LEITURA, ESCOLA E CIDADANIA: UMA ABORDAGEM A PARTIR DOS PROGRAMAS DE AVALIAÇÃO EXTERNA EM LARGA ESCALA

May 20, 2017 | Autor: Jean Márcio Oliveira | Categoria: Leitura, Cidadania, Escola, Avaliação Externa
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LEITURA, ESCOLA E CIDADANIA: UMA ABORDAGEM A PARTIR DOS PROGRAMAS DE AVALIAÇÃO EXTERNA EM LARGA ESCALA

Jean Márcio de Oliveira [email protected]

RESUMO: Este artigo tem o objetivo de fazer uma discussão teórica a respeito da relação entre língua, escola e cidadania, a partir das principais concepções do trabalho com a leitura no contexto escolar. No segundo momento, é apresentada a situação da leitura no Brasil, segundo dados dos principais programas de avaliação externa, a exemplo do Pisa, da Prova Brasil e do Avalie. Os dados são analisados e comparados entre si, revelando que, em ambos, a proficiência em leitura está em um nível abaixo do esperado, tanto na esfera nacional, estadual e local, através da discussão de dados de uma escola rede pública estadual da Bahia. Os resultados apontam para um dos problemas que a falta de proficiência em leitura acarreta, tanto no ambiente escolar como na vida em sociedade. PALAVRAS-CHAVE: leitura; escola; cidadania; avaliação externa.

ABSTRACT: This article aims to make a theoretical discussion about the relationship between language, school and citizenship, from the main conceptions of work and reading in the school context. In the second phase, the reading of the situation in Brazil is presented, according to data from the major external evaluation programs, such as the Pisa, Prova Brazil and Avalie. The data are analyzed and compared, revealing that in both reading proficiency is at a level lower than expected, both in national, state and local level, by discussing data from a state public school Bahia. The results point to one of the problems that the lack of reading proficiency brings, both at school and in society. KEY-WORDS: reading; school; citizenship; external avaluate;

INTRODUÇÃO

Há muito tempo que a leitura tem sido objeto de estudo de diversos trabalhos acadêmicos em todo mundo e, especificamente, no Brasil. O foco nessa temática tem aumentado nos últimos anos em consequência dos resultados apresentados por órgãos que avaliam o nível de proficiência em leitura dos cidadãos brasileiros, de modo especial, dos estudantes de todo país. É certo que os objetivos dos trabalhos produzidos sobre leitura são muito diversificados, porém, geralmente, atrelada à leitura, estão questões relativas à escola, à língua e à cidadania. São conceitos que caminham juntos, pelo fato de ser a leitura o suporte linguístico que é prioritário na escola, vista como principal veículo de conhecimento, bem como um dos instrumentos de acesso à cidadania. É a concepção de língua que determina a maneira como a leitura é trabalhada na escola e, consequentemente, o que define o tipo de leitor e de cidadão que pode ser formado. O objetivo desse artigo é, de modo geral, discutir a relação entre língua, escola e cidadania, apresentando as principais concepções e referenciais teóricos. De modo específico, o trabalho apresenta e analisa dados sobre leitura, divulgados pelos principais programas de avaliação da leitura, tanto de natureza nacional, de caráter internacional e na esfera estadual. O Pisa apresenta o lugar em que o Brasil ocupa no que se refere à proficiência em leitura, em comparação com outros países; a Prova Brasil levanta dados sobre a qualidade do ensino da leitura nas escolas brasileiras; o Avalie, por sua vez, trata de dados exclusivos da rede pública estadual da Bahia. A metodologia aqui adotada pauta-se na concepção de pesquisa qualitativa, em sua primeira parte, através do levantamento de conceitos e concepções a respeito da leitura, de língua e sociedade, relacionando-os com o trabalho desenvolvido na escola brasileira. No segundo momento, o trabalho assume um caráter quantitativo, quando apresente e discute dados relacionados à temática estudada, a partir dos programas de avaliação externa, de larga escala. Este trabalho se justifica pelo fato de a leitura ser, ainda, um problema brasileiro, que precisa ser discutido, analisado e, principalmente, ter uma melhor atenção por parte das escolas em todo país, uma vez que estamos vivendo um momento que exige que se forme alunos reflexivos, críticos e atuantes na sociedade. Essa formação, portanto, é facilitada através da leitura.

1. ESCOLA, LEITURA E CIDADANIA

É consensual e, ainda atual, a ideia de que o desenvolvimento de qualquer país perpassa, necessariamente, pela qualidade da educação de seu povo. É através dela que os indivíduos se tornam cidadãos, ou seja, pessoas capazes de acessar informações, analisar situações, fazer escolhas e, principalmente, desfrutar dos bens culturais existentes. No entanto, sabe-se que, no Brasil, apenas uma pequena parcela da população possui os requisitos da cidadania e que a escola brasileira não tem cumprido integralmente com o seu papel de formar esses cidadãos. Dentre os principais entraves que impedem o avanço educacional do país, a exemplo da má formação de professores, os baixos salários, a falta de investimentos em infraestrutura, ausência de recursos tecnológicos etc., um fator, contudo, se destaca: o baixo nível das habilidades de leitura e de expressão dos estudantes brasileiros. Segundo Azeredo (2007), esse fato vem se tornando consenso entre os estudiosos, uma vez que as habilidades de leitura e expressão “são requisitos essenciais ao êxito escolar dos alunos, pois elas alicerçam e alimentam continuamente o crescimento educacional e cultural das sociedades” (AZEREDO, 2007, p.31). Essas habilidades são imprescindíveis para o desenvolvimento da educação e para o sucesso escolar dos estudantes. Ler e expressar-se criticamente, seja de forma oral ou através da escrita, é fundamental para o exercício da cidadania e, aqui, a escola tem papel relevante nessa formação, quando propicia as condições necessárias para o desenvolvimento do potencial linguístico, cognitivo e comunicativo de seus alunos, o que contribui diretamente para o engajamento e o sucesso social dos educandos. Como se sabe, esse potencial do aluno é desenvolvido, em maior proporção, através da leitura, uma vez que ela é a fonte de informações, de conteúdos e principal recurso pedagógico aplicado na escola, isto é, a maior parte do tempo de aula é dedicada a atividades que envolvem a leitura, em todas as modalidades de ensino. Dessa forma, cabe à escola formar leitores competentes, ou seja, capazes de extrapolar a decodificação do texto e apreender os seus sentidos. Quando o aluno

