Leitura crítica do Filme \'Chuva de Pedras\'

May 27, 2017 | Autor: Frei Miguel Grilo | Categoria: Analise De Filmes
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Um olhar sobre o filme "Chuva de Pedras"



No original: Raining Stones.
Sobre o filme 'Chuva de Pedras' ver: Ros Cranston, Screenonline. www.screenonline.org.uk/film/id/556997/index.html ; http://en.wikipedia.org/wiki/Raining_Stones.
Sobre Ken Loach ver: http://en.wikipedia.org/wiki/Ken_Loach
Sobre Jim Allen ver: Andy Willis, Screenonline. www.screenonline.org.uk/people/id/531525/ ; Kenith Trodd, Independent. www.independent.co.uk/arts-entertainment/obituaries-jim-allen-1104568.html ; Barbara Slaughter, WSWS. www.wsws.org/en/articles/1999/08/obit-a11.html ; http://en.wikipedia.org/wiki/Jim_Allen_%28playwright%29.
Fez um discurso a 22 de Junho de 2013 em Westminster, protestando contra a excessiva austeridade e o aumento do desemprego no país.
Nossa tradução do filme em 01h19m.
Nossa tradução do filme em 01h21m.
Somente no final, deparando-se com a triste realidade de Bob, saberá ir ao encontro das suas mais profundas necessidades.
Nossa tradução do filme em 00h56m.
Nossa tradução do filme em 00h50m.
Cf. Ros Cranston, Screenonline. http://www.screenonline.org.uk/film/id/556997/index.html.
Nossa tradução do filme em 01h07m.
Nossa tradução do filme em 01h07m.
Segundo a lei, por ser o responsável pela morte de Tansey, ainda que tenha sido um acidente, deverá ser preso.
Nossa tradução do filme em 01h21m.
Nossa tradução do filme em 01h21m.
Cf. Ros Cranston, Screenonline. http://www.screenonline.org.uk/film/id/556997/index.html.

Um olhar sobre o filme "Chuva de Pedras"


Um olhar sobre o filme:
"Chuva de Pedras"


Disciplina: Teologia Pastoral Fundamental

Docente
Prof. Dr. Pe. Arlindo Cunha



Aluno
Miguel Pinto Grilo
Nº 311507012





Porto, 09 de Dezembro de 2013

Introdução
Este trabalho foi por nós elaborado no âmbito da disciplina de Teologia Pastoral Fundamental, leccionada pelo Prof. Dr. Pe. Arlindo Cunha, servindo o mesmo para avaliação final. Como tal, consiste na análise crítica, sob o prisma da Teologia Pastoral, do filme "Chuva de Pedras", realizado por Ken Loach em 1993.
Este trabalho foi, em primeira instância, apresentado oralmente à turma por outro colega. Como tal, para a elaboração deste trabalho, servir-me-ei, tanto quanto possível, das críticas levantadas pelo professor aquando dessa explanação.
Para a sua elaboração tomámos também a iniciativa de procurar conhecer a opinião crítica de alguns especialistas em Cinema (e não só), a fim de enriquecermos este trabalho, principalmente no que diz respeito à leitura mais generalista do filme.
Este trabalho apresentar-se-á dividido em três partes distintas, ainda que interligadas. Primeiramente iremos fazer uma brevíssima apresentação do argumentista e do realizador do filme, bem como qual a relação entre estes e o filme. Numa segunda parte, iremos apresentar uma crítica geral ao filme, sempre na perspectiva da disciplina de Teologia Pastoral Fundamental, socorrendo-nos, para tal, da opinião de diversas fontes. Por fim, iremos fazer, dentro das nossas capacidades, uma análise do filme, onde procuraremos debruçar-nos mais atentamente sobre os momentos, a nosso ver, mais marcantes do filme, extraindo daí as conclusões que consideramos fulcrais para a índole da disciplina em questão.













