Leitura de Tablaturas de Vihuela ao Violão

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE CENTRO DE EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS HUMANAS DEPARTAMENTO DE MÚSICA

ALEXANDRE SANTOS DE AZEVEDO

LEITURA DE TABLATURAS DE VIHUELA AO VIOLÃO

São Cristóvão 2015

ALEXANDRE SANTOS DE AZEVEDO

LEITURA DE TABLATURAS DE VIHUELA AO VIOLÃO

Monografia apresentada ao Departamento de Música da Universidade Federal de Sergipe como requisito parcial para a obtenção do grau de Licenciado em Música.

Orientador: Prof. Msc. Alessandro Pereira da Silva

São Cristóvão 2015

ALEXANDRE SANTOS DE AZEVEDO

LEITURA DE TABLATURAS DE VIHUELA AO VIOLÃO

Monografia apresentada como requisito para a obtenção do grau de Licenciado em Música do Departamento de Música da Universidade Federal de Sergipe.

Aprovada em 24 de Fevereiro de 2015

Banca Examinadora

Alessandro Pereira da Silva – Orientador_______________________________ Mestre em Música pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho Professor do Departamento de Música da Universidade Federal de Sergipe

Fabiano Carlos Zanin______________________________________________ Mestre em Música pela Universidade de São Paulo Professor do Departamento de Música da Universidade Federal de Sergipe

Mackely Ribeiro Borges____________________________________________ Doutora em Música pela Universidade Federal da Bahia Professora do Departamento de Música da Universidade Federal de Sergipe

À minha família, aos meus amigos e aos meus professores.

AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus pela presença constante em minha vida e pelos ensinamentos providos através do Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo. Agradeço à Virgem Maria e a todos Santos pela intercessão e pelo exemplo. Agradeço de modo muito especial aos meus pais, Ernani e Maria, às minhas irmãs, Juliana e Ruth, e aos meus sobrinhos, Ricardo e Gustavo, pelo simples fato de existirem e de fazerem parte da minha vida. Amo muito todos vocês! Agradeço a todos os professores que acreditaram em meu potencial. Destaco os professores do CMS, a Profa. Risaelma Arcanjo e o Prof. Yuri Barreto. Agradeço aos professores do Departamento de Música desta Universidade, em especial à Profa. Dra. Mackely Ribeiro Borges, ao Prof. Dr. Christian Alessandro Lisboa, à Profa. Dra. Rejane Harder, ao Prof. Msc. James Bertisch, ao Prof. Dr. Marcus Ferrer, ao Prof. Msc. Antônio Chagas, e ao meu orientador, o Prof. Msc. Alessandro Pereira da Silva. Agradeço aos meus amigos e aos colegas do curso de Licenciatura em Música pela companhia nesta jornada: Lucas, Diego, Ivson, Adriano, Kadja, Washington, Magno (Panda), Enéias, Thiago (Sassá), Eric, Cris Suellen, Ítalo Wagner, Marcos Nascimento, Juliana, Marcus Vinícius, Edvalci, Pierre Levi, entre tantos outros que, mesmo não tendo o nome aqui mencionado, são de grande importância para mim. Agradeço também aos amigos do Grupo de Choro Os Tabaréus, pelo companheirismo e por estarem me proporcionado um grande amadurecimento musical. Agradeço ao Prof. Dr. Fábio Queiróz, um grande amigo que me apresentou a este repertório e à História do Violão. E, por último, mas não menos especial, meu muito obrigado a Emmanuel Vasconcellos Serra, que foi quem instigou em mim a curiosidade sobre a música antiga e o interesse pela pesquisa e pelo conhecimento em música, seja nas aulas que tivemos no CMS, nas conversas informais, ou nas performances do Conjunto de Música Antiga Renantique.

O intérprete tem todo o direito de decidir por si mesmo se é melhor esquecer alguns desses pontos particulares, mas deve pelo menos estar consciente de que já existiram e de que, em certa época, foram considerados um traço essencial de uma interpretação agradável. De outro modo, arrisca-se a jogar fora o bom com o ruim, o bebê com a água de banheira.

Thurston Dart, 1990

SUMÁRIO

AGRADECIMENTOS ............................................................................................................. 4 RESUMO................................................................................................................................... 6 LISTA DE FIGURAS............................................................................................................... 7 1. INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 9 2. A VIHUELA E SUA TABLATURA ................................................................................. 17 2.1. A VIHUELA ............................................................................................................................... 17

2.1.1. Os vihuelistas.......................................................................................................... 22 2.1.2. Técnica geral da vihuela ....................................................................................... 28 2.2. A TABLATURA DE VIHUELA ................................................................................................ 30

3. LEITURA DE TABLATURAS DE VIHUELA AO VIOLÃO ....................................... 38 3.1. O VIOLÃO................................................................................................................................. 39

3.1.1. Breve histórico e características gerais do violão ............................................... 39 3.1.2. Aspectos da leitura e escrita musical para o violão ............................................ 45 3.1.3. Adaptações necessárias para proceder à leitura de tablaturas originais para vihuela............................................................................................................................... 48 3.2. PAVANA DEL PRIMERO Y SEGUNDO TONO, DE LUYS MILÁN ....................................... 52 3.3. QUATRO DIFERENCIAS SOBRE GUARDAME LAS VACAS, DE LUYS DE NARVÁEZ .... 56 3.4. FANTASÍA QUE CONTRAHAZE LA HARPA EN LA MANERA DE LUDUVICO, DE ALONSO MUDARRA ...................................................................................................................................... 61

4. CONCLUSÃO..................................................................................................................... 65 REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 71 ANEXOS ................................................................................................................................. 77

RESUMO

Este trabalho analisa as tablaturas originais para vihuela das peças Pavana del Primero y Segundo Tono, de Luys Milán, Quatro Diferencias Sobre Guardame Las Vacas, de Luys de Narváez e Fantasía Que Contrahaze La Harpa en La Manera de Luduvico, de Alonso Mudarra, com a finalidade de verificar a possibilidade de realizar sua leitura com o violão. Trata-se de um estudo de performance que visa encontrar nesses documentos uma aproximação com o trabalho original dos compositores de peças para vihuela. Constata a partir desta análise ser possível realizar a leitura desses documentos ao violão e ter neles uma possibilidade de execução deste repertório. Contudo, observa a necessidade de utilização de fontes auxiliares, como livros que tratem da história dos instrumentos de cordas dedilhadas e trabalhos de pesquisa voltados para o estudo da interpretação do repertório da vihuela, para uma melhor compreensão desse material e para a aquisição do aparato técnico e teórico requerido para melhor executá-lo. Entre suas principais contribuições estão a promoção da aproximação entre os estudantes de violão e esses documentos, e do debate sobre a necessidade do professor de instrumento estar, nos dias hoje, aberto a diferentes tipos de linguagem como a tablatura. PALAVRAS-CHAVE: Tablaturas; Vihuela; Violão; Performance Musical; Ensino de Instrumento.

LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Vihuela do acervo do Museu Jacquemart-André .................................................... 20 Figura 2: Vihuela do acervo da Igreja da Compañia de Jesus ................................................ 20 Figura 3: Exemplo de tablatura alemã: trecho de O haylige onbeflecte zart junkfrawschafft Marie, de Sebastian Virdung (1511) ........................................................................................ 33 Figura 4: Exemplo de tablatura francesa: trecho de uma Fantasia de Pierre Phalèse (1552) . 34 Figura 5: Exemplo de tablatura italiana: trecho de La bataglia francesa, de Francesco da Milano (1546) ........................................................................................................................... 34 Figura 6: Símbolos de representação de tempo adotados por Narváez, Mudarra e Valderrábano .................................................................................................................................................. 35 Figura 7: Valores rítmicos empregados nas tablaturas de vihuela .......................................... 36 Figura 8: Trecho da Fantasía del Primer Tono (El Maestro). ................................................ 36 Figura 9: Trecho dos Seys Libros (Narváez) ........................................................................... 37 Figura 10: Violão Torres 1859 ................................................................................................ 40 Figura 11: Planta do leque harmônico desenvolvido por Torres, modelo de 1864 ................. 41 Figura 12: Relação de equivalência rítmica entre as tablaturas de alaúde, vihuela e a notação padrão atual............................................................................................................................... 52 Figura 13: Trecho de El Maestro, de Luys Milán ................................................................... 52 Figura 14: Texto explicativo da Pavana del Primero y Segundo Tono, de Luys Milán ......... 53 Figura 15: Trecho inicial da Pavana del Primero y Segundo Tono, de Luys Milán............... 54 Figura 16: Grafia rítmica para os redobles na Pavana del Primero y Segundo Tono, de Luys Milán......................................................................................................................................... 54 Figura 17: Trecho dos Seys Libros, de Luys de Narváez ........................................................ 56 Figura 18: Trecho dos Seys Libros, de Luys de Narváez ........................................................ 57 Figura 19: Trecho inicial das Quatro diferencias sobre Guárdame las vacas, de Luys de Narváez ..................................................................................................................................... 57

Figura 20: Trecho dos Seys Libros, de Luys de Narváez ........................................................ 57 Figura 21: Trecho das Quatro diferencias sobre Guardame las vacas, de Luys de Narváez . 60 Figura 22: Trecho inicial da Primera diferencia ..................................................................... 60 Figura 23: Trecho inicial da Tercera diferencia ..................................................................... 61 Figura 24: Trecho inicial da Fantasía que contrahaze la harpa en la manera de Luduvico, de Alonso Mudarra ........................................................................................................................ 62 Figura 25: Trecho da Fantasía que contrahaze la harpa en la manera de Luduvico ............. 63 Figura 26: Trecho de transcrição realizada por Frederick Noad da Fantasía que Contrahaze la Harpa en la Manera de Luduvico, de Alonso Mudarra. .......................................................... 64

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1. INTRODUÇÃO

Nosso trabalho analisa as tablaturas originais das peças Pavana del Primero y Segundo Tono, de Luys Milán, Quatro Diferencias Sobre Guardame Las Vacas, de Luys de Narváez e Fantasía Que Contrahaze La Harpa en La Manera de Luduvico, de Alonso Mudarra, e verifica as possibilidades de efetuar sua leitura com o violão. Essas obras foram compostas no século XVI para vihuela, instrumento de cordas dedilhadas que viveu o auge de sua popularidade, e também seu declínio, no mesmo período, na Espanha. Procuramos identificar quais informações a notação original tem a nos oferecer sobre estas peças. Dessa forma, visamos ter nos documentos antigos uma aproximação com o trabalho original dos vihuelistas espanhóis da Renascença, pois, inseridas no repertório do violão, suas obras têm recebido variadas transcrições ao longo dos anos. Trata-se assim de um estudo de performance musical. De acordo com Sonia Albano de Lima (2001, p. 537), a pesquisa em performance visa conciliar a prática musical com sua respectiva reflexão, levando em conta os diversos campos de conhecimento a ela relacionados. Leva-se em conta não somente a execução musical em si, “mas também, os aspectos históricos e teóricos da performance musical, os processos de criação, técnicas e estilos de composição, relacionando-se com a musicologia, educação musical, sociologia, estética e tecnologia.” O violão é um instrumento de surgimento relativamente recente na história da música. Seu modelo, tal como conhecemos, foi desenvolvido no século XIX por Antônio Torres Jurado (1817-1892), luthier espanhol. Contudo, mesmo sendo jovem, o violão descende de uma longa tradição de instrumentos de cordas dedilhadas, como o alaúde, a vihuela e os diversos tipos de guitarras, herdando deles um vasto repertório que praticamente em sua totalidade foi notado em tablaturas. Segundo Souto (2010, p. 25), estas tablaturas proporcionaram a difusão desses instrumentos pela Europa até o final do século XVIII. Por volta dessa época, esse sistema caiu em desuso. Pela dificuldade de exigirem dos compositores grande conhecimento sobre os instrumentos para os quais estavam compondo, as tablaturas foram aos poucos substituídas pelas partituras. Esse processo inclusive provocou o desaparecimento gradual desses instrumentos, pois “na medida em que as tablaturas foram sendo depreciadas, a produção de repertório para instrumentos de cordas dedilhadas acompanhou tal declínio.”

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O repertório do violão, desde seu início, foi grafado em partitura. De modo que o aproveitamento do repertório dos instrumentos de cordas dedilhadas anteriores ao violão aconteceu, ao longo dos anos, através de transcrições de tablaturas originais para partitura, realizadas geralmente por violonistas e musicólogos. Esse fato em si já representa um problema, pois tablaturas e partituras são sistemas de notação musical que funcionam de forma distinta, e, ao se passar as obras musicais de um tipo de notação para outro, informações importantes para sua interpretação podem se perder. De modo sucinto, Gisela Nogueira (2008, p. 86) afirma que nesse processo ocorre perda dos elementos que não possuem codificação no sistema para o qual se pretende transcrever. Souto (2010, p. 8) afirma que, ao se realizar a transcrição, há também uma ressignificação da obra, pois “os aspectos do evento sonoro contemplados pelo sistema de códigos da notação transcrita passam a ser considerados como significativos na medida em que são apreendidos pelo conjunto de signos da transcrição.” Nos dias de hoje, temos grande variedade de transcrições disponíveis, tornando-se difícil saber qual delas adotar para executar uma peça específica, ou ao menos se a música que está sendo executada se aproxima da que foi originalmente composta. Somado a este problema, Souto (Op. cit., p. 3) afirma haver a consolidação de verdadeiros cânones de interpretação, proporcionados pelas gravações que são realizadas ao longo do tempo, que perpetuam um modo acrítico de encarar as obras musicais. As tradições de execução do repertório de transcrições para violão dos instrumentos antigos de cordas dedilhadas têm se consolidado com o decorrer do tempo por meio de gravações, que praticamente copiam umas às outras, e que não necessariamente refletem o conhecimento que hoje se tem disponível sobre os conteúdos relacionados ao repertório em questão. [...] Na medida em que os registros fonográficos ainda representam para os instrumentistas a principal fonte de informações a respeito da execução do repertório antigo ao violão, acabam por cristalizar modelos interpretativos que são perpetuados ao longo dos anos, normalmente respaldados pela subjetividade do executante ou pela execução “fiel” do texto musical, de forma acrítica, constituindo assim aquilo que reconhecemos como tradição [...].

Gontarski (2008, p. 195) afirma que, em se tratando de transcrição, “o passo mais importante é a escolha de uma fonte confiável, como manuscritos e edições para comparações e quem sabe até utilizar-se de mais de uma fonte.” Neste sentido, podemos entender que temos uma vantagem com relação ao repertório antigo para instrumentos de cordas dedilhadas. Houve a preservação de grande parte das obras originais que foram publicadas para instrumentos como o alaúde, as guitarras de quatro e cinco ordens e a própria vihuela. Estas obras são facilmente encontradas em sites de museus e bibliotecas, blogs e sites especializados. Geralmente, são

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disponibilizadas de forma gratuita. De acordo com Gontarski, o contato com essas fontes é de grande importância para o desenvolvimento de uma maior cumplicidade com o repertório. Tal contato com as fontes originais é de suma importância para o músico, pois proporciona contato com uma linguagem que ainda não sofreu alterações. Toda e qualquer mudança que façamos nesse tipo de repertório imprime nele um pouco de nossa bagagem musical e sentimentos aumentando assim nossa cumplicidade com o repertório. Mesmo que ao fazer nossa adaptação decidamos por mudanças de tom, de abertura de acordes ou qualquer outra alteração, o importante é que saibamos o porque de termos tomado tal decisão. (Op. cit., p. 201-202).

Fato interessante é que as tablaturas de vihuela, que são disponibilizadas para download gratuito no site da Biblioteca Nacional de España1, demonstram haver grandes similaridades entre este instrumento e o violão. Semelhanças como, por exemplo, o número de cordas (seis) e o sistema relativo de afinação, que difere apenas na terceira corda. Mesmo que se opte pelas transcrições, ter contato com os originais pode ser de extrema importância para o intérprete. Souto (2010, p. 7), afirma ser crescente o interesse pelas fontes originais entre os intérpretes da Música Antiga. Ocorre que, desde a segunda metade do século XX vem se intensificando o interesse dos intérpretes de Música Antiga pelo acesso à notação original como fonte de informações musicológicas que apoiem uma melhor compreensão do evento musical, reconhecendo na escrita musical uma importante fonte de dados para a elaboração de interpretações musicais.

Ao nos depararmos com estas tablaturas, estamos lidando com documentos que se encontram distantes no tempo e, em nosso caso, no espaço também. Todavia, nos dias de hoje ainda temos a ampla utilização deste sistema (tablatura). Esse fato pode auxiliar na compreensão dos documentos antigos. Nos dias atuais, a tablatura representa um dos mais populares sistemas de notação musical para instrumentos de cordas como a guitarra elétrica e o violão. Notabiliza-se por sua praticidade, ao representar onde os dedos devem ser posicionados no braço do instrumento e não as notas em si, adquirindo um caráter de guia de execução. Dentro dessa perspectiva, tem constituído uma importante ferramenta de ensino e aprendizagem musical, especialmente no que compete à execução instrumental. Reforça-se esse fato por sua presença em diversos meios, sejam eles virtuais, como sites de cifras e afins, tecnológicos, como programas e aplicativos

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Disponível em: < http://www.bne.es/es/Catalogos/>. Acesso em 15 dez. 2014.

