondim (PMDB-PB), Jô Moraes (PCdoB-MG), Luciana Santos (PCdoB-PE), Keiko Ota (PSB-SP), Luiza Erundina (PSB-SP), Sandra Rosato (PSB-RN), Flávia Morais (PDT-GO), Magda Mofatto (PR-GO),

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Professora Dorinha (DEM-TO), Rosinha da Adefal (PTdoB-AL), Rosane Ferreira (PV-PR) e Carmen Zanotto (PPS-SC). (02) - 09 Deputadas presentes em um Colegiado de 46 Deputadas. Presentes: Benedita da Silva (PT-RJ), Erika Kokay (PT-DF), Iara Bernardi (PT-SP), Elcione Barbalho (PMDBPA), Jô Moraes (PCdoB-MG), Flávia Morais (PDT-GO), Professora Dorinha (PEN-TO), Rosinha da Adefal (PTdoB-AL) e Rosane Ferreira (PV-PR). (03) - 13 Deputadas presentes em um Colegiado de 46 Deputadas. Presentes: Keiko Ota (PT-DF), Gorete Pereira (PR-CE), Manuela D‟Ávila (PCdoB-RS), Janete Rocha Pietá (PTSP), Perpétua Almeida (PCdoB-AC), Erika Kokay (PT-DF), Professora Dorinha (DEMTO), Dalva Figueiredo (PT-AP), Rosinha da Adefal (PTdoB-AL), Iara Bernardi (PT-SP), Carmem Zanotto (PPSD-SC), Flávia Morais (PDT-GO) e Elcione Barbalho (PMDB-PA). (04) - 06 Deputadas presentes em um Colegiado de 46 Deputadas. Presentes: Erika Kokay (PT-DF), Jô Moraes (PCdoB-MG), Flávia Morais (PDT-GO), Magda Mofatto (PR-GO), Rosane Ferreira (PV-PR) e Carmen Zanotto (PPS-SC). (05) - 06 Deputadas presentes em um Colegiado de 46 Deputadas. Presentes: Iara Bernardi (PT-SP), Maria do Rosário (PT-RS), Elcione Barbalho (PMDB-PA), Jô Moraes (PCdoBMG), Janete Capiberibe (PSB-AP) e Rosane Ferreira (PV-PR). (06) - 06 Deputadas presentes em um Colegiado de 46 Deputadas. Presentes: Janete Rocha Pietá (PT-SP), Nilda Gondim (PMDB-PB), Jô Moraes (PCdoB-MG), Kaiko Ota (PSB-SP), Cida Borghetti (PRÓS-PR) e Rosana Ferreira (PV-PR). (07) - 03 Deputadas presentes em um Colegiado de 46 Deputadas. Presentes: Maria Lúcia Prandi (PT-SP), Jô Moraes (PCdoB-MG) e Keiko Ota (PSB-SP). - FREQÜÊNCIA MÉDIA: 61 Deputas presentes em 07 reuniões = 8,71 Deputadas/Reunião. Que corresponde a 18,93% a freqüência média do Colegiado de 46 Deputadas.

MATERIAIS DA SECRETARIA DA MULHER PARA DIVULGAÇÃO FOLDERS 1. BRASÍLIA, 2012 – “Como criar uma Procuradoria Especial da Mulher em Estados e Municípios”; 2. BRASILIA, SEM /DATA – “Procuradoria Especial da Mulher”; 3. BRASÍLIA, 2013 – “Violência Doméstica – Fragmentos de uma Caminha – por Jô Moraes;

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4. BRASÍLIA, 2013 – “+ Mulher na Política – Mulher Tome Partido”; 5. BRASÍLIA, 2014 – “Paridade Já – Mulheres na Luta pela Reforma do Sistema Político” JORNAL 1. O Jornal da Câmara de 07 de Outubro de 2014; COMPACT DISC 1. BRASÍLIA, 2014 – Relatório Final – Comissão Parlamentar Mista de Inquérito da Violência contra a Mulher no Brasil e Legislação da Mulher; 2. PLANO NACIONAL DE POLÍTICAS PARA AS MULHERES – SPM – POLÍTICAS PELOS DIREITOS DAS MULHERES. OBSERVAÇÃO: - Material disponibilizado durante a visita efetuada na Câmara Federal em 17/09/2014.

