Leis antirruído no transporte público e o desejo de esconder o funk debaixo dos fones de ouvido

June 6, 2017 | Autor: Giancarlo Vay | Categoria: Funk, Direito Penal, Baile Funk, Funk Carioca, Punitivismo
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Terça-feira, 6 de maio de 2014

Leis antirruído no transporte público e o desejo de esconder o funk debaixo dos fones de ouvido Por Giancarlo Silkunas Vay Chegou-me recentemente a notícia de que foi promulgada no Estado do Rio de Janeiro uma lei estadual que proíbe que se ouça música sem fones de ouvido no transporte público (http://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/efe/2014/04/15/estado-do-rio-proibe-ouvirmusica-sem-fones-no-transporte-publico.htm), muito embora, de fato, parece que a notícia quis fazer referência à recente lei aprovada no Município do Rio de Janeiro, de nº 5.728, de 10 de abril de 2014... Afora a miudeza do conteúdo lei, o que provavelmente é um sinal de que o Estado/Município do Rio de Janeiro conseguiu resolver a grande maioria das questões que mais afligem a sua população, duas coisas me trouxeram maior preocupação diante de tal fato: a crença em leis proibicionistas como panaceias para os males universais e a aversão à cultura do outro. Focando no primeiro ponto, o post que o perfil da UOL publicou em seu perfil no facebook, com o link da notícia acima mencionada, apresentava uma imagem onde se lia, em letras garrafais, "AGORA É LEI", alimentando um sentimento de que agora, em virtude da novidade legislativa, a prática de ouvir música sem fone de ouvido finalmente fosse abolida. No Município de São Paulo, prática semelhante foi adotada, tendo sido publicada em 24/12/2013 a lei municipal 15.937/2013 que proíbe "para fins de preservação do conforto acústico dos usuários e combate à poluição sonora, o uso de aparelhos musicais ou sonoros, salvo mediante o uso de fone de ouvido". Ocorre que, em que pese o advento de tal legislação, muitos foram os comentários dos internautas no perfil da UOL referente à lei carioca no seguinte sentido: "TEM Q TER EM SP!!!", "que chega logo em SP, pelo amor de Deus", "Ok agora aqui em São Paulo por favor", "Funkeiros não curtiram isso huehuehue essa lei tem que chegar aqui em são paulo tambem huehuehue", "São Paulo podia adotar também. Ninguém é obrigado a ouvir a música do outro seja o gênero que

for principalmente se for funk", "Graças a deus tomara q chegue logo em sp p essa porcaria de funk". De tais comentários podemos extrair algumas conclusões: 1- apesar da lei do Município de São Paulo, os paulistanos continuam sofrendo com o som alto da música alheia no transporte público; 2- os paulistanos desconhecem a existência da lei paulistana; 3- o maior problema, para o paulistano, é antes o funk do que a música alta (esse ponto debateremos mais adiante). Mais interessante ainda fica a análise dessas informações quando verificamos que, de fato, a referida lei municipal paulistana tão apenas é uma reformulação da antiga lei municipal 6.681/65 que proibia "no interior dos veículos de transporte coletivo, inclusive auto-lotações, o uso de aparelhos sonoros ou musicais, salvo mediante auditivo pessoal para os aparelhos de rádio", a qual já era, supostamente, de conhecimento geral em razão dos avisos afixados no interior dos ônibus, sendo que aquela lei nova revogou essa mais antiga, mas, em sua essência, nada substancial trouxe de novidade. Atualmente presenciamos uma expansão legislativa proibicionista de viés simbólico. Por legislação simbólica entende-se a legislação que pretende antes fazer prevalecer determinados valores sociais - que refletem os valores da própria classe de onde pertencem os legisladores - do que a eficácia normativa da lei. Exemplificando, Marcelo Neves nos apresenta que à época da lei seca nos Estados Unidos "os defensores da proibição de consumo de bebidas alcoólicas não estavam interessados na sua eficácia instrumental, mas sobretudo em adquirir maior respeito social, constituindo-se a respectiva legislação como símbolo de status. Nos conflitos entre protestantes/nativos defensores da lei proibitiva e católicos imigrantes contrários à proibição, a 'vitória legislativa' teria funcionado simbolicamente a um só tempo como 'ato de deferência para os vitoriosos e de degradação para os perdedores', sendo irrelevante os seus efeitos instrumentais". A legislação simbólica "destinada primariamente à confirmação de valores sociais tem sido tratada basicamente como meio de diferenciar grupos e os respectivos valores ou interesses. Constituiria um caso de política simbólica por 'gestos de diferenciação', os quais, 'apontam para a glorificação ou degradação de um grupo em oposição a outros dentro da sociedade' ". Sua maior serventia ao Estado é a possibilidade de ofertar uma "resposta pronta e rápida" à população, muito embora, como já apontado, o foco na promulgação de leis desse jaez não seja a busca da efetividade da norma, mas sim a afirmação de algum valor social. Com tal ato, o Estado mostra à população que se solidariza com o pleito dos insatisfeitos, que está tomando medidas para reverter a situação e que, com a criação de uma lei proibicionista, condena a conduta daquele que atenta contra o valor social em questão, mesmo que, no mundo real, saiba-se que tal legislação em nada alterará a situação fática.