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diversos para computadores, tablets e smartphones; e físicos, como livros e revistas especializadas. De modo que a geração atual apresenta grande familiaridade com este sistema. Sites como o Cifra Club, Cifras.com, entre outros, oferecem acervos diversificados de músicas com letras e cifras, visando auxiliar o internauta a aprender a tocar as músicas de sua preferência. Nos casos onde há uma melodia característica, um solo ou riff, que ficaram consagrados pelas gravações, o sistema escolhido para representar, e por conseguinte, transmitir essas informações é a tablatura. Nas vídeo-aulas fornecidas por esses sites a tablatura também é utilizada. As cordas são representadas por traços horizontais paralelos, estando ordenadas, de cima para baixo, da mais aguda para a mais grave. As respectivas notas de cada corda solta, de acordo com a afinação, são representadas por letras (E = Mi, B = Si etc.). São usados números para representar as casas do braço do instrumento (violão, guitarra, cavaquinho etc.) que devem ser pressionadas pelos dedos da mão esquerda para obtenção das notas. Através desse sistema, estes sites também disponibilizam música instrumental e algumas músicas que necessitam de formações e execuções peculiares de acordes. Contudo, o sistema empregado nestes sites geralmente não apresenta indicações rítmicas, ou seja, não é possível tê-lo como único meio para aprender a executar as músicas. São necessárias a escuta e a imitação das gravações. Há vários programas para computador, que trabalham com tablatura, disponíveis no mercado. Alguns dos mais conhecidos são: Guitar Pro, Power Tab, Tux Guitar, Sweet Guitar, Tabster, Midi Tab Player, Tab Edit, Violeiro (nacional) etc.2 Em geral, apresentam acervos de tablaturas, possibilitam a criação, edição e também leem as mesmas executando o áudio respectivo. Dentre os aplicativos que são disponibilizados para smartphones e tablets podemos citar: Guitar Tab Player, Guitar Tab App PRO, Guitar Tab, Tabs and Chords, Achording Guitar Tabs & Chords, Guitar chords and tabs, e Ultimate Guitar Tabs & Chords, entre outros.3 Esses disponibilizam acervo de tablaturas e, na maioria dos casos, também realizam a leitura das mesmas. Há uma versão do Guitar Pro para esta plataforma, que também disponibiliza a criação e a edição. De acordo com o site Guitar Battle, usuários destes programas e aplicativos acreditam haver vantagens e desvantagens em seu uso. Dentre as vantagens pode-se citar a possibilidade de se aprender uma música em um curto espaço de tempo, o auxílio na compreensão e no possível domínio futuro da partitura, a possibilidade de registrar ideias e até mesmo compor diretamente nos mesmos. Algumas desvantagens são o

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Fonte: . Acesso em 08 jan. 2015. Fonte: . Acesso em 08 jan. 2015.

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menor estímulo à memorização e a possibilidade de perda de habilidades musicais como “tocar de ouvido”.4 Uma das principais revistas presentes no mercado, que trata do universo dos instrumentos de cordas – mais especificamente a guitarra elétrica, tendo em segundo plano o violão – é a Guitar Player. Nessa revista todos os exemplos musicais são apresentados em tablatura e partitura, dispostos paralelamente. Este sistema apresenta um conjunto maior de informações, em comparação com o adotado pelos sites e pela maioria dos softwares mencionados. Além do ritmo, há informações sobre a execução específica de algumas técnicas e a representação das notas. É possível executar as músicas com um grau menor de dependência das gravações. De acordo com Teixeira (2008, p. 19), a revista apresenta uma alternativa para se trabalhar com ensino de instrumento aliando diferentes tipos de notação: “A revista Guitar Player é um exemplo de como diversas linguagens podem e devem ser utilizadas na comunicação entre professor e aluno.” O autor afirma que há a necessidade de o professor de instrumento estar, nos dias atuais, a par das diferentes formas sob as quais os alunos recebem e conhecem músicas. “As fontes para conhecer uma música atualmente já não são mais as mesmas de dez anos atrás.” (Op. cit., p. 21). É curioso o fato evidenciado de que um sistema antigo como a tablatura é colocado, pelo autor, entre as “novas linguagens” para as quais o professor de instrumento deve estar disponível, relacionando-o com gêneros musicais que são comuns entre os jovens, como o rock, por exemplo. Essa correspondência é corrente nos dias de hoje. É comum também a ampla utilização de tablaturas em livros diversos, de caráter didático, para guitarra elétrica, violão popular e inclusive, recentemente, violão erudito. Temos um importante exemplo desse fato no livro Violão para Leigos (do original Classical Guitar for Dummies), de autoria de Mark Philips e Jon Chappell (2012), que visa fornecer a iniciantes no instrumento todas as informações que os autores consideram necessárias. No livro, todos os exemplos musicais estão grafados com partituras e tablaturas em paralelo, aquelas acima destas (como na Guitar Player). De acordo com os autores, a tablatura agiliza o processo de localização das notas presentes na partitura, no braço do violão. Instruindo um possível leitor iniciante, os mesmos afirmam que a tablatura “funciona muito bem em conjunção com a pauta musical padrão.” (Op. cit., p. 60).

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Fonte: . Acesso em 08 jan. 2015.

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Justificando, para o leitor, sua opção por utilizar tablatura, dado o fato de que a mesma não é comum entre violonistas eruditos, os autores afirmam: Pautas de tablatura não são tradicionais para violonistas (e podem fazer com que alguns puristas do violão desaprovem). Isto posto, não achamos que ter a pauta de tablatura adicional acompanhando a pauta musical faça algum mal; achamos que fornecer tantos meios quanto for possível para fazer você tocar violão é uma coisa boa. Então, encorajamos você a ler música porque achamos que é o melhor sistema que existe, mas também incluímos a tablatura porque é mais um modo de mostrar a mesma coisa (na maior parte) e porque algumas pessoas têm mais facilidade com a tablatura. (Op. cit.).

Ao comparar as tablaturas à pauta musical padrão, Philips e Chappell admitem e indicam as limitações daquele sistema: a utilização apenas no instrumento específico, a não priorização da leitura de música, e a não indicação do ritmo. Não obstante, fica evidente que mesmo dentro de um meio musical mais tradicional – pelo menos dentro do universo das cordas dedilhadas – como o violão erudito, as tablaturas já estão sendo utilizadas, mesmo que de modo incipiente, como auxiliar na transmissão de informações musicais principalmente para instrumentistas iniciantes. Recentemente, o violonista norte americano Scott Tennant publicou uma versão com tablaturas de Pumping Nylon, tratado de técnica violonística de sua autoria. Fatores como esses podem indicar uma nova tendência na produção editorial para violão erudito. As tablaturas originais para vihuela apresentam algumas semelhanças com as tablaturas atuais como, por exemplo, a utilização de números para representar as casas do braço do instrumento que devem ser pressionadas para se obter as notas. Em alguns casos, a ordem em que as cordas estão dispostas será a mesma, de cima para baixo, da mais aguda para a mais grave. Uma importante particularidade da tablatura antiga é a colocação de figuras rítmicas acima da pauta, e também a existência de símbolos específicos para representar andamento, divisão rítmica e determinadas técnicas, que foram empregados por cada um dos compositores autores em suas obras. Dados os fatos até aqui expostos, podemos colocar as seguintes questões: Quais as principais diferenças entre as tablaturas atuais e as usadas para notar o repertório de vihuela? É possível ler as tablaturas originais para vihuela com o violão? É possível ter nos documentos originais uma alternativa para a execução deste repertório? Quais as particularidades de tablaturas para vihuela? Em quais aspectos da execução das peças por nós escolhidas, a leitura de tablaturas originais, em vez das transcrições, irá interferir? De que forma essa leitura poderá contribuir para a execução deste repertório? É necessário possuir algum conhecimento prévio, ou uma fonte auxiliar, ou é possível partir para a leitura destes documentos diretamente?

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Tendo em conta os questionamentos levantados e o objetivo apresentado no início desta introdução, estruturamos nosso trabalho da seguinte forma: No primeiro capítulo procuraremos apresentar a vihuela e sua tablatura, situando-a no tempo e no espaço. Serão levantados e apresentados dados sobre sua origem e desenvolvimento históricos, características físicas, afinação, repertório, principais compositores e obras, e técnica geral. Em seguida buscaremos definir o termo tablatura, apresentar seu desenvolvimento histórico, os diferentes tipos de tablaturas antigas e apresentar, de forma mais aprofundada, a tablatura de vihuela, demonstrando as particularidades das principais obras do período na notação do ritmo, andamento etc. No segundo capítulo trataremos especificamente do processo de leitura dos documentos antigos com o violão. Iniciaremos elencando as características básicas desse instrumento, seu desenvolvimento histórico e características do sistema empregado para grafar seu repertório, visando identificar se, e quais, adaptações serão necessárias para proceder à leitura de tablaturas antigas. Também realizaremos a análise dessas tablaturas. Como foi identificado no início deste texto, serão utilizadas três peças: 1) Pavana del Primero y Segundo Tono, de Luys Milán; 2) Quatro Diferencias Sobre Guardame Las Vacas, de Luys de Narváez; 3) Fantasía Que Contrahaze La Harpa en La Manera de Luduvico, de Alonso Mudarra. No contexto do repertório para vihuela, essas peças estão entre as mais executadas pelos violonistas, tendo sido gravadas diversas vezes inclusive por importantes concertistas. Esse foi o principal fator motivador de sua escolha. Visamos identificar, no processo de leitura da tablatura, suas principais características e compreender seu papel dentro da execução musical. Procuraremos identificar, em cada exemplo, as informações fornecidas textualmente pelos compositores, os diferentes símbolos empregados e o que eles representam, as diferentes notações e concepções rítmicas e como a mesmas devem ser compreendidas, como as técnicas específicas estão representadas na notação e o andamento de cada peça. Dessa experiência pretendemos, além de definir se é possível, ou não, ler esse material com o violão, determinar se é possível tê-lo como uma forma de aproximação com o trabalho original dos compositores de peças para vihuela, sem que haja a necessidade de se fazer transcrições. Pretendemos refletir, nas conclusões, sobre a importância e a implicação deste trabalho para os dias atuais. Dado o fato de se tratar, justamente de uma produção antiga, de música que

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foi publicada para execução em um instrumento que não existe mais – temos apenas réplicas de vihuela baseadas, em sua maioria, em fontes pictóricas. Também refletiremos sobre a implicação dessa pesquisa no ensino de instrumento, abrindo uma questão importante para o professor de violão nos dias atuais, a saber, o domínio desta linguagem, que é comum entre os jovens. Dentro dessa perspectiva, o que essas tablaturas antigas têm a nos ensinar? Quais as possibilidades de utilização destes modelos antigos em comparação com os atuais?

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2. A VIHUELA E SUA TABLATURA

Neste capítulo trataremos de apresentar a vihuela, suas características físicas, seu desenvolvimento histórico, os principais vihuelistas, e sua técnica geral. Também trataremos de fazer um estudo sobre as definições do termo tablatura, conhecer os principais modelos de tablatura empregados, especialmente para alaúde, na Europa no século XVI e as características gerais do modelo utilizado pelos vihuelistas.

2.1. A VIHUELA

Instrumento que alcançou grande destaque na Espanha renascentista, a vihuela representou, em vários aspectos, grande importância para a história não só dos instrumentos de cordas, mas, como veremos adiante, da história da música de modo geral. Das muitas definições que podemos encontrar a seu respeito, o New Grove Dictionary of Music and Musicians (2001, v. 26, p. 605, tradução nossa)5 fornece-nos a seguinte: Um cordofone tangível da família da viola em que as cordas, feitas de tripas, eram geralmente arranjadas em seis ou sete ordens, cada uma provavelmente disposta em pares em uníssono. Intimamente relacionada ao alaúde, floresceu principalmente na Espanha e em áreas sob a influência espanhola nos séculos XV e XVI.

São características básicas da vihuela o corpo levemente em forma de “8”, possuindo, geralmente seis ordens – também houve vihuelas de sete – que nada mais são que pares de cordas afinados em uníssono, sendo a primeira simples, ou seja, formada por uma única corda. Tanto as cordas quanto os trastes são feitos de tripa animal, sendo estes últimos móveis.

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A plucked chordophone of the viol family on which the strings, made of gut, were generally arranged in six or seven courses, each probably paired in unison. Closely related to the lute, it flourished mainly in Spain and in areas under Spanish influence in the 15th and 16th centuries.

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A palavra vihuela tem sua origem no occitano antigo viula, termo com característica onomatopaica de onde deriva o verbo viular, que quer dizer tocar um instrumento de sopro, aludindo ao cantar melódico. Diz-se, então, que o termo “viula”, tanto quanto suas variantes, adaptou-se facilmente nas línguas modernas, como nas nórdicas “fiele” e “fele”, no alemão “videl”, no francês “vielle”, no inglês “violl”, no espanhol “vihuela”, e em nossa forma conhecida, no italiano e no português “viola”. (CAMPOS, 2005, não paginado).

Seguindo com sua exposição, Wagner Campos explica como os instrumentos de cordas passam a ter esse termo a eles empregado: “Diz-se também que com o mesmo sentido imitativo, de caráter onomatopaico, o termo passa a ser aplicado a instrumentos de cordas, procurando dar aos cordofones a mesma dimensão melódica atribuída aos instrumentos de sopro.” (Op. cit., não paginado). Na Espanha, originalmente, o termo vihuela servia para designar três tipos diferentes de cordofones, de acordo com o método de execução, conforme explica o New Grove (2001, v. 26, p. 606, tradução nossa)6: Referências literárias indicam que a palavra “vihuela” foi usada na Espanha do século XIII em adiante. Aparece no Libro de Apolonio (c.1250), no Poema de Oncero (século XIV), e no famoso Libro de buen amor de Arcipreste de Hita (c1283-c1350), que fez a distinção entre a vihuela de arco e a vihuela de peñola.

A vihuela de pendola (ou peñola) era tocada com um plectro e a vihuela de arco era tocada com um arco. Sendo que a primeira ainda permaneceu na renascença, dividindo espaço, a princípio, com a vihuela de mano, que era tocada com os dedos. Com o passar do tempo, ao longo do século XVI, o termo vihuela passou a designar apenas este último tipo. Neste período, enquanto em grande parte da Europa o alaúde era o instrumento mais popular, na Espanha esse posto era ocupado pela vihuela, que, deste ponto de vista, foi considerado seu equivalente. Ambos possuem muitas semelhanças, como o número de ordens, a afinação e a sonoridade, entre outros. A maior diferença entre eles reside no formato. Enquanto a vihuela possui um corpo em formato de “8”, muito parecido com a guitarra da época, o alaúde apresenta um corpo piriforme. “Na Espanha, a vihuela de mano desempenha o 6

Literary references indicated that the word ‘vihuela’ was used in Spain from the 13th century onwards. It appears in the Libro de Apolonio (c1250), the Poema de Oncero (14 th-century), and the famous Libro de buenamor of the Arcipreste de Hita (c1283-c1350), who distinguished between the vihuela de arco and the vihuela de peñola.

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papel do alaúde nos outros países da Europa. É uma espécie de grande guitarra, que empresta do alaúde seu cravelhal inclinado para trás, a distribuição e a afinação de suas cordas, sua tablatura.” (CANDÉ, 2001, p. 402). Têm-se explicado que a origem árabe do alaúde influenciou esta possível impopularidade do instrumento em um país essencialmente católico como a Espanha do período. Contudo, citando G. Chase e D. Poulton, o New Grove (2001, v. 26, p. 607, tradução nossa)7 afirma que essa explicação ignora o fato de que muitos aspectos da cultura islâmica permaneceram firmemente estabelecidos no modo de vida espanhol após o término da dominação árabe na Península Ibérica, em 1492. Entre os instrumentos musicais, a rabeca continuou em uso no século XVI; e muitos temas mouros frequentemente aparecem nas letras das canções do século XVI. Além disso, um crescente corpo de evidências sugere que o alaúde foi mais comumente usado do que nós temos geralmente suposto.

O principal elemento que embasa a teoria de que a vihuela possuía maior destaque que o alaúde, na Espanha, é o fato de termos para aquela uma certa riqueza de material publicado, tanto musical quanto teórico, ao passo que, para este, os registros espanhóis são praticamente inexistentes, ou pelo menos, não nos são conhecidos. Ainda não encontramos em nossa pesquisa as reais razões que fizeram a vihuela ser preferida na Espanha, ao alaúde. Ou, pelo menos, algo que trate deste tema com a devida profundidade. Apenas dois modelos originais de vihuela sobreviveram até os dias de hoje. O primeiro encontra-se no Museu Jacquemart-André do Institute de France, em Paris. Trata-se de uma vihuela de grandes proporções, denotando que, assim como outros instrumentos do período renascentista, a vihuela também possuía uma família formada por instrumentos de diferentes tessituras. Seu comprimento de caixa de ressonância é de aproximadamente 58 cm e o comprimento de corda é de 80 cm. Para se ter uma ideia, o comprimento de corda do violão atual é, geralmente, de 65 cm. Sua construção é bem peculiar, sendo que na parte posterior é constituída da junção de mais de 200 peças de madeira, além de apresentar múltiplas rosetas em seu tampo, e 12 cravelhas, indicando o emprego de seis ordens duplas. De acordo com o New Grove (Op. cit., p.605), sua construção elaborada pressupõe que, possivelmente, possa se tratar de um modelo construído por um aprendiz, em virtude de algum exame. O outro modelo

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Among musical instruments, the rebec continued in use into the 16th century; and many Moorish themes frequently appear in the words of the 16th-century songs. Moreover, a growing body of evidence suggests that the lute was more commonly used than has been generally supposed.

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encontra-se na Igreja da Compañia de Jésus, em Quito, no Equador, datada, provavelmente, do início do século XVII. Trata-se de um instrumento menor, com 55 cm de comprimento de caixa de ressonância, e um corpo profundo, com curvas mais pronunciadas na cintura.

Figura 1: Vihuela do acervo do Museu Jacquemart-André FONTE: . Acesso em 15 fev. 2015.

Figura 2: Vihuela do acervo da Igreja da Compañia de Jesus FONTE: . Acesso em 08 jan. 2015.