Breve apresentação do filme "Chuva de Pedras", seu argumentista e realizador
O filme "Chuva de Pedras" foi filmado em 1993 em Middleton, Inglaterra, e venceu, nesse mesmo ano, a Palma de Ouro no Festival de Cannes.
Tem como realizador cinematográfico Kenneth 'Ken' Loach. Este nasceu em Nuneaton, Warwickshire, a 17 de Junho de 1936. Iniciou a sua carreira como director assistente no teatro em Northampton e nos anos 60 tornou-se director televisivo. Nos anos 80 e 90 os seus filmes foram tendo cada vez menos sucesso, principalmente devido à fraca divulgação e distribuição, em parte, consequência da censura política de que alguns dos seus filmes foram alvo.
Loach é conhecido, não só pela forma natural como aborda os seus filmes, mas principalmente pelo realismo e atitudes socialistas de que esses filmes estão imbuídos, bastante evidentes pela forma como aborda os conflitos sociais.
Contudo, não basta falarmos de Ken Loach, mas é também necessário fazermos referência a James 'Jim' Allen, que foi quem escreveu o guião de "Chuva de Pedras".
Também este era profundamente socialista. Nasceu a 7 de Outubro de 1926 em Manchester e, descendente de Irlandeses, era Católico 'praticante'. Conheceu desde cedo as dificuldades do mundo operário, já que aos 13 anos foi trabalhar para uma loja de chapas de metal e depois para o mercado de peixe. Após ter servido a tropa Britânica durante a guerra, trabalhou em diversos oficios, desde construtor civil, bombeiro e até mesmo mineiro.
Terá sido enquanto mineiro que se começou a dedicar à escrita, tendo em 1958 publicado O mineiro. Desde então, começou a dedicar-se exclusivamente à escrita e, conhecendo Loach, começaram a trabalhar juntos em diversos projectos, tendo sido Chuva de Pedras o seu penúltimo trabalho, pois, após lhe ter sido diagnosticado cancro, veio a falecer a 24 de Junho de 1999.
Na verdade, tanto Loach como Allen, eram acérrimos defensores do socialismo. Allen aderiu e defendeu acerrimamente a Liga do Trabalho Socialista (ou também conhecido por Partido Revolucionário dos Trabalhadores) enquanto Loach, membro do Partido Trabalhador desde a década de 60, fez dos seus filmes uma arma de luta, de modo especial contra o desemprego e as injustiças sociais, participando também em inúmeras campanhas, algumas delas bastante recentes, a fim de defender a classe operária.

