LEITURA E ESCRITA: o ensino na Alemanha, no Brasil, na França e na Suécia

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/(,785$((6&5,7$: O Ensino na Alemanha, no Brasil, na França e na Suécia

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APRESENTAÇÃO 08 Lucas Nascimento PREFÁCIO 15 Lucas Nascimento

Parte I ± ALFABETIZAÇÃO E ATUAÇÃO DOCENTE NA ALEMANHA, NO BRASIL E NA SUÉCIA

COMPARAÇÃO DE DUAS EXPERIÊNCIAS DE SONDAGENS NA ALFABETIZAÇÃO: BRASIL E ALEMANHA 42 Claudia Rosa Riolfi ± USP, Brasil Valdir Heitor Barzotto ± USP, Brasil Diana Schuler ± Université Sorbonne Nouvelle ± Paris 3, França Escola Estadual de Ensino Fundamental Grundschule Neues Tor, Alemanha

A AQUISIÇÃO DA CONCORDÂNCIA NOMINAL POR CRIANÇAS BILÍNGUES SIMULTÂNEAS SUECO-PORTUGUÊS 63 Mary-Anne Eliasson ± Stockholm University, Suécia

UMA NARRATIVA DO SISTEMA EDUCACIONAL SUECO E DO ENSINO DE LÍNGUA MATERNA NA SUÉCIA 107 Maria Clara Neto Andersson ± Göteborg Folkuniversity, Suécia Lucas Nascimento ± USP, Brasil, Stockholm University, Suécia

O ENSINO DE LEITURA E A FORMAÇÃO DE SUJEITOS PEQUENINOS NO SUL DO BRASIL: UMA TAREFA DE ETERNA (RE)CONSTRUÇÃO DE SENTIDOS E (DE)MARCAÇÃO DE LUGARES 133 Nathan Bastos ± UNIPAMPA, Brasil Fabiana Giovani ± UNIPAMPA, Brasil



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Parte II ± ALFABETIZAÇÃO: LEITURA E ESCRITA

ALFABETIZAÇÃO: AS MARGENS DE UMA TRAVESSIA 171 Mariza Vieira ± UCB, Labeurb/UNICAMP, Brasil

A ESCRITA NOS ANOS INICIAIS E A EMERGÊNCIA DA AUTORIA INFANTIL 207 Carolina Fernandes ± UNIPAMPA, Brasil Selma S. de Souza Milano

A ALFABETIZAÇÃO COMO CONSTRUÇÃO DE UM PROJETO DE DIZER: O LUGAR DO SUJEITO AUTOR POR MEIO DA CIRCULARIDADE DOS GÊNEROS DO DISCURSO 242 Fabiana Giovani ± UNIPAMPA, Brasil Moacir Lopes de Camargos ± UNIPAMPA, Brasil Nathan Bastos ± UNIPAMPA, Brasil

FREINET E A EDUCAÇÃO INFANTIL BRASILEIRA: PRINCÍPIOS E TÉCNICAS DE ENSINO DA LEITURA E DA ESCRITA 266 Ana Laura Ribeiro da Silva ± FABE, Brasil Elieuza Aparecida de Lima ± UNESP, Brasil Cleriston Izidro dos Anjos ± UFAL, Brasil

Parte III ± LINGUÍSTICA, ENUNCIAÇÃO E PSICANÁLISE: PARADIGMAS PARA A ALFABETIZAÇÃO

ENCADEAMENTOS ARGUMENTATIVOS EM TEXTOS DE UMA ALUNA BRASILEIRA 301 Claudia Rosa Riolfi ± USP, Brasil Renata de Oliveira Costa ± USP, Brasil

AQUISIÇÃO DA ESCRITA: DESEJO QUE FAZ FRONTEIRA AO GOZO 319 Marisa Assunção Teixeira ± USP, Brasil

O CONCEITO DE REBUS PARA O ENSINO DA ESCRITA E DA LEITURA 355 Sheila Oliveira Lima ± UEL, Brasil



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SENTIDOS DOS SONHOS: O SIGNO ONÍRICO SEGUNDO O ESTRUTURALISMO, A PSICANÁLISE E A ENUNCIAÇÃO 391 Julio Cesar Machado ± UFSCar, Brasil Livian Aparecida Corsi Machado

Parte IV ± POLÍTICA E ADMINISTRAÇÃO ESCOLAR DA ALFABETIZAÇÃO NO BRASIL

AS POLÍTICAS PÚBLICAS E SUAS REPERCUSSÕES NO PROCESSO DE ALFABETIZAÇÃO DE CRIANÇAS BRASILEIRAS COM SEIS ANOS 419 Rosane Carneiro Sarturi ± UFSM, Brasil Jucemara Antunes ± UFSM, Brasil, SMEd/SM, Brasil

LÍNGUA, IDENTIDADE E ENSINO: UM PERCURSO HISTÓRICO POR DOCUMENTOS OFICIAIS BRASILEIROS 436 Priscila da Silva Santos ± USP, Brasil

ENTRE CONCEITOS E PRÁTICAS PEDAGÓGICAS PAULISTAS: A CONSTITUIÇÃO DISCURSIVA DA PSICOGÊNESE DA ESCRITA &20280$³5(92/8d­2&21&(,78$/´ 470 Mariana Pesirani ± USP, Brasil

LEITURA E ESCRITA NA ESCOLA BRASILEIRA: UMA URGÊNCIA! 501 Lucas Nascimento ± USP, Brasil

A ALFABETIZAÇÃO LINGUÍSTICA NA EDUCAÇÃO BÁSICA DO BRASIL 526 Lucas Nascimento ± USP, Brasil Nora Estela Goggi ± Universidad de Tres de Febrero, Argentina Ana Maria Antunes ± Secretaria Estadual de Educação do Estado do Rio Grande do Sul, Brasil



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Parte V ± LEITURA E ESCRITA: A FORMAÇÃO INICIAL DE PROFESSORES E O CONTEXTO UNIVERSITÁRIO DO BRASIL E DA FRANÇA

ENSINO E APRENDIZAGEM DA LEITURA E DA ESCRITA NA EDUCAÇÃO INFANTIL BRASILEIRA: REFLEXÕES SOBRE A FORMAÇÃO DE PROFESSORES E A EXPERIÊNCIA COM O PIBID 535 Amanda Valiengo ± UFVJM, Brasil Elieuza Aparecida de Lima ± UNESP, Brasil Cleriston Izidro dos Anjos ± UFAL, Brasil

POTENCIALIDADES DO RELATÓRIO DE ESTÁGIO NOS CURSOS DE FORMAÇÃO INICIAL DE PROFESSORES: LEITURA E ESCRITA SOB FOCO 570 Daniela Eufrásio ± UNIFAL, Brasil

PRINCÍPIOS E PROCEDIMENTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS DO TRABALHO COM A LEITURA NA UNIVERSIDADE BAIANA 588 Urbano Cavalcante Filho ± USP/IFBA, Brasil

O ENSINO DE PORTUGUÊS NA UNIVERSIDADE FRANCESA: ENTRE A NORMA PORTUGUESA E A BRASILEIRA 601 Liliane dos Santos ± Université Charles-de-Gaulle ± Lille 3, França. Maria Carolina Nogueira François ± Université Charles-de-Gaulle ± Lille 3, França.

SOBRE O EDITOR 632 SOBRE OS AUTORES 636



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Nossa intenção para com os leitores desta obra é instigar a leituras que se escrevem. Para isso apresentaremos precisa e detalhadamente o trabalho com o e do discurso e o seu movimento em questões de ensino de Língua Portuguesa. Os textos que compõem a obra são destinados a todos os interessados nas possibilidades que a aproximação entre Análise do Discurso e ensino oferece para o despertar de responsabilidades pela melhoria com o trabalho com a linguagem em contexto educacional. Cada texto traz o olhar-leitor do autor que o escreveu, discutindo a linguagem em relação à determinada perspectiva teórica, à escolha metodológica, à especificidade do corpus em análises.



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Por exemplo, a comparação de duas experiências de sondagens na alfabetização: Brasil e Alemanha; a produção escrita no ensino fundamental brasileiro; a emergência da autoria nas séries iniciais; a aquisição do português brasileiro para as crianças sueco-brasileiras em Estocolmo; políticas linguísticas na educação básica brasileira; educação infantil, formação de professores e o Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID); a alfabetização: saber a língua e saber sobre a língua; a alfabetização e a educação infantil; a análise do discurso na escola, a leitura e a escrita; a constituição discursiva da psicogênese da escrita; o conceito de rebus da psicanálise como contribuição ao ensino de leitura e escrita; aquisição da escrita, entre desejo e gozo; o sentido dos sonhos e a santa ceia em análises sob o escopo do estruturalismo, da enunciação e da psicanálise; o ensino de Língua Portuguesa/ Língua Materna na Suécia e o sistema educacional sueco de ensino; o ensino de português no contexto universitário da França; princípios e procedimentos do trabalho com a leitura na universidade brasileira;o relatório de estágio na Formação Inicial de Professores, entre outros. * Ao reconhecer a importância dos estudos do discurso e do texto (ou estudos linguístico-discursivos) e seus avanços na educação acadêmica brasileira, avaliamos importante a tarefa de organização que nos instiga pelo trabalho de dirigir e apresentar a iniciativa ao campo pedagógico: a Análise do discurso e o ensino. Os atuais estudos da Análise do Discurso não se pautam em um exclusivo modelo de análise; ao contrário, sustentam-na em rica heterogeneidade de corpus que enriquecem os trabalhos analíticos. O interesse dado ao objeto discurso depende dos momentos e dos lugares de enunciação que ele está inserido. Isso afirma e reconhece a pesquisa sobre



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discursividade em relação a outras abordagens teóricas. A fim de verificar o funcionamento do discurso e como se produzem sentidos que circulam, em um momento histórico, em uma sociedade, diferentemente de outras teorias, a Análise do Discurso trabalha seu objeto de modo que a distingue de outros que se debruçam na organização interativo-textual, por exemplo. Para este volume, compreensões como a defendida por Michel Pêcheux de que o desenvolvimento atual de numerosas pesquisas sobre os encadeamentos intradiscursivos (interfrásticos, na ordem da língua, da estrutura) permite à AD abordar o estudo da construção dos objetos GLVFXUVLYRV H GRV DFRQWHFLPHQWRV H WDPEpP GRV ³SRQWRV GH YLVWD´ H ³OXJDUHV HQXQFLDWLYRV QR ILR LQWUDGLVFXUVLYR´ 3rFKHX[ >D@ S 316)1, leva-nos a buscar fortalecimentos nos muitos pontos de interrogação instigados por Pêcheux, sobretudo àqueles pensados como desafios e destinos à análise do discurso: 1. ³&RPR VHSDUDU QLVVR TXH FRQWLQXDPRV D FKDPDU ³R VXMHLWR GD HQXQFLDomR´ R UHJLVWUR IXQFLRQDO GR ³HJR-HX´ HVWUDWHJLVWD DVVXMHitado (o sujeito ativo intencional teorizado pela fenomenologia) e a emergência de uma posição do sujeito?2´ 2. ³4XHUHODomRSDUDGR[DOHVVDHPHUJrQFLDPDQWpPFRPRREVWiFXOR a irrupção imprevista de um discurso-RXWURDIDOKDQRFRQWUROH"´ 3. ³2VXMHLWRVHULDDTXHOHTXHVXUJHSRULQVWDQWHVOiRQGHR³HJR-HX´ YDFLOD"´ 4. ³&RPR LQVFUHYHU DV FRQVHTXrQFLDV GH XPD WDO LQWHUURJDomR QRV SURFHGLPHQWRVFRQFUHWRVGDDQiOLVH"´ 1

PÊCHEUX, Michel. [1983a]. A Análise de Discurso: três épocas (1983). In: GADET, F; HAK, T. Por Uma Análise Automática do Discurso: uma introdução à obra de Michel Pêcheux. 3. ed. Campinas: Ed. Unicamp, 1997. p. 311-318.

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Nessa questão, Pêcheux (1983a) explicita seu afastamento sobre a ideia do assujeitamento (noção-herança da fenomenologia que entende o sujeito como ativo e intencional) reconhecendo a posição de sujeito em seus estudos.



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5. ³6H D DQiOLVH GH GLVFXUVR VH TXHU XPD QRYD  PDQHLUD GH ³OHU´ DV materialidades escritas e orais, que relação nova ela deve construir entre a OHLWXUDDLQWHUORFXomRDPHPyULDHRSHQVDPHQWR"´ 6. ³&RPR FRQFHEHU R SURFHVVR GH XPD $' GH WDO PDQHLUD TXH HVVH SURFHVVR VHMD XPD LQWHUDomR ³HP HVSLUDO´ FRPELQDQGR HQWUHFUX]DPHQWRV reuniões e dissociações de séries textuais (orais/escritas), de construções de TXHVW}HVGHHVWUXWXUDo}HVGHUHGHVGHPHPyULDHGHSURGXo}HVGDHVFULWD"´ Interrogações

como

estas,

advindas

da

obra

de

Pêcheux

([1983a]1997, p. 317-8), terão lugar nesta Coleção por possibilitar a emergência de novos procedimentos da Análise do Discurso, sobretudo por LQGLFDU DOJXPDV GLUHo}HV GH FRQVWUXo}HV QRYDV FRPR SRU H[HPSOR ³R espaço de memória de um corpo sócio-KLVWyULFRGHWUDoRVGLVFXUVLYRV´HD LQVFULomRSHODHQDOtQJXDGR³corpo interdiscursivo de traços´EHPFRPR ³R encontro entre um espaço de interlocução, um espaço de memória 3 e XPD UHGH GH TXHVW}HV´ 7DLV GLUHo}HV DVVLQDODP-se no conjunto de preocupações postas em jogo na AD (cf. Nascimento, 2011, p. 41)4. Diante disso, perguntamo-nos: Como, então, articular a Análise do Discurso com o ensino brasileiro? Aquela Análise do Discurso proposta por Michel Pêcheux em 1969 na França, quando pairavam a infância do computador e as manifestações estudantis e esforços acadêmicos do estruturalismo envidados ao combate positivista europeu? A articulação se dará justamente pela necessidade de enfrentar a situação do ensino da leitura e da escrita: a dívida com o trabalho de escrita em sala de aula e a rejeição pela produção do conhecimento, resultado da dificultosa clivagem entre discurso e corpo (trabalho humano de se pôr a 3 PÊCHEUX, Michel. [1983b]. Papel da Memória. In: ACHARD, P. et. al. Papel da Memória. Tradução e introdução de José Horta Nunes. Campinas: Pontes, 1999. p. 49-57. 4 NASCIMENTO, Lucas do. Análise do Discurso: acontecimento e memória(s) de tráfico. Curitiba: Appris Editora, 2011. p. 41.



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escrever e a ler). Não fazer calar o corpo que ora se cala quando se lança a tarefa de produzir escrita e leitura é o objetivo principal a ser enfrentado com seriedade no ensino. * Alcançar a página escrita pela presença de letras, sílabas, palavras, movimentos discursivos em que estruturas e acontecimentos5 se encontram oferecendo leituras e instigando leitores potenciais, exige-nos ± a professores e alunos ± a ética6 de lidar honestamente com a posição-sujeito de saber(es). A posição-sujeito e a inteligibilidade do saber se instauram no momento em que se leva em conta o outro como alvo de descrever, dezescrever7 e interpretar sentidos, como corresponsável pela organização semântica ao ler, por exemplo. Do outro lado, aquele de quem escreve, a transformação do corpo escrito em escrita é que dizeres curiosos formam corpus de textos. O objeto supostamente escrito numa linguagem que deve ser possível de decodificação e interpretação é o produto de sentido almejado por quem trabalha com linguagem. Assim, urgem trabalhos de escrita e de leitura em que o gesto de dividir o presente de um passado precisa demonstrar qualidade e competência da produção escrita e na leitura. Não ser mais o que havia sido até então é o desafio de quem batalha pelo aprimoramento dessas duas ações produtivas. Por sua vez, cada novo tempo de escrita e de leitura deve ser encarado como trabalho inteligível determinado por este momento de escrever e ler. A dita inteligibilidade do presente significa o que está na ordem da compreensão, do compreendido, 5

PÊCHEUX, Michel [1983c]. O Discurso: estrutura ou acontecimento. Tradução de Eni Puccinelli Orlandi. 3. ed. Campinas: Pontes, 2002.

6 BARZOTTO, V. H.; RIOLFI, C. R. (Orgs). O Inferno da Escrita: produção escrita e psicanálise. Campinas, SP: Mercado de Letras, 2011. 7

BARZOTTO, V. H.; RIOLFI, C. R. (Orgs.). Dezescrita. São Paulo: Paulistana, 2014. (Coleção Sobrescrita, 4).



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o que se tem como potencial a ser oferecido no momento, daquilo que ainda não foi oferecido como aprendizado. Na linguagem, os atrasos, as resistências8, as sobrevivências perturbam o perfeito progresso da interpretação e da produção de sentidos. Queremos dizer com isso que a sintaxe construída na leitura e na escrita marca um lugar, representa o algo aprendido, informa a pisada na caminhada, indica a parada no percurso, demonstrando a impossibilidade da perfeição. Por isso, o desafio é repleto de riscos. E aquele tempo é o tempo de arriscar pelo inteligível. No sentido lacaniano, tem-se a leitura9 e a escrita imbricada uma a outra, de modo que não só haja leitura da escrita ± como codificação ± mas mais do que isso, leitura como escrita de algo e vice-versa. Assim, ler é indissociável do destino de escrever, de gerar um presente, de organizar uma razão, de regular autenticidades. Ler e escrever encenam histórias e sujeitos, angústias e criação, desistências e produções, o pensável e o progresso. Enfim, no ensino de linguagem se almeja o trabalho legível num tempo presente. Trabalhar linguagem em sala de aula nos aponta o paradoxo ora ao possível e ora ao limite, pois, trata-se de dizeres e de fazeres. O laço dado para amarrar dizer e fazer da escrita, por exemplo, parece funcionar como enigma no ensino. Saber laçar, atualmente, coloca em teste professores e alunos de maneira a ocorrer dúvidas, incertezas, sobre o momento certo de arremessar o laço. O momento certo é o ponto cego entre a permissão de trabalhar a escrita e a leitura e a interdição entre rasurar, copiar e criar ou soletrar, silabar e ler. Dessa relação da linguagem com o corpo, de onde se fala para o qual se fala, da ilusão que sempre se pode saber do que se fala, da fabricação localizada em tal ou qual ponto do sistema para se ter escrita 8

No sentido empregado por Michel Foucault.

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BARZOTTO, V. H. (org.). Estado de Leitura. Campinas, SP: Mercado de Letras, 1999 (Coleção Leituras no Brasil).



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e/ou leitura, é o que procuramos apresentar em cada texto publicado: discussões que envolvam linguagem e ensino, sob o escopo teórico da Análise do Discurso.

Esse é o nosso convite à leitura, como uma escrita!

/XFDV1DVFLPHQWR Stockholm, outono sueco de 2014.



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Tomando autores e conceitos importantes da Análise do Discurso, da História das Ideias Linguísticas, da Enunciação, da Psicanálise, da Educação, da Linguística, da Filosofia, entre outros, os autores dos textos presentes neste volume ± que articula principalmente Análise do Discurso e Ensino ± procuram esclarecimentos sobre os processos por que passam os sujeitos inseridos nesta instância de alfabetização ou de leitura e escrita por toda uma vida de cidadania, seja em aulas escolares, em inter-relações pessoais de todo dia, em leitura ou escrita de e-mails, de textos narrativos, de textos escolares, em geral, em reuniões de trabalho, entre outras.



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A obra está organizada em: Parte I ± Alfabetização e Atuação Docente na Alemanha, no Brasil e na Suécia; Parte II ± Alfabetização: Leitura e Escrita; Parte III ± Linguística, Enunciação e Psicanálise: Paradigmas para a Alfabetização; Parte IV ± Política e Administração Escolar da Alfabetização no Brasil; Parte V ± Leitura e Escrita: A Formação Inicial de Professores e o Contexto Universitário do Brasil e da França.

Para melhor situar o leitor com relação aos movimentos dos quais os textos se constituem em resultado, em alguma medida, escolheu-se apresentá-los brevemente neste prefácio.

* A Parte I ± Alfabetização e Atuação Docente é composta por 8 pesquisadores de 5 instituições nacionais e internacionais (brasileiras, alemã e suecas) em 4 textos. (P ³Comparação de Duas Experiências de Sondagens na $OIDEHWL]DomR %UDVLO H $OHPDQKD´, &ODXGLD 5RVD 5LROIL 8QLYHUVLGDGH GH 6mR 3DXOR , 'LDQD 6FKXOHU 8QLYHUVLWp 6RUERQQH 1RXYHOOH ² 3DULV  )UDQoD e 9DOGLU +HLWRU %DU]RWWR 8QLYHUVLGDGH GH 6mR 3DXOR realizam alguns apontamentos a respeito dos saberes (linguísticos ou não) mobilizados por professor para apreender e registrar um dado estado de conhecimento apresentado por uma criança no momento da sondagem. Para isso, utilizam dados coletados em duas experiências: as sondagens realizadas em escolas municipais da cidade



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de São Paulo e aquelas feitas com crianças para ingresso na alfabetização da Escola Estadual de Ensino Fundamental Grundschule Neues Tor, em Berlim, na Alemanha. (P³$$TXLVLomRGD&RQFRUGkQFLD1RPLQDOSRU&ULDQoDV%LOtQJXHV Simultâneas Sueco-3RUWXJXrV´ 0DU\$QQH (OLDVVRQ 6WRFNKROP 8QLYHUVLW\ 6XpFLD apresenta os resultados da análise da aquisição da concordância nominal por duas das crianças que participaram do trabalho de seu doutoramento. Os dois casos foram estudados com base em um corpus semi-longitudinal, cuja fala informal das meninas foi registrada durante o período de um ano e meio. Anna e Maria foram escolhidas por terem uma situação familiar que apresenta traços bastante semelhantes, tornado possível a comparação:

a. mães do sudeste brasileiro com formação acadêmica, ambas trabalhavam, na época da coleta de dados, com assuntos diretamente ligados ao Brasil e à língua portuguesa, não tendo sido registrado nenhum sinal de regressão em seu português (Lund 2003);

b. os pais suecos, de Estocolmo, com formação acadêmica e com uma atitude positiva em relação ao Brasil e ao uso do PB no ambiente familiar com as crianças, e em qualquer outra ocasião também; c. têm cada uma um irmão três anos e meio mais novo, que na época entendem, mas não falam português, sendo que as crianças falam sueco entre si.

As duas meninas não apresentam dificuldade em separar as duas línguas mas, assim que entram para o jardim de infância, o sueco passa a



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ser nitidamente a sua língua mais forte (doravante LFo ± Schlyter 1993). Para ilustrar o desenvolvimento da aquisição do PBLFr (Português Brasileiro Língua Fraca), será feita uma análise da aquisição da concordância nominal em sintagmas determinantes (DP). Para poder observar a aquisição das categorias funcionais do PB por Anna e Maria, foi analisada a concordância dos sintagmas determinantes (DP), focando a concordância de número em DPs, e também de gênero, tratando mais especificamente da concordância entre artigos, substantivos e adjetivos. Assumiu-se para a análise das entrevistas que a criança quando tem acesso à Gramática Universal (GU) adquire as categorias funcionais da sua L1 (Língua materna) a partir de dados simples e robustos encontrados no input de seu ambiente linguístico (Lightfoot 1989); contando com que tanto a concordância [AGR] de gênero, como a de número, conste da morfossintaxe encontrada na comunicação cotidiana entre mãe e filho(s), no ambiente bilíngue em que Anna e Maria adquirem suas duas L1s. (OLDVVRQ GHVWDFD TXH ³Xm dos traços que pode vir a se mostrar problemático nesta análise, é o fato de o emprego de número na gramática do falante da norma culta urbana no Brasil, hoje em dia, ser variável, com dois sistemas coexistentes (Corrêa et al 2005): padrão e não-SDGUmR´ 1RWH[WR³8PD1DUUDWLYDGR6LVWHPD(GXFDFLRQDO6XHFRHGR(QVLQR GH /tQJXD 0DWHUQD QD 6XpFLD´ 0DULD &ODUD 1HWR $QGHUVVRQ *|WHERUJ )RONXQLYHUVLW\ 6XpFLD e /XFDV 1DVFLPHQWR 8QLYHUVLGDGH GH 6mR 3DXOR %UDVLO e 6WRFNKROP 8QLYHUVLW\ 6XpFLD  escreveram didaticamente em cinco partes, em muitas delas elaboraram e responderam questões muito objetivas acerca do ensino e do sistema educacional sueco. Com a experiência de ensinar Língua Portuguesa como Língua Materna em Göteborg e região há mais de 17 anos, Neto-Andersson afirma:



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Hoje, quase um quinto dos alunos do ensino obrigatório tem um antecedente estrangeiro; ou nascidos no estrangeiro ou nascidos na Suécia de pais estrangeiros. A proporção de alunos com outra língua materna varia de escola para escola. Em algumas escolas, é bastante rara, enquanto em outros é muito comum. Há fatores que são importantes para a escolares e para que a escola faça para esses alunos, esses fatores podem existir diferenças no conhecimento, na experiência e, mais geralmente ,no aprendizado. Paralelamente a isso, há uma série de padrões gerais que emergem, como em relação à organização do ensino da língua materna. É importante a participação nesta matrícula para o desempenho conhecimento dos alunos - no que diz respeito notas e classificações médias de mérito. Há estudo que destaca a questão da adaptação do ensino de uma forma mais geral para o benefício deste grupo de alunos. Neto-$QGHUVVRQ GHVFUHYH SRQWXDOPHQWH ³Lnformações

sobre

educação de língua materna para os alunos nas classes 1-9 no Município de $OLQJnV´FLGDGHRQGHOHFLRQD7DPEpPGHVFUHYHR3ODQHMDPHQWR*HUDOGH 3RUWXJXrV/tQJXD0DWHUQD e ainda apresenta objetivos do ensino da Língua Materna na escola sueca. O texto em coautoria apresenta, enfim, um panorama específico do sistema sueco de educação e do ensino de língua materna como política linguística de investimento ao bilinguismo e ao multilinguismo. Em não-contexto escandinavo como nos dois anteriores, no texto ³O Ensino de Leitura e a Formação de Sujeitos Pequeninos no Sul do Brasil: Uma Tarefa de Eterna (Re)Construção de Sentidos e (De)Marcação de Lugares´de 1DWKDQ%DVWRV 8QLYHUVLGDGH)HGHUDOGR3DPSD e )DELDQD*LRYDQL 8QLYHUVLGDGH)HGHUDOGR3DPSD , o leitor encontrará argumentos para ler: um caminho que inicia com Freire (2003), passa por Petit (2009), Pennac (1998) e completa com as reflexões de Todorov (2010). A teoria que reflete na vida ± consta o apoio no aporte teórico ± dividido em duas subseções: a



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primeira delas trata do ensino de leitura, na qual os autores repassam por alguns aspectos desse tipo de práticas no Brasil; a segunda subseção é relativa à formação de leitores. A outra seção é dedicada a teoria bakhtiniana, que nos ensina a responder responsavelmente. A última seção conta com duas subseções em que são descritas a metodologia, o campo de pesquisa e a análise que é feita. Segue a isso as considerações finais.

* A Parte II ± Alfabetização: Leitura e Escrita é composta por 9 pesquisadores de 6 instituições acadêmicas em 4 textos. Do largo da sua experiência no MEC e no INEP, 0DUL]D 9LHLUD 8QLYHUVLGDGH &DWyOLFD GH %UDVtOLD /DERUDWyULR GH (VWXGRV 8UEDQRV 8QLYHUVLGDGH (VWDGXDOGH&DPSLQDV HVFUHYH³AlfabetizaçãoDVPDUJHQVGHXPDWUDYHVVLD´ considerando o que vem produzindo, algo sobre alfabetização da perspectiva da História das Ideias Linguísticas e da Análise do Discurso, ou seja, sobre a entrada do sujeito em outra discursividade ± a da escrita, com tudo que isso acarreta em termos de uma relação específica com a alteridade, de um trabalho contraditório entre saber a língua e saber sobre a língua, visando à construção de espaços logicamente estabilizados para um sujeito pragmático (Pêcheux, 1990) habitar, em que, imaginariamente, haveria controle dos gestos de leitura, produzindo determinados efeitos e, ao mesmo, a resistência do sujeito, pelo trabalho na e com a língua sempre sujeita a falhas. &DUROLQD )HUQDQGHV 8QLYHUVLGDGH )HGHUDO GR 3DPSD e 6HOPD 6 GH 6RX]D 0LODQR HVFUHYHP ³$ (VFULWD QRV $QRV ,QLFLDLV H D (PHUJrQFLD GD $XWRULD ,QIDQWLO´FRPDILQFRGH apresentar os resultados da pesquisa realizada junto aos alunos do terceiro ano do Ensino Fundamental.



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O nosso objeto de investigação foi o processo de escrita dos alunos do terceiro ano do Ensino Fundamental de três escolas públicas de Bagé, cidade do Estado do Rio Grande do Sul, observando se assumem a posição de sujeito-autor e como o discurso pedagógico influencia esse processo. O propósito foi conhecer como é desenvolvida a escrita nas turmas de 3º ano dos anos iniciais no que tange à questão da autoria e analisar as atividades de escrita do livro didático Buriti Português 3 da Editora Moderna em comparação com as atividades de escrita do caderno de um aluno do 3º ano do ensino fundamental de uma escola particular de Bagé. O texto de Fernandes e Milano propõe a reflexão: a) sobre o papel que o aluno deve ocupar de sujeito crítico capaz de atribuir sentido ao mundo que o cerca; e b) ao professor, sobre a sua prática e sobre o seu papel em auxiliar o aluno para que passe da posição de sujeito-aluno à de autor. Essas reflexões justificam-se em como a escrita é trabalhada na escola e na necessidade do aluno posicionar-se como autor na sua produção textual. Para isso propõem os seguintes questionamentos: 1) Como o aluno do 3º ano do Ensino fundamental realiza a produção escrita? 2) Em que condições essa produção se realiza? 3) Os alunos do terceiro ano se colocam na posição de autores em suas produções? 4) Até que ponto ele assume a autoria do próprio texto? 5) Os processos metodológicos usados auxiliam a ascensão do sujeito-aluno a autor? 6) De que forma o discurso pedagógico pode influenciar nesse processo? As análises se baseiam em sequências discursivas recortadas de textos dos alunos e de algumas falas que foram transcritas durante as observações na pesquisa de campo.



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(P ³$$OIDEHWL]DomRFRPR&RQVWUXomRGH8P3URjeto de Dizer: O Lugar do Sujeito Autor por meio da Circularidade dos Gêneros do 'LVFXUVR´ )DELDQD *LRYDQL 8QLYHUVLGDGH )HGHUDO GR 3DPSD  0RDFLU /RSHV GH &DPDUJRV 8QLYHUVLGDGH)HGHUDOGR3DPSD  e1DWKDQ%DVWRV 8QLYHUVLGDGH)HGHUDO GR3DPSD declaram:  Defendemos então que o alfabetizar tendo como pano de fundo a teoria dos gêneros do discurso de Bakhtin (2003) é garantir a existência de um projeto de dizer do sujeito, o que implica considerar uma criança como sujeito autor em constituição, que se apropria do texto escrito na/a partir da interação com a escrita e, principalmente, com o outro. Além disso é compreender melhor as representações dos aprendizes sobre o texto escrito, as hipóteses que eles (re) elaboram, as particularidades e convergências de seus percursos marcados por uma subjetividade socialmente constituída, como postula também Vygotski (1991). Os pesquisadores trabalham com a questão da enunciação em Bakhtin (1992). Com base nesse autor afirmam que o sujeito locutor vai adaptar-se ao contexto que lhe dá uma forma relativamente estável ao JrQHUR GLVFXUVLYR $ILUPDP DLQGD TXH ³3URGX]LU XP HQXQFLDGR Mi relacionando isto com a questão do ensino, implica que o sujeito daquele discurso tenha além do acesso as unidades formais da língua, acesso às unidades concretas e vivas da língua. Somente no enunciado que há sentido, é através dele que é garantida a constituição do sujeito na e pela linguagem. ³6HUKXPDQR´SUHVXPH³VHUQDSDUDDOLQJXDJHP´´ Para o trabalho de análise, Giovani, Camargos e Bastos mostram dois textos produzidos por duas crianças em fase de alfabetização, no ano de 2009, que demonstram questões relacionadas ao projeto de dizer que ambas tiveram ao serem submetidas a um processo de alfabetização a partir dos gêneros do discurso (os textos infantis fazem parte do corpus construído



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por Giovani (2010) na ocasião do seu estudo de doutoramento na Universidade Estadual Paulista ± Unesp). ³)UHLQHW H D (GXFDomR ,QIDQWLO %UDVLOHLUD 3ULQFtSLRV H 7pFQLFDV GH Ensino da Leitura e da Escrita´ $QD /DXUD 5LEHLUR GD 6LOYD )DFXOGDGH GH %HUWLRJD  (OLHX]D $SDUHFLGD GH /LPD 8QLYHUVLGDGH (VWDGXDO 3DXOLVWD  &OHULVWRQ ,]LGUR GRV $QMRV 8QLYHUVLGDGH )HGHUDO GH $ODJRDV  assumem que chamou atenção às técnicas de ensino elaboradas por Célestin Freinet: um educador francês, que direcionou o ensino no respeito e na escuta às expressões infantis. Os autores afirmam:

Com a perspectiva de trazer algumas das contribuições desse educador para a Educação Infantil, este texto tem o objetivo de apresentar proposições de Freinet para pensarmos o ensino e a aprendizagem da escrita e da leitura na educação de crianças pequenas e, no conjunto das discussões, refletirmos sobre aspectos essenciais para superação de apropriações aligeiradas de sua Pedagogia, especialmente daquelas reducionistas à organização do espaço escolar em ³FDQWRV´ TXH QmR PXGDP D HVVrQFLD GD YLGD HVFRODU autoritária e improdutiva (Ribeiro, 2004). * A Parte III ± Linguística, Enunciação e Psicanálise: Paradigmas para a Alfabetização está assinada por 6 pesquisadores de 4 universidades brasileiras. ³(QFDGHDPHQWRV $UJXPHQWDWLYRV HP 7H[WRV GH 8PD $OXQD %UDVLOHLUD´&ODXGLD5RVD5LROIL 8QLYHUVLGDGHGH6mR3DXOR e 5HQDWDGH2OLYHLUD &RVWD 8QLYHUVLGDGH GH 6mR 3DXOR examinam a especificidade do ato de argumentar em textos escritos por uma criança durante os três primeiros anos de sua escolarização. Elas se perguntam na pesquisa como uma aluna



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de escola pública estadual de bairro periférico da maior cidade latinoamericana realiza encadeamentos argumentativos em seus textos? Em procura a resposta(s), recorrem à Teoria dos blocos semânticos (Ducrot, 1999, com a contribuição de Marion Carel) inscrita na Teoria da argumentação da língua formulada por Ducrot (1981, 1987, 1989). Dizem as autoras que o interesse por estudar manuscritos escolares se deu pelo fato de que o estudo desse material proporciona uma visão de diferentes práticas de textualização, seus objetivos pedagógicos, e suas funções didáticas. Na análise dos manuscritos escolares produzidos pela aluna, as pesquisadoras interessaram-se especificamente pelo que ocorre no momento em que é convidada a realizar uma tarefa de escrita cujo fim último é a argumentação. Visam, afinal, incidir sobre a diminuição da tendência para a incompletude e a dispersão (conforme descrição por Lemos, 2002). 1D HVWHLUD GD 3VLFDQiOLVH ³Aquisição da Escrita: Desejo Que Faz Fronteira Ao Gozo´ 0DULVD $VVXQomR 7HL[HLUD 8QLYHUVLGDGH GH 6mR 3DXOR questões de escrita HP³HPEDUDoRVGHXPHVWXGDQWHGRHQVLQRIXQGDPHQWDO diDQWHGDVH[LJrQFLDVGHDOIDEHWL]DomR´7HL[HLUDGLVFXWHHVVDVTXHVW}HVQD intersecção teórica entre Educação, Linguística e Psicanálise. O texto está organizado, primeiramente, com o quadro conceitual que norteou a análise e, posteriormente, as manifestações da subjetividade, cujo entendimento pela autora é como efeito da instância pulsional ± nas produções escritas de Carlos, seu informante, bem como o resultante da parceria estabelecida por sua professora. O material de análise foi extraído do corpus da tese de doutoramento de Teixeira, defendida na Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, integrante ao projeto coletivo Movimentos do Escrito (quadriênio 2009-2012), do Grupo de Estudos e Pesquisa Produção Escrita e Psicanálise ± Geppep.



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6REUH³2 Conceito de Rebus SDUDR(QVLQRGD(VFULWDHGD/HLWXUD´ 6KHLOD 2OLYHLUD /LPD 8QLYHUVLGDGH (VWDGXDO GH /RQGULQD apresenta algumas propostas de intervenção em dificuldades extremas em aprendizagem da língua escrita por crianças, baseando-se em conceitos oriundos da psicanálise e dos estudos linguísticos para, de acordo com a autora, refletir sobre as possíveis intervenções teóricas no campo do ensino da leitura e da HVFULWD³ORQJHGHVHWUDWDUGHXPDWHQWDWLYDGHHVWDEHOHFHUDGHIHVDGHXPD metodologia de ensino da língua escrita ou mesmo da comprovação da eficácia do encontro entre a psicanálise, a linguística e a educação para o HVWXGRGDVTXHVW}HVUHODWLYDVjDSUHQGL]DJHPGDOtQJXDHVFULWD´ Em específico, a intenção da pesquisadora está na reflexão sobre alguns aspectos que têm se mostrado pertinentes no tocante à entrada da criança na leitura/escrita, bem como sobre as possibilidades de se realizar diagnósticos precoces e, consequentemente, intervenções mais imediatas. A inovação da tese da autora é a pertinência do conceito de rebus para o ensino da escrita e da leitura. Antes de apresentar essa pertinência, ela retoma, ainda que brevemente, o percurso que justifica tal apropriação pelo campo da educação. Assim revê os conceitos de letramento (Soares, 1997/2002, Rojo, 2006, Kleiman,1992, entre outros) e de consciência fonológica (Cardoso-Martins,1995). Tal revisão, evidentemente, tem sua SHUVSHFWLYDYROWDGDSDUDDLGHQWLILFDomRGH³OLPLWHV´QDDEUDQJrQFLDGHVVDV teorias, isto é, para a observação de situações que o conceito não abraça completamente, restando pontos aparentemente insolúveis. Consoante ao estudo de Lima:

[...] não é difícil encontrar ainda inúmeras situações de crianças e adolescentes em idade escolar cujo rendimento não corresponde aos níveis esperados, sobretudo quando se pressupõe uma relação tão imediata entre as ofertas de



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materiais ou a criação de contextos de letramento e a aprendizagem da leitura. Isto é, amparado pela difusão do conceito de letramento amplamente explorado por autores como Tfouni (2002), Soares (1997, 2002), Marcuschi (2004), Rojo (2006), entre outros, atualmente, há certo consenso em afirmar que a formação do leitor, para além dos aspectos do domínio do código alfabético, depende fortemente do valor que a leitura passa a adquirir quando se criam contextos autênticos para sua realização. Porém, apesar de todo esforço acima citado e do respaldo teórico que o mantém, as avaliações educacionais mais recentes não confirmam em seus resultados uma realidade coerente com tal rede discursiva que vem se formando em torno da situação de leitura no Brasil. Já em ³6HQWLGRV GRV 6RQKRV 2 6LJQR 2QtULFR VHJXQGR R (VWUXWXUDOLVPR D 3VLFDQiOLVH H D (QXQFLDomR´ -XOLR &HVDU 0DFKDGR 8QLYHUVLGDGH)HGHUDOGH6mR&DUORV e /LYLDQ$SDUHFLGD&RUVL0DFKDGR observam como a teoria saussureana norteia a difração epistemológica causada pelo surgimento dessa mesma teoria, nos estudos da linguística, ou saberes vizinhos que têm suporte na linguagem. As interpretações diversas sobre sua teoria acabaram por rotulá-lo de diversos epítetos ou clichês, alguns SHMRUDWLYRV FRPR R PDLV IDPRVR DTXHOH TXH ³H[FOXLX R VXMHLWR GD OLQJXDJHP´R³FDUFHUHLURGDOtQJXD´2VDXWRUHVDVVXPHP³9HU-se-á que não compactuamos com essas interpretações, o que pode causar certo estranhamento para o leitor, uma vez que, para nós, Saussure não excluiu nada´ O texto apresenta três análises que partilham o princípio saussureano do signo. Machado e Corsi Machado propõem uma discussão sobre a pertinência da atualidade saussureana para qualquer saber que se escore na língua. Investigam o que se entende por sentido, tratando do corpus atípico de um sonho, com toda sua materialidade discrepante da tradicional linguagem verbal, pelo requinte de três teorias distintas: uma abordagem



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linguística de Saussure, uma visada psicanalítica de Freud e Lacan e uma OHLWXUDHQXQFLDWLYDGH*XLPDUmHV³3RUTXHHVVDFRPELQDomR"1mRVHWUDWD da aventura de uma junção, mas do vislumbramento do signo em cada uma delas. As três vertentes, mesmo separadas metodologicamente, se aproximam na sua essência: as três partilham a noção de signo. Pois se 6DXVVXUHpXPDSHGUDGHWRTXHHVWXGDUDOtQJXDpSHUVFUXWDURVLJQR´

* A Parte IV ± Política e Administração Escolar da Alfabetização no Brasil é composta por 7 pesquisadores em 5 textos. 5RVDQH &DUQHLUR 6DUWXUL 8QLYHUVLGDGH )HGHUDO GH 6DQWD 0DULD e -XFHPDUD $QWXQHV 8QLYHUVLGDGH)HGHUDOGH6DQWD0DULD6HFUHWDULD0XQLFLSDOGH(GXFDomRGH 6DQWD 0DULD apresentam reflexões com base em um dado momento histórico da carreira de duas professoras alfabetizadoras, que hoje se configuram como reflexões preliminares para os estudos que circundam o conjunto de políticas públicas voltadas para a ampliação da oferta de ampliação da obrigatoriedade da educação brasileira, entre elas o próprio Pacto pela Alfabetização na Idade Certa (PINAIC). Sarturi e Antunes GHFODUDP TXH ³VHULD LPSRVVtYHO LQVHULU-se no cotidiano das práticas sem refletir acerca dos pressupostos teóricos que perpassam a infância e as aprendizagens dRVVXMHLWRVTXHDUHIHUHQFLDP´ As autoras dizem que:

A estrutura do texto está organizada em seis momentos, no primeiro, o texto apresenta uma breve exposição sobre o tema, no segundo aborda a questão da proposta da política de ampliação do Ensino Fundamental, trazendo uma discussão sobre o significado dessa proposta. A terceira parte traz algumas reflexões acerca da infância, colocando alguns momentos históricos, elencando a importância desta fase para



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a aprendizagem significativa da criança. A quarta etapa do trabalho explicita um pouco a respeito da construção do conhecimento pela criança de seis anos a qual está ingressando no ensino de nove anos, enfocando as teorias de aprendizagem para a construção de habilidades básicas na criança. A quinta parte apresenta reflexões no que concerne ao processo de alfabetização pela criança de seis anos, considerando a importância do respeito e valorização do lúdico no caminho percorrido pela criança para alfabetizar-se. Na sexta e última parte, as considerações sobre as reflexões realizadas ao longo do texto. 3RUILPGHFODUDPDLQGDTXH³HVWHWUDEDOKRVXUJLXGDQHFHVVLGDGHGH uma reflexão teórica acerca do processo de alfabetização da criança ingressante no Ensino Fundamental de nove anos a partir da política de amSOLDomRQDUHGHGHHQVLQRGRPXQLFtSLRGH6DQWD0DULD´ 3ULVFLODGD6LOYD6DQWRV 8QLYHUVLGDGHGH6mR3DXOR GLVVHUWDHP³/tQJXD Identidade e Ensino: um percurso histórico por documentos oficiais EUDVLOHLURV´ VREUH DV FRQFHSo}HV GH OtQJXD SRUWXJXHVD /3  e língua materna (LM) presentes no campo Oficial. Promete a autora:

Para tanto, analisaremos alguns documentos normativos federais publicados entre os anos de 1971 e 2000 com o intuito de delinearmos um percurso histórico a propósito das concepções de língua no âmbito do ensino. Tais documentos constituirão o que chamaremos aqui de campo Oficial, entendido como ponto normativo de intersecção entre os conhecimentos produzidos na academia (principalmente aqueles produzidos pelos estudos linguísticos) e o fazer metodológico no âmbito da formação de professores de português. A escolha do marco inicial de nosso recorte temporal se deve ao fato de que, apesar do processo de democratização do ensino ter ocorrido nos anos de 1960 e da Linguística ter começado a fazer parte do currículo dos cursos de Letras em



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1963, foi a partir dos anos 70 que a divulgação desta ciência começou a ganhar força no campo do ensino. Entre ³Conceitos e Práticas Pedagógicas Paulistas: A Constituição Discursiva da Psicogênese da Escrita FRPRXPD³5HYROXomR&RQFHLWXDO´ 0DULDQD3HVLUDQL 8QLYHUVLGDGHGH6mR3DXOR objetiva:

(i.)

observar a inter-relação entre discursos sobre alfabetização em documentos oficiais que subsidiam a prática pedagógica dos professores alfabetizadores, a fim de verificar a construção de estratégias discursivas que apresentariam a psicogênese da escrita como uma revolução conceitual para o tratamento pedagógico da alfabetização; e

(ii.)

descrever o sistema de regras semânticas do discurso construtivista sobre alfabetização, a fim de observar como determinados enunciados sobre alfabetização são tomados como legítimos e outros como equivocados.

3HVLUDQL GL] ³2V GRFXPHQWRV HVFROKLGRV SDUD FRPSRU R corpus de análise são representantes do movimento de produção e publicação no Estado de São Paulo, por instâncias oficiais responsáveis pela Educação, de textos cujos objetivos eram apresentar a psicogênese da escrita aos professores alfabetizadores, de forma a levá-los a desenvolverem uma prática pedagógica ancorada nessa teoria de DTXLVLomR GD HVFULWD´. Sendo assim, a autora selecionou os seguintes documentos para compor o corpus:

SÃO PAULO (Estado) Secretaria de Educação. Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas. Alfabetização em classes populares: didática do nível pré-silábico. São Paulo, SE/CENP, 1985;



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SÃO PAULO (Estado) Secretaria de Educação. Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas. Isto se aprende com o Ciclo Básico. São Paulo, SE/CENP, 1986; SÃO PAULO (Estado) Secretaria de Educação. Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas. Ciclo Básico em jornada única; uma nova concepção de trabalho pedagógico. São Paulo, SE/CENP, 1990. v.1; SÃO PAULO (Estado) Secretaria de Educação. Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas. Ciclo Básico em jornada única; uma nova concepção de trabalho pedagógico. São Paulo, SE/CENP, 1990. v.2; SÃO PAULO (Estado). Secretaria da Educação. Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas. Ciclo Básico. São Paulo: SE/CENP, 1990; SÃO PAULO (Estado). Secretaria Estadual de Educação. Proposta Curricular para o Ensino de Língua Portuguesa: 1º grau, São Paulo: SE/CENP, 1992. /XFDV 1DVFLPHQWR 8QLYHUVLGDGH GH 6mR 3DXOR posicionou a Análise do Discurso de fundação pecheutiana francesa para ensino de língua brasileira na educação básica. (P ³Leitura e Escrita na Escola Brasileira: Uma 8UJrQFLD´, Nascimento afirma que o ensino de língua materna é em si um ato político por transportar em livros didáticos, planos e atividades, em geral, políticas linguísticas imbricadas em exercícios, textos, enunciados, questões, formulações, narrativas literárias. Ao utilizar certo exercício ou texto na aula de ³português´, sabendo ou não sabendo, fazemos opções metodológicas carregando, em tal opção, perspectivas acerca da linguagem. Em suas palavras, diz inscrever-se em uma perspectiva que o faz assumir sua opção metodológica:

A análise do discurso (AD) na escola como uma disciplina de interpretação integrada ao ensino de Língua trabalha o resultado de uma atividade de escrita e de leitura como texto, como trabalho de significação. O movimento para essa escrita enquanto texto ± objeto histórico, que significa ± articulado entre sujeitos interlocutores, diversos e



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distintos, em determinados lugares de enunciação, é o que se entende por discurso: movimento de linguagem por sujeitos que trabalham com a língua. Aquele trabalho de escrita (Riolfi, 2003) equivale a dizer que ele sempre constitui o texto como um discurso e, enquanto tal, caracteriza-se pela incompletude, ainda que seja um objeto com início, meio e fim. Nesse caso, não só interessa, para a AD, a organização do texto. O que interessa é o que o texto organiza em sua discursividade, em relação à ordem da língua e a ordem das coisas: a sua materialidade corpórea. Assim, diz Nascimento que ao ensinar Língua Portuguesa não tenhamos a utopia de estarmos em neutralidade educativa, cujos argumentos conhecidos, já pertencentes ao senso comum, são manifestados FRPR ³D KHWHURJHQHLGDGH GD QRVVD FOLHQWHOD p GLItFLO´ ³R HQVLQR p XP SURFHVVRpFRPSOH[R´6RPDGRjVGXDVIDODVDEDOHODGHTXH³VHHXIXJLU da gramática, trabalhar com outras metodologias, não darei conta do SURJUDPD´ &RQYLFWDPHQWH R DXWRU DILUPD TXH HVVD EDOHOD QR SURFHVVR pedagógico precisa extinguir-VH³3UHFLVDPRVHQIUHQWDUDSUiWLFDGHHQVLQo do português com distintas atividades, almejando alcançar objetivos que correspondam às carências e necessidades de aprendizagem dos nossos DOXQRV´ A entrevista de /XFDV 1DVFLPHQWR 8QLYHUVLGDGH GH 6mR 3DXOR a 1RUD *RJJL 8QLYHUVLGDGGH7UHVGH)HEUHUR²$UJHQWLQD , intermediada por $QD0DULD $QWXQHV 6HFUHWDULD(VWDGXDOGH(GXFDomRGR(VWDGRGR5LR*UDQGHGR6XO intitulaVH³$$OIDEHWL]DomR/LQJXtVWLFDQD(GXFDomR%iVLFDGR%UDVLO´. Trata-se de UHVSRVWD D VHLV SHUJXQWDV GH TXHVWLRQiULR GD GLVFLSOLQD ³Formação de )RUPDGRUHV´GDSyV-graduação em Políticas e Administração da Educação da Universidad Nacional de Tres de Febrero, na Argentina. As questões respondidas são:



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1) O que você pensa sobre a formação de professores na Educação Básica do Brasil? Por quê? 2) Quanto à avaliação de docentes, propostas pelo Governo Federal, você é favorável ou não? Por quê? 3) Qual sua opinião à respeito da extinção do Curso Normal ± nível Médio, no Brasil? 4) Quanto às Universidades brasileiras, você acha que os cursos de licenciatura estão preparando de forma adequada os novos professores? 5) Quanto aos dispositivos de avaliação: ENEM, Prova Brasil.... Qual sua posição? 6) Quais são suas observações?

* A Parte V ± Leitura e Escrita: A Formação Inicial de Professores e o Contexto Universitário do Brasil e da França é composta por 7 pesquisadores de 7 instituições nacionais e internacionais (brasileiras e francesa) em 4 textos. ³(QVLQRH$SUHQGL]DJHPGD/HLWXUDHGD(VFULWDQD(GXFDomR,QIDQWLO Brasileira: Reflexões Sobre a Formação de Professores e a Experiência com R 3LELG´ $PDQGD 9DOLHQJR 8QLYHUVLGDGH )HGHUDO GRV 9DOHV GR -HTXLWLQKRQKD H 0XFXUL  (OLHX]D $SDUHFLGD GH /LPD 8QLYHUVLGDGH (VWDGXDO 3DXOLVWD  &OHULVWRQ ,]LGURGRV$QMRV 8QLYHUVLGDGH)HGHUDOGH$ODJRDV se inquietam com a seguintes interrogações:

1. Alfabetiza-se ou não nesse momento da escolaridade? 2. O que significa alfabetizar na Educação Infantil? 3. Essa alfabetização está relacionada com a antecipação da escolarização, típica de propostas do Ensino Fundamental?



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4. Ou, como defende Mello (2005), significa alfabetizar letrando?

Com as inquietações motivadoras das ações dos autores em cursos de formação de professores em universidades públicas brasileiras e também em experiências com o PIBID (Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência), argumentam sobre possibilidades de se alfabetizar na Educação Infantil amparados em alguns fundamentos. Para a discussão, iniciam com breve reflexão sobre os conceitos de letramento e de alfabetização. Na sequência, apresentam um exemplo de atividade envolvendo alfabetização realizada no PIBID, além de outras ações que envolvem diretamente a alfabetização das crianças, com propostas de escrita, leitura e trabalho com a oralidade em turmas de Educação Infantil. 'DQLHOD

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³3RWHQFLDOLGDGHV GR 5HODWyULR GH (VWiJLR QRV &XUVRV GH )RUPDomR Inicial GH 3URIHVVRUHV /HLWXUD H (VFULWD VRE IRFR´ FRP H[HPSORV extraídos de relatórios de estágio produzidos por alunas de licenciatura em Letras. ³(VVH fato traz vantagens para a nossa discussão. A primeira é que, com isso, torna-se possível verificar modos de registro eficientes no relato das cenas de ensino sob enfoque. A segunda é a abordagem de modos de ler analiticamente os dados na medida em que eles vêm contemplar a leitura que não se restringe ao que está sendo tematizado, ou seja, aos conteúdos em discussão, mas também se volta às formas como linguística e GLVFXUVLYDPHQWHWDLVGDGRVIRUDPSURGX]LGRV´DVVXPH(XIUiVLR No que se refere à licenciatura em Letras, compreende-se que esses dois fatores trazem responsabilidades contundentes para a formação desse SURILVVLRQDO ³R HVWiJLR SDUWLFLSD FRPR SDUWH LQDOLHQiYHO QHVVD IRUPDomR´ (Barzotto; Eufrásio, 2008, p. 3). A autora afirma:



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Elucidamos que a escolha por apresentar dados retirados de relatórios de estagiárias do curso de Letras contribui para que aprofundemos algumas discussões concernentes ao modo como a linguagem concretiza-se na produção desses textos. Esse aprofundamento pode trazer elementos para reflexão sobre a elaboração dos relatórios de estágio para alunos das várias licenciaturas, ainda que eles não dominem o respaldo teórico-metodológico do curso de Letras. Mesmo não havendo esse domínio, compreende-se que a observação e a análise de possibilidades de registro dos dados de estágio instauradas nesse curso ajudam a problematizar aqueles relatórios que se caracterizam pela generalização dos eventos de ensino descritos, já que, exatamente por apresentarem os dados de modo genérico, não se concretizam como material confiável para análise, haja vista que não dispõem de precisão de suas informações, como é necessário para avaliações mais rigorosas. [...] O rigor nas análises de situações advindas do estágio e na interpretação dos fatos de língua que puderam ser observados depende da fidedignidade dos dados colocados para avaliação. Nesse sentido, a acuidade e a precisão no momento de registro e de mobilização de tudo o que foi coletado durante o estágio trazem benefícios para a formação daqueles que, na profissão docente, terão como base de seu trabalho a linguagem, em especial quanto aos muitos textos orais e escritos com que lidarão no magistério. Desse modo, o texto trata de aspectos relevantes para a formação docente, no que tange à produção do relatório de estágio, em especial quanto à constituição de modos de leitura e de escrita coerentes com o rigor necessário aos textos de caráter científico-acadêmico. 8UEDQR &DYDOFDQWH )LOKR 8QLYHUVLGDGH GH 6mR 3DXOR,QVWLWXWR )HGHUDO GD %DKLD &DPSXV ,OKpXV  HVFUHYHX ³3ULQFtSLRV H 3URFHGLPHQWRV 7HyULFR0HWRGROyJLFRV GR 7UDEDOKR FRP D /HLWXUD QD 8QLYHUVLGDGH %DLDQD´ SDUD apresentar e discutir os princípios conceituais e teórico-metodológicos que subsidiaram seu trabalho com o componente curricular Leitura e Produção



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de Textos quando atuou como professor da Universidade Estadual de Santa Cruz, em Ilhéus-BA, lecionando nos cursos de graduação em Administração, Economia, Ciências Contábeis e Engenharia de Produção com vistas ao desenvolvimento da competência leitora dos estudantes e formação de leitores proficientes de textos acadêmicos, principalmente aqueles gêneros discursivos que circulam na universidade e que estão em contato cotidianamente. Propõe o autor:

Para o presente artigo, tenho como intenção abordar aspectos relacionados ao processo de leitura, em especial da leitura conhecida como informativa ou de estudo, tomando como objetivos específicos no desenvolvimento deste texto: i) conceituar leitura; ii) identificar os diferentes tipos de leitura e as fases da leitura de estudo; iii) reconhecer os níveis de leitura de um texto; iv) identificar os passos necessários para a garantia de uma leitura satisfatória de diferentes textos. -i HP ³2 (QVLQR GH 3RUWXJXrV QD 8QLYHUVLGDGH )UDQFHVD HQWre a 1RUPD 3RUWXJXHVD H D %UDVLOHLUD´ /LOLDQH GRV 6DQWRV 8QLYHUVLWp &KDUOHVGH *DXOOH²/LOOH)UDQoD e 0DULD&DUROLQD1RJXHLUD)UDQoRLV 8QLYHUVLWp&KDUOHVGH *DXOOH²/LOOH)UDQoD apresentam, um panorama do ensino do português na França, com ênfase em seu sistema universitário. Na primeira parte, apresentam um histórico da implantação e consolidação dos cursos de português no país, observando que essa implantação se deu no sentido inverso ao que se poderia esperar, isto é, começando pelo ensino universitário, no início do século XX, somente no último quarto do século é que ocorreu sua implantação no ensino primário. Também tecem algumas considerações sobre a instabilidade do ensino de português no país, imputada, por muitos, à falta de investimento do governo francês, por exemplo, por intermédio da contratação de professores.



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Na segunda parte tratam de questões relativas às políticas portuguesa e brasileira de difusão da língua portuguesa e das respectivas culturas no exterior e, mais especificamente, na França, analisando os organismos e estruturas que cada governo criou para essa finalidade. Na terceira parte abordam a questão do lugar do Brasil e da norma brasileira no ensino universitário francês, começando por uma breve apresentação das gramáticas e manuais de português, perseguindo com uma ± igualmente breve ± incursão na composição do corpo docente dos departamentos

de

português

das

universidades

francesas

e

na

(des)valorização da norma brasileira. A partir deste último ponto, apresentam algumas considerações sobre o valor mercadológico atual da variante brasileira do português, que tem levado a um acréscimo sensível do número de inscritos e, sobretudo, ao aumento da procura pelo português do Brasil ± que tem provocado consequências inusitadas. Nas considerações finais, as autoras disseram:

Destacamos dois elementos de nossa discussão, o primeiro dos quais aparece em filigrana ao longo de nossa exposição: a disputa entre Brasil e Portugal pela hegemonia no processo de difusão da língua e da cultura no exterior, que é um debate entre duas legitimidades. O segundo elemento que destacamos diz respeito ao recente interesse pelo Brasil, pela cultura brasileira e pelo português do Brasil, decorrente do novo valor mercadológico que o país vem adquirindo nestes últimos anos. De nosso ponto de vista, é necessário permanecer prudente quanto ao entusiasmo que um olhar imediatista muitas vezes pode suscitar. * Esperanço que da Parte I ± Alfabetização e Atuação Docente na Alemanha, no Brasil e na Suécia, junto aos autores, o leitor possa comparar as sondagens de Alfabetização entre Brasil e Alemanha; perceber a



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aquisição da nominalização e sua concordância por crianças bilíngues em Estocolmo; compreender os detalhes do sistema educacional sueco e o ensino de Língua Materna na Suécia; ler sobre o ensino de leitura e a formação de sujeitos-crianças na fronteira sul do Brasil, sob os enfoques dos sentidos e dos lugares que ocupam. Da Parte II ± Alfabetização: Leitura e Escrita, esperanço também que o leitor se deleite com o primeiro texto no que se refere a uma escrita com rigor intelectual e que nos mostra a travessia pelas suas margens, trazendo-nos as contribuições da História das ideias Linguísticas, sobretudo, e da Análise do Discurso, com foco na entrada do sujeito na alfabetização, sujeito de uma outra discursividade: a da escrita. A autora DILUPD ³que isso acarreta em termos de uma relação específica com a alteridade, de um trabalho contraditório entre saber a língua e saber sobre a língua, visando à construção de espaços logicamente estabilizados para um sujeito pragmático´. Esperanço ainda que o leitor possa realmente assumir a política da emergência da autoria infantil na escrita dos anos iniciais e tome como premissa ao ensinar, aliando essa emergência a outra não menos relevante: a construção de um projeto de dizer, que coloque o lugar do sujeito autor meio a circularidade dos gêneros do discurso e meio as implicaturas na produção de escrita (formulação) e na circulação discursiva. Com Freinet e a educação infantil o leitor possa perceber uma política rigorosamente atenta ao respeito e às escutas infantis, tarefas nada fáceis em um sistema brasileiro de ensino infantil tão complexo, polêmico e comprometedor. Com a perspectiva de algumas contribuições desse educador para a Educação Infantil, o leitor possa pensar o ensino e a aprendizagem da escrita e da leitura já nessa fase inicial de crianças e UHFRQKHFHUDQHFHVVLGDGHGH³VXSHUDomRGHDSURSULDo}HVDOLJHLUDGDVGHVXD Pedagogia, especialmente daquelas reducionistas à organização do espaço



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HVFRODUHP³FDQWRV´TXHQmRPXGDPDHVVrQFLDGDYLGDHVFRODUDXWRULWiULDH improdutiva (Ribeiro ´ Da Parte III ± Linguística, Enunciação e Psicanálise: Paradigmas para a Alfabetização, especialmente com contribuições da enunciação e da psicanálise no entremeio de questões linguísticas, avalio que o leitor possa: 1º: ler, entender e analisar os encadeamentos argumentativos em textos da brilhante Bianca, aluna brasileira, junto às análises das autoras altamente especializadas; žFRPSUHHQGHUR³GHVHMRTXHID]IURQWHLUDDRJR]R´QDTXLORHPTXH todos os sujeitos um dia realizaram, bem ou mal: a aquisição da escrita; 3º: entender o conceito de rebus, termo cunhado da Psicanálise, para compreender suas filiações discursivas do campo e as contribuições inovadoras ao ensino da escrita e da leitura por meio de uma tese brasileira recente no campo da linguagem e educação; žOHUHSHUFHEHU³RVVHQWLGRVGRVVRQKRV´RWUDMHWRGHVVHVVHQWLGRV em específico objeto: o sonho. O sonho como signo. Como significação pelo empreendimento do estruturalismo, da psicanálise e da enunciação. Da Parte IV ± Política e Administração Escolar da Alfabetização no Brasil, indico que o leitor percorra apontamentos sobre as políticas públicas e algumas repercussões no processo de alfabetização de crianças brasileiras por texto de experientes professoras e pesquisadoras; percorra também como a língua portuguesa e a língua materna são configuradas por identidades oficial e pedagógica, em trajetória histórica por documentos brasileiros; percorra, sobretudo, conceitos e práticas pedagógicas paulistas que foram constituídoV SRU ³UHYROXomR FRQFHLWXDO´ GH XP PDUFR a psicogênese da escrita. Da urgência da leitura e da escrita na escola e da alfabetização linguística na Educação Básica do Brasil, o leitor entenda a política científica e a implicação da política epistemológica assumida pelo autor



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para as possíveis reverberações. Que seja instalado nessa leitura um panorama da Alfabetização, da Alfabetização Linguística e da Análise do Discurso no cenário educacional brasileiro de ensino de língua materna e a tentativa de se lutar por uma disciplina da interpretação, carente ao ensino e à formação inicial de professores. Por fim, da Parte V ± Leitura e Escrita: A Formação Inicial de Professores e o Contexto Universitário do Brasil e da França, desejo que o leitor tenha possibilidades de:

i.

Refletir sobre a formação de professores e a experiência inicial com o Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID), ação desenvolvida por meio de parcerias com Ministério da Educação (MEC), a Secretaria de Educação Superior da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível

Superior

(CAPES)

e

o

Fundo

Nacional

de

Desenvolvimento da Educação (FNDE) do Brasil. Programa que tem como foco a valorização dos cursos de licenciatura dentro das universidades por meio de ações que incentivem os estudantes de graduação a atuarem como professores da Educação Básica, da qual a Educação Infantil é a primeira etapa. ii.

Reconhecer o relatório de estágio como potencial na formação inicial de professores, cujos focos são a leitura e a escrita como instâncias de produção de pesquisas e de conhecimentos, que implicam em ler, compreender, discordar e produzir.

iii.

Conceituar leitura; identificar os diferentes tipos de leitura e as fases da leitura de estudo; reconhecer os níveis de leitura de um texto; identificar os passos necessários para a garantia de uma leitura satisfatória de diferentes textos, por princípios e



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procedimentos teórico-metodológicos do trabalho com a leitura na universidade baiana por um professor. iv.

observar a implantação, a evolução e a situação atual do ensino de português na França, e do lugar que ocupa no ensino universitário, permitindo perceber elementos constitutivos das políticas linguísticas brasileiras e portuguesas relativamente à promoção e à difusão da língua portuguesa e da cultura ± brasileira e portuguesa ± no exterior. Que entre esses elementos, o leitor possa vislumbrar um dos mais importantes: a disputa entre Brasil e Portugal pela hegemonia desse processo.

Agradecemos a aquisição deste volume e desejamos boas leituras! /XFDV1DVFLPHQWR Stockholm, inverno sueco de 2014



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Parte I ± ALFABETIZAÇÃO E ATUAÇÃO DOCENTE NA ALEMANHA, NO BRASIL E NA SUÉCIA



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COMPARAÇÃO DE DUAS EXPERIÊNCIAS DE SONDAGENS NA ALFABETIZAÇÃO: BRASIL E ALEMANHA Claudia Rosa Riolfi10 Diana Schuler11 Valdir Heitor Barzotto12

Considerações iniciais A realização de sondagens com o intuito de diagnosticar os conhecimentos a respeito da escrita que as crianças têm ao ingressar na escola básica, bem como durante seu processo de escolarização, tem se tornado constante, sob exigência de governos de diferentes países e de diferentes posições ideológicas. Um dos argumentos utilizados pelos defensores da realização de sondagens é o de que, a partir da apreensão dos conhecimentos de cada criança, é possível desenvolver planos individuais de aprendizagem e observar suas conquistas. Teberosky (1995:15) afirma que: antes de discutir o que é que os professores podem e devem ensinar, parece-nos importante saber quais são as ideias e os conhecimentos das crianças e quais expectativas podemos ter para proporcionar, depois, situações de ensino-aprendizagem.

10 Profa. Dra. da Universidade de São Paulo ± Faculdade de Educação ± USP. Psicanalista. Livre-docente pela Universidade de São Paulo. Realizou seu doutorado em Linguística Aplicada pela Universidade Estadual de Campinas ± UNICAMP-SP. E-mail: [email protected] 11 Professora na Escola Estadual de Ensino Fundamental Grundschule Neues Tor, em Berlim, Alemanha. Graduada em Letras pela Universidade de São Paulo-USP e Doutoranda em Literatura Brasileira no Centro de Pesquisas sobre os Países de Língua Portuguesa (CREPAL) ± Université Sorbonne Nouvelle ± Paris 3, França. E-mail: [email protected] 12 Prof. Dr. da Universidade de São Paulo ± Faculdade de Educação ± USP. Livre-docente pela Universidade de São Paulo. Realizou seu doutorado em Linguística pela Universidade Estadual de Campinas ± UNICAMP-SP. E-mail: [email protected]



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A atual aplicação de sondagens consiste em tentativa de se configurar em gesto mais refinado do que aquele realizado por Lourenço Filho, em 1934, quando publicou os testes ABC- Medidas de maturidade para o aprendizado da leitura e escrita, visando a uma organização racional e homogênea das classes de alfabetização, considerada, à época, como sendo uma garantia de eficiência e de rendimento da escola (MAGNANI, 1997). Supostamente, hoje a tarefa do professor não mais se configura em uma tentativa de separar grupos homogêneos de alunos, mas, sim, numa possibilidade de respeitar momentos distintos da elaboração de cada um de seus alunos. Nesta direção, foram feitos inúmeros trabalhos de pesquisa, que, a partir da aplicação das sondagens e de seus resultados, apontavam para a necessidade de refinamento da prática pedagógica (Cf., por exemplo, MARQUES, 1997). A inserção da sondagem no cotidiano escolar, entretanto, tem apontado para a necessidade de se pensar nas condições do professor para captar e registrar o que a criança apresenta na situação de sondagem. Tanto para que ele mesmo possa organizar suas ações quanto para que possa transmitir a outros professores o estado de elaboração de um aluno, é necessário que ele possa apreendê-lo do modo mais pontual possível. 13 Ao discutir a alfabetização no Brasil, Cagliari (2001: 75) postula que o alfabetizador ³é ʊum tipo especial de professor de Português´. Para o autor, dada a condição específica de sua missão, ele tem obrigação de conhecer ³ o mais possível´ a respeito da língua na qual está

13

Referimo-nos aqui a trabalhos como o de Franchi (1999), que, a partir de um estudo detalhado a respeito da sua própria prática pedagógica, descreveu os mecanismos presentes na relação pedagógica entre alfabetizador e alfabetizando.



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alfabetizando. 14 Compreende-se, também, que ele deva lidar com outras instâncias que não exclusivamente a língua portuguesa. Assim, o objetivo central deste trabalho é chamar a atenção para a necessidade de reflexão a respeito das habilidades e os conhecimentos necessários para que um profissional encarregado de fazer a sondagem possa reconhecer e registrar o estado da articulação feita pela criança no que diz respeito às habilidades, atitudes e conhecimentos necessários para escrever. Por isso, nossa interrogação recai sobre o modo como as sondagens têm sido feitas e como tem sido feitos os registros a partir delas. No presente estudo faremos, então, alguns apontamentos a respeito dos saberes (linguísticos ou não) mobilizados por professor para apreender e registrar um dado estado de conhecimento apresentado por uma criança no momento da sondagem. Para isso, utilizaremos dados coletados em duas experiências: as sondagens realizadas em escolas municipais da cidade de São Paulo e aquelas feitas com crianças para ingresso na alfabetização da Escola Estadual de Ensino Fundamental Grundschule Neues Tor, em Berlim. 15 14

Especificamente, Cagliari propõe que os seguintes conhecimentos que levam à decifração de uma escrita sejam de domínio dos alfabetizadores: 1) Compreender que uma escrita representa uma palavra da linguagem oral; 2) Reconhecer que existem vários modos de representação da linguagem oral; 3) Conhecer os limites da escrita como sistema representacional; 4) Entender que os símbolos mais usados para representar a fala são as letras; 5) Compreender a ideia de letra como uma unidade abstrata para representar unidades de som; 6) Considerar a diferença entre a categorização gráfica (ortografia) e a categorização funcional, que estabelece as relações entre letra e som (leitura) e entre som e letra (escrita); 7) Assimilar que toda escrita tem uma chave de decifração, no caso, o acrofônico; 8) Considerar a variação linguística na análise do conflito entre falar e escrever; 9) Reconhecer que a palavra é a unidade mais importante na alfabetização; e 10) Entender os passos que uma criança precisa dar para ler uma palavra: juntar letras, aplicando o princípio acrofônico; formar sílabas, ajustando suas fronteiras; ler a palavra pelos sons básicos e, finalmente, acrescentar as modulações prosódicas necessárias.

15

A escola Neues Tor, em Berlim, faz parte do conjunto de escolas bilíngues denominadas Escolas Européias. Tem por objetivo acolher alunos de comunidades imigrantes de diversos países europeus, possibilitando que as línguas desses países sejam aprendidas como língua materna e língua parceira. Assim, as línguas portuguesa e alemã são ensinadas paralelamente. Lecionam nessa escola professores falantes nativos dos diversos contextos de língua portuguesa, além de professores alemães. Quanto à nacionalidade dos alunos, no currículo alemão, a frequência é ainda mais diversificada que no currículo bilíngue, que tem como grande



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A sondagem nas escolas municipais de São Paulo Para descrever como tem se dado a sondagem nas escolas municipais de São Paulo recorreremos a duas fontes primárias: os documentos oficiais do Programa Ler e Escrever e os registros particulares de uma professora da rede municipal da cidade de São Paulo. Para a leitura destas fontes, contaremos com a experiência proporcionada pelo trabalho realizado junto aos alunos pesquisadores que atuam no Programa Ler e Escrever, cerca de 85 estudantes de Pedagogia e Letras por ano, que apresentam relatórios mensais nos quais constam, frequentemente, a aplicação de sondagens. Iniciemos pela exposição do que consta nos documentos oficiais. As sondagens foram realizadas no âmbito do Programa Ler e Escrever ± Prioridade na Escola Municipal, Projeto Toda Força ao Primeiro ano, criado para reverter um ³quadro de fracasso escolar associado à alfabetização´ (SÃO PAULO, SME/DOT, 2006:5). De acordo com a SME/DOT, foi gerado pelo fato de que ³grande parte dos alunos da rede não domina o sistema de escrita ao final do 1º. ano do Ciclo I, enquanto os do Ciclo II têm dificuldades em ler e escrever´ (PORTAL DA SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO). No âmbito do programa, os professores e os alunos pesquisadores recebem orientações para a realização da sondagem por meio de documento oficial (SÃO PAULO, SME/DOT, 2006). No corpo do documento, está contemplada uma concepção de alfabetização que é claramente oriunda da vertente denominada construtivismo, construída e divulgada por Emília Ferreiro e seus seguidores. parte do seu público, crianças dos diversos contextos de língua portuguesa. Em Berlim, a partir do ano 2005/2006, as crianças ingressam na primeira série do Ensino Fundamental a partir de 5 anos. Elas têm a possibilidade de cursar o primeiro ciclo em três anos ao invés de dois, de acordo com o seu desenvolvimento. Ao longo da segunda série, elas vão sendo avaliadas e, então, decide-se se elas já estão aptas a seguirem para a terceira série ou se ficam mais um ano no primeiro ciclo.



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Trata-se de compreender o período de alfabetização como a apropriação do sistema de escrita, que envolve, da parte dos alunos, aprendizagens muito específicas´ tais como: ³compreender a diferença entre a escrita alfabética e outras formas gráficas, o conhecimento do alfabeto, a forma gráfica das letras e seus nomes, dominar convenções gráficas como o alinhamento da escrita e a função da segmentação entre as palavras nos textos. (op.cit.:19). Para que o professor possa realizar a sondagem de modo coerente com os pressupostos adotados, primeiramente, são apresentadas as metas para o primeiro ano do Ciclo I, divididas em três grandes grupos: 1) Metas relacionadas às práticas de comunicação oral; 2) Metas relacionadas às práticas de leitura; e 3) Metas relacionadas às práticas de escrita. Nos três casos, trata -se de informar ao professor o que esperar dos alunos em caso de sucesso do processo de alfabetização. Trata-se, ainda, de convocá-lo a refletir a respeito dos procedimentos pedagógicos a serem realizados para a consecução das metas. A sondagem í realizada preferencialmente em fevereiro, começo de abril e final de junho í é compreendida como um dos recursos que ³ o professor dispõe para conhecer as hipóteses que os alunos ainda não alfabetizados possuem sobre a escrita e o sistema de escrita´. (p. 35). Ela é definida do seguinte modo:

É uma atividade de escrita que envolve, num primeiro momento, a produção espontânea e sem apoio de outras fontes escritas de uma lista de palavras conhecidas dos alunos. Ela pode ou não envolver a escrita de frases simples. É uma situação de escrita que deve, necessariamente, ser seguida de leitura pelo aluno daquilo que ele escreveu. Por meio da leitura é que o professor poderá observar se o aluno estabelece ou não relações entre aquilo que ele escreveu e



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aquilo que lê em voz alta, ou seja, entre a fala e a escrita.16 (op.cit.:35) A respeito deste aspecto são recomendados três textos para leitura complementar do professor, agrupados em um Guia de estudo para o horário de trabalho coletivo17. Em relação à prática, o documento sugere que seja realizado um ditado, composto por uma lista de nomes de alimentos que se compram na padaria. O exemplo fornecido inicialmente é constituído das seguintes palavras: MORTADELA ± PRESUNTO ± QUEIJO ± PÃO ± O MENINO COMEU QUEIJO. Existe uma explicação detalhada a respeito do critério

de

escolha

destas

palavras,

sempre

pressupondo

um

conhecimento compartilhado com relação à teoria ferreireana. Existe, ainda, uma recomendação a respeito dos modos por meio dos quais a sondagem deve ser realizada, como por exemplo, ditar normalmente as palavras e a frase, sem silabar. Na parte do documento destinada às orientações específicas para o mês

de fevereiro,

consta

uma

planilha

(intitulada

Nível

de

conhecimento dos alunos sobre o sistema de escrita) que deve ser 16

Não nos deteremos na noção de fala expressa neste momento.

17

Tais textos são facilmente localizáveis em PORTAL DA SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO ± SP; B. À medida que os textos vão sendo indicados no documento, eles vão recebendo um número de ordem, a saber: Texto 16³Por que e como saber o que sabem os alunoV´)RQWHPrograma de Formação de Professores Alfabetizadores (PROFA), Módulo 1, Unidade 4, Texto 5. Brasília: MEC / SEF, 2001. O texto, que vem assinado por Equipe Pedagógica do Programa de Formação de Professores Alfabetizadores, explicita a adoção da concepção de aprendizagem construtivista-interacionista e defendida a necessidade de que o professor se utilize da sondagem visando a descobrir o que o aluno pensa a respeito do sistema de escrita; Texto 17: ʊ([LVWHYLGDLQWHligente no período pré-silábico?. Fonte: Programa de Formação de Professores Alfabetizadores (PROFA), Módulo 1, Unidade 4, Texto 4. Brasília: MEC / SEF, 2001: Texto assinado por Telma Weisz, que se propõe a descrever o que pensa o aprendiz no processo inicial de escrita, no qual se explicita a filiação teórica à Emília Ferreiro e Ana Teberosky; e Texto 18: ʊ6HDPDLRULDGDFODVVHYDLEHPHalguns alunos não, estes devem receber ajuda pedagógica?. Fonte: Programa de Formação de Professores Alfabetizadores (PROFA), Módulo 3, Unidade 1, Texto 4. Brasília: MEC / SEF, 2001: Texto assinado por Telma Weisz, no qual existem sugestões de encaminhamento com relação aos alunos que têm resultados discrepantes na sondagem, incluindo o depoimento de uma professora.



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utilizada pelo professor para o registro dos resultados da sondagem. Na primeira coluna à esquerda, espera-se que o professor registre o nome de cada um dos alunos que serão alvo da sondagem. O espaço reservado para observações é bem pequeno, correspondendo ao de duas linhas do documento. Na linha correspondente a cada um dos alunos, existem onze possibilidades para assinalar, quais sejam: três níveis de pré-silábico; quatro níveis de silábico; um nível de silábico alfabético e três níveis de alfabético. Visando a uma maior clareza, transcrevemos na sequência como cada nível é descrito (op.cit.:47): Pré-silábico 1. Escreve utilizando grafismos e outros símbolos 2. Utiliza as letras para escrever 3. Produz escritas diferenciadas (exigência de quantidade mínima de letras e variedade) Silábico 1. Estabelece relação entre a fala e a escrita (faz corresponder para cada sílaba oral uma marca) utilizando grafismos e outros símbolos 2. Estabelece relação entre a fala e escrita (faz corresponder para cada sílaba oral um grafismo) 3. Estabelece relação entre a fala e escrita, utiliza letras mas sem fazer uso do valor sonoro convencional 4. Estabelece relação entre a fala e escrita, fazendo uso do valor sonoro convencional Silábico-alfabético 1. Estabelece relação entre a fala e escrita, ora utilizando uma letra para cada sílaba, ora utilizando mais letras Alfabético 1. Produz escritas alfabéticas, mesmo não observando as convenções ortográficas da escrita 2. Produz escritas alfabéticas, observando algumas convenções ortográficas da escrita 3. Produz escritas alfabéticas, sempre observando as convenções ortográficas da escrita Quadro A: Critérios para a avaliação sugeridos em São Paulo -SP



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A sondagem em uma escola localizada no município de São Paulo. Interessa-nos perceber como as orientações dos documentos oficiais e os critérios reproduzidos no Quadro A são operacionalizados na prática. Para tal fim, tomamos como objeto de análise as anotações de uma professora de uma escola municipal localizada na zona sul da capital paulista. Trata-se de um caderno universitário no qual ela cola a escrita resultantes de ditados feitos aos seus trinta e cinco alunos. A cada aluno é reservada uma página, identificada com o prenome do aluno. Estão organizadas em ordem alfabética. Em todas as páginas, estão colados três quadrados de papel sulfite, referentes, respectivamente, às sondagens realizadas por meio de ditados em fevereiro, maio e junho, de modo que, em uma leitura rápida, a professora pode comparar o desempenho da escrita apresentado em cada uma das ocasiões. As palavras e a frase utilizadas para a sondagem foram definidas em reunião pedagógica. Elas são: 1) COMEMORAÇÃO ± CHOCOLATE ± PÁSCOA ± O OVO É O SÍMBOLO DA PÁSCOA; 2) NATUREZA ± CACIQUE ± ÍNDIO ± O ÍNDIO GOCITA VIVE NA NATUREZA; 3) BANDEIRINHA ± PIPOCA ± FESTA- PAVIO ± A FESTA DA ESCOLA É LEGAL. Para a aplicação da sondagem, na maioria das salas onde há aluno pesquisador do Programa Ler e escrever, este ocupa-se da turma enquanto o professor realiza a sondagem individual com seus alunos. Então, de posse dos resultados, a professora preenche a planilha que descrevemos anteriormente e a entrega para a Coordenadora Pedagógica que, por sua vez, prepara uma planilha geral da escola para ser encaminhada à Diretoria Regional de Ensino-DRE. Em suma: cabe ao professor transformar a produção de seus alunos em números.