Trata-se do que se convencionou chamar de "legislação-álibi" onde se cria "a imagem de um Estado que responde normativamente aos problemas reais da sociedade, embora as respectivas relações sociais não sejam realmente normatizadas de maneira consequente conforme o respectivo texto legal. [...] constitui uma forma de manipulação ou de ilusão que imuniza o sistema político contra outras alternativas, desempenhando uma função 'ideológica'", ou seja, mascarando a realidade, desviando atenção em relação a políticas públicas que pudessem atacar efetivamente as causas que determinaram o surgimento da situação problema. Desse artifício recorrentemente se valem os políticos candidatos a cargos eletivos, em vistas a demonstrar à população que o politico X, diante do problema Y (normalmente um crime isolado, mas que tenha tido grande repercussão na mídia), teria se prontificado para "dar uma resposta à sociedade", mesmo não tendo ocorrido qualquer alteração substancial - observação essa cautelosamente omitida. Exemplificando, com a lei 11.340/06 (Lei Maria da Penha) pretendeu-se diminuir os índices de violência contra a mulher, a partir do recrudescimento do processo de apuração de crime praticado pelo agressor. Embora a lei tenha repercutido fortemente nos meios de comunicação, pesquisa realizada pelo IPEA (http://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimasnoticias/2013/09/25/lei-maria-da-penha-nao-diminuiu-violencia-contra-mulher-nobrasil-diz-ipea.htm) na segunda metade de 2013 apontou que os índices de violência contra mulher que chegam ao conhecimento do controle social formal são muito próximos dos que se verificavam em 2006, antes da entrada em vigor da referida lei. Decerto vários são os fatores que devem ser analisados para que não caiamos em um reducionismo (um decréscimo real na violência doméstica poderia ser compensado na pesquisa em razão do maior número de denúncias motivadas pelas campanhas e pelos novos órgãos do Estado criados especificamente para o combate/prevenção à violência doméstica, o que ajudaria a diminuir o amplo campo das cifras negras), mas a pesquisa, ainda assim, é um dado relevante a se considerar. Da mesma forma, a entrada em vigor da lei de crimes hediondos, lei 8.072/90, que pretendeu "combater a criminalidade" além de não conseguir cumprir sua promessa, aumentou a estigmatização dos que vieram a ser condenados sob sua égide, acentuando o abismo para a concretização da proposta ressocializadora na perspectiva de reinserir o egresso do sistema carcerário na sociedade. Explicando o interesse da população nesse tipo de leis, o criminólogo Jock Young apontou que o que costuma chamar a atenção das pessoas é o atípico, "aquilo que surpreende, que está em contraste com a presumida 'normalidade' cotidiana", seja por uma perspectiva negativa, como onda de crimes, seja por uma perspectiva positiva, como uma "cura milagrosa" da criminalidade. "Pânicos e panacéias morais andam lado a lado, e constituem o estoque diário das coberturas noticiosas" que despejam à exaustão os (incomuns) expedientes policiais mais grotescos (porque o dia-a-dia do tráfico miserável,

