Leitura e pós-modernidade: um caminho de estudos.

June 7, 2017 | Autor: Magna Campos | Categoria: Education, Análisis del Discurso, Post-modernism, Leitura, Leitura e Produção de Textos, Escrita
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Magna Campos CAMPOS,Magna. Leitura e pós-modernidade: um caminho de estudos. In: _____.Leitura e escrita: nuances discursivo-culturais. 2.ed. rev. ampl. Mariana:

Aldrava, 2012.

5 – Leit ur a e pós-moder ni dade: um caminho de est udos35

Na era da pós-modernidade, também chamada de modernidade líquida, a velocidade e a mobilidade tornam-se os novos mecanismos de poder-fazer, isso porque, com o surgimento do espaço digital, o fluxo de signos apresenta-se muito mais fluido, emergindo e submergindo a um toque dos dedos nas telas ou nas teclas dos computadores, netbooks, notebooks, tablets, celular es etc.. Os sistemas de significação e suas linguagens estão submetidos aos imperativos sociocultur ais de nosso tempo, nos quais a velocidade, as incertezas e as transitoriedades atravessam-lhes intensa e repetidamente; bem como atravessam os sujeitos, uma vez que somos, pelo entendimento dos estudos discursivos, essencialmente constituídos pela/ na força produtora da(s) linguagem(ns), nas práticas sociais. Assim, a linguagem é o meio entre o sujeito e o mundo, a perspectiva pela qual o sujeito olha, constrói e intervém sobre o mundo. Constituir-se na/ pela linguagem é “penetrar a discursividade e deixar-se penetrar por ela, constituir-se do, pelo e no outro, pela cultura do outro, pelo ‘estranhamento familiar’ e pelo ‘propriamente impróprio’” (CORACINI, 2006, p.196). Situado no entremeio, no in between, entre a modernidade e a pós-modernidade (HALL, 2000), ou entre a modernidade sólida e a modernidade líquida (BAUMAN, 2001) – já que quando surge uma nova er a ou uma nova faceta de 35

Texto originalmente publicado, em uma versão mais enxuta, na Revista Presença Pedagógica, n. 106, da Editora Dimensão. 79

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uma era, esta ainda convive por longo tempo com a anterior, ainda que essa convivência seja permeada de tensão – nesse entremeio, o sujeito-leitor produz sentidos diferentes a cada momento, mergulhado nos fios do interdiscurso e da pluralidade de vozes, para (e diante) de antigas e de novas textualidades. Sujeito esse que também é significado por elas, pois de certa maneira as novas textualidades, sejam digitais ou analógicas, propõem continuamente subjetividades cada vez mais moventes para seus interlocutores. A leitura está submetida a modos e efeitos de leitura de cada época e segmento social. Por isso, o contexto social é importante na ação da leitura não por determinar, mas por influenciar o que poderíamos entender como uma coprodução de sentidos operada na relação entre o sujeito-leitor e o sujeito-autor mediada pelo texto. Entendemos que esse contexto não se presta somente a ser pano de fundo para o sentido, mas participa de sua constituição, historicizando-o, situando-o. E, no mesmo alinhamento, entendemos que o sujeito-leitor é aquele que produz sua leitura a partir de sua inscrição nessa dinâmica, como sujeito social. Pois não é só quem escr eve que produz sentidos, quem lê também produz sentidos e em condições de produção específicas. E, ao professor, como um dos sujeitos sociais, se lhe apresenta um novo desafio: como sujeito imerso e inscrito nesse entremeio, é preciso desenvolver, ou melhor , aprender a ler “de uma maneira nova” e aprender cada vez com mais velocidade, saltando de um texto a outro, formando combinações hipertextuais cada vez mais “moventes”, mais “fluídas”. Em uma era em que, graças ao aumento vertiginoso de textos/ informações disponíveis, trama-se ainda mais, a intertextualidade, o que, por sua vez, faz expandir consideravelmente o co-texto com o qual lemos. Dessa forma, o estudo da leitura precisa, portanto, estar afinado com esse contexto sociocultural mais amplo, considerando os sujeitos – autor/ leitor – e o texto resultantes da tensão entre a modernidade e pós-modernidade, uma configuração perpassada pelas Tecnologias de Informação e 80