Crítica geral ao filme
O filme "Chuva de Pedras" é muito mais do que um simples filme de lazer. É, na verdade, uma verdadeira obra-prima, e deve, portanto, no mundo da sétima arte, ser reconhecido com tal. Inúmeros são os argumentos que nos levam a tal afirmação.
Não só somos brindados com uma produção extraordinária, repleta de pequenos detalhes que dão um toque de mestria, mas, mais importante ainda, é um filme que nos faz ir mais longe. Ou seja, faz-nos sair de nós mesmos e pensar. Na verdade, um filme que não nos faça pensar não pode ser um bom filme.
Analisando alguns aspectos mais genéricos, não poucas vezes, somos brindados com um humor bastante subtil, que nos permite saborear e admirar a parte lúdica da vida, pois ela acontece no dia-a-dia de cada pessoa. Para tal, é necessário que estejamos atentos ao universo que nos rodeia – e é este exercício que o realizador pretende que façamos.
Também o aspecto musical não é deixado ao acaso. Com frequência vai surgindo uma música de fundo que nos predispõe e nos alerta para algo que está para mudar. Na verdade, existe um paralelismo muito forte nesse sentido, pelo que, através do tipo de música, podemos descobrir facilmente o que está a suceder. Aliás, se apenas escutássemos a música de fundo do filme, saberíamos sempre de que forma estaria a oscilar a vida das personagens – a melhorar ou a piorar.
Quanto ao seu conteúdo, será importante referir que ao longo de todo o filme nos vamos deparando com uma pobreza esmagadora que nos vai consumindo lentamente. Esta pobreza não é comparável àquela que costumamos ver na televisão, quando relata a actualidade do que vai acontecendo em certos países africanos ou asiáticos. Não! Esta pobreza é de cariz social, onde a indiferença e o oportunismo reinantes levam uma pessoa a agir de forma cada vez mais desesperada em busca de uma solução.
Como tal, a classe trabalhadora é posta em evidência, com os seus problemas e dilemas, principalmente no que diz respeito ao desemprego e aos 'biscates' de índole duvidosa, ou até mesmo ilegal. Até onde está o homem disposto a ir para resolver os seus problemas? Esta é uma questão que nos irá acompanhar e surpreender ao longo de todo o filme.
Ainda que o filme "Chuva de Pedras" não seja baseado numa história real, podia muito bem sê-lo, já que retrata nitidamente o paradigma de muitos homens que procuram sobreviver num mundo demasiadas vezes cruel e insensível ao que o rodeia.
Consciente da existência desta realidade em Inglaterra, o realizador procura trazer para a sétima arte o drama que é a vida atribulada de muita gente, não com uma mera intenção lúdica ou espectacular, mas no intuito de provocar o espectador a questionar e a pôr em causa a mentalidade alienada, indiferente e fria da sociedade actual.
Embora não se faça nele qualquer referência explícita à política, o filme "Chuva de Pedras" está totalmente imbuído duma crítica geral à vida política. De facto, ao longo de todo o filme vai sendo construída uma forte crítica à desigualdade e disparidade entre classes. Deparamo-nos com uma luta inglória e constante pela sobrevivência, sobretudo dos socialmente indefesos e explorados, onde os meios utilizados nem sempre são os melhores para alcançar os fins.
Neste caso, ainda que inconscientemente, Bob acaba por colocar tudo o que ama em perigo – até mesmo a família –, arriscando perder tudo, sem medir as graves consequências que tais opções podem vir a ter. É então que baterá no fundo…
O realizador, ao longo de todo o filme, irá desafiar o espectador a conhecer mais de perto a realidade de alguém que apenas procura viver a sua vida e resolver os seus problemas do dia-a-dia, mesmo que para tal nem sempre tome as melhores decisões. Contudo, a situação apresentada neste filme não é um caso isolado, mas crítico e lamentável. Como tal, deve levar à reflexão e à capacidade de acolher, escutar, perdoar, amar e ajudar o outro, não segundo a nossa posição, mas sim através da situação em que ele se encontra, incarnando a sua realidade.
Somente analisando este filme segundo o ponto de vista de quem vive este drama podemos compreendê-lo verdadeiramente. Como tal, torna-se imperativo que tenhamos presente este desabafo: "Levanto-me todas as manhãs e vou à procura de trabalho, onde quer que seja… Eu sou um bom católico, padre! Vou à igreja, acredito em Deus, rezo… mas isso não põe comida na mesa."
Depois de meditarmos seriamente sobre este desabafo, então sim, seremos capazes de compreender o verdadeiro drama do filme e de descobrir onde se encontra a verdadeira resposta: "Pessoas como tu, que anseiam por justiça em nome de Cristo, que foi ele mesmo o Pão da Vida, merecem-na".
Por fim, não podemos deixar de referir que as personagens que surgem no filme não se representam a si mesmas, mas toda uma sociedade que deve estar mais atenta aos seus membros. Temos então:
Bob, o pai de família, que assume o papel do pobre em crise, nos mais diversos sentidos, vítima das injustiças sociais e económicas;
Anne, a esposa, que incarna o papel da consciência e da razão;
Coleen, a filha, que em momento algum se apercebe da realidade que a rodeia;
Tommy, o amigo, que já baixou os braços e perdeu toda a esperança;
Tansey, o cobrador, que explora os mais fracos e lhes devora toda a dignidade;
Jimmy, o sogro, que tem uma visão pessimista da sociedade, mas (que) tem ainda uma réstia de esperança por um mundo melhor;
Barry, o padre, que desempenha o papel da Igreja, à primeira vista incapaz de compreender e de dar resposta ao mundo de Bob.
É de notar, contudo que, embora durante todo o filme não haja uma aparição significativa da classe alta, esta acaba por ser duramente criticada, mesmo que não tenha sido proferida uma única palavra em concreto a seu respeito. Todo o filme se transforma num grito ensurdecedor contra o capitalismo selvagem em detrimento da justiça e da dignidade humana.