roubo, furto e porte de droga para consumo próprio parece não interessar) e, logo após, apresentam algo acalentador para o público: "A solução é simples, por que eles não tentam aplicar aqui?", ao que se reduz toda a complexidade social à unidimensionalidade das soluções rápidas próprias dessa nossa modernidade fast-food. Essa redução é acalentadora: o homem pós-moderno finalmente consegue limitar o ilimitável, a classificar o inclassificável, mesmo que, no mundo real, as coisas não funcionem tão facilmente como no mundo das ideias. Não é a toa que pululem na grande mídia espaços para criminalidade de sangue, bem como que esse seja tema recorrente nas pautas políticas: sempre haverá quem se interesse e apoie tais "soluções milagrosas". Ocorre que com tal visão superficial da sociedade, o crime passa a ser visto como passível de ser tratado topicamente, como se fosse uma mancha que poderia ser removida do restante do corpo saudável, e não como uma doença crônica da sociedade como um todo, algo desenvolvido pela própria estrutura social. Esse tipo de pensamento inverteria a causalidade: "a criminalidade causa problemas para a sociedade, em vez de a sociedade causa o problema da criminalidade". Ainda, a edição dessa espécie de leis teria para o Estado, segundo Marcelo Neves, o intuito "adiar a solução de conflitos sociais através de compromissos dilatórios. Nesse caso, as divergências entre grupos políticos não são resolvidas por meio do ato legislativo, que, porém, será aprovado consensualmente pelas partes envolvidas, exatamente porque está presente a perspectiva da ineficácia da respectiva lei. O acordo não se funda então no conteúdo do diploma normativo, mas sim na transferência da solução do conflito para um futuro indeterminado". Assim, por exemplo, a Constituição de Weimar que, se a primeira vista possa parecer um grande avanço em razão da relevante positivação de diversos direitos sociais - a qual é até hoje lembrada como marco dos "direitos humanos de 2a dimensão" -, também é verdade que ela significou um retrocesso real diante dos ideais buscados na revolução alemã de 1919. Não se resolve o problema de fundo, mas, com um paliativo, passa-se a questão para um segundo momento, apenas prolongando o conflito, embora com todas as vantagens, para o Estado, anteriormente apontadas. As legislações dos fones de ouvido estão sendo apresentadas como mais um exemplo dessa onda de proibicionismo simbólico: a população clama que determinado comportamento seja reprimido; apresenta-se uma resposta rápida que sequer foi amplamente debatida com a sociedade civil organizada, o que daria maior legitimidade à medida ou, se fosse o caso, discutido o porquê tal legislação seria deletéria (a solução mais barata de que o Estado dispõe é antes a promulgação de uma lei do que a efetivação de qualquer política pública); "resolve-se" a questão no nível normativo, mas as causas reais que motivaram determinada pessoa a realizar essa conduta socialmente reprovada persistirão. Não é atoa que muitos paulistanos continuam a clamar pela legislação