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de Comunicação (TICs). E é esta leitura da textualidade digital, mediada pelo espaço virtual, que será pensada exploratoriamente aqui. Para esse estudo, a leitura precisa ser considerada em um duplo processo de constituição. Pode ser considerada como um processo discursivo – sócio, histórico, cultural e ideologicamente constituído – assim sendo, um processo essencialmente interpretativo, um momento crítico da relação entre autor/ leitor/ texto mediados pelas condições de produção da leitura. Nessa perspectiva, o texto não figura constitutivamente como uma unidade linear de sentidos organizados pelo autor para a leitura, pois na acepção aqui encampada, ainda que o texto apresente um sistema de endereçamento, ao ler, o leitor toma caminhos múltiplos, não controláveis inteiramente pelo autor. Além disso, o leitor atua efetivamente como um coautor, na medida em que toda leitura, por si, configura um novo texto, um novo gesto de interpretação e de reconstrução da textualidade. A leitura, vista como interpretação, não trataria mais, tal como queriam alguns teóricos que menosprezam o caráter sócio-histórico do texto e dos sentidos, de perseguir sua unidade ilusória, e sim de “amarrotá-lo, recortá-lo, pulverizá-lo, distribuí-lo segundo critérios que escapam ao nosso consciente” (CORACINI, 2005, p.250). Portanto, ler, compreender, interpretar ou produzir sentidos “é uma questão de ângulo, de percepção, ou de posição enunciativa” (idem, p. 25). Interpretar, na perspectiva discursiva, não é apreender um sentido existente a priori, mas produzir sentidos. Sentidos que não estão livres de limitações e influências. Sentidos que podem ser plurais, mas não qualquer um, já que estão perpassados, como nos diz Orlandi (1996), tanto pela memória institucionalizada quanto pela memória constitutiva, esta última formada pelo interdiscurso, pelo dizível, pelo repetível. E, já que é o espaço virtual que agencia boa parte das novas textualidades, a leitura também pode ser considerada 81

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como um processo virtual, o que implica considerarem-se a sintaxe das linguagens digitalizadas e as maneiras de se nela penetrar como importantes para a produção de sentidos. Um processo virtual mediado pela própria virtualidade proporcionada pelas TICs, num (ciber)espaço que significa e tem materialidade. O sinal digital, cuja expressão mais visível encontrase na internet, fluidifica espaços e bits e os transmite em questões de milésimos de segundo, tornando-se o exemplo máximo da inexorabilidade do espaço e da presencialidade do agora em nossas vidas, na pós-modernidade. Sinal este que não fica mais restrito ao espaço físico da casa ou do trabalho, mas que nos acompanha nos celulares, nos tablets, nos netbooks e notebooks etc.. E nós figuramos como sujeitos intercambiantes estabelecendo conexões sucessivas na tentativa de implodir o espaço e de liber armo-nos do tempo, já que tudo é tão fugaz, transitório, múltiplo, fragmentado e de confins fluidos. A ideia da imobilidade e da incomunicabilidade atormenta-nos. Mas os meios – tome-se como exemplo as novas TICs – não são fontes de inovações em si, mas mediações entre novas práticas de comunicação – acr escentamos, e de informação – e transformações sociais (MARTÍN-BARBERO, 2001). Esse conceito de mediação nos ajuda a pensar que tecnologia e cultura não estão postas como instâncias isoladas e estáticas que se refletem, mas como dinâmicas que se influenciam mutuamente. E ainda, pressupõe a cultura como algo que se transforma constantemente nos e através dos meios. Isso porque “a mediação primeira não vem das mídias, mas dos signos, linguagem e pensamento, que elas veiculam” (SANTAELLA, [1992] 2000, apud SANTAELLA, 2003, p.116-117) e complementamos que elas produzem. Nessa perspectiva de mutualidade entre cultura e TICs, está subtendida, não se pode negar, a relação intercambiante entre sujeito-linguagem (pois ao se dizer o sujeito se diz), entre sujeito-mundo (ao representar ele se representa) e entre sujeito-sentido (ao significar ele se significa/ ao 82