Análise minuciosa do filme
O filme começa com o roubo de uma ovelha, com um pouco de humor à mistura, levando-nos a criticar e a condenar, quase de imediato, Bob e Tommy. Contudo, ao longo do decorrer do filme iremos sentir um certo remorso por tal juízo, visto que gradualmente iremos conhecer a realidade em que as personagens se situam. De facto, ainda antes de chegarmos a meio do filme apercebemo-nos de que já aprendemos uma grande lição: não fazer juízos precipitados. E, no final do filme, também nós concordaremos com o Bob quando ele afirma ser uma boa pessoa. E é-o, na verdade!
Mas voltando ao início do filme, este dá a impressão de começar já a meio. Mas é mesmo esta a intenção do realizador. De facto, na altura, não temos conhecimento de quem são afinal estas personagens, nem tampouco da sua condição passada – se alguma vez as coisas estiveram bem, ou não –, já que a única realidade que conhecemos de Bob é a de desempregado aflito. Só mais tarde, num desabafo de Anne, sua esposa, compreenderemos a triste realidade por que passa não só esta família, mas tantas outras que vivem a mesma realidade: "É curioso como nós começamos motivados, cheios de grandes ideias, e apercebemo-nos de que as coisas não vão mudar…".
E se tudo vai mal desde o início, pior ficará quando lhe roubam a carrinha. A partir daí começará a ficar mais agressivo e impaciente, com os nervos 'à flor da pele'. Bob procurará emprego em todo o lado, explorando todas as possibilidades, mesmo as mais arriscadas, mas em vão. Contudo, ele não é o único nesta situação. Tal como ele está o seu amigo Tommy e tantos outros habitantes daquela região (e não só).
Fazendo aqui uma pequena pausa, gostaríamos de sublinhar que é deveras marcante a cena em que Tommy se vê 'obrigado' a aceitar dinheiro da filha, devido às suas dificuldades financeiras. Após a sua filha sair de cena, Tommy chora amargurado e nós sentimo-nos assolados por uma tristeza profunda, compartilhando solidariamente o triste sentimento de vergonha e de inutilidade que sente no seu coração. É triste um pai ter que passar por esta situação!
Entretanto, Bob sente que está a cair sobre ele, e exclusivamente sobre ele, uma ininterrupta chuva de pedras, pois, como ele mesmo refere, tudo de mal lhe acontece a ele, sucedendo-se desgraça atrás de desgraça na sua vida. Mas, mesmo assim, é extraordinária a força de vontade de Bob, pois este não desiste. Antes, procura encontrar novas saídas, a fim de dar a volta à situação. De entre inúmeras iniciativas está a compra de uma carrinha para poder trabalhar.
Surge, neste instante, uma das críticas mais evidentes, quando Jimmy, sogro de Bob, em conversa com este, comenta a situação periclitante da juventude e, consequentemente, do futuro que os espera:
"Eles não têm trabalho, nem esperança… apenas desespero. Tudo o que têm é crime, álcool, drogas… As famílias simplesmente desfazem-se. Somos como um monte de bêbados à luta uns com os outros, em vez de nos unirmos e partilharmos o poder entre nós, de modo a fazermos a diferença. Eis tudo o que é necessário. O resto é propaganda."
Este comentário será, muito provavelmente, um nítido transparecer da ideologia do realizador. Contudo, Jimmy tem uma visão exageradamente negativa do mundo. Ainda que num diálogo prévio considere a religião uma mera distracção, sente que somente permanecendo unidos poderão mudar alguma coisa. Será através do diálogo do padre Barry com Bob, como iremos analisar mais tarde, que ficaremos elucidados quanto à profundidade destas palavras.
Quanto a Coleen, pouco ou nada percebe do que está a suceder em seu redor. De facto, quando vão comprar o vestido, ela fica radiante e quer o vestido completo, como é normal numa criança. Não se apercebe das consequências inerentes a esse desejo.