tem dificuldades em leitura, ele se frustra e se desanima, uma vez que o sucesso nas demais disciplinas também está atrelado às habilidades de leitura. Assim, cabe ao professor desenvolver atividades de leituras significativas, visando formar o leitor crítico, “capaz de ler o implícito de um texto, refletir sobre o pensamento do autor e as estratégias utilizadas por ele para desenvolver seu raciocínio” (BORTONE, 2012, p.05). De acordo com Antunes (2005), quando o aluno sai da escola com dificuldades em leitura, ele parte para a sociedade com a sensação de que é deficiente linguisticamente, que não tem capacidade e, acima de tudo, que é “inferior, não podendo, portanto, tomar a palavra ou ter voz para fazer valer os seus direitos, para participar ativa e criticamente daquilo que acontece a sua volta” (ANTUNES, 2003, p.20). Para a autora, o aluno que sai da escola nessas condições não se sentirá capaz de participar das decisões em seu ambiente de vida, ficando, portanto, à margem da construção da sociedade. Assim, à unidade educativa cabe oportunizar aos estudantes a formação cidadã com vistas a uma atuação crítica e autônoma na sociedade atual. Aqueles que não se adequam a esse contexto são excluídos. A relevância de um trabalho voltado para a inclusão faz parte da função da escola. A leitura e a escrita são ferramentas imprescindíveis nesse processo uma vez que estão intimamente ligadas ao conhecimento de mundo. Ser um bom leitor significa perceber o caráter utilitário do ato de ler, compreender a diversidade de funções da leitura e da escrita como forma de apropriação dos bens culturais, atendendo, assim, a demanda da sociedade. É, portanto, dever da escola mediar o trabalho com a linguagem mostrando que a língua é o suporte de uma dinâmica social, e o principal código utilizado pelo homem em sua vida social. A comunicação faz parte de nossas vidas, seja na oralidade ou na escrita. É necessário que esteja adequada à situação e a uma finalidade. Nesse sentido, a leitura oportuniza o acesso aos conhecimentos construídos pela humanidade ao longo dos tempos. Por meio dela, desenvolve-se a compreensão, a comunicação e o senso crítico. Favorece, portanto, o exercício da cidadania e a transformação da realidade. A pessoa que não consegue interpretar um texto, ler com desenvoltura, escrever diferentes gêneros textuais permanece excluída da sociedade competitiva, que acaba absorvendo aqueles que se destacam, por terem tido oportunidade a uma educação com mais qualidade.

No entanto, no que diz respeito à qualidade, a escola brasileira vem, há muito tempo, deixando a desejar na formação de estudantes proficientes em leitura e produção textual. Segundo Maia (2007), fala-se em uma “crise da leitura” desde a década de 70, cujo tema tem sido objeto de estudo de vários autores da educação brasileira1, mas a situação da leitura no Brasil ainda requer atenção. De acordo com Platão & Fiorin (2011),

É consensual o reconhecimento de que a escola brasileira não tem cumprido satisfatoriamente o compromisso de ensinar o aluno a compreender e produzir textos com proficiência. Ao final de oito anos de ensino fundamental e três anos de ensino médio, o estudante não tem se mostrado capaz de extrair do texto os sentidos que ele transporta nem de redigir textos que produzam o resultado planejado (PLATÃO & FIORIN, 2011, p.05).

Para os autores, essa situação compromete os objetivos da educação de qualquer país, que são: a preparação para o mundo do trabalho, para o exercício da cidadania e para a autonomia do aprendizado. Desta forma, a escola brasileira deve ter como prioridade formar leitores e produtores de textos competentes, uma vez que “a capacidade de compreender textos com autonomia é indispensável para acompanhar os constantes e rápidos avanços do conhecimento, sem o que não há possibilidade de exercício competente da profissão” (PLATÃO & FIORIN, 2011, p.22). Além disso, Platão & Fiorin destacam ainda que a produção de textos “é condição necessária para quem deseja ter participação ativa nas diversas esferas de atividade da vida em sociedade” (idem). De acordo com Antunes (2003), as causas da deficiência em leitura podem ser de ordem externa à escola, mas ela enquanto instituição social, como qualquer outra, “reflete condições gerais da vida da comunidade em que está inserida” (ANTUNES, 2003, p.20). Mas a autora também concorda que a qualidade do ensino e o desempenho em leitura também é condicionada por fatores internos à própria escola. Dentre esses fatores, Antunes destaca que o fracasso no ensino da leitura pode estar relacionado à forma como as atividades ainda são desenvolvidas na sala de aula, descrevendo-as, como:

Uma atividade de leitura centrada nas habilidades mecânicas de decodificação da escrita; b) uma atividade de leitura sem interesse, sem função, desvinculada dos diferentes usos sociais; c) uma atividade de leitura puramente escolar, sem gosto, sem prazer, convertida em momento de treino, avaliação ou para futuras cobranças; d) uma atividade de leitura cuja interpretação se limita a recuperar os elementos literais e explícitos presentes na superfície do texto; e) uma atividade incapaz de suscitar no aluno a compreensão das múltiplas funções sociais da leitura (ANTUNES, 2003, págs. 27-28).

Daí a importância do trabalho com a leitura na escola. É o tipo de concepção que é seguido e a forma como a ela é trabalhada no contexto escolar que vai definir o tipo de leitor que será formado, ao longo de toda educação básica. O percurso educativo percorrido pelo estudante, das séries iniciais ao ensino médio, contribuirá, necessariamente, para se configurar na qualidade do cidadão e da cidadã que sairá da escola. A depender do foco pedagógico que é dada à leitura no ambiente escolar é que se estará formando leitores críticos e ativos na sociedade ou passivos e alienados, diante da realidade social de cada estudante, principalmente, se estarão preparados para agir de forma consciente e questionar essa realidade na qual estão inseridos, ou aceitá-la tal como se constitui. Agora, de acordo com Maia (2007, p.20), “todo trabalho com leitura traz subjacente uma concepção de linguagem que ilumina essa prática”. Isso significa que as atividades de leitura desenvolvidas na escola estão relacionadas à concepção de língua que é adotada em cada unidade escolar ou, de forma coletiva, em todas as escolas de uma determinada rede de ensino. Sabe-se, no entanto, que a rede particular de ensino, de modo geral, adota um sistema cujo material didático é distribuído em cada escola adotante, tendo a concepção de língua já definida, o que norteará todo o trabalho em sala de aula. Na rede pública, por outro lado, devido à flexibilidade de adoção de obras diferentes, através do Programa Nacional do Livro Didático, cada escola pode seguir livros diferentes e autores que seguem concepções de língua também diversificadas.