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A sondagem em uma escola de Berlim Para descrever como tem se dado a sondagem nas escolas estaduais de Berlim, tomamos duas fontes primárias: o documento oficial denominado LauBe ± Lernausgangslage Berlin ± Schulanfansphase (Laube ± Ponto de partida da aprendizagem Berlim ± Séries iniciais) e os registros feitos por dois pesquisadores e pela professora durante a sondagem. O LauBe circula em duas versões, uma para os professores e outra para os alunos. A diferença entre as duas versões está no fato de que a versão dos professores traz orientações de como aplicar as atividades. A aplicação das atividades propostas por esse documento destina-se a fazer o levantamento do estágio de aprendizagem inicial, através de um instrumento que registre pontualmente o nível em que cada aluno se encontra, nas áreas de Matemática e Linguagem. As competências

a

serem

desenvolvidas

nas

respectivas

áreas

do

conhecimento estão descritas nos parâmetros curriculares de Berlim (Rahmenpläne), que não será objeto desta análise. A sondagem deve ser complemento dos registros anteriores, ou seja, da documentação organizada e arquivada pelo jardim da infância, ³Diário de Aprendizagem da Linguagem´ (Sprachlerntagebuch Kita); Arquivo de Documentação de Aprendizagem ± Linguagem (Lerndokumentation Sprache) e Arquivo de Documentação de Aprendizagem ± Matemática (Lerndokumentation Mathematik). As atividades propostas pelo Laube devem ser aplicadas nas primeiras semanas de aula após o ingresso da criança na escola fundamental, em sequências individuais e em grupo, a fim de que se possa diagnosticar o estágio em que cada aluno se encontra e estabelecer-se um plano de aprendizagem individualizado.



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Neste trabalho vamos nos ater às atividades específicas da área de linguagem, que se destinam a sondar os seguintes itens: 1) A escrita de letras e palavras conhecidas; 2) A separação de sílabas; 3) O reconhecimento de rimas; 4) O reconhecimento de escritas iguais; 5) A comparação de fonemas; e 6) A contação de uma história a partir de imagens (atividade para crianças que devem ter testado seu nível de linguagem oral)18. A sondagem em língua portuguesa, dividida em seis partes, é chamada de O detective da palavra.19 Na página inicial, a criança deve escrever seu nome próprio. Após a escrita do nome, segue o item descobre a palavra, que se constitui de dois grupos de imagens (com quarenta e trinta e cinco imagens, respectivamente) representando objetos que constituem o vocabulário necessário para que as crianças façam os exercícios, quais sejam: x Exercício 1 (Identificar letras e palavras): A criança deve escrever as letras e palavras que ela conhece. O manual sugere que esta atividade seja aplicada em duplas. Ao observador caberia o registro minucioso do diálogo entre as crianças para que este possa ser utilizado como instrumento de avaliação. x Exercício 2 (Dividir palavras em sílabas): A criança deve representar, por meio do desenho de um pequeno arco, cada sílaba que escuta quando o professor diz o nome de dez imagens: gato, 18 As atividades da área de matemática do Laube visam a sondar: 1) Os conhecimentos de números, sequência numérica e quantidades; 2) A caracterização de objetos, comparação de quantidades e seriação. Orientação espacial (direita, esquerda); 3) As noções de espaço; 4) O trabalho com números até 10, e as 5) Atividades mais complexas para as crianças que conseguiram desenvolver todas as anteriores. 19

Trata-se de sondagem em língua portuguesa na Escola Européia Neues Tor, feita por meio de uma tradução adaptada do documento Laube. A tradução das atividades foi feita por iniciativa da moderadora da escola com o objetivo de que as crianças que têm como língua materna a língua portuguesa pudessem ser sondadas por meio do mesmo instrumento utilizado com aquelas de língua materna alemã.



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dado, chave, banana, maçã, tigre, jacaré, chocolate, elefante e óculos. x Exercício 3 (Identificar rimas): A criança deve assinalar as palavras que rimam em cada um dos dez conjuntos compostos por três imagens cada, como por exemplo, leão, avião e gorro. x Exercício 4 (Reconhecer as palavras): A criança deve reconhecer, em um conjunto composto por quatro palavras, uma dada palavra oferecida como modelo. Por dez vezes ela deve procurar a palavra idêntica. Neste exercício, a orientação é de que as palavras não sejam lidas. Por exemplo, ela é solicitada a encontrar a palavra rato na seguinte sequência: ramo ± muro ± rima ± rato. x Exercício 5 (Comparar o som inicial das palavras): A criança deve assinalar as palavras que se iniciam com o mesmo fonema em dez sequências de três imagens cada, por exemplo carro, leão, caracol. Ressalte-se, ainda, que a observação e documentação contínua do desenvolvimento do aluno é recomendada, principalmente nos seguintes aspectos: desenvolvimento de funções psicomotoras, associação de fonemas a grafemas, manuseio da linguagem, estrutura da linguagem, leitura, escrita de texto, escrita convencional. Posto isso, interessou-nos perceber como as orientações constantes no documento Laube são operacionalizados na prática. Para tal fim, acompanhamos uma aplicação, feita em junho de 2008.20

20 Apesar de as orientações do manual do Laube indicarem para aplicar as atividades nas primeiras semanas após o ingresso das crianças na escola, optou-se, no ano letivo de 2007-2008, pela sua aplicação, no grupo de crianças falantes de língua portuguesa (língua materna português) antes do início do ano letivo, a fim de obter-se uma visão geral do conhecimento apresentado pelas crianças candidatas à 1ª série. As duas professoras que aplicaram o teste foram dispensadas das aulas para sondar os alunos pré-matriculados. Aos pais solicitou-se que deixassem seus filhos na sala e voltassem depois de 40 minutos aproximadamente.



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A sondagem na Escola de Ensino Fundamental Neues Tor Para a realização da sondagem, feita por duas professoras, em uma sala reservada especificamente para este fim, é utilizado o documento que acabamos de descrever. As crianças são sondadas em pequenos grupos, sendo que cabe ao professor registrar o mais detalhadamente possível o que observou. Por se tratar de uma escola bilíngue, a primeira característica importante de se levar em consideração é a origem dos alunos, que pode ser verificadas no Quadro B, onde utilizamos nomes fictícios para preservar a identidade dos alunos. Criança

Carlos

Nacionalidade do

Nacionalidade da

pai

mãe

Alemã

Idade

Brasileira

6 anos 2 meses

Lúcio

Angolana

Angolana

6 anos 2 meses

Aline

Brasileira

Alemã

6 anos 1 mês

Davi

Portuguesa

Croata

5 anos 10 meses

Lívia

Brasileira

Alemã

6 anos 7 meses

Quadro B: Crianças que fizeram a sondagem no dia 10 de junho de 2008 A sondagem foi aplicada, na medida em que as famílias foram chegando. Davi foi o primeiro a chegar. Na sequência, Carlos, e, em seguida, Lúcio, que se dirigiu imediatamente ao quadro escrevendo 2+2=4, enquanto seus pais eram acolhidos. A sondagem iniciou-se com essas três crianças, solicitando que elas escrevessem seus nomes. Alguns minutos mais tarde, chegou Letícia e, por último, Aline com a mãe e duas irmãs menores. A princípio, Aline recusou -se a se separar da mãe e esta permaneceu na sala.



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O professor se baseia em um formulário de avaliação que consta no Laube. Para a sondagem com os alunos de português como língua materna da Escola Neues Tor, utilizou-se uma tradução, na qual se acrescentou, ao lado de cada nível, uma das fases preconizadas pelo construtivismo. Como se pode observar no quadro C, a seguir, no qual transcrevemos o início da tradução feita pela professora, o acréscimo das fases ao lado dos níveis causa algumas estranhezas, como por exemplo, considerar a entrega da folha em branco como próprio do estágio présilábico.



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Quadro C: Formulário de avaliação utilizado na Neues Tor

Os registros, que posteriormente acompanham as sondagens dos alunos, foram elaborados pelas professoras que aplicaram os testes. Eles estão expostos no Quadro D, a seguir para que possamos, em face das anotações dos pesquisadores que observaram a sondagem, discutir sua pertinência. Registro 1 ± Carlos Criança bastante activa e vivaça. Realizou as actividades com interesse e demonstrou bons conhecimentos activos da língua. A mãe fala com ele sempre em português. Demonstrou uma enorme vontade de realizar as tarefas com correcção e ia vendo o que o colega do lado escrevia. Registro 2 - Lúcio Criança inicialmente tímida que logo se adaptou... Logo que entrou na sala correu para o quadro e escreveu 2+2=4. Adora matemática e facilmente se mostrou mais extrovertido. Fala português em casa e mostrou vontade em realizar as tarefas. Registro 3 - Aline Aline chegou muito tímida ± com mãe mais duas irmãs mais novas. É amiga do Davi. Sentiu-se mais à vontade ao encontrar o colega do Jardim da Infância. Compreendeu bem as propostas das atividades, desenvolvendo-as com desenvoltura. Passou a fazer pequenos comentários, conforme se sentia mais à vontade.



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Registro 4 - Davi Apreensão irregular do lápis. Demonstrou-se bastante ativo e falante no decorrer das atividades (algo inquieto). Ao escrever letras e palavras, começou a copiar do livro que estava em cima da mesa. Quando nomeava as figuras das páginas 14 e 15, misturava alemão e português. Isso voltou a ocorrer nos diálogos com ele: ³Bebe trinken gehen´. ³Isso Kokosnuß´. Necessidade de apoio em língua materna português. Ao escrever silabicamente as palavras (p. 18 e 19) utilizava as letras do nome. Lia e relia, comprovando sua hipótese silábica. Registro 5 - Livia Nasceu em Berlim, mas viveu os últimos 2 anos no Brasil ± frequentou a Educação Infantil do Colégio Porto Seguro em São Paulo. Livia desenvolveu as atividades com facilidade. Comunica-se muito bem em português. Quadro D: Registros feitos pelas professoras que aplicaram a sondagem

Nota-se que as observações feitas pela professora são bem pouco específicas com relação ao registro relativo às competências da Língua Portuguesa.

Existe

uma

tendência

ao

privilégio

de

anotações

comportamentais, como por exemplo, Criança inicialmente tímida que logo se adaptou... Nesta direção, algumas das conclusões às quais a professora chega são um tanto precipitadas, posto que, durante a sondagem, não houve tempo hábil para investigar sua pertinência, como por exemplo, Adora matemática. Mesmo quando ela tenta privilegiar o registro linguístico, as informações registradas são vagas, não sendo suficientes para julgar o nível de desempenho linguístico da criança, como por exemplo, no registro de que o aluno demonstrou bons conhecimentos activos da língua.



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Considerações finais No caderno da professora do município de São Paulo analisado, não existe registro de qualquer comentário descritivo ou analítico por parte da professora. Pode-se dizer que realizar uma sondagem, no contexto pesquisado, consiste em aplicar uma grade de verificação previamente estabelecida em uma produção visando a classificar o estado do conhecimento de seu autor a respeito da escrita. No que concerne a esta ação, pode-se dizer que o professor tornouse u m dispositivo de transposição de uma determinada grade para o mundo. De sua parte, trata-se de ter dominado uma taxionomia a ponto de poder aplicá-la nos escritos produzidos por seus alunos. A apreensão que faz de um dado estado de conhecimento apresentado por uma criança, portanto, é determinada por uma grade conceitual única, que determina tanto os pontos para onde deve direcionar seu olhar quanto o registro. Assim, nesta vertente a teoria foi transformada em algo que abafa o conhecimento a respeito do aprendizado da escrita que poderia advir da consideração da articulação singular que uma criança pode fazer com relação à linguagem e, especificamente, com relação aos modos de escrever. Não há qualquer proximidade desta posição, portanto, com aquela segundo a qual casos singulares, tomados em sua complexidade, deslocam a teoria (LAHIRE, 1997:30). É importante lembrar que há vasta aceitação, e mesmo exigência, deste tipo de diagnóstico por parte dos órgãos oficiais. Ao analisarmos os registros feitos na escola alemã, no entanto, não chegamos a resultado muito diferente. A fim de focar mais nas possibilidades de aprimorar os registros quando se conta com mais profissionais envolvidos no teste, no Quadro E,



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a seguir, comparemos o registro da professora com o do observador externo. Observações da professora

Observações do observador externo

Carlos oscila entre ʊmilho‫ ۅ‬e Registro 1 - Carlos Criança bastante activa e vivaça. ʊninho‫ ۅ‬ao ser solicitado a Realizou as actividades com identificar palavras iguais. Mais interesse e demonstrou bons adiante, quando, a partir de três conhecimentos activos da língua. A figuras, deveria reunir aquelas mãe fala com ele sempre em cujos nomes começavam com o português. Demonstrou uma enorme mesmo som, como ʊmesa‫ ۅ‬e vontade de realizar as tarefas com ʊmacaco‫ۅ‬, reuniu as imagens de correcção e ia vendo o que o colega ʊmesa‫ ۅ‬e ʊgarfo‫ۅ‬, e ʊsorvete‫ ۅ‬e do lado escrevia. ʊcolher‫ۅ‬. Quadro E: Diferenças entre o olhar da professora e do observador externo Confrontando os registros da professora que acompanham a sondagem de Carlos com as anotações feitas pelos pesquisadores durante a mesma, pode-se observar que é possível realizar uma sondagem de modo a recobrir diferentes aspectos do estágio em que se encontra a criança. Certamente enquanto o pesquisador fazia a anotação exposta no Quadro E, perdia outros episódios, o que reforça a necessidade de problematizar o alcance da sondagem feita por um profissional isolado. Se, por um lado, os dados comportamentais são importantes, já que a criança está chegando na escola e precisa ser conhecida, é também importante verificar o seu conhecimento relativo ao domínio da língua, o que parece ser o motivo principal da sondagem. Tomemos aqui o caso do aluno Carlos, ao responder o Exercício 4 ± Reconhecer as palavras. Foi solicitado a ele que localizasse a palavra ninho na seguinte sequência: milho ± filho ± ninho ± sonho. As anotações do observador permitiram identificar momentos de oscilação entre milho e



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ninho, pois o aluno fez vários movimentos de mão que denotavam a intenção de escolher ora uma ora outra palavra. Este dado é importante porque pode fornecer indícios ao professor a respeito de condições apresentadas pela criança de diferenciação visual das letras ou de sua possibilidade de fazer correspondência entre fonemas e grafemas. Ao responder o Exercício 5 (Comparar o som inicial das palavras), quando foi solicitado a Carlos que identificasse as imagens cujos nomes começassem com o mesmo som entre mesa, macaco e garfo e, posteriormente, entre sorvete, casa e colher, o aluno reuniu mesa e garfo e sorvete e colher, respectivamente. Nota-se que o exercício incidia sobre um aspecto fonético e o aluno privilegiou o semântico, agrupando elementos do mesmo campo. Como, na anotação da professora, não aparecem registros a este respeito, não se sabe se o agrupamento feito pela criança será considerado simplesmente como erro, já que não atende o solicitado, ou se será percebido e creditado o conhecimento exposto pela criança. Tudo indica que, caso ela siga estritamen te o formulário reproduzido no quadro B, irá considerar o ocorrido como erro e não computará o acerto semântico. O questionamento que permanece a partir da comparação apresentada diz respeito principalmente à utilidade da sondagem tal qual ela vem sendo praticada. Quando a sondagem é feita pela própria professora, não se pode afirmar que mesmo que alguns dados não sejam devidamente registrados, eles não produzirão efeitos na prática da professora, uma vez que sua memória pode ajudar e ser acionada pela convivência mesmo com o aluno. No entanto, cabe perguntar qual seria a função dos registros se eles forem pontualmente passados adiante para que outros professores possam consultá-los periodicamente. Constatamos que mesmo quando escolas



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como a

Neues Tor, que compõem e preservam a memória da

escolarização do aluno, por meio de pastas que permanecem na escola, as anotações, por serem imprecisas e genéricas não ajudam muito quem as consulta, fornecendo apenas algumas pistas. Assim, parece que a elaboração das sondagens e a proposição de soluções, só teria sentido se estivesse inserida em um contexto em que se reconheça que a escola é um lugar de pesquisa e que o professor tem o direito de fazê-la. Caso contrário, é bastante evidente o risco de que a sondagem se perca entre as exigências burocráticas e sirva apenas para o preenchimento

de

fichas para serem encaminhadas aos órgãos

administrativos.

Referências bibliográficas

CAGLIARI, Luiz Carlos. Conhecimentos técnicos para alfabetizar. In: Línguas & Letras. Ceca/Cascavel. Vol. 2. Nº 1. Jan/jul, 2001. pp. 73-84. FRANCHI, E. P. Pedagogia da Alfabetização. Da oralidade à escrita. São Paulo: Cortez, 1999. LAHIRE, B. Sucesso escolar nos meios populares. As razões do improvável. São Paulo: Ática, 1997. MAGNANI, Maria do Rosário Mortati. Os sentidos da alfabetização. A ³questão dos métodos´ e a constituição de um objeto de estudo. (São Paulo 1876 ± 1994). Tese de Livre Docência. Presidente Prudente, UNESP, 1997. MARQUES, M. L. Quando as crianças permanecem pré-silábicas: uma busca de explicações. In: MARQUES, M.L. e AZEVEDO, M. A. Alfabetização hoje. São Paulo: Cortez, 1997. pp. 11-28. PORTAL DA SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO ± SP. (A) Disponível em: http://educacao.prefeitura.sp.gov.br/WebModuleSme/itemMenuPag



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inaConteudoUsuarioAction.do?service=PaginaItemMenuConteudo Delegate&actionType=mostrar&idPaginaItemMenuConteudo=423 7. Consulta em julho de 2007. PORTAL DA SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO ± SP. (B) Disponível em: http://arqs.portaleducacao.prefeitura.sp.gov.br/publicacoes/ciclo%2 0I/leit ura%20bloco6.pdf. Consulta em julho de 2007. SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO. Diretoria de Orientação Técnica. Projeto Toda Força ao 1° ano: guia para o planejamento do professor alfabetizador ± orientações para o planejamento e avaliação do trabalho com o 1° ano do Ensino Fundamental/Secretaria Municipal de Educação. ± São Paulo: SME/DOT, 2006 SENATSVERWALTUNG FÜR BILDUNG, JUGEND UND SPORT. (A). Disponível em: http://www.berlin.de/imperia/md/content/senbildung/schulqualitaet/lernausgangsuntersuchungen/laube_info.pdf. Consulta em julho de 2007. SENATSVERWALTUNG FÜR BILDUNG, JUGEND UND SPORT. (B). Disponível em: http://www.berlin.de/imperia/md/content/senbildung/schulqualitaet/lernausgangsuntersuchungen/lerndoku_sprac he.pdf- Consulta em julho de 2007. SENATSVERWALTUNG FÜR BILDUNG, JUGEND UND SPORT. (C). Disponível em: http://www.berlin.de/imperia/md/content/senbildung/schulqualitaet/lernausgangsuntersuchungen/laube_info.pdfConsulta em julho de 2007. SENATSVERWALTUNG FÜR BILDUNG, JUGEND UND SPORT. (D). Disponível em: http://www.berlin.de/imperia/md/content/senbildung/schulqualitaet/schule_und_soziale_stadt/rahmenkonzept.pdf - Consulta em julho de 2007. SUDIENKREIS ± Lernen wird einfach (E) Disponível http://www.studienkreis.de/service/schulsysteme/artikel/dasschulsystem- in-berlin.html - Consulta em junho de 2009.

em:

TEBEROSKY, Ana. Psicopedagogia da Linguagem Escrita. Editora da Unicamp/Trajetória Cultural, 1990. 152p.



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A AQUISIÇÃO DA CONCORDÂNCIA NOMINAL POR CRIANÇAS BILÍNGUES SIMULTÂNEAS SUECO-PORTUGUÊS Mary-Anne Eliasson21

Considerações iniciais

O sueco é a língua que predomina a comunicação entre os habitantes da Suécia. Em Estocolmo, o sueco é a língua de uso majoritário. Por ser a capital do país, a cidade sempre acolheu pessoas do mundo todo, algumas de passagem, outras para ficar por tempo indeterminado. Desde a década de 50 que a Suécia vem recebendo grande quantidade de imigrantes (Hyltenstam

1999:12),

o

que

influenciou

o

mapa

linguístico,

principalmente, dos centros urbanos. Nos dias de hoje, crescer em uma família com línguas mistas (mixed-lingual families22 ± Arnberg 1981) em Estocolmo é muito comum (Eliasson 2012:16). Na minha tese de doutorado analisei a aquisição do português brasileiro (PB) por crianças bilígues simultâneas (2L1) em Estocolmo (Eliasson 2012). As crianças que participaram deste projeto cresceram em famílias com línguas mistas, pai sueco e mãe brasileira, em um ambiente onde o PB foi adquirido principalmente através do input materno, em ambiente doméstico, durante seus primeiros anos de vida (Ibid:26-42). O PB pode assim ser considerado a língua mais fraca (doravante LFr ± Schlyter 1993) das crianças e foi levantada a hipótese de uma possível transferência da gramática da língua sueca na aquisição do PB. Logo no 21

Profa. Doutora da Stockholm University, em Estocolmo, Suécia. Realizou seu doutorado em Linguística Românica pela Stockholm University. E-mail: [email protected]

22



Famílias onde os pais têm diferentes L1s.

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início da arrecadação de dados foi observado que as crianças evitavam certas formas gramaticais do português. Ao comparar o processo aquisicional do PB como a língua mais fraca (PBLFr) com o de crianças PBL1, constatamos que as crianças 2L1 acabavam por manter uma forma default por tempo prolongado23 (Eliasson 2012:184). Observamos que a gramática do PBLFr é adquirida de forma mais lenta, mas que nos casos analisados não apresenta desvios aquisicionais diferentes aos encontrados na aquisição do PBL1. Percebe-se que falta às crianças 2L1 portuguêssueco os contextos propícios para desenvolverem a pragmática da língua, pois apresentam dificuldade em empregar a gramática adquirida em contextos interacionais específicos (Ibid:126-149). Apresentarei aqui os resultados da análise da aquisição da concordância nominal por duas das crianças que participaram do trabalho com a minha tese de doutorado: Anna e Maria. Estudamos estes dois casos a partir de um corpus semi-longitudinal, onde a fala informal das meninas foi registrada durante o período de um ano e meio.

2. As informantes

Para o atual artigo, a análise de dados foi restringida aos resultados da linguagem das informantes Anna (7;10,16 a 8;2,20) e Maria (6;1,16 a 6;6,13), tendo estes sido registrados em três das entrevistas feitas com cada uma delas (Tabela 1). Anna e Maria foram escolhidas por terem uma situação familiar que apresenta traços bastante semelhantes, tornado possível a comparação:

d.

mães do sudeste brasileiro com formação acadêmica, ambas

23 Os fenômenos gramaticais analisados em Eliasson (2012) foram: a aquisição da concordância verbal de pessoa, a aquisição do emprego das respostas curtas verbais e a aquisição da concordância nominal de número e gênero.



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trabalhavam, na época da coleta de dados, com assuntos diretamente ligados ao Brasil e à língua portuguesa, não tendo sido registrado nenhum sinal de regressão em seu português (Lund 2003);

e.

os pais suecos, de Estocolmo, com formação acadêmica e com

uma atitude positiva em relação ao Brasil e ao uso do PB no ambiente familiar com as crianças, e em qualquer outra ocasião também; f.

têm cada uma um irmão três anos e meio mais novo, que na

época entendem, mas não falam português, sendo que as crianças falam sueco entre si. As duas meninas não apresentam dificuldade em separar as duas línguas mas, assim que entram para o jardim de infância, o sueco passa a ser nitidamente a sua língua mais forte (doravante LFo ± Schlyter 1993), pois neste novo ambiente são introduzidas a contextos interacionais diversos, aos quais não têm acesso em PB na sua cidade natal, por ser a interação no cotidiano destas meninas unimonitorada por suas mães em ambiente doméstico (Eliasson 2012:31-33).

3. O corpus analisado

As três entrevistas selecionadas de cada uma das informantes foram realizadas com o mesmo intervalo e têm o mesmo formato. As meninas são entrevistadas pela Int (interlocutora), iniciando as sessões com uma curta apresentação de si mesmas; conversam a seguir sobre assuntos cotidianos como, por exemplo, escola, família e brincadeiras; seguem descrevendo as ilustrações de um livro sobre brincadeiras ao ar livre (Utelekar, de Heuninck 1989), e por fim, é feita uma revisão de vocabulário como a



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denominação de móveis, brinquedos, cores, partes do corpo e utensílios domésticos. Procura-se aqui conhecimentos ligados ao dia-a-dia e ao lar da criança, pois é levado em consideração o fato de o input materno restringirse à interação familiar, o que torna o ambiente doméstico muito importante para as crianças 2L1 em geral, por ser neste ambiente que vivenciam um contexto no qual o PB predomina naturalmente: é nele que a mãe das crianças tem possibilidade de fornecer uma impressão linguística, situação esta destacada por Schlyter (1987). O irmão mais novo de Anna, Oscar, participa das duas primeiras entrevistas feitas com a irmã, sendo a terceira individual. No caso de Maria, as três entrevistas são individuais. As entrevistas seguem a seguinte ordem: 1.

a primeira registra o PB das informantes antes de passarem um

mês com seus familiares no Brasil; 2.

a segunda registra o seu PB assim que voltam do Brasil;

3.

a terceira registra o PB três meses depois da sua volta, onde é

observado se os traços ativados durante a viagem se mantêm. Na Tabela 1 encontram-se os resultados da contagem de MLU24 das seis entrevistas que compõem este corpus. O MLU é uma ferramenta que possibilita

o

acompanhamento,

passo-a-passo,

da

aquisição

da

morfossintaxe. Nos casos de Anna e Maria, a contagem do MLU é feita, também, para estabelecer o estágio25 do desenvolvimento linguístico no qual a aquisição do PBLFr das informantes se encontra. A contagem de MLU é interessante para o acompanhamento do desenvolvimento da 24

Mean Length of Utterance. A contagem de MLU em estudos de aquisição bilíngue é usada como uma forma de comparar se as gramáticas das línguas adquiridas pela criança são adquiridas de forma equilibrada (Meisel 1994, 2001; Schlyter 1993, 1994; Bernardini 2003), ou se o desenvolvimento de uma das línguas regride quando a criança é exposta a algum tipo de mudança em seu ambiente como, por exemplo, mudança de país (Yukawa 1997).

25

Os estágios que seguem representam de forma simplificada as fases do desenvolvimento da construção de sentenças: Stage I ± MLU 1.75; Stage II ± MLU 2.25; Stage III ± MLU 2.75; Stage IV ± MLU 3.50; Stage V ± MLU 4.0 (Brown 1973).



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complexidade gramatical da linguagem da criança até o nível 4.0, que equivale ao Stage V de Brown (1973:55). A partir deste nível considera-se que a criança já tenha adquirido a complexidade sintática básica da língua, resultando assim em orações completas. Os componentes da Tabela 1 são (da esquerda para a direita): nome e idade das informantes; nome da entrevista correspondente; resultado da contagem do MLU para o português (PB), o sueco (S) e para as frases mistas (TC)26 registradas; a quantidade de enunciados e a porcentagem de enunciados em cada registro (PB, S e TC); e por fim é apresentada a quantidade total de enunciados.

Tabela 1: As entrevistas de Anna e Maria Informan- Nome da MLU te Entrevis- PB S ta Anna

A1

Enunciados TC PB

A2

2,33 2,66 7

2,72 1

3

A3

3,26 -

M1

M2

6;3,3

26



1 0,7%

253

1

2

-

82% 2,10 2,5

6;6,16 Maria

3

97,3% 2%

4,7 153

8;2,20 Maria

147

151

256

98,8% 0,8% 0,4%

7;11,21 Anna

TC

Total

7;10,16 Anna

S

Enunciados

3,42 3

3

27 18%

124

72

8

61%

35%

4%

6

5

4,4 314

180

204

325

97,7% 1,8% 1,5%

Troca de Código.

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Maria

M3

3,76 3

6

6;6,13

54

2

1

57

94,6% 3,4% 2%

Observando os dados da Tabela 1, no caso de Anna, o MLU do PB aumenta na entrevista feita logo após a sua volta a Estocolmo (A2) e continua aumentando durante os meses passados em Estocolmo (A3), passando de 2,33 a 3,26, ou seja: não há uma regressão, mas não alcança o nível 4.027. No caso de Maria ocorre o mesmo, um aumento contínuo, passando de 2,10 a 3,76, mas também não chega ao nível 4.0. Apesar de o MLU aumentar e a porcentagem do sueco (S) diminuir no decorrer das entrevistas, percebe-se um ápice quantitativo em relação ao número de enunciados assim que voltam a Estocolmo (entrevistas A2 e M2). Mesmo as entrevistas A3 e M3, que são mais espontâneas em sua estrutura, a intimidade com o PB em seu registro ativo mostra-se mais forte nas entrevistas A2 e M2. É nítida a importância do contato com PBL1 para dar fluência do PBLFr no caso destas meninas. Para ilustrar o desenvolvimento da aquisição do PBLFr, será feita uma análise da aquisição da concordância nominal em sintagmas determinantes (DP).

4. A análise da concordância nominal

A aquisição de gênero é muito precoce na linguagem de falantes L1 de uma língua (Meisel 1994; Schlyter 1993). Um dos fatores que colabora para que a criança não apresente desvios na aquisição de gênero é o fato de este traço ser uma propriedade lexical intrínseca do substantivo (Corrêa, Augusto & Ferrari-Neto 2005; Meisel 2001; Müller 1990; entre outros). 27



Nível normalmente alcançado pela criança na aquisição L1 por volta dos três anos de idade.

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Para poder observar a aquisição das categorias funcionais do PB por Anna e Maria, será analisada aqui a concordância dos sintagmas determinantes (DP), focando a concordância de número em DPs, e também de gênero, tratando mais especificamente da concordância entre artigos, substantivos e adjetivos. Assume-se para a análise das entrevistas que a criança quando tem acesso à Gramática Universal (GU) adquire as categorias funcionais da sua L1 a partir de dados simples e robustos encontrados no input de seu ambiente linguístico (Lightfoot 1989); contando com que tanto a concordância [AGR] de gênero, como a de número constem da morfossintaxe encontrada na comunicação cotidiana entre mãe e filho(s), no ambiente bilíngue em que Anna e Maria adquirem suas duas L1s. Um dos traços que pode vir a se mostrar problemático nesta análise, é o fato de o emprego de número na gramática do falante da norma culta urbana no Brasil, hoje em dia, ser variável, com dois sistemas coexistentes (Corrêa et al 2005):

1) Padrão: 2) Não-padrão:

Os meus gatos novos Os meu gato novo

Ambas as formas acima são aceitas. No sistema não-padrão (ou informal), o plural pode apresentar-se morfologicamente marcado apenas no determinante, ou no elemento do DP que se encontra mais à esquerda da frase, ou então a marcação de plural encontra-se no verbo, ou seja, no IP. O falante da norma padrão concorda determinantes, possessivos e adjetivos (e IP) dentro do DP. Foi previsto para a aquisição deste traço gramatical que, com um estímulo linguístico que apresente várias alternativas aceitáveis para a criança na sua L1, possa haver um prolongamento do período de fixação deste parâmetro, sendo que o mesmo possa passar com as falantes



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2L1. Quanto à aquisição do gênero, temos aqui duas alternativas: em primeiro lugar, o gênero da palavra pode ser adquirido pelo mesmo processo que o apresentado por falantes L1, intrínseco à aquisição do léxico; em segundo lugar, pelo fato de as crianças 2L1 viverem em um ambiente onde o uso da LFr é restrito, restringindo-se primeiramente à comunicação familiar, pressupõe-se que a aquisição (ou o aprendizado) de novas palavras exijam da criança maior empenho, pois é nos contextos extra-domésticos que entram em contato com novas palavras. Encontra-se, nestes casos, uma situação de interface onde a sintaxe da criança 2L1 não passa pelo mesmo processo fonológico que a da criança PBL1, tendo de adquirir o gênero palavra por palavra, um processo que pode apresentar traços semelhantes aos da aquisição de L2. As questões centrais deste artigo são:

1. Bastam dados simples e robustos (Lightfoot 1989), encontrados na fala das mães das crianças 2L1, para acionar as categorias funcionais da LFr? 2. Sendo estas categorias funcionais acionadas, acompanham o desenvolvimento destas, na LFr das crianças 2L1, a sequência aquisicional do desenvolvimento das mesmas na linguagem de crianças PBL1? 3. Caso as crianças 2L1 apresentem desvios na forma de aquisição da LFr, é possível distinguir se há influência direta da LFo (sueco) na aquisição da LFr (PB)? Para responder às perguntas acima será feita, primeiramente, uma revisão da norma prescritiva da concordância nominal do sueco (Dahl 1982; Jörgensen & Svensson 2001), passando a uma revisão das normas do português prescritivo (Faraco & Moura 2003; Rocha Lima 1997); relatando, a seguir, as características do português falado na norma culta



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urbana (Augusto 2007; Corrêa et al 2005; Lopes 2006), para finalizar com uma análise dos exemplos encontrados no corpus composto pelas entrevistas feitas com Anna e Maria.

4.1 A concordância nominal na língua sueca

Na língua sueca contem dois gêneros gramaticais: utrum (reale) e neutrum. O gênero utrum é regido pelo artigo den e o gênero neutrum pelo artigo det. Exemplos: Tabela 2: Utrum - marcado pelo sufixo ±(e)n28 Em

brun

katt

Den

bruna

art.ind.utru m

adjetiv o

substantivo

art.def.utru m sg

adj + a subs.+ en (def) (def.utrum.s g)

Um/a

marro m

gato/a

O/A

marro m

gato/a

Två

bruna

katter

De

bruna

katterna

Num

adj+a pl

substantivo+ er

art.def.pl

adj.+a (pl) + (def & (def) pl)

Os/As

marron gatos/as s

subst.+ er Dois/duas

marron gatos/as s

katten

na

28

Como pode ser observado na Tabela 2, o gênero utrum é usado tanto para substantivos de gênero feminino, como para os de gênero masculino do português, não havendo equivalência entre o sistema da LFo com o da LFr.



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Tabela 3: Neutrum marcado pelo sufixo ±(e)t brunt

Det

bruna

lejonet

art.ind.neu adj+neutr Substanti trum um ve

art.def.ne ut.sg

adj+a(def &pl)

subs+et(def.n eut.sg)

Um

marrom

Leão

O

marrom

leão

Två

bruna

lejon

De

bruna

lejonen

Num

adj+a(def substanti &pl) vo+ø

art.def.pl

adj.+a(def subst.+ø(pl)+ &pl) -en(def)

Dois

marrons

Os

marrons

Ett

lejon

leões

leões

Como é possível observar nas tabelas 2 e 3, além do artigo definido den ou det, a forma definida leva também um sufixo marcador de definição ±(e)n ou ±(e)t: katten, lejonet. Este sufixo (artigo definido final) proporciona o uso opcional do artigo definido pré-posto, dependendo do contexto. O gênero utrum contém os naturais, ou seja, os substantivos que designam seres vivos e que podem ser diferenciados entre masculino e feminino, incluindo também nesta categoria o reale, que designa substantivos não pessoais, existindo exceções, como no caso de lejon-leão (neutrum) no exemplo da Tabela 3 (Dahl 1982:33). Como as duas categorias de gênero em sueco não estão diretamente ligadas ao feminino ou ao masculino, a possibilidade de Anna e Maria transferirem o sistema do sueco para o português é logo de início impossibilitada. Apesar de o utrum conter grande parte dos animados (de vários níveis) essa não é uma regra a ser seguida, pois pode-se encontrar animados também entre os neutrum, até mesmo relacionados a seres humanos como: fruntimmer (moça), barn (criança), entre outros. Na gramática atual, ambos os gêneros são



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considerados uma categoria puramente gramatical (Jörgensen & Svensson 2001:18). Na Tabela 2 pode-se observar como o gênero utrum é empregado tanto para o gênero feminino como para o masculino do português, não integrando sexus ao gênero gramatical, não havendo assim uma equivalência de sistemas entre a LFo e a LFr. Os plurais dos dois gêneros gramaticais são morfologicamente marcados. Em utrum é adicionado um sufixo (no exemplo da Tabela 2 o ±er) ao substantivo. Em neutrum não é necessário marcar o plural morfologicamente, como no exemplo lejon da Tabela 329. Os adjetivos, assim como no português, concordam com o substantivo. Ao acompanharem um substantivo utrum no singular, o adjetivo é empregado na sua forma básica brun (Tabela 3). Quando empregado em conexão com um substantivo neutrum, adiciona-se um sufixo ±t brunt (Tabela 3). Tanto a forma definida do adjetivo, como a sua forma no plural são marcadas com o sufixo ±a (bruna) independente do gênero gramatical do substantivo.

4.2 A concordância nominal na língua portuguesa

Para uma definição das normas para a concordância nominal, serão utilizadas as gramáticas prescritivas de Faraco & Moura (2003) e Rocha Lima (1997). Assim como no sueco, o gênero é uma classificação gramatical intrínseca dos substantivos. Em português temos duas classificações: masculino e feminino. As classes de palavras que 29

O plural em sueco é marcado com as seguintes declinações: Utrum: flicka (menina) ± flickor (meninas) pojke (menino) ± pojkar (meninos) katt (gato) ± katter (gatos) Neutrum: äpple (maçã) ± äpplen (maçãs) lejon (leão) ± lejon-ø (leões)



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acompanham o substantivo concordam em gênero e número com este. Em Faraco & Moura (2003:203) pondera-se que ³QmR se deve confundir gênero com sexo, pois a noção de gênero se aplica não apenas as seres animais (providos de sexo) como também a coisas (logicamente, desprovidas de VH[R ´ Já Dahl (1982:32) faz essa diferença considerando haver dois tipos de gênero:

a) Natural: diretamente ligado ao sexus, ou seja, a seres animados e de sexos diferentes; b) Gramático: arbitrário, que não segue uma regra fixa, tendo de ser aprendido. Em português, tanto o gênero masculino, como o feminino, incluem os dois tipos (natural e gramático), pois ambos incluem seres animados e inanimados, o que nos faz aceitar a formulação de Faraco & Moura (acima) e considerar a divisão de gênero como apenas gramatical. As palavras do gênero masculino são marcadas pelo artigo definido o e as do gênero feminino pelo artigo a. Uma regra sugerida por Rocha Lima (1997:72) diz que as palavras terminadas em o átono seriam masculinas e as terminadas em a átono seriam femininas. Apesar de haver, em grande parte dos casos, certa consequência quanto ao grafema/fonema final da palavra e o artigo que a acompanha, existe também um grande número de exceções e inúmeras palavras que não terminam nem em a, nem em o, apresentando uma consoante final, como por exemplo: capital, túnel, mártir, etc. As formas para a marcação do gênero no português não são claras, pois podemos no masculino encontrar final ±o, -es, -ão, -or, -e, -u, a; e na forma feminina, por sua vez, apesar de apresentarem em sua maioria um final ±a, são encontradas também outras formas como ±e, ±o, -ão e consoantes. Uma forma de observar se a criança adquiriu o gênero é verificar se emprega o artigo correto do nome em questão, pois é o artigo



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que marca o gênero no português, ou então verificar se as outras palavras que se relacionam com o substantivo apresentam a marcação adequada de gênero. Quanto à flexão do adjetivo no plural, se os substantivos encontrados no enunciado forem todos do gênero feminino, as palavras que apresentam flexão de gênero serão marcadas com o sufixo feminino no plural (-as), se forem todas do gênero masculino serão marcadas com ±os e nos casos em que ambas as formas estiverem representadas, deve-se empregar o gênero masculino (não marcado): 3) As meninas e os meninos estão molhados. Fica assim claro que, o fato de o sistema de categorização de gênero não ser claro (clear, Meisel 1990 ± em 4.3.2 a seguir), pode causar dificuldades para a criança 2L1, pois o vocabulário adquirido por ela é constituído, em grande parte, pelo vocabulário usado em contexto doméstico, sendo assim bastante restrito. Estes exemplos serão tratados mais detalhadamente na análise da concordância nominal na fala das informantes 2L1. Segue agora uma apresentação de alguns traços específicos do emprego da concordância nominal no PB.

4.3 A concordância nominal no PB

4.3.1 Concordância de número

Na seção introdutória foi colocado que a concordância de número no PB pode restringir-se ao emprego do plural no determinante, ou ao elemento do DP posicionado mais à esquerda da frase. Adicionamos a estes fatores os casos em que o DP não apresenta marcação de plural, encontrando-se esta marcação apenas na flexão do verbo [IP], situação na



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qual o falante assume que esta marca seja suficiente para que a frase possa ser compreendida como plural. A marcação de número no PB torna-se assim um traço predominantemente opcional30 e variável, pelo fato de variar dependendo de contexto, escolaridade, região de origem do falante, entre outros fatores (Corrêa et al 2005:3). O estudo de Corrêa et al (2005) trata do processamento da aquisição da concordância de número por crianças PBL131. Estes pesquisadores fazem um teste de aceitabilidade de diferentes formas de marcação de plural, com 18 crianças PBL1 de até dois anos de idade, onde as variedades de posicionamento de marcação de plural que compõem os exemplo (a. - d. a seguir) foram-lhes apresentadas em contexto interativo, para observar quais as formas aceitas pelas crianças. Vejamos abaixo os DPs considerados aceitáveis por Corrêa et al (a. e b.) e os considerados nãoaceitáveis (c. e d.): DPs aceitáveis e não-aceitáveis 32 no PB a. Padrão aceitável 4) Os meus gatos novos. b. Não-padrão aceitável 5) *Os meu gato novo. c. Pseudo-plural com sufixo ±s não-aceitável 6) *O meu gatos novo. d. Pseudo plural com infixo ±s não-aceitável 30 ³)URP D IRUPDO SRLQW RI YLHZ LW KDV EHHQ DUJXHG WKDW IXQFWLRQDO SURMHFWLRQV PXVW EH semantically motivated. Number, on par to Tense, fulfills such requirement. Thus, in more general terms, it could be assumed that formal features which bear some semantic import related to reference project independent functional categories. It would allow for a distinction to be established between intrinsic and optional features during the processing of agreement in so far DVWKHODWWHUZRXOGSURMHFWLQGHSHQGHQWIXQFWLRQDOFDWHJRULHV´ &RUUrDHWDO  31 Mais uma vez referimo-nos à norma culta urbana do PB falado (informal) no sudeste brasileiro, relevantes pelo fato de as mães das meninas serem desta região. 32 Exemplos baseados na tabela de variedade de estímulo linguístico encontrada em Corrêa et al (2005:7). Os autores mencionam que um /s/ final em uma palavra no singular, como lápis, pode ser tido como plural se a informação de D não for levada em conta. Mencionam também o caso do plural da palavra quaisquer, na qual o plural é marcado depois da sílaba inicial (infixo), comentando que um /s/ intersilábico poderia ser compreendido como marcação de plural se a informação contida em D não for levada em consideração.



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7) *O meu gasto novo. No resultado do estudo de Corrêa et al (2005:8) sugere-se que: children take into account the information provided by D as far as number inflection is concerned. It implies that children are already tuned in to the grammatical system of the language BP. Este fator mostra que a criança segue o padrão esperado, adquirindo as normas aceitáveis que constam do input recebido, a língua-E de seus pais. Os falantes que não adquirem a norma padrão (formal ou informal), realizando outras variantes de marcação de número, podem ser identificados como falantes com falta de escolarização ou de origem social desprestigiada (Lopes 2001:30). Outro fator que poderia apresentar dúvidas na aquisição do PB é o fato de não haver uma consequência em relação ao emprego de DPs plenos, podendo, muitas vezes bastar o emprego de nomes nus, ou seja, nomes sem determinantes (Augusto 2007:35): J: Cavalo pode dá coice33 Este traço, o emprego dos genéricos no português, vem sendo estudado por pesquisadores de língua portuguesa por se diferenciar do genérico das outras línguas românicas. O espanhol, por exemplo, não aceita o emprego de sintagmas nominais nus, diferenciando o genérico do específico ao adicionar o determinante definido ao nominal plural: 8) Los tigres comen carne34 Tanto o PE como o PB aceitam o emprego de sintagmas nominais plurais nus na posição de sujeito (assim como o sueco), sendo que o PB, 33

Exemplo tirado de uma das entrevistas feitas com o grupo de informantes PBL1 (Eliasson 2012:49-50) 34 Exemplo de Augusto (2007:36).



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por sua vez, aceita também o emprego de sintagmas nominais singulares nus na posição de sujeito, traço não aceito no PE (Augusto 2007:36-39)35:

9) Zebras têm listras. 10) Criança gosta de doce 11) *Criança gosta de doce

(PB/PE: espécie) (PB: espécie) (PE)

O PB admite a leitura genérica com praticamente todos os tipos de DPs e apresenta também um tipo de DP ± o singular nu ± que admite a leitura genérica, embora não seja marcado para pluralidade, como vemos em (10) (Augusto 2007:38). Agora, se fôssemos desenvolver a frase (10) adicionando uma frase complementar, o uso do plural seria a única forma aceitável, pelo fato de criança representar um todo (12a) (Lopes 2006:253):

(12) a. Criança gosta de doce. *Ela/elas sempre pede(m) para comprar. b. Tem maçã na cesta. Ela/s não µWDYDP madura/s, mas eu trouxe do mercado assim mesmo. A frase (12b) Tem maçã na cesta não especifica número, podendo tanto ser uma maçã, como algumas maçãs, admitindo assim o emprego tanto do singular, como do plural na frase complementar (Lopes 2006:253). Na frase que consta tanto do exemplo (10) como do exemplo (12a), Criança gosta de doce, o plural está implícito. Em relação ao PB, dados de produção evidenciam que a criança pode fazer uso de um nominal nu singular (a sua forma default) com valor de DP pleno nos primeiros momentos de aquisição (Lopes 2006:255). Foi também constatado que o uso adequado de nomes nus surge, primeiramente, com a leitura existencial e mais tardiamente com a genérica, sendo que no final do 35

Exemplos tirados de Augusto (2007:37). Esta autora menciona também que outros traços como, por exemplo, o contraste tempo/aspecto, podem influenciar na interpretação genérica/não-genérica do falante PBL1. Não discutiremos esse aspecto neste trabalho.



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quarto ano de vida a criança ainda apresenta dificuldade em admitir a retomada do nominal nu singular por anáforas plurais, defendendo que os nominais nus sejam subespecificados para número (Lopes 2004 e 2006; Augusto 2007). O registro da aquisição do PB por falantes nativos mostra uma característica particular que indica a possibilidade de haver dificuldade específica por parte da criança para o emprego do nominal nu singular (Augusto 2007:41): ³0RVWUD também que número parece exercer um papel bastante peculiar em relação aos QRPLQDLV´ (Augusto 2007:49). Apesar das dificuldades apontadas acima, a criança brasileira já diferencia os DPs aceitáveis dos não-aceitáveis aos dois anos de idade. Nos testes feitos por Corrêa et al (2005) com crianças PBL1, variedades de frases contendo os quatro tipos nos exemplos de (4) a (7) foram apresentadas às crianças. Os pesquisadores registraram as reações das crianças em relação a cada tipo de frase declarativa que contem tanto figuras familiares para as crianças, como figuras inventadas. A diferença de reação entre as frases aceitáveis e não-aceitáveis mostra-se significante, indicando que as frases aceitáveis são aceitas pela criança em idade precoce, enquanto que as não-aceitáveis são rejeitadas36.

4.3.2 Concordância de gênero

A aquisição de gênero para as meninas 2L1 deveria ser uma tarefa sem maiores empecilhos, pois não se encontra nenhum estudo que tenha registrado dificuldade na aquisição de gênero por crianças falantes L1 de qualquer língua (Corrêa et al 2005; Meisel 1990; Schlyter 1993; Kupisch, Müller & Cantone 2002). Em compensação, dependendo da combinação das línguas adquiridas por uma criança 2L1, o sistema de atribuição de 36 Não consta do trabalho de Corrêa et al como os pesquisadores distinguem as reações de aceitação e rejeição por parte das crianças.



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gênero da LFo pode colaborar ou dificultar a aquisição da LFr (Hulk & Müller 2000; Müller & Patuto 2009; Patuto, Repetto & Müller 2011). Não só não são encontradas dificuldades na aquisição de gênero, como é um dos fenômenos gramaticais que adquirem logo de início, pelo fato de o gênero ser intrínseco à palavra. As nossas informantes adquirem a LFr desde o útero materno, falta-lhes em compensação situações de interface onde a sintaxe possa ser desenvolvida em relação a outros sistemas da língua. Em aprendizes L2/LE de português (e de outras línguas) o domínio do emprego de gênero costuma apresentar dificuldade para os alunos, pois há uma tendência por parte destes de se apoiarem a regras já conhecidas e, aos poucos, percebem que este apoio, na verdade, é bastante restrito: Um tipo de transferência automática é o uso do gênero da língua materna. Trata-se de um conhecimento tão automatizado que é muito difícil fazer com que o aluno tome consciência do fenômeno, e depois conseguir que adquira o uso do gênero diferente. (Åkerberg 2002:38)37 Como já foi explicado, no caso do sueco e do português, o aluno alcançaria pouco sucesso com esta estratégia, pois as regras de atribuição de gênero nas duas línguas não são compatíveis. Esse fator pode ajudar a ressaltar formas desviantes na LFr de Anna e Maria e a detectar se elas se apoiam na gramática da LFo, ou se adquirem suas línguas simultânea e separadamente. Schlyter (1993:290) compara o resultado de sua pesquisa com o trabalho contrastivo de Andersson & Strömqvist (1990) no qual constatam que a aquisição de gênero em crianças sueco L1 é estritamente correta, 37

Uma dificuldade observada em aula, no curso básico de português da Universidade de Estocolmo é o fato de os alunos de língua sueca apresentarem dificuldade em aceitar ele/ela FRPR ´VXEVWLWXWRV´ GH den/det, que para o aluno sueco, parece adicionar um componente humano a objetos inanimados.



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enquanto que adultos L2 têm grande dificuldade em lidar com a concordância de gênero. A mesma tendência é registrada por Meisel (1990:9), conferindo que a aquisição do sistema de flexão de gênero parece ocorrer sem maiores erros pela criança quando o sistema da língua é ³FODUR´ (clear), sendo a clareza do sistema mais importante que o fator de transparência semântica de atribuição de gênero, sendo também relevante a localização do gênero que pode facilitar a concordância com as palavras que se ligam ao substantivo dentro dos elementos incluídos no paradigma. Levando em consideração o que foi dito até então, o apoio às regras da LFo (ou L1) por aprendizes L2, a aquisição estritamente correta de gênero por crianças L1 e o fato de a clareza do sistema flexional do gênero ser mais importante que a transparência semântica, mostra-nos que para as informantes 2L1 temos um fator que pesa contra a aquisição natural do gênero: o sistema flexional do gênero no português não é claro. Adicionamos a este fator a questão da interface colocada acima e o fato de a combinação das línguas, sueco-português, não ter como colaborar na aquisição deste sistema. Ao mesmo tempo as informantes não deveriam apresentar problemas referente à aquisição de gênero, pois as crianças que adquirem gênero como L1 não apresentam dificuldades em relação à sua aquisição. Encontramos aqui vários fatores que podem favorecer a aquisição natural do sistema de atribuição de gênero, e outros fatores que podem dificultá-la. Interessa-nos assim identificar quais os fatores de influência mais forte nos casos aqui estudados.

5. Análise da concordância nominal em nosso corpus

As observações de Augusto (2007) e Lopes (2004, 2006), adicionados ao fato de termos na fala cotidiana informal uma variedade de formas aceitáveis da marcação do plural no PB, leva-nos a presumir que a



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criança PBL1 seja submetida a um input bastante diversificado em relação à concordância de numero em seu ambiente nativo. Em compensação, o estímulo linguístico das crianças 2L1 é em grande parte unimonitorado. A linguagem das mães das informantes não apresenta desvios da norma culta, podendo assim caracterizar o seu emprego da marcação do plural como padrão (Lund 2003). Isso nos leva a pensar que o modelo comunicativo poderia facilitar a aquisição do paradigma normativo da concordância de número. O input unimonitorado pode tornar o paradigma normativo claro do PB ainda mais claro, pois a criança 2L1 é submetida apenas a uma alternativa, diferentemente da criança PBL1 que tem de lidar com formas diferenciadas durante o seu processo aquisicional, para depois fixar os parâmetros aceitos, apesar de identificá-los desde cedo (registrado em Corrêa et al 2005). Trataremos, a seguir, das entrevistas que compõem o nosso corpus 2L1.

5.1 Entrevistas 2L1

Para a apresentação e análise da concordância nominal serão apresentadas, primeiramente, as entrevistas feitas antes da viagem de Anna e Maria ao Brasil, em seguida as entrevistas feitas diretamente após a sua volta e, por fim, os exemplos das entrevistas feitas alguns meses após a sua volta a Estocolmo. Grande parte dos exemplos selecionados para a análise foram tirados das descrições feitas pelas informantes das ilustrações do livro Brincadeiras ao ar livre (Heuninck 1989). Como vemos na Tabela 4, a quantidade de adjetivos empregada pelas crianças parece-nos pouca, considerando que em sua maioria estejam ligados à descrição das gravuras do livro, às obras criadas no curso de artes plásticas e às suas experiências



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relacionadas ao Brasil. Vejam as proporções de adjetivos em relação à quantidade de substantivos para cada entrevista: Tabela 4: Ocorrências de artigos, substantivos, adjetivos Entrevistas Artigos Substantivos Adjetivos MLU D* I*

P

S

TC

Anna A1

19

22 77

17 (22%)

2,33 2,66 7

A2

42

46 155

25 (16%)

2,72 1

3

A3

52

18 101

24 (24%)

3,26 -

4,70

M1

18

4

9 (12%)

2,10 2,54 3

M2

91

49 239

42 (18%)

3,42 3

4,4

M3

27

12 61

11 (18%)

3,76 3

6

Maria 78

D* - artigo definido I* - artigo indefinido

Nos trabalhos de Bernardini (2004:82) e Granfeldt (2003:234), sobre aquisição do italiano LFr, respectivamente do francês LFr, as crianças 2L1 também apresentam pequena quantidade de adjetivos em sua produção, sendo a proporção de emprego do adjetivo ainda menor que a encontrada em nosso trabalho, talvez pelo fato de seus informantes serem mais novos que os que compõem o nosso corpus. A seguir as primeiras entrevistas serão discutidas, com foco nos DPs grifados, não comentando todas as ocorrências de substantivos registradas no mesmo enunciado ou turno.



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5.1.1 Primeira seção

Anna A1 No exemplo que inicia esta parte da análise encontramos o momento no qual o foco da conversa é dirigido a Anna, que se predispõe a descrever as ilustrações do livro Brincadeiras ao ar livre (Heuninck 1989). Seu irmão mais novo, Oscar marca sua presença participando perifericamente da conversa:

(13) 1. A: [eu tô vendo >> 2. O: [å ja också > trad: e eu também 3. A: >> [uma menina e um menino >> 4. Int: [°cê também vai contá depois°((dirigindo-se a Oscar)) 5. A: >> que dá comida para dois patos e dói/ árvores e flores ali 6. na árvore Na linha 5 acima, Anna hesita ao pronunciar a quantidade de árvores que está vendo. A língua portuguesa apresenta marcação de gênero não apenas na unidade, mas o numeral dois também é variável em gênero, tendo que concordar com o substantivo: dois ou duas. Percebe-se pela hesitação e interrupção da palavra dói/ na fala de Anna que a sua primeira opção parece não lhe ³VRDU EHP´ Logo em seguida, no mesmo turno (linha 6), Anna emprega o artigo definido correto à palavra árvore: na árvore. O fato de ela interromper o emprego de dois e de empregar o gênero adequado à árvore logo em seguida, indica que apesar de não encontrar a forma adequada no início da entrevista, tem conhecimento tanto do gênero deste substantivo, como da necessidade da concordância do numeral dois, pois percebe o equívoco cometido. Pelo fato de o substantivo árvore ser um inanimado vegetal terminado em ±e não se encontra nenhuma pista para decifrar qual o gênero



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implícito na palavra, não havendo nenhum indício fonético ou semântico para guiar a informante. O conhecimento de Anna deve ter sido adquirido na sua interação em ambiente doméstico. Já nos exemplos abaixo (14a e b), suspeita-se que Anna empregue os adjetivos independentes do gênero do substantivo, empregando-os no gênero masculino (a sua forma básica). (14) a. 1. Int aqui você sabe me dizer qual é a cor do casaco dele? 2. A: vermelho 3. Int: e a camisa dela? 4. A: amarelo b. 1. Int: e esse aqui o avental da vovó, como é que ele é? 2. A: é amarelo que é a/ com flores que é vermelho A concordância entre casaco e vermelho (linhas 1 e 2) está correta, mas tudo indica ser uma coincidência. Já em relação à camisa é empregado amarelo, ao invés de amarela (linhas 3 e 4), faltando aqui a relação de concordância de gênero, como uma referência à cor da camisa que se encontra na frase anterior. O mesmo acontece na linha 2 de (14b), onde vermelho deveria concordar com flores e não com avental sendo aqui, mais uma vez, usada a forma básica do adjetivo. Esta relação entre o gênero do substantivo e do adjetivo é natural para um falante L1, como vemos em (15), onde basta a flexão do adjetivo secas para reatar o comentário à árvore frutífera da pergunta da Int: (15)38 1. Int: tem árvore frutífera aqui? 2. Z: mas tão secas, que as formigas ficam comendo [...]

38 Entrevista feita com Zé (6;9), um dos informantes PBL1 do grupo de controle (Eliasson 2012:49-50)



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O informante PBL1 não só concorda o adjetivo em gênero, como adiciona também a este o plural, pelo fato de a pergunta da Int ser de caráter genérico, incluindo todas as árvores frutíferas, como já foi visto nos exemplos (10) e (12a). Nos exemplos que seguem, Anna apresenta a mesma capacidade de referir-se ao nome em pauta, mesmo quando este se encontra na fala da Int (como em 16a e b). No primeiro caso, Anna e a Int conversam sobre a menina durante toda a sequência e na linha 6, onde Anna descreve uma característica da menina, indo além da descrição puramente ilustrativa. Em (16b) a referência à luz aparece com certa distância do substantivo, mantendo mesmo assim a concordância do gênero, o que mostra que a aquisição do gênero independe da terminação da palavra: (16) a. 1. Int: e a menina? o que que ela tá fazendo? 2. A: olhando no esquilo 3. Int: °é° 4. A: m: 5. Int: ela tá o que? 6. A: curiosa 7. Int: curiosa é b. 1. Int: aqui tá o que? aqui a luz tá 2. A: forte 3. Int: e aqui? 4. A: em: fraca 5. Int: é: O interessante no exemplo que segue (17) é que Anna, apesar de mostrar grande fluência em sua comunicação em português, apresenta alguns desvios que se diferem da linguagem dos informantes L1. O tipo de desvio de concordância encontrado na linha 2, do exemplo abaixo, não é encontrado nas gravações feitas com os informantes L1, nem nos estudos



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aqui consultados com a participação de crianças PBL1:

(17) 1. Int: que que cê tá vendo aqui? 2. A: é: uma castelo de areia, dois meninos e duas meninas, um barco, uma praia Apesar de a palavra castelo conter o ±o átono final, que segundo Rocha Lima (1997) seria considerada uma forma que poderia ser generalizada como sendo do gênero masculino (visto em 4.2), Anna parece não levar em consideração este traço da palavra: se contem o ou a final. Como foi visto no caso de luz, em (15b), ela não se prende à terminação da palavra para a atribuição de gênero. Outro traço registrado neste exemplo é o emprego de duas, sem hesitação, ligado ao substantivo meninas, indicando que a informante tem conhecimento da flexão de gênero no numeral dois, apesar de ter hesitado no exemplo (13) em relação a árvores.

Maria M1 Em relação ao desempenho da concordância de número e gênero na fala de Maria, os desvios encontrados antes de passar um mês na Brasil restringem-se ao emprego de gênero, como nos exemplos abaixo:

(18) a. 1. Int: e o Carl é o que? 2. M: lillebror > trad: irmãozinho 3. Int: é e quantos anos ele tem? 4. M: (+) snart två > trad: quase dois 5. Int: é 6. M: ett och ett halvt > trad: um e meio 7. Int: e em português ele tem quantos anos? tem: 8. M: e:: um e meia 9. Int: um e meio isso mesmo



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b. 1. Int: cê sabe como é que chama isso em português? 2. M: o pá No exemplo (18a), linha 8, Maria emprega gêneros alternados ao numeral um e a meia, que não concordando entre si. Observando o turno da linha 6, vê-se que esta alteração não ocorre na LFo39. Este traço já se estabelece desde cedo (traço L1) na LFo de Maria e a criança não apresenta dúvidas quanto ao seu emprego. No exemplo (18b) o artigo definido não concorda com o substantivo, pois pá é feminino. Encontramos nove adjetivos para 78 substantivos nesta entrevista, sendo oito deles referentes a cores em sua forma neutra, respondendo às perguntas feitas pela Int, como no exemplo (19) abaixo:

(19) Denominação das cores 1. Int: e cê sabe me dizê de que cor é isso aqui, por exemplo? isso aqui? 2. M: é amarelo e verde 3. Int: isso e que cor que é a calça dessa menina aqui? 4. M: azul 5. Int: m: e o casaco dele? 6. M: cor de laranja Neste exemplo específico, três dos adjetivos usados por Maria não se flexionam para concordar com o substantivo (verde, azul e cor de laranja) e amarelo encontra-se na sua forma básica, o que é o correto neste caso, levando em consideração que o demonstrativo isso é neutro. O que nos parece interessante em (19) e (20) (abaixo), é o fato de termos a possibilidade

de

observar,

de

uma

gravação

para

a

outra,

o

desenvolvimento linguístico da criança, que no período de um mês apresenta capacidade de contar o episódio de forma bem mais estruturada 39 Onde ett e ett halvt seguem a concordância do gênero neutrum (Tabela 3), pois a palavra år (> trad: ano) é do gênero neutrum.



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(como em (20) e depois em (27)), o mesmo se passando com o emprego dos adjetivos.

(20) As casas da minha avó 1 1. Int: três casas? onde é que ela tem todas essas casas? 2. M: uma é: uma é: para o tio C e undi: os dois o terceiro e a outra é no 3. Cabo Fri:o e no Leblon é: o primeiro 4. Int: e lá é casa também? 5. M: lägenhet > trad: apartamento 6. Int: é um apartamento °tá bom° Esses exemplos serão comentados novamente na próxima seção.

5.1.2 Segunda seção: voltando do Brasil

Os exemplos apresentados nesta seção são semelhantes aos vistos em 5.1.1, para observar se há algum tipo de desenvolvimento na linguagem das crianças em relação à concordância nominal, após a sua estadia de um mês no Brasil. Anna A2 Esta revisão inicia com o exemplo (21), onde se encontra, na fala de Anna, um modelo semelhante ao exemplo (16a e b). O leão é introduzido à Anna na linha 1, com uma pergunta colocada pela Int. Na linha 5, a Int indica o gênero do sujeito ao perguntar quantos, às crianças. Essa indicação é registrada por Anna que emprega assim o gênero correto ao numeral um. Poderíamos, também, nos perguntar se a informante não emprega, simplesmente, a forma básica do numeral. A nosso ver, neste exemplo, a informante já tem conhecimento da língua da mesma forma que havia mostrado em (16a e b), com menina curiosa e luz fraca. Observemos abaixo:



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(21) 1. Int: tinha leão? 2. O: n:/ 3. A: ahá 4. O: ahã 5. Int: tinha? quantos? 6. A: um Nos exemplos que seguem (22a e b), percebe-se o oposto do que foi mostrado acima, que a informante ainda apresenta insegurança no emprego da concordância de gênero. Na linha 2, de (22a), Anna emprega o artigo definido o ao substantivo feminino chaminé e em (22b), na linha 2, Anna emprega o artigo definido feminino a a um substantivo masculino:

(22) a. 1. Int: que que cê tá vendo aqui atrás? 2. A: uma casa e o chaminé 3. Int: mhm, e aqui tem o quê? 4. A: uma árvore:, muitas árvores b. 1. Int: do que que vocês brincaram? 2. A: ehm: de nadá: e assim, a gente foi na Campestre e brincou que era/ que a gente estava no Amazonas 3. Int: ((ri)) que que é Campestre? 4. A: é um parque Nesses exemplos, os substantivos são terminados em ±e e inanimados, ou seja, mais uma vez a informante não recebe nenhuma informação semântica ou fonológica na qual possa se apoiar para decifrar o gênero dessas palavras. No caso da palavra árvore, em (13), percebe-se que a informante tem conhecimento do gênero implícito da palavra. Já nas palavras dos exemplos em (22) não acontece o mesmo. A palavra chaminé parece desconhecida para a informante na entrevista A1, sendo por isso introduzida durante a gravação:



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(23) 1. Int: e cê sabe como isso aqui chama? 2. A: telhado 3. Int: mas que tá em cima ali do telhado onde sai fumaça 4. A: é: (+) é: 5. Int: é chaminé 6. A: ah [chaminé:] 7. O: [xxx] 8. Int: e em sueco como é que chama? 9. A: skorsten > trad: chaminé A palavra chaminé não deve ser muito frequente na sua comunicação em português. Quanto ao Clube Campestre pode ter sido introduzido durante a sua estadia no Brasil, tratando-se assim de um novo tipo de relação de gênero, pois se aplica aqui o gênero referente a clube, substantivando assim o nome do mesmo: o clube, o Campestre. Segue aqui uma comparação entre o exemplo (24) e o exemplo (14a). No exemplo (14a) Anna empregou todas as cores na sua forma básica, não concordando com o substantivo ao que se referia. No exemplo que segue, pode-se ver que Anna já apresenta outra segurança em relação ao emprego dos adjetivos, quando na linha 5 usa as cores no plural, concordando com o substantivo e empregando a concordância de gênero em amarelas, para por fim, na linha 7, voltar a referir-se às folhas empregando o pronome correto:

(24) 1. Int: m: e o menino que que ele tá fazendo 2. A: jogando as folhas no ar 3. Int: m: (+) e as folhas tão como Anna, as folhas que tão no chão 4. elas são/ o que 5. A: em: laranjas e marrons e amarelas 6. Int: e por que que elas ficam assim? 7. A: por que elas tão cai:ndo da árvore e: tá ficando frio Os exemplos que compõem (25) foram selecionados apenas para



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ilustrar o desempenho de Anna. Em (a) a concordância de número está correta; em (b) Anna mantém o artigo inicial para a palavra que demora a encontrar, ou seja, apesar da hesitação à procura do léxico adequado, esta frase também está correta; em (c) a forma botãos é considerada a forma default da flexão de plural dos ditongos nasais, ou seja, apesar de ser uma forma desviante é uma forma que ocorre no processo aquisitivo do PBL1:

(25) Anna conta o que vê na cozinha de sua casa a. A: uma geladeira um armário muitos armários pequenininhos b. A: uma é/ como chama (+) panela c. A: botãos d. 1. A: uma parede 2. Int: isso e o que que tá encostado na parede? 3. A: um sofá 4. Int: e o que que tá em cima do sofá 5. A: eh travesseiros e: m: cobertor 6. Int: i:sso, e ali em cima? 7. A: uma almofada

No diálogo apresentado na sequencia (25d) surgem duas palavras, parede e sofá, que a informante poderia ter tido dificuldade em empregar o artigo indefinido correto, mas os quais são empregados devidamente, apesar de parede (linha 1) ser um substantivo inanimado terminado em ±e e na linha 3 sofá poderia ter sido interpretado como feminino, mas a informante não a- presenta dificuldade em encontrar o seu gênero gramatical: o masculino.

Maria M2 Maria volta do Brasil com a produção da sua LFr muito ativa. Os assuntos são variados e ela tem muito o que contar. Como vemos nos exemplos que constam de (26), Maria emprega a concordância nominal



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fluentemente, sem hesitações e sem apresentar formas desviantes:

(26) a. M: não tem nenhuma piscina b. M: eu também arrumei uns amigos no quintal c. M: aí eu fiquei um pouco cansada sabe d. M: do Papai Noel brasileiro e. M: pato e os quatro pintinhos dele f. M: isso é uma pá g. M: está a pé no na: deixa-me pensar um pouquinho (+) escada h. M: todos esses filmes de novo esse daqui é assim que: (+) é o primeiro filme longo dela i. M: Maria e Carl, eu mesma e Carl No exemplo (26f) encontra-se o emprego da forma correta do artigo feminino de pá, enquanto que na entrevista anterior Maria havia empregado o artigo masculino à mesma palavra (18b). Os outros exemplos são apenas uma ilustração do seu desenvolvimento durante a sua estadia no Brasil. O exemplo (27), referente à descrição das casas de sua avó pode ser comparado ao exemplo (20):

(27) As casas da minha avó 2 - comparar com (20) 1. Int: onde que tinha piscina Maria? 2. M: na ca/ na outra casa da vovó Z 3. Int: na outra casa? que outra casa? 4. M: ela tem/ ela tem três casas 5. Int: ahã 6. M: é, uma que é um pouco ras/ vagabunda que é o três >> 7. Int: [e essa casa fica onde? 8. M: >> [e o primeiro pinga água 9. Int: a primeira casa pinga água? [...] tem goteira? (+) ou que que é que pinga água? 10. M: é quando chove a gente precisa um/ en balja > trad: uma bacia 11. Int: tem que por balde/bacia embaixo? 12. M: é por que pinga muita água, µWp pro outro dia pinga água e µWp pro terceiro 13. Int: mas que coisa! e qual é a segunda casa?



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14. M: a segunda casa é muito boa tem piscina Encontra-se um desvio nas linhas 6 e 8. Maria refere-se aqui à casa de sua avó que tem uma goteira, mas emprega o três (a terceira) e o primeiro no masculino. Além da pequena confusão estrutural feita acima, que na realidade trata-se de técnica de narração de casos (ou histórias), os únicos desvios encontrados em M4 são os dois abaixo:

(28) a. M: eu nem í na cinema no Brasil b. M: coraçãos Em (28a) emprega o artigo feminino a uma palavra de gênero masculino e em (25b) usa o plural do ditongo nasal em sua forma default.

5.1.3 Terceira seção: alguns meses depois.

Nesta terceira seção as entrevistas apresentam novas características. Não é usada aqui a descrição do livro Brincadeiras ao ar livre, nem o diálogo é monitorado. Os diálogos são espontâneos e as informantes se referem a assuntos que surgem no decorrer da conversa.

Anna A3 A entrevista é iniciada com um pedido da Int para que Anna conte sobre a sua viagem ao Brasil. No primeiro exemplo selecionado aparece, mais uma vez, a visita ao Clube Campestre. Desta vez Anna explica o que é o Campestre e emprega o artigo correto ao nome, apresentando assim maior segurança em relação a este traço gramatical, diferenciando-se da ocorrência em (22b):



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(29) a. 1. A: ƒ¶TXH tinha mais?° tinha m: (+) macaco no Campestre que é 2. um parque que é um clube b. 1. Int: tinha arara vermelha? 2. A: ahã 3. Int: e tinha azul também? 4. A: mhm tinha muitas azuis Em (29b) Anna emprega o plural feminino em sua resposta (linha 4), referindo-se a arara (linha 1) da forma correta, empregando o plural (visto em (10), (12a) e (15)) e também flexionando o adjetivo azul no plural. O que se ressalta nestes exemplos é que Anna, também nessa entrevista, continua a desenvolver os fenômenos ativados durante a estadia no Brasil mesmo depois da sua volta para a Suécia, apresentando avanço nítido no desempenho da sua LFr. Uma novidade registrada na entrevista A3 é o fato de Anna passar a misturar suas duas línguas (TC) ao falar sobre assuntos cotidianos, não vivenciados em português. Em relação a estas frases mistas, temos alguns exemplos de emprego de um artigo em português para um substantivo em sueco. (30) a. 1. A: era pra corrê assim no Hagaparken e contá/ e contá as voltas que a gente pego 2. por que pode ganhá e assim b. 1. A: os mais velhos era femmorna por que os sexorna e os åttorna e niorna40não podia correr 40 Tradução: femmorna = o pessoal da quinta série; sexorna = o pessoal da sexta série; åttorna = o pessoal da oitava série; niorna = o pessoal da nona série. Ex: fem(m) -or -na

Num. cinco -pl



-suf.def.

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Os artigos definidos parecem concordar com o gênero da palavra em português, como em (30a) onde parque (Hagaparken) é masculino (no Hagaparken) adaptando-se assim ao contexto de interação, pelo português ser a língua principal de comunicação neste diálogo. Anna tem consciência de que a TC é compreendida pela Int. Um traço que deve ser evidenciado na TC da fala de Anna é o fato de ela não empregar as categorias funcionais em sueco. Em um estudo feito por Bernardini & Schlyter (2004), as autoras mostram que a TC em crianças 2L1 apresenta, de início, um domínio do emprego

das

categorias

funcionais

na

LFo

são

substituídas,

sucessivamente, pela gramática da LFr. O fato de Anna empregar a TC apenas na substituição de nomes é interpretado como um indício de que já tenha tanto adquirido, como ativado a gramática básica do PB. Observarem o exemplo (29b) onde se encontra o emprego do artigo masculino aos grupos de alunos das séries listadas em sueco. Esta expressão do sueco (como vemos na tradução em nota de roda-pé) inclui a série a que os alunos pertencem e o grupo de alunos na mesma palavra, o que nos faz adotar que o artigo, neste exemplo, concorda gramaticamente com grupo ou pessoal, tornando-se assim masculino. Nestes casos também é mantido o emprego das categorias funcionais na LFr e apenas os nomes são trocados por palavras em sueco.

Maria M3 Esta entrevista foi feita na semana em que Maria começou o primeiro ano. Os acontecimentos das férias de verão estavam ainda bem próximos e Maria tinha muito que contar. É nítido, nos exemplos que compõem (31), que Maria desenvolveu a sua competência em relação ao emprego da concordância nominal no PB: em (31a) não apresenta desvios; em (31b)



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emprega, mais uma vez, a forma básica das cores listadas e vermelha concorda com janelinha, porém o fato de as cores na linha 4 estarem na sua forma básica pode ser discutível, pois cor é uma palavra feminina; em (31c) não perde a conexão entre uma maçãzinha e cortadinha, mostrando assim que a concordância nominal faz parte de seu repertório ativo.

(31) a. 1. M: depois que ele: que as veterinárias fazem tudo ele pode ser mandado 2. para o jardim zoológico b. 1. Int: e qual é a cor da janelinha? 2. M: m: é vermelha 3. Int: e: e desse/ das flores? 4. M: a cor das flores é lilás e branco e amarelo c. 1. Int: e agora cê tá com fome? 2. M: não tanto mas eu posso comê uma maçãzinha 3. Int: é? vamos ver o que que tem lá depois 4. M: cortadinha O exemplo a seguir contem o único desvio de gênero (1/61 = 1,5%) registrado nesta entrevista. Maria fala sobre colocar as boias nos pés, pois incomoda no braço. Na linha 8, gostaria de classificar a ocorrência na meus pés como um deslize. Observa-se logo a seguir, na mesma linha, que Maria se refere às boias no pé corretamente:

(32) 1. M: eu não gosta de boia incomoda no braço 2. Int: é/ 3. M: é 4. Int: e cê mergulha? 5. M: m: m: 6. Int: bastante? 7. M: é/ é/ eu gosto de mergulhá e por isso não quero desse dali, mas a



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8. gente pode botá na meus pés [...] mas eu nunca botei boias no pé Para encerrar esta seção, observe um exemplo do emprego de TC no qual a parte em português é flexionada devidamente, mas onde, diferentemente dos casos de TC de Anna (A3, exemplos 30a e b) Maria ainda se apoia na gramática da LFo para facilitar a sua comunicação sendo o [D] da DP em sueco:

(33) M: det är en dos professores

> trad: é um

Encerra-se assim a apresentação dos exemplos do desenvolvimento da concordância nominal no período das gravações de nosso corpus.

Considerações finais

Na

apresentação

dos

exemplos

feita

acima,

percebe-se,

primeiramente que a concordância nominal já havia sido acionada e fazia parte da produção da LFr das informantes 2L1. A estadia de um mês no Brasil serviu, nos casos de Anna e Maria, para consolidar esses traços. É nítido, em sua produção, que apresentam dúvidas em relação à concordância nominal, mas observa-se desde as primeiras entrevistas, que as informantes já ativaram o conhecimento de que devem concordar artigosubstantivo-adjetivo em gênero e número, assim como o fazem em sueco, mas conhecendo, ao mesmo tempo, que o modelo LFo não é transferível para a LFr. As ocorrências desviantes aqui registradas são poucas, sendo a maior parte delas relacionadas ao emprego de gênero, desvio não encontrado na fala de crianças PBL1. No Diagrama que segue será apresentado o desenvolvimento quantitativo do emprego das DPs pelas informantes. As três primeiras



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observado nesta seção, é que o sistema de regras da flexão de gênero em português não é claro (clear), pois encontra-se muitas formas variadas, que dificultam o aprendizado de gênero, pois não há uma regra que possa ser seguida pela criança. Levando adiante a questão da aquisição do léxico, podemos dizer que para as palavras adquiridas pela criança 2L1 na sua LFr em contexto doméstico, percebem intuitivamente que a estrutura desta não apresenta regras para a atribuição de gênero, que parede, árvore e flor são palavras femininas, enquanto clube, parque e dia são masculinas. Ao mesmo tempo, mostram-se insensíveis a desvios como o pá e uma castelo, sendo estes, de início, empregados sem hesitação pelas meninas (em 5.1.1). Teria sido interessante observar se sempre aplicam o gênero correto a seres animados onde o fator [+ sexus] é adicionado. São poucas as ocorrências desse

tipo

registradas

neste

corpus,

não

demonstrando

desvios

consequentes da norma. Uma hipótese em relação à aquisição no caso das crianças 2L1 é que as palavras que fazem parte do seu cotidiano bilíngue, ligadas ao lar e a atividades familiares, são adquiridas seguindo o desenvolvimento L1, onde o gênero é intrínseco, pois encontramos em seu ambiente caseiro um espaço para a aquisição deste vocabulário. Em compensação observa-se indícios de que as palavras adquiridas durante a viagem e em contato com novas atividades, têm de ser aprendidas uma a uma e, nesses casos, as crianças não têm uma regrinha à qual se apoiar, como foi observado em 5.1.2 nos casos de chaminé e Campestre. O sistema de regras da LFo não é compatível ao da LFr, impossibilitando a sua transferência. Em estudos anteriores, feitos com crianças 2L1 com uma língua românica LFr em combinação com o sueco LFo (Bernardini 2003; Granfeldt 2003, entre outros), foi registrado que até aproximadamente os três anos de idade, com um MLU por volta de 2.9, a criança adquire o gênero da sua LFr de forma similar às crianças L1, não apresentando desvios. Não foram encontrados



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estudos que informam quais as características deste processo em crianças 2L1 de idade mais avançada. O fato de os informantes 2L1 adquirirem a LFr em ambiente unimonitorado por uma falante da norma culta urbana do PB, não proporciona a eles o input variado encontrado no ambiente linguístico de crianças PBL1. Isso torna a aquisição da concordância de número para estas crianças um processo mais simples, livre de variações. Anna e Maria apresentam concordância de número que segue a norma padrão, mas em relação à concordância de gênero apresentam traços semelhantes aos encontrados em falantes de português L2, diferenciando-se desses falantes pelo fato de rapidamente encontrarem a forma correta, mesmo sem instrução formal, o que pode se interpretado como uma intuição para a aquisição do PB.