repressiva sem saber que ouvir música sem fone de ouvido já era proibido na cidade desde 1965 (!). Nesse ponto vale a pena discutir a reprovação do "ouvir música sem fone de ouvido" no transporte público. Ao que parece, a fúria dos usuários do transporte público se concentra antes no "ouvir funk sem fone de ouvido" do que "ouvir música sem fone de ouvido" em um sentido amplo. E não se diga que tal fato se dá em razão de que mais gente pratica tal conduta com esse determinado gênero musical, pois não raras vezes tomei transporte público com pessoas assistindo televisão no celular (novela ou futebol), conversando em seus rádios Nextel ou ouvindo rádio (sertanejo, axé e músicas religiosas) também em alto som, todas elas sem o fone de ouvido conectado, isso quando não é o próprio motorista quem está com o rádio ligado. Pelo contrário, pude presenciar uma vez em que um sujeito ouvia Iron Maiden em seu celular e um outro passageiro o interrompeu congratulando pelo bom gosto musical (!). Em outra ocasião, ainda, pude presenciar um artista de rua tocando guitarra e outros fazendo repente dentro do ônibus e, ao invés de serem alvo de críticas em razão do barulho, receberam alguns trocados de felizes passageiros. Aliás, não é a primeira vez que o gênero funk se apresenta como alvo da fúria popular, objeto de reprimenda de alguma lei da ocasião. Em janeiro de 2014 o Prefeito de São Paulo Fernando Haddad - para continuar com essa cidade - vetou projeto de lei de iniciativa dos vereadores Capitão Conte Lopes (PTB) e Coronel Camilo (PSD) que tinha por objetivo proibir “a utilização de vias públicas, praças, parques, jardins e demais logradouros públicos para realização de bailes funks ou de quaisquer eventos musicais não autorizados”. A própria vetusta lei de contravenções penais, em seu artigo 42, já apresentaria represália mais do que suficiente para eventual abuso de direito, o que deixa claro que o projeto de lei pretendia não a tutela da "incolumidade pública", bem esse já tutelado pela referida lei, mas propriamente a criminalização dessa específica expressão cultural que é o funk. No caso em concreto, o Prefeito ainda mencionou a existência do decreto municipal nº 49.969/08 que já regularia a realização de eventos musicais públicos e temporários, mediante licença prévia, bem como a lei municipal nº 15.777/13, que proíbe a emissão de ruídos sonoros de aparelhos de som instalados em veículos automotores estacionados. O funk é a expressão cultural do outro, do desconhecido pelos gestores da moral, que chega ao conhecimento de muitos tão apenas como vinculado à prática de crimes que supostamente assolariam a "sociedade de bem", normalmente o tráfico. O isolamento que nossa sociedade de classes provoca: asfalto/favela, condomínios fechados/rua,... fomenta o surgimento do medo em relação ao diferente e, consequentemente, aversão a tudo que seja relacionado ao outrem. É esse distanciamento que faz um grupo a encarar a cultura

de outro como algo prejudicial, de segunda classe, uma não-cultura. Não é atoa que o sociólogo Zygmunt Bauman aponta que "embora as pessoas tenham que escolher entre diferentes grupos de referência de identidade, sua escolha implica a forte crença de que quem escolhe não tem opção a não ser o grupo específico a que 'pertence'. [...] O mundo comunitário está completo porque todo o resto é irrelevante; mais exatamente, hostil - um ermo repleto de emboscadas e conspirações e fervilhante de inimigos que brandem o caos como sua arma principal. A harmonia interior do mundo comunitário brilha e cintila contra a escura e impenetrável selva que começa do outro lado da estrada. É lá, para esse ermo, que as pessoas que se juntam no calor da identidade partilhada jogam (ou esperam banir) os medos que as levaram a procurar o abrigo comunitário. Nas palavras de Jock Young, 'o desejo de demonizar os outros se baseia nas incertezas ontológicas' dos de dentro. Uma 'comunidade includente' seria uma contradição em termos. A fraternidade comunitária seria incompleta, talvez impensável, ainda que invejável, sem essa inclinação fraticida inata". Essa noção de nós e eles nos faz criar diferenciações entre o conhecido e o desconhecido: o nosso é criança, o deles é menor; o nosso é vítima das drogas, o deles é zumbi viciado; o nosso é garoto levado, o deles é marginal bandidinho; o nosso é religião, o deles superstição; o nosso é arte, o deles artesanato; o nosso é cultura, o deles é o lixo. O funk - assim como antes era o samba, o rap e o hip-hop - é hoje a principal ferramenta de retratação do cotidiano da população mais excluída, seja o proibido (que apresenta o conflito com a polícia ou com as facções rivais), o ostentação (o desejo daquele que, bombardeado pelo mercado de consumo, vê na marca do "certo" aquilo que lhe conferirá identidade dentro de uma sociedade que pré-julga pelo poder de consumo de cada indivíduo - vale conferir: https://www.youtube.com/watch?v=CxRMiuvpWeA), ou o do sexo (que não perde em nada, no que tange ao rompimento com os padrões dos "bons costumes", para alguns sertanejos, pagodes e axés nacionais, bem como muitos rocks e raps internacionais - a música Candy Shop do 50 cent é um excelente exemplo de música bem aclamada pelos mesmos que dizem um "absurdo" as letras da Valesca ou do Catra). MC Leonardo, em aula apresentada em sua comunidade (disponível em:https://www.youtube.com/watch?v=DdMVyjB8yWQ), assim expôs em determinado momento: "Se o MC da favela tivesse formação, ele ia fazer as canções como o Chico fazia, porque o Chico tinha informação, tinha ideal e tinha estudo. Então ele cantava coisas que a gente pode colocar para os dias de hoje. E aí chegar para a UPP e falar: 'hoje você é quem manda, falou tá falado, não tem discussão. A minha gente hoje anda falando de lado, olhando pro chão [...] Apesar de UPP amanhã há de ser...' seria assim, se fosse o Chico fazendo, só que o moleque da favela não vai ter esse tipo de... o papo é reto no funk! O funk até na hora de falar de amor ele fala assim: 'e acabou o dinheiro, acabou o amor!', o papo é reto! [...] O cara tá narrando história que ele ouve, que ele vê, que ele