2. CONCEPÇÕES DE LÍNGUA E TRABALHO COM A LEITURA

2.1 A abordagem estruturalista

Na concepção estruturalista, a língua é o princípio básico de estudo, o qual se dá a partir de a partir de unidades organizadas, que constituem, dessa forma, um sistema (estrutura). Assim, o estruturalismo, de acordo com Maia (2007, p.48), “concede, a cada elemento da língua, um valor, dependendo da relação que estabelece com o todo, quer dizer, a unidade linguística define-se pela posição que ocupa na rede de relações que constitui o sistema linguístico”. Para Orlandi (2001a apud MAIA, 2007, p.49), nessa perspectiva, a língua é vista como um sistema fechado em si mesmo, não sendo considerados os aspectos históricos e sociais dos sujeitos que a utilizam. Dessa forma, o que interessa ao estruturalismo são as propriedades da língua, ou seja, os seus elementos internos e o seu funcionamento, que é estabelecido pela normatização linguística, de forma universal e homogênea. Segundo Bakhtin (2002, p.78-79), “o indivíduo recebe da comunidade linguística um sistema já constituído e qualquer mudança no interior deste sistema ultrapassa os limites da sua consciência individual”. Nesta concepção, a língua, portanto, é independente de seus usuários (falantes/escritores/leitores) e da forma como ela é utilizada por eles. No que diz respeito à leitura, o trabalho realizado a partir desta concepção focase na denominada “decodificação”, que é o mecanismo pelo qual “o leitor capta o significante ativado através da escrita e entende o significado do texto” (RANGEL, 2005, p.51). Dessa forma, para se chegar ao entendimento do texto, é necessário um estudo prévio das unidades menores que o compõem. Daí ser comum, na escola, atividades de leitura cujo foco está centrado no código, isto é, no sistema linguístico em si. Na concepção estruturalista da língua, o sujeito é predeterminado pelo sistema, comportando-se de forma passiva diante do texto, cabendo a ele apenas reconhecer as palavras e estruturas do texto (KOCH & ELIAS 2006). É o que pode ser percebido nas atividades de leituras descritas acima por Antunes (2005), quando ela elenca uma série delas, centradas nas habilidades mecânicas de decodificação, desvinculadas dos usos sociais, as quais se limitam a recuperar os elementos explícitos na superfície do texto. Para a autora, essas atividades são realizadas com fins meramente escolares, isto é, para servirem apenas como treino ou como instrumento de avaliação, ou que não desperta o interesse nem o gosto pela leitura prazerosa.

Segundo Bourdieu (2002), ao privilegiar o caráter estrutural da língua, o estruturalismo contribui “para a reprodução da ordem social, tendo em vista, que as produções simbólicas relacionam-se com os interesses das classes dominantes” (BORDIEU, 2002, p.11). A língua, neste caso, funciona como instrumento de manutenção da unidade política, “definindo espaços e papeis que, ao ser compartilhada, faz com que os sujeitos participem dessa comunidade linguística” (RANGEL, 2005, p.52). Como a língua oficial está atrelada ao Estado, a escola, enquanto instituição política, contribui diretamente para a perpetuação dessa língua, através da legitimação da língua padrão. A língua padrão, como se sabe, reconhecida pela escola como a única variedade da língua portuguesa a ser seguida, em detrimento de outras variedades possíveis, acaba excluindo ou desprestigiando todos aqueles que não compartilham dessa concepção de “língua oficial”. Naturalmente, a língua padrão está ligada aos grupos sociais hegemônicos, ou seja, é a língua do poder político, econômico e social. Desta forma, como afirma Bordieu (1998, p.32), “a língua oficial está enredada com o Estado tanto em sua gênese como em seus usos sociais”, exercendo o seu domínio através das instituições oficiais, a exemplo da escola. A escola, por sua vez, procura sistematizar a transmissão dessa língua oficial, através de seu poder coercitivo e hegemônico, quando determina que só a língua padrão seja a correta e que todas as demais são “erradas”. Para a escola, de acordo com Bakhtin (2002, p.79) “só existe um critério linguístico: está certo ou errado; além do mais, por correção linguística deve-se entender apenas a conformidade a uma dada norma do sistema normativo da linguística”. No entanto, para a efetivação e legitimação da língua padrão na escola, os professores são, de certa forma, incumbidos de reproduzir modelos adotados e consagrados por gramáticos, cumprindo com a função de meros reprodutores de atividades de leitura e de escrita modelares, no cotidiano da sala de aula. No que tange à leitura, nesta abordagem, tem-se o texto como “um simples produto de codificação de um emissor a ser decodificado pelo leitor/ouvinte” (KOCH & ELIAS, 2006, p.35). A leitura, dessa forma, é vista como uma atividade de reprodução do pensamento do autor, cabendo ao leitor captar ou “interpretar” as ideias do autor. Para isso, são comuns, na escola, exercícios voltados para a compreensão