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Abreviaturas



1ps

Primeira pessoa do singular

2L1

Duas primeiras línguas, Bilinguismo simultâneo

AGR

Agreement - concordância

D

Determinante

DP

Determinant phrase

GU

Gramática Universal

Idade

Ano;mês,dia

Int

Interlocutora/entrevistadora

IP

Inflection phrase

L1

Primeira língua

L2

Segunda língua

LE

Língua estrangeira

LFo

Stronger language - Primeira língua mais forte

LFr

Weaker language - Primeira língua mais fraca

LM

Língua materna

MLU

Mean Length of Utterance -

PB

Português brasileiro

PBL1

Português brasileiro como primeira língua

PE

Português europeu

PLM

Português Língua Materna

RC

Resposta curta

TC

Troca de código

> trad:

Tradução

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UMA NARRATIVA DO SISTEMA E D U C A C I O N A L SUECO E DO ENSINO DA LÍNGUA MATERNA NA SUÉCIA Maria Clara Neto Andersson42 Lucas Nascimento43

Neste texto apresentaremos considerações sobre o sistema sueco educacional e o sistema de ensino da Língua Materna na Suécia. Para isso, apresentaremos considerações, apontamentos e elaborações com base na experiência de Neto-Andersson, ao longo dos anos, no estágio doutoral de Nascimento na Stockholm University (em Estocolmo, Suécia) e nas observações de aulas em escolas das cidades de Göteborg e Stockholm, durante os anos de 2013 e 2014. Aqui, especialmente, nos deteremos mais na experiência no município de AlingsnV Kommun, na Escola de Ensino Fundamental Östlyckeskolan, sob a matéria Português Língua Materna ± Modersmal Portugisiska. Para fins de esclarecimentos didáticos, apresentamos o texto organizado em 5 partes. Na Parte I, discorremos sobre: Sistema de ensino da Suécia-Skolverket: Agência da Educação da Suécia ± Uma visão geral do sistema de ensino sueco; Decreto da Agência sobre o ensino da Língua Materna na Suécia, De acordo com a Lei de Educação, capítulo 10, § 7. Na Parte 2: Objetivos do ensino; O papeO GD /tQJXD 0DWHUQD; Objetivos detalhados do ensino. Na Parte 3: Diferentes níveis na mesma

42 Professora da Göteborg Folkuniversity e de escolas públicas de Gotemburgo-Suécia. Graduada em Pedagogia, Espanhol e Sueco pela Goteborg University e Letras pela Universidade Federal de Pernambuco ± UFPE. E-mail: [email protected]

Seu doutorado é pela Universidade de São Paulo ± USP com estágio doutoral na Stockholm University (em Estocolmo, Suécia). Bolsista da CAPES ± Proc. n° BEX 6103/13-8. CAPES Foundation, Ministry of Education of Brazil, Brasília ± DF 70.040-020, Brazil. E-mail: [email protected]

43



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sala de aula; Material utilizado; Planejamentos. Nessa seção, algumas perguntas são respondidas: Como funciona o diálogo com os pais? Quais são os pré-requisitos para se inscrever nas aulas de língua materna? Como trabalhar com alunos que entendem e outros que mal entendem português? Como motivar os alunos? A que horas eles têm aula? Como avaliar seus conhecimentos? Há ainda: O sistema de médias na Suécia; Sugestões para melhorar o ensino da língua materna; Os valores e a missão da Escola Sueca; Professores de língua materna (uma listagem com mais de 21 línguas representadas). Na Parte 4: Plano de aula geral; 3ODQHMDPHQWR *HUDO GH 3RUWXJXrV /tQJXD 0DWHUQD 6pULHV -9). Na Parte 5, por fim: Os planejamentos do ano letivo de 2014-2015.

Parte I

Sistema de ensino da Suécia-Skolverket: Agência da Educação da Suécia

Uma visão geral do sistema de ensino sueco

O sistema de educação sueco dispõe de um número de tipos de escolarização e educação, concebidos para pessoas de diferentes idades e com necessidades e capacidades diferentes. A Agência Nacional para a Educação fornece uma visão geral das várias partes do sistema de ensino: Pré-escolar; Classe pré-escolar; Centros de lazer; Outras atividades pedagógicas; Escolaridade obrigatória; Ensino secundário; A educação de adultos; Escola suplementar; Escolas secundárias populares (faculdades de educação de adultos independentes); Educação profissional de nível superior; Universidades e faculdades.



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Hoje, quase um quinto dos alunos do ensino obrigatório tem um antecedente estrangeiro: nascidos no estrangeiro ou nascidos na Suécia de pais estrangeiros. A proporção de alunos com outra língua materna varia de escola para escola. Em algumas escolas, é bastante rara, enquanto em outras é muito comum. Há fatores que são importantes para os escolares, como: a escola contempla alunos que possam ter diferenças no conhecimento, na experiência e, mais geralmente, no aprendizado. Paralelamente a isso, há uma série de padrões gerais que emergem, como em relação à organização do ensino da língua materna. É importante a participação nesta matrícula para o desempenho do conhecimento dos alunos ± no que diz respeito a notas e classificações médias de mérito. Há estudo que destaca a questão da adaptação do ensino de uma forma mais geral para o benefício deste grupo de alunos.

Decreto da Agência sobre o Ensino da Língua Materna na Suécia De acordo com a Lei de Educação, capítulo 10, § 7.

Exemplo Informações sobre educação de língua materna para os alunos nas classes 1-9 no Município de Alingås.

Um estudante cujos pais ou responsáveis falem uma língua materna diferente do sueco, tem o direito de estudar esta língua caso:

1. Seja essa a linguagem cotidiana do aluno em casa; 2. O aluno tiver conhecimento básico da língua; 3. O ensino da Língua materna numa língua nacional de minoria deve ser oferecido, mesmo que não haja interação diária do aluno em



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casa, isso se aplica às línguas maternas finlandesa, iídiche, Meänkieli, Romani e Sami. No Município de Alingsås (onde Neto-Andersson trabalha)44 ± O Município Alingsås é obrigado a fornecer o ensino da língua materna, desde que haja professores suficientes e que haja grupos de, pelo menos, cinco estudantes que querem ter o ensino de determinada língua. ± As aulas são ministradas depois do horário normal da escola sueca onde o aluno estuda. O transporte é coordenado com outras escolas do município. Os alunos de outras escolas do município vão principalmente para a escola Östlyckeskolan. ± Para se inscrever no curso de língua materna, deve se usar um formulário45 separado (veja anexo A). ± A inscrição é obrigatória e válida até haver mudanças. ± Se os pais desejam transporte para a criança ir à escola onde o ensino está sendo ministrado, deve preencher o formulário solicitando este serviço46. As crianças são buscadas nas suas escolas e deixadas na escola Östlyckesskolan. Após a aula, voltam de táxi para a escola de origem. Se os pais não quiserem mais que os filhos continuem estudando, devem informar diretamente na secretaria da escola.

44

Conforme informações da diretora: Karin Berndtsson-Brambo.

45

O formulário está disponível no seguinte endereço eletrônico: http://www.alingsas.se/sites/default/files/1.anmalningsblankett_modersmal_2014.pdf

46 O formulário está disponível no seguinte endereço eletrônico: http://www.alingsas.se/sites/default/files/1.anmalan_om_transport- modersmal_.pdf



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Parte 2 Objetivos do ensino

O que consta no documento e qual é a realidade do nível e preparação do professor de língua materna? Normalmente o professor deve ter o nível acadêmico e ter tido experiência de ensino na língua materna. Também é importante saber falar bem o idioma do país (Suécia). Porém a realidade pode ser diferente e o professor pode ser um falante da língua sem qualquer curso de pedagogia na sua bagagem. Na Suécia há o documento que se exige para comprovar a experiência e a capacidade do professor, chamado lärarlegitimation, em português, o Certificado do professor licenciado na Suécia47.

O papel da Lingua Materna

A lingua materna é fundamental para a identidade pessoal e cultural, intelectual e desenvolvimento emocional. A disciplina da língua materna tem como finalidade proporcionar aos alunos com língua materna diferente do sueco a oportunidade de trabalhar com outras pessoas da mesma língua e desenvolver seus conhecimentos e habilidades . Isso reforça a sua auto-estima e percepção do ambiente em que vivem tornando-o mais significativo. A língua materna é essencial para os estudantes e mantém viva a herança cultural em suas diversas manifestações. Conhecer seu próprio

47

O documento está disponível no seguinte endereço eletrônico:

http://www.skolverket.se/om-skolverket/andra-sprak-och-lattlast/in- english/teachercertification



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contexto cultural pode apoiar os estudantes a fazer comparações entre diferentes culturas e, desta forma, compreender melhor sua situação. Outro objetivo é promover uma melhor compreensão entre povos e culturas diferentes.

Objetivos detalhados do ensino

O ensino da língua materna na escola tem como objetivo: ± Desenvolver a capacidade de compreender e expressar oralmente e por escrito na língua materna; ± Desenvolver a capacidade de leitura e compreensão de diferentes tipos de textos na língua materna; ± Adquirir um conhecimento da estrutura da língua, a fim de fazer comparações entre a sua língua materna e a língua sueca, podendo, assim, desenvolver o seu bilinguismo; ± Adquirir um conhecimento da história, as tradições da vida social em sua cultura nativa e a capacidade de fazer comparações com a situação na Suécia; ± Reforçar a sua auto-identidade da consciência cultural de dupla filiação; ± Aprender bons hábitos de leitura através de textos literários ou de outros textos; ± Fazer com que o estudante sinta-se parte do seu patrimônio cultural e incluí-lo na sua própria identidade e status; ± Aprender a usar sua língua materna como meio de desenvolvimento e aquisição de conhecimento de vocabulário e conceitos em diferentes áreas.



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Parte 3 Diferentes níveis na mesma sala de aula

Alunos que não tiveram a oportunidade de estudar a L M quando iniciram a 1ª série podem começar a estudar talvez já na 4ª, 6ª, 7ª, 8ª série do ensino de sueco. Encontramos sempre um grande desnivelamento no português falado.

Material utilizado

Os materiais utilizados são vários livros de Português. Exemplos: 1) Porta Aberta 1º ano e 2º Ano. (Autoras: Isabella Carpaneda e Angiolina Bagança. 1. edição. São Paulo: Editora FDT, 2008). 2) Projeto Prosa - Língua portuguesa - Ensino Fundamental. 3º ano. ( Autoras: Angélica Prado e Cristina Hülle. 1. edição. São Paulo: Editora Saraiva).

Planejamentos

Os planejamentos de Neto-Andersson não coincidem com o material didático do ensino no Brasil no que diz respeito à obediência aos anos sequenciais. São utilizados materiais variados para a aula, como livros de séries e anos distintos. De acordo com a série ou o ano que o aluno estuda na Suécia, este planejamento pode ser bastante fácil de seguir. Os alunos não perdem o GLWR ³fio da meada´ e os pais podem controlar as tarefas com mais afinco. Veja os planejamentos em anexo B.



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Como funciona o diálogo com os pais?

O diálogo com os pais é baseado pelo sistema escolar UNIKUM, por telefone e em dois encontros durante o ano letivo para falar sobre o aproveitamento do aluno.

Em sueco,

esse

encontro se

chama

Utvecklingssamtal. Nesses encontros ³Utvecklingssamtal´ com os pais e alunos, a conversa é em Língua Portuguesa. Os professores de Português têm a responsabilidade de manter a língua viva em sala de aula e em contato com os pais.

Quais são os pré-requisitos para se inscrever nas aulas de língua materna?

O mais importante é que o aluno entenda o que o se diz e que saiba se expressar relativamente bem. Mas, normalmente, nos deparamos com casos em que os pais não falam a língua materna constantemente com seus filhos e isso acarreta um atraso muito grande no aprendizado.

Como trabalhar com alunos que entendem e outros que mal entendem Português?

Esse é um caso que todos os professores de L.M. encontram no seu dia a dia. Muitas vezes somos obrigados a evitar traduzir para que a criança se acostume a ouvir os sons das palavras. Porém, todas recebem um planejamento e esse acompanhamento é bom e seguro.

Como motivar os alunos? A que horas eles têm aula?



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Os alunos chegam normalmente depois das 14h para ter aula de LM. As aulas não são para brincar e sim estudar, mas é primordial que nós, professores, possamos achar atividades que aticem a mente do aluno e que ele tenha curiosidade de descobrir. Usamos muito material colorido e dvds com músicas infantis, enquanto os estudantes trabalham em suas atividades. Também uma das orientações é a leitura do texto seguida de teatrinho. Uma curiosidade é que levamos um lanchinho para as crianças para que elas não perFDP³o pique´. Isso é muito apreciado! Outra observação é em UHODomRDR³usar a criativiade´¬s vezes, é mais importante a criatividade na metodologia de trabalho docente do que toda a bagagem acadêmica desse profissional.

Como avaliar os conhecimentos do estudante de LM?

O sistema de médias na Suécia x a realidade.

A partir da 6ª série o aluno começa a ser avaliado e recebe suas notas. Em cada aula, observamos as falhas que cometem tanto na língua escrita como na falada. Porém a realidade do aluno sueco-brasileiro ou de outra nacionalidade não coincide com o ensino da Língua Portuguesa no Brasil, em Portugal, etc.

Sugestões para melhorar o ensino da língua materna

Seria mais adequado se houvesse realmente uma unificação de material no ensino da língua materna portuguesa na Suécia. Esse seria o início de um grande passo para modificar o erro que vem sido cometido por professores sem formação acadêmica.



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Aqui na Suécia o material didático é muitas vezes substituído por cópias. Neto-Andersson adquiriu um material muito rico que foi doado pela Embaixada do Brasil aos professores de Língua Portuguesa. Este rico material conta com livros de português, matemática, estudos sociais, história e ciências. Todos eles muito úteis para fazer uma combinação no planejamento das aulas.

Os valores e a missão da Escola Sueca

A importância do aluno se sentir seguro na escola é um ponto primordial da missão pedagógica sueca. O respeito mútuo, a liberdade de expressão, a igualdade, a solidariedade, a preservação da integridade do indivíduo, entre outros48. A escola onde N e t o - A n d e r s s o n t r a b a l h a , Östlyckeskolan49, tem 430 alunos (da 6ª a 9ª séries) e é a mais multicultural do município de Alingsås.

Professores de língua materna e as línguas que ensinam

1) Hanan Al-Hamdani (arabiska/árabe), 2) Mohamad Abdulkadir Abdalla (somaliska/somália) 3) Nipa Mueanpothong Karlsson (tailändska/tailandês) 4) Fatima Drjevic (bosniska, kroatiska och serbiska/bósnio / croata e sérvio) 48 Gostaríamos de adicionar um link em inglês para ser possível ler mais detalhadamente vários temas sobre a educação na Suécia.

Acesse: http://www.skolverket.se/om-skolverket/andra-sprak-och-lattlast/in-english 49

Acesse: Sobre a escola: https://alingsas.se/utbildning-barnomsorg/grundskola-och-

skolbarnomsorg/kommunala-grundskolor-och-fritids/ostlyckeskol-1



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5) Itati Görrel (spanska/espanhol) 6) Thikra Hasan (arabiska/árabe) 7) Hyla Hajdini (albanska/albânia) 8) Nicola Jonsson (engelska/inglês) 9) Omar Kadir (kurdiska/curdo) 10)

Pirkko Korhonen (finska/finlandês)

11)

Gudrun Müller (tyska/alemão),

12)

Zoran Maksimovic (romani/romeno)

13)

Maria Clara Neto Andersson (portugisiska/português)

14)

Mina Norasteh (persiska, dari/farsi, dari)

15)

Robel Yohannes (tigrinja/tigrinyano)

16)

Rikke Olsen (danska/dinamarquês)

17)

Camilla Nedgård Svärd (isländska/islandês)

18)

Ouafaa Ouadifi (franska/francês),

19)

Gabrielle Zwart (nederländska/holandês)

20)

Peter Strokowski (polska/polonês)

21)

Za Tri (karenska/karen)

22)

Tetyana Vorotnyeva (ryska/russo)

Parte 4 Plano de aula geral de Neto-Andersson

Planejamento Geral de Português Liғngua Materna Äk (Séries 1-9) Os temas a serem trabalhados vale para todos estudantes, mas dependendo da idade dos alunos o material entregue para as aulas é diferenciado. Cada turma recebe um programa específico.



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Liғngua Portuguesa Introdução da Língua Portuguesa: Quantas pessoas falam português no mundo? Quais são os países que têm o Português como Língua Oficial?

O alfabeto ± Vogais e consoantes ± Encontros vocalicos e consonontais ± Sons nasais ± Letra de forma e letra cursiva ± Dígrafos Obs: Treinamos principalmente a Fonética.

Textos ± Preparação para a leitura de textos ± Leitura de textos e livros Estudo do texto ± Dr a sua opinião (vamos falar!) ± Produção de textos (Redação - Vamos escrever!) ± A diferença da língua falada da escrita ± Tipos de recursos da linguagem (verbal e não-verbal)

Gramaғtica (O que é gramática e para que existe?) ± Artigos - feminino e masculino, singular e plural ± Pronomes - pessoais,demonstrativos e possessivos ± Substantivos - feminino e masculino, singular e plural ± Adjetivos - feminino e masculino, singular e plural ± Verbos regulares e irregulares ± O que é tempo verbal? Presente, pretérito e futuro ± Advérbios de modo , tempo, dúvida, lugar etc.



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± PreposiçoѺes ± Frases afirmativas, negativas e interrogativas ± Pronomes interrogativos ± Aumentativo e diminutivo ± Acentuação gráfica

História e Estudos sociais ± Cada pessoa tem uma história. Quem é você? ± De onde é? Qual idioma fala? Quantos anos têm? ± O cotidiano de diferentes famílias em diferentes comunidades e países. ± O calendário: A maneira utilizada para registrar o tempo (os 7 dias da semana, os 12 meses do ano, as 4 estaçoѺes do ano ± Registra também datas importante de cada país). ± O relógio: Assim como o calendário, o relógio é utilizado para medir a passagem do tempo. ± Vamos aprender as horas em português! Vamos falar de atividades do dia a dia!

Temas diferentes a serem tratados em forma de leitura e de projetos: O que p sociedade? ± A moradia ± Tipos diferentes de moradia ± A escola: a minha escola e outras escolas no mundo ± O direito a educação ± Todas as crianças estudam? ± Quem trabalha na sua escola? O que fazem? ± A cidade, a rua, o bairro, os transportes ± Serviços das comunidades. ± Direitos e deveres do cidadão



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Ciências ± O nosso corpo humano. ± O meio ambiente - 5 de junho e o Dia Mudial do Meio Ambiente. ± Os animais. ± A nossa saúde. ± Os alimentos. ± O que é poluição ? A importância do ar, da água e da natureza em nossas vidas!

EXTRA: Para ser trabalhado no nível mais avançado. ± Os 7 países de Língua Portuguesa: Angola, Brasil, Portugal, GuinéBissau, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe e Moçambique

Diferentes culturas: ± Vamos escolher alguns dos países de língua portuguesa e fazer um projeto lusófono. ± Por que falam Português? ± As lendas, as histórias infantis, o folclore (o que é folclore?), a comida, as danças típicas, os cantores, as músicas.

Parte 5

Os planejamentos do ano letivo de 2014-2015 (Anexos B)

Referências bibliográficas

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÄO. Skolverket Läroplan För Grundskolan, Förskoleklassen Och Fritidshemmet. 2011.



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Anexo A



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Anexos B



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O ENSINO DE LEITURA E A FORMAÇÃO DE SUJEITOS PEQUENINOS NO SUL DO BRASIL: UMA TAREFA DE ETERNA (RE)CONSTRUÇÃO DE SENTIDOS E (DE)MARCAÇÃO DE LUGARES

Fabiana Giovani50 Nathan Bastos51

A mãe reparava o menino com ternura. A mãe falou: Meu filho você vai ser poeta! Você vai carregar água na peneira a vida toda. Você vai encher os vazios com as suas peraltagens, e algumas pessoas vão te amar por seus despropósitos! (Manoel de Barros, O menino que carregava água na peneira).

Considerações iniciais

O menino que queria carregar água na peneira, no poema de Manoel de Barros, nos faz pensar em algumas noções que envolvem a poesia: a primeira delas é que ser poeta é ser peralta, ser capaz de encher vazios, de ter despropósitos, e, sobretudo, fazer coisas que só na poesia podem

Professora Adjunta Doutora do curso de Letras da Universidade Federal do Pampa ± UNIPAMPA, campus Bagé. Membro do GEBAP (Grupo de Estudos Bakhtinianos do Pampa). E-mail: [email protected] 50

51 Graduando do curso de Letras da Universidade Federal do Pampa ± UNIPAMPA, campus Bagé. Membro do GEBAP (Grupo de Estudos Bakhtinianos do Pampa). E-mail: [email protected].



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acontecer. É delirar, é ser outros, sendo nós mesmos. Partiremos deste poema de Manoel de Barros para refletir sobre o ensino de leitura. Apoiando-nos em uma visão que não biparte a área de letras em ³Linguística e suas teorias´ H ³Literatura e suas teorias´ DPEDV FRP LQLFLDLV PDL~VFXODV HVFROKHPRV UH GLVFXWLU R WHPD ³OHLWXUD´ Má visitado inúmeras vezes sobre diferentes escopos teóricos, para trazer à tona alguns dos pontos de contato que tanto linguistas, quanto teóricos da literatura propõem. Dentro deste grande leque figuram três questões elementares para nós professores de língua e literatura52: precisamos aprender lendo (a profissão exige), aprender a ensinar a ler (um dos nossos objetivos) e ainda, apreender o ensino da leitura (avaliar os processos). São três sintagmas com ligeiros câmbios semânticos que nos remetem a uma série de práticas interligadas que compõem as demandas da nossa profissão. Soares (2008) discute a questão da leitura dentro de uma SRVVLELOLGDGH GH ³democracia cultural´ GHILQLGD GHVWD PDQHLUD >@ ³distribuição equitativa de bens simbólicos, considerados estes como aqueles que são fundamentalmente significações e só secundariamente mercadorias´ 62$5(6S $OHLWXUDpVHPG~YLGDXPGHVWHV bens que primeiro são portadores de significação, depois mercadoria ± deveriam ser?-. A leitura, neste contexto, se torna condição e instrumento de uma democracia cultural. Para a autora, a leitura (em um sentido amplo, QmRVRPHQWHHVFRODURXHVFRODUL]DGR WHPGRLVREMHWLYRV>@³pragmático ± OHU SDUD VH LQVWUXLU OHU SDUD VH LQIRUPDU RX ³JUDWXLWR´ ± ler como SUD]HUOHUFRPROD]HU´(SOARES, 2008, p. 19), e, além disso, tem o poder de democratizar o ser humano, nas suas relações com o cultural. No entanto, na retranca do objetivo de democratizar a cultura de Soares (2008), alguns aspectos agravam desigualdades no contexto 52

Referir-nos-emos especificamente ao ensino de Língua Portuguesa e Literatura Brasileira no contexto do Brasil.



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brasileiro53: 1) Bibliotecas públicas raras e precárias, mesmas condições encontradas em bibliotecas escolares; 2) Pouquíssimas livrarias (segundo os dados estatísticos uma livraria para cada 84.400 habitantes); 3) Outras precariedades ligadas aos bens simbólicos como, na maioria das cidades, não haver cinemas (92% delas), museus (83% delas) e teatros ou quaisquer lugares destinados a apresentações artísticas musicais ou teatrais (85% delas). 4) Preço alto dos livros em contraponto com a população extremamente pobre. Assim, parece-nos possível entender o papel que ensinar a leitura no Brasil demanda: um grande desafio frente à escassez de possibilidades ± materiais e culturais. Para Maia (2007) vive-se uma crise nas práticas de leitura: a aversão dos alunos por quaisquer atividades que envolvam textos ou livros. Segundo esta autora, há somente duas opções aos professores; a primeira delas é aceitar todas as justificativas para o problema ± falta de livros, desinteresse dos jovens, formação deficitária ± a segunda, menos acomodada, é estudar a questão. Da mesma maneira que a autora, optamos pela última. Para didatizar ao leitor, serão encontrados as seguintes seções e subseções: a seção dois trata de argumentos para ler, nela fazemos um caminho que inicia com Freire (2003), passa por Petit (2009), Pennac (1998) e completa a seção as reflexões de Todorov (2010). A seção três ± a teoria que reflete na vida ± consta o apoio no aporte teórico ± dividido em duas subseções: a primeira delas trata do ensino de leitura, na qual repassamos alguns aspectos desse tipo de práticas no Brasil; a segunda subseção é relativa à formação de leitores. A seção número quatro é dedicada

a

teoria

bakhtiniana,

que

nos

ensina

a

responder

responsavelmente. A seção cinco conta com duas subseções em que

53



Os dados foram levantados pela pesquisadora.

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descrevemos a metodologia, o campo de pesquisa (seção 5.1), e a análise que é feita (seção 5.2). Segue a isso as considerações finais. 1. Argumentos para ler ± se é que eles são necessários.

Freire (2003) argumenta que leitura e vida tem uma relação muito próxima, afirmando que a boa leitura nos empurra para viver. Assim, ler é uma forma de estar no mundo. No pequeno ensaio, fruto da sua fala de abertura no Congresso Brasileiro de Leitura em 1981, na cidade de Campinas, ele desenvolve uma espécie de filosofia da leitura, na qual, ler (e escrever) seriam instrumentos para a cidadania e para o exercício maior da política. Na sua narrativa de vida e leitura ± integradas ± Freire (2003) descreve seus primeiros contatos com livros, em casa, embaixo das árvores GR TXLQWDO H DR VHU DOIDEHWL]DGR D ³OHLWXUD GD SDODYUD´ PLQLVWUDGD SHOR WUDEDOKRGHVXDSURIHVVRUDMDPDLVVLJQLILFRXXPDUXSWXUDFRPD³OHLWXUDGR PXQGR´ TXH HUD DQWHULRU 6XD DOIDEHWL]DomR VLJQLILFRX D OHLWXUD da ³SDODYUDPXQGR´54, unificando o conhecimento da língua e dos modos de agir socialmente. O autor expõe que a leitura também não é sempre maravilhosa, nossa relação com ela apresenta muitos percalços, um deles é lembrado:

Em minha andarilhagem pelo mundo, não foram poucas as vezes que jovens estudantes me falaram de sua luta às voltas com extensas ELEOLRJUDILDVDVHUHPPXLWRPDLVµGHYRUDGDV¶TXHUHDOPHQWHOLGDVRX estudadas (FREIRE, 2003, p. 32). O autor refere-se à alunos que, em nome de uma formação científica, deveriam que tragar livros e depois prestar contas a um professor através de um processo bem comum, ainda hoje, o controle de leitura. Freire (2003) 54



Grafia utilizada pelo autor.

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aponta como problemas a falta de adentramento nos textos, uma superficialidade extendida. PetiW   DSUHVHQWD VXD³DUWH GH OHU´ XPD PDQHLUD GH UHVLVWLU j diversidade. Fuga, em outros termos, que a leitura permite. A antropóloga francesa reúne em seu livro histórias de grupos de leitura em regiões de FRQIOLWRVRERDUJXPHQWRGHTXHD³uma obra, às vezes, nutre literalmente a vida´ 3(7,7S $DXWRUDH[HPSOLILFDVXDVDILUPDWLYDVDSDUWLU dos alguns casos do século XX e XXI em que as pessoas recorreram aos livros para compreenderem o que ocorria ao seu redor ou simplesmente para fugir da realidade. Deportados dos campos de concentração nazistas; prisioneiros militares na Argentina e no Uruguai; alguns episódios mais individuais, como pessoas que encontraram em romances como Guerra e Paz a salvação para uma depressão profunda causada pela perda de um filho; pessoas que esgotaram as bibliotecas russas em 1941, no auge da segunda grande guerra; de outros que não podiam sair de casa durante longos períodos e ocuparam-se da leitura; o 11 de setembro de 2001, evento que causou um aumento exorbitante do movimento das livrarias novaiorquinas, enquanto o restante da economia se resfriou. (P RXWUR PRPHQWR GH VXD UHIOH[mR 3HWLW   DILUPD TXH ³A leitura é uma arte que se transmite, mais do que se ensina´ S &RQFOXL assegurando que na maioria das vezes nos tornamos leitores porque convivemos com outros leitores, pais ou mães mergulhados em livros, leituras em voz alta, conversas sobre, são fatores que segundo a autora influenciam as crianças, ou melhor dizendo, convidam-nas a ler55.

55

Acreditamos, como poderá ser visto mais à frente em nosso artigo, que uma criança pode ser convidada a ler porque tem pais leitores. Contudo, isto não é uma condição para a formação de leitores. A escola tem um papel inalienável nessa formação, isto é, o ensino sistemático da leitura ± que é obrigatoriamente tarefa dos professores - é incumbência da escola. Um sujeito que vive imerso num contexto propício de leitura terá, possivelmente, mais facilidade em lidar com ela na escola. Nos casos em que não há esse contexto, seja qual for o motivo ± no caso específico do Brasil, os dados levantados por Soares (2008) são reveladores ± cabe a escola a



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Pennac (1998) lida com reflexões poéticas sobre a leitura. Seu livro LQLFLDFRPXPDIUDVHFRQWXQGHQWH³O verbo ler não suporta o imperativo´ (p.13). A história que o autor narra é entrecortada, de tempos mesclados, em que ora trata-se de uma criança, e ora de um adolescente56. Podemos notar este projeto do autor a partir do trecho:

Desde seu desabrochar para a linguagem, nós lhe contávamos histórias. [...] Como o velho Tolkien para seus netos, inventamos para ele um mundo. Na fronteira entre o dia e a noite, nos transformávamos em romancista, só dele (PENNAC, 1998, p. 16). Pennac (1998) afirma que a criança descobriu que a leitura pode nos abstrair do mundo e com isso nos empresta sentidos a ele. Com essas práticas a que a criança foi submetida, antes da idade escolar ela apresenta vontade de aprender a ler. O autor constata que os tempos de leitura que fruía acabam-VH DVVLP TXH LQLFLD RV WHPSRV GH HVFRODV ³Que pedagogos que éramos, quando não tínhamos a preocupação com a pedagogia!´ (PENNAC, 1998, p.19). E dali em diante, sua narrativa se enche de um tom de tristeza e desolação: o adolescente não lê mais. O autor elabora algumas hipóteses, a primeira delas é que trata-se de gerações - sua geração (professor) e geração dos alunos - tão distintas que os poucos anos que as separam se tornaram séculos instransponíveis. Enumera, posterioremente, uma série de outras probabilidades, mas não aceita nenhuma delas. Pennac (1998) por fim, afirma que a intimidade das horas rituais perdidas, aquelas horas que o adolescente rejeita porque sabe ler e não quer ler, transforma as horas certas e os gestos imutáveis, aquela prece dos pais, em apenas mais uma coisa do passado. LQLFLDomR j OHLWXUD GRV DOXQRV H XPD ³VLVWHPDWL]DomR´ GHOD p LPSUHVFLQGtYHO FRPR DILUPD Cosson (2006). 56

O autor é professor no ensino médio francês e afirma que através da oralidade a criança cria vínculos com a leitura, depois, mais tarde no início da adolescência, os jovens se tornam avessos HLQGLIHUHQWHVDRDWRGHOHU$SHUJXQWDGRDXWRUp³RTXHDFRQWHFHHQWUHXPSHUtRGRHRXWUR´



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7RGRURY   SRU VHX WXUQR EXVFD UHVSRQGHU ³o que pode a literatura?´ FRP WDO PHWD HOH SRQGHUD sobre a formação do sujeito e a implicação que os textos literários tem nela. Seus argumentos são fortes e se relacionam de algum modo com os outros autores que constam na seção, SRLV UHODFLRQD D YLGD FRP D OHLWXUD H D OLWHUDWXUD  ³Hoje, me pergunto porque amo a literatura, a resposta que me vem espontaneamente à cabeça: porque ela me ajuda a viver´ 72'2529  S   'H acordo com esta reflexão, a literatura pode nos ajudar a viver, isto é, a leitura tem o dom de nos ajudar a enfrentar nossas questões mais humanas já que nos dá categorias para pensar a vida. Conforme o autor, é através da leitura que interagimos com o mundo, cabe a cada um de nós interagir com homens de um passado tão longíncuo quanto se possa pensar e de um futuro tão distante quanto possamos conceber57. Porque,

Somos todos feitos do que os outros seres humanos nos dão: primeiro nossos pais, depois aqueles que nos cercam; a literatura abre ao infinito essa possibilidade de interação com os outros e, por isso, nos enriquece infinitamente (TODOROV, 2010, p. 23-24). A leitura de literatura abre esse caminho para a interação e nos enriquece infinitamente58. Por isso, secundados por Todorov (2010), 57

Para Bakhtin (1997) a noção de grande temporalidade é imprescindível: nada está acabado por completo e morto em um passado que não retorna. Tudo está se repetindo, tudo volta a acontecer, mas, ao retornar, ganha uma nova vida, um novo fôlego a partir do momento e do contexto atuais. Assim, a literatura, por exemplo, está para o grande tempo como nós, humanos, estamos uns para os outros. Em outras palavras, a literatura é um tipo de relação que se aproveita da grande temporalidade, já que o homem sendo histórico é permeado pelo passado que o faz vislumbrar o futuro. Em contraponto, para Bakhtin (2009), tem primazia na interação verbal viva e concreta a relação entre dois sujeitos socialmente situados, pois a palavra, linguagem, tem sempre um interlocutor. No caso da literatura, o interlocutor pode ser o leitor, de um presente próximo ao da escritura ou situado no grande tempo. O interessante é que a cada interlocução o texto se preenche de sentidos novos, carregando ainda os antigos sentidos que já possuía e projetando no futuro o significado destas relações. 58 A noção de excedente de visão em Bakhtin (2011) é importante ser lembrada também. Para o pensador russo, mesmo que estejamos em frente a um espelho não estamos completos, é



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podemos dizer que a literatura pode muito. É através da interação com uma obra literária garantida pela leitura que vamos entendendo os outros59, e conseguindo viver outras vidas que não apenas a nossa60. É um mundo de muitos heróis, que podem tanto que são capazes de nos fazer felizes em momentos de extremo sofrimento. Visto que,

Ela pode nos estender a mão quando estamos profundamente deprimidos, nos tornar ainda mais próximos dos outros seres humanos que nos cercam, nos fazer compreender melhor o mundo e nos ajudar a viver. Não que ela seja, antes de tudo, uma técnica de cuidados para com a alma; porém, revelação de mundo, ela pode também, em seu percurso, nos transformar a cada um de nós a partir de dentro (TODOROV, 2010, p. 76). A literatura pode tanto ± e a leitura que está embutida na relação dela conosco ± que mais fácil seria dizer o que ela não pode, a negativa sempre parece mais fácil de conceber. Para humanizar, nas palavras de Candido (1995), a literatura assume o papel de fomentar o exercício de reflexão61 e a aquisição do saber62, além de sensibilizar para as relações interpessoais, pois, o herói que lemos nas páginas dos livros é também humano ou tem características de humanidade. Isto significa que a partir daquilo que ele YLYHR³HX´- sujeito - pode pensar na própria vida. A literatura, portanto, é direito do humano, porque o humaniza, na acepção de Candido (1995) uma vez que é através dela que teremos indivíduos mais capazes de lidar com as somente na relação com o outro físico ± no caso da relação real entre pessoas ± ou virtual ± como no caso da leitura ± que nos completamos por algum tempo. A contemplação estética é um dos assuntos caros aos estudos bakhtinianos, pois é através dela que podemos ir ao encontro de uma alteridade constitutiva e regressarmos enriquecidos pelo encontro/diálogo. 59

A alteridade será uma das temáticas do item 4 deste artigo, também a partir do arcabouço bakhtiniano.

60 ,QGLFDPRV D OHLWXUD GR HQVDLR GH %DNKWLQ   ³2 DXWRU H R KHUyL´ TXH DSURIXQda esta questão. 61

Porque dá categorias para pensar a vida.

62

Já que coloca-nos em contato com outros tão diferentes que modificam e enriquecem nossos horizontes.



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diferenças no mundo real. O autor explica essa possibilidade de humanizar que a literatura tem:

Entendo aqui por humanização [...] o processo que confirma no homem aqueles traços que reputamos essenciais, como o exercício da reflexão, a aquisição do saber, a boa disposição para com o próximo, o afinamento das emoções, a capacidade de penetrar nos problemas da vida, o senso da beleza, a percepção da complexidade do mundo e dos seres, o cultivo do humor. A literatura desenvolve em nós a quota de humanidade na medida em que nos torna mais compreensivos e abertos para a natureza, a sociedade, o semelhante (CÂNDIDO, 1995, p. 180). A leitura de literatura, por assim dizer, pode nos mostrar características intrinsecamente humanas que lemos em outros - nos heróis dos romances, nos sentimentos do eu-lírico dos poemas. É através dessa relação singular com o texto literário, com sua leitura, que podemos nos tornar mais apreensivos às características mais específicas que temos, nos sensibilizamos à natureza, ao social, ao outro. Por fim, acreditamos que os ³DUJXPHQWRVSDUDOHU´QmRVHIHFKDPDTXLHOHVVHJXHPVHSURMHWDQGRVmR quase infinitos.

2. A teoria que reflete na vida.

2.1. Para o ensino de leitura, um pouco de sua história. De acordo com Lourenço (2001), ninguém vive suspenso ± ou dissolvido ± na pura luz do presente. Acontece de fato é que somos seres históricos e que não estamos isolados da história, tanto da humanidade - em geral - quanto da nossa - individual. Nestes termos, é imprescindível revisarmos a história do ensino de leitura para sabermos quais são os paradigmas que enfrentamos agora e enfrentaremos no futuro para o



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assunto, isso se faz através de uma visita ao passado. Assim, voltaremos às LPSRUWDQWHV UHIOH[}HV FRQWLGDV HP ³O texto na sala de aula´ OLYUR organizado por Geraldi (2011), publicado pela primeira vez na década de 1980 e que apresenta, de maneira geral, uma proposta para o ensino e a aprendizagem de língua e literatura em língua portuguesa para os níveis básicos de educação no Brasil. Em contraponto, nos apropriaremos do percurso do ensino de literatura brasileira que Cereja (2005) fez, identificando um modelo até hoje seguido nas escolas públicas brasileiras e manuais didáticos. Osakabe (2011) afirma que o ensino de literatura na escola tem um papel formador, muito mais que apenas informativo. O autor argumenta em favor da constituição de um sujeito discursivo63 na escola. Em outros WHUPRV FRPSHWH DR DOXQR ³uma função continuamente impertinente de constituir-se a cada momento num ser pertinente´ 26$.$%(  p.26-   &RP HVVH SDSHO TXH D pWLFD LQWURGX] VXUJH ³uma crise permanente, já que esse sujeito do discurso se faz no embate contínuo contra sua própria estereotipização´ 26$.$%(S  Aprender literatura para Osakabe (2011) é também o aprendizado de uma crise posta em jogo pela disposição de singularidades que ela implica, isto é, o leitor se defronta com o texto e isso o torna um sujeito incompleto por definição. Conforme o autor, a literatura está sendo falseada ou GHVPLWLILFDGDTXDQGR VH WUDEDOKDQD HVFROD FRPR ³literatura fácil; teorias fáceis; modos fáceis de leitura´ 26$.$%(  S  6HJXQGR o HVWXGLRVRHVWDVVmR³banalidades de um conceito de escola que, em nome de uma pretensa adequação às aspirações do aluno, antecipa o seu desejo e lhe veda o direito dos desafios´ FI26$.$%( 7DLVSURSRVWDV

63



Ver seção 4 neste artigo.

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GH IDFLOLWDomR VmR RULXQGDV GH XPD ³pedagogia do ajuste´ TXH FDXVD DR autor, e a nós, um profundo incômodo64. Silva (2011) afirma que ler dois ou quatro livros por ano na escola apenas gera duas ou quatro fichas de leitura, duas ou quatro provas, ou coisas quaisquer que marquem o fim de uma atividade que foi pensada e programada apenas para ocupar espaço na grade. A autora, a partir de pesquisa que realizou na época, constata que em um conjunto de 302 depoimentos de alunos da então oitava série, apenas 52 afirmaram que haviam lido mais de dez livros, o restante dos entrevistados ficara na faixa entre um livro e no máximo dez. A conclusão em que chega é aterradora: ³lê-se muito pouco na escola´ 6,/9$S +RMHSRGHVHUSRVVtYHO afirmar que esse é quase um dado empírico, sendo que não necessitaríamos de uma pesquisa muito elaborada para constatar tal ocorrência65. Por fim, a autora argumenta que o autoritarismo e a burocracia da escolha do livro a ser lido impõem problemas que desmotivam os leitores66. Geraldi (2011) coloca como objetivo de seu texto superar a artificialidade das práticas escolares de leitura, escrita e análise linguística. Segundo o autor, a artificialidade torna a relação intersubjetiva ineficaz, já que simula as relações existentes de fato. Na escola, na sua acepção, exisWHPGRLVSDSpLV³o professor e a escola ensinam; o aluno aprende (se 64 A crítica sustentada pelo autor e por nós é a de que o ensino não deve ser somente voltado para atender às expectativas do aluno. Tal prática, em última análise, põe em sala de aula um aluno que nunca é desafiado, que nunca sai do lugar, ou seja, constitui-se sujeito de um discurso homogêneo. De maneira contraditória, uma vez que o próprio sujeito é heterogêneo. 65

Por exemplo, Maia (2007), traz outro dado empírico mais recente: em contato com escolas em sua trajetória de professora pesquisadora ela afirma que as crianças se mostram muito interessados pelo objeto livro, o que os torna candidatos em potencial a leitores. Segundo a autora, quanto mais cedo for possível que a criança entre em contato com a literatura (numa acepção mais fechada, entendida como textos literários) maior será a garantia de que se torne um futuro leitor. Tal constatação empírica já fora feita por Pennac (1988), mas, para este o autor há um período crítico: até no máximo os sete anos a criança tem uma relação quase mágica com o livro e a partir daí, no período entre sete e treze anos, os laços com a leitura começam a afrouxar-se. Assim, justifica-se a importância da leitura na adolescência.

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A autora não faz uma proposta, nem mesmo uma saída. Apenas constata.

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SXGHU ´(GERALDI, 2011, p.88)671DSUiWLFDHVFRODUR³HX´HR³WX´VmR VHPSUH HVWiWLFRV ³o sujeito se anula em benefício da função que exerce´ (GERALDI, 2011, p.88). A voz do aluno quando produz está devolvendo a voz do professor-escola. O percurso de Geraldi (2011) sugere quatro tipos GHH[SHULrQFLDVGHOHLWXUD ³busca de informações´ ³estudo do texto´  ³pretexto´ H   ³fruição do texto´ &RQIRUPH R HVWXGLRVR TXDOTXHU GRV tipos pode ser possível e qualquer delas pode ser exigida na escola68. Fonseca e Geraldi (2011) afirmam que escola e livro formam um circuito, o que significa que um se imbrica no outro e formam um ciclo ininterrupto. Os autores demonstram alguns dados de pesquisa com leitura de narrativas longas com séries finais do ensino fundamental. Uma questão LPSRUWDQWHTXHDSRQWDPpR³respeito à caminhada do leitor´ )216(&$ *(5$/',S RTXHSHUPLWHDRDOXQRTXHp³DXWRULGDGHVREUHR WH[WR´69, iniciar uma leitura ou pará-la e a seleção dos livros adotados. A avaliação x controle constituem outro ponto: alguns professores que SDUWLFLSDUDPGDSHVTXLVDWLQKDPG~YLGDVHVVHQFLDLVFRPR³&omo vou saber se o aluno leu o livro, se não exijo resumos, fichas de leitura?´ (FONSECA, GERALDI, 2011, p.110). A conclusão da pergunta é que o professor quer controlar a leitura, não avaliar o rendimento dela. A quantidade de leituras não significa qualidade delas, além disso, na perspectiva dos autores, não se pode desrespeitar o caminho que o aluno está cursando, pois, um aluno que leu cinco livros terá possivelmente

67 O aspecto que chama mais atenção aqui é que, para Geraldi (2011), a escola está focada em ensinar, o que não necessita aprender. Isto é, o conhecimento está sendo transmitido, não construído.

8PDFRQVWDWDomRHPStULFDQRVVDQRVSHUPLWHDILUPDUTXHRWLSRGHOHLWXUD³IUXLomR´pRPHQRV usual na escola. Veja a esse respeito a parte 4 deste artigo, na qual apresentamos alguns dados de pesquisa.

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Esta é uma afirmação de Todorov (2010).

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menos profundidade do que um aluno que leu dez ou mais. Então, a avaliação de um e de outro deve ser respeitosa ao caminho percorrido70. O levantamento e considerações sobre o ensino de literatura que Cereja (2005) faz são reveladores de alguns pontos nodais:

Depois de anos de estudo de literatura, os jovens brasileiros deixam o ensino médio sem terem desenvolvido suficientemente certas habilidades básicas de análise e interpretação de textos literários, tais como levantamento de hipóteses interpretativas; rastreamento de pistas ou marcas textuais; reconhecimento de recursos estilísticos e de sua função semântico-expressiva; relações entre forma e conteúdo do texto; relações entre os elementos internos e externos (do conteúdo sócio-histórico) do texto; relações entre o texto e outros textos, no âmbito da tradição; relações entre texto verbal e não verbal, etc. (CEREJA, 2005, p.54). Assim, temos uma realidade problemática: o aluno vive doze ou treze anos na escola e não desenvolve minimamente conhecimentos básicos sobre o levantamento de hipóteses sobre um texto. Isto é, a leitura que foi objeto de reflexão nos anos de 1980 ± HP³2WH[WRQDVDODGHDXOD´DLQGD não está sendo entendida ou trabalhada de maneira acertada. O processo narrado por Cereja (2005) continua: o professor de literatura transmite, na maioria dos casos, os conteúdos a respeito da disciplina de maneira oral e expositiva, às vezes fazendo a mediação entre o autor do livro didático adotado e os alunos (Cf. CEREJA, 2005, p. 56). O aluno assume um papel apassivado, já que é o professor quem conhece todo o acervo, a biografia, principais características de época. O único momento em que o aluno pode responder é quando ao final do processo todo é solicitado algum tipo de

70 Note-VHTXHDSULPHLUDSXEOLFDomRGH³2WH[WRQDVDODGHDXOD´HPTXHFRQVWDPRVDUWLJRVGH Osakabe (2011), Silva (2011), Geraldi (2011) e Fonseca e Geraldi (2011), foi em 1984. No entanto, as reflexões contidas no livro, hoje, trinta anos depois, são de extrema atualidade no que se refere ao ensino de leitura - nosso recorte aqui - como no ensino de produção textual e de análise linguística. Nesse sentido, refizemos o percurso sugerido por esses quatro artigos.



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reflexão, geralmente a propósito da leitura de algum texto e a atividade parte do professor ou do próprio livro didático. Nesse aspecto, o ensino de literatura toma um foco diferente do que seria esperado:

[...] o texto, que deveria ser o centro das atividades de uma aula de literatura, espaço para negociação de diferentes leituras e construções de sentido, geralmente acaba por assumir um papel periférico quanto a essas possibilidades. Por extensão, na prática, o ensino de literatura no ensino médio não tem alcançado os objetivos propostos pelos programas escolares [...] e tem se limitado a promover a apropriação de um discurso didático sobre literatura [...] (grifo nosso) (CEREJA, 2005, p.57). Esse discurso didático sobre a literatura a que Cereja (2005) se refere é mediado por duas instâncias: primeiro, pelo professor e depois por GLIHUHQWHV DJHQWHV FRPR ³livro didático, os programas universitários, as referências historiográficas disponíveis para a consulta de professores, o programa de vestibular de algumas universidades >@´ &(5(-$  p.57). Em outros termos, o ensino de literatura que deveria garantir ao alunado o conhecimento dos textos literários em si, na sua materialidade, dá espaço ao conhecimento tradicionalmente transmissivo. Para Cereja (2005) o ensino de literatura está voltado para dois aspectos importantes: o primeiro, é a adesão dos professores ao manual didático71 e o segundo aspecto é o vestibular72. Mas, vamos por partes, comecemos por a adesão ao livro didático. Segundo o autor com a Lei de Diretrizes e Bases do Ensino de 1º e 2º Graus, de 1971 - que estendeu para oito anos a obrigatoriedade escolar de quatro anos (ensino fundamental) e imprimiu ao ensino médio um caráter profissionalizante - o número de 71

Fato que se relaciona com a formação dos professores.

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Fato que implica estudo preparatório que, por sua vez, deu ensejo aos cursinhos prévestibulares.



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vagas para professores aumentou e aqueles que já trabalhavam nas escolas, com tal ampliação, presenciaram um afrouxamento dos critérios de seleção da mão de obra, isto é, não era mais necessária a formação específica para dar aulas de determinada disciplina escolar. Então, professores sem experiência na área, sem formação inundaram as escolas brasileiras. Com este quadro,

Os manuais escolares de Língua Portuguesa que se firmaram no mercado a partir desse momento respondem, portanto, às novas necessidades do público a que se destinam, uma vez que apresentam vários componentes compatíveis com essa necessidade (CEREJA, 2005, p.59). O professor que antes coordenava livremente as atividades em sala de aula, nesse período histórico, passa a ser subordinado ao livro didático adotado e as opções feitas pelo autor deste. Em outras palavras, do professor são subtraídas a identidade e a autonomia do processo de ensinoaprendizagem73. Cereja (2005) levanta outro aspecto, trata-se dos cursinhos preparatórios para o vestibular, em que,

Em virtude do volume de informações concernentes às diferentes disciplinas, esses cursos não estão nem nunca estiveram comprometidos com a formação do estudante, com o desenvolvimento de habilidades e competências essenciais e específicas de cada disciplina (CEREJA, 2005, p.61). A massa de estudos que um estudante em fase preparatória ao vestibular tem de revisar é muito grande, daí o sucesso dos cursinhos preparatórios, tomados como pedra de toque de uma sociedade que tem

73 Geraldi (2010) elabora reflexões interessantes sobre a identidade do professor através dos tempos. Indicamos a leitura do livro do autor para aprofundar esta questão.



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preguiça de estudar sozinha ou com as ferramentas que a escola deu aos sujeitos (estamos cientes de que estas ferramentas podem ser reduzidas). Tendo em vista o volume de materiais para serem revisados antes do vestibular os cursinhos se apropriaram do que Osakabe (2011) denominou ³pedagogia do ajuste´ UHGX]LQGR H UHFRUWDQGR DR Pi[LPR D OLVWD GH conteúdos do vestibular para que seja possível obter um mínimo de aprovação desejada em seus sedentos vestibulandos. Em outros termos, temos por aí um resultado desastroso no ensino de literatura na escola, que deveria prezar pela leitura dos textos: adotou-se na escola, via livro didático, a metodologia de revisão que era a solução para os vestibulandos. Isto é, deixa-se de lado a preparação do sujeito e preparamos pessoas para o vestibular (para passar, não para saber). Nesse aspecto, segundo Cereja (2005), o ensino deixa de ser dialético e dialógico e torna-se burocrático, é sacrificada a liberdade da escola e se aceita de braços abertos a generalização dos cursinhos que acabam destruindo a especificidade do ensino de literatura.

No que tange à leitura, a questão central dos

vestibulares, através da análise de Cereja (2005), é decorar características de época e movimento literários, além dos casos extremos de nomes de personagens de romances. Ou seja, o vestibular torna a valorizar o aluno que apenas repete o discurso do professor que foi recortado pelo autor do livro didático. O autor afirma que tal proposta nos coloca uma questão que SHUPDQHFH³TXDORWLSRGHDOXQRTXHDVXQLYHUVLGDGHVEUDVLOHLUDVTXHUHP WHU"´ 3RU ILP HQFHUUDQGR HVWD VXEVHomR FDEHP DV SDODYUDV GH &HUHMD (2005) novamente: >@ R µIDQWDVPD¶ GR YHVWLEXODU LQLEH D LQLFLDWLYD GH PLOKDUHV GH profissionais que, direta ou indiretamente envolvidos com a formação de 3 milhões de jovens ao ano; teriam força política suficiente para abrir uma discussão com a sociedade [...](CEREJA, 2005, p.81).



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A pergunta que permanece: por quê?

2.2.Formação de leitores: uma proposta (?), uma saída(?). ³( DJRUD -RVp"´ como diria Carlos Drummond de Andrade. Pudemos ver na subseção anterior e em concordância com ZILBERMAN e RÖSING (2009)74 e Maia (2007), a leitura está em crise na escola. Mas, refletindo sobre a história do ensino de leitura, nos deparamos com as possibilidades das proposições de teóricos sobre a formação de leitores. Sobre a questão, Kelm (2013)75 argumenta que dois tipos de aluno em relação com a leitura são possíveis:

Aluno leitor: lê bem em voz alta. Pode não conhecer tão bem as regras gramaticais, mas as usa na escrita corretamente. Organiza o pensamento e sabe expressá-lo na fala e na escrita. Aluno não-leitor: recusa-se a ler. Para ele as regras gramaticais são fixas, estão isoladas, e raramente participam da prática de escrita ou da comunicação verbal oral. Tem grande dificuldade de se expressar e de se fazer entender na escrita (KELM, 2013, p.125). Em outras palavras, ler é um modo de aprender também a língua. Está implícito no excerto da autora que leitores de textos, sejam literários ou não, tem uma capacidade de reflexão metalinguística maior. Não é uma vontade de salvar o mundo com a literatura ou com a formação de leitores a que defende a Kelm (2013). Acreditamos, na mesma medida que Kelm (2013), que esta é uma possibilidade.

74 O livro organizado pelas autoras congrega artigos de diferentes estudiosos sobre a crise enfrentada pela leitura na escola. 75 O artigo desta autora reflete sobre uma formação continuada que ela ministrou, enquanto pesquisadora, a um grupo de professores da cidade de Bagé (RS). Como pano de fundo de sua proposta que se foca no ensino de literatura, estão as questões do letramento literário, como foco na formação de leitores.



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A formação de leitores invoca outro termo: letramento literário. No escopo da definição vem uma série de outros tipos de letramentos, que, de acordo com Paulino e Cosson (2009), perpassam o ambiente escolar. Tal lugar, como sabemos, envolto em letramento(s) de todo o tipo. Com o advento das novas tecnologias, eles estão multiplicados ao extremo. Fala-se QR kPELWR GD WHRULD VREUH ³OHWUDPHQWRV GLJLWDLV´ ³PXOWLOHWUDPHQWR V ´ ³OHWUDPHQWRV GRPLQDQWHV´ H ³PDUJLQDOL]DGRV´ H XPD VpULH GH RXWros que não enumeraremos. Tipos diferentes de ocorrências ligadas a um objeto bem particular: o texto. Entende-se letramento como as práticas e usos sociais da leitura e da escrita. Neste cenário, o letramento literário é definido, para Paulino e Cosson (  FRPR ³processo de apropriação da literatura enquanto construção literária de sentidos´ S 1RWH-se aqui o recorte do tipo de letramento, a vivência do texto é uma vivência também da literatura. Os autores afirmam que o letramento literário tem um caráter de prática em contínuo andamento, é um processo sempre incompleto, em permanente transformação. A apropriação da literatura, por meio de sua leitura, se dá num eixo que é voltado para o específico da linguagem literária, que somente ela possui, uma literariedade (Cf. PROENÇA FILHO, 2007). Dois momentos são cruciais para o letramento literário: o primeiro deles é a interação verbal demandada pelo processo de apropriação da literatura. Isto é, o leitor entra em um processo no qual, ao ler, ele se apropriará de certa bagagem de conhecimentos que o texto lhe proporcionará76. Para construir esta bagagem ele terá de exercitar a construção dos sentidos com o texto e para o texto, isto envolve escrita e leitura em um processo de ida e volta de uma à outra. O segundo procedimento é, para os autores, fixado ao primeiro e indissociável dele, 76

Novamente, o conceito de exotopia e de contemplação estética do arcabouço bakhtiniano se fazem presentes.



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trata-VH GR ³ re)conhecimento

do

outro

e

o

movimento

de

desconstrução/construção do mundo que se faz pela experiência da literatura´ 3$8/,12 H &26621  S  2X Veja, o letramento literário se dá no momento em que os sujeitos interagem verbalmente com o texto e culturalmente com o outro. No entanto, o letramento literário sofre de algumas restrições, justamente por sua especificidade: a literatura. Ao passar pela escola há algumas restrições:

Não tarda, porém, que as obrigações e a própria organização dos tempos escolares impeçam a leitura de maior fôlego e mais intensa que o texto literário requer. No curto tempo de aula, só há espaço para leitura de textos curtos e simples, os quais tendem a ser explorados com perguntas previamente preparadas que não contemplam a especificidade da leitura individual de cada aluno (PAULINO e COSSON, 2009, p. 73). O trecho dos autores nos explica dois problemas: as leituras curtas e a pouca profundidade na exploração dos sentidos dos textos. Em verdade, como vimos anteriormente, este é um dado já conhecido: Silva (2011) chama atenção para o aspecto de preenchimento que a leitura tem na escola, para citar um exemplo apenas. Tendo em vista o contexto particular do ensino médio, o que fazer em um encontro de quarenta e cinco minutos de aula de literatura, que, às vezes, é de apenas uma vez por semana? É um dos nós: pouco tempo, muitas atividades, resultados reduzidos. A supremacia das leituras curtas e dos recortes de textos grandes como os romances é um fator interessante também, embora não aconselhável, é a única saída em alguns casos. A questão dos sentidos que é de fato a maior tarefa de um professor de literatura em muitos casos fica a margem do processo de ensino todo. No que concerne ao ensino da língua, que pode ser trabalhada sob a orientação do letramento literário, como o professor



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conciliaria as questões da leitura, dos sentidos e da profundidade nos textos com o tempo que tem para trabalhar tudo isto, mais produção textual e análise linguística? O tempo parece ser um inimigo do professor nesse sentido. Por fim, mas não menos importante, impossível falar de leitura sem citar Marisa Lajolo. Para a autora,

Do mundo da leitura para a leitura do mundo, o trajeto se cumpre sempre, refazendo-se, inclusive, por um vice-versa que transforma a leitura em prática circular e infinita. Como fonte de saber e de sabedoria, a leitura não esgota seu poder de sedução nos estreitos círculos da escola (LAJOLO, 2000, p. 9). De acordo com Lajolo (2000), a literatura serve muito bem ao que se propõe dentro da escola, mas a leitura de literatura ± e a leitura de maneira geral, como argumentamos na seção 2 ± permite mais que apenas tarefas escolares, ela permite uma leitura do mundo, ela possibilita uma visão de mundo carregada de significados outros que não preexistiam à leitura nem serão construídos sem esse tipo de experiência.

3. A teoria bakhtiniana nos ensina a responder responsavelmente

Pensamos ser indispensável também passar pela origem de nosso trabalho na teoria que é o Círculo Bakthiniano. Nossas atitudes frente ao ensino/aprendizagem são carregadas dos sentidos das proposições desta teoria (filosofia) da linguagem. No cerne da discussão de Bakhtin (2009) está encravada a questão da enunciação como ponte entre dois sujeitos. Para o autor, somente porque existem dois sujeitos que são demarcados pelo horizonte social de sentidos, que tem uma história e que tem uma relação indispensável com o outro que há linguagem. Por sua vez, a linguagem dialógica por natureza é fruto da



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interação de dois sujeitos, não necessariamente face a face, socialmente organizados e se constituindo na linguagem. Bakhtin (2009) permite afirmar que sem linguagem inexiste o ser humano, isto é, somente porque existe linguagem que podemos afirmar que somos humanos, de tal modo que a linguagem humaniza. É através dela que podemos interagir com o nosso semelhante, é com ela que nos completamos em eventos singulares de contato com o outro que ao mesmo tempo está em nossa frente, mas que não domina, de seu lugar no mundo, todo o seu aspecto exterior como nós, QDSRVLomRGH³HX´QRGLiORJRGRPLQDPRV A presença de dois sujeitos que permite a interação entre eles é que coloca em cena o dialogismo. Isto é, através do dialogismo, esse mote nos estudos do autor e seu Círculo, podemos afirmar que existe uma relação que está no nascedouro da linguagem, a sua característica imanentemente dialógica. Há, conforme Bakhtin (2009) dois tipos de unidades básicas que compõe a linguagem, são elas, as unidades da língua e as unidades da comunicação verbal. No entendimento do autor, as unidades da língua podem ser repetidas, sendo esta a sua característica maior, além de serem formais. Estas unidades são elas os fonemas, morfemas, sintagmas das línguas. O outro tipo de unidade é que permite a comunicação verbal viva entre seres humanos, é através dos enunciados que produzimos, que nos comunicamos. Note-se a esse respeito que para haver os enunciados é preciso que haja as unidades da língua, unidades repetíveis, para que o novo possa ser construído a partir do repetível. No ato de enunciar, a unidade da língua ganha sentido e por possuir sentido, ser parte de um contexto, transforma-se em um enunciado. Somente no nível do enunciado irrepetível e único que nos comunicamos com outros seres humanos que dialogamos no espectro do termo adotado por Bakhtin (2009). O autor ensina:



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O diálogo, no sentido estrito do termo, não constitui, é claro, senão uma das formas, é verdade que das mais importantes, da interação verbal. Mas pode-VH FRPSUHHQGHU D SDODYUD µGLiORJR¶ QXP VHQWLGR amplo, isto é, não apenas como a comunicação em voz alta, de pessoas colocadas face a face, mas toda comunicação verbal, de qualquer tipo que seja (BAKHTIN, 2009, p.127). Ou seja, de acordo com Bakhtin (2009) o diálogo face a face constitui uma das maneiras como o dialogismo se manifesta na superfície do ser humano, mas, toda a comunicação verbal viva e concreta subjaz esta relação frente a frente entre os sujeitos, inclusive a leitura, nosso objetivo. Outro aspecto das trocas interacionais dialógicas é que elas se dão a partir de signos carregados de ideologia. Todo produto ideológico é fruto de uma realidade que é natural ou social que ao mesmo tempo reflete e refrata outra(s) realidade(s) que lhe são exteriores. O signo é ideológico porque reflete e refrata a ideologia, ele não apenas espelha o exterior, mas também dá uma imagem retorcida dele a partir do seu lugar de sentido. A imagem retorcida é entendida como uma imagem resposta que está carregada inevitavelmente dos pontos de vista de quem profere o signo que ao mesmo tempo parte da comunidade social em que vive e responde a ela. Então, o signo reflete a realidade porque é um fragmento material dela e a refrata porque ele não é apenas material, é semiótico também. A questão dos signos é interessante porque é através deles que compreendemos o mundo. O signo carrega em si zonas de contato de ideologia que são internamente contraditórias, uma ideologia do cotidiano e uma ideologia dominante entram em choque dentro dele. Se temos uma consciência que compreende através de signos, como afirma Bakhtin (2009), e estes ganham sentido em uma oposição de signo com signo, a nossa consciência é por assim dizer dialogicamente orientada para compreender. Para compreender, nas palavras de Amorim (2004), temos de LUDR³SDtVGRRXWUR´YLYHUHWLFDPHQWHHVVDLQWHUDomRYROWDUDQyVPHVPRV



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e produzir esteticamente o vivido. A compreensão através do embate sígnico é uma compreensão mediada por ideologia e internamente conflitante. Outro aspecto da teoria bakhtiniana importante para nossa reflexão é a alteridade. Através do outro que é uma necessidade para a existência do eu, logramos uma completude inacabada ± no sentido de que é passageira. Embora não harmoniosa, em muitos casos, a relação de alteridade é constitutiva e, portanto, indispensável. A completude é impossível porque, cada vez que vamos ao outro e nos completamos, voltamos a nos separar, cada um volta ao seu lugar no mundo, cada um com o olhar enriquecido pelo diálogo, no entanto incompleto como no princípio. A completude que é proporcionada pelo diálogo é desfeita na separação. Como afirma Bakhtin (2011), a alteridade funda o sujeito. A contemplação não permite que os mundos refletidos nas pupilas dos olhos do sujeito e do outro se fundam. É impossível tal fato. A completude efêmera do evento é desfeita assim que ele termina. Em outras palavras, na contemplação estética, além de não coincidir com o eu, o outro tem mais dados da posição exotópica que ocupa que o eu próprio não possui. Segundo Bakhtin (2010) o ato ético responsável, o momento vivido, envolve tanto o conteúdo, quanto o processo do ato e ligando-os a posição avaliativa do agente a respeito do seu próprio ato. Nestes termos, o evento TXHHQYROYHRDWRpWLFRUHVSRQViYHOpROXJDUSULPHLURHPTXHR³não álibi de existir´ BAKHTIN, 2010) do sujeito se vale. Os atos no mundo da vida são explicitados em termos de seu conteúdo, seu processo e a valoração/avaliação de agente. Viver eticamente é aceitar o compromisso de responder, a obrigatoriedade da resposta. Ausentar-se de responder também é um modo responsivo de agir no mundo ético. Já que, como afirma o autor: >@ ³HX DMR com toda a minha vida, e cada ato singular e cada experiência que vivo são um momento do meu viver-DJLU´



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(BAKHTIN, 2010, p.44). Isto nos permite afirmar que não existe mesmo quaisquer espécie de álibi no existir, porque vivemos num mundo ético temos de responder nele, se nos recusamos a responder, não deixamos de ser sujeitos de nosso discurso, apenas deixamos que outros respondam por QyV$VVLPRVLOrQFLRpUHVSRQGHQWHWDPEpPGHDOJXPPRGRHOHGL]³QmR TXHURUHVSRQGHUPHDXVHQWRGLVVR´RTXHGiFKDQFHV que os outros tomem essa incumbência. Por fim, para encerrarmos esta seção, retomaremos a questão do sujeito: diferente de algumas teorias discursivas, os estudos bakhtinianos emprestam ao sujeito a centralidade dos atos. Ainda que haja ideologia, ainda que haja as convenções sociais, o sujeito para Bakhtin e seu Círculo é UHVSRQViYHO HWLFDPHQWH SHORV VHXV DWRV HOH QmR WHP ³iOLEL QR H[LVWLU´ Destarte, o sujeito não tem como escapar de responder; eticamente ele necessita responder por que faz parte de sua natureza dialógica, já que é constituído pela linguagem. Nesse aspecto que as relações entre o pensamento bakthiniano e a educação se encontram, já que, diz-se muito que a educação precisa de respostas, nós, enquanto sujeitos que estamos nos preparando para agir neste lugar geográfico (escolas) e discursivo (educação, propriamente) precisamos encontrar algumas respostas para essas tantas perguntas. Na seção seguinte, apresentaremos uma prática que exemplifica esta visão sobre a escola e é relacionada com o ensino de leitura.



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4. Uma prática que exemplifica.

4.1.Campo de pesquisa, sujeitos e metodologia de análise.

O tipo desta pesquisa é eminentemente qualitativa, com análise de interações obtidas em campo e registradas em diário77. O campo de pesquisa foi uma escola estadual de ensino médio da Cidade de Bagé (RS), em que um estagiário realizou observação e prática em língua portuguesa e literatura respectiva. A geração dos dados se deu a partir da observação das aulas de literatura brasileira (15h/a) e das atividades práticas78 (5h/a), totalizando 20 horas de contato com a escola e as turmas (duas, no total) 79. Os alunos envolvidos são da faixa etária entre 15 e 16 anos e encontram-se na escola que se localiza na região central da cidade. No que tange à metodologia80, o paradigma indiciário foi escolhido por ser possível, a partir desta perspectiva, trabalhar com a singularidade de dados tão específicos sobre leitura como é caso que ora trazemos para exemplificar. Em

linhas

gerais,

o

paradigma

indiciário

é

um

modelo

epistemológico que surge na área das ciências humanas como metodologia de estudos científicos, com Ginzburg (1989). Segundo este autor, é necessário singularizar o objeto de pesquisa, e mais tarde estabelecer um 77

O diário de classe que o estagiário utilizou para registrar as observações de aulas da professora regente e as suas práticas foi feito em diálogo com as proposições de Zabalza (2004) a respeito das práticas de reflexão posteriores ao processo de ensino. Segundo tal proposta, os diários de classe servem tanto para fazer pesquisa quanto para demonstrar a caminhada docente que o professor demonstra.

78

Referir-nos-emos às atividades práticas como regências ao longo do artigo.

'XUDQWHDJUDGXDomRHP/HWUDVRHVWXGDQWHGHYHFXUVDUDGLVFLSOLQDGH³(VWiJLRGHHVWiJLRHP língua portuguesa e/oXUHVSHFWLYDOLWHUDWXUD,´QDTXDOQHFHVVLWDUHDOL]DUXPFRQWDWRTXHWRWDOL]H vinte horas com uma escola da educação básica. Deste total, quinze horas aula são de observação de práticas de um docente em exercício, as cinco horas restantes são de prática de sala de aula ministrada pelo estagiário. 79

80 A metodologia que nos referimos é especificamente voltada para a análise, não se refere à prática em sala de aula do estagiário.



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caminho interpretativo que é sustentado pelos indícios particulares que o pesquisador encontrar. Uma questão interessante é que o método de análise dos indícios revive os princípios da atividade humana. Foi através do rastreamento de pistas, que esteve presente nas primeiras sociedades de caçadores, os únicos capazes de partir de uma pista muda deixada pela presa para compreender uma série lógica de eventos. Foi também contemporâneo do homem que acreditava no contato com as divindades através de mensagens escritas que teriam de ser decifradas por adivinhos ± relembremos os povos ameríndios, os egípcios e as crenças dos gregos antigos na relação do divino com o mundano através de mensagens. A medicina é outra ciência de caráter eminentemente indiciário. A proposição de Ginzburg (1989, p. 1 p³>«@elaborar, talvez às apalpadelas, um paradigma diferente, fundado no conhecimento científico do individual´ GINZBURG, 1989, p. 163). Neste aspecto, o tipo de estudo que figura nos escritos do historiador italiano é antipositivista, pois funda-se numa compreensão a partir de uma série coerente de dados que são coletados. O pesquisador tem o papel de reconstruir as pegadas que encontra até que consiga responder ao seu projeto. Deste modo, o paradigma indiciário surge como possibilidade de entender os dados singulares da pesquisa. Tentaremos, pensando na mesma metáfora, >«@ FRPSDUDU RV ILRV TXH FRPS}HP HVWD SHVTXLVD DRV ILRV GH XP tapete. Chegados a esse ponto, vemo-los a compor-se numa trama densa e homogênea. A coerência do desenho é verificável percorrendo o tapete com os olhos em várias direções. (GINZBURG, 1989, p. 170) Trabalhar com a linguagem, que não é transparente, implica reconhecer que não podemos retirar do objeto a sua singularidade identificadora, mas, isso sim, a partir das pistas encontradas, estabelecer relações e construir uma compreensão que explique o fenômeno em estudo.



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&RPRFRQVLGHUDRDXWRU³quando as causas não são reproduzíveis, só resta inferi-las a partir dos efeitos´ *,1=%85*S ,VWRpEDVWDQWH válido para os estudos discursivos, porque a linguagem sendo opaca apresenta zonas privilegiadas ± sinais, indícios ± que permitem decifrá-la, e é a partir deste trabalho de detetive que na subseção a seguir buscaremos uma compreensão dos discursos ali analisados. 4.2.Leitura e escola ± aspectos relevantes de uma prática.

Nesta subseção trabalharemos com o caso do diário reflexivo do estagiário que foi descrito. Como explicamos anteriormente81, o diário está dividido em dois grandes blocos, o primeiro deles ± constituído das observações da regência da professora na escola ± consta com o relato de quinze horas aulas; o segundo bloco é aquele em que constam os relatos do estagiário sobre a sua própria prática. A disciplina em que o estágio ocorreu IRL³OLWHUDWXUDEUDVLOHLUD´QRSULPHLURDQRGRHQVLQRPpGLRH DVUHJrQFLDV ocorreram por volta dos meses de junho e julho de 201482. Como sabemos pela grade indicada nos documentos oficiais, a primeira série do ensino médio, especificamente para o ensino de literatura, é dividida em dois momentos: o primeiro deles é caracterizado por uma série de conceituações para o estudo dos textos literários83. O segundo bloco é aquele em que a história da literatura entra em cena e, quase sempre, não volta a sair. O momento em que se concretizaram as aulas foi o da introdução aos gêneros literários. A prática do estagiário foi desenvolvida sobre os pilares do

81

Ver as notas 20, 21 e 22.

82

A disciplina foi orientada pela Profa. Dra. Zíla Letícia Pereira Rêgo.

83

Geralmente, neste primeiro momento, os aspectos da teoria da comunicação, teoria dos gêneros literários, tipos de gêneros, funções da linguagem são o foco, segundo observado nas aulas da professora regente em que o estágio foi realizado.



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letramento literário e da formação de leitores contando com cinco horas de sala de aula84. Dentro da primeira regência85, o estagiário, em seu registro, transcreveu o seguinte episódio:

Uma menina que estava com um livro de poemas me perguntou se era preciso escolher só um poema do livro para ler. Afirmei que não era para fazer isso. O discurso do aluno parece querer devolver a leitura para a escola, apenas o que se espera. Acho que o andamento da atividade fez com que ela tirasse essa conclusão acima ou as práticas que ela teve acesso até então... aaah... esses discursos que devolvem... (Trecho do diário. Dia 01/07/2014). No excerto acima, podemos observar que o aluno busca de alguma maneira agradar ao professor. Parece-nos que o aluno, com o objetivo apenas avaliativo, faz a atividade sempre procurando o interlocutor mais provável, que, segundo Britto (2011), é sempre a escola, materializada no professor. A interlocução é sempre institucionalizada, para o autor. E aqui o excerto nos dá pistas de que o aluno tenta devolver de fato. A aluna, ao manusear um livro, apenas com o objetivo de observar as características do gênero, como foi a atividade que o estagiário propôs, busca uma finalidade avaliativa, que, seria de fato, uma escolha e leitura de um poema. As duas possibilidades que o estagiário levanta podem se sustentar a partir do que sabemos da situação concreta de interação: por um lado, o andamento dado à atividade ± distribuição dos livros para os alunos, no qual pediu-se apenas que observassem as características do gêneros: estilo, forma e tema86; 84

A primeira aula voltada para a conceituação dos gêneros segundo Aristóteles em sua ³3RpWLFD´ 1HVWD DXOD SDUD GHVFRQVWUXLU R GLVFXUVR GLGiWLFR R HVWDJLiULR OHYRX DOJXQV exemplares de coletâneas de poemas, epopeias e tragédias gregas para que os alunos manuseassem e observassem as características formais e funcionais dos textos. Em uma visão rápida orientada para algumas perguntas.

85

Esta foi a primeira aula que o estagiário ministrou.

86

Conforme o diário do estagiário, na sala de aula, algumas perguntas nortearam a observação GRV OLYURV IRUDP HODV WUDQVFULWDV QR TXDGUR ³) observe como o texto é construído: Versos?



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também, por outro lado, as práticas que teve acesso em outros momentos ± pode ser que a maioria dos professores com quem travou diálogo até então tivessem feito sempre atividades avaliativas desse jeito. De todo o modo, o discurso ali presente é devolução do que é esperado pela escola, a escola é a grande interlocutora, como afirma Britto (2011). No entanto, como assumimos a perspectiva de um sujeito discursivo responsável e ativo em seus atos, podemos tecer algumas considerações sobre a reação da aluna: a primeira delas é que o silêncio responde. O aluno no sentido que o concebemos, como um sujeito falante e expressivo, não HVWiGL]HQGRQmRHVWiVHGL]HQGRFRPRDILUPD0LRWHOOR  ³A própria escolarização certamente está construindo um sujeito que não fala, não escreve, um sujeito que não se diz´ MIOTELLO, 2011, p. 50). Ou seja, explicando o autor, a escola com suas regras e a avaliação terminam por silenciar um sujeito que por natureza é falante. A concepção de silêncio que estamos utilizando é entendida como a resposta que agrada aos outros, isto é, a voz do professor (e da escola, por tabela) está silenciando a voz do SUySULR DOXQR 2 ³HX´ ± aluno - GD HQXQFLDomR VH DQXOD IUHQWH DR ³WX´ professor escola, relembrando aquilo que Geraldi (2011) afirma. Parece ser possível afirmar, tendo tal exemplo, que o sujeito responde o que lhe é esperado, o que lhe permitem as convenções, protótipos.

Como

poderíamos falar em letramento literário ou formação de leitores, ambos presumindo em seu escopo uma formação do sujeito através do texto, do diálogo, interação com o outro (outro texto, outro autor, outro herói) se

Estrofes? Há interrupções ou pausas, parênteses em meio ao texto? 2) Existe um narrador? Exemplifique. 3) observe a linguagem, é formal ou informal? Dê exemplos. 4) As palavras te VRDPIDPLOLDUHVRXQmR"4XDOPRWLYR"´ Para os fins deste artigo, preferimos a discussão, no corpo do texto, mais resumida e assumindo o ponto de vista bakhtiniano e sua concepção de gêneros discursivos (cf. BAKHTIN, 2011). Em outras palavras, a discussão aqui empreendida, no corpo do texto, assume caráter mais teórico, em sala de aula, o estagiário utilizou as perguntas para didatizar o discurso teórico que embasava sua prática.



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temos um aluno que se apaga frente à posição que ocupa. Enfim, afirmam Giovani e Souza (2014):

A escola é o lugar ideal para o desenvolvimento da linguagem, do dialogismo. Está mais do que na hora de a escola deixar de ser o lugar fechado que acaba tendo por função anular sujeitos. Contrariamente, é preciso abrir este espaço para que nele o sujeito possa dizer a sua palavra, o seu mundo, dialogar com outros sujeitos, com outros grupos e constituir-se realmente enquanto sujeito de seu dizer (GIOVANI, SOUZA, 2014, p. 372). Em outro momento, nas regências realizadas no estágio, ocorre o VHJXLQWH GHSRLV GD OHLWXUD GR FRQWR GH &DLR )HUQDQGR $EUHX ³Para uma avenca partindo´DSULPHLUDLPSUHVVmRIRLVRQGDGD

Após ler o texto perguntei o que acharam... curiosamente, a primeira que falou disse ±³&KDWR´1RWHLTXHDFROHJDDRODGRGHXXPWDSD no braço dela, reprovando a ação; e os outros, como que paralisados, me olhavam, curiosos de uma reação minha. Eu, ao invés de me deter ao ato dela, perguntei o nome da que tinha dado o WDSD HUD 'pERUD 3HUJXQWHL ³-Débora87, porque deste um tapa na FROHJD"´(ODUHVSRQGHXTXHLVVRQmRVHGHYLDID]HUTXHTXDQGRRV professores levam uma atividade não se pode contrariar ou achar ruim... Me chocou um pouco esta visão, devo ter demorado a responder... Em seguida, disse que, quando eu for o professor, eu quero saber o que eles acham mesmo, o que sentem de verdade, não o que o protótipo de professor que eles imaginam quer ouvir. Depois pedi -³/HYDQWHP D PmR WRGos os que acharam o texto FKDWR"´ &RQWHL XQV RLWR FRUDMRVRV TXH IL]HUDP LVVR 3HUJXQWHL VH isso acontecia muito, dos professores silenciarem o que eles têm a dizer, a resposta não me agradou: todos, uníssonos, concordaram que -³1mRVHSRGHGL]HUTXHDFKou ruim o material da professora X SRUTXH HOD ILFD EUDED´ (QIDWL]HL TXH PHX REMHWLYR DR SHUJXQWDU D opinião deles era ouvir a verdade, não o que é esperado por mim. (Trecho do diário. Dia 10/07/2014).

87



Nome fictício.

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Este trecho traz muitos indícios para que afirmemos que ao aluno sobram apenas duas opções: ou se sujeita ao que o professor quer ± silencia como todos os aspectos do termo - ou diz o que quer e corre o risco de ser taxado como aluno problema, o que poderia ter acontecido com a primeira menina que falou nesta aula do estagiário. Pelo que notamos, a maioria dos alunos, ao menos na turma em questão, não diz o que pensa, isso pode ³deixar

o

professor

brabo´ ,VWR VH FRPSURYD MXVWDPHQWH QR

comportamento do aluno, tanto verbal ± quando afirma que não se pode dizer o que acha porque o professor se ofende - quanto gestual ± dando um tapa de reprovação. Em outras palavras, diga o que o professor quer, o que ele quer escutar... Diante disso, nunca pareceu que Britto (2011) estivesse tão certo. É interessante que o estaJLiULRXWLOL]DRDGMHWLYR³FRUDMRVRV´SDUD designar aos alunos que levantaram a mão depois de sua segunda pergunta referente ao conto lido. Ao utilizar esta palavra ele caracteriza os alunos que se manifestaram como sujeitos respondentes ± que correm o risco de VHU R ³DOYR´ GR SURIHVVRU Mi TXH SRGH VH WRUQDU XPD RIHQVD HVVH WLSR GH consideração. Giovani e Souza (2014) complementam:

Espera-se que um sujeito dinâmico não se anule, no entanto, isso não deixa de acontecer. Enfim, a escola tem o dever de construir a linguagem ao invés de destruí-la. O dialogismo não pode existir apenas nas páginas dos livros. É preciso dialogar! (GIOVANI, SOUZA, 2014, p.373). Neste aspecto, podemos considerar que a aluna ± a partir de sua ideologia do cotidiano88, enquanto sujeito, dialoga com a ideologia oficial (estagiário>professor>escola) ± tendo a ousadia de primeiro falar que o texto lhe pareceu chato é o exemplo perfeito de uma pessoa que tem um gosto pela leitura e que pode, assim, já discutir com maior profundidade os 88



Ver Bakhtin (2009).