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ler o sujeito se lê), envoltos e movimentando-se no limite da ambivalência pós-moderna, que funde o velho e o novo, imbricando-os e interpenetrando-se de tal maneira que faz surgir um híbrido que não é um ou outro, mas um e outro ao mesmo tempo, imiscuído numa linguagem líquida e movente. Pois como salienta Santaella, Embora cada tipo de formação cultural tenha traços específicos que diferenciam uma formação cultural nova ela não leva a anterior ao desaparecimento. Pelo contrário, elas de mesclam, interpenetram-se. [...]. A internet depende da escrita [...]. Assim, todas as formas de cultura, desde a cultura or al até a cibercultura hoje coexistem, convivem e sincronizam-se na constituição de uma trama cultural hipercomplexa e híbrida. (SANTAELLA, 2007, p.128) Mas, É certo que, em cada período histórico, a cultura fica sob o domínio da técnica ou da tecnologia de comunicação [e de informação] mais recentes. Apesar da coexistência e das misturas entre todas as formações cultur ais, as mídias mais recentes acabam por sobressair em relação às demais. (SANTAELLA, 2007, p.130)

Veja-se o caso dos jornais impressos, que vêm incorporando alterações no layout, na linguagem, no tamanho das matérias, na “sintaxe” de composição dos textos, inserindo infográficos e mais imagens, por influência do jornal on-line da terceira geração, vazado pela instantaneidade e pela mo83

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bilidade. Ao passo que o jornal on-line obviamente se formou com muitas características advindas do jornal impresso. Nesse imbricamento, os dois formatos de jornal passam a ser híbridos de um e outro ao mesmo tempo. Ou ainda o caso do imbricamento entre o privado e o público possibilitado pelo Facebook, por exemplo, no qual ainda que o sujeito “esteja público”, faz dele um uso particular, um “seu particular”, o que o retira da esfera do ou isso ou aquilo (ou público ou privado), dicotomizados, e leva àquela do isso e aquilo, hibridizados (público e privado). Tentar compreender essa dinâmica significa, especialmente, para o professor que atua na educação básica, já que além de lidar com seu próprio aprendizado, precisa mediar/ ensinar, apontar caminhos, para alunos imersos no nas teias das TICs, pensar que diante da tela – espaço virtual – o sujeito-leitor (aluno) diz e se diz, representa e é representado, produz sentidos e é significado, transformado, ele mesmo, em um elemento constitutivo deste espaço. O espaço da simultaneidade! Além disso, dentre os imperativos socioculturais, mencionados no início, é possível visualizar, apoiando-nos em Bauman (1999), a tecnologia digital, proporcionadora dos softwares que criam o espaço virtual, como mais uma fonte de consumo. Isso porque a conexão através da internet intensificou a possibilidade de consumir e deslocou sua ênfase dos bens materiais para o consumo de informação. Grande quantidade de informação é consumida instantaneamente e a custos baixos, independentemente do local onde é gerada ou recebida. Então, podemos depreender , a partir dessa consideração, que adentrar o universo digital, é consumir além de bens materiais representados pelos artefatos técnicos, hardware, como por exemplo, dispositivos digitais (computadores, notebooks, netbooks, tablets, celulares etc..) e meios de conexão à r ede de internet; também os bens simbólicos representados por livros, jornais e revistas digitais, softwares, websites, bancos de dados, enciclopédias on-line,

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serviços de compras, twitter, orkut, facebook e muitos outros, tudo isso enredados no formato de “informação”. Parece-nos assim que, se tomarmos a tecnologia no sentido de mediadora, podemos chegar à noção de que o consumo das novas TICs – seja ele em forma material ou simbólica – ou de seu discurso, é uma espécie de produção da inclusão digital, e, por conseguinte, de produção do sujeito-leitor-tecnológico. Isso porque, conforme propõe Santaella (2003), a relação da cultura contemporânea, mediada pelas novas TICs, com a linguagem, agencia a constituição de novas posições para o sujeito, isto é, novos lugar es na rede da comunicação, e acrescentamos, da interação social. Essas novas formas de subjetivação na era digital reclamam por novos olhares. Talvez esse sujeito-leitor-tecnológico pudesse ser considerado como uma interface do sujeito-leitor tradicional, já que as linguagens digitalizadas deixam entrever um sujeito permeado pela alteridade discursiva e pelo saber mover-se nas conexões hipertextuais. Neste caso, o professor teria um papel fundamental: aquele de orientar o consumo de informações úteis à formação de um leitor capaz de usálas para melhorar e ampliar a qualidade da leitura produzida, e de servir aos propósitos de uma leitura menos superficial. De mediar a formação das intertextualidades, capazes de ancorar os processos de leitura, cuidando para que os alunos usem produtivamente a ligação entre os links, auxiliando-os, na medida do possível, a não se perderem, o que é muito fácil, no emaranhado de fios da rede. Já que, nem ao professor, é dado visualizar a rede de cima, mas somente imiscuído nas rotas internas dos links, da hipertextualidade, pois se trata de um ambiente movediço. Nesse espaço virtual, o sujeito-leitor-tecnológico guiado tanto pelo processo discursivo quanto pelo virtual, depara-se com um fluxo de textos (informação) inimaginável até há algum tempo, como pode ser ilustrado por uma pequena observação das atualizações da entrada de notícias nos portais de informação on-line. Escolhemos um desses 85