e/ou interpretação de textos a partir de indícios puramente linguísticos, presentes na superfície textual, geralmente, extraídos dos livros didáticos. Nesse tipo de atividade, o aluno-leitor é direcionado, por intermédio do professor, para a realização de uma leitura cujo sentido é dado como único e verdadeiro, não sendo possíveis outras possibilidades de interpretação por parte do leitor. Neste contexto, quando a compreensão/interpretação do aluno não é a esperada (nem é a resposta do manual), o docente-mediador se vê, muitas vezes, em uma situação inesperada, uma vez que ele próprio não teve tempo nem a iniciativa de produzir seus próprios sentidos para a leitura que foi aplicada na sala de aula, apegando-se, exclusivamente às respostas sugeridas pelo livro didático. Para Rangel (2005, p.56), “este é o ambiente fértil para o erro que refreia, paralisa, subverte a leitura”. Aqui, as práticas de leitura na escola se resumem a atividades mecânicas, engessadas, nas quais tanto alunos como professores estão submetidos a reproduzirem o que é estabelecido pela cultura dominante, que estabelece normas, distribui forças de poder e legitima a ação de grupos que se constituem seus interlocutores, a exemplo da elite socioeconômica, políticos, gestores etc. E, de acordo com Certeau (1995) a prevalência da cultura dominante silencia as culturas minoritárias, dificultando a inclusão de novos atores no cenário social. Para o autor, na escola instituiu-se uma “cultura monolítica que impede que as atividades criadoras tornem-se significativas” (CERTEAU, 1995, p.142). Logo, na proposta estruturalista, o trabalho com a leitura na escola está “baseado no conhecimento dos fatos, informações selecionadas para serem transmitidas aos alunos, com fortes conotações instrumentais, visto estar direcionada para o caráter estático da cultura e do conhecimento” (RANGEL, 2005, p.68). Em outras palavras, é possível dizer que não interessa às elites a abordagens de outras culturas na escola que não aquela que é imposta, bem como não é interessante que se forme cidadãos-leitores críticos, que venham questionar e, principalmente, mudar as estruturas sociais implantadas e já enraigadas na sociedade.

2.2 A abordagem sociointeracionista

Diferentemente da concepção estruturalista, na qual a ler significa reproduzir significados, na concepção sociointeracionista “a leitura não é um ato isolado de um indivíduo diante do escrito de outro indivíduo. Implica não só a decodificação de sinais, mas também a compreensão do signo linguístico enquanto fenômeno social” (MAGNANI, 2001, p.49). Para Magnani, a leitura envolve produção de sentidos, o que se dá através da interação e da relação dialógica entre autor-texto-leitor. Aqui, de acordo com Rangel (2005, p.18), a leitura se processa a partir das “marcas deixadas pelo autor [...], exige do leitor um exercício de preenchimento dos vazios deixados pelo autor, que apela para as reações do leitor para completar aquilo que iniciou”. Assim, nesta perspectiva, o processo de leitura implica no conhecimento de outros elementos além do conhecimento do código linguístico. O texto, nessa visão, não se constitui em um simples produto codificado por um emissor a ser decodificado por um receptor passivo, mas se configura como “uma atividade na qual se leva em conta as experiências e os conhecimentos do leitor” (KOCH & ELIAS, 2006, p. 42). Nesse sentido, serão determinantes para a produção de sentidos levar em conta condições inerentes ao leitor, como o seu lugar social, seus valores, vivências, conhecimento enciclopédico etc. Dessa

forma,

nesta

concepção,

os

sujeitos

são

vistos

como

“atores/construtores sociais, sujeitos ativos que, dialogicamente, se constroem e são construídos no texto, considerando o próprio lugar da interação e da constituição dos interlocutores” (KOCH & ELIAS 2006, p.10-11). Logo, o processo de leitura de um texto não se dá unicamente pela via linguística, através da observação dos elementos presentes na superfície do texto, mas vai depender também de outros implícitos, os quais só serão perceptíveis a partir da interação em um determinado contexto sociocognitivo. Aqui, o sentido do texto se dá a partir dessa interação, não sendo possível sua apreensão anterior a essa relação entre autor-texto-leitor. Outro ponto a ser considerado, na concepção sociointeracionista da leitura, é o fato de que os conhecimentos diferem de um leitor para o outro e que, necessariamente, isso significa que há “uma pluralidade de leituras e de sentidos em relação ao mesmo texto (KOCH & ELIAS, 2006, p.20). Porém, cada sentido produzido será fruto, primeiramente, da competência leitora de cada indivíduo, pois, de acordo com Coracini (1995)

Se é o texto que predomina, ou seja, autoriza um certo número de leituras, (através das chamadas inferências autorizadas) e impede ou impossibilita outras, então, o texto é ainda autoridade, portador de significados por ele ilimitados, ou melhor, autorizados; o texto teria, assim, primazia sobre o leitor, que precisa, com competência, apreender o(s) sentido(s) nele inscrito(s) (CORACINI, 1995a apud RANGEL, p.18).

Esta visão permite-nos dizer que a leitura, então, é, em primeira mão, uma atividade individual, ou seja, vai depender da competência do leitor, no sentido de considerar “o texto e suas possíveis leituras” (RANGEL, 2005, p.19). Para Rangel, “a leitura é sempre diferente de leitor para leitor, ao implicar os conhecimentos prévios, as estratégias de leitura próprias de cada um e as habilidades linguísticas necessárias” (idem). Logo, é o desempenho do leitor no uso dessas habilidades que determinará o seu nível de proficiência em leitura, o que fará distinção entre um bom de um mau leitor. Portanto, a leitura se constitui como uma atividade interativa, que envolve sujeitos, saberes e implícitos que só são percebidos em um contexto sociocognitivo. Por isso, diferentemente das atividades de leitura centradas na concepção estruturalista da língua, descritas acima, o trabalho com a leitura na escola deve, segundo Magnani (2001, p.49), pautar-se na concepção interacionista da linguagem, uma vez que ler é “sempre lançar questões à linguagem, através de múltiplas mediações, à sociedade em que vivemos, falamos e escrevemos”. Além dos pontos elencados neste trabalho a respeito do fracasso com a leitura, Antunes (2003) ainda destaca o fato de que, no Brasil, temos uma escola “sem tempo para a leitura” (ANTUNES, 2003, p.28). Essa afirmação foi feita pela autora com base em pesquisas desenvolvidas sobre essa temática, mas que foram realizadas apenas em escolas públicas. No entanto, a autora acredita que em escolas particulares o resultado pode ser diferente. Mas dados divulgados pelos programas de avaliação externa, que envolvem alunos tanto da rede pública quanto da rede particular de ensino em todo Brasil, revelam que a deficiência abrange todas as esferas administrativas da educação, quando se avalia a proficiência em leitura. É o que veremos na próxima seção.