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textos. A reação do estagiário foi bastante interessante pois ele, ao invés de reprovar o que estava silenciado ± o tapa ±, tentou entender o motivo por trás dele, ou seja seu sentido real. Portanto, acreditamos que a linguagem ± enquanto zona de embates ± tenha sido construída nesse ambiente, não destruída como afirmam Giovani e Souza (2014). Na sequência, o estagiário fez algumas perguntas para compreender os motivos de alguns terem levantado a mão, as respostas transcritas recaem sobre a estrutura do conto ± trata-se de um texto lido em um só fôlego, quase sem pontos finais, o que torna a leitura mais truncada. Os indícios nos levam a considerar que o ato de reprovação da menina que deu o tapa apenas comprova a máxima naquela sala de aula: ³QmRGLJD´ Assim, podemos afirmar que a escola fecha um circuito entre a leitura e o livro e, o que deveria suscitar contrapalavras, no sentido bakhtiniano, suscita o silêncio. O circuito, como afirmam Fonseca e Geraldi (2011), se fecha em uma meia dúzia de leituras e elas somente servem para cobrir as lacunas da grade escolar. Algumas perguntas permanecem, como ³4XDQWRV RXWURV QmR gostaram do texto e não tiveram coragem de levantar a mão ou verbalizar LVVR"´ e sintomático que os alunos digam que a maioria dos professores deles silenciem o que eles têm a dizer? Nesse sentido, nos cabem outras SHUJXQWDVFRPR³(VFRODSDUDTXr"´³(VFRODSDUDTXHP"´

Considerações finais

Viver a leitura dentro da escola, assim como viver as práticas de linguagem, de uma maneira geral, é ainda dificultoso. A questão fundamental que tentamos colocar em nosso artigo é que a escola, pelo menos na teoria, deveria preparar os sujeitos para saírem dos seus muros, viverem de fato o que as relações sociais proporcionam. O que não



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acontece sempre, os exemplos da história do ensino de leitura, na subseção 3.1, nos permitem dizer isso. Viver a linguagem em sua diversidade como queremos é praticar as peraltagens do menino de Manoel de Barros, no poema que abre o artigo. Os despropósitos do menino-poeta, os disparates comprovam uma leitura de mundo muito particular. A prática que analisamos permite afirmar que a escola não está dando ensejo para as peraltagens dos alunos, ela quer sujeitos retos, cúbicos que caibam em caixas previamente montadas, em lugares antes pisados e nunca (re)significados. Nos importa o contrário, pois, se não colorirmos o mundo de cores diferentes viveremos para sempre em um mundo cinzento, sem chances de diferença. E é a diferença que enriquece o mundo... Se não a tivermos, o que será do futuro? Os rastros que encontramos no discurso da menina que quer devolver a fala do professor para agradá-lo são encontradas por aí, pairando nas salas de aula do Brasil. É uma constatação empírica nossa, mas a prática que analisamos confirma isso. Essa formação dos sujeitos, que é também uma tarefa das escolas ou do ensino de uma maneira geral, está em defasagem. Ou seja, o aluno está sempre ocupando uma posição apassivada e que não tem o direito de enunciar, uma posição já demarcada e que é permitida a ele. Não pode, nesta concepção, um aluno dizer que achou o texto chato. A prática que avaliamos pode de fato ser um pequeno exemplo da reação de um professor, um caso isolado quem sabe, de um sujeito que está comprometido com o seu dizer e comprometido com a formação de sujeitos. De acordo com Lajolo (2000) e Freire (2003) a leitura do mundo precede a leitura da palavra, mas a leitura da palavra auxilia na leitura (menos ingênua) do mundo. Nossa tarefa, professores de língua e de literatura, é propor leituras possíveis, abrindo os sentidos dos textos para a interação entre o leitor, o DXWRUHRSUySULRWH[WR3RULVVRRYHUER³YLYHU´SRGHWHUDSDUHFLGRWDQWDV



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vezes neste artigo. Cremos que a vivência do texto é o que está faltando. Por isso procuramos argumentos para a leitura, na seção 2. Ainda que eles não sejam necessários, acreditamos que presenciar o texto na leitura, estar perto dele e dialogar com ele é que está necessitando ser (re)significado. A leitura, nesse ínterim, é uma tarefa eternamente em aberto, já que uma profusão de sentidos em suspenso guarda um texto; a cada leitura novas pontas lhe escapam e o leitor vai, nas entrelinhas, nas falhas, reconstruindo sentidos. O mal disso no cenário que apresentamos é a demarcação dos lugares discursivos ali implicados. Por fim, nos cabe retomar um trecho de Todorov (2010) que é emblemático, já que os sentidos deste texto também estão/estarão em suspenso a partir do fechamento provisório e do acabamento estético que OKH GDPRV ³$ QyV DGXOWRs, nos cabe transmitir às novas gerações essa KHUDQoD IUiJLO HVVDV SDODYUDV TXH DMXGDP D YLYHU PHOKRU´ TODOROV, 2010, p.94).

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Parte II ± ALFABETIZAÇÃO: LEITURA E ESCRITA



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ALFABETIZAÇÃO: AS MARGENS DE UMA TRAVESSIA Mariza Vieira89

[...] a gente quer passar um rio a nado, e passa; mais vai dar na outra banda é num ponto mais embaixo, bem diverso do que em primeiro se pensou. (Guimarães Rosa, ³*UDQGHVHUWmRYHUHGDV´

Considerações iniciais Neste trabalho90, visamos refletir sobre a alfabetização, sob a perspectiva teórica da História das Ideias Linguísticas e da Análise do Discurso, como a entrada do sujeito, desde sempre já-falante em uma outra discursividade - a da escrita -, com tudo que isso acarreta em termos de uma relação específica com a alteridade, de um trabalho contraditório entre saber a língua e saber sobre a língua, visando à construção de espaços logicamente estabilizados para um sujeito pragmático (Pêcheux, 1990)91 89

Profa. Dra. da Universidade Católica de Brasília e colaboradora do Laboratório de Estudos Urbanos (Labeurb) da Universidade Estadual de Campinas, em Campinas, São Paulo. Realizou seu doutorado em Linguística pela Unicamp. E-mail: [email protected]

90

Este texto resulta de um percurso que fizemos desde o início dos anos de 1990, em termos de estudos e pesquisas.

91 ³Rsujeito pragmático - LVWRpFDGDXPGHQyVRVµVLPSOHVSDUWLFXODUHV¶IDFHjs diversas urgências de sua vida - tem por si mesmo uma imperiosa necessidade de homogeneidade lógica: isto se marca pela existência dessa multiplicidade de pequenos sistemas lógicos portáteis que vão da gestão da vida cotidiana da existência (por exemplo, em nossa civilização, o porta-notas, as chaves, a agenda, os papéis, etc) até as grandes decisões" da vida social e afetiva (eu decido fazer isto e não aquilo, de responder a X e não a Y, etc...) passando por todo o contexto sóciotécnico dos "aparelhos domésticos" (isto é, a série dos objetos que adquirimos e que aprendemos a fazer funcionar, que jogamos e que perdemos, que quebramos, que consertamos e que substituímos)... (PÊCHEUX, 1990, p. 33).



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habitar, em que, imaginariamente, haveria controle dos gestos de leitura, bem como possibilidades de resistência do sujeito, pelo trabalho na e com a língua sempre sujeita a falhas. Nesse processo, o sujeito se apropria da linguagem de forma visível, inscreve-se em uma cultura determinada e, ao mesmo tempo, é nela inscrito em uma determinada posição de sujeito, a de sujeito do conhecimento, em que constrói trajetos de sentidos entre a linguagem e o mundo pelo discurso da escrita, em uma instituição do Estado, a Escola. Ainda nesse processo, a escrita é, ao mesmo tempo, um lugar culturalmente instituinte de uma função discursiva do sujeito - a de autor -, isto é, a de ser origem e fonte de seu dizer, agora em um suporte externo, e, consequentemente, de ser responsável por aquilo que diz em uma sociedade como a capitalista: um sujeito de direito. Pensar, pois, a alfabetização em uma sociedade dada, é compreender como se articulam em relações de consenso, de conflitos e de confrontos, certos elementos estruturantes da posição de sujeito alfabetizado, e de sua contraparte necessária, a do sujeito analfabeto. A escrita converte a língua em um objeto de conhecimento e os sentidos em conteúdo; fixa e imobiliza a língua, que é fluida e dinâmica, separando o sujeito da linguagem que ele pratica em seu cotidiano. A visão espacializada e simultânea da fala, que o processo de invenção da escrita produziu, criou também condições para o nascimento das ciências da linguagem: a fragmentação da cadeia falada, a observação da relação entre as unidades linguísticas,

a categorização

dessas unidades, resultante de técnicas autônomas e artificiais - técnicas intelectuais -, o que nos permite falar em teorias, ofícios, ferramentas, suportes, tradições pedagógicas a ela relacionados, ou seja, a escrita em sua historicidade. Desse corte, nasce uma posição de sujeito, que é marcada, imaginariamente, pela unicidade, autonomia, apreensão de uma nova



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língua: segmentada, categorizada, sistematizada em letras, sílabas, palavras, frases, textos: uma língua nacional. A escrita produz, assim, tanto uma subjetividade específica ± a de sujeito letrado -, como uma sociabilidade própria ± a de leitor e a de autor -, que participa da divisão social do trabalho da leitura em uma sociedade letrada urbana, através de instituições responsáveis pela organização e gestão do espaço público e privado, das quais a Escola é a principal delas. Temos, então, o que Pfeiffer (2001) chama de sujeito urbano escolarizado. Nesse sentido, a escrita é uma forma de relação social, que situa de modo próprio o sujeito na sociedade, na história, estabelecendo, através de uma relação entre o oral e o escrito, diferentes formas de estar na língua e na história: lugares discursivos em que se reproduz o mesmo e irrompe a diferença que demanda sentidos; lugares de resistência ao discurso da escolarização que satura o real da língua, agora tornada escrita. Esse espaço em que se desloca o sujeito da enunciação deve ser tomado como um espaço imaginário em que o interdiscurso92 se faz presente: espaço em que se conta a história da apropriação de uma língua nacional, oficial. Ouçamos como Rosa (1986), literariamente, apreende esse jogo, pela fala de seu SHUVRQDJHP5LREDOGRGH³*UDQGHVHUWmRYHUHGDV´

Sou só um sertanejo, nessas altas idéias navego mal. Sou muito pobre coitado. Inveja minha pura é de uns conforme o senhor, com toda leitura e suma doutoração. Não é que eu esteja analfabeto. Soletrei, anos e meio, meante cartilha, memória e palmatória. Tive mesmo, Mestre Lucas, no Curralinho, decorei gramática, as operações, até geografia e estudo pátrio. Em folhas grandes de papel, com capricho tracei bonitos mapas. Ah, não é por falar: mas, desde do começo, me achavam sofismado de ladino. E que eu merecia de ir para cursar latim, em Aula Régia ± que também diziam. Tempo saudoso! Inda hoje, apreceio um bom livro, despaçado. Na fazenda O Limãozinho, 6HJXQGR3rFKHX[ S ³algo fala (ça parle) sempre antes, em outro lugar e independentementeLVWRpVREDGRPLQDomRGRFRPSOH[RGDVIRUPDo}HVLGHROyJLFDV´ JULIRVGR autor). 92



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de um meu amigo Vito Soziano, se assina desse almanaque grosso, de logogrifos e charadas e outras divididas matérias, todo ano vem. Em tanto, ponho primazia é na leitura proveitosa, vida de santo, virtudes e exemplos ± missionário esperto engambelando os índios ou São Francisco de Assis, Santo Antônio, São Geraldo... Eu gosto muito de moral. Raciocinar, exortar os outros para o bom caminho, aconselhar a justo. Minha mulher, que o senhor sabe, zela por mim: muito reza. Ela é uma abençoável. Compade meu Quelemém sempre diz que eu posso aquietar meu temer de consciência, que sendo bemassistido, terríveis bons espíritos me protegem. Ipe! Com gosto... Como é de são efeito, ajudo com o meu querer acreditar. Mas nem sempre posso. O senhor saiba: eu toda a minha vida pensei por mim, forro, sou nascido diferente. Eu sou é eu mesmo. Divêrjo de todo o mundo... Eu quase que nada sei. Mas desconfio de muita coisa. O senhor concedendo, eu digo: para pensar longe, sou cão mestre ± o senhor solte em minha frente uma idéia ligeira, e eu rastreio essa por fundo de todos os matos, amém! (1986, pp. 13-14 ± grifos nossos)93 Nessa tensão entre o mesmo e o diferente, a escola atua, ensinando, avaliando e atestando a competência do indivíduo enquanto um sujeito letrado, capaz de ingressar nessa sociedade como cidadão e dela participar sob diferentes formas. A posse e o domínio diferenciado da escrita irão marcar e distinguir os homens no exercício da cidadania, dando visibilidade às desigualdades, produzindo-as e reproduzindo-as, através de uma prática pedagógica que se apresenta como científica e neutra - socializadora de um saber útil e necessário -, apagando a natureza política de tal prática, trabalhando [...]

[...] a ambiguidade fundamental da palavra de ordem mais que centenária "aprender a ler e a escrever" que visa ao mesmo tempo a "apreensão de um sentido unívoco" inscrito nas regras escolares de uma assepsia do pensamento (as famosas "leis semânticopragmáticas da comunicação") e o "trabalho sobre a plurivocidade do sentido" como condição mesma de um desenvolvimento interpretativo do pensamento (PÊCHEUX, 1994, p. 59). 8PDDQiOLVHPDLVH[DXVWLYDGHVVDTXHVWmRSRGHVHUOLGDHP6LOYD  ³$OHLWXUDHD escrita: diferentes modos de estar na OtQJXDHQDKLVWyULD´

93



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Do que estamos falando, então, quando falamos em alfabetização?94 Como compreender essa tensão e ambiguidade entre a paráfrase e a polissemia, entre o mesmo e o diferente, contidos nessa prática, como condição necessária para o funcionamento de um determinado tipo de sociedade: a letrada urbana? Como esses objetivos - "apreensão de um sentido unívoco" e "trabalho sobre a plurivocidade do sentido" - servirão para determinar a organização e divisão social do trabalho de uma sociedade e, consequentemente, o estabelecimento de práticas linguísticas e de políticas de línguas, geridas pelo Estado, de modo a marcar o lugar social e político de uma posição: a do sujeito urbano escolarizado?

1. Alfabetização: nós, os outros, o Outro

Consideramos, conforme Auroux (1998), que a invenção da escrita foi a primeira revolução tecnolinguística na história da humanidade, sendo, portanto, uma tecnologia, em que o acesso a ela e seu domínio implica em um saber-fazer a ser ensinado-aprendido em uma relação entre sujeitos. Trata-se, também, de uma prática entendida, conforme Pêcheux, como ³WRGR SURFHVVR GH WUDQVIRUPação de uma matéria-prima dada em um produto determinado, transformação efetuada por um trabalho humano GHWHUPLQDGR XWLOL]DQGR PHLRV GH SURGXomR GHWHUPLQDGRV´ +(5%(57 2011, p. 24). Podemos situar essa apropriação da escrita, portanto, como resultante de um trabalho técnico sobre a língua falada, em que se dá a transformação de relações sociais, produzidas por meio de instrumentos linguístico-pedagógicos, como os métodos, os manuais95, em que se ³eDLGHRORJLDTXHIRUQHFHDVHYLGrQFLDVSHODVTXDLVµWRGRPXQGRVDEH¶RTXHpXPVROGDGR um operário, um patrão, uma fábrica, uma greve etc., evidências que fazem com que uma SDODYUDRXXPHQXQFLDGRµTXHLUDPGL]HURTXHUHDOPHQWHGL]HP¶HTXHPDVFDUDPDVVLPVRED µWUDQVSDUrQFLDGDOLQJXDJHP¶DTXLORTXHFKDPDUHPRVRcaráter material do sentido das SDODYUDVHGRVHQXQFLDGRV´ 3Ç&+(8;S± grifos do autor). 94

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9HUWH[WR³$VFDUWLOKDVQDVRFLHGDGHGRFRQKHFLPHQWR´ 6LOYD, 2014).

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trabalham um saber sobre a língua e, ao mesmo tempo, comportamentos, atitudes, valores ± processos de individualização do sujeito -, constituindose, pois, em verdadeiros instrumentos político-ideológicos. Essas relações sociais a serem transformadas, pela produçãoreprodução-produção de sentidos e de posições de sujeito, com e pela a escrita, não resultam de necessidades intrínsecas às línguas faladas, ou, para, como se diz de forma simplista, estabelecer, ampliar a comunicação entre os homens, mesmo porque sabemos que a língua serve para comunicar e para não comunicar (PÊCHEUX, 1990b). Como diz Auroux   ³e LQFRQWHVWiYHO TXH R HVFULWR Vy DSDUHFH H VH PDQWpP  HP sociedades fortemente hierarquizadas, e entretém, desde a origem (e, sobretudo, na origem) relações muito estreitas com as diversas instâncias de podeU TXH DV VRFLHGDGHV KXPDQDV FRQKHFHP´ Idem, ibidem, p. 68). O mesmo autor chama a nossa atenção, contudo, para não embarcarmos em análises maniqueístas em termos de opressor x oprimido, observando as mudanças qualitativas na natureza das relações sociais, bem como as possibilidades que a escrita trouxe para o nascimento das ciências, e para o nascimento

de

novas

formas

de

liberdade

humana.

Diríamos,

discursivamente, que importa observar o modo paradoxal, contraditório mesmo, em que essas relações sociais se produzem e reproduzem, transformam-se e modificam-VH³$VVLPDTXHVWmRKLVWyULFDGDVUHYROXo}HV concerne por diversas vias ao contato entre o visível e o invisível, entre o existente e o alhures, o não-realizado ou o impossível, entre o presente e as diIHUHQWHV PRGDOLGDGHV GD DXVrQFLD´ 3Ç&+(8; D S   9HPRV então, que há uma rede de determinações a serem compreendidas quando refletimos sobre o discurso da/sobre a alfabetização em uma sociedade historicamente determinada.



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O trabalho, que vimos realizando sobre a história da alfabetização no Brasil96, da perspectiva discursiva e no espaço-tempo do escrito, do arquivo, da memória institucionalizada em diferentes discursividades e PDWHULDOLGDGHV VLJQLILFRX HQWUDU QR HVSDoR GD PHPyULD ³QHVVH HVSDoR móvel de divisões, de disjunções, de deslocamentos e de retomadas, de conflitos, de regularização... Um espaço de desdobramentos, réplicas, polêmicas e contra-GLVFXUVRV´ GH TXH IDOD 3rFKHX[  S   Significou, ainda, tratar a História como uma disciplina de interpretação em que o simbólico e o político se articulam no processo de inscrição do acontecimento no espaço da memória - seja daquele acontecimento que escapa à inscrição, seja daquele que é absorvido na memória -, no entrecruzamento entre a memória social inscrita nas práticas ± como a de leitura e de escrita -, e da memória de diferentes discursos produzidos, temporalmente, em diferentes domínios do conhecimento. Desde os primeiros estudos e pesquisas realizados97, observamos uma sistematicidade na presença-ausência de um dos termos das dicotomias "analfabetismo-alfabetização" e "analfabeto-alfabetizado", sendo presença FRQVWDQWH D GRV WHUPRV ³DQDOIDEHWLVPR´ H ³DQDOIDEHWR´ H D DXVrQFLD FHQWUDGD HP ³DOIDEHWL]DomR´ H ³DOIDEHWL]DGR´ 2EVHUYDPRV também, uma assimetria e discrepância entre os termos desses mesmos pares. Tomando como referência o discurso lexicográfico, por exemplo, encontramos ³DOIDEHWL]DomR´ FRPR DomR H[HUFLGD SRU DOJXpP HP GLUHomR D XP RXWUHP GH DOIDEHWL]DU ³GH SURSDJDU R HQVLQR GD OHLWXUD´ SRU RXWUR ODGR ³DQDOIDEHWLVPR´VLJQLILFD³HVWDGRRXFRQGLomRGHDQDOIDEHWRIDOWDDEVROXWD GH LQVWUXomR´ )(55(,5$   HYLGHQFLDQGR QmR VH WUDWDU GH PHURV pares dicotômicos. 2WHUPR³DQDOIDEHWLVPR´- e o do sujeito nele implicado, 7RPDUtDPRVFRPRPDUFRDWHVHGHGRXWRUDGR³+LVWyULDGDDOIDEHWL]DomRQR%UDVLOD FRQVWLWXLomRGHVHQWLGRVHGRVXMHLWRGDHVFRODUL]DomR´ 6,/9$ 

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9HU³2GLFLRQiULRHRSURFHVVRGHLGHQWLILFDomRGRVXMHLWR-DQDOIDEHWR´ 6,/9$ 

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R³DQDOIDEHWR´-, no discurso lexicográfico define-se, nesse caso, em termos GD³QHJDomR´GD³IDOWD´HPUHODomRDXPDH[WHULRULGDGHDTXLORTXHQmRVH tem, aquilo que não se é. Questões essas que apontavam para um trabalho de contradições e não de oposições, e que foram se afirmando como sítios de significação (ORLANDI, 1996) de todo o processo de análise e compreensão dos processos discursivos envolvidos no discurso da e sobre a alfabetização no Brasil. Sinalizavam, ainda, para duas representações presentes, e FRQVLVWHQWHPHQWH

DUWLFXODGDV

QHVVH

REMHWR

XQR

³DOIDEHWL]DomR-

DQDOIDEHWLVPR´: D GH XP ³QyV´ DOIDEHWL]DGRV OHWUDGRV  H D GH XP ³HOHV´ (analfabetos, iletrados). Importa lembrar, ainda, pensando na opacidade deste objeto discursivo, que, na memória, na história, há o vivido, o esquecido, mas há também o que ficou não formulado, sem lugar no Outro, nesses espaços em branco entre as palavras, que permitem a reprodução e, ao mesmo tempo, a renovação, a transformação significante. Os discursos estabeleceram, pois, uma história e produziram a estabilização de referentes e sentidos; produziram uma posição de sujeito - posição enunciativa - em que o indivíduo é nomeado e nomeia-se em relação à ordem econômicosocial e à ordem do discurso, na relação do político com o simbólico, ao ter acesso a e domínio do escrito. Uma posição que permitiu, inicialmente, determinar, marcar, dividir dois mundos distintos: a do homem civilizadoeuropeu-cristão e a do índio-brasileiro-selvagem e, posteriormente, atravessar a sociedade, separando brasileiro de brasileiro. As representações que formam todo um dispositivo social têm, pois, XPD KLVWyULD D UHFODPDU VHQWLGRV +(15@WDYDSDVVHDQGRYLXPHQLQRSDVVHDQGR e falou? Me dá um copo de água? [...] bateu cabeça no [...] ele falou (após, XVDXPVLQDOTXHVHDVVHPHOKDDXPWUDYHVVmRHHVFUHYHXPHQXQFLDGR ´2 UHVWDQWHQmRVHFRPSUHHQGHH[FHomRjILHL´DRILQDOGRWH[WR numa alusão D ³ILP´ 2EVHUYD-se o uso de sinais de pontuação sem nexo (ponto final, interrogação, dois pontos). Exceção feita ao sinal suposto como travessão, DSyVRTXDOIRLHVFULWRXPHQXQFLDGR3HODDOXVmRD³ILP´VHGHGX]TXHp uma reescrita de fábula. Verifica-se que ele conhece minimamente a estrutura de uma fábula e o texto está bem menos extenso, com onze linhas.



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Figura 5 ± 5HHVFULWDGRWH[WR³0HXPDOYDGRIDYRULWR´

Fonte: portifólio do aluno, setembro de 2012 Esta segunda atividade é datada de setembro; é uma produção extensa, em que Carlos escreve seu nome completo, mas no penúltimo sobrenome omite a consoante n e espelha a consoante s.Se compreende o TXHHVWiHVFULWRQDVOLQKDVSULPHLUDHVHJXQGD³UHVXPRGRILOPH´H³PHX malvado favRULWR´7DPEpPVHHQWHQGHDOJXPDVIUDVHVQDVOLQKDVLQLFLDLV ³R PDOYDGR IDYRULWR >@ SHJRX D EH[LJD DVVRSURX" 'HX D EH[LJD SDUD R menino, pegou, estourou. Foi embora? Quando chegou, [...] cachorro no sofa e mordeu, a mulher dele ligou TV e: [...] falou TXH HUD PpGLFR´ 'HSRLV R WH[WR ILFD LOHJtYHO FRP DV SDODYUDV³PHQLQD´ ³PHQLQR´ ³FDFKRUUR´³FDVD´GLVSHUVDVSHORWH[WR9HULILFD-se o uso de alguns sinais de pontuação sem nexo (vírgula, interrogação, dois pontos, travessão). Retomo com a professora Verônica, comentando que ela deveria 

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dizer ao menino que apesar dele se esforçar em escrever, e ele de fato chegou a escrever duas páginas inteiras, não se compreendia o que ele escrevia. E também explicar para o Carlos que ele deveria ser capaz de ler a própria escrita. A professora não se sentiu confortável em fazer tal intervenção e me SHUJXQWRX³(VHXHXIDODULVVRSUDHOHHHOHGHL[DUGHSURGX]LU"(OHILFD WmRFRQWHQWHpDSOLFDGRQmRIDOWDQDVDXODV´(XUHWUXTXHL³0DV9HU{QLFD alguém tem de dizer pra ele que o que ele escreve não se entende, e isso deve ser feito por você que tem vínculo com ele ou pela [falei o nome da FRRUGHQDGRUD@´ $ SURIHVVRUD UHVSRQGHX TXH DFKDYD TXH HOH SUHFLVDYD GH tratamento psicológico, sozinha ela não dava conta. Perguntei qual era a opinião dela sobre Carlos ir para a 5ª série. Ela não tinha segurança, mas às vezes achava que seria bom para ele, ele teria mais professores, encontraria mais desafios e ela percebia que ele estava tentando enfrentá-los. Como ele estava muito cru, seu receio era o de que o excluíssem e ele acabasse fora da escola. Senti-me muito pressionada a fazer o encaminhamento de Carlos SDUDDWHQGLPHQWRSVLFROyJLFRQDUHGHGHVD~GHHPHSHUJXQWDYD³(VHHX estiver minimizando estes fatos todos e ele estiver caminhando por uma via GH GRHQoD PHQWDO"´ (QWmR WLYH D LGHLD GH SHUJXQWDU D HOH VH HOH TXHULD R atendimento psicológico, e já que eu iria fazer isso eu aproveitaria e tomaria para mim a tarefa de dizer que não se entendia o que ele escrevia. Dessa forma, eu pouparia a imagem da professora e além do mais, tinha sido eu que havia captado a questão da vergonha na conversa com a mãe. Seria um bom momento para fazer esta palavra circular socialmente. A coordenadora pediu à professora para trazer o Carlos na nossa presença. 2) Conversa com o Carlos juntamente com a professora e a coordenadora Quando Carlos entrou na sala, nós adultos trocamos de lugares. A professora sentou-se ao lado da coordenadora de frente para mim, tendo Carlos ao meu lado esquerdo. Eu dei início à seguinte conversa: ± Oi Carlos, eu sou Marisa e a gente já se conhece porque outro dia eu entrei na sua classe e você fez essas lições comigo (e apresentei as páginas do livro com os exercícios). Eu também já conversei com sua mamãe. Eu sou psicóloga e venho na escola discutir sobre as lições das crianças. E eu tenho visto todas as suas lições (e mostrei-lhe o pacote de atividades que estavam sobre a mesa). Eu sei que você tem vergonha de falar. Então eu vou te contar um caso que aconteceu comigo. Eu também morro de vergonha de falar pra muita gente. Outro dia, onde eu estudo, eu tava numa reunião com um montão de pessoas e a gente tava falando sobre um assunto que eu entendia. Eu ouvia as pessoas falarem, às vezes elas falavam umas 

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bobagens que não tinha nada com nada, às vezes falavam coisas legais. E eu tava doida pra falar uma ideia que eu tinha tido, mas a fala não saia da minha garganta. Ficou lá, enroscada. Eu até tentei, mas não tive coragem. )XLSUDFDVDVHPGL]HUXP³D´7LYHXPSHVDGHOR e acordei sufocada, como se tivesse com coisa entalada na garganta. Mas eu sou adulta e me viro. Então, a gente tem que conversar sobre essa sua vergonha. Nenhuma reação verbal do garoto. Apenas o balançar das suas pernas mostravam o seu desconforto. Continuei: ± A professora Verônica, a coordenadora e eu estamos preocupadas com você. Fiquei sabendo que você quer ir pra 5ª série, é isso mesmo? ± Carlos balançou afirmativamente a cabeça. ± Pois é, se aqui você tem vergonha de falar com a professora Verônica, como você vai fazer quando tiver sete professores? Como você vai fazer para pedir ajuda pro professor, dizer que você não entendeu o que ele explicou? ± Silêncio. ± Vou te perguntar uma coisa, você não precisa me responder agora, vai pra casa e pensa e depois dá a sua resposta pra professora. Eu posso pedir que uma psicóloga do posto de saúde receba você pra você falar dos seus medos, dessa coisa de que você não conversa na escola, também não come aqui, não vai no banheiro, né professora Verônica? A professora e a coordenadora acham que a psicóloga pode te ajudar. ± Carlos se remexeu todo na cadeira. ± Tem mais, a professora disse que você quer ir pra mesma escola em que estuda seus irmãos. ± Carlos balançou afirmativamente a cabeça. ± Só que para ir pra 5ª série você precisa saber contas de mais, de menos, de vezes e de dividir, resolver problemas, saber horas, contar dinheiro, ler e escrever. E você sabe que está aprendendo a fazer isso agora, com a professora Verônica. A gente tá em setembro, e faltam dois meses pra terminar as aulas. Falta muita coisa pra você aprender e fazer sozinho, ainda mais se a gente não sabe se você vai conseguir pedir ajuda pros professores. A coordenadora interveio: ± Você tá entendendo o que a Marisa tá falando, Carlos? ± O menino balançou a cabeça afirmativamente. 3HJXHL R H[HUFtFLR ³/HLD H GHVHQKH´ H PRVWUHL SDUD HOH ± Ó, você desenha muito bem. E leu as frases direitinho e desenhou certo. Só que além de ler estas letras de forma, você precisa conseguir ler o que você escreve. ± Separei do monte de exercícios algumas produções e apresentei a ele. ± Nessa aqui, você escreveu um montão, deu duas folhas, mas não dá para entender o que você escreveu. Você consegue ler alguma coisa daí? ± Ele olhou para a atividade e ficou em silêncio. ± $TXLHXVyFRQVLJRHQWHQGHU³PHQLQR´RUHVWDQWHQmRGiSUDHQWHQGHU ± 0RVWURDSDODYUDGRODGRGH³PHQLQR´HGLJR± Aqui eu leio [padere]. Eu 

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não entendo o que quer dizer isso. É isso que você queria escrever ou era outra palavra? Era a palavUD³SDL´"± Continuava observando os locais onde eu apontava. ± Carlos, você precisa conseguir ler o que escreve, separar as palavras, você gruda tudo, daí a gente não entende. Você come letras (esboçou um VRUULVR yDTXLYRFrFRPHXDVOHWUDVGH³PDGUDVWD´yFRPRYRFrHVFUHYHX ³DUUR]´ WURFRX WXGR DV OHWUDV GH OXJDU &RPR p TXH ILFD D  VpULH GHVVH jeito? As contas aqui, você só consegue fazer com a ajuda da professora. Você tem que saber fazer conta sozinho. ± Olha, você vai pensar com calma nas seguintes coisas pra depois dar a sua opinião. Sobre você ir pra psicóloga falar do seu medo, da sua vergonha. ± Balançou negativamente a cabeça várias vezes. ± Você não quer ir pra psicologia, não é? ± Nova negativa. ± Então, professora e coordenadora, com psicóloga nada feito. ± A outra coisa é sobre a 5ª série. Pra gente poder começar a pensar nisso, até o fim do ano, e olha, faltam dois meses, você tem que conseguir separar as palavras, escrever frases, ler o que você escreveu, ler em voz alta em casa e fazer contas, mesmo usando os dedos da mão. Você sabe usar os dedos da mão pra contar? ± Balançou negativamente a cabeça. ± Professora Verônica, ensina ele a contar nos dedos, é base dez, vai ajudar ele aprender a se virar. ± Ah, mais uma coisa. A professora disse que você gosta de fazer as mesmas lições que as outras crianças. Só que elas já sabem escrever e ler e você tá começando agora. Então, você tem que conseguir fazer as lições que a professora prepara para você. Verônica interveio: ± Mas ele pode às vezes fazer também o que os outros fazem, né? ± Pode sim, professora, só que para ele ao invés de ir para outra atividade, você devolve para ele corrigir o que escreveu. Faça-o fazer a correção do texto. Coisa que você, certamente, faz com seus outros alunos.± Ela concordou, dizendo que sempre fazia as crianças elaborarem rascunhos. ± Ficamos combinados Carlos? ± Aquiesceu com a cabeça. Encerramos nossa reunião ali. Com a professora e coordenadora ficou combinado que nos próximos meses seria focado prioritariamente o que tinha sido contratado com o menino, como forma de potencializá-lo para enfrentar uma 5ª série. A professora também cuidaria de que o menino fizesse pequenos textos, preferencialmente que não fossem narrativos para ele não se perder nas ideias.



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$QDOLVDQGR R H[FHUWR p QRWyULD D SRVLomR ³(X WUDEDOKR´ TXH D professora Verônica adota, testemunhado, entre outros fatores, pela quantidade de exercícios preparados individualmente para o garoto, alguns vinculados aos temas trabalhados com a turma do 2º II, outros de acordo com o grau de compreensão do Carlos, e todos realizados pelo aluno. A professora começa permitindo que Carlos faça as atividades de língua portuguesa do jeito dele, linhas e mais linhas de letras que não formavam sentido. Logo percebe que precisa assumir o comando da situação. E ao invés de insistir na escrita, ela ousa levar suas dúvidas em RXWUD GLUHomR ³VHUi TXH HOH Or"´ ( p GHVWD GLUHomR TXH HOD H[WUDL VHXV trunfos. Verônica não faz exigências orais ao menino, ao contrário, pesquisa e prepara uma atividade que lhe permite inferir sua capacidade de compreensão de enunciados curtos. A boa receptividade e o capricho mostrado pelo garoto na tarefa evidenciam que nela atuou um saber artesanal, do inconsciente, que ultrapassa o que se aprende nos espaços de formação e de educação continuada. Ela consegue captar que para o garoto imagem e texto ainda são um o suporte do outro e oferece uma atividade que mantém esta ligação. No portifólio tinham vários exercícios de leitura de estilo igual. Da mesma forma, ela começou a valorizar os desenhos do garoto. O obstáculo com o qual a professora Verônica se deparava procedia dela própria, eram os momentos em que ela oscilava para uma posição narcísica. Nessas ocasiões, ela não conseguia refrear o gozo de Carlos com a escrita sem sentido porque barrá-lo era correr o risco de deixar de ser TXHULGDSHORJDURWR(VVHLQGtFLRVDLQDVXDIDOD³(VHHXIDODULVVRSUDHOH HHOHGHL[DUGHSURGX]LU"´ Também estava em jogo a imagem de Verônica diante da coordenadora como aquela professora que finalmente tinha despertado o 

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interesse de Carlos na escrita. É somente se colocando numa posição de quem deve ser reconhecida, querida é que ela encontra a sua potência. Ainda mais, a grande quantidade de exercícios, todos realizados pelo menino, que possivelmente demandou horas de trabalho de pesquisa e preparação muito além das horas de trabalho remunerado, também estavam a serviço de um gozo, de um excesso que não tinha ponto final. Como Verônica poderia, então, ajudar Carlos a pontuar sua escrita, colocar ponto final no gozo dele, se ela própria não conseguia fazê-lo consigo, pondo um limite para o seu trabalho? Seria muito fácil ela fazer isso. Bastaria não dar novas atividades e fazer o garoto retrabalhar as atividades antigas o que daria muitas outras possibilidades de intervenção. Atitude esta que ela tinha com seus demais alunos, principalmente fazendo com que eles fizessem autocorreção dos textos escritos, os rascunhos. No tocante ao Carlos, na atividade em que ele escreve duas páginas com letras sem sentido (Figuras 1), pode-se identificar alguns elementos linguísticos. Na segunda página, na linha 15 consegue-se inferir a leitura de ³FRPHUDPEULJDGHLUR´>FDPLHXSXEQFDGLUHUR@$SDODYUD³FDVD´VHUHSHWH várias vezes, mas é impossível inferir algum sentido, pois a composição de letras que deveria formar as palavras vizinhas não possibilita leitura. A produção apresenta algumas rasuras nas páginas um e dois, mas estas se concentram nas três primeiras linhas da página um. Não dá para compreender as substituições que ele faz ao apagar o que tinha escrito e fazer nova reescrita. Não tem sinais de pontuação. As letras são grafadas em bastão, de maneira bastante legível, no que costuma ser considerada FRPR ³ERD OHWUD´ 6Hm dúvida a tarefa exigiu esforço físico e tempo. No FRQMXQWRYLVXDOPHQWHjHVSpFLHGHXPDWHODpXPDSURGXomR³OLPSD´ A escrita funciona para Carlos, nesse momento, como um esvair-se, mera descarga; é gozo. Porém, uma descarga que forma uma totalidade,



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como se fosse um quadro, um desenho. Uma escrita desenho que duplica materialmente a imagem unificada do corpo. A professora Verônica capta esse momento de impasse do Carlos entre a imagem e a escrita, e lhe oferece a atividade de leitura das frases com a instrução de fazer o desenho correspondente (Figura 2). O resultado é o capricho e a seleção criteriosa dos elementos a desenhar que GHPRQVWUDP XPD HVWpWLFD QDVFHQWH 3RU H[HPSOR QD IUDVH ³$ SHWHFD GD 5REHUWD p FRORULGD´ &DUORV SLQWD WRGR R HVSDoR GR TXadrado de preto, deixando um pequeno espaço retangular no sentido vertical o qual pintou de vermelho. O desenho revela planejamento, mas não porta obviedade. De fato, a potência de Carlos está no desenho. Falando e escrevendo ele tem que se haver com sua imperfeição, com os erros, com a incompletude do não saber. Como trocar o certo pelo incerto? Na atividade de listas de palavras (Figura 3), notam-se marcas de RUDOLGDGHSRUH[HPSORHP³DUUR]´FRPRVHGLVVHVVH>DUUR]H@³PH[HULFD´ como se falasse [misirica]. A professora escreveu do lado quando a palavra GHVWRDYDPXLWRGDRUWRJUDILDFRUUHWDFRPRHP ³EROR´ H³PDom´ 1RFDVR GH³SDWr´TXHHVWiHVFULWDRUWRJUDILFDPHQWHSDUHFHTXHDHVWUDQKH]DSDUWLX da professora. Na terceira linha, as cinco letras (abura) não formam palavra, mas passou despercebida à correção da professora. As duas outras produções (Figura 4 e 5) mostram Carlos tentando corresponder às expectativas da professora, atrair o olhar dela para seu texto. Não é mais uma escrita que ignora o outro. Na primeira (4), o mais notável é a sua pretensão de pontuar o texto, possivelmente um objetivo que a professora tinha em relação à produção do menino. Além disso, ele faz uma redução significativa do número de linhas usado para escrever (onze linhas). Verifica-se também o esforço de construir uma narrativa pela utilização de verbos no gerúndio e no pretérito (passeando, falou) e a utilização de ponto de interrogação. A partir do meio em diante, Carlos, que 

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tinha começado com um esboço de narrativa, desanda e o texto volta a apresentar as mesmas características de totalidade sem sentido das produções analisadas nas Figuras 1. A outra produção (Figura 5) é mais extensa, mas comparativamente com a produção anterior (julho), esta desenvolve melhor uma incipiente característica narrativa. Assim, além de ser possível fazer a leitura de frases compostas por duas ou mais palavras, pelo menos nas oito linhas inicias, também se verifica o uso de verbos no tempo pretérito (assoprou, chegou, foi, ligou) acrescidos de advérbios (quando, embora). O uso da pontuação também pode ser observado. Do meio em diante, o texto fica ilegível, mas os sinais de ponto final continuaram sendo usados. Uma vez mais, Verônica pareceu captar a o esforço do garoto em fazer paradas no texto para extrair algum sentido e acaba trabalhando pontuação. Por seu lado, Carlos se agarra a essa oportunidade e ensaia FRUWHV H SDUDGDV FRP R XVR GRV VLQDLV H VHX WH[WR JDQKD XPD ³FDUD´ narrativa. Mas a sua façanha nestes textos, principalmente o primeiro, foi ter conseguido reduzir expressivamente a quantidade de linhas escritas, em outros termos, foi capaz de restringir os efeitos de gozo e calcular o olhar da professora na sua escrita. Por último, P2 assume a responsabilidade pela castração metafórica ao explicitar para o garoto que ele escrevia, mas não se conseguia entender. Ela procura fazê-lo ver que não estava escrevendo só pelo fato de usar letras. P2 também procura oferecer parâmetros sobre o que era esperado de um aluno numa 5ª série e procura implicá-lo na sua vontade em ser promovido ao lhe dar objetivos para serem atingidos até o final do ano. A história com o Carlos prossegui. No final de novembro, a coordenadora solicitou nova reunião para amadurecer o destino escolar do garoto. A cena encontra-se descrita no excerto 2.



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Excerto 2 ± Reunião da psicóloga com a coordenadora no final de novembro

1) Reunião da psicóloga com a coordenadora A coordenadora recebe a psicóloga afirmando que está muito preocupada com a situação do Carlos. Ela tinha conversado com a Guiomar, a mãe, a qual discordava da ida do filho para a 5ª série. Relatou também que a mãe informou que o filho tinha dito que já sabia ler e escrever e que ela perguntasse para a professora Verônica e para a professora de educação especial, e que se ele não fosse para a 5ª série, ele não ia mais estudar no ano seguinte. Também contou que tentou argumentar com a mãe de que esta atitude do Carlos para com ela e a escola era uma espécie de grito de liberdade, ele estava deixando de se colocar no lugar de criança pequena e estava procurando se desgrudar das asas da mãe e da professora. E que talvez uma quantidade maior de professores não lhe lembraria do papel maternal de uma só professora. A coordenadora comenta que tinha ficado muito contente porque o Carlos tinha, finalmente, falado com ela. Quando eu pergunto como ela tinha conseguido a façanha, a coordenadora explica que o chamou individualmente na sua sala e lhe deu um ultimato: ± Carlos, eu preciso saber se você sabe ler, eu tenho todos esses exercícios aqui que você fez, mas eu não consigo ter certeza de que você consegue ler. ± Ela ofereceu um texto para o garoto e, para sua surpresa, ele começou a ler em voz alta, de maneira titubeante. Em seguida, ela comenta que eu vou ficar muito contente com a produção dele, principalmente porque ele cumpriu com o combinado de separar as palavras e escrever pequenas frases que ele pudesse ler. E me mostra uma porção de exercícios dos quais eu selecionei os que estão copiados a seguir:



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Figura 6 ± 3URGX]LQGRXPWH[WR³$VIpULDVGH&DUORV´

Fonte: Portifólio do aluno, 19/10/2012 O exercício é datado de 19 de outubro e é a proposta de uma redação. O primeiro parágrafo está pré impresso e é um disparador da estória. A folha possui um determinado número de linhas, ao qual o texto deve se ajustar. Ao final da folha encontra-se um desenho estilizado de uma perua Kombi rodeada por uma paisagem de estrada, que lembra mata atlântica (coqueiro). Acima do desenho, está registrada a observação da professora: ³DWLYLGDGHUHDOL]DGDFRPLQWHUYHQomR´ Pode-VHOHURWH[WRFRPDOHWUDGH&DUORV³RPHQLQRGLVVHTXHQmR queria viajar só se fosse com os amigos. Foi viajar com o amigo dele para a praia, chegou na areia sentou e fez um castelo de areia para brincar. O 

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FDVWHOR FDLX H GHVPDQFKRX´ 2EVHUYD-se neste trecho as palavras mais segmentadas e o uso de pontuação dando alguma coesão ao texto. Verificam-se rasuras em palavras com sílabas complexas como em ³EULQFDU´ H ³GHVPDQFKRX´ &RPR QmR HVWi H[SOtFLWR TXDl o tipo de intervenção feita pela professora Verônica, é difícil inferir o grau de envolvimento reflexivo e intencional do aluno com a tarefa. Carlos pinta com capricho o desenho e usa um jogo de cores para dar uma moldura ao cenário, ao pintar a parte superior (céu) de azul e a parte inferior (estrada de terra) de marrom. O exercício seguinte é datado de 05 de novembro e apresenta uma ³WLULQKD´ GH KLVWyULD HP TXDGULQKRV FRP RV EDO}HV YD]LRV SDUD TXH RV respectivos enunciados fossem elaborados pelo aluno, a partir dos indícios das imagens. O resultado está na Figura 7. Figura 7 ± História em quadrinhos

1. 

Fonte: Portifólio do aluno, 05/11/2012 ͵Ͷͷ

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Após escrever os diálogos nos três balões, Carlos escreve uma frase TXHUHVXPHDFHQD³(OHFRPHXFRPLGDYLXDPinhoca e chamou o seu pai ERWRXQRIRJRTXHQWHPLQKRFD>@´$SHVDUGDIDOWDGHSRQWXDomRHGDIDOWD de ligação entre as palavras, a significação da frase corresponde à ilustração. Depois o garoto faz um desenho que remete a um cenário de refeição (mesa, um homem em pé, uma tigela com uma imagem ± minhoca? ± sobre a mesa e atrás desta a cabeça e parte de um tronco de figura humana, lembrando uma criança, numa posição mais baixa que o homem em pé. Como parece ser a sua marca registrada no desenho, Carlos dá destaque à tridimensionalidade usando as cores para fazer uma moldura, estabelecendo, assim, os limites entre o texto e a imagem. Abaixo do desenho encontra-VHDREVHUYDomRGDSURIHVVRUD³DWLYLGDGHUHDOL]DGDFRP WRWDODXWRQRPLDSHORDOXQR´ A Figura 8 é a última que se encontrava no portifólio do aluno e é datada de 20 de novembro de 2012.



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Figura 8 ± Escrita de frases curtas

Fonte: Portifólio do aluno, 20/11/2012 No cabeçalho, após o nome do aluno e a data, lê-se pela primeira vez entre as atividades aqui apresentadas, o nome da professora Verônica. A proposta é a de escrever frases curtas a partir de um cenário disparador. Podem-VHOHUDVVHJXLQWHVIUDVHV ³2PHQLQRHVWDYDSHQVDQGRHPID]HU SLSD´   ³HOH IRL QD FDVD EXVcou papel e tesoura graveto e começou a ID]HU´ ³>@OHYDQWRXHFRUUHXSDUDVROWDUSLSD´  (OH ILFRXVROWDQGR SLSDHPSLQRXHILFRX>@IRLSDUDFDVD´7RGDVDVIUDVHVWrP SRQWRILQDO Boa parte das palavras estão segmentadas; algumas ainda apresentam 

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aglutinações de duas palavras. Usa gerúndio e pretérito para sustentar a narrativa. Os dois quadros iniciais apresentam rasuras e se a atividade foi feita sem auxílio, o garoto se deu conta de alguma improcedência. O exercício tem, digamos assim, uma ³SHJDGLQKD´ 3DUD VH HVFUHYHU R TXH acontece no primeiro quadrinho, tem-se que ter a noção da sequência, uma vez que o primeiro não apresenta informações explícitas. Assim, a partir de informações explícitas do último quadradinho tem-se que retroagir e reconstruir passo a passo a historieta para conseguir formular a primeira IUDVH$EDL[RGRH[HUFtFLRDSURIHVVRUDUHJLVWURXDREVHUYDomR³UHDOL]RXD DWLYLGDGHVHPLQWHUYHQomR´ 2) Encaminhamentos combinados com a coordenadora O Carlos efetivamente tinha cumprido a sua parte do trato. A questão era que, mesmo assim, era insuficiente para uma 5ª série. Eu era de opinião que aquela escola não tinha mais nada para oferecer para ele e que deveríamos deixar que ele assumisse a responsabilidade pelo seu aprendizado. Este era um ano de remoção dos quadros escolares, então não se garantiria a permanência das professoras, da coordenadora nem da psicóloga e todo o drama que envolveu este quinteto (incluindo o Carlos e a professora de educação especial) cairia no vazio. E mesmo que alguma de nós permanecesse na escola, como encarar um menino que tinha feito a sua parte do combinado e para quem nós nos negávamos a cumprir com a nossa? A coordenadora mencionou a não concordância com a promoção do garoto vinda da parte da orientadora pedagógica, a autoridade supervisora da escola. Também receava que o coordenador pedagógico da outra escola criasse caso com a promoção do Carlos, tendo o domínio de tão poucas habilidades de leitura, escrita e na resolução de problemas matemáticos. Lembrando que o ensino fundamental II é de competência do governo do Estado. Combinei com a coordenadora que, qualquer que fosse a decisão tomada, ela teria de ser feita com a presença do Carlos, para que cada um pudesse argumentar com relação aos prós e contras e assumir no ano seguinte a sua cota de responsabilidades. Ela pediu que eu estivesse presente na reunião. Deixei uma data agendada e finalizamos aquele que seria o nosso último encontro.

Começo a análise do excerto 2 novamente pela professora Verônica. (ODYROWDDDVVXPLUDSRVLomRGH³(XWUDEDOKR´$OJRGDQRVVDFRQYHUVDHP trio e depois com a presença do Carlos, ressoou nela. E de forma magistral 

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HODFRQVHJXLXSUHVFLQGLUGDVLPSUHJQDo}HVLPDJLQiULDVGHXPD³SURIHVVRUD VXSHUGHGLFDGD´ HDVVXPLu uma posição de escuta. Escuta sensível que se vê na escolha dos exercícios, garantindo o delicado equilíbrio subjetivo de Carlos ± entre a imagem e o texto. No primeiro exercício (Figura 6) que, sem dúvida, tem sua intervenção do começo ao fim (na segmentação das palavras, na coesão da pontuação, na reescrita das palavras complexas, na coerência descritiva da situação, no enxugamento textual), Verônica faz com que Carlos se depare no texto com a própria potência, que vai mais além da sua competência no desenho. E comparando com a pintura da ilustração logo abaixo, pode-se dizer que são duas produções que estão de igual para igual. No exercício da Figura 7, Verônica pesquisa e chega a propor uma atividade que ± ao contrário daquela anteriormente analisada que partia do texto para o desenho ± parte da ilustração para o texto. Com essa intervenção, ela força Carlos a se descolar deliberadamente do desenho e entrar na escrita, a depuração de toda a imagem, e aguentar a imperfeição que se sobressai numa coesão titubeante. No exercício da Figura 8, ainda usando o suporte da ilustração, a professora prepara uma atividade em que obriga o aluno a recolher informações explícitas no último desenho da sequência para dar corpo escrito às imagens do quadrinho 1 e 2, que não possuíam informações explícitas. A escrita do nome da professora Verônica, neste que é um exercício que antecede em menos de uma dezena de dias o final do ano letivo, é uma declaração de amor. Assemelha-se a uma carta endereçada contando uma história com final feliz. Voltando à maestria da professora Verônica, é um algo que faz parte do saber artesanal, aquele que o sujeito não sabe que possui, mas que de fato está ali, perscrutando a espera de um momento de se apresentar. Um saber que não se aprende nos bancos da graduação nem se encontra nos 

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artifícios da formação continuada, mas que, por outro lado, não pode prescindir do outro, de uma parceria como aquela que foi estabelecida entre as profissionais envolvidas. Faço um esclarecimento. Como procurei mostrar a posição de escuta assumida pela professora Verônica, de fazer valer seu saber artesanal ± posição esta que é intermitente e não se exerce o tempo todo ± pode parecer que este movimento teria mais valor do que outro pautado no narcisismo e nas certezas que se tem sobre os fenômenos e os objetos do mundo. Nas duas posições não se trata de qualidade, mas de fluidez, de não se fixar exclusivamente numa perspectiva, num ponto de vista, mas de alternar de lugar segundo o problema que a situação impõe. A respeito do Carlos, muito já foi dito no excerto. Agora, é possível afirmar que a aquisição da escrita lhe equivaleu a uma jornada dolorosa, com impacto no próprio corpo (mutismo, prisão de ventre, restrição na alimentação). Um corpo pulsional que resistiu o quanto pode à iminência do risco de desaparecer nas letras. O exercício da Figura 7 (completar os balões da história em quadrinho) é bem ilustrativo desta batalha. Ali se pode ver Carlos partindo de imagens, construindo diálogos muito pouco elaborados, depois redigindo uma frase curta, mas razoavelmente coerente, e por último, fazendo um desenho que guarda semelhança com os quadrinhos de origem, mas mesmo assim, é outro desenho. Se estivéssemos no plano da língua, diríamos que era outra enunciação. Parece que quando Carlos se depara com a frase que ele próprio escreveu isso lhe suscita um temor tal de se perder da imagem, que ele volta a desenhar uma reinterpretação do quadrinho. É o jeito que ele encontra para suportar o descolamento, a passagem, a possibilidade de o corpo e sua imagem portentosa desaparecer na aridez das letras.



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Quanto a P2, ela não tinha mesmo um corpo, não tinha nada para perder, talvez por isso tenha conseguido exercer a função de castração simbólica. Ela era apenas uma posição enunciativa que deixou de existir no exato momento que este texto começou a ser escrito. Ao final do ano letivo, Carlos foi reprovado. Não passou pela deliberação do Conselho de Ano/Ciclo. O voto desfavorável veio da professora Verônica, da diretora, das demais professoras do 2º ano do ciclo II, comparando com os resultados obtidos pelos seus próprios alunos, e da sinalização contrária da orientadora pedagógica. Encaminhar um menino tal como Carlos para outro sistema de ensino não seria o imperativo de ter de lidar com a impotência, a falta, a impossibilidade, tudo isso que concerne ao desejo? Ao invés, talvez os educadores tenham tido o entendimento de que tal iniciativa equivaleria a escancarar o fracasso. São movimentos dúbios, conflitantes, de impasses que fazem da educação um campo em constante tensão.

Considerações finais

Com Carlos temos a escrita como um sintoma, um enigma. Esse enigma envolvia a incerteza com relação à sua potência fálica ± vergonha por não ter conseguido aprender ler e escrever quando era esperado que assim o fizesse ± de forma que a saída encontrada foi narcísica, deixar de IDODU SDUD QmR PRVWUDU VXD IUDJLOLGDGH DOJR FRPR ³HP ERFD IHFKDGD QmR HQWUDPRVTXLWR´ Na medida em que P2 e, posteriormente, a professora foram testemunhando as conquistas, incentivando a reprodução de textos (através de ditados, reescrita de fábula) e mostrando ao menino através dos exercícios realizados por ele, o que ainda faltava (segmentação e pontuação principalmente), ele conseguiu se comprometer com dois a três objetivos 

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até o final do ano: escrever frases curtas, separar as palavras, ler e tentar corrigir a sua própria escrita. Aqui ficou explícito que a alternância de uma posição de fechamento por parte da professora, expressa por um não se arriscar, deixar que o PHQLQR³FRPDQGDVVHRMRJR´SDUD RXWUDSRVLomRGHVLJQDGDGHSRVLomRGH trabalho, firmada a partir de um ponto de honra do adulto em fazer valer a outorga que lhe foi conferida ± ensinar as novas gerações ± foi a chave para o desembaraço da criança. Deste patamar, já me é possível explicitar o título deste ensaio. A noção da aquisição da escrita como desejo que faz fronteira ao gozo foi construída nos seguintes termos. O gozo é o modo de satisfação da pulsão. É ação de repetição. Esta ação não tem freios, não tem imagens, não se enlaça à linguagem. Como alterar este estado da coisa? O desejo é o ponto de fronteira. Desejar o que o outro deseja, significando para Carlos desejar o desejo da professora que ele fosse competente na escrita. A fronteira (desejo) separa dois territórios que são da mesma envergadura: o da pulsão e o da linguagem. Em todo o caso, como diz Lacan, para aquele que conseguir cruzá-la (LACAN, 2009). Cruzar a fronteira é a possibilidade de ascender à escrita. Tratar da aquisição da escrita pela ótica da dinâmica da subjetividade, faz surgir algumas perguntas. A primeira: é possível ensinar um professor a fazer valer a autoridade que lhe foi dada por diplomação? A princípio eu diria que não se ensina um professor a ensinar. É da ordem de uma transmissão, de uma transferência de trabalho, aquilo que Fachinetto (2012)apontou:a identificação com um tema comum, que está ligado ao desejo inconsciente e não a qualquer intencionalidade cega posta em marcha para resolver problemas. À outra pergunta, se seria necessário que o professor abandonasse as metodologias, tendo a responder que não se trata de abrir mão da didática, 

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dos conhecimentos específicos, da formação continuada, mas isto só não basta. O docente deveria se dispor, antes de tudo, a despertar com seu desejo o desejo do aluno pela busca do saber. E isso envolve se colocar em posição de trabalho. Uma terceira interrogação está assim disposta: em que conhecer os movimentos de subjetividade ajuda explicar os impasses que a criança enfrenta na aquisição da escrita? Essa questão me é assustadora porque parece que os embaraços na instância pulsional justificam nos eximirmos do nosso trabalho. Abordar a subjetividade e o impacto na apreensão da escrita pelas crianças não quer dizer dar explicações para os tropeços e impasses. Muito ao contrário, envolve domínio de sua área de conhecimento e trabalho árduo de escuta e de inventividade. Para encerrar, ainda permanece uma questão em suspenso e está relacionada com a dialética do desejo: a busca pela potência fálica. Se no universo docente a mola do desejo consiste em se assegurar do próprio conhecimento e dacompetência em transmiti-lo para as novas gerações, como ficam as iniciativas de formação continuada que, como adverte Voltolini(2001), propõem soluções que recalcam o jeito singular que cada sujeito tem de encarar o problema? Arrisco-me a conjecturar que é sempre este círculo vicioso que coloca a máquina educacional para funcionar de maneira a encobrir a subjetividade, nos levando a persistir na repetição, que responde por muitosdos percalços que a educação enfrenta cotidianamente.

Referências bibliográficas BENVENISTE, É. O aparelho formal da enunciação. In: Problemas de linguística geral II. Campinas, SP: Pontes, 1989. FACHINETTO, L. Transferência em orientação: efeitos de intervenções em textos acadêmicos. 2013. Tese (Doutorado em Educação) ± 

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O CONCEITO DE REBUS PARA O ENSINO DA ESCRITA E DA LEITURA Sheila Oliveira Lima143

Considerações iniciais: O imaginário discursivo do Letramento

Longe de terem sido esgotadas pelas muitas pesquisas dos campos da linguística, da psicologia, da educação, da sociologia e, principalmente, da confluência entre essas áreas, as questões relativas à aprendizagem da leitura parecem permanecer ainda na ordem do dia das discussões, acadêmicas ou não, sobre os principais problemas da educação no Brasil e em outras localidades do planeta. No Brasil, os debates em torno do problema da formação do leitor vêm se desenvolvendo amplamente ao longo das últimas décadas. As frequentes discussões sobre os antagonismos ou possíveis diálogos entre os conceitos de letramento e alfabetização, para além de gerarem polêmicas, constituem fonte imprescindível de produção de conhecimento em torno da questão da leitura e de seu ensino, não havendo, hoje, condições de se abordar o assunto sem passar, ainda que de modo tênue, por tais aspectos. Sobretudo o conceito de letramento, gerado no âmbito das questões sociais relativas ao problema da leitura, apresenta-se hoje como um dos grandes desafios a serem encampados pelas práticas de ensino bem como pelas políticas públicas para a formação de leitores. Temos assistido a esforços de todos os setores, no sentido de se criarem e valorizarem ambiências de leitura, com o objetivo de promover um maior contato da 143 Profa. Dra. do Departamento de Letras Vernáculas e Clássicas da Universidade Estadual de Londrina-PR. Realizou seu doutorado em Linguagem e Educação pela Universidade de São Paulo ± USP. E-mail: [email protected]



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população com materiais que se dão à leitura, intensificando, portanto, o convívio com as práticas sociais de leitura e de escrita. Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), nesse sentido, são material de extrema relevância no que se refere à assunção da importância do conceito de letramento para a construção e difusão de uma nova concepção de leitura e de seu ensino. No documento referente à área de Língua Portuguesa, encontramos, para todos os níveis do ensino, a forte presença de sugestões de estratégias e encaminhamentos do currículo baseadas no acesso a situações diversas de contato com a língua escrita, por meio de seus vários suportes. Para dar conta da demanda gerada pelos novos parâmetros e diretrizes curriculares, tornou-se inevitável a criação de políticas públicas em torno da ampliação de materiais de promoção da leitura e da escrita nas escolas e comunidades, procurando-se garantir, assim, o acesso a contextos letrados e, consequentemente, o aumento dos níveis de letramento da população, a começar pela parcela estudantil. Só para citar o setor público, mais especificamente as ações do Ministério da Educação (MEC), a despeito de serem eficientes ou não, são variados os investimentos no setor. O PNLD (Programa Nacional do Livro Didático), que avalia a qualidade dos livros a serem distribuídos pelo programa, ao seu lado, o PNBE (Programa Nacional Biblioteca da Escola) que, desde 1997, distribui acervos de literatura, pesquisa e referência para as escolas públicas, em si já compõem uma frente bastante relevante para a formação leitora, na medida em que procuram garantir o acesso aos suportes de leitura e escrita. Ao lado dessas ações mais diretas, outras relacionadas à formação docente continuada também podem ser compreendidas como esforços dos governos na direção de uma ampliação dos níveis de letramento. É o caso, entre outros, dos programas Gestar II e Pró-letramento, que oferecem



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formação continuada em língua portuguesa e matemática do Ensino Fundamental. Ainda no âmbito do suporte aos projetos de ação mais imediata, surgem as avaliações educacionais, a Prova Brasil e o SAEB (Sistema de Avaliação do Ensino Básico), cujo principal objetivo centra-se na averiguação dos prováveis resultados dos investimentos despendidos pelos programas dirigidos a estudantes e professores. Isto é, a partir dos resultados dos exames de leitura, seria possível observar a eficácia dos programas de desenvolvimento das práticas leitoras. Por fim, a ampliação do ensino fundamental para 9 anos, com ingresso dos alunos aos 6 anos de idade, permitindo precocemente o acesso ao conhecimento formal vem coroar todos os demais projetos, na medida em que altera significativamente o sistema de ensino, a partir do argumento da necessidade de se ampliar os níveis de letramento da população.144 Entretanto, apesar de todo investimento do setor, não é difícil encontrar ainda inúmeras situações de crianças e adolescentes em idade escolar cujo rendimento não corresponde aos níveis esperados, sobretudo quando se pressupõe uma relação tão imediata entre as ofertas de materiais ou a criação de contextos de letramento e a aprendizagem da leitura. Isto é, amparado pela difusão do conceito de letramento amplamente explorado por autores como Tfouni (2002), Soares (1997, 2002), Marcuschi (2004), Rojo (2006), entre outros, atualmente, há certo consenso em afirmar que a formação do leitor, para além dos aspectos do domínio do código alfabético, depende fortemente do valor que a leitura passa a adquirir quando se criam contextos autênticos para sua realização. Porém, apesar de todo esforço acima citado e do respaldo teórico que o mantém, as avaliações educacionais mais recentes não confirmam em seus resultados 144

As informações sobre os programas citados foram recolhidas em www.mec.gov.br/index.php?option=com_pea, em 26/8/2010.



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uma realidade coerente com tal rede discursiva que vem se formando em torno da situação de leitura no Brasil. Tomemos os referenciais que balizam a prova SAEB e a análise de seus resultados relativos à 4ª série/ 5º ano do Ensino Fundamental no Brasil, confrontando-os com as últimas publicações das pontuações atingidas pelos estudantes brasileiros das escolas públicas em geral. Segundo o documento PDE: Prova Brasil: Matrizes de Referência, Temas, Tópicos

e Descritores, a organização não-governamental

Compromisso Todos pela Educação - cujos parâmetros foram adotados pelo PDE145 do Ministério da Educação - ³GHILQLXTXHRVDOXQRVGDTXDUWD VpULH TXLQWR DQR GHYDP WHU QRWD DFLPD GH  SRQWRV´ QDV DYDOLDo}HV educacionais. O documento considera, ainda, que pelo menos 70% dos alunos avaliados devam estar acima desse nível. Ocorre, porém, que, conforme se lê no quadro abaixo fornecido pelo Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira), no ano de 2005, o percentual de alunos das escolas públicas do Brasil que atinge menos de 200 pontos é superior a 70%. Vale dizer que, segundo esta síntese apresentada pelo Inep, 75,33% dos alunos das escolas públicas do Brasil não atingiram condições básicas de leitura após quatro ou cinco anos de escolaridade.

145



PDE: Plano de Desenvolvimento da Educação.

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1. Distribuição de alunos da rede pública por níveis de acordo com a proficiência em Português. 146 Distribuição de alunos da rede pública por níveis de acordo com a proficiência em Português (4ª VpULHGR() ±XUEDQDVVHPIHGHUDLV Ano nivel0 nivel1 nivel2 nivel3 nivel4 nivel5 nivel6 nivel7 nivel8 nivel9 nivel10 nivel11 1995 8,89% 11,54% 18,48% 22,42% 18,92% 11,89% 4,83% 2,26% 0,73% 0,05% 0,00% 0,00% 1997 7,68% 16,15% 23,00% 21,23% 16,40% 8,84% 4,05% 1,90% 0,56% 0,18% 0,01% 0,00% 1999 16,52% 20,75% 23,15% 17,88% 11,57% 6,58% 2,70% 0,64% 0,20% 0,01% 0,00% 0,00% BR 2001 21,88% 18,63% 20,12% 18,26% 12,05% 5,77% 2,23% 0,84% 0,22% 0,01% 0,00% 0,00% 2003 17,94% 18,05% 20,94% 20,13% 13,19% 6,58% 2,32% 0,53% 0,25% 0,07% 0,00% 0,00% 2005 15,02% 18,31% 21,84% 20,16% 14,10% 6,88% 2,67% 0,79% 0,24% 0,00% 0,00% 0,00%

Cumpre ainda ressaltar que o nível 0 não é mencionado nas Matrizes de Referência, o que leva a concluir que, no ano de 2005, 15,02% dos alunos não demonstraram ser capazes de realizar sequer as habilidades referentes ao nível 1, correspondente à pontuação 125, quais sejam: localizar informações explícitas que completam literalmente o enunciado da questão; inferir informações implícitas; reconhecer elementos como o personagem principal; interpretar o texto com auxílio de elementos nãoverbais; identificar a finalidade do texto; estabelecer relação de causa e consequência, em textos verbais e não-verbais; e conhecer expressões próprias da linguagem coloquial. Nesse montante do grupo de nível 0, deve-se ressaltar ainda a possibilidade de haver alunos que apresentem dificuldades relativas à lida com o código, fato que os descritores do teste não preveem. Nesse sentido, não é possível quantificar o percentual de alunos que não lê nem escreve ao final da quarta série / quinto ano do Ensino Fundamental, mascarando uma realidade que não é incomum no quadro da educação no Brasil (Lima, 2006). O quadro, em si, já é bastante desastroso. No entanto, para além dos problemas criados pelas práticas que parecem não condizer com as 146

Segundo o documento acessado em http://provabrasil.inep.gov.br/index.php?option=com_content&task=view&id=82&Itemid=99, em 26/8/2010, o nível 4 corresponde à faixa de alunos que atinge entre 200 e 225 pontos.



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orientações realizadas a partir de estudos que ora dominam o campo do ensino da leitura e da escrita (TFOUNI, 2002, FERREIRO & TEBEROSKY, 1979, KATO, 2007, KLEIMAN, 1992, ROJO, 2006, SOARES, 1997/2002), alguns fatores relevantes parecem se ocultar das pesquisas, restringido-se apenas ao âmbito da escola, nos limites das salas de aula. Trata-se das situações de dificuldade de aprendizagem que não encontram uma resposta metodológica imediata nos PCN, no conceito de letramento, na concepção de sujeito cognitivo difundida pelas obras de Piaget (1990) e de Ferreiro e Teberosky (1979). Trata-se daquela inevitável parcela de alunos que, a despeito das inovações teórico-metodológicas, ao final, não aprende, sendo deixada no limbo do discurso escolar. Isto é, uma vez que as práticas escolares pouco ou nada as afetam, acabam sendo esquecidas pela escola e, consequentemente, pela sociedade.

1. Em busca de contrapontos

Buscando lidar com situações como a descrita acima, o Grupo de Estudos Educação, Linguística e Psicanálise (GELP)147, desde 2005, realiza pesquisas com crianças, em idade escolar, que revelam dificuldades extremas em sua aprendizagem da língua escrita. Este texto procura apresentar algumas propostas de intervenção debatidas pelo grupo sobre esse tipo de situação, baseando-se em conceitos oriundos da psicanálise e dos estudos linguísticos para refletir sobre as possíveis intervenções teóricas no campo do ensino da leitura e da escrita. Longe de se tratar de uma tentativa de estabelecer a defesa de uma metodologia de ensino da língua escrita ou mesmo da comprovação da eficácia do encontro entre a psicanálise, a linguística e a educação para o 147

Grupo vinculado à Faculdade de Educação da USP, sob orientação do Prof. Dr. Claudemir Belintane.



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estudo das questões relativas à aprendizagem da língua escrita, a intenção deste texto centra-se na reflexão sobre alguns aspectos que têm se mostrado pertinentes no tocante à entrada da criança na leitura / escrita, bem como sobre as possibilidades de se realizar diagnósticos precoces e, consequentemente, intervenções mais imediatas. Antes de efetuar um mergulho nas questões relativas à pertinência do conceito de rebus para o ensino da escrita e da leitura, é importante retomar, ainda que brevemente, o percurso que justifica tal apropriação pelo campo da educação. Nesse sentido, é preciso rever os conceitos de letramento (SOARES, 1997/2002, ROJO, 2006, KLEIMAN,1992, entre outros) e de consciência fonológica (CARDOSO-MARTINS,1995), que têm sido postos como imprescindíveis à compreensão do fenômeno da aprendizagem da leitura e da escrita e, nessa esteira, considerados fulcrais no suporte teórico para o desenvolvimento de metodologias de ensino da língua escrita. Tal revisão, evidentemente, tem sua perspectiva voltada para D LGHQWLILFDomR GH ³OLPLWHV´ QD DEUDQJrQFLD GHVVDV WHRULDV Lsto é, para a observação de situações que o conceito não abraça completamente, restando pontos aparentemente insolúveis. No que concerne ao estudo do letramento enquanto conceito fundamental para a promoção de situações de aprendizagem da língua escrita, faz-se necessário rever as condições em que foi criado. Segundo Soares (2002), o termo letramento tem sua origem, em português, a partir da tradução do inglês literacy, o que acarreta problemas de ordem semântica quando da transposição dos vocábulos correlatos para nossa língua. Assim, considerando tratar-se da assunção não apenas de uma palavra, mas de todo um campo conceitual, Soares afirma: Enquanto já incorporamos ao português a palavra letramento, correspondente ao inglês literacy, ainda não temos palavra correspondente ao inglês literate, que designa aquele que vive em estado ou na condição de saber ler e escrever; a palavra letrado ainda



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FRQVHUYD HP 3RUWXJXrV R VHQWLGR GH ³YHUVDGR HP OHWUDV HUXGLWR´ (2002:17) Nesse sentido, ao ser transposto para a situação brasileira, em muitos casos, o termo letrado, dada sua origem semântica relacionada a processos de elitização da língua (vale dizer, sua gramaticalização a partir de variantes de uso das elites (GNERRE,1998), acabou por gerar, em boa parte dos casos, maior distanciamento entre as possibilidades do sujeito e as demandas criadas pela escola e mesmo pela sociedade, quando se trata de favorecer situações de convivência com a escrita e a leitura. Isto é, muito embora haja teorias que apontem para a existência de sujeitos letrados, porém não alfabetizados (TFOUNI, 2002), a marginalização em que ainda permanecem tais pessoas não deixa dúvidas de que se mantém muito intensa a concepção elitista de que o termo letrado refere-se somente àqueles que tenham passado por uma boa escola e que fazem parte de um seleto grupo capaz de realizar leituras de textos de alto nível, em geral clássicos da literatura. Portanto, ao ser assumido no Brasil, ocorre a urgência de se realizarem as devidas adaptações ao termo, buscando compreendê-lo dentro de uma realidade cultural muito específica, marcada fortemente por uma cultura oral bastante produtiva e ativa em todos os níveis sociais. Isto é, se a convivência com textos diversos em contextos originais é ponto essencial para o estabelecimento de um processo de letramento, vemos que, no Brasil, essa construção pode se dar já nas situações orais, em que há uma gama imensa de textos que constituem o repertório popular, amplamente registrado por pesquisadores e escritores como Mário de Andrade, Câmara Cascudo, Silvio Romero, Henriqueta Lisboa, entre outros. Tfouni (2002) apresenta outra face do conceito de letramento, ao DSRQWDURVHTXtYRFRVGDFKDPDGD³WHRULDGDJUDQGHGLYLVD´FXMRVDXWRUHV DFUHGLWDP TXH ³D DTXLVLomR JHQHUDOL]ada da escrita traz consigo



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consequências de uma ordem tal que isso modifica de maneira radical as PRGDOLGDGHV GH FRPXQLFDomR GHVVD VRFLHGDGH´   $ SDUWLU GH pesquisas com falantes não alfabetizados, Tfouni percebe a presença de elementos típicos das narrativas escritas em relatos orais permeados por processos de autoria. Na conclusão do seu trabalho, aponta para a possibilidade de expansão do conceito de letramento, ao observar a presença de elementos próprios da língua escrita no discurso oral de uma pessoa cujo contato com a escrita é bastante restrito. Ao final da exposição GDSHVTXLVD³$XWRULDHOHWUDPHQWRDQiOLVHGDVQDUUDWLYDVRUDLVGHILFomRGH XPDPXOKHUDQDOIDEHWD´DSHVTXLVDGRUDGHFODUD

Não estou defendendo aqui uma posição romântica, idealista, nem pretendo comparar os recursos estilísticos que ela utiliza com aqueles dos grandes escritores de ficção. Pretendo simplesmente mostrar que não se pode concluir necessariamente, pelo fato de que ela [entrevistada em questão] é analfabeta, que suas estórias não contêm HOHPHQWRV GH HVFULWD QHP TXH VHX GLVFXUVR RUDO p ³LOHWUDGR´ (1995:62-63) Nesse sentido, ressaltamos aqui a possibilidade de se considerar o conceito de letramento de forma mais ampla, abrangendo também aspectos de uma textualidade forjada na oralidade, mas que guarda, em seu núcleo, elementos que foram apropriados pelos discursos da escrita, ocorrendo o efeito de fecundação mútua, abordado, entre outros autores, por Ginzburg (2001). Belintane, em vários de seus artigos, também contribui para uma compreensão mais ampla do conceito de letramento. Ao considerar a relevância dos repertórios lúdico-poéticos da infância enquanto textos fundamentais por meio dos quais a criança exercita suas primeiras leituras ± mesmo quando ainda ausente a apropriação do grafo ± faz a defesa do conhecimento oral para a efetivação da aprendizagem da língua escrita:



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A criança acostumada aos jogos lúdicos orais também se pega aos MRJRV GD HVFULWD «  $ DSUHQGL]DJHP GD OHLWXUD p VREUHWXGR D expansão das mesmas habilidades linguageiras que a criança experimenta desde o berço, e estas implicam os jogos metafóricos e metonímicos tanto no interior de um mesmo texto como entre textos. (2006: 50-51) É possível observar que, no caso da realidade brasileira, restam ainda situações a serem investigadas para que se ampliem as possibilidades de investimento num letramento que corresponda melhor às demandas e mesmo à cultura de uma população que, sobretudo em suas camadas mais populares, mostra-se repleta de um conhecimento textual que, infelizmente, não é ainda aproveitado plenamente pela escola. Isto é, apesar de já haver pesquisas (GINZBURG, 2001, BELINTANE, 2005, 2006, TFOUNI, 2002) que revelam as trocas produtivas entre os repertórios da oralidade e os da escrita, vemos na escola a manutenção de um ideal de letramento centrado em uma cultura gráfica e, nesse sentido, redutor das possibilidades de ensino da leitura e da escrita, já que parte do princípio de que o conhecimento da criança sobre a escrita reduz-se aos poucos gêneros a que está submetida diariamente pelas mídias (publicitários, jornalísticos, principalmente), ou, o que tende a ser pior, restrito aos gêneros da esfera escolar. Outro aspecto que não pode deixar de ser mencionado no âmbito da pesquisa sobre aprendizagem da leitura e da escrita, quando se estabelece a relação com o domínio da oralidade, refere-se ao conceito de consciência fonológica, que pressupõe a relevância de um conhecimento sobre o modo de funcionamento da própria língua, sobretudo no que se refere ao aspecto fonemático, para uma bem sucedida aprendizagem da leitura e da escrita. Segundo tal teoria (CARDOSO-MARTINS, 1995, GOUGH & LARSON, 1995), a criança capaz de identificar fonemas na oralidade, por meio de



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diversas situações, como jogos com rimas, por exemplo, mais facilmente compreenderá o sistema da escrita alfabética. Essa tendência teórica, no Brasil, pode ser observada principalmente nas pesquisas relativas ao método fônico, as quais procuram demonstrar a HILFiFLD GR ³WUHLQR GLUeto de consciência fonológica e do ensino explícito das regras de correspondência grafo-IRQrPLFD´ &$329,//$ H CAPOVILLA, 2000). Isto é, nas pesquisas que implicam o método fônico, a abordagem dos pontos de contato entre a oralidade e a escrita passaria por um trabalho de treino consciente, porém restrito à lida com o código. Em nossa concepção, porém, apesar de ser notório que a habilidade de realizar a correspondência entre grafema e fonema é fundamental para o desenvolvimento da leitura, tal atividade, por si, não corresponde à complexidade do ato de ler. Mais, ainda: se nos reportarmos às pesquisas relativas ao conceito de letramento (SOARES, 1997/2002, ROJO, 2006, MARCUSCHI, 2004) e aos vários autores que abordaram a leitura como atividade (MANGUEL, 1997, BARTHES, 2004a/2004b, FREIRE,2001), é possível pôr em dúvida qual habilidade estaria no princípio da aprendizagem da leitura, já que sua realização plena (ou quase) só é possível a partir de um complexo de interações de diversa ordem (visual, cognitiva, afetiva, psíquica). Nas pesquisas realizadas pelo GELP (BELINTANE, 2005/2006, AUTOR, 2006, PASTORELLO, 2010), a relação oralidade e leitura/escrita tem sido um dos principais eixos de estudo. Ao longo dos trabalhos que o grupo vem realizando, observou-se que o fenômeno de interação entre oralidade e escrita não se limita ao treino de reconhecimento das correspondências grafo-fonêmicas. Para além desse exercício, tem sido evidenciado em tais pesquisas que, quanto mais se exercita a oralidade por meio de seus jogos, canções, entre outros textos que revelam a malha fonemática que os compõem, mais a criança parece compreender as



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relações intrínsecas entre o sistema de composição da língua oral e o sistema da escrita alfabética. Porém, é questionável o fato de haver realmente uma consciência propriamente dita quando da realização desses jogos, sobretudo quando efetivados fora da escola, sem o objetivo pedagógico assumido por estas nos momentos de brincar. Isto é, questiona-se se, conforme CardosoMartins (1995), a consciência fonológica seria mesmo criada a partir do momento em que a criança entra em contato escolarizado com tais jogos. Ou,

de

outro

modo,

pergunta-se se,

apenas

quando

se volta

conscientemente para tais jogos linguageiros, a criança passa a ter domínio das relações entre o sistema de seleção e combinação da língua e suas relações com a escrita alfabética. Sugere-se, aqui, a possibilidade de se pensar numa situação em que o domínio de tais habilidades possa ser também de ordem inconsciente, de um saber outro, construído de modo singular pela criança, de acordo com suas vivências com e por meio da linguagem. A questão intriga, principalmente, se nos voltarmos para situações a que assistimos de crianças que, muito precocemente, são capazes de operar com elementos mínimos da língua, sabendo-se, claramente, que não há consciência alguma sobre isso. Um bom exemplo é o caso da menina /XL]DTXHDRVGRLVDQRVMiFDQWDYD³2VDSRQmRODYDRSp´UHDOL]DQGRDV trocas vocálicas próprias do jogo, isto é, ³UHHVFUHYHQGR´QDRUDOLGDGHFDGD palavra, trocando-se a vogal original (A sapa na lava a pa; e sepe ne leve e pe; e assim por diante), ou de Maria, que, aos três anos, já brincava com a ³OtQJXDGRL´HPTXHWRGDVDVSDODYUDVVmRHQXQFLDGDVLQVHULQGR-se a vogal i nos espaços inter-consonantais. É evidente que, aos dois e três anos de idade, quando ainda está se consolidando o domínio da língua oral pela FULDQoDQmRpSRVVtYHOIDODUHP³FRQVFLrQFLDIRQROyJLFD´PDVWmRVRPHQWH



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HPXP³VDEHU´VREUHDSUySUia língua, um saber rítmico, sonoro, de ordem afetiva e inconsciente. Nesse sentido, busca-se o amparo da psicanálise no que ela possa contribuir com as investigações sobre a inserção do sujeito na ordem da linguagem, na sua língua materna. Para se refletir sobre situações como a que se descreveu acima, alguns estudos realizados por Freud (1988, 2001) no campo da linguagem parecem fundamentais. O próprio conceito de rebus sobre o qual propomos uma investigação para o campo do ensino da escrita alfabética nasce da apropriação de elementos discutidos por Freud (2001) em Interpretação dos sonhos. Assim, passamos agora a estabelecer as bases teóricas que dão sustentação ao rebus, procurando explorá-lo como conceito ± e não instrumento ± fundamental para o debate sobre os processos de entrada na língua escrita.