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Anexo 5

Emenda Aglutinativa

Aglutina-se o caput do art. 514 do PL 8046, de 2010 (destacado), com o caput do art. 542 da emenda aglutinativa substitutiva global nº. 6, passando o texto a vigorar da seguinte forma:

“Art. 542. No cumprimento de sentença que condena ao pagamento de prestação alimentícia ou de decisão interlocutória que fixa alimentos, o juiz, a requerimento do exequente, mandará intimar o executado pessoalmente para, em três dias, pagar o débito, provar que o fez ou justificar a impossibilidade de efetuá-lo. Caso o executado, nesse prazo, não efetue o pagamento, prove que o efetuou ou apresente justificativa da impossibilidade de efetuá-lo, o juiz mandará protestar o pronunciamento judicial, aplicando-se, no que couber, o disposto no art. 531. .........................................................................................”

Justificativa

A emenda apresentada visa a retomar parte da redação do texto original do projeto principal, que reproduz o que consta atualmente no Código de Processo Civil, para aperfeiçoar a execução de alimentos. Sala das sessões, em 03 de dezembro de 2013.

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Anexo 6

Carta lida por Lenira de Carvalho na Comissão de Ordem Social, na subcomissão de Direitos dos Trabalhadores e Servidores Público, da Assembleia Nacional Constituinte (ANC), em reunião realizada em 05/05/1987, e entregue ao presidente da ANC, Ulysses Guimarães (PMDB/SP).

“Elaborado pelas representantes das trabalhadoras domésticas de 23 Associações, de 9 Estados do Brasil, reunidas em Nova Iguaçu – Rio de Janeiro. Nova Iguaçu, 18 e 19 de Abril de 1987. Exmos Srs. Drs. Deputados Federais e Senadores Constituintes: Nós, Trabalhadoras Empregadas Domésticas, somos a categoria mais numerosa de mulheres que trabalham neste país, cerca de 1/4 (um quarto) da mão-de-obra feminina, segundo os dados do V Congresso Nacional de Empregadas Domésticas de Janeiro de 1985. Fala-se muito que os trabalhadores empregados domésticos não produzem lucro, como se fosse algo que se expressasse, apenas e tão-somente, em forma monetária. Nós, produzimos saúde, limpeza, boa alimentação e segurança para milhões de pessoas. Nós, que sem ter acesso a instrução e cultura, em muitos e muitos casos, garantimos a educação dos filhos dos patrões. Queremos ser reconhecidos como categoria profissional de trabalhadores empregados domésticos e termos direito de sindicalização, com autonomia sindical. Reivindicamos o salário mínimo nacional real, jornada de 40 (quarenta) horas semanais, descanso semanal remunerado, 13º salário, estabilidade após 10 (dez) anos no emprego ou FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço), e demais direitos trabalhistas consolidados. Extensão, de forma plena, aos trabalhadores empregados domésticos, dos direitos previdenciários consolidados. Proibição da exploração do trabalho do menor como pretexto da criação e educação. Que o menor seja respeitado em sua integridade física,

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moral e mental. "Entendemos que toda pessoa que exerce trabalho remunerado e vive desse trabalho é trabalhador , e, conseqüentemente, está submetido as leis trabalhistas e previdenciárias consolidadas." Como cidadãs e cidadãos que somos, uma vez que exercemos o direito da cidadania, através do voto direto, queremos nossos direitos assegurados na nova Constituição”.

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Anexo 7 - Assinaturas das representantes das Associações de Trabalhadoras Domésticas na carta entregue à Assembleia Nacional Constituinte.

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Anexo 8 “Mensagem da Dilma” – 15/10/2010

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