2. O DESEMPENHO DE ESTUDANTES BRASILEIRO EM LEITURA SEGUNDO PROGRAMAS DE AVALIAÇÃO EXTERNA EM LARGA ESCALA

É fato que a cultura das avaliações externas em larga escala já está consolidada em toda educação básica brasileira. Trata-se de uma prática que pode oferecer subsídios para a formulação de políticas públicas tanto para a Unidade da Federação, quanto para os estados e municípios. Elas são capazes de fornecer informações a respeito de seus estabelecimentos de ensino, através de instrumentos próprios de diagnósticos que podem revelar o nível de aprendizagem dos alunos de cada rede ou sistema de ensino. Essas avaliações colhem informações acerca dos resultados obtidos pelas escolas e pelas redes de ensino a partir do desempenho dos estudantes em testes ou provas padronizadas, verificando se o aprendizado desses alunos está em conformidade com o nível de ensino em que se encontram, ou seja, se, de fato, eles aprenderam o que estava previsto em cada série e/ou modalidade. Desta forma, segundo o Inep, as avaliações em larga escala Buscam assegurar a qualidade da Educação, fortalecendo o direito a uma educação de qualidade a todos os alunos. Os resultados dos testes aplicados apontam para a realidade de ensino, oferecendo um panorama do desempenho educacional (INEP, 2015).

Desta forma, as avaliações em larga escala podem trazer contribuições importantes para que seja possível refletir acerca de como o trabalho em cada ambiente escolar está sendo desenvolvido, de modo especial, no que tange à leitura, à produção textual e à resolução de problemas. Conforme o Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (CENPEC), esse tipo de avaliação “é um ponto de partida, de apoio, um elemento a mais para repensar e planejar a ação pedagógica e a gestão educacional” (CENPEC, 2013, p.12). Logo, essas ações são parte de estratégias governamentais que têm como objetivo garantir o direito de aprender de cada estudante brasileiro e, consequentemente, a melhoria da qualidade da educação em todo país. No que diz respeito à leitura, nos últimos anos os estudantes brasileiros, tanto do ensino fundamental como do ensino médio, têm participado de programas de

avaliação externa em larga escala, a exemplo do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), o Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), em nível nacional, além do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa). Esse, como o nome sugere, envolve alunos brasileiros e de outros países. Todos esses, no entanto, têm o objetivo de medir o desempenho dos estudantes da educação básica em competências como a capacidade leitora dos alunos, dentre outras. Dentre as competências cobradas, o Pisa tem, segundo Rojo (2009, p.31), “uma concepção cognitiva de leitura como extração de informação e relação entre informações extraídas de textos em diferentes gêneros e linguagens [...], os quais constituem práticas de leitura escolares e não escolares”. Já o Enem e o Saeb, de acordo com a autora, Aproximam-se mais de uma concepção discursiva de leitura, na medida em que incorporam descritores ou habilidades e competências que dizem respeito não somente ao conteúdo e à materialidade do texto, mas também a sua situação de produção” (ROJO, 2009, p.31).

No entanto, em ambos sistemas de avaliação, os resultados aferidos nos últimos anos têm revelado uma deficiência em leitura por parte do estudante brasileiro, que pode ser classificado como, no mínimo, preocupante. Neste trabalho, serão apresentados os últimos números divulgados em cada programa, mas relacionandoos entre si, nas esferas nacional, estadual e, especificamente, em uma unidade escolar, representante da esfera municipal.

2.1 O Programa de Avaliação Internacional de Estudantes (Pisa)

O Programa de Avaliação Internacional de Estudantes (Pisa) é desenvolvido pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômicos (OCDE), entidade que congrega 34 países filiados, além de manter parceria com outros 30 países, incluindo o Brasil. O Pisa tem como proposta avaliar estudantes que estão no final da educação básica, nesses países, verificando seus conhecimentos em leitura, ciências e matemática, quando as escolas participantes são selecionadas por sorteio, cujos critérios são definidos pela OCDE. Participam do processo de avaliação tanto

escolas da rede pública como da rede privada de ensino, de todos os países envolvidos, a cada três anos. De acordo com Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), órgão do governo brasileiro responsável pela aplicação do Pisa no Brasil, o programa tem o objetivo de

Produzir indicadores que contribuam para a discussão da qualidade da educação nos países participantes, de modo a subsidiar políticas de melhoria do ensino básico. A avaliação procura verificar até que ponto as escolas de cada país participante estão preparando seus jovens para exercer o papel de cidadãos na sociedade contemporânea (INEP, 2015).

Além da avaliação do desempenho dos estudantes em Leitura, Matemática e Ciências, o programa também coleta informações demográficas, socioeconômicas e educacionais, tanto dos alunos como de professores e de cada escola participante, através de questionários específicos por segmento. Segundo o Inep (2015), os resultados desse estudo podem contribuir para que políticas educativas sejam definidas pelos governos dos países participantes, o que pode “tornar mais efetiva a formação dos jovens para a vida futura e para a participação ativa na sociedade (INEP, 2015). A Matriz de Avaliação em Leitura, utilizada pelo Pisa, em sua última edição, no ano de 2009, teve como foco o letramento em leitura, cuja definição dada pelo OCDE é a de que “letramento em leitura é a capacidade de compreender, utilizar, refletir e se envolver com textos escritos, com a função de alcançar uma meta, desenvolver seu conhecimento e potencial, e participar da sociedade” (OECD, 2013). Dessa forma, a leitura é concebida como um processo ativo, pelo qual o estudante deve refletir e agir sobre suas experiências, a partir de seu conhecimento de mundo. Por isso, na Matriz de Avaliação são cobradas competências que vão além da decodificação do texto, a exemplo das características linguísticas e textuais, bem como competências metacognitivas, voltadas para a compreensão de textos, dos mais diversos gêneros, incluindo os digitais. A inclusão de uma variedade de textos solicitados visa, segundo a OCDE, verificar se os estudantes estão preparados para contribuírem ativamente para a sociedade, como cidadãos letrados.