2. O conceito de Rebus e a escrita do inconsciente

A Psicanálise, desde Freud, nos primeiros estudos sobre os sonhos e outras manifestações do inconsciente, vem observando relações intrínsecas entre linguagem e inconsciente, consequentemente, entre língua e constituição da subjetividade. Nesse sentido, como veremos, aponta para possíveis vínculos também entre subjetividade e escrita, principalmente o momento de entrada na escrita. Na abordagem relativa ao trabalho do sonho, Freud (2001) apresenta como possível mecanismo de escrita do inconsciente o rebus, uma espécie de letra capaz de concentrar sentidos, por meio da combinação entre imagem e sonoridade, conforme se via nas escritas antigas, como a egípcia:

Suponhamos que eu tenha diante de mim um quebra-cabeça feito de figuras, um rebus. Ele retrata uma casa com um barco no telhado, uma letra solta do alfabeto, a figura de um homem correndo, com a



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cabeça misteriosamente desaparecida, e assim por diante. [...]. Obviamente, porém, só podemos fazer um juízo adequado do quebra-cabeças se pusermos de lado essa crítica da composição inteira e de suas partes, e se, em vez disso, tentarmos substituir cada elemento isolado por uma sílaba ou palavra que possa ser representada por aquele elemento de um modo ou de outro. As palavras assim compostas já não deixarão de fazer sentido, podendo formar uma frase poética de extrema beleza e significado. (2001: 266-7; grifos meus) Freud aponta para o fato de haver uma escrita inconsciente que, por meio da combinação de uma variedade de registros de memória préconscientes e inconscientes, que vão dos recentes restos diurnos às mais remotas imagens assimiladas na infância, constrói textos de uma articulação singular e que tendem a não serem compreendidos de imediato pelo indivíduo, já que se trata, em geral, de elementos que dizem respeito a desejos recalcados. O trabalho do sonho, isto é, os mecanismos de composição do rebus no inconsciente, articula-se de maneira similar ao que ocorre na linguagem verbal, sobretudo no que diz respeito à interação dos elementos metafóricos H PHWRQtPLFRV IDWR DERUGDGR SRU -DNREVRQ   HP VHX DUWLJR ³'RLV DVSHFWRVGDOLQJXDJHPHGRLVWLSRVGHDIDVLD´ 3DUD -DNREVRQ   ³R GHVHQYROYLPHQWR Ge um discurso pode ocorrer segundo duas linhas semânticas diferentes: um tema (topic) pode OHYDUDRXWURTXHUSRUVLPLODULGDGHTXHUSRUFRQWLJXLGDGH´ S 'HVWD forma, a partir da observação das predominâncias no uso dos procedimentos metafórico (relativos ao eixo da similaridade, da substituição) ou metonímicos (próprios ao eixo da contiguidade) seria possível identificar o estilo ou as preferências verbais em determinados sujeitos ou em certas opções estéticas. Um bom exemplo seria a comparação entre a pintura realista, mais afeita ao eixo da similaridade, da semelhança entre a representação e o objeto representado, e a pintura



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cubista, que lida com a profusão de metonímias para a construção do objeto representado. Jakobson, em seu artigo, estabelece ainda analogias entre a linguagem verbal e outros processos simbólicos, como nos ritos mágicos estudados por Frazer em O ramo de ouro, e se refere, também, ao estudo do inconsciente realizado por Freud (2001) como um dos elementos que podem reforçar sua tHRULD6HJXQGRROLQJXLVWDUXVVR³DFRPSHWLomRHQWUH os dois procedimentos, metafórico e metonímico, se torna manifesta em WRGRSURFHVVRVLPEyOLFRTXHUVHMDVXEMHWLYRTXHUVRFLDO´ S Freud, ao abordar os dois aspectos que constituem o trabalho do sonho e ao associá-los a um tipo de escrita, indica-os por meio de dois conceitos, próximos aos que Jakobson (2003) depois apresentará como contiguidade e similaridade, mas que, certamente, têm algo de mais específico, quando relacionados ao inconsciente. Ao apresentar os trabalhos de condensação e de deslocamento, revela alguns pontos de contato com certos processos de construção textual. Um exemplo de imagem onírica que pode ser lida enquanto rebus foi dado SRU )UHXG QR FDStWXOR ³5HSUHVHQWDomR SRU VtPERORs nos sonhos ± outros VRQKRVWtSLFRV´GHA interpretação dos sonhos, e tomamos aqui a liberdade de representá-la por meio da produção do seguinte rebus:

+ 2- Representação 1 ± recriação de rebus descrito por paciente de Freud.

ou, de forma condensada, como provavelmente se manifestou no sonho relatado:



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3 ± Representação 2 ± recriação de rebus descrito por paciente de Freud. 6HJXQGRRUHODWRRSDFLHQWHGH)UHXGWHULDVRQKDGRFRPR³WLR TXH OKH GDYD XP EHLMR QXP DXWRPyYHO´ R TXH IRL LQWHUSUHWDGR pelo próprio SDFLHQWH FRPR ³DXWR-HURWLVPR´ Mi TXH D SDODYUD DOHPm SDUD DXWRPyYHO p ³DXWR´ SRVVLELOLWDQGR D HVFULWD GR rebus ³DXWR-EHLMR´ TXH UHPHWHULD DR ³DXWR-HURWLVPR´ Assim, é possível concluir que a imagem relatada pelo paciente não compõe uma cena, mas remete a uma espécie de texto inscrito por meio de letras-imagens que se inscrevem a partir de operações de deslocamento (a figura do tio dentro do carro) e condensação (o beijo no automóvel), que impõem ao leitor/interpretador uma leitura literal, ou seja, apoiada tão VRPHQWHQDV³OHWUDV´ RDIL[Rauto e o lexema beijo) para que possa atingir algum sentido plausível. Isto é, não fosse lida como um rebus, a imagem do sonho relatado cumpriria exatamente sua função: ocultar o desejo por meio da metáfora. Outras formas de manifestações do inconsciente observadas por Freud reforçaram a ideia das relações entre inconsciente e linguagem. No estudo que realiza sobre os chistes, observa a possibilidade de inscrição de sentidos a partir da subversão de expressões já cristalizadas. É o caso do sujeito que, ao relatar sua desagradável viagem em companhia de uma SHVVRDJURVVHLUDGL]VHPSHUFHEHU³9LDMHLFRPHOHtête-a-bête´148 , em vez

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Os chistes e sua relação com o inconsciente.

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de dizer tête-a-tête149. A substituição da consoante /t/ por /b/, sem uma intenção consciente, criou o rompimento de uma estrutura monolítica ± já que se trata de uma expressão idiomática ± e produziu um efeito de sentido que provocou o riso. Isto é, a partir das possibilidades oferecidas pela língua, por meio de seus processos de seleção e combinação, foi possível tal operação do inconsciente na produção de um sentido gerado pela subversão da expressão idiomática. Ao dizer que viajou com tal pessoa ³WrWH-a-ErWH´DOpPGHVXJHULUTXHKDYLDYLDMDGRFRP³XPDEHVWD´PDQWHYH a ideia de estar lado a lado, conforme traduz a expressão em sua origem. Desse fato marcadamente risível, vale ressaltar a operação inconsciente conduzindo a expressão linguística. O trabalho inconsciente de composição de palavras surge também nos pequenos equívocos da IDOD FRWLGLDQD (P ³(VTXHFLPHQWR GRV QRPHV SUySULRV´ SULPHLUR FDStWXOR GD REUD Psicopatologia da vida cotidiana, Freud (1988) descreve e analisa uma situação vivida por ele, na qual ocorre um interessante jogo entre inconsciente, recalque e memória. Ele narra uma ocasião em que, necessitando lembrar o nome do pintor Signorelli, vinhalhe à mente apenas os nomes de dois outros pintores: Botticelli e Boltraffio. Segundo sua análise, a evocação dos nomes dos dois pintores em lugar de Signorelli estava associada a uma sequência de fatos que deixaram em sua memória restos de significantes que, recalcados, buscavam alguma forma de se manifestarem. A partir desse contexto, Freud recorda que, momentos antes de tentar se lembrar do nome de Signorelli, havia entabulado uma conversa sobre os costumes de turcos que viviam na Bósnia e Hersergovina, e que não fora capaz de prosseguir o assunto visto que tocava em questões delicadas, como a relação entre sexualidade e

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Expressão francesa, utilizada também em outros contextos linguísticos, traduzida ou no RULJLQDOTXHSRGHVHUWUDGX]LGDSRU³FDUD-a-FDUD´



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morte. Lembrou-se também que teve notícia de tal costume quando estivera em Trafoi, uma aldeia do Tirol. Assim, morte e sexualidade, associados a tais significantes (Bósnia, Herzegovina, Trafoi, que funcionaram como uma espécie de pictogramas) ocasionaram o esquecimento do nome Signorelli e, por outro lado, fizeram surgir outros dois nomes que, de algum modo, eram formados por partes de significantes da conversa anteriormente interrompida. O esquema abaixo, extraído da obra Psicopatologia da vida cotidiana, apresenta as relações observadas por Freud:

4 - Esquema desenhado por Freud (vol. VI 1988: 22) para representação do percurso esquecimento do nome próprio. A leitura que se pode fazer do esquema é a seguinte:

Her-zegovina: Freud associa o som Herr ao significante Signor, ambos com mesmo significado (senhor), em alemão e italiano, respectivamente. Bó-snia: cujo som destacado, unido ao final elli de Signorelli, leva a Botticelli. Trafoi: que, unido ao Bó, de Bósnia, resulta quase que de imediato em Boltraffio.



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2V QRPHV GH WDLV SLQWRUHV VHJXQGR )UHXG ³Ioram tratados nesse processo como os pictogramas de uma frase destinada a se transformar num enigma figurado (ou rebus ´ YRO9, Fica evidente, portanto, que, para Freud, os procedimentos da escrita silábico-alfabética precedem sua representação gráfica e, mais que isso, o saber que seleciona e combina elementos que constituem uma cadeia de significantes que assumem certo significado é anterior, irrompendo-se já no inconsciente. Nesse sentido, ao se verificar que crianças usam linguagens cifradas em suas brincadeiras ou que sentem imenso prazer em repetir rimas e travalínguas, talvez seja mais adequado atribuir tais fatos não a uma consciência fonológica, mas a uma inconsciência fonológica, o que remete sua investigação a uma reflexão que leve em conta o desejo, os processos de recalque, enfim, toda a estruturação psíquica do sujeito. Deste modo, pelas diversas razões acima expostas, compreende-se aqui que entre oralidade e escrita há uma relação de complementaridade. Muito antes de aprender a decifrar ou grafar letras no papel, os indivíduos já lidam com estruturas simbólicas que fazem uso dos eixos de seleção e de combinação e que conduzem à expressão dos sentidos, seja no sonho, na poesia, na publicidade etc. A língua, conforme afirma Lacan (apud SAFOUAN, 1987), já estava predestinada à escrita, qualquer que fosse, pela própria condição simbólica que foi assumindo ao longo dos tempos. Era preciso dar corpo, tornar sólido o que já era simulacro da tradição, da derradeira passagem de um eu isolado à condição irrevogável de sujeito inserido em uma sociedade. 1R FDVR HVSHFtILFR GR ³(VTXHFLPHQWR GRV QRPHV SUySULRV´ WDOYH] não seja exagero incluir um exemplo bem mais recente, mas que ruma no mesmo sentido da reflexão realizada por Freud sobre o fenômeno,



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procurando-se, com isto, não apenas explorar melhor o fato como também torná-lo mais claro sob o ponto de vista do trabalho realizado pelo inconsciente em operações de combinação de elementos linguísticos que ocultam sentidos recalcados. Era época de páscoa e o relator do caso havia conversado, pela manhã, com sua mãe sobre a confusão que esta fazia com o nome de um doce típico, a colomba, chamando-o de paloma. Ainda na conversa com a mãe, o relator observou que o fato de se tratar de duas palavras, em línguas distintas, para um mesmo referente (pomba) talvez fosse o motivo de tal confusão. Demarcou, ainda, que, talvez, a mãe insistisse na palavra espanhola (paloma), dada a origem étnica de seus avós e, portanto, pela convivência que tivera com o vocábulo em tal idioma. Ao final da conversa, acrescentou que tinha uma chefe no trabalho chamada Paloma e que confundir seu nome, chamando-a de Colomba, seria bastante constrangedor. Durante a tarde, em reunião com a referida chefe, chamou-a insistentemente de Pâmela, um anagrama quase perfeito de Paloma. O fato, analisado brevemente, pode revelar a luta entre desejo e recalque, na medida em que a troca do nome pelo seu anagrama revelaria a insistência do desejo de efetuar alguma troca (Paloma por Colomba). Quer dizer, uma vez barrado pela imposição consciente de não cometer tal gafe, o desejo encontra na própria palavra uma forma de subversão e de reinscrição (Paloma torna-se Pâmela). E, ao final, mesmo sem realizar a confusão originalmente referida e barrada entre as palavras Colomba e Paloma, acaba por realizar o desejo da troca que, por sua vez, possivelmente, ocultava um desejo de subversão da autoridade centrada na figura da chefe. Tais eventos inconscientes, amplamente estudados por Freud e, posteriormente, aprofundados e rearticulados por Lacan (1999), permitem a compreensão do inconsciente estruturado como uma linguagem e, em certa



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medida, dos vínculos entre a constituição da subjetividade e a entrada na língua materna, inicialmente falada e, depois, escrita. Isto é, ainda que tenhamos uma longa história da escrita, em geral tratada de forma evolucionista, partindo-se do pictograma até o fonograma, passando pelo ideograma, é inegável que desde sempre tenha havido uma escrita, oral e inconsciente, já fonetizada, manifesta nos repertórios da tradição ou nos eventos inconscientes aqui citados.

3. O conceito de rebus e a compreensão da entrada singular na escrita e na leitura: relato de caso

Como forma de melhor observar as possibilidades de uso de tais aspectos da linguagem e mesmo de se compreender a relevância do conceito de rebus para o processo de ensino-aprendizagem da língua escrita e da leitura, apresentamos aqui um caso, acompanhado ao longo de um ano e meio, o qual pode esclarecer melhor a proposta de implicação entre oralidade e escrita, bem como entre inconsciente e linguagem no percurso de entrada na língua escrita. O contexto encontrado para intervenção era o de um grupo de três irmãos que foram encaminhados pela escola ao GELP por apresentarem, segundo seus educadores, deficiência mental. Considerava-se que as três crianças ± com oito, nove e onze anos ± não eram capazes da aprender a ler ou escrever, daí serem mencionadas pelos professores e direção da escola como DMs (débeis mentais). Logo no início do processo, percebeu-se que havia significativas diferenças entre as crianças, muito embora a própria família, sobretudo a mãe, insistisse numa ideia de homogeneidade, dizendo que os filhos eram LQVHSDUiYHLV TXH QXQFD EULJDYDP TXH SDUHFLDP ³WUrV FDFKRUULQKRV´ ± palavras da mãe, de onde se depreende, afora a comparação depreciativa, o



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sentido da igualdade, já que filhotes de cães, oriundos de uma mesma ninhada, em geral têm aparência muito semelhante. Tais características, no entanto, foram logo contraditas por marcadas diferenças de atitude entre as crianças e, mais intensamente, por constantes brigas entre si diante dos pesquisadores que acompanhavam o caso. Parecia que a marca de igualdade por meio da qual eram identificados pela família e pela escola não condizia com a realidade, mas com um imaginário imposto e, de certo modo, assumido pelas crianças que, mesmo evidenciando diferenças significativas em termos cognitivos, pareciam assumir a pecha de igualmente incapazes, já que nenhum dos três, a despeito de todas as diferenças observadas pelos pesquisadores, se arriscava a enfrentar a aprendizagem da leitura. Ao longo dos trabalhos desenvolvidos, foram observadas algumas ausências comuns às três crianças, que foram, paulatinamente, sendo revolvidas. Uma primeira e fundamental, que criou certo obstáculo para o processo que pretendíamos instaurar, era a fragilidade nos repertórios de uma oralidade lúdica que pudesse, de algum modo, matriciar a entrada na escrita (BELINTANE, 2005). Eram desconhecidos dos meninos (ou pouco ativados) textos como canções, parlendas, brincadeiras cantadas, adivinhas, piadas com trocadilhos etc. que pressupõem segmentação silábica, isolamento de fonemas, pareamento de fonemas/sílabas para sua realização e que, também, contam com capacidades de memorização, inferência, contagem etc. de quem as põe em funcionamento. Isto é, no caso específico, mesmo um conceito expandido de letramento, que abarcasse também os textos da oralidade, não teria sido suficiente para promover o ingresso no mundo da escrita, por meio do resgate dos contatos entre oralidade e escrita. Diante de tal fragmentação, foi necessário restaurar tal memória, fazendo-se uma verdadeira incursão pelos vários gêneros da oralidade



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lúdico-poética. Apesar de se tratar de repertórios quase ausentes para tais crianças, em pouco tempo, duas delas, as mais novas, apropriaram-se dos procedimentos necessários para fazer uso e criar a partir de matrizes na oralidade. Rapidamente recuperaram uma parte dos chamados textos da oralidade lúdico-poética que pareciam silenciados em suas memórias. O mais velho, porém, Misael150, não mostrava o mesmo desempenho dos irmãos. Apesar das muitas intervenções, por meio de variadas estratégias, para que se apropriasse de procedimentos considerados básicos para um processo de entrada na língua escrita, como, por exemplo, a memorização, Misael parecia impermeável a tudo. Às vezes por uma evidente recusa em participar dos jogos e brincadeiras que faziam uso de matrizes linguageiras, retirava-se do local ou procurava desmobilizar as outras crianças que participavam do processo. Porém, situação mais grave se expressava quando expunha sua dificuldade de memorização, como nas YH]HVHPTXHDSHVDUGHVHPRVWUDUYLYDPHQWHLQWHUHVVDGRSHODFDQWLJD³2 cravo bULJRXFRPDURVD´DRWHQWDUUHSURGX]L-la, não conseguia lembrar-se dos versos. Outro momento semelhante a esse ocorreu quando, apesar de TXHUHUEULQFDUGH³(VFUDYRVGH-y´FRPRVLUPmRVQmRFRQVHJXLDFDQWDUD canção que acompanha a brincadeira, tampouco realizar a sequência de movimentos que estrutura o jogo. Em muitas outras ocasiões de lida com a palavra, era evidente a dificuldade de Misael em reproduzir oralmente textos completos, por mais VLPSOHVTXHIRVVHPFRPRSHTXHQDVDGLYLQKDVGRWLSR³RTXHp RTXHp´ Em geral, ao tentar reproduzi-las, após terem sido inúmeras vezes repetidas pelos pesquisadores que acompanhavam o caso, Misael isolava um dos elementos do texto e, a partir dele, divagava por uma cadeia constituída por uma livre associação de iPDJHQV)RLRFDVRSRUH[HPSORGDDGLYLQKD³2 150

Nome fictício para que possamos melhor observar o caso sem incorrermos em uma exposição desnecessária da criança.



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TXH p TXH FDL HP Sp H FRUUH GHLWDGR"´ FXMD UHVSRVWD p ³&KXYD´ 0LVDHO SULQFLSLDYDRWH[WRGL]HQGR³2TXHpTXHpFDLQDFKXYD´HDSDUWLUGH então enumerava elementos com forte apelo visual, como barro, escorregou, sujou a calça e assim por diante. O intenso vínculo de Misael com o universo da imagem também foi observado em outras situações, como nos momentos em que se abordou o tema da origem dos bebês, questão, para ele, permeada por certa nebulosidade, apesar de se tratar de um menino já com 12 anos ao final dos atendimentos. Após realizada a leitura do livro Mamãe botou um ovo, que WUDWD GH TXHVW}HV UHODWLYDV D VH[XDOLGDGH H UHSURGXomR 0LVDHO GL] ³9RFr VDELDTXHHXYLPGHROKRDEHUWR"´DVVHUWLYDTXe, talvez, reproduzisse a fala de um adulto151, mas que, de algum modo, trazia um indicativo também narcísico, marcado por certa diferenciação positiva em relação às demais crianças, talvez os próprios irmãos. Em outro momento, ao relatar de maneira muito coQIXVDDH[SHULrQFLDGHDVVLVWLUDXPILOPH³SDUDDGXOWRV´ reiterava com veemência o fato de ter espiado por um buraco da coberta, sempre fazendo um gesto com uma das mãos em torno do olho, como que mimetizando uma luneta. Permeava seu relato, entretanto, a oscilação entre uma auto-reprovação pelo ato proibido e uma galhardia pela esperteza, o que, certamente, trazia ecos de uma fala adulta, também movediça sobre o assunto. Além desses momentos pontuais, considerados na pesquisa como bastante significativos para a compreensão dos processos que permeavam a sua dinâmica linguageira, Misael também revelava certa competência na lida com jogos que demandavam a observação de detalhes em imagens, como os jogos de sete erros ou dos sete absurdos e os de buscar elementos perdidos em grandes contextos visuais. Entretanto, ao se procurar lidar com 151 É comum, em alguns contextos de conversação adulta, fazer comentários com conteúdos oriundos da sabedoria popular, que relaciona a esperteza de uma criança ao fato de ter nascido de olhos abertos.



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sequências de imagens, com pequenas narrativas em quadrinhos, Misael reproduzia a mesma situação com que lidava com os jogos de oralidade, isto é, não realizava conexões ou relações hierárquicas entre os elementos composicionais. Ao lado disso, observava-se que a questão temporal era para ele também bastante confusa: não sabia dizer se era o primeiro ou terceiro filho, se era o mais velho ou o mais novo, não conhecia a sequência dos dias da semana ou dos meses do ano, nem a ordem das letras que compunham seu nome, embora soubesse desenhar cada uma delas no conjunto do que dizia ser seu nome. Nesse sentido, a situação a que assistíamos parecia conter traços do que se vê na abordagem de Gérard Pommier (1996) sobre as relações intrínsecas entre o nascimento da escrita e a conclusão do complexo de Édipo, segundo a sistematização feita por Lacan (1999). Apenas para efeito de melhor compreensão dos processos observados em Misael, vamos aqui expor brevemente os termos básicos da teoria de Pommier, fundamentada na concepção de que a escrita teria se desenvolvido partindo de uma situação mais imaginária ± expressa por meio de desenhos que representavam diretamente seus referentes ± até atingir um status simbólico ± ao desvincular o grafo da imagem do seu referente. Segundo Pommier, se, para Lacan, nos tempos do Édipo, isto é, no percurso de constituição do sujeito, um primeiro momento é demarcado por uma relação especular com a mãe, na escrita, essa relação se dá por uma extrema vinculação com a imagem, configurada, no caso da história da escrita, pelos pictogramas e, no caso das crianças, pelas representações que remetem diretamente aos referentes. Quer dizer, o pictograma 'sol', representado pela imagem que procurava representar um sol, não poderia, nesse momento, ampliar seu sentido para 'dia' ou 'trabalho' (que dura um dia), uma vez que a imagem representava diretamente seu referente.



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Já numa situação posterior, o segundo tempo, que, na teoria lacaniana corresponde a uma primeira repressão, isto é, ao momento em que a criança percebe inconscientemente que a mãe está impedida a ela pela presença do pai, Pommier associa a um segundo tempo da escrita, marcado pelos ideofonogramas, isto é, pelas imagens com caráter pictórico atenuado pelo valor sonoro que passam a assumir, como é o caso dos rebus. Esse momento intermediário entre uma situação imaginária e outra simbólica parece ponto de giro para a entrada efetiva na escrita silábica ou alfabética, conforme se verá. A escrita consonantal, escrita da lei, marcada por um total apagamento da imagem, estaria relacionada ao terceiro tempo do Édipo, momento no qual a criança se submete à lei paterna, na medida em que reconhece os limites do seu lugar no circuito pulsional estabelecido entre pai, mãe e filho. Misael, ao fixar-se com certo prazer nas representações e nos signos visuais, mantinha-se distante de uma simbolização, isto é, de um apagamento da imagem que, em certa medida, implicava um deslocamento do lugar de imobilidade assumido, sustentado por uma persistência em um não-saber do mundo, em uma ausência de contornos de si, em uma situação em que o Outro, representado pela escrita e mesmo por uma língua falada mais complexa, parecia não ser reconhecido. Diante de tal situação de pregnância na imagem, de grave fixação num primeiro tempo da escrita, entendeu-se fundamental realizar uma intervenção no sentido de que Misael efetivasse uma transposição para um segundo tempo, isto é, que se deslocasse da situação imaginarizada e pudesse, então, submeter-VH DR TXH 3RPPLHU FKDPRX GH ³UHSUHVVmR SULPRUGLDO´ RX VHMD TXH SXGHVVH DWUDYHVVDU WDLV LPDJHQV SRU DOJXPD relação simbólica, por meio, portanto, da leitura dos rebus.



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A transposição, propriamente, de uma situação de escrita caracterizada pela atribuição de sentido direto ou decorrente das imagens pictografadas para uma elaboração que tivesse já uma perspectiva de dupla articulação se deu a partir das estratégias de leitura de palavras transcritas em formato de rebus, conforme os exemplos a seguir:

5 ± Ficha utilizada por Misael com rebus para leitura.

O trabalho consistia em realizar uma leitura próxima à da escrita egípcia quando utilizava os rebus para o registro dos nomes próprios. Isto é, a partir das imagens desenhadas na primeira e na segunda colunas da tabela acima exposta, a criança encontraria seu correspondente sonoro e, isolando a primeira sílaba de cada palavra, formaria uma terceira e a registraria por meio de desenho. No caso acima, temos as seguintes palavras inscritas:

[CA] CHORRO + [SA] BÃO = CASA [BO] LO + [LA] RANJA = BOLA [MA] ÇÃ+ [MÃO] = MAMÃO [MO] LA + [TO] CO = MOTO



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O processo de leitura dos rebus consistia em partir de uma representação imagética de algum objeto, que deveULD VHU ³GHFRGLILFDGD´ isto é, transposta para o registro sonoro da palavra que o representa na língua. Em seguida, ainda no campo sonoro, faz-se a escansão silábica, isolando, assim, a inicial de cada palavra. Por fim, realiza-se a decifração oral da palavra representada no rebus, a partir da junção das sílabas. Após todo esse processo, efetua-se o registro da ideia expressa pelo rebus também por meio de um desenho. O recurso do rebus propiciava a Misael a possibilidade de lidar com procedimentos de leitura também aplicados à escrita alfabética. Isto é, ao se deparar com um texto escrito, a criança em processo de alfabetização faz uso de adaptações como as ocorridas nos rebus da primeira, da segunda e GDTXDUWDOLQKDV ³FDVD´³EROD´H³PRWR´ $RWHUGLDnte de si uma palavra que pode comportar vogais abertas ou fechadas, ou mesmo uma letra que pode se referir a fonemas distintos, como é o caso do S, e, ainda, com as eventuais diferenças entre o registro da fala e o da escrita, a criança testa as possibilidades, ouve o que oraliza, confere com seu repertório vocabular, retoma e, por fim, lê efetivamente o que está escrito. Esse movimento de ir e vir sobre as letras (sejam de um alfabeto ou as imagens do rebus) parece parte integrante de toda leitura, mesmo quando já num nível mais complexo, em que a retroação se dá por sobre palavras, frases ou sentidos completos. A partir de fichas como a do exemplo, Misael deveria fazer sua leitura operando segundo os procedimentos relatados. O trabalho encontrou, entretanto, em suas primeiras realizações, entraves importantes que, se por um lado impediam que Misael realizasse as leituras e escritas com a desejada eficácia, por outro revelavam os pontos nodais de sua dificuldade em entrar na escrita.



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O primeiro ponto observado referia-se mais especificamente à leitura das imagens. Conforme se abordou anteriormente, Misael, fixado em representações imaginarizadas, resistia a aceitar imagens que não fossem extremamente realistas, isto é, aquelas que apenas sugerissem objetos representados por meio de poucos traços. Essa peculiaridade foi determinante em muitas situações em que não foi capaz de ler o rebus proposto. Vencida a situação acima, um novo problema se instaurava: o isolamento da sílaba inicial das palavras representadas pelas imagens, o que nos conduziu à produção de rebus mais simples, a partir de palavras dissílabas. Após isolar cada uma das sílabas iniciais, surgia um novo entrave: Misael apresentava muita dificuldade em reter na memória as sílabas isoladas oralmente. Uma vez que não realizava nenhum tipo de registro, a única forma de inscrição seria a própria memória sonora do que havia dito segundos antes. Entretanto, como não procedia a essa escrita do oral, PXLWDV YH]HV QmR KDYLD FRPR RX R TXH UHVJDWDU SDUD D ³HVFULWD´ ILQDO GD palavra. Quando finalmente conseguia transpor todas essas etapas, um novo problema surgia: escutar o que acabara de dizer e reconhecer o significado de tal significante. Muitas foram as ocasiões em que, mesmo ouvindo a gravação de sua própria voz enunciando a palavra constituída a partir da leitura do rebus, Misael não conseguisse repeti-la ou dizer a que se referia o vocábulo. Quando, porém, após vencidas todas as dificuldades, chegava ao resultado correto da leitura do rebus, não era raro que se recusasse a representar por desenho a palavra lida, argumentando não ser capaz de fazê-lo ou mesmo pedindo para realizar a imagem de outro objeto. Uma situação bastante ilustrativa deve, nesse sentido, ser mencionada como forma de se observar a renitência de Misael ao campo do



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imaginário e a relevância desse dado para a compreensão e intervenção nos percursos de entrada na escrita. Foi apresentado à criança o seguinte rebus:

6 ± Rebus para leitura de [LA]TA + [GO]TA = LAGO

Misael, porém, ao se deparar com o rebus, fixou-se no desenho da JRWD VHJXQGD FROXQD  H GLVVH ³&KXYD´ FHUWDPHQWH SRU XP HL[R associativo de imagens. Deste modo, mesmo quando esclarecido sobre o UHIHUHQWH GD UHSUHVHQWDomR LQVLVWLD HP GL]HU ³FKXYD´ DR VH UHSRUWDU D WDO elemento constituinte do rebus. Quando finalmente foi, aparentemente, convencido de que o desenho representava uma gota, passou, então a dizer que o resultado do rebus /$*2  HUD ³FKXYD´RSHUDQGRXP YHUGDGHLUR apagamento da leitura feita até então. Após muita insistência em que refizesse a leitura, repassando várias vezes todas as etapas acima descritas, Misael parecia convencido de que o rebus UHSUHVHQWDYDDSDODYUD³ODJR´H por fim, pôs-se a realizar seu desenho:

7 ± Representação realizada por Misael para a palavra LAGO.

Conforme se observa, apesar de, aparentemente, ter passado por todo um processo de decifração do rebus e de ter se mostrado de acordo com todo o percurso conduzido pela pesquisadora, ao final, seu desenho registra



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a manutenção do olhar primeiro, fixado numa imagem a que atribuiu sentido particular, revelando, portanto, que Misael persistia numa situação imaginarizada, de renitência ao outro (no caso a escrita), estático na posição narcísica, pouco disposto a submeter-se ao simbólico. O longo caminho de intervenções percorrido, em primeira análise, não exerceu grandes efeitos sobre a situação de Misael, que permaneceu sem saber lidar com a escrita alfabética; aos doze anos ainda não lia, não escrevia, não reconhecia sequer seu próprio nome em contextos que não fossem o cabeçalho de uma atividade escolar. Entretanto, é possível afirmar que houve mudanças bastante significativas no seu esquema de representações. Misael, ao final dos trabalhos, havia atingido níveis de compreensão da palavra, em termos estruturais, bastante significativos, se tomarmos como referência o ponto de onde havia partido. Sabia, após todo o processo, segmentar palavras em sílabas, lia mais facilmente os rebus, memorizava mais elementos de uma narrativa, interessava-se por livros e outros materiais escritos postos à leitura. Ainda manteve as dificuldades com a memorização de canções, quadrinhas, trava-línguas, adivinhas, parlendas etc.. A inscrição de tais textos em sua memória ainda permanecia renitente, sempre subscrita por uma rede de associações de imagens dispersas que pareciam envolvê-lo e subtraí-lo do jogo que supõe regras, TXHVHFHUFDSRUXPD³JUDPiWLFD´ Misael permanecia, nesse sentido (apesar de certo avanço promovido pelas vivências experimentadas ao longo dos atendimentos), ainda numa relação imaginarizada com a escrita, porém, já tendo atingido uma posição intermediária, mesmo que oscilante, que permitia compreender, ainda que em nível muito primário, os dois eixos de operação da escrita ² seleção e contiguidade ² visto que já conseguia compor uma palavra a partir de elementos dados por duas outras, como ocorria com os rebus que lia.



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Por outro lado, sua condição transitória se expressava principalmente pelo fato de conseguir despregar-se dos desenhos constituintes do rebus, procedendo à leitura das imagens como letras que perderam seu vínculo com os objetos que antes representavam. Embora sua entrada numa certa escrita não tenha ocorrido de maneira progressiva, havendo várias oscilações em que retomava a condição imaginarizada, era ao realizar a leitura dos rebus sem se fixar nos detalhes das imagens e compreendendo a função de representação dos elementos desenhados que Misael flanava pelo terceiro tempo do Édipo, submetendo-se ao Outro da língua e da escrita, bordejando a instância do Simbólico.

Considerações finais: O que é o conceito de rebus e o ensino da leitura

É nesse sentido, das oscilações, que podemos considerar a relevância do conceito de rebus no ensino da escrita e da leitura. Isto é, conforme se observou no caso relatado, não se trata de um instrumento infalível, por meio do qual se poderia remeter a criança a uma das etapas de criação da escrita, numa perspectiva psicogenética de aprendizagem. Embora nossa pesquisa tenha alcançado resultados favoráveis em outros contextos, com alunos em situação semelhante à de Misael, observa-se no caso aqui relatado que as possibilidades do conceito são maiores, isto é, não se restringem a um valor instrumental. As renitências de Misael no nível imaginário, as impossibilidades de transpor detalhes que não davam à representação um vínculo direto com a realidade que conhecia, seja nos rebus ou em outras representações visuais (filmes, ilustrações de livros ou seus próprios desenhos), certamente davam o tom da manutenção do seu lugar de imobilidade perante algo que inscreve



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o apagamento da imagem, seja isso uma letra ou mesmo um brinco da oralidade, em que o sentido se concentra não na imagem, mas no som. Os rebus, portanto, enquanto instrumento, pouco efeito produziram sobre as condições de leitura e escrita de Misael. Entretanto, tomado o conceito a partir de sua concepção trazida pela psicanálise freud-lacaniana e ressignificado pelo campo da educação, torna-se possível visualizar implicações mais complexas no tocante à entrada na língua escrita. No caso relatado, o conceito de rebus foi também fundamental para se esboçar um diagnóstico e ampliar a perspectiva de escuta da situação vivenciada. Misael, nas redes discursivas da escola e da educação, seria um eterno pré-silábico, certamente mais um a engordar os números da exclusão. O conceito de rebus permitiu que se aprofundasse a questão e se enxergasse algo mais complexo, relacionado a situações que extrapolam os aspectos cognitivos da aprendizagem, as condições de letramento etc., na medida em que lhes são anteriores e, portanto, essenciais para a definição das rotas a serem traçadas nos processos de ensino da língua escrita. Um caso como o que foi aqui relatado reforça a necessidade de se ampliar a pesquisa sobre os problemas da aprendizagem da escrita para além dos seus aspectos sociais e históricos, devendo-se, portanto, fixar a atenção também sobre a relação que o leitor em formação estabelece com a escrita. Isto é, é preciso que a escola, ao promover os primeiros contatos com o mundo letrado, verifique em que medida a criança é capaz de abstrair da imagem da letra para atingir os sentidos que ela comporta dentro de um sistema de representação. Por outro lado, conforme se observou antes, é preciso também cuidar das relações que a criança estabelece com a sua língua, já na oralidade, para que conheça suas possibilidades nessa modalidade, podendo, assim, reconhecê-las na escrita, e mais, perceber os limites bem como as dimensões de seu uso em uma ou em outra expressões.



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SENTIDOS DOS SONHOS: O SIGNO ONÍRICO SEGUNDO O ESTRUTURALISMO, A PSICANÁLISE E A ENUNCIAÇÃO

Julio Cesar Machado152 Livian Aparecida Corsi Machado153

3DUDTXHKDMD³UHDOLGDGH´pSUHFLVRTXHKDMDIDQWDVLD (Leila Longo)

Considerações iniciais: A dimensão enunciativa do impossível &RPHFHPRVSRUUHIOHWLUFRP&ODULFH/LVSHFWRU S ³7XGR no mundo começou com um sim. Uma molécula disse sim a outra molécula HQDVFHXDYLGD´4XHUHPRVOHYDQWDUDVHJXLQWHTXHVWmRVHDPROpFXODQmR fala, como ela poderia dizer alguma coisa? Ou podemos nos indagar, de forma mais científica: qual seria uma definição plausível de fala? Ou qual seria uma descrição adequada de falante? Um ser inanimado poderia ocupar uma posição de sujeito falante na ciência? Sustentar que a linguística HVWDULD IHFKDGD HP XP FLUFXLWR XQLYHUVDO HP TXH ³Vy KXPDQRV SRGHP HQXQFLDU´ VHULD XPD SUiWLFD FLHQWtILFD HILFLHQWH H VXILFLHQWH" (VWDV SHUVSHFWLYDV³HVWUDQKDV´TXHDIHWDPDOLQJXtVWLFDQRVLQVHUHQRLQWHULRUGD 152

Doutorando pelo Programa de Pós-Graduação em Linguística da Universidade Federal de São Carlos ± PPGL/UFSCar. Professor da Fundação do Ensino Superior de Passos ± FESP/UEMG. Pesquisador da Unidade de Estudos Políticos, Históricos e Sociais da Linguagem ± UEPHOSOL-UFSCar. E-mail: [email protected]; [email protected] 153



Bacharel em Psicologia pela Universidade de Franca ± UNIFRAN.

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proposta deste artigo: a consideração da fantasia enquanto materialidade enunciativa. Tal indagação justifica a eleição dos sonhos enquanto corpus de análise. E ao dizer sonho, não nos interessa o sonho enquanto manutenção do repouso, mas enquanto produções de signos passíveis de efeitos de sentido, com o cuidado de não cair na intencionalidade da pragmática. Assim podemos repensar, no mínimo, as noções de fala e de falante.

Introdução

Este artigo observa como a teoria saussureana norteia, direta ou indiretamente, toda a difração epistemológica causada pelo surgimento dessa mesma teoria, nos estudos da linguística, ou saberes vizinhos que têm VXSRUWH QD OLQJXDJHP 6DXVVXUH p ³XPD SHGUD GH WRTXH´ *$'(7 H PÊCHEUX, 2004). Passa-se por ele, mesmo sem perceber, todo linguista moderno, de forma que, longe de estar ultrapassado, constitui-se um enunciador154 universal para os estudos da linguagem, como se verá. Por outro lado, as interpretações diversas sobre sua teoria acabaram por rotulá-lo de diversos epítetos ou clichês, alguns pejorativos, como o PDLVIDPRVRDTXHOHTXH³H[FOXLXRVXMHLWRGDOLQJXDJHP´R³FDUFHUHLURGD OtQJXD´ 9HU-se-á que não compactuamos com essas interpretações, o que pode causar certo estranhamento para o leitor, uma vez que, para nós, Saussure não excluiu nada. A relevância desse artigo é tal que despossuiremos a teoria saussureana de qualquer leitura clichê, além de realizar três análises, que embora teórica e metodologicamente distintas, partilham o princípio saussureano do signo no seu cerne, que por ele se erguem e viandam. 154 Enunciador é um lugar de onde se fala, uma base pela qual se sustenta o dizer (GUIMARÃES, 2002).



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Este artigo pretende travar uma discussão sobre a pertinência da atualidade saussureana para qualquer saber que se escore na língua. De forma oblíqua, investigamos o que se entende por sentido, tratando de esquadrinhar o corpus atípico de um sonho, com toda sua materialidade discrepante da tradicional linguagem verbal, pelo requinte de três teorias distintas: uma abordagem linguística de Saussure, uma visada psicanalítica de Freud e Lacan e uma leitura enunciativa de Guimarães. Por que essa combinação? Não se trata da aventura de uma junção, mas do vislumbramento do signo em cada uma delas. As três vertentes, mesmo separadas metodologicamente, se aproximam na sua essência: as três partilham a noção de signo. Pois se Saussure é uma pedra de toque, estudar a língua é perscrutar o signo.

1. O objeto de estudo

Partimos de um pressuposto básico de que o objeto de estudo não está previamente dado, mas é construído por nossas questões analíticas e metodológicas. Na linguística soerguemos o objeto pelas nossas indagações. Isso quer dizer também que não dispomos de um fechamento teórico para aplicar ao objeto, mas engendramos um aparato teórico específico na pesquisa para manipular esse objeto. Por esse pressuposto, apreciaremos a singularidade de nosso objeto, o signo, por três espessuras constitutivas: linguística (por Saussure), psíquica (por Freud e Lacan) e enunciativa (por Guimarães). Metodologicamente, este artigo tratar-se-á de operar a produção onírica (dos sonhos) por essas três faces. Passaremos agora a pensar o signo segundo essa tripla descrição do signo.



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2. O signo segundo Saussure

Ao longo do século, as noções saussureanas foram sendo reescrituradas, e consequentemente ressignificadas, processo que ainda perdura, reafirmando sua propriedade constitutiva de inacabamento. Para estudar a língua, Saussure postula o signo enquanto uma entidade psíquica de dupla face. O significado (conceito) mais o significante (imagem acústica), conjugados simultaneamente, com a propriedade de dependência um do outro. A noção de signo de Saussure está estritamente ligada às demais noções desse autor. Para ele, falar em língua é falar da significação enquanto resultado da sempre relação mencionada, entre significante (imagem acústica) e significado (conceito):

significado significante

Essa relação eterna entre os dois elementos constitutivos do signo indaga-se a respeito de poder tocar um objeto fugidio, antecipando uma PHWRGRORJLDREOtTXDDGR³SRQWRGHYLVWD´DJHQFLDGDSHODSUySULDIDODeD questão da língua à sombra da fala, o mecanismo dual do conjunto abstrato de formas potencialmente realizáveis, apreendido por um processo associativo, das escolhas (in absentia, no nível da língua), que reclama a presença do sujeito ± jamais cortado ± para enfim executar a língua a partir do processo sintagmático, das combinações (in presentia, no nível da fala).



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Por isso a linguística obedece duas ordens: interna (o sistema de signos que determina a língua), e externa (a história e a sociedade). Pensar a língua é inscrevê-la em um dispositivo que se associa pela língua, internamente, e produz-se o sintagma, externamente, pela fala. A língua é o que possibilita a fala. As noções de língua/fala desembocam nas noções de função/funcionamento (NORMAND, 2009, p. 57), pois ³FRPRFRQFHLWRGHlíngua, Saussure busca pensar não mais uma função, mas um funcionamento´ (NORMAND, 2009, p. 56). Outras dicotomias

são

evocadas

também,

como

social/individual,

essencial/acessório, etc). Entendemos então que, ao contrário de muitas leituras, o que se SURS{V HQWmR QmR IRL ³VHSDUDU´ D OtQJXD GD IDOD VHQmR FRQVLGHUDU XPD ³GHSHQGrQFLD´ UHFtSURFD GD TXDO GHSHQGH D H[LVWrQFLD GR VLJQR intermediada pelo sujeito, que é a engrenagem chave deste funcionamento. Dicotomia transfigura-se em contiguidade. Forma-se uma metodologia de relação, pela qual um signo é o que ele não é (sua relação de antonímia com outras palavras). Condena-se a unidade j LOXVmR DR LQYRFDU R SULQFtSLR ³6y Ki UHODo}HV´ 1250$1' 2009, p. 75). É uma especificidade metodolóJLFDRQGH³QmRVHWUDWDGRTXH é dito ou compreendido, mas da maneira como é dito, e dos meios pelos TXDLVLVVRpFRPSUHHQGLGR´ LGHP PDQHLUDDSUHHQGLGDDRDVVXPLUTXHQmR há como isolar elementos. O primado da relação é o sustentáculo da metodologia

de

Saussure,

a

sincronia

(conforme

a

dicotomia

sincronia/diacronia, que rompe um século de história). A análise sincrônica movimenta-se pela noção de diferença: algo só significa pelas diferenças. O A só é A porque existe B,C,D,E,F155... Seu oposto, a diacronia (linguística comparada), traz o defeito de isolar 155 A Negação Descritiva (e delocutiva) de Ducrot, 1986, parte deste princípio: diz-VH³9RFrQmR pORLUR´SDUDGL]HUGHORFXWLYDPHQWH³9RFrpPRUHQR´



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elementos e misturar dados de épocas diferentes, negligenciando o sistema destes dados e elementos. Enquanto metodologia então, para Saussure, o isolamento é negativo, enquanto a relação é positiva. Uma maneira subversiva de pensar o sentido, para o início do século. Neste campo das relações e diferenças da linguística sincrônica onde se fora dito que o signo é arbitrário (não motivado), e este arbitrário é quem permite as mudanças, a teoria saussureana reassume (NORMAND, 2009, p. 93) a relatividade da motivação autorizada pelos procedimentos de analogia (substantivação, verbalização, criação de formas, etc. Como no seu célebre exemplo dezenove). Desta forma, sujeito e história (interna), constitui uma língua dual e contígua (e não dissociada), relativamente motivada e passível de um procedimento subversivo inovador de relações e diferenças.

3. A linguagem na psicanálise

Para estudar o inconsciente, Lacan (apud LONGO, 2006) se escora em Freud para considerar a formação psíquica enquanto linguagem. Para ele o sujeito falante é submetido à linguagem e à função simbólica, inexoravelmente, e ao equívoco inerente a este simbólico. A visão lacaniana pondera que pensamento e a linguagem são diferentes. Contudo, a linguagem é o modo de proteção do homem contra os excessos de realidade de um mundo indescritível (LONGO, 2006). O mundo e a natureza são absurdos por demais para o homem e para a captação simbólica da língua. A língua é a única ponte de acesso para a realidade inatingível, de forma que, mesmo estudando uma dimensão que na essência é discrepante da língua (o pensamento), é-se necessário render-se à disposição da linguagem. A ilusão atingível do simbólico é a única forma



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que o homem conhece para acessar o inatingível da realidade/pensamento. Tal é a relevância da linguagem para a psicanálise. Temos então duas ideias no arcabouço lacaniano: o mundo (o real) nunca significa. Mas vivemos nele, por isso, precisamos da fantasia para significar esse mundo (JORGE, 2010). Se alcançamos o sentido, é pela fantasia, e não pela realidade. Por exemplo, a realidade de uma festa é em si inalcançável, mas, dependendo da fantasia de cada um, pode vir a significar ³PXLWRERD´³KRUUtYHO´³SHUIHLWD´³QHPIRLXPDIHVWD´ etc. O mundo não significa. Mas a fantasia significa. Por esse prisma, o norte teórico que leve em conta a noção lacaniana de fantasia deve inverter a orientação da pesquisa: se se pensava que a realidade tinha sentido e o sonho não tinha, precisaremos considerar o contrário: pela psicanálise, a realidade não tem VHQWLGR PDV R VRQKR WHP ³$ UHDOLGDGH p VLPEyOLFR-imaginária, é construção iminentemente fantasística que, para cada sujeito, faz face ao UHDOLQRPLQiYHO´ -25*(S  Assim, se o real p³SXURQmR-VHQWLGR´ /$&$1DSXG-25*( p. 11), e o que nos resta é tão somente fantasias desse real, que significam, é importante um estudo de como acessar essa fantasia, o signo, já que a única ponte de acesso para a realidade inatingível é a língua. Ao tratar do signo, o autor ressalta que a formação do inconsciente é regulada pela falta, o signo respeita uma ordem que não existe no pensamento nem no inconsciente.

4. O signo segundo Lacan

Lacan ampara-se no algoritmo saussureano para entender a psicanálise linguisticamente, porém, marca uma diferença ao redefinir a noção de significante. Ele quebra a unidade do signo, isto é, se para Saussure a língua é uma questão do signo enquanto relação eterna entre



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significante (imagem acústica) e significado (conceito), Lacan aprecia o fenômeno da linguagem pela nunca combinação entre significante e significado. Assim, o signo de Saussure enquanto circuito sempre fechado, onde a significação é sempre atingida pela relação, é visto por Lacan como um signo enquanto circuito sempre aberto, onde a significação nunca é atingida. É o reforço da barra que separa significante do significado. Na sua UHHVFULWXUD/DFDQPDUFDRVLJQLILFDQWHFRP³6´PDL~VFXORHRVLJQLILFDGR FRP ³V´ PLQ~VFXOR UHYHODQGR D VREHUDQLD GR significante que nunca encontra o significado. A barra que separa significante e significado é o principal símbolo do signo lacaniano, portanto:

S s

Este algoritmo lacaniano foi bem elucidado pela professora Longo (2006):

O falante desliza de significante em significante , sem conseguir entender o que fala, alienado que está do sentido daquilo que diz. Por isso mesmo, torna a barra que separa o significante de significado mais grossa, mais resistente ao significado. O falante só consegue µDWUDYHVVDU¶ D barra, ou seja, atingir o sentido do que fala em raros PRPHQWRV >@ QmR Ki µUHODomR¶ HQWUH VLJQLILFDQWH H VLJQLILFDGR como há em Saussure. O significado é atingido por meio da ação imprevisível das formações do inconsciente (sonho, chiste, sintoma e atos falhos) (LONGO, 2006, p. 45-46). Percebe-se que Lacan faz linguística amparado no a priori do nunca sentido. É a forma de entender, linguisticamente, o que a psicologia chama de falta, ou seja, a busca constante e nunca alcançada de suprir os desejos, devido ao agenciamento do princípio do prazer freudiano, que rege a vida humana. O fenômeno da busca incessante corresponde ao fenômeno da significação inalcançável.



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A barra que simboliza o recalque do significado assim foi descrita:

Pensemos na enorme quantidade de frases que dizemos diariamente [...] Quantas palavras vazias, sem significado! Na verdade, µGHVSHUGLoDPRV¶ SDODYUDV VLPSOHVPHQWH SRUTXH HVVD p D QRVVD condição de falantes (LONGO, 2006, p. 46). Segundo Lacan, no exercício da língua, pode-se alcançar, vez ou outra, um significado. Trata-VH GH XP SRQWR GH ³EDVWD´ /21*2   onde, no deslizamento serial e contínuo de significantes em falta de sentido, RFRUUHXP³FRQJHODPHQWR´HQWUHVLJQLILFDQWHHVLJQLILFDGRGHVYHODQGRXP sentido: é o rompimento raro da barra do algoritmo.

5. O signo segundo Guimarães

A pertinência dos estudos guimaraneanos nesta configuração teórica, entre Saussure (enquanto circuito fechado do sempre sentido, resultado da relação entre signos) e Lacan (enquanto circuito aberto do nunca sentido, resultado da falta constituinte da linguagem),instala a localização enunciativa entre essas duas vertentes, configurando a teoria enunciativa de Guimarães enquanto um circuito único. Não se trata mais de vislumbrar a língua enquanto formatação padrão de fechamento saussureano ou abertura incondicional lacaniana, senão de abrir e fechar o sentido ao tratar do signo especificamente: o funcionamento enunciativo do signo o constitui um acontecimento único. Assim, Guimarães trata a língua no formato da especificidade, o que significa que a língua deve ser estudada enunciativamente (o que a constitui um acontecimento único, que embora repetível outras vezes, produz um efeito de sentido específico e único daquela enunciação).



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Guimarães propõe a noção de memorável como sustentáculo do sentido. Memorável é um passado recortado que é responsável por romper a barra que separa significante e significado, produzindo um efeito de sentido. É esse memorável o responsável por localizar o funcionamento de seu signo entre o estruturalismo e a psicanálise: acederá à relação de significante e significado, de Saussure, porém enquanto relação determinada pela historicidade do memorável, como também concordará com a primazia do significante que se desliza eternamente, de Lacan, mas considerando que cada uma das infinitas manifestações acústicas do significante se liga ao significado pela mesma noção de memorável, constituindo um circuito único a cada enunciação. Se é único, isso quer dizer que a cada funcionamento do significante, tem os um significado único. É o que Guimarães designa de acontecimento. Para Guimarães, teremos a especificidade da relação entre significante e significado a cada acontecimento enunciativo. Enunciar, portanto, é a prática de instaurar um sentido específico, determinado pelo memorável do circuito único. Ou seja, agenciado pela falta de Lacan, que desajeita os sentidos, e pela relação de Saussure, que organiza o sentido, temos nesse entremeio, a prática do dizer especifica:

S (E) s (m)

Note-VHTXHDEDUUDIRLUHWLUDGD1HVVHDOJRULWPRR³6´ VLJQLILFDQWH pYLVWR HQTXDQWR ³(´ HQXQFLDomR  H ³V´ VLJQLILFDGR  p YLVWR HQTXDQWR ³P´



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(memorável). É o memorável (o passado presente em todo dizer), que faz o Significante romper a barra e produzir sentido156.

6. Os sonhos

Abordar os sonhos sempre foi um desafio. Sua materialidade ilógica, VXUUHDOGLVIRUPHHQmRFRQYHQFLRQDOVHPSUHUHFRUWDDVHJXLQWHTXHVWmR³R TXHLVVRVLJQLILFD"´ RTXHMXVWLILFDHVWHDUWLJRVHPkQWLFR -XVWDPHQWHSRU esse caráter fugidio, convencionou-se a máxima de que o sonho está sempre aberto a novas interpretações. Uma coisa é certa: se o real não VLJQLILFD R VRQKR IDQWDVLRVR VLJQLILFD SRLV ³WXGR TXH QRV p SHUPLWLGR abordar de realidade resta enraizado na fantasia (LACAN, apud JORGE, 2010, p. 77). Com muito esmero, Freud iniciou essa aventura interpretativa do sonho, deixando-a sem fechamento. Desenvolveu dois procedimentos para manipular os sonhos: a condensação (vários signos da dimensão desperta que se resumem em um único signo na dimensão onírica) e o deslocamento (vários signos na dimensão onírica, que se referem a um único signo da dimensão desperta). Lacan reescriturou os dois procedimentos para respectivamente: metáfora e metonímia. Por nossa vez, enunciativamente, proporemos adiante, no lugar desses dois procedimentos (para um tratamento enunciativo dos sonhos), respectivamente enunciação de evidência e enunciação de aparência. Em suma, por essas três reescrituras do mesmo fenômeno, observamos o funcionamento dos sonhos que joga com a construção dos signos pelos modos de evidenciar e aparentar. Portanto, o sonho é um texto para ser lido, não pelo modo tradicional e

156 Por não ser assunto desse artigo, omitimos aqui as outras duas temporalidades, também intrínsecas ao dizer: o presente e a futuridade.



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clássico. E ler por princípios ilógicos, sua disposição errática, não compromete a compreensão. Alguns dos pressupostos freudianos nos são relevantes, e para estudar os sonhos, alguns deles nos fazem captar particularidades dos sonhos: A ± O primeiro deles. Para estudar o sonho é necessário abordá-lo enquanto texto. E esse aspecto A já conclama a pertinência da linguística. Para Freud o sonho deve ser lido. B ± 3DUD³WRFDU´RVRQKRQmRRID]HPRVDQmRVHUSHOD³IDOD´LVWRp alguém deve contar, descrever o que sonhou, para então poder analisar os dados falados (e isso já é um grande entrave, uma vez que analisamos o ponto de vista de um objeto, e não o objeto primário. C ± O aspecto subjetivo (do inconsciente) recortado pelos sonhos, isto é, para Freud, temos um texto só intimamente conhecido pelo seu produtor, o sonhador. Portanto, seria melhor eficiente se o próprio sonhador detivesse as habilidades metodológico-teóricas para analisar seu sonho, o que raramente acontece. Temos um analista não-sonhador que analisa os dados de um outro sonhador, e muito do sonho se perde nessa distância. Freud inclusive assume que suas análises pautam-se nos seus próprios VRQKRV H WRGRV HOHV QR IXQGR VLJQLILFDP ³OXWR´ GHYLGR jV FRQGLo}HV GH produção próximas à morte de seu pai. D ± Talvez a principal, que podemos escolher seguir ou não: para Freud, o sonho pauta-se em uma base constitutiva que rege qualquer produção onírica: o princípio do prazer. Lacan diz que a prática HQXQFLDWLYD p XPD EXVFD FRQVWDQWH XP IDODU ³SDSDJDtVWLFR´ DWp D PRUWH porque buscamos um objeto jamais alcançado: a falta. Poderíamos dizer que o sonho seria uma enunciação que, não importa sua materialidade imagética, avessa ou não, coesa ou não, tenta obturar essa falta constante,



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esse buraco intapável, anestesiado pela língua fantasiosa: a busca nunca alcançada, deliciosa ou dilacerante, dos sonhos.

Dos quatro pressupostos acima elencados, queremos adicionar dois outros, com forte ênfase, fundamental para as análises do ponto de vista de nossa proposta: E ± O primeiro, sugestão nossa: o espaço enunciativo do mundo onírico não deve ser lido como o espaço enunciativo do mundo desperto. Suas regularidades são avessas e distintas. Mesmo que ambos se inscrevam QD LJXDOGDGH GD LQVWkQFLD GD OHWUD FRPR DILUPD /DFDQ ³R VRQKR GLILFLOPHQWHWHPµWUDGXomR¶QDUHDOLGDGHPDWHULDO´ /21*2S); F ± E o segundo já proposto por Bréal (2008, p. 197): nos sonhos, ³>@ VRPRV DR PHVPR WHPSR HVSHFWDGRU LQWHUHVVDGR H DXWRU GRV DFRQWHFLPHQWRV´ 2 TXH Gi DR ORFXWRU-sonhador um lugar privilegiado na interpretação dos sonhos.

7. O corpus

Considerados os fundamentos teóricos do signo e em seguida os pressupostos analíticos dos sonhos, passaremos a apresentar o corpus sobre o qual se debruçarão as análises. O sonho clássico de uma paciente de )UHXG FRQKHFLGR FRPR ³D FHLD´ &RPR Mi GLWR QD YHUGDGH WHPRs acesso indireto a esse sonho, devido à sua materialidade intangível e irreproduzível, própria dos sonhos. Nosso corpus constitui-VH GH ³XPD YHUVmRGHVFULWLYD´GDVLPSUHVV}HVGDVRQKDGRUDDSUHVHQWDGDDEDL[R

Eu queria oferecer uma ceia, mas o único mantimento que tinha em casa era um pouco de salmão defumado. Quis sair para fazer compras, mas lembrei-me de que era domingo à tarde e todas as lojas



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estavam fechadas. Quis telefonar para alguns fornecedores, mas o telefone estava com defeito. Assim, tive de renunciar ao desejo de oferecer uma ceia (FREUD, 1900, apud LONGO, 2006). $QiOLVHGD³FHLD´SHORFLUFXLWRDEHUWRGDSVLFDQiOLVH

Reproduziremos aqui, com ênfase no signo, a análise inicial de Freud sobre o sonho da ceia, retomada por Lacan, ao inscrevê-la na instância da letra, via signo. Como para a psicanálise o sonho deve ser lido e decifrado, estando intimamente ligado à dimensão significativa do sujeito sonhador, Freud faz um levantamento da vida desse sujeito sonhador, para que a leitura seja possível e razoável. Ele sublinha que o sujeito produtor do sonho era uma mulher casada com um açougueiro, um homem rude. Ela sempre implicava com ele (e gostava de implicar com ele). Ocorreu que ela tinha o desejo de comer caviar todas as manhãs, mas, contrariando seu desejo, pediu ao seu marido que não lhe desse nenhum caviar. Freud afirma que ela renunciou esse desejo para satisfazer outro desejo: se o marido não lhe desse o caviar (embora ela quizesse o caviar) ele daria para sua mulher o poder de continuar a implicar com ele. Somando a esse episódio, ocorreu também que a sonhadora recebeu uma visita, no dia anterior ao sonho, de uma mulher, pela qual sentia ciúmes. Pensava que ela agradava seu marido. Contudo a mulher era magra, e o marido gostava de mulheres mais gordas. A partir desse levantamento no espaço enunciativo desperto, Freud pôde estabelecer associações e traços identificatórios com o espaço enunciativo onírico, por exemplo:

A) A amiga pela qual sentia ciúmes constitui o significado do significante salmão defumado. B) Também o significante ceia ligava-se ao significado caviar, condição para estancar a implicação da mulher com o marido: se saciado, o desejo do



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caviar impediria o desejo de implicar com o marido, o que a mulher não pretendia. LacDQ GL] ³2 GHVHMR GD KLVWpULFD GH WHU XP GHVHMR LQVDWLVIHLWR p VLJQLILFDGRSRUVHXGHVHMRGHFDYLDURGHVHMRGHFDYLDUpVHXVLJQLILFDQWH´ (LACAN, 1998, p. 627). Freud lê esse texto onírico da ceia pelo princípio do prazer, que circunscreve o desejo em alguns elementos, resultando em duas interpretações: 1 ± Pela não-ceia, a paciente realiza o desejo de não ver a amiga engordar com seu jantar, e assim não perder o marido (que gosta de mulheres mais gordas); 2 ± Pelo não-caviar, a paciente realiza o desejo de poder continuar a LPSOLFDU FRP R PDULGR R TXH OKH Gi SUD]HU &RPR DILUPD /DFDQ ³6HX desejo de caviar é um desejo de mulher satisfeita, e que justamente não TXHUHVWDU´ /$&$1S 

Conclui-se então que para Lacan raramente se configura a combinatória Significante e significado porque tudo já está previamente SHWULILFDGRQD³IDOWD´&RQWXGRSRGH-se, por essa mesma noção de falta, ser possível ler o sonho, interpretando seus elementos, desde que pautados no princípio do prazer. Assim, essa sonhadora poderia sonhar todos os dias, sempre, com diferentes e infinitos significantes, que variariam cada noite: caviar, salmão, peru, pernil, arroz etc... todos almejando a falta de não perder o marido e poder implicar com o marido sempre. Nesse circuito



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aberto (incompleto), sonhos são jogos simbólicos de elaboração da falta. E se falta, não tem sentido157. Inventamos signos-tampões. $QiOLVHGD³FHLD´SHORFLUFXLWRIHFKDGRGRHVWUXWXUDOLVPR

Observaremos o sonho da ceia pelo signo de Saussure, lançando um olhar semântico para as formas (focando o fenômeno da mudança de sentido). Isto pressupõe que o signo nunca é o mesmo duas vezes, e fora do uso não há garantia da significação dos signos (NORMAND, 2009, p. 155). Num panorama geral, averiguar-se-á que não se pode analisar o corpus da FHLD FRQIRUPH RV HStWHWRV GH 6DXVVXUH TXH ³SRGD D OtQJXD´ SRLV PHVPR TXH WHQKDPRV DFHVVR j VRPHQWH ³SDUWH´ GD WUHRULD GH 6DXVVXUH R VHX procedimento analítico nos é oculto a este tipo de corpus, com disposições absurdas. Na melhor das possibilidades, o aparato saussureano é restrito a corpora comparatistas da época. Desta forma, nossa tentativa de aplicar Saussure terá a particularidade de relações que extravasam a forma. Em nosso caso, a parole da locutora determinará a descrição do VRQKR³DFHLD´,VWRpDSUySULDIDODQWHGHWHUPLQDUiRVVLJQLILFDGRVGHVHXV significantes oníricos. O mote das análises oníricas prima, em um primeiro PRPHQWR SRU VHFFLRQDU R ³HVVHQFLDO H XQLYHUVDO versus particular e DFLGHQWDO´ &/*, 1916, p. 64 apud NORMAND, 2009, p. 129). No caso saussureano, a parole da locutora parece privilegiar o essencial e universal, porque ela não menciona particularidades ao descrever seu sonho. A sonhadora elabora seus significados nas bases universais: não ter mantimentos = não poder fazer ceia. Ceia = fartura. Nosso procedimento transcursará dois movimentos (que são duas críticas ao saussureanismo) visando desmantelá-las: 157

Percebe-se que para Lacan, o sentido é completude. Por isso que, impossibilitado pela falta, raramente é atingido. Diferentemente da enunciação, onde o sentido é um efeito, possibilitado justamente pela incompletude.



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x 1ª crítica ± Variação dos empregos: No saussureanismo (contrariamente como muitos criticam), é possível articular léxico e sintaxe de forma a multiplicar as significações. No sonho da ceia isso se deu em dois passos:

A) Ícone-lexical: pela forma associativa, a locutora-onírica selecionou uma gama específica de vocabulário: ceia, salmão, compras, domingo... Para isso procedeu sincronicamente, pois o signo ceia não seria qualquer evento (Natal? Aniversário? Comemoração?...), o signo salmão não seria qualquer alimento (Pernil? Peru? Vinho?...), e o signo casa não seria qualquer lugar aleatório (Restaurante? Mansão? Shopping?...) e etc, que formariam D³IUDVH´GHVHMDGDHH[HFXWDGDSRUXPSURFHVVRcombinativo.

B) Ícone-sintático: pelo léxico associado à sintaxe, a falante pôde ter combinado a frase-descrição que relatasse a impossibilidade da ceia: Queria oferecer uma ceia, mas o único mantimento que tinha em casa era um pouco de salmão defumado....Assim, tive de renunciar ao desejo de oferecer uma ceia. O sentido, bem universal (padrões sociais), dado pela própria sonhadora foi: impossibilidade (se não há mantimentos, não se pode fazer uma ceia, porque a ceia deve ser farta).

Esta figura ilustra bem que, de todas noções não-prontas de Saussure, sobressai seu pensamento determinante: só existem diferençasRXTXH³QmR existem, a bem dizer, signos, mas diferenças entre signos (ESCRITOS, apud 1250$1'S ´³a é impotente para designar o quer que seja, se não recorrer a b >@GHPDQHLUDDTXHVyH[LVWDPGLIHUHQoDV´ idem, S HGDPHVPDIRUPDVyWHPRVRVLJQR³FHLD´VHUHFRrremos ao signo



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³PDQWLPHQWR´ RX ³VDOPmR´ $V diferenças são descoladas por relações (associativas e sintagmáticas). Contudo, ao tratar de um corpus onírico, a teoria saussureana emperra ao cogitarem-se as possibilidades de infinidades de significações por meio da ligação léxico-sintaxe: por uma tentativa interpretativa (que Saussure talvez chamaria anagramática), como encontrar outras relações do significante salmão, ceia, casa, renunciar e etc, propondo outros significados? Essa incógnita nos remete à noomR GH ³VXMHLWR IDODQWH´ responsável por sanar a hercúlea questão: é necessário sobrepor as características individuais sobre as universais (o sujeito, sua posição, sua vida, suas relações é quem resolverão o problema). Tal raciocínio de incompletude deVSHGHR³6DXVVXUHTXHH[FOXL´TXH caminha via elegante da razão. As determinações do signo de relação, diferença, e combinação, bem como seu funcionamento nas dicotomias, são insuficientes para abarcar sentidos não-universais, específicos, como pensamos ser os de corpora GHVRQKRV8PDQRYD³SHoD´pQHFHVViULDSDUD proceder aos sentidos dos sonhos. Mas qual? O saussureanismo jamais fechou a relação léxico-sintaxe restringindo as significações (não parece haver fundamentação clara para esta crítica). A configuração dos léxicos escolhidos e a elaboração da sua frase, via parole, poderiam muito bem descrever os espectros oníricos não como ceia, mas: fim de um jantar, preparativos para uma festa, preocupação excessiva de uma atividade, etc. É justamente essa insuficiência via léxico-sintaxe que conclama outra linha de pensamento, culminando na segunda crítica à teoria saussureana, e nosso segundo passo de análise: x 2ª crítica ± Variação das significações: Para Gadet e Pêcheux (2004) e Pêcheux (1999), até a loucura é formulada por vias do uso simbólico (da língua). Temos na produção do sonho a construção do impossível pelos



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signos possíveis. Fenômenos como esse questionam o estatuto da ordem VLPEyOLFD H ³ID] HQWUDU´ D DSDUrQFLD QR kPELWR GD OtQJXD 3DUD *DGHW H Pêcheux (2004), o negativo e o positivo são intrínsecos, e põem a lógica em xeque. Eles dizem que o fenômeno do equívoco culminou na dispersão linguística da pragmática, análise da enunciação, análise do discurso, semântica, etc., onde o sentido seria alcançado pela consideração da situação, efeito intersubjetivo, circunstâncias e interlocutores: seria a LQDXJXUDomR GDV ³FLrQFLDV GD OLQJXDJHP´ LGHP   8PD GLIUDomR epistemológica (PÊCHEUX, 1999) emerge, tentando elaborar mecanismos de modo de interrogação dos dados e formas de raciocínio capazes de explicar o equívoco (idem, p. 25). Embora o princípio arbitrário prevaleça, a figura do absurdo de realizar uma ceia com apenas um pouco de salmão defumado fere o determinante social da linguagem (o consentimento JHUDO GH TXH ³D FHLD GHYH VHU IDUWD´ H HP FRQVHTXrQFLD ID] SHQVDU QR valor GR VLJQR ³FHLD´ Talvez seja seguindo a evidência da razão que a sonhadora realizou a associação QRILP³WLYHGHUHQXQFLDUDRGHVHMRGHRIHUHFHUXPDFHLD´6HD sonhadora considerasse a não-razão, certamente seu sonho tratar-se-ia de um evento linguístico que alteraria a significação (relação no interior do signo), e o valor (relação de signo com signo) (NORMAND, 2009, p. 159), soprepondo o individual por sobre o universal. O sonho da ceia ainda instaura outro nó: o gesto de leitura, obsoleto, se aplicado ao onírico: a linearidade do significante (ou ordem do discurso158) se torna antiquada, pois a leitura era regida pelo princípio de TXH ³D SDODYUD DJH HP YLUWXGH GH WHU XP FRPHoR e um fim, e as outras SDODYUDV GHYHP VHU FRORFDGDV DQWHV RX GHSRLV´ (6&5,726 DSXG NORMAND, p. 163). Como proceder para ler o atípico, pelos moldes do 158 Não confundir a ordem do discurso de Saussure (linearidade) com o as considerações de ordem de discurso de Foucault (2001) (deslinearidade).



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típico? Como formular a ordem da aparência? A ceia só de salmão ou a ceia-miserável? Ou uma transposição para a escrita não seria possível? Se significante e significado são insuficientes para acessar o sentido, e a execução da língua é não-razoável nesse sonho, o que falta? Como proceder? Como construir um mecanismo próprio para o desequilíbrio imagético, e repensar modos de interrogação e formas de raciocínio? Ao transportamos a análise para o campo dos signos, notamos que o VLJQR³FHLD´SRUHOHPHVPRpLQVXILFLHQWHSDUDDVLJQLILFDomR Resultado da análise via Saussure: a atribuição de significados aos significantes oníricos é possível, contudo, será a abertura para a ilógica quem possibilitará a averiguação de novos/outros sentidos para os sonhos. Pois o caminho contrário é realizável na língua. Afinal, nosso ponto de vista é de que o sonho não significD ³HUUR´ VLJQLILFD ³PLVWpULR´ (UUR UHPHPRUD³FRUUHomR´PDVPLVWpULRUHPHPRUD³LQWHUSUHWDomR´ Diante desta questão, a dispersão linguística ganha forças. Conforme 1RUPDQG LGHP  ³GHVWUXLomR H FRQVWUXomR FRPELQDP-se; o dinâmico não VHRS}HDRHVWiWLFR´(p.142). É aqui que devemos continuar Saussure. Não KiUHODomRSHUPDQHQWHRXGLUHWDFRPRREMHWR³DOHLDEVROXWDPHQWHILQDOGD linguagem é que não há nada que possa residir em um termo (ESCRITOS, DSXG 1250$1'  S ´ 2V VRQKRV QRV SHUPLWHP MRJDU Fom as aparências lógicas (PÊCHEUX, 1999, p. 25). $QiOLVHGD³FHLD´SHORFLUFXLWR~QLFRGDHQXQFLDomR

Passaremos agora a observar enunciativamente a realidade psíquica. -XVWLILFDPRV TXH D UHODomR HQWUH IDODQWHV QmR VH Gi YLD ³ERFD ± RXYLGR´ (porque não compactuamos com a postura fisiológica). O falante é um ser da língua, constituído um ser pela língua, que se relaciona com outros falantes constituídos por essa língua. Diante dessa consideração, estamos



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autorizados a pensar o sonho enquanto enunciação. Ademais, o signo sonho põe uma divisão: real/irreal. E para nós o real é apenas o resultado da seguinte agitação enunciativa: signos de evidência (imaginário do que seria o real) versus signos de aparência (outras formas de dizer esse real ± pelo sonho, SRU H[HPSOR  ³2 TXH FRQKHFHPRV SRU realidade resulta dos PHVPRVHOHPHQWRVFRPRVTXDLVFRQVWUXtPRVRVVRQKRV´ /21*2 p. 19). O sonho nada mais é do que um enunciado de outro espaço enunciativo, com regularidades distintas dos demais espaços. Como disse Freud, o sonho é um trabalho de censura que camufla e deforma o desejo 159 (LONGO, 2006, p. 8). Trata-se de uma análise em dois extremos: a dimensão desperta censura o absurdo e é regulada pela razão, já a dimensão onírica pode censurar a razão e é regulada pela fantasia. Como se viu, a forma da psicanálise analisar o sonho é transpondo todas as implicações que estão em causa para a produção onírica. Já a análise enunciativa prevê a experiência do inconsciente enquanto enunciação, e a produção dos sonhos enquanto enunciado. Nosso dispositivo para análise alude à condensação/deslocamento de Freud e metáfora/metonímia de Lacan. Para nós (MACHADO, 2010), o exercício da enunciação constitui-se por duas disposições constitutivas do falar: a enunciação de evidência, pautado no exato, e a enunciação de aparência, absorta no inexato. Inseparáveis, representam o litígio constante do dizer. Assim, diríamos que no espaço enunciativo do mundo desperto predominam as enunciações de evidência (por sobre as enunciações de aparência). Já no espaço enunciativo do mundo onírico, predominam as enunciações de aparência (por sobre as enunciações de evidência). O primeiro espaço é regulado pelo exato, o segundo, pelo inexato. 159 Para um aprofundamento, consultar o processo primário e o processo secundário sugeridos por Freud (a interpretação dos sonhos.



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Se na esteira da psicanálise, o real e o onírico se associam, representam e transferem, por uma semântica enunciativa, diremos que enunciação de evidência do desperto e a enunciação de aparência do sonhador se articulam e dissociam. Por esse modo de enunciar da aparência do absurdo, podemos flagrar efeitos de sentidos tanto quanto pelas enunciações clássicas de evidência do mundo desperto. Iniciando a análise, corroboramos a psicanálise ao acatar que o sonho só se torna operativo depois de enunciado (quando toma sua condição OLWHUDO ³VXDFRQGLomROLWHUDOfaz com que a enunciação seja necessária, no sentido de que o jogo fônico permite o surgimento do significante, SURGX]LGRSRUHVVDOHLWXUD´ /21*2S $QDOLVDURVRQKRSHOD enunciação é jogar com a enunciação de aparência, e recortar memoráveis. De uma postura enunciativa, sonhar trata-se de jogar um jogo com memoráveis: são diferentes formas de se recortar memoráveis, presentes na enunciação de aparência dos sonhos, de formas mais bizarras (ou não) possíveis: desvenda-se o enigma do sonho, se se descobre a qual memorável ele se refere. Então o sonho passa a ter sentido. No tocante à análise, como a enunciação onírica, para Guimarães, é uma

questão

de

especificidade

única,

o

sentido

dos

sonhos

(especificamente esse sonho da ceia) é dependente de um memorável do mundo desperto. Já que ler o sonho é um jogo de encontrar memoráveis, no caso de uma postura enunciativa que preze a especificidade, a atribuição e interpretação dos sonhos está mais propensa e inclinada ao sonhador. Ele é descritor de seu sonho, investigador dos recortes de suas memórias e SHUVFUXWDGRU GH VHX LQFRQVFLHQWH HQTXDQWR ³HVWRTXH´ GH H[SHULrQFLDV recalcadas, que tratamos por memoráveis). O sentido do sonho é mérito do sonhador enquanto analista de suas memórias. Uma segunda pessoa (um psicólogo? Psicanalista?) poderia apenas ajudá-lo nesse processo, mas MDPDLV ³GDU´ R VHQWLGR SURQWR 2 DQDOLVWD SRU PDLVTXH VHH[WHQXDVVH HP



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DQDOLVDURVRQKRGRSDFLHQWHWHULDDFHVVRDSHQDVjV³YHUV}HV´GRVVRQKRVH ³LPSUHVV}HV´ GRV PHPRUiYHLV GR sonhador, conteúdos recalcados (no inconsciente) que vem a tona ao consciente (pelo sonho). Se o sentido onírico é mérito do falante-sonhador, já que quando sonhamos somos espectador e autor simultâneos (BRÉAL, 2008, p. 147), não ousaremos continuar ou fechar o significado da ceia. Apenas a sonhadora conhecia os elementos de sua realidade conjugadas à suas perspectivas de desejo, parcialmente e ilusoriamente traduzidas em palavras para Freud160. E se (quem o sabe?) a falante-sonhadora tivesse mentido para Freud sobre se sentir realizada no casamento, e o enunciado do sonho da ceia estivesse baseado em um enunciador individual de querer engordar, SDUDVHUPHOKRUDPDGDSHORPDULGR"(VHRVLJQR³FL~PH´SRUHODQDUUDGR estivesse escorado em um enunciador genériFR GH ³TXHP GHVGHQKD TXHU FRPSUDU´HQDVXDHVSHFLILFLGDGHVLJQLILFDVVHXPRXWURGHVHMRGHVHYHU livre do marido com a ajuda da amiga? Até que ponto confiar na descrição onírica da sonhadora (que também pode estar determinada pela vergonha de se abrir, de se revelar, por um recatamento, uma defesa por outras versões, ou um próprio enunciado de não aceitação de suas condições, e etc? Sem a presença da sonhadora, não podemos fechar, mudar ou continuar a análise de Freud (já questionável nos resultados). Para nós, filiados a uma perspectiva analítica transversal da língua (própria da Semântica de Enunciação), somaríamos a Saussure uma consideração de que o nó do equívoco será sanado pela introdução de um elemento que chamaremos história (mais especificamenWHR³PHPRUiYHO´ que recorta uma voz na história161). Considerar o uso do signo em um texto, 160

Não estamos dizendo de forma alguma que Freud estava errado na sua interpretação, mas que estava incompleto nela, pela impossibilidade de acessibilidade ao enunciado onírico da senha. 161

É bom que se diga que aproximamo-nos de Paul Veyne (1983) ao entendemos história de forma descontínua e opaca, só atingível pelas questões que lhe formulamos.



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RX HP XP DFRQWHFLPHQWR DQWHULRU VHULD VXILFLHQWH SDUD ³GHVYHQGDU´ R sentido surreal. Como a leitura imagética goza de deontologia própria e difere-se da leitura escrita, a noção de memorável estende-se não apenas a imagens estapafúrdias, desiquilibradas e surreais, mas às comuns e simples (o que significaria um quadro com uma simples flor, sem um memorável?). Dessa forma, vamos supor que a paciente de Freud era sincera, para GL]HUTXHHQWHQGHPRVRVRQKR³DFHLD´FRPRXPDHQXQFLDomRGHDSDUrQFLD aparenta ser uma ceia. Lembramos que no espaço enunciativo desperto predomina a enunciação exata da evidência, e no espaço enunciativo onírico predomina a enunciação inexata e enigmática da aparência. Assim, ao engendrar uma análise enunciativa via signo, o significante-enunciação ceia recorta os memoráveis de prazer em um marido incompleto (para poder implicar com ele) e ciúmes da amiga (que deveria estar em estado de magreza para não agradar o marido da sonhadora), o que nos leva a dizer que o significado de ceia constitui-se de dupla configuração: Significados do significante ceia: perder o marido ao trocar um marido imperfeito por um marido perfeito, que a saciou com o caviar, o que representa não deleitar-se mais em implicar com o marido; e perder o marido com a sequela da ceia, isto é, sua amiga que se ofereceu para ir à sua casa para o desjejum engordaria, e representaria risco ao agradar seu esposo que gostava de mulheres gordas. Vejamos isso nas fórmulas:

Ter a ceia

perder o marido162

Não ter a ceia

conservar o marido

Assim, podemos vislumbrar o signo onírico da paciente de Freud, por um postulado enunciativo:

162



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´VLJQLILFD³RULHQWDSDUD´

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S ± Significante: ceia s ± Significado: perca do marido

Logo, se não houve ceia, o sentido de prazer (a posse do marido) permanece.

Considerações finais

Neste pequeno artigo aventuramo-nos a investigar o signo pela argúcia de dois saberes, que o postulam, e um último que sugerimos. Perscrutamos o signo relacional de Saussure (onde há uma eterna relação entre significante e significado a cada associação e combinação), o signo ocasional de Lacan (onde ocasionalmente encontra-se o Significante com o significado, no infinito falar sem sentido da humanidade) e o signo acontecimental de Guimarães (onde há um único acontecimento específico entre significante e significado a cada nova enunciação proferida). Assim, ao circuito fechado de Saussure e ao circuito aberto de Lacan, propomos uma visada sígnica aberta-fechada, uma configuração única a cada enunciar, dependente do exercício da fala (que pode produzir-se por vias não orais, não fisiológicas, como é o caso dos sonhos). Para Saussure (que não tratou de corpora propensos ao absurdo) talvez os sonhos se submeteriam ao procedimento: primar os elementos individuais por sobre os universais, como estratégia de adequar relação/combinação, articulando a diferença para manipular os dados, e alcançar uma interpretação adequada (pensar a ceia fora de condições universais, privilegiando signos individuais). Para a psicanálise os sonhos são elementos que ensinam na medida em que trabalham com uma falta (LONGO, 2006, p. 38), a ponderação de um nunca sentido (porque o sentido na psicanálise é completude). Já para a enunciação os sonhos são



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um jogo de detecção de memoráveis. Sua unicidade específica reclama o acesso direto aos sonhos, para dar consistência aos efeitos de sentidos reais enunciados oniricamente (o que coloca como condição elementar, no mínino, que o próprio sonhador analise seu sonho, para um resultado mais confiável). Se os sonhos são ancorados no princípio do prazer na vertente psicanalítica, para a enunciação trata-se do principio do memorável. Se lá eles são signos representantes de uma experiência de satisfação, na enunciação os sonhos são a prática de enunciar memoráveis camuflados, que reclamam recortes. Investigar os sonhos é refletir e desestabilizar as formas convencionais de pensar as noções de enunciação, sujeito, falante e signo, principalmente.