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A maior parte das fontes sobre a constituição física da vihuela são pictográficas. Estas geralmente apresentam três esboços básicos: no final do século XV e início do século XVI as vihuelas eram representadas com uma forma similar à do violino moderno; mais tarde, ainda no século XVI duas formas eram comuns, uma estreita, em relação ao seu comprimento, e outra mais ampla e arredondada. Há usualmente uma única roseta talhada de forma elaborada, e em alguns casos há decorações sobre o tampo. Nos livros dos vihuelistas também há gravuras com representações da vihuela. Juan Bermudo (Ecija, c.1510; Andaluzia, c.1565), que foi um importante teórico e compositor espanhol, em sua obra Libro Llamado Declaración de Instrumentos Musicales (1555), refere-se a muitos tipos de vihuelas. Essa informação poderia ser interpretada como uma menção aos três tipos de vihuela mencionados anteriormente, ou a vários modelos de vihuela classificados de acordo com sua afinação. Mais adiante, em seu livro, Bermudo fala sobre sete vihuelas de diferentes tessituras. “No entanto, estas sete poderiam ser um só instrumento imaginário, uma vez que a afinação absoluta não existia na época.” (DUDEQUE, 1994, p. 10). De acordo com ele, pode-se imaginar a sexta ordem solta em qualquer altura. Dentro dessa concepção, Bermudo indica as afinações mais comuns para a vihuela: lá, ré, sol, si, mi’, lá’, ou sol, dó, fá, lá, ré’, sol’, partindo da sexta para a primeira ordem. Estas também ficaram conhecidas como afinações renascentistas, e também eram comuns ao alaúde. De acordo com Emílio Pujol (1971 apud DUDEQUE, 1994, p. 11), as afinações empregadas por Luys de Narváez em seus Seys Libros del Delphin, partindo da sexta para a primeira ordem, são: 1. lá, ré, sol, si, mi, lá’; 2. sol, dó, fá, lá, ré, sol’; 3. fá#, si, mi, sol#, dó#, fá#’; 4. fá, sib, mib’, sol, dó, fá’; 5. mi, lá, ré’, fá#, si, mi’; 6. ré, sol, dó, mi, dó’, ré’. De qualquer forma, o padrão intervalar de afinação, em todas as alturas propostas acima, é o mesmo. Da sexta para a primeira ordem temos: 4ª justa, 4ª justa, 3ª maior, 4ª justa e 4ª justa. “Se reafinarmos a terceira corda do violão em fá sustenido, obteremos a mesma afinação da

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vihuela, daí a facilidade para executar obras escritas para esse instrumento no violão.” (Op. cit.). O número usual de trastes de tripa no braço da vihuela eram dez, e uma atenção considerável foi dada por Bermudo para a elaboração de métodos de posicionamento destes para obter a afinação exata. A vihuela era o instrumento preferido dos virtuoses espanhóis da época. Os mesmos, muitas vezes, eram empregados na casa de alguma família nobre. Os mais famosos eram empregados na corte espanhola, onde a música era muito estimada. De acordo com o New Grove (2001, v. 26, p. 606, tradução nossa)8: “Durante o reinado do Imperador Carlos V a vihuela alcançou o auge de seu desenvolvimento como o instrumento da elite musical.” Aos poucos a vihuela foi perdendo espaço para a guitarra, e, no século XVII, praticamente já não era mais usada.

2.1.1. Os vihuelistas

O repertório da vihuela apresenta importantes evoluções na escrita para música instrumental. Como veremos, no conjunto de obras para vihuela temos uma das primeiras composições em forma de tema com variações (diferencias) impressas na história da música ocidental, também temos o início do desenvolvimento de uma escrita idiomática (adequada ao instrumento), entre outros. Em sua maior parte, o repertório da vihuela é composto pela obra de sete compositores vihuelistas, que tiveram seus trabalhos publicados, e por mais três livros complementares, em que são encontradas algumas obras para vihuela. São estes: Libro de cifra nueva (1557) de Luys Venegas de Henestrosa, Arte de tañer fantasia (1565) de Thomás de Sancta Maria e Obras de música para tecla arpa e vihuela (1578) de Antonio Cabezón. Os sete compositores vihuelistas são: Luys Milán, Luys de Narváez, Alonso Mudarra, Enríquez de Valderrábano, Diego Pisador, Miguel de Fuenllana e Esteban Daza.

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During the reign of Emperor Charles V the vihuela reached the height of its development as the instrument of the musical élite.

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Além destes autores, também devemos citar alguns outros mencionados por Bermudo, que infelizmente não tiveram a possibilidade de publicar suas obras, provavelmente pelo fato de que a publicação de obras musicais instrumentais na Espanha do século XVI não era comum; e certamente os recursos eram escassos. (DUDEQUE, 1994, p. 14).

Alguns destes compositores são mencionados por Bermudo, citado por Norton Dudeque (Op. cit.). De acordo com o New Grove (2001, v. 26, p. 607) seriam eles: Martín de Jaén, Hernando de Jaén, López, entre outros. Também são conhecidos dois manuscritos e algumas fontes fragmentárias, presentes no Arquivo de Simancas, na Espanha. Luys Milán é conhecido como o autor da primeira obra musical impressa para vihuela, o Libro de musica de vihuela de mano intitulado El Maestro (Valencia, 1536). Acredita-se que tenha nascido em Valencia, aproximadamente no ano de 1500, e morrido na mesma cidade, depois do ano de 1561. Segundo o New Grove (Op. cit., v. 16, p. 668) é provável que seja o nobre citado em documentos valencianos de 1516. Foi músico na corte de Dom Fernando de Aragón, Duque da Calábria, e trabalhou também na corte de Dom João III (1521-57), rei de Portugal, a quem foi dedicado o El Maestro. Também destacam-se, em sua produção literária, trabalhos como o Libro de motes de Damas y Caballeros: Intitulado el Juego de Mandar (1530) e o El cortesano (1561), que são obras que falam sobre a vida na corte, e sobre sua própria prática musical. Contudo, deteremos nossa atenção no El maestro. Sobre sua importância o New Grove (Op. cit., p. 668, tradução nossa)9 afirma: “El maestro é a mais antiga coleção espanhola de música solo instrumental independente e canções acompanhadas, e é a primeira tablatura espanhola impressa.” Norton Dudeque (1994, p. 15) oferece-nos um breve panorama do caráter da obra e de seu conteúdo: O El Maestro é um livro didático, o primeiro método de instrumento de cordas dedilhadas a ser publicado na Península Ibérica. A intenção do livro está clara não só no seu título, como também na ordem em que as obras estão arranjadas, indo de fantasias simples até obras complexas, como é o caso de certos tientos e algumas fantasias.

O livro está dividido em duas partes, cada parte possui oito cadernos. Na primeira parte temos, além do prólogo, instrucciones, 22 fantasias, 4 tientos, 3 villancicos em castelhano, 3 villancicos em português, 2 romances em castelhano, e 3 sonetos em italiano. Na segunda parte 18 fantasias, 4 tientos, 3 villancicos em castelhano, 3 villancicos em português, 2 romances em

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El maestro is the earliest Spanish collection of independent solo instrumental music and accompanied songs, and is the first printed Spanish tablature.

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castelhano e 3 sonetos em italiano, além da Intelligencia y declaracion de los tonos. Cada composição é precedida de uma breve explicação a respeito do seu caráter estilístico, tempo, dificuldade técnica e o modo (tono) em que foi escrita. Na primeira parte do livro são fornecidas recomendações sobre o que é necessário saber antes de começar o estudo. É necessário conhecer polifonia e uma boa afinação da vihuela. Na segunda parte novamente são fornecidas informações sobre caráter, tempo e dificuldades técnicas de cada obra. Também é importante a Inteligência y declaracion de los tonos, na qual o autor dá explicações sobre o uso dos modos na música da época. São oito modos no total, quatro autênticos chamados maestros e quatro plagais chamados discípulos. Em suas obras, Milán se utiliza, com frequência, do modo misto, que seria uma mistura do modo autêntico com o plagal. As fantasias podem ser separadas em dois grupos distintos. O primeiro é o das fantasias polifônicas, caracterizado pela utilização do contraponto imitativo, e o segundo é o das fantasias de consonâncias y redobles, onde há alternância entre passagens lentas, que formam frases musicais (consonâncias), e passagens escalares rápidas (redobles). Para este último Milán indicava que deveria haver uma maior elasticidade no andamento, sendo que as consonâncias deveriam ser tocadas mais lentamente, enquanto para os redobles o tempo devia ser acelerado. Esse é o primeiro exemplo do uso de grande elasticidade no tempo musical. Também representam um dos primeiros modelos impressos conhecidos, os de indicação verbal de tempo usados por Milán. Além destes fatores, a obra de Milán possui outra importância, representa um elo entre a tradição da música instrumental espanhola do período, e a música que seria feita posteriormente, de acordo com o New Grove (2001, v. 16, p. 669, tradução nossa)10: Apesar das novidades, El maestro é também um link único com as gerações passadas de instrumentistas improvisadores. O estilo da música de Milán distingue-se por formar o trabalho de toda a música instrumental espanhola posterior e, de acordo com o próprio testemunho do autor, é o trabalho de um músico autodidata, um improvisador que compôs diretamente na vihuela, enviando depois seu trabalho para a notação.

Griffiths, citado por Koonce, reforça o caráter improvisatório, e fortemente ligado à tradição instrumental espanhola, da obra musical de Milán:

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Despite its novelties, El maestro is also a unique link with past generations of instrumental improvisors. The style of Milán’s music sets itself apart form the work of all later Spanish instrumental music and, according to the author’s own testimony, it is the work of a self-taught musician, an improviser who composed directly on the vihuela, later committing his works to notation.

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[Milán] é improvável que tenha tido um treino musical formal em contraponto e polifonia vocal, em vez disso, ele era um improvisador provavelmente descendente de uma antiga tradição oral de instrumentistas cantores. O próprio Milán nos conta que as obras em El Maestro eram todas compostas na vihuela e em seguida escritas, o que as torna, com efeito, transcrições de suas próprias improvisações. (GRIFFITHS 2005 apud KOONCE, 2008, p. 32, tradução nossa)11.

Luys de Narváez provavelmente nasceu em Granada, não se sabe ao certo a data, mas acredita-se que tenha sido em fins do século XV ou início do século XVI. Em 1538 vivia em Valladolid e estava a serviço de Dom Francisco de los Cobos, secretário do Imperador Carlos V. Um ano depois da morte de Cobos (1547), Narváez integrava o corpo de músicos da corte de Dom Felipe, acompanhando-o em suas viagens entre 1548 e 1551. Era um instrumentista excepcional, famoso improvisador à vihuela. Relatos dão conta de que era capaz de improvisar quatro vozes sobre outras quatro imediatamente (DUDEQUE, 1994, p. 16). Um dos seus principais méritos é o de ter sido o primeiro vihuelista, e talvez o primeiro compositor espanhol, a compor variações instrumentais. Sobre estas nos fala o New Grove (2001, v. 17, p. 644, tradução nossa)12: Há três tipos de variações definidas. Naquelas sobre o hino espanhol O gloriosa Domina, a melodia do hino aparece em cada variação e às vezes a divisão das frases são imitativas. Variedades de textura, ritmo, tempo e colocação do cantus firmus fornecem o contraste entre as seis diferencias. Variações sobre harmonias em ostinato incluem as sete intituladas Guárdame las vacas (contudo apenas três eram sobre a romanesca, as últimas três seriam sobre o passamezzo antico), e 22 sobre Conde claros, uma forma de bergamasca. O último grupo contém passagens escalares virtuosísticas, padrões de arpejos incomuns, mudanças súbitas de registro e uma variação que “imita a guitarra”.

Os Seys Libros del Delphin de música de cifra para tañer vihuela foram publicados em Valladolid em 1538 e dedicados a Dom Francisco de los Cobos. “Narváez, ao contrário de

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[Milán] is unlikely to have had a formal musical training in counterpoint and vocal polyphony, instead he was an improviser probably descended from an older unwritten musical tradition of instrumentalist singers. Milán himself tells us that the works in El Maestro were all composed on the vihuela and then written down, making them, in effect, transcriptions of his own improvisations. 12 There are three types of variations set. In those on the Spanish hymn O gloriosa Domina, the hymn tune appears in each variation and sometimes phrase openings are imitative. Variety of texture, rhythm, tempo and placing of the cantus firmus provides contrast between the six diferencias. Variations on ostinato harmonies include seven entitled Guárdame las vacas (although only three are on the romanesca, the last three being on the passamezzo antico), and 22 on Conde Claros, a form of the bergamasca. The latter set contains bravura scale passages, unusual arpeggio patterns, sudden changes of register and one variation which ‘imitates the guitar’.

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Milán, não organizou seu livro de forma didática. Não há uma sequência de dificuldade entre cada obra ali presente.” (DUDEQUE, 1994, p. 18). Como o título da obra indica, ela está dividida em seis livros. No primeiro livro há oito fantasias, em todos os modos, no segundo, seis outras fantasias de menor dificuldade técnica, no terceiro estão as intabulações de missas de Josquin de Prés, canções francesas e obras de Gombert e Ricafort, no quarto livro, variações (diferencias) sobre O Gloriosa Domina e Sacris Solemniis, no quinto livro estão reunidas as obras para voz e vihuela, e no sexto livro temos as diferencias sobre Guardame las Vacas, Conde Claros, e a Baja de Contrapunto. Narváez era conhecido por colecionar obras musicais de Francesco da Milano, e é possível encontrar em sua obra influências deste, especialmente em suas fantasias. Também pode-se notar em suas obras algumas técnicas usadas por compositores de motetos e missas, além de conexões com o estilo tradicional improvisatório de Milán. É provável que [Narváez] tenha conhecido Francesco da Milano em Roma, enquanto esteve com Francisco de los Cobos, e que isto seja influente no desenvolvimento de um novo estilo de fantasia para vihuela que ele afirmava orgulhosamente ter introduzido na Espanha. Esta fantasia imitativa rapidamente tornou-se o estilo predominante e prevaleceu pelos cinquenta anos seguintes, pelo menos. Estas fantasias derivam das mesmas técnicas usadas pelos compositores de motetos e missas, e são concebidas como se a vihuela fosse um conjunto de três ou quatro vozes contrapontísticas, mas a mistura de ideias polifônicas abstratas com os dispositivos idiomáticos era sugerida intuitivamente pela vihuela. Outras obras de Narváez, contudo, também demonstram conexões com Milán e tradições improvisatórias antigas, especialmente suas diferencias ou variações associadas com a recitação de romances e em improvisações. (GRIFFITHS 2005 apud KOONCE, 2008, p. 55, tradução nossa)13.

Além do emprego das diferencias, a obra de Narváez apresenta outras novidades, como o uso de proporções em algumas obras, como 3/1, 3/2, 6/4, e 9/3, a adoção de símbolos específicos como indicação de tempo, e o uso de claves na tablatura. De acordo com o New Grove (2001, v. 17, p. 644), algumas composições presentes nos Seys Libros foram reimpressas

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It is likely that [Narváez] met Francesco da Milano in Rome while there with Francisco de los Cobos, and that this was influential in the development of a new style of vihuela fantasia which he proudly claims to have introduced into Spain. This new imitative fantasia rapidly became the predominant style and prevailed for the following fifty years at least. These fantasias derive from the same techniques used by composers of motets and masses, and are conceived as though the vihuela were an ensemble of three or four contrapuntal voices, but blending abstract polyphonic ideas with the idiomatic devices suggested intuitively by the vihuela. Other works by Narváez, however, also show links to Milán and earlier improvised traditions, especially his diferencias or variations on the formulas associated with the recitation of romances and in improvisations.

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em tablatura francesa para alaúde por Phalèse e Morlaye, e cinco obras, algumas arranjadas livremente, foram transpostas para tablatura de teclado por Venegas de Henestrosa. Também não se sabe ao certo a data de nascimento de Alonso Mudarra, acredita-se que tenha sido na primeira metade do século XVI, cerca de 1510. Tem-se apenas o registro de seu falecimento, em 1º de Abril de 1580, nas atas capitulares da catedral de Sevilha. Esteve a serviço de Don Íñigo Lopes, e foi cônego da catedral de Sevilha de 1546 até o ano de seu falecimento. Sua obra, os Tres Libros de Musica en cifras para vihuela foram dedicados a Don Luis Çapata e impressos em Sevilla, em 1546. Igualmente a Milán e a Narváez, Mudarra apresenta uma introdução onde procura explicar a leitura da tablatura e os signos de compasso. No primeiro livro encontra-se uma série de fantasias, dentre as quais está a famosa Fantasía que contrahaze la harpa a la manera de Luduvico, que analisaremos neste trabalho. Há também intabulações de obras de Josquin, diferencias e obras para guitarra de quatro ordens. No segundo livro encontramos peças em todos os modos, separadas em grupos de quatro obras, sendo que cada grupo tem por primeira peça um tiento, que serve como uma espécie de prelúdio para as demais. No terceiro livro temos as obras para voz e vihuela. Há ainda uma pequena obra para órgão ou harpa. Enríquez de Valderrábano nasceu aproximadamente em 1500, e provavelmente faleceu depois de 1557. A principal fonte que temos sobre sua vida é o seu Libro de Música de vihuela intitulado Silva de Sirenas, dedicado a Dom Francisco de Zúñiga, publicado em 1547. Este está dividido em seis partes, onde constam peças análogas a fugas, movimentos de missas, romances, canções, villancicos e motetos, obras para duas vihuelas, fantasias e sonetos instrumentais, entre outros. Diego Pisador é o autor do Libro de Música de Vihuela. Tendo nascido provavelmente em torno de 1500, em Salamanca, e falecido depois de 1557, sabe-se que esteve a serviço de Felipe II e que pode ter sido o responsável pela educação musical, à vihuela, do príncipe. Seu livro foi impresso em 1552, na mesma cidade. Sua obra está dividida em sete partes onde se encontram variações sobre Conde Claros e Guardame las Vacas, romances, sonetos, fantasias, villancicos, movimentos de missas e, fato inédito, oito missas completas de Josquin de Près. Pisador não era um músico profissional, e suas obras, de acordo com Frank Koonce, apresentam deficiências no trato polifônico, entre outros problemas. “Eu queria fornecer exemplos representativos de fantasias originais de cada um dos vihuelistas, mas as de Pisador estão abaixo

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do padrão das outras para justificar sua inclusão em uma antologia seletiva.” (KOONCE, 2008, p. 121, tradução nossa)14. Cego desde a infância, Miguel de Fuenllana provavelmente nasceu em Navalcarnero e morreu em Valladolid, em 1579. Prestou serviços à Marquesa de Tarifa e na corte de Felipe II, a quem Fuenllana dedicou seu Libro de Música para vihuela intitulado Orphenica Lyra, publicado em 1554. Dividido em seis partes, nele constam intabulaturas de vários autores, fantasias autorais, motetos, e obras para vihuela de cinco e quatro ordens. Fuenllana era famoso pela qualidade de sua música, sendo uma de suas principais inovações a introdução da melodia acompanhada. Sem nenhuma dúvida, Miguel de Fuenllana é um dos mais proeminentes compositores instrumentistas do século XVI e ainda largamente subestimado. Ele é um compositor que merece ser incluído entre os mais importantes músicos instrumentistas do século XVI ao lado de Antonio de Cabezón, Francesco da Milano, William Byrd, John Dowland, ou qualquer outro reconhecido mestre renascentista. (GRIFFITHS 2005 apud Op. cit., p. 130, tradução nossa)15.