fica sabendo no seu cotidiano. Aí o Wagner Monte vem na frente da televisão, todo dia, constantemente, fazer todos os tipos de opinião sobre os direitos humanos, sobre o desrespeito aos direitos humanos [...] daí o moleque da favela também tem uma opinião e também tem um veículo, só que o veículo do moleque é o funk e o do Wagner Monte é a Record... tem uma diferença muito grande". O morador do asfalto tende a encarar o que vem da favela como inferior, merecedor de uma legislação mais rigorosa a fim de sufocar as vozes de denúncia e também os lampejos de orgulho que de lá provenham, desde que não estejam em conformidade com a sua noção de normalidade. Tende a não ter empatia pelo morador da favela, pois o vê como o estereótipo de quem poderá lhe roubar seu iPhone 3,14 ou seu tênis 20 molas, em razão do bombardeio midiático que relaciona crime com pobreza - sendo que grande parte dos crimes (ou ao menos os mais significativos para a sociedade como um todo) ocorrem todos os dias atrás de suntuosas mesas e por elegantes engravatados. Por outro lado, para quem mora na periferia (onde receber o rótulo de "bandido" muitas vezes é algo absolutamente circunstancial) a violência é presença constante, sendo incompreensível, por sua vez, que alguém situado nesse contexto não expresse sua realidade por meio de sua arte que é o funk onde, como disse MC Leonardo, o papo é reto! E isso tanto para o funk que critica a realidade social, ao que ouvir a música em som alto perto dos outros pode expressar um desejo de que a sociedade tome consciência dessa realidade que lhe oprime, quanto para o funk ostentação ou do sexo em que a pessoa também deseja mostrar ao outro, por vezes em uma tentativa de superar um complexo de inferioridade que os gestores da moral lhe impuseram, de que sua cultura também lhe pode ser um motivo de orgulho. Não se prega aqui que as pessoas comecem a impor suas ideias goela abaixo aos demais, mas a questão da falta de respeito no transporte público, nesse caso, parece ir muito além do aborrecimento causado pelo som alto do aparelho de alguém, mas sim o aborrecimento específico em sermos compelidos a ouvir o som de uma cultura que não nos atrai, que tentamos esconder e rotular de "porcaria" (como mencionado no comentário do internauta logo no início), pois o morador da periferia não deveria poder sentir orgulho de ser o que é, não poderia ter um linguajar e uma moda própria, não poderia contar que policial também comete crime, nem que ele deseje/tenha um kit mizuno ou uma lupa juliet (pois se eu não tenho e ele sim, na certa é porque roubou). Diante de (no mínimo) tais dúvidas, percebe-se que as leis antirruído no transporte público possuem outras motivações do que simplesmente a aparente insatisfação contra o som alto, tratando-se de uma verdadeira caça ao funk, ato esse que vem sendo realizado em diversos projetos de lei diferentes, como pudemos analisar aqui ainda que sumariamente. Dessa forma, ao inverso do imediatismo das leis proibicionistas simbólicas, parece adequado que se qualifique o debate em torno da presente situação,

em uma perspectiva plural e inclusiva onde se conceba a pluralidade de diferenças sem que se imponham padrões de normalidade e de hierarquização de culturas, restando ao Estado o papel de redutor da violência social e não de fomentador, como sói de acontecer com a destinação para o ambiente policial - estigmatizante - daquilo que poderia ser resolvido em outros âmbitos.

http://justificando.com/2014/05/06/leis-antirruido-transporte-publico-e-o-desejo-deesconder-o-funk-debaixo-dos-fones-de-ouvido/

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