Referências bibliográficas

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Parte IV ± POLÍTICA E ADMINISTRAÇÃO ESCOLAR DA ALFABETIZAÇÃO NO BRASIL 

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AS POLÍTICAS PÚBLICAS E SUAS REPERCUSSÕES NO PROCESSO DE ALFABETIZAÇÃO DE CRIANÇAS BRASILEIRAS COM SEIS ANOS Rosane Carneiro Sarturi163 Jucemara Antunes164

Considerações iniciais

O presente estudo explicita algumas reflexões teóricas acerca do processo de alfabetização da criança que está ingressando no Ensino Fundamental com duração de nove anos, bem como algumas discussões no que concerne a implicação dessa ampliação para o processo de ensinoaprendizagem. O objetivo deste estudo é provocar uma reflexão a partir das orientações presentes nos documentos legais que promoveram as alterações na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), Lei nº. 9394/96, considerando a infância e a epistemologia da construção do conhecimento para compreender o processo de alfabetização. A abordagem metodológica é qualitativa, a partir de um estudo bibliográfico de pressupostos teóricos no que diz respeito às teorias de aprendizagem, do processo de alfabetização e dos documentos que 163

Profa. Dra. da Universidade Federal de Santa Maria, Departamento de Administração Escolar. Realizou seu doutorado em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul com estágio doutoral pela Universidade de Valência, Espanha. Realizou também Pósdoutoramento pela Universidade de Valência, Espanha, como bolsista CAPES/Fundação Carolina. E-mail: [email protected] 164

Doutoranda em Educação no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Santa Maria (PPGE/UFSM). Mestre em Educação pelo mesmo programa. Coordenadora pedagógica dos eixos Educação de Jovens e Adultos (EJA) e Educação do Campo ± Secretaria de Município da Educação de Santa Maria (SMEd). Professora Pesquisadora I do curso de Pedagogia à Distância ofertado pela UAB/ UFSM. E-mail: [email protected]



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orientam a política de ampliação do Ensino Fundamental de oito para nove anos. As reflexões elencadas em um dado momento histórico da carreira de duas professoras alfabetizadoras, hoje se configuram como reflexões preliminares para os estudos que circundam o conjunto de políticas públicas voltadas para a ampliação da oferta de ampliação da obrigatoriedade da educação brasileira, entre elas o próprio Pacto pela Alfabetização na Idade Certa (PINAIC). Seria impossível inserir-se no cotidiano das práticas sem refletir acerca dos pressupostos teóricos que perpassam a infância e as aprendizagens dos sujeitos que a referenciam. A estrutura do texto está organizada em seis momentos, no primeiro, o texto apresenta uma breve exposição sobre o tema, no segundo aborda a questão da proposta da política de ampliação do Ensino Fundamental, trazendo uma discussão sobre o significado dessa proposta. A terceira parte traz algumas reflexões acerca da infância, colocando alguns momentos históricos, elencando a importância desta fase para a aprendizagem significativa da criança. A quarta etapa do trabalho explicita um pouco a respeito da construção do conhecimento pela criança de seis anos a qual está ingressando no ensino de nove anos, enfocando as teorias de aprendizagem para a construção de habilidades básicas na criança. A quinta parte apresenta reflexões no que concerne ao processo de alfabetização pela criança de seis anos, considerando a importância do respeito e valorização do lúdico no caminho percorrido pela criança para alfabetizar-se. Na sexta e última parte, as considerações sobre as reflexões realizadas ao longo do texto. Desta forma, este trabalho surgiu da necessidade de uma reflexão teórica acerca do processo de alfabetização da criança ingressante no Ensino Fundamental de nove anos a partir da política de ampliação na rede de ensino do município de Santa Maria.



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A Lei de Ampliação do Ensino Fundamental vem trazendo diversas discussões que estão imersas na escola, dentre elas, a questão do caminho percorrido pela criança para se tornar um indivíduo alfabetizado, o que envolve não só a alfabetização em si, mas também outras questões que são fundamentais para a sua concretização. Portanto, consideramos que a ampliação do Ensino Fundamental pode apresentar diferentes possibilidades para compreender o processo de ensino-aprendizagem da criança, uma vez que isto implicará em aumentar o tempo de ensino, podendo ser esta uma oportunidade para o educador organizar e planejar suas atividades considerando a etapa infantil como fundamental na construção da identidade do sujeito, da sua autonomia e na construção dos seus conhecimentos, já que a criança é um ser em desenvolvimento permanente.

1. A proposta de ampliação do ensino fundamental brasileiro

Segundo informações contidas no 3º Relatório do Programa de Ampliação do Ensino Fundamental para Nove Anos (BRASIL, 2006) coloca que a própria LDB, Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, já alertava para o ensino obrigatório de nove anos sendo iniciado aos seis anos de idade. A princípio, com o objetivo de atender esta demanda, o governo brasileiro propõe com a Lei nº 11.274/06, que amplia o Ensino Fundamental de oito para nove anos, tornando obrigatória a inclusão das crianças de seis anos de idade na escola, pois acredita reafirmar a LPSODQWDomR³GDFRQVWUXomRGHXPDHVFRODLQFOXVLYDFLGDGmVROLGiULDHGH TXDOLGDGH VRFLDO SDUD WRGDV DV FULDQoDV´ %5$6,/   6HJXQGR R governo, esta é uma oferta que atende especialmente as crianças pertencentes às classes populares, uma vez que as crianças com seis anos de



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idade das classes média e alta já se encontram incorporadas no sistema de ensino. Essa política de ampliação desafia a escola a repensar a sua organização de forma diferente, sob outro enfoque, demonstrando uma preocupação com a etapa infantil, pois é também a partir da convivência na escola paralelamente com suas experiências de vida que a criança terá possibilidades de ampliar sua visão de mundo, de se desenvolver e principalmente terá mais tempo para construir suas aprendizagens. Perante a essas questões, entende-se, então, que cada instituição de ensino precisará repensar um novo currículo, com práticas levando em consideração cada aluno bem como cada realidade encontrada. É possível afirmar esse fator a partir das palavras contidas no 3º Relatório do programa de ampliação do ensino fundamental para nove anos que dizem: [...] é preciso que haja, de forma criteriosa, com base em estudos e debates no âmbito de cada sistema de ensino, a reelaboração da proposta pedagógica das Secretarias de Educação e dos projetos pedagógicos das escolas, de modo que assegure ás crianças de 6 anos de idade seu pleno desenvolvimento em seus aspectos físico, psicológico, intelectual, social e cognitivo (BRASIL, 2006, p.9). Acerca disso, acredita-se que a ampliação do ensino fundamental de oito anos para nove anos vem acrescentar na melhoria do ensino no Brasil, uma vez que a criança terá mais tempo, possibilidades e oportunidades para ampliar seus conhecimentos e enriquecer suas aprendizagens, embora o tempo seja importante isso não determina a qualidade da aprendizagem e sim o que é feito nesse tempo. De acordo com as informações contidas no documento elaborado pelo Ministério da Educação, por meio da Secretaria de Educação Básica (SEB) e do Departamento de Políticas da Educação Infantil e do Ensino



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Fundamental (DPE), chamado Ensino Fundamental de Nove Anos: orientações para a inclusão da criança de seis anos de idade: Ressalta-se que a aprendizagem não depende apenas do aumento de tempo de permanência na escola, mas também o emprego mais eficaz desse tempo: a associação de ambos pode contribuir significativamente para que os estudantes aprendam mais e de maneira mais prazerosa (BRASIL, 2006, p.7). Sendo assim, o Plano Nacional de Educação (BRASIL, 2006), ao prever a ampliação do Ensino Fundamental de oito para nove anos de duração, no Brasil, como uma política pública conferida pelo governo Federal a partir do Ministério da Educação (MEC), assume o compromisso com a possibilidade de inclusão de alunos, na maioria das classes sociais menos favorecidas economicamente, mais cedo na escola com o objetivo de minimizar as dificuldades de aprendizagem na alfabetização. Todavia se faz necessária uma atenção especial, para que tal determinação não seja utilizada apenas para atender as determinações dos organismos internacionais e ao Mercado Comum do Sul (MERCOSUL).

2. Uma reflexão acerca da infância

Ao falar em infância, dificilmente uma pessoa pode deixar de lembrar os momentos inesquecíveis e mágicos, quando tudo é possível e se tem uma pitada de imaginação. Normalmente, estas recordações fazem bem, renovam e trazem a felicidade consigo; configurando uma viagem à própria meninice. Reportando-se ao período em que essa etapa não recebia atenção específica, percebe-se uma caracterização limitada, enfocando a criança como um adulto em miniatura, sem valor próprio como ser humano, como um ser social na sua particularidade. Para Áriès (1981), as concepções



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acerca da infância começaram a ter um novo rumo, sendo que a partir da Idade Média elas passaram a ter nomes, sobrenomes, idade. Passaram de certa forma, a existir. As palavras de Pilotti e Rizzini conseguem uma noção de como essa fase era vista na época, pois deixam claro que: No decorrer do tempo, a infância foi tratada de muitas e diversas maneiras. As relações sociais com a Família, com a Igreja, com o Estado e com os outros estamentos da sociedade perpetuam valores morais, religiosos e culturais, reproduzindo dominadores e subjugados em seus papéis (1995, p.7). Embora pareça contraditório, diz-se que essas crianças tinham infância. Apesar do seu significado para a sociedade, esses adultos SHTXHQRV HVWDYDP ³FRQTXLVWDQGR´ HVSDoRV HUDP YLVWRV FRPR VHUHV delicados, frágeis (filhos da elite), mesmo sendo formas de divertimento dos adultos. Essa afirmação está bastante visível nas condições de vida das FULDQoDVHVFUDYDVQDTXHODpSRFDSRLVHUDP³FRPSURPHWLGDV´FRP RVVHXV Senhores, e sua infância foi fortemente marcada por momentos tristes, muito embora devesse representar a fase mais bonita e prazerosa, quando se pensa em uma perspectiva mais humana. De acordo com Pilotti e Rizzini: Enquanto pequeninas, as crianças escravas serviam como brinquedos dos filhos dos senhores (a quem inclusive eram doados como presente) e divertimento das visitas, ou seja, eram consideradas animaizinhos de estimação (cavalinhos, macaquinhos). Os filhos dos escravos cedo deixavam de ser criança para entrarem no mundo do trabalho (1995, p.20). Até os sete anos de idade, a criança era considerada criancinha, ³LQRFHQWH´ $SyV HOD SDVVDYD D DVVXPLU SDSpLV GH DGXOWRV SHUDQWH R



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trabalho que desenvolvia para os soberanos. Destaca-se que em nível mundial havia crianças desvalidas, sem ninguém para se responsabilizar por elas, gerando um grande impasse entre os setores públicos e privados, sobre quem daria assistência necessária a esses indivíduos à margem da sociedade. Quanto à educação nesse período, o que se sabe é que junto à assistência à infância, os representantes da Corte e da Igreja Católica deram LQtFLR j ³HVFRODUL]DomR´ WHQGR HP YLVWD TXH R REMHWLYR GRV MHVXtWDV HUD catequizar os índios, primeiramente para exercer fortes influências na vida desses indivíduos. Para isso, seria necessária a estruturação de um novo sistema

educacional,

dando

abertura

para

intervenções

e,

consequentemente, à liberdade de moldá-los de acordo com os padrões estabelecidos pela Igreja. 'H DFRUGR FRP &KDPERXOHU\RQ  S   ³DVVLP QmR VH tratava somente de aprender a doutrina e as coisas da fé. Para os padres o PDLVGLItFLOHUDMXVWDPHQWHSUHVHUYDURVERQVFRVWXPHV´ Considerando o processo histórico é possível perceber que houve um progresso quanto à concepção acerca da infância, pois se pensava na criança como um adulto em miniatura, sem voz, sem vontades próprias, como um ser sem direitos e nem deveres. O tempo foi passando e novos olhares foram lançados sobre as crianças, o que veio transformando os cenários da infância que antes não recebiam nenhuma atenção especial e hoje é ferramenta de estudos para elaborar projetos que se tornam políticas públicas para a proteção da infância. O próprio Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) é prova disso, ao passo que traz esta preocupação quando fala tanto da criança quanto do adolescente como um ser em desenvolvimento, garantindo-lhes direitos e deveres enquanto tais. A sociedade tem o dever de priorizar estes direitos, para que possam ser exercidos, pois são eles que dão a criança e ao



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adolescente o direito à vida, à alimentação, à saúde, à educação, à cultura, à dignidade, ao respeito e tantos outros direitos cabíveis. Nessa perspectiva, Shore (2000) coloca que a chegada do século XXI traz consigo a necessidade da criação de políticas direcionadas aos primeiros anos de vida de uma criança levando em consideração a sua importância. Sendo assim, a infância precisa ser aproveitada ao máximo, pois é nela que o brincar se transforma em momentos reais fantasiados, quando elas extrapolam seu mundo imaginário dando vida ao que para outros não existe. Concomitantemente, aprendem e passam a construir conhecimentos uns com os outros, em suas próprias brincadeiras.

3. A construção do conhecimento pela criança de seis anos

No que concerne às questões da infância, é necessário destacar o papel fundamental que o adulto tem de ser mediador da aprendizagem inicial da criança, considerando que o seu desenvolvimento depende da qualidade da interação entre a criança e o adulto. Ou seja, para que a aprendizagem aconteça é indispensável construir relações com o mundo em que vive. Destarte, surgem então algumas teorias da aprendizagem entre elas, a Epistemologia Genética de Jean Piaget, a qual vem a contribuir de forma significativa para compreender a aprendizagem humana. Na visão de Becker (2001), a aprendizagem é constituída pela ação do sujeito com o meio a sua volta. O sujeito age sobre o meio em que vive, constrói relações com o mundo que o cerca, muda o que acredita ser necessário de acordo com as suas necessidades. Na concepção de Becker (2003, p. 35) ³R VXMHLWR epistêmico constitui-VHSHODVXDSUySULDDomR´2XVHMDRFRQKHFLPHQWRp



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construído a partir da interação do ser humano com o mundo, sendo que Dolle (2001) coloca que não há conhecimento pronto, mas que ele é uma construção constante. Nessa perspectiva, é imprescindível que a infância seja carregada de amor, de carinho, de confiança, de segurança, de momentos lúdicos, de espaços para aprendizagem, e, impreterivelmente, de relações afetivas permanentes. Não se pode falar em aprendizagem sem entender que o afeto é o alicerce de tudo, porque nas relações afetivas naturalmente trocam-se olhares, sorrisos, toques, palavras de afeição, experiências e ideias. Consequentemente, o processo ensino-aprendizagem também depende destes fatores para sua efetivação. De acordo com Becker, a origem do FRQKHFLPHQWR GHSHQGH GD DIHWLYLGDGH SRLV HOH DILUPD TXH ³R JDWLOKR GH XPDDomRpDDIHWLYLGDGH´ %(&.(5S  Entende-se que os laços afetivos são extremamente importantes para o desenvolvimento infantil, mas é preciso deixar claro que isso não é uma responsabilidade única e exclusiva dos pais, mas também das demais pessoas com quem a criança estabelece relações. São nessas relações que se consolidam os momentos mais importantes e significativos na fase infantil, quando ela terá condições cada vez mais elaboradas para ir se constituindo enquanto sujeito, enquanto um ser com sua autonomia, capacidades e potencialidades. Por isso, persiste-se em esclarecer acerca do valor que é preciso dar a infância, do cuidado com essa etapa inicial do ser humano, do quanto se pode promover um desenvolvimento adequado levando-se em consideração os aspectos físicos, psicológicos, neurológicos e afetivos individuais. De acordo com uma pesquisa realizada acerca da importância dos primeiros anos da vida de uma criança, Shore (2000) coloca que a infância traz influências no desenvolvimento do cérebro, sendo preciso muito



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cuidado com a forma com que a tratamos, podendo resultar positiva ou negativamente, dependendo das experiências vividas nas diferentes etapas da vida da criança. 6KRUH S DILUPDTXH³FRPRRFpUHEURWHPDFDSDFLGDGH de mudar, há muitas oportunidades para se promover e apoiar o crescimento e o desenvolvimento saudáveis das crianças, desde os anos iniciaiV´ $LQGD QHVVH IRFR 5DPLUHV H 6FKQHLGHU UHIRUoDP WDO posicionamento dizendo:

Enfim, pode-se afirmar que a qualidade dos cuidados recebido na primeira infância é decisiva para o desenvolvimento saudável da criança. A capacidade de percepção, a memória, o desenvolvimento da linguagem, da atividade simbólica e das estruturas de pensamento, todas essas são dimensões sensíveis à qualidade de desses cuidados (2007, p. 43).

Acredita-se numa pedagogia do brincar, sendo a ludicidade uma ferramenta fundamental para desenvolver conhecimentos, atitudes, valores e melhorar relacionamentos, tanto entre crianças, quanto entre adultos. No ato da brincadeira, a criança não se preocupa com suas condutas e atitudes. 3DUD.LVKLPRWR S ³TXDQGREULQFDDFULDQoDWoma certa distância GDYLGDFRWLGLDQDHQWUDQRPXQGRGDLPDJLQDomR´ Diante da teoria da aprendizagem nota-se o quanto é importante saber sobre a construção da inteligência, independe de condição financeira, de hereditariedade e do meio físico ou social em que a criança vive. Mas sim do tipo de interação que esta tiver com o meio e com as pessoas a sua volta, ou seja, o que faz a diferença é a qualidade da interação, a qual precisa estar constantemente conectada com afetividade. Na visão de Piaget (2003, p. 36), a questão da inteligência está UHODFLRQDGD FRP D DIHWLYLGDGH TXDQGR DILUPD TXH ³DV WUDQVIRUPDo}HV GD ação provenientes do início da socialização não têm importância apenas



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para a inteligência e para o pensamento, mas repercutem também profundamente QDYLGDDIHWLYD´ Assim, fica claro que a infância é um período que precisa ser respeitado e valorizado, pois é uma etapa fundamental para a vida de todo ser humano, pois já é na infância que o indivíduo se constitui enquanto sujeito, um ser de conhecimento, de potencialidades, de capacidades, assim como um sujeito de limitações, uma vez que cada indivíduo possui as suas próprias características e singularidades.

4. O ingresso da criança de seis anos no Ensino Fundamental e o seu processo de alfabetização

Passemos de (2.) Uma reflexão acerca da infância e (3.) A construção do conhecimento pela criança de seis anos para a proposta de ampliação do Ensino Fundamental, que traz consigo inúmeras discussões acerca dos elementos que compõem a escola. Dentre elas, a alfabetização desta criança que está ingressando nesse ensino de nove anos. É preciso ter claro que o processo de alfabetização não se restringe saber ler e escrever apenas, mas de fazer os diferentes tipos de relações destas práticas com o cotidiano vivido, pois isto é o que se chama de ³OHLWXUDGHPXQGR´&RQIRUPH)UHLUH  DLPSRUWkQFLDGDYDORUL]DomR do conhecimento de mundo construído pelos sujeitos é antes mesmo da inserção no mundo letrado, por isso o autor afirmar que a leitura de mundo precede a leitura da palavra. No entanto, o que se percebe é que a escola preocupa-se muito com a alfabetização da criança querendo que ela saiba ler, escrever, decodificar, e tantos outros processos mesmo antes dela estar preparada para isso. Ou seja, as práticas pedagógicas da escola muitas vezes desconsideram o



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processo de desenvolvimento do aluno, exigindo dele aquilo que ele não pode oferecer ao professor. Diante disso fica clara a necessidade de o professor buscar subsídios teóricos para compreender como se dá o processo de ensino-aprendizagem dos seus alunos, embora isso não seja suficiente, pois mais do que dar embasamento teórico é preciso relacionar a teoria com a prática, já que uma depende da outra para dar sentido a sua práxis. De acordo com Soares:

[...] nesse contexto de falsos pressupostos sociais, culturais e lingüísticos, a escola atua, na área da alfabetização, como se esta IRVVH XPD DSUHQGL]DJHP ³QHXWUD´ GHVSLGD GH TXDOTXHU FDUiWHU político. Aprender a ler e a escrever, para a escola, parece apenas VLJQLILFDUDDTXLVLomRGHXP³LQVWUXPHQWR´SDUDDIXWXUDREWHQomRGH conhecimentos, a escola desconhece a alfabetização como forma de pensamento, de construção do saber e meio de conquista de poder político (2003, p. 22). O que se entende é que a concepção de analfabeto tem sido atribuída àqueles indivíduos que não sabem ler nem escrever. Porém, essa nomenclatura vem tomando outras formas, pois se sabe que mesmo a pessoa não tendo a habilidade da leitura e da escrita, ela tem condições de fazer relações com práticas que envolvam a escrita. Ser alfabetizado não quer dizer que a pessoa possui condições de desenvolver atitudes mais complexas da lecto-escrita. Dessa maneira Soares, especifica que:

As pessoas se alfabetizam aprender a ler e a escrever, mas não necessariamente incorporam a prática da leitura e da escrita, não necessariamente adquirem a competência para a leitura e da escrita, para envolver-se com as práticas sociais de escrita: não lêem livros, jornais, revistas, não sabem redigir um ofício, um requerimento, uma declaração, [...] (1998, p. 45)



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A partir dessa afirmação se entende que antes mesmo da criança ser alfabetizada ela pode ser considerada letrada, assim as próprias experiências cotidianas lhes dão possibilidades de compreender o mundo das letras. Por exemplo, a criança que ouve histórias tem potencial para ser vista como alguém letrada, pois tem condições de relacionar o conteúdo da história com o seu cotidiano vivido. Da mesma forma, isso acontece com a sua oralidade, a qual vai se aprimorando ao longo do tempo sob influência do ambiente em que está inserida. Por isso salienta-se a importância de dar oportunidades para que a criança conviva e se habitue a momentos que envolvam a leitura e a escrita, e a diferentes práticas de oralidade. O mundo da escrita precisa ser explorado pela criança e a leitura já deve fazer parte da sua vida. Ao escutar histórias, ao explorar os livros, ao assistir filmes, assistir a peças de teatro, a criança está desenvolvendo a sua imaginação, a curiosidade e a criatividade, e se torna mais perspicaz para ampliar a sua visão e leitura de mundo. Desta forma, acredita-se que a política de ampliação do ensino fundamental vem ao encontro de uma proposta que oportunize a criança desde cedo de estar em contato com o mundo letrado, já que a escola pode propiciar a criança momentos de lazer, de brincadeiras, de aprendizagens, desde que estas práticas estejam correlacionadas com as vivências desses alunos. A alfabetização vai além da aquisição da leitura e da escrita, da decodificação de símbolos e letras. Ela precisa ser desenvolvida por meio de práticas pedagógicas lúdicas, prazerosas, dentro de um contexto real, e, portanto, significativas para a criança. Concomitantemente, o aluno consegue fazer relações do seu mundo vivido com as aprendizagens construídas na escola.



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Para Soares (1998) alfabetização e letramento são dois processos que se complementam, ao passo que a criança precisa ser alfabetizada dentro de um contexto letrado, ou seja, não basta saber ler e escrever, mas sim compreender as reais funções da lecto-escrita no seu cotidiano. Assim, a escola precisa pensar em práticas pedagógicas diferenciadas que leve em consideração o processo de desenvolvimento das crianças, respeitando as singularidades e limitações de cada um. Com tal pensamento favorecerá a construção de seus conhecimentos de acordo com o seu tempo de aprendizagem, tendo como ferramenta de trabalho atividades e espaços lúdicos na busca de uma construção significativa.

Considerações finais

No decorrer do texto procuramos provocar algumas reflexões que permeiam o contexto da escola, pensando a ampliação do Ensino Fundamental como uma porta de acesso a novas discussões teóricas no que diz respeito à promoção da qualidade do processo ensino-aprendizagem. Tendo em vista que esse aumento de tempo com mais um ano não significa simplesmente ter um ano a mais, implica uma possibilidade de a escola e o professor pensar novas metodologias de trabalho que levem em consideração a própria infância para entender o processo de construção de conhecimentos, bem como a construção da lecto-escrita dentro das capacidades de cada criança. Ao pensarmos a proposta de ampliação do Ensino Fundamental de oito para nove anos, percebe-se que ela visa oportunizar a criança desde cedo de estar mergulhada num mundo de conhecimentos, num espaço em que ela possa brincar, socializar-se, aprender, desenvolver a linguagem, construir conhecimentos, enfim, de desenvolver as diferentes habilidades básicas que são inerentes ao processo de ensino-aprendizagem.



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Com base nessa concepção, Corsino afirma que: Diante dessa breve abordagem sobre a importância de um planejamento cuidadoso, que assegure o desenvolvimento de todas as áreas do conhecimento, a ampliação do ensino fundamental para nove anos, que significa bem mais que a garantia de mais um ano de escolaridade obrigatória, é uma oportunidade histórica de a criança de seis anos pertencente às classes populares ser introduzida a conhecimentos que foram fruto de um processo sócio-histórico de construção coletiva (2006, p. 61-62). Assim, é imprescindível que a escola e a equipe docente e administrativa entendam a política de ampliação como uma proposta de qualificação do ensino, trazendo possibilidades de valorizar a infância como etapa fundamental para a construção da identidade da criança e de diferentes conhecimentos e, por fim, para o desenvolvimento de habilidades básicas

utilizando

como

ferramenta

de

trabalho

a

ludicidade

permanentemente.

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bases da educação nacional, dispondo sobre a duração de 9 (nove) anos para o ensino fundamental, com matrícula obrigatória a partir dos 6 (seis) anos de idade. BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente (1990): Lei nº 8069, de 13 de julho de 1990. 4. ed. Brasília: Câmara dos Deputados, Coordenação de Publicações, 2003. CHAMBOULEYRON, Rafael. Jesuítas e as crianças no Brasil quinhentista. In: PRIORE, Mary Del (Org.). A história das crianças no Brasil. São Paulo: Contexto, 1999. p. 55-83. CORSINO, Patrícia. As crianças de seis anos e as áreas do conhecimento. In: BRASIL. Ministério da Educação/Secretaria de Educação Básica. Ensino Fundamental de nove anos: orientações para a inclusão da criança de seis anos de idade. Brasília: FNDE, Estação Gráfica, 2006. DOLLE, Jean-Marie. Para compreender Jean Piaget. Tradução por Álvaro Cabral. Rio de Janeiro: Guanabara, 2001. FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler: em três artigos que se complementam. 41. ed. São Paulo: Cortez, 2001. KISHIMOTO, Tizuco Morchida. O jogo e a educação infantil. In: KISHIMOTO, Tizuco Morchida. (Org.). Jogo, brinquedo, brincadeira e educação. São Paulo: Cortez, 1996. p.13-43. PIAGET, Jean. Seis estudos de psicologia. Tradução por Maria Alice 0DJDOKmHV '¶$PRULP H 3DXOR 6pUJLR /LPD 6LOYD  HG 5LR GH Janeiro: Forense Universitária, 2003. PILOTTI, Francisco; RIZZINI, Irene. (Org.). A arte de governar crianças: a história das Políticas Sociais, da Legislação e da Assistência à Infância no Brasil. Rio de Janeiro: IIN/ EDUSU/ Amais, 1995. RAMIRES, Vera Regina; SCHNEIDER, Alessandra. Primeira Infância Melhor: uma inovação em política pública. Brasília: UNESCO, Secretaria de Saúde do Estado do Rio Grande do Sul, 2007. SHORE, Rima. Repensando o cérebro: novas visões sobre o desenvolvimento inicial do cérebro. Tradução por Iara Regina Brazil. Porto Alegre: Mercado Aberto, 2000. SOARES, Magda. Alfabetização e letramento. São Paulo: Contexto, 2003.



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_____. Letramento: um tema em três gêneros. Belo Horizonte: Autêntica, 1998.



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LÍNGUA, IDENTIDADE E ENSINO: UM PERCURSO HISTÓRICO POR DOCUMENTOS OFICIAIS BRASILEIROS

Priscila da Silva Santos165

Considerações iniciais 2 SUHVHQWH DUWLJR p SDUWH GD GLVVHUWDomR GH PHVWUDGR ³/tQJXD 0DWHUQD DOLDQoD H FRQIURQWR DEHUWR QR FDPSR PHWRGROyJLFR´ GHIHQGLGD em maio de 2014166, na Faculdade de Educação da USP. Na dissertação dedicamo-nos à análise de dados situados em três campos: Oficial, Acadêmico e Metodológico, a fim de identificar que estratégias HQXQFLDWLYDV FRQVWLWXtDP D LQ GLVQWLQomR HQWUH RV WHUPRV ³OtQJXD SRUWXJXHVD´H³OtQJXDPDWHUQD´HPSURJUDPDVGHXPDGLVFLSOLQDYROWDGDj formação de professores de português. Aqui, no entanto, ainda que aspectos dos outros campos, inevitavelmente, venham à tona, nos interessa, sobretudo, depreender as concepções de língua portuguesa (LP) e língua materna (LM) presentes no campo Oficial. Para tanto, analisaremos alguns documentos normativos federais publicados entre os anos de 1971 e 2000 com o intuito de delinearmos um percurso histórico a propósito das concepções de língua no âmbito do ensino. Tais documentos constituirão o que chamaremos aqui de campo Oficial, entendido como ponto normativo de intersecção entre os conhecimentos

produzidos

na

academia

(principalmente

aqueles

165

Graduada em Letras-Linguística, Mestra em Linguagem e Educação e doutoranda na mesma área pela Universidade de São Paulo. E-mail: [email protected]

166



Sob orientação do Prof. Dr. Émerson de Pietri (USP).

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produzidos pelos estudos linguísticos) e o fazer metodológico no âmbito da formação de professores de português. A escolha do marco inicial de nosso recorte temporal se deve ao fato de que, apesar do processo de democratização do ensino ter ocorrido nos anos de 1960 e da Linguística ter começado a fazer parte do currículo dos cursos de Letras em 1963, foi a partir dos anos 70 que a divulgação desta ciência começou a ganhar força no campo do ensino. Sendo assim, o primeiro documento a ser descrito neste percurso histórico é a LDB 5692/71, bem como a Resolução nº 8 do extinto CNE (Conselho Nacional de Educação), também de 1971, que fixa o núcleo comum do currículo do ensino de 1º e 2º graus e define seus objetivos. No que concerne à década de 1980, por alterar dispositivos da LDB 5692/71, trataremos da Lei 7044/82. Já a Resolução nº 6/86 exerce a mesma função que a Resolução nº8/71, ou seja, ambas fixam um currículo. Também nos servirão de objeto de análise as Diretrizes para o Aperfeiçoamento do Ensino/Aprendizagem de Língua Portuguesa, bem como o Decreto 991.372 que institui a Comissão Nacional para o estabelecimento de tais diretrizes. Quanto à década de 1990, para fins de comparação com a LDB 5692/71, nos aspectos que dizem respeito ao ensino de língua, trabalharemos com a LDB 9394/96. Mobilizaremos também os Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa (Ciclo II), pois, embora aparentemente, este documento não se caracterize como obrigatório, ele é amparado por uma série de mecanismos legais que, de modo muito semelhante às resoluções, pareceres e decretos indicados anteriormente (décadas de 70 e 80), lhes confere força de lei. Dentre os mecanismos potencializadores do caráter obrigatório dos PCN(s) podemos citar o Parecer nº 4/98 que, ao fixar as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental, afirma:



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³   SDUD HODERUDU VXDV SURSRVWDV SHGDJyJLFDV DV (VFRlas devem examinar, para posterior escolha, os Parâmetros Curriculares Nacionais e as Propostas Curriculares de seus Estados e Municípios, buscando definir com clareza a finalidade de seu trabalho, para a variedade de alunos presentes em suas salas de aula. Tópicos regionais e locais muito enriquecerão suas propostas, incluídos na Parte Diversificada, mas integrando-VH j %DVH 1DFLRQDO &RPXP´ (BRASIL, MEC/CNE, 1998, p. 11) Embora nosso intuito primeiro fosse limitar a análise do campo Oficial aos anos de 1990, ao longo da investigação, o exame dos Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio, publicados em 2000, revelou-se fundamental, pois a nova organização curricular proposta para o Ensino Médio nos permite problematizar a concepção de língua no LQWHULRU GH XPD QRYD iUHD GHQRPLQDGD ³/LQJXDJHQV &yGLJRV H VXDV 7HFQRORJLDV´ Realizada a análise destes documentos, depreenderemos alguns semas que caracterizem a relação de interincompreensão entre língua portuguesa e língua materna no campo Oficial. O conceito de interincompreensão, o tomamos Maingueneau (2008), segundo o autor, este conceito diz respeito a um processo de interação semântica que consiste em enunciar de acordo com as regras de sua própria formação discursiva167 (FD) e, ao mesmo tempo, não compreender o sentido do enunciado do Outro. Cada FD tem uma maneira própria de interpretar o seu Outro, de modo que acaba por se estabelecer uma relação polêmica na qual a manutenção da identidade depende da definição, a priori, das figuras que o Outro pode assumir. Instaura-se assim um movimento de desentendimento recíproco no qual um discurso-agente (tradutor +) interage com um discurso-paciente 167 ³  DIRUPDomRGLVFXUVLYDFRQVWLWXLJUXSRVGHHQXQFLDGRVLVWRpXPFRQMXQWRGH SHUIRUPDQFHVYHUEDLVTXHHVWmROLJDGDVQRQtYHOGRVHQXQFLDGRV´ *5(*2/,1S



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(traduzido -) estabelecendo uma relação sempre baseada na construção do simulacro do discurso antagonista. No entanto, para que esta relação polêmica de interincompreensão ocorra é necessário que haja, entre os discursos antagônicos, a partilha de pressupostos, de um código que os transcenda, de uma ficção que sustente a polêmica. Nas considerações finais deste artigo teremos um quadro no qual estarão sintetizados os semas depreendidos nos documentos para caracterizar a língua portuguesa (LP) e a língua materna (LM).

1. Da língua que atravessou mares e se afogou em saliva brasilis

A expansão marítima europeia, no final do século XV, está estreitamente ligada à política de valorização das línguas nacionais, visto que a língua é tomada como um importante instrumento de dominação sobre os povos ultramarinos. Portugal, como se sabe, tornou-se, assim como a Espanha, uma das potências mundiais da época. Estima-se que cerca de 1500 línguas eram faladas no Brasil, quando da chegada dos portugueses. As sociedades indígenas existentes à época eram ágrafas, sendo assim, a cultura oral era o principal meio transmissão das tradições de cada povo indígena. Os europeus, por sua vez, herdeiros de uma cultura greco-latina, empenhavam-se em normatizar, unificar e estabilizar as línguas, impondo-lhe regras pautadas na escrita literária latina. Dentre as causas que exerceram influência sobre os saberes linguísticos constituídos no ocidente, Auroux (1992) destaca: ³   D DGPLQLVWUDomR GRV JUDQGHV (VWDGRV D OLWHUDOL]DomR GRV idiomas e sua relação com a identidade nacional, a expansão colonial, o proselitismo religioso, as viagens, o comércio, o contacto entre línguas, ou o desenvolvimento dos conhecimentos conexos como a medicina, a anatomia ou a psicologia. O purismo e a exaltação da identidade nacional com seu acompanhamento de



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constituição/preservação de um corpus literário (seja religioso ou profano), são, por exemplo, fenômenos quase-universais na constituição, espontânea ou por transferência, dos saberes OLQJXtVWLFRV´ SS-29). Assim a tônica da homogeneização linguística foi dominante no contato entre portugueses e indígenas. Em 1595 foi publicada a Arte Gramática da língua mais usada na costa do Brasil, do Pe. José de Anchieta. Foi nesta língua, posteriormente chamada de tupi jesuítico, que se difundiram as doutrinas cristã e gramatical. Se por um lado a obra de Anchieta é um importante registro das línguas tupi faladas à época, por outro lado contribuiu para o desaparecimento de tantas outras. Semelhantemente à gramática de Anchieta, em 1699 foi publicada, em Lisboa, a Arte da gramática da língua brasileira da nação cariri, de /XtV 9LFHQFLR 0DPLDQL (VWD JUDPiWLFD WDPEpP ³GHYHULD VHU XPD D JHQHUDOL]DomRUHFREULGRUDGHYiULDVOtQJXDVFDULULVDILQV´ +RXDLVV  O tupi geral codificado por Anchieta sofreu modificações à medida que se difundiu no norte do Brasil e veio a ser língua materna de grupos que viviam naquela área (Câmara, 1965). Pode-se dizer que a língua do colonizador não se impôs majoritariamente nos séculos XVI e XVII, dado que o número de brancos e mestiços integrados era muito inferior ao de indígenas e negros168. Desse modo, predominava língua geral normatizada pelos jesuítas. Embora outras gramáticas da língua portuguesa tenham sido publicadas em Portugal ao longo do século XVI, no Brasil, até a primeira metade do XVIII, os poucos alunos da camada privilegiada que se escolarizavam aprendiam latim. O português não era língua dominante no 168

Segundo Houaiss (1985), no século XVI, na extensão ocupada do litoral brasileiro, viviam cerca de 30 mil brancos e mestiços integrados, um ou dois milhões de indígenas e 30 mil negros. No século seguinte, a penetração para o interior avançou: a população branca integrada era de 200 mil, um milhão e meio de indígenas e 400 mil negros.



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intercâmbio social, não se configurava como área de conhecimento e seu estatuto escrito era precário. Já na segunda metade do século XVIII o Marquês de Pombal implantou reformas no ensino de Portugal e suas colônias, tornando obrigatório o uso da língua portuguesa e proibindo o uso de qualquer outra língua. A expulsão dos jesuítas, a diminuição da população indígena, o aumento da população branca, da mestiça integrada, principalmente da população negra, e também a escolarização, a urbanização, a vinda da família real para o Rio de Janeiro, bem como o fato de as elites brasileiras estudarem em Portugal, tudo isso contribuiu para que a língua portuguesa se configurasse como língua nacional e oficial e também para que se difundisse a ideologia de uma nação monolíngue. Em 1746, antes da reforma pombalina, Luiz Antônio Verney havia SXEOLFDGR ³2 9HUGDGHLUR 0pWRGR GH (VWXGDU´ TXH GHIHQGLD DOpP GD alfabetização em Português, o estudo da Gramática da língua portuguesa antes da latina, para que esta fosse estudada comparadamente e em contraste com a primeira. O Marquês de Pombal adotou a proposta de 9HUQH\ H R HVWXGR GD JUDPiWLFD SRUWXJXHVD SDVVRX D VHU ³FRPSRQHQWH FXUULFXODU´ MXQWDPHQWH Fom a retórica. Sendo assim, desde a reforma pombalina até o final do século XIX ³RV HVWXGRV UHODWLYRV j OtQJXD VH IL]HUDP QHVWHV GRLV FRQWH~GRV TXH KRMH GHQRPLQDUtDPRV GH ³GLVFLSOLQDV FXUULFXODUHV´(SOARES, 2002,161). Posteriormente, a Poética, que em princípio era parte da Retórica, ganha autonomia e, em 1837, com a criação do colégio Pedro II, o estudo da Língua Portuguesa foi inserido no currículo sob as formas das disciplinas Retórica e Poética. No colégio que serviu de modelo para o ensino secundário no Brasil, os professores tiveram significativa participação na produção de gramáticas, manuais de retórica e poética que circulavam na época.



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Embora o cargo de professor de português tenha sido criado por decreto em 1871169, somente no fim do Império é que estas três disciplinas IRUDP IXQGLGDV QXPD ~QLFD GHQRPLQDGD ³3RUWXJXrV´ &RQWXGR D QRYD denominação não causou alterações no teor do ensino que manteve a tradição da gramática, retórica e poética, até porque eram os mesmos poucos filhos de famílias abastadas que frequentavam a escola. Além da organização currículo, podemos contar com outro elemento para relacionarmos língua portuguesa, identidade nacional e ensino, tratase da literatura. A partir do século XIX será necessário levá-la em consideração, pois o projeto nacionalista do Romantismo brasileiro, trouxe à tona questões relativas à língua nacional. Tais questões continuaram a ser problematizadas, ainda que de maneira bastante diversa, no início do século XX pelos modernistas. O foco sobre a literatura neste momento do percurso histórico aqui traçado justifica-se também pelo fato de que o ensino de literatura, na figura da Poética, é um dos elementos que compõem a tríade do ensino de Português, sendo assim, vamos a ela.

2. Românticos, modernos e o cânone literário escolar

Primeiramente, gostaríamos de deixar claro que não faremos crítica literária e também não problematizaremos a arbitrariedade dos critérios que classificam autores e obras em escolas literárias, pois este trabalho não é sobre literatura. Contudo, o estabelecimento de um cânone literário tem estreita relação com a concepção de língua presente no contexto do ensino e, como é sabido, a legitimação do que é ou não literário anda de mãos dadas com a legitimação da língua. 169 Não havia instituições responsáveis pela formação, os professores de português eram geralmente estudiosos da língua e da literatura que se dedicavam também ao ensino.



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A fim de tornar mais objetiva a discussão proposta nesta seção, limitar-nos-emos apenas a tratar de dois autores, ou melhor, do modo como José de Alencar e Mário de Andrade se posicionaram em relação ao idioma e do impacto de tais posicionamentos no ensino de Português. A escolha destes autores se deu pelo fato de que ambos, em tempos distintos, estiveram comprometidos com a pesquisa daquilo que, do ponto de vista deles, constituía a língua nacional. Deste modo, as obras de Alencar e Andrade, ainda que em tempos e modos bastante diversos, acabaram por propiciar reflexões acerca da constituição da identidade linguística brasileira. Em 1870, no posfácio da segunda edição de Iracema, José de Alencar assim respondia ao crítico Pinheiro Chagas que o acusava de escritor incorreto e descuidado: ³4XH D WHQGrQFLD QmR SDUD D IRUPDomR GH XPD QRYD OtQJXD PDV para transformação profunda do idioma de Portugal, existe no Brasil,é fato incontestável. Mas, em vez de atribuir-nos a nós escritores esta revolução filológica, devia o Sr. Pinheiro Chagas, para ser coerente com sua teoria, buscar o germe dela e seu fomento QRHVStULWRSRSXODUQRIDODUGRSRYRHVVH³LJQRUDQWHVXEOLPH´FRPR lho chamou. A revolução é irresistível e fatal, como a que transformou o persa em grego e céltico, o etrusco em latim e o romano em francês, em italiano, etc.; há de ser larga e profunda como a imensidade dos mares que separa os dois mundos a que SHUWHQFHPRV´ $/(1&$5apud LESSA, p. 34). É sabido dos laços existentes entre o Romantismo e um projeto de nação, deste modo a questão da língua não poderia estar ausente, posto que a língua é matéria prima do fazer literário. Sabemos também que com a literatura chamada regionalista, Alencar tinha pretensão de integrar as diversas facetas da língua que ele chamoX GH ³GLDOHWR EUDVLOHLUR´ RX ³SRUWXJXrV DPHULFDQR´ 'HVWH PRGR R SURMHWR OLWHUiULR GH $OHQFDU WLQKD dentre outros objetivos, marcar as diferenças existentes entre o português



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de aqui e o de além-mar, como podemos notar na observação irônica do autor no pUHIiFLRGH³6RQKRVG¶2XUR´ ³(VWDQGR SURYDGR SHODV PDLV ViELDV H SURIXQGDV LQYHVWLJDo}HV começadas por Jacó Grimm, e ultimamente desenvolvidas Max Muller, a respeito da apofonia, que a transformação mecânica das línguas se opera pela modificação dos órgãos da fala, pergunto eu, e não se riam que é mui séria a questão: O povo que chupa o caju, a manga, o cumbucá e a jaboticaba, pode falar uma língua com igual pronúncia e o mesmo espírito do povo que sorve o figo, a pera, o GDPDVFRHDQrVSHUD"´ $/(1&$5apud LESSA, pp. 34-35). Apesar disso, é preciso chamar atenção para a distinção apontada por Gladstone Chaves de Melo entre a posição teórica e a posição prática de Alencar, ou seja, segundo Melo, embora Alencar tivesse utilizado em sua obra algumas peculiaridades da linguagem brasileira da época, bem como nomes ameríndios e africanos correntes na linguagem popular, sua OLWHUDWXUD VHPSUH IRL HVFULWD HP ³boa OtQJXD SRUWXJXHVD´ JULIR QRVVR  Deste modo, Melo conclui que as respostas, demasiado incisivas, de Alencar à crítica, isto é, seu posicionamento teórico não corresponde à sua prática linguística-literária e julga fantasioso considerar o escritor cearense FRPRSDWURQRGD³OtQJXDEUDVLOHLUD´ Além disso, é preciso também chamar a atenção para o fato de que a construção romântica de um mito de origem para a língua não demonstrava muito interesse pela influência africana na constituição da mesma. As influências indígenas é que despertaram maior interesse, dado que a figura do índio era mais conveniente porque longínqua (graças ao extermínio já a esta época bem sucedido), e também porque heróica (graças ao modo como os personagens indígenas eram construídos na literatura romântica). Sendo assim, era mais conveniente que a figura do negro ficasse num segundo plano, pois sua língua viva e presente na vida cotidiana de então



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representava (talvez não seja exagero pensar que ainda representa), um português socialmente marcado como inferior. Diferentemente dos românticos, os modernistas pareciam estar mais preocupados em trazer para os textos literários um linguajar mais popular, aproximando a língua escrita à língua falada, fazendo uso do vocabulário popular, consagrando peculiaridades da sintaxe brasileira e combatendo, sistematicamente, o purismo linguístico. Autores como Raquel de Queirós, José Lins do Rego, Graça Aranha, Manuel Bandeira, Oswald de Andrade, Mário de Andrade dentre outros, assumiram um posicionamento político bastante radical em relação ao abrasileiramento da língua escrita. Como já dissemos anteriormente, trataremos especificamente do posicionamento de 0iULR GH $QGUDGH TXH DVVLP HVFUHYH QR ³3UHIiFLR ,QWHUHVVDQWtVVLPR´ GH Paulicéia Desvairada: ³$ JUDPiWLFD DSDUHFHX GHSRLV GH RUJDQL]DGDV DV OtQJXDV $FRQWHFH que meu inconsciente não sabe da existência de gramáticas nem de línguas organizadas. E como Dom Lirismo é contrabandista ... Você perceberá com facilidade que se na minha poesia a gramática às vezes é desprezada, graves insultos não sofre neste prefácio interessantíssimo. Prefácio: rojão do meu eu superior. Versos: paisagem do meu eu profundo. Pronomes? Escrevo brasileiro. Se uso ortografia portuguesa é porque, não alterando o resultado, dáPHXPDRUWRJUDILD´ $1'5$'(apud LESSA, pp. 31-32). Poderíamos citar ainda outros trechos nos quais Mário se posiciona a respeito da língua, tais como aqueles presentes nas cartas por ele escritas a Manuel Bandeira. Contudo, a fim de sustentar o argumento de que, diferentemente de Alencar, o autor de Paulicéia Desvairada escreve lançando mão de uma linguagem mais popular, não somente no que se refere à seleção lexical170, mas também em aspectos mais rígidos como a 170 Embora hoje pareça comum, palavras como boiar (no sentido de ingerir a boia, almoçar), cacete (no sentido de maçante enfadonho, chato), esculhambar, porrada, mulher-dama e até



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sintaxe, citaremos alguns trechos selecionados por Lessa nos quais a FRORFDomR LUUHJXODU GRV SURQRPHV REOtTXRV ³0H UHVROYR D SXEOLFDU HVWH livro asVLPFRPRIRLFRPSRVWRHP´  apud Lessa p.76), a preposição em FRP YHUERV GH PRYLPHQWR ³4XDQGR FKHJDUDP QD SHQVmR HUD GH QRLWLQKD H WRGRV Mi HVWDYDP GHVHVSHUDGRV´ apud Lessa p.82), o pronome reto ele, ela, eles, elasFRPRREMHWRGLUHWR ³3HJRXXPDIormiga saúva e HVIUHJRX EHP HOD QD IHULGD GR QDUL]´ apud Lessa p.86) e o verbo plural FRP XP VXMHLWR FROHWLYR JHUDO ³0DQDDSH GHX DV JDUUDIDV SUD 9HQFHVODX Pietro Pietra, um naco de fumo do Cacará pra Caapora e o casal HVTXHFHUDP TXH KDYLD PXQGR´  apud Lessa p.74) se fazem presentes na obra de Mario de Andrade como demonstram os exemplos colocados entre parênteses. Interessante observar que tanto Alencar como Andrade foram rejeitados pelos mais conservadores em relação à língua e que esta discussão a respeito da constituição de uma língua brasileira no final do século XIX (Romantismo) e início do século XX(Modernismo) vai adentrar a escola via seleção dos textos literários dignos de ser estudados, ou seja, dignos de serem tomados como modelo de língua. Assim, encerraremos esta seção chamando a atenção para um aspecto que nos parece crucial nesta polêmica linguístico-literária e que tange o par LP x LM aqui discutido: embora a língua falada tente de algum modo penetrar o reduto da escrita, seja pelo posicionamento político de autores como Alencar, seja pela ousadia lexical e sintática de Mario de Andrade e seus companheiros modernistas, ela ainda aparece como desprivilegiado objeto de estudo dado que sua difusão é escrita. Seja em folhetins, livros, coletâneas ou manuais didáticos (suporte amplamente utilizado nas escolas) a língua escolar é a escrita. Importante mesmo bunda se fizeram presentes numa literatura, digamos assim, institucionalizada, graças aos modernistas.



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lembrar que, não por acaso, foi justamente na virada do século XIX para o XX que se estruturou o mercado editorial brasileiro no qual o material didático representou (e ainda representa) uma importante fonte de renda para as editoras. A partir de 1950 as oportunidades de acesso à escola começam a se ampliar, os filhos dos trabalhadores passam a frequentar as salas de aula, lembrando o que escreveu Bandeira poderíamos dizer que a vida chega à HVFROD SHOD ³ERFD GR SRYR QD OtQJXD HUUDGD GR SRYR QD OtQJXD FHUWD GR SRYR´(PRQ~PHURGHDOXQRVGH(QVLQR0pGLRTXDVHWULSOLFDHR de Ensino Primário duplica. Junto com o aumento do número de vagas ocorre um recrutamento amplo e menos seletivo de professores. Já nos anos de 1970 inicia-se um movimento que leva em consideração o conhecimento prévio do aluno como ponto de partida para o trabalho com a língua. Neste sentido podemos dizer que a oralidade ganhou um pouco mais de espaço na aula de Português, pois o importante era priorizar o trabalho com a língua como instrumento de comunicação. Por outro lado, tal prioridade deixa o texto literário em segundo plano dado que este tipo de texto não parece o mais recomendado para fazer com que o aluno se comunique de modo eficaz. Vejamos como isto ocorre.

3. Década de 70: a língua de chumbo

Caminhando a passos lentos e patinando ora rumo à qualidade, ora rumo

à

quantidade,

a

democratização

do

ensino

prossegue,

paradoxalmente, ao longo da década de 1970. Contudo, no que se refere ao ensino de Português, não foi a chegada das classes populares à escola que justificou as mudanças previstas na LDB 5692/71, mas o regime de governo ao qual o Brasil estava submetido. Assim, durante o regime militar, a língua deixa de ser concebida como sistema ou expressão



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estética,

para

ser

concebida

como

comunicação

a

serviço

do

desenvolvimento. Segundo Soares (2002:169), na década de 1970, a disciplina ³3RUWXJXrV´ SDVVRX D VHU GHQRPLQDGD ³&RPXQLFDomR H ([SUHVVmR´ QR FLFORTXHKRMHFRUUHVSRQGHULDDR(QVLQR)XQGDPHQWDO,³&RPXQLFDomRHP /tQJXD3RUWXJXHVD´QRTXHKRMHFRUUHVSRQGHULDDR(QVLQR)XQGDPHQWDO,, H³/tQJXD3RUWXJXHVDH/LWHUDWXUD%UDVLOHLUD´QRTXHKRMHVHULDR(QVLQR Médio.

Contudo,

Pietri

(2010)

argumenta

que

a

denominação

³&RPXQLFDomR H ([SUHVVmR´ p IUXWR GH XPD GDV LQWHUSUHWDo}HV GD /'% 5692/71. Os conceitos de matéria, disciplina e área de estudos foram redimensionados de modo que Comunicação e Expressão, Estudos Sociais e Ciências seriam as matérias macroestruturais do currículo, mas posteriormente, elas foram tomadas como agrupamento ou denominação de disciplinas. Conforme aponta a resolução CNE nº8/71, os Estudos Sociais teriam como conteúdos específicos a História, a Geografia e a Organização Social e Política do Brasil; as Ciências teriam a Matemática e as Ciências Físicas e Biológicas; a Comunicação e Expressão, por sua vez, teria como conteúdo específico a Língua Portuguesa. Exigem-se também, num parágrafo à parte, a Educação Física, a Educação Artística e o Ensino Religioso (obrigatório em estabelecimentos oficiais e facultativo para os alunos). Ainda segundo Pietri, as instâncias didática, acadêmica e oficial apresentam diferentes interpretações a respeito da reestruturação curricular na década de 70. No que se refere à Língua Portuguesa, os produtores de material didático entenderam que a disciplina passou a se chamar Comunicação e Expressão e que o ensino de língua assumia um caráter pragmatista. Para a instância oficial, Comunicação e Expressão abrangia a Língua Portuguesa, a Educação Artística e a Educação Física e, finalmente,



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na instância acadêmica, onde os conhecimentos produzidos estreitam laços com a instância oficial, o currículo foi interpretado sob a clave do construtivismo de base cultural e da concepção funcionalista da linguagem. Voltando à LDB 5692/71 podemos verificar que no artigo 1º, SDUiJUDIR ž FRQVWD TXH ³2 HQVLQR GH ž H ž JUDXV VHUi PLQLVWUDGR REULJDWRULDPHQWH HP OtQJXD QDFLRQDO´ ( DLQGD, no artigo 4º, inciso III, SDUiJUDIRž³1RHQVLQRGHžHžJUDXVGDU-se-á especial relevo ao estudo da língua nacional, como instrumento de comunicação e expressão da FXOWXUDEUDVLOHLUD´(PFRQWH[WREDVWDQWHGLYHUVRGDH[SDQVmRXOWUDPDULQD europeia do final do século XV, podemos notar, a partir do artigo 1º, que a relação língua-Estado ainda tem como principal característica o poder de generalizar e de tornar-se onipresente via ensino. Talvez esta característica seja um diferencial em relação ao modo como a língua nacional se difundiu a partir do século XVIII. Paradoxalmente, o artigo 4º acrescenta à XQLILFDGRUD³OtQJXDQDFLRQDO´DFDUDFWHUtVWLFDLQVWUXPHQWDOGHFRPXQLFDUH expressar a cultura brasileira. Desse modo temos, de um lado, como sugere Barbaud (2001, p.248), a língua do Estado (fórmula descritiva dotada do poder de generalizar a maioria dos usos que são governados pela norma linguística) e, do outro lado, o estado da língua cujo depositário é o falante ordinário que se comunica e se expressa. Acreditamos que, sobretudo na década de 1970, a tensão entre a língua do Estado e o estado da língua começa a se acirrar no contexto do ensino, dado que materialidades linguísticas empiricamente distintas encontram-se nas salas de aula cada vez mais heterogêneas. Neste sentido, como vimos acima, a Língua Nacional é homogeneizada por um mecanismo legal e, concomitantemente, multifacetada por este mesmo mecanismo, pois ele propõe que esta língua seja instrumento de



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comunicação e expressão da cultura brasileira à qual está intrínseco o traço da diversidade. Ao que tudo indica, durante o período em que o Brasil esteve sob o comando do regime militar, a relação entre os campos Oficial e Acadêmico era bem definida no sentido de que a voz do regime se sobrepunha aos conhecimentos produzidos pela Linguística. Tanto que não é possível encontrar em textos legais referentes à educação nenhuma menção ao termo língua materna, contrariamente do que ocorre com documentos produzidos na década de 1980, como veremos a seguir.

4. Década de 80: mãe da língua materna

³(XFDQWRHPSRUWXJXrVHUUDGRDFKRTXHRLPSHUIHLWRQmR SDUWLFLSDGRSDVVDGRWURFRDVSHVVRDVWURFRRVSURQRPHV´ (Legião Urbana).

As reformas curriculares, no que se refere ao ensino de Língua Portuguesa, se deram, na década de 80, sobretudo através de pareceres e resoluções. No início da década, a lei 7044/82 alterava alguns artigos da LDB 5692/71; dentre os artigos cuja redação foi alterada estão o 1º e o 4º citados na seção anterior. No artigo 1º, da 5692/71, consta como um dos objetivos de ensino GH ž H ž JUDXV D ³TXDOLILFDomR SDUD R WUDEDOKR´ (VWD H[SUHVVmR IRL VXEVWLWXtGDSHODOHLSRU³SUHSDUDomRSDUDRWUDEDOKR´ No artigo 4º, foram excluídos os seguintes parágrafos: § 1º Observar-se-ão as seguintes prescrições na definição dos conteúdos curriculares:



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I - O Conselho Federal de Educação fixará para cada grau as matérias relativas ao núcleo comum, definindo-lhes os objetivos e a amplitude. II - Os Conselhos de Educação relacionarão, para os respectivos sistemas de ensino, as matérias dentre as quais poderá cada estabelecimento escolher as que devam constituir a parte diversificada. III - Com aprovação do competente Conselho de Educação, o estabelecimento poderá incluir estudos não decorrentes de matérias relacionadas de acordo com o inciso anterior. § 3º Para o ensino de 2º grau, o Conselho Federal de Educação fixará, além do núcleo comum, o mínimo a ser exigido em cada habilitação profissional ou conjunto de habilitações afins. § 4º Mediante aprovação do Conselho Federal de Educação, os estabelecimentos de ensino poderão oferecer outras habilitações profissionais para as quais não haja mínimos de currículo previamente estabelecidos por aquele órgão, assegurada a validade nacional dos respectivos estudos. Tanto no artigo 1º quanto no 4º mantiveram-se, respectivamente, a obrigatoriedade do ensino em língua nacional e a função instrumental desta língua para a comunicação e expressão da cultura brasileira. Segundo a Resolução nº6/86, o núcleo comum para os currículos de 1º e 2º graus deveria se composto por: Português, Matemática, Estudos Sociais e Ciências, além de Educação Física, Educação Artística, Educação Moral e Cívica, Programas de Saúde e Ensino Religioso. No que se refere DR ³3RUWXJXrV´ R DUWLJR ž GHVWD UHVROXomR SUHVFUHYH TXH QDV VpULHV iniciais

do



grau,

este

componente

curricular

seja

tratado

predominantemente como atividade e, nas séries finais, como área de HVWXGRRXGLVFLSOLQD1RžJUDX³/tQJXD3RUWXJXHVD´H³/LWHUDWXUD´ FRP maior ênfase para a Brasileira) devem ser tratadas como disciplinas.171 O 171

Interessante notar que o artigo 30 da lei 7004/82 exige como formação mínima para o H[HUFtFLRGRPDJLVWpULR³D QRHQVLQRGHžJUDXGHDVpULHVKDELOLWDomRHVSHFtILFDGHž grau; b) no ensino de 1º grau de 5ª a 8ª séries, habilitação específica de grau superior, ao nível de graduação, representada por licenciatura de primeiro grau, obtida em curso de curta duração e c) em todo ensino de 1º e 2º graus, habilitação específica obtida em curso superior de JUDGXDomR FRUUHVSRQGHQWH D OLFHQFLDWXUD SOHQD´ 1RV parece que o grau de especialização do



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artigo 7º atribui especial relevo ao ensino de Português e Matemática e no SDUiJUDIR ~QLFR GHVWH PHVPR DUWLJR FRQVWD ³O relevo de ensino de Português será também assegurado pela participação dos demais componentes curriculares no desenvolvimento das linguagens oral e escrita GRVDOXQRV´ Com a abertura política do país no início de 1980, as vozes da academia puderam estabelecer maior diálogo com o discurso oficial. A preocupação em construir uma educação democrática veio ao encontro dos estudos a respeito da variedade linguística. Assim, em 1986, foi apresentado ao então ministro da educação ± Marco Maciel ± o relatório ILQDO GDV ³'LUHWUL]HV SDUD R DSHUIHLoRDPHQWR GH HQVLQRDSUHndizagem de /tQJXD3RUWXJXHVD´ A Comissão responsável pela elaboração destas diretrizes foi instituída pelo Decreto nº 991.372 de 26 de junho de 1985, que justificava a criação da comissão considerando: ³a significativa importância do idioma pátrio como principal veículo de comunicação e fator preponderante da integração nacional; a necessidade de se reexaminar o ensino da língua materna, principalmente em face das diversas variantes de seu uso, nos extensos limites geográficos brasileiros; que o prestígio do processo de aprendizagem da língua ensejará o hábito da leitura, instrumento indispensável ao acesso dos valores FXOWXUDLV´ A referida comissão ± que tinha a difícil tarefa de levar em consideração a unidade nacional assegurada pelo idioma pátrio, a diversidade linguística decorrente dos usos da(s) língua (s) materna(s) e a professor está ligado à autoridade que lhe é conferida para ministrar uma disciplina, o que só ocorre de fato, de acordo com a resolução, no 2º grau. Resta ainda investigar quais procedimentos metodológicos são capazes de dar ao que aparentemente é o mesmo objeto (Português/Língua Portuguesa) o status GH³DWLYLGDGH´³iUHDGHHVWXGR´RX³GLVFLSOLQD´



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GHPRFUDWL]DomR GRV ³YDORUHV FXOWXUDLV´ YLD OHLWXUD ± era composta pelos seguintes membros: Abgar Renault (presidente), Antonio Houaiss, Celso Cunha, Celso Luft, Fábio Lucas, João Wanderley Geraldi (substituindo Aurélio Buarque de Holanda), Magda Becker Soares, Nelly Medeiros de Carvalho (substituindo Francisco de Gomes Matos) e Raymundo Jurandy Wanghan. Grande parte dos membros era filiada a uma tradição filológica do estudo da língua, enquanto Luft, Geraldi e Soares estavam mais ligados à vertente linguística propriamente dita172. Vale a pena chamar atenção para fato de que, embora as diretrizes IRVVHP ³SDUD R DSHUIHLoRDPHQWR GR HQVLQRDSUHQGL]DJHP GH /tQJXD 3RUWXJXHVD´

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172 Embora seja comum encontramos na literatura a definição de que a Linguística é um ramo da Filologia, queremos deixar claro que a oposição aqui estabelecida fundamenta-se em bases institucionais, ou seja, ela se refere à autonomia conquistada pela Línguística enquanto disciplina em relação à Filologia, a partir de 1970, nos cursos de Letras. (Cf. ALTMAN, 2003).



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todas estas colocadas sob o rótulo de língua portuguesa: trata-VHGD³OtQJXD GHFXOWXUD´ No tópico dois do documento, após uma breve introdução que LQVLQXDDVXSHULRULGDGHGDVOtQJXDVJUiILFDVVREUHDViJUDIDVD³OtQJXDGH FXOWXUD´pDVVLPGHILQLGD ³2FRQFHLWRGHOtQJXDFXOWDFRQH[RDRGHQRUPDFXOWDQmRFRLQFLGH pois, com o de língua de cultura. As línguas de cultura oferecem uma feição universalista aos seus milhões de usuários, cada um dos quais pode preservar, ao mesmo tempo, usos nacionais, locais, UHJLRQDLVVHWRULDLVHSURILVVLRQDLV´ SS-6). $SDUWLUGRWUHFKRDFLPDSRGHPRVSHQVDUTXHD³OtQJXDGHFXOWXUD´ aparece como um artifício para lidar com a relação variação linguística x QRUPDWL]DomR $ SDODYUD ³FXOWXUD´ DR PHVPR WHPSR HP TXH DEUDQJH D variedade cultural brasileira, carrega em si o traço da erudição que em hipótese caracterizaria as classes economicamente privilegiadas. Esta é a língua, ou melhor, esta é a cultura da qual é desprovida a população que, via democratização do ensino, tem acesso à escolarização. Deste modo, a palavra cultura tira as questões linguísticas propriamente ditas do centro da discussão e exerce um efeito de totalidade aparentemente democrático. $OpPGLVVRSRGHPRVSHUFHEHUQRSUySULRWH[WRGDVGLUHWUL]HVTXHD³OtQJXD GH FXOWXUD´ DSDUHFH FRPR XP SDVVDSRUWH SDUD D DVFHQVmRWUDQVIRUPDomR social e, ainda segundo este documento, o fracasso na democratização do saber e da cultura se deve: ³DRIDWRGHHVVHVDEHUHHVWDFXOWXUDVHH[SUHVVDPQXPD³OtQJXDGH FXOWXUD´ TXH QmR p GRPtQLR GH ODUJDV FDPDGDV GD SRSXODomR TXH ainda discriminadas social e economicamente, já conquistaram seu direito de escolarização. Evidencia-se, assim, a excepcional importância e o inegável significado social que tem o ensino da OtQJXDGHFXOWXUDQDHVFROD´ S



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Deste modo constatamos que tal efeito é apenas aparentemente GHPRFUiWLFR(UDGHVHHVSHUDUTXHD³FXOWXUD´VHUHVWULQJLVVHDo universo letrado das classes dominantes, posto que, como vimos no decreto que instituiu a Comissão, valores culturais e leitura aparecem como indissociáveis. 2V PDLV RWLPLVWDV SRGHULDP DUJXPHQWDU TXH R XVR GH ³OtQJXDV GH FXOWXUD´QR SOXUDO p LQGLVFXWLvelmente democrático, pois cada língua, de cada comunidade é parte de uma cultura que pode ser universal. Contudo, DWHQWHPRVDRYHUER³SUHVHUYDU´SUHVHQWHQRH[FHUWRDFLPD6HRVXVXiULRV GDV OtQJXDV GH FXOWXUD SRGHP ³SUHVHUYDU´ VHJXQGR R +RXDLVV GHIHQGer, UHVJXDUGDU FRQVHUYDU  RV GLIHUHQWHV XVRV p SRUTXH R ³UHVSHLWDU´ DLQGD segundo Houaiss: honrar, temer, acatar, cumprir) não é um pressuposto partilhado por todos. Sabemos que alguns usos são mais respeitados que outros, portanto, não é possível preserYDUGRPHVPRPRGR³XVRVQDFLRQDLV ORFDLV UHJLRQDLV VHWRULDLV H SURILVVLRQDLV´ SRLV HOHV QmR VmR LJXDOPHQWH legitimados na sociedade. O reconhecimento da legitimidade das variedades linguísticas DSDUHFH QDV 'LUHWUL]HV FRPR DOJR TXH VH VRPD j ³OtQJXD GH FXOWXUD´ Contudo, não se trata de uma soma em que os dois fatores têm o mesmo valor, pois é por meio da língua de cultura que se garantirá o acesso aos bens culturais e à participação política. Prova da iniquidade entre YDULHGDGHVOLQJXtVWLFDVH³OtQJXD GHFXOWXUD´pRH[FHUWRDEDL[RQRTXDOD comissão, ao elencar os diversos fatores intraescolares responsáveis pela democratização da língua de cultura, cita a formação do professor: ³D IRUPDomR GRSURIHVVRUGH OtQJXDSRUWXJXHVD HP TXDOTXHUQtYHO deve ser radicalmente modificada, passando a alicerçar-se no conhecimento, compreensão e interpretação das diferenças hoje presentes na escola, a fim de que haja não só uma mudança de atitude do professor diante das condições socioculturais e linguísticas dos alunos, mas também, e consequentemente, uma



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reformulação dos conteúdos e procedimentos do ensino da língua, que tem, como objetivo último, o domínio da língua de cultura, sem estigmatização das variedades linguísticas adquiridas no processo natural de sociali]DomR´ S  A partir disso podemos nos perguntar: de que modo se legitima a reformulação de conteúdos e procedimentos, se a finalidade do ensino da OtQJXDPHVPRFRPRVHVWXGRVVREUHYDULDomRpRGRPtQLRGD³OtQJXDGH FXOWXUD´"3DUHFH-nos que tal reformulação se dará no âmbito da abordagem do texto, visto que, segundo o documento, o ensino de 1º grau deverá se concentrar em três práticas: de leitura, de produção textual e de análise linguística. A primeira destas práticas visa proporcionar o convívio com a ³OtQJXD GH FXOWXUD´ D VHJXQGD SURGXomR GH WH[WRV RUDLV H HVFULWRV H D terceira, a comparação de diferentes variedades linguísticas a partir da produção textual do próprio aluno, a fim de que, sem abandonar a YDULHGDGHMiGRPLQDGDHOHDFHGDj³OtQJXDGHFXOWXUD´ $SHVDUGDH[SUHVVmR³OtQJXDGHFXOWXUD´WHUGHL[DGRGHVHUXWLOL]DGD em documentos oficiais produzidos na década de 1990, a ideia de não estigmatização das variedades linguísticas, seguida da democratização do acesso à norma culta, continuou a se difundir como veremos adiante.

5. Década de 90: reconhecimento do multilinguismo?

Pelo menos dois documentos oficiais, postos em circulação na década de 1990, merecem nossa especial atenção no que se refere ao ensino de língua no Brasil: as Leis de Diretrizes e Bases 9394/96 e os Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa. Sancionada pelo então presidente da república, Fernando Henrique Cardoso, a LDB também conhecida como lei Darcy Ribeiro prevê na seção III Do Ensino Fundamental, Art. ,9†žTXH³2HQVLQRIXQGDPHQWDO



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regular será ministrado em língua portuguesa, assegurada às comunidades indígenas a utilização de suas línguas maternas e processos próprios de DSUHQGL]DJHP´ Podemos notar que, no contexto do artigo acima citado, a língua materna aparece em oposição à portuguesa na qual está implícito o traço de homogeneidade, enquanto a heterogeneidade pretende ser contemplada pela consideração da existência das línguas indígenas, bem como pela tentativa, ao menos legal, de assegurar que as mesmas sejam utilizadas por seus falantes. Num primeiro momento, o texto não deixa claro se os tais ³SURFHVVRVSUySULRVDSUHQGL]DJHP´VHUmRDVVHJXUDGRVQRHQVLQRGDOtQJXD portuguesa, no ensino bilíngue ou no de língua materna. Contudo, mais adiante, no título VIII Das Disposições Gerais, Art. 78, fica estabelecido que: ³2 VLVWHPD GH HQVLQR GD 8QLmR FRP D FRODERUDomR GDV DJrQFLDV federais de fomento à cultura e de assistência aos índios, desenvolverá programas de ensino e pesquisa, para oferta de HGXFDomRHVFRODUELOtQJXHHLQWHUFXOWXUDODRVSRYRVLQGtJHQDV>@´ É verdade que ainda há muitos pontos a serem problematizados no que tange à literatização173 dos povos indígenas na qual antagonizam as línguas maternas e a língua portuguesa e, embora não seja este o objeto de nossa pesquisa, cremos que alguns desses pontos podem também ser pensados, mutatis mutandis, no âmbito do ensino de Português. Com isto queremos dizer que, se há no interior da escola espaço para o conflito linguístico no qual a língua dos alunos não é aquela com que se produz a cultura socialmente prestigiada, é possível que haja também espaço para o debate das seguintes questões: 1) O ensino da língua de prestígio

173

O termo é utilizado por Matos e Silva (2001) que o considera menos restritivo do que o WHUPR³DOIDEHWL]DomR´



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representa, de fato, um instrumento de libertação dos alunos? 2) De que modo e em que língua(s) conduzir este processo de ensino/aprendizagem? Mesmo quando o campo acadêmico goza de maior participação no discurso oficial como nos parece ocorrer na ocasião da publicação do PCN(s), em 1998, o ensino de língua materna parece servir apenas como jargão de exaltação à diversidade e à tolerância linguística. Vejamos o excerto abaixo, retirado da introdução dos PCN (s) de Língua Portuguesa do segundo ciclo do Ensino Fundamental: ³$QRYDFUtWLFDGR(QVLQRGHLíngua Portuguesa, no entanto, só se estabeleceria mais consistentemente no início dos anos 80, quando as pesquisas produzidas por uma lingüística independente da tradição normativa e filológica e os estudos desenvolvidos em variação lingüística e psicolingüística, entre outras, possibilitaram avanços nas áreas de educação e psicologia da aprendizagem, principalmente no que se refere à aquisição da escrita. Este novo quadro permitiu a emersão de um corpo relativamente coeso de reflexões sobre a finalidade e os conteúdos de ensino de língua materna174´ S $UHODWLYL]DomRGD³QRomRGHHUUR´SDUHFHVHURPDLRULPSDFWRTXH os estudos da variação alcançaram na prática pedagógica. Segundo os PCN(s), tal noção deve ser revista a fim de se pensar um modelo de correção que não esteja pautado na gramática tradicional.

Assim, o

GRFXPHQWR SURS}H TXH D ³QRomR GH HUUR´ VHMD VXEVWLWXtGD SHOD GH ³DGHTXDomR´LVWRpOLYUHGHPLWRVHSUHFRQFHLWRVVREUHDOtQJXD$HVFROD não será responsável pela substituição da variedade do aluno por outra que se aproxime dos padrões de escrita, mas sim pela ³H[WHQVmR GD competência linguística e pela construção ativa de subsistemas JUDPDWLFDLVVREUHRVLVWHPDMiDGTXLULGR´(p.31).

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Grifo nosso.

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Pois bem, estando escrito nos documentos oficiais que a Língua Portuguesa é uma unidade constituída por variedades e que o estudo de uma língua monolítica afinada à modalidade escrita e formal culta não se sustenta, pois não leva em consideração os usos que os falantes fazem da língua, é de se esperar que a variação e oralidade ocupem lugar de destaque no ensino. Apesar disso, observa-se a seguinte passagem: ³7RPDU D OtQJXD HVFULWD H R TXH VH WHP FKDPDGR GH OtQJXD SDGUmR como objetos privilegiados de ensino-aprendizagem na escola se justifica, na medida em que não faz sentido propor aos alunos que aprendam o que já sabem. Afinal a aula deve ser o espaço privilegiado de desenvolvimento da capacidade intelectual e lingüística dos alunos, oferecendo-lhes condições de desenvolvimento de sua competência discursiva. Isso significa aprender a manipular os textos escritos variados e adequar o registro oral às situações interlocutivas, o que em certas circunstâncias, LPSOLFDXVDUSDGU}HVPDLVSUy[LPRVGDHVFULWD´ S  Deve ser pelas razões explicitadas no excerto acima que, ao longo de WRGR GRFXPHQWR p SRVVtYHO HQFRQWUDU  RFRUUrQFLDV GR WHUPR ³OtQJXD SRUWXJXHVD´HGXDVGRVWHUPRV³OtQJXDPDWHUQD´3RGHUtDPRVSHQVDUTXHD disparidade de ocorrências dos termos se deve ao fato de que LP denomina oficialmente a disciplina. Esta hipótese nos parece tão plausível quanto a seguinte questão: então, o que denomina a LM? Ou melhor, como ela se constitui discursivamente na intersecção entre os campos Oficial, Acadêmico e Metodológico? Até o presente momento, a partir da análise dos documentos que tomamos aqui como representantes de um discurso oficial, só podemos enunciar negativas: a LM não é uma disciplina e também não é um objeto de ensino-aprendizagem. Voltando a LDB de 1996, na seção V, Do Ensino Médio, Art. 36, I, fica estabelecido que [O currículo do ensino médio...] "destacará [...] a



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língua portuguesa como instrumento de comunicação, acesso ao conhecimento e exercício da cidadania." Observemos que o caráter pragmático/instrumental da língua permanece como nas duas décadas anteriores, mas a cultura se traduz em conhecimento e não seria exagero GL]HUTXH D SDODYUD ³DFHVVR´ WUD] HP VHXERMR RVHPD GDVWHFQRORJLDVGD informação euforizadas em tempos de globalização; trataremos deste assunto quando nos debruçarmos sobre os Parâmetros Curriculares para o (QVLQR 0pGLR -i R DSHOR j ³H[SUHVVmR GD FXOWXUD EUDVLOHLUD´ H D ³LQWHJUDomRQDFLRQDO´GHUDPOXJDUDXPD³FLGDGDQLD´TXHDSDUHQWHPHQWH estaria mais afinada à consolidação da democracia brasileira. A questão das tecnologias é fortemente explorada nos Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio, embora o documento tenha sido publicado no ano 2000 e extrapole o recorte temporal dos documentos oficiais aqui contemplados, acreditamos que ele merece algumas considerações, dado que, do ponto de vista curricular, no nível médio, o ensino de Português se dilui no limbo das Linguagens. Então, vejamos o que propõem os PCNEM.

6. Nem portuguesa, nem materna: do ensino de língua ao ensino de linguagens

Sob a égide da interdisciplinaridade, a área curricular denominada ³/LQJXDJHQV&yGLJRVHVXDV7HFQRORJLDV´TXHUDEDUFDUFRQKHFLPHQWRVGH Língua Portuguesa, de Língua Estrangeira Moderna, de Educação Física, de Arte e de Informática. Não seria descabido dizer que tal estrutura curricular se assemelha bastante àquela proposta na década de 70, salvo à ênfase dada aos Códigos e às Tecnologias.



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Aliás, a propósito do currículo, o Parecer do CNE nº15/98, que trata das Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio, apresenta pelo menos três definições: ³$ RUJDQL]DomR FXUULFXODU DSUHVHQWDGD D VHJXLU SHUWHQFH SRLV DR âmbito do currículo proposto. Contraditório que possa ser chamar as presentes diretrizes curriculares, obrigatórias por lei, de currículo proposto, essa é a forma de reconhecer que o desenvolvimento curricular real será feito na escola e pela escola. O projeto ou proposta pedagógica será o plano básico desse desenvolvimento pelo qual o currículo proposto se transforma em currículo em ação. O currículo ensinado será o trabalho do professor em sala de aula. Para que ele esteja em sintonia com os demais níveis ± o da proposição e o da ação ± é indispensável que os professores se apropriem, não só dos princípios legais, políticos, filosóficos e pedagógicos que fundamentam o currículo proposto, de âmbito nacional, mas da própria proposta pedagógica da escola. Outro reconhecimento, portanto, aqui se aplica: se não há lei ou norma que possa transformar o currículo proposto em currículo em ação, não há controle formal nem proposta pedagógica que tenha impacto sobre o ensino em sala de aula, se o professor não se apropriar dessa proposta como seu protagonista mais importante. Entre o currículo proposto e o ensino na sala de aula, situam-se ainda as instâncias normativas e executivas estaduais, legítimas formuladoras e implementadoras das políticas educacionais em seus respectivos âmbitos. O edifício do ensino médio se constrói, assim, em diferentes níveis nos quais há que estabelecer prioridades, identificar recursos e estabelecer consensos sobre o que e como ensinar.´ (p.58) Gostaríamos de chamar atenção para o trecho assinalado em itálico, pois ao contrário do que o próprio texto diz, o alinhamento entre os currículos proposto, em ação e ensinado, tem dependido cada vez menos do protagonismo do professor, dado que mecanismos de controle, como por exemplo, o ranqueamento de escolas a partir as avaliações externas, anulam as discussões e o estabelecimento de consenso sobre o quê e como ensinar. Neste sentido, a fim de dissolver a contradição apontada no



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próprio texto do parecer, seria melhor chamar o currículo proposto de currículo imposto175. Nos PCNEM, além dos volumes dedicados a cada uma das áreas (Linguagens, Códigos e suas Tecnologias, Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias e Ciências Humanas e suas Tecnologias), Ki WDPEpP XP YROXPH LQWURGXWyULR D 3DUWH , LQWLWXODGD ³%DVHV /HJDLV´ que explicita os mecanismos legais utilizados para legitimar o conteúdo dos Parâmetros. Segundo a LDB 9394/96, ainda no artigo 36, § 1º, inciso II, ao final GR (QVLQR 0pGLR R HGXFDQGR GHYHUi GHPRQVWUDU ³FRQKHFLPHQWR GDV IRUPDVFRQWHPSRUkQHDVGHOLQJXDJHP´ Conforme afirmamos anteriormente, as Tecnologias têm lugar em todas as áreas de conhecimento. Segundo o documento, isso se deve ao IDWRGHTXH³DUHYROução tecnológica e seus desdobramentos na produção e na área da informação apresenta características possíveis de assegurar à HGXFDomRXPDDXWRQRPLDDLQGDQmRDOFDQoDGD´ S 5HVWD-nos saber que autonomia é esta, dado que as capacidades a serem desenvolvidas pela escola, ainda segundo o documento, pautam-se, ou melhor, coincidem com aquelas exigidas pelo setor produtivo.

175 Em agosto de 2012, após a divulgação de dados do IDEB (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) sobre a baixa aprendizagem no Ensino Médio, o MEC propôs uma reforma curricular que organizaria o ensino em quatro eixos: Linguagens, Matemática, Ciências Naturais e Ciências Humanas. A proposta de reestruturação curricular foi se enviada ao CNE em 2013. Interessante observar que, embora o e secretário de Educação Básica, e o Ministro da Educação, à época, respectivamente, Carlos Callegari e Aloízio Mercadante, tenham argumentado a proposta tinha como objetivo integrar as disciplinas e conteúdos e que, caso ela venha a se tornar uma resolução aprovada pelo CNE, não terá caráter imposição; desde 2009, o MEC, através de Programa Ensino Médio Inovador, vem oferecendo repasse adicional de verba às escolas que reestruturarem seus currículos de acordo com os quatro eixos presentes no ENEM. Desse modo, nos parece que uma reestruturação curricular proposta em pleno regime democrático, deveria lançar mão de mecanismos menos coercitivos, dado que as avaliações externas e os programas meritocráticos de repasse de verbas tornam-se ferramentas para anular a autonomia do professor e da escola.