Já Anne terá um papel fulcral ao longo de todo o filme. Ela será a voz da razão que tentará aconselhar Bob e ajudá-lo a não desanimar. Mas todos os seus esforços serão inúteis, já que Bob não lhe presta qualquer atenção. Por ser o pai de família sente a obrigação de tomar todas as decisões sozinho, a seu jeito. Todos os problemas têm de ser resolvidos por ele e, como tal, não pergunta nada a ninguém nem envolve ninguém nos seus problemas, pois todos são da sua responsabilidade.
É fulcral olharmos de perto a discussão entre Anne e Bob quando os problemas se agudizam e Bob arrasta a sua família para a desgraça:
Anne – "É tudo culpa tua! […] Não tens o direito! Não tens mesmo!"
Bob – "Estou apenas a tentar safar-nos, a fazer o que posso! Desculpa! […] Irei resolver a situação à minha maneira."
Na verdade, Bob sente que carrega sozinho uma responsabilidade e uma culpa, cada vez mais crescentes. Somente no final do filme encontrará remédio para este fardo tão pesado.
Sem ter consciência das suas acções, Bob irá pôr tudo o que ama em jogo, arriscará até a segurança da própria família sem medir as consequências. Aliás, descendo ao mais baixo possível, irá perder tudo, até mesmo a sua liberdade.
Num acto irracional de desespero, por ver ameaçada a sua família, vai ao encontro de Tansey no intuito de resolver a situação. Nesse confronto é possível ver a inocência de Bob e o desespero que o deixa fora de si, pois, quando enfrenta directamente o Tansey, a sua intenção não é matá-lo, mas dar-lhe uma lição, obrigá-lo a entregar-lhe o caderno com o seu nome a fim de 'libertar' a família. Tanto é assim que, quando percebe que Tansey morreu, fica tão aflito que até vomita, pois não era essa a sua intenção.
Já no início do filme havíamos verificado que Bob nem sequer foi capaz de matar uma ovelha, quanto mais uma pessoa. Na verdade, ele tem um coração profundamente humano, sensível.
Depois da morte de Tansey, num acto de desespero e ao mesmo tempo de lucidez, irá 'render-se' e pedir ajuda ao padre Barry. Existe aqui, pela primeira vez, uma abertura ao outro, um reconhecimento de que agiu mal. Pela primeira vez está verdadeiramente disposto a ouvir. Nem a esposa, nem o melhor amigo, nem o cunhado Jimmy, nem tampouco o padre, tiveram anteriormente qualquer espaço de manobra para o ajudar, pois Bob sempre se isolara. Abre-se agora, finalmente!
Todo este caminho tem como objectivo chegar a uma meta final, meta essa sobre a qual gira todo o filme: a Comunhão. Mas a comunhão no mais profundo sentido da palavra. Ou seja, não só a comunhão com Deus e com a Igreja, mas também a comunhão com a família e com o outro.
Esta tem início, como já vimos, com a abertura do Bob, que se dispõe a escutar. O padre acolhe-o e procura ajudá-lo, tal como havia tentado da primeira vez. Contudo, somente agora o padre se aperceberá da gravidade da situação. Podemos supor que talvez Bob tivesse escutado o padre se este desde o início tivesse compreendido a gravidade da situação e o tivesse socorrido de outra maneira. Mas Bob sofria de um problema bem mais grave, e o padre Barry não se apercebera, pois não escutara o dilema do Bob sob o seu ponto de vista. Como tal, desconhecendo o seu dilema, não foi capaz de o ajudar na altura. O padre Barry encontrava-se demasiado distante, como o demonstra a leitura feita por Coleen na preparação para a primeira comunhão.
Neste segundo encontro a abordagem é diferente. O padre acolhe-o e escuta o que ele tem para dizer. Compreendendo o problema, não critica Bob nem o condena, mas, compadecendo-se dele, procura ajudá-lo. São significativos os acontecimentos que se seguem:
Bob vai ao encontro do Padre Barry chorando amargamente, lágrimas essas que nos permitem estabelecer um certo paralelismo com as lágrimas choradas por Pedro após ter negado Jesus (Cf. Mt26,75);
O tom de voz com que o padre Barry o acolhe, semelhante à voz de um Pai misericordioso, explicita e manifesta uma profunda compaixão por Bob;
O padre bebe um copo de vinho com Bob, procurando acalmá-lo e deixá-lo um pouco mais à vontade;
No mesmo instante Bob acende um cigarro, manifestando sentir-se acolhido;
O padre Barry defende Bob, em detrimento do que aparentemente pareceria ser a coisa mais justa a fazer, pondo o acento na importância do valor da sua vida e da sua família, sinal de que sabe reconhecer a justiça e a verdade;
Queima a lista que contém o nome dos devedores, simbolizando a libertação de todos aqueles que até então viviam sob o jugo daquela dívida 'maldita', como se o seu passado e os seus problemas ardessem com aquele livro;
Este gesto é acompanhado pela afirmação do padre Barry: "Tu não és má pessoa Bob, pessoas como tu, que anseiam por justiça em nome de Cristo, que foi ele mesmo o Pão da Vida, merecem-na";
Ao mesmo tempo surge também uma música de fundo que nos leva a perceber que algo mudou a partir daquele momento, há um virar de página na vida de Bob;
Por fim, o padre ouve Bob de confissão, significando sacramentalmente que os seus pecados e as suas faltas foram perdoados e que agora irá recomeçar uma vida nova.
Neste instante, quando tudo parece estar a desmoronar-se, eis que surge uma luz, uma nova oportunidade para um novo recomeço, e este encontro com o padre Barry demonstra-o bastante bem. Será a partir deste momento que Bob compreenderá o verdadeiro significado da Comunhão, principalmente depois desta afirmação do padre Barry: "Pessoas como tu, que anseiam por justiça em nome de Cristo, que foi ele mesmo o Pão da Vida, merecem-na".
Como verificámos, a acção do padre Barry acaba por contrariar o pensamento de Jimmy, quanto ao papel da religião, demonstrando que esta pode apoiar as comunidades e assim ajudá-las a melhorar as suas vidas. De facto, ambas acabam por procurar basicamente o mesmo: a União/Comunhão.
Na verdade, neste filme o que está em evidência não é a comunhão de Coleen, mas a 'encarnação de Cristo' na vida de Bob, ou seja, a Comunhão de Bob e, consequentemente, de toda uma sociedade. Isto é posto em evidência quando, na missa, a única cena da comunhão verdadeiramente captada, e ainda para mais em close, é a de Bob, e aí termina o filme.
Tanto ele como Coleen haviam iniciado o filme no mesmo patamar, pois não compreendiam verdadeiramente o que é a Primeira Comunhão. Para ambos era algo importante que tinha de ser feito, com direito a vestido, fotografias e festa. Contudo, a situação em que Bob se encontra é mais crítica, pois encontra-se isolado num fundamentalismo religioso, enraizado na tradição: 'Tem de ser assim, caso contrário não se poderá entrar no Céu'.
No fundo, nunca é explicado correctamente o que é a comunhão, mas chegando ao final do filme, todos concordam unanimemente que Bob 'comungou' verdadeiramente e compreendeu de facto o que é essa comunhão. Como tal, não é verdadeiramente fundamental o saber de memória as fórmulas e definições, bem como o significado da comunhão e afins…, mas o mais importante mesmo encontra-se idealizado no acolher do Padre Barry, que representa a Igreja que deve descer à 'terra' e compreender os problemas que enfrentam os seus filhos, de modo a que os acolha com os seus defeitos e os defenda na justiça e na verdade. E assim, conhecendo a Misericórdia e a Justiça de Deus, poderão sentir-se os homens acolhidos e em comunhão com Cristo no mesmo Amor. Aquela comunhão de Bob é talvez a primeira em que ele comunga verdadeiramente.