Segundo dados da OCDE (2012), na última edição do programa, realizado em 2012, a pontuação atingida pelo Brasil, em proficiência em Leitura, foi de 410, num total de 500 pontos. Dentre 65 países participantes, o país foi ranqueado na 55ª posição, ficando abaixo de países sul-americanos, como Chile e Uruguai. Numa escala de proficiência que vai do nível 1 ao nível 6, quase metade dos estudantes que participaram do Pisa, em 2012, ou seja 49,2% não ultrapassou o nível 2. Esse nível, de acordo com a OCDE (2015), os textos apresentados exigem tarefas nas quais

O leitor localize uma ou mais informações que podem demandar inferência e devem atender a diversas condições. Outras exigem reconhecer a ideia principal de um texto, entender as relações ou interpretar o significado dentro de uma parte delimitada do texto quando as informações não aparecem em destaque, e o leitor deve fazer inferências elementares. Tarefas neste nível podem envolver comparações ou contrastes com base em uma única característica no texto. Tarefas de reflexão típicas deste nível exigem que o leitor estabeleça comparações ou várias conexões entre o texto e conhecimentos externos, baseando-se em experiências e atitudes pessoais (OCDE, 2015).

É importante salientar que, segundo o Inep, o Pisa realiza a avaliação de forma amostral e envolve tanto escolas da rede pública quanto da rede privada, localizadas em áreas urbanas e rurais de todos os Estados da Federação. São selecionados alunos na faixa etária de 15 anos, matriculados a partir do 8º ano do ensino fundamental, de todas as capitais brasileiras e cidades do interior de cada Estado brasileiro. Um dos critérios de seleção dos municípios é o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), sendo considerados os que apresentam índices abaixo ou acima da média do respectivo Estado (INEP, 2015). Além de produzir indicadores que venham a contribuir com a melhoria da educação dos países participantes, através do fomento às políticas públicas educacionais, o Pisa tem o objetivo de “verificar até que ponto as escolas de cada país participante estão preparando seus jovens para exercer o papel de cidadãos na sociedade contemporânea” (INEP, 2015). E, conforme afirma Bortone (2011), a leitura é a porta de entrada para a cidadania, uma vez que é através dela que a participação social é possibilitada. Para a autora, “é por meio da leitura (no seu sentido mais amplo) que o homem tem acesso à informação, defende seus pontos de vista e partilha dos bens culturais que este tipo de sociedade considera como legítimos, podendo exercer, assim, sua cidadania” (BORTONE, 2011, p.06).

2.2 O Sistema de Avaliação da Educação Básica

Diferentemente do PISA, que envolve alunos de vários países, o Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) é realizado exclusivamente com estudantes brasileiros, em todo território nacional. O Saeb está vinculado ao Inep, sendo composto por três programas específicos: Avaliação Nacional da Educação Básica (Aneb); Avaliação Nacional do Rendimento Escola (Anresc) e a Avaliação Nacional da Alfabetização (ANA), sendo que este último não será considerado neste trabalho, por ter seu foco no ensino fundamental e ensino médio. De acordo com o Inep, a Aneb “abrange, de maneira amostral, alunos das redes públicas e privadas do país, em áreas urbanas e rurais, matriculados no 5º e 9º anos do Ensino Fundamental e na 3ª série do Ensino Médio” (INEP, 2015). O principal objetivo desse programa é avaliar a qualidade, a equidade e a eficiência dos sistemas e redes de ensino do Brasil, por meio da aplicação de questionários. Por ser feito por amostragem, apresenta apenas os resultados do país como um todo, das regiões geográficas e das unidades da federação. Já a Anresc, ou Prova Brasil, como ficou mais conhecida em todo país, avalia as habilidades dos estudantes brasileiros em Língua Portuguesa, com foco em leitura, e em Matemática (foco na resolução de problemas). Essa avaliação é aplicada a cada dois anos, de forma censitária, somente a alunos do 5º e 9º anos, do ensino fundamental, da rede pública de ensino, nas esferas municipais, estaduais e federal, abrangendo tanto a área urbana como a rural. A Prova Brasil tem como objetivos, “contribuir para a melhoria da qualidade do ensino, redução de desigualdades e democratização da gestão do ensino público” (INEP, 2009, p.15). Nesse programa, ao contrário da Aneb, os resultados são disponibilizados por unidade escolar e por ente federativo, permitindo traçar um perfil da qualidade do ensino em cada escola participante da avaliação. Segundo o Ministério da Educação (MEC), oferecer um ensino de qualidade no país significa garantir ao cidadão brasileiro “o direito ao aprendizado de competências cognitivas básicas e gerais” (MEC, 2008, p.06), conforme previsto na Constituição Federal de 1988. Desta forma, para o MEC, “compete ao Estado definir uma maneira

de verificar se esse direito está sendo garantido para cada um dos alunos. Parte dessa necessidade foi atendida com a introdução da Prova Brasil” (MEC, 2008, p. 06). Para medir a competência leitora de cada aluno, a Prova Brasil disponibiliza textos de vários gêneros, os quais foram, segundo o MEC, “analisados previamente e, quando o aluno acerta ou erra cada item, sabemos em que nível de leitura se encontra” (MEC, 2008, p. 07). De acordo com suas respostas, o aluno recebe uma nota que é expressa em uma escala que varia de 0 a 500 pontos, cujo resultado classifica este aluno em um nível de proficiência, que vai do nível 1 ao nível 9, para alunos do 4º ano, e de nível 1 ao nível 8, para alunos do 9º ano. Assim, as deficiências de aprendizagem de cada escola serão reveladas a partir da aplicação dos testes, tanto do Saeb quanto da Prova Brasil, uma vez que ambos “avaliam competências construídas e habilidades desenvolvidas e detectam dificuldades de aprendizagem” (MEC, 2008, p.02). Logo, os resultados do Saeb e da Prova Brasil são de grande importância, pois possibilita a todos os envolvidos na educação refletir a respeito das práticas de leitura e de resolução de problemas nas escolas brasileiras, trabalhados nas aulas de Língua Portuguesa e Matemática, respectivamente. O desempenho dos estudantes nessas duas áreas pode revelar, de certo modo, o nível de desenvolvimento nas demais áreas do conhecimento, uma vez que é sabido que as habilidades de leitura e cálculos são essenciais para que se tenha êxito em todos os componentes curriculares trabalhados na escola.