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Quanto aos códigos, não há no documento nenhuma definição a respeito do modo como eles são concebidos. Voltemos então à Linguagem. A respeito dela, o documento apresenta a seguinte definição: ³$ OLQJXDJHP p FRQVLGHUDGD DTXL FRPR D FDSDFLGDGH KXPDQD GH articular significados coletivos e compartilhá-los, em sistemas arbitrários de representação, que variam de acordo com as necessidades e experiências da vida em sociedade. A principal razão GHTXDOTXHUDWRGHOLQJXDJHPpDSURGXomRGHVHQWLGR´ S  Interessa-nos ressaltar dois aspectos da definição que ganham relevância ao longo de todo o documento. O primeiro é o aspecto interacionista e o segundo refere-se aos gêneros do discurso. Como já ocorria nos PCN(s) para o Ensino Fundamental, a apropriação de conceitos bakhitinianos confere ao documento uma tônica que privilegia os gêneros em detrimento da variação linguística. Tanto é que a questão da variação nem aparece sob esta designação. Numa das competências a serem GHVHQYROYLGDV SHOD iUHD FRQVWD ³5HVSHLWDU H SUHVHUYDU DV GLIHUHQWHV manifestações da linguagem utilizadas por diferentes grupos sociais, em VXDVHVIHUDVGHVRFLDOL]DomR´ .) (p.9). $ UHODomR ³HQWUH QDV H SHODV OLQJXDJHQV´ S  EHP FRPR D ³YHULILFDomR GR HVWDWXWR GRV LQWHUORFXWRUHV SDUWLFLSDQWHV GR SURFHVVR FRPXQLFDWLYR´ S VmRVHJXQGRRGRFXPHQWRPHLRVGHSUHVHUYDomRGD LGHQWLGDGH GRV ³PHQRV LQVWLWXFLRQDOL]DGRV´ Ge legitimação da linguagem do aluno e de superação de preconceitos. &UHPRVFRQWXGRTXHDXWLOL]DomRGH³OLQJXDJHQV´GHPRGRDQiORJR DRTXHRFRUUHFRPD³OtQJXDGHFXOWXUD´GDGpFDGDGHDEUHSRUWDVSDUD uma generalização na qual se procura fazer coincidir a variante padrão às outras variantes, visto que a relação identidade/institucionalização nunca foi das mais harmônicas. Desse modo, é possível entender porque o documento sugere que o aluno compreenda e utilize a LP como LM e que a



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primeira gere significação e integre a organização do mundo e da própria identidade. Ora, se o Português são dois, como afirma Silva no título de sua obra, as línguas maternas, quantas serão? Então, por que a desinência do plural é utilizada somente para as Linguagens? De fato, precisamos considerar que desde a reforma curricular de 1971 o ensino de linguagens já era previsto e não podemos fechar os olhos para o vertiginoso desenvolvimento tecnológico no qual estamos imersos cada vez mais. Entretanto, no âmbito da disciplina "Português", há que se cuidar para que a expansão dos saberes por ela mobilizados, priorizando uma perspectiva interdisciplinar, não resulte num esvaziamento daquilo que confere, inclusive aos professores de Português, um caráter identitário. Nos PCNEM Ki PDLV RFRUUrQFLDV GR WHUPR ³OtQJXD PDWHUQD´ ± contabilizamos doze ± do que no documento do Ensino Fundamental e, aparentemente, os documentos se opõem no que se refere a tomar a norma padrão como objeto privilegiado de ensino: ³2GHVHQYROYLPHQWRGDFRmpetência linguística do aluno no Ensino Médio (...) não está pautado na exclusividade do domínio técnico de uso da língua legitimada pela norma padrão, mas principalmente, no saber utilizar a língua em situações subjetivas e/ou objetivas que exijam graus de distanciamento e reflexão sobre contextos e estatutos de seus interlocutores ± a competência comunicativa vista pelo prisma da referência do valor social e simbólico da atividade OLQJXtVWLFDHGRVLQ~PHURVGLVFXUVRVFRQFRUUHQWHV´ S.11) Afirmamos que a oposição entre os dois documentos é apenas aparente devido ao modo como a competência é abordada nos PCNEM, ou seja, associada ao valor social e simbólico. Deste modo, tudo leva a crer TXH DV VLWXDo}HV TXH H[LJHP PDLRU JUDX GH ³GLVWDQFLDPHQWR H UHIOH[mR VREUH RV FRQWH[WRV H HVWDWXWRV GH VHXV LQWHUORFXWRUHV´ VHUmR DTXHODV QDV quais se deverá fazer uso da norma padrão, prioritariamente escrita, pois,



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como afirmam os Parâmetros do Ensino Fundamental, não cabe à escola ensinar ao aluno aquilo que ele já sabe. Diferentemente dos PCN(s) do Ensino Fundamental não há, no documento do Ensino Médio, uma lista de conteúdos serem ensinados, mas aponta-se que a confusão entre norma e gramaticalidade feita pela escola é um dos obstáculos à melhoria do ensino do falar, ler e escrever. Assim, vemos novamente vir à tona a relativização da noção de erro, não necessariamente seguida de uma proposta de ensino que concilie fala e escrita, ou melhor, oralidade e letramento.

Considerações finais

Esperamos que o quadro abaixo sirva de recapitulação ao nosso percurso histórico construído via documentos normativos.

Para tanto,

partimos da oposição primitiva Universalidade x Particularidade 176. Nossa escolha por esta oposição se justifica pelo fato de que tanto LP, via conservação da norma, quanto LM, via reconhecimento da existência da língua adquirida antes do início do processo de escolarização, tendem a dar à língua um caráter universal. Em outras palavras, LP utiliza o ensino e LM utiliza a aquisição como mecanismo de universalização. Foi justamente a oposição Universalidade x Particularidade que nos levou a eleger a Legitimidade como eixo primitivo semântico de LP e LM no campo oficial. Isto porque no período histórico recortado pode-se notar um aumento progressivo da reivindicação por democracia, não só no sentido de regime político, mas principalmente no sentido empregado por Rancière apud 6LJQRULQLRXVHMDFRPR³PRGRGHPDQLIHVWDomRGRSROtWLFR 176

Estamos procedendo à maneira de Maingueneau que, para construir o modelo religioso jansenista, partiu da oposição primitiva Concentração vs ([SDQVmR H XWLOL]RX ³&RQFHQWUDomR´ como uma operação que se aplicava a diversos eixos primitivos semânticos (Relação, Espacialidade, Número etc.)..



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enquanto instauração do litígio sobre igualdade de condições na comunicação sociDO H QRV SURFHVVRV GH VXEMHWLYDomR GR IDODQWH´ S  1RWHPRV TXH QHVWH SURFHVVR GH ³LQVWDXUDomR GR OLWtJLR´ WDQWR /3 TXDQWR LM reivindicam para si o caráter de língua legítima. Sendo assim, no quadro que se segue aplicaremos a Universalização (U) sobre o eixo semântico primitivo da Legitimidade, a fim de obter os semas valorizados por LP elencados na coluna L1+. Em seguida, aplicaremos sobre os semas obtidos a operação de contrariedade (não U) a fim de obtermos os semas valorizados por LM, estes estarão elencados na coluna L-. Vejamos:

Quadro 1: Os semas de LP e LM no campo Oficial Eixo Primitivo Semântico

L1-

L1+ (Semas valorizados por LP)

(Semas valorizados por LM)

Semas obtidos pela operação de

Semas obtidos pela operação de

UNIVERSALIZAÇÃO (U)

CONTRARIEDADE (NÃO U)

LEGITIMIDADE Homogêneo

Heterogêneo

Nacional

Regional

Substituição (da competência

Extensão (da competência

linguística)

linguística)

Pragmático/instrumental

Expressivo/subjetivo

Ensino

Aprendizagem

Escrita

Fala

A partir da análise de documentos normativos do período 1971 a 2000 percebemos que, embora haja um esforço para afirmar a unidade OLQJXtVWLFD QDFLRQDO ³OtQJXD SRUWXJXHVD´ H ³OtQJXD PDWHUQD´ QXQFD



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coincidiram, pelo contrário, só se distanciaram à medida que mais e mais falantes adentraram os muros da escola. Tanto que a cada década, um novo documento foi publicado a fim de nos fazer crer num Estado realmente interessado em dar a todos o acesso à língua nacional, à língua de cultura ou à norma padrão. E também com o objetivo de nos fazer acreditar que este mesmo Estado se interessa pela preservação da diversidade linguística de seus falantes. Se a língua portuguesa nos une, a língua materna nos separa e como esta última é maior, no sentido de que seus inúmeros falantes carregam consigo um enorme leque de diversidade, prevalece a fragmentação sobre a unidade. Entretanto, este artigo se oferece

como um convite ao

reconhecimento desta fragmentação para que aproveitando-nos da fragmentação e da heterogeneidade que constitui a língua enquanto objeto de ensino possamos criar alternativas metodológicas que respondam às exigências da democratização do saber somada ao respeito efetivo à diversidade linguística.

Referências bibliográficas

ALTMAN, Cristina. A pesquisa linguística no Brasil (1968-1988). São Paulo: Humanitas, 2003. AUROUX, Sylvian. A revolução tecnológica da gramatização. Tradução de Eni Puccineli Orlandi. Campinas: Editora da UNICAMP, 1992. BARBUD, Philippe. A língua do Estado ± O estado da língua. In: BAGNO, Marcos (org.). Norma Linguística. São Paulo: Loyola, 2011. p.247-270. HOUAISS, Antonio. O Português no Brasil. In: Pequena Enciclopédia da Cultura Brasileira. Rio de Janeiro: UNIBRADE, 1985.



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Documentos consultados

BRASIL, Ministério da Educação e Cultura. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais (Introdução), Volume 1. Brasília, 1997. _____. Parâmetros Curriculares Nacionais (terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental). (Língua Portuguesa). Brasília, 1998.



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_____. Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio Linguagens, Códigos e suas Tecnologias). (Língua Portuguesa). Brasília, 2000. BRASIL. Ministério da Educação. Diretrizes para o aperfeiçoamento do ensino/aprendizagem de língua portuguesa. Relatório conclusivo. Brasília, janeiro de 1986. BRASIL. Lei nº 5692, de 11 de agosto de 1971. Fixa diretrizes e bases paro o ensino de 1º e 2º graus e dá outras providências. BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 23 dez. 1996. BRASIL. Lei nº 7044, de 18 de outubro de 1982. Altera dispositivos da Lei 5692 de 11 de agosto de 1971, referentes a profissionalização do ensino de 2ºgrau. DECRETO 991.372 de 26 de junho de 1985. Institui Comissão Nacional visando ao estabelecimento de diretrizes que promovam o aperfeiçoamento do ensino-aprendizagem da língua materna. PARECER CNE nº4/98. Assunto: Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental. Relator(a) Coselheiro(a): Regina Alcântara de Assis. PARECER CNE nº15/98. Assunto: Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio. Relator(a) Coselheiro(a): Guiomar Namo de Mello. RESOLUÇÃO nº8 de 1º de dezembro de 1971. Fixa o núcleo comum para os currículos do ensino de 1º e 2º graus, definido-lhe os objetivos e a amplitude. RESOLUÇÃO CFE nº6 de 26 de novembro de 1986. Reformula o núcleo comum para os currículos ensino de 1º e 2º graus.



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ENTRE CONCEITOS E PRÁTICAS PEDAGÓGICAS PAULISTAS: A CONSTITUIÇÃO DISCURSIVA DA PSICOGÊNESE DA ESCRITA COMO UMA ³REVOLUÇÃO CONCEITUAL´ 177 Mariana Pesirani178

Considerações iniciais

A pesquisa psicogenética sobre aquisição da escrita realizada, na década de 1970, por Emília Ferreiro e seus colaboradores pretendia discutir a questão da alfabetização do ponto de vista da criança que aprende, sendo o objetivo da pesquisa compreender o processo de aquisição da escrita realizado pelas crianças. Isso representou um deslocamento com relação ao tratamento dado às questões pertinentes à alfabetização, que, até então, tradicionalmente, eram discutidas do ponto de vista dos métodos de ensino. Essa mudança de foco aponta para o fato de que, na perspectiva da investigação psicogenética sobre a aquisição da escrita, a alfabetização é considerada um aprendizado conceitual, e não um processo de aquisição de uma técnica para ler e escrever. Essa forma de interpretação do processo de aquisição da escrita, ao ser inserida no âmbito das práticas pedagógicas do professor alfabetizador, ficou conhecida como construtivismo179 ou como concepção construtivista de alfabetização.

177

Este artigo é parte dos resultados da minha dissertação de mestrado, sob orientação do Prof. Dr. Émerson de Pietri (FE-USP). 178

Graduada em Letras-Linguística e Mestra em Linguagem e Educação pela Universidade de São Paulo. E-mail: [email protected]

179 6HJXQGR0RUDHV  GL]HU³FRQVWUXWLYLVPR´QRVLQJXODUQmRVHULDDGHTXDGRSRLVRTXH WHUtDPRVVHULDP³FRQVWUXWLYLVPRV´SRLs por trás dessa nomenclatura há um amálgama de várias teorias da aprendizagem muitas vezes não conciliáveis. Entretanto, aqui, não nos dedicaremos a examinar esse amálgama.



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Nas décadas de 1980 e 1990, os resultados da pesquisa psicogenética sobre aquisição da escrita foram amplamente divulgados no Brasil e, como consequência disso, houve uma revisão das maneiras de se pensar o processo de alfabetização das crianças. No Estado de São Paulo, o conhecimento produzido pela investigação de Emília Ferreiro e colaboradores foi tomado como base teórica para a elaboração de documentos de referência curricular, nos quais a psicogênese da escrita fundamentava considerações sobre o processo de alfabetização e orientações para o trabalho do professor alfabetizador. A Secretaria de Educação do Estado de São Paulo, por meio da Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas (CENP), a fim de promover o trabalho segundo a concepção construtivista de alfabetização, passou a divulgar, no âmbito das estratégias de capacitação docente, a teoria psicogenética sobre aquisição da escrita por intermédio de cursos de formação em serviço e por meio do envio sistemático de material impresso com textos fundamentados teoricamente pela psicogênese da escrita às escolas e Delegacias de Ensino180. Nesses textos, a psicogênese da escrita IRLDSUHVHQWDGDFRPRXPD³UHYROXomRFRQFHLWXDO´HPUHODomRjVSURGXo}HV anteriores sobre a temática da alfabetização. Essa representação parece ter seu principal alicerce calcado na noção de sujeito apresentada por essa teoria de aquisição da escrita, a qual aponta para um sujeito cognoscente, cuja aprendizagem é resultado da sua ação sobre determinado objeto de conhecimento. Essa concepção de sujeito rejeita a concepção anterior de base associacionista, na qual o sujeito era tratado como um recipiente onde se depositavam conhecimentos, sendo ensinado por outro sujeito que,

180 Atualmente, a nomenclatura Delegacia de Ensino não é mais utilizada, tendo sido substituída por Diretoria Regional de Ensino.



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sendo detentor de determinados conhecimentos, era responsável por transmiti-los. Uma vez que, por meio de documentos produzidos por órgãos oficiais de regulamentação do ensino, o conhecimento sobre aquisição da escrita produzido pela investigação psicogenética passou a subsidiar práticas pedagógicas, sendo apresentado como uma revolução conceitual, propomos ser relevante observar como o discurso construtivista se relaciona com outros discursos sobre alfabetização em documentos oficiais que subsidiam a prática pedagógica dos professores alfabetizadores, a fim de verificar a construção de estratégias discursivas que apresentariam a psicogênese da escrita como uma revolução conceitual para o tratamento pedagógico da alfabetização, bem como descrever o sistema de regras semânticas do discurso construtivista sobre alfabetização, com o intuito de observar como determinados enunciados sobre alfabetização são tomados como legítimos e outros como equivocados. Serão esses, portanto, os objetivos deste artigo. Como método de pesquisa, utilizaremos a análise documental, uma vez que os documentos são considerados fontes capazes de apresentar os fatos sociais de modo sedimentado (LÜDKE; ANDRÉ, 1986). Para procedermos à análise aqui proposta, utilizaremos a Análise do Discurso de linha francesa como fundamentação teórica. Por meio de conceitos fornecidos por essa teoria, tais como a noção de simulacro, pretendemos analisar um conjunto de documentos produzidos pela CENP, observando de que modo enunciados produzidos no campo acadêmico foram veiculados nesses documentos a fim de subsidiar práticas pedagógicas. Os documentos escolhidos para compor o corpus de análise são representantes do movimento de produção e publicação no Estado de São Paulo, por instâncias oficiais responsáveis pela Educação, de textos cujos objetivos eram apresentar a psicogênese da escrita aos professores



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alfabetizadores, de forma a levá-los a desenvolverem uma prática pedagógica ancorada nessa teoria de aquisição da escrita. Sendo assim, selecionamos, para compor o corpus, os seguintes documentos: R SÃO PAULO (Estado) Secretaria de Educação. Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas. Alfabetização em classes populares: didática do nível pré-silábico. São Paulo, SE/CENP, 1985; R SÃO PAULO (Estado) Secretaria de Educação. Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas. Isto se aprende com o Ciclo Básico. São Paulo, SE/CENP, 1986; R SÃO PAULO (Estado) Secretaria de Educação. Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas. Ciclo Básico em jornada única; uma nova concepção de trabalho pedagógico. São Paulo, SE/CENP, 1990. v.1; R SÃO PAULO (Estado) Secretaria de Educação. Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas. Ciclo Básico em jornada única; uma nova concepção de trabalho pedagógico. São Paulo, SE/CENP, 1990. v.2; R SÃO PAULO (Estado). Secretaria da Educação. Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas. Ciclo Básico. São Paulo: SE/CENP, 1990; R SÃO PAULO (Estado). Secretaria Estadual de Educação. Proposta Curricular para o Ensino de Língua Portuguesa: 1º grau, São Paulo: SE/CENP, 1992.

1. Alfabetização: entre tradições e revoluções

Para que se possa compreender o impacto da pesquisa psicogenética sobre aquisição da escrita realizada por Emília Ferreiro no campo das



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pesquisas sobre alfabetização, faz-se necessário observar as concepções de língua escrita, ensino e alfabetização em voga no momento histórico em que a referida pesquisa foi divulgada no Brasil. Esse olhar histórico é fundamental para observarmos como a psicogênese da escrita foi alçada à condição de revolução conceitual no campo dos estudos sobre alfabetização. No Brasil, a partir da primeira década republicana as práticas sociais da leitura e da escrita, até então restritas a poucas pessoas e ensinada de maneira não sistemática no espaço privado do lar, tornaram-se práticas escolarizadas

(ensinadas

em

espaço

público

e

organizadas

metodologicamente). Dessa maneira, no final do século XIX, levantaram-se questões sobre como alfabetizar de maneira eficaz. Nesse momento, houve uma grande busca pela resposta definitiva para a seguinte questão: Qual é o melhor método para alfabetizar crianças? Essa pergunta tornou-se central nos estudos sobre alfabetização (MORTATTI, 2000). Especialmente no estado de São Paulo, fundou-se, nas propostas para alfabetização, a tradição de que o ensino da leitura e da escrita envolveria, necessariamente, uma questão de método. Essa tradição fez com que se DSOLFDVVH DRV HVWXGRV GRV PpWRGRV GH HQVLQR R SULQFtSLR GH ³FRQVHUWDU PHOKRUDQGR´ GHVVD forma cada novo método de alfabetização que surgia tinha a finalidade de superar as dificuldades do método precedente e, assim, durante décadas, o problema crucial da alfabetização foi a busca por melhores e mais eficientes métodos de alfabetização. A busca por métodos cada vez mais eficazes para alfabetizar originou uma disputa entre aqueles que diziam possuir métodos revolucionários de alfabetização e os que se mantinham fiéis à tradição estabelecida. O primeiro grupo declarava-se moderno em relação ao segundo, considerado antiquado e ultrapassado. Segundo Mortatti (2000), como resultado dessa ³TXHUHOD GRV PpWRGRV´ p SRVVtYHO GLYLGLU D KLVWyULD GD DOIDEHWL]DomR QR



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Brasil, mais especificamente no estado de São Paulo, em quatro momentos, em cada um dos quais se compreendeu de maneira singular o conceito de alfabetização: R ž PRPHQWR  D   GLVSXWD HQWUH RV GHIHQVRUHV GR ³QRYR´ PpWRGR GD SDODYUDomR H RV SDUWLGiULRV GRV ³DQWLJRV´ PpWRGRV sintéticos181; R 2º momento (1890 a meados da década de 1920): disputa entre os GHIHQVRUHVGR³QRYR´PpWRGRDQDOtWLFRHRVGHIHQVRUHVGRV³DQWLJRV´ métodos sintéticos; R 3º momento (de meados de 1920 ao final da década de 1970): GLVSXWDV HQWUH GHIHQVRUHV GRV ³DQWLJRV´ PpWRGRV GH DOIDEHWL]DomR (sintéticos e analíticos) e os dHIHQVRUHV GRV ³QRYRV´ 7HVWHV $%& com os quais era proposta a verificação da maturidade necessária ao DSUHQGL]DGR GD OHLWXUD H GD HVFULWD D LQWURGXomR GRV ³QRYRV´ métodos mistos ocorreu nesse momento; R 4º momento (meados da década de 1980 a 1994182): disputas entre os GHIHQVRUHVGD ³QRYD´ SHUVSHFWLYDFRQVWUXWLYLVWD HRVGHIHQVRUHV GRV ³DQWLJRV´ WHVWHV GH PDWXULGDGH H GRV ³DQWLJRV´ PpWRGRV GH alfabetização.

1. 181 O método de marcha sintética organiza o ensino da leitura da parte para o todo, isto é, da letra, para a sílaba e da sílaba para a palavra. Esse método propõe partir dos elementos mais simples para chegar aos mais complexos. O método de marcha analítica concebe a leitura como um ato global. Esse método parte das unidades maiores para as menores por meio de análise e decomposição. Os métodos mistos, ao contrário dos outros que são analíticos ou sintéticos, utilizam a síntese e a análise (analítico-sintético ou sintético-analítico). 182

O ano de 1994 é apenas a indicação do recorte feito por Mortatti (2000), pois a autora considera que este quarto momento da história da alfabetização no Brasil ainda encontra-se em curso.



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De acordo com Rojo (2009), no Brasil, até a década de 1980, concebia-se a alfabetização como o momento em que as crianças seriam ensinadas a associar letras e sons, portanto se as crianças tivessem desenvolvido acuidade visual, auditiva e motora bastaria aprenderem a relacionar grafemas e fonemas para que fossem capazes de ler e escrever. Assim, as discussões em torno desse tema voltavam-se para o método de ensino, pois a questão relevante era elaborar um método que, de maneira rápida e eficaz, levasse as crianças a estabelecerem uma relação entre letras e sons. Com o advento da psicogênese da escrita, a alfabetização passou a ser concebida como um processo de aprendizagem que vai além da habilidade de relacionar letras e sons e da aquisição de habilidades visuais, auditivas e motoras, sendo compreendida como um processo de construção do conhecimento sobre a escrita alfabética. Uma vez que a alfabetização não era mais considerada como transmissão de conhecimentos sobre a escrita alfabética, mas concebida como um processo de aprendizagem que envolve a participação ativa do sujeito que aprende, o centro das discussões e pesquisas no campo da alfabetização deixou de ser o método, passando a ser o processo de aprendizagem da leitura e da escrita. Nesse momento histórico, portanto, houve alguns deslocamentos conceituais na forma de se conceber a alfabetização, bem como nos modos de se discutir esse tema. Esses deslocamentos são apresentados na tabela abaixo, na qual as setas representam a mudança na concepção de alfabetização dos três primeiros períodos para o quarto período da divisão proposta por Mortatti (2000):



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Tabela I ± Mudanças conceituais no tratamento da alfabetização ocorridas dos três primeiros períodos para o quarto período da divisão histórica proposta por Mortatti (2000).

CATEGORIAS

4º MOMENTO DA 1º, 2º E 3º HISTÓRIA DA MOMENTOS DA ALFABETIZAÇÃO HISTÓRIA DA ALFABETIZAÇÃO NO ESTADO DE SÃO PAULO NO ESTADO DE SÃO PAULO Metodos de alfabetização (Ensino)

Processo de aquisição da escrita (Aprendizagem)

Código

Sistema de representação

CONCEPÇÃO DE PROFESSOR

Detentor do conhecimento e responsável por sua transmissão

Responsável por realizar a mediação entre o objeto de conhecimento e a criança

CONCEPÇÃO DE ALLUNO

Receptor passivo do conhecimento transmitido pelo professor

Construtor de seu próprio conhecimento por meio de sua ação sobre um dado objeto de conhecimento

FOCO DA DISCUSSÃO CONCEPÇÃO DE LÍNGUA ESCRITA

Aqui, é importante observarmos que os deslocamentos acima são apresentados do ponto de vista dos sujeitos adeptos ao construtivismo, no qual se marcam apenas as diferenças entre uma concepção de alfabetização considerada tradicional, associada aos três primeiros períodos da divisão proposta por Mortatti (2000), e a concepção construtivista, associada ao quarto momento da referida divisão histórica. Dessa forma, ignoram-se as diferenças e as tensões existentes entre os sentidos que adquire o conceito de alfabetização nos três primeiros períodos da divisão histórica proposta. Do ponto de vista dos sujeitos que reivindicam a concepção construtivista e rejeitam as demais concepções de alfabetização, o construtivismo representaria uma inovação por não considerar a



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alfabetização como um processo mecânico de reconhecimento de sons e letras, bem como por não enxergar a criança como um recipiente vazio no qual se deposita conhecimento, mas como um sujeito que tem papel ativo na sua aprendizagem. Dessa forma, no âmbito das práticas pedagógicas, o professor deveria ser um mediador entre a criança e o objeto de conhecimento. Assim, ao ser posta nesse lugar de contraste com as concepções anteriores de alfabetização, a concepção construtivista foi disseminada sob a bandeira de revolução conceitual. A seguir, apresentamos dois fragmentos de textos, nos quais Emília Ferreiro e Telma Weisz, uma das representantes brasileiras do construtivismo, apresentam a psicogênese da escrita como uma revolução conceitual:

(...) as mudanças necessárias para enfrentar sobre bases novas a alfabetização inicial não se resolvem com um novo método de ensino, nem com novos testes de prontidão nem com novos materiais didáticos (particularmente novos livros de leitura)183. É preciso mudar os pontos por onde nós fazemos passar o eixo central das nossas discussões (...). Em alguns momentos da história faz falta uma revolução conceitual. Acreditamos ter chegado o momento de fazê-la a respeito da alfabetização. (FERREIRO, 1993, p.40-41). Emília Ferreiro descobriu e descreveu a psicogênese da língua escrita e abriu espaço ± agora sim ± para um novo tipo de pesquisa em pedagogia. Uma pedagogia onde a compreensão do papel de cada um dos envolvidos no processo educativo muda radicalmente. Suas idéias, quando levadas à prática, produzem mudanças tão profundas na própria natureza das relações do poder pedagógico que, sonho ou não, é inevitável acalentar a idéia de que esta revolução conceitual sobre a alfabetização acabe levando a mudanças profundas na própria estrutura escolar. (WEISZ, 1993, p. 4-5). Sobre os fragmentos acima, é importante dizer que o segundo foi retirado do prefácio escrito por Telma Weisz para o livro de Emília Ferreiro 183



Os destaques são do próprio texto.

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³5HIOH[}HV VREUH DOIDEHWL]DomR´ 7HOPD :HLV] IRL UHVSRQViYHO SHOD produção de muitos textos que tratam a alfabetização sob um ponto de vista construtivista, sendo muitos deles voltados para a orientação da prática pedagógica do professor alfabetizador. Na verdade, o que neste trabalho denominamos construtivismo surge no campo das produções pedagógicas, GHVWH PRGR pQHFHVViULRSRQWXDUPRV TXH QmRFRQVLGHUDPRV ³SVLFRJrQHVH GD HVFULWD´ H ³FRQVWUXWLYLVPR´ WHUPRV VLQ{QLPRV 6HJXQGR &RUD]]D  apud REVAH, 2008): µ&RQVWUXWLYLVPR¶ é o nome genérico que vimos dando, enquanto comunidade educativa escolar, a múltiplas e diferentes tentativas de aplicar, nas salas de aula e nas escolas, as concepções desenvolvidas pela Epistemologia Genética de Piaget, revitalizadas pelas pesquisas básicas acerca da alfabetização, que Ferreiro e equipe desenvolveram ao final da década de 70. (CORAZZA, 1994, p. 122 apud REVAH, 2008, p. 193).

Neste artigo, procuramos observar o construtivismo enquanto discurso pedagógico sobre alfabetização e apontamos a relevância do estudo de sua estrutura discursiva, pois através desse discurso houve uma grande produção de enunciados relacionada à formação continuada de professores alfabetizadores. Podemos apontar como exemplo dessa produção os documentos que compõem nosso corpus de referência. Propomos, pois, que, com a realização da análise desses documentos, é possível observar como foi possível a psicogênese da escrita ser considerada uma revolução conceitual. Para cumprir os objetivos dessa investigação, os referidos documentos serão analisados com base no referencial teórico da Análise do Discurso (AD) de linha francesa184. Essa teoria do discurso considera que 184 Maingueneau (2000) classifica o que aqui chamamos de Análise do Discurso de linha francesa como Análise do Discurso de tendência francesa, a qual descreve da seguinte maneira:



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³R HOR TXH OLJD DV VLJQLILFDo}HV GH XP WH[WR DV VXDV FRQGLo}HV VyFLRhistóricas, não é secundário PDV FRQVWLWXWLYR GDV SUySULDV VLJQLILFDo}HV´ (Pêcheux, 1971, p. 147). Daí a nossa escolha por iniciar esta discussão explorando o contexto histórico das disputas no campo das pesquisas em alfabetização. Ao escolher AD como referencial teórico para esta discussão, apontamos para a compreensão de que texto e discurso não são dissociáveis. Sendo assim, a observação dos elementos constituintes de determinada estrutura textual é um meio de observação das características do(s) discurso(s) em que o(s) texto(s) se inscreve(m) (MAINGUENEAU, 2008). Daí a nossa escolha pelo trabalho com a análise documental. Neste artigo, investigaremos a constituição da representação da psicogênese da escrita como uma revolução conceitual, em documentos oficiais de orientação curricular, por meio da observação do simulacro que o discurso construtivista constrói do discurso tradicional. Esse simulacro é construído sob medida para desqualificar o discurso tradicional, bem como as teorias de aprendizado e os métodos de alfabetização congruentes com a sua grade semântica. Sendo assim, procuraremos analisar como, em relação às teorias de aprendizado relacionadas ao discurso tradicional como, por exemplo, o associacionismo, constituiu-se uma representação de revolução conceitual para a psicogênese da escrita. Aqui, é importante observarmos que, do ponto de vista dos sujeitos filiados ao discurso construtivista, não se faz distinção entre os pressupostos teóricos e os diferentes conceitos que sustentavam os ³$R IDODU HP µWHQGrQFLDV IUDQFHVDV¶ UHPHWR DSHQDV D XP FHUWR HVWLOR GH DQiOLVH GR GLVFXUVR JHUDOPHQWH FDUDFWHUL]DGD SHOD UHIHUrQFLD D WHRULDV GD µHQXQFLDomR¶ SHOD SUHIHUrQFLD SHORV GLVFXUVRV ³LQVWLWXFLRQDOL]DGRV´ DSUHHQGLGRV HP XPD SHUVSHFWLYD PDFURVVRFLROyJLFD SHOR interesse pela subjetividade e heterogeneidade discursivas (polifonia, dialogismo), pela ênfase dada à materialidade lingüística, pela tese do primado do interdiscurso. Não queremos dizer que isso implica necessariamente que todos os estudiosos participantes desse tipo de análise adotem D WRWDOLGDGH GHVVDV SUHPLVVDV H[DWDPHQWH FRPR HVWmR FRORFDGDV´ 0$,1*8(1($8  p.5).



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diferentes métodos de alfabetização. Sendo assim, há uma homogeneização de tudo o que foi dito e feito em relação à alfabetização antes da década de  $VVLP D GHQRPLQDomR ³GLVFXUVR WUDGLFLRQDO´ DSRQWD SDUD R PRGR que as produções discursivas anteriores à década de 1980 são compreendidas do interior das regras semânticas do discurso construtivista. Por fim, colocamos que também procuraremos observar como, a partir das regras semânticas do discurso construtivista sobre alfabetização, as produções pedagógicas em consonância com o discurso tradicional foram consideradas equivocadas, sendo apresentadas como práticas a serem superadas nos textos que constituem nosso corpus de referência.

2. A psicogênese da escrita e a reorganização dos saberes sobre a alfabetização

Em muitos textos produzidos e distribuídos pela CENP, encontramos uma descrição da pesquisa psicogenética desenvolvida por Emília Ferreiro e colaboradores, mais especificamente a descrição dos estágios pelos quais as crianças passariam durante o processo de aprendizado da língua escrita. Essa ampla divulgação dos resultados da pesquisa psicogenética nos materiais produzidos pela CENP, bem como as repetidas explicações dos estágios pelos quais as crianças passariam durante o processo de alfabetização presentes nesses documentos, justificar-se-iam devido à necessidade de fazer circular esse saber, o qual seria responsável por ³H[FHOHQWHVUHVXOWDGRV´ REWLGRVQDV FODVVHV GHDOIDEHWL]DomR FXMDV SUiWLFDV pedagógicas seriam por ele guiadas:

O objetivo desse texto é pôr ao alcance do professor idéias e descobertas que, a partir dos anos 70, vêm desvendando a natureza específica do processo de alfabetização. Um conjunto de informações que têm se mostrado de grande valor para os poucos



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professores que a elas tiveram acesso. (CICLO BÁSICO, 1990, p. 65). Os princípios e objetivos apontados por Ferreiro estão presentes na teoria e na prática de alfabetização de uma parte dos professores paulistas, que têm conseguido excelentes resultados em seu trabalho. Esse conhecimento precisa ser urgentemente universalizado para o conjunto de professores alfabetizadores, o que requer muito estudo, muitas discussões, quebra de preconceitos e uma nova postura ante os alunos. (CICLO BÁSICO EM JORNADA ÚNICA: UMA NOVA CONCEPÇÃO DE TRABALHO PEDAGÓGICO, 1990, v. 2, p. 20). No segundo fragmento, encontramos índices que apontam para a importância dada à teoria psicogenética, como a excelência dos resultados obtidos por professores que já estavam utilizando os seus princípios em sua prática pedagógica, a urgência da universalização desse conhecimento que ³FRQVWLWXLDPDLVLPSRUWDQWHFRQWULEXLomRWHyULFDQDiUHDGDDOIDEHWL]DomR´ Muito do valor atribuído à teoria psicogenética parece vir do valor FLHQWtILFR TXH HOD WHULD (P D ³Psicogênese da Língua Escrita´ (PtOLD Ferreiro e Ana Teberosky descrevem detalhadamente a metodologia de pesquisa que foi empregada em sua investigação, como retrata o fragmento abaixo: 2PpWRGRGHLQGDJDomRLQVSLUDGRQR³PpWRGRFOtQLFR´ RX³PpWRGR GH H[SORUDomR FUtWLFD´  DPSODPHQWH GHVHQvolvido pela escola de Genebra, tinha como objetivo explorar os conhecimentos da criança no que se referia às atividades de leitura e escrita. Foram justamente a modalidade de interrogatório e a flexibilidade da situação experimental que nos permitiu encontrar respostas realmente originais ± no sentido de inesperadas para um adulto ± ao mesmo tempo que nos permitiram elaborar hipóteses adequadas para compreender seu significado. (...) Começamos nosso estudo por um seguimento semilongitudinal de um ano de duração. Escolhemos aleatoriamente um grupo de 30 crianças provenientes de um meio social de classe baixa, as quais



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pela primeira vez cursavam a primeira série do ensino primário. Elas foram entrevistadas periodicamente no início, no meio e ao fim do ano esFRODU  ´ )(55(,527(%(526.@´ Mesmo que se possa dizer, em um primeiro momento, que a apresentação destes relatórios seja uma exigência meramente formal XPD YH] TXH ID] SDUWH QR 3ODQR GH FXUVR GR LWHP ³$YDOLDomR´  SRGHQGRQmRUHIOHWLUR³WUDEDOKRYLYR´TXHRDOXQRUHDOL]DFRQVLGHUR o registro do trabalho um elemento importante para o processo de reflexão sobre a prática que se desenvolve durante o curso, por várias razões. Primeiro porque possibilita que essa reflexão se efetue de uma maneira mais objetiva e científica. Constitui-se em ponto de apoio e referência para o próprio aluno que, ao debruçar-se sobre seu trabalho e expressar-se sobre os dados da realidade vivida ± os problemas que enfrentou, as questões que aparecem no cotidiano da escola, as angústias e os desafios do trabalho pedagógico ±, vê-se colocado diante da contingência de refletir sobre ele, desenvolvendo a possibilidade de organizar sua ação e, conseqüentemente, entender as determinações da prática, as condições concretas que a determinam e atuar de uma maneira transformadora. Por último, a importância do registro encontra-se estreitamente vinculada às possibilidades do desenvolvimento de condições particulares teóricas e práticas para a atividade de pesquisa educacional sobre a prática pedagógica, a aproximação do objeto de estudo, envolvendo atitudes como: saber olhar, saber descrever um fenômeno observado, tecer as relações entre os fatos e realizar as aproximações teóricas necessárias e possíveis naquele momento do estudo. No caso concreto da prática de ensino e do trabalho de estágios, os relatórios constituem-se em documentos importantes para o debate coletivo, a troca e a socialização dos conhecimentos que cada aluno vai construindo no decorrer do seu trabalho.



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O excerto citado chama a atenção para a importância do relatório como uma atividade potencializadora da escrita do licenciando no que concerne ao registro dos dados do estágio e à elaboração de reflexões sobre o que foi vivenciado. Em concordância com a citação, o presente capítulo busca detalhar aspectos que favorecem o potencial formador trazido por todo o cenário de experiências e desafios no qual o relatório concretiza-se enquanto produção escrita acerca da vivência do estágio. Considerando o exposto, voltamos à estrutura dos relatórios. Quanto a esse aspecto, focalizamos a divisão do texto que contemple, na primeira parte, a descrição e a argumentação sobre o estágio, e, na segunda parte, o diário de campo. A configuração do relatório, segundo essa proposta em que o diário de campo aparece como um anexo, compareceu em proposta REVHUYDGD HP DXODV GD GLVFLSOLQD ³0HWRGRORJLD GR (QVLQR GH /tQJXD 3RUWXJXHVD´ PLQLVWUDGDV QD 8QLYHUVLGDGH GH 6mR 3DXOR 210 e abordada conforme segue:

Durante as aulas de metodologia, constantemente foi chamada a atenção dos alunos para a necessidade de dar ao relatório um caráter mais científico do que se costuma dar. Já nas orientações iniciais sobre a produção do relatório, os alunos foram orientados para encarar o trabalho não apenas como um relato simples das atividades presenciadas, mas como uma pesquisa em sala de aula sobre o ensino de língua portuguesa, o que deveria impor ao estagiário a necessidade de tratar mais academicamente tanto a coleta como a análise dos dados. Em vários momentos, conversou-se também sobre a necessidade de registro das situações observadas para além das impressões. Nenhum aluno poderia afirmar que as atividades aplicadas em aula, pelo professor ou por ele mesmo, deram ou não Entre HIXLPRQLWRUDGDGLVFLSOLQD³0HWRGRORJLDGR(QVLQRGH/tQJXD 3RUWXJXHVD´PLQLVWUDGDSHOR3URI'U9DOGLU+HLWRU%DU]RWWRQD)DFXOGDGHGH(GXFDomRGD Universidade de São Paulo. Nessa monitoria, observei a configuração de relatório em que o diário de campo comparece como um anexo. Tenho mantido esse tipo de organização do relatório de estágio na minha atuação como docente da Universidade Federal de Alfenas, IES na qual ministro disciplinas de estágio. 210



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certo sem apresentar os dados e uma discussão que permitissem verificar o sucesso ou insucesso da atividade. Tornava-se, assim, necessário o registro pormenorizado do modo como ocorreu o desenvolvimento da atividade e a produção dos alunos dela resultante. (BARZOTTO, EUFRÁSIO, 2008, p. 1-2) A fim de ilustrar as discussões até então feitas, de modo a ampliar alguns aspectos tratados e elucidar outros que possam ter sido menos focalizados, passamos a discutir alguns exemplos. Segue o primeiro: Exemplo 1: P. ± Pessoal, hoje nos vamos trabalhar com o nome de vocês. A classe está muito barulhenta. A P. escreve na lousa: ACRÓSTICO Poema... Alguns alunos vão até a frente perguntar algo para a P. e ela fala para classe: P. ± Pessoal eu já falei, não precisa comprar um caderno especial, pode usar folhas soltas e depois grampear. A P. retoma o que estava escrevendo: ACRÓSTICO - Poema feito a partir das letras do seu nome. A P. lê o que escreveu na lousa e explica: P. ± Por exemplo- pergunta para um aluno- Como você se chama? (OHIDOD³Í*25´HHODHVFUHYHQDORXVD I G O R P. ± Na frente das letras vocês vão colocar suas qualidades e defeitos. Vou colocar um exemplo para vocês. A P. escreve na lousa. Classe conversando, muito barulho. [...] Luz permanente. Utilizando meu coração. Iluminando meu caminho e Seu caminhar. No trecho lido, observa-se que a professora é referida pela letra P e é o centro da observação da estagiária, que está com a atenção focada na docente, na forma como ela conduz a aula e no que ela escreve na lousa.



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Chamamos a atenção para o registro das falas docente, que são indicadas, pela estagiária, por P. mais travessão. Tais falas dirigiram-se à sala como um todo, sem um interlocutor especificamente, com exceção do momento em que a docente perguntou o nome de um aluno. O registro das interlocuções tal como elas ocorreram evitam o uso da paráfrase, colaborando para que os registros demonstrem maior fidedignidade aos fatos observados, haja vista que a apresentação dos dados em discurso direto pode favorecer o distanciamento entre aquele que relata e o objeto relatado. O exemplo citado demonstra um tipo de registro que viria, de acordo com a configuração de relatório tratada no presente capítulo, compor o diário de campo. Mais de um dado desse diário poderia ser transportado para as partes de descrição e argumentação, dependendo das relações que ele estabelece com o contexto todo do estágio e de acordo com a proposta de discussão que orienta a produção do relatório. No que diz respeito a isso, vale explicitar que o bom uso do diário de campo está relacionado ao que se procura debater a partir daquilo que foi registrado. O exemplo 1 coloca alguns enfoques que poderiam ser abordados na descrição do estágio, quanto à condução docente da aula, ao conteúdo trabalhado, às conversas dos alunos, dentre outras possibilidades. A escolha em relação ao que destacar do diário de campo pauta-se pelas observações mais gerais sobre o estágio e também pelo que se determinou como ponto(s) de interesse para uma análise mais detida, na qual o estagiário argumenta em relação aos seus posicionamentos diante da vivência do estágio. O fragmento a seguir foi extraído do mesmo relatório de que retiramos o exemplo anterior. Ele vem reforçar a forma de registro que valoriza a presença de diálogos ao invés de paráfrases acerca das observações de estágio. Conforme tratado anteriormente, o uso do discurso



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direto pelo estagiário favorece o seu distanciamento do dado, uma vez que ele pode preocupar-se unicamente com o evento relatado, deixando para etapa posterior suas interpretações sobre o que foi observado. Enquanto as paráfrases tornam as anotações de estágio genéricas, o diário de campo que expõe a cena de aula contemplando o registro das falas promove uma escrita mais detalhada, oferecendo, para o momento de descrição e argumentação, um maior número de possibilidades de discussão. Segue o exemplo 2:

Exemplo 2:

Então a P. passa de carteira em carteira. Há vários alunos em pé pela classe. Dois alunos saem da sala e voltam sem a P. ver. A P. termina de passar pelas carteiras e senta na mesa. Moisés está de pé e ela coloca a carteira dela encostada na mesa dela. Ele não gosta e vira de costas. P. ± Você vai sentar aqui porque eu preciso auxilia-lo na produção de texto. A. (Moisés) ± Não quero! P. ± Você não manda em mim! Eu é que conduzo a sala. A P. diz para a classe: P. ± Agora ninguém me pergunta nada que eu estou ocupada auxiliando em uma atividade. A P. fica conversando com Moisés que está sentado do lado da mesa dela. Classe está conversando. Observa-se, nesse exemplo, como o diálogo entre aluno e docente demonstra o embate observado pela estagiária. Compreende-se que essa demonstração vai além de um comentário genérico que poderia ter sido feito em relação à situação registrada. O excerto a seguir, retirado de outro relatório, diferente daquele citado nos exemplos anteriores, explora o rigor



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no registro das enunciações observadas durante o estágio, fazendo uso do referencial advindo da Análise da Conversação211:

Exemplo 3:

A aula começa às 7h15. Antes disso, aproximadamente 25 alunos entram na sala e sentam de forma irregular e não em fileiras retilíneas. A professora Marisa após dizer bom dia para a classe anuncia que eles produzirão uma carta argumentativa. Ao que tudo indica eles tiveram uma aula teórica sobre o assunto, na qual eu não estava presente. Após dar esses esclarecimentos, ela pergunta, em tom alto: Professora: posso escrever na primeira pesSOa? Alunos: SI:::::::::M ((alto e em coro)). Professora: Posso encerrar com uma abreviaTUra? Alunos: SI:::::::::M ((alto e em coro)). Professora: Vocês pesquisaram sobre o asSUnto? Alunos: NÃ::::::::::::::::::O ((alguns riem)) Como se vê, no excerto anterior, a estagiária não somente registrou as falas da professora e dos alunos, como fez uso de um conhecimento específico de transcrição de textos orais. De acordo com o referencial teórico-metodológico em questão, observamos o uso de dois pontos LQGLFDQGRRSURORQJDPHQWRQDSURQ~QFLDGDVSDODYUDV³VLP´H³QmR´RXVR de maiúsculas marcando entonação enfática e os comentários de caráter descritivo entre parênteses duplos. Tais recursos de transcrição colaboram para a apresentação dos dados. Como tratado anteriormente, compreende-se que eles constituem um saber próprio da formação do licenciando em Letras. Contudo, em uma abordagem geral, eles indicam que o registro detalhado dos eventos de estágio possibilita uma gama de interpretações mais amplas, que podem

211

A Análise da Conversação lida com diversos conhecimentos linguísticos, paralinguísticos e socioculturais relativos à interação entre interlocutores.



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levar em conta os ditos e as características dos eventos de enunciação observados. Compreende-se que esse detalhamento pode apoiar-se em conhecimento específico, como foi o caso do exemplo anterior, ou pode dar-se por meio de descrição acurada de toda a cena de ensino observada. O potencial argumentativo do relatório de estágio é ampliado na medida em que mais dados são registrados, de modo abrangente e eficiente, no diário de campo. Exemplo disso pode ser discutido a partir do fragmento a seguir:

Exemplo 4:

Faz-se necessário levantar aqui, antes de introduzir o trecho lido pela professora, um importante aspecto da aula. Marisa consegue atrair a atenção dos alunos a partir da mudança de entonação decididamente expressiva. Os tons altos e baixos são bem definidos. Além disso, a professora usa uma série de recursos fonéticos, a partir de seu trato vocal para atrair os alunos. Veremos, no decorrer do diário, que a professora canta, modifica a voz, por exemplo, e isso acaba atraindo os alunos. Feita essa observação que é crucial para entender a interação entre professor e aluno na aula dessa professora, retomemos um breve trecho, no qual a mudança de voz provoca o riso da turma, que acompanhava atentamente a leitura: Professora: (...) por exemplo, é importante estabelece e manter a interlocução, usar uma linguagem compatível com o interlocutor (por exemplo, não se dirigir ao Papa com um jovial E aí Santidade, tudo em cima? ((alunos riem porque professora faz voz masculina, com um sotaque semelhante ao carioca. O riso é coletivo)), muito menos despedir-se de tão benéfica figura com Pó, cara, tu é do mal! ´ ((novamente, professora modifica voz de forma expressiva e SURYRFD R ULVR FROHWLYR ³0DO´ HVSHFLILFDPHQWH p prolongado: mal::::)). Observando passagens da aula como essa, fica evidente uma outra questão importante. Fez-se notório na produção oral ou escrita da professora o uso da norma culta. Através do trecho acima, por exemplo, vemos que o riso é oriundo do contraste entre a linguagem culta ± FRPRXVRGHLWHQVOH[LFDLVFRPR³LQWHUORFXomR´



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³EHQpILFD´± e os trechos em linguagem comum [...] ± evidenciando que é uma interferência no texto culto que estava sendo produzido. Os exemplos de números 3 e 4 foram extraídos do mesmo relatório. Eles se complementam, na discussão que estamos propondo, na medida em que ambos demonstram o uso de recursos específicos de transcrição de textos orais, os quais colaboram para analisarmos como o detalhamento na exposição dos dados oferece, ao estagiário, condições de construir uma argumentação bem articulada com os eventos de estágio registrados. Até o exemplo 3, detivemo-nos em demonstrar e analisar mecanismos de registro dos dados no diário de campo. Com essa exemplificação, buscamos evidenciar a importância da exposição detalhada das cenas de ensino observadas em comparação a relatos genéricos sobre as atividades de estágio, tendo em vista o ensino, em cursos de licenciatura, da escrita científico-acadêmica e da leitura analítico-interpretativa que está na base da produção de textos como os relatórios de estágio. O exemplo 4, citado anteriormente, colabora para avançarmos nessa discussão, no sentido de demonstrar como a escrita do texto argumentativo é favorecida quando pode tomar como referência um conjunto de dados que, pelo seu registro, fornece diversos elementos para a análise da situação de estágio vivenciada. Nesse exemplo, a condução da aula pela professora é tematizada, recorrendo-se a trechos do diário de campo a fim de fortalecer as interpretações feitas quanto à boa receptividade dos alunos às aulas observadas. A estagiária constrói sua argumentação no que se refere a tais aulas ± ao defender que elas atraem a atenção dos alunos ± mobilizando os dados do diário que respaldam essa interpretação. Dentre esses dados, destacam-se as mudanças de entonação da voz da professora e a oscilação entre a norma coloquial e culta. É importante perceber que tais dados foram registrados no diário de campo por meio da transcrição da fala docente e



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pelo detalhamento das entonações e demais características fonéticas presentes no seu discurso, conforme citado no exemplo 4. A partir do exposto, avalia-se que o potencial argumentativo do fragmento analisado, conforme mencionado no exemplo anterior, decorre da articulação entre o dado detalhadamente registrado e as interpretações defendidas, as quais, por sua vez, são possíveis de serem feitas porque o diário de campo, do relatório sob enfoque, reconstitui a cena do estágio apresentando vários elementos que permitem uma compreensão abrangente do que foi observado. Os dados fornecidos pela vivência do estágio e o seu registro eficiente, conforme demonstra o detalhamento da transcrição exposta no exemplo anterior ± quanto à ampla caracterização do discurso da docente observada ±, promove no relatório sob análise, do qual os exemplos 3 e 4 foram extraídos, uma argumentação que além de embasar-se nos dados do diário de campo também fundamenta-se em referências teóricas relativas à formação em Letras, curso do qual provém o relatório em discussão:

Exemplo 5:

Grice (1982; 86) salientava a existência de um princípio de cooperação que rege as interações conversacionais. Esse princípio de cooperação decorre do fato de nossas interações serem, em ao menos um ponto, esforços cooperativos em que cada participante reconhece que há um conjunto de propósitos mínimos e aceitos pelos participantes para que o diálogo evolua. Por esse princípio, os participantes devem, quando interagem, fazer uma contribuição adequada no intercâmbio conversacional no qual cada pessoa se engajou. A partir deste princípio, Grice (1982; 87) nos apresenta quatro categorias, as quais, por sua vez, terão máximas e supermáximas que produzirão, em geral, um resultado de acordo com o princípio de cooperação. [...] A partir dessas considerações teóricas, já temos subsídios para discutir alguns eventos de interação entre o professor e o aluno nas turmas observadas. Optamos por partir da discussão de exemplos,



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nos quais os alunos abandonam uma máxima, durante a interação. Vejamos: Trecho (1) P já providenciaram? ((professora falando do livro Capitães deareia)) A12 vai bem (D1) Trecho (2) P E o nosso Macunaíma? A11 mandou notícias (D2) Nos casos (1) e (2), o aluno viola mais de uma máxima. Primeiramente, não fornece à professora, uma contribuição, de fato, informativa. Com isso, ele também viola a relevância, uma vez que não responde o que a professora pergunta, de forma direta. Como se observa, uma vez mais a estagiária retira do seu diário de campo os dados que colaboram para a argumentação pretendida. Os trechos citados novamente dão exemplos de detalhamento no registro dos eventos de enunciação observados, no qual é transcrita a interlocução entre professora, referenciada pela letra P, e alunos, referenciados pela letra A mais os números 12 e 11, sucessivamente. Entre parênteses duplos comparece, como visto anteriormente, uma descrição de aspectos que compõem a cena relatada. A partir da leitura analítica desse material, a estagiária faz associações entre o que foi vivenciado no estágio e a teoria citada, argumentando a favor do referencial teórico a partir de dados extraídos da realidade. Tendo em vista as características desse relatório, do qual foram extraídos os três últimos exemplos citados, compreendemos que, no processo de ensino da escrita que toma o relatório de estágio como objeto, seria importante colaborar para que a licenciada, autora do relatório em questão, pudesse dar um passo a mais na direção da produção de uma



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escrita que, para além de associar bem o referencial teórico lido com os dados de ensino coletados no estágio, corroborando-o, lidasse com as teorias consideradas pertinentes de modo a desdobrá-las em novos conhecimentos. A ideia seria fortalecer a relação entre dado e teoria de modo que a singularidade do primeiro comparecesse em primeiro plano e o respaldo teórico servisse somente como sustentação de base para uma discussão ampliada da realidade sob enfoque. Por fim, avaliamos que o relatório de estágio torna-se um objeto importante de ensino da leitura e da escrita, quando, em primeiro lugar, é tomado como um campo de conhecimento, conforme tratado no início deste capítulo. Em segundo lugar, quando o relatório é produzido consoante o objetivo de apresentar um registro detalhado do que foi observado. Para esse detalhamento, conforme discutido, importa o relato dos eventos de ensino observados e também a exposição das características linguísticodiscursivas materializadas nas cenas enunciativas sob enfoque. Em terceiro lugar, quando se efetivam leituras com capacidade analítica dos dados registrados, de modo que eles possam respaldar a argumentação proposta. Dessa leitura analítica, propõe-se, em quarto lugar, que a articulação entre dado, referencial teórico e interpretado dê vazão a novos conhecimentos, que se voltem para a especificidade da realidade de estágio tratada nos relatórios.

Considerações finais

A vivência do estágio consolida-se como uma instância valorosa para se pesquisar o ensino, favorecendo a iniciação à pesquisa dos alunos de licenciatura no que tange, em especial, ao ensino da leitura e da escrita que se volta para o registro, leitura e interpretação dos dados da realidade, advindos do cotidiano escolar.



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Compreende-se, assim, que as articulações entre o registro detalhado dos dados e sua posterior leitura analítico-interpretativa tornam o relatório de estágio um texto que pode colaborar para o ensino da leitura e da escrita nos moldes tratados no presente capítulo.

Referências bibliográficas BARZOTTO, V. H.; EUFRÁSIO, D. O relatório de estágio como manifestação do perfil profissional em Letras. Revista MELP [online]. São Paulo: Universidade de São Paulo, v. I, n. 3, 2008, p. 1 9. Disponível em http://www.lalec.fe.usp.br/revistamelp/index.php/publicacoes/nume ro-3/artigos/item/29-o-relat%C3%B3rio-de-est%C3%A1gio-comomanifesta%C3%A7%C3%A3o-do-perfil-profissional-em-letras. Acesso em nov. 2014. FREITAS, H. C. L de. O trabalho como princípio articulador na prática de ensino e nos estágios. Campinas, SP: Papirus, 1996. OLSON, D. R. Cultura escrita e objetividade: o surgimento da ciência moderna. In: OLSON, D. R.; TORRANCE, N. Cultura escrita e oralidade. São Paulo: Ática, 1995. p. 163-178. PIMENTA, S. G; LIMA, M. S. L. Estágio e docência. São Paulo: Cortez, 2004.



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PRINCÍPIOS E PROCEDIMENTOS TEÓRICOMETODOLÓGICOS DO TRABALHO COM A LEITURA NA UNIVERSIDADE BAIANA

Urbano Cavalcante Filho212

Todos nós lemos a nós e ao mundo à nossa volta para vislumbrar o que somos e onde estamos. Lemos para compreender, ou para começar a compreender. Não podemos deixar de ler. Alberto Manguel

Considerações iniciais

A leitura é uma habilidade indispensável à vida social. É através dela que entendemos o mundo e interagimos com o outro, seja nos estudos, na nossa comunicação, na forma de nos expressarmos, nos conhecimentos que ela nos proporciona. A necessidade pela leitura e pelo domínio da linguagem escrita em nossa sociedade é cada vez mais intensa. No mundo de hoje, são muitas as situações que exigem, cada vez mais, indivíduos com habilidades diversas em comunicação, capacidade leitora e interpretativa e boa desenvoltura redacional. Dessa forma, este texto213, utilizando-se de uma linguagem preponderante e propositalmente didática, objetiva apresentar e discutir 212

Doutorando em Letras, no Programa de Filologia e Língua Portuguesa da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP). É Docente de Língua Portuguesa do Instituto Federal da Bahia ± IFBA, Campus Ilhéus. E-mail: [email protected] / [email protected]

213

As reflexões aqui apresentadas resultam de um trabalho que apresentei na mesa redonda As língua(gens), leituras e suas tessituras: deslocamentos e ressignificações, por mim presidida durante o XI Congresso Nacional de Linguística e Filologia, ocorrido em agosto de 2011, no



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os princípios conceituais e teórico-metodológicos que subsidiaram meu trabalho com o componente curricular Leitura e Produção de Textos quando atuei como professor da Universidade Estadual de Santa Cruz, em Ilhéus-BA, lecionando nos cursos de Administração, Economia, Ciências Contábeis e Engenharia de Produção com vistas ao desenvolvimento da competência leitora dos estudantes e formação de leitores proficientes de textos acadêmicos, principalmente aqueles gêneros discursivos que circulam na universidade e que eles estão em contato cotidianamente. Dessa forma, para o presente artigo, tenho como intenção abordar aspectos relacionados ao processo de leitura, em especial da leitura conhecida como informativa ou de estudo, tomando como objetivos específicos no desenvolvimento deste texto: i) conceituar leitura; ii) identificar os diferentes tipos de leitura e as fases da leitura de estudo; iii) reconhecer os níveis de leitura de um texto; iv) identificar os passos necessários para a garantia de uma leitura satisfatória de diferentes textos. Os aspectos apresentados neste artigo estão fundamentados principalmente nas reflexões propostas por Andrade (1999), Freire (1989), Medeiros (2004), Paulo et alii (2001), Severino (2002) e em Cavalcante Filho (2010).

2. Sobre o conceito de leitura, sua importância e finalidades

O entendimento do conceito de leitura ultrapassa a concepção de decodificação do código escrito. Ou seja, a habilidade que se deve ter de Instituto de Letras da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e publicado nos Cadernos do CNLF, Vol. XV, Nº 05, Tomo 2 sob o título Estratégias de leitura, análise e interpretação de textos na universidade: da decodificação à leitura crítica.



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leitura não é somente reconhecer e traduzir sílabas ou palavras (signos linguísticos), em sons, isoladamente (a decodificação), mas é atribuir significado àquilo que é lido. Buscando a definição do Dicionário Eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa, encontramos que leitura é: ³1. ato de decifrar signos gráficos que traduzem a linguagem oral; arte de ler. 2. ação de tomar conhecimento do conteúdo de um texto escrito, para se distrair ou se informar. 3. maneira de compreender, de interpretar um texto, uma mensagem, um acontecimento. 4. ato de decifrar qualquer notação; o resultado desse ato.´ No entanto, para compreendermos, de fato, o fenômeno da leitura, não basta o seu sentido dicionarizado. Por isso, vamos buscar a definição apresentada por Lajolo (1982, p. 59), que afirma:

Ler não é decifrar, como num jogo de adivinhações, o sentido de um texto. É a partir do texto, ser capaz de atribuir-lhe significado, conseguir relacioná-lo a todos os outros textos significativos para cada um, reconhecer nele o tipo de leitura que seu autor pretendia e, dono da própria vontade, entregar-se a esta leitura, ou rebelar-se contra ela, propondo outra não prevista. Nesse sentido, segundo a autora, a leitura é um processo de interlocução entre leitor/autor mediado pelo texto. É uma espécie de encontro com o autor, que está ausente, mas mediado pela palavra escrita. Paulino et al (2001, p. 11), ao discutirem o conceito de leitura, partem da etimologia da palavra ler, que vem do latim legere. Segundo os autores, na origem do vocábulo, encontram-se três significados: primeiro, ler significa soletrar, agrupar as letras em sílabas; segundo, ler está relacionado ao ato de colher, a leitura passa a ser a busca de sentidos no interior do texto, nessa concepção os sentidos



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vivem no texto, basta que eles sejam retirados, colhidos como uvas no vinhedo; e, terceiro e último sentido apontado vincula o ler ao roubar, isto é, o leitor tem a possibilidade de tirar do texto sentidos que estavam ocultos, o leitor cria até significados que, em princípio, não tinha autorização para construir. Nesta última acepção, o sentido nasce das vontades do leitor - o autor escreve o texto, mas quem lhe confere vida é o leitor. Ler adequadamente, portanto, é mais do que ser capaz de decodificar as palavras ou expressões linearmente ordenadas em sentenças ou textos. Se as pessoas lessem assim, não seriam capazes de perceber quando um texto é irônico, não entenderiam ³indiretas´ e duplos sentidos, muitos avisos, e, além disso, a maior parte das piadas e textos de propaganda, por exemplo. Assim, uma leitura satisfatória resultada consideração de dois tipos de fatores: os propriamente linguísticos (ou significados literais das palavras, os fatores sintáticos etc.) e os contextuais ou situacionais (que pod em ser de natureza bastante variada). O bom leitor, por exemplo, é aquele capaz de integrar, ao interpretar um texto, estes dois tipos de fatores. Mas será que todos os tipos podem ser lidos da mesma maneira? As finalidades da leitura estão relacionadas com as diversas modalidades de leitura. Em alguns momentos, lemos com o objetivo de adquirir conhecimentos, noutros momentos buscamos simplesmente lazer ou entretenimento. Por isso que, da forma que lemos um jornal ou uma revista, em que a leitura pode ter como finalidade a informação, sobre fatos ou notícias, não lemos um romance, cuja finalidade é a distração, o entretenimento.

3. Sobre os tipos de leitura



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Partindo do pressuposto de que os textos não são lidos da mesma maneira, interessa-nos perguntar: se há diferentes textos, quais são os tipos diferentes de leitura? Dentre os diversos tipos de leitura apresentados por muitos autores, podemos sintetizar, com base em Andrade (1999, p. 19-20), em: i) leitura de higiene mental ou recreativa; ii) leitura técnica; 3) leitura de informação; e 4) leitura de estudo. A leitura de higiene mental (ou recreativa) tem como objetivo trazer satisfação à inteligência, a distração, o entretenimento, o lazer. É o caso da leitura de romances, revistas em quadrinhos etc. A leitura técnica implica, muitas vezes, a habilidade de ler e interpretar tabelas e gráficos. Por exemplo: relatórios ou obras de cunho científico. Já a leitura de informação está ligada às finalidades da cultura geral. Por fim, temos a leitura de estudo, que visa à coleta de informações para determinado propósito, aquisição e ampliação de conhecimentos. De todos esses tipos de leitura, interessa-nos aprender como realizar uma leitura informativa ou de estudo, já que, a todo momento, no âmbito acadêmico nos deparamos com textos técnicos, teóricos, de cunho filosófico-científico Para isso, precisa dominar as fases e as estratégias necessárias para a realização de uma leitura adequada e satisfatória dos seus textos, principalmente daqueles que constituem seu material de estudo.

3.1. Fases da leitura informativa ou de estudo Como visto, a leitura informativa ou leitura de estudos tem como objetivo adquirir e ampliar nossos conhecimentos, coletar dados e informações que serão utilizados na elaboração de um trabalho científico



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ou para responder questões específicas, sendo muito utilizada nas escolas, faculdades ou quando nos interessamos em conhecer algo novo. Por isso, além de conhecermos os aspectos para uma leitura proveitosa, é muito importante que conheçamos as fases da leitura informativa ou de estudo. Segundo Cervo & Bervian (1983, apud ANDRADE, 1999, p. 2021), as fases da leitura informativa ou de estudo são:

i)

leitura

de

reconhecimento ou

pré-leitura:

também

classificada por outros autores como leitura prévia ou de contato, tem como finalidade dar uma visão global do assunto, ao mesmo tempo em que permite ao leitor verificar a existência ou não de informações úteis para o seu objetivo específico; trata-se de uma leitura rápida, ³por alto´, apenas para permitir um primeiro contato com o texto;

ii)

leitura seletiva: o objetivo é a seleção de informações mais importantes e que interessam à elaboração do trabalho em perspectiva;

iii)

leitura crítica ou reflexiva: leitura de análise e avaliação das informações e das intenções do autor. A reflexão se dá por meio da análise, comparação e julgamento das ideias contidas no texto;

iv) leitura interpretativa: é a mais completa, é o estudo aprofundado das ideias principais, onde se procura saber o que realmente o autor afirma, quais os dados e



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informações ele oferece, além de correlacionar as afirmações do autor com os problemas em questão.

Feita a análise e o julgamento daquilo que foi lido, o leitor está apto agora para fazer a síntese de tudo o que leu, a integrar os dados descobertos durante a leitura ao seu cabedal de conhecimentos.

4. Subindo os degraus da escada: sobre os níveis de leitura e os tipos de análise de um texto

Geralmente, no primeiro contato com qualquer tipo de texto, normalmente o leitor se depara com a dificuldade de encontrar unidade por trás de tantos significados que o texto apresenta em sua superfície. Por isso que, para realizarmos uma leitura proveitosa, é preciso que saibamos os níveis pelos quais devemos passar para alcançarmos nosso objetivo de leitor. Segundo Mortimer J. Adler e Charles Van Doren (1940 apud MEDEIROS, 2004, p. 35), os níveis de leitura de um texto são:

i)

elementar:

leitura

básica

ou

inicial.

Ao

leitor

cabe

reconhecer cada palavra de uma página. Leitor que dispõe de treinamento básico e adquiriu rudimentos da arte de ler;

ii)

inspecional: caracteriza-se pelo tempo estabelecido para a leitura. Arte de folhear sistematicamente;



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iii)

analítica: é minuciosa, completa, a melhor que o leitor é capaz de fazer. É ativa em grau elevado. Tem em vista principalmente o entendimento;

iv) sintópica: leitura comparativa de quem lê muitos livros, correlacionando-os entre si. Nível ativo e laborioso de leitura.

Dessa forma, para que nos tornemos um bom leitor, é preciso que saibamos analisar os textos com os quais nos deparamos, realizando uma leitura significativa e proveitosa destes. Com base em Severino (2002, p. 51-58), as etapas de análise de um texto são:

i)

análise textual: esta é a primeira abordagem do texto com vistas à preparação da leitura. Uma espécie de primeira leitura do texto, buscando uma visão panorâmica, o que permite ao leitor sentir o estilo de escrita do autor e a estrutura do texto. Nessa etapa, é preciso que o leitor busque esclarecimentos para melhor compreensão do texto: a) dados a respeito do autor do texto (busca que fornecerá elementos úteis para uma elucidação das ideias expostas no texto); b) estudo do vocabulário (levantamento dos conceitos e dos termos fundamentais para a compreensão do texto); c) esquematização do texto (que permitirá apresentar uma visão do conjunto da unidade); e d) resumo do texto com as ideias mais relevantes;

ii)

análise temática: é a etapa em que se procura ouvir o autor, apreender, sem intervir nele, o conteúdo da mensagem. É aqui que fazemos uma série de perguntas ao texto, como: de que fala o texto? como o texto está problematizado? qual dificuldade deve ser



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resolvida? qual problema a ser solucionado? como o autor responde à dificuldade, ao problema levantado? que ideias paralelas (secundárias) são apresentadas ao tema central?

iii)

análise interpretativa: interpretar, em sentido restrito, é tomar uma posição própria a respeito das ideias enunciadas, é ler nas entrelinhas. Nessa etapa, que é a mais difícil e delicada, o leitor deve: a) situar o texto no contexto da vida e da obra do autor, assim como no contexto da cultura de sua especialidade, tanto do ponto de vista histórico, quando do ponto de vista teórico; b) associar as ideias do autor com outras ideias relacionadas à mesma temática; c) exercer uma atitude crítica diante das posições do autor em termos de validade dos argumentos empregados, originalidade do tratamento dado ao problema que está sendo discutido, profundidade da análise do tema, alcance de suas conclusões e consequências e apreciação e juízo pessoal das ideias defendidas. Essa estratégia é também chamada de leitura crítica; d) problematização: trata-se da discussão do texto; é o levantamento e debate de questões explícitas ou implícitas no texto; e e) síntese pessoal: é a reelaboração da mensagem com base na reflexão pessoal.

5. como garantir um bom resultado durante a leitura de um texto? Para que possamos, enquanto leitores de um texto, coletar informações, verificando a validade de tais informações, comparando-as



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ao seu conjunto de referências, procurando argumentos ou outras informações para sustentar nossas posições, é preciso que estabeleçamos alguns passos a serem dados no alcance desse nível desejável de leitura. São eles:

1º PASSO: Delimitar a unidade de leitura (seleção) - O primeiro passo a ser tomado pelo leitor é o estabelecimento da unidade de leitura, que é o setor do texto que forma uma totalidade de sentido. Podemos considerar um capítulo, uma seção ou qualquer outra subdivisão. Ou seja, o autor se atém apenas a parte do conteúdo que lhe interessa.

2º PASSO: Identificar o tema do texto - Esse passo nos indica que precisamos fazer as seguintes perguntas ao texto: do que trata o texto? qual seria o seu foco principal (assunto em torno do qual as informações se organizam)? qual o grau de conhecimento que tenho sobre esse tema: alto (que me permita avaliar o que dito no texto a ser lido), médio (posso obter informações ainda ignoradas) ou baixo (em que é difícil julgar a qualidade das informações oferecidas pelo texto?)

3º PASSO: Localizar o texto no tempo e no espaço - Nesse passo, devemos perguntar ao texto: quem é o seu autor? quando o escreveu? quais as condições da época em que produziu sua obra? quais as principais características de seu pensamento? quais as influências que recebeu e também exerceu?

4º PASSO: Elaborar uma síntese do texto - Nesse passo, será exigido que o leitor faça uma seleção e uma organização dos elementos mais importantes do texto, estabelecendo um critério de relevância (o que é mais importante? o que é menos importante?)



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5º PASSO: Organizar as próprias ideias com relação aos elementos relevantes - Nesse ponto, é preciso um posicionamento do leitor que decorrerá da avaliação do que foi dito com base nos critérios que se resolveu adotar para a elaboração da síntese. É importante verificar os conhecimentos prévios que se já possui sobre o tema. Com base nesses conhecimentos, adota-se uma posição em relação às novas informações: concorda com elas? discorda delas? por quê?

6º PASSO: Demonstrar capacidade para interpretar dados e fatos apresentados - Agora, a partir das relações estabelecidas, o leitor deverá construir uma resposta para a seguinte pergunta: que sentido faz o que eu acabei de ler?

7º PASSO: Elaborar hipóteses explicativas para fundamentar sua análise das questões tematizadas no texto - O leitor deve procurar uma explicação para a razão de elas serem o que são. A elaboração das hipóteses explicativas para o conjunto de informações obtidas pela leitura do texto vai além do que foi dito pelo autor e permite que se construa um novo conhecimento acerca da questão tematizada. Estamos, pois, diante da conclusão do processo de leitura e construção de sentido do texto, isto é, a apropriação do texto lido pelo leitor.

Todos esses passos sugeridos para a garantia de uma boa leitura podem ser sintetizados nos cinco elementos que todo leitor deve identificar num texto. Ei-los: i) TEMA ± ideia central ou assunto tratado pelo autor, o fenômeno que se discute no decorrer do texto;



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ii) PROBLEMA ± aquilo que ³provocou´ o autor, isto é, pode ser visto como o questionamento de motivação do autor; iii) TESE: a ideia de afirmação do autor a respeito do assunto. O que o autor fala sobre esse tema? Que posição assume, que ideia defende? O que quer demonstrar? iv) OBJETIVO ± a finalidade que o autor busca atingir. O objetivo pode estar implícito ou explícito no texto; v) IDEIAS CENTRAIS ± idéias principais do texto. A cada parágrafo podemos selecionar idéias centrais ou secundárias.

Considerações finais

Nesse texto, vimos que a leitura é parte essencial na vida em sociedade. É através dela que nos comunicamos, interagimos com o outro, adquirimos conhecimento etc. Por isso, ler é muito mais do que decifração do código escrito, é muito mais do que o reconhecimento das letras, das palavras... Ler é, antes de tudo, atribuição de sentido ao que se lê. Realizamos a leitura por diversas finalidades: para adquirirmos conhecimento, para distrairmos, para nos mantermos informados etc. Para cada finalidade de leitura, há um tipo específico de leitura; Para finalizar, para a garantia de um nível desejável de leitura, é preciso que se obedeça a alguns passos, como a identificação de elementos básicos do texto, como: tema, problema, tese, objetivos, ideias centrais.

Referências bibliográficas



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ANDRADE, Maria Margarida de. Introdução à metodologia do trabalho científico. 4. ed. São Paulo: Atlas, 1999. CAVALCANTE FILHO, Urbano. Oficina de Leitura e Produção Textual na Prática Escolar. Ilhéus: Editus, 2010. FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. 23. ed. São Paulo: Autores Associados: Cortez, 1989. LAJOLO, Marisa. O texto não é pretexto. In: ZILBERMAN, Regina (Org.). Leitura em crise na escola: as alternativas do professor. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1982, p. 51-62. MEDEIROS, João Bosco. Redação científica: a prática de fichamentos, resumos, resenhas. São Paulo: Atlas, 2004. PAULINO, Graça et al. Tipos de texto, modos de leitura. Belo Horizonte: Formato, 2001. SEVERINO, Antonio Joaquim. Metodologia do trabalho científico. 22. ed. rev. e ampl. de acordo com a ABNT. São Paulo: Cortez, 2002.



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O ENSINO DE PORTUGUÊS NA UNIVERSIDADE FRANCESA: ENTRE A NORMA PORTUGUESA E A BRASILEIRA Liliane dos Santos214 Maria Carolina Nogueira François215

Considerações iniciais

O sistema de ensino francês organiza-se em três níveis: o ensino primário (enseignement primaire216), o ensino secundário (enseignement secondaire217) e o ensino superior (enseignement supérieur). No final do ensino secundário, os alunos são considerados aptos para passar o baccalauréat (BAC) que abre o acesso à universidade218. Do ponto de vista administrativo, dois ministérios ocupam-se do sistema francês de ensino: o

Profa. Dra. da Université Charles-de-Gaulle ± Lille 3, França. Realizou seu doutorado em Sciences du Langage pela Université de Nancy 2, França. Foi professora da Universidade de São Paulo. E-mail: [email protected]

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215

Profa. Licenciada em Letras Português-Inglês pela Universidade da Amazônia (2005). Cursou Bacharelado em Português pela Universidade de Lille 3 (2013), instituição onde cursa Mestrado em Português. E-mail: [email protected]

216 O ensino primário compreende dois grandes subníveis: o maternal (para as crianças entre 2-3 e 6 anos) e a escola elementar (école élémentaire). Se o primeiro nível corresponde aproximadamente à Educação Infantil brasileira, o segundo, que dura cinco anos, pode ser comparado ao Ensino Fundamental I. 217

O ensino secundário também compreende dois grandes subníveis: o collège (quatro anos), que pode ser comparado ao Ensino Fundamental II e o lycée (três anos), que corresponde, em suas grandes linhas, ao Ensino Médio. Diferentemente do Brasil, onde a escolarização é obrigatória até os 14 anos, na França a instrução (e não a escolarização) obrigatória vai até os 16 anos. 218

Correspondendo, grosso modo, ao vestibular, o BAC é um conjunto de provas organizadas no final do ensino secundário, obrigatório para toda pessoa que deseje aceder ao ensino superior. Não se trata, contudo, de um exame de entrada na universidade, mas de um exame de saída do ensino secundário. Assim, somente obtém o diploma de ensino secundário o aluno que for aprovado no BAC. Em outros termos, o BAC é um diploma.



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Ministério da Educação, para o ensino primário e secundário, e o Ministério do Ensino Superior e da Pesquisa, para o ensino superior. Mas se o BAC é uma exigência para o acesso ao ensino superior, não é o único caminho: mesmo aqueles que forem reprovados no BAC poderão aceder ao ensino superior após a obtenção do Diplôme G¶$FFqV aux Études Universitaires (DAEU: ³'LSORPD de Acesso aos Estudos 8QLYHUVLWiULRV´  que se destina principalmente aos adultos que interromperam os estudos e que desejam ingressar num estabelecimento de ensino superior, sobretudo numa universidade (ver mais adiante). Cabe notar que, de acordo com a lei n° 2013-660, de 22 de julho de 2013, o acesso ao ensino superior é aberto a todos os que preencherem um dos prérequisitos previamente citados: o acesso ao ensino superior, na França, é considerado um direito universal. No entanto, na França, ³HQVLQR VXSHULRU´ não significa somente ³HQVLQR XQLYHUVLWiULR´ pois o país possui um grande número de estabelecimentos de ensino superior, com objetivos, estruturas e condições de ingresso diferentes. Esses estabelecimentos podem ser classificados em quatro grandes categorias: (i) as universidades; (ii) as ³JUDQGHV HVFRODV´219; (iii) os estabelecimentos de ensino técnico; e (iv) as escolas especializadas (escolas de arquitetura, arte, profissões paramédicas, assistentes sociais). Após o BAC, portanto, várias são as possibilidades e vários os tipos de estabelecimento de ensino, que oferecem formações profissionalizantes ou não, as universidades sendo apenas uma dessas possibilidades. A longa entrée em matière tem por objetivo chamar a atenção para o fato de que este trabalho não levará em conta na sua totalidade a organização complexa que acabamos de apresentar, na medida em que ³*UDQGHV pFROHV´ FULDGDV ³SDUD GLVSHQVDU XPD IRUPDomR HVSHFLDOL]DGD GH alto nível a HVWXGDQWHVTXHQHODVHQWUDPDSyVXPFRQFXUVR´DQWHVGRTXDOGHYHPREULJDWRULDPHQWHFXUVDU XPD³HVFRODSUHSDUDWyULD´7UDWD-se de escolas de engenharia, de comércio ou de veterinária, por exemplo (ver France, 2014. Essa citação ± assim como as demais citações de originais em língua francesa ± foi por nós traduzida). 219



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centraremos nossa apresentação no ensino universitário, com algumas incursões nos níveis inferiores de ensino, quando julgarmos necessário para a clareza da exposição e para a ilustração de elementos que foram mais bem ou mais abundantemente analisados nesses outros níveis. Atualmente, a França conta com 83 universidades (ver France, 2014; ver mais adiante). Neste trabalho apresentaremos, então, um panorama do ensino do português na França, com ênfase em seu sistema universitário. Na primeira parte, apresentaremos um histórico da implantação e consolidação dos cursos de português no país, observando que essa implantação se deu no sentido inverso ao que se poderia esperar, isto é, começando pelo ensino universitário, no início do século XX, somente no último quarto do século é que ocorreu sua implantação no ensino primário. Também teceremos algumas considerações sobre a instabilidade do ensino de português no país, imputada, por muitos, à falta de investimento do governo francês, por exemplo por intermédio da contratação de professores. Na segunda parte de nosso trabalho, trataremos de questões relativas às políticas portuguesa e brasileira de difusão da língua portuguesa e das respectivas culturas no exterior e, mais especificamente, na França, analisando os organismos e estruturas que cada governo criou para essa finalidade. Chamamos a atenção para o fato de que não trataremos de organismos internacionais como a CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa), o IILP (Instituto Internacional da Língua Portuguesa) ou os PALOP (Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa), tendo em vista que tais organismos não investem diretamente nos sistemas de ensino de outros países. Note-se, aliás, que não é este o seu objetivo, como ilustram as afirmações abaixo, de Barbosa da Silva (2012, pp. 3026 e 3028), a respeito da criação da CPLP:



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Na época das negociações para a fundação da CPLP, Fernando Mourão (1995, p. 165) citando Celso Amorim, disse que ³R bom conhecimento linguístico permitirá, ademais, o incremento do intercâmbio comercial e científico entre os países lusofalantes. Este é, a propósito, um dos objetivos fulcrais da formação da Comunidade dos Países da Língua 3RUWXJXHVD´ (...) [essa organização] exerce um papel fundamental na coordenação, convergência ou mesmo espaço de discussão das políticas de seus membros.