No caso de Esteban Daza, também a principal fonte que temos a respeito de sua via é o seu Libro de Música en cifras para vihuela, intitulado El Parnaso, impresso em Valladolid, em 1576. Dividido em três partes, nele constam fantasias, separadas entre fáceis e difíceis, motetos de outros autores, sonetos, romances e canções.

2.1.2. Técnica geral da vihuela

Embora haja poucas evidências escritas sobre a técnica da mão esquerda no modo de tocar vihuela, acredita-se que dificilmente tenha diferido da técnica empregada no alaúde. No New Grove (2001, v. 26, p. 607), há uma breve menção de alguns autores, como Venegas de Henestrosa e Fuenllana, explicando como um dedo da mão esquerda poderia dividir uma ordem 14

I had wanted to provide representative examples of original fantasias by each of the vihuelists, but those of Pisador fall too short of the standard set by the others to warrant inclusion in a selective anthology. 15 Without any doubt, Miguel de Fuenllana is one of the most outstanding instrumental composers of the sixteenth century and still largely underestimated. He is a composer who deserves to be included among the most outstanding instrumental musicians of the sixteenth century alongside Antonio de Cabezón, Francesco da Milano, William Byrd, John Dowland, or any other acknowledged Renaissance master.

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em duas, prendendo apenas uma corda, obtendo, dessa forma, uma voz adicional no contraponto. Luciana Tenório (2007, p. 4) atesta esse fato e fala também sobre a técnica de mão direita: Quanto à mão direita, segundo Fuenllana, o instrumento era tocado sem unhas. Em várias pinturas e ilustrações da época, pode-se notar que os vihuelistas tocavam com o dedo mínimo apoiado sobre o tampo da vihuela. O polegar, podia ficar disposto para dentro da posição da mão (figueta estranjera) ou para fora (figueta castellana) na realização de passagens rápidas de escalas (redobles), utilizando a técnica de dos dedos, a qual consiste no uso do polegar e dedo indicador, alternadamente, ou do dedo indicador e médio alternados. Para realizar os redobles, utilizava-se também a técnica do dedillo, na qual o dedo indicador realiza rápidos movimentos para dentro e para fora.

Como vimos acima, a técnica da mão direita foi tratada com um detalhamento maior, especialmente para tocar as rápidas passagens conhecidas como redobles. Três métodos foram fornecidos: 

Dedillo: que consistia em um rápido movimento do dedo indicador para dentro e para fora, realizando movimento análogo ao plectro. Dessa forma, o dedo tocaria a corda nos dois sentidos. Esta técnica foi defendida por Mudarra, mas considerada inadequada por Fuenllana, pois no movimento para dentro, o dedo tocaria a corda com a carne, e no movimento para fora, estaria tocando com a unha, havendo desequilíbrio de sonoridades.



Dos dedos: que consistia no movimento alternado dos dedos polegar e indicador, como era usado no resto da Europa. De acordo com Venegas de Henestrosa (1557 apud KOONCE, 2008, p. 25), havia duas variantes para a técnica dos dos dedos. Uma era a figueta castellana, em que o polegar se movimenta para o lado externo dos dedos. E a outra era a figueta estranjera, em que, segundo o New Grove (2001, v. 26, p. 607), o polegar se movimentava para a parte interna dos dedos, como era comum à técnica do alaúde renascentista.



A terceira técnica consistia na alternância dos dedos indicador e médio. Esta técnica era elogiada por Venegas de Henestrosa e por Fuenllana, que afirmava ter esta, em comparação com o dedillo, a vantagem de evitar a interferência da unha na produção de som.

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2.2. A TABLATURA DE VIHUELA

Das possíveis definições do termo tablatura podemos citar a do Dicionário Aurélio (2010), da Língua Portuguesa: [Do fr. Tablature.] S.f. Mús.1. Na Idade Média e no Renascimento, sistema de notação musical, em forma de partitura, usado para a grafia das polifonias instrumentais, ou instrumentais e vocais, e no qual apenas a voz recebia a notação normal, enquanto as outras partes se apresentavam em notação alfabética ou cifrada. Usavam-se, para os instrumentos de sopro, sistemas especiais, que mostravam os respectivos orifícios, ora tapados pelos dedos, ora descobertos, para darem as diversas notas e, ainda, sinais suplementares para a dinâmica e a rítmica. 2. P. ext. Sistema de notação musical que utiliza algarismos, letras, símbolos ou diagramas para representar as posições das mãos do executante ou as configurações de determinados instrumentos a fim de produzir as notas musicais. [Tb. Se diz tavolatura (q. v.).].

Que ainda nos fornece uma definição específica para a tablatura de alaúde: Tablatura de alaúde. Mús. Sistema de notação usado para esse instrumento, e que utilizava letras, números e outros sinais, não para representarem os sons, mas para indicarem ao executante as diversas posições dos dedos da mão esquerda sobre o braço do instrumento. [Sistema equivalente é hoje empregado no ensino do violão como instrumento acompanhador.].

Outra definição encontrada foi a do Dicionário Houaiss (2009), da língua portuguesa: MÚS 1 sistema de notação no período renascentista e barroco, para instrumentos de teclado ou de cordas dedilhadas, que indica a tecla ou trasto onde o dedo do intérprete deve ser posicionado para tocar as notas 2 p.ext. qualquer tipo de notação não convencional, relativamente simples, para orientação de pessoas com escassos conhecimentos musicais na execução de certos instrumentos (violão, banjo, cítara, ocarina etc.) t. de alaúde MÚS sistema de notação para este instrumento e que se servia de letras, números e outros sinais para indicação, ao executante, das várias posições dos dedos da mão esquerda sobre o braço do alaúde [No ensino do violão, como instrumento acompanhador, usa-se atualmente sistema semelhante.] ETIM fr. Tablature ‘sistema de notação particular a um instrumento musical’, emprt. Ao it. Intavolatura MÚS ‘id.’,sob infl. do lat. Tabulae ‘tábua’.

Pode-se perceber que este também fornece uma definição específica para a tablatura de alaúde, denotando como esse sistema de escrita está fortemente ligado a ele. Analisando rapidamente essas duas definições, fornecidas por publicações que não pretendem fornecer

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informações especializadas, mas definições gerais, podemos comparar alguns dados entre elas. No que diz respeito ao período de utilização, enquanto o Dicionário Aurélio situa a tablatura na Idade Média e na Renascença, o Houaiss a coloca na Renascença e no Barroco. De acordo com o New Grove (2001, v. 24, p. 905), os sistemas de tablatura têm sido usados desde, pelo menos, o início do século XIV e, embora tenham caído em desuso no século XIX, são amplamente utilizados nos dias atuais. O Aurélio ressalta o fato de que esse sistema era empregado na escrita polifônica instrumental, em que somente a voz recebia a notação “normal”, destacando seu uso nos instrumentos de sopro. O Houaiss especifica o uso da tablatura em instrumentos de cordas dedilhadas e teclado, detalhando o modo de funcionamento do sistema, como indicação da tecla ou do trasto onde o dedo do intérprete deve ser posicionado para produzir a nota. Um ponto interessante na definição do Houaiss é o entendimento da tablatura como qualquer tipo de notação não convencional direcionado para pessoas com escasso conhecimento musical, ou seja, um sistema de notação para iniciantes. Quanto à definição da tablatura para alaúde, ambas são idênticas. Partindo para publicações especializadas, no Dicionário Grove de Música (1994), a definição de tablatura é apresentada da seguinte forma: tablatura(1) Sistema de notação que utiliza letras, algarismos ou outros sinais, em vez da notação em pauta musical. O princípio básico da tablatura reside na indicação, por meio de letras ou cifras dispostas em diagramas, de como o executante deve proceder para produzir determinada nota, ou acorde, em seu instrumento. Indicações adicionais mostram a duração de cada nota. Os mais importantes sistemas de tablatura são os para teclado (principalmente órgão) e alaúde. A maior parte da música para teclado do final da Idade Média e início do Renascimento é notada em tablatura, usando letras e apenas as hastes das notas; exemplos antigos apresentam a parte mais aguda em notação de pauta. Esse sistema alemão continuou a ser usado ocasionalmente até o séc. XVIII. Existiram também sistemas espanhóis, em meados do séc. XVI, utilizando cifras. [...] Para o alaúde e outros instrumentos de cordas dedilhadas, os sistemas de tablatura tinham propósito óbvio, apesar de alguns usarem cifras e outros usarem letras, mas todos seguindo o mesmo princípio básico: indicar ao executante a corda a ser presa pela mão esquerda, e onde. [...].

Roland de Candé fornece-nos a seguinte definição: A tablatura é um sistema de notação simplificado, que consiste em representar a posição dos dedos no ponto, isto é, o meio material de produzir os sons desejados, em vez dos próprios sons, como na notação tradicional. Seis linhas paralelas representam os seis jogos de cordas (a mais aguda em cima, salvo na Itália, em que o sistema é invertido). Acima de cada uma dessas linhas são postas letras (números, na Itália), correspondentes às “casas” em que devem ser colocados os dedos da mão esquerda: a indica a corda solta, b o dedo na

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primeira casa (semitom acima), c na segunda casa, e assim por diante, de semitom em semitom, até i. Acima do conjunto são colocados sinais de duração, que não são repetidos quando os valores iguais se sucedem [...]”. (CANDÉ, 2001, p. 399-401).

Frank Koonce, pela natureza prática do seu trabalho, ou seja, voltado especificamente para a performance com instrumentos de cordas dedilhadas, define de modo conciso o que seria tablatura: “A palavra ‘tablatura’ vem do termo latino tabula, e refere-se a uma forma de notação que graficamente representa onde as notas são tocadas em um instrumento.” (KOONCE, 2008, p. 15, tradução nossa)16. A partir deste panorama, podemos tomar como definição genérica de tablatura um sistema de notação onde é mais importante demonstrar como a nota é produzida que a própria nota em si. Acreditamos ser difícil imaginar a tablatura somente como um sistema voltado para pessoas com escassos conhecimentos musicais, dada a complexidade musical, e os desafios técnicos impostos pela música escrita, à época, para alaúde e vihuela, entre outros instrumentos. Também acreditamos ser insuficiente a definição de tablatura enquanto um sistema “simplificado” de notação, pois alguns sistemas, como o alemão, eram bastante complexos. Todavia, de acordo com Luciana Tenório, não se pode descartar a possibilidade de as tablaturas para vihuela terem sido utilizadas para facilitar o acesso de músicos amadores ao respectivo repertório da época. Os vihuelistas eram músicos profissionais que proviam música na corte e em círculos aristocráticos, no entanto, havia muitos músicos amadores que se interessavam pelo instrumento e aos quais parecem direcionados os livros de tablatura impressos pelos profissionais. (TENÓRIO, 2007, p. 5).

Sistemas de tablatura eram usados pelo menos desde o início do século XIV, na Europa Ocidental, a maioria deles derivando da maneira característica de tocar os instrumentos em particular. Falando de modo específico de tablaturas para instrumentos de cordas dedilhadas, durante o período do repertório em questão, podemos citar três tipos principais que foram amplamente utilizados na Europa Ocidental Renascentista: a tablatura alemã, a francesa e a italiana. Em um primeiro momento, foram desenvolvidos para a música de alaúde, sendo aproveitados, também, no repertório de outros instrumentos, como a guitarra e a vihuela. O princípio básico destes sistemas, originalmente, era o de guiar os dedos da mão esquerda do

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The word ‘tablature’ comes from the Latin noun tabula (table), and refers to a form of notation that graphically represents where notes are played on an instrument.

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instrumentista sobre uma grade formada pela representação das ordens e dos trastes cruzados em ângulos retos na escala. O sistema alemão foi desenvolvido, a princípio, para um alaúde de cinco ordens. As cordas são numeradas de 1 a 5, sendo 1 a corda inferior, e cada interseção de trastes e ordens é identificada com uma letra do alfabeto partindo, na escala, da ordem inferior à superior. Quando uma sexta ordem foi adicionada às cinco originais, esse sistema não teve como se expandir de forma lógica, dada a limitação das letras do alfabeto, que já estavam todas em uso, designando uma interseção específica. Algumas soluções comprometedoras foram adotadas, como a utilização de letras dobradas, ou letras com traços acima delas. De acordo com o New Grove (2001, v. 24, p. 909), a tablatura alemã foi fortemente criticada no período.

Figura 3: Exemplo de tablatura alemã: trecho de O haylige onbeflecte zart junkfrawschafft Marie, de Sebastian Virdung (1511) FONTE: . Acesso em 08 jan. 2015.

O sistema francês foi o de maior sucesso do período, sendo utilizado em outros países, principalmente pelos compositores ingleses. Perdurou até o século XIX, tendo suplantado os outros sistemas. Consistia na utilização de uma pauta de cinco ou seis linhas, onde a linha superior representava a ordem mais aguda. Os trastes eram identificados com letras, a corda solta era notada com a letra A, o primeiro traste com a letra B, e assim segue. Diferentemente do sistema alemão, que usava uma letra específica para cada interseção, na tablatura francesa, independentemente da ordem, que já era representada na pauta, as letras para cada traste eram sempre as mesmas.

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Figura 4: Exemplo de tablatura francesa: trecho de uma Fantasia de Pierre Phalèse (1552) FONTE: . Acesso em 09 jan. 2015.

De modo diverso ao dos dois outros modelos, o italiano utilizava, em vez de letras, números, sendo mais lógico que o alemão, pois apresentava uma visão da escala (o sistema francês, também possuía essa vantagem). Sua clareza e facilidade de aplicação mantinha-se por mais ordens que o instrumento tivesse. Neste, a linha inferior representa a corda mais aguda, ao contrário do sistema francês. Normalmente, sua pauta é formada por seis linhas, sendo que as cordas soltas são representadas pelo número 0 (zero), o primeiro traste por 1, e assim segue. O ritmo era notado acima da pauta, sobre as notas (ou números). Esse sistema foi adotado pelos vihuelistas espanhóis. Contudo, as tablaturas de vihuela apresentam algumas peculiaridades.

Figura 5: Exemplo de tablatura italiana: trecho de La bataglia francesa, de Francesco da Milano (1546) FONTE: . Acesso em 09 jan. 2015.

No El Maestro, a pauta de seis linhas é invertida por Luys Milán, ou seja, a ordem mais aguda é representada pela linha superior. Nas obras dos demais vihuelistas a pauta é orientada pelo modelo italiano, com a ordem mais aguda sendo representada pela linha inferior. Outra característica particular da tablatura de vihuela são as indicações de tempo. Milán foi o primeiro vihuelista a empregar informações específicas de tempo. Ele utiliza expressões verbais para fazê-lo. São elas: 1. Muy despacio = muito lento; 2. Despacio = lento; 3. Algo despacio = algo lento;

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4. Ni aprisa ni despacio, e ni muy despacio ni muy aprisa sino con un compás bien mesurado = nem rápido nem lento, e nem tão rápido nem tão lento, mas com um compás (tempo) bem marcado; 5. Algo apriessa = algo rápido; 6. Aprisa = rápido; 7. Algo apresurado = algo apressado; 8. Compás apresurado o batido = apressado ou batido, marcado; 9. Cuanto más se tañerá com el compás apressurado meor parecerá = quanto mais se tocar com o compás apressado melhor parecerá. Outros autores utilizaram-se de símbolos para indicar o tempo. Narváez foi o primeiro, seguido por Mudarra e Valderrábano:

Figura 6: Símbolos de representação de tempo adotados por Narváez, Mudarra e Valderrábano. FONTE: KOONCE, 2008, p. 15.

Os símbolos de notação rítmica são colocados acima da pauta. “Eles não indicam, necessariamente, a real sustentação das notas individuais, que podem se sobrepor em diferentes vozes.” (Op. cit., p. 16, tradução nossa)17. São similares aos usados na notação comum, como se pode observar na figura abaixo:

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They do not necessarily indicate actual sustain of individual notes, which may overlap in different voices.

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Figura 7: Valores rítmicos empregados nas tablaturas de vihuela. FONTE: Op. cit.