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portais para tentar materializar essa proposição e realizamos uma pequena amostragem feita em data e hora aleatórias, mas que servem perfeitamente ao propósito ilustrativo pressuposto. Veja-se abaixo: No portal do G1, pertencente à Globo.com, especialmente na parte dedicada ao jornalismo “escrito”, no box hipertextual denominado “notícias”, que tomamos como exemplo, notamos que o intervalo de entrada de um novo texto de notícia é muito pequeno, a julgar pelos 60 minutos que tomamos como r eferência para observar as atualizações nesse portal. Contabilizamos, no dia 29 de outubro de 2011, no intervalo entre as 14 e 15h, a entrada de 36 notícias de temáticas diversas, o que nos dá uma média de 1,7 minutos de intervalo para cada nova entrada, uma verdadeira celebração à efemeridade do presente. Entendemos que essa velocidade reporta à ideia de conexão em tempo real, ou seja, o fluxo de informação contínuo e quase instantâneo, no qual o tempo que importa é o agor a, ou melhor, fr agmentos de agora que transitam no ciberespaço, independente do local em que o fato noticiado ocorre, se local ou global, já que a internet traz a possibilidade de a informação viajar através do mundo em frações de segundo. Assim, encontramos nesse fato um exemplo da liquefação, de que nos fala Bauman (2001), das relações entre tempo e espaço, proporcionada pelas novas TICs. O movimento perpétuo, a liquidez fugidia que não se per mite fixar, pausar. E se há liquidez, é porque há movimento, de todos os tipos. Como afirma o próprio autor, o lugar , na modernidade líquida, perdeu sua fixidez de antes, sua estabilidade, buscando rochas, as âncoras encontram areias movediças. Abrese ao sujeito-leitor-tecnológico a encenação da transterritorialidade e traz a possibilidade de jogar com ela até o limite da dissolução. Dissolução essa que também é pensada por Kerckhove ao propor que o hipertexto digital não implica simplesmente

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‘um texto que está ligado a outros textos’, ele realmente circunda todo o mundo da comunicação eletrônica em um processo de armazenamento permanente de informação. Ao mesmo tempo, o hipertexto introduz as mentes dos usuários às telas, interconectando-os e os acelerando em r edes. Qualquer um que esteja on-line é, de fato, parte de um hipertexto mundial. (KERCKHOVE, 2003, p.9) grifo nosso

Isso significa que ao lermos no espaço virtual, somos também uma espécie de link, que se coaduna à sintaxe digital do hipertexto, entendido como sendo um conjunto de singularidades textuais – verbal ou não verbal – que se interconectam por meio de links. Processo de “linkagem” pessoal que tem se insinuado à percepção prática nas redes sociais, como no twitter, orkut e no facebook. Em alguns casos, inclusive, é dado a saber aos demais participantes on-line que “fulano está on-line”, acabou de se “linkar”. Além disso, muitos desses sistemas hipertextuais não são apenas sistemas de circulação de informação, são sistemas colaborativos de produção que vinculam os sujeitos a seus dizeres; configurando assim, com já dito, novas condições de produção tanto do texto e da leitura, quanto do próprio leitor. No entanto, não podemos enxergar o consumo de informação – já que estamos tomando a leitura não apenas como um processo virtual, mas também como um processo discursivo – uma atividade pacífica e passiva por parte de um sujeito higienizado de todo seu entorno sócio-histórico e cultural. Por isso, tentamos mostrar a importância do mediador-professor para ajudar a “constituir” sujeito-leitortecnológico, de fato. Isso quer dizer, que entendemos que esse sujeito estará no/ em constante fluxo de informação, não apenas a recebendo e absorvendo-a, mas lendo-a, reelaborando-a singularmente, interpretando-a, em uma negociação 87

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