Na terceira parte deste trabalho, abordaremos a questão do lugar do Brasil e da norma brasileira no ensino universitário francês, começando por uma breve apresentação das gramáticas e manuais de português, perseguindo com uma ± igualmente breve ± incursão na composição do corpo docente dos departamentos de português das universidades francesas e na (des)valorização da norma brasileira. A partir deste último ponto, apresentaremos algumas considerações sobre o valor mercadológico atual da variante brasileira do português, que tem levado a um acréscimo sensível do número de inscritos e, sobretudo, ao aumento da procura pelo português do Brasil ± que tem provocado consequências inusitadas. Para concluir, em nossas considerações finais, destacamos dois elementos de nossa discussão, o primeiro dos quais aparece em filigrana ao longo de nossa exposição: a disputa entre Brasil e Portugal pela hegemonia no processo de difusão da língua e da cultura no exterior, que é um debate entre duas legitimidades. O segundo elemento que destacamos diz respeito ao recente interesse pelo Brasil, pela cultura brasileira e pelo português do Brasil, decorrente do novo valor mercadológico que o país vem adquirindo nestes últimos anos. De nosso ponto de vista, é necessário permanecer prudente quanto ao entusiasmo que um olhar imediatista muitas vezes pode suscitar.



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Gostaríamos de chamar a atenção para dois outros elementos. Primeiramente, para o fato de que não mencionamos outros países de língua portuguesa, além de Portugal e Brasil. Se não o fizemos, foi não apenas porque os PALOP, como indicamos, não têm uma atuação em países estrangeiros, mas sobretudo porque os ³HVWXGRV DIULFDQRV´ ocupam um lugar extremamente marginal nas grades curriculares dos cursos universitários de português, em todos os níveis, enquanto os demais países não são sequer estudados. O segundo elemento para o qual gostaríamos de chamar a atenção tem a ver com o fato de que, infelizmente, não pudemos contar com dados precisos ± o que teria exigido uma pesquisa mais aprofundada e, portanto, mais longa. Por esta razão, muitas de nossas observações apresentam um caráter eminentemente impressionista.

1. Histórico e Panorama

A implantação do ensino da língua portuguesa na França data de 1919, ano em que a Universidade de Paris (hoje Universidade PanthéonSorbonne Paris 1) abriu uma primeira formação em língua e civilização portuguesas, ligada à Cátedra de História. Seguiram-se as Universidades de Rennes, em 1921, Toulouse, em 1931, Bordeaux, em 1932, Montpellier, em 1934, Poitiers, em 1935, Aix, em 1950 e Lyon, Nantes e Grenoble, em 1958. Foi também no início do século XX ± mais precisamente em 1930 ± e também na Sorbonne, que o governo português apoiou a abertura do primeiro leitorado de português na França (ver, por exemplo, Araújo Carreira, 2005; Perez, 2005a; Quint, 2002). Como se vê, foi a partir do nível universitário que se deu a introdução do ensino de português nesse país.



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No entanto, o estatuto da língua portuguesa no sistema universitário francês (disciplina principal ou complementar) permaneceu pouco claro durante muito tempo, mesmo se, já em 1935, foi criado o primeiro cargo de Maître de Conférences220, também na Universidade de Paris (ver Perez, 2005a, p. 14). Essa situação começou a mudar nos anos 1950. Primeiro, com a publicação de um decreto221 permitindo a escolha do português na prova de língua estrangeira no BAC e, em seguida, por ocasião da publicação do primeiro texto legal sobre o ³'LSORPD de Estudos Superiores de Língua e Literatura Portuguesas e %UDVLOHLUDV´ em 1958222. Um passo suplementar foi dado em 1960, com a introdução do português no ensino secundário, à qual seguiu, aproximadamente dez anos mais tarde, a criação dos primeiros cargos de professor concursado de português, com a abertura, em 1970, do CAPES223 de português e, em 1974, da Agrégation224, 1989 sendo o ano em que ocorreu a implantação do 220

Reservado aos titulares de um doutorado, o cargo de Maître de Conférences corresponde, aproximativamente, ao de Professor Assistente Doutor das universidades brasileiras. 221

DecretRGHGHPDLRGH³/LVWHGHVXQLYHUVLWpVGDQVOHVTXHOOHVSRXUURQWrWUHVXELHV HQOHVpSUHXYHVGHODQJXHDUDEHGHODQJXHUXVVHHWGHODQJXHSRUWXJDLVHDXEDFFDODXUpDW´ >³/LVWDGDVXQLYHUVLGDGHVQDVTXDLVSRGHPVHUSURSRVWDVHPDVSURYDs das línguas árabe, russa e portuguesa para o baccalauréat´@SXEOLFDGRQRDiário Oficial da República Francesa de 24 de maio de 1950. 222 'HFUHWRGHGHDJRVWRGH³/LVWHGHVpWDEOLVVHPHQWVGDQVOHVTXHOVSHXYHQWrWUHVXELHV en 1958, les épreuves deV GLSO{PHV G¶pWXGHV VXSpULHXUHV GH ODQJXHV HW OLWWpUDWXUHV pWUDQJqUHV YLYDQWHV´>³/LVWDGRVHVWDEHOHFLPHQWRVQRVTXDLVHPSRGHPVHUIHLWDVDVSURYDVHREWLGRV RV GLSORPDV GH HVWXGRV VXSHULRUHV GH OtQJXDV H OLWHUDWXUDV YLYDV HVWUDQJHLUDV´@ SXEOLFDGR no Diário Oficial da República Francesa de 17 de outubro de 1958. 223 O &HUWLILFDW G¶$SWLWXGH DX 3URIHVVRUDW G¶(QVHLJQHPHQW GX 6HFRQG 'HJUp (CAPES, ³&HUWLILFDGR GH $SWLGmR DR (QVLQR GH 6HJXQGR *UDX´  p XP FRQFXUVR RUJDQL]DGR SHOR Ministério da Educação francês que confere aos professores um diploma que lhes permite trabalhar no ensino fundamental e médio e que sanciona cinco anos de estudos universitários. Até 2009, os candidatos deviam ter cursado dois anos de formação específica (especialmente no que respeita às disciplinas pedagógicas) num Instituto Universitário de Formação de Professores (IUFM), depois da graduação. A partir de 2010, os candidatos devem, além do CAPES, obter um mestrado (dois anos de formação) na disciplina em que desejam trabalhar. 224 A Agrégation ³$JUHJDomR´ pXPFRQFXUVRRUJDQL]DGRSHOR0LQLVWpULRGD(GXFDomRIUDQFrV que confere aos professores um diploma que lhes permite trabalhar no ensino médio e universitário. Quando atuam no ensino superior, os professores em questão dedicam-se exclusivamente ao ensino ± não tendo, portanto, do ponto de vista estatutário, a obrigação de desenvolver atividades de pesquisa.



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português no ensino primário. Essa criação tardia de cargos de professor concursado teve como consequência principal a falta de perspectivas no mercado de trabalho. Assim, durante muito tempo o ensino de português na França dependeu ³PXLWR mais da influência de certos professores do que da institucionalização e do desenvolvimento de um campo de ensino mais YDVWR´ (Peruchi, 2010, p. 88). Dados recentes (ver Kleiman, 2013, p. 33) mostram que, atualmente, ³DR PHQRV´ 42 universidades propõem cursos de português ± tanto como disciplina principal quanto como optativa. Dentre essas, 16 propõem uma graduação, 14 propõem um mestrado ou participam de um mestrado interdisciplinar, enquanto dez vão até o doutorado. Mas esses dados também mostram dois aspectos importantes relativamente ao ensino de português nas universidades francesas: por um lado, como já indicava Quint (2002, p. 209), que ³D língua portuguesa não tem o mesmo estatuto em todos esses OXJDUHV´ pois, na maior parte dos casos, trata-se de uma disciplina optativa. Por outro lado, esses dados mostram uma progressão significativa na implantação do ensino de português no sistema universitário francês, pois, se em 1985 Teyssier (1986) indicava existirem onze universidades que propunham a graduação e o mestrado em português e somente ³XPD formação própria em Estudos Portugueses, Brasileiros e da África /XVyIRQD´225, sete anos mais tarde, em 2002, Quint (op. cit.) indicava existirem doze universidades propondo uma formação completa (da graduação ao doutorado). Essa visão otimista é frequentemente ± ou era, até muito recentemente ± temperada pela constatação da drástica diminuição do número de inscritos, imputada, incialmente, à penúria e, mais tarde, à diminuição do número de postos de professor propostos aos concursos, 225 À época, tratava-se de uma formação que reunia os recursos de três universidades parisienses (Paris 3, Paris 4 e Paris 8).



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CAPES e Agrégation, durante muito tempo considerados a via privilegiada (se não a única via) para a entrada no mercado de trabalho dos diplomados em português. A esse respeito, Perez (2005b, p. 5) indica que, de um total de 28 postos propostos aos concursos (quatro para a Agrégation e 24 para o CAPES), em 1984, passou-se a cinco (dois para a Agrégation e três para o CAPES), em 1999226. A partir de 2004 os concursos passaram a ocorrer a cada dois anos (com somente três postos propostos), segundo o autor, devido a um ³UHFUXWDPHQWR H[FHGHQWiULR´ nos anos 1980 e a restrições orçamentárias. Perez (op. cit., p. 5) aponta ainda que ³DV consequências [desse estado de coisas] são a falta de professores em certas regiões e o desinteresse

pelos

estudos

de

especialidade

luso-brasileira

nas

XQLYHUVLGDGHV´ Nesse mesmo sentido, Quint (2002, p. 214) sublinha que

apesar de existirem estruturas que permitem ensinar o português como as outras línguas vivas no sistema universitário francês (diplomas nacionais, concursos de recrutamento, centros de pesquisa), essa língua ainda é com frequência percebida como menor. É isso, sem dúvida, o que incitou as instâncias decisórias a limitar o número de IUFM nos quais o português é admitido e que as faz hesitar quanto a favorizar o desenvolvimento do ensino da língua portuguesa nos níveis primário e secundário. Devido a essas reticências, um número importante de estudantes não se sente encorajado [a continuar os estudos nessa área]. De modo semelhante, a diminuição dos postos de professor pesquisador nas universidades227 é com frequência apontada como um fator explicativo da precariedade da situação do ensino de português nas universidades francesas. 226 Ver também Rambourg (2009, pp. 80- VHJXQGRTXHPHVVHV³FRQFXUVRVTXHVHWRUQDYDP FDGDYH]PDLVHVFDVVRV  DJRUDVmRLQH[LVWHQWHV´ 227 Ver, a esse respeito, os dados de Kleiman (2013, pp. 33-34), que apresenta um recenseamento dos cursos fechados e GRV SRVWRV ³SHUGLGRV´ ± para outros diplomas, por exemplo.



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Os estudantes que desejam obter um diploma de português podem escolher entre dois ramos: Português LLCE (Línguas, Literaturas e Culturas

Estrangeiras)

ou

Português

LEA

(Línguas

Estrangeiras

228

Aplicadas) . A generalização da formação em LEA, depois da assinatura da Declaração de Bolonha229, permitiu ao português atingir um novo público, composto principalmente de iniciantes e, nestes quatro ou cinco últimos anos (com uma aceleração crescente), cada vez mais interessados em aprender a variante brasileira da língua. No que concerne à pesquisa, as possibilidades de escolha de áreas e temas variam muito em função das possibilidades de orientação de cada departamento, concentrando-se, essencialmente, nas áreas de literatura e ³FLYLOL]DomR´230, sendo raros os trabalhos em linguística231.

228 A formação LLCE corresponde, em seus traços principais, aos cursos de Letras que conhecemos no Brasil, que têm uma formação concentrada em quatro grandes áreas: literatura, cultura, tradução e ltQJXDJUDPiWLFD 3RU VXD YH] D IRUPDomR /($ WHP XP REMHWLYR ³PDLV SURILVVLRQDOL]DQWH´ QR TXDO R SRUWXJXrV DSDUHFH IUHTXHQWHPHQWH FRPR VHJXQGD RX WHUFHLUD língua (o inglês geralmente sendo a língua principal), a par com uma formação em direito, marketing, turismo ou negócios internacionais, por exemplo. 229

Assinada em 19 de junho de 1999, pelos Ministros da Educação de 29 países europeus, a Declaração de Bolonha permitiu a criação de um espaço europeu de ensino superior, cujo aspecto mais visível é a possibilidade dada aos estudantes de fazerem uma parte dos estudos (em geral, um semestre ou um ano letivo) numa universidade de um outro país e obterem uma equivalência nas suas universidades de origem, em razão da harmonização dos sistemas de ensino no nível universitário dos países signatários, que passaram a contar três ciclos de estudos: a graduação (em três anos), o mestrado (em dois anos) e o doutorado (em três anos).

230 Grande área do conhecimento tradicional no ensino de línguas estrangeiras na França, a ³FLYLOL]DomR´ FRPSUHHQGH GLVFLSOLQDV FRPR D KLVWyULD D KLVWyULD GD DUWH D JHRJUDILD H D economia. 231

Uma das razões para esse direcionamento encontra-se no fato de que são raros os doutores em linguística especialistas do português em atuação nas universidades francesas. Note-se, ainda, que os futuros doutores em linguística originários dos países de língua portuguesa que desejam fazer as suas teses na França dirigem-se, geralmente, aos departamentos de linguística geral e/ou francesa.



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2. Política(s) Linguística(s)

2.1. Portugal

Quando se pensa no ensino de português na Europa em geral, e na França, em particular, é comum associá-lo à presença nesses territórios de imigrantes portugueses. E se, como bem nota Peruchi (2010, pp. 86-87), seria um equívoco acreditar que este é o único fator determinante na implantação do ensino de português fora de Portugal, também é verdade que os movimentos migratórios ³FRQWULEXtUDP consideravelmente para a visibilidade e o desenvolvimento da língua [portuguesa] na sociedade IUDQFHVD´ Nesse sentido, é importante ressaltar o papel desempenhado por Portugal, tanto de maneira direta ± graças aos diferentes acordos estabelecidos com a França, em particular nos anos 1970 ±, como de maneira indireta, pelo privilégio dado à norma portuguesa desde a criação dos primeiros cursos, o que poderia ser explicado pela presença de cidadãos portugueses na França e pela proximidade geográfica entre os dois países. Rambourg (2009, pp. 82- 83) além de apontar esses dois fatores, indica a existência de acordos entre os governos português e francês e, mais recentemente, a presença de brasileiros na França, durante o período da ditadura militar:

esse importante movimento demográfico migratório de cidadãos portugueses na França é um dos matizes da implantação do ensino de língua portuguesa neste país. Quase todo o campo pedagógico operacional do PLE na França resulta da necessidade da continuidade dos estudos dos cidadãos portugueses e de seus descendentes, e repousa, certamente, na relação dialética, diplomática e bilateral que



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mantêm os dois países. A expressão artística e intelectual brasileira, bem como as relações internacionais entre a França e o Brasil, nos anos de ditatura militar brasileira, ou a grande importância turística deste país corroboram, inegavelmente, o crescente interesse pelo aprendizado da língua portuguesa de norma brasileira na França, visivelmente em Paris. No entanto, apesar da proximidade geográfica com a França, Portugal e a língua portuguesa ainda ali são pouco conhecidos. De acordo com Peruchi (op. cit., p. 87), isso deve-se ao fato de que, desde o início da sua implantação, o ensino do português esteve submetido ao ensino do espanhol, como prova a constituição de inúmeros departamentos universitários de ³HVWXGRV LEpULFRV´ ³HVWXGRV ibéricos e latino-DPHULFDQRV´ ou ³GH espanhol e SRUWXJXrV´ assim como o fato de que o português constitui uma secção da Sociedade dos Hispanistas Franceses, sem que os acadêmicos da área possuam uma associação profissional independente. Essa submissão, que se deu tanto no nível ideológico como no institucional (com frequência, as aulas de português constituíam um complemento ou uma opção no quadro de uma formação em espanhol, na medida em que as perspectivas de carreira para um diplomado em espanhol eram ± sempre foram ± mais amplas232), é sensível ainda hoje, particularmente no ensino universitário, como afirma, mais uma vez, Peruchi (idem, ibidem): ³D força dessa relação « entre as duas línguas é «  em particular para o ensino superior, um dos elementos que conduzem a (ou reforçam) os valores e imagens menores atribuídos à língua portuguesa, no grupo de valores socialmente atribuídos às OtQJXDV´233. 232 A criação da Agrégation em espanhol data de 1900 e a do CAPES de 1950. O número de cargos propostos aos concursos, tradicionalmente, é muito maior do que o total de cargos propostos em português: a Agrégation de espanhol prevê, em 2015, 88 vagas em espanhol e duas em português, enquanto o CAPES, propõe, para 2015, 409 vagas em espanhol e três em português. 233 Esse sentimento é bastante visível em trabalhos de personagens importantes do ensino de português nas universidades francesas, tais como Quint (2002) e Teyssier (1986). De acordo FRPDSULPHLUD³GXUDQWHPXLWRWHPSRRSRUWXJXrVIRLFRQVLGHUDGRXPD³OtQJXDUDUD´FRPRR



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É sem dúvida esse sentimento (de inferioridade) que explica o fato de que, nos trabalhos acadêmicos a respeito do ensino de português na França, essa realidade seja, com muita frequência, negligenciada:

os estudos em questão debruçam-se principalmente sobre a evolução do ensino da língua portuguesa, suas condições de implantação e datas mais importantes, o que provoca, como efeito de sentido, uma inevitável sensação de progresso, de conquista de novos espaços e de um crescimento dos efetivos. Geralmente, os discursos oficiais adotam a mesma estratégia. Essas análises interessam-se pouco (ou nada) às condições dessa evolução, às causas de seu desenvolvimento, às relações de poder entre as línguas ou aos públicos interessados pela aprendizagem e o estudo dessa língua. A celebração dessa evolução traduz uma tomada de posição política com relação à língua, posição esta que tem por objetivo, em última instância, sua promoção e valorização234 (Peruchi, op. cit., pp. 87-88). A criação dos concursos para professor de português no ensino fundamental e médio (CAPES e Agrégation), nos anos 1970, tem por base a tomada em consideração de uma realidade sócio histórica: a criação de políticas linguísticas em benefício da população de origem portuguesa escolarizada na França, que constituía, naquele momento, o essencial dos efetivos das aulas de português, em todos os níveis ± uma realidade que perdurou até há poucos anos. Como aponta Peruchi (op. cit., p. 90), ³PHVPR se a institucionalização do português na França, desde os primeiros tempos, não tem uma relação direta com a imigração portuguesa, a recorrência desse movimento, algumas décadas mais tarde, foi árabe, o russo e o chinês. Esse epíteto nada tem a ver com o número de locutores, mas significa somente que essas línguas são pouco faladas e, principalmente, pouco ensinadas na França. Esse HVWDWXWRGH³OtQJXDUDUD´SURYRFDjs vezes um mal-HVWDUHQWUHRVGHIHQVRUHVGHVVDVOtQJXDV´ S  2VHJXQGRSRUVXDYH]REVHUYDTXH³RVUHVSRQViYHLVSHORHQVLQRGRSRUWXJXrV « WrPR sentimento de que pertencem a uma disciplina menor, cujas necessidades e aspirações nunca são seriameQWHOHYDGDVHPFRQVLGHUDomRHPVXDVXQLYHUVLGDGHV´ S  234

Uma exceção notável é o trabalho de Kleiman (2013), que adota um ponto de vista bastante pessimista com relação à situação atual e futura do ensino de português nas universidades francesas, mesmo sem fazer referência à sua história e evolução.



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fundamental para que a língua se desenvolvesse e conquistasse novos HVSDoRV´ Em paralelo, em 1973 o governo português formaliza um serviço destinado a ³SURPRYHU e orientar o ensino básico da língua portuguesa no HVWUDQJHLUR´ e a ³DVVHJXUDU em colaboração com os serviços competentes do Ministério dos Negócios Estrangeiros e do Secretariado Nacional da Emigração, o financiamento de cursos ou escolas do ensino básico português no estrangeiro e proceder à sua RULHQWDomR´235, por meio da definição de um conjunto de competências atribuídas à Direção Geral do Ensino Básico. Quatorze anos mais tarde, a gestão do ensino do português no estrangeiro (EPE ± ensino básico e secundário) é atribuída à Direção Geral de Apoio e Extensão Educativa pelo Decreto-lei n° 3/87, de 3 de janeiro de 1987236, que tem por missão, entre outras, ³D promoção, coordenação e apoio, em colaboração com os demais serviços do Ministério e outras entidades públicas ou privadas, do ensino particular e cooperativo, do ensino básico e secundário português no estrangeiro, da educação não formal e das actividades de índole cultural no domínio da educação permanente, no País e junto das comunidades portuguesas no HVWUDQJHLUR´ Esse mesmo decreto atribui ³HVSHFtILFD e H[FOXVLYDPHQWH´ ao Instituto de Cultura e Língua Portuguesa (ICALP) a competência para lidar com o ensino superior. Janeiro de 1987 é, portanto, o momento em que o governo português define, com relação ao ensino do português no estrangeiro, de maneira clara e formal, setores específicos para o ensino básico e secundário, por um lado, e para o ensino superior, por outro. 235

Decreto-lei n° 45/73, de 12 de fevereiro de 1973, substituído pelo decreto-lei n° 3/87, de 3 de janeiro de 1987. 236 Note-se que Portugal aderiu à União Europeia em 1986, o que provocou a expectativa de um aumento do interesse pela língua portuguesa e das perspectivas de mercado de trabalho, expectativa esta que se viu frustrada, como observa Quint (2002, p. 202).



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Essas medidas legislativas permitiram a criação de serviços de apoio com sede nas embaixadas portuguesas. De um modo geral, é o Ministério da Educação português que se ocupa da gestão financeira e administrativa do pessoal docente e das estruturas de apoio, as únicas exceções sendo a Alemanha e a Holanda, cujos governos assumem uma parte dos encargos financeiros. No que toca ao ensino superior, o elemento mais visível da participação do governo português no ensino da língua portuguesa na França é a sua rede de leitorados, gerida pelo Instituto Camões (IC), que, em 1992, substituiu o ICALP. Se inicialmente o IC se subordinava ao Ministério da Educação e da Ciência, já em 1994 passou à tutela do Ministério dos Negócios Estrangeiros. Tendo por missão

propor e executar a política de cooperação portuguesa e coordenar as atividades de cooperação desenvolvidas por outras entidades públicas que participem na execução daquela política e ainda propor e executar a política de ensino e divulgação da língua e cultura portuguesas no estrangeiro, assegurar a presença de leitores de português nas universidades estrangeiras e gerir a rede de ensino de português no estrangeiro a nível básico e secundário (Portugal, 2014), no âmbito da promoção externa da língua e da cultura portuguesas, o IC tem as seguintes atribuições: x

x



Assegurar a representação do País na negociação de acordos culturais e respetivos programas de cooperação, coordenando a participação dos departamentos do Estado com atribuições nos domínios da cultura, educação, ensino superior, juventude, desporto e comunicação social; Estabelecer programas de apoio à criação de cátedras e de departamentos de português ou estruturas equivalentes em universidades estrangeiras e escolas e à contratação local de docentes;

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x

x

x

x

x

x

x

x x x

x x x

x x



Promover, coordenar e desenvolver a realização de cursos de língua portuguesa e outros conteúdos culturais, quer em sistema presencial, quer por recurso a tecnologias de informação e comunicação; Desenvolver, em cooperação com universidades portuguesas ou estrangeiras, sistemas de avaliação e certificação de competências pedagógico-didáticas para o ensino e ou aprendizagem do português e de competências comunicativas em português; Estabelecer parcerias e apoiar a realização de estudos e trabalhos de investigação sobre a presença e estatuto da língua e cultura portuguesas, designadamente na perspetiva da sua difusão internacional; Conceber, promover, propor, apoiar e executar a produção de obras e projetos de divulgação da língua e da cultura portuguesas no estrangeiro; Estimular, apoiar e promover ações que favoreçam a divulgação e o intercâmbio internacional das formas de expressão artística, designadamente nas grandes mostras e eventos internacionais; Estabelecer as linhas de orientação e as áreas prioritárias de intervenção dos centros culturais portugueses no estrangeiro, bem como propor a sua criação; Conceder bolsas, subsídios ou outros apoios decorrentes de acordos culturais ou programas de difusão da língua e da cultura portuguesas, em conformidade com o regulamento interno; Coordenar a atividade dos leitorados de língua e cultura portuguesas; Desenvolver e coordenar a atividade de formação de professores nas áreas da língua e cultura portuguesas; Desenvolver os mecanismos necessários para a consolidação da rede de docência junto de instituições de ensino estrangeiras, nomeadamente através da criação de centros de língua portuguesa; Promover a celebração e acompanhar a execução de acordos de cooperação cultural; Editar materiais de divulgação da língua e cultura portuguesas em distintos suportes; Coordenar a atividade dos docentes de língua e cultura portuguesas no estrangeiro e promover a interação entre os vários níveis e modalidades de ensino; Assegurar a qualidade do ensino da língua e cultura portuguesas no estrangeiro, mediante o necessário apoio científico e pedagógico; Fomentar o ensino do português como língua não materna e estrangeira nos curricula e sistemas de ensino, designadamente em países com comunidades de língua portuguesa (idem).

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Atualmente, o IC ³DVVHJXUD o ensino da língua e cultura portuguesas, ao nível do ensino superior, em 61 países237, através da sua rede de leitorados, em cooperação com 207 instituições de ensino superior e organizações LQWHUQDFLRQDLV´ (idem), contando, além disso, com 20 Centros Culturais Portugueses em 15 países (Angola, Brasil, Cabo Verde, China, Espanha, França, Guiné-Bissau, Índia, Japão, Luxemburgo, Marrocos, Moçambique, São Tomé e Príncipe, Tailândia, Timor-Leste)238. Na França, a rede do IC totaliza 785 pontos, sendo 20 em instituições de ensino superior (três Centros de Língua Portuguesa, 14 leitorados e três Cátedras).

2.2. Brasil

A criação da Divisão de Cooperação Intelectual, sob a tutela do Ministério das Relações Exteriores em 1938, marca, no Brasil, o início das ações de promoção da língua portuguesa no exterior (ver Barbosa da Silva, 2012, p. 3021). A criação dessa Divisão deu origem, em 1940, à primeira instituição estabelecida no exterior com a função de difundir a cultura 237 África do Sul, Alemanha, Angola, Argentina, Áustria, Bélgica, Botswana, Bulgária, Cabo Verde, Canadá, Chile, China, Colômbia, Coreia do Sul, Costa do Marfim, Croácia, Egito, Eslováquia, Eslovênia, Espanha, Estados Unidos, Estônia, Etiópia, Finlândia, França, Geórgia, Guiné Bissau, Hungria, Índia, Inglaterra, Israel, Itália, Japão, Lituânia, Macedônia, Malásia, Marrocos, México, Moçambique, Moldávia, Namíbia, Nigéria, Polônia, República Tcheca, Romênia, Rússia, São Tomé e Príncipe, Senegal, Sérvia, Suécia, Suíça, Tailândia, Timor-Leste, Tunísia, Turquia, Uruguai, Venezuela, Vietnã, Zimbábue.

³&ULDdos junto das missões diplomáticas ou postos consulares portugueses no estrangeiro e que consubstanciam espaços de cultura cuja principal finalidade é promover a língua e cultura portuguesas segundo princípios de interculturalidade, impulsionando a diversidade cultural no mundo, contribuindo para o reconhecimento da imagem de Portugal em diversas vertentes e setores, a nível europeu e mundial, e para a vitalidade da economia portuguesa e europeia da cultura, nomeadamente pelo fomento da participação dos artistas, dos profissionais da cultura e da sociedade civil, em benefício do dinamismo e do intercâmbio de bens e serviços culturais com países terceiros. Os centros culturais portugueses no estrangeiro são unidades dotadas de autonomia administrativa, que atuam sob a dependência funcional do chefe de missão diplomática ou a ele equiparado e de forma unificada com os demais serviços periféricos externos do MNE [Ministério dos Negócios Estrangeiros] existentes na respetiva área geográfica e regem-se por diploma SUySULR´ 3RUWXJDOVG 

238



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brasileira, o Instituto Cultural Uruguaio-Brasileiro, em Montevidéu. Segundo Pinho (2010, apud Barbosa da Silva, op. cit., p. 3023), foi somente em 1965 ± 25 anos mais tarde ± que foi criado o primeiro leitorado brasileiro, na Universidade de Toulouse, na França. Com os leitorados, vieram os Centros de Estudos Brasileiros (CEB), privatizados entre 1995 e 2002. De acordo com Barbosa da Silva (op. cit., p. 3022), as dificuldades encontradas, à época para a manutenção dos CEB e dos leitorados devem-se ao fato de que ³j língua portuguesa não cabia o papel principal na divulgação da cultura brasileira, mas sim à música e à OLWHUDWXUD´ Tais dificuldades também evidenciam, nas palavras do mesmo autor, ³D falta de uma política de Estado para a difusão da língua portuguesa que só parece ser resolvida no Governo /XOD´ com a criação dos Centros Culturais Brasileiros (CCB) e dos Institutos Culturais Bilaterais (ICB). Os CCB são

instituições diretamente subordinadas ao Chefe da Missão Diplomática ou repartição consular do Brasil em cada país, constituindo o principal instrumento de execução da nossa política cultural no exterior. Suas atividades estão relacionadas ao ensino sistemático da Língua Portuguesa falada no Brasil; à difusão da Literatura Brasileira; à distribuição de material informativo sobre o Brasil; à organização de exposições de artes visuais e espetáculos teatrais; à coedição e distribuição de textos de autores nacionais; à difusão de nossa música erudita e popular; à divulgação da cinematografia brasileira; além de outras formas de expressão Cultural Brasileira, como palestras, seminários e outros (Brasil, 2014a). Por sua vez, os ICB são ³HQWLGDGHV sem fins lucrativos de direito privado e, embora autônomas, cumprem missão cultural em coordenação com as Missões diplomáticas e consulares da jurisdição em que estão VHGLDGDV´ (Brasil, 2014b).



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Leitorados, CCB e ICB, além dos Núcleos de Estudos Brasileiros (NEB) constituem a Rede Brasileira de Ensino no Exterior (RBEx), ³D que se dá, atualmente, o nome de Rede Brasil &XOWXUDO´ (Brasil, 2014c), subordinada à Divisão de Promoção da Língua Portuguesa (DPLP), um organismo do Ministério das Relações Exteriores. Atualmente, o Brasil conta com 68 leitores em 64 universidades de 41 países239, 21 CCB240, sete IC241 e cinco NEB que funcionam em embaixadas de quatro países242. Essa rede

é

interligada

por

um

portal

na

internet

(http://redebrasilcultural.itamaraty.gov.br) e por uma página no Facebook (www.facebook.com/RedeBrasilCultural). Além dos objetivos já indicados, ³GHVGH 2011, a Rede vem, ainda, auspiciando, em vinte e cinco países, atividades voltadas à comunidade brasileira no exterior, com o objetivo de impulsionar o estudo língua portuguesa como língua de KHUDQoD´ (Brasil, 2014d). Na França, o Brasil conta com oito leitorados, em oito universidades ± de longe, o maior contingente entre os 41 países em que o país implantou essa forma de difusão da língua portuguesa e da cultura brasileira (ver Brasil, 2014e). A comparação dos dados que acabamos de apresentar permite perceber não somente que o investimento do governo português é muito maior do que o do governo brasileiro ± como já apontado por Barbosa da Silva (2012, pp. 3023-3024) ±, mas também que os dois países não 239

Alemanha, Argentina, Austrália, Barbados, Benin, Bolívia, Cabo Verde, Camarões, Chile, China, Colômbia, Costa Rica, Croácia, Estados Unidos, França, Gabão, Guiana, Guiné-Bissau, Haiti, Hungria, Inglaterra, Itália, Jamaica, Líbano, México, Nicarágua, Nigéria, Nova Zelândia, Paraguai, Peru, Quênia, República Dominicana, República Tcheca, Rússia, São Tomé e Príncipe, Tailândia, Trinidad e Tobago, Ucrânia, Vietnã.

240 África do Sul, Angola, Bolívia, Cabo Verde, Chile, El Salvador, Espanha, Finlândia, Guiana, Guiné-Bissau, Haiti, Itália, Moçambique, México, Nicarágua, Panamá, Paraguai, Peru, República Dominicana, São Tomé e Príncipe, Suriname. 241

Argentina, Colômbia, Costa Rica Equador, Itália, Uruguai, Venezuela.

242

Guatemala, Guiné Equatorial, Paquistão e Uruguai. Os NEB oferecem cursos de português e promovem atividades ligadas à cultura brasileira.



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compartilham as mesmas áreas geográficas: enquanto as atividades do governo português se concentram na Europa, as do governo brasileiro estão concentradas na América Latina. Como indica esse mesmo autor (op. cit., p. 3024),

Essa concentração na Europa provavelmente se explica pelo fato de o português europeu ser língua oficial da União Europeia e pela política do bloco europeu de fazer com que cada cidadão fale pelo menos duas línguas estrangeiras «  Essa configuração é um forte indício de que, diante das políticas portuguesas e brasileiras para promoção do português, a Europa se tornou o espaço de promoção da variante europeia, enquanto a América Latina [se tornou] o espaço de promoção da variante brasileira. Esses dados podem ser mais bem percebidos na Figura 1, abaixo, em que os pontos azuis representam os centros e leitorados brasileiros e os pontos vermelhos os centros e leitorados portugueses.

Figura 1: Institutos, centros de cultura e leitorados portugueses e brasileiros pelo mundo (2010) (Fonte: Barbosa da Silva, 2012, p. 3024)



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Para além das respectivas redes de difusão da língua portuguesa e de suas respectivas culturas, ambos os países elaboraram e têm implantado certificações em Português Língua Estrangeira. Em 1994-1995, o Brasil criou o Certificado de Proficiência em Língua Portuguesa para Estrangeiros (Celpe-Bras), desenvolvido e outorgado pelo Ministério da Educação, ao passo que Portugal criou, em 1999, por intermédio da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, o Centro de Avaliação do Português Língua Estrangeira (CAPLE). Enquanto o Celpe-Bras avalia quatro níveis (intermediário, intermediário avançado, superior e superior avançado), o CAPLE emite nove certificações, todas apoiadas no Quadro Europeu Comum de Referência para as Línguas (QECR; ver Alves, 2001), avaliando, portanto, os seis níveis previstos pelo QECR. Para aplicar o Celpe-Bras, o Brasil conta atualmente 81 postos aplicadores, dos quais 59 no exterior. O CAPLES, por sua vez, pode ser obtido em 160 centros aplicadores, sendo 151 no exterior. Outros instrumentos são utilizados e outras iniciativas são tomadas, pelos dois países, para a promoção da língua portuguesa no mundo. É o caso, por exemplo ± para citar apenas os meios de comunicação ±, da Rádio e Televisão de Portugal Internacional (RTPi) e da TV Brasil Internacional (TVBI). É interessante observar que as áreas de influência e a extensão da rede correspondem ao que foi observado com relação à rede de institutos, centros culturais e leitorados dos dois países: fundada em 1992, a RTPi está presente em todos os países que têm o português como língua oficial (Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe), mas também em Timor-Leste, Macau (China), Goa, Damão e Diu (Índia), em países que contam com uma forte presença portuguesa (África do Sul, a Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Inglaterra, Luxemburgo, Suíça, Venezuela), além de outros territórios como a Ilha de Santa Helena, a Ilha da Reunião, as Ilhas Seychelles e Curaçao. Inaugurada em 2010, por



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sua vez, a TVBI está presente, por intermédio de operadoras de TV a cabo, sobretudo nas Américas (Argentina, Canadá Chile, Colômbia, Costa Rica, El Salvador, Equador, Estados Unidos, Guatemala, Honduras, México, Nicarágua, Peru, Uruguai, Venezuela) e na África (em 49 países), além do Japão e de Portugal, sendo ainda acessível por satélite. Ambas, evidentemente,

podem

ser

http://www.rtp.pt/rtpinternacional,

captadas para

pela a

internet: RTPi

e

tvbrasil.ebc.com.br/internacional, para a TVBI.

3. O Lugar do Brasil e da Norma Brasileira

É interessante observar que a primeira gramática do português publicada na França (Cantel, 1955) data de um momento em que, como vimos, a língua portuguesa estava presente somente na universidade e em estreita relação com a língua espanhola. Também é interessante observar, como se poderia esperar, que se trata de uma gramática de cunho normativo e que apresenta unicamente a norma portuguesa, sem qualquer referência à variante brasileira. Aproximadamente vinte anos mais tarde é publicado um manual em dois volumes (Cruz, Cruz, Massa, Massa & Mériel, 1972 e 1973). Destinado a um público francês adulto (como indicado no Prefácio, ³PpGLFRV assistentes sociais, enfermeiras, contramestres, professores primários, funcionários da administração pública, HWF´ e motivado pela presença de imigrantes portugueses na França ³D presença na França, a cada ano mais importante, de trabalhadores portugueses, criou a necessidade de aprender essa língua entre as pessoas que estão em contato cotidiano com os trabalhadores portugueses e suas IDPtOLDV´  esse manual focaliza a norma portuguesa, apresentando, no volume 2, uma rápida referência à diferença entre as duas normas.



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Quatro anos depois, Teyssier (1976) publica, sob o título Manuel de langue portugaise, uma gramática bastante exaustiva, na qual apresenta o português em sua dimensão internacional e afirma a existência de duas normas, mostrando suas diferenças: é a primeira vez em que a variante brasileira da língua portuguesa é levada em conta numa obra destinada a um público adulto e, principalmente, universitário. Quanto às obras destinadas a um público mais amplo ± em geral, turistas adultos ±, convém citar o método Assimil, que publica a primeira edição do método Le Portugais sans peine >³2 Português sem HVIRUoR´@ em 1953. Mas é somente em 1985 que é publicado Le Brésilien sans peine >³2 Português do Brasil sem HVIRUoR´@ ± não por acaso, pois é justamente durante os anos 1980 que começam a ser publicados manuais e coletâneas destinados a um público não universitário, ainda que muitas vezes adulto. Em geral, esses manuais e coletâneas dão um lugar privilegiado ± quando não se restringem ± à norma portuguesa243. Essas observações são corroboradas pelo estudo da trajetória dos manuais, instruções e programas para o ensino de português no ensino básico, fundamental e médio. De fato, tal como se nota com o ensino superior, o Brasil e a norma brasileira somente aparecem de maneira marginal e acessória ± para não mencionar o fato de que os aspectos culturais são sempre vistos sob o prisma do ³H[RWLVPR´ e do clichê244. No que diz respeito à composição do corpo docente das universidades francesas, é-nos impossível apresentar dados precisos, pois, ao que sabemos, não existem estatísticas demográficas a esse respeito. Assim, podemos dizer, baseadas numa observação impressionista, que os 243 Uma das primeiras exceções é a coletânea &RQWHV HW FKURQLTXHV G¶H[SUHVVLRQ SRUWXJDLVH Portugal ± Brésil ± Afrique (Dias da Silva, Parvaux & Penjon, 1986). Mas, neste caso, trata-se de uma obra de cunho literário, e não gramatical. Como vimos, o interesse pela literatura e pela FXOWXUD RX³FLYLOL]DomR´ VHPSUHSUHYDOHFHXQRHQVLQRXQLYHUVLWiULRIUDQFrV 244

Para uma análise aprofundada da evolução do ensino do português na França, nos níveis primário e secundário, e dos textos oficiais que o regimentam, ver Peruchi (2010).



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professores universitários de Português na França dividem-se, quanto à origem ou nacionalidade, em três grupos: franceses, portugueses e brasileiros ± nesta ordem de importância numérica. Tradicionalmente, o ensino de português na França sempre foi assegurado por franceses ± como fica patente quando se pensa nos nomes considerados importantes para a disciplina, como Paul Teyssier, na segunda metade do século XX ou Jacqueline Penjon, mais recentemente. A valorização da norma portuguesa em detrimento da brasileira, assim como a cooperação mais estreita entre a França e Portugal (cf. nossas observações sobre as áreas de influência do Brasil e de Portugal) explicam que os portugueses formem o segundo contingente de professores universitários de português na França. Os brasileiros chegaram mais recentemente ± e sobretudo a partir da instauração da ditadura militar no país, na qualidade de exilados e, em seguida, como doutorandos que acabaram por se fixar no país. Ao mesmo tempo, a valorização da norma portuguesa e o fato de que a França ± do mesmo modo que a Europa, como um todo ± esteja fora da área de influência do Brasil (como acabamos de mencionar), somados ao caráter recente das políticas brasileiras de valorização da língua e da cultura do país no exterior, são fatores que explicam a presença de poucos brasileiros atuando no ensino superior de português na França: a presença de professores pesquisadores brasileiros na França é muito mais o fruto de iniciativas individuais do que de um desejo governamental de marcar a presença brasileira fora de suas fronteiras. Note-se, no entanto, que raros são, entre esses professores pesquisadores brasileiros, aqueles que são especialistas da língua (linguistas): trata-se, na maior parte dos casos, de especialistas de literatura, história ou sociologia. Note-se também que, entre os professores que se ocupam do ensino da língua, ainda mais raros são os brasileiros que têm o título de doutor, sendo muito mais raros os que são concursados de uma universidade francesa: com maior frequência,



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trata-se de doutorandos ou outras categorias que ocupam um posto precário245. No que diz respeito ao ensino da norma brasileira da língua portuguesa propriamente dita, ensiná-la e/ou utilizá-la é algo que cabe à iniciativa individual de cada professor. Assim, podemos encontrar casos em que um corpo docente misto procura não somente respeitar as duas variantes (por exemplo, permitindo aos alunos que usem uma ou outra), mas também confrontá-las nas suas aulas, a fim de melhor orientar os alunos. Em outros casos ± e aqui, mais uma vez, pode se tratar do fruto de uma decisão individual ± um professor pode tentar impor ao aluno uma norma ± geralmente a sua própria ±, seja brasileira ou portuguesa. Isso ocorre, muitas vezes, por desconhecimento da ³RXWUD QRUPD´ Num passado ainda recente, os alunos franceses de origem portuguesa, assim como seus pais, com frequência rejeitavam a autoridade de um professor brasileiro para ensinar a língua portuguesa246, apresentando uma grande resistência e muitas reticências com relação à legitimidade desse professor para ensinar a língua dos pais e dos avós247. Nestes últimos tempos, no entanto, este estado de coisas mudou. Cada vez mais os departamentos de português recebem pedidos de alunos que desejam aprender o ³SRUWXJXrV do %UDVLO´ Foi sem dúvida cedendo a esse tipo de pressão que a Universidade Paris 3 decidiu oferecer, entre as disciplinas optativas, cursos de português da ³YDULDQWH HXURSHLD´ e da ³YDULDQWH

245 Ao que sabemos, entre todas as universidades francesas que têm um departamento de português, somente duas ± Grenoble 3 e Lille 3 ± contam com um linguista brasileiro. Em Grenoble 3 a contratação é recente (setembro de 2014). O perfil do cargo mencionava H[SOLFLWDPHQWHD³YDULDQWHEUDVLOHLUD´ 246

A título de anedota, note-se que uma das autoras deste trabalho já se viu ser apresentada, em SRUWXJXrVSHODPmHGHXPDDOXQDFRPR³DSURIHVVRUDGHEUDVLOHLURGD6DQGUD´ 247



Veja-se, a esse respeito, a análise de Peruchi (2010, pp. 242-257).

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EUDVLOHLUD´248. Observe-se que as ementas desses cursos, sendo idênticas, não permitem verificar que diferenças apresentam. Mas uma decisão dessa natureza, que um olhar descuidado poderia considerar inócua, pode ser vista também ± e principalmente ± como um retorno de uma visão segundo a qual a norma portuguesa é que é ³OHJtWLPD´ e ³SXUD´ a norma brasileira sendo, ao contrário, ³LOHJtWLPD´ e ³LPSXUD´ ± devendo, portanto, ser ³HVWXGDGD´ à parte. Evidentemente, não dispomos de evidências físicas (textos ou gravações), mas, na medida em que essa é a visão preponderante no ensino da língua portuguesa na França, desde os seus princípios (ver Peruchi, 2010, principalmente as pp. 246-270), esta parece-nos ser uma hipótese plausível. Essa mesma linha de pensamento pode ser utilizada para explicar o fato de que poucas são as universidades que, ao definir um perfil de posto ± mesmo em língua/linguística ± indicam o português do Brasil. A maioria dos perfis de cargo ± tanto no item pesquisa quanto no item ensino ± dão indicações vagas, como ³FLYLOL]DomR e/ou literatura dos países de expressão SRUWXJXHVD´ sob a justificativa oficial de que o número reduzido de cargos no ensino de português no nível superior não permite a definição de perfis mais precisos. Mas, como vimos, essa maneira de fazer tem como uma de suas consequências a existência de um número reduzido de linguistas especialistas do português (todas as variantes confundidas), o que conduz à precarização dos professores responsáveis pelo ensino da língua (todas as variantes confundidas). A esta altura de nossa discussão, cabe explicitar um elemento que até este ponto somente aparece em filigrana: na visão de mundo ainda hoje predominante na universidade francesa, a língua (e principalmente quando se trata de línguas estrangeiras) é considerada um elemento menor, os 248

Ver as informações disponíveis no site do Departamento de Disciplinas Transversais: http://www.univ-paris3.fr/l-offre-en-licence-semestre-impair-portugais-bet287418.kjsp?RH=1297425914425 (acesso em 25.set.2014).



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elementos ³QREUHV´ sendo a literatura e a ³FLYLOL]DomR´ Assim, enquanto parte ilegítima de uma disciplina ilegítima, a variante brasileira do português somente pode ocupar um lugar periférico no universo do ensino de línguas da universidade francesa. Se esta situação começa a dar sinais de mudança, isso deve-se não a uma mudança na referida visão de mundo, mas ao valor de mercado que a língua falada do Brasil conheceu recentemente e ainda está conhecendo ± valor que, por enquanto, não tem dado sinais de diminuir.

Considerações finais

A observação da implantação, da evolução e da situação atual do ensino de português na França, e do lugar que ocupa no ensino universitário, permite ter um lugar privilegiado para perceber elementos constitutivos

das

políticas

linguísticas

brasileiras

e

portuguesas

relativamente à promoção e à difusão da língua portuguesa e da cultura ± brasileira e portuguesa ± no exterior. Entre esses elementos, um dos mais importantes consiste na disputa, entre Brasil e Portugal, pela hegemonia desse processo. Nesse ³HPEDWH´ ± nos termos de Barbosa da Silva (2012, p. 3029) ± confrontam-se duas legitimidades, uma que vem do lugar de ³OtGHU histórico, lugar de origem da OtQJXD´ e outra que vem do lugar de ³OtGHU QDWXUDO´ por se tratar do ³PDLRU SDtV´ tanto do ponto de vista demográfico e territorial quanto da perspectiva econômica. O que muitas vezes não se percebe é que essa luta consiste na origem mesma de uma contradição:

os países de língua portuguesa alegam que a difusão do português é uma forma de tornar o mundo menos homogêneo e com poder mais disperso. Contudo, ignoram os resultados negativos de políticas semelhantes a essas no passado, principalmente durante o colonialismo e o imperialismo HXURSHX´ (id., ibid.)



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Um segundo elemento desta discussão que merece destaque diz respeito ao interesse recente pelo Brasil e pela norma brasileira demonstrado pelos alunos franceses249. De acordo com Rambourg (2009, pp. 85-86),

há, portanto, na (...) escolha pelo aprendizado do Português de norma brasileira, na França, a preferência pela aproximação de determinadas motivações culturais, dentre as quais, o gosto por expressões artístico-musicais do Brasil, a curiosidade turística por muitas das cidades deste país, ou ainda, a opção por uma ³OtQJXD viva ´ no (...) percurso escolar, por vizinhança linguística com o espanhol (idioma já escolhido como ³OtQJXD viva ´ falado pela população sul-americana. Esta última situação resulta, igualmente, do fato de que o MERCOSUL tem exercido um papel fundamental na integração econômica dos países da América do Sul. Gostaríamos de acrescentar a esses fatores o fato, como notamos mais acima, de que o Brasil e o Português do Brasil adquiriram e têm adquirido um valor mercadológico maior nestes últimos anos. Em outros termos, saber falar o português do Brasil é visto, atualmente, como uma vantagem num mercado de trabalho incerto e caprichoso. Isto significa, por exemplo, que mesmo aqueles alunos de origem portuguesa que, até pouco tempo atrás, contestavam o interesse de estudar a língua, a história ou a geografia do Brasil e/ou a legitimidade de seus professores brasileiros250, hoje mostram um grande interesse pelo Brasil, a cultura brasileira e o português do Brasil. Mas isto significa também ± e obviamente ± que esse interesse pode desaparecer quando os ventos mercadológicos mudarem de direção...

249

Para uma análise do interesse dos alunos franceses pela cultura brasileira, ver, por exemplo, Lima-Pereira (2008) e Lisboa (2010).

250



Sobre as ambiguidades das relações entre Portugal e Brasil, ver, entre outros, Gomes (1998).

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PORTUGAL. INSTITUTO CAMÕES. (2014) Quem somos: Missão do Camões ± Instituto de Cooperação e da Língua. Disponível em http://www.instituto-camoes.pt/quem-somos/root/sobre-nos/quemsomos (acesso em 25.set.2014). RAMBOURG, M. M. (2009) ³3RUWXJXrV língua estrangeira (PLE): Por uma reflexão sobre o ensino do português na )UDQoD´ Cadernos de Letras da UFF, n° 39, pp. 74-94 (Dossiê: Difusão da Língua Portuguesa). QUINT, A.-M. (2002) ³/H portugais dans les universités IUDQoDLVHV´ Recherches en Anthropologie au Portugal, n° 8, pp. 207-214. Documento on-line, disponível em http://www.persee.fr/web/revues/home/prescript/article/rap_12403474_2002_num_8_1_1176 (acesso em 04.ago.2009). TEYSSIER, P. (1976) Manuel de langue portugaise. Paris: Klincksieck. TEYSSIER, P. (1986) ³/D langue et la littérature portugaises dans O¶HQVHLJQHPHQW universitaire français: passé, présent, DYHQLU´ Actes du colloque sur O¶HQVHLJQHPHQW et O¶H[SDQVLRQ de la littérature portugaise en France. Paris: Fondation Calouste Gulbenkian/Centre Culturel Portugais, pp. 13-20.

        



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/XFDV1DVFLPHQWR É natural de São Pedro do Sul, Estado do Rio Grande do Sul. Nasceu dia 05 de fevereiro de 1986. Segundo filho do casal Glênio Dias do Nascimento e Rosa Jussara do Nascimento. Irmão de André do Nascimento, Felipe do Nascimento e Isadora do Nascimento. Cursou doutorado em Linguagem e Educação pela Universidade de São Paulo (USP). Realizou estágio doutoral pela Stockholm University, em Estocolmo, na Suécia. Sua tese de doutoramento é proposta na articulação da Análise do Discurso e Ensino. Cursou Mestrado em Linguística pela Universidade Federal de São Carlos (2011, UFSCar/SP), Graduação em Letras pelo Centro de Artes, Letras e Comunicação da UNIFRA (2007, Santa Maria/RS) e Magistério pelo Instituto Estadual de Educação Olavo Bilac (2003, Santa Maria/RS), É pesquisador dos seguintes grupos científicos nacionais e internacionais: 9 GEPPEP ± Grupo de Estudos e Pesquisa Produção Escrita e Psicanálise da Universidade de São Paulo (http://paje.fe.usp.br/~geppep/) (http://dgp.cnpq.br/dgp/espelhogrupo/0836536122277046); 9 GETED ± Grupo de Pesquisa em Estudos do Texto e do Discurso da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (http://dgp.cnpq.br/dgp/espelhogrupo/9316291229840077); 9 Rede de Pesquisa em Língua Materna da Stockholm University (Suécia). Tem experiência na área de Linguística e de Educação, com ênfase em Análise do Discurso e Ensino de Língua Portuguesa, focando temas como: linguagem, discurso, produção do conhecimento, políticas de produção escrita, escrita na análise do discurso, metodologia e ensino de leitura e escrita.



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É autor dos seguintes livros: ± Diskursanalyse, Viktimologie und Menschenhandel Marihuana in Brasilien. Alemanha: NEA Editores, 2014. ± Análise do discurso, vitimologia e tráfico de maconha no Brasil. Alemanha: NEA Editores, 2014. ± Análise do Discurso: acontecimento e memória(s) de tráfico. Curitiba: Appris Editora, 2011. É autor de diversos artigos científicos, como: ± A Análise do Discurso no Brasil Hoje: entre heranças, novos destinos, outros limites (Versão Beta, SP, v. 61, 2010); ± Linguística e Discurso? Heranças Epistemológicas e Mudanças Terrenas (Versão Beta, SP, v. 59, 2010); ± Pêcheux & Foucault: Um Olhar Sob o Corpus Jurídico na Análise do Discurso (Linguasagem, SP, v. 11, 2009); ± O Predicado no Discurso Jurídico: Estabilidades e Instabilidades Enunciativas (Linguasagem, SP, v. 7, 2009); ± Estado e Discurso Jurídico: A Defensoria Pública Brasileira Frente ao Processo Crime Tráfico de Drogas (Jus Navigandi, Teresina/PI, v. 13, 2009); É autor dos capítulos de livro: ± Escrita Acadêmica: fantasia ou delírio de si? In: Barzotto, V.; Riolfi, C. Dezescrita. São Paulo: Paulistana, 2014; ± Análise do Discurso & Vitimologia: Memória(s) de Tráfico de Drogas. In: Ribeiro, J.; Machado, J. Linguagem & Discurso: Reflexões Contemporâneas. São Carlos, SP: Pedro e João editores, 2012;



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± Processo Penal: a fala do réu e a voz do outro em Discurso Jurídico de Defensoria Pública Brasileira. In: Colares, V. Linguagem & Direito. Recife: Editora da UFPE, 2010; ± Bakhtin, Pêcheux, Foucault: Diálogos e Resistências no Texto Jurídico Penal Brasileiro. In. Miotello, V. Dialogismo: Olhares, Vozes, Lugares. São Carlos, SP: Pedro & João Editores, 2009.

                       



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$QD/DXUD5LEHLURGD6LOYD É 3HGDJRJDSHOD8QLYHUVLGDGH(VWDGXDO3DXOLVWD³-~OLRGH0HVTXLWD)LOKR´ ± UNESP, Campus de Marília (1999). Mestre em Educação (2004) e Doutoranda em Educação pela mesma Universidade. Experiência na área de Educação como professora da Educação Básica (Educação Infantil e Ensino Fundamental) e na formação de professores atuando nas áreas de Metodologia e Prática da Alfabetização e da Educação Infantil e Metodologia Científica. Produção científica sob seguintes temas: Teoria Histórico-Cultural, Educação Infantil, Pedagogia Freinet, Práticas de Ensino, Desenvolvimento Infantil e Papel da Educação para o Desenvolvimento Infantil.

$PDQGD9DOLHQJR É Professora Adjunta Doutora da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri, MG, dos Cursos de Licenciatura em Pedagogia e Bacharelado em Humanidades. Graduada em Pedagogia pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Campus de Marília (2005). Mestre em Educação (2008) e Doutora em Educação, com estágio em Portugal (2012) pela mesma Universidade. Exerceu atividades de docência nas séries iniciais do Ensino Fundamental na Prefeitura de Mogi das Cruzes, SP, de Vera Cruz, SP e na rede estadual de Ensino do Estado de São Paulo. É pesquisadora colaboradora do Projeto de Pesquisa financiado pela FAPESP: Literatura e Infância: dois municípios em cena e o PNBE (Programa Nacional de Biblioteca na Escola) na formação de crianças leitoras. Participa do grupo NELAS e colabora em projetos de extensão: Cine Mercúrio e PAEJA/UFVJM. Coordena junto Juliana Leal e Priscila Lopes o subprojeto PIBID Interdisciplinar Ler e Ser (UFVJM-Campus JK), envolvendo três áreas de conhecimento: Educação Física, Letras e Pedagogia.

&ODXGLD5RVD5LROIL É professora Livre Docente na Universidade de São Paulo. Psicanalista, coordena o Grupo de Estudos e Pesquisa Produção Escrita e Psicanálise GEPPEP, desde 2004. Atua no Programa de Pós-graduação em Educação da FE/USP. É graduada em Letras pela Universidade de Taubaté (1986), mestre em Linguística Aplicada pela Universidade Estadual de Campinas (1991) e doutora em Linguística pela Universidade Estadual de Campinas (1999). Fez pós-doutorado pela Université Paris 8 Vincennes-Saint-Denis (2010). Co-organizadora de livro sobre Formação de Professores de Língua Portuguesa e Organizadora de livros sobre leitura, escrita e ensino de língua



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portuguesa. Participou ainda da criação e da organização de várias edições do Seminário de Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa da USP. Tem experiência na área de Educação, com ênfase em Métodos e Técnicas de Ensino, atuando principalmente nos seguintes temas: escrita, educação; linguagem; contemporaneidade, psicanálise, ensino-aprendizagem e formação de professores.

&DUROLQD)HUQDQGHV É Professora Adjunta Doutora do curso de Letras da Universidade Federal do Pampa, Campus Bagé (RS). Doutora em Letras pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. É líder do Grupo de Pesquisa Estudos Pecheutianos e, como pesquisadora, participa de outros grupos de pesquisa também registrados no CNPq: Análise do Discurso e Interfaces (UFRGS), Linguagem e Currículo (UNIPAMPA).

&OHULVWRQ,]LGURGRV$QMRV É Professor Assistente Mestre da Universidade Federal de Alagoas (UFAL). Graduado em Pedagogia pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (2004) e Mestre em Educação pela Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (2008). Cursa Doutorado em Educação na UFAL. Tem experiência na área de Educação, atuando principalmente nos seguintes temas: Educação, Educação Infantil, Múltiplas Linguagens e Formação de Professores. É membro do Grupo de 3HVTXLVD ³(GXFDomR H UHODo}HV pWQLFR-UDFLDLV´ QD /LQKD GH 3HVTXLVD ³5HODo}HVpWQLFR-UDFLDLVQD(GXFDomR,QIDQWLO´

'LDQD6FKXOHU É graduada em Letras - Francês e Português pela Universidade de São Paulo (2000). É mestre em European Master in Intercultural Education pela Universidade Livre de Berlim (2004). Atualmente é doutoranda pesquisadora da Universidade de Paris III - Sorbonne Nouvelle e professora da Escola Estadual Européia ´Neues Tor´. Tem experiência na área de Educação, com ênfase em Ensino da língua materna em contexto multicultural, atuando principalmente nos seguintes temas: formação de professores, educação intercultural, alfabetização, ensino de língua materna e ensino de línguas.





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'DQLHOD$ $SDUHFLGD( (XIUiVLR É Professora Adjunta Doutora na Universidade Federal de Alfenas, onde ministra disciplinas de Literatura Infantil, Leitura e Produção de Texto e Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa. Bacharel e licenciada em Letras, nas habilitações Linguística e Português. Graduada em 2003, pela Universidade de São Paulo (USP). Mestre pela Faculdade de Educação da USP, durante os anos 2005 e 2007. Investigou sobre a iniciação à pesquisa na graduação, focalizando as contribuições desta iniciação para a formação do licenciando em Letras. Doutora em Letras, pelo Programa de Filologia e Língua Portuguesa, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP. Realizado entre 2009 e 2014, pesquisou a produção de conhecimento em ensino de Língua Portuguesa. Foi professora de Língua Portuguesa da Educação Básica do Estado e da Prefeitura de São Paulo. Ministrou cursos de formação docente continuada no Estado de São Paulo. Os principais temas de pesquisa são: produção no ensino superior, leitura e produção escrita, ensino de Língua Portuguesa, ensino de literatura e formação de professor.

(OLHX]D$ $SDUHFLGDGH/LPD É Professora Adjunta Doutora na Faculdade de Filosofia e Ciências (FFC) da Universidade Estadual Paulista, Campus de Marília (SP), junto ao Departamento de Didática. É docente do curso de Pedagogia e do Programa de Pós-Graduação em Educação da FFC, Unesp, Marília, SP. Integra o TXDGUR GH DVVHVVRUHV FLHQWtILFRV ³DG KRF´ GD )XQGDomR GH $PSaro à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). Graduada em Pedagogia pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Campus de Marília (1996). Mestre em Educação (2001) e Doutora em Educação (2005) pela mesma Universidade. Tem experiência na área de Educação, com ênfase em Educação Infantil, Formação e Atuação de Professores(as) e Didática. Atua principalmente nos seguintes temas: Formação de Professore(a)s de Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental, Currículo, Planejamento e Avaliação na Educação Infantil, Prática de Ensino, Didática, Educação e Desenvolvimento Infantis sob a perspectiva da Teoria Histórico Cultural, Formação de Leitores e Produtores de Textos. É PHPEUR GRV *UXSRV GH 3HVTXLVD ³,PSOLFDo}HV 3HGDJyJLFDV GD 7HRULD +LVWyULFR &XOWXUDO´ ³*3 )250( )RUPDomR GR (GXFDGRU´ H ³*UXSR GH 3HVTXLVDH(VWXGRVHP(GXFDomR,QIDQWLO´

 



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)DELDQD*LRYDQL É Professora Adjunta Doutora da Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA Campus Bagé/RS). Graduada em Letras Português/espanhol pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Mestre em Educação (Metodologia de Ensino) pela UFSCar e Doutora em Linguística e Língua Portuguesa pela UNESP de Araraquara/SP. Na UNIPAMPA, é coordenadora do subprojeto Letras/2009, vinculado ao Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID)/CAPES e é líder do grupo de pesquisa GEBAP (Grupo de Estudos Bakhtinianos do Pampa). Seus temas de interesse são: ensino/aprendizagem da língua materna, especificamente alfabetização, letramento, gêneros discursivos e produção textual.

 -XFHPDUD$ $QWXQHV É Doutoranda em Educação no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Santa Maria (PPGE/UFSM). Mestre em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Santa Maria - PPGE/UFSM. Especialista em Gestão Educacional - CE/UFSM. Licenciada em Pedagogia pelo Centro Universitário Franciscano - UNIFRA. Coordenadora pedagógica dos eixos Educação de Jovens e Adultos (EJA) e Educação do Campo - Secretaria de Município da Educação (SMEd) de Santa Maria. Supervisora Pedagógica GD(0(,&$,&³/XL]LQKRGH*UDQGL´3URIHVVRUD3HVTXLVDGRUD,GRFXUVR de Pedagogia à Distância ofertado pela UAB/ UFSM. Professora colaboradora do Programa Observatório da Educação, da Coordenação de Aperfeiçoamento de Nível Superior- CAPES/Brasil, no projeto intitulado Interlocuções entre Políticas Públicas e Ações Pedagógicas: limites e possibilidades (Grupo de Pesquisa ELOS). Desenvolvendo pesquisas nos seguintes temas: Políticas Públicas Educacionais, Educação Infantil, Infância, Ensino Fundamental e Educação à Distância.

-XOLR&HVDU0DFKDGR É Coordenador da Pós-Graduação Lato Sensu em Ciências da Linguagem da Faculdade de Passos, da Universidade Estadual de Minas GeraisUEMG. Coordenador do Grupo de Investigações Semânticas e Discursivas - GISD, da Fesp-UEMG. Graduado em Letras pela Universidade de Franca (2005). Especialista em Linguística pela Universidade de Franca (2007). Especialista em Gestão, Inspeção, Supervisão, Coordenação e Orientação pela Faculdade Calafiori (2012). Mestre em Linguística pela Universidade Federal de São Carlos - UFSCar (2010). Doutorando em Linguística pela



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Universidade Federal de São Carlos - UFSCar (2011), com bolsa sanduíche pela École des Hautes Études en Sciences Sociales de Paris, França (20132014). Pesquisador da Unidade de Pesquisa em Estudos Históricos, Políticos e Sociais da Linguagem (Uehposol), sediada na UFSCar; e do Grupo Argumentação, textualidade e espaço de enunciação no estudo de relação entre línguas: modos de funcionamento do político e do acontecimento, sediado na UFSCar. Atua principalmente nos seguintes temas: língua, textualidade, sentido, argumentação, acontecimento, político, enunciação, discurso, educação, gramática, leitura, ensino, material didático, metodologia científica e Literatura Infantil.

/LOLDQH0RUHLUDGRV6DQWRV É Maître de conférences e chefe do departamento de Português da Université de Lille 3 ± Sciences Humaines, Lettres et Arts. Tradutoraintérprete junto ao Tribunal Penal Internacional. Bacharel em Letras ± Português pela Universidade Estadual de Campinas (1986). Licenciada em Letras ± Português pela Universidade Estadual de Campinas (1986). Bacharel em Linguística pela Universidade Estadual de Campinas (1989). Mestre em Linguística pela Universidade Estadual de Campinas (1990). Mestre em Sciences du Langage pela Université de Nancy 2 (1992) e doutora em Sciences du Langage pela Université de Nancy 2 (1996). Tem experiência na área de Linguística, com ênfase em Teoria e Análise Linguística, atuando principalmente nos seguintes temas: oposição, português do Brasil, dêixis temporal e implicatura.

/LYLDQ$SDUHFLGD&RUVL0DFKDGR É graduada em Psicologia pela Universidade de Franca (2010). Tem experiência na área de Psicologia Clínica e institucional. Tem interesse na área de pesquisa.

0DU\$QQH(OLDVVRQ É Professora Adjunta Doutora da Stockholm University, em Estocolmo, Suécia. Autora da pesquisa de doutoramento: Aquisição bilíngue suecoportuguês: a produção do português brasileiro como a língua mais fraca em crianças bilíngues simultâneas em Estocolmo, realizada no Department of Spanish, Portuguese and Latin American Studies, da Stockholm University. Temas de interesse: bilinguismo simultâneo infantile (sueco-português), aquisiçãodo PB, categorias funcionais, concordância verbal, concordância de número e de gênero.



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0DULD&DUROLQD1RJXHLUD)UDQoRLV É Licenciada em Letras Português-Inglês pela Universidade da Amazônia (2005). Especialista em Português Língua Estrangeira pela Universidade Federal do Pará (2009). Bacharel em Português pela Universidade de Lille 3 (2013). Cursa Mestrado em Português pela Universidade de Lille 3. Tem experiência no ensino de Português Língua Estrangeira, área em que concentra suas pesquisas.

0DULD&ODUD1HWR$ $QGHUVVRQ É Professora da Göteborg Folkuniversity e da Escola de Ensino Fundamental Östlyckeskolani, no município de AlingsnV Kommun, na Suécia. Licenciada em Letras, Linguas Portuguesa e Inglesa e Literaturas Brasileira, Portuguesa, Norte-americana e Inglesa pela Universidade Federal de Pernambuco, em Recife, Brasil (1992). Realizou em 1993-1994: Estudo da língua sueca em escola para adultos; em 1995: Curso especial para professores estrangeiros na Universidade de Göteborg, Suécia; em 1996: Eurolta±European Certificate ICC, Certificado Internacional de Professora de PLE nos Países Europeus, em Göteborg; em 2000: Certificado Tisus e Curso Intensivo de sueco, nível universitário na Universidade de Göteborg; em 2003: Lernia - Método da Pedagogia Lernia, Merlin, em Göteborg; em 2006: Complemento dos estudos de Espanhol da UFPE com convalidação dos estudos do Brasil. Em 2006: Certificado de Professora de Português convalidado os estudos da UFPE na Suécia Professora de Língua e Literatura pelo órgão Högeskoleverket. Em 2007: Estudo de Espanhol A e B, pela Universidade de Göteborg. Em 2012: Certificado de Professora de Português e Espanhol oficializado pela Agência Nacional de Educação da Suécia (Skolverket) - Ensino médio e Fundamental na Suécia.

0DULDQD0DtUD$OEXTXHUTXH3HVLUDQL É mestre em Educação pela Faculdade de Educação da USP. Sua pesquisa está inserida na linha de pesquisa Linguagem e Educação, e investiga a constituição do discurso construtivista de em documentos oficiais de referência curricular produzidos nas décadas de 1980 e 1990 no Brasil. Cursou Linguística na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da Universidade de São Paulo (USP), onde realizou pesquisa em nível de iniciação científica sobre a aquisição GRVYHUER³VHU´H³HVWDU´HP Português Brasileiro. Além disso, participou do projeto temático ³'LVFLSOLQDV GD OLFHQFLDWXUDYROWDGDV SDUD RHQVLQRGH /tQJXD3RUWXJXHVD VDEHUHVHSUiWLFDVQDIRUPDomRGRFHQWH´ )DFXOGDGHGH(GXFDomRGD863 



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com o qual colaborou realizando pesquisa em nível de iniciação científica sobre formação de professores de língua portuguesa como língua materna.

0DULVD$VVXQomR7HL[HLUD É Doutora em Educação pela Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (2013). Mestre em Educação pela Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (2008). Graduada e licenciada em Psicologia pela Universidade Paulista (1991). Bacharel em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1985). Participante do Grupo de Estudos e Pesquisas em Avaliação Educacional (GEPAVE) da FEUSP. Psicóloga do quadro de orientação técnica da Secretaria de Educação da Prefeitura do Município de São Bernardo do Campo. Desde 2004, vem atuando com formação continuada de professores do ensino comum, professores de atendimento educacional especializado e coordenadores pedagógicos sobre os temas da educação inclusiva, atendimento educacional especializado em deficiência intelectual e transtorno global do desenvolvimento, avaliação educacional de alunos com necessidades educacionais especiais, aquisição de linguagem, impasses na aquisição da escrita. Atua como orientadora técnica de professores, coordenadores pedagógicos e diretores quanto à avaliação para identificação das necessidades educacionais especiais dos alunos com deficiência, com transtorno global do desenvolvimento ou altas habilidades. Assessora a equipe escolar no planejamento das ações educativas de suporte e no acompanhamento processual dos alunos que estão embaraçados no domínio dos objetivos de aprendizagens das áreas de conhecimento. Professora tutora de EaD, atuando na formação continuada de professores da educação básica (PEB II).

0RDFLU/RSHVGH&DPDUJRV É Professor Adjunto Doutor da Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA Campus Bagé/RS). Graduação em Letras, Português/Francês, pela Universidade Federal de Uberlândia (1995). Mestre em Linguística Aplicada (Língua estrangeira) pela Universidade Estadual de Campinas (2003). Doutor em Linguística também nesta universidade (2007) e pós-doutorado em Humanidades pela Universidade Nacional de Córdoba, Argentina (2008). Tem experiência docente na área de Letras: francês, espanhol, português e literatura em escolas da rede pública (ensino fundamental e médio) e em cursos de formação de professores. Atuo no ensino superior (na área de Letras - graduação e pós-



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graduação). Prioriza os seguintes temas: identidade, ensino de língua estrangeira, literatura latino-americana e gênero social

1DWKDQ%DVWRVGH6RX]D Assinatura Nathan Bastos. É Graduando em Licenciatura em Letras - Línguas Portuguesa, Espanhola e respectivas literaturas pela Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA). eEROVLVWDGH,QLFLDomRj3HVTXLVDQRSURMHWR³%DNKWLQHDHGXFDomRDpWLFD a estética e a cognição constituídas através do estudo dos gêneros do GLVFXUVRHGDVSUiWLFDVGHOHWUDPHQWR V ´FRPEROVDGR&RQVHOKR1DFLRQDO de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Foi bolsista de Iniciação Científica no mesmo projeto com bolsa da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul (FAPERGS), de agosto de 2013 até julho de 2014. Foi bolsista do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID/CAPES), no subprojeto Letras (edital 2009) Língua Portuguesa, de abril de 2012 a julho de 2013. Áreas de interesse: ensino de Língua Portuguesa, literaturas brasileira e latino-americana, teoria Bakhtiniana.

0DUL]D9LHLUDGD6LOYD É Professora Adjunta Doutora da Universidade Católica de Brasília. Graduada em Letras (Licenciatura) pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Uberlândia (1967). Mestre em Linguística pela Universidade de Brasília (1977). Doutora pela Universidade Estadual de Campinas (1998). Pós-doutorado pela École Normale Supérieure Lettres et Sciences Humaines de Lyon/França (2000-2001/2008-2009). Tem experiência na área da Linguística, com ênfase em Análise de Discurso e História das Idéias Linguísticas, atuando principalmente nos seguintes temas: história da alfabetização no Brasil, escolarização da língua nacional, linguagem e subjetividade.

1RUD(VWHOD*RJJL Es Profesora y Licenciada en Ciencias de la Educación por la UBA (Facultad de Filosofía y Letras; 1974-1975), con Diploma de Honor otorgado por la Federación Argentina de Mujeres Universitarias (FAMU± 1975). Se graduó como Especialista en Formación de Formadores (FFyLUBA ± 2000). Y es Magister en Formación de Formadores (FFyl- UBA; 2007).



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Se desempeña como Coordinadora de Talleres de Formación Docente en la Facultad de Derecho (UBA) desde el año 2000. Se desempeña como docente en la formación de grado en el nivel superior no universitario (en Institutos de Formación Docente) en las áreas de Pedagogía y Didáctica. En el nivel universitario, es profesora adjunta de Didáctica y Currículo en el Nivel Medio y Superior en la Universidad Católica Argentina. Es Coordinadora de Proyectos de Pasantías en Institutos de Formación Docente. Se desempeña en el ámbito de la formación docente continua en el nivel universitario: en la formación de tutores para el CBC (UBA) y en la formación de docentes para la enseñanza universitaria (Facultad de Derecho-UBA y Universidad Argentina J.F.Kennedy). Se desempeña en tareas de formación docente -en la modalidad virtual- en el marco de la Maestría en Políticas y Administración de la Educación, de la Universidad Nacional de Tres de Febrero. 5HDOL]D WDUHDV GH LQYHVWLJDFLyQ HQ HO 3URJUDPD ³/D FODVH HVFRODU´ (UBACyT- Instituto de Investigaciones en Ciencias de la Educación; FFyL;UBA, dirigido por la Dra.Marta Souto) desde el año 2004. Se ha desempeñado como formadora en acciones de formación docente continua para el nivel medio y superior, organizadas por las Escuelas ORT, la Universidad Nacional de Salta, la Universidad Nacional del Nordeste, la Universidad Nacional del Sur, desde 1999 hasta la fecha. Se ha desempeñado también como coordinadora de grupos de trabajo de docentes en la Carrera de Especialización en Formación de Formadores (FFyL-UBA; 2005 a 2007); en las Primeras Jornadas de Innovación en la Enseñanza del Derecho (Facultad de Derecho-UBA; 2008) y en las Jornadas Trayectoria y Producción Pedagógica, organizadas por la UBA en el año 2008.

3ULVFLODGD6LOYD6DQWRV É Professora de Educação Infantil na rede municipal de São Paulo. Cursou magistério no extinto CEFAM. Graduada em Letras (Bacharelado e Licenciatura em Português e Linguística) pela Universidade de São Paulo. Mestra em Educação pela Faculdade de Educação da USP. Doutoranda em Educação pela FE-USP. Foi professora no Ensino Fundamental e Médio nas redes pública e privada. Lecionou no curso de graduação em Pedagogia na rede privada de ensino. Sua pesquisa concentra-se no ensino de Língua Portuguesa, na formação de professores e nos estudos sobre currículo.





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5HQDWDGH2OLYHLUD&RVWD É graduada no curso de Letras pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da Universidade de São Paulo (USP), com habilitação em Português e Inglês. Mestra em Educação pela Faculdade de Educação da USP. Doutoranda em Educação pela FE-USP. Membro do GEPPEP-Grupo de Pesquisa Produção Escrita e Psicanálise. Os assuntos sobre os quais estuda são: escrita, ensino e psicanálise. Foi professora das secretarias Estadual e Municipal de Educação de São Paulo, atuando no Ensino Fundamental - Ciclo I e II.

 5RVDQH&DUQHLUR6DUWXUL É Professora Doutora Associada I da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), no Departamento de Administração Escolar, atuando na graduação com as disciplinas: Pesquisa em Educação, Políticas Públicas, Gestão Educacional e Organização Curricular. É professora credenciada na Pós-Graduação de Especialização em Gestão Educacional e no Programa de Pós-Graduação em Educação, do Centro de Educação da UFSM, na Linha de Pesquisa 02: Práticas Escolares e Políticas Públicas. Licenciada em Pedagogia pela Faculdade de Filosofia Ciências e Letras Imaculada Conceição (1984). Pós-graduada em Currículo por Atividades (1986); em Orientação Educacional (1991). Mestre em Educação pela Universidade Federal de Santa Maria (1999). Doutora em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2003). Pósdoutora em Políticas Públicas pela Universidade de Valência - Faculdade de Filosofia e Ciência da Educação, na Espanha, como bolsista CAPES/Fundação Carolina (2010-2011). Tem experiência na área de Educação, tendo atuado na Educação básica por mais de vinte anos. Os principais temas de pesquisa são: currículo, praticas educativas, políticas públicas e formação de professores. Desenvolve projetos de pesquisa voltados para a influência das políticas públicas nas organizações curriculares dos cursos de formação de professores. Líder do Grupo de Pesquisa ELOS. Busca estabelecer a relação teoria e prática entre as instituições formadoras no Brasil, Argentina e Espanha a partir do Acordo de Cooperação Técnica- científica e cultural com a UFSM, sob sua coordenação. Participante do Grupo de Pesquisa de Formação de Professores para o Mercosul/Conesul, vinculado à UFRGS. Coordenadora do Subprojeto PIBID na área de Pedagogia na UFSM. Coordenadora do Projeto de Pesquisa do Observatório da Educação, Edital 2012. Coordena o Curso de Especialização em Gestão Educacional do Centro de Educação/UFSM.



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6HOPD6DQWRVGH6RX]D0LODQR É Pedagoga pela Universidade Regional da Campanha. Especialista em Linguagem e Docência pela Universidade Federal do Pampa (Campus Bagé, RS). Tem experiência na área da Educação por meio de trabalhos desenvolvidos com crianças em dificuldade de aprendizagem. Participa do Grupo de Pesquisa Linguagem e Currículo (UNIPAMPA).

6KHLOD2OLYHLUD/LPD É Professora Adjunta Doutora no Departamento de Letras Vernáculas e Clássicas do Centro de Ciências Humanas da Universidade Estadual de Londrina. Graduada e Licenciada em Letras (1994). Mestre em Teoria Literária e Literatura Comparada (2001) e Doutora em Linguagem e Educação pela Universidade de São Paulo (2006). Tem experiência na área de Educação, com ênfase em Linguagem, atuando principalmente nos seguintes temas: leitura, alfabetização, letramento, oralidade, literatura.

8UEDQR&DYDOFDQWH)LOKR É Docente de Língua Portuguesa do Instituto Federal da Bahia ± IFBA Campus Ilhéus. Doutorando em Letras pelo Programa de Filologia e Língua Portuguesa da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP). Mestre em Letras: Linguagens e Representações e Mestre em Cultura e Turismo pela Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC). Especialista em Leitura e Produção Textual e Graduado em Letras pela mesma instituição. Pesquisador do Grupo de Estudos do Discurso da USP (GEDUSP/CNPq) e membro pesquisador associado à ABRALIN (Associação Brasileira de Linguística); ao BRASA (Brazilian Studies Association), ao GEL (Grupo de Estudos Linguísticos do Estado de São Paulo), à ALED (Associação Latino-Americana de Estudos do Discurso), ao CIFEFIL (Círculo Fluminense de Estudos Filológicos e Linguísticos) e ao GED (Grupo de Estudos Discursivos da UNESP).

9DOGLU+HLWRU%DU]RWWR É Professor Livre Docente da Faculdade de Educação da USP, onde ministra as disciplinas Metodologia do Ensino de Português, Metodologia do Ensino de Linguística e Leitura e Produção de Textos. Atua no Programa de Pós-Graduação em Educação da FE/USP e de Pós-Graduação em Filologia e Língua Portuguesa da FFLCH/USP.



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Pós-doutor pela Universidade Paris 8, Laboratoire d études romanes, na Équipe de linguistique des langues romanes, Approches comparatives des langues romanes: discours, lexique, grammaire (2010) - bolsa FAPESP. Doutor em Linguística pela Universidade Estadual de Campinas (1998) - bolsa CAPES, com estágio na École des Hautes Études en Sciences Sociales (Paris - França, 1996-1997) - bolsa CNPq. Mestre em Linguística pela Universidade Estadual de Campinas (1992) - bolsa CAPES. Especialista em Metodologia e Prática do Ensino de Língua Portuguesa pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná (1988). Graduado em Letras pela Universidade Federal do Paraná (1986). Com bolsa de Recém-Doutor desenvolveu projeto de pesquisa em continuação aos estudos desenvolvidos no doutorado e atuou como docente na Graduação e no Programa de Pós-Graduação em Linguística e Língua Portuguesa da Faculdade de Ciências e Letras da UNESP, campus de Araraquara. É coordenador pela FE/USP do projeto Disciplinas da Licenciatura voltadas para o ensino de Língua Portuguesa PROCAD-NF/CAPES, desenvolvido em parceria com a UFMA e a UERN. Organizador dos livros sobre leitura, escrita e ensino de língua portuguesa. É presidente de honra da ANPGL (Associação Nacional de Pesquisa na Graduação em Letras), entidade que organiza o FALE (Fórum Acadêmico de Letras), do qual foi um dos criadores. Participou ainda da criação e da organização de várias edições do Seminário de Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa da USP, bem como da coordenação de edições do COLE (Congresso de Leitura do Brasil) como membro da diretoria da Associação de Leitura do Brasil-ALB, entidade que o promove. É co-coordenador do Grupo de Estudos e Pesquisa Produção Escrita e Psicanálise: GEPPEP.

        



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