Enquanto no El Maestro, os valores rítmicos eram postos acima de todas as colunas de notas, a partir de Narváez, o sistema é simplificado, um novo símbolo rítmico era posto somente se fosse diferente do anterior. Para uma sequência de notas com mesmo valor rítmico, apenas a primeira nota da sequência recebia notação rítmica. Em todas as tablaturas de vihuela, dos diferentes autores, o barreamento se dava tomando a semibreve como referência.

Figura 8: Trecho da Fantasía del Primer Tono (El Maestro). NOTA: Os valores rítmicos são postos acima de cada coluna de notas. FONTE: MILÁN, 1536, p. 4.

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Figura 9: Trecho dos Seys Libros (Narváez). NOTA: Somente quando há alteração nos valores rítmicos é que estes são grafados. FONTE: NARVÁEZ, 1538, não paginado.

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3. LEITURA DE TABLATURAS DE VIHUELA AO VIOLÃO

Neste capítulo trataremos de proceder à análise das tablaturas originais das peças Pavana del Primero y Segundo Tono, de Luys Milán, Quatro Diferencias Sobre Guardame Las Vacas, de Luys de Narváez, e Fantasía Que Contrahaze La Harpa en La Manera de Luduvico, de Alonso Mudarra, ao violão. Em um primeiro momento, trataremos de apresentar o desenvolvimento histórico do violão, mostrando as principais características do instrumento, seus principais intérpretes e aspectos gerais da técnica violonística, bem como as características gerais do sistema de notação em pauta que é hoje adotado para grafar as peças de seu repertório. Este breve panorama serve-nos para estabelecermos um paralelo com a vihuela e identificarmos as adaptações que podem, ou devem, ser feitas para se proceder à leitura de tablaturas antigas. Superada essa etapa, procederemos à análise acima mencionada. Trataremos de baseá-la em nossa experiência prática de leitura das mesmas, procurando esclarecer alguns pontos desses documentos que consideramos importantes. A saber: 1) As informações fornecidas textualmente pelos vihuelistas compositores/autores; 2) Levantamento e compreensão dos símbolos específicos adotados em cada caso; 3) Grafia e concepções rítmicas empregadas; 4) Como os elementos técnicos estão representados na notação; 5) As representações de andamento (tempo). Utilizaremos trechos das peças para exemplificar cada um desses aspectos específicos. Na seção de anexos disponibilizaremos os originais das obras na íntegra.

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3.1. O VIOLÃO

3.1.1. Breve histórico e características gerais do violão

Como mencionamos na introdução, o violão é um instrumento jovem dentro da história da música. Tendo seu formato definido por volta da segunda metade do século XIX, descende de uma tradição de, pelo menos, mais de cinco séculos de instrumentos de cordas dedilhadas, como o alaúde, a própria vihuela, os diferentes tipos de guitarras, entre outros, herdando destes também seus respectivos repertórios. O período que precede o estabelecimento do formato definitivo do violão é marcado pela convivência de guitarras de cinco e seis ordens duplas, como descreve Márcia Taborda: A passagem do século XVIII para o XIX adquiriu significativa importância na trajetória do violão. Foi um período de transformações marcado pelo declínio de quase dois séculos de apogeu da guitarra de cinco ordens – a guitarra espanhola e de inovações que encaminhariam o instrumento a uma nova configuração. Nesse período de transição convivem tanto guitarras de cinco cordas simples como guitarras de seis cordas duplas. (TABORDA, 2011, p. 65)

De acordo com a autora, o primeiro modelo de guitarra de seis cordas simples apareceu na Itália, por volta de 1787, como é evidenciado na obra do compositor italiano Federico Moretti Principios para tocar la guitarra de seis ordenes. À época, enquanto na Itália se utilizava o instrumento com cordas simples, na Espanha preferia-se o uso das cordas duplas. [...] Moretti foi precursor no uso do instrumento com cordas simples, daí o extraordinário desenvolvimento técnico por ele proposto. Informação de grande importância é a de que na Espanha a guitarra de cinco cordas duplas foi inicialmente substituída pela de seis cordas duplas, e que este instrumento, por sua vez, não teve acolhida imediata na Itália. (Op. cit., p. 68)

O responsável pela definição do formato final do violão foi o luthier espanhol Antonio Torres Jurado (1817-1892). Norton Dudeque descreve que o trabalho de Torres alcançou grande popularidade à época, tornando-se conhecidas suas qualidades de construtor de violões. Sua oficina era frequentada por violonistas famosos como Francisco Tárrega e Julian Arcas, e

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recebia encomendas de vários países, inclusive da América do Sul. “O grande mérito de Torres, foi o de desenvolver o violão a tal grau de perfeição, que seus instrumentos tornaram-se exemplos para quase todos os construtores do século XX.” (DUDEQUE, 1994, p. 78). Márcia Taborda (2011, p. 68) afirma que o violão surgiu fora da Espanha, cabendo-lhe, através do trabalho de Torres, o mérito de ter obtido o maior grau no desenvolvimento das técnicas de construção. Embora não seja possível conferir certidão de nascimento ao violão atual, acredita-se que este tenha surgido em algum lugar fora da Espanha. É importante observar que embora na Espanha a divulgação do instrumento de seis cordas simples tenha sido posterior, o país por certo lhe conferiu certidão de batismo, ao desenvolver com extremo apuro técnicas de luteria que viriam a estabelecer padrões de construção aceitos por todos e ainda hoje vigentes.

Entre as principais inovações implantadas por Torres está a definição do comprimento de corda vibrante em 65 cm, o que o levou a alterar as proporções da caixa de ressonância e do braço. A afinação das cordas passou a ser organizada com os seguintes intervalos (da sexta para a primeira corda): quarta justa, quarta justa, quarta justa, terça maior e quarta justa. Deste modo temos as seguintes notas nas cordas soltas (em alturas absolutas), da sexta para a primeira corda: Mi, Lá, Ré, Sol, Si, mi. Outra novidade é a utilização da cravelha mecânica, que permitia uma melhor manutenção da afinação.

Figura 10: Violão Torres 1859 FONTE: . Acesso em 10 jan. 2015.

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Muitas dessas inovações converteram-se em padrões de construção para o violão. Contudo, a principal contribuição de Torres está no tampo harmônico. Basicamente, sua engenharia de construção dos tampos harmônicos constituía-se da implantação do leque harmônico, que nada mais era que um conjunto de tiras de madeira, que eram coladas na parte interior do tampo, garantindo uma melhor distribuição dos harmônicos e proporcionado melhor equilíbrio sonoro. Segundo Dudeque (1994, p. 78), essa foi a grande inovação do instrumento. “O leque usado por Torres era composto de sete tiras de madeira, sendo uma central e três em cada lado.”

Figura 11: Planta do leque harmônico desenvolvido por Torres, modelo de 1864 FONTE: . Acesso em 10 jan. 2015.

Outros importantes artesãos espanhóis que surgiram à época, seguindo os passos de Torres, foram Vicente Arias (c. 1845-1912), Manuel Ramirez (1869-1920), Enrique Garcia (1868-1922), Santos Hernandez (1873-1951), Domingo Esteso (1882-1937) e Francisco Simplício (1874-1951). A princípio, as cordas usadas no violão eram feitas de tripa animal, assim como em seus antecessores. Por volta da década de 1940, passou-se a utilizar as cordas de náilon. Esse fato se deu devido à iniciativa do violonista espanhol Andres Segovia junto à Du Pont e a Albert Augustine. Essa mudança implicou em uma melhoria no som do instrumento. Segundo Dudeque, em virtude do ocorrido “temos hoje em dia cordas resistentes, sonoras e com boa afinação, o que não seria possível com as cordas de tripa, até então em uso.” (Op. cit., p. 79). Da mesma forma que o trabalho de Torres representou um importante passo na definição do modelo de construção do violão, o trabalho de Francisco Tárrega (1852-1909) definiu as bases para o desenvolvimento técnico e musical do instrumento. Entre outras coisas racionalizou a digitação das peças, que antes mal era indicada nas partituras, e aperfeiçoou o toque com apoio. Esse fator ocasionou, associado a uma maior altura das cordas com relação

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ao tampo em virtude das alterações realizadas por Torres, mudanças na postura da mão direita. “O dedo mínimo deixou de ser apoiado no tampo, como era de costume, e a mão direita passou a ser posicionada de forma livre e perpendicular às cordas.” (Op. cit., p. 80). Outra importante mudança implantada por Tárrega, em associação com as inovações de Torres, foi a mudança da posição do instrumento com relação ao corpo do instrumentista. O violão passou a ser apoiado sobre a perna esquerda com o uso de um apoio para o pé, consequência das novas dimensões do instrumento. Tárrega também compôs peças originais e, fato interessante para nossa pesquisa, realizou algumas das primeiras transcrições de obras de Albéniz, Bach, Beethoven, Chopin, Mendelssohn, Mozart, Schubert e Schumann, entre outros. Dando sequência ao seu trabalho, dois de seus discípulos, Miguel Llobet e Emilio Pujol, deram importantes contribuições ao instrumento. Miguel Llobet notabilizou-se pela realização de excelentes transcrições. De acordo com Norton Dudeque (Op. cit., p. 82): “A obra de Llobet para violão não é numerosa, mas mantém um alto nível de qualidade. Suas transcrições de obras de Albéniz e Granados são excepcionais, sempre procurando explorar ao máximo as possibilidades tímbricas do violão, buscando um efeito orquestral.” Outro fato importante, relacionado a Llobet, foi o de ter incentivado Manuel de Falla a compor a Homenaje Pour le Tombeau de Claude Debussy. Essa peça inaugura uma nova fase no repertório, abrindo o caminho para que compositores não violonistas produzissem obras para o instrumento, fato praticamente inédito, dada a forte tradição de compositores instrumentistas que os instrumentos de cordas dedilhadas possuem. Com esta peça, inicia-se a produção de um repertório para o violão de alta qualidade musical, geralmente composto por obras escritas por não violonistas. Esta prática será incentivada por Andrés Segovia, que será a principal figura na divulgação e o grande incentivador para a criação de um novo repertório para o instrumento. (Op. cit., p. 85).

Apresentando uma relação direta de relevância para nossa pesquisa, Emilio Pujol realizou intenso trabalho de levantamento histórico sobre o repertório de instrumentos antigos. Foi o responsável por importantes transcrições das obras do repertório da vihuela, das guitarras de quatro e cinco ordens e do alaúde, da renascença e do barroco, para o violão, entre outros importantes estudos musicológicos e tratados de técnica instrumental. De acordo com Ramírez, a iniciativa de Pujol de resgatar a música espanhola do passado estava alinhada com o movimento nacionalista espanhol, que começou seu desenvolvimento a partir da segunda metade do século XIX. Tinha “como um de seus postulados a revalorização do passado musical

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representado no repertório musical dos séculos XVI e XVII.” (RAMÍREZ, 2010, p. 85, tradução nossa)18. Dentre as principais publicações de Pujol estão La guitare, Aperçu historique et critique des origines et de l’évolution de l’instrument, texto de 1926 que é considerado um marco na historiografia do violão no século XX. Foi o primeiro artigo a traçar a história do violão desde suas primeiras evidências históricas. Também onde primeiro Pujol expôs suas considerações sobre a técnica moderna do violão. Um importante trabalho editorial conduzido por ele foi La Bibliothèque de Musique Ancienne et Moderne pour Guitare, que se tratava de uma publicação periódica da Max Eschig, iniciada em 1928, que apresentava coleções de composições de autores antigos e modernos para violão solo e música de câmara. “Um dos méritos desta coleção foi por ao alcance do crescente número de aficionados pelo violão um repertorio representativo de distintos períodos históricos do instrumento, com a segurança de um trabalho de transcrição cuidadoso e baseado nas fontes originais.” (Op. cit., p. 92, tradução nossa)19. Outros documentos por ele produzidos foram o ensaio El dilema del sonido en la guitarra, onde, baseado em fontes históricas, reflete sobre o uso ou não de unhas na mão direita para tocar as cordas do violão, e La guitarra y su historia, que é um resumo da publicação francesa sobre a história do violão. Ambos, entre outros, foram publicados na Argentina. Em janeiro de 1936, Pujol descobre o exemplar de vihuela no museu Jacquemart-André mencionado anteriormente. De acordo com Ramírez (Op. cit., p. 97), esse fato representa o renascimento da vihuela como instrumento de concerto. Pujol encarrega Miguel Simplício de fazer uma réplica, e no mesmo ano realiza um recital no III Congreso de la Sociedad Internacional de Musicología, em Barcelona, com este instrumento. Na ocasião, iniciou o recital com uma explicação sobre a vihuela, os vihuelistas e sobre a transcrição de tablaturas. Interpretou obras de Milán, Narváez, Mudarra e Valderrábano. Em 1940 foi nomeado professor de vihuela no Conservatório Superior Municipal de Barcelona e, a partir de 1943, passa a ser colaborador do Instituto Español de Musicologia. Nesta instituição inicia o projeto de publicar as obras dos vihuelistas espanhóis transcritas para

[…] como uno de sus postulados la revalorización del pasado musical representado en el repertorio musical de los siglos XVI y XVII. 19 Uno de los meritos de esta colección fue poner al alcance del creciente número de aficionados a la guitarra un repertorio representativo de distintos periodos históricos del instrumento, con la seguridad de un trabajo de transcripción y edición cuidadoso y basado en las fuentes originales. 18

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a notação moderna. Por razões desconhecidas só chega a publicar obras de Narváez, Mudarra e Valderrábano. Pujol foi o precursor de uma concepção musicológica de estudo do repertório antigo dos instrumentos de cordas dedilhadas. Julian Bream, ao mesmo tempo em que desempenhou um importante papel na expansão do repertório violonístico de música contemporânea, também trabalhou no resgate do repertório antigo dos instrumentos de cordas dedilhadas, principalmente através de gravações. Nos dois primeiros discos que gravou, Bream toca alaúde, e não violão, sendo que no segundo grava repertório para voz e alaúde com o tenor inglês Peter Pears. A particularidade do trabalho de Bream reside no foco dado ao repertório elisabetano, à música antiga e à renascença inglesas, especialmente à obra de John Dowland. Bream gravou, ao longo da carreira, sete LPs de alaúde solo, sendo três deles integralmente dedicados à música de John Dowland; gravou um total de cinco discos com Peter Pears (quatro de voz e alaúde e um de violão e alaúde), além de outras importantes experiências camerísticas como um disco que alterna poemas recitados com solos de alaúde (com Peggy Ashcroft), um disco de alaúde e cravo (com George Malcolm), um disco de alaúde, cravo e quarteto de cordas (com George Malcolm e The Cremona String Quartet), dois discos com o seu próprio ensemble, o Julian Bream Consort, e três álbuns de duo de violões (com John Williams). (MOLINA, 2006, p. 93)

Também deve ser mencionado o documentário Guitarra! A Musical Journey Through Spain, série de televisão de 1985, onde Bream traça um panorama histórico do violão na Espanha20. A série é dividida em oito capítulos. No primeiro aborda a renascença e os vihuelistas, onde também são executadas algumas obras para guitarra de quatro ordens. No segundo episódio a atenção é dada para a guitarra de cinco ordens, enfatizando a obra de Gaspar Sanz. Nestes dois primeiros capítulos, Bream usa instrumentos de época adaptados. Vihuelas, e guitarras de quatro e cinco ordens são apresentadas com quase o mesmo tamanho do violão, e com mais sonoridade do que se supõe para estes instrumentos. Para tocá-los, Bream também se utiliza da técnica do violão, posicionando inclusive estes na perna esquerda e usando o apoio para o pé. No terceiro capítulo fala sobre o classicismo no violão, abordando a obra de Fernando Sor e Dionísio Aguado. Deste capítulo em diante já é utilizado apenas o violão. Ao longo da série aborda ainda a cultura flamenca, o trabalho de Tárrega, as transcrições das obras de Granados e Albéniz, e a produção do século XX, com uma homenagem a Andres Segovia. A série é encerrada com a execução do Concierto de Aranjuez, de Joaquin Rodrigo.

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Disponível em: . Acesso em 12 fev. 2015.

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Andres Segovia cuidou de ampliar o repertório do violão através das obras por ele comissionadas e da realização de novas transcrições. Contudo, não desenvolveu um trabalho tão intenso de pesquisa do repertório pré-barroco quanto Bream. De acordo com Molina (Op. cit.), os únicos compositores, nessa linha, gravados por Segóvia foram Milán, Mudarra e Narváez, além de algumas peças de Dowland. Posteriormente surgiram muitos outros violonistas voltados para o estudo do repertório antigo, muitos deles passando a utilizar instrumentos de época em suas performances. A utilização desses instrumentos está alinhada ao movimento de Música Antiga, que se ocupa no “estudo e na performance do repertório dos períodos medieval, renascentista e barroco, podendo se estender a qualquer música cuja prática é construída por meio de tratados, instrumentos, técnicas e concepções historicamente apropriados do seu tempo” (HASKELL não datado apud AZEVEDO; BORGES, 2012, p. 174). Dentro dessa vertente, podemos citar os norteamericanos Paul O’Dette, especialista em música renascentista e barroca, Robert Barto, especialista na obra de Sylvius Leopold Weiss, Hopkinson Smith, que estudou com Emilio Pujol, entre outros. Temos também o austríaco Konrad Ragossnig, o inglês Nigel North e o espanhol José Miguel Moreno, que toca vihuela, alaúdes, theorba e guitarras barroca, clássica e romântica. Muitos outros importantes intérpretes surgiram ao longo do século XX que buscaram o resgate do repertório antigo, inclusive no Brasil. Dentre os violonistas brasileiros podemos destacar Nicolas de Souza Barros, professor da UNIRIO que, além dos violões de seis e oito cordas, é especialista em instrumentos antigos como os diferentes tipos de alaúde, a vihuela e a guitarra barroca, entre outros.