Conclusão
Este foi um daqueles filmes que não nos pôde deixar indiferentes, pois, além de nos ter inquietado, por intermédio das suas interpelações, marcou-nos profundamente. É, certamente, daqueles filmes que nos obrigam a revê-lo uma e outra vez, pois queremos aprender com ele, com os seus problemas e com as suas soluções. Mais do que um filme de resistência, ele relata-nos a sobrevivência de quem apenas quer ter uma vida igual à dos outros e viver em paz consigo mesmo.
Como tal, fomos interpelados a olhar para o mundo e para o ser humano, tal como ele é, sem 'romantismos' ou 'floreados', como muitos dos filmes actuais os parecem fazer crer, suavizando e simplificando a realidade das coisas. Muitos aspectos se foram salientando neste filme. Não só alguns mais óbvios como a pobreza, o fundamentalismo religioso, o desfasamento de ideologias, ou a incompreensão social, mas mais profundamente a própria dignidade humana, a amizade, a comunhão fraterna.
É surpreendente a atitude do sacerdote nos momentos finais. Quando esperamos uma repreensão por estar a agir mal ou por ter sido tão idiota nas suas acções, o padre mostra-se extremamente complacente e 'acolhe-o nos seus braços' procurando ajudá-lo a resolver a situação da melhor maneira. O Padre tem uma atitude realista e humanista, pois 'desce' à realidade daquele homem e procura salvá-lo em vez de julgá-lo.
A partir daqui, sentimo-nos também nós interpelados a agir do mesmo modo. Como? A partir de baixo, da vida e das dificuldades de cada ser humano, reconhecendo as suas necessidades e dificuldades.
Mesmo assim, é interessante verificar que nos últimos minutos do filme, não deixa de pairar sobre o espectador, e também sobre Bob, o receio de tudo vir a descoberto e de Bob ser preso. Como teste à confiança de Bob, e também à nossa, na Justiça e na Misericórdia de Deus, surge o confronto com a entrada da polícia em cena (digamos que é a única vez que ela surge no filme) que, na verdade, vem apenas confirmar o início de uma nova vida mais sorridente.
Note-se que Bob vacilou, mas não cedeu… E nós? Que nos passou pelo pensamento na altura? Vale a pena reflectir sobre isso …






Fontes

BIBLIA SAGRADA. Lisboa/Fátima: Difusora Bíblica, 2008.
http://en.wikipedia.org/wiki/Jim_Allen_%28playwright%29 (25/11/2013)
http://en.wikipedia.org/wiki/Ken_Loach (25/11/2013)
http://en.wikipedia.org/wiki/Raining_Stones (25/11/2013)
http://www.independent.co.uk/arts-entertainment/obituaries-jim-allen-1104568.html (25/11/2013)
http://www.screenonline.org.uk/film/id/556997/index.html (25/11/2013)
http://www.screenonline.org.uk/film/id/556997/index.html (25/11/2013)
http://www.screenonline.org.uk/people/id/531525/ (25/11/2013)
http://www.theguardian.com/film/2011/aug/28/ken-loach-class-riots-interview?INTCMP=SRCH (25/11/2013)
http://www.wsws.org/en/articles/1999/08/alle-a11.html (25/11/2013)
http://www.wsws.org/en/articles/1999/08/obit-a11.html (25/11/2013)



Índice


Introdução
Breve apresentação do Filme "Chuva de Pedras", seu argumentista e realizador
Crítica geral ao filme
Análise minuciosa do Filme
Conclusão
Fontes













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