2.2.1 os resultados da Prova Brasil

Para cumprimento da proposta deste trabalho, serão considerados aqui apenas os resultados da Prova Brasil referentes aos estudantes do 9º ano, do ensino fundamental, no ano de 2013, na competência Língua Portuguesa, não sendo, portanto, apresentados dados relativos à Matemática. A justificativa para se considerar apenas os dados relativos ao 9º ano, se dá pelo fato de ser a última série do ensino fundamental, se configurando a passagem dos estudantes de uma modalidade para outra. É importante saber em qual nível de proficiência em leitura os estudantes brasileiros estão ingressando no ensino médio, uma vez que as

habilidades leitoras serão cobradas em uma proporção maior nessa modalidade de ensino, em todos os componentes curriculares dessa última etapa da educação básica. De acordo com os dados do Inep, divulgados através do Departamento de Avaliação da Educação Básica (Daeb), na última avaliação, realizada no ano de 2013, a escala de proficiência que vai de 01 a 400 pontos, teve maior pontuação nas escolas da esfera federal, que alcançou 298,02 pontos. As escolas das redes estaduais de todo país atingiram o total de 239.84 pontos e as escolas municipais ficaram um pouco abaixo, com 234.35, conforme tabela abaixo:

Somando-se todas as esferas (federal, estadual e municipal), a pontuação cai para 237.78 pontos, se configurando abaixo da metade da pontuação da tabela de proficiência que vai até 400 pontos. Convertendo essa pontuação em nível de proficiência em leitura, constata-se que os estudantes brasileiros do 9º ano se enquadram no nível 2 (de 225 a 249 pontos), num total de 08 níveis, conforme tabela abaixo:

Para o Inep, o nível mínimo que deve ser atingido pelos alunos do 9º ano, em todo Brasil, é o nível 4, ou seja, a partir de 275 pontos. Logo, a pontuação alcançada por essa série, em 2013, está abaixo do esperado, no que tange à leitura. Nesse nível de proficiência, os alunos são capazes de:

A Organização Não-Governamental (ONG) denominada QEdu, que elabora e disponibiliza estatísticas a partir dos dados oficiais do Governo, no sítio www.qedu.org.br, adaptou os níveis de proficiência da Prova Brasil, estabelecendo uma nomeação para cada os níveis do Inep, apresentados apenas como de nível 1 a nível 8. Para o QEdu, os níveis de proficiência foram assim nomeados como insuficiente, básico, proficiente e avançado, de acordo com a pontuação atingida, segundo tabela abaixo:

Para cada nível de proficiência em leitura, o QEdu relacionou a uma legenda, numa escala de aprendizado, conforme dados a seguir:

Dessa forma, de acordo com as especificações do QEdu, ainda que não oficiais, os estudantes brasileiros, enquadrados pelo Inep dentro do nível 2, segundo a pontuação atingida, podem ser configurados numa proficiência de leitura considerada “básica”. Para essa Ong, houve pouco aprendizado por parte dos alunos, os quais precisam de atividades de reforço para melhorarem seu desempenho no que diz respeito às habilidades de leitura. Segundo as estatísticas do QEdu, mais da metade dos estudantes que participaram da Prova Brasil, no ano de 2013, foram classificados no nível “básico” (52%). Um quarto desses alunos (25%) atingiu apenas uma pontuação que atingiu o nível de aprendizado “insuficiente”. Por último, 20% desses alunos atingiu a proficiência esperada e apenas 3% ultrapassou as expectativas, tendo sido classificados como “avançados”, somando-se, no total, 23% dos estudantes classificados como proficientes ou acima dessa proficiência, como é se pode conferir nos dados abaixo:

Observando-se a tabela acima, é possível perceber que nas duas edições anteriores da Prova Brasil (2009/2011) os números apresentados são muito próximos, quase que coincidem. Em ambas, o número de estudantes considerados avançados foi exatamente o mesmo (3%) apenas; no nível considerado proficiente, a porcentagem coincidiu nas edições de 2009 e 2013 (20%), sendo que em 2011 a diferença foi de apenas 1%. Ainda que com pequenas oscilações na porcentagem alcançada, nas três edições o maior porcentual de estudantes não ultrapassou o nível básico, o que significa que houve pouco aprendizado em língua portuguesa e, consequentemente, em leitura, entre os estudantes do Brasil inteiro, nos últimos seis anos, quando as avaliações da Prova Brasil foram realizadas em todo país.

2.3 O Sistema de Avaliação Baiano da Educação

Seguindo a tendência nacional das avaliações externas em larga escala, diante da necessidade de se obter informações específicas de suas redes de ensino, muitos Estados e municípios brasileiros, criaram seus próprios sistemas de avaliação. Na Bahia, a Secretaria Estadual da Educação (SEC) criou, no ano de 2008, o Sistema de Avaliação Baiano da Educação (Sabe), em parceria com Centro de Políticas Públicas e Avaliação da Educação da Universidade Federal de Juiz de Fora (CAEd/UFJF). De acordo com a SEC, o Programa foi criado com o objetivo de realizar diagnósticos do desempenho dos estudantes da rede pública estadual, por área de conhecimento e tem “o propósito de criar um sistema de ensino mais justo e inclusivo, com chances de aprendizado iguais para todos os estudantes” (SEC, 2011, p.12). Daí em diante, o Sabe, passou a se configurar como uma importante política pública de avaliação da educação no Estado da Bahia, produzindo informações significativas, tendo em vista a melhoria da qualidade do ensino e da aprendizagem dos estudantes baianos. Ao realizar um diagnóstico mais detalhado do desempenho dos estudantes, o Programa fornece subsídios que contribuem diretamente para o acompanhamento de políticas educacionais e a implementação de ações no contexto escolar. Assim, os resultados das avaliações são utilizados não apenas com finalidade de ordem política, mas, principalmente, com o intuito de se fazer intervenções

pedagógicas, que venham a gerar impactos positivos diretamente nas unidades escolares, em toda rede pública no Estado da Bahia. É com esse objetivo que o Sabe abrange tanto os alunos em processo de alfabetização (Avalie Alfa) quanto os que já se encontram no ensino médio, através do Avalie Ensino Médio, que é a modalidade que nos interessa neste trabalho.