3.1.2. Aspectos da leitura e escrita musical para o violão

Como mencionamos anteriormente, o principal sistema adotado para escrever as peças para violão desde o início foi a notação em partitura. O sistema utilizado para o violão contém algumas especificidades como o uso da clave de Sol com transposição de oitava, onde são registradas as notas uma oitava acima, a utilização de números para indicar a digitação de mão esquerda, de números dentro de círculos para indicar as cordas, de letras minúsculas para indicar o dedilhado de mão direita (p = polegar, i = indicador, m = médio, a = anelar), de algarismos

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romanos para indicar as posições no braço do instrumento, entre outros. Pretendemos assim, estabelecer um paralelo também com o sistema adotado pelos vihuelistas. Ricardo Arôxa acredita que este aglomerado de informações, dentro de uma única pauta, pode ser um fator que dificulte a obtenção de uma maior fluência na leitura por parte do intérprete. [...] a escrita em uma clave, para um instrumento predominantemente harmônico e de tessitura razoável resulta em dificuldade de ler à primeira vista sob dois aspectos, um primeiro de causar um congestionamento de símbolos e linhas suplementares para tocar em simultâneo e uma segunda de que a transposição de oitava dificulta a leitura quando o violão se insere em grupos de câmara. (ARÔXA, 2013, p. 54).

A adoção da clave de Sol já foi discutida por alguns compositores. Dionísio Aguado, no método Escuela de la guitarra, informa que a empregou por ser a de uso geral, mas preferiria utilizar a clave de Dó na terceira linha. A clave adotada geralmente para a guitarra é a de Sol, e por isso me conformarei com o uso, ainda que poderia adotar-se outra mais própria, qual é a de Dó na terceira. [...] Isto se funda em que comparada a voz média do violino com a da guitarra, a desta se acha uma oitava mais baixa que a daquele. (AGUADO, 1825, p. 9, tradução nossa)21.

Fernando Sor também questionou este sistema. Arôxa acredita que até 1814, as obras de Sor foram escritas com duas claves, sendo alteradas por exigências editoriais. “Até certo ponto poder-se-ia acreditar que Sor pretendia mais do que experimentar outro suporte de escrita e sim, possibilitar um melhor entendimento da partitura deste ponto da história em diante, talvez.” (ARÔXA, 2013, p. 56). Uma possível razão para a adoção da clave de Sol oitavada pode ter sido o fato de o violão descender dos modelos anteriores da guitarra, que geralmente possuíam tessitura mais aguda. Com o passar do tempo a guitarra foi desenvolvendo sua região grave, contudo a clave de Sol foi se mantendo. Tyler fornece um importante panorama desse processo: Juntamente com a ênfase no desenvolvimento da região grave da guitarra e o consequente abandono das afinações variáveis, a notação também começou a mudar. A tablatura, que era essencial para a leitura de música com afinações variáveis, tornou-se mais rara, e a música para guitarra apareceu mais e com maior frequência, mais ou menos, na forma moderna de impressão (por exemplo, clave de Sol com as notas soando uma oitava abaixo). Agora que sabemos como a guitarra desenvolveu sua região grave, sua notação na clave de Sol parece ilógica e muitas vezes difícil de tocar a partir dela, porém a 21

La llave adoptada generalmente para la guitarra es la de Sol, y por lo mismo me conformaré com el uso, aunque pudiera adoptarse otra mas propria, cual es la de Do en tercera. [...] Esto se funda en que comparada la voz media del violin con la de la guitarra, la de esta se halla uma octava mas baja que la de aquel.

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escolha provavelmente deriva do fato de a guitarra ter sido um instrumento mais agudo no passado. No entanto, apesar de sua estranheza, o sistema foi adotado e, aparentemente, nada pode ser feito para mudar isso. (TYLER 1980 apud Op. cit., p. 55).

Nota-se que a implementação do uso da clave de Sol oitavada se deu muito em virtude da tradição. Arôxa aponta que a popularidade alcançada pela guitarra entre amadores contribuiu neste processo. Desse modo pode-se acreditar que as várias práticas destes instrumentos anteriores ao violão, somado a uma possível facilitação pelo modismo de época, pouca problematização e possivelmente, fatores mercadológicos, culminaram na sistematização da escrita como vemos hoje [...]. (Op. cit., p. 59-60).

Quanto à escrita para violão, Andersen Viana, ao tratar do assunto do ponto de vista de um compositor que não é violonista, relata que uma das maiores dificuldades é a de escrever acordes. Por conta das limitações físicas e técnicas do instrumento, geralmente há a necessidade de se suprimir algumas notas dos acordes. O desafio é justamente o de escolher qual delas deve ser retirada. “As melhores soluções devem ser a redução do número de vozes, mesmo que para isto o compositor ou arranjador sacrifique uma sétima ou uma nona do acorde de sétima ou de nona.” (VIANA, 2009, não paginado). Princípio análogo é adotado em transcrições e reduções de obras originais para piano e orquestra para o violão. Santos indica a necessidade de se pensar a digitação de forma sistemática. Ressalta que o conhecimento sobre o assunto tem sido transmitido em sua maioria através da oralidade, na relação entre professor e aluno, em aulas e master classes. Afirma a importância da realização de pesquisas que visem aperfeiçoar a notação atual, levando o conhecimento além deste contexto. Sua pesquisa demonstra que, sendo o sistema atual baseado na representação das alturas (notas), ainda é necessário algum tipo de representação que indique a melhor forma de executá-las. [...] a partitura isenta de indicações de digitação serve apenas àquele indivíduo já dotado dos conhecimentos digitatórios necessários à execução ao instrumento. Portanto, é preciso que novas pesquisas sejam efetuadas no sentido de proporcionar o aperfeiçoamento da notação existente. (SANTOS, 2010, p. 175).

Pode-se assim perceber que mesmo o sistema de notação atual provendo grande quantidade informações ao intérprete ainda necessita de uma melhor sistematização. Deve-se ressaltar que não é objetivo deste trabalho fazer juízo de valor entre tablatura e partitura.

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Acreditamos que o sistema atual, mesmo com as limitações expostas acima, é o mais adequado dado o fato de fornecer melhores condições de execução ao intérprete, por possibilitar tanto a visualização das notas como dos meios para executá-las. Porém, nada impede que novas pesquisas sejam feitas e que esse sistema seja melhorado.

3.1.3. Adaptações necessárias para proceder à leitura de tablaturas originais para vihuela

Conhecemos as características do violão e como elas se estabeleceram historicamente. Também tivemos contato com o modo de funcionamento do principal sistema de notação usado atualmente no repertório violonístico, a partitura, em suas especificidades de codificação e leitura. Agora, de posse dessas informações, vamos verificar as adaptações que são necessárias para se proceder à leitura de tablaturas originais para vihuela. Podemos verificar que há uma diferença na afinação dos dois instrumentos da quarta para a terceira corda, e desta para a segunda, que na vihuela é constituída pelos respectivos intervalos de terça maior e quarta justa, enquanto no violão temos o inverso, quarta justa e terça maior. A importância deste fato reside na alteração que será necessária no violão, baixando a afinação da terceira corda em meio tom, ou seja, de Sol para Fá sustenido, para que se realize a leitura direta destas tablaturas. Pois, como vimos, a mesma indica apenas onde os dedos devem ser posicionados no instrumento, levando em conta a disposição das cordas e afinação características da vihuela. Essa alteração implica na possibilidade de leitura imediata das cifras, posicionando os dedos da forma indicada nos originais. Outro aspecto relacionado à afinação é a altura das notas. Como vimos, a vihuela possuía afinações em diferentes alturas. Poder-se-ia, tomando-se o padrão intervalar característico, afiná-la em Lá, Sol, Fá#, Fá, Mi ou Ré. Mesmo assim, todas essas afinações são descritas por Bermudo como suposições. Como ainda não havia definição absoluta, ou científica, das alturas, recomendava-se que o vihuelista esticasse a primeira corda até o limite em que a mesma não arrebentasse, depois procedendo à afinação das demais cordas levando em conta a relação intervalar, como é indicado por Milán: Quanto ao primeiro que é dar sua verdadeira entonação à vihuela para que esteja bem templada [afinada]: há de ser desta maneira. Se a vihuela é grande,

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tenha a prima mais grossa que fina. E se é pequena, tenha a prima mais fina que espessa. E feito isto, subireis a prima tão alto quanto ela possa sofrer, e depois afinareis as outras cordas ao ponto da prima, como adiante vos dirá. E afinada desta maneira estará bem afinada e na sua verdadeira entonação. (MILÁN, 1536, não paginado, tradução nossa)22.

Não obstante, Bermudo afirma que as afinações mais comuns eram em Lá e Sol, como relatamos no capítulo anterior. Lacerda afirma que é difícil estabelecer uma relação entre essas alturas e o atual sistema de afinação e, pelo próprio fato de não haver à época uma definição científica destas alturas, o que havia era uma aproximação: [...] mesmo que estas alturas sejam supostas, as vihuelas eram afinadas com relação aproximada a estas notas de referência e apesar de não poder traçar uma relação precisa destas com a afinação moderna, sabe-se que – devido aos materiais e técnicas de construção – a afinação era mais baixa que a atual. (LACERDA, 2011, p. 12).

A afinação padrão do violão, tomando a sexta corda como referência, é em Mi. Este fato nos coloca a questão sobre a necessidade ou não de alterar a tessitura do violão usando o capotraste, que é um acessório que exerce a função de uma pestana fixa, prendendo todas as cordas do instrumento em um determinado ponto do braço simultaneamente. Refletindo sobre essa problemática aplicada ao alaúde, que é um caso semelhante ao nosso, Peter Martin afirma: Alguns violonistas preferem usar um capotraste no terceiro traste, de modo a ter seu instrumento com a mesma afinação que o alaúde em Sol. Isto não é necessário para a música solista e tem a desvantagem de afetar a qualidade do som do instrumento. (MARTIN, não datado, p. 47, tradução nossa)23.

Luciana Tenório, referindo-se a uma experiência semelhante com o repertório do alaúde, afirma ser o uso do capotraste “aconselhável entre a primeira e quinta casa, para uma afinação mais precisa (já foi visto que geralmente se afinava o alaúde em sol ou lá).” (TENÓRIO, 2007, p. 8). Em nossa pesquisa também encontramos interpretações que usavam o capotraste na segunda casa do braço. Comparamos algumas gravações disponíveis no youtube e encontramos

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Quanto a lo primero que es dar su verdadera entonación a la vihuela para que esté bien templada: ha de ser desta manera. Si la vihuela es grande, tenga la prima más gruesa que delgada. Y si es pequeña, tenga la prima más delgada que gruesa. Y echo esto, subiréis la prima tan alto quanto lo pueda sufrir. Y después templaréis las otras cuerdas, al punto de la prima, como adelante se vos dirá. Y templada desta manera estará bien y a su verdadera entonación. 23 Algunos guitarristas prefieren usar un transporte en el tercer traste de modo de tener su instrumento con la misma afinación que el laúd en sol. Esto no es necesario para la música solista y tiene la desventaja de afectar la calidad de sonido del instrumento.

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execuções das peças aqui analisadas com tessitura tanto em fá # (capotraste na segunda casa), quanto em sol (capotraste na terceira casa)24. Em nossa experiência prática observamos que é possível tocar em todas essas tessituras sem comprometimento da obra. Pelo próprio fato exposto anteriormente de que não havia, à época, o estabelecimento científico das alturas das notas, não há como relacionar o Sol que é emitido pelo violão com o Sol que era emitido pela vihuela. Alterar a tessitura do violão não implica necessariamente em uma execução mais ou menos fiel ao original. Constatamos que, de fato, ao usar o capotraste a qualidade do som é afetada, portanto consideramos importante estudar a peça sem o capotraste, ficando sua posterior utilização a critério do intérprete. O interessante é que a própria lógica de funcionamento destas tablaturas, focando a atenção do intérprete no posicionamento dos dedos e não nas notas em si, permite a imediata transposição das peças para qualquer região do braço do violão. Com relação à execução, Luciana Tenório recomenda fazer a distinção das vozes e “adaptar a digitação da mão direita a cada uma delas.” (Op. cit., p. 11). Por exemplo, ao identificar a voz mais grave e verificar que a mesma deve ser tocada com o polegar deve-se manter este padrão. Também deve-se ter atenção à maneira de frasear as vozes. “Uma frase tem um início, um ponto culminante e um fim. Isto deve soar claro para o ouvinte.” Outro ponto importante a ser levado em conta é a ornamentação, que possuía caráter improvisatório e não era grafada na tablatura. De forma geral, este estilo de música requer ornamento na cadência, nos pontos culminantes e eventualmente em notas graves de uma linha melódica, em pontos de importância harmônica ou melódica (como cadências interrompidas, dissonâncias, sons alheios à escala) e síncopes. As ornamentações são feitas por meio de acréscimos de notas à melodia principal e, na maioria das vezes ficavam sob responsabilidade do executante. (Op. cit., p. 12).

A autora cita alguns importantes tratados que podem servir de referência para o intérprete moderno, como o de Thomás de Sancta María e de Diego Ortiz Toledano. “Neles são mostrados vários exemplos de ornamentos livres, ou seja, que se integram à melodia, e ornamentos essenciais, que adornam uma melodia.” (Op. cit., p. 12-13). Embora esteja fortemente

24

FONTES: . Acesso em 15 fev. 2015; . Acesso em 15 fev. 2015; . Acesso em 15 fev. 2015; . Acesso em 15 fev. 2015; . Acesso em 15 fev. 2015; . Acesso em 15 fev. 2015.

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relacionado à interpretação deste repertório, o estudo mais aprofundado das técnicas de ornamentação foge ao âmbito do nosso trabalho, que visa apenas analisar a escrita. Este tema pode ser abordado em uma pesquisa futura. Souto afirma que também é necessário conhecer e aplicar as técnicas características dos instrumentos antigos na execução dos respectivos repertórios. Demonstra que muitas vezes os modos de execução estão grafados nas tablaturas. Cita, por exemplo, a técnica de tocar melodias alternando polegar e indicador da mão direita. “A maioria dos livros de guitarra e alaúde prescreve este elemento, colocando um ponto abaixo da nota a ser pinçada pelo dedo indicador da mão direita.” (SOUTO, 2010, p. 62-63). Este fato resultará na própria forma de articular e acentuar o fraseado, pois a alternância entre polegar e indicador pode indicar respectivamente a alternância de tempos fortes e fracos, o que daria uma maior ênfase ao aspecto rítmico. “Este estilo de articulação rítmica é muito diferente daquele das guitarras romântica e moderna, cujos princípios fundamentais apregoam que todas as notas sejam articuladas com a mesma regularidade e igualdade na maioria das passagens.” (Op. cit.). O autor ainda cita outras técnicas como a alternância entre indicador e médio, que, como descreve, é uma forma de execução de melodias que “não foi realmente utilizada com frequência até o séc. XVII” (Op. cit.), e o dedillo, que já mencionamos anteriormente. O mesmo acredita ser possível e necessário empregar estas técnicas no violão para se executar este repertório. Nossa hipótese se baseia na premissa de que o violão incorpora elementos técnicos pertencentes a todos os seus antecessores como as guitarras, vihuelas e alaúdes. [...] dispomos de um quadro razoavelmente preciso da técnica da guitarra, extraída das fontes de vihuela e alaúde. Tal afirmação corrobora com nossas considerações acerca da possibilidade de tradução idiomática da técnica utilizada por estes instrumentos para o violão. (Op. cit., p. 64)

Neste trabalho procuraremos, nas peças que serão analisadas, de que forma esses elementos de ordem técnica estarão representados. Outro ponto importante é a questão rítmica. Luciana Tenório aponta o trabalho que Sara Mead fez neste sentido. Para ela “as figuras de breve, semibreve e mínima se referem às figuras usadas nas partituras da época, que têm os mesmos nomes das modernas, mas durações diferentes.” (MEAD 1994 apud TENÓRIO, 2007, p. 11). Desta forma, a autora apresenta a seguinte relação de equivalência rítmica entre as tablaturas de alaúde, as tablaturas de vihuela, e a notação padrão hodierna, em pauta:

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Figura 12: Relação de equivalência rítmica entre as tablaturas de alaúde, vihuela e a notação padrão atual. FONTE: Op. cit., p. 10.

Sobre esta relação de equivalência, especialmente entre o segundo e o terceiro modelo, diferente da que foi apresentada no capítulo anterior, Koonce (2008, p. 38, tradução nossa)25 afirma que “na atualidade, nós estamos acostumados a usar valores menores que os usualmente encontrados na tablatura de vihuela: a semibreve está em maior conformidade com nossa moderna mínima ou semínima em vez da nota inteiramente semelhante.”

3.2. PAVANA DEL PRIMERO Y SEGUNDO TONO, DE LUYS MILÁN

É interessante notar que no próprio El Maestro, Milán ensina como deve ser lida a tablatura. Ele demonstra desde a ordem em que as cordas estão representadas, de cima para baixo, da mais aguda para a mais grave, às cifras que representam as casas do instrumento, como vemos na figura abaixo:

Figura 13: Trecho de El Maestro, de Luys Milán FONTE: MILÁN, 1536, p. 4.

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Today, we are accustomed to using smaller values than those usually found in vihuela tablature: the semibreve conforms more closely to our modern half note or quarter note instead of the graphically similar whole note.

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Como foi mencionado no capítulo anterior, o El Maestro difere das demais obras da época na forma como as cordas estão dispostas na tablatura. Até o momento não encontramos fonte que explicasse o motivo dessa particularidade na obra de Milán. A peça em questão é a primeira de um conjunto de seis fantasias às quais o compositor considerou chamar de pavanas por se assemelharem com as que eram tocadas na Itália. No início dela ele fornece essa explicação através de um pequeno texto, como segue abaixo:

Figura 14: Texto explicativo da Pavana del Primero y Segundo Tono, de Luys Milán FONTE: Op. cit., p. 66.

Do exposto acima podemos fazer a seguinte tradução: Estas seis fantasias que se seguem como acima, vos direi parecem em seu ar e compostura às mesmas pavanas que em Itália se tocam: pois em todo remetem a elas digamos-lhes pavanas. As quatro primeiras são inventadas por mim. As duas que depois se seguem a fonada delas foi feita em Itália: e a compostura sobre a fonada delas é minha. Devem-se tocar com o compasso algo apressado: e requerem tocar duas outras vezes. E esta pavana que primeiramente se segue anda pelos termos do primeiro e segundo tono. (Op. cit., tradução nossa).

Apesar de apresentar algumas particularidades como, por exemplo, o f sendo empregado onde hoje usar-se-ia um s, e a letra u sendo utilizada para também designar o som de v, é possível realizar a tradução deste documento tendo como base o espanhol atual. Esse fato demonstra a importância de se preservar a língua, pelo menos em sua forma escrita, ao longo dos anos. Mudanças constantes na estrutura escrita da língua podem tornar cada vez mais difícil a compreensão de documentos antigos. O termo cõpostura significa a voz superior, e fonada possivelmente seja estrutura. Como vimos no capítulo anterior, tonos são os modos usados por Milán, no caso específico desta Pavana temos um modo misto (maestro e discípulo) que seria a junção do primeiro e do segundo modos (tonos). O modelo de tablatura usado por Milán não se utiliza de símbolos para representar possíveis informações adicionais, que são passadas apenas de forma textual.

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Como informamos no capítulo anterior, ao notar o ritmo, Milán grafa os valores acima de todas as colunas de notas, diferentemente do modelo simplificado adotado pelos vihuelistas posteriores. O valor usado como parâmetro para a pulsação é a mínima, que na execução desempenha o papel que a semínima tem para nós nos dias atuais. Na imagem abaixo temos o trecho inicial da peça. Podemos observar que as semibreves são utilizadas no início e no fim de cada frase, enquanto as mínimas, marcando a pulsação, executam as consonancias (acordes), e as semínimas são usadas nas diminuições melódicas.

Figura 15: Trecho inicial da Pavana del Primero y Segundo Tono, de Luys Milán FONTE: Op. cit.

A seguir temos o uso de colcheias para grafar a execução dos redobles (passagens escalares), que pediam uma execução mais rápida.

Figura 16: Grafia rítmica para os redobles na Pavana del Primero y Segundo Tono, de Luys Milán. FONTE: Op. cit., p. 67.

Não encontramos na obra a indicação de alguma técnica específica para a execução. Como visto, o andamento foi expressado textualmente, com o termo compasso (cõpás) algo apressado, de acordo com a análise que realizamos no capítulo anterior essa indicação representaria um andamento moderado, tendo a mínima como referência para a pulsação. Partindo de nossa experiência prática, constatamos que o modelo de tablatura utilizado por Milán, com a linha superior representando a corda mais aguda, apresenta maior facilidade de leitura para um instrumentista habituado a ler partitura. Principalmente pelo fator da representação espacial, ao termos as vozes mais agudas postas acima das mais graves. Com efeito, no modelo que apresenta a disposição inversa há, a princípio, a necessidade de adaptação

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ao sistema para se proceder à leitura. Nessa peça, de modo específico, temos uma clara apresentação da divisão rítmica, o que se deve, como já foi mencionado anteriormente, ao caráter didático da obra de Milán, que organiza as peças partindo das mais simples para as mais complexas. Acreditamos, portanto, ser o El Maestro um excelente ponto de partida para o violonista que queira ter contato com as tablaturas originais de vihuela. Como vimos, não há na peça a indicação de técnicas de execução dos redobles. De acordo com o que vimos em nossa pesquisa, supõe-se que seja mais adequada a técnica de dos dedos. Contudo, há fatores que dificultam o emprego da técnica da vihuela ao violão. O principal deles seria a estrutura física do instrumento. De acordo com o que foi exposto nos tópicos anteriores, o principal empecilho residiria na impossibilidade de apoiar o dedo mínimo da mão direita sobre o tampo do violão, o que exigiria uma readequação no posicionamento de mão direita do violonista. Outro ponto importante é o fato de termos características sonoras distintas entre os dois instrumentos. Desse modo, o que funciona bem em um instrumento pode não funcionar tão bem no outro, havendo ainda a possibilidade de estarmos deixando de lado uma importante contribuição sonora que o violão pode fornecer à peça em questão. Entendemos que pode ser mais importante compreender qual o papel que a técnica original da vihuela desempenha na execução do que apenas empregá-la na íntegra. Procuramos comparar as duas formas de execução dos redobles, a técnica de dos dedos e a de indicador e médio (como é comum ao violão). Constatamos haver no primeiro caso a alternância de intensidades entre as notas, sendo que as notas pulsadas pelo polegar são naturalmente acentuadas, enquanto no segundo caso há um equilíbrio maior de intensidades. Todavia, é possível realizar essa alternância de intensidades também no segundo modelo de pulsação (i, m), ficando a critério do intérprete a escolha do modelo de pulsação que será empregado na execução. Dessa forma, foi possível ler a tablatura original da Pavana em questão e obter, a partir dessa leitura, sua execução.

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3.3. QUATRO DIFERENCIAS SOBRE GUARDAME LAS VACAS, DE LUYS DE NARVÁEZ

Apesar de não possuir o mesmo caráter didático que a obra de Luys Milán os Seys Libros de Luys de Narváez também apresentam muitas informações que auxiliam o intérprete na leitura de tablaturas.

Figura 17: Trecho dos Seys Libros, de Luys de Narváez FONTE: NARVÁEZ, 1538, não paginado.

Como podemos ver, há a demonstração sobre a maneira como as ordens estão organizadas na pauta. Neste caso, temos uma disposição inversa à adotada por Milán, de cima para baixo, da mais grave para a mais aguda. Da mesma forma, temos a informação sobre as cifras que serão usadas e o que elas representam: corda solta (0), primeiro traste (1), segundo traste (2) etc. Uma novidade é a utilização de ponto entre as linhas (rayas), que, como o próprio autor explica, servem para guiar los numeros que se an de dar juntos. Ou seja, servem para indicar as vozes paralelas dentro da estrutura contrapontística que devem ser tocadas de forma simultânea. Também servem para orientar o leitor quanto às mudanças de valores rítmicos. A seguir, vemos a explicação que Narváez fornece sobre a organização rítmica empregada na notação.

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Figura 18: Trecho dos Seys Libros, de Luys de Narváez FONTE: Op. cit.

De modo sucinto, indica que as barras são colocadas no espaço de uma semibreve, cabendo, em cada, proporcionalmente, duas mínimas, quatro semínimas e oito colcheias. O título completo da peça é Quatro diferencias sobre Guardame las vacas. Son del primer Tono. No início dela, temos a seguinte configuração de símbolos:

Figura 19: Trecho inicial das Quatro diferencias sobre Guárdame las vacas, de Luys de Narváez FONTE: Op. cit.

Destes, vimos o último (o círculo com uma haste no meio) no capítulo anterior. Serve para representar o andamento (tiempo). Neste caso específico representa um andamento um pouco rápido. De acordo com explicação do próprio Narváez:

Figura 20: Trecho dos Seys Libros, de Luys de Narváez FONTE: Op. cit.

Podemos traduzir da seguinte forma:

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Este compasillo se assinalará ao princípio de cada obra: com um destes dois círculos [...] que se chamam tiempos. O primeiro denota que o compasillo se há de levar algo à pressa para que pareça bem a obra que tocar. O segundo, donde estiver se levará o compasillo muito de espaço [lento] porque assim o requer a obra pela consonância ou diminuição que terá. (NARVÁEZ, 1538, não paginado, tradução nossa).

Segundo o autor compasillo representa a unidade de uma semibreve, ou duas mínimas, quatro semínimas etc. Os outros dois símbolos, um trio de losangos e duas hastes verticais ligadas por quatro traços diagonais, estão conectados com a explicação textual. O trio de losangos está localizado na quinta linha, e indica que na quinta ordem, no terceiro traste, está a clave de cesolfaut. O conjunto de hastes verticais e horizontais está na terceira linha, e indica que na terceira ordem, no primeiro traste, está a clave de cesolfaut. Tratam-se de claves que servem para indicar ao intérprete a localização dos semitons característicos na escala do instrumento, de acordo com o modo em que a peça está composta. De forma resumida, a música dos vihuelistas está estruturada sobre hexacordes. Tomando por padrão a sequência dó, ré, mi, fá, sol e lá, temos entre a terceira e a quarta nota um intervalo de um semitom. Este mesmo padrão pode ser transportado para diferentes alturas. Trata-se de um sistema de solmização desenvolvido por Guido d’Arezzo na Idade Média que ficou conhecido como Gamut, que tinha a função de possibilitar aos cantores o domínio da leitura relativa das alturas, o que possibilitava que lessem em diferentes modos com mais facilidade. Sobre o uso deste sistema pelos vihuelistas, e a representação através de claves, Koonce (2008, p. 23, tradução nossa)26 afirma que “habilitava os instrumentistas a identificarem o modo de cada peça pela localização da posição de seus semitons na escala.” No caso específico da peça em questão, temos duas claves. A primeira, trio de losangos, indica que o hexacorde inicia no terceiro traste da quinta corda, teremos então o semitom ocorrendo entre o segundo e o terceiro traste da quarta corda. A segunda clave, conjunto de hastes verticais e horizontais, indica que o hexacorde começa no primeiro traste da terceira corda. Deste modo, temos a ocorrência do semitom entre a segunda corda solta e o primeiro traste da mesma. Convertendo essa informação em notas, é como se tomássemos uma escala de Dó maior (modo jônio), estendendo-se do Dó ao mi (além da oitava), com os respectivos semitons entre o mi e o fá, e entre o si e o dó. Como a estrutura era hexacordal, era necessária 26

[…] enabled players to identify the mode of each piece by locating the position of their semitones on the fingerboard.

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a utilização de duas claves se fosse preciso incluir mais um semitom na peça. A denominação “cesolfaut”, c-sol-fa-ut (dó), representa o padrão de organização onde o semitom está inserido, outros modelos são o “fefaut”, “gefaut” etc. O detalhamento dessa teoria foge ao âmbito do nosso trabalho. Por ora, basta saber como essa informação está contida na tablatura e o que ela representa. Deve-se ressaltar que mesmo que não haja clave é possível identificar o modo, pois as relações intervalares são perceptíveis na medida em que se lê a obra. Narváez emprega as claves para facilitar ao interprete a identificação do modo, a fim de que o mesmo possa proceder às diminuições, e até mesmo a possíveis transposições da obra, com maior agilidade. Como mencionamos no capítulo anterior, ao notar o ritmo, Narváez utiliza-se do modo simplificado, colocando o signo rítmico apenas sobre uma coluna específica e só grafando outro se o valor rítmico da nota for diferente. Como também foi informado, a obra de Narváez traz o uso de proporções rítmicas, são elas 3/1, sugerindo que se faça três semibreves onde se levaria uma, 3/2, três mínimas no tempo de duas, 6/4, seis semínimas no tempo de quatro, e 9/3, nove semibreves no tempo de três. Narváez não criou nenhum símbolo específico para representar essas proporções nas peças. Como informa, o mesmo será indicado através de um dos tipos de círculos que determinam o tempo da obra. Esta representação não nos é muito clara, e a identificação do ciclo rítmico acaba ficando por conta da sugestão melódica. Koonce descreve um pouco do processo de identificação dos mesmos. Na configuração de Narváez, existem alguns padrões que estão em agrupamentos rítmicos claramente identificáveis seja compasso binário ou ternário, e a facilidade com que Narváez é capaz de transitar de um para outro é evidente. Outras proporções, tais como um e dois, são ambíguas, e sua interpretação permanecerá uma escolha subjetiva para os editores e intérpretes modernos. (KOONCE, 2008, p. 59, tradução nossa)27.

Na obra de Narváez não encontramos símbolos, ou texto, que representassem elementos técnicos específicos a se executar. Cada uma das diferencias, está indicada de forma escrita.

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In the setting by Narváez, there are some measures that are in clearly identifiable rhythmic groupings of either duple or triple meter, and the ease with which Narváez is able to transition from one to the other is apparent. Other measures, such as one and two, are ambiguous, and their interpretation will remain a subjective choice for modern editors and performers.

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Figura 21: Trecho das Quatro diferencias sobre Guardame las vacas, de Luys de Narváez FONTE: NARVÁEZ, 1538, não paginado.

A principal dificuldade que encontramos ao ler a tablatura dessa peça ficou por conta da identificação das proporções rítmicas sob as quais a obra está estruturada. As principais referências por nós adotadas foram a sugestão melódica e a incidência dos baixos em pontos onde pudemos identificar possíveis tempos fortes. É possível identificar, tomando essas referências, um padrão de divisão 3/2 (ou 6/4 como é empregado em algumas transcrições atuais) na exposição do tema (primeira diferencia):

Figura 22: Trecho inicial da Primera diferencia. NOTA: Os baixos circulados representam possíveis tempos fortes, indicando o padrão de divisão rítmica em 3/2, ou 6/4. FONTE: NARVÁEZ, 1538, não paginado.

A representação da corda mais aguda na linha inferior demandou, a princípio, certo tempo de trabalho para uma efetiva adaptação para a leitura, principalmente pelo fato de termos na maioria dos casos, inclusive nos sistemas de tablaturas atuais, a disposição inversa na representação da ordem das cordas. Contudo, passada essa dificuldade inicial foi possível proceder à leitura dessa obra. Outro aspecto interessante destas diferencias é a presença constante dos redobles. Para execução desses, seguimos o mesmo pensamento proposto para a Pavana de Milán. A estrutura contrapontística dessa obra está, em praticamente sua totalidade, dividida em duas vozes. Na própria tablatura é possível perceber de maneira bastante clara a

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distinção entre elas, como podemos ver na terceira diferencia, por exemplo, uma estrutura contrapontística de perguntas e respostas:

Figura 23: Trecho inicial da Tercera diferencia. FONTE: NARVÁEZ, 1538, não paginado.

Como vimos, Tenório (2007, p. 11) apresenta uma sugestão para a diferenciação das vozes através da digitação de mão direita. No caso específico dessa peça, podemos, como a autora sugere, considerar a possibilidade de utilização apenas do polegar da mão direita para executar as vozes mais graves e, de fato, a solução apresentada possibilita uma melhor diferenciação das vozes. Entretanto, em diversos pontos das diferencias temos a execução de redobles na região mais grave. Em nossa experiência prática, mostrou-se mais eficaz a execução dessas passagens, especificamente, com o recurso do dos dedos (polegar e indicador).

3.4. FANTASÍA QUE CONTRAHAZE LA HARPA EN LA MANERA DE LUDUVICO, DE ALONSO MUDARRA

No início dos Tres Libros, Mudarra menciona, sem citar os nomes, que houve dois trabalhos de excelente qualidade antes do dele, que já haviam explicado muito bem o funcionamento de tablaturas, das cifras e da ordem das linhas em relação às cordas. Contudo, ele considera necessário fazer, e faz, uma recapitulação. Essencialmente, são os mesmos elementos vistos, sobretudo nos Seys Libros de Narváez, porém, sem o uso de claves. Mudarra usa também sinais rítmicos específicos de tiempo, que vimos no capítulo anterior. Ele nos fornece uma indicação precisa de como proceder com cada um destes símbolos. Para o símbolo

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usado para indicar um tempo lento (despacio), indica que a breve deve valer um compás, para os demais, rápido (apriesa) e nem muito rápido nem muito lento (ni muy apriesa ni muy a espacio), a breve vale dois compassos. Com relação à técnica, fala especificamente dos redobles, que são as passagens escalares. Recomenda o uso da técnica de dos dedos (polegar e indicador), preferencialmente, para tocálos. Contudo, considera válido usar o dedillo (indicador atacando para e dentro e para fora da corda) também. Neste sentido, procura fornecer uma opção para a execução de ambos. Propõe o uso do dedillo em escalas que vão em sentido descendente, e o dos dedos para escalas que seguem em sentido ascendente. Outro ponto peculiar, e estará presente na fantasia, é a presença do sinal “^” sobre algumas cifras. Este sinal serve para indicar que a nota deve ser sustentada, ou que o dedo da mão esquerda não deve deixar de pressioná-la até o fim do compás. Frank Koonce (2008, p. 80, tradução nossa)28 afirma ser esta fantasia “uma das mais conhecidas e mais celebradas peças de todo o repertório da vihuela.” O título completo dela é: Fantasía que contrahaze la harpa en la manera de Luduvico, es dificil hasta ser entendida (Fantasia que imita a harpa à maneira de Ludovico, é difícil até ser entendida). Segundo o New Grove (2001, v. 17, p. 357, tradução nossa)29, trata-se de “um conjunto disfarçado de variações folia que usam ritmos cruzados e cromatismo ousado para imitar o lendário harpista de Ferdinand III de Aragon.” O símbolo presente na tablatura indica tempo apressado, ou rápido. A princípio também vemos os sinais “^” sobre algumas notas, indicando que as mesmas devem ser sustentadas.

Figura 24: Trecho inicial da Fantasía que contrahaze la harpa en la manera de Luduvico, de Alonso Mudarra FONTE: MUDARRA, 1546, não paginado.

28 29

one of the best-known and most celebrated pieces of the entire vihuela repertoire. a disguised set of folia variations that use cross rhythms and bold chromaticism to imitate the legendary harpist of Ferdinand III of Aragon.