2.3.1

O AVALIE Ensino Médio

O Avalie Ensino Médio é uma avaliação externa, de natureza censitária, que faz parte do Sistema de Avaliação Baiano da Educação (Sabe). Tem o propósito de avaliar os estudantes do ensino médio, da rede pública estadual da Bahia, monitorando a evolução do rendimento dos alunos, através da aplicação de testes que verificam o nível de conhecimento nas diversas áreas do conhecimento. De acordo com a SEC, o Avalie Ensino Médio “tem por finalidade avaliar as habilidades e competências desenvolvidas pelos estudantes” (SEC, 2001, p.12), no Ensino Médio Regular e na Educação Profissional Integrada ao Ensino Médio, nas quatro áreas do conhecimento: Linguagens, códigos e suas tecnologias; Matemática e suas tecnologias; Ciências da Natureza e suas tecnologias; Ciências Humanas e suas tecnologias. A avaliação consiste na aplicação de provas com questões objetivas, de múltipla escolha, de cada área do conhecimento. No Brasil, os Estados e municípios que realizam seus próprios sistemas de avaliação em larga escala utilizam as matrizes de referências que foram produzidas pelo Sistema de Avaliação da Educação Básica, do Ministério da Educação (MEC). Porém, na Bahia, as matrizes de referências do Avalie Ensino Médio “também foram elaboradas tendo por base as habilidades presentes matrizes do Saeb, além dos Parâmetros Curriculares Nacionais e a matriz de referência do Enem 2011” (SEC, 2011, p.17). De posse dos resultados, o programa analisa os dados e classifica a situação da escola, em cada área do conhecimento. De acordo com o desempenho dos estudantes, a situação da unidade escolar pode ser considerada: muito crítica, crítica, básica ou avançada, para as questões objetivas, de acordo com a Escala de Proficiência, definida pelo programa, a saber:

Nível Nível I Nível II Nível III Nível IV

Pontuação Até 400 pontos De 400 a 500 pontos De 500 a 600 pontos A partir de 600 pontos

Conceituação Muito crítico Crítico Básico Avançado

2.3.1.1 os resultados do Avalie Ensino Médio em Língua Portuguesa

Os resultados aqui apresentados são dados da última edição do Avalie Ensino Médio, realizado no ano de 2013, em toda rede pública do Estado da Bahia. Serão apresentados e discutidos aqui apenas o resultado referente aos estudantes da 1ª série do ensino médio regular, pelo fato de que são alunos egressos do ensino fundamental, do ano anterior, os quais também participaram da Prova Brasil, quando ainda estudavam o 9º ano do ensino fundamental, em 2012. O Avalie apresenta o resultado das avaliações de forma individual, por unidade escolar, comparando-o com o desempenho das demais escolas que fazem parte da Diretoria Regional de Educação –Direc (atual Núcleo Regional de Educação) e também com a média de toda rede estadual. Aqui, será apresentado os dados do Colégio Estadual Nossa Senhora das Graças, localizado no município de Araci-BA, referentes ao Avalie aplicado em 2013:

No gráfico acima, podemos ver que a pontuação da unidade escolar em estudo foi 438, enquanto que a pontuação das escolas da Direc foi de 442,6 contra 447,8 pontos de toda rede estadual. Assim, pode-se dizer que, de acordo com a escala de proficiência do programa Avalie, em todas esferas, o nível de proficiência em leitura alcançado foi o crítico. As porcentagens atingidas em cada esfera foram muito próximas: 44,6%; 44,3% e 42,9%, respectivamente, o que revela um equilíbrio entre ambas, mas, na verdade, em nenhuma delas o nível de proficiência em leitura foi alcançado.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conforme visto, nos três programas de avaliação externa, aqui apresentados (Pisa, Prova Brasil e Avalie), os resultados apontam para uma deficiência no que diz respeito à proficiência dos estudantes brasileiros na competência leitora. Apesar dos inúmeros esforços e políticas públicas voltadas para o trabalho com a leitura nas últimas décadas, no Brasil, em todas as esferas da educação (municipal, estadual e federal), o problema com a leitura ainda está presente nas escolas brasileiras. Os dados analisados neste trabalho revelam que quase metade dos alunos brasileiros, tanto da rede pública como da rede particular de ensino, estão concluindo o ensino fundamental em um nível de proficiência abaixo do esperado para a modalidade de ensino na qual estão finalizando. Isso, pode, de certa forma, contribuir para a manutenção do problema no ensino médio, quando esses estudantes serão ainda mais exigidos em suas habilidades leitoras, devido ao grande número de componentes curriculares e, especificamente, pela necessidade que o aluno tem de ler, interpretar e compreender diferentes tipos de textos, em gêneros diversificados. O Pisa, de caráter internacional, mostrou que o Brasil ocupa as últimas posições no ranking dos países participantes, realizado com a participação de estudantes brasileiros tanto da rede pública como da rede privada de ensino. A Prova Brasil, por sua vez, aplicada em todas as escolas brasileiras, da zona urbana e da zona rural, também mostra que a proficiência em leitura dos estudantes está em um nível abaixo do esperado, se configurando no nível II, num total de oito níveis. E, por

último, o Avalie Ensino Médio, restrito à rede pública estadual da Bahia, evidencie a falta de preparo em que os alunos egressos do ensino fundamental ingressam no ensino médio, ao revelar dados que indicam que os estudantes da 1ª série do ensino médio foram classificados em um nível considerado básico, tanto na esfera local, através de dados do Colégio Estadual Nossa Senhora das Graças, bem como na esfera regional (escolas da Direc) e em toda rede estadual. Diante dos dados apresentados, é possível dizer que o estudante brasileiro necessita ter suas habilidades em leitura mais desenvolvidas, uma vez que a competência leitora é essencial para o sucesso, não só escolar, como profissional e, de certa forma, social de qualquer pessoa. Conforme discutido neste trabalho, o tipo de leitor formado pela escola contribui para o tipo de cidadão que o estudante será na sociedade, ou seja, o tipo de leitura e os gêneros que são trabalhados na escola poderão colaborar para que o estudante seja, após o período escolar, um cidadão passivo, que aceite as coisas como lhes são apresentados ou um leitor crítico, reflexivo, que questiona, discute e, acima de tudo, que lute por seus direitos.

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