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Assim como no trabalho de Narváez, na obra de Mudarra os pontos que são colocados entre as linhas servem para indicar quando as notas devem ser tocadas juntas e auxiliar na identificação da mudança de figuras rítmicas. Em algumas peças, Mudarra indica quando deve ser empregado o dedillo, e quando devem ser empregados os dos dedos. Nesta em particular não houve essa indicação. Ao iniciar o trecho final da peça Mudarra coloca a seguinte informação na tablatura: “Daqui até perto do final há algumas falsas [dissonâncias], tocandose bem não parecem mal.” (Op. cit., tradução nossa)30. Existe um entendimento corrente de que, em alguns trechos dessa peça, deve-se usar campanelas. De acordo com Gisela Nogueira (2008, p. 111), o efeito da campanela “é causado pela ressonância de notas sustentadas em passagens melódicas, pisadas ou tocadas em ordens diferentes de cordas”. Esse recurso era comum às guitarras de cinco ordens, que usavam afinação reentrante. Segundo Souto (2010, p. 73): “Tal elemento não constitui linguagem idiomática da vihuela uma vez que este instrumento usa outro tipo de afinação. Tampouco constituem as campanelas elementos significativos da escrita em tablatura utilizada por Mudarra em sua ‘Fantasia’.” Frank Koonce ao transcrever a obra defende este ponto de vista: Minha digitação sugerida reflete as posições originais de traste e corda da tablatura. Uma abordagem alternativa, aplicada frequentemente a esta peça pelos violonistas atuais, é a de tocar cada uma das notas das escalas através de diferentes cordas, de modo que suas sonoridades se sobreponham. Esta técnica e efeito musicais são estilisticamente associados com a música para a guitarra barroca, mas não à vihuela renascentista. (KOONCE, 2008, p. 81, tradução nossa)31.

Deste modo, a própria tablatura nos mostra como nas passagens melódico-escalares não são executadas as campanelas. Como podemos ver no exemplo a seguir:

Figura 25: Trecho da Fantasía que contrahaze la harpa en la manera de Luduvico FONTE: MUDARRA, 1546, não paginado.

30 31

Desde aqui hasta acerca del final ay algunas falsas tañendose bien no parecen mal. My suggested fingerings reflect original fret and string positions of the tablature. Na alternative approach, applied frequently to this piece by modern-day guitarists, is to play stepwise notes of scales across diferent strings so that their sonorities overlap. This technique and musical effect is stylistically associated with music for the Baroque guitar, but not the Renaissance vihuela.

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Em grande parte das transcrições que são comumente utilizadas nos dias de hoje, temos esse mesmo trecho sendo apresentado para execução através da realização da campanela. Como é o caso, por exemplo, da transcrição de Frederick Noad (2002 apud SOUTO, 2010, p. 71):

Figura 26: Trecho de transcrição realizada por Frederick Noad da Fantasía que Contrahaze la Harpa en la Manera de Luduvico, de Alonso Mudarra. FONTE: NOAD 2002 apud SOUTO, 2010, P. 71.

No exemplo acima temos, em destaque, o mesmo trecho apresentado na figura 25, transcrito para a pauta padrão. Pode-se observar a sugestão de execução de Noad de cada nota em cordas distintas, diferentemente do que é proposto pela tablatura original, onde todas as notas são executadas na mesma corda, não havendo sobreposição de sonoridades. Ao escolher entre esses modelos para a execução da peça, o intérprete pode levar em conta tanto a forma como esta era executada à vihuela, de acordo com o que se pode verificar na tablatura original, quanto as contribuições que o violão pode trazer, com possibilidades diferentes às da vihuela, à execução da mesma. Como vimos, o modelo de tablatura empregado por Mudarra é similar ao utilizado por Narváez, porém sem a presença de claves. De modo que foi possível realizar sua leitura sem, no entanto, olvidar a dificuldade de execução que é inerente à peça, assim como às demais cujas tablaturas foram analisadas neste trabalho.

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4. CONCLUSÃO

Analisamos as tablaturas originais das obras Pavana del Primero y Segundo Tono, de Luys Milán, Quatro Diferencias Sobre Guardame Las Vacas, de Luys de Narváez e Fantasía Que Contrahaze La Harpa en La Manera de Luduvico, de Alonso Mudarra, verificando as possibilidades de leitura deste material com o violão, e de ter nessas uma alternativa para a interpretação do repertório de vihuela. Com estes objetivos, apresentamos o instrumento para o qual foram compostas e suas características gerais, além de dados sobre seus compositores, as obras onde estão contidas e o sistema empregado para grafá-las, a tablatura. Expusemos as características gerais do violão, seu desenvolvimento histórico e o sistema de notação que é usado para registrar as obras de seu repertório. Traçamos um paralelo entre os dois instrumentos, com a finalidade de identificar possíveis adaptações que seriam necessárias neste último, para proceder à leitura destas peças na notação original. Analisamos suas tablaturas, identificando as informações fornecidas textualmente pelos compositores autores, os diferentes símbolos empregados, e o que eles representam, as diferentes notações e concepções rítmicas e como a mesmas devem ser compreendidas, as técnicas específicas e como elas estão representadas na notação, e o andamento (tiempo) de cada peça. A partir do levantamento destas informações, e de experiência prática por nós realizada, podemos concluir que é possível ler esses documentos originais com o violão. Embora ainda encontre resistências, essa prática tem sido cada dia mais comum no meio violonístico. Peter Martin (não datado, p. 46, tradução nossa)32 afirma que o simples fato de afinarmos a terceira corda em fá#, permitindo a leitura direta dos documentos originais, “nos abre a porta a um repertório enorme de música, no qual encontramos muitas boas obras e algumas realmente magníficas.” Segundo ele, intérpretes atuais têm recorrido a esse sistema “já que permite um acesso direto ao repertório sem a necessidade de depender das transcrições.”33 O fato de os dois instrumentos possuírem afinações semelhantes, pelo menos em âmbito relativo, é um ponto que comprova esta possibilidade. Oxutro é o fato de que o sistema tablatura,

32

[...] nos abre la puerta a un repertorio enorme de música, en el que encontramos muchas buenas obras y algunas realmente magníficas. 33 ya que permite un acceso directo al repertorio sin la necesidad de depender de las trascripciones.

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não está distante de nós, como foi apresentado na introdução. Atualmente temos grande variedade de músicas sendo veiculadas, através dos mais diversos meios, notadas em tablatura, e os jovens possuem uma relação de familiaridade com o sistema. As diferenças entre o sistema empregado atualmente e o sistema empregado para registrar a música para vihuela são poucas. Temos o mesmo sistema de identificação dos pontos na escala por números, e a disposição das cordas em Milán é a mesma da que é usada atualmente na maioria dos casos: de cima para baixo, da mais aguda para a mais grave. Nos trabalhos dos demais vihuelistas, como vimos, esta ordem está invertida. Outra diferença é o uso de unidades de ritmo. Contudo, os valores são semelhantes aos utilizados nos dias atuais, requerendo apenas a adaptação que foi sugerida anteriormente. Também temos a presença de símbolos específicos para representar o andamento (tiempo), clave e elementos técnicos. Mas todos estes elementos são explicados pelos autores no início de suas obras. Obviamente, mesmo tendo esta quantidade de informações que permitem a leitura das obras, caso se queira fazer um estudo mais aprofundado da interpretação das mesmas é necessário estudar as técnicas que eram empregadas, e os aspectos teóricos ligados à estrutura de cada peça. Outro ponto que requer maior atenção é o tratamento que deve ser dado às diferentes vozes. Contudo, mesmo sem estar de posse destas informações é possível realizar a leitura. E mesmo utilizando as transcrições, esses estudos adicionais não poderiam ser dispensados. Desta forma, os modelos originais podem ser utilizados como uma possibilidade real para execução destas peças, abrindo a possibilidade de colocar o intérprete em contato direto com outras obras do repertório da vihuela. A prática corrente no meio editorial é de publicar transcrições de obras já conhecidas do grande público. Nesse processo, muitas boas peças acabam não sendo conhecidas. As obras originais dos vihuelistas estão disponíveis para download gratuito pela internet em diversos sites, possibilitando ao intérprete conhecer melhor este repertório e trazer ao público estas obras ainda desconhecidas. Caso se opte pelas transcrições, pode-se utilizar estas tablaturas para fazer comparações e até mesmo para auxiliar na escolha dos dedilhados, tornando mais conscientes as decisões quanto à execução. A principal contribuição que essa fonte nos deu, para a execução destas peças, diz respeito especificamente às digitações. O violão, assim como os demais instrumentos de cordas, possui a peculiaridade de apresentar uma mesma nota em diversos pontos da escala. Como as tablaturas são guias de execução, é possível saber exatamente onde posicionar os dedos. Por simples que seja, esta informação nos diz muito sobre como trabalhar a sonoridade e o fraseado.

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É possível saber, por exemplo, que não se faz campanela no repertório da vihuela, como foi visto anteriormente. Também é possível ter uma ideia sobre o caráter e o andamento da obra, uma vez que muitas transcrições não fornecem esta informação. Outro ponto importante foi a possibilidade de transpor estas peças para diferentes pontos do braço do instrumento com maior facilidade. Por ora, entretanto, partindo de nossa experiência prática, acreditamos que o próprio fato de ter que se alterar a afinação do instrumento para proceder à leitura requer um conhecimento prévio ao contato com estas tablaturas. Também é necessário ter a leitura rítmica já desenvolvida, o que pressupõe um contato anterior com a notação padrão em pauta. Com relação à execução, é necessário saber minimamente interpretar uma estrutura polifônica. Outro ponto importante está relacionado aos símbolos específicos, apesar de os vihuelistas terem tido a preocupação de descrevê-los no início das obras, expressam-se em termos que muitas vezes não são comuns à nossa época, faz-se necessária uma literatura de apoio. Desta forma, não seria possível a uma pessoa que não estivesse de posse deste conhecimento proceder à leitura destas tablaturas de forma satisfatória. Contudo, esta atividade poderia ser conduzida com o auxílio de um professor. Uma possibilidade de direcionamento desta pesquisa seria verificar com estudantes de violão com pouca experiência se eles conseguiriam ler esses documentos originais. Na atualidade, as tablaturas são muito presentes no contexto informal de ensino e aprendizagem de instrumento devido ao seu caráter prático. À Renascença, sua condição era similar, na medida em que tinham o objetivo de tornar possível o aprendizado instrumental a uma pessoa com poucos conhecimentos musicais. Porto (2012, p. 26) afirma que as tablaturas tinham um duplo endereçamento: aos profissionais da música e aos cortesãos que não possuíam treino. Contudo, sua difusão se deu, principalmente, pelas demandas do segundo grupo. A profusão desse tipo de escrita no século XVI, especialmente, denota o interesse ou a demanda que aqueles compositores tinham em relação ao exercício da profissão, tendo que produzir um material que servia primeiramente aos que não eram peritos, ou seja, a nobreza que patrocina e, por ornamento dos costumes, também toca. (Op. cit., p. 27)

Com relação aos músicos profissionais, as tablaturas facilitavam a execução de obras polifônicas. Falando sobre a relação que os tecladistas tinham com esse sistema, Porto afirma que a elaboração de tablaturas fazia parte da sua formação musical, quando da necessidade de executar obras polifônicas para quatro ou mais vozes, eles faziam suas próprias tablaturas a fim de facilitar a leitura e eventual execução. “Além da divisão das vozes que compõem a obra entre

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as duas mãos do organista, a tablatura reduz para duas ‘pautas’ as várias linhas das vozes, simplificando extraordinariamente a leitura para o instrumentista [...]”. (Op. cit., p. 32). Como mencionamos anteriormente, nos dias de hoje tem-se discutido sobre a utilização de diferentes linguagens no ensino do instrumento e como a tablatura está inserida neste processo. Maurício Teixeira (2008, p. 37) acredita que estas podem ser utilizadas de forma combinada, no ensino coletivo, o que, segundo ele, pode “facilitar o aprendizado de iniciantes”. Alexsander Vanzela e Ana Paula Vanzela (2014, p. 135) afirmam que a tablatura, utilizada com a partitura, auxilia no “bom desempenho musical”, porque complementa a leitura desta, tornando-a mais ágil. Neste sentido, vimos que até mesmo dentro da produção de material didático para violão clássico já há, em alguns casos, o uso da tablatura paralelamente à partitura. Partindo do exposto, vimos que a tablatura, embora seja um sistema antigo de notação, é amplamente utilizado atualmente. Estabelecendo um paralelo entre o sistema atual e os que vimos ao longo desta pesquisa, podemos identificar traços comuns e diferentes entre eles. Ambos os sistemas se utilizam de cifras, nos sistemas antigos temos a utilização de letras e números, no sistema corrente atual utilizam-se apenas números. Neste, a ordem das cordas é de cima para baixo, da mais aguda para a mais grave. Constatamos em nosso trabalho que, até o século XVIII houve emprego tanto desta sequência, quanto de seu inverso, sendo o primeiro modelo usado nas tablaturas francesas e, nas tablaturas de vihuela, na obra de Milán, enquanto nas tablaturas italianas e nas obras dos demais vihuelistas era utilizado o segundo modelo. Em grande parte das publicações atuais vemos a tablatura ser impressa paralelamente à partitura, deste modo temos todas as informações referentes à grafia musical (clave, ritmo, notas etc.) demonstradas nesta, havendo a complementação mutua na leitura de ambos os sistemas. Onde não há a presença da partitura supõe-se que o instrumentista tenha acesso ao áudio da música em questão para poder complementar o aprendizado. Nos sistemas antigos não havia essa representação paralela, e também não havia a possibilidade de se recorrer a gravações para complementar o aprendizado. Desta forma, muitos compositores procuraram dotar as tablaturas de toda a informação que fosse possível para que houvesse a execução das respectivas peças musicais. Nestas temos a presença de figuras rítmicas, claves, e símbolos que representavam o tiempo e certas técnicas que deveriam ser empregadas, além de informações textuais que visavam possibilitar ao intérprete a compreensão do que estava grafado e de seu caráter teórico. Dado característico do período, Porto (2012, p. 25) afirma que “dificilmente alguma prática essencial e importante a esse aprendizado escaparia de ser registrada didaticamente, fosse ela dirigida aos músicos profissionais, ao clero ou aos gentis homens cortesãos.” Em síntese,

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podemos afirmar que, em comparação com o modelo atual, as tablaturas antigas possuíam maior independência com relação a outros sistemas ou fontes de referência para a execução musical. Com relação à execução instrumental, Paulo Vaz de Carvalho (2013, p. 85) afirma que a utilização da tablatura pode auxiliar o violonista contemporâneo na execução das diferentes afinações apresentadas pela atual produção musical, dada a dificuldade de memorização das posições imposta sempre que uma nova afinação, ou scordatura, é empregada. Admitindo-se que as solicitações vindas da crescente alteração e combinação de elementos musicais exigem um sistema de escrita que considere a escassez de memória mas que seja aplicável a um universo aberto de casos, então deve admitir-se necessariamente que o subsistema que dá continuidade à escrita/leitura musicais (aquele que vai da leitura musical à execução em scordatura) deve assentar também na aplicabilidade de um número de sinais comportável pela memória dos executantes, a um número tendencialmente infinito de solicitações cartográficas que acompanhe as solicitações musicais advenientes. Esse sistema chama-se, desde há séculos, tablatura.

De acordo com Thurston Dart (1990, p. 8-9), é importante buscar as fontes de notação originais para obtenção de qualquer informação a respeito de como a obra deve ser interpretada. [...] presume-se que a única pessoa que sabe exatamente como a sua música deve ser interpretada é o próprio compositor, seja ele do século XV ou da nossa época. Por conseguinte, cada fragmento de informação que um compositor antigo tenha transmitido ao seu intérprete, através da notação escrita que usava, deve ser tratado como se fosse ouro: é precioso demais, e muito mais valioso do que as opiniões do editor, conquanto ilustradas possam ser.

Todavia, Porto nos mostra que é preciso ter cuidado ao lidar com essas fontes, pois ao tratá-las segundo nossos critérios, e de acordo com a nossa formação musical contemporânea, corremos o risco de acabar obtendo um resultado “completamente diverso daquele de fazer aquela música segundo os critérios que os seus artífices consideravam fundamentais.” (PORTO, 2012, p. 332). O mesmo autor ainda afirma, “parece frágil fiar nosso entendimento daquele repertório sobre as nossas próprias impressões particulares adquiridas através da nossa cultura, sem antes conhecer com profundidade aqueles assuntos segundo os critérios que estes autores tão poeticamente registraram.” (Op. cit.). Deste modo, a leitura dessas fontes originais não esgota o conjunto de conhecimentos necessários para a execução dessas peças. A partir desses documentos é possível lê-las e obter informações importantes sobre elas. Porém, compreendêlas no aspecto estrutural e construir o processo interpretativo dentro do que não está

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representado na tablatura, mas era hábito corrente na execução musical da época, requer uma pesquisa mais aprofundada. Acreditamos ter a nossa pesquisa a importância de promover a aproximação com estas fontes e mostrar que é possível lê-las, sob os mais diversos aspectos. Principalmente por se tratar de um sistema de notação que não está tão distante de nós, haja vista o fato já mencionado de as tablaturas serem muito comuns em nosso meio. Esperamos ter contribuído também na promoção de uma reflexão sobre o ensino de instrumento, especificamente o violão. Na medida em que apontamos já haver em algumas novas publicações a utilização da tablatura em paralelo com as partituras, e que há acesso corrente deste tipo de notação por parte dos estudantes de instrumento, através dos meios virtuais, software e publicações. Consideramos importante o professor de instrumento dominar também essa linguagem, pois como vimos a mesma pertence à própria tradição dos instrumentos de cordas dedilhadas, e sempre possuíram forte essência didática.

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ANEXOS

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ANEXO A – Tablatura da Pavana del Primero y Segundo Tono, de Luys Milán

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ANEXO B – Tablatura das Quatro Diferencias Sobre Guardame Las Vacas, de Luys de Narváez

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83

ANEXO C – Tablatura da Fantasía Que Contrahaze La Harpa en La Manera de Luduvico, de Alonso Mudarra

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